Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                
34º CONGRESSO Internacional PUC MINAS, Belo Horizonte - MG SINODALIZAR: CAMINHO PARA UMA MATURIDADE ECLESIAL Denilson Mariano da Silva1 RESUMO Uma Igreja madura pode-se dizer daquela em que uma parcela mais significativa de membros é vista e valorizada como verdadeiros sujeitos, com legítima autonomia a responsabilidade, cujo modo de ser e de agir seja participativo, consciente, equilibrado, autêntico, ético e evangélico. Uma Igreja madura é uma Igreja sinodal. Por meio do método indutivo recorremos a alguns documentos eclesiais que apontam para a falta da maturidade na vida da Igreja, iluminamos esta realidade com outras reflexões da atualidade para enfim indicar pistas que nos coloquem a caminho de uma efetiva maturidade eclesial. PALAVRAS-CHAVE: Sinodalidade; laicato; Vaticano II. INTRODUÇÃO Embora, no atual momento Eclesial, tudo pareça confluir para o tema da “sinodalidade”, a intenção aqui é buscar pistas para que este substantivo e suas formas adjetivas fluam para além dos textos, das reflexões acadêmicas e ganhem formas concretas traduzindo-se em atos e atitudes. Por isso trata-se de sinodalizar, de impulsionar, de mover para a ação. Faz-se necessário uma conversão, uma passagem da reflexão para ação, da teoria para a práxis. Implica passar da forma substantiva e adjetiva para a forma verbal que se traduza em atitudes sinodais, desde às micro-relações até às decisões maiores, nas mais variadas instâncias, pois a nosso ver, este é o caminho para uma maturidade eclesial. Esta maturidade é aqui entendida como uma forma de agir “consciente, responsável, autônoma e livre”, em que a pessoa se assuma como “sujeito histórico”, no mundo (cf. CNBB, 105, n. 66) e na Igreja, pois “Ser sujeito eclesial significa ser maduro na fé, testemunhar o amor à Igreja, servir os irmãos e irmãs, permanecer no seguimento de Jesus, na escuta obediente à inspiração do Espírito Santo e ter coragem, criatividade e ousadia para dar testemunho de Cristo” (CNBB, 105, n. 119). Será preciso superar também o que o Papa Francisco chama de “mundanismo espiritual” (EG 93) por meio do qual se busca o bem estar pessoal e a glória, própria escondendo-se atrás de fachadas religiosas e de aparente amor à Igreja (cf. CNBB 105, n. 83). Esta mudança implica, pois, uma transformação da mentalidade e das estruturas eclesiais e Jesus é o referencial maior, n`Ele cada um/a é chamado/a a “ser sujeito livre e responsável, capaz de opções, de decisões e de um amor incondicional” (CNBB, 105, n. 91). 1 Doutor em Teologia pela FAJE-BH; Membro do Grupo de Pesquisa Teologia e Pastoral da FAJE; Redator da Revista O Lutador; Articulador do MOBON – Movimento da Boa Nova. E-mail: marianosdn@yahoo.com.br 1313 34º CONGRESSO Internacional PUC MINAS, Belo Horizonte - MG Assim, a partir desta noção de maturidade eclesial, por meio do método indutivo, retomamos o significado do termo sinodalidade e procuramos identificar esta falta da maturidade na vida da Igreja. Depois, ampliamos o olhar com a ajuda de outras reflexões da atualidade, para enfim indicar pistas que brotem do anseio de caminhar juntos para uma efetiva maturidade eclesial. 1. SINODALIZAR É FAZER VALER A COMUM DIGNIDADE DOS BATIZADOS A Sinodalidade é constitutiva da tradição da Igreja e foi retomada pelo Vaticano II, Paulo VI, em 1965, instituiu a realização de Sínodos dos bispos. O termo Sinodalidade é um substantivo abstrato derivado de Sínodo, composto pela proposição sýn, junto, e pelo substantivo hodós, caminho, literalmente significa: “caminhar juntos!”. Em forma adjetiva: “sinodal”. Em termos históricos, a primeira experiência sinodal se dá na Igreja nascente, no ano 49, com o Concílio de Jerusalém (At 15,6-29). Vale recordar que no decorrer do primeiro milênio a Igreja se ocupava da preservação da unidade da fé e desenvolveu estruturas de sinodalidade dentro de uma compreensão da autoridade como serviço. Posteriormente, houve uma progressiva centralização do poder nas mãos do clero e o consequente autoritarismo2. Evidentemente, a sinodalidade não é um modismo, nem uma novidade trazida pelo Papa Francisco, antes trata-se de uma “dimensão constitutiva da Igreja”, cujo atual pontificado vem favorecendo a uma nova fase no processo de recepção do Vaticano II. E, “mais que um mero procedimento operativo, ‘sinodalidade’ indica/designa a própria natureza da Igreja ‘Povo de Deus’, que é ‘mistério de comunhão’” (JUNIOR, 2022, p. 94). Em síntese, a Comissão Teológica Internacional (CTI) deixa claro que a sinodalidade diz respeito ao modo da Igreja ser e agir. Ela diz respeito não apenas à hierarquia, mas à totalidade do Povo de Deus, a todos os fiéis batizados trata-se do “modus vivendi et operandi da Igreja Povo de Deus” (CTI, 2018, n. 66). Uma vez que a sinodalidade diz respeito ao modo de ser e de agir da Igreja, Exige ação, operacionalidade, exige a passagem do substantivo para a sua forma verbal. Por isso a insistência no sinodalizar, na passagem para iniciativas, ações, atitudes, não passageiras, momentâneas e esporádicas, mas como algo, de fato constitutivo do ser cristão, como uma exigência que nos vem do batismo, base da pertença à Igreja, sacramento primeiro e mais importante. Pois, a dimensão batismal, supera o binômio “clero–leigos” pelo binômio “comunidade–ministérios” (Yves Congar), recoloca a hierarquia (padres, bispos, diáconos) no seu lugar próprio, originário, no seio do povo de Deus e a seu serviço, não acima dele, em “verdadeira igualdade quanto à dignidade e ação comum de todos os fiéis na edificação do Corpo de Cristo” (LG 32). 2 Para uma breve visão da dimensão histórica da sinodalidade veja o texto de Ney de Souza, com rica bibliografia sobre a questão (cf. SOUZA, 2022, p. 21-40). E para um aceno sobre a sinodalidade na América Latina, veja texto de Alzirinha Souza (cf. SOUZA, 2022, p. 41-53). 1314 34º CONGRESSO Internacional PUC MINAS, Belo Horizonte - MG Sinodalizar é fazer valer a comum dignidade dos batizados, reconhecer que o Espírito Santo distribui os seus dons a todos os membros do povo de Deus; é favorecer à devida valorização do laicato e das mulheres; criar oportunidade para que a comunidade de fé se auto afirme como sujeito na Igreja e na sociedade, com autonomia e responsabilidade; sinodalizar é recriar, no hoje de nossa história, o jeito originário de a Igreja ser. Essa igualdade conferida pelo batismo, para ser efetivada, operacionalizada, exige sinodalizar a Igreja, é preciso o cultivo de um espírito sinodal, uma cultura sinodal que levem à sinodalizar as estruturas eclesiais em todas as suas instâncias, desde as relações cotidianas até às mais altas decisões. Por isso sinodalizar, indica a busca e a efetivação do caminhar juntos, discutir e planejar juntos, executar juntos, avaliar e celebrar juntos... Daí a necessidade de sinodalizar. Na medida em que conseguirmos implantar o espírito e a prática sinodal nas micro-relações familiares e comunitárias, nos mais diferentes espaços eclesiais: reuniões, planejamentos, encontros, grupos, pastorais, movimentos, nas decisões etc, será possível avançar no processo de sinodalizar as estruturas de decisões: os diferentes conselhos comunitários, pastorais e econômicos, as assembleias, as conferências, as cúrias... Neste sentido um passo importante é a reforma da Cúria Romana: O documento recém lançado aponta para uma Cúria a serviço da evangelização, mais pronta a servir, promotora da sinodalidade, buscando superar o carreirismo e ser mais profissional, abaixando-se para servir e também ser mais próxima dos pobres e sofredores: [...] ‘proclamai o Evangelho’ (cf. Mc 16, 15; Mt 10, 7-8): tal é a missão que o Senhor Jesus confiou aos seus discípulos. Este mandato constitui “o primeiro serviço que a Igreja pode prestar ao homem e à humanidade inteira, no mundo de hoje” [...] “com obras e palavras, a comunidade missionária entra na vida diária dos outros, encurta as distâncias, abaixa-se – se for necessário – até à humilhação e assume a vida humana, tocando a carne sofredora de Cristo no povo” (PE, Preâmbulo, 1). Como consequência desse processo, é possível caminhar para uma Igreja mais participativa, mais inclusiva, em que “o que diz respeito a todos, deve ser decidido por todos”, o que não se restringe a uma democratização da Igreja, em que passe a valer a vontade da maioria, antes na busca de consenso, em decisões participativas, inclusivas e representativas que recriem o modus vivendi et operandi da Igreja nascente, segundo as necessidades de nosso tempo. O que também favorecerá a superação do predomínio da Igreja de massa para ser igreja da casa (domus ecclesia), a igreja-comunidade. Recuperar as CEBs célula inicial da Igreja (Medellín), também como célula da sinodalidade eclesial, sempre iluminada pela Palavra de Deus e fortalecida pela Eucaristia. Comunidades vivas e atuantes sinais de uma Igreja madura que supera o autoritarismo e o clericalismo. Em síntese, sinodalizar é caminho para uma Igreja madura, aberta ao Espírito e 1315 34º CONGRESSO Internacional PUC MINAS, Belo Horizonte - MG mais próxima e fiel ao Evangelho. 2. RUMO A UMA MAIOR MATURIDADE ECLESIAL Vale ressaltar que o Concílio Vaticano II enfatiza a realidade interna da Igreja (LG) e sua missão no mundo (GS). Ele “buscou uma eclesiologia integral: aquela que explicita o que diz a respeito de todos pela graça do Batismo e só em um segundo momento se ocupa das diferenças dentro da comunidade de fiéis, pelo dom do serviço carismático e ministerial” (CALIMAN, 2022, p. 164). Ou seja, em uma “eclesiologia integral” a comum dignidade conferida pelo Batismo é a base da comunhão eclesial, é a base onde se fundamenta a sinodalidade, o caminhar juntos de todos os batizados. Essa compreensão, levada a sério, devidamente alimentada na formação dos leigos/as e na formação dos candidatos aos ministérios ordenados, feita prática desde às microrrelações cotidianas, até às decisões em instâncias maiores, tem força para superar o infantilismo, frequentemente alimentado pelo clericalismo de clérigos e leigos. Para que esse passo seja dado, implica o devido reconhecimento do sensus fidei pelo qual Deus dota a totalidade dos fiéis com o instinto da fé que permite distinguir o que realmente vem de Deus (cf. EG 119), e ainda, o reconhecimento de que os leigos são chamados a expressar sua experiência de fé, pois a fé vivida e compartilhada gera o consenso dos fiéis, é o sensus fidelium (CALIMAN, 2022, p. 171). Sem esses reconhecimentos, não alcançaremos a maturidade eclesial no seio da Igreja. Nos anos da virada do milênio, a Igreja do Brasil, ao tratar da divisão dos cristãos, já sinalizava que “os desafios missionários do mundo contemporâneo exigem dos cristãos o testemunho de uma fé amadurecida” (CNBB, 62, n. 154). E, sem usar o termo sinodalidade, já apontava para o seu conteúdo ao indicar que isso exigirá profundas mudanças no modo de governar e de exercer a autoridade na Igreja, citando um trecho do Projeto Rumo ao Novo Milênio (CNBB, PRNM, n. 88): O protagonismo do cristão leigo requer profundas mudanças no estilo do governo e no exercício da autoridade por parte da hierarquia, para permitir e encorajar a comunhão, a participação e a co-responsabilidade dos leigos na tomada de decisões pastorais, valorizando o voto dos Conselhos particulares, como está previsto por documentos oficiais da Igreja. (CNBB, 62, n. 191). A Igreja sinaliza também o “amadorismo em relação à preparação e formação de lideranças” em prejuízo para caminhada eclesial gerando “graves conflitos, discórdias, divisões, apegos a cargos, servilismo, acúmulo de responsabilidades etc.” (CNBB, 105, n. 47), bem como o 1316 34º CONGRESSO Internacional PUC MINAS, Belo Horizonte - MG desafio da “superação do analfabetismo bíblico” (CNBB, 105, n. 49). E esse desafio implica ainda alcançar uma maturidade eclesial também por parte do clero frente aos desafios do “carreirismo, clericalismo, gnosticismo, tradicionalismo [...] Muitas vezes se age como simples funcionários e burocratas da instituição eclesial” (CNBB, 105, n. 50). O Papa Francisco retoma o tema da sinodalidade ensaiando um Sínodo não apenas dos bispos, mas buscando formas, como o amplo processo de escuta, para estendê-lo a toda a Igreja. Pois vê a sinodalidade como um modo constitutivo da Igreja ser. Mais que retomar a sinodalidade, o Papa Francisco aponta a necessidade uma “conversão sinodal” que implica o resgate da igualdade fundamental de todos os cristãos, fundada no batismo. Ele anseia por uma Igreja sinodal recuperando as intuições do Concílio Vaticano II, fala-se de uma nova etapa de recepção do Concílio (JÚNIOR, 2022, p. 93). A sinodalidade diz respeito à totalidade do povo de Deus, a todos os batizados, como sujeitos ativos na evangelização, uma “Igreja Sinodal: comunhão, participação e missão”, conforme anúncio do Sínodo dos Bispos 2023. CONSIDERAÇÕES FINAIS As questões aqui sinalizadas precisam de aprofundamento e maiores desdobramentos. Uma maturidade eclesial não acontecerá sem uma séria formação do laicato criando-se oportunidades e investindo na formação bíblica, teológica e pastoral dos leigos e leigas, sempre numa perspectiva sinodal, que contribua para o desenvolvimento de sua missão na Igreja e, sobretudo, na sociedade, no mundo. Também a formação dos candidatos ao ministério ordenado precisa priorizar a dimensão sinodal na vida da Igreja em vista da superação do clericalismo e o exercício deste ministério seja de fato um serviço ao Povo de Deus. E ainda uma reciclagem na formação do clero atual insistindo na sinodalidade. Não obstante, é preciso ter presente que a onda cultural da atualidade, com sua fluidez, em uma “sociedade líquida” (Bauman), midiática, invadida por fakenews, com variadas formas de tendência ao individualismo, apresenta enormes desafios à sinodalidade. Não será fácil efetivar o “caminhar juntos” praticado por Jesus, desenvolvido e efetivado entre os primeiros cristãos e sobejamente incentivado pelo Papa Francisco e por ele apontado como o desejo de Deus para a Igreja neste terceiro milênio. Eis por onde o Espírito sopra para uma maturidade eclesial, para a comunhão, participação e missão de todo o Povo de Deus. 1317 34º CONGRESSO Internacional PUC MINAS, Belo Horizonte - MG REFERÊNCIAS CALIMAN, Cleto. Sinodalidade depois do Vaticano II. In: JÚNIOR, Francisco Aquino; PASSOS, João Décio (Orgs.). Por uma Igreja Sinodal: reflexões teológico-pastorais. São Paulo: Paulinas, 2022. p. 159-173. CNBB – CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Rumo ao novo milênio: Projeto de evangelização da Igreja no Brasil em preparação ao grande jubileu do ano 2000. São Paulo: Paulinas, 1996. (Documentos CNBB, 56). _________. Missão e ministérios dos cristãos leigos e leigas. São Paulo: Paulinas, 1999. (Documentos CNBB, n. 62). _________. Cristãos leigos e leigas na Igreja e na sociedade: Sal da terra e luz do mundo (Mt 5,13-14). Brasília: CNBB, 2016. (Documentos CNBB, n. 105). CTI – COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL. A sinodalidade na vida e na missão da Igreja. Brasília: CNBB, 2018. JÚNIOR, Francisco. Sinodalidade como “dimensão constitutiva da Igreja”. In: JÚNIOR, Francisco Aquino; PASSOS, João Décio (Orgs.). Por uma Igreja Sinodal: reflexões teológico-pastorais. São Paulo: Paulinas, 2022. p. 93-110. PAPA FRANCISCO. Constituição Apostólica Praedicate Evangelium: sobre a Cúria Romana e o seu serviço à Igreja no mundo. Roma: Ed. Vaticano, 2022. Disponível em: <https://www.vatican.va/ content/francesco/pt/apost_constitutions/documents/20220319-costituzione-ap-praedicateevangelium.html> Acesso em: 18 jul 2022. SOUZA, Alzirinha. Do Concílio Plenário à Assembleia Eclesial: a evolução da experiência da sinodalidade na América Latina. In: JÚNIOR, Francisco Aquino; PASSOS, João Décio (Orgs.). Por uma Igreja Sinodal: reflexões teológico-pastorais. São Paulo: Paulinas, 2022. p. 41-53. SOUZA, Ney. Dimensões históricas da sinodalidade. In: JÚNIOR, Francisco Aquino; PASSOS, João Décio (Orgs.). Por uma Igreja Sinodal: reflexões teológico-pastorais. São Paulo: Paulinas, 2022. p. 21-40. 1318