UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA – UNB
FACULDADE DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO, CONTABILIDADE
INFORMAÇÃO E DOCUMENTAÇÃO – FACE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO - PPGA
E
CIÊNCIA
DA
ROSANA HOFFMAN CÂMARA
ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE AS CARREIRAS DE
PESQUISA E DE SUPORTE À PESQUISA NA EMBRAPA: O
ENFOQUE DA PSICODINÂMICA
Brasília – DF
2007
ROSANA HOFFMAN CÂMARA
ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE AS CARREIRAS DE
PESQUISA E DE SUPORTE À PESQUISA NA EMBRAPA: O
ENFOQUE DA PSICODINÂMICA
Dissertação apresentada no Programa de Pós-Graduação em
Administração, da Faculdade de Economia, Administração,
Contabilidade e Ciência da Informação e Documentação (FACE), da
Universidade de Brasília, como requisito à obtenção de grau de
Mestre em Gestão Social e Trabalho.
Orientadora: Profª. Drª. Maria de Fátima Bruno de Faria
Brasília – DF
2007
ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE AS CARREIRAS DE
PESQUISA E DE SUPORTE À PESQUISA NA EMBRAPA: O
ENFOQUE DA PSICODINÂMICA
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO APROVADA PELA SEGUINTE COMISSÃO
EXAMINADORA:
____________________________________________________
Profª. Dra. Maria de Fátima Bruno de Faria (Orientadora)
Universidade de Brasília, Programa de Pós-Graduação em Administração Orientadora.
_____________________________________________________
Profª. Dra. Ana Magnólia Mendes
Universidade de Brasília, Instituto de Psicologia - Examinadora.
____________________________________________________
Profº. Dr. Marcus Vinícius Soares Siqueira
Universidade de Brasília, Programa de Pós-Graduação em Administração Examinador.
Ao meu esposo, João Batista
Drummond Câmara e aos meus filhos
Stella, Henrique e Arthur, que
souberam esperar.
Também ao meu pai e minha mãe
Annita e Adolpho Hoffman (in
memorian) que infelizmente não
puderam compartilhar comigo este
momento de realização.
AGRADECIMENTOS
À minha família, João, Stella, Henrique e Arthur e principalmente à minha mãe,
Annita (in memorian). Todos acreditaram nesta investida e compreenderam a minha ausência
nos momentos de recolhimento para estudo.
Aos amigos constantes, mas que se mantiveram distantes em uma espera silenciosa e
compreensiva.
À professora Maria de Fátima Bruno de Faria, pela incessante orientação e alto grau
de exigência, incentivando-me constantemente, com seu exemplo, a prosseguir em direção à
minha meta de conhecimentos, e também por sua amizade e apoio.
Aos professores Ana Magnólia Mendes, José Newton Garcia de Araújo e Marcus
Vinícius Soares Siqueira. À primeira pelo auxílio irrestrito e constante no meu caminhar. Ao
segundo por sua capacidade de observação, análise e síntese, pela exigência de precisão e pelo
apoio ofertado no momento da qualificação do projeto desta dissertação e ao terceiro, por tão
rápida e desprendidamente, ter aceitado contribuir de modo definitivo para a finalização deste
trabalho.
A todos os professores do mestrado, meu respeito, carinho e admiração, pois não se
limitaram a apenas lecionar ou só transmitir conhecimentos. Sem exceções, foram amigos e
companheiros, me incentivando em cada etapa cumprida, em cada passo desta caminhada.
Ao professor Tomás de Aquino Guimarães, pela presença e cuidado constantes para
que eu conseguisse chegar ao final desta tão gratificante etapa de minha vida, permitindo a
realização de um sonho.
Aos funcionários do Programa de Pós-Graduação em Administração (PPGA) da UnB,
sempre dedicados ao trabalho diário e presentes em todos os momentos, dispostos a nos
ajudar.
Aos gestores do Departamento de Gestão de Pessoas da Embrapa, em especial ao Sr.
José Prado Fonseca Filho, que acreditou em minha capacidade e me proporcionou
tranqüilidade para a conclusão de meus estudos e ao Sr. César Felício Prata, pelo incentivo,
apoio e ótima atuação como conselheiro acadêmico.
Aos empregados da Embrapa, pela colaboração e engajamento nas respostas aos
questionários e entrevistas desta pesquisa, sempre prontos a ajudar e sem os quais me seria
impossível à conclusão deste.
Aos amigos e colegas da turma do curso de Mestrado, pelos momentos de estudo,
debates, aprendizado e sofrimento conjunto e, em especial, pelos momentos inesquecíveis de
descontração após as aulas. A todos, meu carinho e em especial à Onília Almeida, Geraldo
Torrecillas, Vinícius Correa, Virginia Nogueira, Leonardo Hoff, Rosânia Rodrigues de Sousa
e Suzana Canez da Cruz Lima.
Agradecer é saber que em algum momento se precisou de alguém. São inúmeras as
pessoas que me acompanharam nesta jornada. Ninguém conseguiria sozinho. Certamente
alguns aqui não foram citados. E certamente, não por minha vontade. Seria uma tarefa
hercúlea tentar agradecer a todos que me auxiliaram, lançaram um olhar de apoio, uma
palavra de incentivo, um gesto de compreensão, uma atitude de carinho.
A todos vocês, que compartilharam meu sonho, dedico este trabalho com a mais
profunda gratidão e respeito.
"Pedras no caminho?
Guardo todas,
um dia vou construir um castelo..."
Fernando Pessoa
RESUMO
O presente estudo teve como objetivo comparar diferenças na percepção de dois grupos de
carreiras distintas de uma mesma organização de pesquisa, quanto à influência do contexto de
trabalho e as vivências de prazer e de sofrimento advindas deste contexto. Foi amparado pelas
abordagens da Ergonomia da Atividade e da Psicodinâmica do Trabalho. Partiu do princípio
da importância da centralidade do trabalho na vida das pessoas e teve como pressuposto o
entendimento de que o prazer e o sofrimento são resultantes da interação dos trabalhadores
com determinado contexto de trabalho. Como indicadores de contexto as dimensões da
organização, condições e relações socioprofissionais dos trabalhadores foram observadas e
como indicadores das vivências de prazer foram utilizados a gratificação e a liberdade.
Finalmente como indicadores de sofrimento, os sentimentos de insegurança e desgaste frente
ao contexto organizacional embasaram os estudos. De acordo com a Psicodinâmica do
Trabalho, as vivências de prazer e sofrimento são apresentadas como construto teórico de
comportamento dialético em razão da coexistência das duas vivências em um único contexto
de trabalho. O estudo foi realizado na Embrapa, sendo conduzido por meio das abordagens
quantitativa e qualitativa. Na etapa quantitativa, participaram 245 empregados sendo 168
empregados da carreira de suporte à pesquisa e 77 empregados da carreira de pesquisa. Foram
utilizadas as escalas EACT e EIPST. Na etapa qualitativa, foram realizadas onze entrevistas
individuais abertas semi-estruturadas, sendo seis com o pessoal da carreira de suporte à
pesquisa e cinco com o pessoal da carreira de pesquisa. As escalas foram analisadas mediante
estatísticas descritivas e análises inferenciais por meio do software SPSS, versão 14.0 para
Windows. Foi utilizada a técnica de análise de núcleos de sentido para o exame dos dados
qualitativos. Com base nos resultados quantitativos e qualitativos foi possível constatar que, à
época da pesquisa, havia diferenças de percepção entre empregados de duas carreiras distintas
de uma mesma organização. Conclui-se que os empregados vivenciavam moderadamente
prazer e sofrimento, sendo que prevaleciam vivências de sofrimento para os empregados da
carreira de suporte à pesquisa com menos intensidade para o pessoal da carreira de pesquisa.
As principais estratégias de enfrentamento do sofrimento encontradas foram a racionalização
e a negação, recursos de defesas que buscam manter o equilíbrio biopsicossocial do
trabalhador. Foram sugeridos estudos empíricos sob diferentes perspectivas teóricas, de forma
a avançar no entendimento dos fenômenos estudados.
Palavras-chave: contexto de trabalho, prazer e sofrimento, carreiras, estratégias de mediação.
ABSTRACT
The present study had as objective to compare differences in the perception of two distinct
careers groups in a research organization, regarding the working context influence and the
pleasure existences and of suffering come upon of this context. It was based in the Activity
Ergonomics approaches and of psychodynamic of the work. It started in the centrality
importance principle of work in people's life and as concern presupposed the understanding
that the pleasure and the suffering are resultant of the workers interaction with determined
working context. Like context indicators the organization dimensions, terms and workers'
socioprofessional relationships were observed and how pleasure existences indicators were
used the gratuity and the freedom. Finally how suffering indicators, the insecurity and waste
front feeling to the organizational context based the studies. According to psychodynamics of
the work, the pleasure and suffering existences are presented how theoretical construct of
dialectic behavior in coexistence reason of the two existences in an only working context. The
study was held in Embrapa, being conducted by means of the quantitative and qualitative
approaches. In the quantitative stage, they took part 245 employees being 168 employees of
the support career to the research and 77 employees of the research career. They were used
EACT scales and EIPST. In the qualitative stage, they were performed eleven opened
individual semi-structured interviews, being six with the support career people to the research
and five with the research career people. The scales were analyzed by means of descriptive
statistics and inferential analyses by means of the software SPSS, version 14.0 to Windows.
The qualitative data were examined by means of the cores analysis technique of meaning.
Based in the quantitative and qualitative results, it was possible, at the time of the study, to
verify that there were perception differences among employees of two different careers in a
same organization. It concludes that the employees feeling moderately pleasure and suffering,
and prevailed suffering existences for the support career employees to the research with less
intensity for the research career people. The facing main strategies of the found suffering went
the rationalization and the denial, defenses resources who seek to keep worker's
biopsychosocial balance. They were suggested empiric studies under different theoretical
perspectives, to move forward in the understanding of the studied phenomena.
Key -Words: Working context, pleasure and suffering, careers, mediation strategies.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1:
Quadro 2:
Quadro 3:
Quadro 4:
Quadro 5:
Quadro 6:
Quadro 7:
Quadro 8:
Quadro 9
Quadro 10
Quadro 11
Quadro 12:
Dimensões que constituem o Contexto de Trabalho...................................
Indicadores de sofrimento no trabalho, segundo Jayet................................
Indicadores para verificação de prazer e sofrimento no ambiente
organizacional..............................................................................................
Indicadores do contexto de trabalho................................................................
Indicadores de prazer e sofrimento no trabalho...........................................
Composição da população...........................................................................
Descrição da estrutura fatorial da Escala de Avaliação do Contexto de
Trabalho (EACT)........................................................................................
Descrição da estrutura fatorial da Escala de Indicadores de PrazerSofrimento no Trabalho (EIPST).................................................................
Principais resultados obtidos na análise quantitativa.................................
Resumo das categorias sínteses da entrevistas individuais – Pessoal de
Suporte à Pesquisa......................................................................................
Resumo das categorias sínteses da entrevistas individuais – Pessoal de
Pesquisa......................................................................................................
Categorias das entrevistas individuais com pessoal das carreiras de
Suporte à Pesquisa e de Pesquisa...............................................................
37
56
71
78
81
86
88
89
110
113
121
129
LISTA DE FIGURAS
Figura 1:
Aspectos centrais da dimensão da Organização do Trabalho..........................
Figura 2:
Atividade de trabalho - Estratégias de mediação individual e coletiva do
38
tipo operatória..................................................................................................
41
Figura 3:
Funcionamento das estratégias de mobilização coletiva.................................
61
Figura 4:
A Psicodinâmica do Trabalho.......................................................................... 66
Figura 5:
Contexto de Produção de Bens e Serviços (CPBS) - Principais fatores.........
Figura 6:
Relação
entre
variáveis
pertinentes
ao
objeto
de
estudo
78
da
pesquisa...........................................................................................................
95
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1:
Faixa Etária da Amostra.........................................................................
99
Gráfico 2:
Grau de Escolaridade..............................................................................
99
Gráfico 3:
Outliers do Fator Insegurança................................................................. 104
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Caracterização da amostra quanto ao tempo de empresa e tempo no
cargo..................................................................................................................... 100
Tabela 2: Média e desvio padrão dos fatores de contexto do trabalho................................
Tabela 3: Média e
desvio
padrão
dos fatores das
vivências de prazer
101
e
sofrimento............................................................................................................
101
Tabela 4: Média e Desvio Padrão dos fatores em cada carreira..........................................
102
Tabela 5: Correlação entre os fatores das escalas e as duas carreiras estudadas................
107
Tabela 6: Correlações
entre
os
fatores
das
escalas
e
variáveis
demográficas........................................................................................................
108
SUMÁRIO
1 Introdução.......................................................................................................................
15
2 Referencial Teórico........................................................................................................
21
2.1 Considerações sobre a evolução histórica do trabalho..................................................
21
2.2 Concepções, sentido e significado do trabalho.............................................................
29
2.3 A Ergonomia da Atividade............................................................................................
35
2.3.1 Conceitos centrais que compõem a Ergonomia da Atividade....................................
39
2.4 A Psicodinâmica do trabalho........................................................................................
42
2.4.1 Conceitos centrais que compõem a Psicodinâmica do Trabalho...............................
52
2.5 Ergonomia da Atividade e Psicodinâmica do Trabalho – Um diálogo entre duas
disciplinas.....................................................................................................................
72
3 Metodologia...................................................................................................................
77
3.1 Abordagens utilizadas para a realização do estudo.......................................................
77
3.1.1 Ergonomia da Atividade............................................................................................
77
3.1.2 Psicodinâmica do Trabalho........................................................................................
79
3.2 Tipo de Pesquisa...........................................................................................................
82
3.3 População e Amostra....................................................................................................
84
3.3.1 Contextualização da organização..............................................................................
84
3.3.2 Critérios de seleção dos participantes........................................................................
86
3.4 Instrumentos de Coleta de Dados.................................................................................
87
3.4.1 Questionário...............................................................................................................
87
3.4.2 Entrevistas individuais abertas semi-estruturadas.....................................................
90
3.5 Procedimentos de Coleta de Dados..............................................................................
92
3.5.1 Questionários.............................................................................................................
92
3.5.2 Entrevistas..................................................................................................................
93
3.6 Análise de Dados...........................................................................................................
93
3.6.1 Questionários..............................................................................................................
93
3.6.2 Entrevistas..................................................................................................................
95
4 Apresentação dos Resultados........................................................................................
98
4.1 Resultados dos dados dos questionários.......................................................................
98
4.1.1 Resultados das análises estatísticas descritivas.........................................................
98
4.1.2 Resultados das análises estatísticas inferenciais........................................................ 102
4.1.2.1 Avaliação dos pressupostos dos testes estatísticos.................................................. 103
4.1.2.2 Resultados dos testes "t"......................................................................................... 105
4.1.2.3 Resultados das Correlações bivariadas................................................................... 106
4.1.2.4 Resultados da MANOVA....................................................................................... 108
4.1.3 Síntese dos resultados quantitativos.......................................................................... 110
4.2 Resultados dos dados das entrevistas........................................................................... 112
4.2.1 Resultados das entrevistas com o pessoal da carreira de suporte à pesquisa............ 113
4.2.2 Resultados das entrevistas com o pessoal da carreira de pesquisa...........................
121
4.2.3 Síntese dos resultados das entrevistas....................................................................... 129
5 Discussão dos Resultados.............................................................................................
130
5.1 Quantitativos................................................................................................................
130
5.2 Qualitativos..................................................................................................................
137
5.3 Quantitativos e qualitativos.........................................................................................
144
6 Conclusão....................................................................................................................... 150
Referências........................................................................................................................ 156
Anexo A - Escala de Avaliação do Contexto de Trabalho – EACT.................................. 163
Anexo B - Escala de Indicadores de Prazer-Sofrimento no Trabalho EIPST...................
166
15
1 Introdução
Indivíduo e sociedade. Não se concebe esta separação, assim como não se compreende
a cisão entre pessoas e organizações de trabalho. São as pessoas que estruturam as
organizações, que as planejam, fazem funcionar e atingir os objetivos e os resultados para que
as mesmas continuem existindo. As pessoas constituem o pilar de uma organização produtiva,
portanto, torna-se imperativo repensar questões relacionadas à qualidade de vida dos que nela
trabalham.
Após a mudança de paradigma da sociedade industrial para a sociedade do
conhecimento, as organizações precisaram se adaptar rapidamente a esta nova realidade, para
adaptarem-se às novas imposições do mercado. Todos os recursos organizacionais deveriam
estar em pleno funcionamento, ajustados à nova conjuntura, para garantir a sobrevivência das
pessoas inseridas nas organizações, da sociedade e das instituições.
O ser humano se vê pressionado, tanto na vida pessoal como profissional, aumentando
sua carga de trabalho e diminuindo assim o tempo para o descanso. Quando essa situação
permanece por um tempo considerável, há o risco desse processo robotizar a pessoa e de se
menosprezar a importância do bem-estar geral, o que pode levar o organismo a diminuir a
capacidade de reagir a estímulos externos e chegar à situação de estresse, depressão e outras
manifestações de adoecimento (DEJOURS, 1987, 1999a; FERREIRA; MENDES, 2003;
MORIN, 2001; TEIXEIRA FILHO, 2004).
Esse processo envolve desgastes, ansiedades, desequilíbrios e mudanças de
paradigmas. As pessoas começam a sentir-se ameaçadas frente a essa situação. É preciso estar
atento para manter a integridade física, psíquica e social dos trabalhadores no contexto de
trabalho, buscando vias que minimizem o sofrimento acarretado pelas mudanças sociais e
maximizem a qualidade de vida no trabalho. Diversos fatores contribuem ou prejudicam a
manutenção dessa integridade. Mantê-la, não é uma tarefa fácil.
Esta relação saúde-trabalho foi tema negligenciado por grandes instituições e
corporações ao longo de um extenso período, entretanto, vem reassumindo seu destaque nas
últimas décadas. (BORGES; YAMAMOTO, 2004; DEJOURS, 1993, 1994; FERNANDES,
1996; FERREIRA; MENDES, 2003; TEIXEIRA-FILHO, 2004).
Constata-se, no entanto, o aumento do interesse por questões relacionadas ao bemestar do trabalhador bem como o aumento do número de pesquisas no mundo do trabalho que
vêm se mostrando importantes e prolíferas devido à essencial posição que o trabalho assume
16
tanto para a estrutura social quanto econômica no mundo atual (ANTUNES, 1999; DEJOURS
1996, 1999a, 1999b, 2004; FERREIRA; MENDES, 2003; MORIN, 2001).
Assim, torna-se necessário que tais fenômenos sejam investigados empiricamente para
que se tenha um diagnóstico que fundamente possíveis ações mitigadoras dos fatores
geradores de desgaste e de insegurança no ambiente de trabalho.
Diante desse contexto, surgiu a motivação para investigar o seguinte problema de
pesquisa: Existiam diferenças nas percepções de duas carreiras distintas, em uma mesma
organização, sobre a influência do contexto de trabalho nas vivências de prazer e
sofrimento?
Fundamentada nesse fato, a pesquisa teve por objetivo geral investigar se a percepção
dos empregados de duas carreiras distintas, suporte à pesquisa e pesquisa, em uma
organização com foco em ciência e desenvolvimento tecnológico, era diferenciada entre os
dois grupos, em relação à influência do contexto de trabalho nas vivências de prazer e
sofrimento.
Para o alcance deste objetivo, para esta pesquisa, fez-se a opção de abordar a
concepção da Ergonomia da Atividade em articulação com a Psicodinâmica do Trabalho,
proposta por Ferreira e Mendes (2003).
A Ergonomia da Atividade define como contexto de trabalho a articulação das
dimensões condições de trabalho (suporte organizacional, remuneração), organização do
trabalho (ritmo, produtividade) e as relações sociais de trabalho (interações com chefias e
colegas), dimensões estas, adotadas nesta pesquisa.
Também para a Psicodinâmica do Trabalho a qualidade de vida do trabalhador está
associada às relações sociais de trabalho e à sua condição de existência (MENDES, 2007). O
eixo de análise é a dinâmica trabalho, prazer e sofrimento, que articula a organização do
trabalho e os processos de subjetivação manifestos nas vivências de prazer e sofrimento e nas
estratégias de ação para mediar estas vivências.
Os fatores vinculados à Psicodinâmica adotados para análise nesta pesquisa para
investigar as vivências de prazer e sofrimento no ambiente laboral foram: liberdade
(sentimento de ser aceito e admirado no trabalho e ter liberdade para pensar, organizar e
expressar sua individualidade); gratificação (sentimento de satisfação, realização e orgulho
de que o trabalho tem sentido e valor por si mesmo, de que é importante e significativo para a
pessoa, para a organização e para a sociedade); desgaste (sentimentos de desânimo,
descontentamento, adormecimento intelectual e apatia em relação ao trabalho) e insegurança
17
(temor de não conseguir satisfazer as imposições organizacionais relacionadas à competência
profissional, produtividade, ritmos e normas do trabalho).
Assim, visando agregar informações à produção científica sobre o tema, a proposta
deste estudo foi a de desenvolver uma pesquisa de natureza descritiva quanto à influência do
contexto de trabalho, nas dimensões acima referenciadas, sobre as vivências de prazer e
sofrimento das pessoas na organização em pauta, bem como se havia diferenças de
percepções entre duas carreiras estabelecidas em uma mesma empresa.
Esta pesquisa teve ainda como intuito: (a) verificar os indicadores de qualidade de
vida por meio das influências do contexto de trabalho nas vivências de prazer e sofrimento;
(b) comparar as percepções entre dois grupos de carreiras distintas e as causas, consoantes ao
contexto de trabalho, que influenciavam as vivências de prazer e sofrimento; (c) identificar as
estratégias de defesa ou de mobilização individual ou coletiva utilizadas pelos dois grupos; (d)
verificar a influência nos fenômenos pesquisados, das variáveis demográficas dos
profissionais que trabalham na instituição pesquisada; e (e) fornecer à empresa pesquisada
subsídios para desenvolvimento de programas que propiciem a melhoria do contexto
organizacional no que se refere à qualidade de vida no trabalho, nas duas carreiras.
Tais propósitos tiveram respaldo no cenário atual pelo qual passam as organizações e
que calcaram a relevância desta pesquisa.
Segundo Dejours (1987), embora todo e qualquer trabalho implique em sofrimento e
prazer, há aqueles que, por suas próprias características, trazem em seu bojo, uma dosagem
maior de sofrimento ou de prazer. Para o autor, quanto mais se sobe na hierarquia das
empresas, mais há espaço para a expressão do sujeito e menores são as vivências de
sofrimento.
Mendes (1994) reforça esta premissa quando estudando o prazer-sofrimento
identificou que, caso a organização do trabalho contemple a fragmentação e especialização,
tarefas repetitivas e pouco significativas e as relações com pares ou hierarquia baseadas em
fatores negativos como o controle e competitividade, predominarão vivências de sofrimento
expressas em sentimentos como frustração, tédio e impotência.
Impera, assim, a necessidade das organizações tomarem consciência da importância de
averiguar como se dá a percepção desse fenômeno por parte dos que nela trabalham, no
sentido de buscar mitigar o sofrimento das pessoas no ambiente laboral, visando adotar
medidas que identifiquem e procurem eliminar ou reduzir possíveis fontes de adoecimento
oriundas dessas situações.
18
Impactos do contexto de trabalho nas vivências de prazer e sofrimento do trabalhador
são assuntos de interesse tanto da Administração, como da Psicologia do Trabalho,
Engenharia de Segurança e demais disciplinas correlatas. Tais fenômenos, expostos ao estudo
das mais diferentes instâncias acadêmicas, emerge, embora não recentemente, da preocupação
com a sobrevivência das organizações produtivas.
Para Seligmann-Silva (1995) os trabalhadores, em geral, não deveriam ser expostos a
condições físicas perigosas ou prejudiciais à saúde. Referindo-se à presença dessas condições,
os autores afirmam que ela pode acarretar danos físicos, emocionais e sociais. Em
organizações de pesquisa, os empregados, além de sofrerem as pressões dos ambientes
internos e externos, ficam também expostos, em determinadas circunstâncias, a situações de
risco, posto que alguns atuam em laboratórios que utilizam produtos danosos à saúde.
Segundo Dejours (1993), é possível demonstrar que as condições e organização do
trabalho e as suas pressões influenciam a integridade física, psíquica e social do trabalhador.
A atividade profissional, além de um modo de ganhar a vida, constitui-se numa forma
de inserção social, na qual aspectos físicos, psíquicos e sociais estão fortemente implicados,
entretanto, existem estímulos eficientes para desencadear energias e uma sublimação
compensatória, atribuída às atividades de utilidade e reconhecimento sociais, funcionando
como operadores da saúde geral (DEJOURS; ABDOUCHELI; JAYET; 1994; DEJOURS;
DESSORS; DESRIAUX 1993).
Nesse caso, segundo esses autores, o trabalho torna-se um fator de integridade e de
desenvolvimento desde que dê condições ao trabalhador de aliar o desejo de executar a tarefa
às suas necessidades físicas, psíquicas e sociais, dependendo do contexto do trabalho e das
condições em que o realiza.
De acordo com Ferreira e Mendes (2003), no Brasil, estudos dessa natureza possuem
uma importância ainda maior, devida à notória precariedade em que se encontram algumas
categorias de trabalhadores, que sofrem com problemas como instabilidade profissional e
sobrecarga de serviço, entre outros; e, por isso, são acometidos, além de outras, por mazelas
como estresse e Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT), estes últimos
antigamente denominados de Lesões por Esforços Repetitivos (LER). Portanto, o sofrimento é
tido como uma vivência freqüente e permanente de experiências dolorosas impostas por
situações de trabalho.
Posto isto, a relevância da pesquisa decorreu da identificação de fatores do contexto de
trabalho que influenciam as vivências de prazer ou sofrimento em instituições de pesquisa,
19
bem como o efeito nos aspectos físicos, psíquicos e sociais e que podem impactar diretamente
no cenário acima citado.
As abordagens existentes e as pesquisas constantes em artigos científicos nacionais
acerca do tema (ABRAHÃO, 1993; CODO, 2004b; FERREIRA; MENDES, 2003;
PEREIRA, 2003; TILLMANN, 1994) demonstram poucas referências à percepção do prazer e
sofrimento e do bem-estar físico, psíquico e social relativos a grupos com naturezas distintas
de trabalho dentro de uma mesma organização. De modo geral, são investigadas categorias
similares de profissionais em organizações diversas.
Em face dessas constatações, tornou-se relevante desenvolver estudos comparativos
sobre os fenômenos objeto desta pesquisa, de modo a contribuir, além do conhecimento acima
citado, para melhoria de outras organizações de desenvolvimento científico e tecnológico, da
sociedade, bem como para a organização objeto deste estudo.
Para detalhamento deste estudo foram apresentados seis capítulos.
O Capítulo 1 introduziu a contextualização do problema de pesquisa e calcou os
objetivos propostos para esta nas abordagens teóricas, ressaltando a relevância e justificativa
de propósitos.
O Capítulo 2 trouxe o referencial teórico que fundamentou a investigação dos
fenômenos propostos abrangidos dentro das organizações, bem como as abordagens correlatas
ao tema. Trouxe uma exposição da evolução histórica do trabalho, aqui concebido como
categoria central para a formação do sujeito e da sociedade, vislumbrando os sentidos que o
trabalho assume frente aos principais modelos de gestão criados pelo sistema capitalista, as
transformações ocorridas no mundo do trabalho em virtude da crise do capital e as
implicações desse cenário para os trabalhadores.
Em seguida descreveu a contribuição da Ergonomia da Atividade e da Psicodinâmica
do Trabalho para o estudo das influências do contexto de trabalho nas vivências de prazer e
sofrimento, com base nas contribuições de Dejours e autores brasileiros, concebeu a
operacionalização dos principais conceitos das abordagens verificadas e, finalmente,
estabeleceu um diálogo entre as abordagens escolhidas para nortearem o estudo.
O Capítulo 3 relatou a metodologia utilizada, propondo as abordagens que definiram
as variáveis do estudo, a população investigada, os procedimentos adotados para coleta de
dados e o tipo de análise de dados utilizada para o atingimento dos objetivos geral e
específicos propostos.
No Capítulo 4 foram expostos os resultados obtidos por meio da análise quantitativa,
que permitiram a caracterizar a população pesquisada e apresentar estatísticas descritivas
20
como freqüência, médias e desvios-padrão e inferenciais como testes "t", correlações,
ANOVAs e MANOVA.
Os dados qualitativos foram apresentados por meio de quadros contendo cinco
categorias referentes ao pessoal de suporte à pesquisa e cinco categorias referentes ao pessoal
de pesquisa.
O Capítulo 5 discutiu os achados do estudo, buscando responder à pergunta
norteadora da pesquisa, com base na articulação dos objetivos propostos, resultados e
referencial teórico.
Ao finalizar, o Capítulo 6 apresentou as conclusões do estudo apontando
contribuições, limites, agendas de pesquisa e algumas considerações finais.
Haja vista todo o escopo apresentado nesta pesquisa, à seção a seguir trata, portanto,
do referencial teórico no qual se calcou o estudo.
21
2 Referencial Teórico
A primeira seção deste capítulo propôs um percurso histórico pelo mundo do trabalho
para que se tivesse uma visão panorâmica do contexto em que se inseriu o presente estudo.
Discorreu sobre como o trabalho chegou a ser o que é hoje e que fatores foram determinantes
para que o contexto socioeconômico vigente no mundo do trabalho se transformasse na
sociedade assalariada e precarizada que se encontra atualmente. Para tanto, buscou-se a
compreensão da construção histórica do contexto de trabalho, influenciada pelas idéias da
classe dominante, paralelamente à identificação das principais ocorrências críticas em cada
período.
2.1 Considerações sobre a evolução histórica do trabalho
Para entender como está estruturada a concepção de trabalho nos dias atuais, faz-se
necessária uma apresentação da origem do construto, iniciando-se pela ideologia em que foi
inicialmente sedimentada, a transformação da concepção pelo movimento operário, onde as
correlações de forças entre trabalhadores, patrões e Estado promoveram a evolução das
condições de vida e de trabalho, até o esgotamento do modelo taylorista-fordista, que
desemboca na contemporaneidade e impele à reflexão sobre o prazer, sofrimento e saúde dos
trabalhadores (BORGES; YAMAMOTO, 2004; DEJOURS, 1987; MACHADO, 2006;
MOTTA, 1987; RIBEIRO; LEDA, 2005; TEIXEIRA FILHO, 2004).
Segundo Borges e Yamamoto (2004), a origem da palavra trabalho está associada a
alguns termos latinos. Pode-se citar o termo tripalium (do latim vulgar tripalium, instrumento
de tortura composto de três paus ou varas cruzadas, ao qual se prendia o réu), que significava
atormentar com o tripálio, um instrumento utilizado para tortura. A partir de então, pode-se
perceber que o ato de trabalhar estava vinculado ao conceito de sofrimento, de martírio.
Historicamente, o homem sempre precisou trabalhar para viver. Primeiramente para
obter seu alimento, já que antes da civilização não tinha outras necessidades, face ao
primitivismo de sua vida. Na história da dominação do mais forte sobre o mais fraco, entre
outras coisas, a subjugação ocorreu também por meio do trabalho. O homem percebeu que
poderia colocar outras pessoas para fazer seus serviços, o que originou o conceito de
escravidão. A escravidão entre os egípcios, gregos e romanos atingiu grande proporções. Em
Roma, os grandes senhores tinham escravos de várias classes, desde pastores, operários,
gladiadores, músicos, filósofos e poetas.
22
Aristóteles afirmava que, para evoluir culturalmente, era necessário ser rico e ocioso e
que isso não seria possível sem a escravidão, chegando essa a ser legal e justa, naquele e em
outros períodos históricos (TEIXEIRA FILHO, 2004).
Para agravar mais ainda este aspecto, os nobres não trabalhavam, o que tornava ainda
mais estigmatizada essa atividade. Trabalho era sinônimo de escravidão e sofrimento.
No antigo império greco-romano, o trabalho era depreciado pelos cidadãos, os
considerados homens livres. Conforme Teixeira Filho (2004, p.7):
Platão considerava o exercício das profissões vil e degradante. Na Roma antiga só
duas profissões eram consideradas dignas: a agricultura e as armas. Para Cícero, ao
trabalhar por dinheiro, o homem se colocava no nível dos escravos. Por direito legal,
na Roma antiga, os homens livres podiam viver à custa do tesouro público.
Ribeiro e Leda (2005) indicam que, com o advento do cristianismo, a concepção de
sofrimento do trabalho não chega a se modificar drasticamente. O trabalho ainda era visto
como tarefa penosa e humilhante, como punição para o pecado, pois ao ser condenado, Adão
teve por expiação trabalhar para ganhar o pão com o suor do seu próprio rosto.
A servidão também foi praticada no feudalismo e tinha como característica a
vinculação do homem a terra e, apesar de os homens à época serem considerados livres,
dependiam dos senhores feudais até mesmo para se locomoverem. Tinham direito à herança,
porém, deveriam pagar impostos sobre esta ao dono da terra.
As corporações de ofícios coexistiram com a servidão, mas tinham características
diferentes, pois os trabalhadores estavam ligados a uma profissão, numa chamada associação
de artes de misteres, ou seja, os artesãos, onde também o homem era explorado pelo homem,
mais precisamente pelo Mestre, que normalmente era o proprietário da oficina ou o detentor
do direito de explorar a profissão, subordinando os companheiros e aprendizes.
Segundo Ribeiro e Leda (2005), embora as corporações de ofício utilizassem a
ideologia da subjugação, o grau máximo de realização com o trabalho deu-se na época da
produção artesanal, quando o trabalhador podia acompanhar e interferir em todas as etapas do
processo produtivo. O artesão revelava uma grande identificação com o próprio produto, pois
se sentia diretamente responsável pelos resultados obtidos.
Historicamente, sabe-se que essas corporações foram no início prestigiadas pelos reis
como forma de se contrapor ao poder dos nobres, porém acabou originando uma nova classe
social, a burguesia, que com o poder econômico dominou grande parte dos reinados.
23
Machado (2006) observa que, na prática, já estava havendo a migração dos
trabalhadores dos campos, que se faziam libertos da escravidão, da servidão ou mesmo das
corporações para as cidades, que começavam a se desenvolver, surgindo uma nova classe de
trabalhadores: o proletariado.
Borges e Yamamoto (2004) indicam que, apenas após o surgimento do capitalismo,
uma mudança mais visível se consolida no mundo do trabalho, a era denominada de
Revolução Industrial, onde emergem os estudiosos e teóricos que analisaram e influenciaram
todo o processo histórico recorrente no mundo do trabalho.
Surge o trabalho assalariado, espectro da venda da força de trabalho do homem como
uma mercadoria, privilegiando-se a visão utilitarista, quando se faz necessária uma
ressignificação do mundo do trabalho, pois para a construção do novo “homo economicus”,
exige-se o desmantelamento do clássico sistema de pensamentos, conceitos, compreensões e
representações medievais do trabalho escravizante. “Assim, numa economia que nutre uma
visão utilitarista do trabalho, formula-se uma ideologia que atribui elevada centralidade ao
trabalho, independente de seu conteúdo, associada a uma ética do cumprimento do dever”
(BORGES; YAMAMOTO, 2004, p.31).
Borges e Yamamoto (2004) expõem que as tentativas de aumento de produtividade
eram preocupações centrais das obras de Adam Smith no final do século XVII, cujo principal
postulado focava-se em maior produtividade mediante a especialização do trabalhador em
uma única tarefa. Este teórico afirmava que a divisão do trabalho era uma conseqüência
natural das aptidões individuais do ser humano.
Ribeiro e Leda (2005, p.1) apontam que:
Com a Revolução Industrial a emoção é retirada do local de trabalho. A
racionalização é a palavra mais repetida no mundo dos negócios. A programação e o
controle são determinantes, tudo é calculado, preciso. O cronômetro entra na fábrica,
apodera-se dela, regula-a, domina-a, ultrapassa os seus muros e vai ditar formas de
convivência para uma nova sociedade.
Para Durkheim (1987), a divisão do trabalho não se restringiu à esfera econômica.
Essa ideologia contaminou todo um modelo de pensamento científico e social. A divisão do
trabalho, ao mesmo tempo em que se tornou uma lei da natureza, configurou-se também como
uma regra moral da conduta humana.
Dejours (1987) aponta que o período de desenvolvimento do capitalismo industrial
caracterizou-se pelo crescimento da produção, pelo êxodo rural e pela concentração de novas
populações urbanas, que acarretaram condições de vida miseráveis. Quanto às condições de
24
trabalho da época, o autor denominava-a de Miséria Operária.
Machado (2006) afirma que, nas indústrias, os patrões tinham a obrigação apenas de
pagar um mísero salário, sem se preocuparem se era suficiente para as necessidades mínimas
dos trabalhadores. Somava-se a isso, a abundância de mão-de-obra que chegava às cidades, de
modo que não havia a preocupação da perda da prestação de serviços, podendo um operário
facilmente ser substituído por outro. Essa situação prevaleceu até que surgiu, dadas às
condições inóspitas dos trabalhadores, a chamada formação de uma consciência de classe.
Assinala, ainda, que tais condições propiciaram o surgimento de luta de classes,
colocando aqueles que estavam subjugados, em posição antagônica aos detentores dos
grandes capitais, ou seja, posicionava-se de um lado a miséria dos operários e de outro, a
opulência dos patrões. A consciência da classe operária foi formada lentamente durante todo o
século XIX, favorecendo um campo fértil para o surgimento do direito do trabalho.
Dejours (1987) corrobora essa afirmação quando indica que é do próprio movimento
operário que surge a solidariedade e a ideologia revolucionária, bem como que as
reivindicações operárias chegam ao nível político e marcam todo o século, aonde as
reivindicações vão se ampliando, porém são deliberadamente postergadas politicamente.
O autor traz alguns dados marcantes quanto à implementação de legislações que
atendessem a essas reivindicações: nove anos para a supressão da caderneta operária (18811890), treze anos para o projeto de lei sobre a redução do tempo de trabalho das mulheres e
crianças (1879-1892), onze anos para a aprovação da lei sobre a higiene e a segurança (18821893), quinze anos para a lei sobre acidentes de trabalho (1883-1898), quarenta anos para a
jornada de dez horas (1879-1919), vinte e sete anos para o repouso semanal (1879-1906),
vinte e cinco anos para a jornada de oito horas (1894-1919) e vinte e três anos para a jornada
de oito horas nas minas (1890-1913). Somente a partir do final do século são obtidas leis
sociais pertinentes, especificamente, à saúde dos trabalhadores.
Borges e Yamamoto (2004, p. 32) indicam que “a história do desenvolvimento
capitalista, é também a história da resistência dos trabalhadores”. Nasce a construção da
consciência de classe dos próprios trabalhadores, estimulando o crescimento da organização
trabalhista, que marcaram o final do século XVII e todo o século XIX pelo desenvolvimento
de movimentos sindicais. As idéias de Engels e Marx impactaram profundamente esse
processo de tomada de consciência de classe.
Dejours (1987) afirma que o movimento operário adquire bases sólidas. As
necessidades de produção oriundas da segunda grande guerra e a escassez da mão-de-obra,
proveniente das mortes dos trabalhadores nos campos de batalha, balizam um vasto programa,
25
onde a proteção do corpo é a preocupação dominante. Uma verdadeira reviravolta na relação
homem-trabalho.
Paralelamente, é importante a distinção de que o século XVIII é conhecido como o
século do Iluminismo e da razão. Um conjunto de fatos socioeconômicos e políticos cria o
contexto favorável ao incremento na forma de gerenciar o trabalho e as empresas e leva à
elaboração de uma sustentação científica para a concepção e organização do trabalho.
Motta (1987) destaca que, no início do século XX, surgem os pioneiros da
racionalização do trabalho, que ficaram conhecidos como os fundadores da Escola de
Administração Científica, ou Escola Clássica. Essa escola privilegiava a administração dos
recursos humanos nas empresas com foco no controle extensivo e no comando.
Alguns autores indicam que Winslow Taylor imprime importantes mudanças no
pensamento científico de gestão do trabalhador, à época (BORGES; YAMAMOTO, 2004;
MOTTA, 1987). Sua teoria calcava-se fortemente “em sua avaliação da “vadiagem” no
trabalho”, onde “... o trabalhador procura fazer sempre menos do que pode e que quando
demonstra interesse em produzir, é perseguido pelos demais” (BORGES; YAMAMOTO,
2004, p. 35). É dele o estudo clássico sobre “Tempos e Movimentos”, que visava eliminar os
movimentos desnecessários e substituir os movimentos lentos e ineficientes por movimentos
rápidos, com o intuito de aumentar a produção. O homem deveria ser poupado de “pensar” e,
para tanto, ênfase deveria ser dada à supervisão direta das tarefas. Cabia ao administrador,
determinar a única maneira certa de se fazer o trabalho.
As contribuições tayloristas na construção da administração científica do trabalho são
complementadas por Henry Fayol (DEJOURS, 1987; MOTTA, 1987). Fayol partiu de uma
visão macroscópica da organização, preocupando-se com as funções de gerenciamento. É dele
a clássica divisão das funções do administrador em planejar, organizar, coordenar, comandar e
controlar, o chamado POC3.
Paralelamente ao Movimento da administração Científica, surge um modelo similar,
desenvolvido por Henry Ford, que introduz inovações tecnológicas e econômicas ao sistema
de produção. O mecanicismo e a produção em massa começam a afetar as normas de
consumo e de vida da população (BORGES; YAMAMOTO, 2004; MOTTA, 1987).
Ribeiro e Leda (2005) indicam que o método taylorista/fordista, utilizado nas
indústrias, rapidamente contagia outras organizações, incluindo igreja, família e tipos de lazer.
Valores novos passam a determinar a sincronização dos tempos de vida e do trabalho. São
estabelecidos horários exatos para chegar e sair da fábrica, tempo predeterminado para
26
executar uma tarefa. O consumo do tempo livre é monitorado, a quantidade e as formas de
lazer devem ser adequadas para não interferir na disposição e produtividade do operário.
O trabalho passa a ser reconhecido como uma atividade central, na medida em que
abrange a maior parte do tempo do indivíduo e em que é criado um novo espaço social para
lhe dar o suporte necessário.
Nesse período, destaca-se a invenção da esteira rolante, muito bem caracterizada por
Charles Chaplin, em seu filme “Tempos Modernos”, onde esse modo de organizar o trabalho
estabelece o ritmo do trabalho pela cadência da máquina. O período foi marcado pela
intensificação e parcelamento das tarefas, exigências por eficiência, monotonia e falta de
conteúdo do trabalho.
Assim, as tendências da Administração Científica do Trabalho fundamentavam-se,
portanto em conceitos como o “homo economicus”, uma única maneira certa de se trabalhar e
em um incentivo monetário para o aumento da produção. O ser humano começa então, a
sentir-se insatisfeito ao deparar-se com a realidade laboral (BORGES; YAMAMOTO, 2004;
DEJOURS, 1987; MOTTA, 1987).
Dejours (1987) considera que em 1893, com a chamada introdução do Movimento da
Administração Científica nas indústrias, surge uma nova tecnologia de submissão, de
disciplina do corpo e organização do trabalho, que interferem significativamente na saúde
física e mental do trabalhador. O trabalho braçal é radicalmente separado do trabalho mental,
onde as doenças se agravam.
Motta (1987) enfatiza que com o crescimento da insatisfação do trabalhador, do
movimento operário e sindical, bem como de críticos contundentes à administração científica
do trabalho, surge a chamada Escola de Relações Humanas, como um contraponto da ciência
à organização do trabalho vigente na época.
Ressaltam-se estudos de cientistas sociais, marcados principalmente por pesquisas
realizadas em uma fábrica de equipamentos eletrônicos em Hawthorne. Embora essa escola
também visasse o aumento da produtividade e lucratividade pelos trabalhadores, estudava
uma maneira de reduzir os custos dos conflitos entre trabalhadores e empresas. Cientistas
como Mary Follet, Elton Mayo e Harold Leavit e a teoria do “homo social”, são os grandes
nomes do período. A principal mudança social no mundo do trabalho a ser introduzida, focase na possibilidade do trabalhador poder agora, interferir, mesmo que de modo limitado, nas
decisões (MOTTA, 1987).
Não se objetiva aqui detalhar a influência da transformação do mundo do trabalho
exercida por vários cientistas organizacionais do período, entretanto, não se pode esquecer o
27
impacto que tiveram as influências do enfoque Behaviorista e o “homem administrativo”, com
nomes como Douglas McGregor, Chris Argyris, Rensis Likert, Chester Barnard e Hebert
Simon, bem como do Estruturalismo e o “homem organizacional”, cujos teóricos mais
conhecidos historicamente são Max Weber e Karl Marx (BORGES; YAMAMOTO, 2004;
DEJOURS, 1987; MOTTA, 1987; RIBEIRO; LEDA, 2005).
Borges e Yamamoto (2004) consideram que este período se constituiu em um dos
mais efervescentes da história da humanidade. As duas guerras mundiais tiveram forte
impacto no mundo do trabalho, principalmente no que tange às relações trabalho X capital e
nas reformulações de idéias sobre o tema.
Dejours (1987) revela que, após esse período, começa a desenhar-se uma nova etapa: a
preocupação com a saúde mental do trabalhador. No âmbito econômico, ocorre um
esgotamento do sistema taylorista. No âmbito social, o sistema organizacional não garante
mais a superioridade e no âmbito ideológico, o sistema taylorista passa a ser acusado de
desumano, tanto pelos operários quanto pelo patronato. Inicia-se a Era Pós-industrial.
Ribeiro e Leda (2005) confirmam que no início da década de 70 com a crise do
capitalismo, o modelo taylorista/fordista começou a dar os seus primeiros sinais de
decadência. O mundo sofre mudanças que geram significativas transformações nas relações
de trabalho. Tornou-se necessária uma nova forma de organização industrial, com uma
estrutura mais flexível para adequar-se com mais facilidade às constantes transformações do
mercado.
Para Dejours (1987), o final do século XIX traz a mudança de paradigma da sociedade
industrial para a sociedade do conhecimento. As organizações precisam se ajustar
rapidamente a esta nova realidade, para adaptarem-se às novas imposições do mercado. O ser
humano se vê pressionado, tanto na vida pessoal como profissional, aumentando sua carga de
trabalho e diminuindo assim o tempo para o descanso. Quando permanece por um tempo
considerável, o processo de “robotizar” o ser humano e menosprezar a importância do seu
bem-estar levam o organismo a diminuir a capacidade de reagir a estímulos externos, que
pode chegar à situação de estresse.
Ribeiro e Leda (2005, p. 1) revelam que:
Muitos fatos pressionaram os empresários, impulsionando-os a reverem os seus
princípios de gestão administrativa. Dentre eles, pode-se citar: a crescente
concorrência japonesa; o aumento do grau de exigência dos clientes, que não
estavam mais dispostos a consumir produtos fabricados em série sem nenhuma
diferenciação; a queda da taxa de lucro; a eclosão de revoltas do operariado e a crise
28
do Welfare State. É nesse contexto que emerge a era da acumulação flexível,
caracterizada por um intenso processo de reestruturação da produção e do trabalho.
Na década de 80, consagrou-se o modelo japonês, também conhecido como toyotismo,
trazido para o ocidente pelo o engenheiro japonês Eiji Toyoda. Os empresários ocidentais
buscavam soluções na experiência nipônica para os seus problemas. Uma nova forma de
organização da produção e do trabalho, mais flexível e que exigisse menor concentração de
estoques, disseminou-se, inicialmente nas indústrias, abrangendo posteriormente a área de
serviços (ANTUNES, 1999; BORGES; YAMAMOTO, 2004; DEJOURS, 1987; RIBEIRO;
LEDA, 2005).
Nos anos 90, face às mudanças impostas pelo processo de globalização, que impactaram
de modo significativo à sociedade produtiva e o modelo de geração e disseminação do
conhecimento, torna-se agora, meio de engessamento do fluxo de desenvolvimento
empresarial, por não mais dar respostas no tempo necessário aos processos de tomada de
decisão, os quais devem ser cada vez mais imediatos e consistentes, acarretando um
desnorteamento dos empregados envolvidos e conseqüências negativas para o ambiente
laboral.
A intervenção concreta na realidade, por meio do desenvolvimento de projetos intra e
interinstitucionais e interdisciplinares, voltados ao enfrentamento de demandas sociais,
propicia um espaço efetivo de vivência e participação dos trabalhadores.
Justifica-se a premência dessa intervenção, posto que a conquista dos resultados obtidos
pelas organizações nessa temática mostram-se incipientes e, principalmente, o enfrentamento
dos novos desafios que se apresentam por força das mudanças sociais e tecnológicas que
ocorrem de forma cada vez mais acelerada, impõem um esforço permanente de adequação
organizacional.
Começam a se afigurar outras tendências e desafios no mundo do trabalho. Muitas
empresas dividem-se em pequenos grupos, em diferentes partes do mundo, numa relação de
terceirização ou subcontratação. Vivencia-se um gradativo desaparecimento dos empregos
permanentes somados a uma crescente precarização e instabilidade do trabalho. A classe
trabalhadora convive com a fragmentação e a heterogeneidade em sua atual composição,
submetendo-se a acordos e concessões das mais diversas ordens para a perpetuação da
sobrevivência. A representatividade social dos sindicatos começa a ser reduzida. A classe
trabalhadora experimenta uma situação de enfraquecimento e desamparo, mostrando-se
apreensiva diante das mudanças de rumo da vida profissional. As incertezas do capitalismo
flexível geram um aumento de desconfiança. Sofrem os desempregados por não verem
29
perspectivas e os empregados pelo receio de deixar de tê-las. (ANTUNES, 1999; BORGES;
YAMAMOTO, 2004; RIBEIRO; LEDA, 2005).
O mundo do trabalho, como tem sido chamado, vem passando por profundas
transformações nas últimas três décadas. Aponta-se a crise estrutural do capitalismo que, em
decorrência da política neoliberal, causou desemprego massivo, informalidade, precarização e
decomposição dos salários, em nível global. Posto isso, pesquisas evidenciam que a saúde do
trabalhador começa a sofrer os impactos da reestruturação produtiva.
Afirmam ainda Borges e Yamamoto (2004, p.58) que “... embora cada uma das
concepções citadas seja típica de um tempo histórico específico, o surgimento de uma não
significa a extinção da outra. Todas de alguma forma continuam existindo”. Refletem ainda
que a diversidade presente na atual realidade do mundo do trabalho indica um aumento da
responsabilidade sobre estudos e concepções que norteiam cada ambiente laboral.
De acordo com Ribeiro e Leda (2005) a categoria trabalho não pode ser pensada como
natural ou a-histórica. O trabalho analisado em sua subjetividade, inserido em um contexto
econômico, político e social com tantas diversidades, leva os indivíduos a terem duas
vivências bastante distintas. A primeira referente a um caráter negativo; e a segunda a uma
dimensão positiva. Em alguns momentos representa castigo divino, punição, fardo, incômodo,
carga, algo esgotante para quem o realiza. Em outros, espaço de criação, realização,
crescimento pessoal, possibilidade de o homem construir a si mesmo e marcar sua existência
no mundo.
Depreende-se do contexto histórico exposto, que fortes ideologias marcaram
determinados períodos, porém, de modo geral, assumiram um caráter dicotômico e
concomitante frente ao mundo do trabalho, que aparece ora como instrumento de tortura,
castigo e sofrimento e ora como meio de felicidade, satisfação e prazer.
Diante da conjuntura histórica apresentada, que culminou em várias concepções
distintas do mundo do trabalho, a próxima seção visa contribuir para um debate sobre a
natureza e o lugar do trabalho contemporâneo e ao mesmo tempo, refletir sobre o potencial
que a dimensão do trabalho pode assumir na organização.
2.2 Concepções, sentido e significado do trabalho
Nesta seção, são tratadas as concepções de trabalho, mediante alguns enfoques e
abordagens teóricas, bem como de que modo essas concepções se inserem no ambiente de
trabalho, em organizações formais.
30
Como visto anteriormente, as concepções de trabalho, ao longo do tempo, foram se
modificando de acordo com o contexto histórico e social. No final do século XX, com a
hegemonia do pensamento econômico, ampliou-se a influência das organizações na sociedade
e na vida dos indivíduos, fazendo com que estes manifestassem diferentes concepções sobre o
trabalho.
Principalmente nas últimas três décadas do século XX, ocorreram inúmeras
transformações sociais, entre as quais se destacam o pensamento econômico e empresarial na
sociedade, o racionalismo econômico, ampliando enormemente o papel das organizações na
sociedade e na vida dos indivíduos (CHANLAT, 1996).
Para esse autor, o indivíduo depara-se com uma sociedade dominada pelo capital, na
qual reina o pensamento de curto prazo e que estimula os trabalhadores a deixarem de ver o
trabalho como uma parte da vida, encarando-o como uma forma de sobrevivência e
acumulação de riquezas (CHANLAT, 1996).
O processo de mudança em curso cria uma classe trabalhadora fragmentada, complexa
e heterogênea, a ponto de apresentar-se mais qualificada em determinados setores (inclusive
com relativa intelectualização do trabalho) e desqualificada e extremamente precarizada em
outros (ANTUNES, 1999, 2002).
Para tanto, faz-se importante à análise de alguns autores sobre o significado do
trabalho, assim como da discussão de outro conceito inter-relacionado: o emprego.
Para Morin (2001, p.12), a definição de trabalho refere-se à “uma atividade útil,
determinada por um objetivo definido além do prazer gerado por sua execução” enquanto que
emprego, “corresponde ao conjunto de atividades remuneradas e possui a noção de salário e
do consentimento do indivíduo em permitir que uma outra pessoa dite suas condições de
trabalho”.
Santos (1997, p. 115) considera que “o trabalho consiste no exercício de uma atividade
física ou intelectual aplicada na produção de bens ou serviços úteis à satisfação das
necessidades humanas ou dos seres vivos”. Para o autor, não há uma distinção clara entre
trabalho formal, o emprego, e o informal, trabalho sem vínculo empregatício.
Já para Ferreira (2003, p. 34) “como processo, o trabalho é atividade mediadora entre
o indivíduo e o ambiente, em uma via de mão-dupla: ao buscar transformar o ambiente para
satisfazer suas necessidades materiais e espirituais, o indivíduo, como resultados dos efeitos
da própria ação, é “transformado” por ele”.
Vê-se que para alguns autores, as concepções de trabalho e emprego se misturam, não
havendo consenso entre os mesmos. Assim, o termo trabalho ou emprego é objeto de distintos
31
significados ou sentidos. Ele pode ser entendido de acordo com diversos critérios utilizados
na literatura. Implica em distinguir as relações de poder, classificar quanto às ocupações e
profissões, quanto à complexidade, se formal ou informal, se emprego ou trabalho, se braçal
ou intelectual, dentre outros.
Em pesquisa realizada por Borges (1999), a autora confirma que as concepções do
trabalho norteiam o indivíduo sobre a posição que o trabalho deve ocupar na vida, o modelo
ideal de trabalho definido por meio dos valores humanos, a hierarquização e uma leitura das
características do trabalho concreto. Essas concepções resultam de um processo histórico, no
qual o desenvolvimento e propagação de cada uma acontecem paralelamente à evolução dos
modos e relações de produção, da organização da sociedade como um todo e das formas de
conhecimento humano. A autora classifica essas concepções em três grandes dimensões de
interesses econômicos, ideológicos e políticos, justificando-se como instrumento das relações
de poder.
Para Borges (1999), essas concepções propagam-se pelas sociedades, por intermédio
de vários agentes socializadores, destacando-se o próprio ambiente de trabalho (incluindo aí a
gerência), o sindicalismo, as organizações educacionais, os governos, os partidos políticos, as
organizações religiosas e a família.
Pesquisas realizadas por Morin (2001) e Morin, Tonelli e Pliopas (2003),
fundamentadas em estudos anteriores realizados pelo grupo Meaning of Work (MOW) em
1987, demonstram que a maioria dos indivíduos expressa que, mesmo que tivesse condições
para viver o resto da vida confortavelmente, continuaria a trabalhar, pois o trabalho, além de
fonte de sustento, é um meio de se relacionar com pessoas, se sentir como integrante de um
grupo e da sociedade, para terem uma ocupação, um objetivo a ser atingido na vida. Além
disso, apontam que o trabalho pode assumir tanto uma condição de neutralidade quanto de
centralidade na vida dos trabalhadores, assim como na sua identificação com a sociedade.
Para Mendes e Linhares (1996) em estudo realizado com enfermeiros atendentes de
pacientes em UTI, identificaram que o trabalho aparece como elemento fundamental na
construção do próprio indivíduo.
Morin (2001) centralizou os estudos na identificação do que, para os trabalhadores,
tem sentido ao se estar inserido em um contexto de trabalho e apontou cinco aspectos
principais: i. realizar-se e atualizar competências; ii. adquirir segurança e ser autônomo;
iii. relacionar-se com os outros e estar vinculado a algum grupo; iv. contribuir com a
sociedade; v. ter um sentido na vida, o que inclui ter o que fazer e manter-se ocupado. Ao
analisar quais os fatores da organização do trabalho que contribuiriam para um trabalho com
32
sentido, foram destacados: boas condições de trabalho (um trabalho que corresponda às suas
competências, horário conveniente, bom salário e preservar boas condições de saúde);
oportunidade de aprendizagem e realização adequada da tarefa; trabalho estimulante, variado
e com autonomia.
No Brasil, os resultados preliminares das pesquisas de Morin, Tonelli e Pliopas
(2003), indicaram que o trabalho continua a ser essencial na vida das pessoas e que estas
buscam, ao mesmo tempo, utilidade para suas atividades dentro das organizações e também
para a sociedade. As autoras constataram que há semelhanças entre os resultados das
pesquisas internacionais e os encontrados no estudo que realizaram.
A análise dos resultados obtidos permitiu inferir que a definição de um trabalho com
sentido pode ser influenciada por quatro variáveis subjetivas: a) o significado do trabalho,
entendido como a concepção do que é trabalho para o indivíduo; b) o valor (grau de
importância, centralidade) que o sujeito atribui ao trabalho; c) os valores éticos
individuais; e d) o motivo (a razão) pela qual trabalha. Concluíram ainda que esses fatores
são altamente influenciados pelo meio no qual o sujeito está inserido (cultural e social) e
definiram que um trabalho com sentido é aquele que realiza, satisfaz e motiva o sujeito para a
execução do trabalho.
Pesquisa semelhante também foi realizada no Brasil por Bastos, Costa e Arouca
(1999) onde se objetivou explorar o significado do trabalho entre dois segmentos de
trabalhadores de uma empresa petroquímica e de uma construtora civil quanto à qualificação,
às condições de trabalho e a inserção ocupacional, obtendo como resultados a importância da
realização e instrumentalidade (necessidade e rendimentos) e da idéia de sobrevivência, mas
com conteúdos com claro viés positivo (centralidade, desenvolvimento pessoal, dedicação,
família e prazer).
Já Borges e Yamamoto (2004, p.27) afirmam que “o trabalho não é um objeto
natural... mas realiza-se na interação entre os homens ou entre os homens e a natureza” e
segue as condições sociohistóricas das vivências subjetivas, ou seja, depende de acesso à
tecnologia, do posicionamento na estrutura social, do saber fazer, das condições físicas, da
cultura, sofrendo a variabilidade de diversos aspectos.
Os autores organizam, para fins de melhorar a compreensão do construto e não de
categorizá-los, desconsiderando a linearidade de ocorrências, a execução do trabalho em cinco
dimensões, a saber: concreta (tecnologia, condições materiais e ambientais, segurança física,
conforto),
gerencial
(divisão,
controle,
distribuição
de
tarefas),
socioeconômica
(prosperidade, renda, oferta de emprego, conflito distributivo), ideológica (em nível coletivo e
33
societal das relações sociais de poder) e, finalmente, a simbólica que abarca os aspectos
subjetivos da relação de cada indivíduo com o trabalho. Indicam que são essas dimensões que
compõem o mundo do trabalho.
Ribeiro e Leda (2005, p.2) argumentam que, apesar do trabalho ser central para a
maioria das pessoas, é crescente o número de trabalhadores que não reconhecem a esfera
profissional como um espaço de realização, de reconhecimento, de poder ser útil à sociedade.
Para eles, são poucos os que estão atuando em funções que permitem envolvimento e
identificação. “Há na realidade, um grande grupo que trabalha apenas por necessidade
financeira, que trocaria facilmente de atividade profissional. Para esse grupo, o trabalho não é
um fim em si mesmo, é exclusivamente um meio para alcançar outros objetivos”.
Ribeiro e Leda, (2005) expõem que, para a concepção dominante, a do capital, só tem
sentido o trabalho bem remunerado, ou seja, o trabalhador migra para aquele que paga
melhor. Já não existem, como em tempos recentes, profissões de maior prestígio, e sim
profissões que abrem as portas para o dinheiro e o sucesso. Assim, o homem na sociedade
contemporânea é reconhecido a partir do lugar que ocupa entre proprietário e consumidor,
misturam-se o homem e a mercadoria. É a sociedade do consumo. Essa passa a ser a
concepção predominante da representação que o homem elabora de si mesmo e dos outros à
sua volta.
Antunes (2002) corrobora este posicionamento alegando que, atualmente, os novos
contornos do mundo do trabalho dificultam uma relação de maior envolvimento e
identificação da classe trabalhadora com a vida profissional.
Fundamental se faz, para averiguar o objetivo desse estudo quanto à existência de
diferenças de percepções entre carreiras de natureza distintas, as reflexões de Antunes (2002)
sobre as concepções do trabalho contemporâneo. A questão se revela sobre a suposição de que
se o status quo, referente à cisão do trabalho intelectual e operacional, é mantida ou não.
Esse autor classifica a classe trabalhadora em classe produtiva, a que produz trabalho
material, e de classe improdutiva, a de trabalho imaterial, no ambiente organizacional, onde
a produtiva se constitui naquela que efetivamente produz bens e que criam valor de troca para
as empresas. Já a classe chamada de improdutiva, também vital para a sobrevivência do
sistema, é aquela que cria valor de uso e não de troca, ou seja, que produz serviços.
Antunes (2002, p.104) sugere ainda que se excluam da classe trabalhadora “os
gestores do capital, seus altos funcionários, que detêm papel de controle no processo de
trabalho, de valorização e reprodução do capital no interior das empresas e que recebem
rendimentos elevados”.
34
Antunes (2002, p.121) concretiza uma crítica acirrada, vigente na concepção do
trabalho contemporâneo, à tese da ciência como principal forma produtiva em substituição aos
valores de troca, que acarretam cada vez mais a precarização e exploração no mundo do
trabalho. Afirma não poder concordar “com a tese da transformação da ciência “na principal
força produtiva” em substituição ao valor-trabalho, que se teria tornado inoperante”, pois
considera que o trabalho material em conjunção com a ciência e tecnologia, deve constituir-se
como uma única unidade para a sobrevivência social. Não se concebe mais uma separação
rígida entre produção e elaboração, entre execução e concepção, entre avanço tecnológico e
envolvimento adequado da força de trabalho, ou seja, a expropriação do saber fazer intelectual
do trabalho, do trabalho abstrato, está também presente no trabalho material.
Ante tal conjuntura, o autor apregoa que se tal fato ou mudança paradigmática
efetivamente ocorresse, seria “explodida” a base material do sistema de produção do capital.
Estabelece-se, então, um complexo processo interativo entre trabalho e ciência
produtiva, que não leva (e não pode levar) à extinção do trabalho vivo e de sua
potência constituinte sob o sistema de metabolismo social do capital. Esse processo
de retro-alimentação impõe ao capital a necessidade de encontrar uma força de
trabalho ainda mais complexa, multifuncional, que deve ser explorada de maneira
mais intensa e sofisticada, ao menos nos ramos produtivos dotados de maior
incremento tecnológico (ANTUNES, 2002, p. 123-124).
Finalmente, Antunes (2002) busca, mediante as reflexões sobre a concepção do
trabalho material e imaterial, cotejar a necessidade de uma reinterpretação ou reelaboração do
significado da centralidade do trabalho contemporâneo.
Assim, a palavra trabalho possui diversos significados e sentidos dentro de uma
mesma cultura, e, mormente pode significar a realização que dá reconhecimento social, assim
como a significação de esforço rotineiro e repetitivo, sem liberdade. Os indivíduos constroem
suas concepções à medida que vivenciam as relações com o meio em que vivem.
Para Mendes (2007) o trabalho considera a existência de forças contraditórias e
conflitantes no contexto de trabalho, sendo as vivências de prazer e sofrimento entendidas
como o sentido do trabalho e, como tal, um construto único e dialético.
A autora reforça que um dos sentidos do trabalho é o prazer. Esse prazer emerge
quando o trabalho cria identidade. Possibilita aprender sobre um fazer específico, criar, inovar
e desenvolver novas formas para execução da tarefa, bem como, são oferecidas condições de
interagir com os outros, de socialização e transformação do trabalho.
As concepções acerca do sentido e do significado subjetivo que os trabalhadores
atribuem ao ambiente de trabalho, com todas as dimensões e fatores intervenientes citados e
35
construídos com base nos conflitos, contradições e interações entre desejo/necessidade do
trabalhador e as condições, organização e relações sociais particulares em determinado
contexto organizacional, auxiliam na compreensão do estudo, atuando como “pano de fundo”,
para a abordagem sobre como os trabalhadores estão imbricados no contexto de trabalho, por
meio das abordagens da Ergonomia e da Psicodinâmica do Trabalho, temas tratados nos
próximos tópicos.
2.3 A Ergonomia da Atividade
Pode-se analisar o trabalho sob o aspecto motivacional, comprometimento,
aprendizagem, socialização e assim por diante, sendo que alguns, se constituem pela
combinação de dois ou mais destes prismas que caracterizam a atividade humana. Para fins de
delimitação do construto, a análise deste estudo recairá sobre o trabalho na esfera
organizacional ou no contexto de trabalho.
Chanlat (1996) assegura que hoje as organizações detêm a primazia sobre o homem,
haja vista a subordinação do trabalho ao universo dos objetos mercadorias e à racionalidade
econômica.
Mesmo com a análise realizada por outros autores sobre o esvaziamento do trabalho
formal, percebe-se que o espaço ocupado pelas organizações na vida contemporânea faz com
que elas sejam elemento de primeira grandeza no imaginário desse sujeito e nas suas
construções sobre a realidade. Assim, pesquisas e estudos sobre os aspectos biopsicossociais
do trabalhador no contexto de trabalho vêm proliferando.
Ferreira (2003) assinala que os estudos sobre as condições de trabalho, oriundos da
Ergonomia da Atividade, Engenharia de Produção, Ciências Biológicas e áreas afins, têm sido
desenvolvido com afinco, principalmente nas duas últimas décadas.
Para o autor, torna-se importante caracterizar as condições de trabalho em resposta às
múltiplas demandas do mundo produtivo, tais como: melhorias das condições materiais e
instrumentais de trabalho dos assalariados; identificação de agentes nocivos à saúde dos
trabalhadores; transformações na organização sociotécnica do trabalho e impactos dos usos de
novas tecnologias no contexto de trabalho, para que se possa, de um lado “compatibilizar os
produtos e as tecnologias com as características dos usuários e, de outro, humanizar o
contexto sociotécnico de trabalho, adaptando-o tanto aos objetivos do sujeito ou do grupo às
exigências das tarefas” (FERREIRA, 2003, p.22).
36
O Contexto de Trabalho, aqui tratado, fundamenta-se principalmente na abordagem da
Ergonomia, mais especificamente na Ergonomia da Atividade e, para tanto, faz-se necessária
uma apresentação sobre essas disciplinas.
A Ergonomia, disciplina que iniciou seus primeiros passos como ciência na década de
40, formou-se da confluência da psicologia, fisiologia, higiene e medicina do trabalho e das
ciências exatas aplicadas ao trabalho. Seu objeto de interesse é o homem em situação de
trabalho (WISNER, 1994).
A Ergonomia se configura como uma área interdisciplinar, abrangendo um campo
formado pelas ciências que estudam o homem e o mundo do trabalho (TILLMANN, 1994;
CORRÊA, 2002).
A finalidade profícua da Ergonomia, de acordo com Wisner (1994), é transformar o
trabalho, para que possa ser efetuado fisicamente pelo homem com o máximo de conforto,
segurança e eficácia.
Entretanto, Ferreira e Mendes (2003) observam que há dois enfoques passíveis de
estudo da área ergonômica, a Ergonomia da atividade e a Ergonomia do produto ou
concepção, que têm traços peculiares e distintos. Para efeito do presente estudo, será
explorado o enfoque referente à ergonomia da atividade, pois esse se relaciona diretamente
com o objeto da pesquisa.
Conforme apontam Ferreira e Mendes (2003, p. 35), a Ergonomia da Atividade é:
Uma abordagem científica, que investiga a relação entre os indivíduos e o contexto
de produção de bens e serviços. Analisa as contradições presentes nessa interrelação e, em conseqüência, as estratégias operatórias individuais e coletivas de
mediação que são forjadas para responder à diversidade de exigências existentes nas
situações de trabalho e reduzir a dimensão negativa do custo humano vivenciado
pelos trabalhadores.
Assim, a Ergonomia da atividade busca determinar os componentes da carga de
trabalho, e sua repercussão sobre a saúde do trabalhador e sobre a produtividade.
Atualmente, um dos principais objetos dos estudos em Ergonomia é a carga de
trabalho (lógica de funcionamento do contexto de trabalho, que parte das concepções de
desempenhos eficientes e eficazes) a que os trabalhadores estão submetidos, pois podem
tornar-se fonte de sofrimento ou ao contrário, fonte de realização e de prazer.
Para a Ergonomia da Atividade, a concepção de ambiente de trabalho ou Contexto de
Trabalho, anteriormente denominado por Ferreira e Mendes (2003) de Contexto de
Produção de Bens e Serviços (CPBS), disponibiliza os recursos materiais, instrumentais,
37
tecnológicos e organizacionais aos trabalhadores que exercem suas atividades (MENDES;
FERREIRA; CRUZ, 2007).
Para fins desta dissertação, será utilizada a nova nomenclatura, adotada por Mendes e
Ferreira em 2007, ou seja, Contexto de Trabalho, que se caracterizam por "representações
relativas à organização, às relações socioprofissionais e às condições de trabalho" (MENDES;
FERREIRA; CRUZ, 2007, p. 76).
As especificidades do olhar da Ergonomia da atividade voltam-se para a análise de três
dimensões do mundo do trabalho que, segundo Ferreira (2003), fundamentam o tripé dessa
abordagem: o mundo social ou Relações Sociais de Trabalho (composto pelos compromissos
coletivos resultantes de negociações entre pares, gestores e atores da situação de trabalho
como os usuários ou consumidores), o mundo objetivo ou Condições de Trabalho
(caracterizada por um contexto de trabalho singular, espacialmente e formalmente
circunscrito, cuja configuração é ditada por regras formais e informais) e mundo subjetivo ou
Organização do Trabalho (representado pelo próprio sujeito trabalhador ao executar as
atividades baseadas em estratégias de mediação individual e coletiva com o Contexto de
Trabalho, buscando garantir assim, os meios necessários para sobrevivência, o bem-estar
físico, psicológico e social e, ainda, responder às regras prescritas). As dimensões que
constituem a análise da Ergonomia sobre o Contexto de Trabalho, encontram-se
esquematizadas no Quadro 1:
Relações sociais de trabalho
Condições de trabalho
Organização do trabalho
Elementos interacionais que expressam as
relações socioprofissionais de trabalho.
Elementos estruturais que expressam as
condições ambientais e de apoio institucional
para realização do trabalho.
Elementos prescritos, formais e/ou informais
que expressam as concepções e as práticas de
gestão de pessoas e do trabalho.
Quadro 1: Dimensões que constituem o Contexto de Trabalho
Fonte: Ferreira e Mendes (2003, p. 64).
Essas três dimensões estabelecem os parâmetros básicos do contexto de trabalho com
base nas quais são construídas as estratégias de mediação individuais e coletivas dos
trabalhadores e que, em conjunto, refletem a estrutura, processos e cultura organizacional,
além de agregar a complexidade do ambiente em função, sobretudo, da variabilidade, da
diversidade, da dinâmica e da imprevisibilidade de seus elementos. Tais dimensões têm pesos
38
e valores diferenciados atribuídos a cada uma, ou seja, não são lineares para a compreensão
das estratégias de mediação individual e coletiva dos trabalhadores.
Conforme Ferreira (2003), os fatores que compõem o Contexto de Trabalho são as
informações econômicas que envolvem a empresa (evolução histórica; ciclo de vida de um
produto; posição no mercado; tipos de produtos e serviços existentes; exigências de clientes e
usuários; comportamento dos concorrentes; dentre outros), a política pessoal da empresa
(evolução demográfica do quadro de pessoal e sua distribuição; política de recrutamento,
seleção e desenvolvimento de pessoal; a mobilidade interna do pessoal relacionado com a
inovação tecnológica e ao perfil epidemiológico; dentre outros), as determinações jurídicas
externas à empresa (Código de Defesa do Consumidor; Legislação de Segurança e Medicina
do Trabalho do Ministério do Trabalho), as características externas da localização espacial da
empresa (levantamento de informações como: variações climáticas; transportes existentes;
fornecimento de saneamento básico; dentre outros), a organização do processo de trabalho
(um dos principais estruturadores do contexto de trabalho), as propriedades técnicas
(disposição topológica da estrutura organizacional; os fluxos de produção ou prestação de
serviços; os procedimentos técnicos e administrativos; as características da matéria-prima; os
instrumentos e equipamentos, dentre outros) e finalmente, as tarefas prescritas (constituem o
modus operandi estabelecido pelos organizadores das atividades a serem executadas pelos
trabalhadores em um dado ambiente de trabalho).
Esses fatores encontram-se esquematizados na Figura 1:
Regras Informais
Normas de Segurança
Exigências de Qualidade
Tarefas prescritas
Perfil da
Organização do
Trabalho
Especificidades Técnicas
Exigências de Produtividade
Figura 1: Aspectos centrais da dimensão da Organização do Trabalho
Fonte: Ferreira (2003, p. 64)
Para fins de tornar mais claro o exposto neste tópico, o próximo tratará
especificamente dos conceitos centrais abrangidos pela Ergonomia da Atividade.
39
2.3.1 Conceitos centrais que compõem a Ergonomia da Atividade
Os conceitos centrais da Ergonomia da Atividade aqui assumidos, apresentados
principalmente por Ferreira e Mendes (2003), modelam o quadro teórico da abordagem e se
constituem em: eventos críticos e complexidade no contexto de trabalho; tarefas formais e
informais; custo humano do trabalho (CHT); vivências de bem-estar e mal-estar e
atividades de trabalho como estratégias de mediação (estratégias operatórias), e que serão
explicitados a seguir.
Os eventos críticos no contexto de trabalho são fatores que apresentam uma
interrupção no curso de uma atividade de trabalho que, por sua vez, podem ser uni ou
multicausal (fatores técnicos, organizacionais, tecnológicos, panes, erros, dentre outros).
A complexidade no contexto de trabalho caracteriza-se por um conjunto de
circunstâncias ou fatos resultantes do confronto entre as dificuldades externas e as
competências individuais e coletivas, que impõe um custo humano específico aos
trabalhadores.
As tarefas formais e informais caracterizam-se como a operacionalização do trabalho
prescrito formal ou informalmente, em termos de objetivo(s) estabelecido(s) em condições
determinadas para um sujeito ou um coletivo de trabalhadores, ou seja, a noção de tarefa diz
respeito, principalmente, à forma de cumprimento das diversas atividades formalmente
prescritas para o trabalhador (metas, prazos, utilização adequada de materiais e obediência aos
procedimentos e às regras).
No contexto de trabalho, a prescrição das tarefas pode aparecer sob as formas de
descrição formal e/ou informal da estrutura dos processos técnicos, pelos instrumentos e
meios de informação, pelos procedimentos ou por meio de regras detalhadas e estritas.
Para Wisner (1994), o custo humano do trabalho (CHT) ou carga de trabalho ou
ainda, atividade de trabalho compreende os componentes físico (esforços despendidos pelo
trabalhador na realização da tarefa, ou seja, gestos, posturas e deslocamentos executados),
cognitivo (funções perceptivas e mentais exigidas para a realização do trabalho, tais como
memória, atenção, audição e visão, dentre outros) e psíquico (significado que o conteúdo,
natureza e organização do trabalho assumem para cada trabalhador e determinam seu grau de
realização existencial) que se inter-relacionam.
Abrahão (1993) ressalta que o CHT ou carga de trabalho é determinado pelas
características dos trabalhadores, pelas regras de funcionamento da empresa e pelo contexto
de realização do trabalho. O CHT é perpassado pela posição hierárquica dos trabalhadores,
40
bem como pelo salário e objetos de negociação via um contrato em que a tarefa prescrita é
detalhada. Por outro lado, é a tarefa real que leva o trabalhador a elaborar um compromisso
entre os objetivos da produção, suas características e o reconhecimento social, o que pode
gerar um resultado positivo e/ou negativo na produção da saúde.
Tillmann (1994), em pesquisa realizada com operários rurais, corrobora indicando que
a carga psíquica do trabalho tem relação com o conteúdo significativo do trabalho, portanto,
os componentes da carga de trabalho são responsáveis por manifestações de saúde, prazer e
sofrimento físicos, psíquicos e psicossomáticos, que dependem da sobrecarga prescrita na
organização do trabalho e das características da personalidade do sujeito.
Em síntese, a carga de trabalho ou o CHT relaciona-se diretamente com a atividade e
orienta as estratégias de mediação individual e coletiva, abrangendo as propriedades
cognitivas, físicas e psíquicas e, por sua vez, caracterizam as concepções de significado e
sentido que as pessoas atribuem ao trabalho nas organizações.
Como vivências de bem-estar e mal-estar, a Ergonomia da Atividade indica as
representações mentais dos trabalhadores atinentes ao estado biopsicossocial em determinados
momentos e contextos. As representações de bem-estar consistem em avaliações positivas que
os trabalhadores fazem sobre o seu estado físico, psicológico e social relativo ao contexto de
trabalho no qual estão inseridos e as de mal-estar são as avaliações negativas.
As atividades de trabalho como estratégias de mediação individuais e coletivas,
que na Ergonomia da Atividade se referem às estratégias operatórias, visam responder às
exigências presentes na organização, principalmente, no que concerne à discrepância entre as
tarefas prescritas e as situações reais de trabalho.
Dejours (1987) faz uma crítica contundente às questões colocadas pelos primeiros
ergonomistas, quando se refere à diferença fundamental entre o trabalho real, realizado pelos
trabalhadores, e o trabalho prescrito, organizado por engenheiros e ergonomistas, dentre
outros.
Ergonomistas mais contemporâneos confirmam essa visão quando afirmam que nas
empresas que ainda adotam princípios tayloristas, geralmente existem disparidades entre o
trabalho prescrito e o trabalho real, visto que ocorrem padronizações das tarefas
indistintamente, desconsiderando a variabilidade intra e interindividual, e com uma margem
restrita de negociação. O resultado da aplicação desses princípios coloca o trabalho como uma
atividade imposta, que sofre pressões, gera dificuldades e são determinantes na produção de
sofrimento (ABRAHÃO, 1993; FERREIRA; MENDES, 2003; WISNER, 1994).
41
Essas disparidades serão menores à medida que as prescrições formais e informais das
tarefas sejam flexíveis, oferecendo margem de liberdade para que os trabalhadores possam
melhor confrontar as contradições existentes. Logo, essas estratégias são fundamentais para a
manutenção da integridade biopsicossocial e, ao mesmo tempo, podem perder a efetividade
quando não conseguem mais responder às exigências da organização, podendo, nesse caso,
em virtude do fracasso em relação à não resolução do conflito, levar ao adoecimento no
trabalho.
Os conceitos específicos em Ergonomia da Atividade são apresentados de modo
esquemático na Figura 2. Eles estruturam um modelo teórico de compreensão da atividade de
trabalho enquanto estratégias de mediação individual e coletiva, do tipo operatória.
Figura 2: Atividade de trabalho - Estratégias de mediação individual e coletiva do tipo operatória
Fonte: Ferreira e Mendes (2003, p. 52).
Depreende-se assim que alguns autores contemporâneos percebem algo mais do que a
simples prescrição ou conteúdo do trabalho para o atingimento da saúde geral do trabalhador.
Se a organização do trabalho oferecer uma margem de liberdade nas possibilidades do
trabalhador utilizar, em maior ou menor grau, estratégias operatórias, entendidas como as
operações mentais empregadas para ajustar as competências do sujeito às exigências das
situações de trabalho, terá maior chance de obter sucesso na integridade física, psíquica e
social do trabalhador.
42
Dejours (1987, 1993, 1994, 1999a, 1999b, 2004, 2005, 2007) mostra-se um importante
estudioso do impacto que a organização do trabalho pode causar à integridade física, psíquica
e social do trabalhador. Embora seus pressupostos explanados na abordagem da
Psicodinâmica do Trabalho não abarquem com igual interesse, como na abordagem
metodológica da Ergonomia da Atividade, as condições de trabalho, nortearam um “olhar”
mais aprofundado sobre a análise, em nível primordialmente coletivo, das vivências de prazer
e sofrimento do trabalhador nas organizações.
A cooperação entre a Ergonomia da Atividade e a Psicodinâmica do Trabalho abordagens que têm nítidas afinidades conceituais, epistemológicas e históricas (FERREIRA;
MENDES, 2003) - é bastante fértil e com múltiplas possibilidades de interface.
Justifica-se também aí, a opção teórica neste estudo, pela Psicodinâmica do Trabalho,
que compõe o tópico seguinte.
2.4 A Psicodinâmica do Trabalho
A trilha histórica de construção do modelo teórico que se inicia com estudos sobre a
Psicopatologia do Trabalho e culmina com a Psicodinâmica do Trabalho, revista por Mendes
e Morrone (2002), pode ser demonstrada em três fases marcadas pela ampliação e
reformulação de conceitos e integração de novas concepções.
A primeira fase ou a denominada Psicopatologia do Trabalho começou a ganhar força
a partir dos estudos realizados por um grupo de pesquisadores na década de 50 conduzidos
por Louis Le Guillant, que focalizou, sobretudo, algumas síndromes e perturbações psíquicas,
provocadas pelas exigências de determinadas realidades ocupacionais. Le Guillant et al.
(1984) evidenciaram as manifestações psicossomáticas e os distúrbios mentais provocados
por exigências de trabalho específicas. Esses estudos romperam com a predominância
caracterizada, até aquele momento, por estudos baseados na patologia profissional e na
medicina do trabalho, cuja preocupação se concentrava nos danos físico-químico-biológicos
ocasionados pela situação de trabalho.
Le Guillant et al. (1984) optaram por estudar as categorias de telefonistas e
mecanógrafos em função da natureza das atividades e da percepção que tinha da freqüência
crescente de alterações mentais e "nervosas" nesse tipo de trabalho, oriundas, particularmente,
das características de certas condições de trabalho. Identificou nessas categorias uma
patologia a que denominou de "Síndrome Geral de Fadiga Nervosa", originalmente
identificada por médicos do trabalho como doenças profissionais ou a "Neurose das
43
Telefonistas". Em pesquisa publicada em 1956, os autores revelaram dados que indicavam
uma "Síndrome Subjetiva Comum" da Fadiga Nervosa, com sintomas específicos tais como:
alterações do humor e do caráter, alterações do sono, um conjunto de manifestações somáticas
variáveis e a repercussão destas diferentes alterações sobre a vida das trabalhadoras. Desse
estudo, concluíram que a intensidade e a permanência das alterações chegavam a constituir
uma verdadeira neurose. Esse estudo foi importante na medida em que identificou que, quanto
mais controladas, fatigadas ou nervosas as pessoas se mantinham, mais tinham a
produtividade aumentada. Identificaram também a despersonalização do significado do
trabalho, a “robotização” e a cisão entre o trabalho mecanizado e o intelectualizado. Enfim,
concluíram que era o trabalho e as condições materiais e "morais" provenientes deste, os
responsáveis pela neurose das telefonistas e de outras categorias em todos os empregos que
exigissem, com ou sem fadiga muscular, um ritmo excessivamente rápido de operações que
propiciavam condições de trabalho objetiva ou subjetivamente penosas (mecanização dos atos
e monotonia, vigilância rígida, relações humanas na empresa alteradas, dentre outras).
Herdeiro dessa rica tradição francesa de Psicopatologia do Trabalho, Christophe
Dejours, no final dos anos 1970, interessado na restauração da integridade e dignidade do
homem no papel de trabalhador, inicia uma longa fase de estudos e pesquisas por meio de
enquetes clínicas sobre a temática, que girava em torno do conflito entre organização do
trabalho e funcionamento psíquico, para além do modelo causalista, núcleo central dos
estudos (JAQUES, 2003; LANCMAN; SZNELMAN, 2004), ou seja, Dejours acreditava que
o trabalho conduzia inevitavelmente ao sofrimento psíquico, podendo, inclusive, levar o
sujeito à loucura, de forma gradual ou paulatina.
Portanto, Dejours (1987) indica a organização do trabalho como a principal fonte de
desestabilização psíquica dos trabalhadores. Na tentativa de estabelecer uma definição
operacional para o conceito, a psicopatologia do trabalho tinha por organização do trabalho a
divisão do trabalho, o conteúdo da tarefa (à medida que ele dela deriva), o sistema
hierárquico, as modalidades de comando, as relações de poder e as questões de
responsabilidade.
A psicopatologia do trabalho enfatizava o desequilíbrio, o patológico e a rigidez da
organização do trabalho, que indicavam ao trabalhador o escape mediante defesas para manter
o equilíbrio psíquico e em caso de fracasso, a descompensação mental.
Esse período, frutífero para Dejours, aliou-se ao fato de que os trabalhadores não mais
se mostravam passivos em face das exigências e pressões organizacionais, mas capazes de se
44
proteger dos efeitos negativos à saúde mental. Mesmo coagidos, trilhavam modos de construir
sistemas defensivos, fundamentalmente coletivos.
Diante disso, as investigações empíricas, por meio da análise clínica, revelaram
resultados diferentes dos esperados. Tem início a segunda fase de construção do modelo
teórico, entre o final dos anos 80 e princípio dos anos 90, quando Dejours começa a
problematizar a pragmática de seus postulados. O modelo não se suporta mais ao visar apenas
o disfuncionamento psíquico do trabalhador. O autor começa a questionar-se sobre como os
trabalhadores mantinham-se adaptados e ativos no trabalho, face às adversidades da
organização do trabalho a eles imposta. Redireciona os estudos não mais para a doença e sim
para a saúde e os mecanismos de enfrentamento do sofrimento utilizados pelos trabalhadores
para tornar, no mínimo suportável, a realidade de trabalho.
Dejours et al. (1993) chegaram à conclusão de que o trabalho, por si só, não é capaz de
produzir doença mental, embora possa provocar doenças psicossomáticas e distúrbios
psíquicos. Além disso, constatou que o ser humano tem uma tendência natural a buscar o
prazer e evitar o sofrimento, a fim de manter o equilíbrio psíquico mediante o
desenvolvimento de estratégias (individuais e coletivas), para atenuar a consciência do
sofrimento. O autor passou a considerar, também, que o prazer pode ser advindo da própria
relação do indivíduo com o trabalho.
À medida que a maioria dos trabalhadores conseguia conjurar a loucura, apesar da
violência da organização do trabalho, a questão central que passava a sobrelevar é a de que a
normalidade (equilíbrio instável, precário, entre sofrimento e defesas) se configurava como
enigma (LANCMAN; SZNELMAN, 2004).
Tendo como ponto inicial essa perspectiva e com fundamento na comprovação de que
a doença nem sempre emitia sinais de manifestação visíveis e objetivos no contexto laboral é
que a psicopatologia do trabalho buscou respostas para a nova problematização estabelecida, a
de que modo os trabalhadores, em sua maioria, conseguiam preservar um equilíbrio psíquico e
manter-se na normalidade, apesar das situações constritivas vivenciadas no trabalho
(DEJOURS, 1996).
O próprio Dejours (2007, p. 10-11) reafirma mais tarde diante deste paradoxo:
Descobre-se então que a "normalidade" é uma conquista, que resulta essencialmente
da criação de estratégias individuais e coletivas de defesa dos trabalhadores no que
se refere ao sofrimento no trabalho. Um campo extraordinário revela-se então aos
clínicos, mostrando a engenhosidade do espírito humano quando se trata de resistir à
adversidade.
45
Christophe Dejours destacou-se nessa perspectiva, fundamentando na psicopatologia
do trabalho, a corrente teórica que atualmente assume a condição de ciência interdisciplinar e
adota como suporte contribuições de diversas áreas do conhecimento humano, especialmente
da psicologia e das teorias psicanalíticas (SELIGMAN-SILVA, 1995). Embora calcada ainda
nos pressupostos iniciais, ocorre uma marcante reviravolta nos desígnios da disciplina, que
começa a se constituir como um modelo teórico-metodológico.
Dejours (2007, p. 11) afirma que "descobertas significativas foram feitas desde então,
sobre a inteligência do corpo, sobre a engenhosidade e sobre a psicodinâmica do
reconhecimento que permite transformar o sofrimento em prazer, conferindo sentido e valor a
esse sofrimento".
Diante de tantas reflexões, Dejours (1996) começa a reorganizar a práxis de seus
estudos para a dinâmica ocorrida entre empresa, organização do trabalho e trabalhador.
Segundo Lancman e Sznelman (2004), a partir daí, sua abordagem, ao mesmo tempo,
reformulou-se e afirmou-se na comunidade científica, cujos efeitos levaram às mudanças
assumidas em 1992, propondo uma nova denominação: "Psicodinâmica do Trabalho" (que
incorporaria no seu interior as questões da psicopatologia do trabalho).
Dejours (2007) confirma que a psicopatologia do trabalho insere-se como campo da
psicodinâmica do trabalho: o das descompensações que surgem quando as estratégias de
defesa são comprometidas por um sofrimento que o sujeito não consegue contornar, tornandose autodestrutivo.
O campo da Psicodinâmica do Trabalho é o do sofrimento e do conteúdo, da
significação e das formas desse sofrimento. Tem por referências o diálogo com os conceitos
ergonômicos de trabalho prescrito e trabalho real, que prioriza aspectos relacionados à
organização do trabalho (como ritmo, jornada, hierarquia, responsabilidade, controle, dentre
outros), propondo-se a investigar e interagir no hiato formado entre o chamado trabalho
formal e o informal inserido nas instituições. As intervenções propostas se voltam para o
coletivo de trabalho (e não indivíduos isoladamente) e para aspectos da organização do
trabalho a que os indivíduos estão submetidos. Introduz o conceito de sofrimento em uma
dimensão dinâmica, “concebido como a vivência subjetiva intermediária entre a doença
mental descompensada e o conforto (ou bem-estar) psíquico [...] que suscita estratégias
defensivas [...] construídas, organizadas e gerenciadas coletivamente" (DEJOURS;
ABDOUCHELY; JAYET, 1994, p. 127).
Dejours (1996) admite que a Psicodinâmica do Trabalho não foca o trabalho apenas
em seu lado negativo, o do sofrimento, mas também, acima de tudo, fornece instrumentos
46
para perceber as possibilidades do trabalho como estruturante psíquico e os possíveis
encaminhamentos do sofrimento em direção ao prazer e à saúde.
Assim também, considera Pereira (2003) ao destacar que a psicodinâmica não é lugar
só do sofrimento, mas também do prazer, da dinâmica interna das situações de trabalho e não
exclusivamente da organização do trabalho. O equilíbrio é produto desta dinâmica, das
relações subjetivas, condutas e ações dos trabalhadores, que são responsáveis pela
transformação do sofrimento em prazer.
Lancman e Sznelman (2004) enfatizam que ao sair do estado absolutamente incipiente
acerca das relações entre subjetividade e trabalho, no que tange puramente à inteligência da
prática, uma das dimensões desconhecidas do trabalho, Dejours apresentou as características e
condições de mobilização no trabalho de um outro tipo de inteligência, a criativa, astuciosa e
corporal, ou seja, retoma a inteligência prática e explicita uma segunda dimensão
desconhecida do trabalho, a sabedoria prática.
Dejours começa a focar os estudos no debate acerca da perda de centralidade e
significado do trabalho. Reafirma o caráter sempre enigmático do trabalho e ressalta três
dimensões essenciais para o enfrentamento: a engenhosidade, a cooperação e a mobilização
subjetiva (LANCMAN; SZNELMAN, 2004).
Pereira (2003) explica que a atividade produtiva é produto do uso da engenhosidade
(inteligência operária), que se manifesta no confronto entre o que é imposto pela organização
do trabalho e nas necessidades psíquicas do trabalhador. Atua como uma espécie de
resistência ao domínio dos conhecimentos e procedimentos padronizados e preconizados pela
concepção e preparação do trabalho. Quanto ao segundo componente, a autora revela que o
trabalho exige sempre a coordenação das atividades singulares por meio da cooperação. Esta
não é prescrita nem decretada. Depende da possibilidade de os agentes estabelecerem entre si
relações intersubjetivas de confiança. Já no processo de mobilização subjetiva, o trabalhador
faz uso de sua personalidade, inteligência e criatividade para se contrapor a uma racionalidade
subjetiva específica gerada na situação de trabalho. Essa dinâmica apoia-se no processo de
contribuição e retribuição. A contribuição é espontânea à organização do trabalho real e tem
como retorno a retribuição simbólica, que se dá pelo reconhecimento pelos pares, processo ao
qual é atribuído a construção da identidade social e de realização de si mesmo.
Estes componentes do trabalho demonstram que ele é resultado da interseção de três
mundos: o objetivo, o social e o subjetivo. Desta forma, a organização do trabalho é um
compromisso resultante da negociação social simultânea entre os pares e os diferentes níveis
hierárquicos (PEREIRA, 2003).
47
Depreende-se, portanto, que ao se desenvolver nos estudos empíricos, Dejours passa a
considerar os aspectos positivos relacionados ao trabalho, passando a compreendê-lo,
também, como fonte de prazer e de estruturação psíquica. O próprio conceito de sofrimento
vai se modificando. Dejours (1996) já distingue dois tipos de sofrimento: o sofrimento
criativo e o sofrimento patogênico, afirmando que quando o sofrimento pode ser transformado
em criatividade, ele traz uma contribuição que beneficia a identidade e aumenta a resistência
do sujeito ao risco de desestabilização psíquica e somática.
Chega-se à conclusão de que o estudo da normalidade não elimina os efeitos
psicopatológicos que o trabalho pode exercer nos trabalhadores. Neste sentido, a normalidade
não implica ausência de sofrimento, bem como o sofrimento não exclui o prazer.
Dejours (1999a) reconhece que a organização do trabalho se apresenta menos
monolítica do que ele preconizava, caracterizando-se pela mobilidade e mutabilidade.
Reconhece ainda que o funcionamento psíquico do trabalhador é regulado pelos mecanismos
de mobilização subjetiva, tendo o sujeito um papel ativo diante das imposições, manifestando
a possibilidade de transformar concretamente as situações de trabalho, para que estas possam
trazer benefícios para a saúde mental.
A partir da análise dos fatores presentes na organização do trabalho e a dinâmica de
reação do trabalhador frente às dificuldades encontradas, a psicodinâmica do trabalho
pretende minimizar a distância entre a organização prescrita e a organização real do trabalho,
considerando o ganho para a saúde mental nas organizações que a diminuição desta distância
representa.
A terceira fase, a atual, que em termos cronológicos se mescla à segunda, dedica a sua
ênfase na análise do trabalho como locus de construção da identidade do trabalhador, no
estudo da dinâmica do reconhecimento e de seu papel sobre a vivência do prazer e sofrimento
no trabalho, bem como no estudo das novas formas de organização do trabalho e seu impacto
sobre as vivências de prazer e sofrimento. Nesse período, fértil e consistente, desenvolve-se
uma nova etapa, onde Dejours (1999a, b) se institui mais solidamente no mundo social,
ampliando sua influência.
Os novos modelos de organização do trabalho são oriundos das mudanças estruturais
ocorridas nos últimos anos em decorrência da explosão da competitividade entre empresas em
prol da própria sobrevivência no mercado, que levaram ao processo de reestruturação
produtiva e tecnológica, à produção ligada aos fluxos de demanda diversificada, à exigência
de trabalhadores generalistas e polivalentes, à redução dos níveis hierárquicos, com
48
estabelecimento de coordenação horizontal e à valorização da autonomia e qualificação
profissional, dentre outros.
Além desses aspectos, a Psicodinâmica do Trabalho tem estudado o sofrimento sob a
tônica do desemprego e da injustiça social. Sob esse aspecto, Dejours (1999b) retoma as
diversas faces do sofrimento, tema de pesquisas anteriores, como o medo da incompetência, a
pressão por trabalho, a negação do medo e faz um alerta ao movimento que aponta como
crescente, de banalização da injustiça social. O autor defende a idéia de que a banalização do
mal e da injustiça no sistema neoliberal se sustenta menos na violência e mais na colaboração
e no zelo agregados pela maioria dos trabalhadores às novas formas de organização do
trabalho. Onde não há cooperação e entendimento, não há produção.
O receio ao desemprego e à precarização do trabalho faz com que os que trabalham e
os que não trabalham vivenciem a dicotomia entre prazer e sofrimento de modo diferenciado
dos tempos do taylorismo/fordismo.
Os desempregados, com a perda do seu trabalho, perdem o direito de contribuir com a
sociedade e a oportunidade de obter o reconhecimento por meio do trabalho. Para o autor,
aquele que se encontra desempregado há muito tempo perde algo que no fundo é manifesta a
própria identidade, ou seja, o direito de ser útil à sociedade. As pessoas querem trabalhar, não
pelo prazer de sofrer, mas porque se espera alguma coisa em troca, grande parte, o
reconhecimento.
Neste novo paradigma, Dejours (2007) ressalta que as novas formas de organização do
trabalho, de gestão e direção das empresas, provocam novas respostas ao desequilíbrio do
trabalhador. Surgem doenças como os Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho
- LER/DORT; burnout - estado de exaustão prolongada e diminuição de interesse,
especialmente em relação ao trabalho e karoshi - morte por sobrecarga de trabalho; as
patologias resultantes de agressões que vitimam pessoas no exercício da função; as patologias
do assédio moral; as patologias mortíferas dos suicídios e das tentativas de suicídio e
pressupõe que essas novas doenças estão relacionadas a uma forma específica de coação: a
adoção generalizada da avaliação individualizada das performances, ou avaliação de
desempenho, somada à introdução dos critérios da Qualidade Total.
Entretanto, para Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994, p.18-19) o trabalho não causa
necessariamente sofrimento e doença, podendo ser favorável ao equilíbrio mental e a saúde do
corpo desde que haja adequação entre organização do trabalho e a estrutura mental, por meio
de uma análise precisa da psicodinâmica da relação homem/trabalho, que deve propiciar um
ajuste da carga psíquica da atividade, mediante a tentativa de diminuir a distância que se
49
estabelece entre a organização prescrita e a organização real do trabalho. Se o trabalhador
conseguir canalizar para a atividade a carga psíquica, esta será equilibrante, caso contrário,
será fatigante.
Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994) afirmam que para transformar um trabalho
fatigante em equilibrante, precisa-se flexibilizar a organização do trabalho de modo a deixar
maior liberdade ao trabalhador para organizar seu próprio método de trabalho, bem como
relevar plenamente as aptidões psicomotoras, psicosensoriais e psíquicas, de modo a obter-se
a condição de prazer na realização das tarefas laborais.
Concluem que o papel da organização na instituição do trabalho é o de propiciar o
processo equilibrante da relação homem e trabalho. Dejours (1987, p. 103) ressalva, porém,
que existem empresas que não priorizam o bem-estar do trabalhador, mas exploram
deliberadamente o sofrimento psíquico, utilizando esse como o próprio instrumento para
obtenção do trabalho. Neste caso, “o trabalho não causa sofrimento, é o sofrimento que
produz o trabalho”.
Depreende-se, portanto, que para Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994), os
condicionantes de prazer ou sofrimento nas organizações estão diretamente vinculados à
organização do trabalho, podendo ou não ocorrer sob condições precárias de trabalho.
Algumas organizações se valem de comportamentos de insegurança do trabalhador em
relação à perda do emprego e aumentam a pressão, que causa o sofrimento e,
conseqüentemente, conseguem aumento da produtividade.
Para Mendes (2004, p.1) “a psicodinâmica do trabalho inevitavelmente requer a
construção de um espaço organizacional que valorize a subjetividade, considerando os
trabalhadores sujeitos do seu trabalho e não objetos de produção”.
Entretanto, é necessária a introdução de outras variáveis para apreensão da
psicodinâmica do trabalho, que dependem de práticas de gestão organizacional voltadas para a
evitação das situações adversas ao bem-estar, agregando aspectos da saúde física, mental e
social do trabalhador.
O modelo atual da Psicodinâmica do Trabalho supõe um modelo de trabalhador ativo,
empreendedor, com história pessoal, aspirações, desejos, motivações e necessidades
psicológicas, que, inserido no mundo do trabalho, se depara com determinada organização do
trabalho, prescrita por normas e regras de execução. Também estão presentes neste contexto,
os componentes sociais, tratados por coletivo de trabalho, com os quais o trabalhador se
relaciona de forma dinâmica de interação e cooperação, ocorrendo assim a promoção do
reconhecimento no trabalho (PEREIRA, 2003).
50
Benevides (2004) analisou diversas pesquisas realizadas com diferentes categorias
profissionais que vivenciaram, em suas empresas ou em seu ambiente de trabalho, processos
como a industrialização, a terceirização, a reestruturação produtiva e a privatização tais como
operários da construção civil, bancários e telefônicos. Todas as pesquisas tomaram como
elemento central de análise, a dinâmica relação de reciprocidade e interdependência entre a
subjetividade do trabalhador, o sofrimento e o adoecimento resultantes da precarização das
relações e condições de trabalho que acompanham esses processos ditos inovadores. Os
resultados dessas pesquisas foram analisados à luz do modelo econômico vigente, verificando
que as contradições são tantas e tão intensas, que levam o trabalhador a enfrentar e a
subjetivar, de diferentes maneiras, o desgaste do embate entre as condições subjetivas e a
realidade. Concluiu que o produto final desse confronto é uma subjetividade própria a cada
categoria de trabalhadores, assim como estratégias próprias de enfrentamento do sofrimento,
de modo que o adoecimento decorre, ou do fracasso dessas estratégias, ou da completa
impossibilidade do trabalhador para enfrentá-lo.
Para Ferreira e Mendes (2003, p.52)
O itinerário teórico da Psicodinâmica do Trabalho é também marcado por uma
dialética na compreensão dos seus conceitos básicos. De um lado, o sujeito
trabalhador(a) que pensa nas suas relações de trabalho e atribui um sentido às
situações, que não é só psíquico, mas depende das condições socioeconômicas
oferecidas pelo contexto histórico. Por outro, as situações de trabalho modificam as
percepções desse trabalhador de si mesmo, dos outros e do próprio trabalho,
resultando em uma subjetividade no trabalho que, por sua vez, pode ser diferente da
subjetividade do indivíduo. Essa subjetividade permite a construção do sentido do
trabalho atribuído de forma compartilhada por um grupo de trabalhadores, que pode
ser de prazer e/ou de sofrimento.
Ferreira (1999, p. 8) sintetiza que “a Psicodinâmica do Trabalho não trabalha no
campo da patologia do trabalho, da doença. Seu problema é o da saúde e da normalidade, é
analisar como funcionam as defesas graças às quais os homens e mulheres podem lutar contra
os efeitos patogênicos dos riscos do trabalho”.
Enfim, a Psicodinâmica do Trabalho dedica-se a pesquisar o estudo dos fatores, nas
situações de trabalho, que levam ao prazer e ao sofrimento, a identificar os aspectos
patogênicos específicos de algumas categorias profissionais e situações de trabalho e analisar
as transformações do sofrimento mental mediadas por estratégias defensivas vinculadas à
organização do trabalho, buscando entender os processos psíquicos que ocorrem entre o
trabalho prescrito e o trabalho real.
51
Certamente, a construção de um modelo teórico é complexa. Depende de vários anos
de trabalhos, pesquisas e estudos e da contribuição de pesquisadores de áreas distintas,
embora que afins, em ambientes e contextos variados. Depende ainda, e talvez seja essa a
“mola propulsora” que incentiva a contínua busca do conhecimento, de críticas, por vezes
contrariamente contundentes, que procuram refutar a construção do modelo teórico.
Entretanto, o rigor científico indica que a tentativa de refutação constante do objeto de estudo,
além de extremamente necessária, constitui-se como o principal fundamento da ciência, pois
encaminha à construção cada vez mais sólida do construto.
Como em qualquer outra concepção teórica, a Psicodinâmica do Trabalho também se
constrói por meio de críticas, consistentes ou não, à abordagem científica. Cabe aqui, citar
algumas, como ponto de equilíbrio para o desenvolvimento deste estudo.
Lancman e Sznelman (2004) sintetizam algumas outras concepções em relação à
Psicodinâmica do Trabalho, destacando que as proposições de Dejours têm contribuído tanto
para ser aceito por setores até então refratários ou reticentes, quanto para alavancar uma nova
leva de dissidências no próprio núcleo de formuladores dessa abordagem. Afirmam que
Damien Cru, grande amigo e colaborador do autor, já havia se distanciado de suas
proposições. A partir de então, também Philippe Davezies tem apresentado duras críticas aos
novos encaminhamentos. Em paralelo, no mesmo laboratório dirigido por Dejours, outra
corrente clínica do trabalho vem se desenvolvendo desde 1993, liderada por Yves Clot. Esta
linha, autodenominada Clínica da Atividade (ou Clínica do Trabalho e dos Meios de
Trabalho), reforça esse movimento crítico. Clot (1993 apud LANCMAN; SZNELMAN,
2004) critica em Dejours o que seria uma despotencialização da saúde e valorização da
normalidade, assim como considera equivocada a proposição de que o objeto da
psicodinâmica do trabalho seria não o trabalho, mas uma psicologia do sujeito, focada na
análise dos processos intersubjetivos mobilizados pelas situações de trabalho. Para Clot (1993
apud LANCMAN; SZNELMAN, 2004) são as relações entre atividade e subjetividade que
devem estar no centro da análise. O trabalho é visto por ele não apenas como trabalho
psíquico, mas como atividade concreta e irredutível, continente oculto da subjetividade no
trabalho.
Autores brasileiros que vêm estudando e pesquisando a abordagem da Psicodinâmica
no país, igualmente assumem posições divergentes ou convergentes com os pressupostos de
Dejours. Dentre eles, faz-se importante citar Codo, Soratto, Vasques-Menezes e Mendes.
No que se refere aos pressupostos sobre a organização do trabalho e a ideologia
defensiva, Codo, Soratto e Vasques-Menezes (2004) adotam concepções diferenciadas das
52
apresentadas. Para eles o conceito de Organização do Trabalho, proveniente da Ergonomia,
compreende as tarefas e os modos operativos. Argumentam que, na concepção da
Psicodinâmica, tal conceito sofreu um deslocamento do plano técnico e político para o plano
das interpretações, para um jogo social e simbólico entre os atores envolvidos. Já em relação
ao conceito de Ideologia Defensiva, que corresponde a um mecanismo de defesa contra o
sofrimento e que se transforma em um valor a ser defendido pelo grupo, salientam que se trata
de uma autêntica contribuição científica, mas que seria necessário um esforço no plano
teórico e um outro esforço no plano empírico, para a melhor compreensão do fenômeno, face
às poucas pesquisas confirmatórias sobre a temática. Indicam ainda, um aparente
desequilíbrio da psicodinâmica para o lado subjetivo, em detrimento do lado objetivo,
desconsiderando a realidade concreta do trabalho.
Haja vista ser a prática da psicodinâmica relativamente recente, consequentemente
apresenta ambigüidades e lacunas, tendo em vista que implica a construção de paradigma
distinto das pesquisas tradicionais da área. Entretanto, resultados de pesquisas indicam,
segundo Mendes (2002), que é possível ter acesso aos aspectos psicodinâmicos do contexto
organizacional, por meio do referencial psicanalítico e que estes aspectos podem e devem ser
integrados aos aspectos estruturais, processuais e funcionais, no intuito de ampliar o
entendimento dos objetos de estudo das vivências de prazer e sofrimento nas organizações.
2.4.1 Conceitos centrais que compõem a Psicodinâmica do Trabalho
O quadro teórico de referência da Psicodinâmica do Trabalho, adotado no presente
estudo, contemplou alguns conceitos centrais que orientaram sua perspectiva de análise.
Dentre eles, merecem destaque os fatores que compõem a dinâmica prazer e sofrimento
psíquico no trabalho, a saber: organização do trabalho para a Psicodinâmica, trabalho real
e prescrito, carga de trabalho ou custo humano do trabalho para a Psicodinâmica, vivências
de sofrimento no trabalho, vivências de prazer no trabalho, estratégias de mobilização
coletiva, estratégias defensivas (individuais e coletivas) e estratégias criativas, e que serão
explicitados a seguir.
Em relação à organização do trabalho, na abordagem da Psicodinâmica, o conceito
foi conjugado às condições de trabalho, que já eram alvo de estudos de pesquisas por
profissionais das áreas médicas e ergonômicas.
Para Dejours (1987), a organização do trabalho, concebida por um trabalho
especializado da empresa e estranho aos trabalhadores, choca-se diretamente com a vida
53
mental e com a esfera das realizações, das motivações e dos desejos do indivíduo, levando-o à
perda do sentido na realização das tarefas. No trabalho artesanal, que precedeu a organização
científica do trabalho e, ainda hoje, rege as tarefas muito qualificadas, uma parte da
organização do trabalho é definida pelo próprio operador. A organização temporal do
trabalho, a escolha das técnicas operatórias, os instrumentos e os materiais empregados
permitem-lhe, dentro de alguns limites, adaptarem o trabalho as suas aspirações e
competências, conferindo parte de sua identidade na realização das tarefas, colaborando para
que o trabalho tenha sentido para o executor.
Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994, p.26-27) afirmam que “[...] a organização do
trabalho é, de certa forma, a vontade de outro. Ela é, primeiramente, a divisão do trabalho e
sua repartição entre os trabalhadores, isto é, a divisão dos homens: a organização do trabalho
recorta assim, de uma só vez, o conteúdo da tarefa e as relações humanas de trabalho”.
Traduz-se, portanto, no resultado de combinações entre a organização e os
trabalhadores para definir normas e regras, e entre níveis hierárquicos para negociar essas
regras e obter novos compromissos renegociáveis posteriormente, caracterizando-se pela sua
evolução em função das pessoas, do grupo, da experiência e do tempo. São modos operatórios
cognitivos, procedimentos e instrumentos utilizados pelos trabalhadores para produzir algo,
em consonância com as atividades pactuadas. Cada categoria profissional está submetida a
uma determinada organização do trabalho e essa definição depende dos interesses
econômicos, ideológicos e políticos daqueles que definem o processo produtivo.
A organização do trabalho exerce influências multideterminadas no funcionamento
psíquico dos trabalhadores. Tais influências podem ser positivas ou negativas, dependendo do
confronto entre as características de personalidade e a margem de liberdade admitida pelo
modelo de organização vigente que permite ou não a transformação da realidade do trabalho
(PEREIRA, 2003).
Assim, a organização do trabalho é um processo intersubjetivo, compreendendo as
dinâmicas existentes nas situações de trabalho, resultantes da interação dos sujeitos com uma
dada realidade (MENDES, 1999).
Ponto importante abrangido pelos estudiosos da área concentra-se na discrepância
entre trabalho real e prescrito, enquanto desencadeadora de um custo psíquico para o
trabalhador, que traz conseqüências para a organização do trabalho em termos da natureza da
tarefa em si e das relações socioprofissionais, fazendo com que o sujeito se coloque em estado
de esforço permanente para dar conta da realidade, muitas vezes, incompatível com seus
investimentos psicológicos e seus limites pessoais.
54
Dejours, Dessors e Desriaux (1993) em seus estudos sobre a organização do trabalho,
identificaram a existência de uma defasagem entre o que eles denominaram de organização do
trabalho prescrita e a organização do trabalho real.
Esses autores definem que a organização do trabalho prescrita é aquela que “[...]
materializa-se por um tipo de manual de procedimentos, em que para cada operação a efetuar
há uma grade muito detalhada de tarefas elementares a realizar” (DEJOURS; DESSORS;
DESRIAUX, 1993, p. 51). Na prática, esta organização prescrita do trabalho torna-se
inaplicável, necessitando de adaptações. Os trabalhadores, por sua vez, estabelecem rearranjos
desta organização prescrita do trabalho, para que se torne realizável, ou seja, a organização
prescrita do trabalho diz respeito às normas e procedimentos, que prescrevem os modos
operatórios que devem ser obedecidos pelos trabalhadores. A organização real do trabalho
está relacionada ao que de fato acontece no dia-a-dia do trabalho.
Afirmam também que, essas adaptações, via de regra, implicam avanços obrigatórios
sobre os limites da legalidade ou exposição a riscos de cometimento de transgressões
disciplinares e até aos perigos relacionados a questões de proteção e segurança. Para que a
prescrição possa ser operacionalizada, ela necessita sempre ser reajustada e reinterpretada
pelos trabalhadores. Dejours, Dessors e Desriaux (1993), asseguram que esta contradição
entre organização prescrita e organização real conduz a que os vários grupos de trabalhadores
elaborem maneiras variadas de burlar a organização prescrita e construir uma ou várias
organizações reais.
Portanto, tais situações inevitáveis de reajustes da organização do trabalho prescrito,
que implicam driblar os mecanismos de controle, tornam-se fontes geradoras de desconforto e
angústia para os trabalhadores e, como defesa contra estes sentimentos, eles encobrem os
ajustamentos realizados pelo segredo, pelo sigilo sobre os modos operatórios adotados por
cada uma das equipes. Esta tática defensiva do segredo no mesmo local de trabalho provoca
desconfiança, entre os próprios trabalhadores, deteriorando a atmosfera e as relações de
trabalho e, em última instância, acaba fragilizando as próprias bases da cooperação.
A organização do trabalho e a distinção entre o que ocorre entre o trabalho real e o
prescrito, que levam às vivências de prazer e sofrimento vêm sendo estudadas empiricamente
no Brasil desde o início da década de 90.
Tais pesquisas apontam que a incoerência, entre o conteúdo da tarefa e as aspirações
dos trabalhadores, pode levar à desestruturação das relações psicoafetivas com os colegas, à
despersonalização com relação ao produto, a frustrações e ao adormecimento intelectual.
55
Tillman (1996), em pesquisa realizada com grupos de operários rurais, identificou que
dentro de uma mesma empresa, em diversos grupos com atividades similares, podem-se
encontrar diferentes modelos de organização do trabalho. Essas distinções são claramente
percebidas pelos trabalhadores e cada um as interpreta de acordo com a própria subjetividade.
Para esclarecer o impacto da organização do trabalho na vida dos trabalhadores e
compreender a dinâmica do indivíduo nas situações de trabalho, faz-se necessário um
adequado exame da noção de carga de trabalho sob o enfoque da Psicodinâmica.
O conceito de carga de trabalho, ou custo humano do trabalho é proveniente da
Ergonomia, como já exposto anteriormente, e, de um modo geral, compreende os seguintes
aspectos: físico, cognitivo e psíquico que estão diretamente relacionados entre si. Quando
ocorre sobrecarga em um desses aspectos, esta alteração é freqüentemente acompanhada do
aumento de carga nos dois outros domínios.
Mota (2002) observa nas organizações de trabalho, um aumento progressivo do nível
de complexidade das tarefas, decorrente dos avanços tecnológicos e de outras transformações
socioeconômicas que caracterizam a conjuntura atual. Isto significa que a carga cognitiva do
trabalho, de um modo geral, vem aumentando consideravelmente, o que, por sua vez, tem
provocado à elevação dos requisitos de desempenho de cargos e funções.
Por outro lado, Mendes (1994) revela que há categorias profissionais que, por
natureza, têm um custo cognitivo maior, e que, em alguns casos, a carga de trabalho também
aumentou em função das mudanças citadas anteriormente. Tais categorias caracterizam-se por
tarefas que implicam em resolução de problemas, tomadas de decisão e/ou uso de códigos,
símbolos, instrumentos ou equipamentos complexos.
Segundo Dejours (1987, 1993, 1994), a organização do trabalho contém vários
elementos que influenciam a formação da auto-imagem do trabalhador que, por sua vez, são
razões para o sofrimento.
Neste ponto, torna-se importante relatar o que a bibliografia traz sobre o que é o
sofrimento.
Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994, p.14) indicam que:
O sofrimento designa então, em uma primeira abordagem, o campo que separa a
doença da saúde. Dentro de uma segunda acepção, o sofrimento designa um campo
pouco restritivo. Entre o homem e a organização prescrita para a realização do
trabalho, existe, às vezes, um espaço de liberdade que autoriza uma negociação,
invenções e ações de modulação do modo operatório, isto é, uma invenção do
operador sobre a própria organização trabalho, para adaptá-la às suas necessidades, e
mesmo para torná-la mais congruente com seu desejo. Logo que esta negociação é
56
conduzida a seu último limite, e que a relação homem-organização do trabalho fica
bloqueada, começa o domínio do sofrimento — e da luta contra o sofrimento.
Quando o trabalhador esgota todos os meios de defesa em tentativas de modificar a
organização do trabalho, atingindo níveis de insatisfação elevados, assumem vivências de
sofrimento.
Para Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994) o sofrimento tem início, quando a
organização do trabalho não possibilita a descarga da energia pulsional, isto é, quando há um
conflito entre organização do trabalho e funcionamento psíquico. Esta energia, então,
acumula-se no aparelho psíquico, gerando uma sensação de desprazer e de tensão. Ao se
deparar com este tipo de vivência, o indivíduo precisa ajustar-se ou adaptar-se à organização
do trabalho, para torná-la mais próxima de seu desejo, a fim de resguardar o seu equilíbrio
psíquico, ou seja, para evitar a descompensação.
Assim, Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994) argumentam que o sofrimento é uma
vivência intermediária entre a doença mental e o bem-estar psíquico, ou seja, deve ser
concebido como uma vivência bivalente, que pode ter uma conotação positiva ou negativa,
dependendo das estratégias utilizadas pelo indivíduo, para administrar a situação.
Ainda em relação ao sofrimento, pesquisas realizadas por Jayet (1994) resultam em
categorias de signos indicadores do sofrimento associado ao trabalho (Quadro 2).
Medo físico relacionado à fragilidade do corpo
quando exposto a determinadas condições de
trabalho.
Medo moral, que significa o medo do julgamento dos
outros e de não suportar a situação de pressão e
adversidade na qual realiza a tarefa.
Dúvidas sobre a utilidade social e profissional do seu
trabalho.
Sentimento de injustiça, reflexo da ingratidão da
empresa e das recompensas sem considerar as
competências.
Falta de reconhecimento retratada na ausência de
Tédio por desempenhar tarefas pouco valorizadas.
retribuição financeira ou moral e do nãoreconhecimento do mérito pessoal.
Dificuldade de poder dar sua contribuição à sociedade,
Sobrecarga do trabalho, gerando a impressão de que
gerando um sentimento de inatividade, de inutilidade e
não vai dar conta das responsabilidades.
de depreciação da sua identidade profissional.
Ininteligibilidade das decisões organizacionais, que Incertezas sobre o futuro da organização e seu próprio
gera falta de referência da realidade.
futuro.
Perda do sentido do trabalho a partir da nãoAmbivalência entre segurança, rentabilidade e
compreensão da lógica das decisões, levando à
qualidade.
desprofissionalização.
Falta de confiança, que produz a negação dos
problemas, manifestada em um sentimento de
Conflitos entre valores individuais e organizacionais.
desordem, de culpabilidade, de vergonha e de
fatalidade para lidar com as situações de trabalho.
Quadro 2: Indicadores de sofrimento no trabalho, segundo Jayet (1994 apud FERREIRA; MENDES, 2001).
Fonte: Ferreira e Mendes (2001, p. 96).
Assim, as vivências de sofrimento aparecem associadas à divisão e à padronização de
tarefas com subutilização do potencial técnico e da criatividade; rigidez hierárquica, com
excesso de procedimentos burocráticos, ingerências políticas, centralização de informações,
57
falta de participação nas decisões e não-reconhecimento; pouca perspectiva de crescimento
profissional, dentre outros.
Das reflexões apresentadas por Mendes (1999), conclui-se que o sofrimento no
trabalho instala-se quando a realidade não oferece possibilidades de gratificação dos desejos
do trabalhador, constituindo-se parte da natureza dinâmica que envolve o indivíduo e a
organização.
Também para Ferreira e Mendes (2003, p.53),
O sofrimento emerge como vivência, por vezes inconsciente, individual e/ou
compartilhada por um grupo de trabalhadores, de experiências dolorosas, como
angústia, medo e insegurança, provenientes de conflitos e de contradições
originados do confronto entre desejo e necessidades do trabalhador e as
características de determinado Contexto de Produção de Bens e Serviços – CPBS.
Para esses últimos, as principais características do sofrimento são a de que ele:
origina-se dos males que o trabalho causa no corpo, na mente e nas relações
socioprofissionais; tem como principais causas as dimensões da organização, das condições e
das relações de trabalho que estruturam os contextos de trabalho; constitui um dos
antecedentes do mal-estar no trabalho, sob a forma de uma avaliação de que algo não vai bem;
manifesta-se por ansiedade, insatisfação, indignidade, inutilidade, desvalorização e desgaste
no trabalho.
Em seu aspecto dicotômico frente ao sofrimento, diante do que Dejours (1996)
denomina de ressonância simbólica, ou seja, quando o trabalho possibilita, de alguma forma,
que o trabalhador possa por meio dele se reconciliar com os desejos e aspirações individuais
mais profundos, alcançando a sua realização, emergem as vivências de prazer no trabalho.
[...] o sujeito aborda a situação concreta sem ter que deixar sua história, seu passado
e sua memória no ‘vestuário’. Ao contrário, ele confere à situação de trabalho o
poder de engajamento para realizar através do trabalho sua curiosidade e sua
epistemofilia (história de vida). O trabalho oferece-lhe de alguma maneira uma
ocasião suplementar de perseguir seu questionamento interior e traçar sua história
(DEJOURS, 1996, p. 157).
É importante ressaltar as conclusões a que chegaram Dejours, Abdoucheli e Jayet
(1994) de que o prazer ocorre, quando há um livre funcionamento do aparelho psíquico,
independentemente do tipo de tarefa realizada. Em outras palavras, um trabalho intelectual
pode ser fonte de sofrimento, assim como um trabalho braçal pode ser acompanhado de um
enorme prazer e vice-versa, dependendo da possibilidade de escolha do indivíduo e do grau de
58
liberdade que a organização do trabalho lhe proporciona, para que ele possa utilizar o seu
potencial criativo, no sentido de descobrir a melhor maneira de realizar o seu trabalho.
Assim, o prazer no trabalho caracteriza um estado marcado pela diminuição da carga
psíquica e conseqüente livre funcionamento do aparelho psíquico, derivado da articulação do
trabalho às necessidades e desejos psicológicos do trabalhador.
Para Ferreira e Mendes (2003, p.54),
o prazer é uma vivência individual e ou compartilhada por um grupo de
trabalhadores de experiências de gratificação provenientes da satisfação dos desejos
e de necessidades do trabalhador, quando da mediação bem-sucedida dos conflitos e
contradições gerados em determinado Contexto de Produção de Bens e Serviços.
Para esses últimos, as principais características da vivência de prazer são a de que essa
se origina do bem que o trabalho causa no corpo, na mente e nas relações com as pessoas;
também têm como principais causas as dimensões da organização, das condições e das
relações sociais de trabalho que estruturam o contexto de trabalho; constitui um dos
antecedentes de bem-estar no trabalho sob a forma de uma avaliação consciente de que algo
vai bem e, conseqüentemente, um indicador de saúde; manifesta-se por meio da gratificação,
da realização, do reconhecimento, da liberdade e da valorização no trabalho; constitui um dos
indicadores de saúde no trabalho por possibilitar a estruturação psíquica, a identidade e a
expressão da subjetividade individual em função de uma subjetividade no trabalho que
viabilize as negociações, a formação de compromisso e a ressonância entre o subjetivo e a
realidade concreta de trabalho; é vivenciada quando a sublimação é possível, significando que
a organização, as condições e as relações sociais de trabalho permitem uma descarga do
investimento pulsional e, finalmente, quando ocorre ressignificação do sofrimento, levando à
transformação do contexto do trabalho em fonte de prazer.
Depreende-se, então, que as vivências de prazer são advindas da transformação do
sofrimento e/ou da própria relação do indivíduo com o trabalho. No primeiro caso, é o
resultado da mobilização subjetiva, no sentido da mudança efetiva da situação. No segundo
caso, o prazer é decorrente da descarga psíquica proporcionada pela própria tarefa. Essa
relação se configura na dinâmica que ocorre entre as vivências.
Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994) apresentam um modelo qualitativo, denominado
de abordagem econômica do funcionamento psíquico, segundo a qual o trabalho pode ser
equilibrante ou fatigante, à medida que permite, ou não, a descarga de energia psíquica,
proveniente do livre funcionamento do aparelho psíquico.
59
Os autores explicam que a energia psíquica pode se acumular, tornando-se fonte de
tensão e desprazer. A carga psíquica poderá crescer, até que aparecem à fadiga, a astenia e, a
partir daí, o trabalho fatigante. Por outro lado, quando há um espaço para negociação, ou seja,
quando o trabalhador pode utilizar o seu potencial criativo, para reformular a organização do
trabalho, buscando a melhor maneira de atingir os objetivos preestabelecidos, ocorre o
trabalho estruturante.
Revela-se assim, um dos pressupostos da Psicodinâmica do Trabalho, posto que, em
conseqüência das afirmações desses autores, que consideram que o tipo de trabalho pode ou
não determinar canais para aliviar a energia pulsional do indivíduo, iniciam-se as pesquisas
empíricas que visam determinar se a atividade a que está submetido o trabalhador, permite
uma descarga adequada de sua energia psíquica, ou seja, problematizam a existência ou não
de algum tipo de trabalho ou de organização do trabalho mais conveniente à saúde psíquica do
trabalhador.
Verifica-se, pois, que sentimentos de sofrimento ou de prazer experimentado pelo
indivíduo são determinados pela amplitude de espaço de liberdade existente entre organização
prescrita e o que realmente ocorre na execução do trabalho.
Entende-se, então, que quando existe uma predominância da compatibilidade entre
tarefa prescrita e atividade real, ou uma flexibilidade na organização do trabalho que permita
a negociação, tem lugar vivências de prazer, caso contrário, imperam as vivências de
sofrimento.
Conclui-se, portanto, que as peculiaridades específicas do trabalho e a forma com que
está organizado, concorrem diretamente para o sofrimento ou o prazer psíquico
experimentado individualmente pelo trabalhador, bem como associa-se à extensão do limite
de liberdade oferecido pela organização do trabalho à ação psíquica do trabalhador.
Pesquisas realizadas por Mendes (1995), Mendes e Linhares (1996) e Mendes e
Abrahão (1996) indicam que o prazer é vivenciado quando o trabalho favorece a valorização e
reconhecimento, especialmente, pela realização de uma tarefa significativa e importante para
a organização e a sociedade. O uso da criatividade e a possibilidade de expressar uma marca
pessoal também são fontes de prazer e, ainda, o orgulho e admiração pelo que se faz, aliados
ao reconhecimento da chefia e dos colegas. Tais pesquisas revelam que situações de medo e
de tédio são responsáveis pela emergência do sofrimento, que se reflete em sintomas como a
ansiedade e a insatisfação.
Pelo exposto neste tópico, identifica-se a dinâmica ocorrida no contexto de trabalho
dentro da perspectiva da Psicodinâmica, onde os trabalhadores utilizam-se de diversas
60
estratégias para buscar o prazer e evitar o sofrimento, ou seja, o descompasso entre o trabalho
prescrito e o real, proveniente da organização do trabalho e da carga psíquica de trabalho
imposta aos trabalhadores, se constituem em fonte geradora de sofrimento ou de prazer, a
depender dos mecanismos mediadores utilizados por eles.
As pesquisas realizadas sobre estes mecanismos, indicaram que, para enfrentar essa
dicotomia de possibilidades de vivências que nasce da interação com os contextos de
trabalhos, os trabalhadores constroem estratégias de mobilização coletiva, estratégias
defensivas (individuais ou coletivas) e estratégias criativas.
As estratégias de mobilização coletiva, conforme afirmam Ferreira e Mendes (2003,
p.55):
São modos de agir em conjunto dos trabalhadores, por meio do espaço público de
discussão e da cooperação, para eliminar o custo humano negativo do trabalho,
ressignificar o sofrimento, fazer a gestão das contradições; e transformar em fonte
de prazer e bem-estar a organização, as condições e as relações sociais de trabalho.
Então para Ferreira e Mendes (2003), são elementos que constituem a estratégia de
mobilização coletiva, o espaço público de discussão (espaço da fala e de expressão coletiva do
sofrimento que se caracterizam por ser um campo no qual as opiniões, eventualmente
contraditórias, podem ser livremente formuladas e publicamente declaradas e um espaço
conquistado pelos trabalhadores) e a cooperação (possibilidade de ação coordenada para
construir um produto comum com base na confiança e na solidariedade, caracterizando-se
pela convergência das contribuições de cada trabalhador e das relações de interdependência,
valorização e reconhecimento da marca pessoal e do esforço de cada um para realizar o
trabalho e para participar do coletivo).
Para Dejours (1999a), o espaço para discussão atualmente é praticamente determinado
pelos executivos, pois os operários desejam se expressar neste âmbito de discussão, contudo,
ao abordar a validade do espaço para discussão no trabalho, argumenta que a liberdade para
falar está diretamente vinculada à necessidade de ter-se um ouvinte, neste sentido o poder do
executivo, ou do líder de equipe para regular a amplitude desta fala e, conseqüentemente do
impacto desta fala em mudanças na organização do trabalho, é indiscutível. A Figura 3,
sistematiza o funcionamento das estratégias de mobilização coletiva.
61
ESTRATÉGIAS DE MOBILIZAÇÃO COLETIVA
ESPAÇO
COOPERAÇÃO
PÚBLICO
Figura 3: funcionamento das estratégias de mobilização coletiva.
Fonte: Baseada em Dejours (1999a).
As estratégias defensivas se interpõem entre a organização do trabalho e o
funcionamento psíquico, atuando como uma espécie de amortecedor contra as pressões
organizacionais do trabalho.
No que concerne às estratégias defensivas individuais, Dejours (1987) procurou
demonstrar que o máximo fracionamento das tarefas no trabalho, a competitividade
exacerbada e a cisão entre trabalho intelectual e braçal, levam os trabalhadores à solidão,
então há a procura de mecanismos compensatórios para tal situação. Surgem as defesas
personalizadas, que, por vezes, tomam lugar das defesas coletivas. Para Mendes (2007) as
defesas começam individuais, transformam-se em coletivas e quando não se sustentam,
transformam-se em individuais, tais como as de racionalização, passividade, aceitação e
negação.
Dejours (1996) reforça que, entre essas reações de defesa, figuram as defesas
individuais estabelecidas com base em fatores vinculados à vivência individual de cada
trabalhador e as defesas construídas pelo coletivo de trabalhadores, denominadas de “[...]
defesas coletivas e de ideologias defensivas de profissão, cuja principal distinção, em relação
às primeiras reside no fato de que seu funcionamento exige a participação coletiva dos
trabalhadores no espaço das interações sociais onde estão organizadas” (DEJOURS, 1996, p.
154).
Para Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994), as estratégias de defesa coletivas
dependem de condições externas e sustentam-se no consenso de um grupo específico de
trabalhadores. As defesas caracterizam-se por comportamentos de isolamento psicoafetivo e
profissional do grupo de trabalho, de resignação, de descrença, de renúncia à participação, de
indiferença e de apatia. Mendes (2007) reforça que determinados grupos não dão conta de
construir sistemas de defesa que se sustentem.
62
Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994) indicam que as estratégias defensivas coletivas
são, geralmente, construídas e empregadas pelos trabalhadores coletivamente, diferenciandose, desta forma, dos mecanismos de defesa individuais, amparados pela teoria psicanalítica e
descritos como mecanismos de defesa ou mecanismos de proteção contra o sofrimento (medo,
insegurança, angústia e ansiedade). Tais estratégias funcionam, então, como regras,
denominadas de regras defensivas ou ideologias defensivas, que pressupõem um acordo
tácito entre os trabalhadores e são típicas de cada categoria profissional. Portanto, existem as
ideologias defensivas dos operários da construção civil, dos soldados do Exército, dos
marinheiros, das enfermeiras, dos médicos e cirurgiões, dentre outros.
Mendes (2007) corrobora que o sofrimento e as defesas desempenham importante
papel a fim de assegurar a saúde dos trabalhadores. Não obstante, as defesas podem constituir
uma armadilha, gerando a alienação. A alienação se constrói quando essas defesas se
transformam em ideologia defensiva, ou seja, quando as estratégias de defesa coletiva se
transformam em ideologia.
A autora afirma que a ideologia defensiva tem por objetivo mascarar, conter e ocultar
uma ansiedade particularmente grave, indicando ser específica de um grupo social particular.
Destina-se a lutar contra um perigo e um risco reais. Ela é coletivamente elaborada e
alimentada.
Segundo a autora, para ser eficaz:
A ideologia defensiva deve conseguir a participação de todos os interessados no
encobrimento do sofrimento. Aquele que não contribui ou que não partilha do
conteúdo é, cedo ou tarde, excluído. Para ser funcional, ela deve ser dotada de certa
coerência, o que supõe arranjos relativamente rígidos com a realidade. Tão
inevitável quanto a própria realidade, a ideologia defensiva torna-se obrigatória. Ela
substitui os mecanismos de defesa individuais, tornando-os impotentes (MENDES,
2007, p.25).
As estratégias defensivas, muitas vezes inconscientes, individuais e ou compartilhadas
por um grupo específico de trabalhadores, caracterizam-se por mecanismos, dentre outros, de
negação (negação do próprio sofrimento e do sofrimento alheio no trabalho, caracterizando-se
pela naturalização do sofrimento e das injustiças que os trabalhadores padecem, eliminação do
coletivo de trabalho, dentre outros) e/ou racionalização (evitação e minimização da angústia,
do medo e da insegurança vivenciados no trabalho, caracterizando-se pela busca de
justificativas externas para explicar situações de trabalho dolorosas e por comportamentos de
apatia, resignação, indiferença, passividade, conformidade e de controle sobre pessoas e
situações que podem ameaçar a estabilidade e desmascarar as razões do imobilismo diante das
63
adversidades do contexto de trabalho) do sofrimento e do custo humano negativo, causados
pelas contradições e pelos conflitos vivenciados em determinado contexto de trabalho
(FERREIRA; MENDES, 2003).
Ferreira e Mendes (2003) explicam que as estratégias defensivas se suportam por um
determinado tempo e têm o papel de preservar o ego contra os conflitos e os afetos dolorosos.
Entretanto, alertam que apesar de protegerem os indivíduos, atuam pela transformação, pela
suavização da realidade, podendo, desse modo, ludibriar os trabalhadores, mascarando o
sofrimento e diminuindo a ação contra as pressões do trabalho. Nessa perspectiva, tornam-se
instrumentos de aumento de produtividade e de exploração pela organização do trabalho, além
de que, a constante utilização das estratégias defensivas, pode levar à alienação, quando
fracassa como estratégia, tornando-se ineficazes e levando ao adoecimento.
Por meio de pesquisas empíricas realizadas, Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994)
concluíram que as estratégias utilizadas pelos trabalhadores são em sua maioria coletivas e
não individuais. Acontecem quando o grupo compartilha o sofrimento e encontra soluções
para lidar com as situações causadoras de sofrimento. Essas estratégias coletivas de defesa
diferenciam-se das estratégias individuais na medida que desaparecem quando a causa do
sofrimento, localizada na organização do trabalho é afastada.
Assim sendo, as estratégias operatórias (Ergonomia da atividade) e de mobilização
coletiva são mais apropriadas do que as defensivas para manter os trabalhadores próximos da
saúde, principalmente, quando ocorre compartilhamento da estratégia operatória.
Pesquisas realizadas por Mendes (1994,1996) e Mendes e Linhares (1996) identificam
que os indicadores de comportamentos defensivos podem ser diferenciados em profissões
específicas. Tais pesquisas foram realizadas com funcionários públicos e enfermeiros. Foram
verificados como indicadores de comportamentos defensivos a racionalização ou passividade
e aceitação diante do elemento que faz sofrer, o individualismo e trabalho solitário diante de
situações como falta de cooperação, de confiança, de compartilhamento de regras no grupo de
trabalho impulsoras de sofrimento, no caso do estudo com funcionários públicos e no caso do
estudo com enfermeiros os indicadores foram a impessoalidade no contato com o paciente, o
distanciamento emocional da relação com o paciente, a evitação do contato com o paciente e
familiares e a valorização dos procedimentos técnicos em detrimento da relação interpessoal.
Segundo Dejours (1999b), as estratégias criativas, por sua vez, implicam na
utilização de certo tipo de inteligência, denominada de inteligência astuciosa, mobilizada
frente a situações inéditas, ao imprevisto e frente a situações cambiantes.
64
A inteligência astuciosa caracteriza-se, basicamente, pela utilização da astúcia, da
criatividade e da inovação, em detrimento do emprego da força física. Os mecanismos
psíquicos utilizados entre as estratégias criativas estão os processos de criação, imaginação,
inovação e ajustamento, que conduzem ao alcance dos objetivos da descarga psíquica, por
meio de procedimentos mais eficazes.
Por outro lado, implica também em transgressão às prescrições preestabelecidas e
embora elaboradas no espaço psíquico privado, este tipo de inteligência necessita de uma
validação social, para tornar-se socialmente eficaz (LANCMAN; SZNELMAN, 2004).
Mota (2002) explica que quando a estratégia criativa é validada pelo grupo, ela se
transforma em regras de ofício, que, além de provocar mudanças na organização do trabalho,
conduzem ao prazer, diferentemente das regras defensivas, que levam apenas à atenuação do
sofrimento.
A validação social traduz-se, na prática, através do reconhecimento, que se manifesta
de duas formas diferentes de julgamento. O primeiro é o “julgamento de utilidade” ou o
reconhecimento pelos chefes, subordinados e clientes. O segundo traduz-se pelo “julgamento
de beleza” ou o reconhecimento pelos pares e colegas, mais significativo, é um
reconhecimento de habilidade, de inteligência, de talento pessoal e de originalidade.
(DEJOURS, 2004, 2005; LANCMAN; SZNELMAN, 2004).
Esses autores salientam que as regras de ofício fornecem as bases essenciais e
necessárias ao estabelecimento das relações de confiança entre os trabalhadores, na medida
em que se sustentam a partir da cooperação, do consenso sobre as maneiras de trabalhar em
conjunto. Neste sentido, são capazes de promover a coesão e a construção do coletivo de
trabalho, o coletivo de regra, em oposição ao coletivo de defesa, estruturado pelas estratégias
defensivas (DEJOURS, 2004, 2005; LANCMAN; SZNELMAN, 2004).
Mendes et al. (2003), em estudo realizado sobre o sofrimento psíquico no trabalho de
atendimento em um restaurante Fast-Food, com quatro atendentes, que responderam a
entrevistas abertas semi-estruturadas, identificaram mecanismos de controle excessivo,
considerado como estratégia de defesa, uma vez que consiste numa forma de adequar a
subjetividade do empregado à realidade de seu universo laboral. Indicaram que nesses casos,
características objetivas do contexto de trabalho são percebidas de forma que suas
peculiaridades negativas sejam minimizadas ou atribuídas a fatores alheios, como, por
exemplo, o acaso e como forma de mobilização coletiva no trabalho ou uma forma criativa e
prática de enfrentar a sobrecarga de tarefas e o ritmo exacerbado. Mendes et al. (2003)
perceberam ainda a presença do fator confiança no relacionamento dos atendentes, fator esse
65
que os possibilitava amenizar a sensação de pressão, uma vez que existia a colaboração
interpessoal para o alcance dos objetivos. Concluíram que, apesar dos resultados serem
preliminares, a pesquisa demonstrou indicadores claros e válidos da utilização das estratégias.
Sintetizando, o prazer é uma vivência que compreende experiências de gratificação
provenientes da satisfação dos desejos e necessidades podendo ser individual ou
compartilhada por um grupo de trabalhadores. O sofrimento é entendido pela vivência de
experiências dolorosas, como angústia, medo e insegurança, oriundo de conflitos e de
contradições vivenciados pelos trabalhadores que fazem uso de estratégias de mobilização
coletiva, estratégias defensivas individuais (como negação, racionalização e compensação
para lidar com o sofrimento) e coletivas e estratégias criativas.
Para fins de facilitar a compreensão a respeito da interação entre os construtos
apresentados, a Figura 4 procura esquematizar os principais conceitos abordados pela
Psicodinâmica do Trabalho, abordados neste estudo.
66
TRABALHO
SUJEITO
SOFRIMENTO
PRAZER
INDIVIDUAIS
ESTRATÉGIAS
INTELIGÊNCIA
ASTUCIOSA/
TRANSGRES
SÃO DAS
PRESCRIÇÕES
INDIVIDUAIS
(Mecanismos de
defesa)
DEFENSI
VAS
(MEDIAÇÃO)
MOBILIZA
ÇÃO
COLETIVA
CRIATI
VAS
(MEDIAÇÃO)
COLETIVAS:
QUANDO
VALIDADAS
SOCIALMENTE
TORNAM-SE
REGRAS DE
OFÍCIO
COLETIVAS
(Ideologias defensivas)
(coletivo de defesa)
(coletivo de regra)
FALHAM
NÃO
SIM
MINIMIZAM O
SOFRIMENTO
(ADAPTATIVAS)
TRABALHO
FATIGANTE/
DOENÇA
RECONHECI
MENTO:
COOPERAÇÃO
ESPAÇO PÚBLICO
DE DISCUSSÃO
NÃO
TRABALHO
ESTRUTURANTE
Figura 4: A Psicodinâmica do Trabalho
Fonte: Baseada em Ferreira e Mendes (2003)
Vale ressaltar que a Psicodinâmica, não se constitui um processo estático. A Figura 4,
apenas sistematiza conceitos, entretanto, pesquisas em clínica do trabalho vêm demonstrando,
por exemplo, que não apenas o sofrimento é gerador de adoecimento, o prazer, oriundo de
67
sentimentos de gratificação do sujeito, quando percebidos e manipulados pela organização do
trabalho, podem gerar a denominada auto-aceleração, o que também pode acarretar o
adoecimento (MENDES, 2007).
Os estudos em Psicodinâmica do Trabalho constataram que o sofrimento é inerente à
relação do homem com o trabalho, estando presente em todas as situações da vida, como uma
conseqüência natural da frustração do desejo. Por outro lado, passaram a observar, também,
que as vivências de prazer e de sofrimento não são excludentes entre si, sendo que
normalmente há uma predominância de uma sobre a outra. São poucas as situações em que os
trabalhadores vivenciam apenas prazer ou apenas sofrimento.
Depreende-se que essa dinâmica ocorre, pois são inúmeros os fatores que influenciam
a maneira como os trabalhadores se sentem no trabalho, além de que as pessoas têm uma
tendência natural a buscar o prazer e evitar o sofrimento, seja qual for o contexto em que
estiverem inseridos, posto que necessitam de defesas para a manutenção do equilíbrio
psíquico, mesmo que a homeostase se mantenha e as leve a uma acomodação ou alienação
psíquica.
Ferreira e Mendes (2003, p.53), a partir dos postulados preconizados pela
Psicodinâmica do Trabalho, concluem que:
O prazer-sofrimento é um construto único, originado das mediações utilizadas pelos
trabalhadores para manter a saúde, evitando o sofrimento e buscando alternativas
para obter prazer. Logo, o trabalho é uma das fontes de saúde psíquica, de
construção (ou reconstrução) da identidade do sujeito, e não necessariamente lugar
de sofrimento; ele é uma possibilidade de expressão da subjetividade individual e da
construção de uma subjetividade no trabalho, que permita a saúde e não o
adoecimento ao atribuir o sentido do trabalho como prazer. No entanto, na maior
parte das vezes, nossas pesquisas demonstram que é o sofrimento que predomina
diante de condições externas extremamente restritivas às possibilidades de os
sujeitos negociarem seus desejos diante da realidade e/ou quando se esgotam todas
as tentativas individuais e coletivas de reação às adversidades do trabalho,
instalando-se o adoecimento.
Os pressupostos teóricos postulados pela Psicodinâmica do Trabalho, têm sido
corroborados, por estudos empíricos realizados desde meados da década de 90, por
pesquisadores brasileiros, que vêm identificando constantemente as vivências de prazer e
sofrimento provenientes da organização do trabalho e as estratégias defensivas e de
mobilização coletiva, seja por meio de estudos qualitativos ou quantitativos.
As pesquisas desenvolvidas por Mendes (1999), Ribeiro e Mendes (2000), Diniz e
Mendes (2000), Antloga (2003), Ferreira e Mendes (2001) e Mendes e Tamayo (2001)
confirmaram a influência da organização do trabalho no prazer-sofrimento, tanto no que diz
68
respeito aos aspectos da racionalidade do trabalho, quanto dos atuais paradigmas de
organização do trabalho.
Mazilli e Lunardi (1995), em pesquisa realizada com enfermeiros, identificaram em
uma organização do trabalho autocrática e autoritária, elementos fortemente implicados na
gênese do sofrimento no trabalho. Revelaram-se como propiciadores de sofrimento o descaso,
o desconhecimento ou a negação das dificuldades originadas na hierarquia e no grupo de
trabalho, assim como a sobrecarga de trabalho e as precárias condições físicas de trabalho.
Barcellos (1999) desenvolveu estudo sobre as condições de trabalho dos policiais que
realizam o policiamento ostensivo na Brigada Militar de Porto Alegre. As condições e a
organização de trabalho dos policiais militares foram articuladas com o conjunto de discursos
e práticas institucionais que cercam o fenômeno e com o sofrimento físico e mental produzido
pela atividade policial. Foi privilegiado, na pesquisa, o estudo de aspectos da Ergonomia
relacionados às pressões físicas, químicas e biológicas,
as divisões técnica e social do
trabalho e sua associação com as vivências de sofrimento, além de aspectos relativos à
defasagem entre trabalho prescrito e real. Concluiu que a precariedade das condições de
trabalho, aliada à rigidez estabelecida na forma de organização de trabalho dos policiais
militares, constituía-se em fonte de sofrimento mental que proporcionava na vida desses
trabalhadores um impacto, que se projetava além dos limites da atividade laboral, alcançando
o seu espaço de existência particular.
A influência da organização do trabalho na vivência de sofrimento foi abordada por
Ribeiro, Leda e Mendes (2005) em pesquisa realizada com profissionais de uma empresa
pública. Os autores enfatizaram que o sofrimento psíquico no trabalho estava relacionado à
percepção da falta de espaço na organização para inovar e criar, à execução de tarefas
padronizadas e repetitivas e à existência de relação confusa e conflituosa com a hierarquia.
Com o objetivo de verificar a predominância da vivência de prazer ou de sofrimento
em profissionais em função da atividade de liderança, Diniz e Mendes (2000) realizaram
pesquisa com chefes e não chefes de uma instituição pública, observando que a vivência de
sofrimento é a mais representativa em profissionais que não exercem função de chefia.
O prazer também é vivenciado, segundo Mendes e Abrahão (1996), de acordo com
resultados empíricos obtidos em pesquisa realizada com engenheiros de telecomunicação,
quando o trabalhador sente reconhecimento e valorização, tendo em vista: realização de
tarefas com começo, meio e fim; visualização dos resultados da produção; descentralização
das decisões; autonomia técnica; controle do processo produtivo; possibilidade de aprender e
desenvolver-se profissionalmente e liberdade de expressão.
69
Estudo realizado por Mota (2002) buscou verificar o impacto dos programas de
treinamento sobre as vivências de prazer-sofrimento no trabalho. Os profissionais estudados
foram policiais militares. Não foram identificadas vivências de sofrimento. Pode-se atribuir
esses resultados às circunstâncias momentâneas, posto que os trabalhadores se encontravam
em um ambiente diverso do cotidiano.
Fook e Silva-Júnior (2004) realizaram um estudo sobre sofrimento psíquico com
profissionais de transportes públicos coletivos de Campina Grande-PB. Para identificar a
existência de sofrimento psíquico, utilizaram o instrumento Self Report Questionaire (S.R.Q.20), um questionário composto de 20 perguntas, já validado para utilização no Brasil. Nas
respostas obtidas por meio do instrumento, concluíram que, considerando-se a organização do
trabalho no setor de transportes coletivos, é pequena a incidência de sofrimento psíquico na
população estudada. Os resultados indicaram que os trabalhadores executavam atividades das
quais gostavam.
Resende e Mendes (2004) investigaram as estratégias defensivas e de mobilização
subjetiva de enfrentamento do sofrimento psíquico no trabalho bancário, em três agências de
bancos públicos localizados no Distrito Federal. Os resultados apontaram para quatro
categorias: descontentamento com o trabalho, estratégias para enfrentar o estresse,
insatisfação com a empresa e relacionamentos profissionais, todas relacionadas com o
sofrimento. Para enfrentar tal sofrimento, as pesquisadoras concluíram que são utilizadas
defesas de negação e controle por meio de mecanismos de racionalização.
Morrone e Mendes (2003) investigaram o prazer e o sofrimento de trabalhadores em
atividades informais sob o prisma da Psicodinâmica do Trabalho. O objetivo foi analisar as
relações entre as vivências de prazer e de sofrimento, os atributos da organização do trabalho
e a dinâmica do reconhecimento. Os achados demonstraram características de flexibilidade da
organização do trabalho que favoreciam o prazer e a precariedade das condições de trabalho
como elemento provocador de sofrimento. Inferiram que esse sofrimento é enfrentado por
estratégias defensivas e ressignificado pela dinâmica do reconhecimento, que implica a
valorização da atividade informal como alternativa para sobrevivência e para fazer face ao
desemprego. Concluíram que essa categoria profissional tentava encontrar caminhos para
manutenção da saúde ao utilizarem mecanismos que favoreciam o enfrentamento do
sofrimento e a busca do prazer.
De todo o cabedal teórico apresentado, resta ainda enfatizar como foram definidos os
fatores de prazer e sofrimento ao longo do desenvolvimento científico e que subsidiaram a
maioria das pesquisas hoje realizadas no país.
70
Dejours (1987, 1994) relacionava quatro indicadores característicos à vivência do
sofrimento, a saber: a indignidade, a inutilidade, a desqualificação e a vivência depressiva. Na
década de noventa, a realização no país dos estudos empíricos já citados, conduziram ao
estabelecimento de outros fatores como sentimentos de desgaste e cansaço (MENDES, 1997)
e sentimentos de desgosto e insegurança (MORRONE, 2001).
Os fatores para a vivência de prazer foram definidos como sentimentos de valorização
e reconhecimento por Mendes (1997, 1999), Ferreira e Mendes (2001) e Mendes e Tamayo
(2001). Esses fatores foram reelaborados por Pereira (2003) incluindo assim a gratificação e a
liberdade e como fatores de sofrimento foram apontados o desgaste e a insegurança.
Mendes (2004) concluiu que o prazer, oriundo da organização do trabalho, é avaliado
por dois fatores: realização (sentimento de gratificação, orgulho e identificação com
determinado trabalho que atenda às necessidades profissionais); e liberdade (sentimento de
estar livre para pensar, organizar e falar sobre o trabalho). Enquanto o sofrimento é avaliado
pelos fatores: desgaste (sentimento de desânimo, cansaço, ansiedade, frustração, tensão
emocional, sobrecarga e estresse no trabalho); e desvalorização (sentimento de incompetência
diante das pressões para atender as exigências de desempenho e produtividade).
Para Dejours (1987), a dinâmica entre o prazer e o sofrimento do trabalhador está
ligada às dimensões: condições de trabalho (ambiente físico, químico, biológico, condições de
higiene, de segurança e as características antropométricas - medida do corpo humano - do
posto laboral) e organização do trabalho (divisão, o conteúdo da tarefa, o sistema hierárquico,
as modalidades de comando, as relações de poder, as questões de responsabilidade, não
aceitação mais da cisão entre o trabalho intelectual e manual dentre outras).
Já para Mendes (2004) a dinâmica entre prazer e sofrimento está ligada às dimensões
organização, condições e relações sociais de trabalho e são consideradas atributos que
influenciam o clima organizacional e a satisfação do trabalhador, que, por sua vez, se
caracterizam como avaliações circunstanciais do ambiente de trabalho, funcionando como
termômetro que indica ou não o bem-estar na organização.
Mendes (2004) destaca que as condições de trabalho são avaliadas por indicadores
como: ambiente físico (sinalização, espaço, ar, luz, temperatura, som); matéria prima e
informacionais (instrumentos, ferramentas, máquinas, documentação; equipamentos materiais
arquitetônicos, aparelhagem e mobiliário); suporte organizacional (como informações,
suprimentos e tecnologias); e política de remuneração, desenvolvimento de pessoal e
benefícios.
71
Mendes (2004) define que, na organização do trabalho, são avaliados os seguintes
indicadores: divisão hierárquica, técnica e social do trabalho (metas, qualidade e quantidade
de produção esperada); regras formais (missão, normas, dispositivos jurídicos e
procedimentos); duração da jornada (pausas e turnos); ritmos de trabalho (prazos e tipos de
pressão); controles (supervisão, fiscalização e disciplina); e natureza do trabalho (conteúdo e
características das tarefas).
A autora afirma ainda que, para as relações sociais de trabalho, são considerados como
indicadores as interações hierárquicas (relações de poder); interações coletivas (intra e
intergrupos) e as interações externas (clientes, usuários, consumidores, representantes
institucionais e fornecedores).
Para melhor compreensão dos aspectos relacionados às vivências de prazer e
sofrimento, ligadas às dimensões organizacionais expostas por Mendes (2004), segue-se o
Quadro 3 esquemático:
DIMENSÕES
INDICADORES
ITENS
SINALIZAÇÃO, ESPAÇO, AR, LUZ,
TEMPERATURA,
SOM,
INSTRUMENTOS,
FERRAMENTAS,
MÁQUINAS,
DOCUMENTAÇÃO,
EQUIPAMENTOS
MATERIAIS
ARQUITETÔNICOS, APARELHAGEM
E MOBILIÁRIO.
AMBIENTE FÍSICO
CONDIÇÕES DE TRABALHO
MATÉRIA
PRIMA
E
INFORMAÇÕES E SUPRIMENTOS.
INFORMACIONAIS.
SUPORTE ORGANIZACIONAL
TECNOLOGIAS.
POLÍTICA DE REMUNERAÇÃO
DESENVOLVIMENTO
PESSOAL
BENEFÍCIOS
DIVISÃO
TÉCNICA
E
TRABALHO.
ORGANIZAÇÃO DO
TRABALHO
DE TREINAMENTO
DESENVOLVIMENTO
E
AUXÍLIOS E VALES DIVERSOS
HIERÁRQUICA, METAS,
QUALIDADE
E
SOCIAL
DO QUANTIDADE
DE
PRODUÇÃO
ESPERADA.
REGRAS FORMAIS
MISSÃO, NORMAS, DISPOSITIVOS
JURÍDICOS E PROCEDIMENTOS.
DURAÇÃO DA JORNADA
PAUSAS E TURNOS
RITMOS DE TRABALHO
PRAZOS E TIPOS DE PRESSÃO.
INTERAÇÕES HIERÁRQUICAS
SUPERVISÃO, FISCALIZAÇÃO E
DISCIPLINA.
CONTEÚDO E CARACTERÍSTICAS
DAS TAREFAS.
RELAÇÕES DE PODER
INTERAÇÕES COLETIVAS
INTRA E INTERGRUPOS
INTERAÇÕES EXTERNAS
CLIENTES,
USUÁRIOS,
CONSUMIDORES,
REPRESENTANTES INSTITUCIONAIS
E FORNECEDORES.
CONTROLES
NATUREZA DO TRABALHO
RELAÇÕES SOCIAIS DE
PROMOÇÕES E PREMIAÇÕES
TRABALHO
Quadro 3: Indicadores para verificação de prazer e sofrimento no ambiente organizacional
Fonte: Baseado em Mendes (2004)
72
Neste estudo, optou-se pelas dimensões organizacionais definidas por Mendes (2004),
Ferreira e Mendes (2003), além dos fatores de prazer e sofrimento reelaborados por Pereira
(2003), incluindo assim a gratificação e a liberdade, como fatores de prazer e o desgaste e a
insegurança como fatores de sofrimento, melhor conceituados no capítulo 3.
2.5 Ergonomia da Atividade e Psicodinâmica do trabalho – um diálogo entre duas
disciplinas
Essa seção visou abarcar a relação da Ergonomia da Atividade e a Psicodinâmica do
Trabalho em um contexto organizacional, bem como apresentar pesquisas realizadas sob essas
influências, a fim de que pudessem subsidiar os objetivos propostos neste estudo.
O enfoque adotado por Ferreira e Mendes (2003), para investigar a influência entre o
Contexto de Trabalho e a Psicodinâmica, abordagens teórico-metodológica com afinidades
conceituais, epistemológicas e históricas e que norteiam o presente estudo, fundamenta-se em
dois pressupostos complementares.
O primeiro, advindo principalmente da Ergonomia da Atividade, refere-se à atividade
do sujeito propriamente dita, onde, em situação de trabalho, a atividade caracteriza-se como
um processo permanente de regulação e mediação que visa o ajuste do trabalhador às tarefas
prescritas, ou às múltiplas determinações do contexto de trabalho (situacionais, físicas,
materiais, instrumentais, organizacionais, sociais).
O segundo está afeto à avaliação que o trabalhador faz de seu estado interno,
resultando em vivências de prazer-sofrimento, que pode ser compartilhada coletivamente e é
influenciada pela atividade de trabalho.
Depreende-se desses pressupostos, já abordados de modo mais abrangente em seções
anteriores, que toda a atividade laboral veicula implicitamente um custo humano que se
expressa sob a forma de carga de trabalho, e as vivências de prazer e sofrimento têm como um
dos resultantes o confronto ou conflito do sujeito com essa carga (trabalho real e trabalho
prescrito) que, por conseguinte, impacta nas vivências subjetivas e no sentido e significado
atribuído ao Contexto de Trabalho. Para tanto, o sujeito utiliza, basicamente, três estratégias
de mediação individual e coletiva que visam manter a integridade física, psíquica e social.
Ferreira e Mendes (2003) indicam que as principais estratégias de mediação individual
e coletiva utilizadas pelos trabalhadores são: as estratégias operatórias (afetas à Ergonomia
da Atividade), as estratégias de mobilização coletiva e as estratégias defensivas (afetas à
Psicodinâmica do Trabalho).
73
De acordo com Ferreira e Mendes (2003, p. 43-44), as Estratégias de Mediação
Individuais e Coletivas (EMIC) são:
os “modos de pensar, sentir e de agir” diante de um contexto de produção
específico. Elas visam a responder do melhor modo possível aos possíveis conflitos
oriundos da diversidade de contradições que caracteriza o custo humano do trabalho,
e que podem gerar sofrimento, buscando
instaurar o predomínio de
representações/vivências individuais e coletivas de prazer e bem-estar. Para os
trabalhadores, responder adequadamente pode significar manter e / ou transformar
as solicitações que resultam das variáveis presentes no contexto de produção.
De acordo com esses autores, o prazer é definido como uma vivência individual ou de
um grupo de trabalhadores de experiências de gratificação oriundas da mediação entre as
necessidades do indivíduo e as exigências do contexto de trabalho. Em contrapartida, o
sofrimento é uma vivência de sentimentos dolorosos como angústia, medo e insegurança,
provenientes dos conflitos entre o indivíduo e o contexto de trabalho.
Os dois pressupostos básicos, objeto desse estudo, vêm sendo estudados
empiricamente mediante pesquisas realizadas por autores nacionais desde o início da década
de 90 (MENDES; MORRONE, 2002). Esses estudos centraram-se na perspectiva de verificar
as contradições, confrontos e conflitos provenientes das necessidades dos trabalhadores em
relação ao contexto de trabalho e às vivências de prazer e sofrimento, em diversas categorias
de trabalhado.
Barros (2004) corrobora tais conclusões quando afirma que tais pesquisas, realizadas
com servidores de empresa pública do Distrito Federal, operários da construção civil do DF,
professores virtuais de uma instituição de ensino superior particular em Brasília, operadores
de teleatendimento em Goiânia, empregados de construção civil e profissionais da área de
gestão de pessoas de uma instituição financeira, indicam que as contradições provenientes do
conflito entre as necessidades do indivíduo e o contexto de trabalho geram uma subjetividade
específica (prazer e sofrimento no trabalho) em cada categoria estudada. Dessa forma, as
vivências de prazer e sofrimento, são enfrentadas mediante estratégias de mediação, que
variam de acordo com o contexto de trabalho de cada categoria profissional.
Portanto, quando as estratégias falham ou quando a vivência do sofrimento é muito
intensa e não é possível o seu enfrentamento, o adoecimento pode se instalar.
Vale a citação de algumas dessas pesquisas no sentido de articular as contribuições,
corroborar ou não os achados e consequentemente, agregar valor à temática abordada, ora em
pauta.
74
Ferreira e Mendes (2001), em estudo realizado com servidores públicos no DF,
investigaram a inter-relação entre atividade de atendimento ao público e vivências de prazer e
sofrimento no trabalho nos dois pressupostos objetos do presente estudo. A atividade e a
vivência de prazer e sofrimento oriundos do custo humano do trabalho. Utilizaram técnicas de
coleta e análise de dados qualitativa e quantitativa com 64 sujeitos e concluíram que a
atividade de trabalho constitui um dos elementos explicativos para a predominância de
vivências de sofrimento dos atendentes.
Facas et al. (2004), em pesquisa que investigou o trabalho de professores virtuais no
contexto de trabalho, o custo humano no exercício da atividade, o prazer e o sofrimento
vivenciados nesse ambiente e as estratégias de mediação individuais e coletivas utilizadas,
realizaram entrevistas individuais semi-estruturadas e abertas com dois “professores virtuais”.
Os pesquisadores verificaram que, quanto à organização do trabalho, existe liberdade, embora
por vezes, o professor fique além de sua carga horária estabelecida para concluir as
atividades. As condições de trabalho eram precárias em alguns pontos tais como a existência
de reclamações com relação a mobiliário, ventilação, ruídos e equipamentos. Quanto às
relações sociais com a chefia, havia diálogo aberto e com os pares era de companheirismo,
sendo que a dinâmica entre estes e os alunos foi considerada excelente. Concluíram que a
flexibilidade na organização do trabalho pode tanto ser positiva quanto negativa e que as
condições de trabalho e as relações sociais eram adequadas. Indicaram que esses fatores
favoreceram as vivências de prazer.
Vieira (2005) realizou pesquisa com 396 operadores de uma central de
teleatendimento, fundamentada no pressuposto de que o confronto dos resultados da interrelação dos trabalhadores com o contexto de trabalho pode ser fonte de prazer ou de
sofrimento e dependem das estratégias utilizadas pelos trabalhadores para ressignificar o
sofrimento e transformá-lo em prazer. O contexto de trabalho compreendeu as dimensões:
condições de trabalho, organização do trabalho e relações socioprofissionais. Para tanto,
utilizou a Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho (EIPST), revalidada em
sua pesquisa, com quatro fatores: gratificação e liberdade, para prazer e desgaste e
insegurança, para sofrimento. Os resultados obtidos indicaram a presença de vivências
moderadas de prazer e sofrimento, prevalecendo às vivências de prazer em relação às
vivências de sofrimento. Os resultados sugeriram que os atendentes poderiam estar utilizando
estratégias defensivas, como a negação, racionalização e a compensação para lidar com o
sofrimento e manter a integridade física, psíquica e social.
75
Embora a escala a ser utilizada nesse estudo, por opção, tenha sido a validada por
Pereira (2003), os fatores e indicadores recorrentes nas escalas de Vieira (2005) e Pereira
(2003) são semelhantes, mudando-se apenas o modo de colocação das afirmativas referentes a
estes, ou seja, Pereira (2003) utilizou uma escala com frases mais completas e elaboradas do
que Vieira (2005), cuja escala continha apenas palavras que se referiam aos fatores, fato este
que não influiu de modo definitivo na comparação entre os resultados encontrados.
Barros e Mendes (2003) investigaram o Contexto de Trabalho e as vivências de prazer
e sofrimento no trabalho dos operários terceirizados de uma cooperativa do Distrito Federal,
utilizando o modelo teórico-metodológico adotado por Ferreira e Mendes (2003), mediante a
aplicação de entrevistas coletivas semi-estruturadas com dois grupos de cinco operários
terceirizados cada um, totalizando dez participantes. Os resultados apontaram para um
contexto de trabalho caracterizado por uma organização do trabalho rígida quanto à qualidade
dos serviços, mas flexível em relação ao horário. As condições de trabalho foram
consideradas satisfatórias e as relações de trabalho, amigáveis. A necessidade de
sobrevivência e a satisfação no trabalho indicaram concomitantemente neutralização do
sofrimento por meio das condições favoráveis do contexto de trabalho e da utilização das
relações sociais de trabalho como estratégias mediadoras do sofrimento.
Silva e Mendes (2004) analisaram a relação entre o contexto de trabalho e os
indicadores de prazer e sofrimento em 71 profissionais da área de gestão de pessoas de uma
instituição financeira. Utilizaram-se do Inventário de Riscos de Adoecimento (ITRA),
composto pela Escala de Condições, Organização e Relações de Trabalho (ECORT) e pela
Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho (EIPST). O contexto de trabalho
foi percebido moderadamente pelos participantes. O fator da ECORT com maior média foi
organização do trabalho. Os resultados da EIPST indicaram vivências também moderadas de
prazer e sofrimento. As vivências de prazer apresentaram maior média em relação às de
sofrimento. O fator liberdade apresentou a maior média. A avaliação teórica e empírica das
implicações de variáveis do contexto de trabalho nas vivências de prazer e sofrimento no
trabalho apontou uma contradição entre vivência de prazer em um contexto insatisfatório. Os
resultados mostram que os sujeitos adotavam como estratégias defensivas, a racionalização e
a negação para evitar o sofrimento.
Silva, Campos e Mendes (2004), em pesquisa realizada com líderes religiosos
neopentacostais e tradicionais, encontraram resultados que ratificaram a pesquisa
anteriormente citada, concluindo que não existe diferença estatisticamente significativa entre
a vivência de prazer-sofrimento e percepção do Contexto de Trabalho, ou seja, há
76
predominância de prazer em um contexto de trabalho insatisfatório, embora existissem
diferenças de estruturas e concepções de trabalho totalmente diferentes, indicando que outras
variáveis poderiam ter maior influência sobre as atividades.
Analisando-se as recentes contribuições por meio de pesquisas que objetivaram
verificar as inter-relações entre o Contexto de Trabalho e a Psicodinâmica, conclui-se que as
vivências de prazer e sofrimento são enfrentadas mediante estratégias de mediação, que
variam de acordo com o contexto de cada organização e da natureza do trabalho. Assim, as
pesquisas confirmam que a atividade de trabalho, bem como as condições de trabalho
favoráveis, constituíam-se como prognósticos para a predominância de vivências de prazer,
ou ao contrário, quando percebidas como negativas, atuavam como prognósticos de
sofrimento dos trabalhadores. Os pesquisadores concluíram ainda, que independentemente de
perceberem o contexto como insatisfatório, os trabalhadores tendiam, de modo geral,
depender da escolha das estratégias defensivas a serem utilizadas no Contexto de Trabalho,
regulando as vivências de sofrimento a fim de manterem a integridade física, psíquica e
social.
Com o intuito de atingir o objetivo proposto neste estudo, definiram-se na próxima
seção, os elementos que compuseram e delinearam os procedimentos utilizados para a
investigação das percepções dos trabalhadores da organização investigada, quanto aos
pressupostos da atividade (contexto do trabalho), das vivências de prazer e sofrimento
(organização do trabalho), bem como a identificação das estratégias de mediação utilizadas
pelos trabalhadores, haja vista as especificidades das naturezas de trabalho investigadas.
Assim, fundamentado no referencial teórico exposto nesta e em seções anteriores,
principalmente no que concerniu ao Contexto de Trabalho e à Psicodinâmica, o próximo
capítulo trata da metodologia utilizada para a consecução da pesquisa.
77
3 Metodologia
Depreende-se que a opção de um delineamento metodológico para o estudo empírico
caracteriza-se como uma preocupação capital para qualquer pesquisador que queira alcançar
objetivos eminentemente científicos.
Por tratar-se de uma pesquisa na área das ciências sociais, a estrutura metodológica
deve ser rigorosamente planejada, considerando-se em primeiro plano, a ética do pesquisador
ao engendrar-se em determinada organização. A obtenção de dados requer um redobrado
cuidado do pesquisador quanto às opiniões dos respondentes e da organização. Devem
imperar, portanto, a ética e o rigor científico, no caminho a ser trilhado.
Posto isso, este capítulo visou delinear o método de pesquisa realizado para alcançar
os objetivos propostos neste estudo. Foram descritos, os modelos fundamentados no
arcabouço teórico, o tipo de pesquisa conduzida, a população selecionada para participar da
pesquisa, os instrumentos e procedimentos para a coleta de dados e as técnicas utilizadas para
a análise de dados.
3.1 Abordagens utilizadas para a realização do estudo
Para investigar as vivências de prazer e sofrimento, bem como o contexto do trabalho,
optou-se pela utilização das abordagens da Ergonomia da Atividade e Psicodinâmica do
Trabalho, a seguir detalhadas.
3.1.1 Ergonomia da Atividade
A perspectiva histórica apresentada, bem como as concepções oriundas dos
significados e sentidos do trabalho, privilegiam as condições, a organização e as inter-relações
no mundo do trabalho, que se constituem em características influentes em diferentes
segmentos da organização.
Para tanto, com vistas a investigar os fatores que compõem o Contexto de Trabalho,
optou-se pelo enfoque proposto por Ferreira e Mendes (2003) e Mendes (2007), que
abrangem a organização do trabalho, as condições de trabalho e as relações socioprofissionais
de trabalho.
Os fatores escolhidos para investigação nesta pesquisa sobre o Contexto de Trabalho
ou Contexto de Produção de Bens e Serviços (CPBS), encontram-se representados na Figura
5:
78
Figura 5: Contexto de Produção de Bens e Serviços (CPBS) - Principais fatores
Fonte: Ferreira e Mendes (2003, p. 41).
Para Ferreira e Mendes (2003, p. 41), o CPBS:
Expressa o lócus material, organizacional e social onde se operam a atividade de
trabalho e as estratégias individual e coletiva de mediação utilizadas pelos
trabalhadores na interação com a realidade de trabalho. Esse contexto articula
múltiplas e diversificadas variáveis, compondo uma totalidade integrada e
articulada.
O Quadro 4 mostra, de modo esquemático, o que representam, para esses autores, os
indicadores que norteiam o Contexto de Trabalho.
Organização do
trabalho
Representações sobre a divisão do trabalho, normas, tempo e controle exigidos para o
desempenho das tarefas.
Condições de
trabalho
Representações sobre o apoio institucional recebido para a realização do trabalho em
termos de ambiente físico, equipamentos, material e gestão voltada para o desempenho e
desenvolvimento profissional.
Relações sociais
de trabalho
Representações sobre a comunicação e a sociabilidade no trabalho, interação profissional
com colegas e chefias.
Quadro 4: Indicadores do contexto de trabalho.
Fonte: Ferreira e Mendes (2003, p. 64).
Ferreira e Mendes (2003) explicitam que a organização do trabalho (OT), constitui-se
por elementos formal ou informalmente prescritos, que denotam as diretrizes práticas do
trabalho, presentes no lócus de produção e que impactam diretamente no funcionamento
79
operacional da organização. Indicam que a OT integra os seguintes elementos: divisão do
trabalho (hierárquica, técnica e social), produtividade esperada (metas, qualidade e
quantidade), regras formais (missão, normas, dispositivos jurídicos e procedimentos), tempo
de trabalho (duração da jornada, pausas e turnos), ritmos (prazos e tipos de pressão), controles
(supervisão, fiscalização e disciplina) e características das tarefas (natureza e conteúdo).
Ferreira e Mendes (2003) afirmam ainda que as Condições de Trabalho (CT)
compõem-se por elementos estruturais presentes no lócus de trabalho e têm na infra-estrutura
organizacional, no apoio institucional e nas práticas administrativas, a representatividade. Os
indicadores desse fator são: o ambiente físico (sinalização, espaço, ar luz, temperatura e som);
instrumentos
(ferramentas,
máquinas
e
documentação);
equipamentos
(materiais
arquitetônicos, aparelhagem e mobiliário); matéria-prima (objetos materiais/simbólicos
informacionais); suporte organizacional (informações, suprimentos e tecnologia) e práticas de
remuneração, desenvolvimento de pessoal e benefícios, dentre outras.
Para Ferreira e Mendes (2003), as Relações Sociais de Trabalho (RST) constituem-se
pelos elementos interacionais que indicam as relações socioprofissionais de trabalho presentes
no lócus de produção, e que caracterizam o fator social. Os princípios que o integram são:
interações hierárquicas (chefias imediatas e superiores); interações coletivas intra e
intergrupos (membros da equipe e de outros grupos de trabalho) e interações externas
(usuários, consumidores e representantes institucionais).
Para fins desse estudo, foi utilizado, portanto, o conceito de Contexto de Trabalho com
os três fatores que o compõem, bem como seus indicadores.
3.1.2 Psicodinâmica do Trabalho
Haja vista que o objetivo desse estudo foi verificar a percepção das vivências de prazer
e sofrimento oriundas do contexto do trabalho, optou-se pela abordagem teórica da
Psicodinâmica do Trabalho, posto que se assenta na relação subjetiva do trabalhador sobre seu
próprio trabalho e gerada, principalmente, por questões relacionadas à atividade e às relações
socioprofissionais com a Empresa, com a chefia e com os colegas de trabalho (MENDES,
1999).
A experiência do sofrimento no trabalho foi considerada durante décadas como
derivada apenas de aspectos ligados diretamente à organização do trabalho. Nos anos oitenta,
a partir da análise do discurso dos trabalhadores em pesquisas realizadas por Dejours (1987,
1996), quatro indicadores foram caracterizados como reveladores da vivência de sofrimento
80
no trabalho. A indignidade (relacionado à frustração narcísica diante da percepção de que o
trabalho é “robotizado”, despersonalizado, que não permite a utilização da inteligência e
imaginação, causa isolamento psicoafetivo e é subjugado a um sistema de poder); a
inutilidade (percepção de que o trabalho não tem finalidade e significação para si mesmo,
para a família, para a organização e para a sociedade em geral); a desqualificação (percepção
de que as tarefas são pouco complexas, não exigem conhecimentos específicos, implicando a
desmotivação e a não realização profissional e a vivência depressiva (que condensa os
sentimento de indignidade, inutilidade e desqualificação, ampliando-os). Essa depressão é
marcada pela fadiga, produz o adormecimento intelectual, à alienação mental e marca o
triunfo do condicionamento ao comportamento produtivo.
De acordo com Jaques (2003), o método proposto por Dejours calca-se essencialmente
na escuta, na interpretação e na devolução, sendo enfaticamente contrário ao uso de
questionários e estudos epidemiológicos, além de impor restrições à observação do cotidiano
de trabalho por priorizar a escuta do trabalhador e para tanto, privilegia o emprego da
entrevista coletiva.
Jaques (2003) observa que, como concepção de ciência e de pesquisa, a Psicodinâmica
prioriza os modelos teóricos concebidos pela via investigativa, que servem ao ordenamento
das evidências empíricas. Cita ainda que outra adaptação comum em estudos e pesquisas
brasileiras, com base nos pressupostos dejourianos, é a substituição da entrevista coletiva pela
entrevista individual. Tal substituição se deve a dificuldades de reunir coletivamente os
trabalhadores, mas, inegavelmente, limita as abrangências da proposta, pois a interação grupal
permite reconstruir a lógica das pressões do trabalho e as defesas (principalmente coletivas)
contra os efeitos psicológicos dessas pressões.
Entretanto, pesquisadores brasileiros, tendo como precursores Mendes e Tamayo
(2001) e Morrone (2001) identificaram a necessidade de construir uma medida objetiva, para
o estudo do prazer e sofrimento no trabalho, enfocando esse construto dialético como
vivências de sentimentos de valorização, reconhecimento e desgaste no trabalho. A pesquisa
foi realizada numa empresa pública de abastecimento e saneamento com 554 empregados. Foi
aplicada uma escala para medir o prazer-sofrimento, onde os resultados indicaram uma
preponderância das vivências de prazer, sendo o sofrimento vivenciado moderadamente.
Após a construção e validação de uma escala quantitativa para a mensuração de
indicadores de prazer e sofrimento por pesquisadores brasileiros, os estudos vêm
demonstrando que a utilização de um instrumento de medida sobre a temática não só é
possível como é útil para a realização de procedimentos de diagnóstico e intervenção nas
81
organizações de trabalho. No entanto, enfatizam a importância de combinar métodos
quantitativos e qualitativos, para o estudo das vivências psíquicas no trabalho, argumentando
que a coleta de dados qualitativos permite a análise do particular, enquanto que a coleta de
dados quantitativos permite a análise do geral.
Nesta trajetória, Mendes (1999), Morrone (2001) e Pereira (2003) identificaram dois
fatores relacionados ao prazer e dois relacionados ao sofrimento no trabalho. Gratificação e
liberdade, relativos ao prazer e insegurança e desgaste, relativos ao sofrimento.
O Quadro 5 apresenta, de modo esquemático, a descrição dos fatores que representam
indicadores de prazer e sofrimento no trabalho.
Liberdade
Sentimento de ser aceito e admirado no trabalho e ter
liberdade para pensar, organizar e expressar sua
individualidade;
Gratificação
Sentimento de satisfação, realização e orgulho de que o
trabalho tem sentido e valor por si mesmo, de que é
importante e significativo para a pessoa, para a organização e
para a sociedade.
Indicadores de
Prazer
Sentimentos de desânimo, descontentamento, adormecimento
intelectual e apatia em relação ao trabalho;
Indicadores de
Temor
de não conseguir satisfazer as imposições
Sofrimento
organizacionais relacionadas à competência profissional,
Insegurança
produtividade, ritmos e normas do trabalho.
Quadro 5: Indicadores de prazer e sofrimento no trabalho
Fonte: Mendes (1999), Morrone (2001) e Pereira (2003).
Desgaste
Como se pode perceber no Quadro 5, o prazer no contexto do trabalho acontece
quando se vivencia a gratificação e a liberdade. A gratificação é o sentimento de satisfação,
realização, orgulho e identificação com um trabalho que atende às aspirações profissionais. A
liberdade é o sentimento de estar livre para pensar, organizar e falar sobre o trabalho,
considerando-se que o modo particular de trabalhar é reconhecido pelas chefias e colegas.
O sofrimento é experienciado quando existem sentimentos de insegurança e desgaste
no trabalho. A insegurança é vivenciada pelo receio de perder o emprego e por não se
conseguir atender às expectativas relacionadas à competência profissional, às exigências de
produtividade e às pressões do trabalho. O desgaste é o sentimento de que o trabalho causa
estresse, sobrecarga, tensão emocional, cansaço, ansiedade, desânimo e frustração.
Conforme pressupostos da Psicodinâmica do Trabalho (DEJOURS, 1987, 1996,
1999a, 1999b, 2004) quando não há espaço para a expressão subjetiva, quando não existe
reconhecimento e a empresa apresenta uma forma rígida de organização do trabalho, onde não
permite a mobilização do trabalhador, esse pode recorrer a comportamentos de alienação em
82
relação ao seu grupo de trabalho, de resignação, de descrença, de renúncia à participação, de
indiferença e de apatia.
Por outro lado, a depender da percepção e da inter-relação entre a subjetividade do
trabalhador, pode frutificar um processo saudável de transformação do sofrimento em prazer,
o que é denominado de mobilização subjetiva e se caracteriza pelo uso dos recursos
psicológicos do trabalhador e pelo espaço público de discussão sobre o trabalho. Esta
ressignificação do sofrimento acontece a partir de uma operação simbólica: o resgate do
sentido do trabalho (MENDES, 1999).
Finalmente, ressalta-se que os diversos métodos, conjugados ou não, utilizados no
estudo das vivências de prazer e sofrimento no trabalho, vêm contribuindo sobremaneira para
o entendimento do fenômeno e a relação entre suas variáveis, bem como vêm subsidiando
estratégias mitigadoras e equilibrantes no ambiente laboral.
3.2 Tipo de Pesquisa
Para a classificação dessa pesquisa, tomou-se como base as taxonomias propostas por
Rubio (2003), Richardson et al. (1999) e Miller (1991).
Estes autores classificam as pesquisas em dois aspectos: quanto aos fins ou objetivos e
quanto aos meios de investigação.
Como o propósito desse estudo foi a descrição e estabelecimento de relações entre a
percepção do contexto de trabalho e a influência nas vivências de prazer e sofrimento em duas
carreiras distintas de determinada organização, quanto aos fins, à pesquisa foi descritiva, pois
revelou características de determinada população ou determinado fenômeno, além de ter
estabelecido relações entre variáveis.
Para Miller (1991), a pesquisa descritiva é concebida mediante informações obtidas
geralmente por meio de questionários e entrevistas. Este tipo de pesquisa tem como objetivo
fundamental a descrição das características de determinado grupo de pessoas ou fenômenos,
com o estabelecimento de relações entre variáveis.
Rubio (1996), por sua vez, afirma que a pesquisa descritiva está interessada em
descobrir e observar fenômenos, procurando descrevê-los, classificá-los e interpretá-los.
Quanto aos meios de investigação, essa pesquisa caracterizou-se como bibliográfica,
estudo de caso e de campo.
A pesquisa bibliográfica examinou materiais diversos publicados sobre o assunto,
além de algumas teses, dissertações e periódicos classificados como A e B no sistema Qualis,
83
da CAPES, nos últimos cinco anos, tais como RAC, RAE, RAUSP, Revista Estudos e
Pesquisas em Psicologia, Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, Revista Produção, Revista
Estudos em Psicologia, dentre outros.
Hartley (2004) explicita que o estudo de caso se constitui em uma pesquisa sobre
determinado grupo ou indivíduo, que visa analisar aspectos variados de sua vida, consiste de
uma pesquisa empírico-analítica e possibilita um maior aprofundamento na realidade social.
Para Godoy (1995, p. 25), o estudo de caso se caracteriza como "um tipo de pesquisa
cujo objeto é uma unidade que se analisa profundamente. Visa ao exame detalhado de um
ambiente, de um simples sujeito ou de uma situação em particular".
Já para Gondim et al. (2005), embora um estudo de caso compreenda um
detalhamento do caso em profundidade, ao deslocar-se o foco da pesquisa para a comparação
com modelos teóricos, cria-se um terreno propício para o refinamento da teoria, que pretende
compreender ou explicar o fenômeno estudado.
Tratou-se, portanto, de um estudo de caso, pois investigou o fenômeno em uma única
organização e buscou-se a compreensão deste por meio do refinamento teórico, utilizando-se,
para o levantamento de dados, de questionários de perguntas fechadas e de entrevistas
individuais abertas semi-estruturadas, com o intuito de identificar a percepção de empregados
de diferentes carreiras.
Segundo Spink (2003, p.18), o termo pesquisa de campo é empregado para "descrever
um tipo de pesquisa feito nos lugares da vida cotidiana e fora do laboratório ou da sala de
entrevista", ou seja, os dados foram coletados no local do objeto de estudo.
Finalmente, quanto aos procedimentos de coleta de dados, essa pesquisa foi mista.
Caracterizou-se como quantitativa "pelo emprego da quantificação tanto na coleta quanto no
tratamento dos dados” (RICHARDSON et al., 1999, p. 70) e como qualitativa, posto que
também foram utilizadas, a posteriori, entrevistas individuais semi-estruturadas, cujo objetivo
principal, de acordo com Zanelli (2002, p.83) “é buscar entender o que as pessoas apreendem
ao perceberem o que acontece em seus mundos”.
O propósito da utilização de procedimento misto baseou-se nas constatações de
Ferreira e Mendes (2007, p.74) que recomendam a aplicação conjunta de dois métodos, um
tratamento quantitativo, além do qualitativo, "visando a uma apreensão com base em
diferentes olhares sobre o objeto de estudo". A utilização de instrumento quantitativo,
segundo os autores, presta-se para atender casos onde há maior demanda de trabalhadores,
além de "exercer um papel auxiliar de "termômetro", objetivando uma análise descritiva do
real e traçando um perfil de alguns fatores que podem interferir no processo do trabalho". O
84
uso da pesquisa qualitativa permitiu também clarificar e ilustrar os dados quantitativos, bem
como aprofundar e melhorar a qualidade da interpretação.
3.3 População e Amostra
3.3.1 Contextualização da organização
O estudo foi realizado em 2006 na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(Embrapa), vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, criada em 26
de abril de 1973.
A Empresa tinha como principais objetivos o planejamento, supervisão, orientação,
controle e execução ou promoção da execução de atividades de pesquisa agropecuária,
visando produzir conhecimentos tecnológicos a serem empregados no desenvolvimento da
agricultura nacional e internacional (EMBRAPA, 2006).
Tinha como missão, "viabilizar soluções para o desenvolvimento sustentável do
espaço rural, com foco no agronegócio, por meio da geração, adaptação e transferência de
conhecimentos e tecnologias, em benefício dos diversos segmentos da sociedade brasileira"
(EMBRAPA, 2006).
A Empresa, neste período, atuava por intermédio de 37 Centros de Pesquisa e três
escritórios, compondo um total de 40 Unidades Descentralizadas e 11 Unidades Centrais,
estando presente em quase todos os Estados da Federação. Possuía, à época do estudo, 8.619
empregados, dos quais 2.221 eram pesquisadores, 45% com mestrado, 53% com doutorado e
2% com nível superior, operando um orçamento da ordem de R$ 877 milhões anuais
(EMBRAPA, 2006).
A Embrapa coordenava também o Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária
(SNPA), constituído por instituições públicas federais, estaduais, universidades, empresas
privadas e fundações, que, de forma cooperada, executavam pesquisas nas diferentes áreas
geográficas e campos do conhecimento científico (EMBRAPA, 2006).
Na Embrapa, as unidades de pesquisa eram descentralizadas em função de áreas
geográficas e de produtos pesquisados ou linhas de pesquisa e foram assim organizadas para
centrar seus esforços na investigação de um produto ou conjunto de produtos agrícolas, de
problemas e recursos naturais de uma dada região ecológica ou de procedimentos e produtos a
serem adaptados para determinado âmbito regional. Tal estrutura agrupava especialidades e
85
recursos organizacionais, de modo que os conhecimentos e as tecnologias previstos na sua
missão pudessem ser gerados (BORGES-ANDRADE; XAVIER; AFANASIEFF, 1992).
Contudo, mesmo tendo optado por essa forma de estruturação para suas unidades de
pesquisa, a Embrapa ainda mantinha outra estrutura mais tradicional nas suas unidades
centrais, as quais se organizavam por especialidades ou funções, para o exercício de
atividades mais rotineiras da Empresa (EMBRAPA, 2006).
Esta estrutura, numa organização de pesquisa como a Embrapa, tinha dois grandes
grupos de papéis ocupacionais: um de pesquisa e outro de suporte à pesquisa. O primeiro
grupo era formado pelos pesquisadores, responsáveis pelas atividades diretamente
relacionadas à missão e aos objetivos da Empresa. O segundo grande grupo era composto
pelos demais empregados, que se ocupavam predominantemente de atividades mais rotineiras
e de apoio logístico às atividades de pesquisa (BORGES-ANDRADE; XAVIER;
AFANASIEFF, 1992).
O divisor de águas na Embrapa, quando se desejava separar as carreiras de suporte e
de pesquisa pela natureza da organização ou pelas suas características estruturais e de metas,
era a diferença entre as unidades centrais e as descentralizadas. Cabia a estas últimas
realizarem a pesquisa agropecuária propriamente dita: eram os Centros de Pesquisa por
Produtos e por Recursos e as Unidades de Pesquisa de âmbito Estadual e de Apoio a
Programas Nacionais, localizados em quase todas as Unidades da Federação. Nas unidades
descentralizadas, estava concentrado o maior número de pesquisadores (EMBRAPA, 2006).
Havia, por parte da instituição, um grande esforço no sentido de descentralizar a
execução da pesquisa, de exercer uma política de planejamento participativo no que concernia
à formulação das diretrizes gerais dos programas e projetos, de estimular a autonomia dos
pesquisadores e de valorizar projetos audaciosos de pesquisa (BORGES-ANDRADE;
XAVIER; AFANASIEFF, 1992).
A carreira de suporte também se refletia em parte da estrutura das unidades
descentralizadas da Empresa, particularmente nas operações administrativas executadas em
consonância ou coordenadas pela administração central, estivessem eles no campo, nos
laboratórios, nos setores administrativos, em bibliotecas, em casas de vegetação em oficinas,
em centros de computação ou em setores de transporte.
Nesta carreira encontravam-se, em maior número, os papéis ocupacionais de apoio à
pesquisa: pessoal de campo, técnicos agrícolas, pessoal de laboratório, operadores de
máquinas e veículos, pessoal de biblioteca, de desenho e de impressão e técnicos graduados e,
86
na maior parte, pós-graduados, com especializações nas diversas áreas da agronomia,
veterinária, estatística e matemática e das ciências biológicas, químicas, econômicas e sociais.
A carreira de pesquisa estava menos presente na Sede do que nas unidades de
pesquisa. No caso da Embrapa, a carreira de apoio predominava na administração central,
particularmente nos departamentos encarregados de administrar a informação, o patrimônio,
os materiais, os recursos financeiros o processo de controle e desenvolvimento e de gestão de
pessoas. Havia também nas unidades centrais, profissionais graduados ou pós-graduados com
atribuições de coordenar todo o sistema e dar-lhe o apoio administrativo e político necessário
para que a pesquisa pudesse ser feita. Elas referiam-se aos departamentos da Sede da
Empresa, dedicados a assuntos como planejamento, programação e difusão da pesquisa,
orçamento, gestão de pessoas e materiais, informática, publicações, documentação e outros, e
as assessorias para assuntos jurídicos, de relações públicas, dentre outras (EMBRAPA, 2006).
3.3.2 Critérios de seleção dos participantes
Os dados quantitativos foram coletados junto ao universo dos empregados lotados nas
sete unidades da empresa, situadas no Distrito Federal. A escolha dessas unidades deveu-se ao
fator conveniência ou acessibilidade à população e justificou-se diante da diversidade
existente entre unidades centralizadas e descentralizadas, que possuíam planos diretores
distintos, ou Plano Diretor da Unidade (PDU), o que possibilitou enriquecer a análise, de
modo que fossem consideradas as particularidades inerentes aos fenômenos das vivências de
prazer e sofrimento influenciadas pelo contexto de trabalho.
No que concerne à população das unidades do DF pesquisadas em 2006, encontrava-se
distribuída conforme o Quadro 6, que se segue:
Unidades da Embrapa no DF
786
30
376
332
108
Número de
empregados
Pesquisadores
190
21
97
53
07
284
108
176
242
2.158
41
517
201
1695
Número total
de Empregados
Embrapa Sede (11 unidades centrais)
Embrapa Café
Embrapa Cerrados
Embrapa Hortaliças
Embrapa Informação Tecnológica
Embrapa Recursos Genéticos e
Biotecnologia
Embrapa Transferência de Tecnologia
TOTAL
Quadro 6: Composição da população em 2006.
Fonte: Embrapa (2006)
Número de empregados
de Suporte à Pesquisa
596
09
279
225
101
87
Dos 2.158 empregados das Unidades da Embrapa no Distrito Federal, 944 estavam
lotados em outros órgãos, afastados da organização ou não possuíam endereço eletrônico,
como por exemplo, empregados que executavam as atividades em campos experimentais da
Empresa. A população, portanto, foi reduzida para 1.214 empregados.
A coleta dos dados qualitativos, que visou aprofundar e melhorar a qualidade da
interpretação, em momento posterior, abranjeu uma amostra de cinco pesquisadores e seis
empregados de suporte à pesquisa, tendo sido, portanto, realizadas 11 entrevistas.
Alguns critérios utilizados para a escolha dos 11 entrevistados foram: as primeiras seis
entrevistas foram realizadas com o pessoal de suporte à pesquisa e as cinco seguintes com
pesquisadores. Cinco entrevistados com até dez anos de empresa e seis entrevistados com
mais de 20 anos de empresa. Cinco entrevistados da sede da Empresa (três de suporte e dois
de pesquisa) e seis entrevistados lotados em Unidades de Pesquisa (três de suporte e três de
pesquisa). A escolha se deu primeiramente por sorteio e, depois de contatados os empregados
sorteados, foram consideradas a acessibilidade e disponibilidade dos entrevistados.
3.4 Instrumentos de Coleta de Dados
A coleta de dados foi realizada em dois momentos distintos. Primeiramente, foram
aplicadas duas escalas já validadas e posteriormente, foram realizadas entrevistas individuais
abertas semi-estruturadas.
3.4.1 Questionários
Nesta coleta, foi utilizado um questionário composto por três partes. A primeira e a
segunda partes constituíam-se nas escalas propriamente ditas, a escala para avaliação dos
indicadores de organização, condições e relações socioprofissionais do trabalho, ou seja, a
Escala de Avaliação do Contexto de Trabalho (EACT) e a escala que abrangia a avaliação
da percepção dos respondentes quanto aos indicadores de: gratificação, liberdade, insegurança
e desgaste, a Escala de Indicadores de Prazer-Sofrimento no Trabalho (EIPST). Na
terceira e última parte constavam as variáveis demográficas (Anexo A).
Estas duas escalas faziam parte de um instrumento composto por quatro escalas criado
por Ferreira e Mendes (2003), denominado de Inventário de Trabalho e Riscos de
Adoecimento (ITRA), tendo sido adaptado e revalidado em 2004, publicado por Mendes et
al. (2005), e novamente submetido à validação, ocorrendo pequenos ajustes no ano de 2006,
88
em sua terceira versão. Nesta pesquisa optou-se, em função dos objetivos propostos, pela
utilização de apenas duas das quatro escalas constantes do instrumento, a Escala de Avaliação
do Contexto de Trabalho (EACT) e a Escala de Indicadores de Prazer-Sofrimento no
Trabalho (EIPST) .
A Escala de Avaliação do Contexto de Bens e Serviços (ECBS), em 2006 foi
renomeada para Escala de Avaliação do Contexto de Trabalho (EACT). Elaborada e validada
por Ferreira e Mendes (2003), foi adaptada e revalidada em 2004 e 2006 e considerava os
seguintes fatores: condições de trabalho, organização e relações socioprofissionais.
A Escala de Avaliação do Contexto do Trabalho (EACT) era composta por 33 itens,
agrupados nos fatores constantes do Quadro 7, a serem respondidos em um escala “Likert”
que ia de 1 (nunca) a 5 (sempre), os quais permitiam ao respondente manifestar a percepção
sobre os aspectos do ambiente de trabalho, como se segue:
FATORES
1. Condições de Trabalho — 10 itens, •
alfa = 0,89
•
•
Qualidade do ambiente físico, posto de •
trabalho, equipamentos e material •
disponibilizados para a execução do
trabalho.
•
•
•
•
•
2. Relações Socioprofissionais — 12 •
itens, alfa = 0,87
•
•
•
Gestão do trabalho, comunicação e •
interação socioprofíssional.
•
•
•
•
•
•
•
3. Organização do Trabalho — 10 itens, •
alfa = 0,72
•
•
•
Natureza e divisão das tarefas, nas •
normas, controles e ritmos de trabalho.
•
•
ITENS
As condições de trabalho são precárias.
O ambiente físico é desconfortável.
Existe barulho no ambiente de trabalho.
O mobiliário existente no local de trabalho é inadequado.
Os instrumentos de trabalho são insuficientes para realizar as
tarefas.
O posto de trabalho é inadequado para realização das tarefas.
Os equipamentos necessários para realização das tarefas são
precários.
O espaço físico para realizar o trabalho é inadequado.
As condições de trabalho oferecem riscos à segurança física das
pessoas.
O material de consumo é insuficiente.
As tarefas não estão claramente definidas.
A autonomia é inexistente.
A distribuição das tarefas é injusta.
Os funcionários são excluídos das decisões.
Existem dificuldades na comunicação chefia-subordinado.
Existem disputas profissionais no local de trabalho.
Existe individualismo no ambiente de trabalho.
Existem conflitos no ambiente de trabalho.
A comunicação entre funcionários é insatisfatória.
O bem-estar dos funcionários não é uma prioridade.
As informações que preciso para executar minhas tarefas são de
difícil acesso.
Falta apoio das chefias para o meu desenvolvimento profissional.
O ritmo de trabalho é acelerado.
As tarefas são cumpridas com pressão temporal.
A cobrança por resultados é presente.
As normas para execução das tarefas são rígidas.
Existe fiscalização do desempenho.
O número de pessoas é insuficiente para se realizar as tarefas.
Os resultados esperados estão fora da realidade.
89
• Existe divisão entre quem planeja e quem executa as tarefas.
• As tarefas são repetitivas.
• Falta tempo para realizar pausa de descanso no trabalho.
Quadro 7: Descrição da estrutura fatorial da Escala de Avaliação do Contexto de Trabalho (EACT).
Fonte: Ferreira e Mendes (2007, p. 77-83)
A fim de facilitar a análise dos resultados da Escala de Avaliação do Contexto de
Trabalho (EACT), Ferreira e Mendes (2007) criaram uma classificação a partir das médias
das respostas aos fatores. Considerando que todos os itens possuiam conotação negativa,
indicaram como resultado para o contexto de trabalho, a seguinte classificação: acima de 3,7
= avaliação mais negativa, grave; entre 2,3 e 3,69 = avaliação mais moderada, crítico; e
abaixo de 2,29 = avaliação mais positiva, satisfatório (FERREIRA; MENDES, 2007).
A segunda escala escolhida foi a Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento
(EIPST) e teve quatro versões anteriores, publicadas nos estudos de Mendes (1999), Pereira
(2003), Resende (2004), Silva (2004) e Vieira (2005), além de Ferreira e Mendes (2003) e
Mendes et al. (2005). De acordo com Ferreira e Mendes (2007), esse percurso permitiu
concluir a consistência psicométrica da escala, pois a estrutura fatorial se manteve constante
em todas as versões. Haja vista que Pereira (2003) utilizou uma escala com frases mais
completas e elaboradas, optou-se pela versão utilizada por esta autora.
A Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento (EIPST) é composta por 30 itens,
agrupados nos fatores constantes do Quadro 8, a serem respondidos em um escala “Likert”
que vai de 1 (nunca) a 5 (sempre). Os itens refletem os sentimentos de prazer e sofrimento
vivenciados no contexto de trabalho, como se segue:
FATORES
1 - Gratificação – 8 itens, alfa = 0,89
•
•
•
•
Sentimentos de satisfação, realização, •
orgulho identificação com um trabalho •
que atende às aspirações profissionais.
2 - Liberdade – 7 itens, alfa = 0,82
•
•
•
•
Sentimentos de estar livre para pensar,
organizar e falar sobre o trabalho, •
originado no reconhecimento das chefias
e colegas, do modo particular de •
trabalhar.
•
•
•
ITENS
Sinto satisfação em executar minhas tarefas.
Meu trabalho é gratificante.
Quando executo minhas tarefas, realizo-me profissionalmente.
Sinto orgulho do trabalho que realizo.
Sinto-me identificado com as tarefas que realizo.
Meu trabalho é compatível com as minhas aspirações
profissionais.
Sinto disposição mental para realizar minhas tarefas.
O tipo de trabalho que faço é admirado pelos outros.
Tenho liberdade para dizer o que penso sobre meu trabalho.
Sinto o reconhecimento da minha chefia pelo trabalho que
realizo.
Tenho espaço para discutir com os colegas as dificuldades com o
trabalho.
Sinto-me reconhecido pelos colegas pelo trabalho que realizo.
Tenho liberdade para organizar meu trabalho da forma que quero.
Sinto meus colegas solidários comigo.
No meu trabalho posso usar o meu estilo pessoal.
90
•
•
Sentimentos de receio de perder o •
emprego, por não conseguir atender às •
expectativas relacionadas competência
profissional,
às
exigências
de •
produtividade e às pressões do trabalho.
3. Insegurança – 7 itens, alfa = 0,80
Tenho receio de ser demitido ao cometer erros.
Sinto-me ameaçado de demissão.
Sinto-me inseguro diante da ameaça de perder meu emprego.
Sinto-me inseguro quando não atendo ao ritmo imposto pela
minha empresa.
Sinto-me inseguro quando não correspondo às expectativas da
empresa em relação ao meu trabalho.
• Receio não ser capaz de executar minhas tarefas no prazo
estipulado pela minha empresa.
• Sinto-me pressionado no meu trabalho.
4 - Desgaste – 8 itens, alfa = 0,86
• Meu trabalho é desgastante.
• Meu trabalho me causa estresse.
Sentimentos de que o trabalho causa • Sinto-me sobrecarregado no meu trabalho.
estresse, sobrecarga, tensão emocional, • Meu trabalho me causa tensão emocional.
cansaço,
ansiedade,
desânimo
e • Meu trabalho é cansativo.
frustração.
• Meu trabalho me causa ansiedade.
• Sinto desânimo no trabalho.
• Sinto frustração no meu trabalho.
Quadro 8: Descrição da estrutura fatorial da Escala de Indicadores de Prazer-Sofrimento no Trabalho (EIPST),
desenvolvida por Mendes (1999) e validada por Pereira (2003).
Fonte: Pereira (2003, p.92-93).
Para os fatores de prazer, a análise deve considerar que os itens têm conotação
positiva, com a seguinte classificação criada por Ferreira e Mendes (2007): acima de 4,0 =
avaliação mais positiva, satisfatório; entre 3,9 e 2,1 = avaliação moderada, crítico; abaixo de
2,0 = avaliação para raramente, grave.
Para os fatores do sofrimento, considerando que os itens são negativos, para os autores
a análise deve ser feita com base na seguinte classificação: acima de 4,0 = avaliação mais
negativa, grave; entre 3,9 e 2,1 = avaliação moderada, crítico; abaixo de 2,0 = avaliação
menos negativa, satisfatório (FERREIRA; MENDES, 2007).
3.4.2 Entrevistas individuais abertas semi-estruturadas
Para Ferreira e Mendes (2007, p.85), com a utilização de instrumentos quantitativos
"ganha-se em generalidade e perdem-se especificidades; identifica-se o visível, mas não se
sabe o que está por trás dele; obtém-se a objetivação e não se apreende o processo de
subjetivação mais completo".
Neste sentido, os autores corroboram que "deve ser preservado o seu papel limitado e
interdependente, obrigando o pesquisador, por exemplo, a usar de entrevistas e observações
para complementar e possibilitar a apreensão mais completa do objeto de estudo da
Ergonomia da Atividade e da Psicodinâmica do Trabalho" (FERREIRA; MENDES, 2007, p.
85).
91
Também para Gaskell (2002) e Zanelli (2002), a entrevista desempenha um papel
essencial quando combinada com outros métodos de pesquisa. Para os autores, a premissa
fundamental da entrevista é a compreensão dos mundos, das vidas dos sujeitos e dos grupos
por meio da exploração de opiniões e das diversas representações que os entrevistados têm do
tema pesquisado.
Posto isto, visando ampliar o olhar sobre o objeto de estudo e melhor esclarecer os
dados quantitativos, captar as nuanças da percepção dos entrevistados para ampliar a
compreensão da realidade vivida pelos respondentes, bem como aprofundar a questão de
como os empregados percebem o contexto de trabalho e a relação deste com as vivências de
prazer e sofrimento nas carreiras de pesquisa e de suporte à pesquisa na Embrapa, optou-se
também pela utilização do método qualitativo, utilizando-se com meio de coleta de dados, a
técnica de entrevistas individuais abertas semi-estruturadas.
As entrevistas tomaram por base o seguinte roteiro:
1 - Eu gostaria que você me falasse um pouco da sua rotina de trabalho. Como é um dia
de trabalho seu, desde a hora que você entra até a hora que você sai da empresa?
2 – E as condições de trabalho que você tem na empresa? Como é isso pra você? Como
você percebe as condições em termo de ambiente, equipamentos, material?
3 – Como você percebe as relações socioprofissionais no ambiente de trabalho?
4 – Você gostaria de falar mais alguma coisa? Complementar alguma coisa?
O roteiro, flexível, teve por objetivo investigar a percepção dos entrevistados, de duas
carreiras distintas, sobre o contexto de trabalho e a influência que este exerce nas vivências de
prazer e sofrimento, além de buscar identificar estratégias de mediação individual e coletiva.
A partir das especificidades dos comentários dos entrevistados, foram ainda
elaboradas questões sobre os sentimentos dos empregados em relação a alguns conteúdos
relatados e, quando necessário, outras questões livres, decorrentes de reflexões,
esclarecimentos ou aprofundamento de determinados comentários foram utilizadas. Assim,
realizou-se inserções e estímulos, por meio de outros questionamentos, na medida em que era
necessário investigar ou esclarecer mais algum aspecto relatado.
92
3.5 Procedimentos de coleta dos dados
3.5.1 Questionários
O questionário foi alocado na Intranet da empresa por meio de um software eletrônico,
o Academic Survey Sistem and Evaluetion Tool (ASSET). Este software permite que os
dados sejam transmitidos diretamente ao banco de dados da empresa e podem ser
transportados, após a finalização do processo, para o software Statistical Package for the
Social Sciences (SPSS).
Para os 1.214 empregados constantes da população foram enviados e-mails
individuais, com um texto explicativo que identificava a pesquisadora, apresentava os
objetivos do estudo, solicitava a participação na pesquisa, explicava ao respondente como
utilizar o software e preencher o questionário e definia um prazo de encerramento da
atividade. Foi reforçada a questão de que os dados seriam analisados de modo agrupado, a fim
de preservar a confiança e fidedignidade das respostas dos pesquisados.
Os e-mails foram enviados no dia 14.09.2006 tendo sido estipulado um prazo para o
retorno das respostas até o dia 30.09.2006. Após este período, como a quantidade de respostas
foi considerada pequena, apenas 16% da população, o prazo foi estendido até o dia
06.10.2006, quando se obteve um total de 245 questionários completos (20,18% da
população).
Vale ressaltar ainda que, ao configurar-se o questionário em ambiente de intranet, se
fez a opção de que fossem enviados ao banco de dados, somente questionários totalmente
preenchidos, ou seja, ao deixar alguma questão em branco, o sistema informava ao
respondente que o questionário não estava completo e que não seria possível aproveitá-lo. O
ASSET permite o monitoramento da pesquisa em relação ao número de respondentes que
finalizaram ou não o questionário.
Haja vista a opção feita de salvar no banco de dados somente os questionários
totalmente preenchidos, obteve-se como vantagem, um banco de dados sem casos faltosos
(missings), o que facilitou, posteriormente, o procedimento estatístico. Por outro lado, houve
39 respondentes que não finalizaram o questionário e, portanto, não tiveram seus dados
computados, o que acarretou a perda de 1,5% de empregados que se dispuseram a responder a
pesquisa.
93
3.5.2 Entrevistas
As entrevistas individuais foram realizadas no período de 07.11.2006 até 22.11.2006,
no próprio local de trabalho, em um espaço reservado, durando cerca de uma hora cada.
Foram realizadas, em média, de uma a duas entrevistas diárias, em um total de 11, conduzidas
pela própria pesquisadora.
Inicialmente, foi solicitado ao participante permissão para a gravação da entrevista, de
modo que as respostas fossem posteriormente transcritas e analisadas.
Foi ainda relatado aos entrevistados o motivo da entrevista (vinculação ao programa
de pós-graduação), a importância da colaboração deles no processo, o objetivo da pesquisa,
como seria o procedimento da entrevista (que seriam realizadas questões sobre o objetivo do
estudo), além da garantia do sigilo dos dados obtidos.
Inicialmente foram previstas apenas dez entrevistas, cinco com empregados da carreira
de suporte à pesquisa e cinco com empregados da carreira de pesquisa, entretanto, optou-se
por realizar uma primeira entrevista piloto para reavaliação e reajuste de procedimentos antes
da finalização da coleta dos dados. Vale ressaltar que os dados coletados nesta primeira
entrevista, também foram considerados para a análise final.
3.6 Análise dos Dados
3.6.1 Questionários
Os dados obtidos com a aplicação das escalas foram analisados por meio do aplicativo
Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 14.0 para Windows.
Os dados foram submetidos a análises estatísticas descritivas: distribuições de
freqüências, cálculos de médias e desvios-padrão, e inferenciais: teste "t" de Student,
correlações de Pearson e análise de variância multivariada (MANOVA), seguida pela Análise
de variância univariada (ANOVA).
As estatísticas descritivas (freqüências, média e desvio padrão) visaram caracterizar os
participantes da pesquisa (dados demográficos), bem como analisar dados referentes às
respostas às escalas de EACT e EIPST.
As estatísticas inferenciais (testes T, correlações de Pearson e Manova) tiveram por
fim, verificar a existência de relações entre as variáveis dependentes (escalas EACT e EIPST),
as variáveis independentes (carreira de pesquisa e de suporte à pesquisa) e as variáveis
94
demográficas (sexo, unidades, tempo de empresa, cargos de chefia), posto que, as decisões
destes cálculos estatísticos específicos foram as que melhor resultado forneceram ao objetivo
da pesquisa.
Para Hair Jr. et al. (2005), o teste "t" de Student compara igualdades e diferenças entre
as médias de dois grupos independentes. As variâncias dos dois grupos podem ser iguais ou
diferentes, havendo alternativas de teste para as duas situações. Esta estatística permitiu
comparar e analisar as médias dos fatores de contexto de trabalho e dos de prazer-sofrimento
e entre as variáveis demográficas e as duas carreiras, visando à identificação de diferenças
entre os fatores.
Segundo Tabachnick e Fidell (1996), o Coeficiente de Correlação Linear de Pearson
mede a relação entre duas variáveis contínuas em termos de direção (positiva ou negativa) e
magnitude (-1≤ r ≤ +1). O valor 0 (zero) significa que não há relação linear, o valor 1 indica
uma relação linear perfeita e o valor -1 também indica uma relação linear perfeita, mas
inversa, ou seja, quando uma das variáveis aumenta a outra diminui. Quanto mais próximo
estiver de 1 ou -1, mais forte é a relação linear entre as duas variáveis. Logo, o coeficiente de
correlação tem ênfase na predição do grau de dependência entre duas variáveis.
Esta análise propiciou a avaliação do grau de relacionamento linear entre as variáveis
dependentes (escalas EACT e EIPST), a independente (carreiras) e as variáveis demográficas
contínuas (idade; nº. de filhos, tempo na organização e tempo no atual cargo).
De acordo com Hair Jr. et al. (2005, p. 271), a MANOVA “é uma técnica que mede as
diferenças para duas ou mais variáveis métricas, com base em um conjunto de variáveis
categóricas (não-métricas), que atuam como variáveis independentes”. Essa técnica presta-se
para analisar, estatisticamente, diferenças entre grupos, daí a opção pelo emprego da
MANOVA, pois permitiu identificar se haviam diferenças significativas nas médias de
respostas dos dois grupos: pesquisadores e profissionais que atuam em suporte à pesquisa
(variável independente) em relação aos fatores das escalas (variáveis dependentes).
Na busca de esclarecer as análises realizadas, a Figura 6, abaixo, retrata as relações
entre as variáveis investigadas.
95
Contexto de Trabalho
Prazer e Sofrimento
Organização, condições e
relações
sociais
de
trabalho.
Gratificação, liberdade,
desgaste e insegurança
Carreira de pesquisa
Carreira de suporte
à pesquisa
Variáveis
Variáveis
demográficas
demográficas
Figura 6: Relação entre variáveis pertinentes ao objeto de estudo da pesquisa
3.6.2 Entrevistas
As entrevistas, depois de transcritas, foram analisadas por meio da técnica de análise
dos núcleos de sentido (ANS), elaborada por Mendes (1994) e inspirada e adaptada da técnica
de análise de conteúdo categorial, desenvolvida por Laurence Bardin em 1970.
A análise de conteúdo categorial caracteriza-se pelo exame das falas dos respondentes
visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das
mensagens, sentidos e compreensões que permitam a análise inferencial da fala do
entrevistado. Buscam-se confirmações ou contradições da maneira como as atitudes e
opiniões se desenvolvem nas entrevistas e de clássicas racionalizações (BARDIN, 2004;
GASKELL, 2002).
Gaskell (2002, p. 85) considera que o objetivo desse tipo de análise é:
[...] procurar sentidos e compreensão. O que é realmente falado constitui os dados,
mas a análise deve ir além da aceitação deste valor aparente. A procura é por temas
com conteúdo comum e pelas funções destes temas. Algumas perspectivas teóricas
falam de representações centrais e periféricas, sendo as primeiras aquelas que estão
disseminadas dentro de um meio social.
Mendes (2007, p.40) indica que em Psicodinâmica " interessa saber como ter acesso
ao invisível, como apreender a prática do trabalho, o trabalho vivo, a mobilização para o
fazer, o engajamento da inteligência, do saber fazer e da subjetividade", ou seja, na análise, os
pesquisadores devem ser capazes de revelar o trabalho na sua complexidade, desvelando
mediações, contradições e intersubjetividade.
O conceito de Análise de Núcleo de Sentido (ANS), para Mendes (2007, p.45):
96
Consiste no desmembramento do texto em unidades, em núcleos de sentido
formados a partir da investigação dos temas sobressalentes do discurso. É uma
técnica de análise de textos produzidos pela comunicação oral e/ou escrita. É
aplicada por meio de procedimentos sistemáticos, que envolvem definição de
critérios para análise. Tem a finalidade de agrupar o conteúdo latente e manifesto do
texto, com base em temas constitutivos de um núcleo de sentido, em definições que
dêem maior suporte às interpretações.
A autora recomenda que, após leitura geral de cada entrevista e marcação das falas que
representam os temas, estes sejam classificados e agrupados em núcleos de sentido e
posteriormente categorizados pelo critério de semelhança de significado semântico, lógico e
psicológico.
Mendes (2007, p.46) afirma que " o status de núcleo de sentido é dado pela força dos
temas, que ao serem recorrentes criam uma consistência em torno daquele núcleo."
Destaca ainda que " a nomeação e a definição dos núcleos de sentido é um dos passos
mais difíceis da análise, e ao mesmo tempo, o essencial para se dizer que a técnica foi
aplicada" (MENDES, 2007, p.46).
Para se obter a validade dos conteúdos agrupados nas categorias, dois juizes,
estudantes de pós-graduação, em nível de doutorado, do Curso de Psicologia da Universidade
de Brasília, partindo de uma análise indutiva, realizaram leitura flutuante de cada entrevista
transcrita e, após, procederam à identificação de temas.
A seguir, estes temas foram agrupados em categorias, em quadros matriciais, pelos
pressupostos utilizados por Bardin (2004), onde são obedecidas às regras de exclusão mútua
– cada elemento só pode existir em uma categoria; homogeneidade – para definir uma
categoria, é preciso haver só uma dimensão na análise e se existirem diferentes níveis de
análise, eles devem ser separados em diferentes categorias; pertinência – as categorias devem
dizer respeito às intenções do investigador, aos objetivos da pesquisa às questões norteadoras,
às características da mensagem, etc.; objetividade e fidelidade – se as categorias forem bem
definidas, se os índices e indicadores que determinam à entrada de um elemento numa
categoria forem bem claros, não haverá distorções devido à subjetividade dos analistas;
produtividade – as categorias serão produtivas se os resultados forem férteis em inferências,
em hipóteses novas, em dados exatos.
Foram seguidos também os pressupostos de semelhança de significado e núcleo de
sentido, indicados por Mendes (2007).
97
Tendo sido elaboradas as categorias sínteses, passou-se à fase de construção da
definição de cada categoria, fundamentadas nas verbalizações relativas aos temas, ambos
registrados nos quadros matriciais.
Os títulos e as definições das categorias, foram estabelecidos tomando-se por base as
falas dos entrevistados, seguindo sugestão de Mendes (2007, p.46) que propõe que "o nome e
a definição devem ser sempre criados com base nos conteúdos verbalizados e com um certo
refinamento gramatical de forma. Às vezes, o nome da categoria é uma fala do sujeito".
Em todo o processo de construção de categorias, pela análise indutiva, procurou-se
preservar na íntegra a fala do entrevistado.
A partir da análise das categorias, almejou-se identificar a existência de semelhanças e
diferenças de percepções entre empregados de carreiras distintas, sobre a influência do
contexto de trabalho nas vivências de prazer e sofrimento.
Foram identificadas dez categorias, sendo cinco para o pessoal da carreira de suporte à
pesquisa e cinco para o pessoal da carreira de pesquisa. Os dados encontrados nas análises dos
questionários e das entrevistas, apresentados e analisados separadamente em um primeiro
momento e depois comparados, compõem o próximo capítulo.
98
4 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS
Para atender ao objetivo de verificar se existiam diferenças na percepção das pessoas
com duas carreiras de uma mesma organização sobre a influência do contexto de trabalho nas
vivências de prazer e sofrimento, foram adotados dois tipos de técnicas de coleta de dados,
primeiramente quantitativas e em seguida qualitativas, apresentadas nesta ordem.
4.1 Resultados dos dados dos questionários
Para atender ao objetivo proposto, os dados foram submetidos a análises estatísticas
descritivas e inferenciais como: distribuições de freqüências, cálculos de médias e desviospadrão, teste “t” de Student, correlações e análise de variância multivariada (MANOVA).
4.1.1 Resultados das análises estatísticas descritivas
As estatísticas descritivas (freqüência, média e desvio padrão) visaram à
caracterização dos participantes da pesquisa (dados demográficos), coletados na última etapa
do questionário (Anexo B) bem como a análise de alguns dados referentes às respostas dadas
às escalas de EACT e EIPST.
A amostra desta pesquisa foi composta por empregados da Embrapa – DF (N=245)
das carreiras de pesquisa (N= 77) e de suporte à pesquisa (N=168), representando 31,4% e
68,6% da população, respectivamente. Os dados foram coletados nas Unidades Centrais (N=
116; 47,3 %) e nas descentralizadas (N= 129; 52,7%) da empresa.
A amostra foi composta por empregados do gênero masculino (47,3%) e feminino
(52,7%). Grande parte dos respondentes era casada (58%) e possuía entre 2 e 3 filhos, sendo
que 3,7% encontravam-se na faixa de 19 a 26 anos e 28,2% acima de 51 anos, ou seja, 67,1%
encontravam-se na faixa etária que compreendia as idades entre 35 e mais de 51 anos,
conforme o Gráfico 1:
99
Gráfico 1: Faixa etária da amostra
Em relação aos cargos de chefia, 153 representantes não possuíam cargo de chefia
(62,4%) e 92 exerciam algum cargo de chefia (37,6%). Pôde-se perceber um alto grau de
escolaridade na amostra, sendo 3,7% com ensino superior incompleto e 26,9% com
doutorado, ou seja, 62,8% já possuem algum tipo de pós-graduação, como mostra o Gráfico 2:
Gráfico 2: Grau de escolaridade
Quanto ao tempo de empresa, os resultados com maiores freqüências estavam entre 01
e 05 anos (N = 81; 33,1%) e com mais de 26 anos de empresa (N = 76; 31%), apresentando
100
média de 3,46 e desvio padrão de 2,11. O alto desvio padrão encontrado justifica-se, haja vista
a ocorrência de contratações recentes, à época, após um grande período com ausência de
concurso público para a contratação de pessoal na organização, o que localizou os valores nos
extremos (Ver Tabela 1).
Os dados sobre o tempo de permanência no cargo, ou seja, de ascensão na carreira,
mostraram média de 3,01 e desvio padrão de 1,89. O alto desvio padrão justificava-se pelo
fato de que a maioria dos respondentes (35,1%) encontrava-se na faixa de 01 a 05 anos de
tempo de empresa, ou seja, eram ainda recentes na instituição.
Os resultados relativos ao tempo de empresa e tempo no cargo dos participantes da
pesquisa constam da Tabela 1:
Tabela 1: Caracterização da amostra quanto ao tempo de empresa e tempo no cargo
Tempo de
Empresa
de 01 a 05 anos
de 06 a 10 anos
de 11 a 15 anos
de 16 a 20 anos
de 21 a 25 anos
mais de 26 anos
Tempo no
Cargo
de 01 a 05 anos
de 06 a 10 anos
de 11 a 15 anos
de 16 a 20 anos
de 21 a 25 anos
mais de 26 anos
Freqüência
Percentual
Média
Desvio padrão
81
24
10
37
17
76
33,1
9,8
4,1
15,1
6,9
31,0
3,46
2,11
Freqüência
Percentual
Média
Desvio padrão
86
32
23
42
22
40
35,1
13,1
9,4
17,1
9,0
16,3
3,01
1,89
Para a análise dos resultados relativos à média das respostas aos fatores das escalas
EACT e EIPST, conforme apresentados nas Tabelas 2 e 3, vale a pena ressaltar que em
ambas, as opções de respostas eram “Nunca” = 1, “Raramente” = 2, “Às vezes” = 3,
“Frequentemente” = 4 e “Sempre” = 5.
Na escala de EACT, todos os 33 itens têm uma conotação negativa, assim, o “nunca”
corresponde à ausência da condição pesquisada e o “sempre”, à forte presença da condição
pesquisada.
Analisando-se a média dos fatores de contexto de trabalho, (ver Tabela 2), verificou-se
que em relação aos fatores - Condições de Trabalho e Relações Sociais –– a maioria dos
respondentes situava-se entre “raramente” e “às vezes” e em relação ao fator –– Organização
do Trabalho – a média encontrava-se entre “às vezes” e “freqüentemente”.
101
Tabela 2: Média e desvio padrão dos fatores de contexto do trabalho.
Variáveis
Organização do trabalho
Média
3,30
Desvio Padrão
0,53
Relações Sociais
2,83
0,67
Condições de trabalho
2,52
0,80
Nesta análise, os resultados indicaram que "raramente" ou apenas "às vezes" as
condições de trabalho e as relações sociais interferem de modo negativo no contexto de
trabalho, já quanto à organização do trabalho, que avalia itens como representações sobre a
divisão do trabalho, normas, tempo e controle exigidos para o desempenho das tarefas, o
resultado situou-se entre "às vezes" e “frequentemente”.
Na escala EIPST os fatores gratificação e liberdade têm conotação positiva e os fatores
desgaste e insegurança têm conotação negativa, portanto, a análise geral da escala foi
realizada observando-se em primeiro lugar os escores dados aos indicadores de prazer e
posteriormente aos indicadores de sofrimento.
Foram analisadas as médias dos fatores da escala de prazer e sofrimento, constantes da
Tabela 3, e verificou-se que em relação aos fatores – Gratificação e Liberdade –– específicos
da vivência de prazer, no fator gratificação, foi observado que a média das respostas situou-se
em 4 (freqüentemente) e a média do fator liberdade situou-se entre os escores de 3 ( às vezes)
e 4 (freqüentemente). Já quando se observaram os fatores - Insegurança e Desgaste indicadores da escala de sofrimento, com relação ao fator insegurança, a média das respostas
situou-se no valor 2 (raramente) e quanto ao fator desgaste, percebeu-se que as respostas dos
sujeitos estabeleceram um limite que variou de 2 a 3 (raramente e às vezes), com maior
predomínio do valor 3.
Tabela 3: Média e desvio padrão dos fatores das vivências de prazer e sofrimento.
Variáveis
Média
Desvio Padrão
Gratificação
4,0
0,67
Liberdade
3,5
0,65
Desgaste
2,74
0,76
Insegurança
2,3
0,74
102
Nesta análise, os resultados indicaram que as vivências de prazer, nos fatores
gratificação e liberdade foram preponderantes em relação às vivências de sofrimento, nos
fatores insegurança e desgaste.
Foram também analisadas as médias e desvios padrões para cada fator em relação às
carreiras, visando à caracterização dos fatores de prazer e sofrimento em cada um dos grupos,
como apresentadas na Tabela 4.
Tabela 4: Média e Desvio-Padrão dos fatores em cada carreira
Fatores/
Carreiras
Condições
Relações Organização
de
sociais
do trabalho
trabalho
M=2,43
M=2,76
M=3,24
Gratificação
Liberdade
Insegurança
Desgaste
DP=0,81
M=3,79
M=3,48
M=2,03
M=2,72
DP=0,67
DP=0,53
DP=0,69
DP=0,67
DP=0,78
DP=0,76
M=2,69
M=2,97
DP=0,74
DP=0,63
M=2,51
M=2,83
Total
DP=0,80
DP=0,66
Suporte à Pesquisa: N = 168
Pesquisa:
N = 77
Total:
N = 245
M=3,39
DP=0,50
M=3,29
DP=0,53
M=4,17
DP=0,49
M=3,91
DP=0,66
M=3,58
DP=0,57
M=3,51
DP=0,65
M=2,02
DP=0,66
M=2,03
DP=0,74
M=2,79
DP=0,74
M=2,74
DP=0,75
Suporte à
pesquisa
Pesquisa
dores
Observando-se as médias dos fatores analisadas por grupo de carreiras, mostrou-se
relevante apenas o fator gratificação com M= 3,79; DP = 0,69 para suporte e M= 4,17;
DP=0,49 para pesquisa. Os resultados indicaram que os pesquisadores sentem mais
gratificação no trabalho do que as pessoas da carreira de suporte à pesquisa.
Diante dos resultados descritivos preliminares, ainda em detrimento das demais
análises, percebeu-se a predominância, entre os respondentes, das vivências de prazer
(reconhecimento e gratificação) e um posicionamento, de modo geral, moderado em relação
ao contexto de trabalho.
4.1.2 Resultados das análises estatísticas inferenciais
Nesta seção foram apresentados, sucessivamente, os resultados encontrados nas
análises estatísticas inferenciais.
O teste “t” de Student teve por objetivo testar a igualdade entre as médias dos fatores
das escalas investigadas e as variáveis demográficas (sexo, unidades, tempo de empresa,
cargos de chefia), bem como entre as carreiras de pesquisa e suporte à pesquisa.
103
Foram também calculadas correlações de Pearson, a fim de verificar a existência de
relações lineares entre as variáveis contínuas dependentes (escalas EACT e EIPST), a
independente (carreiras) e as variáveis demográficas (idade; nº. de filhos, tempo na
organização e tempo no atual cargo).
Para analisar a existência de diferenças significativas entre mais de uma variável
dependente (os fatores das escalas EACT e EIPST) e a variável independente (os dois grupos
pesquisados - Pesquisa e Suporte à pesquisa), foi realizada a análise de variância multivariada
(MANOVA), que se presta para verificar, estatisticamente, diferenças entre variáveis em
grupos distintos.
4.1.2.1 Avaliação dos pressupostos dos testes estatísticos
Os dados obtidos por intermédio dos questionários foram inicialmente submetidos a
análises estatísticas descritivas e de cunho exploratório, conforme recomendam Tabachnick e
Fidell (1996), objetivando avaliar a correção do arquivo de dados, as variáveis com
distribuição não normal, bem como localizar dados extremos (outliers).
Haja vista o procedimento metodológico adotado, não havia casos faltosos (missings),
nos dados provenientes dos 245 sujeitos constantes da amostra. Foram localizados nove dados
extremos (outliers) univariados nos fatores, condições de trabalho (1 caso; pesquisador);
relações sociais (5 casos; 2 suporte e 3 pesquisa) e organização do trabalho (3 casos; 2 suporte
e 1 pesquisa) da escala EACT e treze outliers univariados nos fatores liberdade (3 casos, 2
suporte e 1 pesquisa); insegurança (6 casos, 4 suporte e 2 pesquisa), demonstrado no Gráfico
3, e desgaste (5 casos, 4 suporte e 1 pesquisa), sendo que não foram encontrados outlliers no
fator gratificação da escala EIPST. No entanto, como nem a recodificação para o valor mais
próximo da média nem a eliminação dos casos produziu resultados satisfatórios nas análises
subseqüentes, optou-se por mantê-los.
104
Gráfico 3: Outliers do fator insegurança
De acordo com Hair Jr. et al. (2005), os pressupostos requeridos para o teste “t” são: a
homogeneidade, avaliada por meio do teste de Levene, cujo resultado apontou para a
igualdade de variâncias em todos os fatores e a normalidade, verificada por meio do teste de
Lilliefors, encontrando-se uma distribuição normal, ainda que com alguns outliers. Vale
lembrar que o pressuposto de independência entre os grupos é automático, pois são grupos
vindos de populações mutuamente excludentes (sexo – masculino/feminino; unidades –
centrais/descentralizadas; tempo de empresa – entre um e cinco anos/ vinte e um e vinte e
cinco anos, cargos de chefia – possui/não possui).
Para a correlação bivariada, os pressupostos requeridos são de que as variáveis devem
ser contínuas, caso das variáveis analisadas (TABACHNICK; FIDELL, 1996).
A Manova exige os seguintes pressupostos: homogeneidade, atendida mediante o teste
de Levene; normalidade, confirmada por meio do teste de Lilliefors e linearidade, observada
por meio do coeficiente de correlação de Pearson, onde o nível de significância encontrado
para todas as variáveis foi de p≤ 0,0001, a exceção da variável gratificação em relação a
variável condições de trabalho (p≤ 0,29), entretanto observou-se que ela apresentou
distribuição com pequena assimetria e/ou curtose (r= - 0,06), o que não interferiu na análise
global (HAIR Jr. et al., 2005).
Após a MANOVA, foi realizada a analise de variância univariada (ANOVA) com
vistas a identificar a variável com melhor valor explicativo.
105
4.1.2.2 Resultados dos testes “t”
Para testar a igualdade entre as médias dos fatores das escalas investigadas e as
variáveis demográficas (sexo, unidades, tempo de empresa, cargos de chefia), bem como entre
as carreiras de pesquisa e suporte à pesquisa, foi utilizado o teste “t” de Student. Em relação
às carreiras de pesquisa e de suporte à pesquisa e as escalas, os pesquisadores apresentaram
escores maiores na escala de contexto com os fatores agrupados (t = 2,8; p = 0,05). Para cada
fator em separado, foram encontrados os seguintes escores: organização do trabalho (t= 1,9;
p= 0,04), condições de trabalho (t = 2,3; p = 0,02) e relações sociais (t = 2,2; p = 0,02) e
também nos fatores constituintes da escala de prazer (t= 3,2; p= 0,001), sendo encontrados
resultados significativos apenas no fator gratificação (t = 4,3; p =0,001). Não foram
encontrados escores significativos nos fatores constituintes da escala de sofrimento. Estes
resultados indicam que o pessoal da carreira de pesquisa percebeu mais negativamente o
contexto de trabalho do que o pessoal da carreira de suporte à pesquisa, mas em contrapartida
vivenciou mais sentimentos de gratificação do que o pessoal da carreira de suporte.
Em relação às variáveis demográficas, os dados mostraram que o sexo feminino
indicou ter menos liberdade do que o sexo masculino (t = 2,4; p= 0,01) e as unidades
descentralizadas perceberam mais negativamente o contexto de trabalho do que as unidades
centrais nos fatores organização do trabalho (t= 2,8; p= 0,005), condições de trabalho (t = 5,0;
p = 0,0001) e relações sociais (t = 4,5; p = 0,0001). Foram ainda relevantes, os fatores
gratificação (t= 2,3; p= 0,02), insegurança (t= 2,1; p= 0,03) e desgaste (t= 1,9; p= 0,5) para as
unidades descentralizadas, o que se inferiu que, embora as unidades descentralizadas
apresentassem maior gratificação, possuíam também maior insegurança e desgaste.
Não foram encontrados escores significativos quanto ao contexto de trabalho ao se
comparar empregados com tempo de empresa entre um e cinco anos e entre vinte e um e vinte
e cinco anos (valores extremos da escala), entretanto, estes foram significativos nos fatores
gratificação (t= 2,8; p= 0,05), liberdade (t= 2,6; p= 0,09) e insegurança (t= 3,8; p= 0,0001), o
que mostrou que os empregados mais antigos na empresa possuíam uma visão mais positiva
quanto à vivência de prazer do que os empregados mais recentes, além de menor insegurança.
Quando foram comparados os escores da percepção de empregados com e sem cargo
de chefia, foram encontradas diferenças de médias nos fatores organização do trabalho (t=
2,1; p= 0,04) e gratificação (t= 4,4; p= 0,0001), que indicaram que os empregados com cargo
de chefia possuíam melhor percepção sobre os indicadores de organização do trabalho como
106
representações sobre a divisão do trabalho, normas, tempo e controle exigidos para o
desempenho das tarefas.
4.1.2.3. Resultados das Correlações bivariadas
Para mensurar o grau de relação linear das variáveis dependentes entre si (condições
de trabalho, relações sociais, organização do trabalho, gratificação, liberdade, insegurança e
desgaste) e entre a variável independente (carreira de suporte à pesquisa e carreira de
pesquisa), bem como das variáveis dependentes e os dados demográficos (idade, tempo de
empresa e tempo no cargo), foram calculadas correlações bivariadas de Person.
Inicialmente foram mensuradas as correlações entre os fatores das escalas EACT e
EIPST.
Foram observadas correlações significativas positivas entre o fator condições de
trabalho e os seguintes fatores: relações sociais (r = 0,50; p ≤ 0,0001), organização do
trabalho (r = 0,37; p ≤ 0,0001), insegurança (r = 0,34; p ≤ 0,0001) e desgaste (r = 0,43; p ≤
0,0001). Não foi encontrada correlação linear significativa entre o fator condições de trabalho
e gratificação, mas entre o fator condições de trabalho e liberdade (r = - 0,30; p ≤ 0,0001), foi
encontrada correlação negativa.
O fator relações sociais de trabalho apresentou correlações positivas entre os fatores
organização do trabalho (r = 0,43; p ≤ 0,0001), insegurança (r = 0,36; p ≤ 0,0001) e desgaste
(r = 0,46; p ≤ 0,0001) e correlações negativas entre os fatores gratificação (r = - 0,20; p ≤
0,002) e liberdade (r = - 0,57; p ≤ 0,0001).
Em relação ao fator organização do trabalho, os dados mostraram correlações
lineares positivas entre os fatores gratificação (r = 0,13; p ≤ 0,043), insegurança (r = 0,44; p ≤
0,0001) e desgaste (r = 0,54; p ≤ 0,0001) e correlação negativa entre o fator liberdade (r = 0,2; p ≤ 0,002).
O fator gratificação mostrou correlação positiva entre o fator liberdade (r = 0,51;
p≤0,0001) e correlações negativas entre os fatores insegurança (r = - 0,17; p ≤ 0,008) e
desgaste (r = - 0,26; p ≤ 0,0001).
Já o fator liberdade apresentou correlações negativas entre os fatores insegurança (r =
- 0,49; p ≤ 0,0001 e desgaste (r = - 0,40;p ≤ 0,0001).
Finalmente, o fator insegurança apresentou relação linear positiva entre o fator
desgaste (r= 0,52; p ≤ 0,0001).
Os resultados mostraram que a maior parte dos fatores da escala do contexto de
107
trabalho exercem influência significativa nas vivências de prazer e sofrimento da população
estudada, a exceção da correlação entre os fatores condições de trabalho e gratificação (r = 0,06; p≤0,29).
Vale lembrar que a escala EACT apresenta conotação negativa em todos os itens, bem
como os fatores de insegurança e desgaste na escala de EIPST. Assim os dados mostraram
que frente a um contexto de trabalho insatisfatório, diminui o sentimento de liberdade e
aumentam os sentimentos de insegurança e desgaste. A vivência de gratificação se mostrou
diretamente influenciada pelo contexto de trabalho, especificamente no fator condições de
trabalho, entretanto, apresentou correlação significativa para os fatores relações sociais e
organização do trabalho.
Isso permitiu afirmar que há correlação entre os fatores analisados, indicando que as
variáveis se influenciam umas as outras, ou seja, conquanto essas observações sejam
verdadeiras, tornou-se evidente que todas as variáveis de contexto de trabalho investigadas,
influenciam as vivências de prazer e sofrimento, pois apresentaram correlações significativas.
Foram também realizadas correlações bivariadas para melhor detalhamento da
influência dos fatores investigados nas escalas entre as carreiras de suporte à pesquisa e
pesquisa. Os resultados encontrados foram mostrados na Tabela 5, abaixo.
Tabela 5: Correlação entre os fatores das escalas e as duas carreiras estudadas
Condições
Trabalho
X Cargos
r = 0,15*
de Organização
Trabalho
X Cargos
r = 0,12*
p ≤ 0,019
p ≤ 0,048
do Gratificação
X Cargos
r = 0,27**
p ≤ 0,0001
N = 245; *p≤ 0, 5; ** p≤ 0,05.
Os resultados indicaram não haver correlação entre as duas carreiras e os fatores
liberdade, desgaste e insegurança, constantes da escala EIPST. As demais correlações
mostraram que existem relações lineares positivas entre as duas carreiras e os fatores
condições de trabalho, organização do trabalho e gratificação, ou seja, as condições de
trabalho e a organização do trabalho foram percebidas como insatisfatórias, o que não
interferiu diretamente nos sentimentos de gratificação para ambas as carreiras.
Finalmente, foi verificado também, se existiam relações entre os fatores das duas
escalas e as variáveis demográficas: idade, tempo de empresa e tempo no cargo, demonstrados
na Tabela 6.
108
Tabela 6: Correlações entre os fatores das escalas e variáveis demográficas
Dados
Demogr.
Liberdade
Gratificação
Insegurança
r = 0,17**
p ≤ 0,005
r = 0,17*
p ≤ 0,006
r = 0,16**
p ≤ 0,009
r = 0,22**
p ≤ 0,0001
r = 0,21**
p ≤ 0,0001
r = - 0,22**
p ≤ 0,0001
r = - 0,22**
p ≤ 0,0001
Fatores
Idade
Tempo de Empresa
Tempo no Cargo
r = 0,22**
p ≤ 0,0001
N = 245; *p≤ 0,5; ** p≤ 0,05.
De modo geral, as correlações estabelecidas entre os fatores Liberdade, Gratificação e
Insegurança e os dados demográficos constantes da Tabela 6, apresentaram-se com valores de
moderados a baixos, entretanto foram significativos.
Não foram observadas correlações significativas entre as variáveis demográficas:
idade, tempo de empresa e tempo no cargo e os fatores: condições do trabalho, organização do
trabalho, relações sociais e desgaste.
Os resultados das correlações entre os fatores liberdade, gratificação e insegurança, da
escala de prazer e sofrimento, indicaram correlações positivas significativas entre liberdade e
idade, tempo de empresa e tempo no cargo. De modo similar, ocorreram correlações positivas
entre o fator gratificação e estas variáveis, a exceção de tempo de empresa. Os achados
revelam que quanto maior a idade e tempo no cargo possuíam os respondentes, mais estes
vivenciavam sentimentos de liberdade e de gratificação.
O fator insegurança revelou correlação positiva entre a idade dos respondentes,
entretanto a correlação foi negativa com os dados referentes à tempo no cargo e na empresa.
Haja vista que o fator insegurança tem conotação negativa, os dados mostraram que quanto
maior a idade, menor o sentimento de insegurança, entretanto quanto mais tempo no cargo e
na empresa os empregados possuíam, o sentimento de insegurança aumentava.
4.1.2.4. Resultados da MANOVA
Para analisar a existência de diferenças significativas entre os fatores das escalas
EACT e EIPST e os dois grupos a pesquisados (Pesquisa e Suporte à pesquisa), foi calculada
a análise de variância multivariada (MANOVA).
109
Realizou-se primeiramente uma análise dos fatores de cada escala em separado e
posteriormente, todos os fatores das duas escalas em conjunto, com o intuito de se checar se
haviam diferenças de resultados. Embora estas diferenças tenham sido identificadas, de
acordo com Hair et al. (2005, p. 282), "as diferenças de medidas dependentes individuais são
menos importantes do que seu efeito coletivo".
Assim, utilizando a variável "dois cargos" (suporte à pesquisa e pesquisa) como
variável independente e as variáveis condições de trabalho, organização do trabalho e relações
sociais como variáveis dependentes foi realizada uma análise de variância multivariada
(MANOVA). Não foram encontradas diferenças significativas entre os dois grupos estudados
em relação aos fatores da escala EACT (Wilk’s λ = 0,60; F = 8, 168; p = 0,55).
Utilizando a variável "dois cargos" como variável independente e as variáveis
gratificação, liberdade, desgaste e insegurança como variáveis dependentes foi realizada uma
análise de variância multivariada (MANOVA). Resultados significativos foram encontrados
entre os dois grupos avaliados (suporte à pesquisa e pesquisa) e as variáveis dependentes
mensuradas (Wilk’s λ = 0,09; F = 10,166; p ≤ 0,0001).
Procedeu-se, em seguida, à análise univariada, a fim de se verificar quais variáveis
dependentes (gratificação, liberdade, desgaste e insegurança) possuía melhor valor explicativo
nas diferenças observadas entre os empregados da carreira de suporte à pesquisa e os da
carreira de pesquisa.
Assim, foram realizadas análises de variância univariadas (ANOVA) para cada
variável dependente, testes estes conduzidos pela própria MANOVA ajustados pelo método
de Bonferroni e revelaram que somente o fator Gratificação (F = 18,77; p ≤ 0,0001)
apresentava diferença significativa entre os grupos.
Utilizando a variável "dois cargos" como variável independente e as todas as variáveis
das duas escalas como variáveis dependentes (condições, organização, relações de trabalho,
gratificação, liberdade, desgaste e insegurança) foi realizada uma análise de variância
multivariada (MANOVA). Resultados significativos foram encontrados entre os grupos
avaliados e as variáveis dependentes mensuradas (Wilk’s λ = 0,52; F = 70,9; p = 0,0001).
Foram realizadas análises de variância univariadas (ANOVA) para cada variável
dependente, testes estes conduzidos pela própria MANOVA, ajustados pelo método de
Bonferroni, que apontaram diferenças significativas entre empregados da carreira de suporte à
pesquisa e empregados da carreira de pesquisa em relação aos fatores condições de trabalho
(F=5,61; p<0,02), relações sociais (F=5,10; p<0,03), organização do trabalho (F=3,94;
p<0,05) e gratificação (F=18,76; p≤0,001).
110
Os dados demonstraram que há diferença significativa entre os dois grupos no que
tange à percepção da influência da maioria dos fatores do contexto de trabalho nas vivências
de prazer e sofrimento (Wilk’s λ = 0,52; F = 70,9; p = 0,0001), à exceção dos fatores
liberdade, desgaste e insegurança.
4.1.3 Síntese dos resultados quantitativos
Foram sintetizados no Quadro 9 os principais resultados obtidos na análise
quantitativa, considerando-se N = 245, sendo que 168 pessoas eram da carreira suporte à
pesquisa e 77 pessoas da carreira de pesquisa. Vale lembrar que o objetivo da pesquisa era
identificar a influência do contexto de trabalho nas vivências de prazer e sofrimento na
percepção de duas carreiras de uma mesma organização, a carreira de suporte à pesquisa e a
carreira de pesquisa.
ESTATÍSTICA
Análise de média
e desvio-padrão
para os fatores na
percepção
das
duas carreiras.
OBJETIVOS
Caracteriza
ção
dos
participantes da
pesquisa
e
análise
de
dados
referentes
às
respostas dadas
às escalas.
PRINCIPAIS RESULTADOS
Análise das médias e desvio padrão dos fatores
Organização do trabalho:
M = 3,30
DP = 0,53
Relações Sociais:
DP = 0,67
M = 2,83
Condições de Trabalho:
M = 2,52
DP = 0,80
Gratificação:
M= 4,0
DP = 0,67
Liberdade:
M= 3,5
DP = 0,65
Desgaste:
M= 2,74
DP = 0,76
Insegurança:
M= 2,3
DP = 0,74
Análise das médias e desvio padrão dos fatores em relação às carreiras
Carrei
-ra/
Fator
Supor
-te
Pes
quisa
Condições
Relações
Organi- Gratifi- Liberda Deszação
cação
de
gaste
Insegurança
M=2,43
DP=0,81
M=2,69
DP=0,74
M=2,76
DP=0,67
M=2,97
DP=0,63
M=3,24
DP=0,53
M=3,39
DP=0,50
M=2,03
DP=0,78
M=2,02
DP=0,66
M=3,79
DP=0,69
M=4,17
DP=0,49
M=3,48
DP=0,67
M=3,58
DP=0,57
M=2,72
DP=0,76
M=2,79
DP=0,74
111
ESTATÍSTICA
OBJETIVOS
PRINCIPAIS RESULTADOS
Comparação entre as duas carreiras
Escala de contexto todos os fatores:
t = 2,8
p = 0,05
Escala de contexto cada fator
Organização do trabalho
t = 1,9
p = 0,04
Condições de trabalho
t = 2,3
p = 0,02
Relações sociais
Escala de prazer todos os fatores:
t = 2,2
t = 3,2
p = 0,02
P = 0,001
t = 4,3
p =0,001
Escala de prazer cada fator
Teste “t”
Student
Verificar
e
comparar
as
médias
dos
fatores
de
contexto
de
trabalho e dos
de
de
prazersofrimento
e
entre as duas
carreiras e as
variáveis
demográficas.
Gratificação
Comparação entre os fatores das escalas e as variáveis demográficas
Gênero:
Liberdade: mulheres
t = 2,40
p = 0,010
Organização do trabalho
t = 2,8
p = 0,005.
Condições de trabalho
t = 5,0
p = 0,0001
Relações sociais
t = 4,5
p = 0,0001
Gratificação
t = 2,3
p = 0,02
Insegurança
t = 2,1
p = 0,03
Desgaste
t = 1,9
p = 0,5
Unidades Descentralizadas:
Empregados com tempo de empresa entre 01 e 05 anos e entre 21 e 25 anos:
Gratificação
t = 2,8
p = 0,05
Liberdade
t = 2,6
p = 0,09
Insegurança
t = 3,8
p = 0,0001
Organização do trabalho
t = 2,1
p = 0,04
Gratificação
t = 4,4
p = 0,0001
Empregados com e sem cargo de chefia:
ESTATÍSTICA
OBJETIVOS
PRINCIPAIS RESULTADOS
Correlações de Verificar
a
Correlação entre todos os fatores das escalas
Pearson
existência de CondiCondi- Relações Organi- Gratifica- Liberdacorrelações
ções
ções
Sociais
zação
ção
de
lineares entre Relações r = 0,50
as
variáveis Sociais p ≤ 0,0001
dependentes
r = 0,42
(escalas EACT Organiza r = 0,37
ção
p ≤ 0,0001 p ≤ 0,0001
e EIPST), a
independente e Gratifica r = - 0,06 r = - 0,20 R = 0,12
as
variáveis
-ção
p ≤ 0,3
p ≤ 0,002 p ≤ 0,043
demográficas
Liberda- r = - 0,29 r = - 0,57 r = - 0,19 r = 0,50
de
p ≤ 0,0001 p ≤ 0,0001 p ≤ 0,002
p ≤ 0,0001
Insegurança
Desgaste
Insegu
-rança
-
r = 0,34
r = 0,36
r = 0,44
r = - 0,17
r = - 0,48
p ≤ 0,0001
p ≤ 0,0001
p ≤ 0,0001
p ≤ 0,008
p ≤ 0,0001
r = 0,43
r = 0,45
r = 0,54
r = - 0,26
r = - 0,40
r = 0,52
-
p ≤ 0,0001
p ≤ 0,0001
p ≤ 0,0001
p ≤ 0,0001
p ≤ 0,0001
p ≤ 0,0001
Correlação entre os fatores das escalas e as duas carreiras
Condições de Trabalho
r = 0,15
p ≤ 0,019
Organização do Trabalho
r = 0,12
p ≤ 0,048
112
Gratificação
r = 0,26
p ≤ 0,0001
Correlações entre os fatores das escalas e variáveis demográficas
Liberdade:
Idade
Tempo de Empresa
r = 0,17
r = 0,17
p ≤ 0,005
p ≤ 0,006
Tempo no Cargo
r = 0,16
p ≤ 0,009
r = 0,22
r = 0,22
p ≤ 0,0001
p ≤ 0,0001
Gratificação:
Idade
Tempo no Cargo
Insegurança
Idade
Tempo de Empresa
Tempo no Cargo
ESTATÍSTICA OBJETIVOS
Análise
Variância
Multivariada
(MANOVA)
Análise
Variância
Univariada
(ANOVA)
Analisar
a
existência de
diferenças
significativas
de entre mais de
uma variável
dependente (os
das
e fatores
escalas EACT e
de EIPST) e a
variável
independente
(os dois grupos
a
serem
pesquisados Pesquisa
e
Suporte
à
pesquisa)
r = 0,21
r = - 0,22
r = - 0,22
PRINCIPAIS RESULTADOS
Escala EIPST:
Wilk’s λ = 0,09
p ≤ 0,0001
p ≤ 0,0001
p ≤ 0,0001
F = 10,166 p ≤ 0,0001
ANOVA
Gratificação
F = 18,77
p = 0,0001
F = 70,9
p = 0,0001
Condições de Trabalho
F = 5,61
p = 0,02
Relações de Trabalho
F = 5,10
p = 0,03
Organização do Trabalho
F = 3,94
p = 0,05
Gratificação
F = 18,76
p ≤ 0,0001
Todos os fatores e as duas
carreiras:
Wilk’s λ =0,52
ANOVA
Quadro 9: Principais resultados obtidos na análise quantitativa.
Os principais resultados estatísticos, bem como os principais resultados qualitativos
foram objeto de análise mais aprofundada no capítulo referente à discussão dos dados.
4.2 Resultados dos dados das entrevistas
Os dados foram analisados por meio da técnica de Análise dos Núcleos de Sentido
(ANS), técnica elaborada por Mendes (1994) e inspirada e adaptada da técnica de análise de
conteúdo categorial, desenvolvida por Laurence Bardin em 1970.
A utilização da técnica de ANS seguiu os pressupostos de exclusão mútua;
homogeneidade; pertinência; objetividade e fidelidade e produtividade propostos por
Bardin (1970), bem como os pressupostos de semelhança de significado e núcleo de
sentido, propostos por Mendes (2007).
113
Optou-se por nomear os títulos e elaborar as definições das categorias, “tomando-se por
base as falas dos entrevistados”, de acordo com Mendes (2007, p.46).
4.2.1 Resultados das entrevistas com o pessoal da carreira de suporte à pesquisa
A análise de conteúdo das entrevistas individuais com os empregados da carreira de
suporte à pesquisa, indicou um total de cinco categorias empíricas, resumidas no Quadro 10.
Categorias
1S – “A gente tem que dar conta de tudo”.
2S – “As condições de trabalho não são boas".
3S – “Você sabe com quem você está falando?”.
4S – "É complicado. Tá achando que tá agradando e não está".
5S – “Procuro racionalizar para não deixar chegar no emocional”.
Quadro 10:Resumo das categorias sínteses das entrevistas individuais – Pessoal de Suporte à Pesquisa
Categoria 1S:
A gente tem que dar conta de tudo
Definição: O fluxo de trabalho é grande, o que exige o atendimento de muitas demandas ao mesmo
tempo, com rapidez para que seja possível ser realizado dentro do horário de trabalho ou faz com que
algumas pessoas optem por levar atividades para terminar em casa ou ficar depois do horário de
expediente. Acreditam que a implantação de normas e sistemas de procedimentos, bem como o
aumento do quadro de pessoal, deve facilitar o desenvolvimento das atividades. Verbalizam em
relação ao processo de tomada de decisão na empresa, que embora a gerência defina quem é
responsável pelo o que, a dificuldade maior se dá com a falta de diretrizes de ações, de decisão
interna sobre como deve ser o fluxo do trabalho. Creditam às dificuldades a falta de mudança no
quadro de chefes, que são antigos na Empresa e a falta de investimento nos gerentes, que não
estabelecem prioridades.
Temas
Exemplos de Verbalizações
E3: "A gente tem que dar conta de tudo".
E1: "Tô levando serviço para casa e tô ficando aqui depois das 5h".
E1: "Então vai juntando, vai dando uma ah..engarrafamento de trabalho...Vai gerando
um sentimento de que você não vai dar conta nunca..."
E3: "Ah! A rotina é sempre a mesma. Então, a rotina é sempre essa, não muda muito
não,
não é?"
Fluxo /
E4: "É um fluxo grande de trabalho, mas a gente consegue fazer dentro do horário de
Demanda
trabalho. Às vezes tem que fazer isso bem rápido".
de trabalho E5: "Então também fica comigo e tem uma demanda muito grande. É a rotina do dia-adia... a gente vai levando. Vai matando jacaré a cada hora... é estar fazendo uma tarefa e
/Rotina
aparecer uma mais urgente e ter que correr pra aquela tarefa e terminar ela".
E5: "Não tem empregado, então contrata estagiários pra ajudar as pessoas nas
atividades. É um dos problemas que a gente tem. Hoje você está, amanhã você já não
está com ele. Você não pode contar com aquela pessoa".
E6: "tenho um cronograma de uma série de assuntos em função da demanda, e cada dia
eu vou executando parte desse conjunto de demanda, salvo em certos momentos
114
quando surge uma demanda com mais urgência, ou até demandas inesperadas, então eu
canalizo pra poder... não respeito o cronograma pra poder atender essas demandas que
surgem".
E6: Alguns exemplos, é falta de pessoal do ponto de vista de estagiário ou mestrandos,
ou doutorandos. O nosso problema aqui é falta de pessoal. Não adianta estagiário e
instrutor porque não é um trabalho que estagiário consiga desenvolver de uma maneira
digamos assim, satisfatória. Porque tem que ter um treinamento muito grande. A gente
tem essa dificuldade.
E5: "É porque a gente não tem ainda, um quadro em que a gente possa cada um saber
fazer as rotinas do outro. Teremos o manual de procedimento que são os tópicos, ali
cada um fez a sua área, então todos os procedimentos estão ali dentro. Então se alguém
Normas
faltar, não vier amanhã, passar um mês e ir embora, ali está toda a rotina do processo.
/procedi Então isso vai ajudar muito".
E6: "O que existe em termos de facilidades e dificuldades é criar sistemas de trabalho.
mentos
Que aperfeiçoar o sistema de gestão, aperfeiçoar o sistema de execução das tarefas,
aperfeiçoar, gerar padrões de respostas para os atendimentos, sistematizar tudo isso, pra
gente poder ter um modelo de trabalho que acho que isso que é o mais complexo".
E1: "Uma atividade estratégica, que é complicado ela ser inserida dentro do
departamento sem as decisões que demandam é...essa atividade, de forma que fica
complicado para mim nesse sentido porque eu preciso fazer o que sou cobrada de
órgãos externos e quando eu chego aqui eu não consigo implementar por falta de
decisão interna".
E4: "Na sede, e principalmente aqui na sede, os processos são mais organizados, é
definido quem é responsável".
E5: "Acho que o quadro de chefia tem que ser renovado também. Acho que tem muita
gente muito tempo ali dentro, vai ficando aquele ranço, aquela coisa. Tem que começar
formar novas lideranças ali dentro, novos perfis de líderes".
Tomada de E5: "Acho que o nosso problema maior está no gerenciamento de pessoas. A Embrapa
tinha que investir mais, em gerência".
Decisão
E6: "Não é uma questão de capacidade. É uma questão de pura decisão administrativa.
É uma questão de manter a atribuição. Porque as pessoas que tem, são atribuições
diversas em função de inúmeras demandas. Então isso sugere uma falta de organização
de tomada de decisão ou de uma organização mais complexa da empresa como um
todo".
E6: "Não é que falta verba, falta é decisão. A empresa dizer que isso é prioritário".
E6: "A Embrapa não conhece a própria Embrapa. Ela tinha que debater interno pra
decidir quais são as áreas que ela tem competência, quais os projetos prioritários dela".
E6: "A Embrapa tem que ter uma postura em quais as áreas que ela atua e definir as
prioridades. Não adianta eu chegar e dizer que a Embrapa vai pesquisar tudo. A
Embrapa não vai pesquisar tudo. Isso é impossível".
Esta categoria retrata a organização do trabalho no que diz respeito ao fluxo de
trabalho, normas e procedimentos, bem como se dá o processo decisório. Os respondentes
sentem que o fluxo de trabalho é grande. Embora tenham uma rotina definida, fazem diversas
coisas ao mesmo tempo, o que dificulta a realização das tarefas, por vezes, dentro do horário
do expediente. Apontam causas e soluções para as dificuldades encontradas. Acreditam que a
contratação de mais pessoas e a implementação de manuais de normas e procedimentos
facilitaria o andamento das atividades. Indicam que o corpo gerencial da empresa é antigo,
115
não há trocas e que falta investimento em capacitação do mesmo, o que compromete o
processo de tomada de decisão e de definição de diretrizes institucionais.
Categoria 2S:
As condições de trabalho não são boas
Definição: As condições do ambiente físico de trabalho não são boas, a sala não é adequada,
reclamam do barulho do telefone e das pessoas conversando alto, do calor, além da falta de
privacidade, pela disposição do mobiliário em “ilhas”. Quando conseguem melhorar alguma coisa no
ambiente de trabalho é em função de negociação com a chefia ou dependência de verbas de outras
entidades. Pela falta de investimento, trabalham com equipamentos velhos, móveis antigos e de modo
precário. Faltam equipamentos tanto de segurança (EPIs) quanto os que ajustam o corpo às
necessidades de trabalho. Reclamam de exposição a produtos químicos como "venenos". Sentem que
não há garantias de manutenção das condições de saúde. Creditam à falta de equipamentos à
burocracia e à falta de verba.
Temas
Exemplos de Verbalizações
Ambiente
físico de
trabalho
Móveis e
Equipamen
tos
E4: "As condições de trabalho não são boas".
E1: "Eu vejo que a sala não é adequada, a sala é muito barulhenta, não dá para fazer
um trabalho de concentração".
E1: "Essa coisa de estação de trabalho muito junta ela gera promiscuidade que não é
legal para o trabalho".
E2: "Nós estamos em “ilhas” (...) Em ilhas todo mundo espera que se fale mais baixo
entre as pessoas. Principalmente porque é o colega do outro lado da divisória. Essa é
uma coisa que ainda ninguém percebeu. Coisas mais emergenciais tudo bem, mas não
pode virar rotina. E é o que acontece na nossa sala, rotina".
E2: "A sala é quente. Não é um ambiente gostoso, confortável. Dá vontade de pegar a
mesa e colocar lá fora, incomoda".
E3: "Então, essas coisinhas, acho que prejudicam, tiram até sua individualidade
('Ilhas")".
E5: "Eles estão melhorando muito a nossa condição no trabalho. A nossa sala foi toda
reformada e a gente batalhou pra isso, quando eu faço (organiza) esse treinamento
externo (para outras instituições) a gente ganha recurso. Aí eu negocio com eles, então
eu consegui o ar condicionado, consegui aquele grandalhão, pintamos a sala, trocamos
o piso".
E2: "Prejudica quando não há investimento, quando você tem equipamentos e móveis
antigos, velhos demais, que se você tivesse um 386 que um processo leva meia hora e
num Pentium levaria 5 minutos, você vai ficar com seu técnico, seu analista parado,
esperando a máquina processar".
E4: "Às vezes eu estou com uma pessoa no telefone e eu tenho que dar informações
então, tem que vir e pegar algum material e às vezes uma das coisas que eu tenho
percebido e que eu faço muito é isso aqui, oh. Dobra aqui o telefone e fica assim
(dobra a cabeça em direção ao ombro), repassando alguma coisa. E muitas vezes pelo
telefone e no computador".
E4: "Mas como é que se faz isso, se nem equipamento de segurança que é essencial,
está na lei, vocês não conseguem dar?".
E4: "Na unidade em termos de condições de trabalho, eu acho que falta muito mais.
Desde equipamentos, até se precisar mesmo, o que se pode oferecer de melhor para
aquelas pessoas, pra que não se contaminem com produtos (químicos), porque são
utilizados muitos venenos em campo?"
E4: "Sempre se fazia listas e listas e não conseguia adquirir. Acabava assim, eles
adquiriam de alguma forma, através de recursos de fundação, acabavam se virando.
Acho que assim estaria garantindo uma condição de saúde melhor".
116
E5: "Mas não foi sempre assim. Quando eu cheguei aqui não tinha nem água pra
beber. Porque não tinham dinheiro. Tem coisas que são prioritárias. Por exemplo, não
pode deixar faltar água. É primordial pra sobrevivência de qualquer ser humano.
Então melhorou bem."
E5: "Pois é, está faltando os EPIs. Alguns equipamentos estão em falta realmente.
Trabalhamos este ano precário. Tentamos fazer da melhor maneira possível. Ficou um
pouquinho fora, mas não foi nem por conta da chefia. Foi por conta de orçamento."
E6: "Existe dificuldade quando a gente solicita um recurso, demora muito. Se a gente
precisa de um material de pesquisa, vamos supor, um novo computador. Existe uma
demora nesse processo. Demora em função de procedimentos internos, burocráticos".
Esta categoria indica como são as condições de trabalho para a realização das
atividades. Mostra que os empregados da carreira de suporte, de modo geral, possuem um
ambiente de trabalho quente e barulhento, além de que a disposição do mobiliário em “ilhas”,
interfere na realização das tarefas. Não possuem o número adequado de equipamentos para
garantir a segurança física e os que utilizam para a realização das atividades diárias, por vezes
são antigos e dificultam o fluxo de trabalho. Há ainda a demora, em função de ausência de
verbas ou de burocracia, para a aquisição de material.
Categoria 3S:
Você sabe com quem você está falando?
Definição: O relacionamento com os pares e chefia é visto, em alguns momentos, como bom e com
diálogo, embora não muito próximos, mantendo-se mais formais, profissionais. Em muitos
momentos, reclamam de discriminação em função do cargo, tempo de trabalho e titulação. A vivência
da discriminação traz sentimentos de desprezo e humilhação. Relatam que são intimidados,
principalmente por pesquisadores e que já presenciaram ameaças de agressão física. Manifestam que
sofrem muito com isso. Acreditam que a situação está mudando e que a empresa deveria investir mais
nessa mudança.
E2: "Você sabe com quem você está falando? Eu tenho “Doutorado”, “eu sou DR”.
E1: "Ainda tem aqui na empresa aquela fala que a gente ouvia de mais que a
empresa é dos pesquisadores. Que nós estamos aqui de favor. Ainda existe essa
é...essas declarações é...verbais ou não verbais, né?"
E2: "Muitos pesquisadores acreditam que os pesquisadores são “os reis da cocada
preta”. O restante é barata".
E2: "Ele é meu chefe, meu coordenador e eu sou a empregada, devo um certo
respeito e não... é um certo distanciamento, é um respeito pela pessoa, eu acho
Discriminação/
melhor me resguardar".
Distanciamen E2: "Às vezes, (me sinto) uma barata. Passo bom dia, bom dia, mas ninguém tá
dando bola... tem dia que eu me sinto assim, lá em baixo, me sinto uma barata.
to/ Sofrimento
Então, isso, principalmente eu sinto assim quando em alguns comentários e
atitudes, tipo assim "cala a boca!!!"... quando eu cheguei na Empresa, há dois anos
atrás e comecei a escutar isso, eu me sentia pior do que uma barata, me sentia como
uma ameba, uma pessoa completamente excluída e marginalizada do grupo”.
E3: "Eles não olham para mim, e às vezes entram direto na sala do chefe... às vezes,
pensam que é uma pessoa qualquer, passam, nem cumprimentam, vão direto, sabe?
"
E3: "E... por uma ou outra unidade que eu já trabalhei, percebi que tem muita
diferença no tratamento, então, tem muita discriminação".
E4: "Na unidade a gente tem mais dificuldade de relacionamento com o público
117
Integração/
Mudança
interno. O relacionamento é difícil com relação aos pesquisadores. Mesmo não
sendo isso uma prática geral, quando o relacionamento não é bom, mesmo sendo
pouco ele afeta muito".
E4: "Uma coisa que é muito chata mesmo, e que chega a ser antiético. Expõem,
brigam através da Internet".
E4: " E quando está no nível mais alto pro mais baixo, não tem nenhum problema.
Mas quando é do nível mais baixo para o mais alto daí sim, tem problemas, vem
reclama. Mas se tiver um pesquisador que humilha, a palavra é essa, humilhar
mesmo, se você tem um pesquisador que humilha uma pessoa do nível mais baixo
que ele, é completamente normal. É visto como uma coisa normal. Eu não vejo isso
como uma coisa normal".
E4: "As pessoas pouco esclarecidas, eles lidam como se aquilo estivesse ofendendo
eles, mas eles não sabem como se defender. Alguns são fortes o suficiente e saem
dando os gritos deles. Fica aquele mal-estar ali na hora, etc., mas ele não sabe a
quem recorrer".
E5: "Quando eu cheguei aqui, foi muito difícil. Porque na sede você não lida com
pesquisador. E aqui você lida. É um processo que foi muito desgastante, passei dois
anos sofrendo muito. Tem uns que são difíceis mesmo. Tem uns que só mesmo no
profissional, e não dá pra você ter uma relação, uma atividade maior com eles
porque até eles próprios colocam essa barreira pra você. Eles se acham".
E5: "A grande dificuldade da gente é essa. Porque às vezes, eles são muito
temperamentais. Então não estão muito preocupados se eles vão te magoar.
Acontece, acontecem coisas terríveis. A gente viu gente até com agressão física".
E5: "Acho que você agredir os outros com palavras, intimidando, eles
(pesquisadores) usam termos intimidadores".
E6: "Existe uma certa formalidade, as relações são muito mais formais. Isso gera
um pouco de impacto na qualidade de trabalho, no estado emocional do pessoal que
participa cada um nas sua atividade, falta um pouco de pessoalidade. Isso afeta
grande parte da empresa. Inclusive essa dimensão que a corporação tem dificulta a
proximidade entre todas as chefias, chefiados, em todos os níveis. De tal maneira
que as realidades também vão sendo cada vez mais desconhecidas. Os gestores de
nível mais alto têm dificuldade de entender, os detalhes que estão realmente
acontecendo dentro das várias áreas da empresa".
E2: "A maioria do pessoal do suporte é mestre. Me tratam super bem. Tratam de
maneira igual e você fica sabendo dois, três dias depois que o cara está fazendo
mestrado ou terminou o doutorado. É muito diferente. Os pesquisadores recém
chegados, muitos antigos e recém chegados, o pessoal que está aí no meio é mais
fácil de se lidar".
E4: "Com a coordenadoria, e é tranqüilo. A gente consegue ter um relacionamento
bom".
E4: "Tem pessoas amáveis, pessoas tranqüilas, que conseguem se expressar
conseguem dizer o que não gostou, sem magoar, sem ofensa, sem nada”.
E5: “Têm pessoas ótimas aqui dentro. Têm pessoas, pesquisadores de alma
boníssima”.
E5: "Tem um processo consciente de que eles precisam fazer essa integração pra
que eles conheçam melhor o seu parceiro aqui dentro".
E5: "Acho que o pessoal que está entrando agora, os pesquisadores e eu tenho
liberdade com alguns, eu falo: olha, não seja estagiário, porque você não é
profissional agora. Por favor, não fique igual seus colegas. Eles morrem de rir. Olha
eu vou voltar aqui, e se eu notar que você está do mesmo jeito, não deixa te
contagiar. Porque é a tendência. (...)".
Esta categoria expressa como se dá o relacionamento com os pares e chefia. O
relacionamento é, de modo geral, distante e formal. Há casos de discriminação em relação ao
118
tempo de trabalho, titulação e à ocupação funcional dentro da empresa, o que gera
sentimentos de desprezo e humilhação, caracterizando o sofrimento. Há tentativas de
integração e de mudança desta situação por parte da empresa.
Categoria 4S:
É complicado. Tá achando que tá agradando e não está.
Definição: Revelam sentimentos de ansiedade, frustração e desgaste, por não conseguirem realizar as
atividades do modo como gostariam e sentem-se muito cobrados, o que gera insatisfação e
insegurança. Afirmam que não há oportunidade de capacitação do pessoal de suporte e, embora a
empresa esteja investido mais nesse aspecto agora, acham que não têm as mesmas regalias que o
pessoal de pesquisa. O reconhecimento e desvalorização se dão pela percepção do investimento ou
não no desenvolvimento do empregado. Não sabem se estão agradando ou não e têm receio de serem
demitidos e desanimam-se ainda, com o descaso da empresa em manter os empregados. Em outros
momentos demonstram um sentimento de liberdade e autonomia em relação ao pensar e agir no
trabalho, sentem-se reconhecidos e indicam a possibilidade de serem criativos no trabalho.
Temas
Exemplos de Verbalizações
E5: "É complicado. Ta achando que ta agradando e não está”.
E1: “eu fico assim... é... querendo trabalhar, querendo desenvolver e não consigo...
então meu sentimento mesmo é de ansiedade, frustração às vezes".
E1: "Nós éramos nada, tanto é que não tinha capacitações pra gente, não tinha
nenhuma oportunidade da gente crescer, então o que aconteceu, os pesquisadores
ficaram lá em cima com doutorado, mestrado e o pessoal de apoio aqui lá em
embaixo, né? É, hoje não, hoje está havendo oportunidade de capacitação para o
pessoal do suporte, né? Hoje é reconhecido, então eu acho que a empresa mudou
muito. Porque os pesquisadores tudo pós-doctor e o pessoal do suporte não tinha
direito a nada, né? A se capacitar. Então essa defasagem ela vai perdurar alguns
anos, né? "
Ansiedade/ E2: "Se fulano é pesquisador consegue algumas regalias internas do que o analista
no mesmo processo. O pesquisador por ser pesquisador, conhece fulano, que é
Desgaste/
pesquisador que pode agilizar um processo. E o analista não. O analista pode
Decepção/
esperar. Talvez eles imaginam que pesquisador é mais importante porque precisa
Frustração/ continuar com as pesquisas aqui. Mas o analista também tem prioridade. Também
precisa por algum motivo".
Estresse/
E3: "Então, eu acho que eles não levam em conta o jeito que eu sou, ou me dar um
Desvaloriza curso superior, para eu melhorar. Então, isso te desanima de correr atrás, e até de
fazer um curso superior... "
ção/ Injustiça/ E3: "Outro dia, pedi um curso de português, e aqui falaram para o nosso
Insegurança. departamento que ia sair, e depois falaram que não tinha jeito. Então, parece que,
para algumas pessoas, parece que a coisa flui mais”.
E3: "Então, você vai ficando meio decepcionada com a profissão".
E5: "Eles foram categóricos comigo, dizendo que ou era lá ou rua. Se você me
perguntar: - você fez alguma coisa? Não. Não que eu me lembre, sabe? É muito
desagradável você chegar no local você sendo imposta pra eles. Eu cheguei e falei,
olha, eu sei que estou sendo imposta ao senhor, o senhor de desculpa, mas eu preciso
do emprego, não posso abrir mão dele".
E5: "Agora, um descaso com a gente que é da casa, muito grande”.
E5: "Então a gente vai ficando meio desanimada... acho que o nosso setor de
Recursos Humanos, não está tão humano. Está deixando a desejar em alguns
processos".
E6: Existem certos programas que de certa forma restringem, privilegiam certas
áreas no esquecimento de outras áreas.
119
Gratificação/
Reconhecimento/
Liberdade/
Autonomia/
Satisfação/
Criatividade
E2: "Bom, diretamente me sinto vamos dizer assim, respeitada".
E2: "A liberdade eu acho boa. Sinto que a minha capacidade técnica está sendo
reconhecida por ter essa liberdade".
E2: "Como que você vai chegar lá não interessa, me diga o que você quer que
chegue. Como que você quer. Essa é a autonomia que eu vou ter".
E4: "Eu gosto, é uma satisfação muito grande ter alguma coisa que a gente é
responsável e que você tem que dar respostas, isso tudo é interessante e gratificante".
E6: "Eu tenho cronograma de trabalho que eu faço pra eu mesmo. É, um
cronograma com base no volume das tarefas que eu tenho".
E6: "porque existe um componente de arte ali, de criatividade, que tem que embutir
em cada um dos processos. Embutindo criatividade cada vez que acontece".
Esta categoria indica os sentimentos de desgaste, frustração, desvalorização,
ansiedade e insegurança, bem como os de reconhecimento, gratificação e liberdade no
trabalho. Mostra uma ambivalência de reações frente à organização do trabalho. Ao mesmo
tempo em que constatam uma situação desfavorável em relação à carreira na empresa,
percebem uma tentativa de investimento nos empregados, propiciando liberdade e autonomia
de ações.
Categoria 5S:
Procuro racionalizar para não deixar chegar no emocional
Definição: Para enfrentar as dificuldades algumas pessoas tendem a racionalizar, para não deixar
chegar ao emocional. Alguns desistem de trabalhar naquele momento e procuram ler e estudar. Outros
ainda preferem assumir comportamentos de neutralidade, quando as dificuldades não os afetam
pessoalmente. Alguns tendem a se acomodar ou evitar a situação, não brigam e não questionam,
"engolem" desaforos e por vezes, saem do ambiente, ou ainda, condicionam-se à situação para ficar
mais relaxado, pois acreditam que não terão vantagens em agir de outro modo. Por outro lado, alguns
disseram que aprenderam a falar "não", se acham injustiçados com alguns procedimentos da Empresa
e recorrem até mesmo à instância judicial quando se sentem magoados. Procuram uma forma de burlar
algumas regras quando se irritam com elas. Relatam alguns casos de adoecimento e acreditam que os
problemas de coluna e LER/DORT são os que têm trazido mais problemas de doenças do trabalho,
além das conseqüências do estresse, e alegam que em função disso, têm muitas pessoas que acabam se
afastando do trabalho e ficam sem qualidade de vida. Relatam ainda a existência de casos de
alcoolismo. Preocupam-se ainda com a qualidade de vida que terão no período de aposentadoria.
Temas
Exemplos de Verbalizações
E1: "Procuro racionalizar para não deixar chegar no emocional".
E1: "(...) vou para a biblioteca e às vezes desisto de...de... trabalhar nesse
momento".
E2: "Como eu não crescia, no meu caso eu fiz a monografia. Foi uma válvula de
Racionalização escape estudar. Fiz minha monografia".
E3: "E eu detesto aparecer. Eu não gosto, de jeito nenhum, nem por bem, nem por
mal".
E5: "Aqui todos estudaram muito, mas esqueceram o principal que é o lado
emocional. Então é complicado".
Neutralidade/ E2: "Por enquanto neutra, não tenho um sentimento formado se é bom ou não é
bom. Por enquanto é neutro pra mim. Não está interferindo diretamente no meu
Acomodação/ trabalho. Enquanto não me afetar, tá bom".
Condicionamen E3: "É como eu te disse, a gente, nessa altura do campeonato que eu estou aqui, eu
não vou brigar, não vou questionar nada".
120
to/ Evitação
Aprender a falar
não/Irritação/
Burla
Adoecimento
E3: "A não ser que seja uma coisa mais forte, eu chego para a colega e falo, eu
tento é harmonizar, às vezes engulo desaforo, mas... "
E3: "Às vezes você sabe que poderia fazer mais, mas pensa que não tem retorno,
você fica condicionado mesmo, nessas coisas negativas. A melhorar, a gente sabe
que tem, há muito que melhorar. Mas às vezes, você se esforça e melhora, mas você
não leva nenhuma vantagem com aquilo, sabe? "
E3: Então, é assim, é levar adiante, eu aprendi a gostar da empresa, mas a gente
sabe que tem coisas que deixam a desejar, infelizmente, para a gente, nível médio.
E 4: "E isso me levou a um cansaço e a gente acaba querendo mudar. Foi o meu
caso. Eu queria mudar porque estava realmente bastante cansada".
E5: "Tem mais dois anos. Então eu fico (pensando): - só mais dois anos!! ".
E5: “Por que eu vou ficar fazendo alguma coisa por elas se a própria direção não
está preocupada com isso?”.
E5: "... eu estou falando não. Aprendi a falar não".
E5: "Por um erro, a punição deles... eu gostaria de saber como é que eles fazem o
processo lá quando eles erram. Porque eu sei que eles corrigem. Eu fiquei muito
magoada, fiquei mesmo. Se tem uma coisa que eu fiquei muito chateada, fiquei. Fui
no chefe de gabinete, briguei mesmo e estou brigando. Nem que seja por via
judicial".
E5: "Eu acho que te irrita, você já chega irritada com aquela coisa. Se você atrasar
10 minutinhos você já chega estressada no trabalho. Se atrasar 10 minutinhos, você
vai ter que trabalhar mais aqueles 10 minutinhos por conta daquilo que vão
descontar do meu salário".
E5: "Porque aquilo ali é muito... quem mexe com isso sabe que você burla. Então
pra quem é malandro, fica depois do expediente, fica fazendo hora, pra depois tirar
dias. Isso não vai medir o seu trabalho, o seu desempenho".
E5: Quando você vê não tem mais como administrar aquilo, então você começa a
agredir quando não precisava nem agredir.
E4: "E muitas doenças que estão relacionadas também não diretamente ao trabalho,
mas que afeta o trabalho. E eu acho que com relação ao trabalho, diretamente ao
corpo, são os problemas de coluna e LER que tem trazido muitos problemas de
doenças do trabalho, tem muitas pessoas que acabam se afastando do trabalho e
ficam completamente sem qualidade de vida, ossos tortos, uma coisa meio
calamitosa."
E 4: "Tem algumas coisas que ainda seria interessante que fosse corrigido, porque é
muito gratificante você ter trabalhado uma vida toda e depois que você se aposentar
ter qualidade de vida."
E4: " E muitas doenças que estão relacionadas também não diretamente ao trabalho
mas que afeta o trabalho... Alcoolismo."
E5: Porque eu já tive um estresse (em uma situação de trabalho). Tive um estresse
em 94 e até hoje eu sinto a seqüela dele. Porque qualquer situação de estresse que
ocorra, eu começo a tossir, vomitar, eu fico nervosa, estou tentando melhorar isso".
E5: "Tem um amigo nosso que estava bonzinho e deu uma endocardia, quase
morreu, paralisou um lado. Eu fico olhando e pensando: - será que vale a pena tanta
correria, tanta dedicação, tanto sofrimento na sua vida e quando você está pra ir
embora acontece uma coisa dessas? Eu acho que com o tempo a gente vai
aprendendo e amadurecendo muito".
E5: "Tem que também tem que começar a procurar melhorar a qualidade de vida
senão... não é só a empresa, você também tem que ter a contrapartida. As pessoas
não criaram o hábito..."
E5: " Inclusive assim, eu acho que quando você vai recuperar um alcoólatra no AA,
a gente está com um trabalho aí que o psicólogo está fazendo tudo".
121
Esta categoria refere-se às estratégias defensivas individuais e coletivas para enfrentar
o sofrimento e manter, ou não, o bem-estar. Percebe-se que, de modo geral, as estratégias são
basicamente individuais. Tendem a racionalizar as emoções, acomodar-se às dificuldades ou
manterem-se neutros diante dos fatos e circunstâncias. Alguns tendem a defender-se por meio
do diálogo, burla ou até mesmo judicialmente. Quando as estratégias falham, surgem os casos
de estresse, alcoolismo, Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (LER/DORT),
dentre outros, o que promove uma procura da melhoria das condições de saúde atuais e
futuras.
4.2.2 Resultados das entrevistas com o pessoal da carreira de pesquisa
A análise dos núcleos temáticos das entrevistas individuais com os empregados da
carreira de pesquisa, indicou um total de cinco categorias empíricas, delineadas a seguir no
Quadro 11.
Categorias
1P- “Você deixa muita coisa para fazer, tudo é pra ontem”.
2P - "Em geral acho que as condições de trabalho são tranqüilas, o ambiente bem
tranqüilo".
3P - "O problema todo está nas relações interpessoais".
4P - "Eu me sinto feliz no trabalho, gosto da Embrapa".
5P - "E não vou pro enfrentamento, raramente eu vou pro enfrentamento".
Quadro 11: Resumo das categorias sínteses das entrevistas individuais – Pessoal de Pesquisa
Categoria 1P:
Você deixa muita coisa para fazer, tudo é pra ontem.
Definição: O fluxo de trabalho é grande e atribulado. Não há rotina ou planejamento das atividades,
cada dia apresenta características diferentes, param o que estão fazendo para fazer outra coisa, é
"aquele apaga fogo" e acham que não conseguem executar o trabalho de modo eficiente. Executam as
tarefas por demanda, fazem várias coisas ao mesmo tempo e por vezes ficam depois do horário ou
levam trabalho para casa. Afirmam que a empresa é cheia de normas e muito burocrática, além de
novas legislações que têm que seguir e são trabalhosas. Acham que perdem tempo com demandas
burocráticas, que tiram o estímulo e não faz sentido, em detrimento do aspecto da prática de pesquisa.
O fato de o pesquisador ter que arrecadar recursos financeiros em outras instituições faz com que
percam “um tempo precioso de pesquisa” atrás de patrocínio. Acreditam que a Embrapa é uma
empresa que não tem uma organização em sua estrutura básica, não realiza as pesquisas com bases
reais, sem uma linha de pesquisa definida e sem sintonia com a cadeia produtiva. Afirmam que a
gestão da empresa ainda é um "ferimento" grande, pois é deficiente e falta acompanhamento efetivo,
apresentando contra-sensos pela falta de definição de rumos. A falta de coordenação faz com que cada
unidade central ou descentralizada “defendam seu território” e não troquem entre si, recursos ou
conhecimentos.
122
Temas
Exemplos de Verbalizações
E4: "Você deixa muita coisa para fazer, tudo é pra ontem".
E2: "Rotina é uma coisa que praticamente não existe. Então, é um leque muito grande de
procedimentos, não existe, assim, um procedimento único".
E1: "Eu tento me planejar, para fazer alguma coisa, mas acabo não fazendo (...) E às vezes
Fluxo / eu tenho que levar trabalho para casa para poder dar conta, não é? Para poder dar conta do
fluxo".
demanda
E3: " Mas não é uma coisa assim... não é rotineira".
E4: "Tem as demandas diárias que aparecem da Embrapa como um todo, que você chega,
de
planeja fazer umas coisas, mas acaba pegando uma série de atividades, é aquele "apaga
trabalho
fogo" rápido, né? Tem coisa que era pra ontem e você tem que fazer, né? Isso acho que
acontece até além do que deveria, tem muito, então você perde um tempo com isso e
/rotina
acaba não conseguindo fazer de uma forma mais eficiente e com uma qualidade melhor,
justamente porque tem que fazer rápido".
E5: "Eu chego na empresa com uma agenda do que você vai fazer naquele dia, mas eu sei
que vou ter muitas surpresas durante aquele dia. Um telefonema pode mudar todo o rumo
da minha atividade".
E5: "Então eu acho isso, é muito corrido".
E1: "A gente tem que trabalhar com uma série de normas, tem que obedecer uma série de
normas de lei, estabelecidas pelo ministério”.
E2: "A Embrapa é cheia de normas, tem muita norma".
E4: "Tem muita legislação para seguir, para fazer, tem coisa diferente e nova na legislação
Normas/ que dá trabalho...".
Procedi E4: "Dependendo do resultado do projeto que você ta fazendo, tem toda uma burocracia.
Tem que ficar fazendo relatório, então a gente perde muito tempo mais na parte
mentos burocrática do que no aspecto prático, então a gente pega um trabalho para produzir, mas
/Burocra na verdade o que tem que ficar produzindo mesmo na parte essencial é muito inferior ao
tempo que demanda a burocracia. ".
cia
E4: "Só que como a Embrapa não tem muitos recursos (financeiros), você tem que ficar
captando recurso fora, isso acaba amarrando, né? ".
E5: "E a burocracia que não faz sentido. Gasta um tempo precioso, isso eu acho irritante,
eu acho que a burocracia tira o estímulo, ela é a pior coisa que pode acontecer. Tem que
ter um fluxo".
E2: "Não tem um projeto para a atividade-fim nossa, em pesquisa. Não tem um programa
Acompa
de aprimoramento, o acompanhamento da pesquisa é precário... essa estrutura é falha".
nhamento E2: "A Embrapa não tem pesquisa exatamente com bases reais. Também não tem
cobrança sobre isso".
das
E3: "Nessa parte de gestão teria muito a contribuir na empresa porque é ainda um
Diretrizes ferimento que nós temos, uma deficiência muito grande."
E5: "você conviver com esse paradoxo o tempo inteiro. É o tempo inteiro assim, tem
da
contra-sensos".
Empresa E5: "É complicado. Tem que lidar com essas duas coisas na Embrapa? Tem, mas eu acho
que a gente deveria definir melhor os rumos que a gente vai tomar...".
E2:
"Tem departamentos aqui na Sede da Embrapa, que simplesmente não se conhecem e
Falta de
nós temos um problema sério, em relação à integração de projetos".
integra E2: "Bom, tinha que se discutir um programa de pesquisa sob o enfoque nacional. Mas
ção entre discutir isso de forma que as unidades não tivessem esse espírito bairrista que atualmente
elas têm".
as
E4: "Eu acho que isso daí a gente acaba exteriorizando o nosso próprio jeito, assim,"isso
aqui
é meu...isso é seu..., isso pode, isso não pode...”E fica tudo numa coisa que a gente
unidades
sente que é muito mais farsa".
123
Essa categoria expressa a organização do trabalho no que diz respeito ao fluxo de
trabalho, normas e procedimentos, bem como à ausência de diretrizes para a Empresa como
um todo. Os pesquisadores sentem que o fluxo de trabalho é grande, fazem diversas coisas ao
mesmo tempo, sem rotinas ou planejamento das atividades, o que dificulta a realização das
tarefas de modo eficaz e por vezes dentro do horário do expediente. Demonstram insatisfação
com o excessivo exercício burocrático cotidiano e com a necessidade de eles mesmos terem
que captar recursos em entidades externas para o desenvolvimento dos projetos, o que
dificulta a realização da atividade fim da empresa, a prática da pesquisa. Afirmam que
existem dificuldades para que as pesquisas em todas as Unidades da Instituição fiquem
alinhadas, ou seja, cada Unidade da empresa decide a pesquisa que será realizada, podendo
ocorrer falta de integração e cooperação entre as unidades centrais e descentralizadas da
Empresa.
Categoria 2P:
Em geral acho que as condições de trabalho são tranqüilas, o ambiente bem tranqüilo.
Definição: As condições do ambiente físico de trabalho são, de modo geral, consideradas boas. O
ambiente é tranqüilo e sem barulho. Possuem equipamento e suporte necessários à realização das
atividades, porém dizem ser uma condição apenas das unidades em que trabalham, pois acreditam
que em outras unidades as coisas não acontecem do mesmo modo. Relatam que podem ter
dificuldades "anormalmente", em uma questão ou outra, quanto ao equipamento, mas que de modo
geral, não existem fatores limitantes para a realização do trabalho.
Temas
Exemplos de Verbalizações
E4: "Em geral acho que as condições de trabalho são tranqüilas, o ambiente bem
tranqüilo".
E1: "Eu tenho todas as necessidades atendidas para o cargo".
E2: "Tenho os equipamentos mínimos necessários".
E2:"Tem unidades que têm equipamentos de sobra, e outras que não têm
equipamento nenhum. E trabalham com o mesmo produto. Tem unidade que tem
pessoal de sobra em determinada área, e a outra não tem nenhum".
Ambiente
E3: "Nós temos muito boas instalações, nós temos um ambiente bem tranqüilo, você
não vê muito grito e alguém correndo pelos corredores."
físico de
E4: "A gente acaba sentindo diretamente quando tem que fazer alguma coisa no
trabalho e
laboratório, e aí, chega lá para fazer uma coisa e o microscópio eletrônico tava
equipamentos quebrado e não tinha recurso para consertar, mas a Embrapa, de modo geral, tem
equipamento, comparando com muitos outros centros. A gente pode ter dificuldades
anormalmente, uma questão ou outra, mas de modo geral, não limitante para o
trabalho relacionado".
E5: "Eu tenho telefone liberado para mim, posso fazer ligação para celular,
interurbano, não tem nada que me impeça. Eu tenho carro, se eu topar dirigir, a
qualquer hora que eu quiser, posso entrar aqui à noite a qualquer momento que eu
quiser, ninguém me impede".
124
Esta categoria indica como são as condições de trabalho para a realização das
atividades. Mostra que os pesquisadores, de modo geral, possuem um ambiente de trabalho
tranquilo e silencioso, que não interfere na realização das tarefas. Possuem os equipamentos
necessários para suprir as necessidades e os problemas encontrados são apenas pontuais.
Categoria 3P:
O problema todo está nas relações interpessoais
Definição: O relacionamento com a chefia é, de modo geral, bom, entretanto, com os pares, é visto
como necessário, mas conflituoso. Há disputa entre grupos internos e de outras unidades, o que gera
“comunidades”. A competitividade é também atribuída ao sistema de avaliação da unidade, imperfeito
e “predatório”. Relatam que alguns pesquisadores têm o “nariz muito empinado” e que existem
claramente duas “castas”, a dos mais antigos e a dos mais novos de empresa. Afirmam que há
momentos em que acontecem “pressões psicológicas fortes” entre estas castas. O distanciamento é
relacionado ao sistema de avaliação individual, que também desestimula a realização de tarefas
consideradas importantes, mas menos valorizadas. Com o pessoal de suporte à pesquisa, alguns não
“cobram” de ninguém que os chame de “Dr.”, que têm que procurar fazer com que a “luta” entre
“classes” não exista e que deve haver respeito mútuo, mas que o distanciamento veladamente ainda
existe. Outros se dizem “irritados” com a falta de disponibilidade de atendimento eficaz do pessoal do
suporte, além de que, por vezes, são criticados pelos colegas quando tentam inserir estas pessoas no
trabalho científico. As questões de relacionamento são atribuídas à falta de comunicação entre as
pessoas e a cultura da empresa, que sempre valorizou mais o pesquisador.
Temas
Exemplos de Verbalizações
E2: "O problema todo está nas relações interpessoais".
E1: "É uma situação em que há conflitos, também. Mas aos poucos a gente começa
a administrar essas coisas, e as normas, e a legislação, e o conflito, porque é a
administração do conflito".
E1: "Não é bom... Assim, a disputa de grupos internos. Uma luta...".
E1: “É um pessoal muito inteligente, demandativo e questionador. De uma certa
maneira, é o que eu chamo de egos, não é?”
E3: "Na Embrapa você tem que conversar. Você tem que conversar, conversar e
conversar. Você tem que ouvir as pessoas e não adianta você ficar com essa
conversa de você deixar de ser primeiro pra você sair pra fora você tem que estar
organizado interno."
E3: "Mas um tratamento que eu espero e acho que as pessoas devem dar de
Relacionamento
respeito e uma das coisas que eu sempre defendi, eu não estou defendendo que
com pares e
vocês... e nunca cobrei de ninguém de me chamar de Dr., etc. Agora, respeito, a
chefia/
gente tem que ter muito."
Comunidade/
E3: "Claro que nós tentamos evoluir para as coisas terem diferenças hierárquicas,
Casta
diferenças profissionais, mas você tem que procurar não existir essas diferenças
entre classes fortes assim, porque isso também dificulta o respeito mútuo. Mas a
Embrapa o foco era o pesquisador."
E3: "Eu digo que nas unidades ainda existe muito em função de que... (fazendo um
comentário), muito essa função, que muitas pessoas falam, essa luta de classe no
Brasil, que na verdade não existe luta de classe no Brasil, não existe briga. Não tem
luta... mas essa luta de classe porque você é do suporte, eu sou da pesquisa, sou
importante ou menos importante, infelizmente isso veladamente existe. Eu vejo isso
porque sempre favoreci esse lado de conversa com o pessoal de campo, com o
pessoal misturado, eu acho que aí está a base pra você procurar a qualidade no
trabalho."
E3: "Não adianta eu ter um computador de última geração aqui, se você não se
125
relaciona bem com o cara que te dá suporte lá. Essas coisas irritam."
E3: "“Muitas vezes o pesquisador está muito preocupado com quem está ali com
ele, que é o chefe do Centro, aquela comunidade dele."
E3: "Os centros não podem prescindir do conhecimento parco das pessoas. E o
conhecimento parco das pessoas você só consegue com relacionamento. Se você
não tiver, cai fora. E esse é o mais importante pra inovação."
E4: "O que eu sinto um pouco que o próprio SAAD, ele acabou gerando uma
competição, aí você, poxa...Às vezes tem uma pessoa, que as vezes você faz um a
coisinha...né? Que gera alguns atritos, às vezes ta fazendo, acho que por conta que
tem meio uma competiçãozinha, então eu acho que o sistema atual está gerando
uma competição entre os pesquisadores da mesma unidade, como também entre
unidades diferentes. Algum tempo atrás, tinha muita gente que tinha o "nariz muito
empinado", então cria até um certo ranço, que ainda meio que existe".
E4: "A relação entre pesquisador e pessoal de suporte é bem baixa, às vezes você
não encontra pessoas que ta com o tempo livre, se conta muito com a boa vontade
da pessoa de poder fazer, que a gente já sabe que ela ta sobrecarregada".
E4: "Agora que tem mesmo esse negócio de ser mais "alto" ou mais "baixo", tem".
E5: "E nós temos um chefe que é muito legal".
E5: "mas eu sinto uma certa... tem uma chefia ou outra que, pra gente conversar, eu
não dou conta".
E5: "Eu acho que aqui a gente tem duas castas, claramente. Os que foram
contratados no governo anterior e os que foram contratados depois. Tem horas que
tem umas pressões psicológicas fortes que rola com relação a essa casta e a gente
(...) a gente é usado como inocente útil nessa história".
E5: "Tem pessoas que tem esse reconhecimento, mas a maioria das vezes é difícil
reconhecer o suporte, você é meio criticado por colocar essa pessoa no trabalho
científico. Eu sinto muito essa pressão".
E2: "Tem um outro programa, também, de avaliação dentro das unidades da
Embrapa, que é um sistema predatório, e só estimula a predação. As unidades
estão preocupadas em fazer pontos, para se ratear cada vez mais dentro da
Embrapa".
E3: "Essas avaliações no meu modo de ver, elas têm uma série de, ou tiveram e
ainda continuam tendo, imperfeições, vamos dizer assim. Às vezes você acaba
julgando muito a qualidade, mas você não está julgando o resultado."
Avaliação de
E4: "Você vê, às vezes essa coisa do SAAD (Sistema de Acompanhamento e
Desempenho das
Avaliação do Desempenho), NIA (Nota de Impacto da Atividade – processo do
unidades e
SAAD), às vezes você tem uma função que leva o NIA lá em baixo. Você sabe que
individuais
é importante e o próprio chefe fala "Não...Isso aqui é muito importante!!!", mas o
NIA tá lá em baixo. Na atividade (X) a gente tem uma demanda enorme, mas não é
valorizado, então o chefe pode até falar que valoriza, mas não faz esforço para
colocar o NIA mais em cima, então acaba desestimulando um pouco a pessoa".
E5: "E tem essa história do NIA que é a coisa mais maluca do mundo. O que é que
é isso? As coisas mais importantes na unidade que estão no PDU da unidade tem
NIA baixo. Então você não é estimulada a fazer".
Esta categoria representa como se dão às relações sociais no ambiente laboral. O
relacionamento com os superiores é percebido como satisfatório. Entre os pares o
relacionamento é ambivalente, pois se agrupam para atingir metas e objetivos, mas de modo
geral mostra-se conflituoso, competitivo e formal, haja vista a formação de dois grupos bem
distintos, o dos mais antigos e o dos mais recentes na empresa. O sistema de avaliação da
unidade e de desempenho contribui sobremaneira para estimular este distanciamento. Já com
126
o pessoal de suporte à pesquisa os relacionamentos quase não acontecem e quando existem,
de modo geral não é satisfatório.
Categoria 4P:
Eu me sinto feliz no trabalho, gosto da Embrapa.
Definição: O trabalho, na maior parte das vezes, é visto como sendo importante para a organização e
para a sociedade, há gratificação e reconhecimento da empresa, principalmente pelo status do cargo
que ocupam. O trabalho é dinâmico e flexível, o que permite liberdade para criar e decidir, pois não há
rigidez nem mesmo de horário de trabalho. A empresa investe muito em capacitação e na segurança de
emprego. Sentem-se incomodados e “cansados” quando algum tipo de atividade que realizam, não é
suficientemente valorizada pela chefia, pares ou sociedade ou quando são “cobrados” por atividades
que discordam ou não gostam de realizar. Alguns se sentem também desvalorizados por desenvolver
as mesmas atividades que seus pares e terem um salário menor.
Temas
Exemplos de Verbalizações
E5: "Eu me sinto feliz no trabalho, gosto da Embrapa".
E1: "Então, isso está permitindo que a indústria nacional de sementes tenha uma base
boa de competição com as multinacionais. Porque, senão... o financiamento das
pesquisas seria complicado... então, isso é gratificante, a gente poder ajudar todos
esses arranjos que estão sendo montados, na atuação da iniciativa privada".
E3: "E eu tive a oportunidade de ter o luxo de poder escolher o local de trabalho. E eu
acredito que pra qualidade de vida você tem que conhecer as pessoas, com quem você
trabalha.”
E3: " É uma tarefa que você pode dar conta e você pode crescer, ou dar sugestão...
Não é aquilo que os outros determinam que é melhor qualidade de vida. Você decide
seus padrões."
E3: "A inovação hoje está mais presente porque não é fazer pesquisa por pesquisa. É
você fazer uma pesquisa e saber o que ela vai, qual o efeito social, econômico,
ambiental que ela vai fazer. É uma coisa que está muito mais direcionada. Hoje o
pesquisador tem que direcionar mais, ele não está... era mais livre, hoje não quer dizer
que não é livre, mas hoje ele tem uma direção, um foco maior, as unidades querem
mais isso. Então, essa lei de inovação... Essa definição de inovação... Eu não posso
entender que se você quer que as pessoas cada vez mais sejam criativas, você tem que
Gratificação trabalhar num ambiente que tenha mais flexibilidade, ambiente que tem mais
Reconheci agilidade, que tem mais confiança mútua. Pra você ser criativo. E o pesquisador
mento
também pra procurar inovação, ele tem que estar num ambiente propício pra isso."
Liberdade/ E4: "O que eu acho muito interessante é que a Embrapa te dá flexibilidade no trabalho
Autonomia em geral, não é um trabalho muito rígido, você consegue colocar um pouco do que
Segurança
você quer, trabalhar com atividades bem prazerosas, em termos de serviço você
Criatividade/ consegue atuar melhor, e isso é muito importante".
Inovação/
E4: "A gente não é demandado por turnos, é por atividades e resultados, a gente tem
Flexibilidade um pouco mais de flexibilidade de horas de chegar cedo, chegar até um pouco mais
tarde, tem aquela coisa que você ta aqui para a pesquisa, não tem porque ter um
esquema muito vigiado de horário, então isso facilita, isso te dá uma tranqüilidade
para trabalhar".
E5: "Eu acho que a Embrapa é uma mãe".
E5: "Mas achei prazeroso trabalhar com as pessoas e estou sendo bem reconhecida no
trabalho que faço".
E5: "Nunca recebi um tipo de... às vezes trabalho errado, pisei na bola, mas nunca
recebi nenhuma reprimenda, acho que todo mundo sabe que estou tentando fazer o
melhor".
E5: "E foi a Embrapa que me fez me sentir cidadã, uma pessoa que tem carteira
127
Frustração
Perda de
Status
Insegurança
Desvaloriza
ção
assinada, que pode fazer planos pro futuro".
E5: "Eu acho que a empresa dá uma possibilidade da pessoa crescer. Eu fiz vários
cursos, mas ia atrás".
E1: "E aí, eu já não estava mais vendo o desafio, que eu gosto de desafio".
E2: "E nós temos pesquisadores que trabalham há quinze, vinte anos, que passaram
uma vida laboral toda na Embrapa, e não fizeram pesquisas. Tem pesquisadores em
funções seríssimas, eu me coloco entre eles, e ninguém me perguntou o quê que eu fiz.
Eu estou me aposentando, e ninguém me perguntou o quê que eu fiz como
pesquisador. A pessoa não tem seu projeto acompanhado. Então, isso todo cria um
clima, que não é um clima confortável. O cidadão entra na Embrapa, e a Embrapa não
pergunta nem cobra qual o produto que ele vai oferecer".
E3: "E muitas vezes a gente fica um pouco... porque não pode tomar decisão sem
primeiro escutá-lo em determinadas coisas (chefe)."
E4: "Gostaria de falar sobre o sistema de valorização daqui. Acho que a Embrapa
perde um pouco em termos de valorização das funções das pessoas. Ao mesmo tempo
que tem um discurso que quer valorizar, quer estimular, na prática se vê que ta
deixando meio de lado um pouco isso".
E5: "Acho que até janeiro vão colocar o crachá (ponto eletrônico) e eu não sei como
vai ser isso, a catraca eu vou ter que trabalhar de madrugada. Em vez de trabalhar em
casa, eu venho pra cá".
E5: "Eu sofro é sempre com esse rigor. Mas é muito mais uma coisa minha de
trabalhar no serviço público, que realmente exigem algumas coisas...vai dando uma
certa canseira".
E5: "Isso incomoda. Essa dualidade que a gente convive, incomoda, é o que me faz ir
pra casa pensando se eu to no lugar certo, será que é isso mesmo, e quando eu vou
conversar com as pessoas, os agricultores, me cobro essa posição, e fica dividido”.
E5: "Tem hora que a gente dá o sangue absurdo aqui pra isso e essa casta é
reconhecida... a gente é meio... substituto sempre dessa casta, a gente é sempre o outro
quando não tem essa casta, estou vivendo esse momento agora, assim, dificuldade
mesmo, do reconhecimento da gente".
E5: "E você está ali, substituta eterna dessas pessoas (chefia). Às vezes você ganha
um afago na cabeça, porque às vezes você trabalhou bem, então ah, vou botar seu
nome aqui no quarto autor. Às vezes você teve um trabalhão e tal, mas porque ele vai
te colocar como titular do projeto se é ele que aprova o projeto? Quer dizer, a coisa é
perversa, a história é perversa. Sem te chamar muitas vezes. Muitas vezes você não
concorda com a forma, muitas vezes você leva uma lambada, como já aconteceu
comigo".
Esta categoria indica os sentimentos de gratificação, reconhecimento e liberdade no
trabalho, bem como os de insegurança e desgaste. Mostra uma dualidade de reações frente à
organização do trabalho. Ao mesmo tempo em que constatam a grande valorização do
trabalho por parte da chefia, pares e sociedade, mostram sentimentos de insegurança e
desgaste quando se percebem diante de situações que podem provocar a perda do status ou da
liberdade já adquiridos ou quando se sentem usados pelos colegas.
128
Categoria 5P:
E não vou pro enfrentamento, raramente eu vou pro enfrentamento.
Definição: Para lidar com as dificuldades algumas pessoas tendem a não enfrentá-las, esquivando-se
dos problemas de modo direto ou acomodam-se às circunstâncias e procuram não se indispor com os
outros. Tentam se "disciplinar" para adaptar-se, mas sentem que isso os "trava". Outros mudam de
setor, assumem comportamentos de neutralidade, ou ainda, negam a própria responsabilidade para não
se sentirem culpados. Por vezes, para não se chatearem com recusas de outras pessoas, tendem a
realizar as atividades de modo solitário. Procuram investir nas relações interpessoais para darem um
"jeitinho" de conseguir que as coisas fluam, mas nem sempre obtêm sucesso.
Temas
Exemplos de Verbalizações
E5: "E não vou pro enfrentamento, raramente eu vou pro enfrentamento (...) o fato
é que o chefe (...) pra mim é um saco completo, e aí o que eu faço? Eu tenho uma
menina lindinha aí que está fazendo um trabalho comigo e é ela que conversa com
Evitação/
ele e consegue tudo com ele. Eu nem vou lá porque eu não consigo. Me trata como
se fosse um bebê, eu acho isso um saco".
Isolamento/
E1: "Eu sempre... sempre levei minha vida sem me indispor com a pessoa.
Conformismo/ Trabalho, mas não sou de brigar. Eu brinco...".
Acomodação/ E4: "Mas eu já estou mais conformado...(com o trabalho)".
E5: "As pessoas não querem pegar no pesado, eu já falo: pode deixar que eu faço.
Adaptação
Numa boa, né? Se a pessoa tiver um pouquinho de dificuldade pra fazer, eu não vou
buscar outra pessoa pra fazer, com certeza eu não faço isso bem, mas às vezes eu
fico muito sobrecarregada. Levo (trabalho) pra casa, levo estresse pra casa, me
chateio com algumas coisas".
E5: "Aqui tem uma demanda, mas a decisão não é minha. A decisão é de outra
Mudança/Neu pessoa. Então você não se sente culpado por um processo seu não estar
caminhando, porque você faz o melhor daquilo."
tralidade
E5: "Se é empresa de pesquisa, ela fica prejudicada (ir atrás de recursos). Se ela
remunera pra ir captar recursos e ela está satisfeita com isso, mesmo sabendo que
no final do ano eu não vou apresentar nenhum trabalho científico porque eu fiquei o
ano inteiro captando recurso, tudo bem. Se ela compreende isso tudo bem. Agora se
ela vier me cobrar o trabalho científico, vai ser complicado".
E5: "Mas tento levar isso (dificuldades) profissionalmente, eu tenho que fazer o
meu trabalho. Não importa de quem, pra quem".
Investimento em E5: "Aqui, eu gasto muito tempo naquela coisa de ter uma conversa... pra ter um
relações pessoais bom trabalho, pra ter respostas rápidas pra quando eu preciso de coisas rápidas. Eu
/ Dar um
já compreendi que meu ambiente de trabalho me exige isso".
"Jeitinho"
E5: "Gasto um tempo maior do que eu gastaria normalmente fazendo essa coisa da
relação, tomando cafezinho".
E5: "O que a gente tem que fazer é estar associando com os colegas, cada um
fazendo uma parte pra gente poder partir pra um trabalho em conjunto e publicar".
E5: "Tem que conviver. Eu sou a rainha do jeito. Eu dou um jeito. Às vezes eu
tomo um ferro danado, é um prejuízo doido, mas é isso aí".
E5: "O que eu percebo é isso, o tempo todo não há embate porque se houver
embate é sério. Nós vamos no jeitinho (com as pessoas) e muitas vezes não somos
atendidos porque o jeitinho às vezes não funciona, e... ".
Esta categoria refere-se às estratégias defensivas individuais e coletivas para enfrentar
o sofrimento e manter o bem-estar. Mostra que, de modo geral, as estratégias são basicamente
individuais, ou seja, a de não confrontar as dificuldades ou negar os fatos e circunstâncias.
Preferem mudar de setor ou acomodar-se e aceitar as situações para conseguirem se adaptar às
129
adversidades. A estratégia para conseguir burlar a organização do trabalho, dando um
"jeitinho" para que as coisas fluam com maior rapidez, se dá por meio do investimento em
relações pessoais.
4.2.3 Síntese dos resultados das entrevistas
São sintetizadas no Quadro 12 as 10 categorias obtidas com o pessoal da carreira de
Suporte à Pesquisa e com o pessoal da carreira de Pesquisa no presente estudo.
Carreira
Suporte à
Pesquisa
Categorias
1S – “A gente tem que dar conta de tudo”
2S – “As condições de trabalho não são boas“
3S – “Você sabe com quem você está falando?”.
4S – "É complicado. Tá achando que tá agradando e não está".
5S – "Procuro racionalizar para não deixar chegar no emocional”.
1P- “Você deixa muita coisa para fazer, tudo é pra ontem”.
2P - "Em geral acho que as condições de trabalho são tranqüilas, o
ambiente bem tranqüilo".
Pesquisa
3P - "O problema todo está nas relações interpessoais".
4P - "Eu me sinto feliz no trabalho, gosto da Embrapa".
5P - "E não vou pro enfrentamento, raramente eu vou pro
enfrentamento".
Quadro 12: Categorias das entrevistas individuais com pessoal das carreiras de Suporte à Pesquisa
e de Pesquisa
A relação entre as categorias das duas carreiras demonstra algumas diferenças e
semelhanças de percepção do contexto de trabalho e a influência deste nas vivências de prazer
e sofrimento, bem como as estratégias de mediação utilizadas pelas duas carreiras.
Os resultados quantitativos e qualitativos encontrados na pesquisa foram discutidos
com mais profundidade e à luz da teoria, na próxima seção.
130
5 Discussão dos resultados
Neste capítulo foram discutidos os resultados encontrados na pesquisa, à luz do
arcabouço teórico desenvolvido pela literatura pertinente à Ergonomia da Atividade e à
Psicodinâmica do Trabalho, considerando-se o objetivo geral deste estudo, que foi verificar se
existiam diferenças na percepção de duas carreiras distintas de uma mesma organização, sobre
a influência que o contexto de trabalho exercia nas vivências de prazer e sofrimento.
5.1 Quantitativos
Ferreira e Mendes (2007) orientam que, ao se verificar a média dos fatores das escalas,
cada fator deve ser analisado em separado e em seguida, o conjunto, pode ser interpretado, a
depender dos níveis de avaliação que predominaram, como satisfatórios, críticos e graves.
Afirmam que "satisfatório" significa um resultado positivo e produtor de prazer no trabalho,
aspecto a ser mantido e consolidado no ambiente organizacional; "crítico" é um resultado
mediano, indicador de situação-limite, potencializando o custo negativo e o sofrimento no
trabalho, sinalizando estado de alerta e "grave" é um resultado negativo e produtor de custo
humano e sofrimento no trabalho, preditor de forte risco de adoecimento (FERREIRA;
MENDES, 2007).
Segundo Ferreira e Mendes (2007), para se interpretar a média dos fatores do Contexto
de Trabalho, devem ser considerados os seguintes parâmetros: acima de 3,7 = avaliação mais
negativa, grave; entre 2,3 e 3,69 = avaliação mais moderada, crítico; e abaixo de 2,29 =
avaliação mais positiva, satisfatório.
Já os parâmetros para os resultados dos fatores gratificação e liberdade, relativos à
vivência de prazer são: acima de 4,0 = avaliação mais positiva, satisfatório; entre 3,9 e 2,1 =
avaliação moderada, crítico; abaixo de 2,0 = avaliação para raramente, grave. Para os fatores
desgaste e insegurança, relativos às vivências de sofrimento são: acima de 4,0 = avaliação
mais negativa, grave; entre 3,9 e 2,1 = avaliação moderada, crítico; abaixo de 2,0 = avaliação
menos negativa, satisfatório.
Quando calculadas as médias dos fatores de contexto de trabalho, os resultados
apresentaram-se entre 2,3 e 3,69, indicando uma avaliação mais moderada (crítico), tanto para
o pessoal da carreira de suporte quanto para o da carreira de pesquisa.
Com tais resultados apresentados nas médias dos fatores da escala de contexto,
realizou-se uma análise mais aprofundada dos itens dos fatores, com o intuito de se obter um
131
quadro mais detalhado, para a compreensão de o porquê esses valores se mantinham no
parâmetro moderado.
Foram identificados os itens "o ritmo de trabalho é acelerado" (M = 3,81; DP = 0,81) e
"a cobrança por resultados é presente" (M = 3,91; DP = 0,80) com os valores mais críticos.
Estes itens são constantes do fator organização do trabalho. As condições de trabalho foram
percebidas como satisfatórias e as relações socioprofissionais como moderadas.
Assim, o resultado moderado encontrado na média da escala de contexto, mostrou-se
como um indicador de situação-limite, ou seja, o contexto encontrava-se mediado por
estratégias operatórias individuais e coletivas que, de acordo com Ferreira e Mendes (2003)
são elaboradas para responder à diversidade de exigências existentes nas situações de trabalho
e reduzir a dimensão negativa do custo humano vivenciado pelos trabalhadores.
Nos testes "t" em relação às carreiras de pesquisa e de suporte à pesquisa e as duas
escalas, os pesquisadores apresentaram escores maiores na escala de contexto, indicando que
o pessoal da carreira de pesquisa percebeu mais negativamente o contexto de trabalho. Na
análise de variância multivariada, não foram encontradas diferenças significativas entre os
dois grupos estudados em relação aos fatores agrupados do contexto de trabalho.
Quando calculadas as médias dos fatores das vivências de prazer e sofrimento, os
resultados para o fator gratificação apresentaram-se como moderado (critico) para o pessoal
de suporte e positivo (satisfatório) para o pessoal de pesquisa. Quanto aos fatores liberdade e
desgaste, os resultados mostraram-se moderados (críticos) para as duas carreiras. Já para o
fator insegurança, as médias apontaram avaliação menos negativa (satisfatória) para os
empregados das duas carreiras.
Estes dados mostraram a utilização adequada das estratégias de mediação e
corroboraram a abordagem da Psicodinâmica que indica que as vivências de prazer e
sofrimento são enfrentadas mediante estratégias de mediação individual ou coletiva, que
variam de acordo com o contexto de trabalho de cada categoria profissional (DEJOURS,
1987, 2007; FERREIRA; MENDES, 2003; MENDES, 2007).
Vale lembrar que o uso das mediações não faze com que o prazer prevaleça sobre o
sofrimento. O sofrimento é real, mesmo que de maneira moderada e residual, necessitando ser
mitigado por meio das estratégias de defesa.
Assim, para os fatores liberdade e desgaste que se encontravam no nível moderado
(crítico) para as duas carreiras, pôde-se concluir que provavelmente as estratégias de
mediação do sofrimento, estavam se mantendo de modo equilibrado.
132
Para a escala de prazer e sofrimento no trabalho, também foram realizadas análises
mais aprofundadas dos itens. Foram identificados os itens "sinto-me ameaçado de demissão"
(M = 1,39; DP = 0,82); "tenho receio de ser demitido ao cometer erros" (M = 1,81; DP =
0,97) e "sinto-me inseguro diante da ameaça de perder meu emprego" (M = 1,84; DP = 1,06)
com os resultados mais satisfatórios. Posto que a Embrapa é uma empresa pública e que,
embora seja regida pela CLT, raramente os empregados são demitidos, estes resultados já
eram esperados.
Para o fator gratificação, os seguintes itens foram preponderantes para a diferença de
resultados encontrados entre os dois grupos: "sinto-me identificado com as tarefas que
realizo" (suporte à pesquisa M = 3,80; DP = 0,92 / pesquisadores M = 4,23; DP = 0,68); "sinto
disposição mental para realizar minhas tarefas" (suporte à pesquisa M = 3,96; DP = 0,75 /
pesquisadores M= 4,21; DP = 0,61) "meu trabalho é gratificante" (suporte à pesquisa M =
3,73; DP = 0,91 / pesquisadores M = 4,13; DP = 0,69) "meu trabalho é compatível com as
minhas aspirações profissionais" (suporte à pesquisa M = 3,4; DP = 0,09 / pesquisadores M =
4,05; DP = 0,77).
Os testes "t" realizados entre os fatores e as duas carreiras, confirmaram os achados
encontrados nas médias dos fatores e indicaram que o pessoal da carreira de pesquisa
vivenciou mais sentimentos de gratificação do que o pessoal da carreira de suporte. Não
foram encontrados escores significativos nos fatores constituintes da escala de sofrimento em
relação às duas carreiras.
Os cálculos das correlações também corroboraram os achados nas médias e testes "t"
nos fatores avaliados na escala de prazer e sofrimento, sendo que o fator gratificação mostrou
correlação positiva entre o fator liberdade e correlações negativa entre o fator insegurança.
Em contrapartida, os resultados indicaram não haver correlação significativa entre as duas
carreiras e os fatores liberdade, desgaste e insegurança, indicando uma percepção
indiferenciada destes fatores pelos empregados das duas carreiras.
Assim como os demais testes, a análise de variância multivariada (MANOVA),
mostrou diferenças significativas entre os dois grupos avaliados e por meio da análise
univariada (ANOVA), que se prestou a identificar os fatores das vivências que melhor
explicavam os resultados da MANOVA, foi identificado que somente o fator gratificação
apresentava diferença significativa entre os grupos.
Já o fator liberdade apresentou correlações negativas entre os fatores insegurança e
desgaste e o fator insegurança apresentou relação linear positiva entre o fator desgaste, o que
apenas confirma a relação dicotômica entre as vivências de prazer e sofrimento, pressuposto
133
da Psicodinâmica do Trabalho, apresentado na seção 2.4.
Para Ferreira e Mendes (2003), algumas características das vivências de prazer são a
de que elas se manifestam por meio da gratificação, da realização, do reconhecimento e da
valorização no trabalho, além disso, possibilitam a construção da identidade e a expressão da
subjetividade no trabalho que viabilize as negociações, a formação de compromisso e a
ressonância entre a realidade concreta de trabalho.
Para estes autores, os indicadores de gratificação são: sentimento de satisfação,
realização e orgulho de que o trabalho tem sentido e valor por si mesmo, de que é importante
e significativo para a pessoa, para a organização e para a sociedade.
Pelos resultados encontrados, pode-se concluir que os empregados da carreira de
pesquisa possuíam um maior sentimento de gratificação, haja vista a natureza do trabalho que
realizavam que lhes permitiam vivenciar sentimentos de orgulho pelo trabalho realizado e
identificação e compatibilidade profissional com as tarefas desenvolvidas.
Ao se comparar conjuntamente os resultados apresentados nas duas escalas, os testes
de correlação apontaram relações positivas significativas da escala EACT entre o fator
condições de trabalho, o fator relações sociais e o fator organização do trabalho para as duas
carreiras. Assim, os achados indicam que as três dimensões estudadas são relevantes na
percepção dos respondentes.
Mostraram relações lineares positivas também os fatores: condições de trabalho e
insegurança e desgaste; relações sociais de trabalho entre organização do trabalho,
insegurança e desgaste e entre organização do trabalho e gratificação, insegurança e desgaste.
Os dados corroboraram as abordagens teóricas da Ergonomia da atividade (seção 2.3)
e da Psicodinâmica do Trabalho (seção 2.4) que enfatizam que quanto piores as condições de
trabalho, as relações sociais e a organização do trabalho, maiores os sentimentos de
insegurança e desgaste.
Foram encontradas relações lineares negativas entre os fatores: condições de trabalho
e liberdade; relações sociais de trabalho, gratificação e liberdade e organização do trabalho e
liberdade. Os resultados indicaram, ainda de acordo com o arcabouço teórico apresentado, que
condições de trabalho ruins, relações sociais mal estabelecidas e uma organização do trabalho
divergente das expectativas apresentadas pelos empregados, interferem de modo significativo
nos sentimentos de liberdade, caracterizando a rigidez das normas e procedimentos e a
restrição para pensar, organizar e expressar sua individualidade (FERREIRA; MENDES,
2003).
134
Estes achados reforçam as pesquisas desenvolvidas por Mendes (1999), Ribeiro e
Mendes (2000), Diniz e Mendes (2000), Antloga (2003), Ferreira e Mendes (2001) e Mendes
e Tamayo (2001) que confirmaram a influência da organização do trabalho no prazersofrimento, tanto no que diz respeito aos aspectos da racionalidade do trabalho quanto dos
atuais paradigmas de organização do trabalho.
Não foi encontrada correlação linear significativa entre o fator relações sociais para as
duas carreiras e gratificação, ou seja, independentemente das relações de trabalho oferecidas
pela empresa, os empregados mantém os sentimentos de gratificação.
Silva, Campos e Mendes (2004) em pesquisa realizada com líderes religiosos
neopentacostais e tradicionais, apontaram resultados que ratificaram esses resultados,
concluindo que pode haver predominância de prazer em um contexto de trabalho
insatisfatório, embora existissem diferenças de estruturas e concepções de trabalho totalmente
diferentes, indicando que outras variáveis poderiam ter maior influência sobre as atividades.
Os resultados da MANOVA em relação à todos os fatores pesquisados e às duas
carreiras indicaram resultados significativos no que diz respeito ao objetivo geral deste
estudo, mostrando que existem diferenças de percepção entre duas carreiras distintas de uma
mesma organização sobre a influência que o contexto de trabalho exerce nas vivências de
prazer e sofrimento.
Em relação aos dados demográficos, identificam-se algumas diferenças para os fatores
constantes das escalas aplicadas.
Os sujeitos do sexo feminino perceberam diminuição do fator liberdade em relação aos
sujeitos do sexo masculino. Para Dejours (1999a), o prazer no trabalho é mais difícil de ser
alcançado pelas mulheres devido à dominação histórica e cultural do sexo masculino.
No que se refere ao estado civil, os casados têm melhores vivências de liberdade e
gratificação do que os solteiros e divorciados. Este dado também foi encontrado em pesquisas
realizadas por Antloga (2003) e Facas et al. (2004), que afirmaram que os casados, ao
contrário dos solteiros e separados, ao saírem do trabalho, encontram um meio propício para
elaborar as insatisfações oriundas do contexto de trabalho. Entretanto, seriam necessários
maiores estudos para corroborar estes achados.
Os empregados lotados nas unidades descentralizadas da empresa perceberam mais
negativamente o contexto de trabalho do que os lotados nas unidades centrais em todos os
fatores da escala de contexto e nos fatores insegurança e desgaste, embora percebessem mais
positivamente o fator gratificação, o que revelou que as unidades descentralizadas apresentam
mais sentimentos de mal-estar e de sofrimento do que as unidades centrais. Isto possivelmente
135
deveu-se ao fato de que, por estarem às unidades descentralizadas distantes do centro
decisório da Empresa e operando com planos diretores distintos, tinham dificuldade de acesso
à informação e a recursos que fluíam com mais facilidade na sede da organização.
Também em pesquisa realizada por Tillman (1996) com grupos de operários rurais, a
autora identificou que dentro de uma mesma empresa, em diversos grupos com atividades
similares, podem-se encontrar diferentes modelos de organização do trabalho. Essas
distinções são claramente percebidas pelos trabalhadores e cada um as interpreta de acordo
com a própria subjetividade.
Em relação aos empregados com e sem cargo de chefia, foram encontradas diferenças
de médias nos fatores organização do trabalho e gratificação, que indicaram que os
empregados com cargo de chefia possuíam melhor percepção sobre os indicadores de
organização do trabalho e vivenciavam mais sentimentos de prazer. Posto que, a priori, são os
gestores que definem questões sobre a organização do trabalho é esperado também que
vivenciem maior gratificação como sentimentos de satisfação, realização e orgulho de que o
trabalho tem sentido e valor por si mesmo. Estes escores se deveram também, possivelmente,
ao fato de estarem em uma posição mais confortável em relação à empresa em termos
financeiros, de progressão na carreira, de conhecimento do ambiente e das pessoas com as
quais se relacionavam.
Estes resultados confirmaram os dados obtidos em estudos anteriores conduzidos por
Diniz e Mendes (2000), que realizaram pesquisa com chefes e não chefes de uma instituição
pública, observando que a vivência de sofrimento é mais representativa em profissionais que
não exercem função de chefia.
Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994) também afirmam que quanto mais se sobe na
hierarquia das empresas, mais há lugar para o prazer e para o sujeito.
Os resultados positivos na correlação entre os fatores de prazer e idade revelaram que
quanto maior idade possuíam os respondentes, mais estes vivenciavam sentimentos prazer,
assim como também no fator insegurança (conotação negativa), foi encontrada correlação
positiva, mostrando que quanto maior a idade, menor o sentimento de insegurança. Estes
dados permitiram concluir que o aspecto cultural de se valorizar mais as pessoas com menor
idade, não foi percebido pelos respondentes. Vale lembrar que a empresa era de caráter
público e incentivava o desenvolvimento profissional, fator este que corroborou a diminuição
dos sentimentos de insegurança em relação ao aumento da faixa etária.
Facas et al. (2004), que realizaram estudos com empregados terceirizados do setor
bancário, em seus achados, confirmaram estes dados.
136
Os escores encontrados no teste "t", quanto ao contexto de trabalho, quando
comparou-se empregados com tempo de empresa entre um e cinco anos e entre vinte e um e
vinte e cinco anos (valores extremos da escala), foram significativos nos fatores gratificação,
liberdade e insegurança, o que mostrou que os empregados mais antigos na empresa
vivenciavam mais prazer do que os empregados mais recentes. Alguns destes resultados
foram também corroborados no cálculo da correlação entre estes fatores. O fator insegurança
revelou correlação negativa entre tempo na empresa, entretanto, como o fator insegurança tem
conotação negativa, os dados mostraram que quanto mais tempo na empresa os empregados
possuíam, o sentimento de insegurança diminuía. Pôde-se atribuir estes resultados ao fato de
ser a organização uma empresa pública, que dificilmente desligava os empregados de carreira
do quadro de pessoal, o que diminuía a insegurança quanto à permanência no cargo.
Os resultados das correlações entre os fatores liberdade, gratificação e insegurança
indicaram correlações significativas entre tempo no cargo (para empresas públicas cargo e
função têm conotação distinta. Consecutivamente, o primeiro refere-se à carreira e o segundo,
às funções de chefia), ou seja, quanto maior tempo no cargo possuíam os respondentes, mais
estes vivenciavam sentimentos prazer e menos insegurança sentiam.
Os resultados referentes a tempo de empresa, tempo no cargo e alguns referentes à
idade foram contraditórios em relação à pesquisa realizada por Facas et al. (2004), que
realizaram estudos com empregados terceirizados do setor bancário. Para estes pesquisadores,
quanto maior a idade do trabalhador, menor a vivência de liberdade, quanto ao tempo de
empresa, a liberdade e a realização profissional diminuíam com o passar dos anos e quanto ao
tempo no cargo, a falta de reconhecimento aumentava.
Os resultados quantitativos obtidos indicaram a influência do contexto de trabalho nas
vivências de prazer e sofrimento e predominância da presença de vivências moderadas de
prazer e sofrimento. Concluiu-se, mediante os dados apresentados, que os empregados da
empresa poderiam estar utilizando estratégias defensivas, como a negação, racionalização e a
compensação para lidar com o sofrimento e manter a integridade física, psíquica e social.
A diferença de percepção dos empregados da carreira de suporte à pesquisa e dos
empregados da carreira de pesquisa quanto à influência do contexto de trabalho nas vivências
de prazer e sofrimento também foram identificadas.
137
5.2 Qualitativos
Na análise dos dados qualitativos, ao comparar-se a relação entre as categorias das
duas carreiras, foram identificadas diferenças e semelhanças de percepção do contexto de
trabalho e a influência deste nas vivências de prazer e sofrimento, bem como as estratégias de
enfrentamento e mediação do sofrimento, utilizadas pelos sujeitos.
Quanto à organização do trabalho no que tange aos aspectos de fluxo, normas,
procedimentos e rotinas, nas categorias 1S – “A gente tem que dar conta de tudo” e 1P- “Você
deixa muita coisa para fazer, tudo é pra ontem”, percebeu-se que para os empregados da
carreira de suporte, a demanda era grande e rígida, com uma rotina bem definida. Já para os
pesquisadores, a demanda também era grande, porém existe maior flexibilidade na
organização das tarefas. Ambas as carreiras indicaram que o fluxo de trabalho era
comprometido pelo excessivo número de procedimentos burocráticos e pela falta de diretrizes
consistentes, que norteassem o planejamento das tarefas.
A carga psíquica do trabalho ou custo humano do trabalho tem relação com o
conteúdo significativo do trabalho, portanto, os componentes da carga de trabalho são
responsáveis por manifestações de saúde, prazer e sofrimento físicos e psíquicos (WISNER,
1994; ABRAHÃO, 1993).
Em relação a categorias que possuem mais autonomia e espaço para criar frente à
organização do trabalho e outras que não, os achados de Mendes (1995), Mendes e Linhares
(1996) e Mendes e Abrahão (1996) indicaram que o prazer é vivenciado quando o trabalho
favorece a valorização e reconhecimento, especialmente, pela realização de uma tarefa
significativa e importante para a organização e a sociedade. O uso da criatividade e a
possibilidade de expressar uma marca pessoal pelo uso desta, também são fontes de prazer e,
ainda, o orgulho e admiração pelo que se faz, aliados ao reconhecimento da chefia e dos
colegas. Tais pesquisas revelam que situações de medo e de tédio são responsáveis pela
emergência do sofrimento, que se reflete em sintomas como a ansiedade e a insatisfação,
situações estas também identificadas nos dois grupos sujeitos desta pesquisa.
Nestes dois grupos, percebeu-se a existência de uma organização rígida do trabalho,
pautada por normas e regras que podem cercear os sentimentos de gratificação e de liberdade
e levar ao trabalho fatigante, ao sofrimento e consequentemente, ao adoecimento.
No que se refere às condições de trabalho, os resultados indicaram diferenças entre as
duas carreiras, o que demonstram as categorias 2S – “As condições de trabalho não são boas“
e 2P - "Em geral acho que as condições de trabalho são tranqüilas, o ambiente bem tranqüilo".
138
Para os pesquisadores as condições são boas e o ambiente é tranqüilo e para o
suporte, o ambiente físico é barulhento, quente e inadequado, sendo que os equipamentos não
atendem às necessidades de trabalho e às de segurança. Assim, identificou-se que havia
elementos que interferiam negativamente no bem-estar do pessoal de suporte à pesquisa,
assim como havia elementos que denotavam satisfação com as condições de trabalho por
parte do pessoal de pesquisa.
As condições de trabalho são tidas como elementos estruturais de suporte ao posto de
trabalho. De acordo com Ferreira e Mendes (2003), a precariedade das condições de trabalho
gera sentimentos de indignação, insatisfação, inutilidade e desvalorização nos operários, que
constituem indicadores de sofrimento. Quando as condições de trabalho não são satisfatórias
problemas como desgaste físico, cansaço intenso, desmotivação e vivências de mal-estar no
trabalho podem ocorrer. Assim, quanto mais precárias as condições, maior o sofrimento no
trabalho e o risco à saúde, o que pode interferir negativamente na qualidade de vida no
trabalho.
Porém, quando suficientes, são de certa forma estruturantes psíquicas para que o
funcionário possa trabalhar. É uma forma de valorização do trabalhador, como se ele tivesse
um valor para a organização. E é esse sentimento de valia que faz das condições de trabalho
um elemento estruturante do trabalho (FERREIRA; MENDES, 2003).
Pesquisa realizada por Rocha (2003) identificou, em estudo com bancários acometidos
de Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (LER/DORTS), que o ambiente
para realização da atividade era inadequado, tendo em vista a existência de ruídos, gavetas
pesadas, desconforto térmico. Isto favoreceu um quadro de sofrimento no trabalho.
Também Ferreira e Mendes (2003), em estudo com auditores fiscais, corroboraram os
achados quando observaram que frequentemente as condições de trabalho desses profissionais
eram precárias. Esta falta de apoio institucional, segundo os pesquisadores, gerava um
aumento do custo humano do trabalho.
Para Ferreira e Mendes (2003), a construção de modos de trabalho com vistas a dar
conta da discrepância entre o prescrito e o real pode funcionar como mecanismos defensivos
de negação do sofrimento, podendo gerar uma não-reação diante das condições de trabalho.
Segundo os autores, se não houver melhoria das condições de trabalho, bem como a
organização do trabalho com a finalidade de evitar o uso excessivo de estratégias, no futuro
podem aparecer distúrbios graves de saúde.
As relações socioprofissionais são identificadas nas categorias 3S – “Você sabe com
quem você está falando?” e 3P - "O problema todo está nas relações interpessoais". Para o
139
pessoal de suporte à pesquisa, o relacionamento era visto como distante e formal. Existiam
casos de discriminação em relação ao tempo de trabalho, titulação e à ocupação funcional
dentro da empresa, principalmente por parte do pessoal da carreira de pesquisa, o que
acarretava sentimentos de menos-valia, caracterizando o sofrimento. Para os pesquisadores
este fator também não se mostrava favorável, pois embora as relações travadas com pessoas
que ocupavam cargo de chefia fossem boas, mostrava-se desfavorável quando se dava entre
os pares, indicando conflitos, competitividade exacerbada e formalismo. Havia indicação de
que os sistemas de avaliação de desempenho da empresa contribuíam com este status quo.
As verbalizações revelaram que a relação com a chefia era considerada satisfatória,
entretanto, com os pares, as relações encontravam-se comprometidas nas duas carreiras,
acarretando a inexistência de um suporte socioafetivo, essencial para a construção do coletivo
de trabalho. Havia manifestações de individualismo e conflitos no modo de gestão do
trabalho, denotando relações socioprofissionais desarticuladas.
Na unidade a gente tem mais dificuldade de relacionamento com o público interno.
O relacionamento é difícil com relação aos pesquisadores. Mesmo não sendo isso
uma prática geral, quando o relacionamento não é bom, mesmo sendo pouco ele
afeta muito.
No contexto de trabalho (DEJOURS, 2004c), o conteúdo das tarefas e a qualidade das
relações com os pares e a hierarquia podem ser fonte tanto de prazer quanto de sofrimento
para o trabalhador.
Dejours, Dessors e Desriaux (1993) indicam que o hiato entre a organização prescrita
e a organização real do trabalho pode tornar-se fontes geradoras de desconforto e angústia
para os trabalhadores e, como defesa contra estes sentimentos, eles encobrem os ajustamentos
realizados pelo segredo, pelo sigilo sobre os modos operatórios adotados por cada uma das
equipes. Esta tática defensiva do segredo no mesmo local de trabalho provoca desconfiança,
entre os próprios trabalhadores, deteriorando a atmosfera e as relações de trabalho e, em
última instância, acaba fragilizando as próprias bases da cooperação.
Para Dejours (1999), a dinâmica de reconhecimento só é possível, se no coletivo de
trabalho houver cooperação e confiança. Se as relações estão enfraquecidas, extingue-se esta
possibilidade. O reconhecimento, mesmo que seja por meio de estratégias defensivas,
prescinde de cooperação e é corroído pela competição.
Tanto para Dejours (2004) quanto para Ferreira e Mendes (2003), as relações
socioprofissionais são essenciais para se construir um coletivo de trabalho ocorrendo assim a
140
promoção da dinâmica do reconhecimento no trabalho, dinâmica esta que permite a
transformação do sofrimento em prazer e que mantém a integridade biopsicossocial do
trabalhador. Sendo assim, o individualismo é tido como desestruturante psíquico.
Segundo Dejours (2005, 2007), quando as relações subjetivas com o trabalho são
desarticuladas, o trabalho perde o sentido e surge o sofrimento no trabalho. Esse sofrimento
está relacionado à desestabilização das relações de solidariedade, muitas vezes relativas aos
processos de avaliação de desempenho.
Algumas verbalizações citadas, confirmaram estes aspectos abordados pelo autor.
Tem um outro programa, também, de avaliação dentro das unidades da Embrapa,
que é um sistema predatório, e só estimula a predação. As unidades estão
preocupadas em fazer pontos, para se ratear cada vez mais dentro da Embrapa.
O que eu sinto um pouco que o próprio SAAD (Sistema de Acompanhamento e
Avaliação do Desempenho), ele acabou gerando uma competição, aí você, poxa...Às
vezes tem uma pessoa, que as vezes você faz um a coisinha...né? Que gera alguns
atritos, às vezes tá fazendo, acho que por conta que tem meio uma competiçãozinha,
então eu acho que o sistema atual está gerando uma competição entre os
pesquisadores da mesma unidade, como também entre unidades diferentes. Algum
tempo atrás, tinha muita gente que tinha o "nariz muito empinado", então cria até
um certo ranço, que ainda meio que existe.
Quando existe uma predominância da compatibilidade entre tarefa prescrita e
atividade real, ou uma flexibilidade na organização do trabalho que permita a negociação ou
ajustamento do sujeito às condições adversas da situação, tem lugar vivências de prazer, caso
contrário, imperam as vivências de sofrimento (FERREIRA, 2003).
Ferreira e Mendes (2003) definem o prazer como uma vivência individual ou de um
grupo de trabalhadores de experiências de gratificação oriundas da mediação entre as
necessidades do indivíduo e as exigências do contexto de trabalho. Em contrapartida, o
sofrimento é uma vivência de sentimentos dolorosos como angústia, medo e insegurança
provenientes dos conflitos entre o indivíduo e o contexto de trabalho.
Mendes (2004) sintetiza que o prazer manifesta-se por meio de sentimentos de
gratificação, orgulho e identificação com determinado trabalho que atenda às necessidades
profissionais, sentimento de estar livre para pensar, organizar e falar sobre o trabalho.
Enquanto que o sofrimento se expressa por sentimentos de desânimo, cansaço, ansiedade,
frustração, tensão emocional, sobrecarga, estresse no trabalho e sentimento de incompetência
diante das pressões para atender as exigências de desempenho e produtividade.
141
As vivências de prazer e sofrimento, oriundas do contexto de trabalho, puderam ser
identificadas nas categorias 4S – "É complicado. Tá achando que tá agradando e não está” e
4P - "Eu me sinto feliz no trabalho, gosto da Embrapa". Tanto o pessoal de suporte à pesquisa
quanto o de pesquisa vivenciavam sentimentos de desvalorização, insegurança e frustração,
entretanto estes sentimentos mostraram-se mais acirrados no pessoal de suporte. Embora estes
últimos indicassem também sentimentos de gratificação, reconhecimento, liberdade,
autonomia e espaço para criar no contexto de trabalho, foram sentimentos menos expressados
do que em relação aos pesquisadores, onde se pôde inferir que as vivências de
reconhecimento e gratificação com o trabalho se sobrepõem às demais nesta última carreira.
Assim, o pessoal de suporte vivencia mais sofrimento enquanto o de pesquisa demonstra mais
sentimentos de prazer, haja vista a maior possibilidade de se realizar no trabalho,
desenvolvendo atividades prazerosas e que fazem sentido para eles.
Os estudos em Psicodinâmica do Trabalho constaram que o sofrimento é inerente à
relação do homem com o trabalho, estando presente em todas as situações da vida, como uma
conseqüência natural da frustração do desejo. Por outro lado, passaram a observar, também,
que as vivências de prazer e sofrimento não são excludentes entre si, sendo que normalmente
há uma predominância de uma sobre a outra. São poucas as situações em que os trabalhadores
vivenciam apenas prazer ou apenas sofrimento. Há, portanto, a presença de uma dicotomia de
possibilidades de vivências que nasce da interação com os contextos de trabalhos.
A dicotomia existente entre as vivências de prazer e sofrimento, de acordo com a
abordagem da Psicodinâmica, foi confirmada no contexto de trabalho estudado. Embora com
predominância de uma ou outra perante as duas carreiras estudadas, tanto vivências de prazer,
quanto de sofrimento foram identificadas nos dois grupos.
Foi encontrada predominância de vivência de sentimentos de sofrimento na carreira do
pessoal de suporte à pesquisa, ratificando os indicadores apontados, dentre outros autores,
também por Jayet (1994), para quem: as vivências de sofrimento aparecem associadas à
divisão e à padronização de tarefas com subutilização do potencial técnico e da criatividade;
rigidez hierárquica, com excesso de procedimentos burocráticos, ingerências políticas,
centralização de informações, falta de participação nas decisões e não-reconhecimento; pouca
perspectiva de crescimento profissional, dentre outros.
Os resultados encontrados na categoria 4S, pessoal da carreira de suporte à pesquisa,
foram consoantes com Barros e Mendes (2003), que investigaram as vivências de sofrimento
utilizadas por trabalhadores terceirizados de uma construtora, utilizando como referencial
teórico-metodológico a Psicodinâmica do Trabalho. Os resultados apontaram que o
142
sofrimento tornava-se visível por meio de indicadores de mal-estar tais como: desgaste físico
e mental e falta de reconhecimento.
Os resultados encontrados na categoria 4P, pessoal da carreira de pesquisa, foram
similares aos de Mendes e Abrahão (1996), em resultados empíricos obtidos em pesquisa
realizada com engenheiros de telecomunicação. Para as autoras, o prazer também é
vivenciado, quando o trabalhador sente reconhecimento e valorização, tendo em vista:
visualização dos resultados da produção; descentralização das decisões; autonomia técnica;
controle do processo produtivo; possibilidade de aprender e desenvolver-se profissionalmente
e liberdade de expressão.
Também corrobora, pesquisa realizada por Fook e Silva-Júnior (2004) em um estudo
sobre sofrimento psíquico com profissionais de transportes públicos coletivos. Concluíram
que, considerando-se a organização do trabalho no setor de transportes coletivos, era pequena
a incidência de sofrimento psíquico na população estudada. Sugeriram que os resultados
foram provenientes de um alto índice que indicava que os trabalhadores executavam
atividades das quais gostavam.
De acordo com a abordagem da Psicodinâmica do Trabalho (seção 2.4), o equilíbrio
psicodinâmico entre prazer e sofrimento (operador tanto da saúde quanto do adoecimento)
depende da margem de liberdade oferecida aos trabalhadores e da qualidade da dinâmica do
reconhecimento da contribuição pessoal que o sujeito dá à organização do trabalho.
Para Ferreira e Mendes (2003), as estratégias de mediação individual e coletiva
figuram como o modo construído pelos trabalhadores para dar conta da diversidade de
contradições presentes no contexto de trabalho, que podem resultar em sofrimento. Desse
modo, objetivam instaurar o predomínio de vivências de prazer e bem-estar e transformar o
contexto de trabalho, de maneira a assegurar a integridade física, psicológica e social. Nesse
sentido, observou-se que os empregados das duas carreiras pesquisadas, tenham construído
estratégias para enfrentar o sofrimento e manter a saúde.
Comparando-se às estratégias de mediação para enfrentar o sofrimento, nas duas
carreiras, por meio das categorias 5S – "Procuro racionalizar para não deixar chegar no
emocional” e 5P - "E não vou pro enfrentamento, raramente eu vou pro enfrentamento", não
foram encontradas estratégias de mobilização coletivas, embora um entrevistado da área de
suporte tenha se referido à “burla” e um entrevistado da carreira de pesquisa tenha citado o
“jeitinho”, indícios destas estratégias, mas que não foram suficientemente explicitados ou
corroborados pelos outros sujeitos, o que impossibilitou uma conclusão definitiva, posto que a
Psicodinâmica do Trabalho está fundamentada no pressuposto de que as estratégias de
143
mobilização coletiva são mais adequadas para o enfrentamento do que o confronto dos
resultados da inter-relação dos trabalhadores com o contexto de trabalho, haja vista que este
pode ser fonte de prazer ou de sofrimento e que, por sua vez, dependem das estratégias
utilizadas pelos trabalhadores para ressignificar o sofrimento e transformá-lo em prazer.
De acordo com Dejours (1993 a 2004), a saúde e o prazer no trabalho são processos
que estão sempre a ser conquistados, não estão em nenhum lugar adquiridos definidamente. A
conquista da saúde no trabalho passa, por conseguinte, pela forma como os trabalhadores
enfrentam a diversidade do contexto de trabalho. Assim, o uso de estratégias de mediação do
sofrimento é fundamental para a busca da saúde e o prazer no contexto de trabalho.
Foram identificadas estratégias de defesa individuais de modo indistinto nos dois
grupos, tais como racionalização, negação, evitação, acomodação, dentre outras e indícios de
enfrentamento direto da situação, mas apenas na carreira de suporte à pesquisa foram
encontrados relatos de adoecimento relativos ao contexto de trabalho.
Estratégias defensivas individuais também foram encontradas em pesquisas realizadas
por Mendes (1994,1996) e Mendes e Linhares (1996) que identificam que os indicadores de
comportamentos defensivos podem ser diferenciados em profissões específicas. Foram
verificados como indicadores de comportamentos defensivos a racionalização ou passividade
e aceitação diante do elemento que faz sofrer, o individualismo e trabalho solitário diante de
situações como falta de cooperação, de confiança, de compartilhamento de regras no grupo de
trabalho impulsoras de sofrimento.
Outras pesquisas realizadas por Vieira (2005), Resende e Mendes (2004) e Silva e
Mendes (2004), que investigaram as estratégias defensivas e de mobilização subjetiva de
enfrentamento do sofrimento, apontaram conclusões semelhantes às encontradas no presente
estudo, pois os resultados apontaram que para enfrentar o sofrimento são utilizadas defesas de
negação e controle por meio de mecanismos de racionalização e de compensação para lidar
com o sofrimento e manter a integridade física, psíquica e social.
Quanto à questão da "burla", Dejours, Dessors e Desriaux (1993) asseguram que a
contradição entre organização prescrita e organização real conduz a que os vários grupos de
trabalhadores elaborem maneiras variadas de burlar a organização prescrita e construir uma
ou várias organizações reais.
Para esses autores, situações de reajustes da organização do trabalho prescrito, que
implicam driblar os mecanismos de controle, tornam-se inevitáveis, mas são fontes geradoras
de desconforto e angústia para os trabalhadores. Como defesa contra estes sentimentos, eles
144
encobrem os ajustamentos realizados por meio do sigilo sobre os modos operatórios adotados
por cada uma das equipes. Esta tática defensiva do segredo no mesmo local de trabalho
provoca desconfiança entre os próprios trabalhadores, prejudicando o clima e as relações de
trabalho, o que se coaduna com as verbalizações refletidas nas categorias 3S e3P.
5.3 Quantitativos e qualitativos
Prazer e sofrimento no contexto de trabalho fazem parte de uma dinâmica própria à
vida. Sofrer pode ser também uma oportunidade para a obtenção do prazer, segundo a
abordagem da Psicodinâmica (seção 2.4). Contudo, como lidar com esse sofrimento é o que
definirá a tendência para uma descompensação ou equilíbrio psicológicos.
Os dados quantitativos e qualitativos apresentados neste estudo, reforçaram o período
de rápidas mudanças e adaptações que perpassam o mundo do trabalho e a consequente busca
de equilíbrio físico, psíquico e social que os empregados das empresas vêm enfrentando.
Ao comparar-se os dados quantitativos e qualitativos que foram coletados e
analisados, percebeu-se, em grande parte, similaridades e contradições entre ambos, talvez
fruto da contemporaneidade, mas com certeza confirmadas pelo arcabouço teórico da
Psicodinâmica.
Dejours (1987;1996, 1999a; 1999b, 2004, 2005; 2007), Dejours, Abdoucheli e Jayet
(1994), Mendes (1999; 2002; 2004; 2007), Ferreira e Mendes (2003) e outros estudiosos do
tema, concluíram que o trabalho, por si só, não é capaz de produzir desequilíbrios de ordem
física, psíquica e social. Além disso, constataram que as pessoas têm uma tendência natural a
buscar o prazer e evitar o sofrimento, mediante o desenvolvimento de estratégias (individuais
e coletivas), para atenuar a consciência do sofrimento.
Neste estudo, a dicotomia entre prazer e sofrimento se revelou em uma seqüência de
possibilidades de vivências que nascem da imersão do ser humano nos contextos de trabalhos
e a comparação entre os resultados dos dados quantitativos e qualitativos demonstraram esta
afirmação.
Em relação à escala do contexto de trabalho, os resultados apresentaram-se com média
moderada (crítica) para os dois grupos pesquisados, resultados semelhantes foram
encontrados por meio da MANOVA. Entretanto, pela análise do teste "t", foi possível
verificar que os pesquisadores apresentaram escores maiores nos fatores da escala de
contexto.
145
Analisou-se cada fator da escala de contexto separadamente. Para o fator condições de
trabalho, as médias localizadas no nível satisfatório também foram semelhantes para os dois
grupos, ou seja, permitia a manutenção do equilíbrio. O teste "t" identificou condições piores
para os pesquisadores neste fator, entretanto, a MANOVA não apontou diferenças
significativas.
O predomínio de indicadores que denotam percepção de condições no trabalho piores
para os pesquisadores, conforme ilustrado pelos dados quantitativos, é contraposto nos
resultados qualitativos, pois se pôde perceber que as condições de trabalho para o pessoal de
suporte à pesquisa são bastante insatisfatórias, eles manifestaram possuir um ambiente de
trabalho quente e barulhento, problemas de concentração em função da disposição do
mobiliário em “ilhas”, falta de equipamentos adequados e demora, em função de ausência de
verbas ou de burocracia, para a aquisição de material. Já os pesquisadores indicaram possuir
um ambiente de trabalho tranquilo e silencioso e os equipamentos necessários para suprir as
necessidades.
Quanto ao fator organização do trabalho, as duas carreiras apontaram médias
moderadas, com os itens "o ritmo de trabalho é acelerado" e "a cobrança por resultados é
presente" com os valores mais críticos. Porém também mais insatisfatórios aos pesquisadores
quando analisados os testes "t", embora sem diferenças significativas quando foram
analisados por meio da MANOVA.
A análise qualitativa confirma os resultados da quantitativa para os dois grupos
pesquisados. Tanto o pessoal da carreira de suporte, quanto o pessoal da carreira de pesquisa
verbalizaram haver um fluxo de trabalho grande, excesso de burocracia e indefinições nas
tomadas de decisão e diretrizes, que prejudicavam a fluidez das atividades.
O fator relações socioprofissionais no ambiente de trabalho revelou média moderada
para os dois grupos e resultados mais negativos para os pesquisadores no teste "t", mas sem
diferenças entre os grupos para a MANOVA.
Ao analisar-se os dados qualitativos, percebeu-se que as relações no ambiente laboral
estão mais comprometidas do que se apresentaram nos dados quantitativos. Para o pessoal de
suporte, os relacionamentos se davam de forma distante e formal. Sofriam discriminação em
relação ao tempo de trabalho, à titulação e à ocupação funcional dentro da empresa, o que
gerava sentimentos de desprezo e humilhação. Os trabalhadores se sentiam desgastados
emocionalmente em razão da falta de respeito e das grosserias constantes, embora houvesse
indícios de tentativa de mudança dessa situação por parte da organização.
146
Já os pesquisadores mostraram relações ambivalentes. Embora se agrupassem para
atingir metas e objetivos, existiam disputas profissionais no local de trabalho, nem sempre
veladas, entre dois grupos bem distintos de pesquisadores, o dos mais antigos e o dos mais
recentes na empresa. Os pesquisadores creditavam esta situação também ao sistema de
avaliação da unidade e de desempenho dos profissionais. Corroborando as verbalizações do
pessoal de suporte à pesquisa, os pesquisadores relataram que os relacionamentos com o
pessoal da carreira de suporte quase não aconteciam e quando existiam, de modo geral não
eram satisfatórios.
Em relação à escala de prazer e sofrimento no trabalho, os resultados apresentaramse, com média moderada (critica) para o pessoal de suporte e positiva (satisfatória) para o
pessoal de pesquisa para o fator gratificação, moderadas (críticas) para as duas carreiras nos
fatores liberdade e desgaste e as médias apontaram avaliação menos negativa (satisfatória)
para os empregados das duas carreiras no fator insegurança.
Assim, para os fatores liberdade e desgaste que se encontravam no nível moderado
(crítico) para as duas carreiras, pode-se inferir que provavelmente as estratégias de mediação
do sofrimento, estavam se mantendo de modo equilibrado. Para o fator insegurança, os itens
"sinto-me ameaçado de demissão", "tenho receio de ser demitido ao cometer erros" e "sintome inseguro diante da ameaça de perder meu emprego" foram preponderantes para o
estabelecimento dos resultados satisfatórios. Como os empregados são de um órgão público,
estes resultados já eram esperados. Também no teste "t", não foram encontrados escores
significativos nos fatores constituintes da escala de sofrimento em relação às duas carreiras,
sendo encontrados resultados diferenciados apenas no fator gratificação, mais favorável aos
pesquisadores.
Quanto ao fator gratificação, vale a pena deter-se mais nos resultados encontrados.
Em relação às médias, os seguintes itens foram preponderantes para a diferença de resultados
encontrados entre os dois grupos, onde as maiores médias foram para os pesquisadores:
"sinto-me identificado com as tarefas que realizo", "sinto disposição mental para realizar
minhas tarefas", "meu trabalho é gratificante" e "meu trabalho é compatível com as minhas
aspirações profissionais". Os testes "t" realizados entre os fatores e as duas carreiras,
confirmaram os achados encontrados nas médias dos fatores e indicaram que o pessoal da
carreira de pesquisa vivenciou mais sentimentos de gratificação do que o pessoal da carreira
de suporte. Também a MANOVA, confirmou esta diferença, revelando que somente o fator
gratificação apresentava diferença significativa entre os grupos.
147
Mediante os dados qualitativos, pôde-se inferir que tanto o pessoal da carreira de
suporte à pesquisa quanto o da carreira de pesquisa evidenciavam sentimentos de desgaste,
frustração, desvalorização, ansiedade e insegurança, bem como os de reconhecimento,
gratificação e liberdade no trabalho, mostrando uma dualidade de reações frente à organização
do trabalho. De certa forma, a maioria dos resultados quantitativos moderados encontrados
nas médias, confirmou os dados qualitativos.
Como afirma Dejours (1999b), o sofrimento é também resultante da falta de
reconhecimento, pois, o reconhecimento se dá por intermédio do julgamento de beleza e de
utilidade proveniente da chefia, pares de trabalho e comunidade. A falta de reconhecimento
por parte da empresa também aparece como outra fonte de sofrimento. Seligman-Silva
(1997), em estudo com ferroviários, identificaram, como neste estudo, sofrimento devido à
falta de reconhecimento, da desvalorização do trabalho, injustiça e perda de orgulho pelo
trabalho.
Os dados quantitativos apenas mediram o grau das diferenças significativas no fator
gratificação. Este resultado foi compreensível, haja vista a peculiaridade do conteúdo da
tarefa que os pesquisadores desenvolviam. Nem sempre o pessoal de suporte à pesquisa, por
motivos diversos, podia desenvolver atividades que se coadunassem com suas aspirações
pessoais e profissionais, como era o caso do pessoal da carreira de pesquisa. Junta-se a isso, o
fato de que a carreira de pesquisa fazia parte da área finalística da empresa, e, cultural e
economicamente, as empresas reservam investimentos maiores para as pessoas alocadas na
área fim da organização.
Algumas diferenças entre dados quantitativos e dados qualitativos encontradas,
puderam ser explicadas pelas técnicas de coleta utilizadas. A literatura da área aponta que, ao
se coletar dados por meio de questionário, há sempre o receio, por parte de um grande número
de respondentes, de que a empresa o identifique, mesmo garantindo-se de que este fato não
ocorrerá. Este receio pode mascarar, de alguma forma os resultados, pois os empregados
tendem a responder ao questionário de forma defensiva. Percebeu-se que de modo geral, este
não foi um agravante nos dados quantitativos pesquisados, mas pode ter influenciado na
discrepância de algum resultado encontrado.
Embora na pesquisa qualitativa os sujeitos também sejam identificados pelo
pesquisador, há uma permissão declarada do sujeito para que os dados sejam coletados e um
"contrato" entre entrevistado e pesquisador, de que a identidade do respondente não será
revelada.
148
Não se pretendeu aqui, valorizar mais uma técnica do que outra. Ambas foram
igualmente importantes para os resultados finais encontrados, posto que, a quantitativa
permitiu a coleta de dados sobre a percepção de uma população de maior tamanho e a
qualitativa, permitiu explorar outros aspectos não contemplados nos referidos instrumentos.
Exemplo preponderante destas afirmações calcou-se tanto na literatura da Ergonomia
da Atividade, quanto na da Psicodinâmica do trabalho, que compartilham pressupostos a
respeito de estratégias defensivas de mediação individuais ou coletivas e de mobilização
individual ou coletiva.
As escalas aplicadas, a não ser pela questão da reserva ao se expor à empresa,
anteriormente citada, não contemplaram as estratégias defensivas ou de mobilização utilizadas
pelas duas carreiras. Já nos dados qualitativos, puderam ser pesquisadas as estratégias
defensivas para transformar ou mitigar o sofrimento oriundo do contexto de trabalho.
Assim, reforça-se mais uma vez a necessidade de utilizarem-se duas técnicas distintas
de coleta de dados para que se possa traçar com mais fidedignidade, a descrição da realidade
dos fenômenos pesquisados.
Relevou-se ainda que, tanto os empregados da carreira de suporte quanto os da carreira
de pesquisa, de modo geral, utilizavam-se basicamente de estratégias individuais como
racionalização e negação. Algumas estratégias de mobilização coletiva chegaram a ser
explicitadas, como a "burla" à organização do trabalho, mas não foram tão contundentes para
que se pudesse afirmar, apenas pelos dados coletados, de que elas realmente atuavam no
coletivo de trabalho. Ressalta-se, entretanto, que a coleta de dados por meio de entrevistas
individuais e não coletivas, pode ter interferido sobremaneira na identificação de estratégias
coletivas.
As verbalizações, apenas do pessoal de suporte, relataram que, quando havia falhas
nas estratégias de defesa, surgiam casos de estresse, alcoolismo, Distúrbios Osteomusculares
Relacionados ao Trabalho (LER/DORT), dentre outros. Pôde-se inferir que os sentimentos de
gratificação mais exacerbados na carreira do pessoal de pesquisa, propiciando mais prazer do
que sofrimento, podiam estar minimizando a ocorrência de doenças profissionais como as
acima citadas. Esta afirmação contudo, carece de maiores pesquisas para a sua confirmação.
Quanto ao objetivo geral da pesquisa, de identificar se havia diferença de percepção
entre duas carreiras distintas de uma mesma empresa, quanto à influência no contexto de
trabalho nas vivências de prazer e sofrimento, os testes de correlação permitiram afirmar que
as variáveis tanto do contexto, quanto às de prazer e sofrimento, se influenciam umas as
outras, ou seja, todas as variáveis de contexto de trabalho investigadas, influenciam as
149
vivências de prazer e sofrimento, pois apresentaram correlações significativas. O teste
Manova, permitiu identificar que a influência de todos os fatores do contexto de trabalho nas
vivências de prazer e sofrimento foi percebida de modo significativo para os dois grupos, com
predomínio do fator gratificação.
Nos dados qualitativos, foram observadas controvérsias. Efetivamente os fatores do
contexto de trabalho influenciavam as vivências de prazer e sofrimento nos dois grupos,
entretanto, mesmo ao se considerar percepções e realidades distintas, havia diferenças
expressivas entre os dois grupos apenas em relação aos fatores condições de trabalho e o fator
gratificação.
De modo geral, após a verificação de todos os dados, prevaleceram ainda os
sentimentos de sofrimento aos de prazer, principalmente para o pessoal de suporte à pesquisa,
embora os sentimentos de prazer se mostrassem efetivamente presentes, mesmo que mediados
por estratégias defensivas que até à época da coleta dos dados, vinham mostrando-se eficazes.
Os dados encontrados foram na contramão da afirmação de Mendes e Tamayo (2001)
que apontam que o sofrimento dificilmente tem aparecido nas pesquisas como predominante
no contexto organizacional, o que pode ser explicado, também, pela necessidade inerente à
condição humana da busca constante do prazer e evitação do sofrimento.
Para Ferreira e Mendes (2003), a construção de modos de trabalho com vistas a dar
conta da discrepância entre o prescrito e o real pode funcionar como mecanismos defensivos
de negação do sofrimento, podendo gerar uma não-reação diante das condições de trabalho.
Segundo os autores, se não houver melhoria do contexto de trabalho com a finalidade de
evitar o uso excessivo de estratégias, no futuro podem aparecer distúrbios graves de saúde.
Os dados desse estudo também foram na mesma direção das afirmações de Dejours
(1994b, 1996) e Ferreira e Mendes (2003), que apontam para a interdependência das
dimensões do trabalho e o fato de as mesmas serem produtoras de prazer e sofrimento. A
prevalência de uma vivência, ou de outra, depende da maneira em que tal contexto de trabalho
é constituído e da relação que os trabalhadores estabelecem com este determinado contexto.
De acordo com os resultados, foi possível identificar a existência de prazer e
sofrimento influenciada pelo contexto de trabalho sob a perspectiva das duas carreiras
estudadas, o que confirma os estudos de Dejours (1994); Dejours et al. (1994); Mendes (1999,
2004); Ferreira e Mendes (2001, 2003), Morrone (2001); Antloga (2003); Pereira (2003);
Rocha (2003); e Vieira (2005), que afirmam ser o prazer-sofrimento um construto único e
dialético, resultado da inter-relação entre os trabalhadores e determinado contexto de trabalho.
150
Vale ainda serem citadas pesquisas que se coadunaram com os resultados encontrados,
tais como a realizada por Ribeiro, Leda e Mendes (2005), com profissionais de uma empresa
pública, que abordaram a influência da organização do trabalho na vivência de sofrimento. Os
autores enfatizaram que o sofrimento no trabalho estava relacionado à percepção da falta de
espaço na organização para inovar e criar, à execução de tarefas padronizadas e repetitivas e
à existência de relação confusa e conflituosa com a hierarquia.
Outra pesquisa importante foi a efetuada por Morrone e Mendes (2003) que investigou
o prazer e o sofrimento de trabalhadores em atividades informais sob o prisma da
Psicodinâmica do Trabalho. O objetivo foi analisar as relações entre as vivências de prazer e
de sofrimento, as características da organização do trabalho e a dinâmica do reconhecimento.
Os achados demonstraram características de flexibilidade da organização do trabalho
que favoreciam o prazer e a precariedade das condições de trabalho como elemento
provocador de sofrimento. Inferiram que esse sofrimento era enfrentado por estratégias
defensivas e ressignificado pela dinâmica do reconhecimento, que implicava a valorização da
atividade informal como alternativa para sobrevivência e para fazer face ao desemprego.
Concluíram que essa categoria profissional tentava encontrar caminhos para manutenção da
saúde ao utilizar mecanismos que favoreciam o enfrentamento do sofrimento e a busca do
prazer.
Como reflexão de todo a análise realizada, algumas considerações tornaram-se
relevantes.
A visão utilitarista do mundo do trabalho contemporâneo mostra uma nova amplitude
e uma necessidade premente de ressignificação do sentido que o trabalho assume para as
pessoas, elevada centralidade do trabalho, independente de seu conteúdo.
Morin (2001) e Morin, Tonelli e Pliopas (2003), fundamentadas em estudos empíricos,
demonstram que o trabalho, além de fonte de sustento, é um meio de se relacionar com
pessoas, se sentir como integrante de um grupo e da sociedade, para terem uma ocupação, um
objetivo a ser atingido na vida, relevando a assunção deste tanto em uma condição de
neutralidade quanto de centralidade na vida dos trabalhadores, assim como na sua
identificação com a sociedade.
Concluíram ainda que, um trabalho com sentido é aquele que realiza, satisfaz e motiva
o sujeito para a execução da atividade.
Esta ressignificação real ou simbólica ressuscita a necessidade de agregar-se mais
conhecimento à percepção e exposição de sentimentos que as pessoas vivenciam no contexto
profissional, posto que, cada vez mais precarizado, a manutenção do emprego em função da
151
necessidade de sobrevivência, acirra ainda mais as modificações de comportamentos e
mudanças de atitudes no ambiente laboral, que, se mal administradas tanto subjetivamente
quanto pela própria organização, podem levar ao desequilíbrio biopsicossocial.
As reflexões de Antunes (2002) sobre as concepções do trabalho contemporâneo,
revela a questão sobre a insegurança de manutenção da centralidade do status quo para os
trabalhadores.
Ribeiro e Leda (2005) reforçam a contextualização quando afirmam que, apesar do
trabalho ser central para a maioria das pessoas, é crescente o número de trabalhadores que não
reconhecem a esfera profissional como um espaço de realização, de reconhecimento, de poder
ser útil à sociedade. Para eles, são poucos os que estão atuando em funções que permitem
envolvimento e identificação.
As organizações, forçadas pelo mercado econômico e pela competição exacerbada,
que obriga à otimização de recursos, vêm percebendo a importância de manter no contexto de
trabalho, por um período maior, empregados qualificados e inseridos na cultura já
estabelecida pela instituição. As empresas e as pessoas nelas inseridas, ainda carecem de
fundamentos que dêem o norte necessário para bem gerir os conflitos e confronto entre as
necessidades subjetivas e este novo mundo do trabalho que se descortina.
O trabalho é e continuará com sua centralidade na vida das pessoas no que concerne à
construção da identidade, da saúde e da realização em quase todos os aspectos da vida do
sujeito. Faz-se mister, portanto, a persistência em se analisar os fatores alavancadores,
individuais e coletivos, do prazer no trabalho, haja vista que este continua sendo o mediador
insubstituível da realização pessoal no campo social.
Em seguida, o último capítulo apresentou as conclusões deste estudo.
152
6 Conclusão
O objetivo geral deste estudo foi o de investigar se havia diferença na percepção de
duas carreiras distintas de uma organização do segmento de pesquisa e desenvolvimento,
carreira de suporte à pesquisa e carreira de pesquisa, sobre o contexto de trabalho, nas
dimensões da organização, condições e relações socioprofissionais, e as vivências de prazer e
de sofrimento advindas deste contexto, nos fatores gratificação, liberdade, insegurança e
desgaste.
Para tanto, foram utilizadas as abordagens da Ergonomia da Atividade e da
Psicodinâmica do Trabalho. Nesse sentido, foram utilizados dois métodos para a coleta de
dados. O método quantitativo se valeu da utilização da Escala de Avaliação do Contexto de
Trabalho (EACT) e da Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho (EIPST) e o
método qualitativo constituiu-se na realização de entrevistas, que depois de transcritas, foram
analisadas pela técnica de Análise do Núcleo de Sentido (ANS), elaborada por Mendes
(1994), inspirada e adaptada da técnica de análise de conteúdo categorial, desenvolvida por
Laurence Bardin em 1970.
Nessa perspectiva, os resultados da pesquisa puderam evidenciar a influência existente
entre o contexto de trabalho e as vivências de prazer e sofrimento, apontando as diferenças
existentes entre as percepções dos dois grupos estudados.
Os dois métodos utilizados para coleta de dados permitiram averiguar que os dois
grupos apresentavam tanto vivências de prazer como de sofrimento oriundas do contexto de
trabalho. Em alguns fatores, estas vivências foram percebidas de modo distinto pelos dois
grupos. Foi verificado também que havia o predomínio das vivências de prazer para a carreira
de pesquisa.
Posto isto, identificaram-se elementos que interferiam negativamente no bem-estar dos
empregados, assim como elementos que denotaram gratificação com o trabalho.
O enfoque das duas abordagens, Ergonomia da Atividade e da Psicodinâmica do
Trabalho, mostrou que as vivências de sofrimento estavam associadas às condições nas quais
as atividades eram realizadas, às relações socioprofissionais e à organização do trabalho.
Essas vivências eram mediadas por estratégias de defesa individuais, tais como a
racionalização e a negação.
Desta forma, algumas contribuições puderam ser trazidas por este estudo. Do ponto de
vista teórico, esta dissertação apresentou uma ampla revisão de trabalhos publicados no país
sobre a temática abordada, assim como, contribuiu para a compreensão da influência do
153
contexto de trabalho nas vivências de prazer e sofrimento, corroborando estudos anteriores e
gerando hipóteses para estudos futuros.
Os resultados encontrados permitiram diagnosticar como estava sendo mantido o
equilíbrio biopsicossocial dos trabalhadores da organização pesquisada, implicando esse
diagnóstico na identificação de fatores de riscos para qualidade de vida no trabalho dessas
pessoas.
Assim, os resultados poderão se constituir em relevantes informações para a definição
de ações gerenciais, que devem favorecer a construção e desenvolvimento de políticas de
saúde e implantação de programas de Qualidade de Vida no Trabalho (QVT), como
estratégias para minimizar o sofrimento e o adoecimento, especialmente, para a organização
em que o estudo foi realizado.
Cabe ressaltar que ações prementes no sentido de minimizar os efeitos negativos das
relações sociais entre as duas carreiras e entre os próprios pesquisadores, devem ser tomadas.
Diante do exposto, conclui-se que os objetivos, tanto o geral quanto os específicos,
foram atingidos.
Este estudo obviamente apresentou certas limitações e lacunas que poderão ser
abrangidos de modo a contribuir para pesquisas futuras.
Um dos fatores limitantes relacionou-se ao tamanho da empresa. A limitação da
abrangência da pesquisa às Unidades Centrais e Descentralizadas do DF, tendo a empresa
uma distribuição espacial em várias unidades da federação, dificultou a obtenção de
informações regionalizadas, importantes justamente pela distância existente, que minimizam
as influências da Sede (Unidades Centrais) sobre as Unidades Descentralizadas. Isso se deu
em função do pouco tempo disponível e da limitação de recursos tecnológicos para a
realização da pesquisa, o que prejudicou a extensão das conclusões extraídas do estudo, para o
restante da organização.
Outra limitação diz respeito à coleta de dados que se deu em corte transversal, que só
tornou possível descrever fenômenos inerentes a determinados grupos num dado momento.
Embora as escalas utilizadas já estivessem validadas, por ser o estudo conduzido em
uma única empresa de pesquisa, de um segmento específico, possivelmente os resultados não
poderão ser generalizados para outras empresas e até mesmo, para outras Unidades
Descentralizadas da Embrapa. No entanto, o estudo ofereceu informações relevantes sobre o
contexto da organização pesquisada e sua influência nas vivências de prazer e sofrimento.
Relevou-se ainda que, as variáveis do contexto de trabalho e a influência que exercem
nas vivências de prazer e sofrimento na organização, captadas em um primeiro momento por
154
procedimento quantitativo, limitaram-se aos fatores constantes da Escala de Avaliação do
Contexto de Trabalho (EACT) e da Escala de Indicadores de Prazer e sofrimento (EIPST),
escopo deste estudo, o que consequentemente excluiu outras variáveis, por ventura,
identificadas em outros instrumentos.
E embora tivesse sido utilizado também o método qualitativo para complementar e
aprofundar o estudo, dentro do período de tempo em que a pesquisa se torna exeqüível, não se
fez uso de outras técnicas de coletas de dados, como por exemplo, da observação direta,
formação de grupos focais, dentre outras.
Finalmente, a literatura científica da área aponta outros fatores que afetam as vivências
de prazer e sofrimento, que não foram investigados no presente estudo, pela opção de
verificar a influência do contexto de trabalho nessas vivências. Portanto, outros fenômenos
que compõem o universo das instituições, não foram pesquisados, haja vista os “recortes” ou
delimitações definidos.
Os fenômenos abarcados nesta pesquisa mostram-se complexos na literatura de gestão
de pessoas e das organizações, já tendo recebido, inclusive, a atenção de inúmeros
pesquisadores nacionais e internacionais. Portanto, as discussões travadas neste estudo não
foram suficientes para esgotar o tema que abrange diferentes outras possibilidades de
abordagens. Desta forma e a partir das limitações identificadas, recomendam-se investigações
futuras a respeito desse tema.
Estudos com maior amplitude espacial geográfica, poderão corroborar ou não os
achados e proporcionar outras facetas da temática abordada.
A realização de coleta de dados longitudinal poderia permitir uma análise mais
aprofundada dos dados encontrados.
Por ter sido o estudo conduzido em uma única empresa de pesquisa, visando
estabelecer estudos comparativos, constitui-se a possibilidade de futuras pesquisas sobre os
fenômenos estudados, em outras organizações do mesmo segmento ou até mesmo em outras
Unidades Descentralizadas da Embrapa.
Cabe ainda, a utilização de outras técnicas complementares de coleta de dados, como
por exemplo, a observação direta e formação de grupos focais, dentre outras, o que poderia
agregar novas informações aos resultados.
Posto que, outros fenômenos que compõem o universo das instituições, não foram
pesquisados, investigar a existência de outras dimensões ou fatores constituintes da
Ergonomia da Atividade e da Psicodinâmica que se correlacionem.
155
Assim, os resultados abriram novas fronteiras para contribuir com a constante
construção do conhecimento. Fica, portanto, o desafio de futuras investigações empíricas sob
diferentes perspectivas teóricas, de forma a avançar no entendimento dos fenômenos
estudados.
Como finalização de todo o trabalho realizado, algumas sugestões tornaram-se
relevantes.
Grande parte das organizações brasileiras tem estrategicamente inserida em suas
políticas de gestão de pessoas, a implementação de ações que criem um ambiente de
criatividade, inovação e harmonia do clima organizacional, por meio de promoção do
desenvolvimento humano, valorização e motivação para o trabalho, ou seja, investimento nas
pessoas no campo individual e grupal.
Quando a cultura organizacional privilegia o sentimento de valorização dos
empregados, estes se sentem mais comprometidos com o desempenho e livres para tomar
iniciativas e orientar suas habilidades e experiências, contribuindo com a melhoria dos
resultados da organização. Os projetos estruturantes, que compõem os pressupostos básicos
das organizações, além de construir a identidade organizacional, têm o papel de mediar às
contradições oriundas das relações de trabalho.
Depreende-se que, para que isso ocorra, as empresas devem estabelecer diretrizes que
priorizem o aprimoramento da política de gestão de pessoas; valorizem e ofereçam
oportunidades de desenvolvimento educacional; orientem o processo de desenvolvimento
profissional numa perspectiva multidimensional; promovam a capacitação de talentos,
programem ações que criem um ambiente harmônico, além de buscar o fortalecimento de
novas competências e das já existentes e o desenvolvimento de novos valores que incentivem
a atualização e a integração intra e interinstitucional das pessoas.
Por outro lado, esse não é um processo unilateral. Cabe também aos trabalhadores, a
mobilização no sentido de obter resultados de melhoria das condições e organização do
trabalho, por meio do exercício da cidadania.
156
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163
ANEXO A - ESCALA DE AVALIAÇÃO DO CONTEXTO DE TRABALHO – EACT
Prezado participante,
Este questionário tem o objetivo de coletar dados para identificar a avaliação que você faz do
contexto de trabalho, bem como sobre o que você sente no seu dia-a-dia de trabalho, além de
contribuir para a finalização de dissertação de Mestrado em Gestão Social e do Trabalho, no
Departamento de Administração da UnB. As respostas individuais serão analisadas
exclusivamente pelo pesquisador e mantidas em sigilo. Os resultados serão apresentados de
forma agrupada, sem identificação dos participantes da pesquisa. A qualidade de tais
resultados dependerá muito do seu empenho em responder ao questionário, com precisão e
sinceridade.
Orientações Gerais
Na primeira escala, são apresentadas algumas afirmativas a respeito da avaliação que você faz
do contexto de trabalho. Na segunda, são apresentadas algumas afirmativas a respeito de
sentimentos que você possa ter no seu dia-a-dia de trabalho. Leia atentamente o conteúdo
dessas afirmativas e avalie o quanto cada uma delas descreve o que você pensa a respeito dos
assuntos acima mencionados. Ao lado das afirmativas encontra-se uma seqüência ordenada
em 05 pontos. Para responder a cada afirmativa, escolha o ponto da seqüência que melhor
descreve a sua percepção e marque um X nos espaços correspondentes, colocados à esquerda
de cada frase. Você só poderá marcar uma opção para cada afirmativa.
Por favor, não deixe questões sem resposta. Desde já, agradeço a sua colaboração.
ESCALA DE AVALIAÇÃO DE CONTEXTO DE TRABALHO – EACT
Leia os itens abaixo e escolha a alternativa que melhor corresponde à avaliação que você faz
do seu contexto de trabalho.
1 Nunca
2 Raramente
3 Às vezes
4 Frequentemente
5 Sempre
1.
O ritmo de trabalho é acelerado.
1
2
3
4
5
2.
As tarefas são cumpridas sob forte pressão temporal.
1
2
3
4
5
3.
A cobrança por resultados é presente.
1
2
3
4
5
4.
As normas para execução das tarefas são rígidas.
1
2
3
4
5
164
1 Nunca
2 Raramente
3 Às vezes
4 Frequentemente
5 Sempre
5.
Existe fiscalização do desempenho.
1
2
3
4
5
6.
O número de pessoas é insuficiente para se realizar as tarefas.
1
2
3
4
5
7.
Os resultados esperados estão fora da realidade.
1
2
3
4
5
8.
As tarefas não estão claramente definidas.
1
2
3
4
5
9.
A autonomia é inexistente.
1
2
3
4
5
10.
A distribuição das tarefas é injusta.
1
2
3
4
5
11.
Os funcionários (servidores, contratados, estagiários) são excluídos
1
2
3
4
5
das decisões.
12.
Existem dificuldades na comunicação chefia-subordinado.
1
2
3
4
5
13.
Existem disputas profissionais no local de trabalho.
1
2
3
4
5
14.
Existe individualismo no ambiente de trabalho.
1
2
3
4
5
15.
Existem conflitos no ambiente de trabalho.
1
2
3
4
5
16.
A comunicação entre funcionários (servidores, contratados,
1
2
3
4
5
1
2
3
4
5
1
2
3
4
5
1
2
3
4
5
estagiários) é insatisfatória.
17.
Falta apoio das chefias para o meu desenvolvimento profissional.
18.
As informações que preciso para executar minhas tarefas são de difícil
acesso.
19.
O bem-estar dos funcionários (servidores, contratados, estagiários)
não é uma prioridade.
20.
As condições de trabalho são precárias.
1
2
3
4
5
21.
O ambiente físico é desconfortável.
1
2
3
4
5
22.
Existe muito barulho no ambiente de trabalho.
1
2
3
4
5
23.
O mobiliário existente no local de trabalho é inadequado.
1
2
3
4
5
24.
Os instrumentos de trabalho são insuficientes para realizar as tarefas
1
2
3
4
5
25.
O posto/estação de trabalho é inadequado para realização das tarefas.
1
2
3
4
5
26.
Os equipamentos necessários para realização das tarefas são
1
2
3
4
5
precários.
27.
O espaço físico para realizar o trabalho é inadequado.
1
2
3
4
5
28.
As condições de trabalho oferecem riscos de acidente.
1
2
3
4
5
165
1 Nunca
29.
2 Raramente
3 Às vezes
4 Frequentemente
As condições de trabalho oferecem riscos á segurança física das
pessoas.
5 Sempre
1 2 3 4 5
30.
Existe divisão entre quem planeja e quem executa.
1 2 3 4 5
31.
As tarefas são repetitivas.
1 2 3 4 5
32.
Falta tempo para realizar pausas de descanso no trabalho.
1 2 3 4 5
33.
O material de consumo é insuficiente.
1 2 3 4 5
166
ANEXO B - Escala de Indicadores de Prazer-Sofrimento no Trabalho EIPST
Leia as frases que se seguem analisando cada uma de acordo com o que você sente no seu
dia-a- dia de trabalho. Marque, utilizando a escala abaixo, o número que melhor corresponde
a sua avaliação.
1 Nunca
2 Raramente
3 Às vezes
4 Frequentemente
5. Sempre
1.
Sinto satisfação em executar minhas tarefas.
1
2
3
4
5
2.
Quando executo minhas tarefas, realizo-me profissionalmente.
1
2
3
4
5
3.
Sinto-me identificado com as tarefas que realizo.
1
2
3
4
5
4.
Sinto disposição mental para realizar minhas tarefas.
1
2
3
4
5
5.
Tenho liberdade para dizer o que penso sobre meu trabalho.
1
2
3
4
5
6.
Tenho espaço para discutir com os colegas as dificuldades com o
1
2
3
4
5
trabalho.
7.
Tenho liberdade para organizar meu trabalho da forma que quero.
1
2
3
4
5
8.
No meu trabalho posso usar o meu estilo pessoal.
1
2
3
4
5
9.
Tenho receio de ser demitido ao cometer erros.
1
2
3
4
5
10.
Sinto-me inseguro diante da ameaça de perder meu emprego.
1
2
3
4
5
11.
Sinto-me inseguro quando não correspondo às expectativas da
1
2
3
4
5
empresa em relação ao meu trabalho.
12.
Sinto-me pressionado no meu trabalho.
1
2
3
4
5
13.
Meu trabalho é desgastante.
1
2
3
4
5
14.
Sinto-me sobrecarregado no meu trabalho.
1
2
3
4
5
15.
Meu trabalho é cansativo.
1
2
3
4
5
16.
Sinto desânimo no trabalho.
1
2
3
4
5
17.
Meu trabalho é gratificante.
1
2
3
4
5
18.
Sinto orgulho do trabalho que realizo.
1
2
3
4
5
19.
Meu trabalho é compatível com as minhas aspirações
1
2
3
4
5
profissionais.
20.
O tipo de trabalho que faço é admirado pelos outros.
1
2
3
4
5
21.
Sinto o reconhecimento da minha chefia pelo trabalho que realizo.
1
2
3
4
5
167
1 Nunca
22.
2 Raramente
3 Às vezes
4 Frequentemente
5 Sempre
Sinto-me reconhecido pelos colegas pelo trabalho que
realizo.
1
2
3
4
5
23.
Sinto meus colegas solidários comigo.
1
2
3
4
5
24.
Sinto-me ameaçado de demissão.
1
2
3
4
5
25.
Sinto-me inseguro quando não atendo ao ritmo imposto
1
2
3
4
5
1
2
3
4
5
pela minha empresa.
26.
Receio não ser capaz de executar minhas tarefas no prazo
estipulado pela minha empresa.
27.
Meu trabalho me causa estresse.
1
2
3
4
5
28.
Meu trabalho me causa tensão emocional.
1
2
3
4
5
29.
Meu trabalho me causa ansiedade.
1
2
3
4
5
30.
Sinto frustração no meu trabalho.
1
2
3
4
5
Informações Complementares: Dados do Participante
Sexo
Idade
1(
2(
) Masculino
) Feminino
1(
2(
3(
) Ensino fundamental incompleto
) Ensino fundamental completo
) Ensino médio incompleto
Estado civil
1 ( ) de 18 a 25 anos
2 ( ) de 26 a 35 anos
3 ( ) de 36 a 50 anos
4 ( ) acima de 51anos
Número de filhos
1 ( ) Solteiro (a)
2 ( ) Casado (a)
3 ( ) Separado (a)
4 ( ) outros
1(
2(
3(
4(
5(
) Nenhum
) Um
) Dois
) Três
) acima de três
Formação
Tempo de Empresa
1(
2(
3(
Cargo
) de 01 a 05 anos
1 ( ) Auxiliar administrativo
) de 06 a 10 anos 2 ( ) Assistente
Administrativo
) mais de 10 anos 3 ( ) TNS
4(
1(
2(
3(
4(
5(
6(
4 ( ) Ensino médio completo
5 ( ) Superior incompleto
6 ( ) Superior completo
) Pesquisador
7 ( ) Especialização
8 ( ) Mestrado
9 ( ) Doutorado
Tempo no Cargo
Função
1(
) de 01 a 05 anos
1(
) Não possuo
2(
) de 06 a 10 anos
2(
) Supervisor
3(
) de 11 a 20 anos
3(
) Coordenador
4(
) mais de 21 anos
4(
) Chefe de Unidade
Unidade de lotação
7 ( ) AUD
) Embrapa Café
8 ( ) SGE
) Embrapa Cerrados
9 ( ) GPR
) Embrapa Hortaliças
10 ( ) SPD
) Embrapa Informação Tecnológica
) Embrapa Recursos Genéticos e
11 ( ) AJU
) Embrapa Transferência de Tecnologia 12 ( ) ACS
13 (
14 (
15 (
16 (
17 (
) ASP
) DAF
) DGP
) DRM
) DTI