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DOI: https://doi.org/10.23925/1677-1222.2019vol19i2a15 SUBSÍDIOS Sobre a definição de religião: historiografia, críticas e possibilidades On the definition of religion: historiography, criticisms and possibilities Nestor Figueiredo*1 Resumo: O presente trabalho propõe apresentar em suas primeiras seções a questão sobre a definição de religião e as implicações daí decorrentes para o estudo científico nesta área. Para isso, nos valemos de trabalhos que abordam diretamente o tema, bem como daqueles que fazem sua crítica. Em sua última seção, o texto traz algumas dificuldades para a formulação dessa definição dialogando com propostas alternativas, aspectos de precisão linguística e critérios de validação, finalizando com considerações e sugestões sobre estes desafios a partir do próprio percurso teórico. Palavras-chave: Ciência da religião. Definição. Conceito. Metodologia. Abstract: The present work proposes to present in its first sections the question about the definition of religion and the implications thereof for the scientific study in this area. For this, we use works that directly address the theme, as well as those who make their criticism. In its last section, it presents some difficulties for the formulation of this definition by dialogue with alternative proposals, aspects of linguistic precision and validation criteria, concluding with considerations and suggestions on these challenges from the own theoretical course. Keywords: Study of religion. Definition. Concept. Methodology. * Doutorando em Ciências das Religiões (UFPB). ORCID: 0000-0001-7180-299X - contato: mgs3000@ hotmail.com. REVER • São Paulo • v. 19 • n. 2 • mai/ago 2019 272 Nestor Figueiredo Introdução Na mitologia grega, Caronte é o barqueiro do Hades (Submundo), que conduz a psique daqueles que morrem para além da confluência dos rios Aqueronte e Estige, os quais separam o mundo dos vivos do mundo dos mortos. No entanto, essa travessia só pode ocorrer caso se pague uma moeda (óbolo) ao barqueiro. O derradeiro tributo era colocado dentro ou sobre a boca dos cadáveres. Os que não traziam a moeda, ou aqueles cujos corpos não haviam sido enterrados, permaneceriam vagando pelas margens daquelas águas infernais por cem anos (Brandão, 2013, p. 337). Raros são os autores que, ao iniciarem um trabalho sobre religião, não encontrem sérios obstáculos para dizer, de forma objetiva e clara, sem qualquer apelo retórico, o que é religião. Parece que todos, diante daquilo que encerra essa palavra, precisam pagar o irremediável tributo: dizer o que é religião. Essa dificuldade se demonstra a partir das inúmeras tentativas nessa direção. Por isso mesmo, talvez muitas dessas definições, senão todas, continuem vagando por décadas e mais décadas em meio a divergências acadêmicas, sem jamais fazer a necessária travessia de uma margem a outra; entre o que é e o que não é religião. Esse algo indefinível parece continuar um tremendo mistério fascinante para os denominados cientistas deste objeto que, a rigor, constitui seu principal objeto de estudo; mas que, ironicamente, não possui uma definição que não venha de outras áreas, a exemplo das que apresentamos nesta pesquisa, provenientes, sobretudo, da Sociologia, Antropologia, História e Teologia. O presente trabalho propõe apresentar em sua primeira seção, numa perspectiva histórica, a definição de religião e as implicações daí decorrentes para estudo científico deste objeto. Como existem inúmeras tentativas nessa área, decidimos partir de obras que sintetizam os principais entendimentos nessa direção. Por isso, nos valemos de dois trabalhos que abordam diretamente o tema: o livro As ciências das religiões, 2010 [1987], de Giovanni Filoramo e Carlo Prandi, e o artigo “Definindo a religião, apesar da História”, 2017 [1999], de Wouter J. Hanegraaff1, que também formula sua própria definição de religião. Na segunda seção, trazemos algumas perspectivas críticas em relação à possibilidade dessa definição e seus limites, discutidos nos textos de Talal Asad, “A construção da religião como uma categoria antropológica”, 2010 [1993]; e no de Steffen Dix, “O que significa o estudo das religiões”, 2007, fechando esta parte com algumas rápidas considerações sobre o que é religião, a partir de Robert Crawford (2005 [2002]). Na última seção, abordamos as dificuldades e os desafios encontrados nesse terreno movediço, primeiramente, por meio dos apontamentos de Carlo Prandi sobre “os 1 Esse artigo foi traduzido, primeiramente, para uso pessoal do doutorando Fábio L. Stern (PUC-SP), sob a anuência de Hanegraaff. Em 2017, foi publicado por este mesmo autor, com melhorias na tradução, no periódico Religare (v. 14/n. 1), do Programa de Pós-Graduação em Ciências das Religiões da UFPB. Texto original: “Defining religion in spite of History”. In: Platvoet, Jan G; Molendijk, Arie L. (Orgs.). The pragmatics of defining religion: contexts, concepts and contests. Leiden: Brill, 1999, p. 337-378. Em 2016, Hanegraaff voltou a tratar deste tema específico em seu “Reconstructing ‘religion’ from the bottom up”, onde procura mover a discussão para além da desconstrução radical do conceito de religião, empreendida por alguns estudiosos, em direção a reconstrução para fins acadêmicos. No presente trabalho, contudo, não vamos recorrer a este segundo momento do autor holandês da mesma forma que o fazemos com seu texto de 1999, uma vez que isto será objeto de outra proposta de artigo, posteriormente apresentada. REVER • São Paulo • v. 19 • n. 2 • mai/ago 2019 Sobre a definição de religião: historiografia, críticas e possibilidades 273 problemas de definição e classificação das religiões”, 2010 [1987]; depois, numa linha filológico-filosófica, tratamos de questões terminológicas envolvidas nessa discussão para, em seguida, apresentar as observações de Hans-Jürgen Greschat (2005 [1998]) sobre a importância da precisão vocabular e orientadora de um conceito, em diálogo com seus critérios de utilidade, estabelecidos por Rodney Stark e William Sims Bainbridge, na obra Uma teoria da religião, de 2008 [1987]. Nas considerações finais, sugerimos certas condições para uma definição do conceito de religião. Inicialmente, valendo-se do próprio percurso teórico desenvolvido nas primeiras seções; depois, com base na seleção de três princípios discutidos por estudiosos da área2. A definição de religião em seu itinerário histórico-propositivo3 No primeiro Apêndice de sua obra As Ciências das Religiões, um de seus autores, Carlo Prandi, apresenta o estudo “Os problemas de definição e classificação das religiões” (2010, pp. 253-284), em que traz a discussão, primeiramente, sobre as questões etimológicas da palavra religião. A partir desse texto, vamos acompanhar a trajetória do termo “religião”, assim como recuperar algumas definições clássicas e também modernas que, a seu modo, procuram resolver o problema da definição. O termo “religião”, em sua origem latina (religio), recebeu suas primeiras críticas pela carga semântica relacionada ao cristianismo, que logo cedo assumiu. No entanto, nem sempre foi assim, pois, era um termo naturalmente pré-cristão. Além disso, outro aspecto também era discutido: sua aplicabilidade às diversas religiões historicamente conhecidas a partir dos períodos expansionistas que ocorreram no continente europeu, uma vez que a palavra era própria de um contexto cultural predominantemente ocidental, e que, geralmente, nada tinha a ver com aquilo que outras culturas possuíam de análogo a esta experiência romano-latina. Com a emergente relativização do cristianismo, sobretudo a partir do período iluminista, a palavra religião, que a essa altura já era sinônimo de cristianismo, ideologicamente comprometida, passou a ser questionada4. Essa linha de pensamento de Prandi (2010, p. 254) é ainda ressaltada por uma relevante observação deste autor. Não existe nos próprios evangelhos, por exemplo, a ocorrência do termo. Trata-se apenas de seguir um “caminho”, assim como em outras tradições religiosas aparecem algumas palavras-chave como rita ou ordem cósmica nas religiões indianas, posteriormente, dharma, como lei eterna ou doutrina verdadeira no budismo, ou ainda na religião egípcia, a palavra maat, como justiça ou doutrina fundamental, mas sem relações inequívocas com a palavra religião. 2 O conjunto principal de textos selecionados para este trabalho se orientou pela disponibilidade e relevância em língua portuguesa. Contudo, em nota de rodapé, apresentamos algumas referências importantes em inglês, notadamente, que ampliam e atualizam o debate em torno desse tema. 3 Para uma visão mais detalhada acerca do debate acadêmico em torno da definição de religião, ver Spiro, 1966; Lambert, 1991; Clarke; Byrne, 1993; Blasi, 1998; Wilson, 1998; Platvoet, 1999; Snoek, 1999; Mckinnon, 2002; e mais recentemente: Nongbri, 2013; Bergunder, 2014; Schilbrack, 2013; Arnal; Mccutcheon, 2013; Hanegraaff, 2016; Stausberg; Gardiner, 2016. 4 Thomas Leinkauf, Professor de Filosofia na Universidade de Münster, Alemanha, em seu artigo “O conceito de religião no início da filosofia moderna” (2014), discute o significado e desenvolvimento do conceito de religião no cenário histórico e teórico desse período. REVER • São Paulo • v. 19 • n. 2 • mai/ago 2019 274 Nestor Figueiredo Como um complicador a mais, os autores latinos atribuíam ao termo religio significados concorrentes, tais como escrúpulo, consciência, exatidão, lealdade e afins. Nenhum dos quais se aplicaria diretamente ao que se comumente entende hoje como religião. Nesse sentido, o termo indicaria, no mundo latino pré-cristão, um estilo de comportamento marcado pela rigidez e pela precisão, podendo estender-se a uma execução correta, precisa e escrupulosa de um determinado rito dentro deste contexto romano, longe ainda da conotação que ganharia posteriormente. Uma das citações mais conhecidas é a de Cícero no De natura deorum (45 a.C.)5, em que se sugere que religio viria de relegere, que sublinharia o caráter dos romanos na execução de seus ritos, baseando-se em sua escrupulosa observância, por meio da precisão repetitiva dos atos devocionais endereçados à divindade (Filoramo; Prandi, 2010, p. 256). Até este ponto, o termo não possuía conotação com a ideia de união com o divino. Foi somente a partir do autor Lactâncio6 que religio passou por um processo de “decantação” de sua conotação original pré-cristã, atribuindo a origem do termo não à relegere como em Cícero, mas a religare, num procedimento tanto filológico quanto ideológico, segundo Prandi. O termo agora passava a religar duas realidades que, pelo próprio significado, pressupunham um estado original quando ambas estariam ligadas, o que calhava perfeitamente com a doutrina cristã do pecado original e a consequente queda e separação entre homem e divindade. A partir desse ponto, o termo se impôs como paradigma dessa ideia de reconexão presente na doutrina cristã, sofrendo apenas pequenas modificações por autores como Agostinho e Tomás de Aquino, até ser questionado no período iluminista. Com as críticas a partir do Iluminismo nessa acepção “corrompida” de Lactâncio, ou o “Cícero cristão”, segundo Prandi, os problemas em decorrência do conceito de religião passaram a interessar os estudiosos da matéria novamente, principalmente na linha mais funcionalista do termo. Desse momento em diante a moderna pesquisa científica começa a se ocupar do tema, sempre variando entre os extremos, função e essência de um incógnito x, sendo esta postulada e aquela derivada. Assim, uma das conhecidas proposições reducionistas é debitada na conta de dois autores do século XIX, também lembrados como os “mestres da suspeita”, Karl Marx e Sigmund Freud, para os quais a religião teria sua origem num estado patológico da condição humana, e cuja função histórica teria sido “propor soluções erradas para essa condição”, que seria extinta “com a remoção radical das patologias de que a religião é, ao mesmo tempo, o sintoma e o 5 Marco Túlio Cícero (106–43 a.C.), foi um destacado político, escritor, orador e filósofo romano no período da República, eleito cônsul em 63 a. C. A obra De Natura Deorum (Sobre a Natureza dos Deuses) é um diálogo filosófico, escrito em 45 a. C., no qual se discute a teologia de vários filósofos gregos e romanos. Os diálogos aparecem numa perspectiva estóica e epicurista (Reale, 2011, p. 198). 6 Lucio Célio Firmiano Lactâncio (240-320). Nasceu na África do Norte e foi discípulo de Arnóbio de Sica. Embora tenha ensinado retórica em Cartago e Nicomédia, ficou mais conhecido pelos escritos apologéticos, entre os quais se destaca sua obra Divinae instituitiones (As instituições divinas), em sete livros, “que é ao mesmo tempo uma polêmica contra a religião pagã e uma apaixonada – mas nem sempre perspicaz – defesa do culto e da doutrina cristã” (Reale; Antiseri, 2011, p. 73). REVER • São Paulo • v. 19 • n. 2 • mai/ago 2019 Sobre a definição de religião: historiografia, críticas e possibilidades 275 falso remédio”7. Nas últimas décadas desse mesmo século, os debates em torno da definição do conceito de religião se intensificaram com base naquela bipolaridade. Num primeiro momento, contudo, predominaram, com exceção dos mestres da suspeita, uma concepção marcadamente substancialista (essencialista), a exemplo da definição do etnólogo inglês E. B. Taylor, que via no animismo “a crença em seres sobrenaturais” e a do padre W. Schmidt, para quem a “veneração dirigida aos seres supremos”8 estaria na origem e no centro da religião (Filoramo; Prandi, 2010, p. 260). Prandi chama nossa atenção para a distinção linguística entre concepções substancialistas e funcionalistas. Para ele, no primeiro caso, prevalece o recurso do verbo ser, com o relativo predicado nominal. Assim, modelos do tipo a religião é apresentariam, em geral, “referência a entidades transcendentes”, enquanto nas versões, função de x, procurar-se-ia destacar o papel específico exercido pela concepção de mundo, sem necessariamente a presença de uma entidade trans-histórica9, implícita ou subentendida. Contudo, adverte o autor, essa distinção é algo que fazemos a posteriori e, portanto, está geralmente ausente no plano teórico daqueles que se põem a executar “a difícil tarefa de dar uma definição para religião”10. A partir dessas observações, o autor apresenta um significativo extrato histórico das definições mais conhecidas de religião (Filoramo; Prandi, 2010, pp. 262-275), provenientes de autores, na maioria, europeus e americanos. Desse conjunto de definições apresentado, podemos derivar algumas observações acerca do que até então foi abordado. Fica evidente, por exemplo, uma tendência funcionalista, talvez por ter na maioria dessas definições autores provenientes da sociologia e da antropologia. Porém, esse mesmo predomínio também fornece um dado interessante: uma recorrência a termos dentro de um campo mais adequado a definições de caráter trans-histórico, especialmente com a inclusão do termo “sagrado”. À exceção de Max Weber (1999), que compreende a religião como “uma ação orientada que tira a sua original consistência de um processo mundano” (grifo nosso), boa parte dos estudiosos da seleção de Prandi11 utiliza esse termo em suas proposições funcionais: “um 7 Para ambos os autores, a religião “expressa uma falsa necessidade de conforto e segurança”, mas enquanto Marx vê a religião como pura ilusão (ópio do povo) numa perspectiva sociológica, Freud parte de uma visão psicanalítica, então em desenvolvimento, comparando-a a uma “neurose obsessiva universal” (Pals, 2019, p. 77, 149, 153). 8 Segundo Adone Agnolin, o problema de uma ampliação do conceito de religião foi sistematicamente tratado na obra Primitive culture, de 1871. Nos volumes da obra Sobre a origem da ideia de Deus, 1926-1955, o padre W. Schmidt defendeu um “monoteísmo primordial” (Urmonotheismus) revelado (Agnolin, 2013, p. 36, 43). 9 No contexto de nossa discussão, trans-histórico refere-se àquilo que escapa ao domínio empírico da história, situando noutra esfera, geralmente associada a um aspecto metaempírico ou “sobrenatural”. 10 Sobre a natureza da definição, Hanegraaff (2016, pp. 581-583), apresenta a seguinte classificação: real/substancialista (religião é isso); nominal (pela palavra religião se quer dizer isso ou aquilo), lexical (dicionarizada) e estipulativa (crítica). Para este autor, “apenas as definições estipulativas são científicas no sentido forte da palavra, devido à sua ambição adicional de nos ajudar a entender, com a maior precisão possível, o que realmente é isso sobre o que estamos lidando ou falando”. Para uma defesa da definição real/substantiva, ver Schaffalitzky de Muckadell em seu “On essentialism and real definitions of religion” (2014), no qual a autora se opõe à visão “generalizada”, dentro do estudo da religião, segundo a qual uma definição real/substantiva de religião deva ser evitada. Contrariamente, faz-se a defesa desta opção como uma ferramenta valiosa tanto no âmbito acadêmico quanto na prática religiosa. 11 Entram nessas observações apenas os autores que no texto de Filoramo; Prandi 2010 (nossa fonte) aparecem formulando uma definição de religião propriamente dita, excluindo-se aqueles que apenas tecem comentários gerais sobre o tema, mas sem proporem uma definição de fato. REVER • São Paulo • v. 19 • n. 2 • mai/ago 2019 276 Nestor Figueiredo sistema solidário de crenças e de práticas relacionadas com coisas sagradas” (Durkheim, 2014 [1912]); “A religião stricto sensu caracteriza-se pela presença da noção do sagrado propriamente dito” (Mauss, 2006 [1947]); “a experiência do sagrado” (Wack, 1990 [1944]) e “uma obra humana através da qual é construído um cosmo sagrado” (Berger, 1985 [1969], grifo nosso)12. Outra constante é afirmação da oposição entre natural e sobrenatural, o que pode indicar por um lado, homem como natural; por outro, alguma alteridade não humana; não natural: “relação que liga o homem, dentro da sociedade, aos seus fundamentais fins e módulos de valor, através de algumas entidades e forças não humanas” (Firth, 1959. Grifo nosso); mais explicitamente: “A característica da vida religiosa é estabelecer relações ‘do tipo humano’ com entidades não humanas” (Horton, 1960, grifo nosso). Mais uma vez, os conceitos deslizam em direção a um viés substancialista. Obviamente, há os que procuram não incorrer nessa armadilha linguística. Nesses casos, o dado dito sagrado ou sobrenatural, quando aparece, é prontamente declarado como uma invenção ou ilusão a cargo exclusivo do próprio ser humano. Portanto, a religião aparece, de fato, como um produto histórico-cultural ou social, cuja suposta dimensão sobrenatural são criações humanas (Geertz, 1989 [1966]); resposta e adaptação (Yinger, 1957), elaboração de símbolos (Bellah, 1970); compensação ou consolo (Stark; Bainbridge, 2008 [1987]) e atitudes culturalmente determinadas (Lanternari, 1961). Curiosamente, a única definição teológica do conjunto (Tillich, 1985 [1957]) é bastante ampla em sua proposição e em nada diferencia a religião de qualquer outra coisa que desenvolva a mesma atitude (preocupação última)13. Além disso, verifica-se na maioria dessas definições a ideia de religião como um sistema ou conjunto de crenças ou símbolos. O professor de História da Filosofia Hermética, da Universidade de Amsterdã, Holanda, Wouter J. Hanegraaff, em texto já citado, após analisar as definições de religião de cinco autores (Spiro, 1966; Platvoet, 1990, além de Durkheim, Geertz, e Yinger14, já vistos aqui); e de quatro abordagens sobre o conceito de sagrado (Otto, 2007 [1917]; Eliade, 2010 [1957]; Sexson, 1982 e Bateson, 1987), apresentou sua própria definição, em grande parte valendo-se da que o antropólogo Clifford Geertz havia formulado em 196615. Hanegraaff destaca como pano de fundo desse problema a tensão presente na Ciência da Religião (Religionswissenschaft) entre perspectivas históricas e sistemáticas, da qual, segundo ele, deveria resultar no reconhecimento da importância de ambas, uma vez que sem “pelo menos uma perspectiva sistemática rudimentar (que aspira a afirmações gerais sobre religião, religiões ou fenômenos religiosos), a disciplina é incapaz de definir e demarcar seu próprio objeto”, desfazendo-se numa variedade de especializações. Nesse sentido, para o autor, pesquisas que prescindem dessa necessidade não 12 Embora em Durkheim o termo “sagrado” não contenha a ideia de algo “sobrenatural”, que escaparia ao histórico (daí trans-histórico) em seu ponto de chegada, sua teoria depende dessa ideia em seu ponto de partida, igualando o uso do temo, nesse sentido, a autores como Tylor e Frazer (Pals, 2019, pp. 371-372). 13 Na filosofia da religião de Paul Tillich, a religião é a experiência do incondicionado, é o que nos diz respeito incondicionalmente, é a nossa preocupação última (Higuet, 2006, p. 29). 14 Hanegraaff utiliza a definição de Yinger 1970 e não a de Yinger 1957, como usa Prandi (2010). 15 A definição de Geertz aparece primeiro no ensaio “Religion as a Cultural System”, publicado em 1966, no Anthropological Approaches to the Study of Religion, Ed. M. Banton, pp. 01-46. ASA Monographs, 3. REVER • São Paulo • v. 19 • n. 2 • mai/ago 2019 Sobre a definição de religião: historiografia, críticas e possibilidades 277 podem ser classificadas, propriamente, como exemplos de Estudo de Religião16, mas sim, no máximo e pragmaticamente, como estudo de religiões, no plural, e entendida como manifestações de religião, no singular, a qual ele e muitos outros vem tentando definir, ou mais precisamente, encontrar aquele ainda incógnito x da equação f de x sugerida anteriormente. O “aspirar a afirmações gerais sobre religião” trata-se, de fato, de defini-la, que para o autor é uma questão fundamental, cujo cerne do problema é afirmado como segue: É possível definir religião, apesar do fato da pesquisa histórica e empírica detalhada parecer minar qualquer tentativa de fazer declarações “de aplicação geral”, “universais”, sobre religião ou fenômenos religiosos – para não mencionar a ideia ainda mais problemática de transcender o relativismo, formulando “leis universais” de evolução religiosa, revelando a função da religião na sociedade humana, ou a descoberta de uma “unidade transcendente das religiões” (Hanegraaff, 2017, p. 205, grifo do autor). A partir desse desafio à história, o autor apresenta seu método e critério para a seleção das definições de religião e também de sagrado. Se por um lado, a maioria das definições é dada a partir do registro histórico por “um olhar teórico ou sistemático”, Hanegraaff, por outro, tenta uma abordagem de lógica oposta. Assim, ele toma esse registro histórico/sistemático como “artefatos intelectuais inventados” dentro de um determinado contexto17, priorizando as diferenças presentes nessas tentativas e as razões que justificam essas diferenças. Além disso, segundo o autor, deixar de fora a definição de “sagrado”, entendido em muitos casos como sinônimo ou melhor termo para religião, poderia alterar os resultados de sua análise, uma vez que “determinadas abordagens de definição (especialmente de tipos ‘religionistas’) seriam descartadas de antemão, enquanto outras seriam indevidamente privilegiadas” (Hanegraaff, 2017, p. 206). Essa alegada atitude inclusiva do autor se revelará uma opção apenas retórica para sua proposta de definição, tendo em vista que o conceito de “sagrado” discutido por ele, estritamente falando, passa ao largo de sua definição de religião, que em nada se valeu de seus arrazoados a partir das quatro abordagens apresentadas. Como não poderia deixar de ser, pois, trata-se de uma categoria duramente criticada por seus assumidos compromissos teológicos e, portanto, fora do escopo da cientificidade requerida e sugerida pelo próprio Hanegraaff18. 16 No texto original, Hanegraaff deixa bem marcado o uso de “study of religion” (no singular) e “study of religions” (no plural), em que no primeiro caso, estaria associado a uma Ciência da Religião, conforme ele mesmo apresenta na designação Religionswissenschaft, nome da disciplina na Alemanha, onde consensualmente se reconhece a origem do termo; enquanto no segundo caso, estaria ligado à ideia de Ciências da Religião como “estudo de [essas tradições humanas que são convencional e intuitivamente conhecidas como] religiões”, ou se preferirmos, estudo acerca das manifestações religiosas. Em função do foco na definição de religião, portanto, de um objeto único, a crítica preliminar feita por Hanegraaff é endereçada ao que considera este estudo “uma variedade de especializações”, corroborando, exatamente, a importância de uma definição que demarque seu objeto principal: religião (no singular). 17 Análogo a esse “registro histórico/ sistemático como ‘artefatos intelectuais inventados’” é a ideia de “religião” como uma construção social. Sobre isto, ver o debate entre Schilbrack (2012; 2013) e Fitzgerald (2013). Segundo a crítica apontada pelo primeiro, vários teóricos argumentam que o conceito de “religião” não é um universal cultural, mas algo que emergiu sob condições históricas e políticas particulares na modernidade ocidental. 18 O termo “sagrado” recebe uma variedade de críticas como categoria e termo equivalente à religião, por exemplo, nos trabalhos de Steven Engler (Teoria da religião Norte-americana: alguns debates recentes) e Frank Usarski (Os enganos sobre o sagrado. Uma síntese da crítica ao ramo “clássico” da Fenomenologia da Religião e seus conceitos-chave), ambos publicados na revista REVER, n. 4, 2004. Outro trabalho bastante crítico em relação ao termo “sagrado”, mais recente, encontra-se no Compêndio de Ciência da Religião, de 2013. Trata-te do estudo de Nicola Gasbarro “Fenomenologia da Religião”. REVER • São Paulo • v. 19 • n. 2 • mai/ago 2019 278 Nestor Figueiredo Em sua análise acerca das definições de religião, o autor também chama a atenção para a necessidade de se examinar o contexto em que tais formulações foram produzidas, o que Hanegraaff denomina como “subtexto ideológico”, querendo dizer com isso que o substrato motivacional tem sua relevância para determinar o alcance e o valor dessas propostas. Nessa direção, Hanegraaff identifica, por trás dos dois grupos de autores que estudou – os que definem a religião e os que definem o sagrado –, uma marca identitária cujas raízes são completamente diferentes: Dentro de ambos, assim como na interação entre seus representantes, nunca está em jogo apenas a questão da natureza da religião e/ou do sagrado. Abaixo da superfície, e parcialmente escondido até mesmo dos próprios participantes, uma batalha muito mais emocional está acontecendo: aquela entre os defensores da cultura secular moderna e seus críticos. E isso, sugiro, é o subtexto ideológico fundamental, não só do debate sobre a definição, como também do estudo sistemático da religião desde as suas origens, no contexto do Iluminismo e Contrailuminismo (Hanegraaff, 2017, p. 233). Em outras palavras, enquanto para o primeiro conjunto de autores a “religião” é o problema, para e segundo grupo, o do sagrado, a “dessacralização” é o problema. Aqui, Hanegraaff dá por respondida sua questão preliminar de, em razão de que, as pessoas definem religião de formas diferentes: “porque, paradoxalmente, sua motivação principal não é definir religião!”, apressando-se em esclarecer que isso “seja não só inevitável, mas perfeitamente legítimo”. Além disso, o próprio Hanegraaff declara que seu interesse na matéria em questão (definir o conceito de religião), está relacionado a uma dimensão estritamente pragmática, ao afirmar que prefere “trabalhar com os conceitos claramente demarcados ao invés das nebulosas” (Hanegraaff, 2017, pp. 234-35). Após essas considerações, o autor parte para sua definição de religião, apresentando-a em três momentos, ou uma forma tríplice, em que aparecem 1) “uma definição geral, inclusive de ‘religião’, seguida por uma subdivisão dupla”; isto é, 2) “‘religiões’ (sing. ‘uma religião’), bem como”; e 3) “‘espiritualidades’ (sing. ‘uma espiritualidade’)”: Religião = qualquer sistema simbólico que influencie as ações humanas, fornecendo possibilidades para manter contato ritualisticamente entre o mundo cotidiano e um quadro metaempírico mais geral de significados; Uma religião = um sistema simbólico, incorporado em uma instituição social, que influencie as ações humanas, oferecendo possibilidades para manter contato ritualisticamente entre o mundo cotidiano e um quadro metaempírico mais geral de significados; Uma espiritualidade = qualquer prática humana que mantenha o contato entre o mundo cotidiano e um quadro metaempírico mais geral de significados por meio da manipulação individual dos sistemas simbólicos (Hanegraaff, 2017, pp. 239-238). Para efeito de comparação, observe-se a definição de Clifford Geertz: A religião é um sistema de símbolos que age para instaurar atitudes e motivações fortes, onipresentes, duráveis, mediante a elaboração de conceitos relativos a uma ordem geral da existência, e que reveste tais conceitos de um sentido de positividade que faz com que tais atitudes e motivações apareçam como únicas e reais (Geertz, 1989, pp. 104-105). Segundo Hanegraaff, sua definição é precisa e “superior a qualquer outra definição de religião” que ele conhece. Isto porque o resultado conseguiu preservar todas as vantagens das definições a que ele recorreu, principalmente a de Geertz, além de conseguir REVER • São Paulo • v. 19 • n. 2 • mai/ago 2019 Sobre a definição de religião: historiografia, críticas e possibilidades 279 excluir todas as desvantagens. O maior trunfo dessa definição tríplice, ainda segundo o autor, é precisamente a flexibilidade que se consegue com tal ferramenta analítica, na direção de uma melhor abordagem sistemática e histórica combinada no estudo da religião. Em resumo, para o autor, essa definição tem duas funções: “não só abrange precisamente tudo o que qualquer um pode pretender intuitivamente se referir como ‘religião’, mas consegue, ao mesmo tempo, fazê-lo sem se tornar vago e trivial”. Aliás, muito pelo contrário: “em consonância com a intenção explícita de Geertz, ela contém, em poucas palavras, uma agenda completa para a pesquisa” (Hanegraaff, 2017, p. 239, grifo nosso). A crítica às tentativas de definição: problemas e limitações Neste segundo momento, destacamos aqueles que se opõem à possibilidade e utilidade da definição de religião, a exemplo do que acabamos de verificar na confiante e otimista proposta de Hanegraaff. A partir desse quadro, vamos explorar as críticas do antropólogo americano de origem árabe Talal Asad, em seu texto “A construção da religião como uma categoria antropológica”, de 2010 [1993]19; e também as intervenções do autor e pesquisador da Universidade Católica Portuguesa/Centro de Estudos e Comunicação e Cultura, Steffen Dix, propostas em seu artigo “O que significa o estudo das religiões”, de 200720. Esses textos também abordam a questão da definição como algo necessário que, de uma forma ou de outra, precisa ser enfrentado21. Nesse sentido, trabalhamos apenas com os trechos diretamente relacionados a esse problema. Trata-se daquele “pedágio” ao barqueiro Caronte. Se quisermos seguir por esse caminho, precisamos vencer esse primeiro desafio. Para Talal Asad, aquela capacidade socialmente totalizante que outrora havia marcado a religião, leia-se cristianismo medieval, foi perdida e relativizada na modernidade. Como vimos anteriormente, essa é uma linha argumentativa bastante recorrente, que procura minar qualquer pretensão de uma essência religiosa universal, em função do condicionamento histórico do qual, necessariamente, brotam tais mudanças de paradigmas, como nesse caso apontado por Asad. Por isso, a insistência na autonomia dessa essência face à história induz a definir a religião como um fenômeno trans-histórico e transcultural. Uma tal definição é, “ao mesmo tempo, parte de uma estratégia de confinamento (para os liberais seculares), e de defesa (para os cristãos liberais) da religião”. Para o autor, contudo, a separação entre religião e poder decorrente dessa estratégia, “é uma norma Ocidental moderna, produto de uma singular história pós-Reforma”. Dessa 19 Tradução de Eduardo Dullo e Bruno Reinhardt (doutorandos na época), da obra Geneologies of Religion, de 1993, e publicado nos Cadernos de Campo, v. 19, n. 19, pp. 263-284, 2010. 20 Artigo publicado na Revista Lusófona e Ciência das Religiões, Ano VI, n. 11, pp. 11-31, 2007. 21 Embora não sendo objeto do presente trabalho, autores como Michael Bergunder, 2014 (What is religion? The unexplained subject matter of religious studies) e Willian Arnal; Russell T. McCutcheon, 2013 (The sacred is the profane: the political nature of ‘religions’), apresentam importantes considerações dentro dessa linha crítica em relação à necessidade e dificuldades para uma definição de religião. Nessa direção, ver também Steil; Toniol, 2013 (A crise do conceito de religião e sua incidência sobre a Antropologia). REVER • São Paulo • v. 19 • n. 2 • mai/ago 2019 280 Nestor Figueiredo maneira, Asad examina em seu texto como a busca teórica por uma essência da religião conduz a uma separação conceitual entre religião e poder. Como exemplo concreto, Asad explora a “definição universalista de religião” (Asad, 2010, p. 264) oferecida por Clifford Geertz, da qual já nos referimos aqui22. Não é intenção deste trabalho recompor os fundamentos da crítica de Asad ao conceito de Geertz, bastando apenas assinalar neste percurso, pois, este é nosso objetivo, sua objeção a uma definição de religião que é feita em bases trans-históricas e que, invariavelmente, resultaria em algo inviável. Em seu argumento, o autor defende que a tentativa de definição sempre deverá implicar marcadas alterações históricas, o que vedaria as definições que operam fora desse processo, uma vez que, por exemplo, as formas, as pré-condições e os efeitos socialmente identificáveis do que era considerado religião durante a época cristã medieval, “eram muito diferentes dos [efeitos, pré-condições e formas] que são considerados religião na sociedade moderna” (Asad, 2010, p. 264). Essa ideia de processos contingenciais expressa por toda e qualquer religião impediria, portanto, compreensões estáticas do fenômeno, próprias de definições trans-históricas e universalistas. Assim, enquanto em Hanegraaff temos a defesa de uma definição de religião apesar da história, para Asad, a impossibilidade se dá exatamente em função da história, como podemos acompanhar, nas palavras do próprio autor: O meu argumento é que não pode haver uma definição universal de religião, não apenas porque seus elementos constituintes e suas relações são historicamente específicos, mas porque esta definição é ela mesma o produto histórico de processos discursivos (Asad, 2010, 264). A partir desta afirmação, Asad detalha sua crítica ao conceito oferecido por Geertz, questionando principalmente o peso que este autor dá aos símbolos religiosos como definidores do que é e do que não é religioso, a partir de critérios cognitivos e universais, buscando distinguir claramente a perspectiva religiosa das não religiosas. Entretanto, os símbolos religiosos, igualmente, têm variado e sido condicionado por fatores históricos específicos. Para Asad, “essa questão pertence ao processo autoritativo do qual a religião é criada”. Além disso, essa percepção de que a religião hoje é essencialmente uma questão de significados simbólicos ligados a ideias de ordem geral (expressos através de ritos e/ou doutrinas), com funções/características genéricas, “e que ela não deve ser confundida com nenhuma outra de suas formas históricas ou culturais particulares, é de fato uma visão que tem uma história cristã específica”. Assim, conclui que, a partir de um conjunto concreto de regras práticas ancoradas em processos específicos de poder e conhecimento, “a religião se tornou abstraída e universalizada” (Asad, 2010, p. 271). Apenas mais dois pontos devemos destacar aqui, uma vez que se relacionam diretamente com as discussões mais recentes em torno de permanências do discurso teológico em propostas pretensamente científicas para o estudo da religião. O primeiro deles é que, segundo Asad, a proposta de Geertz parece “assumir, inadvertidamente, o ponto 22 Notar nesse argumento de Asad a ideia de “subtexto” defendida por Hanegraaff. Em ambos os casos existem razões menos visíveis que determinariam as escolhas conceituais entre religião e poder (Asad) e entre religião e sagrado (Hanegraaff). Restando saber se esse determinismo alcançaria os princípios da lógica, por exemplo. REVER • São Paulo • v. 19 • n. 2 • mai/ago 2019 Sobre a definição de religião: historiografia, críticas e possibilidades 281 de vista da teologia”, quando este insiste na “primazia do significado em detrimento dos processos através dos quais os significados são construídos”. Nesse sentido, um tipo de significado deve ser identificado a uma prática de modo que ela seja qualificada como religião. Naturalmente, os símbolos religiosos se qualificariam para atender à necessidade que, como defende Geertz, o ser humano tem de uma ordem geral de existência. A segunda observação deriva dessa peculiaridade que os símbolos (na visão de Geertz) assumiriam. Para Asad, esse aspecto seria coerente com a abordagem fenomenológica, na qual os símbolos religiosos são sui generis, demarcando um domínio religioso independente (Asad, 2010, p. 271, 277). Entretanto: Os símbolos religiosos – sejam eles pensados em termos de comunicação ou cognição, como guias para a ação ou para expressar emoção – não podem ser compreendidos independentemente de suas relações históricas com os símbolos não religiosos ou de suas articulações no interior e sobre a vida social, na qual trabalho e poder são sempre cruciais (Asad, 2010, p. 277, grifo nosso). Nosso segundo autor, Steffen Dix, reforça a crítica à definição de religião como um modelo cultural-simbólico, pela simples existência de vários sistemas de símbolos que tentam provocar motivações nos indivíduos, formulando igualmente concepções daquela ordem geral da existência, “mas que não podem ser considerados como fenômenos religiosos tais como ideologias políticas ou econômicas”. Além do que, em povos não europeus encontramos dificuldades para correlacionar o termo “religião”. Para Dix, “a determinação, por exemplo, do Hinduísmo como religião não deixa de ser, num sentido lato, um colonialismo semântico ou uma construção retórica”, enfatizando ainda que para sermos rigorosos, “seria necessário reconhecer que fenômenos, como por exemplo, o Budismo, o Hinduísmo ou o Islão, se tornaram religiões universais apenas a partir de um ponto de vista europeu”. Exatamente por isso, questiona o autor, até onde seria viável continuar a investigar fenômenos religiosos apoiando-nos nessa e em outras definições (Dix, 2007, pp. 19-20)? Por isso, continua Dix, [...] na ciência das religiões parece haver uma tendência contemporânea em evitar qualquer esforço para definir o objeto da pesquisa. Muitos estudiosos recusam, hoje em dia, qualquer declaração descritiva sobre o termo “religião”, especialmente no que se refere à lista de Leuba e às inúmeras tentativas definidoras dos anos seguintes (Dix, 2007, p. 21)23. Por outro lado, o autor destaca um saliente e “curioso” aspecto no estado atual da pesquisa científica das religiões: a carência de uma definição do objeto da pesquisa24. Para Dix, trata-se de uma contradição provocada em grande medida por definições eurocêntricas e universais, além do fato de que “o estudo acadêmico das religiões é muito mais recente do que o uso popular do termo ‘religião’”. Ao constatar que a definição 23 James H. Leuba, psicólogo americano que enumerou já em 1912, no apêndice do seu livro Psychological study of religion, mais do que 50 definições de religião. 24 Pelo menos três obras, relativamente recentes, atualizam os estudos acadêmicos nessa área, tocando no problema da carência de definição desse objeto de estudo: Brent Nongbri, Before Religion: a history of a modern concept (2013); Jeppe Sinding Jensen, What is religion? (2014) e Micahel Stausberg; Mark Gardiner, “Definition” (2016). REVER • São Paulo • v. 19 • n. 2 • mai/ago 2019 282 Nestor Figueiredo de uma religião pode igualmente representar um ato de demarcação perante uma certa realidade cultural ou sociopolítica, reconhece que isto muitas vezes cria obstáculos para o entendimento transcultural. Em virtude dessas observações, Dix volta a questionar sobre “como avançar no estudo de um fenômeno não acessível para uma formulação definidora” (Dix, 2007, p. 21). Mesmo afirmando que, enquanto definição, a religião não existe, o autor considera que é possível sublinhar a palavra “religião” como conceito indispensável para um estudo sensato dos fenômenos religiosos. Por isso, não sendo um termo nativo, citando Smith (1998), considera um termo criado por estudiosos para seus propósitos, tratando-se, portanto, de um conceito genérico de segunda ordem, desempenhando papel análogo ao “estabelecimento de um horizonte disciplinar que um conceito como a ‘linguagem’ desempenha na linguística ou a ‘cultura’ na antropologia”, não podendo haver “um estudo disciplinado da religião sem esse horizonte” (Smith, 1998, pp. 281-282 apud Dix, 2007, p. 21). Assim, como típico produto da história e da cultura ou, ainda, uma construção social, cada religião nunca pode ser examinada fora dessas fronteiras. Nesse sentido, existe uma diferença fundamental entre o fenômeno e o conceito de religião, isto é, “uma interação dialética entre a crença e a ciência”, implicando uma contínua revisão da ligação entre “objetivação científica e semântica religiosa” (Dix, 2007, p. 22). Sobre os limites que uma definição de religião impõe, o autor Robert Crawford, em seu O que é religião? 2005 [2002], apresenta elementos que nos ajudam a visualizar outros desafios enfrentados por aqueles que procuram definir esse objeto. No livro, após uma seleção de definições, a exemplo do que fez Prandi (2010), o autor analisa boa parte delas. Contudo, chega à conclusão de que “não existe nenhuma definição universalmente aceita de religião”, havendo muita divergência entre os especialistas, o que criaria “um sentimento de desânimo”, que teria levado o filósofo da religião e também teólogo inglês, John Hick, segundo Crawford, a afirmar que: Religião é uma coisa para o antropólogo, outra para o sociólogo, outra para o psicólogo (e outra ainda para outro psicólogo!), outra para o marxista, outra para o místico, outra para o zen-budista e outra inda para o judeu ou o cristão. Existe, por conseguinte, uma grande variedade de teorias sobre a natureza da religião. Não há, portanto, nenhuma definição universalmente aceita de religião, e possivelmente nunca haverá (Crawford, 2005, p. 14). Mas para Crawford, as definições, ainda que padeçam desse relativismo quase absoluto, devem ser vistas como complementares e não contraditórias, sendo possível conjugar elementos de várias delas para formar uma definição satisfatória. Contudo, é preciso tomar cuidado com o escopo dessa formulação, pois, se amplo de mais, poderá abrigar sistemas de crenças seculares como o marxismo e o humanismo. Por outro lado, se restrito demais, pautando-se apenas na ideia essencial de Deus, deixará de fora, por exemplo, o budismo, que na sua forma clássica era ateísta. Nessa direção, Crawford aponta as preocupações do escritor inglês e estudioso das religiões Ninian Smart, para quem a busca de uma essência nessas propostas levaria a uma necessidade, em cascata, de prosseguir e definir também o ser sobrenatural ou último, ou ainda, o transcendente, aumentando, em consequência, as variações de acordo com a perspectiva cultural envolvida. Dificuldade que é detectada e apontada por Crawford: “a religião está tão REVER • São Paulo • v. 19 • n. 2 • mai/ago 2019 Sobre a definição de religião: historiografia, críticas e possibilidades 283 emaranhada com outras coisas que não é uma categoria distintiva e varia de acordo com os diferentes lugares e as diferentes épocas” (Crawford, 2005, p. 19). Desafios e caminhos para uma definição de religião possível Em As ciências das religiões (2010), os autores Giovanni Filoramo e Carlo Prandi, já em sua introdução, onde levantam as questões relativas à possibilidade de um estudo científico da religião, abordam esse desafio na seção III. 1 (O problema da definição). Segundo eles, trata-se de, forçosamente, “se meter num trabalho de Sísifo” para definir o seu objeto de pesquisa25. Seja como hipótese logo no início do trabalho, através de uma metodologia dedutiva, seja como constatação ao final, utilizando o método indutivo. Em ambos, o fato é que “será preciso, de alguma forma, para iniciar a pesquisa, circunscrever o campo da investigação, ainda que de maneira provisória e arbitrária” (Filoramo; Prandi, 2010, p. 16). No caso das Ciências das Religiões26, ressaltam os autores, qualquer que seja o caminho proposto, não se poderá deixar de corresponder às noções de hipoteticidade, arbitrariedade, verificabilidade e, em consequência, de falseabilidade, que são as marcas de uma metodologia científica. Contudo, fazem aqui uma fundamental observação: agindo dessa forma, não se estaria reduzindo o objeto previamente, negando-lhe sua autonomia, “a única capaz de constituir e fundar a autonomia das Ciências das Religiões?”. A solução nesse caso, segundo os autores, é retirar todo o peso dessa autonomia do objeto, colocando-o na eficácia do método em uso. Portanto, a autonomia de um discurso científico mais se baseia num método legitimamente fundado do que no seu próprio objeto, salvo em caso de um raciocínio dedutivo, de tipo normativo. A conclusão a que eles chegam é: Para escapar do perigo do reducionismo, que priva o objeto de pesquisa de qualquer especificidade, e também de um idealismo essencialista, que postula desde o início a “realidade” de um objeto que a pesquisa terá a obrigação de desvelar e testemunhar, só resta percorrer uma difícil “terceira via”, trabalhando com um conceito de religião capaz de levar em conta tanto os seus aspectos funcionais quanto os específicos (Filoramo; Prandi, 2010, p. 17, grifo nosso). 25 A expressão “trabalho de Sísifo” é usada para indicar qualquer atividade que envolva esforços longos e repetitivos. Vem do mito de Sísifo, condenado por toda a eternidade a rolar uma grande pedra com suas mãos até o cume de uma montanha em que, próximo ao topo, a pedra rolava de volta, montanha abaixo, por meio de uma força irresistível, comprometendo todo o esforço despendido (Brandão, 2013, p. 238). Hans-Jurgen Greschat, em O que é Ciência da Religião? (2005, p. 17), parece também recorrer à mitologia ao defender que “a palavra ‘religião’ é como um labirinto. Perder-se-á nele quem não trouxer um fio na mão para se orientar”, numa alusão à Ariadne, a princesa de Creta, conhecida por ter se apaixonado pelo herói Teseu, a quem deu-lhe um fio de lã, para que o amado pudesse achar o caminho de volta, após ter sido oferecido em sacrifício no labirinto do Minotauro (Brandão, 2013, p. 67). Como sempre ocorreu na história, a religião mantém uma simbiótica e inextrincável ligação com o mito. 26 Esses autores usam a designação da disciplina com seus dois nomes no plural. Manteremos esse uso sempre ao se referi a obra deles aqui em foco. Eles também utilizam a abreviação CR para indicar Ciências das Religiões. Não utilizaremos essa abreviatura, preferindo usar os termos completos. Isto quer dizer que, quando numa citação direta, sempre que aparecer CR, transcreveremos Ciências das Religiões, como entendem os autores. REVER • São Paulo • v. 19 • n. 2 • mai/ago 2019 284 Nestor Figueiredo Chama a atenção a noção de “autonomia relativa da religião” que essa passagem revela, como uma via média entre essencialismo e funcionalismo, tradicionais opostos em se tratando do tema aqui em foco. Essa é uma tendência mais contemporânea, que procura conciliar numa só definição as tensões dessas correntes de estudos: de um lado, as preocupações com uma alteridade radical e totalmente outra, sui generis, situadas em algumas abordagens da Filosofia e Fenomenologia da Religião; de outro, o culturalismo também radical que reduz religião a um simples produto do ser humano, característico de algumas abordagem sociológicas e do funcionalismo antropológico27. Contudo, no caso de Filoramo; Prandi, longe de autorizar uma leitura fora da história, e, portanto, trans-histórica, a ideia de autonomia relativa tem a ver com a salvaguarda, por parte das religiões, “de uma legislação normativa interna, de formas de funcionamento, de autorregulação, de resposta e de recuperação”. Assim, uma tal realidade, nesse sentido, própria, apresentaria para a investigação empírica, duas faces que “ameaçam escapar da rede de uma abordagem rigidamente historicista”: uma que muda e uma que permanece. Ao lado da face histórica há uma face que não é histórica, contudo, “sem ser, por isso, trans-histórica, pelo simples fato de que remete a aspectos da realidade humana abertos a uma concepção diferente do devir” (Filoramo; Prandi, 2010, p. 18)28. Os autores nomeiam de “face oculta” essa especificidade da religião, que segundo eles, conferiria sua autonomia relativa. Uma gramática própria concretizada naquilo que as Ciências Sociais já vêm estudando há algum tempo, a exemplo dos ritos e dos símbolos presentes nas mais diversas manifestações religiosas. O dado fundamental é que uma tal especificidade não obedeceria apenas às leis do devir histórico, uma vez que, “retomando uma expressão de Max Weber, as religiões demonstram possuir lógicas próprias”, porém, não do tipo ideal, mas estrutural, que não são dadas uma vez por todas, mas tiradas sempre do contexto. É a partir desse pano de fundo que se pode falar em autonomia relativa da religião. Trata-se, segundos esses autores, de um princípio de autodireção do objeto em questão: x é autônomo quando se aceita o princípio de que as regras de base que governam o seu comportamento e a sua ação são geradas a partir de dentro e não impostas de fora. Isso não significa, por outro lado, que x seja imune a qualquer influência externa, mas que as regras básicas da sua ação são determinadas iuxta própria principia (Filoramo; Prandi, 2010, p. 18, grifo do autor). Assim, ao se aplicar esse conceito ao caso da religião, surge uma definição de tipo operativo ou funcional, ainda que mantendo sua autonomia relativa, ou “lógica própria”. Nessa perspectiva, a religião só pode ser explicada, “isto é, ser função de x, não importando que esse x seja um aspecto da psique, da cultura, da sociedade ou de qualquer outra variável independente” (Filoramo; Prandi, 2010, p. 18). Aqui cabe uma 27 Nesse sentido, abordagens clássicas reducionistas da religião são encontradas em autores como Karl Marx, Sigmund Freud e Émile Durkheim, por exemplo (cf. Pals, 2019). 28 Podemos especular aqui uma possível conexão entre estes “aspectos da realidade humana abertos a uma concepção diferente do devir” e aquele “quadro metaempírico mais geral de significados” de que nos fala Hanegraaff em sua proposta de definição para religião. O que em ambos os casos, guardam semelhanças com a ideia de um direcionamento para o “sentido incondicional ou a substância do sentido”, como defende o teólogo Paul Tillich, para quem religião “é direcionamento para o incondicional” (1973). REVER • São Paulo • v. 19 • n. 2 • mai/ago 2019 Sobre a definição de religião: historiografia, críticas e possibilidades 285 observação ensejada pelo uso da notação matemática nessa questão: as definições operativas parecerem se encaminhar em direção a uma inevitável constante: fazer afirmações acerca apenas da função desse objeto (religião). Assim, essa definição funcional seria sempre, na verdade, um f de x (fx). Isto é, a ciência – no caso dos autores, as ciências – até consegue dizer para o que serve esse x, mas não consegue ou pouco diz sobre o que é o próprio x de tal questão. Permanecendo, ainda, um tremendo mistério fascinante, que continua como a grande incógnita do problema. Aliás, muito bem formulado pelos autores, usando uma sugestiva, embora rudimentar, formalização da questão. Então, como superar essa limitação? Neste ponto, devemos iniciar uma discussão sobre um aspecto que geralmente não entra na pauta desse tema. Trata-se de uma sutil, mas talvez significativa diferença entre a atitude acadêmica representada na expressão definir a religião e definir o conceito de religião. É preciso verificar se, e em que medida, definição e conceito podem ser tomados como sinônimos sem qualquer salvaguarda, uma vez que nisso poderia estar a raiz de um grande problema, colocando a perder, talvez, todo o empreendimento. Com esse objetivo em mente, devemos voltar às origens dessas palavras e buscar em sua etimologia algumas respostas nessa direção. Note-se aqui a intenção de deslocar a discussão linguística para os termos que antecedem o nosso objeto de estudo (religião). Faremos isso com base em cinco dicionários: três dicionários com indicação etimológica dos termos e dois filosóficos. De uma maneira geral, encontramos as seguintes acepções para a palavra “definição” (Lat. definitionis): delimitação, daí definição; determinação, indicação precisa (Faria, 1956, p. 270). Outro dicionário, além de apontar essa noção de delimitação exata, estabelecimento de limites ou significação precisa, apresenta também o termo dentro da Linguística, que, neste caso, enuncia ou parafraseia “a acepção de uma palavra ou locução pela indicação de suas características genéricas e específicas, de sua finalidade, pela sua inclusão num determinado campo do conhecimento, etc.” (Houaiss, 2001, p. 926). Quanto à acepção da palavra “conceito” (Lat. conceptionis) temos o seguinte: ação de conter, reter; o que é contido, conteúdo (Saraiva, 2006, p. 266). Noutra fonte, significa a representação mental de um objeto abstrato ou concreto, “que se mostra como um instrumento fundamental do pensamento em sua tarefa de identificar, descrever e classificar os diferentes elementos e aspectos da realidade”. Na filosofia: “no aristotelismo, aponta a natureza essencial de alguma coisa, determinando desta maneira suas semelhanças e diferenças em relação a outras realidades”; na lógica: “operação linguística que busca a determinação clara e precisa de um conceito ou um objeto” (Houaiss, 2001, p. 783). Completando nossa investigação terminológica, recorremos a dois dicionários de filosofia. No primeiro deles, temos definição como “declaração da essência”, afirmando-se existir distintas formas de definição, correspondentes às diversas acepções de essência como: 1) declaração da essência substancial; 2) declaração da essência nominal; e 3) declaração da essência-significado. Em todos os casos, contudo, a definição declara a essência substancial de seu objeto (Abbagnano, 2007, p. 235). Para Japiassú; Marcondes, no entendimento científico, as definições são operativas. Desses mesmos autores, temos as acepções para a palavra conceito, que em geral, se relaciona a todo processo que torne REVER • São Paulo • v. 19 • n. 2 • mai/ago 2019 286 Nestor Figueiredo possível “a descrição, a classificação e a previsão dos objetos cognoscíveis”. Nessa acepção, o termo assume um significado generalíssimo “e pode incluir qualquer espécie de sinal ou procedimento semântico, seja qual for o objeto a que se refere, abstrato ou concreto, próximo ou distante, universal ou individual, etc.” (Abbagnano, 2007, p. 235). Além disso, o conceito não se refere, necessariamente a coisas ou fatos, podendo haver conceito de coisas inexistentes ou passadas, “cuja existência não é verificável nem tem um sentido específico”. A função primeira e fundamental do conceito é a mesma da linguagem, isto é, a comunicação (Abbagnano, 2007, p. 164). O filósofo Kant distingue dois conceitos: a) os conceitos a priori ou puros (as categorias do entendimento): conceito de unidade, de pluralidade, de causalidade, etc.; b) os conceitos a posteriori ou empíricos (noções gerais definindo classes de objetos). Termo chave em filosofia, o conceito designa uma ideia abstrata e geral sob a qual podemos unir diversos elementos (Japiassú; Marcondes, 2008, p. 69). Seguindo essa linha de raciocínio, a sugestão é que parece de fato haver uma diferença sutil entre estes termos (definição e conceito), talvez suficiente para uma reposição do problema. Ao afirmar uma definição de religião, haveria de imediato um compromisso ontológico, posto que a ideia seria delimitar; conter uma essência ou estrutura basilar, o que levaria a entendimentos substancialistas. Afinal, a palavra definição já pressupõe universalidade, como podemos observar na discussão filológica acima. Essa sua característica intrínseca talvez seja responsável pela maior parte das limitações impostas às definições de religião. Por outro lado, ao se propor uma definição do conceito de religião e não da religião, o peso de uma definição nos termos que a etimologia apresenta, recairia sobre a dimensão abstrata do termo conceito, apenas “apontando” para as objetivações empíricas (religiões), retirando, assim, qualquer compromisso com uma suposta essência radical e universal que não se pode concretamente verificar. Na verdade, o que se estaria universalizando (delimitando para todas as ocorrências empíricas) era o conceito do objeto (religião). Isso evitaria, pelo menos para o propósito de uma ciência desse objeto, discussões em torno dos problemas de uma definição de religião nos termos usualmente aplicados, que nos convida, como sugeriu Asad, a conferir substancialidade a um termo que, a rigor, não a tem. Portanto, definir religião é sempre problemático em função da grande variedade de entendimentos relacionados às suas expressões históricas, pluralizadas em religiões. No entanto, definir seu conceito é algo, pelo que se observou, diferente e perfeitamente possível para fins científicos, que é o nosso interesse aqui. Entretanto, uma tal tarefa, nos termos que ora se coloca, exigiria alguns critérios de validade que precisam ser observados e discutidos. Hans-Jürgen Greschat, na conhecida obra O que é ciência da religião? (2005 [1998]), numa pequena seção do primeiro capítulo intitulada “O termo ‘religião’: como a busca por ele torna-se cada vez menos promissora”, de certa forma, traz importantes observações nessa direção que parecem reforçar e esclarecer melhor esta necessidade de usar termos-chave de forma criteriosa, especialmente por se tratar de uma ciência. Apesar do tom pessimista do título da seção, o autor não deixa de estabelecer suas condições. Diz-nos logo de saída, num período curto e direto: “Mal-entendidos nascem de termos imprecisos”. Seguindo com a observação de que, ao contrário de cientistas exatos, os cientistas da religião quase nunca podem comunicar seus resultados como uma fórmula REVER • São Paulo • v. 19 • n. 2 • mai/ago 2019 Sobre a definição de religião: historiografia, críticas e possibilidades 287 ou um cálculo. Por isso se requer deles “palavras precisas” que, para Greschat, são os conceitos. Infelizmente, a maioria destes “não é de propriedade exclusiva dos cientistas da religião”, que compartilham seu vocabulário com cientistas de outras disciplinas (Greschat, 2005, pp. 19-20). Apesar de soar irônico para essa área de estudo, trata-se, na verdade, de uma paradoxal indigência conceitual. O autor chama a atenção para a inexistência de uma definição de religião que possua um resultado satisfatório. Para ele, os estudiosos não entram em consenso e os religiosos defendem seus próprios interesses. Por isso o determinismo da questão que formula; “Chegará o dia em que todos vão concordar com uma única definição? Isso é impossível”. Além do que, no sentido rigoroso da palavra, “não deveria existir Ciência da Religião enquanto não houvesse consenso sobre o significado do termo ‘religião’”. Mas por existirem exceções, essa disciplina existe (Greschat, 2005, p. 20). O que não deixa de soar, novamente, irônico. Se a Ciência da Religião não estabelece seus termos (conceito, método e teoria próprios), a ela restará aceitar o papel de exceção às regras, como bem observou Greschat. Diretrizes, aliás, apresentadas pelas disciplinas ditas “auxiliares”. Portanto, o primeiro passo em direção a uma autonomia efetiva dessa ciência; a uma existência que não seja uma exceção, seria, de fato, a definição do conceito de religião. Sobre isso, nosso autor afirma categoricamente: “Um determinado significado do termo ‘religião’ é como uma chave para a teoria que tem seu ponto de partida nesse termo”. Advertindo, contudo, que esse termo religião, da maneira como se encontra, “carregado por conteúdos múltiplos e até contraditórios”, não serve como expressão inequívoca, isto é, como conceito. Por outro lado, reconhece que uma palavra, nome ou conceito, “não é idêntico ao objeto a ser nomeado ou definido”. Assim, embora não possuir uma definição universal de religião seja um defeito, não é, contudo, uma catástrofe, tendo em vista que o objeto permanece. Restando apenas contentar-se com a qualidade de palavras inventadas ou a serem inventadas, que ao menos atingiria o objeto marginalmente (Greschat, 2005, p. 21). A Ciência da Religião enquanto disciplina efetivamente autônoma, portanto, precisa sair dessa condição de marginalidade em relação ao seu objeto e assumir seu protagonismo natural. Na obra Uma teoria da religião, Rodney Stark e William S. Bainbridge estabelecem pelo menos dois critérios de julgamento para a utilidade de um conceito. Assim, segundo os autores, os conceitos em relação a uma teoria são blocos de construção, pois, isolam e identificam fenômenos. Na verdade, são definições que “edificam categorias abstratas cuja função é delimitar uma classe de fenômenos semelhantes”. Os conceitos científicos podem ser avaliados não com base em ser ou não verdadeiros, mas ser ou não úteis, e esta utilidade deve ser observada a partir de dois critérios. Primeiramente, ser adequado à classificação. Isto quer dizer que sua definição deve possibilitar, de maneira objetiva, “a identificação de fenômenos específicos como pertencentes ou não à classe de coisas identificadas pelo conceito”. Exatamente por isso, por exemplo, um conceito útil de religião deveria tornar claro quais fenômenos são religiosos e quais não são. Seguindo essa linha de raciocínio, segundo os autores, a ciência requer que “coisas similares sejam agrupadas, não que busquemos demonstrar que nada é parecido” (Stark; Bainbridge; 2008, pp. 20-22). REVER • São Paulo • v. 19 • n. 2 • mai/ago 2019 288 Nestor Figueiredo O segundo critério que avalia a utilidade dos conceitos é sua fecundidade. Essa sua característica facilita o trabalho teórico, uma vez que aumenta o alcance, a precisão, a acuidade ou a simplicidade de uma teoria. Por exemplo, imagine-se uma definição de religião como “todos os sistemas de doutrina que reconheçam Jesus Cristo como Filho de Deus”. Para os autores, esta não é uma definição falsa, pois, todas seriam verdadeiras. Nem mesmo seria uma definição vaga, uma vez que permitiria uma classificação clara. A questão é: 1) teríamos dificuldades para aplicá-la aos fenômenos empíricos; e 2) forçaria a construção de uma teoria muito inferior; limitada ao que a definição circunscreveu, levando-nos, assim, à conclusão de que religião é um fenômeno relativamente recente. Ao que Stark; Bainbridge afirmam: “nós rejeitamos tal definição somente porque outras formulações do conceito de religião são mais férteis para a teorização”. Portanto, se alterar as definições dos conceitos resulta em teorias melhores, “então tais definições merecem ser alteradas”. Para os autores, esses dois critérios para a utilidade dos conceitos “são os únicos fundamentos sobre os quais é possível afirmar qual das inúmeras definições alternativas é a melhor” (Stark; Bainbridge; 2008, pp. 23-24). Considerações finais Após um percurso relativamente longo trilhado neste trabalho, em que pudemos acompanhar as dificuldades, impasses, tensões e divergências, assim como as possibilidades em torno da definição do conceito de religião, configurando-se como questão fundamental para a Ciência que estuda este objeto, neste derradeiro movimento, faremos algumas considerações reflexivas e também propositivas a partir, exatamente, desse itinerário apresentado por alguns textos representativos dessa discussão, que foram resenhados e colocados de certa maneira em diálogo. Ao trazer para o debate uma seleção de definições conhecidas, Carlo Prandi nos oferece em seu trabalho um rico e detalhado itinerário histórico, especialmente acerca da etimologia de religio/relegere, o que nos habilita verificar em que medida a definição autoproclamada superior e funcional proposta por Hanegraaff a partir, sobretudo, daquela apresentada por Geertz em 1966, pode ser questionada, também, com base nas restrições apresentadas pelos três críticos a que recorremos: Asad, Dix e Crawford, notadamente em relação a inviabilidade de definições universais que, geralmente, abrem caminho para o “trans-histórico”, ou aquelas comprometidas por contextos geográficos e de crenças específicas, não aplicáveis, portanto, à situação fora dessas molduras contingenciais. Vimos, contudo, que, como possibilidade para alcançar melhores resultados nessa área, devemos recorrer à via média sugerida por Prandi através do reconhecimento de uma relativa autonomia da religião. Capaz, inclusive, de diminuir consideravelmente a tensão entre radicais proposições funcionalistas e substancialistas. Por mais paradoxal que possa parecer, há muito na Escola Italiana de História das Religiões para ser discutido nessa direção, a começar por seu fundador Pettazzoni (1959), apesar (ou por meio) do método histórico-religioso. Algo que nessa mesma obra os autores Filoramo; Prandi, abordam criticamente. Contudo, a despeito desse nó epistemológico, uma solução para REVER • São Paulo • v. 19 • n. 2 • mai/ago 2019 Sobre a definição de religião: historiografia, críticas e possibilidades 289 a “equação f de x” não deveria prescindir de uma investigação linguística para o uso do termo religião, uma vez que, se quisermos avançar nessa questão, precisamos decidir se a palavra religião é ou não viável. Se sim, será preciso fazer a defesa do termo latino que se consolidou e hoje é largamente utilizado. Como podemos acompanhar etimologicamente, a palavra não possuía relação com o cristianismo. Somente depois é que o termo passaria por um processo de decantação ideológica. Portanto, é possível afirmar que o termo em sua gênese, isto é, religio como derivação de relegere, estava livre da carga ideológica a que foi submetido depois, sendo lícito usá-lo a partir desse entendimento primeiro, sobretudo se focarmos na ideia de algo preciso, correto e, especialmente, escrupuloso, qualidades estas, exigidas por uma palavra cientificamente mais denotada do que conotada. Isto porque seria muito contraproducente rejeitar o termo religião em prol de outra solução lexical supostamente “mais precisa, correta e escrupulosa”. Deve reforçar esse entendimento, o fato de que a acepção original, religio/relegere esvazia qualquer dimensão essencialista, configurando-se mais dentro de um entendimento operativo, e, portanto, mais bem situado no campo científico, de procedimento correto, preciso e, sobretudo, repetitivo. Em outros termos: pura metodologia científica. Por isso, entendemos que, se por um lado Lactâncio subverteu e corrompeu o significado de religio em direção a religare, segundo Prandi, procurando “depurar” o termo latino “das escórias do ritualismo pagão para fazê-lo assumir a dignidade de representar o aspecto de dependência que caracterizava, segundo a nova religião, a relação entre a criatura e o criador” (Filoramo; Prandi, 2010, p. 256), por outro, caberia ao cientista da religião descristianizá-lo por completo dentro de um processo de reversão semântica, justificando etimologicamente o uso de religião a partir daquele contexto e sentido original restituído, cujo significado estaria mais bem relacionado a uma ideia de ciência, e mais distanciado daquela concepção impingida por Lactâncio. De certa forma, isso é sugerido por Silveira; Moraes Jr. em A dimensão teórica dos estudos da religião, em que propõe uma (des)conceitualização tanto do objeto (religião) quanto do sujeito (do conhecimento), capaz de identificar e problematizar “as muitas camadas de significado depositados ao longo do tempo e da história sobre o sujeito e o objeto das Ciências da Religião”, para, em seguida, pós conceituá-lo (Silveira; Moraes Jr., 2017, p. 92). No entanto, mesmo se aceito esse procedimento de arqueologia linguística, ainda seria necessário resolver o problema da carga eurocêntrica e de colonialismo semântico, atribuídos ao uso da palavra religião em contextos fora da Europa, e mais amplamente, fora das tradições ocidentais (Asad, 2010; Dix, 2007). A solução anterior, em certa medida, já contém o antídoto, uma vez que a própria definição do conceito, a partir de um campo estritamente científico, com uma linguagem depurada das fontes do próprio objeto empírico (linguagem confessional, teológica ou fenomenológica), esvaziaria boa parte dessas interpretações, restando apenas o necessário resíduo cultural para que se mantenha sua constituição histórica, afinal. Evitando, também, novas acusações como nominalismo, idealismo, neopositivismo e outros que tais. Uma vez superada a questão do termo, restaria aprofundar a investigação em torno daquela diferença sutil entre definição e conceito, especialmente com base numa discussão filológica e também filosófica. REVER • São Paulo • v. 19 • n. 2 • mai/ago 2019 290 Nestor Figueiredo Se corroborada, as vantagens de fazer uma opção pela definição do conceito de religião e não pela definição da religião poderiam ser significativas. Em decorrência dessas observações, poder-se-ia sugerir que os termos definição e conceito usados em conjunto parece funcionar melhor do que usados separadamente em relação à palavra religião. Assim, definir o conceito de religião não seria o mesmo que definir a religião, uma vez que neste último caso, o termo religião imporia ou pressuporia uma substância já de saída, em função de seus compromissos linguísticos e filosóficos, enquanto definir o conceito não implicaria esses problemas. Isto porque daríamos a substância pressuposta pelo termo “definição” apenas ao termo “conceito”, isto é, esse termo conteria uma substância (um conteúdo) empiricamente verificável, ou seja, exatamente o conjunto das manifestações religiosas. Nesse sentido abstrato de definição do conceito, religião seria apenas uma categoria do entendimento que visa a compreensão dos fenômenos empíricos, os quais lhes dão substância, realidade, concretude. Portanto, o termo “religião” não tem realidade ou substância própria alguma. É a definição do conceito que dá sentido ao termo religião, tratando-se, pois, de uma categoria analítica funcional e abstrata, porém, necessária para entendermos a própria realidade empírica. Em resumo: a definição apresenta-se como um descritor do conceito, que por sua vez procura reter de forma abstrata, própria do pensamento, um determinado conteúdo empírico, próprio da realidade física. Por isso usar esse descritor (definição) diretamente ao objeto religião causa tantos problemas, pelo simples fato de não ser possível descrever, de forma precisa e delimitadora, a religião como objeto empírico (como exige uma definição), dado o seu aspecto intrinsecamente contingencial na história. A religião empiricamente verificável é um objeto variável. Contudo, o seu conceito não o é, pois, segue os princípios rígidos da lógica. Assim, é na lógica que os problemas envolvendo o significado de religião parecem se resolver. Para um cientista desse objeto, isso deveria bastar. Estes arrazoados não estariam distantes daquilo que tanto Greschat e os autores Stark; Bainbridge apresentaram nos extratos aqui reproduzidos. Basta lembrar a necessária precisão conceitual, bem como sua utilidade tanto para a classificação de fenômenos quanto para a fecundação do substrato teórico, imprescindível aos estudos que pretendem desenvolver uma abordagem científica acerca da religião. Aliás, esse é um aspecto fundamental que deve estar presente em toda essa discussão. Não foi sem razão que Hanegraaff iniciou seu texto declarando que sem essa perspectiva conceitual, ainda que minimamente colocada, o estudo da religião seria incapaz de definir e demarcar seu próprio objeto, podendo, em consequência, se diluir nas especializações que procuram dar conta de aspectos que não se sabe bem ao certo se é religioso ou não. Como diria Steven Engler, professor de Ciência da Religião (Mount Royal College, Calgary, Alberta, Canadá), a propósito da pouca incidência de estudos comparativos entre as religiões, corroborando o alerta de Hanegraaff: “afinal, nem o significado da palavra ‘religião’ é evidente” (Engler, 2004, p. 28). Portanto, a partir do aporte teórico aqui trabalhado, entendemos que algumas condições mínimas devem ser observadas para uma definição do conceito de religião. Nessa direção, destacamos: 1) Atendimento aos critérios de utilidade estabelecidos por Stark; Bainbridge (2008), isto é, conceitos fecundos e adequados à identificação de REVER • São Paulo • v. 19 • n. 2 • mai/ago 2019 Sobre a definição de religião: historiografia, críticas e possibilidades 291 fenômenos específicos como pertencentes ou não à classe de coisas identificadas pelo conceito; 2) Uma metalinguagem que seja claramente distinta da linguagem dos objetos, isto é, da linguagem de suas fontes (“sagrado”, p. ex.), como sugeriu Carsten Colpe, acadêmico alemão, professor de história da religião (Colpe, 1974, apud Hock, 2010), e finalmente, a mais tensa e problemática, 3) Articulação entre as dimensões empírica e metaempírica presentes nesse mesmo objeto, ou como colocou Hanegraaff, entre “o mundo cotidiano e um quadro metaempírico mais geral de significados” (2017, p. 239). Tratando-se, aqui, de fato, daquela via média sugerida por Carlo Prandi (2010), exatamente pela necessidade de se reconhecer a autonomia relativa da religião, ou sua lógica própria, sob pena de reducionismo e entrincheiramento acadêmico. No entanto, enquanto a Ciência da Religião, entendida como disciplina efetivamente independente, continuar renunciando à definição do conceito de religião, transferindo para outras áreas essa responsabilidade, que é sua em função de seu objeto, ela estará abdicando também de um espaço teórico-metodológico e epistemológico próprio, tendo que se contentar com o que lhe é apresentado, cabendo tão somente administrar conflitos e interesses de pesquisas os mais diversos, na tentativa de harmonizar ou integrar uma rede de métodos e teorias de diversas disciplinas, estranhamente chamadas de auxiliares, sem, contudo, haver qualquer disciplina principal propriamente dita. Nesse sentido, a Ciência da Religião ainda é virtual, e embora esteja em busca de uma existência efetiva e independe, o que há de fato são as Ciências empíricas da religião29, um consórcio de disciplinas, todas provenientes como subáreas de seus troncos originais, que juntas estudam a religião em sua dimensão empírica. Por outro lado, se vislumbrarmos um cenário diferente daquele do pessimismo determinista defendido por alguns autores, vaticinando, inclusive, a impossibilidade da definição de um conceito satisfatório, devemos então envidar esforços acadêmicos concretos no sentido de criar condições favoráveis para uma definição do conceito de religião válido e suficiente, capaz de prover um terreno fértil para o surgimento tanto de um método próprio quanto de suas primeiras teorias decorrentes (Greschat, 2005; Stark; Bainbridge, 2008), a partir de uma Ciência da Religião como área do conhecimento efetiva e independente, tanto pronta a desvelar uma direção (e não a direção) pautada em prerrogativas científicas, quanto apta a fecundar teoricamente os estudos que procuram lidar direta ou indiretamente com este objeto. Um desafio e tanto. Certamente menos misterioso em seu processo, mas ainda assim tremendo e fascinante. Referências ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 5. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. 29 As “Ciências da Religião”, nome oficial da disciplina no Brasil, com sua autonomia administrativa, subdividem-se em quatro subáreas: Ciência da Religião aplicada; Ciências da Linguagem Religiosa; Ciências Empíricas da Religião e Epistemologia das Ciências da Religião. Esta área, com a Teologia, código 44, surgiu com a Portaria CAPES 174/2016, publicada no DOU de 13 de outubro de 2016, redesignada pela Resolução n.º 01, de 04 de abril de 2017, publicada no Boletim de Serviço/CAPES – Edição Especial n.º 1 - abril 2017. REVER • São Paulo • v. 19 • n. 2 • mai/ago 2019 292 Nestor Figueiredo AGNOLIN, Adone. História das religiões: perspectiva histórico-comparativa. São Paulo: Paulinas, 2013. ARNAL, William; McCUTCHEON, Russell T. The sacred is the profane: the political nature of “religion.” Oxford; New York: Oxford University Press, 2013. ASAD, Talal. A construção da religião como uma categoria antropológica. Trad. de REINHARDT, Bruno; DULLO, Eduardo. 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