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119 set 2019 vol. especial, nº 1 Ventilando Acervos Florianópolis ________________________ AS MORADAS DOS MILAGRES: PERCURSOS E DESTINOS DE EX-VOTOS Lilian Alves Gomes Doutora em Antropologia Social pelo Museu Nacional – UFRJ Resumo: No presente artigo, abordo percursos e destinos de ex-votos, objetos ofertados por devotos aos santos católicos e expostos em diversos locais de devoção. As feições dos objetos votivos são muito variadas e também podem ser vistas em coleções, museus e exposições de arte. Com vistas a entender as transformações que levam esse objeto de devoção a ser visto como obra de arte, inicialmente exploro como os encontros com os ex-votos são decisivos para que tais peças, já investidas de funcionalidade estética e expositiva em seu loci rituais, sejam atreladas a outros sujeitos e contextos criativos. Dedico-me, em seguida, à reflexão sobre trajetórias de ex-votos específicos, buscando aprofundar a análise da dimensão de coleta que antecede a entrada de objetos no âmbito da coleção. Palavras-chave: Ex-votos. ção. Arte popular. Culto aos Objetos de santos. Estudos de devomuseus. Resumen: “En el presente artículo, abordo los itinerarios y destinos de exvotos, objetos ofrecidos por devotos a los santos católicos y expuestos en diversos lugares de devoción. Los rasgos de los objetos votivos son muy variados y también se pueden ver en colecciones, museos y exposiciones de arte. Con vistas a entender las transformaciones que llevan ese objeto de devoción a ser visto como obra de arte, inicialmente exploro como los encuentros con los exvotos son decisivos para que tales piezas, ya investidas de funcionalidad estética y expositiva en su loci rituales, sean vinculadas a otros sujetos y contextos creativos. A continuación, me dedico a la reflexión sobre trayectorias de exvotos específicos, buscando profundizar el análisis de la dimensión de recogida que antecede a la entrada de objetos en el ámbito de la colección. Palabras-clave: ón. Arte popular. Ex-votos. Culto a los Objetos de santos. Estudios de devocimuseos. EXPOSIÇÃO PRELIMINAR Na entrada de uma sala que integra a Igreja de Nossa Senhora do Carmo em São Cristóvão-SE, muito buscada por devotos do Senhor dos Passos, há uma estrutura que outrora foi utilizada como porta de confessionário. A peça recepciona os visitantes do Museu do Ex-voto. Um dos papéis afixados nessa estrutura contém a seguinte definição de ex-voto: “Em Latim, “Ex-voto suscepto” significa – de acordo com o desejo, de acordo com aquilo que foi preferido”. As definições mais conhecidas de ex-voto, entretanto, não remetem ao desejo. Elas nos informam sobre a existência do objeto como pagamento endereçado aos santos em troca de favores. Tal leitura instrumental desconsidera que tecer um voto com um santo é diferente de estabelecer compromissos de curto prazo (como as promessas) e que são passíveis de “quitação”. Como demonstrei anteriormente1, a oferta de ex-votos não pode ser reduzida a uma prática de desobriga. Dar uma coisa ao santo também é se doar, se vincular mais a ele. Por meio de objetos, devotos agradecem por “graças” e milagres recebidos independentemente da realização de um pedido ou promessa; pela existência do próprio voto, ou seja, do vínculo santo-devoto; e também pedem. A reflexão sobre o trânsito desses objetos de devoção para o âmbito de coleções e museus de arte é oportuna para ampliar ainda mais a concepção de ex-voto. Nesse contexto, pensar os ex-votos “de acordo com aquilo que foi preferido”, como é sugerido na entrada da exposição que abre a presente reflexão, exige colocar em perspectiva não só os desejos de devotos, como também das pessoas que cuidam dos locais onde há afluência de ex-votos, daquelas que os estimam como obra de arte etc. Por meio de revisão de literatura acerca das distintas formas de encontrar, pensar e expor o milagre2, inicialmente tematizo os “acasos” que levam à formação de coleções, buscando lançar luz sobre as distintas formas de apropriação dos objetos nos locais nos quais o fenômeno votivo irrompe. Em seguida, reflito sobre a autoria dos ex-votos de modo a destacar como os encontros de pesquisadores, artistas e colecionadores com tais objetos são decisivos para que eles, já investidos de funcionalidade estética e expositiva em seu loci rituais, sejam atrelados a outros sujeitos e contextos criativos. Por fim, valendo-me da “biografia cultural”3 de ex-votos específicos, problematizo os gestos de coleta4 que levam à formação da coleção de milagres, valendo-me especialmente das situações em que os objetos mudam de mão. A presente análise deriva de minha pesquisa de doutorado5, calcada em visitas a dezenas de espaços expositivos; observação participante junto a um colecionador de arte e pesquisas em catálogos e outros materiais pertinentes aos objetos analisados. OS ENCONTROS COM OS MILAGRES Como nos conta James Clifford6, no início do século XX o manancial de 120 As Moradas dos Milagres: Percursos e Destinos de Ex-Votos _________________________ 1 GOMES, L. A. O êxtase dos objetos: ex-votos e relações de devoção. Interseções, Rio de Janeiro, v. 15 n. 1, p. 172-193, 2013. 2 No decorrer deste texto, as palavras em itálico indicam termos significativos do universo pesquisado e, como de praxe, vocábulos estrangeiros ou títulos de trabalhos. O negrito será utilizado como marcador de ênfase. As aspas simples serão utilizadas para assinalar minhas próprias categorias ou a relativização de algum termo ou expressão. Aspas duplas serão empregadas como forma de marcar citações e categorias que não as minhas – sejam ‘nativas’ ou de outros pesquisadores. 3 KOPYTOFF, I. A Biografia Cultural das Coisas: A mercantilização como processo. In: APPADURAI, A. A Vida Social das Coisas. Niterói: EdUFF, 2008. p. 89-121. 4 BONDAZ, J. Entrer en collection: Pour une ethnographie des gestes et des techniques de collecte. Cahiers de l’École du Louvre, n. 4, p. 24 a 32, 2014. 5 GOMES, L. A. A peregrinação das coisas - trajetórias de imagens de santos, ex-votos e outros objetos de devoção. Rio de Janeiro: Tese de Doutorado em Antropologia Social, MN/UFRJ, 2017. As primeiras elaborações das reflexões articuladas neste artigo estão presentes, sobretudo, no quinto e no sexto capítulos da tese. 6 CLIFFORD, J. Colecionando arte e cultura. Revista do Patrimônio, n. 23, 1994. 121 set 2019 vol. especial, nº 1 Ventilando Acervos Florianópolis ________________________ MALRAUX, A. La Tête d’Obsidienne. Paris: Gallimard, 1974 7 Essa fixação tem como marco inicial a realização da Exposição de Cerâmica Popular Pernambucana, organizada por Augusto Rodrigues e apresentada por Joaquim Cardoso em 1947, no Rio de Janeiro 8 novas formas e valores foi visto pelos europeus na África, na Oceania e na América. O acentuado interesse pelo outro uniu artistas, amantes das artes e etnólogos a ponto da pesquisa de campo desses pesquisadores ser financiada por mecenas interessados na ampliação das coleções francesas. A produção de artefatos dos chamados povos primitivos passa então a incrementar não só os depósitos dos locais de guarda e exposição de material de estudo, mas também a nutrir o anseio dos artistas - principalmente os surrealistas - por inspirações alheias aos dogmas e à censura. A vanguarda buscou romper com as convenções ocidentais explorando elementos inversos à lógica - o sonho, a loucura, a alucinação, a embriaguez, o transe - tidos como formas de acesso privilegiado à realidade profunda do ser humano. Pablo Picasso, em depoimento a André Malraux7, contou que as máscaras africanas que tanto o impressionaram no Museu do Trocadero, em Paris, eram diferentes das outras esculturas, pois eram mágicas, agiam sobre as pessoas e, como ele, estavam contra tudo, contra espíritos ameaçadores... Já no Brasil, a procura por outras formas de expressão plástica foi colocada – principalmente pelos modernistas – como uma forma de descobrir nós mesmos. O Nordeste e sua religiosidade avultaram-se nesse cenário como um reservatório de formas abstratas e figurativas simbólicas. O interesse de intelectuais e artistas pela escultura popular nordestina fixou nomes como o de Mestre Vitalino no circuito oficial de arte8. Santeiros também passaram à condição de “artistas populares”, aos quais foram encomendados representações escultóricas de “tipos nordestinos”: os retirantes, a rendeira, os cangaceiros etc. A produção dos santeiros anteriormente à “descoberta” abarcava imagens de santos, ou seja, estátuas de entidades do panteão católico e ex-votos, esculturas ofertadas por devotos em locais de culto e que muito frequentemente ganham a forma de partes do corpo humano, tais como pés, mãos, braços, coração, cabeça etc. As exposições desses objetos, também chamados de milagres ou promessas, confluíram perfeitamente para a empreitada que o surrealismo havia colocado em voga: perturbar a imagem privilegiada de ordem consubstanciada por um organismo íntegro. Em vista disso e da receptividade que obras populares ganharam enquanto manifestações culturais significativas e de caráter estético, os ex-votos começaram a encontrar lugar não só em espaços de culto, tais como santuários, igrejas e cruzeiros, mas também em coleções de arte. Foi com esta participação afetiva que veio surgindo a compreensão dos “milagres” com fenômeno de outra ordem. Reparei que o ex-voto conseguia “neutralizar” qualquer objeto de uso ornamental ao seu redor. Acompanhado a potes balangandãs cerâmicas vitalinos entalhes muranos pratarias carajás - ou a qualquer outra peça do arsenal decorativo “à la mode” - logo os relegava àquela função pela qual a presença vale apenas por ocupar um lugar, encher um espaço. Enquanto isso, o “milagre” dava provas tamanhas de vida outra, que me obrigava a mudá-lo de lugar, a isolá-lo numa parece, num pedestal... E lá do alto, continuava a ditar certa lei, a querer uma séria organização do espaço em volta. Percebi que saía de si mesmo. Como as obras de grande escultura - que não precisam necessariamente ser grandes no tamanho para parecer esculturas - um palmo de madeira marcado pela mão do santeiro conseguia as vezes preencher dimensões de monumento, “pesava” absurdamente em qualquer plano. […] Era uma experiência fascinante, e catei ex-votos toda vez que quis repeti-la do começo. […] Das paredes desta exposição, quatrocentas esculturas nos condenam.9 As palavras acima foram retiradas do catálogo da exposição Ex-votos do Nordeste – Coleção Giuseppe Baccaro, realizada em 1965 no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Trata-se da primeira mostra exclusivamente dedicada aos milagres em um museu de arte. Como se depreende, os ex-votos foram vistos como coisas que excedem a si mesmas, que agem sobre quem as vê. Nessa direção, podem ser pensados como nossos equivalentes plásticos das máscaras que tanto impactaram Picasso e outros espectadores. Na exposição em pauta, as peças foram expostas sob a rubrica de quem os “catou” e ofereceu para exposição pública, um colecionador. As esculturas não são tratadas como “balangandãs” de mero efeito ornamental e tampouco como vitalinos, que, descritos como tal, apontam para uma autoria determinada. São um fenômeno de outra ordem. O referido catálogo também conta com um texto de Luis Saia, que já havia atrelado seu nome aos ex-votos ao realizar a primeira menção aos milagres de madeira na literatura sobre arte popular. Seu trabalho deriva de incursão realizada no âmbito da “Missão de Pesquisas Folclóricas”, organizada em 1938 por Mário de Andrade, então responsável pelo Departamento de Cultura do Município de São Paulo. O objetivo da empreitada era recolher documentos, textos, indumentárias, filmes e fotografias que pudessem esclarecer sobre o folclore musical, inicialmente nas regiões Nordeste e Norte do Brasil. Na publicação monográfica Escultura popular brasileira10 encontramos o relato de Saia acerca de seu encontro com o objeto votivo: A vontade de achar coisas me levou, como sempre, às procuras mais indiscretas: remate dos muros de construção, caixas cheias não sei de que, atrás do altar... Precisamente atrás do altar desta capela [situada em Meirim, sertão pernambucano] encontrei uma cabeça de madeira que no primeiro momento julguei tratar-se de uma parte de santo de roca. Mas, segundo informou o cicerone improvisado, era um milagre. Recolhi-o.11 Cerca de vinte anos após a publicação do estudo sobre os ex-votos coletados na Missão, Saia versou sobre os desdobramentos de sua descoberta: 122 As Moradas dos Milagres: Percursos e Destinos de Ex-Votos _________________________ EX-VOTOS DO NORDESTE: Coleção Giuseppe Baccaro. Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Exposição comemorativa do IV centenário. 22.7 a 8.8.1965. Textos de Luis Saia e Guiseppe Baccaro. 9 10 SAIA, L. Escultura Popular Brasileira. São Paulo: Edições Gaveta, 1944. 11 Ibid., p. 9, grifo original. 12 Idem., 1965, s/p, grifo nosso. E não é sem uma ponta de orgulho, de colecionador frustrado e pesquisador por vocação que verifico o acerto do meu faro; a prova disto é esta exposição. O reconhecimento enorme e definitivo da validade desta tradição de escultura popular e das obras primas que frequentemente o povo é capaz de produzir, é a melhor recompensa para um pesquisador bem aquinhoado pela sorte.12 É curioso que Saia se qualifique como “colecionador frustrado”, uma vez que além de coordenar a coleta dos objetos e registros da Missão, contribuiu largamente para o enriquecimento do acervo pessoal de Mario Andrade13. Ao dar continuidade aos estudos sobre a escultura em madeira, Saia inscreveu seu nome do campo da criação popular como autor da descoberta do milagre sertão nordestino. Desse, modo, não é o “colecionador frustrado” que passou a ser acionado nas mostras que expuseram os ex-votos e sim o pesquisador-descobridor, uma vez que os objetos em questão vieram a público por causa de seu “faro”. A referência constante aos milagres no trabalho de artistas transformou os 13 BATISTA, M. R. (org). Coleção Mário de Andrade: religião e magia, música e dança, cotidiano. São Paulo: Edusp/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2004. 123 set 2019 vol. especial, nº 1 Ventilando Acervos Florianópolis ________________________ Termo cunhado na década de 1950 pelo artista francês Jean Dubuffet para designar suas composições criadas a partir de objetos que depreciavam métodos e materiais da arte tradicional. 14 15 COSAC, C. Farnese: objetos. São Paulo: Cosac Naify, 2005. 16 De acordo com Mariana Renou (2011): “As oferendas devem ter um destino específico, na própria “natureza”. O ideal é que “oferenda” e “natureza” se fundem harmonicamente e conservem o equilíbrio e o estado das forças de ambas. […] Se o ritual já passou e as divindades já receberam, ainda assim temos elementos que vieram da própria “natureza” compondo a oferenda, que foram preparadas ritualmente transformando-se em outras coisas, compostas de outras forças e possibilidades.” (p. 166) RENOU, M. Oferenda e Lixo Religioso: como um grupo de sacerdotes do candomblé angola de Nova Iguaçu “faz o social”. 2011. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social)- PPGAS/MN, UFRJ, 2011. 17 CHILVERS, I. Dicionário Oxford de Arte. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 383. 18 Ibid., p. 438. 19 SAIA, op. cit., 1944. 20 CASTRO, M. M. Ex-votos mineiros: as tábuas votivas do ciclo do ouro. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1994, p. 9, grifo nosso. ex-votos em índices de suas respectivas obras, como se passa, por exemplo, com as assemblages14 de Farnese de Andrade. O artista comprava as imagens de santos e ex-votos de madeira em antiquários, já que em 1960, quando começou a utilizar esses objetos em suas obras, eles estavam em moda como decoração e estava difícil encontrá-los “ao acaso”15. As imagens de gesso, por sua vez, eram recolhidas de despachos e oferendas que Farnese encontrava ao longo da orla carioca na qual fazia constantes caminhadas. As oferendas são objetos ou arranjos de objetos destinados a entidades das religiões afro-brasileiras. O termo despacho designa oferendas propiciatórias realizadas no espaço público, bem como o que deve voltar para a natureza após utilização ritual nos terreiros e em rituais privados16. O gesto de despachar pode significar, portanto, ofertar para uma entidade ou lidar de maneira adequada com o que já foi ofertado. Por lidar com coisas oriundas dessas práticas religiosas, há muitas referências a Farnese como “bruxo”. Suas obras também são lidas em associação com as ideias de objet trouvé e ready made. A primeira diz respeito ao reconhecimento, por parte do alguém, de qualidades estéticas em coisas encontradas fora dos circuitos artísticos. A “descoberta” é exposta e submetida à apreciação como obra de arte após sofrer pouca ou nenhuma alteração17. Já as coisas ready made são artigos em massa selecionadas ao acaso e sem o exercício do gosto, como salientou Marcel Duchamp18. Note-se que tais ideias também são potentes para pensarmos o trânsito de objetos rituais para o âmbito das coleções. As imagens recolhidas por Farnese já haviam passado pelo processo recomendado de ‘descarte’: o despacho. Já os ex-votos eram oriundos de uma zona de mercantilização para o qual esses objetos são atraídos por serem esteticamente significativos, movimento que os desvia de sua utilização ritual enquanto parte da exposição dos feitos de um santo. Tal exposição em locais de culto não é permanente e também envolve debates sobre a destinação ideal. Na próxima sessão do texto analiso mais detidamente as formas de encaminhamento dos ex-votos após a deposição e a exposição nos lugares onde são ofertados. Ao invés de esculpido, o milagre também pode ser pintado sobre a madeira. Luis Saia relatou ter “topado” com ex-votos desse tipo no litoral da Paraíba e da Bahia19. Os ex-votos pictóricos presentes na literatura dizem respeito a uma prática difundida por portugueses, que teria encontrado condições de difusão sobretudo em Minas Gerais e na Bahia. Por isso, os quadrinhos são tradicionalmente tomados como registros históricos visuais de uma prática votiva herdada da Metrópole. A colecionadora Márcia de Moura e Castro relata seu encontro com as peças: Quando iniciei minhas andanças pelo interior de Minas Gerais encontrei, por acaso, na sacristia de uma capela antiga, uns pitorescos quadrinhos que desde logo despertaram meu interesse, tanto pelos temas como pela espontaneidade do traço. […] Pelas datas assinaladas verifiquei que alguns deles estariam ali esquecidos há mais de dois séculos. Desde então tenho-me dedicado a procurar e estudar esses ex-votos sob diferentes ângulos: como expressão da arte popular, como fato histórico e como fenômeno religioso.”20 Os exemplares brasileiros de ex-votos pictóricos eram feitos seguindo uma configuração arcaica que teria sido abandonada desde o século XV pelos pintores europeus. É justamente esse caráter arcaico que interessa Clarival do Prado Valladares, pesquisador de manifestações genuínas do comportamento arcaico brasileiro, cujo fenômeno “epígono” seria o estilismo praticado por nomes como Alfredo Volpi, Rubem Valentim e Antônio Maia, artistas que tinham como clientela colecionadores interessados em estilos individuais. Os ex-votos pictóricos, diferentemente disso, eram obras genuínas feitas para o atendimento de propósitos devocionais. Em seu estudo sobre os ex-votos da sala dos milagres da Igreja do Senhor do Bonfim na Bahia21, o autor coloca em evidência as peças que mais o “impressionaram, por uma qualidade artística ou por alguma razão de ordem científica”22. As obras foram observadas em duas oportunidades: 1939/1940 e 1960/1961. Valladares descreve alguns dos quadrinhos com desenho ou pintura oferecidos pelos devotos aos santos a partir da transcrição do texto original contido no objeto e de um verdadeiro diagnóstico da imagem: 1) Quadro a óleo assinado por J. G Tour° Sª. Homem branco, cabelos castanhos partidos do lado direito, bigode e cavanhaque, olhos azuis, conformação facial pentagonal, nariz fino e pouco adunco. Constituição de mínimo desenvolvimento muscular. [...]23 Importante indicar que um dos elementos do diagnóstico é a assinatura do riscador de milagre. O olho que buscou tirar o artista do anonimato é, literalmente, clínico24. Clarival Valladares nasceu na Bahia e formou-se como médico no Recife, onde atuou também como auxiliar de pesquisa de campo de Gilberto Freyre. Pesquisadores oriundos da área da saúde observaram exposições de ex-votos como representativas das patologias locais mais incidentes25. Valladares, entretanto, ao encontrar um baixo número de milagres de madeira em forma de cabeça, apontou que a presença pouco expressiva se devia à menor frequência das ofertas tridimensionais na capital em relação ao interior; afirmação que reforçou os ex-votos esculpidos enquanto milagres do sertão. O médico-crítico de arte também mencionou a “cobiça” gerada pelo valor escultórico dessas peças. Àquela altura, os ex-votos em questão já eram “mais facilmente vistos nas prateleiras dos colecionadores do que aos pés do santo.”26 Na década de 1960 os milagres estavam migrando das salas dos milagres para as salas das casas das pessoas, como já foi abordado. Os dizeres do autor confirmam o trânsito em pauta e acrescentam que o movimento transformava os objetos de devoção não apenas em itens de decoração, mas também de coleção. Apesar do caráter de genuinidade atrelado aos ex-votos pictóricos, na opinião de Valladares o comportamento arcaico brasileiro ganhou corpo, sobretudo, nos “protótipos barrocos importados da imaginária católica”27. Para o autor, portanto, santos e ex-votos teriam a mesma origem. Os ex-votos, entretanto, teriam um caráter diferenciador conformado pelo “hieratismo” contido na expressividade das peças. Por isso, “ninguém confunde uma cabeça 124 As Moradas dos Milagres: Percursos e Destinos de Ex-Votos _________________________ 21 VALLADARES, C. P. Riscadores de Milagres: um estudo sobre arte genuína. Rio de Janeiro: Superintendência de Difusão Cultural da Secretaria de Educação do Estado da Bahia, 1967. 22 Ibid., p. 15. 23 Ibid., p. 45, grifo nosso. Na trilha de Ginzburg (1989), sabemos que o treinamento em semiótica médica é um recurso que qualifica pessoas como connaisseurs de arte. GINZBURG, C. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p.143-179. 24 25 Ver, por exemplo, MONSEMPES, Jean-Luc. Les “Salles de Miracles” au Brésil: Contribution à l’étude des exvoto: aspects sociaux, religieux et médical. 1977. Tese (Doutorado em Medicina) Université René Descartes, 1977. 26 27 Ibid., p. 15. VALLADARES, C. P. Sobre o comportamento arcaico brasileiro nas artes populares. BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. 7 brasileiros e seu universo - artes, ofícios, origens, permanência: catálogo. Brasília: Programa de Ação Cultural do Departamento de Assuntos Culturais da Educação e da Cultura, 1974. p. 64. 125 set 2019 vol. especial, nº 1 Ventilando Acervos Florianópolis ________________________ 28 VALLADARES, op. cit., 1974, p. 66. de santo com uma de ex-voto, nem esta com a de um manequim”28. A constatação de Valladares depõe contra o relato do encontro de Saia, que ao deparar-se pela primeira vez com um milagre de madeira em forma de cabeça, julgou tratar-se parte de um santo de roca. Entretanto, a opinião de ambos conflui na exclusão do trabalho dos santeiros na feitura dos objetos votivos. Valladares inferiu que em algumas situações o próprio devoto improvisava uma peça tosca e também aludiu a carpinteiros e marceneiros especializados, contudo não ofereceu outras informações sobre esses produtores de ex-votos. A constatação de Valladares depõe contra o relato do encontro de Saia, que ao deparar-se pela primeira vez com um milagre de madeira em forma de cabeça, julgou tratar-se parte de um santo de roca. Entretanto, a opinião de ambos conflui na exclusão do trabalho dos santeiros na feitura dos objetos votivos. Valladares inferiu que em algumas situações o próprio devoto improvisava uma peça tosca e também aludiu a carpinteiros e marceneiros especializados, contudo não ofereceu outras informações sobre esses produtores de ex-votos. QUEM É O AUTOR DO MILAGRE? Sua formação advém de um bacharelado em Artes e de um mestrado em Ciências da Religião e Sociologia da Cultura pela Universidade de Louvain, Bélgica, para onde foi na condição de seminarista. Contudo, quando voltou ao Brasil não atuou como padre e ingressou na UFRN, onde foi professor de Antropologia Cultural, além de ter coordenado o Mestrado em Antropologia Social, bem como o Departamento de Artes, no qual se aposentou. Entre meados de 2012 e o início de 2013, a partir de Natal, acompanhei suas viagens ao interior do Rio Grande do Norte e estados próximos em busca de objetos em santuários, antiquários e fazendas; participei de reuniões com a Secretaria de Cultura do estado com vistas à organização de um museu; atuei na organização de uma exposição de presépios; visitamos ateliês de artistas, espaços de colecionamento e feiras de arte e de artesanato. As visitas a feiras, museus e exposições também ocorreram no Rio de Janeiro, em anos subseqüentes à pesquisa no RN. 29 30 Teatro similar ao de mamulengo e típico do Rio Grande do Norte. O reconhecimento de qualidades estéticas nos milagres realizado por Saia pode ser visto como o início de uma cadeia que torna estudiosos inventores dos ex-votos enquanto obras que encerram soluções plásticas negras e mestiças. Os cânones da estética sertaneja encontrada nos objetos votivos e que passam a ser evidenciados nas exposições são principalmente o “corte africano” - que ecoa a partir do texto do pesquisador da Missão de Pesquisas Folclóricas - e o “hieratismo da figura” - tematizado por Clarival Valladares. No Museu Afro Brasil, localizado em SP e inaugurado em 2004, por exemplo, o texto do painel que acompanha a exposição permanente da coleção de ex-votos é praticamente uma transposição de trechos da obra inaugural de Saia sobre os milagres, publicada em 1944. O colecionador que foi meu principal interlocutor do trabalho de campo do doutorado discorda dessa não atualização da argumentação de Saia e também de alguns aspectos propostos por Valladares. Segundo Antônio Marques, os milagres não são de origem afro-negra e o caráter hierático não diz respeito a todos os ex-votos. Retomando o conteúdo de muitas das aulas que lecionou quando atuava como docente da UFRN, o professor aposentado me ensinou bastante sobre seu trato com imagens de santos, ex-votos e outros objetos de arte popular29. As lições do professor eram sempre acompanhadas de algumas peças selecionadas de seu acervo. Antônio buscava evidenciar o ‘parentesco’ entre elas, muitas vezes dado a ver por meio das similaridades formais que levavam a uma autoria específica. Em uma dessas ocasiões, me mostrou bonecos de João Redondo30 e ex-votos feitos pela artista Dadi. Ao apresentar ex-votos particulares que são muito próximos de bonecos utilizados em teatros cômicos, questionou a generalidade dos aspectos hieráticos dos milagres. A ‘continuidade’ entre ex-votos e outras obras era enfatizada por Antônio principalmente em relação às imagens de santo. Tais peças passaram a ser assinadas quando alguns santeiros, que também eram chamados de imaginários, foram alçados a condição de artistas populares (como foi o caso de Xico Santeiro no RN e Mestre Noza no Ceará). Contudo, o mesmo não se passou com os milagres feitos por eles. O relacionamento entre ex-voto e santo como obra de um mesmo artista, por conseguinte, coloca alguns problemas. As razões para a ausência de autoria auto-declarada nos ex-votos não são objeto de consenso. Para pensarmos a respeito, é interessante direcionar o foco para a exposição Liturgias Contemporâneas - Farnese de Andrade e os ex-votos, realizada em 2012 no Museu Casa do Pontal, no Rio de Janeiro. A proposta curatorial foi promover o diálogo entre arte popular - carro chefe da instituição - e a arte contemporânea de Farnese de Andrade - que se conectava com o acervo da Casa do Pontal por meio da participação de ex-votos. Em função de artifícios expositivos, alguns módulos da mostra provocavam uma intencional dificuldade de reconhecimento de autoria. As montagens de Farnese foram exibidas lado a lado com peças do acervo da instituição. O campo da arte, nos dizeres da antropóloga e curadora da exposição Ângela Mascelani31 é, “instaurador, por excelência, de sacralidades contemporâneas”. Sendo assim, a dessacralização do objeto decorrente de sua retirada de um contexto ritual não deixa de ser uma forma de transfigurá-lo para sacralizá-lo de outra maneira. É pertinente explorar como essa sacralização compreende os acasos que levam à formação de coleções de ex-votos. De acordo com Mascelani, a aquisição da coleção da Casa do Pontal - formada pelo colecionador francês Jacques van de Beuque - se deu de maneira “fortuita”32. Peças dessa coleção, como foi dito acima, foram conjugadas com as obras de Farnese. Os objetos coletados pelo artista na orla são aludidos em um dos módulos da exposição no qual a imagem do mar em movimento é projetada sobre um painel côncavo. A frente desse painel foram dispostos dois módulos, e sobre cada um deles um ex-voto de corpo inteiro em madeira, que pareciam ser banhados pelas ondas que iam e vinham. A imagem do mar quebrando na praia, tanto cobrindo quanto desvelando, é significativa para a reflexão sobre os colecionadores e seus achados, pois a ideia de que os objetos vão até eles é muito reiterada nesse universo. As intenções, esforços e ‘redes de pesca’ utilizadas para retirar as coisas de seus fluxos tendem a ser ocultadas, ao passo que os encontros inesperados são ressaltados. Antes de se identificarem como buscadores, portanto, os colecionadores tendem a se autorreferir como afortunados. Ao tematizar as buscas de objetos para a atividade dos surrealistas, Eliane Robert Moraes33 explora o “acaso objetivo” como um dos pilares da atividade desses artistas: O acaso passava a ser produtor de um sentido, posto que surpreendido por um desejo anterior ao próprio encontro que, por fim, viria a objetivá-lo. […] O acaso objetivo obedeceria, assim, às mesmas leis que presidem à organização dos sonhos, colocando igualmente o sujeito em comunicação misteriosa com o mundo. 126 As Moradas dos Milagres: Percursos e Destinos de Ex-Votos _________________________ 31 MASCELANI, Â. Liturgias contemporâneas: Farnese de Andrade e os ex-votos do Museu Casa do Pontal. Rio de Janeiro: Museu Casa do Pontal, 2012, p. 91. 32 Em sua tese de doutorado (MASCELANI, 2001, p. 131), a autora menciona que o colecionador de arte popular e criador do Museu do Pontal recebeu autorização do arcebispo de Canindé para formar o que seria sua primeira coleção expressiva. MASCELANI, Â. Coleções, colecionadores e o mundo da arte popular brasileira. 2001. Tese (Doutorado em Ciências Sociais)PPGSA-IFCS-UFRJ, 2001, p. 8-9. 33 MORAES, E. R. O corpo impossível – a decomposição da figura humana: de Lautréamont a Bataille. São Paulo: FAPESP/ Iluminuras, 2002, p. 42-43. 127 set 2019 vol. especial, nº 1 Ventilando Acervos Florianópolis ________________________ 34 EWBANK, T. Vida no Brasil: diário de uma visita à terra do cacaueiro e da palmeira. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Edusp,1976. 35 36 MASCELANI, op. cit., 2012 , p. 8-9. MASCELANI, Â. O Mundo da Arte Popular Brasileira: catálogo. Rio de Janeiro: Museu Casa do Pontal/ Mauad Editora, 2002, p. 109, grifo meu. No tocante aos ex-votos, os “acasos objetivos” se fazem presentes quando não nas exposições em museus de arte, nos materiais gráficos relativos a elas. As narrações em torno dos encontros com os objetos votivos em textos anteriores ao impacto das ideias surrealistas no mundo artístico e intelectual não envolvem a produção de um vínculo traçado de antemão pelo destino. Thomas Ewbank34, por exemplo, esteve em diversas igrejas por ocasião de sua visita ao Rio de Janeiro em 1846 e escreveu, com a minúcia peculiar a certos viajantes, a respeito da constante presença dos ex-votos nas igrejas. Ewbank declara abertamente que estava em busca dos objetos e pedia para ver sacristias, pois haviam lhe dito que em toda igreja podiam-se ver em maior ou menor número ofertas votivas por curas milagrosas. Para além dos encontros fortuitos, outra reiteração observada concerne ao anonimato da produção votiva. Por conseguinte, os nomes inscritos nesses eventos artísticos - e, consequentemente, nos catálogos que os registram - são os dos colecionadores que reúnem as peças, dos estudiosos que refletem sobre elas ou dos artistas que as utilizam em suas criações (atuações face aos ex-votos que podem se sobrepor). A condição de produção contemporânea é relacionada às coleções, análises e composições realizadas por tais sujeitos. Já o popular é situado fora do continuum da história da arte, mesmo que os objetos em questão tenham sido produzidos na mesma temporalidade das obras tomadas como contemporâneas. Segundo Mascelani, “os ex-votos guardam o anonimato característico deste tipo de produção, na qual o artista/escultor popular se retrai a favor do suplicante que encomendou a obra”35. De fato, é preciso ter em conta que a assinatura pode confundir quem olha o ex-voto, pois existe o risco do nome do artista ser lido como se fosse o da pessoa que ofertou o objeto. Nessa direção, é comum que o devoto acrescente à peça um bilhete com seu nome, uma fotografia do tipo 3x4 ou ainda da cena associada à intervenção divina que quer ressaltar, como um acidente de carro ou uma cerimônia de formatura. Esses ‘acréscimos’ reiteram os ex-votos como objetos compósitos, produtos de atos criativos que envolvem não só um autor, e sim fatores diversos que participam de sua conformação: o evento motivador da oferta, preferências do devoto, do fabricante (e/ou artista) e do santo. Se podemos falar dos fazedores de santos como santeiros é complicado tratar os fabricantes de milagres como milagreiros, afinal, no contexto devocional, milagreiro é o santo. Inclusive, em muitos objetos (em especial nos ex-votos pictóricos) isso é expresso textualmente na fórmula “Milagre que fez [Santo tal]...”. Nessa perspectiva, o autor do milagre é o santo e os demais agentes apenas lhe conferem uma forma material mais permanente. A curadora do Museu Casa do Pontal também aciona a noção de tabu para explicar o anonimato das peças: A motivação para construir e oferecer um ex-voto é sempre de ordem religiosa. Sua circulação em outros circuitos é cercada de tabu. Muitos escultores em madeira e artistas da cerâmica preferem não fazê-los, e quando os fazem, resguardam-se no anonimato.36 Para o colecionador que foi meu principal interlocutor, abordar a questão em termos de tabu é mistificá-la. Segundo Antônio Marques, quem conhece a produção de ex-votos desde a saída dos mesmos das mãos de quem os confecciona sabe que os objetos não são assinados porque essa produção é entendida como “menor” em relação à escultura de santos. Por isso, na linha de raciocínio do colecionador, a celebração do potencial estético da arte popular deve ser acompanhada de pesquisa que possibilite a promoção dos produtores de expressões votivas como artistas. Mas nem sempre os escultores estão interessados. Antônio relatou que um artista negou ter fabricado um ex-voto que inegavelmente tinha sido feito por ele. Segundo o colecionador, o artista não se lembrava de ter esculpido aquela peça porque produziu muitas ao longo da vida, tidas como banais e nada dignas de nota, como colheres de pau. Mas seriam ambos os objetos - produzidos sem pretensão artística no sentido convencional - igualmente valorados? Cabe investigar porque o artista hesita. Antes de serem artistas, santeiros são, via de regra, devotos37. Se consideramos que os santeiros devotos também são fabricantes de milagres, e que estes objetos são frequentemente aproximados pelas autoridades eclesiásticas da superstição e da feitiçaria, podemos entender a não assinatura não como um gesto de altruísmo, mas sim como uma ação de cautela. Desse modo, os produtores de ex-votos se preservam das críticas de quem enxerga esses objetos como suspeitos e ameaçadores da hierarquia oficial católica. David Freedberg38 nos lembra o quanto o “mito do aniconismo” – a crença de que, quanto mais espiritualmente desenvolvida a religião, menor a necessidade de objetos materiais para servir de canal de comunicação com a divindade – é compartilhado por diversas culturas. A desconfiança dos sacerdotes em relação aos ex-votos pode nos auxiliar a entender tantos relatos de acervos devocionais “abandonados” atrás de altares ou em sacristias, encontrados “ao acaso” por colecionadores. E também lança luz sobre as diversas biografias de escultores de milagres que são incentivados por padres e outros agentes da igreja a esculpir imagens de santos. Os artistas deixam de dar forma a partes do corpo de devotos para se dedicarem à escultura de corpos santos. Além do fato do artista não querer se associar a algo que não é visto com bons olhos pela Igreja, é preciso ainda considerar a reiteração, por parte dos pesquisadores, do relacionamento da produção votiva com o universo das religiões afro-brasileiras39. Posto que cabeças, outras partes e ainda representações do corpo inteiro também são ofertadas a entidades das religiões afro-brasileiras, para alguns escultores populares é delicado assumir a criação de objetos potencialmente utilizados em oferendas40. Como afirmam Mauss e Hubert41, “para o catolicismo, a idéia de magia envolve a idéia de falsa religião”. O que isso coloca em questão no tabu em pauta é a utilização de ex-votos para a suposta realização de “trabalhos” com vistas a causar efeitos nefastos a outrem. A definição do estatuto, do significado e das funções da imagem sempre mobilizou a Igreja Católica. A possibilidade de representação, especialmente a tridimensional, encontra-se no cerne de problemáticas do cristianismo e sua relação com outras religiões42. A escultura, ao mimetizar a realidade corpórea nas três 128 As Moradas dos Milagres: Percursos e Destinos de Ex-Votos _________________________ 37 Para discussão a respeito, ver GOMES, 2017, p. 145-183. 38 FREEDBERG, David The power of images. Chicago: University of Chicago Press, 1989. 39 Cumpre observar que não há menção à possibilidade de variedade de estilos da produção artística africana - fala-se em “escultura afro-negra” como se África e negros fossem noções contíguas e homogêneas. 40 Dos muitos locais de exposição de ex-votos católicos que já visitei, o único onde a oferta de objetos é explicitamente atrelada aos praticantes de religiões afro-brasileiras localiza-se no conjunto do Carmo, em Cachoeira, na Bahia. No segundo pavimento há uma pequena sala com alguns poucos ex-votos pendurados no teto. Os responsáveis pela instituição informaram que os objetos são levados por membros recém saídos de ritos de iniciação do candomblé. A partir de mapeamento da prática votiva católica no Nordeste, Bonfim (2007) observou que o convívio entre tradições católicas e afro-brasileiras nos santuários baianos é de fato singular em comparação com o que se passa nos demais estados nordestinos. BONFIM, L. A. S. O Signo Votivo Católico no Nordeste Oriental do Brasil: mapeamento e atualidade. 2007. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais, Universidade Federal da Bahia, 2007. 41 MAUSS, M.; HUBERT, H. “Esboço de uma teoria geral da magia”. In: MAUSS, M. Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac & Naify, 2003. p. 47-181, p. 67. Há uma extensa bibliografia sobre imagem e presença no cristianismo. O trabalho de Belting (2010) é um exemplo de abordagem que problematiza o debate em questão e sua relação com a consolidação da atual acepção de “arte”. BELTING, H. Semelhança e Presença: A história da imagem antes da Era da Arte. Rio de Janeiro: Ars Urbe, 2010. 42 129 set 2019 vol. especial, nº 1 Ventilando Acervos Florianópolis ________________________ dimensões “reais” do corpo, é mais frequentemente alvo de desconfiança do que a pintura, que precisa simular uma terceira dimensão. Em vista disso, é compreensível que a assinatura de um produtor de ex-votos tenha primeiramente sido identificada em uma tabuleta e não em um ex-voto anatômico. O testemunho visual dos ex-votos pictóricos continha, na maioria das vezes, relatos por escrito que tornam a interpretação das obras menos indeterminada. Além disso, o riscador de milagres registrava visualmente o feito de um santo específico e incluía o ofertante na figuração. Em contraposição a essas obras com textos e imagens explicativas que desvendam o milagreiro e o agraciado, a produção dos escultores é olhada de soslaio. As placas contendo agradecimentos textuais - que podemos tomar como correlatos modernos dos antigos e hoje escassos ex-votos bidimensionais pintados - continuam a povoar o interior ou espaços contíguos às igrejas, ao passo que as ofertas tridimensionais são geralmente alocadas em espaços exteriores. OUTRAS MORADAS DOS MILAGRES 43 A saber: Santuário do Lima, localizado na cidade de Patu; Monte do Galo, em Carnaúba dos Dantas; Monte das Graças e da Santa Menina, em Florânia e santuário de Santa Rita, em Santa Cruz. Neste ponto da reflexão, recorro a biografias de ex-votos específicos. A análise da trajetória percorrida por eles possibilita aprofundar aspectos mencionados nos tópicos anteriores e precisar a dimensão de coleta que antecede a entrada de objetos nas coleções. Os milagres em questão pertencem ao colecionador Antônio Marques e estiveram expostos entre 2013 e 2017, por ocasião da organização da exposição “Casa dos Milagres – Santos e Ex-votos na Coleção de Antônio Marques”, realizada na antiga capela do Centro de Turismo de Natal – RN. A iniciativa do colecionador foi apoiada pela Fundação José Augusto – FJA (também chamada de Secretaria Extraordinária de Cultura do RN). A exposição foi pensada como núcleo principal de um futuro museu homônimo e teve como eixo curatorial a “estilização” dos principais santuários do território potiguar43. Na nave central da antiga capela que abrigou a exposição, entretanto, foi disposta uma vitrine com ex-votos que não remetiam a nenhum santo ou local de devoção específico. O interior da estrutura expositiva em questão continha esculturas em madeira escurecida - em formato de cabeças, braços, pernas e outras partes do corpo - com aparência visivelmente desgastada. Sobre a vitrine havia três caixas de acrílico e no dentro de cada uma delas uma cabeça, que adiante passarei a tratar por C1, C2 e C3. C1 e C3 são cabeças femininas esculpidas em madeira e pintadas com tinta a óleo. Ambas possuem algumas avarias, porém seus respectivos estados de conservação são visivelmente melhores em relação à peça do centro. Trata-se de C2, uma cabeça masculina cujo aspecto degradado se assemelha à quase ruína dos ex-votos do interior do móvel. Qual seria o sentido de justapô-las assim? 130 As Moradas dos Milagres: Percursos e Destinos de Ex-Votos _________________________ Figuras 1, 2 e 3 131 set 2019 vol. especial, nº 1 Ventilando Acervos Florianópolis ________________________ As cabeças femininas expostas não foram encontradas pelo colecionador em algum local de devoção, como poderia ser presumido em se tratando de ex-votos. No final dos anos 1990, Antônio Marques foi procurado pela viúva de um advogado que buscava se desfazer dos objetos que o marido deixara. Ela procurou o colecionador, que também atua como comerciante de arte, para vender peças de artistas como Vitalino e Xico Santeiro e ainda para lhe ofertar alguns itens gratuitamente, pois não seriam dotados de valor monetário. O colecionador aceitou os presentes e solicitou à viúva um preço para o “lote” que formou através da reunião de outras coisas que lhe interessaram. Quando Antônio se deparou com o par de esculturas de cabeças, logo suspeitou que um dia elas foram ex-votos, apesar de serem plasticamente mais delicadas e realistas em relação ao recorrente aspecto estilizado dos milagres nordestinos. O fato de C1 conter uma grande ferida era um sinal claro de sua condição enquanto milagre. O realce das agruras pelas quais podem passar o corpo do devoto é elemento recorrente nos objetos votivos anatômicos. Assim, nos locais de exposição de ex-votos são freqüentes as esculturas de partes do corpo nas quais se destaca um machucado, uma cicatriz, um curativo ou a marca de uma cirurgia. Ao continuar a examinar as peças, o colecionador encontrou os seguintes dizeres na base de C1: “Cruz da Prêta - Parelhas”. Essa inscrição confirmou sua suspeita de que ao menos aquela obra já teria sido um ex-voto antes de ter ido parar na prateleira da biblioteca de um advogado em Natal. Os milagres podem conter inscrições por diversas razões. O nome do devoto pode ser acrescentado à peça, bem como uma narrativa sobre a motivação para a oferta do objeto ou ainda informações a respeito do momento e do local de deposição do objeto. “Cruz da Prêta - Parelhas” se encaixa nessa última possibilidade. A inscrição poderia ter sido feita por quem produziu a peça, por quem a ofertou ou mesmo pelo advogado que a utilizava como item de decoração, que antes de expô-la, teria se preocupado em registrar sua proveniência; uma forma de indexação, portanto. O que importa é que se tratava de uma informação objetiva sobre o local da devoção no qual foi ofertado aquele ex-voto. O colecionador deveria se dirigir para lá caso almejasse encontrar outros exemplares tão singulares quanto aqueles que lhe foram doados. Parelhas é o nome de uma cidade do interior potiguar onde provavelmente estaria a cruz onde foram deixados aqueles milagres. A inscrição passou então a atuar como uma espécie de coordenada, um elemento que diz sobre a posição de obras no espaço geográfico, particularmente quando é cruzada com o conhecimento da prática votiva. Ela não seria decodificada por alguém que desconhecesse que cruzes são locais de deposição de ex-votos. Algumas linhas se fazem necessárias a esse respeito, considerando que até então abordei os ex-votos sobretudo enquanto objetos concebidos para exposição em salas dos milagres e espaços correlatos. Luis Saia cita o interior dos estados nordestinos como a localização do “manancial” de milagres e foi justamente nos “cruzeiros de acontecido” das imediações de cidades e vilas - “Tacaratú, Itabaiana, Patos, Areias, Alagoa Grande...”44 - que ele recolheu a maior parte da centena de ex-votos remetida a São Paulo para compor o acervo de pesquisas folclóricas da Missão de Pesquisas Folclóricas idealizada por Mário de Andrade. A narração sobre o primeiro encontro com os milagres nesse tipo de lugar aborda o estado de conservação variado das peças e menciona, sem maiores desenvolvimentos, o critério de escolha: o interesse que elas despertaram em Saia. Na cidade de Tacaratú, onde ficamos aboletados, visitando um cruzeiro** ao ar livre, no alto de um morro próximo, achei uma regular quantidade de peças, umas já completamente desfeitas pelas intempéries, outras meio queimadas e outras visivelmente novas. Colhi as que me pareceram mais interessantes.45 O grifo no trecho é do próprio autor, que esclarece em nota: “** Cruzeiro é o nome nordestino das cruzes que marcam o lugar onde alguém foi assassinado ou morreu num acidente.”46 Contudo, alguns cruzeiros - erguidos em pontos altos das cidades, em montes e em morros - podem marcar a ocorrência de outros tipos de eventos, como a celebração do aniversário das localidades. Mas, de fato, os cruzeiros qualificados como “de acontecido” ativam a memória de eventos dramáticos. São cruzes localizadas em sua maioria nas bordas de estradas para lembrar as mortes que ali ocorreram, sejam elas relativas a acidentes automobilísticos, homicídios, suicídios ou outras causas. As cruzes e os cruzeiros em questão são, portanto, monumentos fúnebres, formas de recordar os sujeitos envolvidos em “acontecidos”, os fatos cujo desenrolar escapa ao controle humano. Se logo após o episódio trágico a comunidade improvisar uma cruz, quer seja com a madeira tosca que tiver ao seu alcance, de modo provável posteriormente ela será substituída por um exemplar confeccionado de pedra e cal e o local ainda poderá ser incrementado de modo a se tornar uma pequena capela votiva, principalmente diante da ocorrência de feitos milagrosos atribuídos ao falecido. Certas práticas realizadas nos cruzeiros de acontecido são corriqueiras nos cemitérios, tais como o acendimento de velas, a oferta de flores e a realização de orações nas proximidades de túmulos. No entanto, essas ações direcionadas aos mortos comuns, visitados por sua família e por seus amigos, quando voltadas aos “mortos milagrosos” dizem respeito a um culto público, sendo acrescidas de prestações rituais específicas, dentre as quais se destaca a realização de pedidos e o pagamento de promessas47. Nesse contexto, os ex-votos emergem como objetos diacríticos que não só são importantíssimos no sistema de trocas entre devoto e santo, como também sinalizam para o observador externo a presença de devoção em relação a um morto específico no ambiente cemiterial. Podemos estender essa consideração relativa aos santos de cemitérios para os cruzeiros de acontecido. Nem todos estes últimos referem-se a fatalidades que culminaram em mortos especiais santificados, mas em alguns há práticas coletivas de culto a partir das quais se pode inferir que naquele local houve algum evento ‘detonador’ de uma devoção. A deposição de um milagre em uma cruz implica em deterioração mais 132 As Moradas dos Milagres: Percursos e Destinos de Ex-Votos _________________________ 44 SAIA, op. cit., p. 10. 45 Ibid., p. 9. 46 Ibid, p. 9. 47 FREITAS, E. T. M. Memória, Ritos Funerários e Canonizações Populares em Cemitérios do Rio Grande do Norte. 2006. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - IFCS/UFRJ, 2006. 133 set 2019 vol. especial, nº 1 Ventilando Acervos Florianópolis ________________________ 48 FJA. (Natal, RN). Arte Popular na coleção de Antônio Marques: catálogo. Natal, 2012. (Col. Cultura Potiguar, n. 27). rápida de sua materialidade, dada a exposição direta às condições ambientais. Desse modo, esses ex-votos podem se mostrar menos atrativos do que aqueles deixados nas salas dos milagres. A referência a um local como “Cruz alguma coisa” pode, na verdade, ser relativa não apenas a uma cruz, mas a uma capela que foi erguida sobre ela ou em suas proximidades. Em decorrência disso, nem toda cruz ou cruzeiro fica ao ar livre. Isso nos explica porque um ex-voto coletado em uma cruz poderia estar bem conservado, para além da hipótese dele ter sido retirado do local em questão muito rapidamente após a oferta. Para explorar esta hipótese a contento é importante enfocar não só a deposição de ex-votos, mas continuar prestando atenção aos momentos e gestos de retirada dos locais onde foram ofertados. Em uma praça localizada em Natal-RN, a constante presença de ex-votos, flores e velas aos pés e na base de uma estátua indica a presença de uma personalidade que incita práticas de devoção. Trata-se de Padre João Maria, conhecido como o “santo dos natalenses”. A praça abriga ainda barracas diversas de comercialização de objetos. Uma senhora que vende ex-votos de pano fabricados por ela, além de velas, também recolhe imagens e milagres de madeira que são deixados na estátua. Em uma das situações em que conversei com essa senhora, eu estava acompanhada por um colecionador, que lhe pediu para guardar peças de madeira que poderiam lhe interessar. Ela foi incisiva: “eu não tenho como esperar você passar de novo, vendo o quanto antes o que pego aqui”. A observação no local de deposição urbano e a céu aberto mostrou que, assim como se passa nas salas dos milagres, a existência de pessoas que cuidam dos locais onde são deixados os ex-votos claramente influi na exposição dos mesmos, bem como na circulação posterior deles. Diante do exposto, é possível elencar algumas variáveis para pensar a formação de uma coleção de milagres. Há o fator “golpe de sorte”, por exemplo, quando se visita um espaço sagrado num dia em que tenha sido ofertado um objeto interessante. É importante coletá-lo antes que outro colecionador ou curioso se apoderem dele e ainda se antecipar a um possível descarte realizado para dar espaço a novas ofertas dos devotos. Mas para que as circunstâncias conduzam a um “achado”, é importante conhecer a dinâmica dos espaços de devoção: saber quem os administra; quais são as políticas de descarte; os momentos de maior afluxo de objetos (como as romarias e as festas do dia do santo); a tônica da oferta em cada local. A senhora da praça na capital do Rio Grande do Norte ou um zelador de uma sala dos milagres de um santuário longínquo podem ser figuras fundamentais para capturar ex-votos significativos e encaminhá-los às pessoas interessadas nesse tipo de obra. As redes de relações, portanto, são fundamentais. O fato de Antônio Marques ter sido seminarista em sua juventude lhe rendeu muitos amigos padres, que vez ou outra lhe orientam sobre a existência de ex-votos significativos. No catálogo da Casa dos Milagres48 há agradecimentos a vários religiosos. Quando o colecionador nota resistência de um pároco em fornecer peças, pode recorrer ao seu círculo de amizades que compreende pessoas próximas a autoridades eclesiásticas e solicitar cartas com textos que recomendem a colaboração com sua empreitada. Foi apresentando esse tipo de credencial nos santuários que Antônio começou a coletar milagres no Ceará49. Atualmente a chancela oficial é permanente no caso do Santuário do Lima, em Patu. A retirada de ex-votos é autorizada a título de colaboração com o trabalho de pesquisa permanente do colecionador. Foi acionando suas redes de relações que Antônio descobriu que muitos ex-votos da Cruz da Prêta haviam sido enterrados no passado, a mando de um missionário que passara pelo local. Com isso, o par de esculturas ofertado pela viúva - utilizado como pista para rastrear a existência da própria cruz - passou a ser visto como sobrevivente da ação de sepultamento. A inscrição em uma das cabeças obtidas em Natal foi o “detalhe revelador”50 que permitiu o aparentamento daquela peça com outras que estariam debaixo da terra em Parelhas. A grafia de “Prêta” com acento circunflexo, como se usou até a década de 7051, indicava que aquela peça não era de fatura recente ou, no limite, teria sido esculpida por alguém que aprendeu a ler e a escrever de acordo com uma normatização pretérita do português e que ainda a utilizava. A primeira opção era mais factível, provavelmente aqueles milagres teriam sido ofertados há algumas décadas e quem os recolheu o fez não muito após a deposição, posto que o estado de conservação das peças era bom. Em meados dos anos 2000, de posse da informação do enterro dos ex-votos, Antônio e um amigo - um comerciante de arte - procuraram o lugar do “sacrilégio” e se mobilizaram para que as peças fossem desenterradas. Homens foram pagos para trazer os ex-votos à superfície e encontraram mais de cem exemplares. Mas por que a proeza da exumação foi necessária? Acima fiz referência a descartes realizados para dar lugar a novos ex-votos. Em relação aos locais de deposição já abordados, tais como cruzes e cemitérios, certamente a questão da restrição de espaço é mais pronunciada nas salas dos milagres, localizadas em santuários de grande afluência de devotos e, por extensão, de ex-votos. Geralmente os descartes acontecem antes das romarias, pois é preciso liberar espaço para novos objetos. As formas de se desfazer das peças são variadas. Elas podem ser queimadas, enterradas ou jogadas diretamente no lixo. O fato dessa última solução não ser a opção mais frequente não é fortuito. Como nos lembra Corbey52, é importante considerar que a destruição ou a “profanação” podem se constituir como parte essencial do ciclo de vida de objetos rituais. Tais atos neutralizam o poder das coisas, potencialmente danoso quando elas circulam por espaços imprevistos ou caem nas mãos erradas. Nessa chave de leitura, o ex-voto fora do local sagrado é perigoso e ameaçador de uma ordem. A destruição emerge então com um ato de precaução, pois exclui a possibilidade de circulação indevida53. No entanto, é importante vislumbrar outras perspectivas. No entender de alguns, quando os santuários jogam ex-votos fora não estão preocupados em neutralizar o poder dos objetos, mas sim em pragmaticamente dizer que eles não são mais do que mera matéria. Por essa linha de raciocínio, não há problema algum 134 As Moradas dos Milagres: Percursos e Destinos de Ex-Votos _________________________ 49 Interessante notar que se trata do mesmo estado onde Jacques Van de Beuque, criador da Casa do Pontal, iniciou sua coleção de ex-votos. A atenção aos “pormenores mais negligenciáveis”, como propõe Ginzburg (1989), é a chave de funcionamento do “paradigma indiciário” que informa o modo de atuação de médicos, connaiseurs de arte e detetives. 50 51 Segundo Azeredo (2008), o acento circunflexo em “prêto” foi usado no Brasil até 1971. Só nesta década foram feitas as modificações sugeridas no Acordo Ortográfico de 1945. AZEREDO, J. C. (Coord.). Escrevendo pela nova ortografia. São Paulo: Instituto Antônio Houaiss/Publifolha, 2008. CORBEY, R. Destroying the graven image: religious iconoclasm on the Christian frontier. Anthropology Today, v. 19, n. 4, p. 10-14, 2003. 52 53 Quando Luis Saia indagou ao “guia” que lhe levou até um cruzeiro porque os ex-votos eram depositados naquele local, ouviu a seguinte resposta: “- Porquê o Cruzeiro guarda o milagre, senão a doença fica por aí.” (SAIA, op. cit, p. 15, grifo no original). 135 set 2019 vol. especial, nº 1 Ventilando Acervos Florianópolis ________________________ em transformá-los em lenha, por exemplo. O fogo, tantas vezes utilizado como rito purificador, nesse caso não significa nada mais que um meio de aproveitamento de uma fonte de energia. Por outro lado, os relatos de destruição dos ex-votos remetem ao combate à superstição e às práticas pagãs que sempre permearam o catolicismo. Os ex-votos da Cruz da Prêta teriam sido enterrados a mando do missionário sob a alegação que “seriam coisa do diabo”. Na concepção de Antônio e seu amigo, entretanto, eram obras de arte que foram literalmente sepultadas. A indignação com o ultraje levou-os até as autoridades eclesiásticas locais, que lhes autorizaram a realizar a exumação. A postura da Igreja não é propriamente iconoclasta. É ambivalente, pois envolve tanto destruição quanto chancelamento da “salvação” de ex-votos. É sabido que após o Concílio Católico Vaticano II (1962-1965), a instituição passou a reforçar a hierarquia eclesiástica, buscando uma Igreja mais cristocêntrica e evitando que templos fossem povoados de imagens, como era muito comum no catolicismo brasileiro de herança portuguesa, acentuadamente afeito ao culto aos santos. A ‘limpeza’ decorrente das orientações oficiais não implicou numa mesma destinação para tudo que não era mais visto como necessário no novo modelo de Igreja mais calcado na espiritualidade. Ao serem tomados como obras de arte sacra, muitas imagens de santos encontraram abrigo dentro de museus (por vezes montados nas próprias igrejas). Por que o mesmo não se passou com os objetos ofertados a eles? As ambiguidades e as hesitações que permeiam a destinação dos ex-votos dizem respeito ainda à reflexão sobre a propriedade desses objetos. A quem eles pertenceriam? Aos devotos que as ofertaram? Aos administradores dos santuários onde foram deixados? Aos santos? À igreja? Isso não é uma questão para Antônio, posto que, segundo ele, elas teriam como destino certo a destruição, podendo ir para diretamente para o lixo ou ainda, serem enterradas ou queimadas quando atingirem um volume que demande a retirada para dar espaço a novas ofertas. Entre os extremos da destruição e da conservação, observa-se a reconversão em mercadoria no próprio âmbito de alguns santuários. Os compradores são devotos, mas também podem ser colecionadores e comerciantes de arte. Mas voltemos à trajetória dos ex-votos desenterrados. Após receber as peças que tinham acabado de voltar à superfície, Antônio as tratou para interromper o processo de degradação em curso. Depois disso, expôs os milagres salvos da destruição na parede da garagem de uma de suas casas, onde outros ex-votos já participavam da decoração. As obras exumadas foram dispostas em uma fileira no alto e o aspecto corroído delas deixava evidente que passaram por um percurso diferenciado em relação aos demais objetos que preenchiam a parede. A configuração da exposição privada já anunciava o apreço do colecionador por aqueles ex-votos. Enquanto muitos outros se encontravam em caixas ou eram armazenados de outra forma na casa, os que foram desenterrados eram mostrados quase que como recepcionistas de quem chegava na casa. Além da trajetória singular, alguns deles também se diferenciavam pela atribuição de autoria. Ao observar as feições de uma das cabeças, o colecionador identificou características da obra de Salomão Fontes Rangel, também conhecido como “Santeiro de Tenório”, numa referência à cidade onde viveu no norte do estado da Paraíba, quase na divisa com o Rio Grande do Norte. Os cabelos “escorrendo” para a testa das imagens conformam um dos principais detalhes reveladores da presença de autoria de Salomão. “Isso é muito Salomão”, me dizia Antônio cada vez que me mostrava as peças do santeiro, apontando para a parte em que os cabelos desenhados com tinta alcançam as testas das faces policromadas. Além do tratamento semelhante aos cabelos, o colecionador captou ainda similitudes no tratamento facial, na solução plástica do pescoço, no entalhe das peças como um todo. Esse ‘repertório autoral’ que veio à luz por meio da comparação entre C1, C2 e C3 também foi encontrado em imagens de santos do acervo do colecionador. Apesar de serem mais valiosas em termos monetários, estas foram preteridas na exposição em relação aos ex-votos que indicaram o caminho para a Cruz da Prêta. O par de cabeças esculpidas por Salomão que Antônio “jamais imaginou que encontraria em Natal” foi exibido juntamente com um exemplar de traços semelhantes e igualmente atribuíveis ao santeiro, porém desfigurados pela ação do enterramento ocorrido em Parelhas. Depois desta exposição, a queima ou destruição dos objetos votivos não pode mais ser tolerada. A título de ilustração do que não deve ser feito com eles, dezenas de peças encontram-se expostas, em uma vitrine especial, na nave central da capela. São ex-votos de aparência calcinada, decorrente do fato de terem sido enterrados, há quase meio século, na “Cruz da Prêta”, na Cidade de Parelhas – RN, segundo relato da comunidade local. Recentemente foram exumados e, hoje, estão presentes na exposição. Nesse mesmo conjunto encontram-se duas cabeças, em perfeito estado de conservação, pois foram coletadas no mesmo lugar – Cruz da Prêta – bem antes da ação iconoclástica e de desrespeito à cultura do povo54. Como se vê, o colecionador/curador justapôs ex-votos em diferentes estados de conservação para mostrar o “que não deve ser feito com eles”. Nesse contexto, o foco nos milagres desenterrados ilumina não só a respeito da inflexão na vida ritual desses objetos, mas também evidencia como eles, ao serem levados para um ambiente museológico, tornam-se defesas incontestes de um discurso de “salvação”. Assim, salva-se a arte que passa despercebida aos olhos de muitos e denuncia-se o desrespeito à “cultura do povo”, ou seja, a intolerância ou, no melhor dos casos, a “reserva” da “Igreja Oficial” em relação às práticas do “catolicismo popular”, que resulta na destruição constante ou esquecimento dos ex-votos. A passagem do cultual ao cultural não foi feita de forma abrupta, pois não se pretendeu apagar a dimensão devocional daqueles objetos. Nesse processo, a assinatura do colecionador/pesquisador/curador lhes foi acrescentada, de modo a lembrar que eles só estão ali porque foram selecionados, recolhidos, salvos, tratados, guardados e enfim, apropriadamente expostos. Na casa do colecionador, de certo modo, a narrativa que se queria imprimir ao ex-voto não se completava. É na antiga capela / então exposição / futuro museu 136 As Moradas dos Milagres: Percursos e Destinos de Ex-Votos _________________________ 54 CARVALHO JR., A. M. A dimensão estética da religiosidade potiguar. In: FJA. Casa dos Milagres - Santos e ex-votos na Coleção de Antônio Marques: catálogo. Natal: FJA/Secretaria Extraordinária de Cultura, 2013. (Col. Cultura Potiguar, n. 45), p. 21, grifos nossos. 137 set 2019 vol. especial, nº 1 Ventilando Acervos Florianópolis ________________________ 55 NOTTEGHEM, E. Frontières et franchissements. Les objets du culte catholique en artification. In: HEINICH, N.; SHAPIRO, R. (Orgs). De l’artification: Enquêtes sur le passage à l’art. [s.l.]: Éditions d’EHESS, 2012. p. 47-62. 56 APPADURAI, A. (Org). A vida social das coisas: as mercadorias sob uma perspectiva cultural. Niterói: EdUFF, 2008. que ela ganhou forma, pois ali a ambiguidade objeto votivo/obra de arte foi reiterada e celebrada, de modo a expor tanto a exuberância material de uma prática, quanto a especialidade do olhar que a captou. Como bem notou Notteghem55, a pesquisa sobre reutilizações de objetos de culto católicos e suas transformações ontológicas é um espaço privilegiado para verificar a pertinência da noção de “biografia do objeto” inaugurada por Appadurai56, contudo, também é ocasião de percebê-la como indissociável das [biografias] das pessoas. Assim, convertem-se não só objetos, mas também aqueles que se engajam com as coisas e ainda as instituições onde eles se movem. A proposição da autora de que os objetos são o lugar de mobilização dos indivíduos para redefinir sua relação com a religião é particularmente fértil para o contexto que pesquisei, no qual um ex-seminarista torna-se colecionador, professor, marchand, curador... e, significativamente, “sacerdote das artes”, como ele vez ou outra é abordado em reportagens sobre sua coleção. Antônio Marques tornou público seu devotamento à arte do povo de forma a atentar os visitantes da Casa dos Milagres para seu papel de “guardião”. Tal mostra foi uma forma de dispor uma argumentação, haja vista que alguns itens da exposição foram mostrados como especialmente representativos das ações do colecionador para salvar obras de arte da destruição. CONSIDERAÇÕES FINAIS 57 GEARY, P. Furta Sacra: thefts of relics in the Central Middle ages. Princeton: Princeton University, 1990. 58 VAN GENNEP, A. Os Ritos de Passagem. Petrópolis: Vozes, 1978. Se os milagres podem transitar por diversos espaços, de caráter sagrado ou não, quais são os (des)caminhos que os levam a encontrar morada em uma coleção? Procurei demonstrar como os gestos de coleta influem nas mudanças de estatuto e nas maneiras de ver os objetos. A trajetória dos ex-votos da vitrine especial da Casa dos Milagres pode ser vista como uma verdadeira hagiografia do objeto. A exumação de cabeças e milagres afins nos aproxima de outras formas de ratificação da autenticidade das coisas sagradas. Na lógica do Furta Sacra57, as coisas difíceis de encontrar, mas que se deixam apanhar, são aquelas que de alguma forma entraram em comunicação com os autores da façanha e não ofereceram resistência, atribui-se poder ao próprio objeto e ao modo de obtê-lo. Obviamente desenterrar ex-votos é uma ação que causa suspeição, pois pressupõe o contato com coisas impregnadas de forças diversas, potencialmente maléficas. Ao menos desde Van Gennep58 os ritos de passagem foram investidos da função de reduzir os efeitos nocivos característicos dos processos de mudança do estado de pessoas e coisas. Em vista disso, e considerando a rentabilidade de ‘ritualizar’ os processos envolvidos nos trânsitos de objetos que já estiveram envolvidos em relações de devoção, entendo a exposição como rito de mostrar. A Casa dos Milagres foi a oferenda instrutiva do colecionador para propalar sua visão. Afinal, a boa magia franqueia os mistérios a todos, e a má procura simplesmente mitificar. A exposição dos milagres de Antônio Marques era, nos seus termos, respeitosa. Afinal, ele não profanou os objetos ao modo de artistas como Farnese de Andrade. O colecionador expôs os ex-votos de forma muito semelhante aos arranjos encontrados nos espaços devocionais. Pouco após a inauguração da Casa dos Milagres, o então Secretário de Turismo do RN chegou a sugerir que a antiga capela, agora reconfigurada, fosse novamente consagrada pelo Bispo, assim o espaço voltaria a ser palco de missas e rezas de terços. Alguns organizadores de excursões de romeiros passaram a utilizar a mostra como primeira parada da jornada ritual que iniciavam em direção a algum dos muitos santuários do RN59. Ex-votos chegaram a ser levados para deposição na Casa dos Milagres, tanto por devotos, que ali tinham a oportunidade de renovar os vínculos com seus santos de devoção, quanto por artistas, interessados na exposição pública de suas peças. Assim, confrontando a concepção corrente de que escultores não gostam de associar seu nome à produção de ex-votos, o colecionador exibiu belos milagres ‘assinados’. O surpreendente incremento do acervo a partir da exposição foi interrompido em 2014, quando a Casa dos Milagres deixou de estar diariamente aberta ao público. A esperada transformação da mostra em Museu do Ex-voto se tornou inviável em função da falta de apoio governamental para a continuidade das atividades. Com a mudança de direção do órgão responsável pela cultura no RN, o suporte da FJA à iniciativa – que já era considerado exíguo – se tornou praticamente inexistente. A permanência da capela fechada por longos períodos culminou na descoberta de uma infestação de cupins. Parte do mobiliário reaproveitado de outros equipamentos culturais não resistiu aos insetos. Os ex-votos e demais objetos do acervo, em sua maioria, feitos de madeira resistente a pragas, não chegaram a ser danificados. A desintegração literal de suportes da exposição foi vista como prenúncio desanimador do que estaria por acontecer com os santos e milagres. Em 2017, uma ameaça mais concreta das imagens, cabeças e obras afins expostas na CM se tornarem “comida de cupim” levou Antônio Marques a desmontar a exposição e retornar com as peças para casa. A salvação da destruição é sempre provisória. Em sua difundida definição de “Coleção”, Pomian opõe o destino incerto dos objetos oriundos de coleções particulares ao daqueles guardados sob o cuidado das instituições museológicas: “Contrariamente à coleção particular que, na maior parte dos casos, se dispersa depois da morte daquele que a tinha formado e sofre as repercussões das flutuações da sua fortuna, o museu sobrevive aos seus fundadores e tem, pelo menos em teoria, uma existência tranquila.”60 Em função do exposto, fica nítido que não é pertinente abordar as biografias dos objetos em termos de descontinuidade tão delineados. A propósito, a destruição do Museu Nacional e as notícias praticamente diárias sobre museus que estão ameaçados de encerrar suas atividades em função da falta de recursos evidenciam que a “existência tranquila” no museu, de que fala Pomian, é praticamente uma morada imaginária. 138 As Moradas dos Milagres: Percursos e Destinos de Ex-Votos _________________________ 59 Os comerciantes do referido centro inclusive manifestaram seu descontentamento com a “concorrência desleal” gerada pela exposição. Ao gastarem tempo na apreciação da mostra, os turistas estariam deixando de comprar souvenirs e produtos afins vendidos nas lojas. 60 POMIAN, K. A Coleção. In: Enciclopédia Einaudi. v. 1. Brasília: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1984, p. 82. 139 set 2019 vol. especial, nº 1 Ventilando Acervos Florianópolis ________________________ REFERÊNCIAS APPADURAI, cadorias sob A. (Org). A vida social das coisas: as meruma perspectiva cultural. Niterói: EdUFF, 2008. AZEREDO, J. C. (Coord.). 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