Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                
UNISINOS Processos midiáticos Sociedade em vias de midiatização e a cibercultura Professor: Antonio Fausto Neto / Aluno: Marco Bonito 01/12/2011 Tra alho da dis ipli a: Pro essos idiáti os do progra a de Pós-graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos cursado em 2011/2 com validade de três créditos. Rio Grande do Sul, Dezembro de 2011. Doutorado em Ciências da Comunicação na Unisinos – Universidade do Vale do Rio dos Sinos Disciplina: Processos midiáticos Professor: Antonio Fausto Neto Acadêmico: Marco Bonito Linha de pesquisa 3: Processos midiáticos - Cultura Midiática, cidadania e tecnologias da informação Sociedade em vias de midiatização e a cibercultura 1. Apresentação A intenção deste ensaio é discutir, a partir das aulas e dos textos apresentados na disciplina de processos midiáticos, no curso de doutorado em Comunicação Social, da Universidade do Vale dos Sinos – Unisinos, as questões e dinâmicas implicadas nas interações do campo midiático, bem como na mediação (um conceito ainda em formação) ante a midiatização: produção, circulação e consumo de informações. Também pretendo usar o conhecimento adquirido em sala de aula e nos materiais de apoio, para problematizar e criar uma reflexão crítica sobre como estas questões se envolvem com a Campus Party1 que é o meu objeto de pesquisa para o desenvolvimento da tese neste curso. Com isto, procurarei compreender a importância do saber sobre os processos midiáticos a partir da evolução cronológica das principais mídias e, desta forma, colaborar com a construção e o fortalecimento do campo científico em comunicação social. 2. Contexto Parto do princípio de que o conceito de midiatização ainda está em formação e que precisa ser problematizado em face da sua emergência em diversos níveis de interesse no âmbito da comunicação. Para isto, inicialmente, vou me valer do artigo “Midiatização, prática social – prática do sentido2”, do professor Antonio Fausto Neto 1 A Campus Party Brasil é o principal acontecimento tecnológico realizado anualmente no Brasil. Nele são tratados os mais diversos temas relacionados à Internet, reunindo um grande número de comunidades e usuários da rede mundial de computadores envolvidos com tecnologia e cultura digital. Todas as edições já realizadas ocorreram na cidade de São Paulo, com a estreia tendo acontecido no ano de 2008. (http://www.campus-party.com.br) 2 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho “Políticas e Estratégias de Comunicação”, do XV Encontro da Compós, na Unesp, Bauru, SP, em junho de 2006. Este trabalho foi apresentado no Encontro da Rede Prosul - Comunicação, Sociedade e Sentido, no seminário sobre Midiatização, UNISINOS. PPGCC, São Leopoldo, 19/12/2005 e 06/01/2006. Colaboração dos bolsistas Aline Weschenfelder, Clovis Okada, Mariana Bastian, Micael Behs. 2 que trata desta questão e promove uma problematização no que tange as funcionalidades e instrumentalidades dos processos. Além deste artigo, procurarei entrelaçar conceitos de outros autores que nos foram apresentados no decorrer da disciplina e convidarei outros tantos para incrementar a discussão, a título de costurar pensamentos que possam dar conta de criticar as questões. Quando falo de midiatização, neste caso o fenômeno, quero me referir a um período da história humana bastante recente, fluente a partir do século XX e mais propriamente massificado a partir de meados daquele século. Trata-se de um fenômeno circunstancial regido pelas dinâmicas impostas pelo desenvolvimento tecnológico associado aos interesses estratégicos, inclusive filosófico-político-militar, dos países que compunham o chamado “1º mundo” naquele período. Além deste processo histórico, há de se considerar o desenvolvimento técnico que implicou diretamente nas práticas da comunicação ao longo do século passado entre seus diversos atores. Entretanto, é mais impressionante ainda o fato de que desde a chegada da “internet comercial”, no mundo todo, a partir dos anos 90, os modos de interação nos processos midiáticos tenham colocado em xeque os principais paradigmas estratificados das teorias da comunicação social que haviam sido conceituados concomitantemente ao fenômeno. Neste cenário, ressalto a importância da problematização que ronda as questões da midiatização, visto que houve transformações significativas desde a “apocalíptica” comunicação de massa e a “integrada” cibercultura. Neste sentido, o professor Fausto Neto salienta: Nestes termos, a sociedade na qual se engendra e se desenvolve a midiatização é constituída por uma nova natureza sócioorganizacional na medida em que passamos de estágios de linearidades para aqueles de descontinuidades, onde noções de comunicação, associadas a totalidades homogêneas, dão lugar às noções de fragmentos e às noções de heterogeneidades. (Neto, 2006: 3) Isto nos dá o panorama do cenário posto pelo desenvolvimento midiático e que nos permite compreender, inicialmente, os porquês que os paradigmas vigentes nas teorias da comunicação tendiam para a defesa da ideia de que o avanço e a convergência tecnológica formariam uma sociedade uniforme, com gostos, padrões e consumo homogêneo. Isto não só não se ratificou como passou a ser refutado e criticado pelos estudiosos e pesquisadores da área da comunicação. 3 Há de se considerar, a priori, que tanto a tecnofilia quanto a tecnofobia devem ser analisadas de forma imparcial neste processo. Evitarei tomar partido ou me valer de pré-conceitos cristalizados a respeito das implicações do avanço tecnológico, a fim de evitar uma visão parcial e preconceituosa sobre o tema que já é suficientemente controverso. 3. A sociedade em vias de midiatização Mattelart em a “História da sociedade da informação” (2006) criticava, veementemente, a suposta condição igualitária e de acesso democrático ao poder a partir do avanço tecnológico das mídias e inclusive das práticas da sociedade em rede. Contudo, o livro foi escrito e publicado, sua primeira edição, em 2001, período ainda incipiente da internet em que, ainda, não havia nem o Google e nem o atual conceito de redes sociais3. Quero chamar a atenção para isto, pois a crítica feita no final do século passado talvez não dê conta da dimensão do que aconteceu a partir, principalmente, das redes sociais digitais e da ampliação significativa do acesso mundial à internet, principalmente aos chamados “smartphones4” que passaram desempenhar o papel de eficientes computadores de bolso. Dentre todas estas as mudanças, ocorridas principalmente no século XX, a que mais chama a atenção, no entanto, é a mudança da cultura midiática, passamos de um estágio de mídias de massa surdas e arrogantes, acostumadas a falar, mas sem ouvir sua audiência, ao estágio das mídias de massa dialógicas e pluridiscursivas, cuja essência genética dispõe o verso e o multiverso, o texto, o contexto, réplicas e tréplicas. Antes de abordarmos este âmbito, porém, é bom lembrar que a história cronológica do surgimento das mídias se pauta justamente em função das necessidades e problemas apresentados ao longo do tempo. 4. Cronologia das principais mídias 3 Redes Sociais: o termo abordado aqui considera o conceito das redes sociais a partir da sociedade em rede e principalmente a partir dos relacionamentos ocorridos nos sistemas de informação digital no âmbito virtual. 4 Smartphones: é um telefone celular com funcionalidades avançadas que podem ser estendidas por meio de programas executados por seu sistema operacional. 4 Ora, senão vejamos, que a invenção de Gutenberg, em meados do século XV, embora tenha criado, enfim, a possibilidade de multiplicação dos livros em escala, na verdade, criou um novo problema que até hoje não foi satisfatoriamente resolvido em todo o mundo: o analfabetismo. Se por um lado a tecnologia empregada na fabricação dos tipos móveis, fundamentais e necessários para o funcionamento das prensas para a impressão gráfica, foi determinante para a multiplicação dos livros e mais tarde da imprensa (repositórios de saberes), por outro lado a “maravilha” tecnológica, à época, desconsiderou que no fim da idade média (séc. XV) a imensa maioria da população mundial era composta por analfabetos. McLuhan considera a invenção de Gutenberg como fundamental para a criação do público (audiência) já que: O livro impresso criou o que chamamos de público. Com o advento dos sistemas de circuitos elétricos, temos o que se chama de massa. É um fator tempo. O livro criou o público porque o livro, como forma impressa, tornou possível um corpo de pessoas muito grande, mas não simultâneo. (McLuhan, 2005: 119) Esta talvez seja uma das mais importantes contribuições da produção de livros em larga escala, contudo, demoraram-se séculos até que se formasse um contingente significativo de leitores (audiência) aptos a consumi-los. Por exemplo, hoje em dia, há blogs sobre “futilidades” que tem mais audiência semanal do que alguns dos bons livros clássicos tiveram no seu primeiro século pós-publicação. Isto só é possível em função das lógicas que estão estabelecidas nesta sociedade em vias de midiatização e que não podem ser desconsideradas como um fenômeno interessante de midiatização. Ou seja, a multiplicação dos livros surtiu pouco efeito no sentido nobre de colaborar com o avanço e compartilhamento dos saberes em prol da humanidade na época em que foi inventada a prensa gráfica. Inclusive, por questões culturais e tecnológicas da época, não houve apropriação popular da tecnologia, não se era possível ter acesso facilmente às inovações e nem haviam estabelecidas condições de processos midiáticos que fossem capazes de transformar qualquer inovação. Muito disto acontecia em função da problemática que envolveu a chegada de uma tecnologia que, ao longo do tempo, revolucionaria as dinâmicas do mundo e das mídias, mas que gerou um paradoxo, com relação à questão do analfabetismo, que até hoje não foi solucionado. 5 Estes processos históricos da midiatização são considerados assim pelo professor Fausto Neto: A midiatização situa-se em processos e contextos históricos e em percursos de desenvolvimento de alta complexificação que impõem a necessidade de considerar mecanismos de explicação que são atualizados no movimento destes próprios processos históricos e nos quais se passa o desenvolvimento das técnicas, dos processos e das práticas de comunicação. (Neto, 2006: 2) Por conta disto, justamente, nos chama a atenção o fato de que apenas no fim do século XIX, mas com mais efeito a partir do século XX, com o surgimento dos primeiros experimentos da radiodifusão e posteriormente do rádio como veículo de comunicação de massa é que este paradoxo pôde ter um sinal de solução. Afinal, se ainda cinco séculos depois do surgimento da prensa móvel e da produção em série de livros a humanidade ainda co ntinha um altíssimo número de analfabetos, o rádio, uma mídia sonora, requeria do ouvinte apenas a condição de compreender a língua transmitida. Esta condição, a priori, resolvia o problema do analfabetismo em relação aos livros, mas implicava na condição financeira da compra do aparelho receptor (decodificador) das ondas sonoras. No princípio, estes aparelhos domésticos foram símbolo de status nas diversas sociedades modernas ao redor do mundo. Algumas poucas famílias tinham condição de ter um rádio em casa, mas era comum que os vizinhos se reunissem numa das casas que tinham rádio para ouvir os programas conjuntamente. Assim como também foi comum o surgimento das chamadas rádios comunitárias que eram transmitidas abertamente ao público por meio de alto-falantes instalados em postes, ou em outros casos específicos, nas praças das cidades com a adesão de milhares de pessoas ao entorno. Estes casos se configuraram como os primeiros efetivos de comunicação de massa que atingiam milhares de pessoas ao mesmo tempo e lhes proporcionavam sentidos a partir da esfera dos processos midiáticos que envolvem não só os conteúdos transmitidos, mas também as partes técnicas. Ainda sobre isto, devemos considerar o surgimento do cinema, como mídia de massa voltada às classes sociais mais baixas e que se apresentou como alternativa às óperas que eram inacessíveis aos menos abastados da sociedade. 6 Uma segunda etapa se inicia com os anos 1930 já avançados. Caracteriza-se – embora com diferenças em cada parte da América Latina – pela entrada ao mesmo tempo na industrialização dependente e nos populismos, pelas grandes migrações para as cidades e pela hegemonia da indústria cultural com o rádio e o cinema. (MartínBarbero, 2001: 279) Contudo, a lógica estabelecida na produção dos filmes e a própria experiência do consumo das informações in loco na sala de cinema passaram a modificar os vínculos sociais e as produções de sentido à sociedade. No início, o cinema mudo suscitou a necessidade do desenvolvimento e do surgimento dos filmes com áudio, uma evolução tecnológica que corroborou, inclusive para o nascimento da TV, visto que as experiências e lógicas já estabelecidas no cinema proporcionaram à TV surgir já com o som incorporado. A TV, por sua vez, também surge sob desconfiança, já que era um aparelho muito caro e restrito a alguns poucos privilegiados. Contudo, tinha um forte apelo comunicacional, na produção de efeitos e sentidos, que envolvia, não apenas a imagem e o som simultaneamente, mas inclusive a possibilidade de transmissões ao vivo, diferentemente do cinema, cuja lógica de produção era mais trabalhosa e morosa. Além disto, a TV se mostrou mais interessante aos anseios dos governantes e nos anos seguintes ao seu surgimento passou a ser amplamente difundida e facilitada a sua compra, através de financiamentos. Havia uma clara vontade, por parte do governo brasileiro (por exemplo), de que a população tivesse cada vez mais acesso aos aparelhos de TV e aos seus conteúdos. A partir dos anos 60, em meio à contracultura, temos também a popularização dos aparelhos receptores de TV que caíram no gosto das sociedades modernas e passaram a ser não apenas mais um eletrodoméstico, mas sim a ocupar lugar de destaque nas salas de estar das casas, com ares de santuário religioso. Sim, as pessoas se reuniam ao entorno das TVs diariamente e religiosamente para se enxergar o mundo para além de suas janelas, portas ou o alcance do seu olhar. Mesmo com características tão sedutoras, estas mídias de comunicação de massa surgiram deficientes por conceito. Não previram canais mais eficientes de interação com suas audiências e embora houvesse as cartas e o telefone para a participação discursiva dos ouvintes e telespectadores, estes sempre estiveram à margem e alijados do processo midiático. Por algum tempo, ainda foram tratados como submissos a uma lógica 7 perversa de inferência comunicativa, o que se mostrou ser um inocente absurdo com o avanço das pesquisas em comunicação. Podemos dizer que as principais mídias de massa, que surgiram a partir do século XX, eram surdas e que isto, inclusive, influenciou o surgimento das mídias digitais sob o conceito pluridiscursivo. Isto proporcionaria, então, uma significativa mudança no paradigma comunicativo estabelecido, no que diz respeito a todo o processo midiático envolvido. A questão da surdez das mídias analógicas está relacionada à sua incapacidade de ouvir sua audiência satisfatoriamente, de apenas transmitir conteúdos, desconsiderando o diálogo proeminente entre as partes. Isto ocorreu muito em função das possibilidades técnicas da época em que estas surgiram, contudo, observa-se que ainda hoje, ante ao avanço tecnológico e perante a simplicidade técnica, muitos dos canais ainda insistem num processo midiático surdo. Este desejo de participar mais ativamente com interatividade, por parte da audiência, só aparecerá com a disponibilidade da internet, a partir do seu período comercial, no início dos anos 90, que se dá somente após a invenção do browser 5 (navegador) que permitiu, enfim, o consumo das informações em formato multimidiático. Em pouco tempo, menos de uma década, o browser passou a oferecer aos internautas: textos, fotos, animações, áudio e vídeo, isto tudo muito potencializado pelo surgimento de sistemas de informação que tinham como característica principal ser canais de comunicação em potencial. Temos como exemplo disto o surgimento dos sistemas de publicação de blogs, os fotologs e principalmente do Youtube, que se apresentaram como facilitadores, de tecnologia lúdica, para estimular não apenas o consumo de informações, mas principalmente a produção e o compartilhamento de conteúdos multimídia. Isto se trata de uma nova dinâmica de interfaces no âmbito da circulação, conforme apresenta o Prof. Fausto Neto: A nova “arquitetura comunicacional midiática”, envolvendo novas relações entre produtores e receptores de mensagens, deve levar em conta as transformações havidas no âmbito da circulação. Sofrendo as injunções dos processos de midiatização crescente, a circulação complexifica seus papéis, ao organizá-los segundo novas dinâmicas de interfaces. Este fenômeno enseja que novas hipóteses sejam 5 Web browser (em inglês), browser ou navegador de internet (jargão nascido dos próprios usuários - navegar) é um programa que permite a seus usuários a interagirem com documentos eletrônicos de hipertexto, como as páginas HTML e que estão armazenados em algum endereço eletrônico da internet (URL ou URI). 8 formuladas acerca da existência deste “terceiro polo”, no processo comunicacional. A circulação deixa de ser um elemento “invisível” ou “insondável” e, graças a um trabalho complexo de linguagem e técnica, segundo operações de dispositivos, explicita sua “atividade construcionista”, gerando pistas, instituindo novos objetos e, ao mesmo tempo, procedimentos analíticos que ensejem a inteligibilidade do seu funcionamento e dos seus efeitos. (Neto, 2010: 2) Esta nova configuração dos processos midiáticos leva a uma quebra de paradigmas e convoca a audiência a se estabelecer como agente/ator no âmbito midiático. Cremos que estas transformações levaram a “sociedade dos meios” a “sociedade em vias de midiatização” (NETO, 2010) e que neste processo criaram-se novas estruturas e principalmente relações entre os produtores e consumidores de informação. A cultura gerada por este novo cenário enfatizou a importância de compreender a circulação como conceito para os estudos de recepção. Leva-se em conta que isto envolve necessariamente questões técnico-discursivas, como explica o pesquisador Fausto Neto: Como se sabe, na tradição causalista os estudos que examinaram a força dos meios enfatizaram a oferta midiática de onde emanariam as intencionalidades sobre as quais se realizaria a recepção da mensagem. A noção de circulação estava condicionada uma ação tecno-discursiva desferida pela instância produtiva. Ou seja, é “a partir do ponto de vista do ator e de suas intenções que se deve ter um discurso sobre a totalidade da circulação do sentido6” (VERÓN, 2005: 84). O destino dos sujeitos em recepção não seria mais do que aquele de consumir os meios e o de se submeterem aos efeitos por eles presumidos. A circulação será uma zona automática de passagem de discursos. (Neto, 2010: 6) Neste sentido, o interessante é perceber que além das questões que implicam nas produções de efeitos e sentidos, que perpassam as novas formas de discursos, houve também uma amplitude de condições tecnológicas no sistema produtivo e estes dois fatores coadunam e modificam significativamente as práticas anteriores da comunicação. À parte do juízo de valor sobre estas mudanças, me ato e considero as questões relacionadas às apropriações técnicas em favor da produção do conteúdo e sua iminente publicação. 6 VERÓN, Eliseo. Pós-Modernidade e teorias da Linguagem: o fim dos funcionalismos. In: Fragmentos de um tecido. São Leopoldo: Unisinos, 2005. 9 É inegável que com a popularização do acesso aos computadores e demais dispositivos midiáticos digitais, que a ocorreu em todo o mundo nos últimos quinze anos, a quantidade de informação produzida cresce vertiginosamente a cada ano em proporção geométrica. Alia-se a isto o fato de que a audiência, que outrora era passiva, passa a atuar ativamente, produzindo conteúdos que, na fase das mídias analógicas eram inviáveis de ser produzidos e publicados. A quantidade de informação gerada e compartilhada é tamanha que nos últimos 20 anos foram produzidas e armazenadas mais informações digitais do que em todo o restante da história da humanidade. Este é um fenômeno sem precedentes na história humana e que a ciência tem tentado dar conta de entendê-lo, entretanto, as mudanças paradigmáticas que antes ocorriam com parcimônia, em relação à comunicação social, agora brotam a todo instante numa velocidade muito superior à capacidade de gestação e geração das pesquisas acadêmicas. Para compreender melhor este cenário tomamos as palavras de Jesus Martin-Barbero na aula inaugural do segundo semestre de 2003 na Faculdade de Ciências Humanas da Universidade de Bogotá: Lo que estamos viviendo no es, como creen lós más pessimistas de los profetas-fin-de-milenio – de Popper (1996) a Sartori (1997) – La dissolución de la política sino la reconfiguración de las mediaciones que constituyen sus modos de interpelación de lós sujetos y de representacion de los vínculos que cohesionan la sociedade. Mediaciones que se están tornando cada día socialmente más productivas (em el sentido em que Heidegger entiende la producion) pero cuya produción permanece impensada, y em buena medida impensable, para la concepición instrumental de la comunicación que permea aun buena parte de las ciencias sociales. (Martín-Barbero, 2003: 15) É importante ressaltar que não se trata de inferirmos aqui um positivismo funcionalista tradicional, mas sim considerar o fenômeno como um processo midiático imbricado nas midiatizações que resultam em produções de efeitos e sentidos, que cada vez mais se adéquam às lógicas estabelecidas nas redes sociais digitais e na cibercultura de uma forma geral. Contudo, não podemos nos deixar embriagar pelas novidades tecnológicas e cegos para o que há “dentro da caixa-preta” destas relações que envolvem questões financeiras, comerciais, políticas e principalmente filosóficas. 5. Problematizações e considerações 10 Em 1966 McLuhan proferiu uma conferência pública em Nova York cujo título foi “O meio é a massagem” (um trocadilho ao seu mais famoso aforismo), onde explicou a distinção entre o meio ser a mensagem e a massagem, no sentido de que os meios atuam/agem sobre nós, nos massageando através das percepções/sentidos humanas(os). No livro McLuhan por McLuhan: conferências e entrevistas há um capítulo com uma entrevista intitulada: Prevendo a comunicação via internet (1966) onde ele prevê, baseado em circunstâncias científicas, o surgimento da sociedade em rede. No entanto, o que mais me chama a atenção é a postura assumida pelo renomado pesquisador que, por vezes, é confundido como sendo um positivista dos avanços tecnológicos. Sua declaração final na entrevista é muito esclarecedora, justa e me parece ser muito interessante para ilustrar a necessidade de avaliarmos as inovações sem préconceitos para melhor compreendê-las: Fulford: Em que tipo de mundo você gostaria de viver? ... McLuhan: Não, e assim a única alternativa é entender tudo o que está acontecendo e depois neutralizá-lo na medida do possível, desligar o maior número de botões possível e frustrá-los o máximo que puder. Oponho-me resolutamente a toda inovação, a toda mudança, mas estou determinado a entender o que está acontecendo porque não optei por ficar sentado e deixar as coisas correrem. Muita gente parece pensar que, se você fala sobre alguma coisa recente, é porque é a favor dela. Todas as coisas sobre as quais eu falo são quase certamente coisas às quais sou absolutamente contrário, e parece-me que a melhor forma de me opor a elas é compreendê-las, pois então saberemos onde desligar o botão. (McLuhan, 2005: 142) Ao assumir que se opõe a “toda inovação, a toda mudança” ele deixa clara a sua posição como crítico e pensador a respeito das inovações tecnológicas, contudo, isto serve como ponto crucial de vigilância epistemológica que reflete claramente em seus textos e pesquisas. Este é um bom exemplo do tipo de postura que entendo ser a mais adequada para podermos dar conta de compreender o fenômeno da sociedade em vias de midiatização ante a cibercultura. Ao recuperar a cronologia das principais mídias, pretendi contextualizar uma evolução histórica que permite compreender as imbricações dos processos midiáticos que resultam em midiatizações. Com isto, creio que fique mais clara a minha intenção de chamar a atenção para o fato de que em pouco mais de um século, o fenômeno do 11 surgimento da sociedade em vias de midiatização sofreu distintas influências e tensões que reconfiguraram as culturas midiáticas. Entretanto, como se isto já não fosse fenomenológico o suficiente para as ciências que pesquisam a comunicação, ainda tivemos o surgimento da cibercultura, no final do século XX, como uma revolução sem precedentes a este campo de pesquisa. Temos diversos filósofos, pensadores, críticos, pesquisadores e estudiosos das ciências sociais aplicadas que se empenharam, principalmente nos últimos 20 anos, a tentar dar conta destas revoluções comunicativas. Mas até os mais experientes sábios ou renomados acadêmicos têm encontrado dificuldade para dar conta do fenômeno sem cometer afirmações que em menos de uma década passam a ser questionáveis e por vezes até refutadas. Não faltam apocalípticos e integrados ante as questões da cibercultura. Assim como também não faltam considerações sóbrias pertinentes e outras críticas azedas e recheadas de pré-conceitos. Por isto, não pretendo considerar nada definitivamente neste ensaio, mas sim chamar a atenção para alguns pontos que considero relevantes para quem, como eu, também se interessa pelo tema posto em função da cibercultura. Penso que durante muito tempo a audiência foi alijada dos processos midiáticos e que isto era um reflexo dos projetos das mídias. Desde a prensa até a chegada das TVs aos lares das sociedades modernas, que a audiência era reprimida e pouco ou quase nada estimulada a interagir com os conteúdos gerados. Não obstante a isto, hoje em dia, é inconcebível que um projeto de uma nova mídia não contemple a interação entre os emissores, os receptores e os demais interlocutores das mensagens que passarão por aquele novo canal. São mudanças muito significativas e influentes ao âmbito da comunicação. Estas relações que outrora eram deficientes, no sentido do déficit de interação perceptiva, passam de repente a ser hipermidiatizadas em diversos canais, de formas múltiplas e com intensa produção de efeitos e sentidos para todos os interlocutores. As redes sociais, como por exemplo, o Facebook e o Twitter, propiciaram o surgimento de novas culturas e novos processos midiáticos cada vez mais interativos e complexos. Qualquer prognóstico a respeito das configurações da midiatização podem deixar de valer em poucos meses, visto que diferentemente do que ocorria com as outras mídias, a internet e seus sistemas tem uma capacidade de se reinventar e corrigir rotas de 12 processos em pouco tempo. Esta característica é uma novidade e um desafio aos pesquisadores. a. Midiatização e a Campus Party Ante a este cenário caótico de mudanças constantes, quebras de paradigmas, inovações técnicas e reconfigurações conceituais é que meu objeto (a princípio) de pesquisa se apresenta desafiador nestes sentidos. A Campus Party surge na Espanha em 1997 a partir de uma lógica comercial da empresa Telefônica (do ramo das telecomunicações) que pretendia, a princípio, testar seus novos serviços ligados à internet, com um público especializado antes de lançá-los ao público em geral. Para isto, reuniu em um mesmo ambiente, por uma semana, acampados, 250 pessoas que se dispuseram à experiência. A experiência deu tão certo que o número de participantes e de áreas de concentração de atividades cresceu gradativamente até chegar a mais de cinco mil participantes no último evento realizado por lá. O Brasil foi o primeiro país fora da Espanha a abrigar uma edição da Campus Party, a primeira edição ocorreu em 2008 e contou com cerca de três mil inscritos. Para a edição de 2012 estão inscritos 6.655 campuseiros (como são chamados os participantes do evento). Além do Brasil o maior evento de tecnologia do mundo também acontece na Colômbia, México, Venezuela, Equador, Chile e Estados Unidos. A partir deste contexto é mais fácil compreender que o evento se caracteriza por conseguir juntar num mesmo ambiente um público altamente qualificado e interessado para testar tecnologias. Durante o período da Campus Party, os campuseiros fazem uso da internet mais rápida do mundo, no ano passado a velocidade de conexão foi de 10 Gigabytes/seg. Para fins de comparação e noção esta velocidade é 10 mil vezes mais rápida que a conexão média domiciliar brasileira. Este ambiente propicia que a empresa promotora estresse seus serviços, para que possam ser testados, a partir do alto uso dos seus serviços por parte da audiência. Os campuseiros inscrevem-se em quatro áreas de atividades: Ciência (Astronomia, espaço, eletrônica e robótica), Criatividade (social media, design, foto, vídeo e música), Inovação (Desenvolvimento, segurança, redes e software livre) e 13 Entretenimento digital (Games e simulação). Dentre tantas opções os participantes também podem compartilhar, consumir e produzir conteúdos digitais. Contudo, o dado que mais me impressionou e me levou a querer pesquisar a Campus Party brasileira é que em 2011 o tráfego de dados apontou que houve 30% de downloads e 70% de uploads, ou seja, houve muito mais produção de informações do que consumo. Não se trata de um fenômeno quantitativo, mas sim de inferência nos processos midiáticos. Num ambiente em que a velocidade da internet é 10 mil vezes mais rápida do que o normal seria mais lógico que os participantes a usassem para baixar conteúdos, no entanto, acontece o contrário, o que é muito fenomenológico. Neste sentido é que pretendo pesquisar as culturas midiáticas existentes na Campus Party, descobrir o que fazem os campuseiros, como produzem, onde publicam e quais são os processos comunicativos envolvidos. A partir disto quero compreender quais são as aplicações de seus conteúdos e dentre estes quais são os que podem ser considerados no âmbito da cidadania. A pesquisa ainda está em fase inicial, exploratória e tenho certeza de que esta disciplina de Processos Midiáticos irá me ajudar consideravelmente na construção da tese. 14 Referências Bibliográficas NETO, Antonio Fausto. Midiatização, prática social - prática de sentido. In: COMPÓS, 2006, Bauru. Midiatização, prática social - prática de sentido. Bauru, SP: Compós, 2006. p.1-15. NETO, Antonio Fausto. Circulação além das bordas. In: Colóquio “Mediatização, sociedad y sentido”, Rosário/ARG. 2010. p.1-16. MCLUHAN, Marshal. O meio é a massagem. Rio de Janeiro: Editora Ediouro, 2005. MARTÍN-BARBERO. Jesús. Dos meios às mediações: Comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2001. MARTÍN-BARBERO. Jesús. Razon técnica y razon política – Espacios / Tiempos no pensados. Bogotá (COL), 2003. MATTELART, Armand. História da sociedade da informação. 2. ed. São Paulo, SP: Edições Loyola, 2006. 197 p. 15