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Atitudes frente ao álcool e o potencial bebedor-problema: correlatos demográficos e psicossociais

Artigos originais Atitudes frente ao álcool e o potencial bebedor-problema: correlatos demográficos e psicossociais Valdiney V. Gouveia Lúcio Domingos da Silva Katia Corrêa Vione Ana Karla Silva Soares Rebecca Alves Aguiar Athayde Resumo O presente estudo objetivou conhecer correlatos demográficos e psicossociais das atitudes frente ao álcool e das que levam a ser um potencial bebedor-problema. Participaram 342 policiais militares de João Pessoa (PB), com idade média de 35,9, a maioria homem (94%), casada (75%) e católica (45,6%). Estes responderam os seguintes instrumentos: CAGE, QABP, QSG-12, POSIT e ao perfil demográfico. Os resultados indicaram o índice de 15,8% de potenciais bebedores-problema. Além disso, comprovou-se que as atitudes frente ao álcool e o consumo abusivo desta droga se correlacionaram positivamente com idade, agressão e depressão dos participantes. Propôs-se um modelo explicativo da disposição frente ao álcool, que apresentou indicadores de ajuste satisfatórios. Conclui-se que as variáveis demográficas e psicossociais podem ajudar a explicar as atitudes frente ao álcool e estas, por sua vez, o consumo abusivo desta bebida. Estes resultados são consistentes com a literatura. Contudo, recomenda-se replicálo, sendo também sugeridos estudos futuros que considerem outras variáveis, como o envolvimento parental e a prática de esportes. Palavras-chave: Álcool. Alcoolismo. Violência. Ansiedade. Idade. Valdiney V. Gouveia Psicólogo, doutor em Psicologia Social, professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), João Pessoa, Brasil À direita Lúcio Domingos da Silva Major da Polícia Militar da Paraíba, João Pessoa, Brasil Alguns estudiosos indicam que a bebida alcoólica teve origem no período Neolítico da pré-história, mais precisamente devido ao aparecimento da agricultura e à descoberta da cerâmica 1. Especificamente, segundo Viala-Artigue e Mechetti 1, o manejo incorreto de grãos em vasos de cerâmica expostos à chuva teria originado as primeiras bebidas fermentadas. Na Idade Média as bebidas alcoólicas já eram consumidas em todas as regiões da Europa. Todavia, devido à grande quantidade de doenças e germes presentes na água, estimularam-se medidas higiênicas para o seu uso 2. Com a Revolução Industrial pôde ser observado um grande aumento na oferta e, consequentemente, na popularidade das bebidas alcoólicas, principalmente por que estas, antes produzidas artesanalmente, passaram a ser feitas por técnicas e em escala industrial 3. Até o final do século XVII Revista Bioética 2009 17 (2): 251 - 266 251 Rebecca Alves Aguiar Athayde Acadêmica de Psicologia, bolsista de Iniciação Científica do CNPq na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), João Pessoa, Brasil o consumo de álcool já se havia generalizado, conotado como uma atividade eminentemente social e sendo a bebida considerada “néctar divino” 4. À esquerda De fato, como descreve a literatura, desde os primórdios da civilização o álcool esteve presente na sociedade como um elemento importante em rituais religiosos, comemorações e confraternizações 5. Apresenta no entanto significados distintos de acordo com o contexto, ora sendo percebido como produto repleto de significados culturais, como símbolo da fé cristã, ora como a origem de diversos transtornos psíquicos, fisiológicos e sociais. Katia Corrêa Vione Acadêmica de Psicologia, bolsista de extensão da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), João Pessoa, Brasil Ana Karla Silva Soares Acadêmica de Psicologia, bolsista de Apoio Técnico à Pesquisa do CNPq na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), João Pessoa, Brasil A expressão “alcoolismo crônico” foi utilizada pela primeira vez por Magnus Huss por volta de 1849 para designar um quadro clínico de manifestações patológicas, psíquicas, motoras e sensoriais que atingiam cada vez mais consumidores de bebidas alcoólicas em grande escala 6. Coerente com esta concepção, estudos epidemiológicos na sociedade contemporânea constatam o alcoolismo como um problema crescente 7. Apesar de as bebidas alcoólicas serem classificadas como “droga”, sua comercialização é lícita. Deste modo, não constitui surpresa que cerca de 10% da população brasileira seja dependente de álcool, enquanto um número bem maior de pessoas enfrenta problemas relacionados com o consumo excessivo de bebidas alcoólicas 6,8. A dependência desta substância é responsável por cerca de 90% das internações em hospitais e clínicas psiquiátricas no Brasil 7. Segundo Chaieb 9, o alcoolismo é uma doença individual, comprovadamente influenciada por fatores genéticos, ou seja, herda-se uma predisposição genética para o desenvolvimento do alcoolismo. Na literatura encontram-se estudos epidemiológicos a partir de diferentes amostras, como estudantes de ensino médio, superior ou mesmo entre a população geral 7,10. Por exemplo, um estudo realizado em 107 252 Atitudes frente ao álcool e o potencial bebedor-problema: correlatos demográficos e psicossociais cidades do Brasil constatou que os participantes do sexo masculino com idades entre 18 e 24 anos apresentaram maior índice de prevalência como dependentes de álcool 7. O álcool é a droga mais utilizada entre os adolescentes. O início do consumo é precoce, uma vez que dentre a faixa etária de 10 aos 12 anos quase metade dos estudantes já fizeram o uso dessa substância. Apesar de as taxas de uso crescerem com a idade, os indivíduos caracterizados como “bebedor-problema” iniciaram cedo, ainda bem jovens, o consumo de bebidas alcoólicas, bebendo em grande quantidade 11. Em estudo realizado nos Estados Unidos, os pesquisadores identificaram que o número de vezes que um indivíduo intoxicou-se antes dos 16 anos é o melhor indicador de um futuro dependente alcoólico 12. Já em estudo realizado na Nova Zelândia, constatou-se que o maior consumo de álcool aos 14 anos foi a principal variável na predição de o indivíduo se tornar no futuro um “bebedor-problema” 13. Talvez um dos maiores problemas políticolegais que facilite a condição de bebedorproblema seja a inexistência de controle eficaz quanto ao consumo de bebidas alcoólicas 14 . Neste sentido, Carlini e colaboradores 14 demonstraram em seu estudo que de cada seis pessoas que consumiram bebidas alcoólicas uma se tornou dependente. Portanto, a acessibilidade é um dos fatores de risco evidente para esta condição. Preocupante a respeito é o fato de estudos realizados entre jovens do ensino médio e estudantes universitários nas diversas regiões do país revelarem, consistentemente, que o álcool é a droga mais utilizada, sendo seguida pelo tabaco 10,11. Estudo transversal realizado em escolas públicas e particulares de Ribeirão Preto, Estado de São Paulo, constatou que o uso de drogas ilícitas é maior na classe socioeconômica alta, enquanto que o de álcool é maior no proletariado. Tal estudo ainda relacionou o aumento do consumo de drogas com o aumento da idade (exceto para os medicamentos), apontando, também, o sexo masculino como o maior consumidor 15. Além disso, foram conduzidos levantamentos acerca da influência do álcool na conduta das pessoas. Observou-se, por exemplo, que o número de crimes envolvendo autores e vítimas sob o efeito do álcool ultrapassou 50% das ocorrências criminais 7. Desta forma, o consumo do álcool é atualmente considerado importante problema de saúde pública, visto que mata ou incapacita pessoas, desestrutura famílias, acarreta diversos custos para a sociedade, requerendo ainda a atenção de profissionais da saúde, tais como médicos e psicólogos 4. Levando-se em consideração que são diversas as explicações para o problema do álcool, torna-se necessária a identificação de fatores que podem influenciar seu consumo. Diante disto, o presente estudo teve como objetivo principal identificar fatores demográficos e psicossociais relacionados à aceitação do consumo de álcool, procurando ainda conheRevista Bioética 2009 17 (2): 251 - 266 253 cer em que medida este construto explica a condição de ser um potencial bebedor-problema. No final, pretende-se apresentar um modelo explicativo preliminar, que poderá ser objeto de estudos futuros. Demanda-se neste contexto, antes de descrever o estudo propriamente dito, levantar algumas das variáveis que podem ser correlacionadas com o comportamento de consumir álcool. Variáveis associadas com o consumo do álcool O uso e a dependência de drogas são fenômenos bastante complexos que não podem ser reduzidos a uma faceta da dimensão biológica, psicológica ou social 12. Há uma ampla gama de fatores intervenientes e os estudos epidemiológicos mostram o direcionamento para a compreensão de tal realidade 11. Além de fatores sócio-demográficos que têm sido relacionados com o consumo de álcool 16,17, tais como sexo (masculino), idade (mais velhos) e classe socioeconômica (baixa), os estudos têm mostrado associação do uso de drogas, lícitas ou ilícitas, com fatores como envolvimento parental em consumo de álcool (-), menos conflitos (-) e tentativas de separação na família (+), baixa percepção de apoio paterno e materno (+) e menor frequência na prática de esportes (+) 11,18. Soldera, Dalgalarrondo, Correa Filho e Silva consideraram uma amostra com jovens de escolas públicas e privadas da cidade de Campinas, também no Estado de São Paulo, procurando conhecer variáveis correlatas ao abuso de álcool e outras drogas. Na oportunidade 19 254 aqueles autores destacaram que a dimensão religiosa promoveu menor uso da substância. Esta correlação negativa entre religiosidade e atitudes frente ao uso de álcool foi encontrada em diversos estudos 11,20,21, levando a concluir que os que se expressam como ativamente religiosos (participação em grupos de jovens, confiança em conselheiros religiosos, crença em Deus, habilidade para rezar) apresentam menor propensão ao uso de drogas em geral, entre elas o álcool 22. Estudos internacionais apontam a religiosidade como importante moderador, ou seja, como um fator de proteção contra o consumo de álcool e drogas entre estudantes adolescentes 23. Uma das explicações para isto é que o envolvimento religioso poderia contribuir para reforçar a esperança e possibilitar um sentimento de segurança em relação ao futuro, além de fazer com que a pessoa assuma um perfil mais conservador, inclinando-se ao não-envolvimento em comportamentos de risco, tal como o uso de drogas lícitas ou ilícitas 11. No caso de variáveis referentes ao bem-estar psicológico, como a ansiedade e a depressão, estas, na maioria das vezes, são identificadas a partir de observações do comportamento e queixas do paciente. A depressão é um dos transtornos que acompanha com maior frequência o alcoolismo e é de suma importância diagnosticá-la rapidamente, pois quando ocorre concomitantemente ao abuso de bebidas alcoólicas, resulta em um quadro grave, que aumenta o risco de suicídio. Tal fato é observado tanto em adolescentes quanto em adultos; alcoolistas não-depressivos podem se matar, mas o risco é bem maior Atitudes frente ao álcool e o potencial bebedor-problema: correlatos demográficos e psicossociais quando o abuso de bebidas alcoólicas está associado com a depressão 24. Percebendo a necessidade de avaliação mais objetiva acerca do desconforto psíquico, Goldberg 25 desenvolveu um instrumento auto-aplicável denominado Questionário de Saúde Geral (QSG). Com versões de 60, 30, 20 e 12 itens, o questionário tem o propósito de detectar doenças psiquiátricas nãoseveras e, a versão mais reduzida, medir o bem-estar psicológico, principalmente, ansiedade e depressão 26. Útil para detectar possíveis depressivos tal instrumento pode ser usado em conjunto com outros que mensuram a disposição frente ao álcool 26, tal como o CAGE, utilizado para detectar indivíduos que são bebedores-problema. Como explicado, a associação entre tais variáveis indica o agravamento do quadro clínico do indivíduo, que pode levar ao suicídio 24,26. Outra variável relevante para o estudo do alcoolismo é a agressão. Na literatura há consenso de que o comportamento agressivo e o uso de álcool estão relacionados, contudo, a direção desta relação nem sempre é clara 27. Tremblay e Ewart 28 observaram que indivíduos com pontuações altas em traços agressivos reportavam que o álcool aumentava o comportamento de agressão. Estudo longitudinal realizado por Raskin White, Brick e Hansell 29, verificou que o comportamento agressivo prévio leva ao aumento no consumo de álcool, mas que o uso do álcool não leva necessariamente a um comportamento agressivo posterior. Este modelo baseia-se na suposição de que indivíduos agressivos estão mais propensos que os nãoagressivos a selecionarem situações em que sejam encorajados a consumir grande quantidade de bebida alcoólica 27. Que algumas variáveis parecem se relacionar com o consumo de álcool é evidente. Mas, talvez o mais importante preditor do consumo desta substância sejam as atitudes que as pessoas apresentam a seu respeito. Neste sentido, pensar acerca de pesquisas para explicar o consumo de álcool deveria implicar em contar com instrumentos adequados para avaliar atitudes e, finalmente, o comportamento em si ou algum indicador do uso potencial desta droga. Coelho Júnior, Gontiès e Gouveia 17 adaptaram para a realidade brasileira o teste The Problem Oriented Screening Instrument for Teenagers (POSIT), questionário que serve como indicador de atitudes que as pessoas têm diante do uso de drogas em geral, mas também do álcool em particular (existem itens específicos para tanto). Por outro lado, Capriglione e colaboradores 30 comprovaram que é possível identificar na população não-clínica potenciais bebedores-problema por meio de um questionário denominado CAGE, acrônimo referente às suas quatro perguntas. Tal instrumento tem a vantagem de ser curto e auto-aplicável, apresentando resultados satisfatórios 31. Empregando-o em uma amostra de 470 pessoas da população geral de João Pessoa, Gouveia, Vasconcelos e Jesus 16 verificaram um índice de 17% de potenciais bebedores problema. Em resumo, identificam-se algumas variáveis demográficas e psicossociais que podem ser relacionadas com as atitudes frente ao Revista Bioética 2009 17 (2): 251 - 266 255 álcool e à condição de ser um potencial bebedor-problema. Existindo instrumentos para avaliar estes dois aspectos, a presente pesquisa pretende conhecer se as pontuações dos participantes são afetadas pelas variáveis sexo, idade, religiosidade e ainda por desconforto psicológico, caracterizado por ansiedade e depressão, bem como pela propensão à agressão. Complementarmente, procura-se identificar o índice de bebedor-problema na amostra considerada, possibilitando compará-lo com o da população geral. É importante salientar que o grupo pesquisado, policiais militares, é ainda pouco estudado no contexto brasileiro, podendo este trabalho resultar em contribuição significativa. Método A pesquisa contou com a participação de 342 policiais militares da cidade de João Pessoa, capital do Estado da Paraíba. Estes tinham idades entre 21 e 57 anos (m = 35,9; dp = 5,92; amplitude de 21 a 57 anos), sendo majoritariamente sargentos (63%), do sexo masculino (94%), casados (75%) e católicos (45,6%) ou evangélicos (35,2%). Tratou-se de amostra de conveniência, isto é, fizeram parte do estudo policiais que tendo sido convidados concordaram em participar da pesquisa. Os dados foram coletados em uma escola de formação de oficiais da Polícia Militar na cidade de João Pessoa, que todos os participantes frequentam. O responsável pela coleta foi um oficial da própria polícia militar, devidamente instruído e qualificado para a ativi256 dade. Embora o instrumento tenha sido respondido individualmente, os interessados em participar do estudo estavam concentrados em um ambiente comum. Seguindo as recomendações éticas das Diretrizes e Normas para Pesquisa Envolvendo Seres Humanos, antes de iniciar a distribuição do instrumento de coleta de dados foi detalhadamente explicado que a participação na pesquisa seria voluntária, enfatizando-se a importância da mesma para os próprios participantes. Foi assegurado, também, o sigilo e anonimato das respostas, explicando-se que seriam tratadas estatisticamente no conjunto. Cada indivíduo que concordou em participar do estudo recebeu o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e, após dirimir qualquer dúvida subjacente sobre o processo, assinou-o. A seguir foi entregue o questionário para que fosse devidamente preenchido e devolvido, processo que durou, em média, 40 minutos. O levantamento de dados foi feito por meio de questionários entregues aos participantes na forma de um livreto, composto por quatro partes principais. Cada uma destas era relativa a um conjunto de questionamentos ou técnica específicos: CAGE; POSIT; QSG-12; QABP, além de questões demográficas destinadas a delinear o perfil dos pesquisados. Estes instrumentos são apresentados a seguir. CAGE Compõe-se de quatro perguntas (por exemplo, “Você já sentiu que deveria diminuir a quantidade de bebida ou parar de beber?”) para as quais existem duas respostas alterna- Atitudes frente ao álcool e o potencial bebedor-problema: correlatos demográficos e psicossociais tivas: “sim” e “não”. Trata-se de uma ferramenta útil e válida para a triagem, tendo sido adaptada primeiramente por Capriglione e colaboradores 30 para a população nãoclínica. Na literatura utiliza-se frequentemente o critério de duas ou mais respostas afirmativas para indicar a presença da “síndrome de dependência do álcool”, ou seja, indica que o indivíduo é um potencial bebedor-problema. O mesmo critério foi adotado nesta pesquisa. POSIT Este instrumento, adaptado para o contexto brasileiro por Coelho Júnior, Gontiès e Gouveia 17, permite conhecer atitudes das pessoas frente ao álcool e outros tipos de drogas (por exemplo, maconha), avaliando a potencialidade do futuro consumidor (tendência ao consumo) de bebidas alcoólicas. Os participantes devem responder em uma escala dicotômica (sim ou não) cada um dos seus 17 itens, como, por exemplo, “Costuma perder atividades ou acontecimentos porque gastou dinheiro com bebidas alcoólicas?” e “No mês passado dirigiu um carro estando embriagado?”. QSG-12 Compreende uma versão abreviada do Questionário de Saúde Geral de Goldberg 25, inicialmente adaptado para o Brasil por Pasquali e colaboradores 32. A presente versão é composta por 12 itens. Cada item é respondido em termos do quanto a pessoa tem experimentado os sintomas descritos, sendo suas respostas dadas em uma escala de quatro pontos. No caso de itens que negam a saúde mental tais como “Suas preocupações lhe têm feito perder muito sono?” e “Tem se sentido pouco feliz e deprimido?”, as opções de resposta variam de 1 (absolutamente não) a 4 (muito mais que de costume). No caso de itens afirmativos, por exemplo, “Tem se sentido capaz de tomar decisões?” e “Tem podido concentrar-se bem no que faz?”, as respostas também foram escalonadas de 1 a 4, que representam as situações (mais que de costume) e (muito menos que de costume), respectivamente. Quanto maior a pontuação total nesta medida pior nível de saúde mental. QABP Este instrumento é denominado Questionário de Agressão de Buss-Perry 33, tendo sido desenvolvido por esses pesquisadores no contexto estadunidense. A versão brasileira conta com 26 itens, tendo sido adaptada por Gouveia, Chaves, Peregrino, Branco e Gonçalves 34. Teoricamente, avalia a agressão em quatro componentes: agressão física, por exemplo, “Se alguém me bater, eu o bato de volta”; agressão verbal, expressa por afirmações como “Não consigo ficar calado/a quando as pessoas discordam de mim”; raiva, caracterizada por assertivas como “Alguns amigos dizem que sou cabeça quente”; e hostilidade, definida, por exemplo, em frases como “Quando as pessoas são muito gentis, duvido de suas intenções”. As respostas são dadas em escala tipo Likert, de cinco pontos, variando de 1 (discordo totalmente) a 5 (concordo totalmente). No presente estudo considerou-se a pontuação geral, a qual é diretamente proporcional à agressividade, ou seja, quanto maior a pontuação mais agressiva se mostra a pessoa. Revista Bioética 2009 17 (2): 251 - 266 257 Questões demográficas Além desses instrumentos, foram incluídas questões de natureza demográfica, como idade, sexo, estado civil, posto (cargo) de trabalho e religiosidade. Neste caso, compreendeu um único item, perguntando em que medida a pessoa se considerava religiosa, sendo as respostas dadas em escala de cinco pontos, variando de 0 (nada religioso) a 4 (totalmente religioso). Estas variáveis foram incluídas com o propósito principal de caracterizar os participantes do estudo. A tabulação e análise dos dados foi feita pelo Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) em sua versão 15. Foram calculadas estatísticas descritivas, tais como médias, desvios-padrão, frequências e porcentagens, além de correlações de Pearson. Complementarmente, utilizou-se o programa AMOS (versão 7) para testar um “modelo causal” preliminar, propondo explicar as atitudes frente ao álcool e a possibilidade de ser um bebedor-problema. Neste caso, adotaram-se os seguintes indicadores de ajuste do modelo: UÊ O F² (qui-quadrado), que testa a probabilidade de o modelo teórico se ajustar aos dados; quanto maior este valor, pior o ajustamento. Este indicador é sensível ao tamanho da amostra (amostras grandes, isto é, n > 200), devendo, portanto, ser interpretado com alguma reserva. Portanto, tem sido mais promissor considerar sua razão em relação aos graus de liberdade (F²/g.l.). Neste caso, valores entre 2 e 3, ou menos, indicam um ajustamento 258 adequado, sendo considerado aceitável um valor de até 5. UÊ O Goodness-of-Fit Index (GFI) e o Adjusted Goodness-of-Fit Index (AGFI), que variam de 0 a 1, com valores na casa dos 0,90 ou superiores, indicando um ajustamento satisfatório. UÊ O Comparative Fit Index (CFI), que é um índice comparativo, adicional, de ajuste ao modelo, com valores mais próximos de 1 indicando melhor ajuste; aceitam-se valores de 0,90 ou superiores como expressando um modelo ajustado. UÊ A Root-Mean-Square Error of Approximation (RMSEA), com seu intervalo de confiança de 90% (IC90%). É preciso que o valor correspondente seja igual ou inferior a 0,08, aceitando-se valores de até 0,10. Resultados Primeiramente, buscou-se conhecer o índice de bebedor-problema na amostra estudada, a fim de tornar possível situá-lo em relação à população geral. Neste caso, adotou-se o mesmo critério de Gouveia e colaboradores 16 , isto é, duas ou mais respostas afirmativas ao CAGE. A partir de então, observou-se que 15,8% dos respondentes podem ser considerados como potenciais bebedores-problema. O passo seguinte foi conhecer os correlatos das atitudes frente ao álcool (POSIT) e de ser um potencial bebedor-problema (CAGE). Estas variáveis foram operacionalizadas como contínuas, sendo a maior pontuação indicativa de atitudes favoráveis e maior propensão ao uso de álcool, respectivamente. Atitudes frente ao álcool e o potencial bebedor-problema: correlatos demográficos e psicossociais Tabela 1. Correlações das variáveis demográficas e psicossociais com as medidas de atitudes frente ao álcool e potencial bebedor-problema. Psicossociais Demográficos Disposições frente ao álcool Correlatos POSIT CAGE Sexo 0,08 -0,08 Idade 0,11* 0,15** Religiosidade -0,05 -0,01 Ansiedade 0,25** 0,21** Depressão 0,29** 0,20** Agressão 0,32*** 0,38** Notas: *p < 0,05; ** p < 0,001 (teste bi-caudal). Nesta tabela, como fica evidente, procurou-se verificar como as variáveis demográficas e psicossociais se correlacionam com as disposições frente ao álcool, avaliada por meio do POSIT (atitudes frente ao álcool) e CAGE (tendência a tornar-se um bebedor problema). Destacase, inicialmente, que estas duas medidas se correlacionaram direta e significativamente entre si (r = 0,54, p < 0,001). Em termos específicos, o POSIT e o CAGE apresentaram correlações muito parecidas com as variáveis consideradas (p < 0,05), a saber (valores respectivos entre parênteses): idade (r = 0,11 e 0,15), ansiedade (r = 0,25 e 0,21), depressão (r = 0,29 e 0,20) e agressão (r = 0,32 e 0,38); unicamente sexo e religiosidade não se correlacionaram (p > 0,05) com variáveis que indicam disposições favoráveis ao álcool. Como é possível depreender dos resultados anteriormente apresentados, as atitudes frente ao álcool e o potencial abuso de bebida alcoólica apresentam correlatos tanto demográficos como psicossociais. Concretamente, pessoas mais velhas, que apresentam maior pontuação em ansiedade, depressão e agressão costumam ter atitudes mais favoráveis frente a esta droga, assim como é mais provável serem classificadas como bebedores-problema. Não obstante, os coeficientes de correlação não permitem estabelecer precisamente qualquer ordem de temporalidade. Por exemplo, não indica se o álcool leva a agressão ou o contrário, isto é, a pessoa agressiva tem atitudes mais favoráveis diante do álcool e, provavelmente como consequência, procura beber mais. A propósito, procurando entender a possibilidade ou tendência de ser um bebedor-problema, decidiu-se partir da Tabela 1 e, considerando o que tem sido descrito na literatura, delinear um modelo explicativo. No caso, Revista Bioética 2009 17 (2): 251 - 266 259 testaram-se dois modelos alternativos. O primeiro deles considerou as variáveis idade, ansiedade, depressão e agressão como capazes de explicar atitudes frente às bebidas alcoólicas, identificadas pelo POSIT, e estas como preditoras de um bebedor-problema, apontado pelo CAGE. O segundo modelo é muito similar, unicamente excluindo a variável ansiedade. O primeiro modelo, que incluiu a variável ansiedade, apresentou os seguintes indicadores de ajuste: ² (3) = 6,41, ²/gl = 2,14, GFI = 0,99, AGFI = 0,96, CFI = 0,99 e RMSEA = 0,058 (0,00-0,12). No entanto, devido à variável ansiedade apresentar uma contribuição pequena ( = 0,07) na explicação das atitudes frente ao álcool, optou-se pelo segundo modelo. Os indicadores de ajuste deste modelo foram: ² (2) = 5,20, ²/gl = 2,60, GFI = 0,99, AGFI = 0,96, CFI = 0,99 e RMSEA = 0,069 (0,00-0,14). Considerando a diferença entre os qui-quadrados e os respectivos graus de liberdade destes modelos, constata-se que não diferem estatisticamente entre si [ ²(1) = 1,26, p = 0,26]. Neste sentido, adotando o critério de parcimônia, optou-se pelo segundo modelo. Uma síntese deste modelo pode ser observada na Figura 1 a seguir. Como se constata, a agressão, a depressão e a idade, de forma direta, fazem com que as pessoas apresentem atitudes mais positivas frente ao álcool. Por sua vez, apresentar tais atitudes torna mais provável que a pessoa se enquadre na condição de potencial bebedor-problema. É importante destacar que todos os Lambdas foram estatisticamente diferentes de zero ( 0; z > 1,96, p < 0,05), isto é, as variáveis apresentaram saturação considerável nos fatores correspondentes. Figura 1. Modelo causal explicativo da disposição frente ao álcool. 260 Atitudes frente ao álcool e o potencial bebedor-problema: correlatos demográficos e psicossociais Discussão Inicialmente, quanto ao índice de potenciais bebedores-problema, aquele que se comprovou neste estudo, 15,8%, é um pouco inferior ao observado na população geral da mesma cidade, 17% 29. Contudo, não é esta uma diferença estatisticamente significativa (z = 0,47, p = 0,32), resultado que parece consistente. Vale lembrar que o álcool não é uma droga proibida, não havendo qualquer razão para esperar que os policiais sejam menos propensos ao seu uso do que as pessoas de diferentes interesses e ofícios na sociedade. No que se refere à relação das variáveis demográficas com as disposições frente ao álcool, verificou-se apenas a correlação direta da idade com os indicadores de atitudes frente ao álcool e potencialidade de ser um bebedorproblema. Tais resultados corroboram os descritos na literatura, que apontam além do início precoce, o aumento da idade como fator que eleva a tendência ao consumo de álcool bem como de drogas em geral 11. Por outro lado, os estudos apontam que os homens mostram-se mais favoráveis ao consumo de bebidas alcoólicas do que as mulheres, o que não foi confirmado. Ressalta-se, não obstante, que a quase totalidade dos participantes foi do sexo masculino (94%) e a pouca variabilidade deste fator pode penalizar sua contribuição para explicar as pontuações em medidas sobre a aprovação ao uso de álcool 15, como identificado com o POSIT e CAGE. Quanto às variáveis psicossociais, observou-se que o bem-estar psíquico ansiedade e depres- são bem como a agressão se correlacionaram com as disposições frente ao álcool. Isso era esperado e, de fato, o modelo explicativo adotado vai ao encontro do que é descrito na literatura 11,24,28. Porém, é importante salientar que a ansiedade teve pouca contribuição para a explicação das disposições frente ao álcool, justificando a escolha de não considerá-la no modelo final. Outro dado interessante é a relação direta da agressão com a tendência a se tornar um bebedor problema, reforçando achados que apontam que indivíduos com traços agressivos apresentam maior predisposição a se envolverem em atividades relacionadas ao uso do álcool e outras drogas 28,29. Embora se afirme que foi apresentado um “modelo causal” explicativo, não se afirma neste contexto a existência de relação causaefeito, apenas comprovada em pesquisas com delineamento experimental. Este estudo testou unicamente a hipótese de que não seria absurdo pensar em uma sequência temporal em que variáveis demográficas e psicossociais pudessem explicar atitudes favoráveis frente ao álcool e estas, por sua vez, a potencialidade de ser um bebedor-problema. Os indicadores de ajuste do referido modelo cumprem os valores que têm sido definidos como pontos de corte, isto é, valores aceitáveis para indicar que o modelo teórico se ajusta aos dados. Por exemplo, o AGFI e CFI foram acima de 0,90. Considerações finais Diante dos resultados e discussão apresentados acredita-se que os objetivos do presente estudo, identificar o índice de potenciais Revista Bioética 2009 17 (2): 251 - 266 261 bebedores-problema na amostra investigada, possibilitando compará-lo com o que ocorre na população geral, tenham sido alcançados. A pesquisa permitiu também levantar os correlatos demográficos e psicossociais das atitudes frente ao álcool do potencial bebedor-problema, definindo aspectos que permitiriam elaborar um modelo explicativo a respeito. to de estudos futuros que procurem replicar o que ora se descreve. Não obstante, considerando os achados descritos, que são consistentes com aqueles da literatura, entende-se que este estudo é promissor, servindo como fundamento heurístico a partir do qual se pode elaborar um modelo explicativo do consumo problemático de álcool. Apesar desses êxitos na aplicação desse conjunto de técnicas é fundamental reconhecer as potenciais limitações do estudo já que o universo não corresponde a uma amostra aleatória ou representativa do conjunto dos policiais militares, mas está circunscrito a uma amostra de conveniência. Além dessa característica que restringe a possibilidade de generalização é preciso considerar ainda que a mensuração da religiosidade correspondeu a um único item, compreendendo auto-relato acerca do quanto a pessoa se considera religiosa. Estes aspectos precisam ser levados em conta no delineamen- Finalmente, em termos de estudos futuros, deve ser enfatizado que há muito ainda o que pesquisar. Por suposto, replicar a presente pesquisa é o primeiro desafio, ampliando o universo da amostra ou considerando outros grupos populacionais. Porém, é igualmente interessante ir além, incluindo outras variáveis que poderão ser importantes na explicação das atitudes frente ao álcool e do consumo problemático desta substância. A propósito, seria importante tratar em estudos futuros variáveis como envolvimento parental e prática de esportes 11,18. Resumen Las actitudes frente al alcohol y el potencial bebedor-problema: correlatos demográficos y psicosociales El presente estudio tuvo como objetivo conocer correlatos demográficos y psicosociales de las actitudes hacia el alcohol y del hecho de ser un potencial bebedor-problema. Participaron 342 policías militares de João Pessoa (PB), con edad promedia de 35.9 años, la mayoría varones (94%), casados (75%) y católicos (45,6%). Todos contestaron los siguientes instrumentos: CAGE, CABP, CSG-12, POSIT y preguntas demográficas. Los resultados indicaron un 15.8% de potenciales bebedores-problema. Además de eso, se ha comprobado que las aptitudes hacia el alcohol y el uso abusivo de esta droga se correlacionaron positivamente con edad, agresión y depresión de los participantes. Un modelo explicativo de la disposición hacia el alcohol ha sido propuesto, que 262 Atitudes frente ao álcool e o potencial bebedor-problema: correlatos demográficos e psicossociais presentó indicadores de ajuste satisfactorios. Concluyendo, las variables demográficas y psicosociales pueden ayudar a explicar las actitudes hacia el alcohol y estas, a su vez, explican el uso abusivo de esta droga. Estos resultados son coherentes con aquellos presentes en la literatura. Sin embargo, se recomienda replicarlo, siendo también sugeridos estudios futuros que tengan en cuenta otras variables, a ejemplo de la implicación parental y la práctica de deportes. Palabras-clave: Alcohol. Alcoholismo. Violência. Ansiedad. Edad. Abstract The attitudes toward alcohol and the potential problem-drinker: demographic and psychosocial correlates This study aimed to know demographic and psychosocial correlates of attitudes toward alcohol and propensity of becoming a problem-drinker. Participants were 342 military police officers from João Pessoa (PB) with a mean age of 35.9 years, most men (94%), married (75%) and Catholic (45,6%). They answered the following instruments: CAGE, QABP, GHQ-12, POSIT, and demographic questions. Results indicated an index of potential problem-drinkers of 15.8%. Furthermore, it was verified that attitudes toward alcohol and the abusive consumption of this drug correlated positively with the participants’ age, aggression and depression. An explanatory model of the disposition toward alcohol, which showed satisfactory indexes of fit, was proposed. It was concluded that the demographic and psychosocial variables can help to explain the attitudes toward alcohol and this, on the other hand, explained the abusive consumption of this drug. These results are consistent with the literature. However, replication of this study is recommended and also future studies which consider other variables, such as parental involvement and sports practice are suggested. Key words: Alcohol. Alcoholism. Violence. Anxiety. Age. Referências 1. Viala-Artigues J, Mechetti C. Histoire de l´alcool archéologie partie 1 [Online]. [acessado em 2009 Ago 7]. Paris : Fédération des Acteurs de l´Alcoologie et de l´Addictologie; 2003. Disponível em : URL : http://www.alcoologie.org/Histoire-de-l-alcool-archeologie,118.html 2. Montanari M, Flandrin JL. Historia da alimentação. São Paulo: Estação Liberdade; 1998. 3. Centro Brasileiro de Informações Sobre Drogas Psicotrópicas - CEDRI. Bebidas alcoólicas [folheto online].[acessdo em 2008 Ago 07]. 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João Pessoa/PB, Brasil. 266 Atitudes frente ao álcool e o potencial bebedor-problema: correlatos demográficos e psicossociais