Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                
1 Referência Bibliográfica BUENO, André; CREMA, Everton; ESTACHESKI, Dulceli; NETO, José Maria [org.] Jardim de Histórias: discussões e experiências em aprendizagem histórica. Rio de Janeiro/União da Vitória: Edição Especial Ebook LAPHIS/Sobre Ontens, 2017. ISBN: 978-85-65996-47-1 Edição Especial Ebook LAPHIS/Sobre Ontens: www.revistasobreontens.blogspot.com.br 2 JOGOS DIGITAIS E ENSINO DE HISTÓRIA: A CULTURA HISTÓRICA EM AGE OF EMPIRES II Hezrom Vieira Costa Lima O saber histórico na sala de aula não é restrito ao professor /historiador, pois conforme destacou Ferreira (2012, p.184), “o historiador não possui o monopólio sobre a memória”. Mediante essa percepção, o processo de construção do conhecimento histórico, por parte do alunado, perpassa não apenas o momento da “aula de história”, mas também disputa espaços com elementos fora do âmbito escolar. A mídia de uma maneira geral, em que se destacam a atuação da televisão, cinema, histórias em quadrinhos e, nos últimos anos, os jogos eletrônicos, é a principal articuladora do conhecimento histórico nesse sentido. Dessa forma, os professores, convivem com alunos que “vivenciam, com intensidade, o presente marcado pelos ritmos acelerados das tecnologias” (BITTENCOURT, 2004, p.7). Romera e Ojeda (2015, p.7) chamam a atenção para a capacidade de os videogames terem se transformado em uma forma cotidiana de conhecimento: Lo que en su origen aparecía como una forma de entretenimiento radicada en la dimensión lúdica de cada uno de nosotros como intervinientes reales o potenciales, se ha transformado, dentro del contexto sociocultural contemporáneo, en un artefacto generador de contenidos y capaz de desplazar, desde un punto de vista historiográfico, el propio discurso científico del conocimiento del passado y sus acontecimientos definidores. De acordo com resultados obtidos por estes pesquisadores espanhóis, o potencial dos jogos eletrônicos extrapola o limite do entretenimento. O conhecimento presente nesses jogos pode, inclusive, dialogar e, até mesmo, deslocar, a mentalidade coletiva e o conhecimento historiográfico sobre determinado período histórico ou personalidade histórica, em suma, são capazes de transformar a consciência histórica sobre o passado em si. Dessa maneira os jogos eletrônicos, sobretudo aqueles que tem como objetivo retratar determinado acontecimento histórico, denominados de history games, pois tem como objetivo uma reprodução fidedigna de um período histórico (NEVES, 2011, p.15), são elementos cruciais desse processo. Dessa maneira os history games podem ser compreendidos na definição de cultura histórica proposta por Rüsen (2007) que entende a mesma como a forma de construção do saber histórico além do campo da historiografia. Dessa forma entendemos os history games como produtores de uma cultura histórica. 365 Jogos Digitais e Ensino de História: history games em sala de aula As transformações ocorridas nos embates do campo historiográfico são perceptíveis no “fazer histórico”, da mesma forma os resultados dessas implicações devem ser estimulados no campo pedagógico. Sobre a questão implícita de ensinar história, Karnal (2007, p.8-9) destaca que a esta atividade está submetida a duas transformações permanentes “do objeto em si e da ação pedagógica”, Estas mudanças na ação pedagógica, relacionada as modificações dos seus agentes – o professor de história, serão o foco da discussão desenvolvida a seguir. Para suscitar o debate, um questionamento inicial se faz necessário, por que escolher, dentre tantas outras fontes, os history games para auxiliar no ensino de história? Dois aspectos, que trabalham de forma simbiótica, servem como resposta dessa questão. Primeiro, é notória em nossa sociedade, sobretudo a partir da segunda metade do século XX, a dependência “da imagem como linguagem e ferramenta imprescindível de comunicação entre as pessoas” (PAIVA, 2006, p.102), e segundo, e até de certa forma, como consequência da primeira, os professores por estarem inseridos nesse meio social, são também consumidores desses artefatos culturais, dessa forma, o diálogo estabelecido por óticas distintas torna a interpretação desse fenômeno em uma análise mais complexa, permeando a construção e interpretação de sentidos dos alunos sobre os jogos, e também dos professores, pois mediante a recepção por parte dos seu alunado terá uma gama maior de possibilidades para serem trabalhadas. (ALVES, 2008). A utilização dos jogos em sala de aula não se inicia (ou encerra) no momento do jogo em si, ela possui uma gama considerável de funções, que poderão ser utilizados pelo professor. Sobre essa questão, menciona Meinerz (2013, p.108) Especificamente no ato educativo escolar, o jogo pode atender a distintos objetivos, desde uma sondagem ou revisão de conteúdos formais e de saberes informais, até o manuseio mais sofisticado de conceitos, a visualização concreta de processos complexos ou abstratos, e ainda o diagnóstico avaliativo do conhecimento dos alunos. Dessa forma fica evidente que a utilização de jogos eletrônicos em sala de aula pode ocorrer de maneiras distintas, devendo ser uma atividade que favoreça o diálogo com o alunado, permitindo uma visualização mais ampla do conteúdo abordado. Compreendendo o período feudal através de Age of Empires II Age of Empires II: The Age of Kings é um jogo de estratégia em tempo real, desenvolvido pela Ensemble Studios e publicado pela Microsoft, lançado originalmente em 1999. O contexto do jogo AoE2 se passa no período medieval, e possui 13 civilizações jogáveis, que se distinguem arquitetonicamente em 4 grupos, civilizações da Europa Ocidental – bretões, celtas e francos, da Europa Central – góticos, teutões e vikings, do Oriente Médio – bizantinos, persas, turcos e sarracenos, e do Extremo Oriente – chineses, japoneses e mongóis. 366 Por se tratar de um jogo de estratégia em tempo real que simula um período histórico específico, AoE2 conta com dois modos de jogo, o modo campanha, onde o jogador tem a possibilidade de controlar personagens específicos, como Joana D’arc na França e Saladino durante as Cruzadas, além de personagens que estavam envolvidos naquele período, como soldados, comerciantes, monges e camponeses. O modo campanha, possuí 5 campanhas ao todo, uma de William Wallace, onde os celtas lutam contra os ingleses, uma de Joana d’Arc, onde o jogador controla o exército francês contra os ingleses, na terceira é possível jogar com Saladino, retratando as cruzadas, na quarta pode-se jogar com Genghis Khan e a conquista do império bizantino e por fim, também pode jogar com uma campanha relacionada à Barbarossa. A narrativa apresentada a seguir tem como base os resultados da nossa prática docente na educação básica, com duas turmas do 7º ano do ensino fundamental 2, entre os anos de 2015 e 2016. Tendo como objetivo ampliar o conhecimento sobre o período estudado no primeiro semestre, o período medieval, decidimos em conjunto com a sala, utilizar um jogo, que contemplasse o período estudado, para ampliar o conhecimento sobre o assunto analisado em sala de aula. Como metodologia ficou decidido dividir a turma em grupos. Na primeira turma, no ano de 2015, em um total de 24 alunos, estes foram divididos em 5 grupos, 4 deles com 5 integrantes e outro com 4 alunos. Já na segunda turma, em 2016, 4 grupos com 5 alunos e 1 grupo com 4, apesar de ser sugerido que os grupos fossem mistos, o que privilegia o potencial de contribuição de cada aluno para seu grupo, o critério escolhido pelos alunos foi a afinidade, priorizando o contato desenvolvido ao longo da vida escolar dos mesmos. Terminada a escolha dos grupos, foi passada um CD com uma cópia do jogo Age of Empires II para cada grupo, para que os membros responsáveis instalassem o jogo nos seus respectivos computadores em casa, e, ainda em sala de aula, foi realizada uma espécie de oficina, seguindo a metodologia de Lopes (2016) explicando passo a passo as etapas de extração do arquivo e instalação do jogo. Após essa primeira etapa concluída, foram explicados determinados campos, relacionados as ferramentas, funcionalidade, objetivos, modo campanha e o banco de dados com as informações sobre as civilizações, que estão presentes no menu do jogo. Para ilustrar a explicação, foi selecionado o modo campanha para explicar a movimentação, que é toda realizada com o mouse, tendo apenas algumas teclas de atalho no teclado e as características das unidades principais, como os trabalhadores, que são responsáveis pela obtenção de recursos (madeira, pedra, comida e ouro) e construção das estruturas e unidades militares, responsáveis pela proteção do território controlado pelo jogador. Como objetivo geral, os grupos deveriam reconstruir o universo feudal utilizando o jogo Age of Empires II, de acordo com o que for estudado em sala de aula. A primeira atividade proposta foi de cada grupo construir, dentro do jogo, o ambiente do mundo feudal europeu. Para isso, os alunos utilizaram como base o mapa do mundo feudal, contemplando a Europa ocidental, o norte da África e o atual Oriente Médio, respeitando os limites geográficos e os aspectos físicos de cada região. Em seguida, as equipes foram instruídas a construir um feudo, percebendo as características dessa unidade básica de produção durante o período feudal. Tendo como 367 objetivo perceber os critérios de autossuficiência dos feudos bem como os papéis sociais desempenhados pelos indivíduos, os alunos puderam vivenciar, mesmo que de forma virtual, os aspectos sociais e econômicos que a população do período estudado. Contribuindo para a construção imagética do período medieval para além de castelos, princesas e dragões (SILVA, 2010). Após as instruções os alunos conseguiram construir, de maneira satisfatória, um feudo conforme fora solicitado e conseguiram perceber as nuances características do período feudal, percebendo os papéis sociais desenvolvidos pelos indivíduos bem como obter uma percepção maior do período medieval, avaliação que foi percebida durante a apresentação do produto final, em sala de aula. Referências - Jogos Eletrônicos AGE OF EMPIRES II: The Age of Kings. Estados Unidos, Ensemble Studios, 1999. - Bibliografia ALVES, Lynn (2008). Relações entre os jogos digitais e aprendizagem: delineando percurso. In: Educação, Formação & Tecnologias. Portugal, vol.1 (2); pp. 3-10, Novembro de 2008, disponível no URL: http://eft.educom.pt. BITTENCOURT, Circe (Org.). O saber histórico na sala de aula. 9.ed. São Paulo: Contexto, 2004 FERREIRA, Marieta de Moraes. História Oral: velhas questões, novos desafios In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (Orgs.). Novos Domínios da História. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. KARNAL, Leandro (Org.). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. 5.ed. São Paulo: Contexto, 2007. LOPES, Ramon Mulin. O lúdico digital nas aulas de história: aplicação do game Caesar III como material lúdico nas turmas de sexto ano do centro educacional São José (Miracema – RJ). 2º Simpósio Eletrônico Internacional de Ensino de História. Universidade Estadual do Paraná: União da Vitória, 2016. MEINERZ, Carla Beatriz. Jogar com a História na sala de aula. In: GIACOMONI, Marcello Paniz; PEREIRA, Nilton Mullet (Orgs.). Jogos e Ensino de História. Porto Alegre: Evangraf, 2013. MOTTA, Márcia Maria Menendes. História, memória e tempo presente. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo. (Orgs.) Novos Domínios da História. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. 368 NEVES, Isa Beatriz da Cruz. Jogos digitais e potencialidades para o Ensino de História: um estudo de caso sobre o history game Tríade – Liberdade, Igualdade e Fraternidade. 2011. 243f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2011. ROMERA, César San Nicolás; OJEDA, Miguel Ángel Nicolás (comps.). Videojuegos y sociedade digital: nuevas realidades de estudio para la percepción del pasado histórico. Mar del Plata: Universidad Nacional de Mar del Plata, 2015. RÜSEN, Jörn. História Viva: Teoria da História III: formas e funções do conhecimento histórico. Tradução Estevão de Rezende Martins. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2007. SILVA, Cristiani Bereta da. Jogos digitais e outras metanarrativas históricas na elaboração do conhecimento histórico por adolescentes. In: Antíteses, Londrina, Programa de Pós-Graduação em História Social, vol. 3, n. 6, jul-dez., 2010. 369