HAMLET E A HERMENÊUTICA
Das muitas interpretações da triste estória do
príncipe da Dinamarca
Marcelo Bolshaw Gomes1
Resumo: Analisa-se aqui quatro adaptações de
Hamlet, de William Shakespeare, para o cinema:
Laurence Olivier (1948); Franco Zeffirelli (1990);
Kenneth Branagh (1996) e Michael Almereyda
(2000). E se discutem as relações da narrativa com a
psicanálise e com a hermenêutica.
Palavras-chave: hermenêutica; artes dramáticas;
cinema.
Abstract: We analyze here four adaptations of
Hamlet, by William Shakespeare, to the movies:
Laurence Olivier (1948), Franco Zeffirelli (1990),
Kenneth Branagh (1996) and Michael Almereyda
(2000). And we discuss the relationship of narrative
to psychoanalysis and hermeneutics.
Keywords: hermeneutics; dramatic arts; cinema.
Resumen: Se analizan aquí cuatro adaptaciones de
Hamlet, de William Shakespeare, al cine: Laurence
Olivier (1948), Franco Zeffirelli (1990), Kenneth
Branagh (1996) y Michael Almereyda (2000). Y
hablamos de la relación de la narrativa para el
psicoanálisis y la hermenéutica.
Palabras clave: hermenéutica; artes escénicas; cine.
1. Introdução
Se a hermenêutica é a arte da interpretação (e não apenas uma teoria sistemática), há
uma preferência por determinados textos e objetos de representação, que realimentam tanto as
leituras críticas como as dramáticas, que geram não apenas outras interpretações sobre si mas
também novos sistemas de interpretação.
Esse é o caso de Hamlet.
Para quem não conhece a estória, deixe-me resumi-la rapidamente: a peça teatral
reconta a história de como Hamlet, Príncipe da Dinamarca, vinga a morte de seu pai, o rei,
envenenado por seu tio Cláudio, que em seguida casou-se com a rainha Gertrude, mãe de
Hamlet, tomando o trono e a coroa para si. A Dinamarca está em guerra contra a Noruega e há
a expectativa de uma invasão iminente, liderada pelo príncipe norueguês Fórtinbras.
1
Jornalista, doutor em Ciências Sociais e professor do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Mídia da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PPGem/UFRN).
A estória começa com o fantasma do rei pedindo a Hamlet vingue sua morte. E
principe concorda e decide fingir-se de louco para não levantar suspeitas. Ophelia – filha de
Polônio, o conselheiro-chefe de Cláudio - é cortejada por Hamlet. Ela fica alarmada com a
mudança de Hamlet e conta ao pai sobre seu comportamento estranho. Polônio considera que
o ‘êxtase do amor’ é o responsável pela melancolia do princípe e avisa ao rei e à rainha. Mas,
Hamlet rejeita Ophelia, mandando-a para ir “para um convento”.
Com a chegada de uma trupe artística, Hamlet decide montar uma peça teatral,
encenando o assassinato do pai e, assim, desmascarar publicamente Cláudio. A estratégia
funciona e o rei passa mal com a encenação. A rainha chama o filho em seu quarto e pede
uma explicação sobre a situação que resultou no mal-estar do rei. Durante o caminho, Hamlet
encontra-se com Cláudio rezando, distraído. Hamlet hesita em matá-lo, pois raciocina que
enviaria o rei ao céu, por ele estar orando. No quarto da rainha, têm um debate fervoroso.
Polônio, que espia tudo atrás da tapeçaria, faz um barulho; Hamlet, acreditando ser Cláudio,
dá uma estocada através do atrás e descobre Polônio morto. Ophelia, então, enlouquece em
luto pela morte do pai.
Cláudio convence Laertes, filho de Polônio e irmão de Ophelia, que Hamlet é o único
responsável pelo acontecido. Combinam então uma luta de espadas entre ele e Hamlet onde o
primeiro dos dois utilizará uma espada envenenada, sendo que na ocasião será oferecido ao
príncipe uma taça de vinho com veneno. Até que rainha interrompe a conversa dizendo que
Ophelia suicidou-se.
Quando o exército de Fórtinbras cerca Elsinore, a competição de armas brancas
começa. Hamlet vence o primeiro e o segundo assalto. O rei separa uma taça de vinho
envenenado, oferecendo-a a Hamlet que deixa a bebida para depois. E a rainha toma a taça
com veneno. Pelas costas, então, Laertes arranha o príncipe com a arma envenenada. Hamlet,
luta corporalmente com o inimigo, toma sua espada e o fere mortalmente. Laertes revela que o
rei é o culpado de toda a infâmia. A rainha morre envenenada devido a taça que seria para seu
filho. Hamlet mata o rei, vingando a morta de seu pai. Laertes, morrendo aos poucos,
despede-se de Hamlet, ambos perdoam-se. Hamlet morre e Fórtinbras invade o castelo.
A importância da triste estória do príncipe da Dinamarca é enorme. Há vários outros
trabalhos – ensaios, poemas, músicas, pinturas retratando cenas - derivados direta ou
indiretamente dele. Hamlet tornou-se um exercício dramático obrigatório para atores e um dos
espetáculos mais assistidos de todos os tempos.
Vários autores apontam o drama como a gênese do sujeito moderno no Ocidente na
passagem da Idade Média para o Renascimento. O texto é alternadamente católico-medieval e
protestante-moderno. O fantasma do Rei Hamlet no purgatório pois morreu sem últimos
sacramentos e a negativa de enterrar Ophelia (que se suicidou) em terra santa são traços
católicos. Mas, a mentalidade objetiva do príncipe melancólico, a forma como vê a morte e a
vida, são decidamente protestantes.
Hamlet representa o homem virtuoso de Maquiavel (MARTINEZ, 2009), astucioso,
mas dividido entre a cultura supersticiosa da religião e o conhecimento científico, entre os
instintos emocionais arcaicos e a racionalidade estratégica. Seu drama é formado por opostos
existenciais: ser ou não ser moderno, ser ou não ser louco, ser ou não ser assassino do tio
usurpador do trono, além do filosófico e tradicional Ser ou Não-Ser mesmo.
Dada essa estrutura dramática e a profundidade de caracterização, Hamlet pode ser
analisada, interpretada e debatida por diversas perspectivas superpostas. Na perspectiva
histórica e política, o enredo da peça é compreendido como a formação dilacerada do sujeito
moderno; na perspectiva psicológica, como um confronto entre racionalidade e instinto; na
perspectiva ética e moral, como um conflito entre justiça e vingança. E na perspectiva
existencial, na qual se assemelha ao impasse vivido por Arjuna do Bhagavadgita, como um
questionamento filosófico se é mais sábio lutar contra a situação ou aceitá-la e se entregar
passivamente aos acontecimentos. E essa superposição de perspectivas e de opostos fazem
emergir do incosnciente alguns elementos universais da narrativa.
2. Um texto trans midiático
Como peça teatral, Hamlet foi um sucesso em sua época e permaneceu em cartaz em
por mais de 400 anos com diferentes adaptações. Como literatura, não é possível contar as
edições em língua inglesa e já foi traduzido para maioria dos idiomas 2. Como cinema, há mais
40 adaptações.
Para análise, escolhemos as quatro3: Laurence Olivier’s Hamlet (1948); Franco
Zeffirelli’s Hamlet (1990); Kenneth Branagh’s Hamlet (1996); e Michael Almereyda’s
Hamlet (2000).
2
O Brasil conta tanto com livres-tradutores de Hamlet em prosa (Millôr Fernandes, Geraldo Carneiro e Paulo Mendes
Campos) como também tradutores ortodoxos, que seguem os versos shakesperianos (Artur de Sales, Geir Campos e Péricles
Eugênio da Silva Ramos).
3
Há pelo menos mais duas adaptações relevantes do texto para o cinema que não fazem parte deste estudo: Hamlet de Bill
Colleran e John Gielgud (1964), com Richard Burton; e Hamlet de Tony Richardson (1969).
Hamlet_1 (1948) é um filme noir que ganhou o Oscar de
melhor fotografia e de melhor ator, o próprio Laurence Olivier. A
fotografia, em preto e branco, é quase expressionista. Os
enquadramentos de camera são bem mais fechados do que os outros
filmes, apenas dois ou três por cena, dá a impressão de teatro filmado;
mas um olhar mais atento valorizará a edição ritmada e discreta. O
roteiro é feito a partir de uma versão reduzida da peça (Q1)4.
Hamlet_2 (1990) conta Mel Gibson e Glenn Close nos papéis
do príncipe Hamlet e da rainha Gertrudes. Certamente, a adaptação é a mais fashion, isto é: a
mais integrada à linguagem audiovisual. Há uma grande diversidade de planos abertos e
closes, a alternância de cenas de estúdio com externas, os cortes precisos, os enquadramentos
a cada cena são tantos e tão diversificados, quanto discretos e adequados à narrativa do texto.
Há também mudanças e adaptações na estória, que começa
com o enterro do rei e não com o fantasma na torre como na
peça. Outras cenas também foram subtraídas, reduzidas ou
fundidas para facilitar a adaptação audiovisual do texto.
Já Hamlet_3 (1996) é uma superprodução muito
chata. Tem bem mais figurantes (soldados, cortesões, etc.),
cenários bastante caros, figurinos de época, um grande
elenco de artistas e o próprio diretor e único roteirista,
Kenneth Branagh, no papel principal. O texto do filme é o
mais completo, uma compilação das maiores versões da
peça (Q2 e F1) com 235 minutos de duração. O resultado de uma narrativa muito extensa e
com tantos detalhes que torna o filme cansativo.
No Hamlet_4 (2000) o diretor Michael Almereyda adota uma estratégia de adaptação
do texto para os tempos contemporâneos - mais precisamente para o ano 2000, em Manhattan,
Nova Iorque. A Dinamarca é uma corporação empresarial da mídia, cujo o diretor-presidente
morre sob circunstâncias misteriosas e tem seu lugar ocupado pelo irmão caçula. O filme
começa com uma entrevista coletiva (no Hotel Elsinore) em que o novo presidente da
corporação anuncia publicamente seu casamento com a viúva herdeira e desafia outro
4
Três edições do texto chegaram aos nossos dias. Primeiro Quarto (Q1) de 1603, a versão compacta; Segundo Quarto (Q2)
de 1604, é a maior edição, embora omita 85 linhas encontradas na F1 (muito provavelmente para não ofender Ana de
Dinamarca, a rainha de Jaime I de Inglaterra); e First Folio (F1) de 1623, na primeira edição dos Trabalhos Completos de
Shakespeare.
conglemerado empresarial, a Noruega, que reinvindica uma participação acionária combinada
com a administração anterior. Hamlet estuda cinema e faz um filme denunciando
alegoricamente o tio e a mãe. O duelo final tem um desfecho com armas de fogo e o filme
acaba com um telejornal noticiando que, após a trágica chacina, o controle acionário das
empresas do conglomerado Dinamarca Corp. passou a ser gerenciado por W. Fórtinbras, alto
executivo da Noruega Corp.
Várias comparações entre os quatro filmes são possíveis.
Interessa-nos especialmente a interpretação dos atores e do
diretor do texto. Por exemplo: a ideia de usar um ator de filmes
de ação para o papel de Hamlet_2, retirando-lhe o ar confuso e
melancólico, reforça esta intenção do diretor de contar a estória
de forma mais atrativa para o público atual. Gibson é o Hamlet
mais alegre e humilde de todos. Um Hamlet socrático, sábio
porque ser ignorância, suave e descomplicado. Nele, a malícia do
ator transparece através da excentricidade do personagem, como
se no fundo ele se divertisse com a dupla representação. Por
outro lado, podemos dizer que Hamlet de Gibson não convence
como louco. Não há ambiguidade dramática, percebe-se que príncipe está fingindo e não está
louco. Ou ainda: Há, em Hamlet_3, a intenção explícita de fazer uma adaptação definitiva do
texto para tela em vários aspectos, com ‘citações’ (adotando soluções iguais) e ‘críticas’
(interpretando de outra forma) às adaptações anteriores. Além do roteiro, essa intenção de
‘interpretação aperfeiçoada das interpretações anteriores’ também pode ser particularmente
percebida da atuação de Branagh no papel principal do texto. Há momentos em que ele fica
solene e excêntrico como Olivier; em outros, suave e alegre como Gibson.
Outra diferença importante é que, enquanto os dois primeiros hamlets ocorrem em
uma Dinamarca ainda medieval, por volta de 1100-1200; Hamlet 3 se ambienta em algo em
torno de 1700-1800. Além dos figurinos mais próximos aos trajes atuais, há também
diferenças arquitetônicas significativas.5 Também é relevante ressaltar que essa adaptação dá
mais importância ao sub-enredo que narra a possibilidade de invasão externa pela Noruega do
que as anteriores.
5
O Castelo de Elsinore nas adaptações anteriores tinha paredes de pedra, ambientes pequenos que se interligam sem paredes.
Já na versão de Branagh, há um palácio majestoso com grandes salões iluminados, paredes brancas e cortinas altas. Tal
ambiente se torna disfuncional em algumas cenas, como a em que Polônio, Cláudio e Gertrudes espionam o diálogo entre
Hamlet e Ophelia (Ato 3, Cena I, p. 105-114); ou ainda quando se utiliza um binóculo para ver a reação de Claudio à
encenação satírica do assassinato do rei (Ato 3 cena II, p. 129).
Quais metodologias de análise permitem estabelecer um quadro seguro de
semelhanças e diferenças entre os quatro filmes? Quais os parâmetros e critérios utilizar para
comparar interpretações de atores e diretores?
3. Outros estudos
Já existem alguns estudos sobre hermenêutica e os filmes de Hamlet. Em português,
há os trabalhos de Paula Regina Puhl (2003a, 2003b, 2008) e ensaio de Helder Filipe
Gonçalves (2009).
Os trabalhos de Puhl – os textos Hamlet: um estudo hermenêutico na Pósmodernidade (2003a) e Ideologia, Vingança e Loucura: a hermenêutica revive em Hamlet
(2003b) – e sua tese de doutorado: A discursividade no filme Hamlet: uma interpretação
hermenêutica (2008) - analisam os filmes Hamlet_1 e Hamlet_4. Utiliza, principalmente, a
metodologia hermenêutica de John Thompson (1995, 1998), composta pela tríplice análise: a)
do contexto sócio histórico da transmissão; b) análise formal ou discursiva da mensagem; c) e
a interpretação das interpretações (ou a metaleitura crítica da recepção da mensagem pela
audiência). Para análise discursiva das formas verbais e visuais dos filmes, Puhl usa ainda a
semiótica de Roland Barthes em articulação com a Crítica Estilística de José Martin.
Já Gonçalves vai desenvolver uma comparação metodologicamente interessante entre
o filme de Almereyda e Un songe, a montagem francesa da peça teatral, com vários recursos
cênicos modernos como projeções de fundo, balés inseridos na narrativa, sonoplastia, etc.
Digo 'metodologicamente interessante' porque utiliza a ‘quadripartição glossemática’
herdada de L. Hjelmslev (e adaptada por Chatman para o estudo de narrativas) que permite
uma dupla semiótica: a análise do aspecto físico e perceptível (a forma e a substância da
Expressão – no caso destacando as diferentes linguagens teatral e cinematográfica); e a
análise do aspecto semântico-cognitivo (a forma e a substância do Conteúdo – ou seja: as
interpretações subjetivas do texto).
Em relação à expressão, observa-se a presença (e ausência) e a organização de
elementos morfológicos. Notas e melodias em relação à música, signos e discursos em relação
aos textos, cores e traços em relação às imagens. Em relação às narrativas, estudam-se as
cenas (no caso do teatro) e dos enquadramentos/sequências (para cinema). Gonçalves observa
que a ausência de vários personagens nas adaptações ressalta ou minimiza os múltiplos
conteúdos dialéticos do texto: o confronto metafísico entre vida e morte; a luta entre desejo e
repressão; os limites entre liberdade e loucura; o conflito entre identidade e alteridade; a
contradição entre história e tempo presente; entre violência e moral; entre política e sentido da
vida; ser uma tragédia ao mesmo tempo de vingança e de amor, com dimensões familiar,
nacional, filosófica, psicológica, um drama das situações impostas.
O que é realmente relevante para nós é que o modelo de análise narrativa de
Hjelmslev/Chatman, utilizado parcialmente por Gonçalves, pode nos ajudar na comparação
entre os quatro filmes de Hamlet e sua reflexão sobre a representação e a interpretação da
representação.
Tabela 1 – Estruturas narrativas
Forma de expressão
HAMLET 1
HAMLET 2
HAMLET 3
Os filmes com texto
original de
Shakespeare
HAMLET 4
Forma do Substância
Expressão do Conteúdo
Noir
Freud
Pop
Jung
Clássico
Lacan
pós-moderno
Foucault
Substância de conteúdo
Sonho ou
simbólico,
universais do
imaginário
4. Metodologia
A. J. Greimas, na Semântica Estrutural (1973), partindo da polaridades significado x
significante de Saussure e de sua duplicação por Hjelmslev (forma x substância; expressão x
conteúdo), define uma semiótica de dois domínios simétricos: o plano da expressão e o plano
metalinguístico do conteúdo.
Tabela 2 – Saussure, Hjelmslev e Greimas
SAUSSURE
SIGNIFICANTE
Imagem acústica
GLOSSEMÁTICA
Forma de Expressão
Ordem de elementos
Substância de Expressão Morfemas elementos
GREIMAS
Linguagem (palavra, imagem, som)
Estrutura Linguística
SIGNO
SIGNIFICADO
Idéia abstrata
Forma de Conteúdo
Ordem estrutural
Estrutura Discursiva
Substância de Conteúdo
Conceito puro
Estrutura Narrativa
Assim, diferentes formas de expressão (a imagem de uma mesa, a palavra 'mesa')
correspondem a um único significado ou forma de conteúdo (o móvel em que sentamos para
comer e estudar). O plano de conteúdo trata do significado do texto, o que 'ele diz' e como 'faz
para dizer o que diz'. O plano da expressão refere-se à manifestação desse conteúdo em
sistema de significação verbal, não-verbal ou sincrético.
O sentido de um texto está no plano de conteúdo e é resultante de um percurso
gerativo que vai do abstrato ao concreto, do simples ao complexo. Esse percurso gerativo do
sentido é representado pelo quadrado semiótico, formalizando a história de tranformação dos
elementos do texto em uma narrativa abstrata, que será enunciada em um discurso concreto.
Assim, ao contrário dos que consideram o 'narrativo' como uma modalidade discursiva;
Greimas acredita que o nível discursivo é uma enunciação do nível narrativo. E que, ainda no
plano de conteúdo, as estruturas narrativas são anteriores e mais abrangentes do que as
estruturas discursivas de um texto. No plano da expressão, os conteúdos narrativo e discursivo
são manifestos tanto de forma verbal como de forma não verbal. O plano de conteúdo é
mental, metalinguístico e representa a significação semântica em si; o plano da expressão é
material, linguístico e formado por imagens, sons e palavras, em “estruturas de superfície”.
Há, portanto, três estruturas sobrepostas: a estrutura linguística de superfície, a
estrutura discursiva intermediária (as formas de conteúdo); a estrutura narrativa de
profundidade (a substância de conteúdo, o simbólico, os universais do imaginário).
Figura 1 – Estruturas linguísticas por Greimas
Assim, a linguagem (ou a estrutura línguística de superficie) é sincrônica e imediata,
sendo explicada pela análise discursiva no plano das formas de conteúdo (pelos enunciados
diacrônicos e lineares do pensamento) e pela análise da estrutura narrativa de profundidade, o
arranjo dos elementos universais e inconscientes (que voltam a ser simultâneos. Essas
estruturas profundas seriam lógicas e acrônicas, formadas por relações de contradição,
oposição, implicação econtraponto (o quadrado semiótico). E a esse conjunto de relações
podem ser representados no esquema gráfico proposto por Greimas.
Figura 2 – Estutura narrativado inconsciente profundo
O Quadrado Semiótico Narrativo de Greimas consiste na representação visual da
articulação lógica de uma qualquer categoria semântica no plano de conteúdo. Nele, se situam
os actantes: o Herói (S1), seu Ajudante (S2), seu Adversário (~S1) e a Sociedade (~S2) em
torno do objetivo a ser alcançado. As linhas bidirecionais contínuas representam as relações
de contradição; as bidirecionais tracejadas, as relações de contrariedade; e as linhas
unidirecionais, as relações de complementaridade. Em nossa perspectiva, o herói ou
protagonista da narrativa corresponde ao ego projetado pelo narrador com o qual o leitor se
identifica. O antagonista corresponde à sombra psicológica, à carga de negatividade utilizada
na estória. O ajudante é composto por vários alter egos masculino (o animus), o melhor amigo
do herói; e a sociedade pode ser substituída pelo Self, o narrador/leitor ou ainda pelo sagrado
feminino (ou a anima) desempenhando o papel de 'par romântico'.
Tabela 3 – Quadrado Semiótico Narrativo aplicado à Hamlet
Posição
Elementos narrativos
Narrativa Hamlet
S1/S2
protagonista x antagonista
Hamlet x Cláudio
~S1/~S2
ajudante x sociedade
Horácio/Laertes x Ofélia/Gertrudes
S1/~S1
protagonista & ajudante
Hamlet e Horácio/Laertes
S2/~S2
antagonista & sociedade
Cláudio e Ofélia/Gertrudes
S1/~S2
protagonista + sociedade
Hamlet + Ofélia/Gertrudes
S2/~S1
antagonista + ajudante
Cláudio + Horácio/Laertes
O conflito central da narrativa (S1/S2) é entre Hamlet, o príncipe herdeiro e Cláudio,
seu tio usurpador – o complexo de Édipo. O conflito secundário (~S1/~S2) entre a impotência
do feminino (Ofélia/Gertrudes) e a honra do masculino (Horácio/Laertes). O conflito
secundário é entre os valores de gênero.
Os esquemas positivo (S1/~S1 – Hamlet + Horácio/Laertes) e negativo (S2/~S2 Cláudio + Ofélia/Gertrudes) mostram como os elementos se agrupam no início da narrativa: o
feminino apoia o pai usurpador; o protagonista partilha seus sentimentos com os amigos.
E as relações de complementaridade (S1/~S2 e S2/~S1), as diagonais internas do
Quadrado Semiótico, nos mostram que a transformação dos elementos durante a narrativa, em
que protagonista e antagonista trocam de posição, com os elementos se agrupando de forma a
manter separados o mundo feminio do masculino: de um lado Hamlet, sua mãe e a namorada
(a sociedade civil); de outro, o tio usurpador, seus amigos e inimigos (o Estado moderno).
Definido que o personagem protagonista representa realmente o Sujeito Moderno,
(isto é, a psique de homem astuto que luta pela ética e contra a injustiça e superstição), podese interpretar a narrativa a partir de três relações estruturais: a relação do Ego com o arquétipo
do Pai (presente no enredo do príncipe Hamlet com o espírito do rei Hamlet e com o tio
usurpador); a relação do Ego com o arquétipo da Anima (o amor/ódio de Hamlet pela rainha
Gertrudes e Ophelia); e, finalmente, a relação do Ego com o Self – evidente tanto das relações
do príncipe com outros (com o amigo Horácio, com o inimigo Laertes e com os falsos amigos
Rosencrantz e Guildenster) e como consigo mesmo (com o povo e com a ética).
E o que é realmente relevante é que, em todas essas relações, se discute a questão da
representação e da interpretação da representação.
5. Comparando as expressões de conteúdo
Munidos desses parâmetros de análise, pode-se agora comparar as quatro leituras
audiovisuais do texto teatral. A grosso modo, podemos dividir os filmes em duplas. Olivier e
Branagh, diretores e atores-protagonistas, optam uma por uma estratégia psicanalítica,
ressaltando a questão do complexo de Édipo como conflito principal da narrativa. Sendo que
Olivier está para Freud assim Branagh está para Lacan, pois Hamlet_1 é mais simbólico e
sombrio; enquanto Hamlet_3 lembra o estruturalismo linguistico, tantos são os detalhes e
planos superpostos. Explicaremos melhor adiante.
No outro pólo, temos os diretores de cinema usando atores de cinema: Franco
Zeffirelli e Michael Almereyda. O primeiro faz um filme de época; o outro, uma adaptação
para o universo urbano e pós-moderno das grandes cidades. Aqui há duas opções diferentes
em relação à linguagem cinematográfica: reconstituir ou reinventar. É claro que quem
reconstitui historicamente uma estória tem que reinventar seu contexto e que quem reinventa
formalmente uma narrativa está reconstituindo o essencial de seu conteúdo. Ambas querem
revelar o que é universal por contraste, mas, há na reconstituição histórica, entende-se o
presente através do passado; e na reinvenção pós-moderna, a tradição através da atualidade.
A relação do protagonista com o complexo de Édipo já rendeu várias polêmicas. Por
exemplo, os estudiosos têm se intrigado ao longo dos séculos sobre a hesitação de Hamlet em
matar seu tio. Alguns encaram o ato como uma técnica de prolongar a ação do enredo, mas
outros a vêem como o resultado da pressão exercida pelas complexas questões éticas e
filosóficas que cercam o assassinato a sangue-frio, resultado de uma vingança calculada e um
desejo frustrado.
Goethe, por exemplo, defende a tese de que a hesitação do príncipe se deve sobretudo
a sua inclinação à racionalização e ao humanismo; Freud discorda, mostrando-lhe que Hamlet
é capaz de matar Polonio sem remorsos, mas não seu tio, por causa do complexo de Édipo.
Freud crê que a hesitação de Hamlet em vingar seu pai matando seu assassino seria devido a
sua identificação com o tio e o medo de praticar uma ação injusta e imoral com a figura
paterna que este lhe representa. Por que Hamlet demorou tanto a agir? A ideia do homem que
pensa sobre o seu próprio agir é referida por muitos como um paradigma dos tempos
modernos. Para Nietzsche, Hamlet é o homem dionisíaco, que ao ter olhado a essência das
coisas, adquiriu o conhecimento, do qual surge a náusea que inibe a ação. Ou seria apenas
uma alma delicada e gentil esmagada sob o peso de uma tarefa colossal. Consciencia moral ou
culpa inconsciente? Talvez tanto Goethe como Freud tenham razão. Talvez, não. O texto é
metateatral porque é aberto a interpretações. Poder-se-ia dizer que foi por simples falta de
firmeza e que essa vacilação custou a vida de todos no final da estória ou mesmo acreditar em
Hamlet, quando este justifica sua hesitação em matar o tio enquanto rezava, pois isto faria
Cláudio ir direto para o céu e assim sua vingança não seria completa. Afinal, “a vingança é
um prato que se come frio”.
Aliás, desde o surgimento da psicanálise em finais do século XIX, Hamlet não só tem
sido a fonte de estudos importantes - do próprio Sigmund Freud, justamente sobre o
recalcamento do complexo de Édipo (FREUD, 1979, 280-282); Ernest Jones, comparando
aspectos das narrativas trágicas de Sofocles e Shakespeare (JONES, 1970) e Jacques Lacan
sobre o desejo e sua interpretação (1986) – como também esses estudos influenciaram
produções teatrais posteriores. Olivier se baseou explicitamente em Freud e Ernest Jones. Este
último chegou a participar de montagem teatral da peça com o ator-diretor antes da adaptação
para o cinema.
E mesmo não havendo nenhuma ligação direta entre Branagh e Lacan, todavia pela
data de produção do filme, pode-se dizer que Hamlet_3 foi influenciado pelas produções
teatrais inspiradas pela interpretação lacaniana. Enquanto Freud, Jones e Olivier dão ênfase ao
complexo Edipo; para Lacan, Hamlet é ‘uma tragédia do desejo’ e o essencial na narrativa
está na relação entre ‘o sujeito e a verdade’. Verdade essa sempre intersubjetiva, discursiva,
relativa, aliás: ‘uma meia-verdade’ para revolta e tristeza do sujeito. Ancorado (direta ou
indiretamente) em Lacan, Branagh faz um Hamlet mais complexo e multifacetado, em que
outras relações - as relações de desejo e aversão pelo feminino, as relações de poder internas e
externas, a relação entre linguagem e realidade – também são levadas em conta.
Nesta perspectiva, a relação com o arquétipo paterno se tornam mais éticas e menos
neuróticas. Lacan transforma o complexo de Édipo na estrutura de passagem da natureza à
cultura por meio da introdução do sujeito na ordem simbólica. O 'Nome-do-Pai' é o
significante dessa função paterna, como uma chave que abre, ao sujeito, o acesso à estrutura
simbólica e que lhe permitirá nomear seu desejo. Há uma discrepância entre autoridade moral
e poder de fato. E Hamlet tem a responsabilidade de resolver esse problema político.
No entanto, há também outros problemas emaranhados a este, a invasão militar pela
Noruega, a relação filosófica entre a loucura e o teatro, e a honestidade das mulheres...
6. O pai, a mãe, o outro ...
Além desses críticos que têm examinado os
motivos inconscientes ou conscientes do protagonista
relacionados com o conflito central entre o filhoprotagonista e o pai-antagonista Pai, mais recentemente
alguns analistas – principalmente Lacan - ressaltam a
subjetividade misógena de Hamlet, reavaliando e
reabilitando as personagens femininas Ophelia e rainha
Gertrudes. Nesta perspectiva, a essência de Hamlet é
no enredo central de que Hamlet não aceita o novo
casamento da mãe e a vê como uma prostituta por
causa de sua incapacidade de manter-se fiel ao rei
Hamlet, seu falecido marido.
Em consequência, Hamlet passa a perder sua fé
diante de todas as mulheres, tratando Ophelia como se ela fosse desonesta feito uma
prostituta. Prefere sacrificar seu amor em nome de sua vingança – o que, convenhamos, é
apenas uma boa desculpa para justificar a rejeição ao afeto feminino. É preciso ser cruel
consigo e com os outros, e nunca ter (nem ser objeto de) piedade. Para Hamlet, a virtude é a
negação do desejo. E a mulher é a encarnação do desejo e também da mentira, da
dissimulação, da desonestidade. Horácio é o único em que o príncipe confia. Sua conduta de
fingir estar demente beira o homossexualismo e a psicose bipolar, pois alterna momentos de
raiva maniáca e melancolia depressiva verdadeiros. Para Lacan, “a mulher não existe.” Ela
não se constitui como sujeito do discurso. Lacan se apoia em Lévi-Strauss para lembrar que as
mulheres aparecem na ordem simbólica como objetos de troca, e não como sujeitos agentes.
No entanto, não é possível saber se essa ‘depreciação do feminino’ é parte da loucura
de Hamlet ou da loucura de Shakespeare (ou da loucura de todos os homens), assim como não
é possível saber ao certo se a loucura de Hamlet é real ou não. O certo é que os personagens
femininos da peça se comportam como adereços que enfeitam um universo masculino e
misógeno. Objetos vivos de adoração e rejeição, diante dos quais os sujeitos modernos se
tornam (ou deveriam se tornar) verdadeiros e virtuosos.
Esse comportamento de desejo e aversão do afeto feminino é um ideal de virtude
estoica, de apatheia (uma apatia ascética), bastante antiga dos homens ocidentais. Hamlet
apenas seguiu a tradição da misogenia ocidental dando-lhe uma cara moderna.
E , finalmente, a relação do Ego com o Self. Ou do Eu como o ‘It’ – para que não me
acusem de ler Lacan através de Jung. Trata-se das relações do príncipe Hamlet com seus
semelhantes e consigo mesmo – expressas nas relações de oposição (S1/~S1 e S2/~S2) e
complementariedade (S1/~S2 e S2/~S1) do quadro semiótico de Greimas.
Com o amigo Horácio, só há afeto e lealdade. Hamlet morre nos braços de Horácio,
que quer se matar também. E Hamlet lhe pede que não o faça, para que possa contar sua
história. Com o inimigo Laertes, também há lealdade. Na verdade, Laertes é um adversário e
não um inimigo. Hamlet tenta conquistar-lhe a confiança. E os dois morrem juntos se
perdoando, depois que o filho de Polônio confessa toda trama urdida por Cláudio.
E com os falsos amigos Rosencrantz e Guildenster, Hamlet é igualmente falso,
deixando-os ir para a armadilha de morte preparada para ele na Inglaterra. Porém, antes disso,
tenta ser sinceros com eles e convencê-los de seu ponto de vista. Ou seja: o príncipe tenta
estabelecer relações verdadeiras e leais com todos, muito embora não seja todos os que
correspondam a esse tratamento a altura. A astúcia de Hamlet está no fato de que sua única
dissimulação é a loucura através da qual se permite dizer a verdade aos outros.
Porém, é na relação consigo mesmo (com o povo e com a ética pública) que realmente
caracteriza o príncipe dinamarquês e sobre a qual Almereyda tece uma nova interpretação,
diametralmente oposta a de Lacan: a mídia usurpadora do lugar da fala do poder político.
Para Lacan não há mediação ou usurpação do local da fala política, apenas as meias
verdades do sujeito dilacerado por seus desejos. Para nós, há várias mudanças significativas
nesta usurpação midiática: ao se apresentar como um campo de mediação em que os atores
políticos e econômicos se enfrentam, a mídia esconde que ela mesma é um ator social,
portador de interesses políticos e econômicos. O poder de dar visibilidade a alguns fatos e
acontecimentos em detrimentos de muitos outros que os meios de comunicação efetivamente
têm na sociedade atual não pode se confundir com a pretensiosa mentira de “construir a
realidade social”, desconsiderando tudo que não interessa a seus propósitos.
Na adaptação pós-moderna de Almereyda, mais próxima do pensamento de Foucault
e, Hamlet luta pelo direito de dar a última palavra, pelo trono interpretativo, o lugar da fala e
não pela Verdade abstrata. O teatro dentro do teatro é uma forma de verificar se o que disse o
espírito do rei Hamlet era verdade, de aplacar a dúvida e verificar experimentalmente se tudo
não passava de uma alucinação, mas, a estratégia satírica é, sobretudo, uma forma de
desmascarar publicamente a usurpação do tio.
Assim, não se trata apenas de lutar para ‘dizer a verdade’ como quer Lacan (ou para
‘saber a verdade’ – o que estaria mais próximo do texto e de outras interpretações), mas de
lutar para poder de dar visibilidade aos acontecimentos e deixar que cada um tenha sua
própria interpretação. Trata-se de mostrar a verdade e não apenas de dize-la.
A mídia tanto é Cláudio, o usurpador, como também é a ‘ratoeira’ (ou play scene),
esse ‘espelho da natureza’ que nos mostrar os defeitos e qualidades, é a representação dentro
da representação para que o poder e a sociedade tomem consciência de si. Por detrás da
linguagem, está o poder silencioso e invisível. E esta é a intenção maior de Hamlet, e não
simplesmente ‘dizer a verdade’. Um paradoxo interessante: a mídia como fala usurpada, é
Cláudio; a mídia engajada no papel de refletir o poder, é a ‘ratoeira’, a fala consciente.
Almereyda estabelece ainda uma diferença marcante entre o Imaginário, o simbólico e
o real – usando e ultrapassando a leitura de Lacan. O imaginário é um conjunto de imagens
ideais que guiam nosso comportamento animal; o Simbólico é a organização estrutural da
vida social. E o Real não existe. É o poder (a correlação de forças invisíveis e silenciosas) por
detrás da linguagem, é aquilo que não pode ser representado por um significante nem pode ser
representado.
Em Hamlet_4, há uma Ophelia imaginária – nas fantasias da cabeça de Hamlet (o
outro com o minúsculo), há uma Ophelia simbólica – representando a mulher-objeto (ou o
Outro com o maiúsculo) e há Ophelia real, que se faz presente através da morte. É com a
morte que o feminino se torna verdade, se torna algo real que tem poder sobre os demais. A
interpretação de Ophelia por Julia Stiles prova que a mulher existe. O mesmo pode ser dito da
mídia e do poder. Administrando o imaginário e o simbólico, eles (as relações de força e suas
representações sociais) são ‘reais’, invisíveis e onipresentes na narrativa.
O filme de Almereyda, principalmente através os personagens Hamlet (encenado por
Ethan Hawke) e Ophelia, é carregado de cinismo, desespero e parrhésia – ou de vontade de
verdade – aproximando-se também nesse aspecto do pensamento foucaultiano.
A Coragem de Verdade (2011), último livro de Foucault, editado a partir do último
curso ministrado no Collège de France (janeiro/março 1984), procura analisar a historicidade
do cinismo na antigüidade greco-romana e em sua atualidade no mundo moderno. Nele,
Foucault elabora o conceito parrhésia – ato corajoso do dizer-verdadeiro – como uma prática
transhistórica de si, do sujeito hermenêutico que enfrenta o mundo em nome do verdadeiro.
Essa mesma 'crítica da razão cínica' está presente em Almereyda. Mas, como uma
diferença. Enquanto, para Foucault a vontade de verdade é um valor superior à vida e
semelhante à liberdade; para Almereyda a parrhésia faz com que a mídia retrate a si mesma,
esvaziando seu encantamento.
7. Conclusão
Em Hamlet, o metateatro está presente em diferentes aspectos. Além, da farsa da
loucura fingida que por vezes se torna real, há também, na peça teatral encenada para
desmascarar Cláudio, uma sátira dentro da tragédia, com direito a recomendações do autor
sobre a montagem no interior da narrativa. Como texto teatral permite que os atores se
pensem como personagens (ou será o contrário).
Há ainda vários outros aspectos metateatrais, elementos da vida real do autor inseridos
no texto, o fato de ele ter escrito suas narrativas reescrevendo e recontando estórias de outros
autores ou ainda as inúmeras adaptações políticas da peça, encenadas contra tiranos e
ditadores em diferentes tempos e locais.
E o mais importante elemento de metateatro do texto é a estrutura psicológica
universal da narrativa. Todos nós nos sentimentos como sendo governados por um usurpador
– seja ele o governo, a mídia ou mesmo o diretor da escola. O poder nos governa através do
medo e da mentira, não reina mais com a benção dos deuses em harmonia com universo.
Somos governados pelo mal. O usurpador, no entanto, não é simplesmente o Estado moderno
que matou o rei (a monarquia) e casou-se com a sociedade civil, mas é também o diabólico (o
que separa) que tomou o lugar do simbólico (o que une).
Somos todos Hamlets – vivendo em universo desprovido de sentido – mas cada um
tem sua interpretação da triste estória do príncipe da Dinamarca.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna – teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. Petrópolis: Vozes,
1995.
______ A mídia e a modernidade – uma teoria social da mídia. Petrópolis: Vozes, 1998.
FILMES DE HAMLET
Hamlet 1 - Tempo de Duração: 153 minutos; Ano de Lançamento (EUA): 1948; Estúdio: Pilgrim Pictures / Two Cities Films Ltd.;
Distribuição: Universal-International; Direção: Laurence Olivier; Roteiro: Alan Dent e Laurence Olivier; Produção: Laurence Olivier;
Música: William Walton; Direção de Fotografia: Desmond Dickinson; Desenho de Produção: Roger K. Furse; Direção de Arte: Carmen
Dillon; Figurino: Roger K. Furse e Elizabeth Hennings; Edição: Helga Cranston. Elenco: Laurence Olivier (Hamlet); Eileen Herlie
(Gertrude); Basil Sydney (Claudius); Felix Aylmer (Polonius); Terence Morgan (Laertes); Jean Simmons (Ophelia); Peter Cushing (Osric);
John Laurie (Francisco); Esmond Knight (Bernardo); Anthony Quayle (Marcellus); Russell Thorndike (Padre); John Gielgud (Voz do
fantasma).
Hamlet 2; Tempo de Duração: 130 minutos; Ano de Lançamento (EUA): 1990; Estúdio: Carolco Pictures / Icon Entertainment
International / Le Studio Canal+ / Warner Bros.; Distribuição: Warner Bros.; Direção: Franco Zeffirelli; Roteiro: Christopher De Vore e
Franco Zeffirelli; Produção: Dyson Lovell; Música: Ennio Morricone; Direção de Fotografia: David Watkin; Desenho de Produção: Dante
Ferretti; Direção de Arte: Michael Lamont; Figurino: Maurizio Millenotti; Edição: Richard Marden. Elenco: Mel Gibson (Hamlet); Glenn
Close (Gertrude); Alan Bates (Claudius); Ian Holm (Polonius); Helena Bonham Carter (Ophelia); Stephen Dillane (Horatio); Nathaniel
Parker (Laertes); Sean Murray (Guilderstein); Michael Maloney (Rosencrantz); John McEnery (Osric); Richard Warwick (Bernardo); Paul
Scofield (Fantasma).
Hamlet 3. Tempo de Duração: 235 minutos; Ano de Lançamento (EUA): 1996; Estúdio: Columbia Pictures Corporation / Turner Pictures /
Castle Rock Entertainment; Distribuição: Columbia Pictures / Sony Entertainment Pictures; Direção: Kenneth Branagh; Roteiro: Kenneth
Branagh; Produção: David Barron; Música: Patrick Doyle; Direção de Fotografia: Alex Thomson; Desenho de Produção: Tim Harvey;
Direção de Arte: Desmond Crowe; Edição: Neil Farrell; Efeitos Especiais: The Computer Film Company / Tha Magic Camera Company /
The Moving Picture Company. Elenco: Kenneth Branagh (Hamlet); Kate Winslet (Ophelia); Richard Briers (Polonius); Julie Christie
(Gertrude); Derek Jacobi (Claudius); Nicholas Farrell (Horatio); Ravil Issyanov (Cornelius); Jack Lemmon (Marcellus); Michael Maloney
(Laertes); Ian McElhinney (Bernardo); Reece Dinsdale (Guildestern); Timothy Spall (Rosencrantz); Ken Dodd (Yorick); Rob Edwards
(Lucianus); Michael Bryant (Padre); Brian Blessed (Fantasma); Billy Crystal (Coveiro); Judi Dench (Hecuba); Gérard Depardieu
(Reynaldo); John Gielgud (Priam); Richard Attenborough (Embaixador); Rufus Sewell (Fortinbras); Robin Williams (Osric).
Hamlet 4. Tempo de Duração: 113 minutos; Ano de Lançamento (EUA): 2000; Estúdio: double A films; Distribuição: Miramax Films;
Direção: Michael Almereyda; Roteiro: Michael Almereyda; Produção: Andrew Fierberg e Amy Hobby; Música: Carter Burwell; Direção
de Fotografia: John de Borman; Desenho de Produção: Gideon Ponte; Direção de Arte: Jeanne Develle; Figurino: Marco Cattoretti e Luca
Mosca; Edição: Kristina Boden. Elenco: Ethan Hawke (Hamlet); Kyle MacLachlan (Claudius); Sam Shepard (Fantasma); Diane Venora
(Gertrude); Bill Murray (Polonius); Liev Schreiber (Laertes); Julia Stiles (Ophelia); Karl Geary (Horatio); Paula Malcomson (Marcella);
Steve Zahn (Rosencrantz); Dechen Thurman (Guilderstern); Rome Neal (Barnardo); Casey Affleck (Fortinbrás).