Categorizações como método de
produção de sentido de normas
constitucionais
Contribuições da interface entre direito e análise
do discurso
JOÃO PEDRO CHAVES VALLADARES PÁDUA
Resumo: A interpretação constitucional é um dos principais tópicos de
estudo no Direito Constitucional. No entanto, a maioria das teorias sobre o assunto mistura propósitos descritivos com (meta)normativos. O
resultado dessa confusão é que as teorias fazem promessas que não são
cumpridas na prática. Casos reais de interpretação constitucional geram
perplexidades que não se consegue explicar com base nas teorias disponíveis. Este trabalho procura contribuir com o tema, de uma perspectiva empírica. Utilizando conceitos e métodos da análise do discurso, o
artigo analisa a fundamentação do voto do ministro Roberto Barroso,
do Supremo Tribunal Federal, no HC 126.252, que reformou a jurisprudência desse tribunal no tema da execução provisória da pena. A análise
demonstra que o ministro Roberto Barroso usa dispositivos de categorização para atribuir sentido ao texto do artigo 5o, LVII, da Constituição
da República Federativa do Brasil de maneira coerente com seus demais
argumentos e, ao mesmo tempo, respeitando o referencial semântico do
texto constitucional. Discutem-se ainda as consequências desses achados para a teoria da interpretação constitucional.
Palavras-chave: Interpretação constitucional. Presunção de inocência.
Execução provisória de pena. Análise do discurso. Categorização.
Categorizations as a method of sense making of
constitutional norms: contributions from the interface
between law and discourse analysis
Recebido em 21/5/18
Aprovado em 17/7/18
Abstract: Constitutional interpretation is one of the main topics of
study in Constitutional Law. However, most theories on the subject
mix descriptive and (meta)normative aims. The result of this confusion
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is that theories make promises that are not fulfilled in practice. Real
cases of constitutional interpretation lead to perplexities that are not
explainable with the current theories. This work aims to contribute to
this theme, by adopting an empirical perspective. Using concepts and
analytical methods from discourse analysis, this paper analyzes Supreme
Federal Court ministro Barroso’s opinion in Habeas Corpus 126.252,
which overturned previous Supreme Court’s precedents on the issue of
the provisional serving of a penal sentence. Analysis demonstrates that
ministro Barroso uses membership categorization devices to make sense
of article 5th, item LVII, of Brazilian Constitution in a way coherent
with his other arguments, while at the same time being able to claim
that he is respecting the semantic reference of said text. Consequences
of these findings for the theory of legal interpretation are discussed.
Keywords: Constitutional interpretation. Presumption of innocence.
Provisional serving of penal sentences. Discourse analysis.
Categorization.
Introdução
Em 17 de fevereiro de 2016, cerca de sete anos depois de o Supremo
Tribunal Federal (STF) ter consolidado sua jurisprudência pela inconstitucionalidade da execução provisória de pena, revertendo jurisprudência anterior que durava cerca de onze anos, o mesmo tribunal tornou a reverter sua jurisprudência na matéria. Por sete votos a quatro, o
STF, ao julgar em Plenário o Habeas Corpus 126.292 (BRASIL, 2016),
repristinou o entendimento que vigorava antes de 2009. Voltava a ser
considerado compatível com a Constituição da República Federativa do
Brasil (CRFB) (BRASIL, 1988) o cumprimento de pena antes do trânsito
em julgado e após a condenação em 2o grau de jurisdição1.
1
Nunca ficou inteiramente claro, no julgamento do HC 126.292 e nas decisões que
se seguiram, se essa condenação em 2o grau se limitaria a casos em que o 2o grau funcionasse como 2a instância ou se incluiria os casos de foro especial por prerrogativa de
função. Isso porque a tese constante do voto do relator, ministro Teori Zavascki (“a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que
sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional
da presunção de inocência” (BRASIL, 2016, p. [1])), parecia dar a entender que a execução
provisória seria cabível apenas no primeiro caso, já que “grau de apelação” é sinônimo de
2o grau. No entanto, o ministro Barroso fez longo voto convergente, dando a entender
que os casos de foro especial por prerrogativa de função também se sujeitavam à possibilidade de execução provisória (BRASIL, 2016). Ele também propôs uma tese formulada
diferentemente, substituindo “grau de apelação” por “em segundo grau de jurisdição”: “A
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Parte da comunidade jurídica reagiu com indignação à decisão.
Juristas ligados ao Processo Penal, ao Direito Constitucional e até o
Presidente da OAB/SP atacaram a decisão, qualificada como um retrocesso constitucional. Embora os motivos e a profundidade da crítica
tenham variado, um tema foi comum a essas críticas: a decisão do STF
teria desrespeitado a CRFB, indo além do que o texto do art. 5o, LVII,
significava. Lopes Júnior (2016) chamou a decisão de “nosso 7 a 1 jurídico”. Streck (2016) ecoou o argumento (“Legislativo faz a lei; Judiciário
a aplica”) e o expandiu, clamando por “que o Direito tenha autoridade,
que não seja corrigido por argumentos políticos/morais e que sejam respeitados os limites semânticos, mormente os do texto constitucional”.
Costa (2016) criticou a Corte por “agir como Assembleia Constituinte e
invadir o terreno legislativo”.
Como é possível que a mais alta Corte do País, formada por uma
maioria de juízes com larga experiência jurídica e formação acadêmica
completa, muitos dos quais reconhecidos doutrinadores antes mesmo
de entrarem no STF, tome uma decisão por uma maioria de sete a quatro, e essa decisão seja contrária à Constituição? Como podem esses
mesmos juízes, que já interpretaram e aplicaram normas constitucionais em diversos casos antes, ter excedido os “limites semânticos da
norma”?
O objetivo central deste artigo é dar uma resposta parcial e ainda
heurística a essas perguntas e a perguntas correlatas. Na verdade, o artigo aborda uma questão implícita às apresentadas acima: como os juízes
– especialmente os ministros do STF – interpretam normas jurídicas?
À primeira vista, a pergunta não parece inovadora. Interpretação
de normas constitucionais é um dos principais temas do Direito
Constitucional, tanto jurisprudencialmente quanto doutrinariamente2. O tema da interpretação de normas em geral teve a sua primeira
consolidação monográfica no Brasil ainda no início da década de 1920
(MAXIMILIANO, 2002).
O problema é que, na literatura jurídica brasileira, sempre houve
confusão entre descrição e prescrição e, como o Direito é um campo
cujo objeto são normas, entre descrição e (meta)normatividade. Isso
execução de decisão penal condenatória proferida em segundo grau de jurisdição, ainda
que sujeita a recurso especial ou extraordinário, não viola o princípio constitucional da
presunção de inocência ou não culpabilidade” (BRASIL, 2016, p. [54]). O Tribunal não
decidiu expressamente sobre qual tese teria sido adotada – até porque não se tratava de
recurso extraordinário com repercussão geral. As decisões subsequentes do STF foram
inconstantes, mesmo quando tomadas por ministros que votaram com a maioria no HC
126.292. Como o tema substantivo é lateral ao argumento deste artigo, não há necessidade
de entrar em maiores detalhes sobre isso neste momento.
2
Ver Barroso e Barcellos (2006) e uma revisão da literatura em Pádua (2008).
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significa que a explicitação sobre o que os atores jurídicos (especialmente os juízes) fazem ao interpretar normas jurídicas se mistura com
parâmetros mais ou menos sistematizados sobre o que eles deveriam
fazer para atingir resultados ótimos, segundo métricas variadas (justiça, promoção do desenvolvimento, igualdade, direitos humanos etc.).
Como consequência, se alguma decisão usa interpretações que parecem fugir dos parâmetros (meta)normativos da doutrina, a única solução seria qualificar a decisão como errada ou como descumpridora
das normas que deveria aplicar. E a teoria, em si, não se alteraria.
Este artigo busca contribuir para mudar esse cenário. Usando metodologia e conceitos da análise do discurso, a decisão do HC 126.292
é tratada como uma fonte de dados sobre os dispositivos discursivos
utilizados pelo STF para produzir o sentido da norma constitucional
em discussão – o art. 5o, LVII, da CRFB. Especificamente, o artigo vai
analisar o voto do ministro Roberto Barroso, que convergiu com o do
relator do caso, ministro Teori Zavascki, porém foi mais minucioso e
mais explícito nos mecanismos discursivos utilizados. A análise enfocará um mecanismo discursivo – dispositivos de categorização – que
a literatura, em outro caso de interpretação constitucional (PÁDUA,
2017), já demonstrou ser relevante. Naquele caso, como neste, a utilização dos dispositivos de categorização permitiu ao STF decidir de
acordo com os valores e políticas reputados como relevantes para o
resultado normativo atingido e, ao mesmo tempo, afirmar que não estava negando validade ao sentido literal da norma ou violando o seu
limite semântico. Ou seja, dispositivos discursivos como os dispositivos de categorização permitem explicar, empiricamente, como pode o
Supremo Tribunal Federal tomar decisões polêmicas, sem que a discussão seja um infinito debate – isto é, sem critério definidor – sobre
se a Corte incumbida de ter a última palavra sobre a interpretação da
Constituição (art. 102, caput, da CRFB) cumpriu ou descumpriu suas
normas.
O artigo está estruturado em quatro seções. Na primeira, retomase o tema da interpretação constitucional na literatura do Direito
Constitucional brasileiro, expondo seus principais pontos e expandindo o argumento da limitação dessa literatura em relação à interpretação de normas constitucionais como uma atividade prática e contextualizada em decisões concretas. Na segunda seção, o conceito analítico
de dispositivos de categorização é explicado. A terceira seção é dedicada à metodologia e à análise dos dados – especificamente o voto do
ministro Barroso no HC 126.292. A última seção conclui discutindo
os resultados da análise, seus impactos para a teoria da interpretação
constitucional e para futuras pesquisas.
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No 30o ano de vigência da CRFB, parece oportuno abandonar dogmas e abraçar perguntas. É nesse sentido que este artigo pretende contribuir.
1 Da interpretação constitucional à formulação de
normas constitucionais: abandonando a teoria
A expressão interpretação constitucional vem sendo utilizada no
Direito brasileiro como uma revisão da teoria da interpretação para as
(assumidas) especificidades do Direito Constitucional como fenômeno
normativo. Como explicam Barroso e Barcellos (2006, p. 331, grifo do
autor):
A ideia de uma nova interpretação constitucional liga-se ao desenvolvimento de algumas fórmulas originais de realização da vontade
da Constituição. Não importa em desprezo ou abandono do método
clássico – o subsuntivo, fundando na aplicação de regras – nem dos elementos tradicionais da hermenêutica: gramatical, histórico, sistemático
e teleológico. Ao contrário, continuam eles a desempenhar um papel
relevante na busca de sentido das normas na solução de casos concretos.
Relevante, mas nem sempre suficiente.
Trata-se, portanto, não de uma revolução na teoria da interpretação
tradicional, mas de uma modificação parcial nos elementos ou procedimentos a serem utilizados pelos intérpretes – leia-se juízes – para fixar
o sentido das normas constitucionais, tendo em vista a especificidade
dessas normas e dos institutos por elas criados em relação a normas não
constitucionais (BARROSO; BARCELLOS, 2006; GUASTINI, 1999).
Como atividade, a interpretação jurídica continua podendo se encaixar
na longínqua definição de Maximiliano (2002, p. 8, grifo do autor):
interpretar uma expressão de Direito não é simplesmente tornar claro o
respectivo dizer, abstratamente falando; é, sobretudo, revelar o sentido
apropriado para a vida real, e conducente a uma decisão reta.
A necessidade de uma teoria específica da interpretação constitucional coincide com uma mudança de concepção doutrinária sobre
o papel da Constituição na funcionalidade do ordenamento jurídico (BARROSO; BARCELLOS, 2006; MORAES, 1999). Antes prevista
como parte do Direito Civil, cuja doutrina fornecia as bases para a interpretação em geral, a interpretação jurídica passa a buscar na CRFB
sua fonte primeira. Para marcar essa mudança de mentalidade teórica,
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buscou-se simultaneamente uma renovação
na forma de apresentar a própria teoria.
Como o Direito Constitucional do segundo pós-guerra prometia ser um repositório de
valores e princípios de justiça, e não somente de normas fundantes do Estado e de suas
instituições – o que se convencionou chamar
de neoconstituticionalismo ou pós-positivismo –, a teoria da interpretação constitucional
também se propôs a incorporar maneiras de
atingir esses repositórios constitucionais.3
No Brasil, o marco político para a incorporação dessas novas concepções constitucionais
foi a promulgação da CRFB, cujo processo de
elaboração já fora influenciado pelas primeiras
produções teóricas nacionais pós-positivistas4.
A principal fonte de inspiração para as novas
teorias foi o movimento similar ao realizado
na Alemanha, de 30 a 40 anos antes, em um
trabalho conjunto da doutrina e do Tribunal
Federal Constitucional (ALEXY, 2005; SILVA,
2005).
Da Alemanha, procurou-se transplantar
os novos procedimentos interpretativos e concepções normativas que orientariam a teoria
da interpretação constitucional e a apartaria,
parcialmente, da teoria da interpretação de
normas não constitucionais. Segundo Barroso
e Barcellos (2006, p. 358-359):
As normas constitucionais são normas jurídicas e, como consequência, sua interpretação serve-se dos conceitos e elementos clássicos da interpretação em geral.
Todavia, as normas constitucionais apresentam determinadas especificidades que
as singularizam, dentre as quais é possível
destacar: a) a superioridade jurídica; b) a
natureza da linguagem; c) o conteúdo específico; d) o caráter político. Em razão disso,
3
Ver Barroso (2006) e Pádua (2008, p. 91-177) para
uma revisão da literatura.
4
Ver Pádua (2008, p. 18-90).
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desenvolveram-se ou sistematizaram-se categorias doutrinárias próprias, identificadas
como princípios específicos ou princípios
instrumentais de interpretação constitucional.
Barroso e Barcellos (2006, p. 359-364)
prosseguem listando seis desses “princípios
instrumentais de interpretação constitucional”: “princípio da supremacia da constituição”, “princípio da presunção da constitucionalidade das leis e atos do poder público”,
“princípio da interpretação conforme a constituição”, “princípio da unidade da constituição”,
“princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade” e “princípio da efetividade”. Esse é
um catálogo possível desses princípios ou elementos ou cânones interpretativos específicos
para normas constitucionais. Outros autores
usam outros catálogos, embora todos se pareçam e aparentemente venham da mesma fonte
na doutrina alemã.5
O importante é notar que, com base na
especificidade das normas constitucionais e
em sua nova compreensão normativa, esses
“princípios interpretativos” teriam como base
uma insuficiência dos elementos tradicionais
da interpretação de normas jurídicas. A consequência lógica do argumento, portanto, é que,
para normas não constitucionais, os elementos
literal/gramatical, histórico, sistemático e teleológico, originalmente propostos por Savigny
no século XIX, marco da recepção do Direito
Romano na Idade Moderna (SILVA, 2005,
5
Ver Silva (2005) e referências por ele citadas. O autor cataloga criticamente tanto esses princípios quanto
o que ele chama de métodos transplantados pela doutrina brasileira da obra de apenas dois juristas alemães:
Konrad Hesse, para os princípios, e Ernst-Wolfgang
Böckenförde, para os métodos. Silva (2005) cataloga sete
princípios, quase todos coincidentes com os de Barroso e
Barcellos (2006), embora alguns tenham nomes diferentes. Por exemplo: o “princípio da efetividade” (BARROSO;
BARCELLOS, 2006) e “o princípio da força normativa da
constituição” (HESSE, [19--] apud SILVA, 2005).
p. 116; NEVES, 1993, p. 103-106), seriam suficientes.
No entanto, a teoria da interpretação tradicional e mesmo a (supostamente) renovada
teoria da interpretação constitucional são conjuntos de proposições ontológicas, na medida
em que são proposições sobre como a interpretação de normas é (ou deve ser). Nem a teoria tradicional, nem a teoria da interpretação
constitucional jamais apresentaram uma faceta metodológica, ou seja, um conjunto de métodos ou parâmetros ordenados pelos quais,
ao se deparar com um problema jurídico, o
intérprete possa se guiar para resolvê-lo de
forma previsível.6
Nenhuma das duas teorias de interpretação apresentou uma faceta epistemológica
‒ um conjunto de proposições sobre como os
intérpretes resolvem empiricamente os problemas interpretativos com os quais se deparam.
Tampouco verificou se o conjunto de elementos da interpretação tradicional ou os princípios interpretativos da interpretação constitucional são de fato utilizados e como são utilizados para operacionalizar a aplicação empírica
das respectivas normas7.
6
“como se conjugam todos esses elementos numa
mesma interpretação ou qual a relação que entre eles aí
deve ser pensada? […] este é um ponto para o qual a teoria tradicional não logrou uma solução – não obstante a
importância que para ele teria definir um esquema fixo
ou um algoritmo metódico para a interpretação” (NEVES,
1993, p. 106).
7
A inexistência de um capítulo metodológico na teoria da interpretação de normas jurídicas não parece ser
um problema exclusivo da doutrina brasileira, nem da dos
países da família jurídica romano-germânica. Nos EUA,
Gluck (2010) aponta o mesmo fenômeno de incerteza metodológica no cenário da interpretação das leis federais,
especialmente pela Suprema Corte, embora pelo menos
cinco estados tenham tido experiências estáveis com um
conjunto de parâmetros fixos, criados com base em decisões das respectivas cortes de última instância. Mesmo no
nível federal, no entanto, algumas questões específicas gozam de algoritmos de aplicação mais ou menos definidos,
notadamente a aplicação de alguns dos chamados cânones substantivos de interpretação (“substantive canons of
construction”) como a deferência de Chevron – preferência a ser dada pelas cortes para as interpretações legais de
O fulcro deste artigo e o objeto da pesquisa empírica que será apresentada mais adiante
é tentar tratar dessa última questão. Ao invés
de trabalhar abstratamente com o que os intérpretes de normas – constitucionais ou não
– deve(ria)m fazer, propomos que um trabalho igualmente importante – e, logicamente,
talvez prévio – seja o de entender como esses
intérpretes, empírica e concretamente, fazem
o seu trabalho.
Para isso, propomos inicialmente uma distinção conceitual: vamos opor ao fenômeno da
“interpretação de normas (constitucionais)” o
fenômeno da “formulação de normas (constitucionais)”.
O primeiro fenômeno, epistemologicamente, corresponde ao que os doutrinadores
fazem ao criar teorias e discutir sobre elas, inclusive teorias sobre os objetos, objetivos e elementos da interpretação de normas jurídicas
(NEVES, 1993).
O segundo fenômeno corresponde às
práticas discursivas locais e contextualizadas,
com base nas quais juristas concretos atribuem ‒ isto é, formulam ‒ significados para as
normas das quais eles se ocupam como uma
tarefa prática de sua atividade institucional. O
conceito de formulação, no sentido que utilizamos neste trabalho, foi originalmente proposto por Garfinkel e Sacks (1970), no âmbito
do programa de pesquisa denominado etnometodologia, que une sociologia e linguística
aplicada. Estudando principalmente a interação social em conversas cotidianas, Garfinkel e
agências reguladoras (GLUCK, 2010, p. 1.817-1.819) – ou
o cânone da leniência – interpretação restritiva de normas penais em favor do acusado em caso de ambiguidade
(SOLAN, 1998). Por outro lado, a doutrina sobre interpretação nos EUA dedica grande parte dos seus esforços à
epistemologia das técnicas interpretativas utilizadas pelos
tribunais, especialmente pela Suprema Corte, ao contrário
da doutrina brasileira, que parece propor apenas critérios
ontológicos que supõe que serão utilizados pelas cortes a
posteriori.
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Sacks (1970) notaram que, em algumas dessas
situações, os cointeragentes tematizam a própria situação social em que se encontram, com
o objetivo de nomear, caracterizar, explicar o
que está sendo dito ou o significado do que
está acontecendo:
Um membro pode tratar um ou outro trecho da conversa como oportunidade para
descrever aquela conversa, explicá-la, ou
caracterizá-la, ou explaná-la, ou traduzi-la,
ou resumi-la, ou definir sua essência, ou
chamar atenção para sua obediência às regras, ou comentar seu desrespeito às regras.
Quer dizer, um membro pode usar algum
trecho da conversa como oportunidade
para formular a conversa (GARFINKEL;
SACKS, 1970, p. 350, grifo do autor, tradução nossa).
Embora estivessem focando conversas,
Garfinkel e Sacks (1970, p. 347) notaram que
qualquer membro da sociedade “que comece
um texto, encontra-se […] engajado em esclarecer os termos que ocorrem nele”. Por isso,
usaram como sinônimo do conceito de formulação o de “práticas de glosa”, ele mesmo
formulado como “métodos para produzir entendimento observável-reportável8 com, na e
da linguagem natural” (GARFINKEL; SACKS,
1970, p. 342-343, tradução nossa). Em outras
palavras, os membros da sociedade participam de práticas locais – isto é, desenvolvidas
em contextos práticos específicos e localizados
espacial e temporalmente ‒ direcionadas para
explicar, esclarecer, atribuir sentido a textos e
a outros conjuntos de significados sociais. Por
isso, as formulações também foram chamadas
de métodos para produzir uma “semântica
ocasionada” (DEPPERMANN, 2011).
8
“Observável-reportável” é um termo de arte da etnometodologia que não deve nos ocupar agora. Para uma
explicação, ver Coulon (1995).
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Não precisamos nos ocupar de maiores minúcias do conceito de formulações (ou práticas
de glosa) neste momento. O objetivo aqui é
apenas demonstrar, por um lado, as limitações
epistêmicas da teoria da interpretação (constitucional) para produzir conhecimento sobre
como as normas jurídicas (constitucionais)
recebem significação em contextos reais de
aplicação e, por outro lado, apontar que, para
superar essa limitação epistêmica e explicar
como atores jurídicos atribuem significado
empiricamente a textos normativos jurídicos
(PÁDUA, 2013, 2015), é possível lançar mão
de ferramentas da análise do discurso que
ponham em relevo o fato de que esses significados são atribuídos com base em métodos
demonstráveis e ordenados.
2 Dispositivos de categorização
como métodos de formulação do
significado de normas constitucionais
A análise do discurso descreve os métodos
utilizados pelos participantes das situações
sociais para produzir, compreender, formular
e (co)construir sentidos9. Os métodos de formulação, como atividades sociais, são reproduzíveis, na medida em que exibem certa tipicalidade, certa ordem, certa lógica (SACKS,
9
A ideia de (co)construção de sentidos é essencial
para a visão da linguagem como acontecimento interacional em que os significados do que é dito (ou escrito)
emergem como um resultado desse acontecimento. Essa
concepção se opõe a concepções chamadas de telegráficas ou condutoras da linguagem, que a apresentam como
mero meio de transmissão de significados, codificados
por um emissor e depois decodificados por um receptor.
Não temos possibilidade de aprofundar a concepção interacional da linguagem aqui – embora ela seja parte de um
programa de análise do discurso implicado neste trabalho.
Sobre o tema, ver Martins (2002) e as referências citadas
pela autora. É interessante notar, no entanto, como a concepção telegráfica da linguagem ainda é pressuposta em
muitas teorias jurídicas e atinge até autores sofisticados
em conceitos linguísticos, como Sgarbi (2005).
1984; GARFINKEL; SACKS, 1970, p. 346). Seu estudo empírico permite
a descrição do procedimento utilizado pelo membro da sociedade na
formulação, ou seja, na produção do próprio fenômeno estudado.
Os conceitos e procedimentos utilizados para essa descrição vão depender dos tipos de dados discursivos a serem analisados, mas devem
ser capazes de demonstrar o que o(s) participante(s) da situação discursiva em questão usa(m) como métodos locais para produzir, compreender, formular e (co)construir sentidos, isto é, a análise deve demonstrar
empiricamente os métodos dos membros (GARFINKEL, 1967) para a
produção de sentido.
Ao analisar os dados de um caso em estudo, Sacks (2006, 1972) observou a ocorrência de um mecanismo local de produção de sentido
que ele chamou originalmente de dispositivos de categorização10. O autor estava analisando ligações telefônicas para um serviço de prevenção
ao suicídio, quando constatou que tanto quem chamava quanto quem
atendia se orientava por um dispositivo de categorização que opunha
duas coleções de categorias: uma, de pessoas da família; outra, de conhecidos. Observou também que a escolha de membros dessas coleções
de categorias no curso da conversa obedecia a regras que se repetiam.
Por exemplo, se alguém ligava dizendo que pensava em suicídio, o operador perguntava sobre familiares a quem essa pessoa pudesse pedir
ajuda. Se não houvesse familiares, buscavam-se amigos e conhecidos.
Se não houvesse nenhum desses, estava indicado o motivo que os chamadores utilizavam, em primeiro lugar, para se sentir suicidas – “eu não
tenho ninguém” (no one to turn to).
O caráter metódico do recurso aos membros das diferentes coleções
de categorias na mesma ordem, o que se repetia nas várias ligações analisadas, fez Sacks propor que essas coleções de categorias seriam organizadas como dispositivos. Sacks (1972, p. 32, grifos do autor, tradução
nossa), então, elaborou o conceito:
Por dispositivo de categorização queremos dizer uma coleção de categorias (a collection of membership categories), contendo ao menos uma categoria, que pode ser aplicada a alguma população, contendo ao menos
10
Em inglês, o nome original é “membership categorization devices”, que, traduzido
literalmente, seria algo como dispositivos de categorização de participação como membros.
O problema é que o adjetivo “membership” não tem nominalização vernácula; então, ou
usaríamos a desconfortável expressão participação como membros ou um neologismo
como membresia. Por isso, preferimos usar dispositivos de categorização, expressão mais
simples que, como veremos no texto, capta bem a ideia do conceito. O próprio Sacks
(2006, p. 241) propôs abreviar a expressão para dispositivo de categorização. Na literatura
recente da análise do discurso, a mesma expressão vem sendo traduzida como categorias
de pertença, a exemplo do que fazem Del Corona e Ostermann (2012). Evito essa tradução
porque acredito que ela privilegia o pertencimento a categorias, deixando de lado o principal do conceito, que são os dispositivos.
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um membro, de tal forma que pelo uso de algumas regras de aplicação, se
possa fazer um par com ao menos um membro da população e um membro do dispositivo de categorização. Um dispositivo é, então, uma coleção
mais regras de aplicação.
Em outro trabalho, Sacks (2006) explica o uso desses dispositivos de
categorização com um exemplo mais simples. Se alguém fala “o bebê chorou. A mãe o pegou” (the baby cried. The mommy picked it up), nessas
frases a mãe vai ser entendida como a mãe do bebê que chorou. O autor
demonstra que isso acontece porque mãe e bebê são categorias pertencentes ao dispositivo de categorização família. E uma regra de aplicação a
dispositivos de categorização em geral – que ele chamou regra da consistência – determina que, quando duas categorias podem ser consideradas
parte do mesmo dispositivo, elas devem ser consideradas dessa maneira.
Esse mesmo mecanismo de funcionamento dos dispositivos de categorização explica a inteligibilidade de textos escritos como uma manchete de jornal que diga “Marido comete suicídio. Mulher acorda do coma”11.
Entendemos daí não só que o marido e a mulher em questão são casados
entre si, mas também que os eventos estão relacionados numa sequência
temporal irônica.
O último exemplo serve para introduzir outro tópico importante nos dispositivos de categorização. Embora originalmente utilizados
para descrever métodos de produção de sentido relacionados a pessoas,
os mesmos dispositivos podem ser utilizados para categorizar e produzir sentido sobre eventos, locais etc. (STOKOE; ATTENBOROUGH,
c2015).
A maneira como os dispositivos são utilizados para atribuir sentido a
eventos, descrevê-los e colocá-los em tipologias parece ser essencial para
a formulação do sentido de normas jurídicas em discursos judiciais – especialmente se o sentido aparentemente mais óbvio da norma é preterido
pelo juiz que a interpreta (PÁDUA, 2017). É que o veremos a seguir.
3 Análise de dados: como dar à norma um sentido
querido, mas não óbvio
3.1
Nota metodológica
Neste trabalho vamos analisar apenas o voto do ministro Luís
Roberto Barroso, no HC 126.292 (BRASIL, 2016). O voto, destacado do
11
O exemplo é de Wolff (2011). No original: “Ehemann begeht Selbstmord. Frau
erwacht aus Koma”.
96
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inteiro teor do acórdão, tem cerca de 10 mil palavras em 27 páginas na
paginação oficial indexada pelo próprio STF.
Além de utilizarmos os conceitos teórico-analíticos apresentados –
nomeadamente, formulação e dispositivos de categorização –, a aproximação inicial do texto se deu com base na análise etnometodológica
de textos escritos (WATSON, c2009; WOLFF, 2011), mais especificamente no método preconizado por Wolff (2011, p. 256). Ao propor que
os textos escritos sejam analisados como dados em si próprios, o autor
apresenta o conceito de texto ativo, segundo o qual textos devem ser
entendidos como i) apresentações metódicas; ii) soluções práticas para
problemas de apresentação dos seus autores; iii) fenômenos sociais situados; e iv) fenômenos reflexivos.
Essas premissas metodológicas, tomadas em conjunto com as concepções teóricas explicadas, levam a analisar os textos como ações sociais – inclusive justificações escritas para decisões judiciais. A análise
busca mecanismos de produção de sentido que, embutidos nos textos,
demonstrem como se poderia reproduzir a criação desse mesmo sentido, da perspectiva do seu autor.
3.2
Contexto e circunstâncias da decisão no HC 126.292
Conforme já apontado, o HC 126.292 marca uma virada jurisprudencial do STF no tema da execução provisória da pena. Essa virada
jurisprudencial, aliás, vem resistindo aos ataques não só doutrinários,
mas também processuais, tais como no julgamento cautelar das ADCs
43 e 44, e recentemente no julgamento do HC 152.752 (BRASIL, 2018c,
2018a, 2018b) – este último, o habeas corpus preventivo para tentar evitar a prisão do ex-presidente Lula.
Em relação ao HC 126.292, a virada jurisprudencial é explicada pelo
próprio ministro Barroso:
A Constituição Federal proclama, em seu art. 5o, LVII, que “ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. O dispositivo consagra o princípio da presunção de inocência,
ou – no termo mais técnico – o princípio da presunção de não culpabilidade. Desde a promulgação da Carta de 1988 até 2009, vigeu nesta Corte
o entendimento de que essa norma não impedia a execução da pena após
a confirmação da sentença condenatória em segundo grau de jurisdição,
ainda que pendentes de julgamento os recursos extraordinário (RE) e especial (REsp). Em linhas gerais, isso se dava pelo fato de que tais recursos
não desfrutam de efeito suspensivo nem se prestam a rever condenações
(a realizar a justiça do caso concreto), mas tão somente a reconhecer
eventual inconstitucionalidade ou ilegalidade dos julgados de instâncias
inferiores, sem qualquer reexame de fatos e provas.
RIL Brasília a. 56 n. 221 jan./mar. 2019 p. 87-109
97
Em julgamento realizado em 5.02.2009, porém, este entendimento foi
alterado em favor de uma leitura mais literal do art. 5o, LVII. De fato, ao
apreciar o HC 84.078, sob a relatoria do Ministro Eros Grau, o Supremo
Tribunal Federal, por 7 votos a 4, passou a interpretar tal dispositivo
como uma regra de caráter absoluto, que impedia a execução provisória
da pena com o objetivo proclamado de efetivar as garantias processuais
dos réus. Conforme a ementa do julgado, a ampla defesa engloba todas
as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária, de
modo que a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa. Esta é a orientação que tem vigorado até a presente data e cuja revisão aqui se defende
(BRASIL, 2016, p. [29-31]12, grifos do autor).
O ministro Barroso, no seu voto, foi mais minucioso até do que o
relator do caso, ministro Teori Zavascki, embora ambos votassem pela
mesma conclusão. Não é o objeto deste artigo reconstruir todos os argumentos do ministro Barroso, mas apenas aquele que diz respeito à
formulação do sentido do parâmetro normativo principal em discussão,
ou seja, o art. 5o, LVII, da Constituição, citado no excerto acima.
3.3
O texto do art. 5o, LVII, da CRFB
O texto do art. 5o, LVII, da CRFB é relativamente simples, composto
de apenas uma oração, de tipo nominal, com verbo no futuro e predicativo que contém o conteúdo do comando normativo – já que o sujeito,
“ninguém”, é só um pronome indefinido negativo que acarreta a universalidade da norma e o seu caráter proibitivo. O predicativo, “considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, é
o comando cujo significado importa interpretar13.
Embora o relator, ministro Zavascki, não tenha dedicado nenhuma
parte do seu voto ao texto do art. 5o, LVII – a não ser por uma citação
doutrinária (BRASIL, 2016, p. [10-11]), o ministro Barroso se ocupou,
ainda que brevemente, de produzir um sentido para esse texto. Ele,
no entanto, teria dificuldade de, ao mesmo tempo, dar um sentido ao
art. 5o, LVII, que fosse condizente com a conclusão a que queria chegar
e que pudesse ser enquadrado dentro dos limites semânticos do texto,
12
As referências serão feitas às páginas do inteiro teor do acórdão, não às do voto
individual do ministro Barroso.
13
As particularidades sintáticas do texto não devem nos ocupar mais do que o que foi
dito nesse parágrafo. Uma representação gráfica da sintaxe da oração do art. 5o, LVII, na
chamada árvore sintática é a seguinte (O = “oração”; SN = “sintagma nominal”; SV = “sintagma verbal”; SP = “sintagma preposicionado”): [O[SN ninguém][SV [V será][SN [SN
considerado culpado][SP até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória]]]].
Para fundamentos de análise sintático-semântica de textos jurídicos e um exemplo de um
caso na Suprema Corte dos EUA, ver Kaplan e Green (1995).
98
RIL Brasília a. 56 n. 221 jan./mar. 2019 p. 87-109
conforme a doutrina – inclusive do próprio
ministro Barroso – costuma exigir mesmo
da mais maleável interpretação constitucional. Especificamente, a questão dizia respeito
a como compatibilizar a constitucionalidade
da execução provisória de pena com a exigência do texto de que houvesse um “trânsito em
julgado de sentença penal condenatória”, que
seria um marco condicionante, temporal e logicamente, conforme indica a preposição até14.
O ministro Barroso produziu diversas saídas retóricas para esse problema, algumas das
quais nada têm que ver com a produção de sentido do texto em si, tais como a proclamação
de uma mutação constitucional em relação ao
tema (BRASIL, 2016, p. [31-35]) ou o enquadramento da norma do art. 5o, LVII, como
“princípio”, e não “regra” (BRASIL, 2016, p. [3739]). O fato de que ele, ainda assim, ter querido
apresentar uma formulação do sentido do texto
e como o fez é que torna o seu voto uma fonte
de dados interessante para este trabalho.
3.4 Dispositivos de categorização e
formulação do sentido do art. 5o, LVII, da
CRFB
A maneira como o ministro Barroso formulou o sentido do texto do art. 5o, LVII, tem
duas etapas metódicas iniciais. A primeira
consiste em mobilizar outros textos constitucionais – especificamente o art. 5o, LXI e LXVI; a
segunda, em focar uma palavra do predicativo
14
Ainda que não seja o objeto da análise deste trabalho, considere-se que o voto divergente do Ministro Celso
de Mello, que é o maior e mais detalhado dos votos divergentes, em repetidas oportunidades se refere ao “texto inequívoco” do art. 5o, LVII (BRASIL, 2016, p. [93]). Segundo
ele, “[o] art. 5o, inciso LVII (‘ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’), estabelece, de modo inequívoco, que a presunção de inocência somente perderá a sua eficácia e a sua
força normativa após o trânsito em julgado da sentença
penal condenatória” (BRASIL, 2016, p. [88]).
– culpado – deixando o resto do predicativo,
inclusive a parte do trânsito em julgado, ao
fundo15. Essas duas etapas concorrem para criar dois dispositivos de categorização, que operam em diferentes níveis e dariam um sentido
aparentemente inesperado ao art. 5o, LVII, mas
enquadrado como correto e coerente.
O ministro Barroso começa o trabalho de
formulação marcando que estaria se afastando
da “literalidade” do texto normativo em questão.
Excerto 1:
Ao contrário do que uma leitura apressada da literalidade do art. 5o, LVII, da
Constituição poderia sugerir, o princípio
da presunção de inocência não interdita a
prisão que ocorra anteriormente ao trânsito
em julgado da sentença penal condenatória
(BRASIL, 2016, p. [35]).
Logo em seguida, ele anuncia a primeira
etapa da formulação.
Excerto 2:
O pressuposto para a decretação da prisão
no direito brasileiro não é o esgotamento
de qualquer possibilidade de recurso em
face da decisão condenatória, mas a ordem escrita e fundamentada da autoridade
judiciária competente, conforme se extrai
do art. 5o, LXI, da Carta de 1988 (BRASIL,
2016, p. [36], grifo nosso).
Nessa primeira etapa, o ministro Barroso
já enuncia as duas regras do dispositivo de categorização que ele começa a construir e depois chamará de prisão:
15
A literatura da análise do discurso vem apontando
que a citação de textos envolve sempre uma recontextualização do seu sentido e que uma das maneiras de produzir
essa recontextualização é mudando as relações entre “figura” e “fundo”, isto é, o que fica em evidência na citação
e o que é deixado em segundo plano. Ver Linell (1998,
p. 144-145).
RIL Brasília a. 56 n. 221 jan./mar. 2019 p. 87-109
99
i) REGRA POSITIVA ‒ os membros desse
dispositivo precisam de “ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente”;
ii) REGRA NEGATIVA ‒ os membros
desse dispositivo não precisam ter “esgota[do]
qualquer possibilidade de recurso”.
A segunda etapa é enfocar o qualificador
culpado e colocar, no fundo, os demais termos
da oração.
Excerto 3
Enquanto o inciso LVII define que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”, logo abaixo, o inciso LXI prevê que
“ninguém será preso senão em flagrante
delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente”
(BRASIL, 2016, p. [36], grifos do autor).
Esse excerto faz, na verdade, um duplo
trabalho. O primeiro, já mencionado, enfoca
o modificador culpado como palavra-chave
para a produção de sentido do art. 5o, LVII.
O grifo serve graficamente a esse trabalho de
enfoque. A palavra culpado é aquela que serve
para compreender o sentido que está sendo
inserido pelo próprio autor na leitura do texto. O consequente apagamento momentâneo
dos demais elementos do texto – inclusive da
expressão “trânsito em julgado” – funciona
como uma instrução de leitura (WATSON,
c2009), ou seja, como uma prática de glosa
(GARFINKEL; SACKS, 1970) sobre o texto
do art. 5o, LVII.
O segundo trabalho desse excerto consiste
em introduzir uma outra palavra-chave que
vai funcionar como conceito contraposto ao
de culpado: o conceito de preso. Mais uma vez,
note-se como é o próprio autor quem grifa a
palavra preso, usando o mesmo método de enfoque da palavra culpado.
100 RIL Brasília a. 56 n. 221 jan./mar. 2019 p. 87-109
A contraposição entre os dois termos enfocados ‒ preso e culpado – é o resultado final
das duas etapas de formulação anteriormente
mencionadas acima. Culpado é o ponto focal
de como deve ser lido o art. 5o, LVII, ao passo que preso é o ponto focal dos demais textos
normativos convocados para formular, por
oposição, o sentido do art. 5o, LVII.
Essa formulação do sentido do art. 5o,
LVII, por oposição a outros textos é exatamente o ponto em que os dispositivos de categorização entram em cena e completam as
duas etapas iniciais da formulação do sentido
do texto. Considere-se o excerto a seguir:
Excerto 4
Como se sabe, a Constituição é um conjunto orgânico e integrado de normas,
que devem ser interpretadas “sistematicamente” na sua conexão com todas as demais, e não de forma isolada. Assim, considerando-se ambos os incisos, é evidente
que a Constituição diferencia o regime da
culpabilidade e o da prisão (BRASIL, 2016,
p. [36], grifos nossos).
A distinção conceitual entre culpado e
preso é aqui ligada a dois regimes diferentes.
Portanto, a formulação do sentido do art. 5o,
LVII, se liga a um dispositivo de categorização
específico: o dispositivo culpabilidade. Esse
dispositivo se opõe a outro dispositivo, que
se liga aos demais textos normativos mobilizados durante as etapas iniciais – art. 5o, LXI
e LXVI ‒ e que o ministro Barroso chama de
prisão.
Como vimos, os dispositivos de categorização se caracterizam por ter pelo menos um
conjunto de categorias, com ao menos uma
categoria em cada conjunto, e ao menos uma
regra de aplicação que determine como essas
categorias serão aplicadas aos indivíduos a serem categorizados.
Temos aqui dois dispositivos: prisão e culpabilidade. Já vimos, no
excerto 2, que o ministro Barroso enunciara duas regras de aplicação
para o dispositivo prisão. No excerto 5, abaixo, ele enuncia as categorias
que compõem o dispositivo:
Excerto 5
Para fins de privação de liberdade, portanto, exige-se determinação escrita e fundamentada expedida por autoridade judiciária. Este requisito, por sua vez, está intimamente relacionado ao monopólio da jurisdição, buscando afastar a possibilidade de prisão administrativa (salvo as
disciplinares militares). Tal regra constitucional autoriza (i) as prisões
processuais típicas, preventiva e temporária, bem como outras prisões,
como (ii) a prisão para fins de extradição (decretada pelo STF), (iii) a
prisão para fins de expulsão (decretada por juiz de primeiro grau, federal ou estadual com competência para execução penal) e (iv) a prisão
para fins de deportação (decretada por juiz federal de primeiro grau)
(BRASIL, 2016, p. [37], grifos nossos).
Estamos agora em posição de sistematizar o dispositivo prisão:
Quadro 1
Dispositivo de categorização prisão
Coleções de categorias
Prisões
processuais típicas
Prisão preventiva
Prisão temporária
Outras prisões
processuais
Prisão para fins de
extradição
Prisão para fins de
expulsão
Prisão para fins de
deportação
Regras
i) Regra positiva: os membros desse
dispositivo precisam de “ordem escrita
fundamentada da autoridade judiciária
competente”.
ii) Regra negativa: os membros desse
dispositivo não precisam ter “esgota[do]
qualquer possibilidade de recurso”.
Fonte: elaborado pelo autor.
Temos, portanto, um dispositivo de categorização relativamente
complexo. Ele tem duas coleções de categorias, prisões processuais típicas e outras prisões processuais: a primeira, com duas categorias; e a
segunda, com três categorias. As regras de aplicação desse dispositivo
já tinham sido enunciadas e foram recuperadas do excerto 2, anteriormente citado.
Note-se que as regras de aplicação não condicionam a aplicação
de cada uma das categorias das duas coleções que compõem o dispositivo, mas condicionam a aplicação do dispositivo como um todo. A
existência de várias categorias inseridas no dispositivo prisão evidencia a existência desse dispositivo e como ele é diferente do dispositivo
RIL Brasília a. 56 n. 221 jan./mar. 2019 p. 87-109 101
culpabilidade, relevante para o artigo em questão, ao contrário do dispositivo prisão.
O propósito da enunciação de categorias, sem discriminação sobre
sua aplicação individualizada, é confirmado pelo trecho do voto do ministro Barroso que vem logo em seguida ao excerto 5: “Em todas as hipóteses enunciadas acima, como parece claro, o princípio da presunção de
inocência e a inexistência de trânsito em julgado não obstam a prisão”
(BRASIL, 2016, p. [37], grifo nosso).
Considere-se, por fim, que há uma assimetria no número de categorias das duas coleções – uma com duas categorias e outra com três. Isso vai
abrir espaço para uma categoria faltante e que é a culminância de todo o
processo de formulação de sentido que vem sendo analisado, como veremos a seguir.
Terminada a construção do dispositivo prisão, faltava a construção
do dispositivo culpabilidade. O ministro Barroso é mais econômico neste
último dispositivo. Depois de enunciar o dispositivo (ver excerto 4), ele
dedica apenas o seguinte excerto ao tema:
Excerto 6
E isso [a possibilidade de várias prisões antes do trânsito em julgado] não
esvazia a presunção de não culpabilidade: há diversos outros efeitos da
condenação criminal que só podem ser produzidos com o trânsito em julgado, como os efeitos extrapenais (indenização do dano causado pelo crime,
perda de cargo, função pública ou mandato eletivo, etc.) e os efeitos penais
secundários (reincidência, aumento do prazo da prescrição na hipótese de
prática de novo crime, etc.) (BRASIL, 2016, p. [37], grifos nossos).
Esse excerto enuncia três regras de aplicação do dispositivo culpabilidade, que estamos agora em posição de sistematizar.
Quadro 2
Dispositivo de categorização culpabilidade
Única coleção de categoria
Regras
Culpabilidade
i) A aplicação da categoria desse dispositivo depende
de trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
ii) A aplicação da categoria desse dispositivo permite
efeitos extrapenais (indenização do dano causado
pelo crime, perda de cargo, função pública ou mandato eletivo, etc.).
iii) A aplicação da categoria desse dispositivo permite
efeitos penais secundários (reincidência, aumento do
prazo da prescrição na hipótese de prática de novo
crime, etc.).
Fonte: elaborado pelo autor.
102 RIL Brasília a. 56 n. 221 jan./mar. 2019 p. 87-109
Esse dispositivo só tem uma categoria: culpabilidade. A primeira regra de aplicação do dispositivo serve para contrastá-lo com o dispositivo
prisão, por meio da conexão com a regra negativa deste último. As demais regras dão funcionalidade ao dispositivo, do contrário a categoria
única culpabilidade ficaria inútil e, por conseguinte, todo o dispositivo
do art. 5o, LVII, centrado nas etapas iniciais da formulação na palavrafoco culpado, seria inútil. Um dispositivo normativo inútil é inaceitável
pela doutrina jurídica, o que explica a necessidade de enunciar as duas
últimas regras.
No entanto, a relativa simplicidade desse dispositivo, em comparação com a relativa complexidade do dispositivo prisão, demonstra que
se trata de um dispositivo cuja principal função é excluir da formulação
do sentido do art. 5o, LVII, o escopo de se aplicar a qualquer prisão. Ou
seja, o fenômeno das prisões e toda a sua complexidade normativa estão
em outro dispositivo, que regula fenômenos mais simples, como os efeitos secundários da pena16.
A lógica da dissociação da categorização dos dois fenômenos (prisão/ões e culpabilidade) – chave para a formulação do sentido do art. 5o,
LVII, que passa a não ter qualquer ligação com prisão/ões ‒ é completada na culminância da seção do voto do ministro Barroso que trata
dessa formulação: “Assim sendo, e por decorrência lógica, do mesmo inciso LXI do artigo 5o deve-se extrair a possibilidade de prisão resultante
de acórdão condenatório prolatado pelo Tribunal competente” (BRASIL,
2016, p. [37], grifos nossos).
Está completo o trabalho de formulação. O fenômeno da prisão é
regulado pelo art. 5o, LXI (e LXVI). O art. 5o, LVII, não trata disso. Por
isso, o trânsito em julgado de sentença penal condenatória não é relevante para decretar a prisão de uma pessoa. Além disso, as coleções
de categorias do dispositivo prisão estão agora completas: às categorias
de prisões já mencionadas, deve-se adicionar esta: “prisão resultante de
acórdão condenatório prolatado pelo Tribunal competente”.
Conclusões
Neste trabalho, procuramos reconstruir o método de produção de
sentido utilizado pelo ministro Luís Roberto Barroso para formular o
texto do art. 5o, LVII, da CRFB. A análise demonstrou que, além de ou16
No voto do relator, ministro Zavascki, há também um outro escopo anunciado para
o art. 5o, LVII, que é o de regra de ônus probatório (BRASIL, 2016, p. [8-9]). O ministro
Barroso, porém, não entrou nesse campo ao formular o sentido textual do artigo e, portanto, essa questão não está no escopo deste trabalho.
RIL Brasília a. 56 n. 221 jan./mar. 2019 p. 87-109 103
tros argumentos normativos e políticos, o ministro Barroso se ocupou
especificamente do texto do art. 5o, LVII, que, à primeira leitura, parecia
não favorecer seu ponto de vista. Ao formular o sentido do artigo, no entanto, o ministro Barroso empregou um engenhoso contraste entre dois
dispositivos de categorização, para retirar do escopo de sentido do art. 5o,
LVII, a regulação do fenômeno jurídico da prisão e, com isso, evitar ter
de discutir a relevância da condição do “trânsito em julgado de sentença
penal condenatória”.
Na glosa do ministro Barroso, o fenômeno jurídico da prisão, em suas
várias categorias, está dentro do escopo do dispositivo prisão, acionado
pelos textos dos incisos LXI e LXVI do art. 5o. Isso inclui uma categoria
de prisão que o ministro pareceu criar no seu voto como culminância
do seu método de produção de sentido17: “prisão resultante de acórdão
condenatório prolatado pelo Tribunal competente”.
Por sua vez, o fenômeno jurídico da culpabilidade, que conta com
apenas uma categoria, está dentro do escopo do dispositivo culpabilidade,
acionado pelo inciso LVII do art. 5o. Com essa prática de glosa, o sentido
do princípio da presunção de inocência passa a ser ligado a efeitos da
condenação criminal diversos da prisão, tais como perdimento de bens e
perda de cargo público.
A utilização de dispositivos de categorização para a produção de sentido de normas constitucionais corrobora o que já havia demonstrado
Pádua (2017), em trabalho sobre a formulação do sentido do art. 5o, LXI,
da CRFB. Naquele caso, o STF discutia se a condução involuntária de um
suspeito a uma delegacia, fora das hipóteses de flagrante e sem ordem
“escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente”, constituía
conduta inconstitucional e, portanto, tornaria ilícita qualquer prova derivada dessa conduta. Como Pádua (2017) demonstrou, para sair do escopo
restritivo do art. 5o, LXI, e validar a condução do suspeito à delegacia, o
STF criou um dispositivo de categorização para a formulação do sentido
do texto, no qual duas coleções de categorias, prisão e encaminhamento,
eram opostas por um conjunto de regras que atribuía aos membros de
cada coleção um escopo distinto. Se algum dos membros da coleção encaminhamento fosse relevante para categorizar o evento em questão, então
não haveria prisão e, portanto, não se aplicariam as restrições do art. 5o,
LXI. Pádua (2017) ainda demonstrou como esse mesmo dispositivo de
categorização foi utilizado para justificar as conduções coercitivas autorizadas pela Justiça Federal mesmo quando o conduzido não havia se recusado a depor seguindo intimação ‒ casos como o do ex-presidente Lula.
17
Neste trabalho, utilizamos as expressões (práticas de) glosa, formulação e produção
de sentido na linha de Garfinkel e Sacks (1970).
104 RIL Brasília a. 56 n. 221 jan./mar. 2019 p. 87-109
Assim como em Pádua (2017), no presente trabalho os dispositivos
de categorização utilizados para a formulação de sentido do texto de
normas constitucionais categorizam eventos, não pessoas. Isso provavelmente se liga ao fato de que normas jurídicas usam eventos fáticos
como pressupostos para atribuir-lhes consequências jurídicas. Formular
o sentido desses eventos é fundamental para a glosa dessas normas, com
vistas a ampliar ou restringir o seu escopo.
Este estudo e o de Pádua (2017) corroboram um ao outro, sugerindo
que os dispositivos de categorização são métodos recorrentes de formulação do sentido de textos normativos, especialmente em casos nos
quais a interpretação mais evidente – ou literal – não favorece o ponto
de vista e os demais argumentos defendidos pelo julgador. Ambos demonstram a serventia dos dispositivos de categorização como método
de formulação de sentido de textos escritos, eventualmente junto com
outros métodos – ponto já sugerido pela literatura da análise etnometodológica de textos escritos (WOLFF, 2011; WATSON, c2009).
Especificamente para o campo jurídico e para a teoria da interpretação, o presente estudo demonstra como é possível formular o sentido
literal de textos normativos de maneiras inesperadas. Métodos como
os dispositivos de categorização fornecem ferramentas que permitem
produzir o sentido literal desses textos em direções que contradizem
comentários doutrinários, mas continuam a reclamar fidelidade ao texto da norma.
O efeito paradoxal dessa manipulabilidade do sentido literal dos textos normativos é que ela valoriza o próprio sentido literal como fenômeno jurídico. Embora imprevisível antes de ser declarado, o sentido literal
da norma é considerado importante o suficiente para ser uma questão
a ser enfrentada, ainda que utilizando um raciocínio complexo em face
de uma norma cuja interpretação não parecia exigir tamanha complexidade. Isso sugere que o texto normativo escrito é uma realidade jurídica
que gera efeitos locais, ao mesmo tempo que torna a existência desse
texto insuficiente como limite pré-definido à liberdade de atuação do
aplicador do texto. Ao menos em casos sensíveis.
Essa circunstância paradoxal deve importar para uma teoria da interpretação de normas, sejam constitucionais ou não. Uma teoria que
não leve em consideração o que os atores jurídicos realmente fazem
para interpretar normas jurídicas em contextos locais de aplicação real
dessas normas não funciona muito como teoria. Nem fornece um quadro normativo que funcione como tipo ideal para a crítica das práticas
empíricas de interpretação das normas, já que essas práticas são desconhecidas para a teoria. Ou seja, ela não funciona nem como uma teoria
descritiva, nem como uma teoria (meta)normativa sobre interpretação.
RIL Brasília a. 56 n. 221 jan./mar. 2019 p. 87-109 105
Ela apenas cria um conjunto de proposições paralelas às práticas empíricas, que não visa a se encontrar com essas práticas em nenhum momento. Daí por que o estudo se afastou do quadro teórico da teoria da
interpretação constitucional para se inserir em um quadro teórico da
análise do discurso, com o estudo de formulações do sentido das normas constitucionais.
Apesar de corroborar um estudo anterior, este trabalho é limitado
pelos aspectos tradicionais de estudos qualitativos; portanto, sua generalização deve ser tomada com cautela. Não se pode supor que o STF
utilize sistematicamente os procedimentos aqui descritos, nem saber em
que casos eles seriam acionados. Ainda assim, os conceitos e metodologias usados neste estudo são uma interessante avenida a ser explorada
em futuros trabalhos e na teoria geral da interpretação jurídica, a fim
de que ela não fique presa a uma análise normativa sem base empírica e
produza recomendações que não possam ser consistentemente seguidas.
Para elaborar um conjunto de princípios, de métodos ou de regras
de interpretação de normas jurídicas de caráter (meta)normativo, é necessário, antes de tudo, entender quais são os princípios, métodos e regras que vêm sendo seguidos pelos atores jurídicos. Foi nesse sentido
que este estudo procurou dar uma modesta contribuição.
Sobre o autor
João Pedro Chaves Valladares Pádua é doutor em Estudos da Linguagem pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil; mestre em Direito
Constitucional e Teoria do Estado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, RJ, Brasil; pós-doutorando como visiting scholar na Brooklyn Law School,
em Nova Iorque, NY, EUA; professor no programa de pós-graduação em Sociologia e
Direito da Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, Brasil; professor no programa de
pós-graduação em Direito Processual Penal da Universidade Federal Fluminense, Niterói,
RJ, Brasil; advogado no Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
E-mail: joaopadua@id.uff.br
Como citar este artigo
(ABNT)
PÁDUA, João Pedro Chaves Valladares. Categorizações como método de produção de
sentido de normas constitucionais: contribuições da interface entre direito e análise do
discurso. Revista de Informação Legislativa: RIL, Brasília, DF, v. 56, n. 221, p. 87-109, jan./
mar. 2019. Disponível em: http://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/56/221/ril_v56_n221_
p87
106 RIL Brasília a. 56 n. 221 jan./mar. 2019 p. 87-109
(APA)
Pádua, J. P. C. V. (2019). Categorizações como método de produção de sentido de normas
constitucionais: contribuições da interface entre direito e análise do discurso. Revista de
Informação Legislativa: RIL, 56(221), 87-109. Recuperado de http://www12.senado.leg.br/
ril/edicoes/56/221/ril_v56_n221_p87
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