Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum., Belém, v. 10, n. 2, p. 489-507 maio-ago. 2015
Marcadores de estresse ocupacional, atividades cotidianas, ambiente e
escolhas culturais: uma discussão sobre estilos de vida diferenciados em
três sambaquis do litoral fluminense
Occupational stress markers, daily activities, environment and
cultural choices: a discussion about different lifestyles in
three coastal sambaquis in Rio de Janeiro
Andrea LessaI, Claudia Rodrigues CarvalhoI
I
Museu Nacional/Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
Resumo: Durante décadas a definição de uma unidade antropofísica, baseada principalmente em estudos descritivos e comparativos
de morfologia craniana e pós-craniana, norteou o conhecimento sobre a biologia dos grupos sambaquieiros do litoral
sul-sudeste do Brasil. Este conceito influenciou também os paradigmas que nortearam a compreensão de aspectos
socioculturais desses grupos, tendo como diretriz as perspectivas da Escola Norte Americana. Esta perspectiva generalista,
no entanto, vem demonstrando inoperância para elevar o conhecimento sobre os grupos sambaquieiros a um nível mais
detalhado, a partir da identificação de particularidades que naturalmente permeiam qualquer sistema sociocultural e são
o resultado de escolhas, e não apenas respostas adaptativas. Buscando-se avançar sobre esta perspectiva, este trabalho
tem como objetivo conjugar os dados sobre marcadores de estresse ocupacional (osteoartrose, trauma acidental,
espondilólise, nódulo de Schmorl e exostose auditiva) já publicados para três sambaquis localizados no estado do Rio de
Janeiro, a fim de se verificar a possibilidade de identificar particularidades no estilo de vida destes grupos.
Palavras-chave: Bioarqueologia. Paleoepidemiologia. Marcadores de estresse ocupacional. Sambaquis. Abordagem biocultural.
Abstract: For decades the definition of a physical-anthropological unit, based primarily on descriptive and comparative studies of
cranial and post-cranial morphology, oriented biological knowledge of sambaqui-dwelling groups in the south-southeastern
coastal region of Brazil. This concept also influenced the paradigms that guided the understanding of socio-cultural aspects
of these groups, taking as a guideline the perspectives of the North American School. This general perspective, however,
has not been very effective in furthering knowledge about sambaqui-dwellers at a more detailed level, failing to identify
characteristics that naturally permeate any socio-cultural system and are the result of choices, not just of adaptive responses.
In an attempt to create progress in this perspective, this paper aims to combine previously published data on occupational
stress markers (osteoarthrosis, accidental fractures, spondylolysis, Schmorl´s nodes and auditory exostoses) for three
sambaquis located in the state of Rio de Janeiro, in order to identify possible particularities of the lifestyles of these groups.
Keywords: Bioarchaeology. Paleoepidemiology. Occupational stress markers. Shell middens. Biocultural approach.
LESSA, Andrea; CARVALHO, Claudia Rodrigues. Marcadores de estresse ocupacional, atividades cotidianas, ambiente e escolhas culturais:
uma discussão sobre estilos de vida diferenciados em três sambaquis do litoral fluminense.Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi.
Ciências Humanas, v. 10, n. 2, p. 489-507, maio-ago. 2015. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1981-81222015000200014.
Autor para correspondência:Andrea Lessa. Quinta da Boa Vista s/n, São Cristovão, Rio de Janeiro, Brasil. CEP 20940-040. E-mail:
lessa.mn@gmail.com.
Recebido em 06/05/2014
Aprovado em 05/05/2015
489
Marcadores de estresse ocupacional, atividades cotidianas, ambiente e escolhas culturais: uma discussão...
Os estudos sobre os grupos que construíram os montes
de conchas no litoral sul e sudeste do Brasil remontam
à segunda metade do século XIX, quando D. Pedro II
impulsionou o desenvolvimento institucional da Arqueologia
e da Antropologia Física, no então Museu Imperial1 (Mendonça
de Souza, 1991). Mediante esta iniciativa, algumas das
primeiras coleções osteológicas brasileiras foram formadas
a partir das escavações nos sambaquis da região sul do país,
cujo expressivo destaque na paisagem chamou a atenção
dos naturalistas da época.
Naquele momento, tanto na Europa quanto nos
Estados Unidos, o estudo de restos humanos arqueológicos
voltava-se para questões relacionadas à origem, migração
e variabilidade tipológica da espécie humana. Anatomistas,
antropólogos e naturalistas buscavam desenvolver sistemas
de classificação racial através da morfologia óssea, com
ênfase em métodos craniométricos (Larsen ; Walker, 2010).
No Brasil, esta perspectiva dominou a então
denominada Antropologia Física até aproximadamente o
início da década de 1980, tendo sido realizados estudos
descritivos e comparativos de morfologia craniana e
pós-craniana, traços não métricos cranianos, e saúde
dental (Lacerda, 1882; 1885; Roquette-Pinto, 1923/1925;
Imbelloni, 1955; Alvim; Mello Filho, 1965; 1967/1968;
Alvim & Seyferth, 1968/69; 1971; Alvim, 1972; 1978; Alvim
et al., 1975; 1983/84; Alvim; Uchôa, 1976; Salles Cunha;
Salles Cunha, 1960; 1963; Salles Cunha; Alvim, 1971;
Pereira et al., 1972; Uchôa, 1973).
Durante todo este período pôde-se observar uma
forte influência do trabalho pioneiro de Lacerda (1885),
o qual, utilizando um pequeno número de espécimes
coletados de forma não sistemática por naturalistas em
diferentes sambaquis do Paraná e de Santa Catarina,
identificou uma relativa homogeneidade morfológica entre
os crânios estudados. Segundo Castro Faria (1952), foi
então criada uma nova entidade antropofísica, denominada
1
“O Homem dos Sambaquis”, a qual representaria uma
entidade biológica que formaria, ao lado do “Homem de
Lagoa Santa”, os prováveis mais antigos grupos indígenas
brasileiros. De fato, a literatura antropológica sobre sítios
litorâneos que preenche o intervalo entre esta publicação
de 1885 e o início dos anos 1980 concentra-se sobre uma
hipótese implicitamente colocada por Lacerda: a de que
os sítios arqueológicos conhecidos por sambaquis foram
ocupados por um mesmo grupo biológico (Neves, 1988).
As contribuições mais expressivas do período estão
nos trabalhos desenvolvidos por Alvim e colaboradores, a
partir da década de 1960. Embora tenham utilizado séries
provenientes de sambaquis sistematicamente escavados, o
número de espécimes analisados era ainda bastante reduzido,
em parte devido aos critérios de inclusão, os quais passam
por um estado de preservação adequado das peças ósseas.
Não obstante Alvim (1978) reconhecer os problemas
metodológicos associados à baixa representatividade
das séries, a definição de uma unidade antropofísica
é confirmada através de seus estudos, apenas com a
ressalva de que a morfologia peculiar observada não se
restringiria aos grupos sambaquieiros. De uma forma geral,
no entanto, os trabalhos supracitados corroboraram a
hipótese inicial de Lacerda, tendo apontado para uma forte
unidade antropofísica entre os construtores de sambaquis,
cujas principais características morfológicas determinadas
são as seguintes: constituição extraordinariamente robusta;
diferenciação sexual bem marcada no esqueleto; estatura
baixa (média de 1,60 m. para os homens e 1,50 m. para
as mulheres); ossos com as enteses bem desenvolvidas,
podendo ser inferida intensa demanda muscular; crânios
grandes, com calota alta e fronte inclinada; face mediamente
larga, com órbitas acentuadamente altas; ossos longos
muito espessos, maciços e curtos; e acentuado desgaste
das faces proximais e oclusais dos dentes, indicando intensa
atividade mastigatória de alimentos duros e abrasivos.
Foi criado em 1818 por D. João VI com a designação de Museu Real, e somente após a proclamação da República em 1889 passaria a
se designar Museu Nacional.
490
Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum., Belém, v. 10, n. 2, p. 489-507 maio-ago. 2015
Estas foram as premissas norteadoras do conhecimento
sobre a biologia dos grupos sambaquieiros do litoral sulsudeste até meados da década de 80, quando Neves (1988)
desenvolve um extenso trabalho sobre afinidade biológica
entre grupos litorâneos a partir de variáveis cranianas não
métricas. Entre outras questões relevantes, os resultados de
Neves demonstraram que a homogeneidade biológica até
então aceita para os construtores de sambaquis restringe-se às
séries compreendidas entre o litoral norte do Paraná e o litoral
norte de Santa Catarina. Os grupos das áreas mais meridionais
desse segmento do litoral sul mostraram-se biologicamente
distanciados dos grupos mais setentrionais. E ainda, essa
diferenciação biológica mostrou-se extremamente acentuada
nos grupos do litoral central de Santa Catarina, e medianamente
acentuada nos grupos do litoral sul do mesmo estado.
Mais recentemente, Hubbe (2006) analisou
marcadores métricos e não métricos de um grupo
sambaquieiro da Ilha de Santa Catarina, tendo observado
resultados próximos aos de Neves (1988). Metodologia
semelhante foi empregada por Okumura (2007) em séries
que englobam o litoral sul-sudeste desde o norte do Rio
de Janeiro até o sul de Santa Catarina, perfazendo um
total de 939 espécimes. A autora verificou que, sob uma
perspectiva ampla, os grupos do litoral brasileiro mostram
uma identidade relativamente bem individualizada em
relação às séries do interior do Brasil. No entanto, em nível
regional, percebe-se a ocorrência de uma clara divisão do
litoral brasileiro em duas partes: uma que engloba as séries
fluminenses e paulistas, e outra que compreende todas as
séries catarinenses. As séries do Paraná ora associam-se
às primeiras (setentrionais), ora às segundas (meridionais).
Embora os trabalhos supracitados demonstrem
claramente a inadequação da hipótese de homogeneidade
morfológica do “Homem do Sambaqui”, o conceito,
atrelado à perspectiva de estabelecimento de tipologias,
parece ter extrapolado a questão da afinidade biológica.
Como se verá a seguir, o conceito parece ter influenciado
também, durante décadas, os paradigmas que nortearam
a compreensão de aspectos socioculturais.
Embora a arqueologia acadêmica no Brasil tenha
sido impulsionada a partir da década de 30 com a atuação
de Castro Faria, ferrenho preservacionista particularmente
preocupado com a acelerada destruição dos sambaquis, a
formação sistemática de arqueólogos acadêmicos ocorreu
somente a partir da década de 60. A influência das Escolas
Estrangeiras marcou este período, e, no que diz respeito
às pesquisas em sítios litorâneos, pode ser observada a
expressiva influência da escola norte-americana.
A maior contribuição desta escola para a arqueologia
brasileira foi a implementação de um grande projeto de
levantamento arqueológico em nível nacional, o PRONAPA,
o qual foi realizado entre os anos de 1965 e 1970, muito
embora sua influência tenha ainda se estendido por quase
duas décadas mais. Tendo como diretriz as perspectivas do
Histórico-culturalismo e da Ecologia Cultural, o objetivo
das pesquisas era a definição de unidades culturais a partir
de sua distribuição espacial e cronológica, e a elaboração
de um amplo quadro da ocupação pré-colonial para o
território brasileiro. Desta forma, pouca atenção foi dada
às particularidades associadas ao cotidiano destes grupos.
Sob esta perspectiva, inúmeros arqueólogos
(“pronapianos” ou não) fizeram tentativas de estabelecer
agrupamentos cronológicos e regionais amplos a partir da
sistematização das semelhanças e diferenças observadas
principalmente nos grandes e médios sambaquis da área nuclear
de Santa Catarina (Beck, 1973; Chymz, 1976; Mendonça de
Souza, 1981; Dias Jr, 1972). Se no século XIX os estudos sobre
morfologia óssea eram orientados para o estabelecimento
dos tipos humanos, sob a perspectiva histórico-culturalista
foram estabelecidas tipologias de sambaquis a partir de sua
inserção em categorias classificatórias como fases e tradições.
Desta forma, a categoria genérica identificada como
“grupos sambaquieiros” foi entendida e classificada com
base nas características morfo-constitucionais dos montes,
nas características das indústrias líticas e ósseas, na estratégia
econômica predominante (quantidade relativa das distintas
espécies de moluscos, e quantidade relativa de moluscos,
peixes e caça terrestre), e na presença ou ausência de cerâmica.
491
Marcadores de estresse ocupacional, atividades cotidianas, ambiente e escolhas culturais: uma discussão...
Por um lado, a observação dos aspectos supracitados
permite a identificação de características comuns entre
sambaquis, tais como a construção de montes cuja matriz
é composta principalmente por valvas de moluscos e
ossos de peixes, os quais eram utilizados como espaço
habitacional e funerário; a presença de uma indústria
lítica pouco variada; a presença de objetos zoomorfos
virtuosamente confeccionados; o predomínio da prática
de enterramentos primários; e o uso de dentes de animais
perfurados como adorno.
Esta tendência à homogeneidade, identificada segundo
uma ótica mais generalista, foi possivelmente regulada pela
interação entre os grupos ao longo da faixa costeira e por
sua adaptação aos ecótonos litorâneos. De fato, mesmo sob
uma perspectiva mais atual e refinada na qual a classificação
a partir de fases e tradições é substituída pela noção de
sistemas de assentamento/unidades sociológicas, um olhar
mais amplo sobre as evidências arqueológicas é capaz de
identificar uma identidade sociocultural compartilhada.
Esta unidade é representada pela íntima associação entre
os construtores de sambaquis, os mortos e os restos
alimentares e industriais (Gaspar, 2000; 2003). Prous (1992),
sob a mesma perspectiva, destaca a existência de uma
unidade ideológica, representada pela presença de virtuosos
zoólitos desde o Uruguai até São Paulo.
Por outro lado, a identificação de uma unidade social
em termos mais gerais não impediu a distinção de algumas
variações morfo-constitucionais sub-regionais, podendo
ser citados os seguintes aspectos: dimensões dos montes
de conchas; quantidade e variedade dos itens tecnológicos;
estilo dos objetos zoomorfos; grau de desenvolvimento da
indústria óssea; forma de deposição e posição dos mortos,
além da quantidade e variedade das oferendas funerárias.
Embora a perspectiva generalista mencionada tenha
contribuído para um primeiro olhar sobre os grupos
sambaquieiros, buscando-se um conhecimento mais amplo
até então inexistente, ela certamente demonstra inoperância
para elevar o conhecimento sobre esses grupos a um nível
mais detalhado, a partir da identificação de particularidades que
naturalmente permeiam qualquer sistema sociocultural e são
o resultado de escolhas, e não apenas respostas adaptativas.
Especificamente, uma tendência em uniformizar em
excesso as interpretações sobre os estilos de vida desses
grupos pescadores-coletores tem sido apontada tanto por
arqueólogos (Lima, 1999/2000) quanto bioarqueólogos
(por exemplo Rodrigues-Carvalho, 2004), muito embora
pesquisas mais recentes tenham enfatizado a evidência de
variações espaço-temporais em alguns aspectos da sua
cultura material, práticas funerárias e alimentares e padrões
de saúde e de assentamento (por exemplo Gaspar; De
Blasis, 1992; Kneip; Machado, 1993; Kneip, 1994; Kneip;
Araújo; Fonseca, 1995; Mendonça de Souza, 1995; Barbosa,
2007; Wesolowski, 2000, 2007).
Embora estes estudos apontem para a necessidade
de se entender estes grupos sob uma perspectiva que
contemple sua diversidade e complexidade sociocultural,
ainda são escassos os esforços sistemáticos para o
desenvolvimento de abordagens mais integrativas dos
dados arqueológicos e bioarqueológicos, buscando-se
investigar tais variações enquanto parte das escolhas
próprias de cada grupo (Rodrigues-Carvalho, 2004).
Sob esta perspectiva, os estudos bioarqueológicos
sobre padrões biológicos associados a atividades diárias e estilo
de vida tem se revelado uma promissora ferramenta para a
identificação de singularidades e escolhas culturais diferenciadas
entre grupos adaptados ao ambiente litorâneo. Uma das
primeiras evidências neste sentido foi apontada por Machado
e Kneip (1994) ao analisarem os padrões de desgaste dentário
em grupos sambaquieiros de Saquarema/RJ. Enquanto na série
do sambaqui da Beirada 100% dos 23 indivíduos examinados
apresentaram desgastes caracterizados como severos em mais
de um dente, na série do sambaqui do Moa o percentual
cai para quase a metade, com frequência de 53,5% dos 15
indivíduos examinados. As autoras interpretaram estes valores
como o resultado de escolhas diferenciadas em relação à
dieta, ainda que os dois grupos estivessem adaptados ao
mesmo ambiente caracterizado pela Lagoa de Saquarema e
seu entorno. Embora a quantidade de elementos abrasivos
492
Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum., Belém, v. 10, n. 2, p. 489-507 maio-ago. 2015
seja normalmente alta entre os alimentos ingeridos por grupos
litorâneos em função do modo de coleta e processamento, a
frequência extremamente alta observada na série de Beirada
foi associada a um maior consumo de moluscos quando
comparado com a série do Moa, o que foi demonstrado
também através dos dados faunísticos.
Tal como referido anteriormente, ainda são escassas
as tentativas de integração entre os dados arqueológicos
e bioarqueológicos, tanto em nível sub-regional,
confrontando-se séries adaptadas a um mesmo ambiente,
quanto em uma escala mais ampla, confrontando-se séries
adaptadas a ambientes distintos. Neste ponto é importante
lembrar que, mesmo considerando-se a ocupação de
territórios litorâneos, a variedade de ambientes (marinho,
lagunar, estuarino, de baía, de mangue, Mata Atlântica,
restinga, entre outros) e de espécies associadas permite a
exploração diferenciada dos distintos ecótonos. Por outro
lado, as estratégias adaptativas de cada grupo não estão apenas
associadas à disponibilidade de recursos em seu território de
captação, mas também a escolhas particulares balizadas por
aspectos de cunho mítico e ideológico. Tal como enfatizado
por Rodrigues-Carvalho (2004), populações com estratégias
de subsistência (em sentido amplo) e características
culturais gerais semelhantes poderiam desenvolver
estilos de vida distintos em muitos aspectos cotidianos.
Buscando-se avançar sobre esta perspectiva, o
presente artigo tem como objetivo fazer uma revisão
reflexiva e conjugar os dados sobre marcadores de
estresse ocupacional (MEO) anteriormente produzidos e
já publicados para três sambaquis localizados no estado
do Rio de Janeiro, a fim de se verificar a possibilidade de
identificar particularidades no estilo de vida destes grupos.
Desta forma, o presente texto não se propõe a discutir os
resultados quantitativos das análises paleoepidemiológicas
em si, mas sim abordar os resultados sob uma perspectiva
efetivamente biocultural. O detalhamento das metodologias
empregadas no exame de cada marcador, assim com os
resultados completos podem ser verificados nos respectivos
trabalhos já publicados. A apresentação sintetizada dos
resultados, integrados às discussões, buscou tornar o texto
mais palatável para os demais pesquisadores de grupos
pré-colonias litorâneos, diminuindo assim a distância entre
a bioarqueologia e a arqueologia de sambaquis.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram incluídas no presente estudo as séries provenientes
dos sambaquis Ilhote do Leste (N=28), Zé Espinho (N=15)
e Beirada (N=24), perfazendo um total de 64 indivíduos
adultos de ambos os sexos. Foram incluídos apenas os
indivíduos nos quais pôde ser estimado o sexo (Buikstra;
Ubelaker, 1994). Devido ao estado de preservação variável
das séries, o número real de indivíduos analisados varia de
acordo com cada um dos marcadores.
Os sítios possuem inserções ambientais distintas e
representam diferentes momentos de ocupação da costa
fluminense. O sítio Ilhote do Leste, localizado na porção
meridional de Ilha Grande (mapa 1), apresenta datações
entre 3060 ± 40 AP e 2650 ± 350 AP (Tenório, 1995). O
Sambaqui de Zé Espinho, localizado na Bacia do Rio Piracão,
em Guaratiba (mapa 2), está assentado em uma área de
transição entre os ambientes marinho e continental (Ferreira;
Oliveira, 1987). Apresenta datações entre 2.260 ± 160 AP
e 1.180 ± 170 (Kneip; Pallestrini, 1987). O Sambaqui da
Beirada localiza-se na margem sul da Lagoa de Saquarema, no
município de mesmo nome (mapa 3), e possui datações entre
4.520 ± 190 e 3.800 ± 190 AP (Kneip; Machado, 1993).
As diferenças e similaridades no estilo de vida destes
grupos foram aqui investigadas a partir de marcadores de
estresse ocupacional, associados a atividades cotidianas,
os quais representam as demandas físicas regulares de um
grupo. Os marcadores eleitos foram a osteoartrose ou
comprometimento articular (CA) (figuras 1 e 2) (RodriguesCarvalho, 2004), as espondilólises (figura 3) e nódulos
de Schmorl (figura 4) (Lessa; Coelho 2010), os traumas
acidentais (figura 5 e 6) (Lessa, 2011) e as exostoses
auriculares (todas as séries analisadas pelas autoras para o
presente trabalho, e Okumura; Boyadjian; Eggers., 2007
para as séries Beirada e Zé Espinho).
493
Marcadores de estresse ocupacional, atividades cotidianas, ambiente e escolhas culturais: uma discussão...
Mapa 1. Ilha Grande (RJ) e localização do sambaqui Ilhote do Leste.
Mapa 2. Planície de Guaratiba (RJ) e localização do sambaqui Zé Espinho.
494
Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum., Belém, v. 10, n. 2, p. 489-507 maio-ago. 2015
Mapa 3. Lagoa de Saquarema (RJ) e localização do sambaqui da Beirada.
Figura 1. Epífises distais de ulnas apresentando comprometimento
articular intenso com eburnação extensa - sambaqui Ilhote do Leste
(RJ). Foto: C. Carvalho - Acervo: Museu Nacional/UFRJ.
Figura 2. Epífise proximal de rádio apresentando comprometimento
articular moderado com porosidade - sambaqui Zé Espinho (RJ).
Foto: C. Carvalho – Acervo: Museu Nacional/UFRJ.
495
Marcadores de estresse ocupacional, atividades cotidianas, ambiente e escolhas culturais: uma discussão...
Figura 3. Espondilólise bilateral completa em vértebra lombar
– sambaqui Ilhote do Leste (RJ). Foto: A. Lessa. Acervo: Museu
Nacional/UFRJ.
Figura 4. Nódulo de Schmorl na superfície inferior do corpo de
L3 – sambaqui Zé Espinho (RJ). Foto: A. Lessa. Acervo: Museu
Nacional/UFRJ.
Figura 5. Fratura em clavícula esquerda apresentando pseudoartrose – sambaqui da Beirada (RJ). Foto: A. Lessa. Acervo: Museu
Nacional/UFRJ.
496
Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum., Belém, v. 10, n. 2, p. 489-507 maio-ago. 2015
Figura 6. Fratura em fêmur direito apresentando mal alinhamento
dos segmentos ósseos – sambaqui Zé Espinho (RJ). Foto: A. Lessa.
Acervo: Museu Nacional/UFRJ.
Para a investigação do comprometimento articular
foram consideradas bilateralmente as seis principais
articulações dos membros superiores e inferiores, ou seja,
ombro, cotovelo, punho, quadril, joelho e tornozelo.
As alterações ósseas indicativas de comprometimento
articular foram presença de porosidade na superfície
articular, definição das margens articulares com
afilamento de suas bordas, presença de projeção
óssea acentuada e eburnação. Tais alterações foram
consideradas para estabelecimento de uma classificação
do comprometimento articular em quatro níveis, a saber:
sem CA, CA leve, CA moderado e CA intenso.
Para exame das espondilólises foram considerados os
segmentos torácicos e lombares da coluna vertebral. Todas
as vértebras foram analisadas para os seguintes aspectos:
localização da fratura; amplitude da lesão, se parcial ou
completa; ocorrência unilateral ou bilateral; registro do
elemento vertebral acometido; sinais de neoformação
óssea. Fragmentos isolados da região vertebral posterior
(processo espinhoso e processo articular inferior), com
perda tafonômica dos corpos vertebrais, também foram
investigados para sinais de cicatrização na área de separação.
Na investigação dos nódulos de Schmorl todos os
segmentos vertebrais foram analisados para os seguintes
aspectos: localização da lesão em relação à superfície do
corpo vertebral (terço anterior, médio ou posterior), e em
relação ao eixo vertebral (superfície inferior ou superior
do corpo); dimensão e profundidade da lesão.
Foram considerados marcadores de traumas agudos
acidentais as fraturas e luxações (embora não tenham
sido observadas nas séries examinadas). Com exceção
das típicas fraturas associadas à violência interpessoal
(fraturas em depressão no crânio, fraturas na face e fraturas
transversas na epífise distal da ulna), todas as demais fraturas
foram consideradas acidentais. O diagnóstico das fraturas
foi baseado na observação de elementos diagnósticos
estabelecidos segundo critérios anatomopatológicos,
sistematizados da seguinte forma: solução de continuidade
nas estruturas anatômicas; ausência e/ou reabsorção
óssea; neoformação óssea com textura cortical superficial
densa (processo cicatricial) ou textura cortical porosa
(reabsorção ativa). Fraturas peri-mortem apresentando
diagnóstico impreciso não foram consideradas.
Foi considerada evidência de exostose auricular
qualquer hipertrofia óssea observada na área externa do
meato auditivo, a qual pode ser uni ou bilateral, e pode
apresentar tamanho e localização variados.
Foram empregados testes de significância (quiquadrado – 5%) para a comparação de resultados intra
e interséries nas análises de CA e trauma. No entanto,
devido ao número reduzido das séries analisadas em cada
sítio, principalmente após a estratificação, a aplicação de
testes estatísticos mostrou-se um procedimento de valor
relativo. Desta forma, tal como proposto em Mendonça de
497
Marcadores de estresse ocupacional, atividades cotidianas, ambiente e escolhas culturais: uma discussão...
Souza et al., (2003), foi privilegiada a análise exploratória
dos dados, enfatizando-se a significância biocultural
dos mesmos, os quais devem ser considerados como
tendências. Semelhante abordagem foi utilizada para
interpretação dos resultados das análises de espondilólise
e nódulos de Schmorl.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
COMPROMETIMENTO ARTICULAR (CA)
Comparando-se os percentuais de CA entre as três séries
estudadas, segundo o grau de comprometimento articular e
suas ocorrências absolutas, observa-se que Ilhote do Leste
apresentou valores mais altos para os marcadores associados
aos graus moderado e intenso (tabela 1). Além dos indivíduos
desta série apresentarem evidências de CA mais intensas,
graus moderados podem ser observados em indivíduos a
partir dos 20-24 anos, o que não ocorre nas duas outras
séries. Verificou-se também a presença de indivíduos com
graus de comprometimento discrepantes para sua idade,
como um indivíduo masculino entre 30-39 anos com CA
predominantemente inicial, sugerindo a possibilidade de
diferenças nas demandas biomecânicas entre os indivíduos
de uma mesma sub-série. Este fato pode ser explicado pelo
desempenho de tarefas diferenciadas entre indivíduos de
mesmo sexo e faixa etária, o que por sua vez pode estar
associado a condições sociais ou biológicas particulares.
A série do Sambaqui da Beirada apresentou padrão de
CA menos acentuado, enquanto a série do Sambaqui Zé
Espinho apresentou um padrão de comprometimento
articular intermediário entre Beirada e Ilhote do Leste.
Comparados os percentuais segundo sexo, os impactos
articulares, em geral, foram mais expressivos em homens do que
em mulheres, sugerindo maior demanda naqueles (tabela 1).
A única exceção foi verificada no Sambaqui da Beirada,
especialmente nos membros inferiores, provavelmente em
decorrência de problemas de representatividade nessa série.
Apesar do CA mais expressivo ter ocorrido entre masculinos,
verifica-se que as frequências obtidas para membros
superiores e inferiores entre os indivíduos femininos do Ilhote
do Leste, considerando-se ocorrências de CA moderado e
intenso, são maiores do que as frequências obtidas para os
indivíduos masculinos das demais séries aqui representadas.
Esses dados sugerem que as demandas articulares nas
mulheres deste sítio foram mais acentuadas até mesmo do
que aquelas experimentadas por homens dos outros grupos.
O mesmo pode ser observado comparando os percentuais
de CA intenso nos membros, categoria em que os indivíduos
femininos do Ilhote do Leste apresentam percentuais
inferiores apenas aos masculinos dessa mesma série.
Tabela 1. Frequências percentuais e absolutas ( ) de indivíduos com comprometimento articular nas séries Beirada, Zé Espinho e Ilhote do
Leste segundo sexo e grau dos marcadores observados (considerando-se o total de áreas articulares).
Beirada
M. Superiores
Zé Espinho
M. Inferiores
M. Superiores
Ilhote do Leste
M. Inferiores
M. Superiores
M. Inferiores
♀
♂
♀
♂
♀
♂
♀
♂
♀
♂
♀
♂
Sem CA
17,6
(3)
18,5
(5)
9,1
(1)
37,5
(6)
21,4
(3)
8,7
(2)
40
(6)
13,0
(3)
0
0
14,3
(3)
0
Leve
52,9
(9)
48,1
(13)
63,6
(7)
62,5
(10)
42,9
(6)
47,8
(11)
46,7
(7)
65,2
(15)
38,1
(8)
16,7
(4)
28,6
(6)
41,2
(7)
Moderado
23,5
(4)
33,3
(9)
27,3
(3)
0
28,6
(4)
39,1
(9)
13,3
(2)
21,7
(5)
47,6
(10)
62,5
(15)
52,3
(11)
52,9
(9)
Intenso
5,9
(1)
0
0
0
7,1
(1)
4,3
(1)
0
0
14,3
(3)
20,8
(5)
4,8
(1)
5,9
(1)
498
Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum., Belém, v. 10, n. 2, p. 489-507 maio-ago. 2015
Este resultado mais uma vez destaca uma
particularidade da série Ilhote do Leste, uma vez que,
tradicionalmente, espera-se que os homens estejam
envolvidos com a maior parte das atividades que demandem
esforço físico mais intenso, e consequentemente estejam
também expostos a um maior risco de dano articular.
Considerando-se que variações relacionadas à idade não
foram determinantes nestas séries para o desenvolvimento
do CA, outras explicações devem ser buscadas.
Com relação à localização das articulações afetadas,
espera-se, para séries entendidas como sedentárias e
com ampla possibilidade de deslocamentos através de
grandes corpos d`água, um maior comprometimento
dos membros superiores. Considerando-se os dados para
CA em conjunto, existem variações perceptíveis entre as
séries, embora o punho e o cotovelo sejam as articulações
mais afetadas no geral. No punho, predominam casos
moderados na série Ilhote do Leste, em ambos os sexos
(57,1% nos femininos e 66,7% masculinos) e entre
masculinos da série Zé Espinho (57,1%). Graus intensos
de CA são observáveis apenas entre femininos da série
Beirada (33,3%) e em ambos os sexos da série Ilhote
do Leste (14,3% em femininos e 33,3% em masculinos).
O ombro, articulação também exigida no uso de remos,
só apresenta casos de CA intensos na série do Ilhote do
Leste em ambos os sexos (16,7% femininos e 11,1% em
masculinos), o que corrobora a hipótese de Tenório (2003)
de uso regular e intensivo de embarcações por este grupo,
dada sua inserção em ambiente insular e condições de
navegabilidade difícil na maior parte do ano.
Nos membros inferiores, a articulação do joelho parece
ter sido a mais solicitada, embora o comprometimento
tenha sido variável entre as séries. Entre as mulheres do
Sambaqui da Beirada esta articulação apresentou 50% dos
casos em grau moderado, contra nenhuma ocorrência
moderada ou intensa em masculinos. Ocorrências
moderadas nessa articulação foram também observadas
em indivíduos masculinos da série Zé Espinho (37,5%)
e em ambos os sexos na série Ilhote do Leste (50% em
femininos e 66,7% em masculinos). Marcadores intensos
foram observados apenas na série Ilhote do Leste. Esta
articulação executa principalmente os movimentos de
extensão e flexão da perna, possuindo uma grande
estabilidade em extensão máxima e apresentando-se
instável quando flexionada (Kapandji, 2000). Sua posição
intermediária entre as articulações do membro inferior
faz com que participe, ou seja afetada, pela maior parte
dos movimentos e posturas deste membro. A presença
dos marcadores, portanto, pode estar associada tanto
aos movimentos realizados durante a marcha quanto a
demandas posturais regulares e prolongadas.
As articulações do quadril e do tornozelo foram as
menos afetadas, não sendo verificadas em nenhuma série
graus intensos de CA.
ESPONDILÓLISES E NÓDULOS DE SCHMORL
Apenas as séries Ilhote do Leste e Zé Espinho apresentaram
conservação adequada dos segmentos vertebrais para o
exame das espondilólises (tabela 2) e dos os nódulos de
Schmorl (tabela 3), os quais podem ser considerados bons
marcadores do grau de esforço demandado durante a
realização de atividades físicas cotidianas. Sua ocorrência
está estreitamente vinculada tanto ao elemento sobrecarga,
incidindo sobre o eixo axial, quanto à repetição de movimentos
nos segmentos médios e inferiores da coluna vertebral.
Foram observadas frequências excepcionalmente
altas de espondilólises (71,4%) e de nódulos de Schmorl
(50%) para a série Ilhote do Leste. Estes valores estão
muito acima daqueles observados em outras séries précoloniais em várias partes do mundo, cuja frequência varia
entre 4,5% e 29,6% para o primeiro marcador e entre
15,6% e 27,4% para o segundo.
A quantificação das espondilólises por sexo para esta
série demonstra freqüências de 80% para os homens e
50% para as mulheres; para os nódulos de Schmorl as
frequências foram de 60% para os homens e 33,3%
para as mulheres. Estes dados, mais uma vez, reforçam
a tendência anteriormente observada para os demais
499
Marcadores de estresse ocupacional, atividades cotidianas, ambiente e escolhas culturais: uma discussão...
Tabela 2. Frequências percentuais de indivíduos com espondilólise nas séries Ilhote do Leste e Zé Espinho segundo sexo. N = número
de indivíduos analisados. L = número de lesionados. * Percentuais calculados sobre o número de indivíduos analisados de cada subgrupo
(masculino e feminino).
Sítio
Masculinos
Femininos
Total
N
L
%*
N
L
%*
N
L
%
Ilhote do Leste
05
04
80
02
01
50
07
05
71,4
Zé Espinho
07
-
-
03
-
-
12
-
-
Tabela 3. Frequências percentuais de indivíduos com nódulo de Schmorl nas séries Ilhote do Leste e Zé Espinho segundo sexo. N = número
de indivíduos analisados. L = número de lesionados. * Percentuais calculados sobre o número de indivíduos analisados de cada subgrupo
(masculino e feminino).
Sítio
Masculinos
Femininos
Total
N
L
%*
N
L
%*
N
L
%
Ilhote do Leste
05
03
60
03
01
33,3
08
04
50
Zé Espinho
08
02
25
04
-
-
12
2
17
marcadores, de expressiva demanda física para a série de
Ilhote do Leste, especialmente entre as mulheres.
Conjugando -se esses dados com aqueles
anteriormente discutidos para CA, uma possível explicação
para este padrão de sobrecarga na região vertebral inferior
é a realização constante da atividade de remar, a qual está
entre as três mais diretamente associadas à incidência de
espondilólises em atletas modernos (Soler; Calderón,
2000). Os fatores que concorrem para o aparecimento
dessas lesões são os típicos movimentos de rotação e
hiperextensão da coluna durante as remadas, acrescidos
da carga proveniente da resistência da água contra o remo.
A alta frequência de nódulos de Schmorl, por sua
vez, pode estar relacionada à utilização de embarcações
em mar aberto e revolto. As ondas de grande porte e as
fortes correntes que caracterizam o oceano na porção
meridional da Ilha Grande dificultariam a permanência
dos indivíduos em pé dentro da embarcação, obrigandoos a permanecerem sentados, o que causaria constantes
e fortes impactos no eixo vertebral. Estes impactos,
aliados aos movimentos de remada, podem ser os
fatores responsáveis pela compressão excessiva dos
discos intervertebrais.
Outros aspectos do contexto ambiental da ilha,
assim como alguns dados do registro arqueológico e dados
paleoepidemiológicos, dão suporte às interpretações
aqui propostas, a saber, a associação entre as lesões no
segmento vertebral e a atividade de remar em mar aberto
e revolto. Em relação à perspectiva ambiental, deve ser
considerada a localização insular do sítio, a qual certamente
mediou uma estreita relação deste grupo com o oceano,
em particular em uma área desprotegida, a Praia do sul,
propensa a grandes ondas e fortes correntezas, exceto
apenas no verão. Segundo Tenório (2003), ainda hoje é
restrito o acesso a esta parte da ilha, onde está localizado
o sítio, uma vez que as pequenas embarcações encontram
dificuldades para atravessar a Ponta do Drago, no lado
leste da Ilha, e a Ponta do Castelhano, no lado oeste.
As trilhas ainda existentes, embora estejam localizadas
em antigos caminhos d’água, cortam um relevo muito
íngreme, contribuindo para o relativo isolamento das
populações caiçaras atuais.
Do ponto de vista arqueológico, a presença na ilha
de 35 oficinas líticas com concentrações de amoladorespolidores fixos (total de 1379 sulcos), estando a grande
maioria deles localizados na sua porção meridional, em
500
Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum., Belém, v. 10, n. 2, p. 489-507 maio-ago. 2015
oposição a apenas dois sítios com sepultamentos, sugere a
existência de centros de produção e distribuição de lâminas
de machado. Esta hipótese também se apoia no fato de
que, embora muitos sítios pré-cerâmicos registrados no
litoral do Rio de Janeiro apresentem lâminas de machado
polidas, os amoladores-polidores fixos estão concentrados
em apenas duas áreas (Tenório, 2003). Diante da
localização do sítio, como discutido acima, é natural supor
que o escoamento desta produção fosse feita através de
deslocamentos marítimos, inclusive em mar aberto.
Os dados faunísticos (Tenório 2003), por sua vez,
mostram a expressiva presença de dentes de tubarões
agressivos e de alto mar, como o Carcharodon carcharias
(tubarão-branco), o Isurus oxyrinchus (tubarão-anequim) e
o Galeocerdo cuvieri (tubarão-tigre), cuja captura só seria
possível através do uso de embarcações.
Apesar de uma relação intensa com o mar aberto
estar sendo considerada a principal explanação para
o padrão de lesões observado na série do Ilhote do
Leste, certamente outras atividades com sobrecarga na
região vertebral inferior contribuíram para a formação
de espondilólises e nódulos de Schmorl, tal como o
carregamento de matéria prima para a confecção das
lâminas polidas. Segundo Soler e Calderón (2000),
o levantamento de pesos contribui para 12,9% das
espondilólises em atleta modernos.
Em relação a série Zé Espinho, os resultados
apontam em direção contrária àquela observada
na série Ilhote do Leste, sugerindo realização de
atividades bem menos extenuantes. A total ausência
de espondilólises, e a ocorrência de nódulos de
Schmorl em apenas 25% dos homens e ausência
entre as mulheres, apontam para um baixo nível
de impacto mecânico, principalmente no eixo axial.
Mais uma vez, a localização do sítio em consonância
com as escolhas culturais de seus habitantes possivelmente
estão associados a um estilo de vida menos voltado para
uma relação intensa com o mar aberto. Sua localização,
na Planície de Maré de Guaratiba, a qual representa a
transição entre os ambientes marinho e continental, e a
aproximadamente 2 km da baía de Sepetiba, insere os
habitantes do Zé Espinho em um rico ambiente de mangue
e de águas estuarinas. A ausência de espécies marinhas
capturadas mais distantes da costa, salvo os raros casos de
encalhe, e a expressiva presença de bivalves e gastrópodes
que vivem em ambientes de água salobra e/ou em águas
rasas de fundos de areia e lama (ex. Crassostrea rhizophorae,
Ostrea sp, Lucina pectinata e Strombus pugilis ) (Kneip,
1987), confirmam a exploração intensa do mangue e da
baía. Tal como demonstrado anteriormente, a exploração
de ambientes de baia e lagunares parece estar associado
a um cotidiano com demandas físicas menos intensas do
que o observado para ambientes de mar aberto.
FRATURAS ACIDENTAIS
Com relação às fraturas acidentais (tabela 4), as diferenças
observadas entre as séries devem ser consideradas não
apenas em relação aos valores, mas principalmente ao tipo
de fratura predominante para cada grupo e interpretação
biomecânica dos eventos causativos.
Tabela 4. Frequências percentuais de traumas agudos acidentais nas séries Beirada, Zé Espinho e Ilhote do Leste segundo sexo. N = número
de indivíduos analisados. L = número de lesionados. * Percentuais calculados sobre o número de indivíduos analisados de cada subgrupo
(masculino e feminino).
Sítio
Masculinos
N
L
Femininos
%*
N
L
Total
%*
N
L
%
Ilhote do Leste
15
1
6,7
12
2
16,6
27
3
11,1
Zé Espinho
9
2
22,2
6
1
16,6
15
3
20
Beirada
10
1
10
6
2
33,3
16
3
18,7
501
Marcadores de estresse ocupacional, atividades cotidianas, ambiente e escolhas culturais: uma discussão...
Embora o percentual de fraturas tenha sido
expressivamente mais alto na série da Beirada do que na
série do Ilhote do Leste (tabela 2), o que chama a atenção
é o fato de apresentarem interpretações biomecânicas
distintas. Enquanto na série Ilhote do Leste não pôde ser
observado um padrão bem definido (3,3% de fraturas em
vértebras cervicais e 3,3% de esmagamento em ossos de
pé), na série da beirada as fraturas mais comuns ocorreram
nos membros superiores (12,5%), estando associadas a
quedas com apoio ou impacto direto sobre os braços.
De uma forma geral, este tipo de acidente entre
grupos litorâneos tem sido interpretado principalmente
como o resultado de constantes deslocamentos sobre
os costões rochosos, os quais se constituem ambientes
naturalmente propícios a escorregões e quedas devido à
sua superfície irregular e escorregadia, e ainda por estarem
sujeitos ao impacto constante de ondas. Os deslocamentos
sobre os costões provavelmente ocorreriam entre
indivíduos de ambos os sexos, adultos e subadultos, a fim
de realizarem atividades tais como a coleta de moluscos
marinhos aderidos às zonas intertidais, a observação de
cardumes e das condições do mar e do tempo, e a pesca
com anzol, atividades ainda hoje comuns entre pescadores
artesanais e populações caiçaras.
Considerando-se a interpretação acima mencionada,
os percentuais expressivamente mais baixos observados
na série Ilhote do Leste, sem associação com o padrão
supracitado, sugerem que os deslocamentos através dos
costões seriam menos constantes, uma vez que as atividades
relacionadas seriam praticadas em outro contexto. Em
relação à coleta de moluscos, embora ainda hoje existam
bancos de mexilhões (Perna sp.) nos costões da ilha,
aparentemente este recurso não era privilegiado por seus
antigos habitantes, na medida em que, segundo Tenório
(2003), os restos faunísticos malacológicos indicam apenas
a presença de moluscos do mangue, tais como Ostrea sp. e
Lucina pectinata. A observação de cardumes e das condições
do mar, por sua vez, poderia ser feita do alto do próprio
morrote, localizado junto à faixa intermarés, e cuja altura
atualmente chega a 20 metros. Finalmente, a pesca com
anzol parece ter sido pouco frequente entre os habitantes
do Ilhote do Leste, tendo sido encontrados apenas três
exemplares deste artefato confeccionados sobre esporão de
bagre. De qualquer forma, este tipo de pesca poderia ser
realizado de dentro de embarcações, a qualquer distância
da costa. Por outro lado, embora a grande presença de
amoladores-polidores fixos indique uma intensa exploração
dos afloramentos rochosos na ilha, sua utilização não
implicaria no deslocamento constante entre rochedos, como
é frequente na coleta de moluscos. Formas diferentes de
apropriação do ambiente parecem ter impacto diferenciado
sobre o risco de traumas acidentais.
A utilização de embarcações pode ser considerada
uma atividade importante entre este grupo, tal como
sugerido pelos marcadores osteológicos e evidências
arqueológicas acima discutidos, tendo consequências
diretas sobre os baixos percentuais de fraturas acidentais.
Os deslocamentos, para diversos fins, ocorreriam
predominantemente por via marítima, cujos acidentes
dificilmente causam fraturas, ao contrário da utilização de
vias terrestres, as quais, no caso da Ilha grande, obriga
necessariamente a transposição de trilhas irregulares e
perigosas através de altos morros, cobertos por mata Atlântica.
A baixa mobilidade através dos morros cobertos pela
Mata Atlântica, apesar da sua proximidade com o sítio Ilhote
do Leste, é sugerida também a partir da quase ausência de
fauna terrestre típica deste habitat, a qual, segundo Tenório
(2003) representa menos de 1% do total de restos ósseos
faunísticos encontrados no sítio.
No sambaqui da Beirada, ao contrário do que foi
observado no Ilhote do Leste, foi encontrada grande
quantidade de valvas de molusco marinho da família Mytilidae
(Brachidontes exustus), encontrados nas praias de mar
aberto, aderidos aos costões rochosos nas zonas intermarés
(Kneip, 1994; Kneip; Araújo; Fonseca , 1995). Devido à
quantidade expressiva destes moluscos, Kneip sugere que
eles seriam coletados nos costões localizados próximos à
entrada dos canais de marés, distantes aproximadamente
502
Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum., Belém, v. 10, n. 2, p. 489-507 maio-ago. 2015
10 km, e transportados através de embarcação até o
assentamento. Embora os dados arqueológicos indiquem
que a exploração do mar aberto foi, de uma forma geral,
pouco expressiva entre este grupo, os deslocamentos sobre
os costões rochosos para a coleta deste molusco podem
estar associados ao percentual de fraturas acidentais nos
membros superiores observados na série.
Na série Zé Espinho, as fraturas com percentual
mais expressivo estão localizadas no eixo vertebral e
nos membros inferiores (13,3%), associadas a forças
compressivas verticais. Dentro do contexto arqueológico
pré-colonial, as causas mais prováveis para estes tipos
de fraturas são as quedas de grandes alturas nas posições
sentada ou de pé. Uma possível atividade associada a este
padrão de fraturas seria a escalada de grandes árvores.
Segundo Araújo (1987), a vegetação original predominante
na região da Baixada Guaratiba-Sepetiba era composta
por quatro tipos de floresta, duas delas com vegetação de
grande porte. São as florestas paludosa, cujo estrato arbóreo
atinge a altura média de 10m, e a floresta pluvial atlântica,
com média de 30m. É possível, portanto, que a escalada
de determinadas espécies para a extração de frutos e fibras
esteja associada às fraturas observadas na série Zé Espinho.
EXOSTOSES AURICULARES
Estudos clínicos e paleopatológicos têm associado o
desenvolvimento de exostoses auriculares à influência
de determinados fatores ambientais, tais como estímulos
químicos e mecânicos, os quais provocariam irritação do canal
auditivo e subsequente estímulo de processos osteogênicos.
Os principais fatores associados são a exposição do canal
auditivo aos ambientes aquáticos com temperatura abaixo
dos 19º, a baixas temperaturas atmosféricas (Fowler;
Osmun, 1942; Filipo; Fabiani; Barbara , 1982; Kennedy
1986; Hutchinson et al., 1997; Standen; Arriaza; Santoro,
1997), e a ventos frios (Fabiani; Barbara; Filipo, 1984).
Estudos realizados com atletas que praticam
diferentes esportes aquáticos indicam que não é necessário
o contato direto do canal auditivo com a água, uma vez
que os respingos e a forte umidade presente nos ambientes
marinhos aliados a ventos frios são suficientes para resfrialo e provocar irritação local. Por outro lado, a proteção
do canal auditivo com tampões e capuzes é capaz de
evitar o desenvolvimento de exostoses, mesmo quando
há constante exposição aos fatores supracitados ( Fabiani;
Barbara; Filipo, 1984; Deleyiannes; Cockcroft; Pinczower,
1996; Timofeev; Notkina; Smith, 2004)
Embora a exploração de ambientes marinhos,
em maior ou menor grau, seja esperada entre grupos
sambaquieiros, não foram observadas exostoses nas três
séries examinadas, resultado semelhante ao observado por
Okumura e colaboradores (2007) para as séries Beirada e
Zé Espinho. Apesar das autoras terem chamado a atenção
para o fato de que as irritações do canal podem ser mitigadas
através de práticas culturais, a ausência de exostoses entre
estes grupos foi associada à exposição a condições ambientais
observadas para o litoral do estado do Rio de Janeiro como
um todo, condições estas normalmente observadas em
regiões de baixa latitude. De uma forma geral, portanto,
os grupos estariam expostos a ambientes marinhos com
temperaturas sempre superiores a 19° C; pouca variação da
temperatura atmosférica, com médias não inferiores a 20° C
no inverno; e incidência moderada de ventos frios (variação
de 150 - 300 kg cal/m2/h entre o verão e o inverno).
No entanto, no estudo supracitado não foi considerada
a existência do fenômeno da ressurgência nos oceanos,
cuja investigação sistemática teve início a partir da década de
1950. A tradição oral, por sua vez, indica um conhecimento
muito antigo deste fenômeno por parte de pescadores
artesanais, os quais são capazes de prever com dias de
antecedência as alterações do mar e do tempo.
Atualmente, o fenômeno é caracterizado pelo
afloramento de águas profundas, frias e ricas em
nutrientes em determinadas regiões dos oceanos.
Os nutrientes carregados pelas águas profundas promovem
o desenvolvimento do plâncton (algas, bactérias,
protozoários e outros organismos como minúsculos
crustáceos), os quais constituem a base da cadeia alimentar
503
Marcadores de estresse ocupacional, atividades cotidianas, ambiente e escolhas culturais: uma discussão...
no oceano, fornecendo alimento aos organismos marinhos
e contribuindo para o aumento das populações. Ocorre
durante todo o verão, com um pico secundário no final
da primavera, devido à ação dos ventos predominantes
do quadrante leste/nordeste, os quais afastam as correntes
da camada superficial e promovem um movimento
ascendente junto à costa da denominada Água Central
do Atlântico Sul (ACAS), vinda do hemisfério sul. A
temperatura indicativa da ressurgência é de 18º C, índice
térmico superior da ACAS, podendo alcançar uma
temperatura até 10° C mais baixa do que nas áreas onde
não ocorre o fenômeno. No Estado do Rio de Janeiro,
o núcleo central da ressurgência é observado na região
de Arraial do Cabo/Cabo Frio e áreas adjacentes a oeste
até a Baía da Guanabara (Torres, 1995; Carvalho; Cabral;
Fernandez, 2003; Silva; Dourado; Candella, 2006).
A área de dispersão do fenômeno inclui, portanto, as
praias de Saquarema, próximas ao sambaqui da Beirada.
Partindo-se do pressuposto de que o grupo do
sambaqui da Beirada explorasse o ambiente marinho para
a coleta de moluscos nas zonas intertidais dos costões,
tal como discutido anteriormente, e que este ambiente
reproduz as condições necessárias para o desenvolvimento
de exostoses, sua ausência deve estar relacionada a
algum elemento cultural mitigador. Uma possibilidade é a
utilização de algum tipo de protetor para o canal auditivo,
tal como sugerido pelos autores supracitados, ou ainda,
de forma também plausível, a exploração mais regular do
mar aberto durante as épocas do ano em que não ocorre
a ressurgência. Esta prática seria, inclusive, uma forma
mais eficiente de exploração dos recursos, caso a coleta
fosse realizada logo após o fim do período de ocorrência
do fenômeno. Este seria um momento de abundância de
recursos, uma vez que durante toda a estação anterior as
águas ricas em nutrientes teriam atuado diretamente sobre
os mecanismos ecológicos de produção, aumentando a
produtividade biológica local.
O sambaqui Ilhote do Leste, ao contrário, não está
localizado em área sujeita aos efeitos da ressurgência. No
entanto, o grupo explorava sistematicamente o mar aberto,
conforme sugerido pela localização do assentamento, junto
à linha d`agua, e pelas evidências arqueológicas. O contato
direto e constante com a água salgada (Peixoto 1989) e a
ação dos ventos frios e fortes (Fabiani; Barbara; Filipo, 1984)
principalmente em determinadas estações, também seriam
fatores de risco para o desenvolvimento das exostoses.
Neste sentido, Tenório (2003) chama a atenção para a
incidência direta sobre o sítio de ventos do quadrante sul,
muito fortes e gelados, durante o inverno. Ainda segundo a
autora, é possível que durante este período, ou durante as
fortes ventanias, os habitantes do Ilhote do Leste ocupassem
dois pequenos abrigos sob rocha existentes na base do
morrote. Não foi encontrado material arqueológico dentro
desses abrigos, no entanto esta ausência pode ser explicada
pelo fato de atualmente estarem ao alcance das marés. O
uso desses abrigos seria, portanto, uma proteção contra
o constante contato com os ventos mais frios e fortes,
atenuado as inflamações no canal auditivo.
Por outro lado, é possível que durante o inverno
não fossem feitas incursões ao mar aberto, quando haveria
contato mais prolongado tanto com a água, devido aos
respingos e natural umidade do vento, quanto com os
fortes ventos. As incursões ao mar aberto poderiam ser
facilmente evitadas na medida em que, segundo Tenório
(2003), a pesca artesanal que caracteriza a economia atual
da praia do Aventureiro, onde está localizado o sítio, indica
que nesta região um dos pescados mais típicos desta estação
é a tainha (Mugil platanus), capturada através de redes de
arrasto puxadas da praia. Novamente, fatores de ordem
cultural podem estar associados à ausência das exostoses.
No caso da série Zé Espinho, a ausência de
exostoses pode estar associada tanto à localização
do sítio, distante alguns quilômetros do mar aberto,
quanto à sua estratégia de captação de recursos, voltada
primordialmente para a exploração dos sistemas estuarino
(baía de Sepetiba) e de mangue.
A partir da discussão aqui apresentada, é possível
perceber que mesmo resultados idênticos, como estes
504
Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum., Belém, v. 10, n. 2, p. 489-507 maio-ago. 2015
obtidos para exostose, podem guardar estreita relação
com modos de vida diferenciados. Enfatiza-se, portanto,
a validade de interpretações menos generalizadas e mais
voltadas para contextos ambientais e culturais específicos,
a fim de se compreender de forma mais aprofundada o
cotidiano de grupos os quais, em uma primeira abordagem,
parecem compartilhar modos de vida idênticos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A integração entre os dados de distintos marcadores ósseos
aqui examinados revelou-se uma ferramenta útil para se
perceber as particularidades de três grupos pré-coloniais
os quais, por compartilharem alguns elementos gerais
semelhantes, como a exploração do ambiente costeiro
e a subsistência com base principalmente nos recursos
marinhos, têm sido associados a um mesmo estilo de vida.
A identificação e o entendimento da variabilidade
nas atividades cotidianas é condição fundamental para
a extrapolação dos quadros gerais sobre ocupação
pré-colonial da nossa costa, a partir da construção de
sínteses regionais que possam contemplar também as
particularidades próprias de cada estilo de vida.
Tenório (2003) chama a atenção para a grande
mobilidade permitida pela utilização de vias aquáticas,
condição a qual, aliada à característica agregadora da
exploração dos recursos marinhos, teria propiciado um
intenso fluxo de pessoas e informações. Tendo como
base o conceito de fatores de etnicidade desenvolvido por
Hodder (1982), é razoável aventar a possibilidade de que as
particularidades observadas nos estilos de vida dos grupos
aqui examinados possam ter extrapolado a relação direta do
homem com o meio, atuando dentro de cada sub-sistema
regional como elementos de diferenciação e reforço de
identidade dentro do amplo sistema sambaquieiro.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos as críticas e sugestões dos pareceristas
anônimos, assim como a atenção dispensada pelos
editores da revista.
REFERÊNCIAS
ALVIM, M.C.M.. Populações e culturas pré-históricas do Brasil.
Brasília: Assessoria de Relações Públicas da Fundação Nacional do
índio/Ed. Graf. Alvorada Ltda, 1972.
ALVIM, M.C.M. Caracterização da morfologia cranial das
populações pré-históricas do litoral meridional brasileiro (Paraná
e Santa Catarina). Arquivos de Anatomia e Antropologia, v. III,
p. 293-319, 1978.
ALVIM, M.C.M.; UCHÔA, D. P. Contribuição ao estudo das
populações de sambaquis – os construtores do sambaqui de
Piaçagüera. Pesquisas – Instituto de Pré-História/USP, v. 1, 43 p., 1976.
ALVIM, M.C.M.; MELLO FILHO, D.P. Morfologia Craniana da
população do Sambaqui de Cabeçuda (Laguna, Santa Catarina) e
sua relação com outras populações de paleoameríndios do Brasil.
In: sn, Homenaje a Juan Comas em su 65 Aniversario, Mexico,
v. 2, p. 359-366, 1965.
ALVIM, M.C.M.; MELLO FILHO, D.P. Morfologia da população
do Sambaqui do forte Marechal Luz (Santa Catarina). Revista de
Antropologia, n. 15/16, p. 1-12, 1967/68.
ALVIM, M.C.M.; SEYFERTH, G. Estudo morfológico do úmero na
população do Sambaqui de Cabeçuda (Laguna, Sta. Catarina). Revista
do Museu Paulista, nova série, n. XVIII, p. 119-126, 1968/1969.
ALVIM, M.C.M.; SEYFERTH, G. O fêmur na população do Sambaqui
de Cabeçuda (Laguna, Estado de Santa Catarina, Brasil). Estudo
morfológico e comparativo. Boletim do Museu Nacional, nova
série, n. 24, p. 1-14, 1971.
ALVIM, M.C.M.; SOARES, M.C. & CUNHA, P.S. Traços não métricos
cranianos e distância biológica em grupos indígenas interioranos e do
litoral do Brasil. ‘Homem de Lago Santa’, índios Botocudos e construtores
de sambaquis. Arquivos do Museu Nacional de História Natural da
Universidade Federal de Minas Gerais, v. 8/9, p. 323-38, 1983/1984.
ALVIM, M.C.M.; VEIRA, M.I. & CHEUICHE, L.M.. Os construtores
dos sambaquis de Cabeçudas, SC e de Piaçaguera, SP: estudo
morfológico comparativo. Arquivos de Anatomia e Antropologia,
v. 01, p. 393-406, 1975.
BARBOSA, M.G.A. Ocupação pré-colonial da Região dos
Lagos, RJ: Sistema de assentamento e relações intersocietais
entre grupos sambaquianos e grupos ceramistas Tupinambá e
da Tradição Una. Tese de Doutorado. Museu de Arqueologia e
Etnologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
BECK, A. A variação do conteúdo cultural dos sambaquis do
litoral de Santa Catarina. Tese de Doutorado. Universidade de
São Paulo, São Paulo, 1973.
BUIKSTRA, Jane; UBELAKER, Douglas. Standards for Data
Collection from Human Skeletal Remains. Fayetteville: A.K
Arkansas Archaeological Survey, 1994.
505
Marcadores de estresse ocupacional, atividades cotidianas, ambiente e escolhas culturais: uma discussão...
CARVALHO, G. A.; CABRAL, A. P.; FERNANDEZ, M.A. Correlação
entre o campo de vento médio e um índice que define a intensidade da
ressurgência na região do Cabo Frio (23ºs / 42ºw) através da análise de
dados orbitais (QUIKSCAT / AVHRR). In: Anais XI Simpósio Brasileiro
de Sensoriamento Remoto, Belo Horizonte: INPE, p. 1509-1514, 2003.
CASTRO FARIA, L. Pesquisas de Antropologia Física no Brasil. Boletim
do Museu Nacional, Série Antropologia, v. 13, p. 1-106, 1952.
CHMYZ, I. A ocupação do litoral dos estados do Paraná e Santa
Catarina por povos ceramistas. Estudos Brasileiros, v. 1, p. 7-43, 1976.
DELEYIANNIS, F.W.; COCKCROFT, B.D.; PINCZOWER, E.F.
Exostoses of the external auditory canal in Oregon surfers. American
Journal of Otolaryngology, v. 17, p. 303-307, 1996.
DIAS JR., O. Síntese da Pré-História do Rio de Janeiro - Uma tentativa
de Periodização. Histórica, Rio de Janeiro, v. I, n. 2, p. 75-83, 1972.
FABIANI, M.; BARBARA, M.; FILIPO, R.1984. External ear canal
exostosis and aquatic sports. Orl J Otorhinolaryngol Relat Spec,
v. 46, p. 159-164, 1984.
FILIPO, R.; FABIANI, M.; BARBARA, M. External ear canal exostosis:
A physiopathological lesion in aquatic sports. J Sports Med Phys
Fitness, v. 22 p. 329-339, 1982.
FOWLER, E.J.; OSMUN, P. New bone growth due to cold water in
the ears. Acta Otolaryngol, v. 36, p. 455-466, 1942.
GASPAR, M.D.; DEBLASIS, P. Construção de sambaqui. In: Anais
da VI Reunião Científica da Sociedade de Arqueologia Brasileira,
v. I, Rio de Janeiro, p. 172-179, 1992.
GASPAR, M.D. Sambaqui: Arqueologia do Litoral Brasileiro. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
GASPAR, M.D. Aspectos da Organização social de pescadorescoletores: região compreendida entre a Ilha Grande e o delta do
Paraíba do Sul, Rio de Janeiro. Pesquisas Antropologia, n. 59, 2003.
HODDER, I. Symbols in Action: ethnoarchaeological of material
culture. Cambridge: Cambridge University Press, 1982.
KENNEDY, G.E. The relationship between auditory exostoses and
cold water: A latitudinal analysis. American Journal of Physical
Anthropology, v. 71 p. 401-415, 1986.
KNEIP, L.M. Coletores e Pescadores Pré-históricos de Guaratiba
- Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: UFRJ, 1987.
KNEIP, L.M. Cultura Material e Subsistência das Populações Préhistóricas de Saquarema, RJ. Documento de Trabalho, Série
Arqueologia, n. 2. Rio de Janeiro: Museu Nacional/UFRJ, 1994.
KNEIP, L.M.; PALLESTRINI, L. Arqueologia: estratigrafia, cronologia
e estruturas do Sambaqui Zé Espinho. In: KNEIP L.M. (org).
Coletores e Pescadores Pré-históricos de Guaratiba - Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro, Editora UFRJ/ Eduff, 1987, p. 89-141.
KNEIP, L.M.; MACHADO, L.C. Os Ritos Funerários das Populações
Pré-Históricas de Saquarema, RJ: Sambaquis da Beirada, Moa e
Pontinha. Documento de Trabalho, Série Arqueologia, n. 1. Rio
de Janeiro: Museu Nacional/UFRJ, 1993.
KNEIP, L.M.; ARAÚJO, D.; FONSECA, V. Áreas de exploração
de recursos abióticos e bióticos das populações pré-históricas de
Saquarema, RJ. Documento de Trabalho, n. 3 – Série Arqueologia,
Museu Nacional, p. 03-12, 1995.
LACERDA, J.B. A morfologia craneana do homem dos sambaquis.
Revista da Exposição Anthropológica Brazileira, v. 4 p. 133-137,
1882.
LACERDA, J.B. O Homem dos sambaquis. Archivos do Museu
Nacional, v. 6, p. 175-203, 1885.
LARSEN, C.S.; WALKER, P. Bioarchaeology: Health, Lifestyle, and
Society in Recent Human Evolution. In: LARSEN, C.S. (org). A
Companion to Biological Anthropology. Chichester: Blackwell
Publishing, p. 379-394, 2010
LESSA, A. Daily risks: A biocultural approach to acute trauma in
pré-colonial coastal populations from Brazil. International Journal
of Osteoarchaeology, v. 21, p. 77-89, 2011.
LESSA, A; COELHO, I. Lesões vertebrais e estilos de vida diferenciados
em dois grupos sambaquieiros do litoral Fluminense. Revista do
Museu de Arqueologia e Etnografia, n. 20, p. 77-89, 2010.
HUBBE, M. Análise biocultural dos remanescentes ósseos
humanos de Porto do Rio Vermelho 02 (SC-PRV-02) e suas
implicações para a colonização da costa brasileira. Tese de
Doutorado. Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2006.
LIMA, T.A. Em busca dos frutos do mar: os pescadores-coletores do
litoral centro-sul do Brasil. Revista da Universidade de São Paulo,
n. 44, p. 270-327, 1999/2000.
HUTCHINSON, D. L; DENISE, C. B; DANIEL, H. J.; KALMUS,
G. W. A reevaluation of the cold water etiology of external auditory
exostoses. American Journal of Physical Anthropology, v. 103,
p. 417-422, 1997.
MACHADO, L.C.; KNEIP, L. Padrões dentários, dieta, e subsistência
das populações dos sambaquis de Saquarema. Anais da VII Reunião
Científica da Sociedade de Arqueologia Brasileira, v. 8, n. 1, p.
45-57, 1994.
IMBELLONI, J. Sobre los constructores de los sambaquis
(yacimientos de Paraná y Santa Catarina). XXXI Congresso
Internacional de Americanistas, p. 967-997, 1955.
MENDONÇA DE SOUZA, A. A Pré-História Fluminense. Rio
de Janeiro: Instituto Estadual do Patrimônio Cultural e Secretaria
Estadual de Educação e Cultura Brasileira, 1981.
506
Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum., Belém, v. 10, n. 2, p. 489-507 maio-ago. 2015
MENDONÇA DE SOUZA, A. História da Arqueologia Brasileira.
Pesquisas, Série Antropologia, v. 46. 157 p., 1991.
MENDONÇADESOUZA, S.M.F. Estresse, Doença e
Adaptabilidade: Estudo comparativo de dois grupos préhistóricos em perspectiva biocultural. Tese de Doutorado, Rio
de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública, 1995.
NEVES, W. Paleogenética dos grupos pré-históricos do litoral sul
do Brasil (Paraná e Santa Catarina). Pesquisas Série Antropologia,
n. 43, 178 p., 1988.
OKUMURA, M.M. Diversidade morfológica craniana, microevolução e ocupação pré-histórica da costa brasileira. Tese de
Doutorado. Instituto de Biociências/Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2007.
OKUMURA, M.M.; BOYADJIAN, C.H.C.; EGGERS, S. Auditory
exostoses as an aquatic activity marker: A comparison of coastal
and inland skeletal remains from tropical and subtropical regions of
Brazil. American Journal of Physical Anthropology, v. 132 n. 4, p.
558-567, 2007.
PEIXOTO, MV. Avaliação radiológica do torus auditivus nos
grupos formadores de Sambaquis do litoral meridional brasileiro:
contribuição ao estudo dos traços não métricos em populações
pré-históricas do Brasil. Dissertação de Mestrado. Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1989.
SILVA, G. L.; DOURADO, M. S.; CANDELLA, R. N. Estudo
preliminar da climatologia da ressurgência na região de Arraial
do Cabo, RJ. Resumo expandido do XI Encontro Nacional dos
Grupos PET. Universidade Federal de Santa Catarina, 11 p., 2006.
SOLER, T.; CALDERÓN, C. The prevalence of spondylolysis in the
Spanish elite athlete. The American Journal of Sports Medicine, v.
28, n. 1, p. 57-62, 2000.
STANDEN, V. G.; ARRIAZA, B.; SANTORO, C. External Auditory
Exostosis in Prehistoric Chilean Populations: A Test of the Cold
Water Hypothesis. American Journal of Physical Anthropology,
v. 103, p. 119-129, 1997.
TENÓRIO, M. C. Estabilidade dos grupos litorâneos préhistóricos. Uma questão para ser discutida. In: BELTRÂO, M. (org.).
Arqueologia do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo
Público do Estado do Rio de Janeiro, 1995, p. 43-50.
TENÓRIO, M.C. O Lugar dos Aventureiros: Identidade, Dinâmica
de Ocupação e Sistema de Trocas no Litoral do Rio de Janeiro
há 3500 Anos Antes do Presente. Tese de Doutorado, Faculdade
de Filosofias e Ciências Humanas/Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2003.
TIMOFEEV, I.; NOTKINA, N.; SMITH, I.M. Exostoses of the external
auditory canal: a long-term follow-up study of surgical treatment.
Clinical Otolaryngology, v. 29, p. 588-594, 2004.
PEREIRA, C.B.; MOONEY, J.B.; RIESINGER, A.; RIESINGER, A.S.
Oclusion, atrición, periodonto y otras características dentales en
aborígenes brasileños. Ortodoncia, v. 71, p. 3-15, 1972.
TORRES JR., A.R. Resposta da ressurgência costeira de Cabo Frio
a forçantes locais. Dissertação de Mestrado, Coppe/Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1995.
PROUS, A. Arqueologia Brasileira. Brasília: Universidade de
Brasília, 1992.
UCHÔA, D.P. Arqueologia de Piaçaguera e Tenório: análise de
dois sítios Pré-cerâmicos do Litoral Paulista. Tese de Doutorado.
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro, 1973.
RODRIGUES-CARVALHO, C. Marcadores de Estresse
Ocupacional em Populações Sambaquieiras do Litoral Fluminense.
Tese de Doutorado, Escola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz, Rio
de Janeiro, 2004.
ROQUETTE-PINTO, E. Nota sobre o material anthropologico
do Sambaqui de Guaratiba. Boletim do Museu Nacional, n. 1, p.
397-399, 1923/1925.
SALLES CUNHA, E. Sambaquis e outras jazidas arqueológicas:
Paleopatologia dentária e outros assuntos. Rio de Janeiro: Ed.
Científica, 55 p, 1963.
WESOLOWSKI, V. A Prática da Horticultura entre os Construtores
de Sambaquis e Acampamentos Litorâneos da Região da
Baía de São Francisco, Santa Catarina: Uma Abordagem BioAntropológica. Dissertação de Mestrado, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2000.
WESOLOWSKI, V. Cáries, desgaste, cálculos dentários e microresíduos da dieta entre grupos pré-históricos do litoral norte
de Santa Catarina: É possível comer amido e não ter cárie? Tese
de Doutorado. Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca/
Fiocruz, Rio de Janeiro, 2007.
SALLES CUNHA, E.; SALLES CUNHA, M. Abrasões dentárias do
homem dos sambaquis. Revista do Sindicato dos Odontologistas
do Rio de Janeiro, n. 6, p. 5-12, 1960.
SALLES CUNHA, E; ALVIM, M.M. Contribuição para o conhecimento
da morfologia das populações indígenas da Guanabara – Nota sobre
a população do sítio arqueológico Cabeça de Índio. O Homem
Antigo na América, Universidade de São Paulo, p. 21-28, 1971.
507