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LITERACIA EM SAÚDE NA PRÁTICA TÍTULO: LITERACIA EM SAÚDE NA PRÁTICA EDITORES: CARLOS LOPES / CRISTINA VAZ DE ALMEIDA REVISÃO EDITORIAL: SOFIA AMADOR / MARIA DA LUZ ANTUNES © ISPA, CRL RUA JARDIM DO TABACO, 34 • 1149-041 LISBOA 1ª EDIÇÃO: DEZEMBRO DE 2019 COMPOSIÇÃO: ISPA – INSTITUTO UNIVERSITÁRIO ISBN: 978-989-8384-57-7 LITERACIA EM SAÚDE NA PRÁTICA COORDENADORES: Carlos Lopes Cristina Vaz de Almeida Edições ISPA 2019 ÍNDICE Lista de autores 9 Prefácio Capacitação dos profissionais de saúde para uma melhor Literacia em Saúde do cidadão Miguel Telo de Arriaga 11 Introdução Carlos Lopes / Cristina Vaz de Almeida 17 I. PERSPETIVAS EM LITERACIA EM SAÚDE Uma visão para a Literacia em Saúde na Europa Kristine Sørensen 27 Reflexões de um médico de família a propósito do curso de pós-graduação em Literacia em Saúde: Modelos, estratégias e intervenção José Mendes Nunes 33 Modelo de comunicação em saúde ACP: As competências de comunicação no cerne de uma Literacia em Saúde transversal, holística e prática Cristina Vaz de Almeida 43 II. LITERACIA EM SAÚDE NA PRÁTICA Melhorar a Literacia em Saúde: Checklist para a gestão da obesidade em adultos, em cuidados de saúde primários José Feliz / Marisa Brito / Patrícia Rodrigues 55 Literacia em Saúde do sono de crianças em idade pré-escolar: Instrumentos facilitadores no aumento das competências parentais Cristiana de Jesus / Joana Luís da Conceição / Susana Espadaneira 75 Promoção da Literacia em Saúde através dos media Cecília Nunes / Marta Barroca / Paula Marino 97 Literacia em Saúde – A segurança no comunicar: Um instrumento de orientação pedagógica para profissionais de saúde Ana Sofia Lopes / Beatriz Filipe / Sandra Laia Esteves 119 As salas de espera em unidades públicas de saúde e a sua potencialidade na promoção de Literacia em Saúde Sara Henriques / Diana Pinheiro / Patrícia Martins 149 Inovação em ambiente de sala de espera Ana Quintela / Carina Monteiro / Maria Inês Madureira 185 7 Lista de Autores Ana Quintela | Santa Casa da Misericórdia, Braga Ana Sofia Lopes | USF Baixa Beatriz Filipe | Psicóloga, Angola Carina Monteiro | FMUC – Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra Carlos Lopes | ISPA – Instituto Universitário Cecília Nunes | PRA Health Sciences Cristiana de Jesus | UCSP Alcácer do Sal Cristina Vaz de Almeida | Santa Casa da Misericórdia de Lisboa Diana Pinheiro | Escola de Medicina Tradicional Chinesa Joana Luís da Conceição | Diaverum Renal Services José Feliz | USF Cuidar Saúde José Mendes Nunes | NOVA Medical School Kristine Sørensen | Global Health Literacy Academy Maria Inês Madureira | ARS Alentejo Marisa Brito | USF Ribeira Nova Marta Barroca | USF Gago Coutinho Miguel Telo de Arriaga | Direção-Geral da Saúde Patrícia Martins | USP Arnaldo Sampaio Patrícia Rodrigues | Faculdade de Medicina Dentária de Lisboa Paula Marino | UCC Estremoz Sandra Laia Esteves | ARS Lisboa e Vale do Tejo Sara Henriques | CICANT – Centro de Investigação em Comunicação Aplicada, Cultura e Novas Tecnologias Susana Espadaneira | Liga Portuguesa Contra o Cancro 9 PREFÁCIO Capacitação dos profissionais de saúde para uma melhor Literacia em Saúde do cidadão Miguel Telo de Arriaga O termo Literacia em Saúde foi utilizado, pela primeira vez, no contexto da educação para a saúde, na década de 1970, com o estabelecimento das competências mínimas de Literacia em Saúde em contexto escolar. Desde então, a evolução deste constructo tem vindo a conquistar, progressivamente, importância e impacto significativos nas abordagens em saúde. De acordo com o European Health Literacy Consortium (World Health Organization, 2013), a Literacia em Saúde está ligada à literacia e implica o conhecimento, a motivação e as competências das pessoas para aceder, compreender, avaliar e aplicar informação em saúde de forma a formar juízos e tomar decisões no quotidiano sobre cuidados de saúde, prevenção de doenças e promoção da saúde, para manter ou melhorar a qualidade de vida durante o ciclo de vida. Desenvolver competências e capacidades de Literacia em Saúde é um processo que se estende ao longo da vida. Mesmo pessoas com altos níveis educacionais podem ter dificuldade em lidar com o Sistema de Saúde, nomeadamente, quando uma condição de saúde os pode tornar mais vulneráveis. Atualmente, o aumento dos níveis de Literacia em Saúde na população apresenta-se como estratégico e crucial, como forma de otimizar a qualidade de vida e o bem-estar da população e como um desígnio da Saúde Pública em Portugal e na Europa. A promoção da Literacia em Saúde está principalmente relacionada com o desenvolvimento de competências pessoais, visando o controlo que cada pessoa tem sobre a sua saúde, bem como o aumento da sua capacidade para procurar informação e assumir responsabilidades 11 (Kickbusch, 2008; Kickbusch, Wait, & Maag, 2005). Tal contribui, sem dúvida, para um acréscimo do seu bem-estar e da sua qualidade de vida. Numa análise comparativa dos níveis de Literacia em Saúde na Europa (Espanha, Ávila, & Mendes, 2016), no que concerne à Literacia em Saúde no âmbito da prevenção da doença os valores revelam que 42,8% dos inquiridos tem limitações na sua Literacia em Saúde relacionada com a prevenção da doença. Portugal, reunindo valores que posicionam o país abaixo dos apresentados para o conjunto dos países participantes no estudo europeu, apresenta um valor de aproximadamente 49% dos inquiridos com níveis de literacia “inadequado” ou “problemático”, apresentando os restantes valores “suficientes” (42,4%) e “excelentes” (8,6%) de Literacia em Saúde. Estes valores reforçam a necessidade de apoiar e promover o aumento dos níveis de Literacia em Saúde da população portuguesa, sendo esta uma oportunidade estratégica de ganhos em saúde, numa verdadeira abordagem de health in all policies. Vários estudos desenvolvidos ao longo dos anos revelam que populações com níveis mais elevados de Literacia em Saúde evidenciam um conjunto de indicadores positivos, como: melhor utilização dos serviços de saúde (Tuijnman, 2000), participação ativa e informada nos cuidados de saúde, diminuição dos gastos com a saúde, redução das desigualdades em saúde e melhores resultados de saúde, assim como o aumento do bem-estar. Importa a adequação de um planeamento estratégico que permita a aposta da promoção da literacia nas populações, mas também nos profissionais de saúde, permitindo desta forma uma abordagem consistente e compreensiva, que incorpora a literacia nos sistemas e políticas de saúde, já que pessoas motivadas e confiantes na sua capacidade de usar os seus conhecimentos e habilidades são mais propensas a serem participantes ativas na manutenção e na melhoria da sua saúde (Smith, Curtis, Wardle, von Wagner, & Wolf, 2013). Pensar em Literacia em Saúde significa pensar o percurso de vida da pessoa, numa abordagem multissetorial, onde as políticas de saúde 12 devem ser integradas e responder às necessidades das pessoas de forma estratégica e oportunista, adequadas ao setting e estadio de desenvolvimento. A abordagem por objetivos e medidas estratégicas terá como tónica a adoção de comportamentos promotores de saúde, considerando na sua intervenção quatro dimensões principais, nomeadamente: o nível individual, a comunidade, os sistemas e políticas de saúde, e a multiliteracia. Todas estas devem ser consideradas de forma integrada aquando da definição de estratégias de otimização da Literacia em Saúde. Os profissionais de saúde desempenham um papel central como promotores e ativadores da Literacia em Saúde, nos seus diferentes contextos de intervenção e interação: profissional de saúde – pessoa e profissional de saúde – população. Importa apresentar um conjunto de medidas e procedimentos, a adequar por parte dos profissionais, que se pode constituir como boa prática na sua intervenção. Importará então: – Simplificar a comunicação e confirmar a compreensão, por forma a mitigar o risco de falhas de comunicação; – Adequar as medidas que permitam tornar a navegabilidade no Sistema Nacional de Saúde clara e de fácil compreensão; – Apoiar os esforços das pessoas na adoção de um estilo de vida saudável. Conjuntamente com as medidas apresentadas surge a necessidade de aposta no processo de ativação da pessoa por parte do profissional de saúde, permitindo desta forma que, aquando do momento de tomada de decisão crítica, a informação disponível seja utilizada para a adoção de um comportamento salutogénico. A simples adaptação da linguagem ao nível de Literacia em Saúde de uma pessoa pode configurar uma oportunidade perdida para a ativar, dotando-a da informação necessária, mas não obrigatoriamente do mindset para a alteração comportamental (Hibbard & Gilburt, 2014). 13 Alguns autores estratificam o processo de ativação em quatro níveis, sendo que níveis mais elevados de ativação estão associados a uma participação mais ativa e a uma melhor compreensão holística da saúde (Hibbard & Gilburt, 2014). Por forma a otimizar a ativação, o profissional de saúde deve, na sua interação com a pessoa, apresentar uma linguagem acessível, assertiva, clara e positiva; ter um grande envolvimento; promover uma relação terapêutica; ter controlo sobre a mensagem; ser uma fonte de informação confiável e fidedigna e afirmar-se como pólo comunicativo dinâmico e pró-ativo. A Literacia em Saúde apresenta-se como uma área de intervenção estratégica da Saúde Pública em Portugal. Depende da interação alargada de diferentes stakeholders, mas tem na intervenção dos profissionais de saúde a sua melhor e mais sustentada ferramenta de promoção. O propósito é comum a todos, i.e., promover ganhos na saúde e o bem-estar da população portuguesa. Referências Espanha, R., Ávila, P., & Mendes, R. V. (2016). Literacia em saúde em Portugal: Relatório síntese. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. Hibbard, J. H., & Gilburt, H. (2014). Supporting people to manage their health: An introduction to patient activation. London: King’s Fund. Kickbusch, I. (2008). Healthy societies: Addressing 21st century health challenges. Adelaide: Department of the Premier and Cabinet. Retrieved from: http://www.ilonakickbusch.com/kickbusch-wAssets/docs/Kickbusch _Final_Report.pdf Kickbusch, I., Wait, S., & Maag, D. (2005). Navigating health: The role of health literacy. Alliance for health and the future. London: International Longevity Centre. Retrieved from: https://ilcuk.org.uk/navigating-healththe-role-of-health-literacy/# 14 Smith, S. G., Curtis, L. M., Wardle, J., von Wagner, C., & Wolf, M. S. (2013). Skill set or mind set? Associations between health literacy, patient activation and health. PLoS One, 8(9), e74373. Tuijnman, A. (2000). International adult literacy survey. Benchmarking adult literacy in America: An international comparative study. Ottawa, Ontario: Statistics Canada. Retrieved from: www.statcan.ca/english/freepub/89572-XIE/89-572-XIE1998001.pdf World Health Organization. (2013). Health literacy: The solid facts. Copenhagen: Author. Como citar? Arriaga, M. T. (2019). Prefácio. Capacitação dos profissionais de saúde para uma melhor literacia em saúde do cidadão. In C. Lopes & C. V. Almeida (Coords.), Literacia em saúde na prática (pp. 11-15). Lisboa: Edições ISPA [ebook]. 15 INTRODUÇÃO Carlos Lopes / Cristina Vaz de Almeida I A Organização Mundial da Saúde (OMS) define literacia em saúde como o conjunto de competências cognitivas e sociais e a capacidade da pessoa para aceder, compreender e utilizar informação por forma a promover e a manter uma boa saúde. A literacia em saúde implica o conhecimento, a motivação e as competências das pessoas para aceder, compreender, avaliar e aplicar informação em saúde de forma a formar juízos e tomar decisões no quotidiano sobre cuidados de saúde, prevenção de doenças e promoção da saúde, mantendo ou melhorando a sua qualidade de vida durante todo o ciclo de vida. A promoção da literacia em saúde, junto das pessoas, das comunidades e das organizações, constitui-se como uma importante oportunidade e desafio da saúde pública (WHO, 1998). A literacia em saúde tem vindo a ganhar reconhecimento no panorama nacional e internacional como um fator de impacto nos ganhos em saúde das populações, sendo Portugal, hoje, uma referência internacional neste sentido (ver também Antunes & Lopes, 2018). A Direção-Geral da Saúde (2019b) apresentou o Plano de Ação para a Literacia em Saúde, 2019-2021, que pretende definir uma abordagem ao longo do ciclo de vida, intergeracional, promovendo as escolhas informadas dos cidadãos. Mais recentemente, a publicação Manual de Boas Práticas Literacia em Saúde: Capacitação dos profissionais de saúde editada pela Direção-Geral da Saúde (2019a), assinala um decisivo passo de afirmação da literacia em saúde no nosso país. Ambos os documentos visam a capacitação dos profissionais de saúde na melhoria dos níveis de literacia em saúde e na promoção do 17 espírito crítico das pessoas face às suas decisões de saúde, representando um desafio de saúde pública em Portugal. II A formação nesta área apresenta-se como estratégica para contribuir para a melhoria da educação para a saúde, literacia e autocuidados da população, promovendo a cidadania em saúde, tornando as pessoas mais autónomas e responsáveis em relação à sua saúde, à saúde dos que delas dependem e à da sua comunidade. Foi neste contexto que nasceu a Pós-Graduação em Literacia em Saúde: Modelos, Estratégias e Intervenção, organizada pela Formação Avançada do ISPA-Instituto Universitário. Esta pós-graduação tem como objetivo capacitar, desenvolver e aprofundar os conhecimentos dos profissionais nesta área emergente, atualmente integrada no Programa Nacional de Saúde. Esta especialização visa proporcionar aos participantes uma compreensão analítica da diversidade de soluções existentes para o desenvolvimento da literacia em saúde em Portugal, dotando-os de um conjunto de competências e conhecimentos e de instrumentos e ferramentas para aplicação e adaptação às situações específicas em saúde. Procura trabalhar e aplicar novos saberes, novas técnicas para uma mais eficaz mediação na gestão de conflitos em saúde; técnicas mais adequadas para melhorar os processos de comunicação entre os vários intervenientes na saúde, seja entre os profissionais e estes e o doente, nomeadamente nas questões da segurança em saúde, seja em organizações públicas ou privadas e intra e entre equipas de trabalho multiprofissionais. São abordados os processos fundamentais do comportamento humano subjacentes aos processos de aprendizagem e de compreensão 18 tanto do indivíduo como do coletivo, fulcrais do bem-estar e da qualidade de vida. Permite, de forma inequívoca, uma estruturada capacitação do profissional da área da saúde. Esta formação pós-graduada tem por base uma visão holística da relação humana, através de um plano de estudos com um caráter interdisciplinar, beneficiando de conceitos, modelos, teorias e técnicas de diferentes áreas científicas. Em paralelo, enfatiza uma aprendizagem experiencial, ativa e aberta ao espaço relacional, assente nos seguintes objetivos: – Capacitar e envolver, influenciar e apoiar decisões em saúde; – Desenvolver competências para a elaboração de planos e projetos em saúde que promovam a literacia em saúde; – Desenvolver ações de promoção de estilos de vida saudável; – Desenvolver competências na mediação e gestão de conflitos; – Fomentar as aptidões e técnicas que promovam a mudança de atitudes e comportamentos em saúde; – Desenvolver competências e estratégias comunicacionais e de informação para melhoria da literacia em saúde do cidadão; – Propor soluções de maior interatividade e competências digitais que promovam uma maior literacia em saúde. III O livro Literacia da Saúde na Prática, em formato de ebook, nasceu como resultado dos trabalhos apresentados no 1.º Encontro em Literacia em Saúde: Modelos, Estratégias, Intervenção, realizado no ISPA – Instituto Universitário, no dia 7 de julho de 2018, organizado pela direção da Pós-Graduação em Literacia em Saúde, do ISPA – Formação Avançada. Participaram neste evento o Professor Miguel Telo de Arriaga, Chefe de Divisão de Literacia, Saúde e Bem-Estar (Direção-Geral da Saúde) e todos os profissionais de saúde que frequentaram esta especialização. 19 Este ebook, editado pelo Centro de Edições do ISPA, procura testemunhar a importância da prática em literacia em saúde. É constituído por duas partes. A primeira composta por um conjunto de textos que visam apresentar as novas perspetivas da literacia em saúde em contexto nacional e internacional. A segunda parte apresenta um conjunto de projetos aplicados que focam diferentes competências a desenvolver em literacia em saúde, nomeadamente: – Adquirir, desenvolver e consolidar competências nas metodologias e técnicas de avaliação em literacia em saúde; – Implementação nas organizações de programas de literacia em saúde, através de metodologias que permitam a conceção, elaboração, monitorização e avaliação de planos de ação; – Desenvolver técnicas de linguagem assertiva e comportamento positivo para mudar comportamentos e atitudes; – Potenciar o empowerment do cidadão, nomeadamente nas competências digitais e contribuir para melhorar a educação para a saúde; – Desenvolver estratégias de comunicação e informação em saúde para conseguir maior adesão terapêutica com doentes; – Desenvolver técnicas para melhorar o relacionamento entre profissionais de saúde; – Desenvolver competências para tornar exequíveis as orientações do Programa Nacional de Saúde, em particular o reforço do papel do cidadão e as estratégias de ativação do cuidador informal. Recordando as palavras da Professora Isabel Loureiro, no seu editorial publicado na Revista Portuguesa de Saúde Pública (2015), a literacia em saúde “requer o envolvimento de todos os setores na co-construção da saúde, melhorando as competências dos cidadãos para lidarem com a sua saúde e com o sistema de saúde, melhorando as condições para um bom desempenho escolar e profissional, melhorando a qualidade de vida e contribuindo para a transformação da sociedade, nomeadamente eliminando as iniquidade” (p. 2). Como nos alertou Francisco George (2019) ao questionar-nos: 20 – Como podem as medidas de saúde pública garantir a componente preventiva de conservação da saúde, em condições de sustentabilidade e igualdade social? – Estará Portugal preparado para responder de forma planeada e rápida a novos cenários de crise na saúde? Numa obra recente, International Handbook of Health Literacy: Research practice and policy across the lifespan, Sørensen (2019) refere tratar-se de uma responsabilidade desafiadora para os profissionais de saúde integrar a literacia em saúde do cidadão como parte dos cuidados de saúde centrados nas pessoas. Trabalhar num sistema de saúde que está sob pressão financeira e se concentra nos custos dos serviços, e não nos custos humanos, exige novas perspetivas sobre como trabalhar com os doentes e as pessoas na sociedade em geral. As novas perspetivas incluem assumir a liderança para mudar o status quo; conhecer o objetivo e a escala do impacto da literacia em saúde na vida das pessoas; ser capaz de definir a direção da mudança; reconhecer a importância do diálogo e de como a comunicação e a cultura estão interligadas; e, finalmente, integrar a dignidade humana como ponto de partida e de compromisso dos profissionais de saúde em garantir o bem-estar aos doentes e ao público em geral. A literacia em saúde é uma competência profissional crucial para a saúde no século XXI. É evidente, mensurável, viável e pode fazer a diferença para as pessoas, comunidades e sociedades. É relevante para todos os profissionais envolvidos com a finalidade de melhorar a vida de outras pessoas (Sørensen, 2019). IV Um livro com esta temática tem uma dívida inestimável para com os profissionais da saúde, docentes, investigadores, estudantes e amigos (muitos dos quais se enquadram nestas categorias) que influenciaram 21 e ajudaram os autores. Gostaríamos, em especial, de agradecer o apoio, assim como a todos aqueles que participaram na elaboração desta obra, partilhando connosco os seus saberes, aos profissionais que contribuíram para a edição deste livro e aos seus autores. Agradecemos ao Professor Miguel Telo de Arriaga (Direção-Geral da Saúde), a disponibilidade para escrever o prólogo desta obra, assim como os contributos inestimáveis dos Professores Kristine Sørensen (Global Health Literacy) e José Mendes Nunes (NOVA Medical School). A revisão de um livro é sempre uma tarefa árdua e de concentração máxima. Gostaríamos de agradecer à Dra. Sofia Amador e à Mestre Maria da Luz Antunes, pela sua disponibilidade e rigor na revisão do manuscrito. Agradecemos ao Professor José Carvalho Teixeira, Diretor do ISPA – Formação Avançada e ao Centro de Edições do ISPA – Instituto Universitário todo o estímulo e suporte na realização desta publicação em formato de ebook. Por fim, um agradecimento especial aos nossos Formandos-Autores desta obra: Ana Carina Monteiro, Ana Quintela, Ana Sofia Lopes, Beatriz Filipe, Cecília Nunes, Cristiana de Jesus, Diana Pinheiro, Joana Conceição, José Manuel Feliz, Maria Inês Madureira, Marisa Bermudez Brito, Marta Alexandra Barroca, Patrícia Martins, Patrícia Marques Rodrigues, Paula Marino, Sandra Cristina Esteves, Sara Henriques Vaquinhas e Susana Margarida Espadaneira – especialistas pioneiros na afirmação da literacia em saúde em Portugal. O nosso profundo agradecimento. Os Coordenadores Lisboa, dezembro de 2019 22 Referências Antunes, M. L., & Lopes, C. (2018). Contributos da literacia em saúde para a promoção e racionalização de custos na saúde. In C. Lopes & C. V. Almeida (Coords.), Literacia em saúde: Modelos, estratégias e intervenção (pp. 43-63). Lisboa: Edições ISPA. Direção-Geral da Saúde. (2019a). Manual de boas práticas literacia em saúde: Capacitação dos profissionais de saúde. Lisboa: Autor. Direção-Geral da Saúde. (2019b). Plano de ação para a literacia em saúde, 2019-2021. Lisboa: Autor. George, F. (2019). Prevenir doenças e conservar a saúde. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos. Loureiro, I. (2015). A literacia em saúde, as políticas e a participação do cidadão. Revista Portuguesa de Saúde Pública, 33(1), 1-2. Sørensen, K. (2019). Defining health literacy: Exploring differences and commonalities. In O. Okan, U. Bauer, D. Levin-Zamir, P. Pinheiro, & K. Sørensen (Eds.), International handbook of health literacy: Research practice and policy across the lifespan (pp. 5-20). London: Policy Press. World Health Organization [WHO]. (1998). Health promotion glossary. Geneva: Author. Como citar? Lopes, C. A., & Almeida, C. V. (2019). Introdução. In C. Lopes & C. V. Almeida (Coords.), Literacia em saúde na prática (pp. 17-23). Lisboa: Edições ISPA. [ebook]. 23 PARTE I Perspetivas em Literacia em Saúde UMA VISÃO PARA A LITERACIA EM SAÚDE NA EUROPA Kristine Sørensen Há mais de uma década, quando comecei a minha jornada sobre literacia em saúde, estava “em branco” sobre o assunto. Eu nunca tinha ouvido falar sobre literacia em saúde e não conseguia entender completamente o que era, até quando me pediram em 2009 para coordenar o novo Projeto Europeu de Literacia em Saúde, apoiado pela Comissão Europeia. No entanto, ao ler a literatura científica sobre o assunto, imediatamente me despertou o interesse, pois claramente este tema acrescentou valor à minha formação profissional em medicina, saúde pública e diplomacia em saúde global. A literacia em saúde é uma questão transversal, que abrange desde os cuidados com a saúde à prevenção de doenças, até à promoção e proteção da saúde. Pode ser estudada tanto em níveis individuais e populacionais como em níveis local e global. A literacia em saúde prolonga a vida útil e é extensível a uma variedade de doenças e temas relacionados com a saúde. Parece abstrato, mas é tangível. É evidente e pode ser medida. É viável e uma inspiração para melhorar o bem-estar público. A literacia em saúde é importante para todos nós quando estamos doentes, quando estamos em risco e quando tentamos permanecer saudáveis. Essencialmente, a nossa revisão de literatura sobre as definições existentes, revelou que a literacia em saúde está ligada à literacia e envolve o conhecimento, a motivação e as competências para aceder, entender, avaliar e aplicar a informação para formar julgamentos e tomar decisões sobre cuidados com a saúde, prevenção de doenças e promoção da saúde na vida quotidiana, assim como manter e melhorar a qualidade de vida durante o curso da vida (Sørensen et al., 2012). Na nossa tentativa de fazermos o levantamento da literacia em saúde na Europa efetuámos uma pesquisa sobre a literacia em saúde em oito países europeus, estabelecemos grupos de interesse nacionais e fundámos uma rede europeia em literacia em saúde chamada Health 27 Literacy Europe. Olhando para trás, vejo que se desenvolveu uma comunidade vibrante de literacia em saúde, envolvendo diferentes partes interessadas em muitos países europeus. Anteriormente, a literacia em saúde era um tópico para poucos e agora é um tópico que envolve muitos. Em relação à literacia em saúde, acredito que estamos à beira de formar um novo movimento social global que pode transformar sistemas e sociedades de saúde (Sørensen, 2018). Para surpresa, o European Health Literacy Survey revelou que a literacia em saúde limitada era uma disparidade negligenciada na saúde pública na Europa. Entre um a dois terços da população inquirida foi desafiada relativamente ao acesso, entendimento, avaliação e aplicação da informação para gerir a saúde na vida diária. Além disso, os resultados da investigação mostraram um forte gradiente social, indicando que os grupos vulneráveis estavam em situação ainda mais frágil, como os idosos, as minorias e pessoas com baixo status socioeconómico (Sørensen et al., 2015). Acreditando que os Estados-membro da UE estão a construir valores de bem-estar em apoio aos sistemas de saúde e aos sistemas educacionais em prol de uma vida adequada para todos, os resultados da investigação sobre literacia em saúde questionam a progressão e o sucesso dos nossos objetivos. Como resposta em alguns países, foram desenvolvidas algumas ações políticas para colmatar as lacunas. Na Áustria decidiu-se que a literacia em saúde era uma das dez metas nacionais de saúde e, com isso, recebeu a maior prioridade na agenda nacional de saúde (Bundesministerium für Gesundheit, 2013). Na Alemanha, o Ministério da Saúde lançou um novo plano de ação nacional sobre literacia em saúde (Nationaler Aktionsplan Gesundheitskompetenz, 2018). Em Portugal, o Inquérito Europeu sobre Literacia em Saúde foi aplicado em 2014 e visava contribuir para um aumento do conhecimento sobre o nível de literacia em saúde em Portugal e identificar as principais limitações, problemas e obstáculos associados à literacia em saúde na sociedade portuguesa (Espanha & Ávila, 2016). No entanto, a literacia em saúde já era um tópico debatido em Portugal e, com as evidências, permaneceu um tópico para discussão ao ser difundido em políticas, investigação, educação e prática. No entanto, 28 nem todos os países europeus adotaram a literacia em saúde como Portugal. Ainda há um salto a dar. Um investimento em literacia em saúde requer um esforço duplo. Ao nível individual, a literacia em saúde das pessoas pode ser aumentada através da educação e formação de adultos, através do avanço da comunidade e do fortalecimento da saúde ocupacional no trabalho. No entanto, o impacto mais significativo pode ser visto através de uma resposta crescente dos sistemas de saúde em resposta às necessidades dos seus doentes e da população em geral. É uma transformação do sistema de saúde que se foca no atendimento centrado nas pessoas, num tratamento personalizado e numa compreensão do contexto mais amplo e das condições de vida em que os doentes se encontram, garantindo que as necessidades dos doentes sejam avaliadas de uma maneira muito mais específica do que a prática atual. O resultado final facilitará a confiança, a satisfação e os melhores resultados, não apenas para o tratamento de doenças, mas também para a qualidade de vida diária das pessoas, o que, por sua vez, aumentará a equidade e a sustentabilidade. A transformação requer uma imprescindível mudança de paradigma. Ao invés de exigir que as pessoas lidem com sistemas complexos, é necessário mudar os sistemas de saúde para lidar com as complexidades das pessoas (Figura 1). Competências das pessoas Competências do sistema de saúde LITERACIA EM SAÚDE LITERACIA EM SAÚDE Complexidade do sistema de saúde Complexidade das pessoas Figura 1. Mudança de paradigma da literacia em saúde como contributo para serviços de saúde centrados nas pessoas 29 Literacia em saúde: Uma competência profissional crucial para a saúde no século XXI A literacia em saúde implica a capacidade de aceder, entender, avaliar e aplicar a informação sobre cuidados com a saúde, prevenção de doenças e promoção da saúde para manter e promover a qualidade de vida durante o curso da vida. Reconhecendo que a resposta aos desafios da literacia em saúde é essencial para a prestação de cuidados centrados nas pessoas, um número crescente de profissionais de saúde começou a abordar os fatores ao nível organizacional, por forma a apoiar doentes, clientes e consumidores na tomada de decisões de saúde informadas sobre tratamento, prevenção e promoção. Para abraçar a literacia em saúde ao nível organizacional, Brach et al. (2012) sugeriram dez atributos que caracterizam organizações informadas, isto é, favoráveis à literacia em saúde. Entre os dez atributos, um deles centra-se na organização de saúde em capacitar as equipas de trabalho em literacia em saúde e monitorizar o seu progresso. Ao fornecer formação abrangente, as escolas e organizações de saúde podem criar uma cultura na qual todos os colaboradores ajudam a criar ambientes favoráveis à literacia em saúde. No entanto, é uma responsabilidade desafiadora para os profissionais de saúde integrar a literacia em saúde do cidadão como parte dos cuidados de saúde centrados nas pessoas. Trabalhar num sistema de saúde que está sob pressão financeira e se concentra nos custos dos serviços, e não nos custos humanos, exige novas perspetivas sobre como trabalhar com os doentes e as pessoas na sociedade em geral. As novas perspetivas incluem assumir a liderança para mudar o status quo; conhecer o objetivo e a escala do impacto da literacia em saúde na vida das pessoas; ser capaz de definir a direção da mudança; reconhecer a importância do diálogo e de como a comunicação e a cultura estão interligadas; e, finalmente, integrar a dignidade humana como ponto de partida e de compromisso dos profissionais de saúde em garantir o bem-estar aos doentes e ao público em geral. A literacia em saúde é uma competência profissional crucial para a saúde no século XXI. É evidente, mensurável, viável e pode fazer a 30 diferença para as pessoas, comunidades e sociedades. É relevante para todos os profissionais envolvidos com a finalidade de melhorar a vida de outras pessoas. A capacitação dos profissionais de saúde na área da literacia em saúde, enfrentará o desafio de ser uma parte ativa do movimento de mudança social que conquista novas fronteiras de literacia em saúde. A sua escolha e a sua voz são fundamentais para nos ajudar a não deixar ninguém para trás! Referências Brach, C., Keller, D., Hernandez, L. M., Baur, C., Parker, R., Dreyer, B., . . . Schillinger, D. (2012). Ten attributes of health literate health care organizations. Washington, DC: Institute of Medicine of the National Academies. Retrieved from: https://nam.edu/wp-content/uploads/2015/06/ BPH_Ten_HLit_Attributes.pdf Bundesministerium für Gesundheit. (2013). Rahmen-gesundheitsziele richtungsweisende vorschläge für ein gesünderes Österreich [Internet]. Wien: Gesundheitszielen Österreich. Retrieved from www.gesundheitszieleoesterreich.at Espanha, R., & Ávila, P. (2016). Health Literacy Survey Portugal: A contribution for the knowledge on health and communications. Procedia Computer Science, 100, 1033-1041. doi:10.1016/j.procs.2016.09.277 Nationaler Aktionsplan Gesundheitskompetenz. (2018). Nationaler aktionsplan gesundheitskompetenz [Internet]. Berlin: Author. Retrieved from http://www.nap-gesundheitskompetenz.de/ Sørensen, K. (2018, October 31). Heath literacy in four decades: From clinical challenge to a global social movement. BMJ Global Health Blog [Internet]. BMJ GT Blogs. Retrieved from https://blogs.bmj.com/bmjgh/ 2018/10/31/heath-literacy-in-four-decades-from-clinical-challenge-to-aglobal-social-movement/ Sørensen, K., Pelikan, J. M., Röthlin, F., Ganahl, K., Slonska, Z., Doyle, G., . . . Brand, H. (2015). Health literacy in Europe: Comparative results of the European health literacy survey (HLS-EU). European Journal of Public Health, 25(6), 1053-1058. doi:10.1093/eurpub/ckv043 31 Sørensen, K., Van den Broucke, S., Fullam, J., Doyle, G., Pelikan, J., Slonska, Z., . . . Brand, H. (2012). Health literacy and public health: A systematic review and integration of definitions and models. BMC Public Health, 12(1), 80. doi:10.1186/1471-2458-12-80 Como citar? Sørensen, K. (2019). Uma visão para a literacia em saúde na Europa. In C. Lopes & C. V. Almeida (Coords.), Literacia em saúde na prática (pp. 2732). Lisboa: Edições ISPA [ebook]. 32 REFLEXÕES DE UM MÉDICO DE FAMÍLIA A PROPÓSITO DO CURSO DE LITERACIA EM SAÚDE: MODELOS, ESTRATÉGIAS E INTERVENÇÃO José Mendes Nunes Começo por enunciar três características (sem prejuízo de alguém poder encontrar mais) do médico de família (MF) que fazem dele um dos técnicos de saúde com maior responsabilidade pela Literacia em Saúde (LS). Em primeiro lugar, se considerarmos o contínuo saúde-doença, o MF trabalha no pólo da saúde enquanto os restantes especialistas trabalham no pólo da doença. Isto faz do MF um especialista da saúde enquanto os especialistas hospitalares são especialistas da doença. Assim, o MF tem oportunidade de partilhar informação sobre saúde em condições de saúde e em condições de doença; mesmo nas circunstâncias de doença ele tem a oportunidade, vocação e formação para abordar a “parte saudável” do doente, fazendo expandir o lado saudável em desfavor da doença, em vez da abordagem dos especialistas da doença que, focados na doença, “comprimem” o lado saudável que qualquer doente tem. Aliás, basta alguém ter uma doença que logo é designado de doente e reduzido à sua doença (“o diabético”, “o alcoólico”, etc.), independentemente do que tem de saudável. A segunda característica é a pluralidade de agentes de saúde com quem interage e com quem tem interface. Ele contacta com todos os restantes especialistas, hospitalares ou não. Tem interfaces comunicacionais com enfermagem e outros técnicos de saúde, como nutricionistas, psicólogos, terapeutas da fala, fisioterapeutas, farmacêuticos, etc. Mas, para além disso, contacta com autarcas, padres ou estruturas comunitárias (lares, centros de dia). Contacta com a Segurança Social, os familiares de doentes, amigos e até vizinhos. Então, o MF tem oportunidade de influenciar não só o doente, mas também o seu contexto micro e macrossocial. Finalmente, o MF presta cuidados em continui33 dade que vão desde a conceção até à morte. Portanto, partilha informação sobre saúde nas diversas fases da vida pessoal, do ciclo familiar, nas diversas etapas da vida, nos momentos de felicidade e nos de tristeza, na austeridade e na abundância, na saúde e na doença. Por consequência, o MF deve ser, por excelência, um profissional de comunicação e da relação. Deixem que lembre o que se entende por LS. É a capacidade das pessoas em obter, processar, compreender/integrar, usar e poder usar informação (sobre saúde) necessária para tomar decisões sobre problemas de saúde, defesa da saúde e escolha de estilos de vida saudáveis (Sørensen, Van Den Broucke, Fullam, Doyle, & Pelikan, 2012). A LS só existe por quatro motivos: – Aumentar a qualidade dos cuidados de saúde. A participação esclarecida das pessoas é um dos maiores determinantes para melhorar a qualidade dos serviços de saúde. Os clientes mais insatisfeitos são a maior fonte de aprendizagem (no dizer de Bill Gates), se considerarmos que mais literacia também significa exigência de maior qualidade. – Aumentar os níveis de saúde das populações. Esta será a única razão para qualquer profissional ou sistema de saúde existir. – Garantir a sustentabilidade dos sistemas de saúde. Só o maior esclarecimento da população, evitando o desperdício, pode permitir a sustentabilidade dos sistemas de saúde. Se a saúde for vista apenas como um bem de mercado, e não como um bem social, os clientes serão apenas consumidores e comportar-se-ão como tal. Se um bem social for visto como mero bem de consumo, as desigualdades aumentam porque o consumo de recursos por quem não precisa será a carência de quem necessita. – Gerar experiências de saúde gratificantes para doentes e profissionais de saúde, ou seja, gerar clientes satisfeitos e profissionais realizados com o que fazem. Portanto, está em questão as pessoas sentirem-se satisfeitas nas transações que têm com os serviços de saúde. É inaceitável que alguém saia de uma instituição de saúde a chorar, não tanto pelas notícias que recebeu, mas mais pela forma como as recebeu e como foi tratada como pessoa. Claro que também está em questão os profissionais estarem satisfeitos com o encontro com o doente, mas isso pressupõe que se sintam felizes pelo bem que fazem e não pelo exercício da autoridade. 34 Papel do médico de família na Literacia em Saúde Em todos os sistemas de saúde, o MF é quem está em melhor posição para coligir e fornecer a informação ajustada às necessidades do paciente e no momento mais adequado, desempenhando um papel de curador de conteúdos. O curador de conteúdos “é a pessoa que tem por função analisar o fluxo constante de novos dados disponibilizados na Internet, com o objetivo de recolher, organizar e apresentar a informação mais relevante sobre determinado tópico para uma dada audiência” (ver Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa, 2013-2019), no nosso caso o paciente/cliente/utente. Claro que, no caso do MF, pode e deve recorrer a outras fontes que não exclusivamente a Internet. Hoje não falta informação sobre saúde colocada à disposição de todos. Neste ambiente de poluição comunicacional, a grande dificuldade está em conseguir separar a boa da má informação. Neste contexto, o MF funciona como alguém que no meio do matagal (de informação) colhe as flores nele dispersas para as reunir num ramo que oferece ao paciente de acordo com as suas necessidades. Depois de disponibilizar a informação, o MF ajuda o cliente a processar essa informação, muitas vezes traduzindo para linguagem entendível pelo leigo, adaptada ao seu nível de literacia. Aplica aqui uma espécie de Medicina Translacional de segundo nível: apresenta e trata a informação científica na ótica do utilizador. Ajuda a pessoa a compreender essa informação facilitando a integração nos esquemas mentais do paciente, respeitando os seus valores, desejos, necessidades e princípios (Oedekoven et al., 2019). Quem é que está em melhores condições para conhecer as crenças, as experiências e os desejos do paciente que o seu MF? Contudo, não basta ao paciente estar capacitado para usar informação: é preciso saber e ter poder para a usar. Nestas condições, o MF deve não só ajudar a usar a informação, mas também a empoderar o doente para a usar (capacidade) em prol dos seus melhores interesses. Isto é, o MF, exercendo aqui um papel de provedor do paciente, procura criar condições para o paciente fazer escolhas que perceciona como sendo suas. Defende-o, procurando condições para ele exercer o 35 seu poder ou, mais simplesmente, criar condições para que percecione de que é capaz de fazer escolhas e tomar decisões sobre a sua saúde. Parece então, por demais evidente, que os MF terão muita responsabilidade pelos níveis de LS da população (Oedekoven et al., 2019). Claro que não podem ser culpabilizados, em exclusivo, pelos baixos níveis de LS das populações, até porque para ela contribui um vasto leque de profissionais e instituições. Não têm a culpa, mas têm o problema, porque o êxito da sua atividade, da sua intervenção, depende dos níveis de LS. Os sujeitos com níveis baixos de LS têm menos tempo de vida, maiores cargas de doença e maiores custos (Antunes & Lopes, 2018; Berkman, Sheridan, Donahue, Halpern, & Crotty, 2014). Os profissionais de saúde, nos quais incluo o MF, têm verdadeiramente uma função didática para com os seus pacientes. Têm o dever de os ajudar a aprender. Aliás, os centros de saúde devem ser, antes de mais, locais de ensino e aprendizagem. Nesse sentido, a isenção de taxas moderadoras vem fazer jus ao princípio: o ensino deve ser gratuito. Um dos objetivos de cada MF é: tornar-se desnecessário para os seus doentes tanto quanto possível. É bom que nos lembremos que a palavra “doutor”, na sua origem etimológica, representa “o que ensina”. Donald Berwick, fundador do Institute of Healthcare Improvement, considera três eras na evolução dos cuidados de saúde (Berwick, 2016): – Na primeira, a paternalista, os profissionais de saúde são os fiéis detentores do conhecimento científico, seja lá o que isso for. Moisés desceu da montanha imbuído do conhecimento divino para impor a palavra de Deus ao comum dos pagãos. O médico sai da faculdade imbuído do conhecimento científico, para impor o seu conhecimento ao comum dos ignorantes. É uma era de que estamos progressivamente a sair, lentamente e com muita resistência; – Na segunda era, a da medição, em que tudo tem de ser medido e só é válido ou existe se for medido. Não é possível tudo ser medido, não existe. Ora, nem tudo o que se mede interessa e nem tudo o que interessa se mede. Vejamos o exemplo da doente Fátima Silva. Tem o 9º ano de 36 escolaridade, toma medicação para a sua tensão arterial há 10 anos e, quando questionada sobre os valores de tensão desejados, põe-se a fazer palpites: 12? 9? não é doutor? Quando temos situações destas, a tendência é para culpabilizar o doente. No entanto, estúpido não é quem não compreende, mas quem não se sabe explicar. Já é tempo de, em vez de ser o doente a adaptar-se à complexidade dos serviços de saúde, serem os serviços de saúde a adaptarem-se à complexidade do doente (Sorenson, 2018). No entanto, os indicadores de desempenho clínicos resumem-se a quantificar o que se faz na consulta ou os parâmetros biológicos, como a tensão arterial (TA), ignorando a capacidade do doente em se responsabilizar pelo controlo da sua hipertensão arterial (HTA). Não quantifica, não avalia o que o doente aprendeu com a interação nem o grau de capacitação que adquiriu com os sucessivos encontros com os serviços de saúde. Mesmo os incentivos vão no sentido de premiar o registo dos valores de TA, o grau de controlo alcançado, mas não consideram o grau de compreensão do paciente sobre a HTA, o que é que significa para ele ou ela, quais são os efeitos secundários possíveis da medicação que faz, nem sequer o quanto sabe sobre os estilos de vida que contribuem para a manutenção dos valores elevados da TA. Mesmo quando se implementam algumas iniciativas pseudo-filantrópicas, como fazer rastreios (de HTA, diabetes), o objetivo é identificar doentes, não o de capacitar pessoas para melhor defenderem e preservarem a sua saúde. – A terceira era, a da partilha de melhores experiências de LS, que é partilha de poderes e de saberes nas escolhas e decisões relacionadas com a saúde. É a Medicina Colaborativa. Na transação em saúde cada um dos intervenientes é visto como um perito, porque o médico é perito na doença e o doente é perito em ter a doença. Num encontro deste tipo, ambos contribuem para uma sociedade de mútuo investimento onde ambos entram com capitais diferentes, mas de valor igual, sendo de esperar que o resultado deste mútuo investimento seja muito maior do que na relação paternalista. Repito o que já é de mais sabido. Isto é consequência da modificação dos cuidados de saúde e também das condições socioculturais da população. De uma medicina que se dedicava a tratar problemas agudos, em doentes hospitalizados, com longos internamentos, em que o doente era o agente mais passivo de todo o processo, a atitude mais ativa do doente era ser complacente com os tratamentos que eram 37 decididos, prescritos e administrados unilateralmente pelos profissionais de saúde que inclusivamente decidiam a hora e a via de administração. Ao paciente cabia a obrigação de ser “bom paciente”, não desertar do hospital, desejar e rezar para que o curassem e ter fé em quem o tratava (Berkman et al., 2005). Mas deste paradigma de cuidados de saúde passámos para uma medicina dirigida a problemas crónicos, com episódios cada vez mais longos, tratados na comunidade, a maioria ad vitae eternum, com internamentos cada vez mais curtos, seja para situações agudas seja por agudização das crónicas. A situação inverteu-se 180º. O doente passa a ser o principal agente terapêutico. Os profissionais de saúde podem desenhar os planos de diagnóstico e de terapêutica, mas já não são eles que administram a terapêutica. Não são eles que decidem a hora de a fazer. Na hora da ação é o paciente que decide e decide sozinho ou, quanto muito, com os entes mais próximos! Ele decide com base naquilo que sabe, no que acredita e no que pode. E aqui, o pode, significa a perceção do que é capaz de fazer. Já não é o médico que decide e determina o que o doente faz. O paciente passou a ser o dono da hora e do sentido da decisão. Como diz Dave de Bronkart, um sobrevivente de cancro renal metastizado (Oedekoven et al., 2019), o doente é o recurso mais ignorado dos sistemas de saúde. No sentido que sendo ele o principal elemento da equipa de saúde, o sistema, na prática, não o reconhece como tal, não o capacita, não o empodera. Ou seja, não o coloca como centralidade da sua intervenção. Não assume a responsabilidade de contribuir para a LS e não reconhece como produto de saúde o aumento de capacitação do doente. Atentem na revolução que esta ideia traz: o doente deixa de ser um consumidor de recursos para ser um recurso de saúde. Podemos chamar à LS o que quisermos, mas o que é evidente é que a comunicação e as habilidades comunicacionais são vitais para aumentar os níveis de LS. E, aqui, vinco a importância do curso de Pós-Graduação em Literacia em Saúde, ministrado pelo ISPA-Instituto Universitário. 38 Os gregos diziam que a medicina se faz de faca, ervas e palavras. Mas com o desenvolvimento tecnológico, a medicina reduziu-se à faca e às ervas que sofreram uma evolução indiscutível. Contudo, as “palavras” parece que regrediram. Apesar de a eficiência da “faca” e das “ervas” poder melhorar muito se for bem acompanhada pelas palavras. Por outro lado, as palavras têm efeito terapêutico independentemente da faca ou das ervas. As palavras foram abandonadas apesar de terem sido o primeiro instrumento terapêutico. O próprio São João Evangelista afirma no seu 4º Evangelho: “no princípio era o verbo”. “Verbo”, aqui, é uma tradução literal do grego da palavra logos que significa palavra. E, segundo São João Evangelista, Deus fez o Mundo com a palavra. Ao ponto de Deus ser mesmo a palavra. Ao longo de toda a formação pré-graduada se dedica atenção quase em exclusividade à faca e às ervas, mas a palavra é secundarizada se não mesmo ignorada. Claro que se subentende que se não é falada é porque ela não é assim tão importante. Por muito que a medicina tenha evoluído, a realidade é que continuamos a precisar de uma comunicação efetiva (Berwick, 2016). A iliteracia é um estado, não é uma condição. Não se é iletrado em saúde, mas está-se iletrado em saúde. Não é a faca nem as ervas que contribuem para aumentar a LS. Não há comprimidos para elevar os níveis de LS. Não há bisturi capaz de fazer uma exérese da ignorância. Não há “ignoranciectomias”, nem transplantes de conhecimento. Só a informação disponibilizada num contexto de relação efetiva pode aumentar os conhecimentos e mudar comportamentos. E a relação constrói-se com a palavra. Para o estabelecimento de relações médico-doente efetivas é imprescindível ter perícias comunicacionais e saber SER, e isso não são atributos inatos, mas antes aprendidos. Aprendidos através de estudo teórico e prático, mas sobretudo de prática refletida. Mas só se pode refletir sobre a prática se houver conhecimento. Uma crítica frequente a este tipo de cursos, como o da Literacia em Saúde, é que “são muito teóricos”. Claro que podem ser vistos como muito teóricos, mas procuram ter sempre um forte componente prático. É verdade que a teoria sem prática é inútil. Mas a prática sem teoria é 39 estéril, porque não permite a evolução, mas apenas a repetição. Sem teoria, a prática é uma mera repetição ou mimetização do que se viu fazer, é uma espécie de macaquear. O macaco repete o que vê fazer com uma enorme precisão, mas não cria. Ora, connosco o desejo tão premente de fazer leva a perder a noção de que a teoria e a prática refletida devem estar lado a lado. A teoria, o conhecimento, só existe para mudar comportamentos, para mudar a prática. Mas existe aqui um paradoxo, a que chamo paradoxo da obsolescência do conhecimento. O conhecimento só existe na medida em que muda comportamentos, mas quando o comportamento muda, torna-se inútil, obsolescente. Um exemplo disso foi a aprendizagem da anatomia. Vejam o que aconteceu com a anatomia que vocês aprenderam. A maior parte dela já se foi, mas a verdade é que ela foi imprescindível para fazerem as coisas que hoje fazem. A produção de Literacia em Saúde é uma atividade que não pode ser feita pela Inteligência Artificial (IA), embora ela possa auxiliar; mas a relação profissional de saúde-doente é insubstituível e, mesmo aceitando a ficção de que poderá vir a ser substituída pela IA, ela será a última atividade a ser substituída. Por mais voltas que se dê, a maior motivação para mudar e para aprender é de ordem afetiva. É o amor que se tem pelo assunto ou o amor que se tem por quem nos relacionamos que nos move. Admito que haja mudanças geradas pelo ódio, mas essas não são duradouras e muito menos saudáveis. Referências Antunes, M. L., & Lopes, C. (2018). Contributos da literacia em saúde para a promoção e racionalização de custos na saúde. In C. Lopes & C. V. Almeida (Coords.), Literacia em saúde: Modelos, estratégias e intervenções (pp. 43-63). Lisboa: Edições ISPA. Berkman, N. D., Sheridan, S. L., Donahue, K. E., Halpern, D. J., & Crotty, K. (2014). Review low health literacy and health outcomes: An updated. 40 Annals of Internal Medicine, 155(2), 97-107. doi:10.7326/0003-4819155-2-201107190-00005 Berwick, D. M. (2016). Era 3 for medicine and health care. JAMA, 315(13), 1329-1330. doi:10.1001/jama.2016.1509 Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa. Porto: Porto Editora, 2003-2019. Recuperado em: https//www.infopedia.pt/dicionários/língua-portuguesa/ curador Oedekoven, M., Herrmann, W. J., Ernsting, C., Schnitzer, S., Kanzler, M., Kuhlmey, A., & Gellert, P. (2019). Patients’ health literacy in relation to the preference for a general practitioner as the source of health information. BMC Family Practice, 20(1), 94. doi:10.1186/s12875-019-0975-y Sørensen, K. (2018). A vision for health literacy in Europe. In C. Lopes & C. V. Almeida (Coords.), Literacia em saúde: Modelos, estratégias e intervenções (pp. 43-63). Lisboa: Edições ISPA. Sørensen, K., Van Den Broucke, S., Fullam, J., Doyle, G., & Pelikan, J. (2012). Health literacy and public health: A systematic review and integration of definitions and models. BMC Public Health, 12(1), 80. Available from: http://www.biomedcentral.com/1471-2458/12/80 Como citar? Nunes, J. M. (2019). Reflexões de um médico de família a propósito do curso de literacia em saúde: Modelos, estratégias e intervenção. In C. Lopes & C. V. Almeida (Coords.), Literacia em saúde na prática (pp. 33-41). Lisboa: Edições ISPA [ebook]. 41 MODELO DE COMUNICAÇÃO EM SAÚDE ACP: AS COMPETÊNCIAS DE COMUNICAÇÃO NO CERNE DE UMA LITERACIA EM SAÚDE TRANSVERSAL, HOLÍSTICA E PRÁTICA Cristina Vaz de Almeida A comunicação é a base estruturante em que a literacia em saúde assenta e que permite estabelecer relações entre as pessoas. A comunicação em saúde, ao nível interpessoal, grupal, societal e mediático, permite a transmissão de mensagens verbais e não-verbais com vista à sua compreensão pelos envolvidos e a uma consequente ação promotora de saúde. Para além das competências de comunicação em saúde, as exigências atuais dos profissionais de saúde requerem competências pessoais (Tench & Konczos, 2013) que são transversais aos campos da psicologia, da sociologia, da gestão, da comunicação, entre outras. Atualmente um profissional de saúde deve ter amplas competências técnicas, mas refinadas com conhecimentos e habilidades nas áreas da comunicação em saúde, mediação de conflitos e resolução de problemas, marketing em saúde, criatividade, além de um vasto campo de competências sociais (Sørensen et al., 2012) que tornam o profissional da saúde um ser humano com uma dimensão e visão holística profunda do paciente e do seu contexto. É nesta base relacional entre o profissional e o paciente que assenta uma comunicação interpessoal, que é o coração da qualidade dos cuidados de saúde, embora a evidência científica nos mostre que os standards atuais têm de ser melhorados (Cowan et al., 1992; Hargie, Dickson, Boohan, & Hughes, 1998; Numann, 1988). É, por isso, importante atender à dimensão e efeito que produz uma pequena “habilidade de comunicação”, que sendo apenas “uma iteração” (Wouda & van de Wiel, 2012, p. 59), isto é, um momento discreto observável de comportamento verbal e não-verbal, pode contribuir amplamente para alcançar um eficiente resultado (Brown & Bylund, 2008; Woda & van de Wiel, 2012). É importante que os 43 profissionais de saúde tenham uma adequada consciência, conhecimento, competências e atitudes em relação aos pacientes, sobretudo os que têm uma baixa literacia em saúde (Coleman & Fromen, 2015). Na relação terapêutica, profissional de saúde e paciente interagem para que se fundamentem as expectativas e se obtenham consequências e resultados que promovam o entendimento para a ação com vista a melhores resultados de saúde. A comunicação é um fator chave na literacia em saúde para que as pessoas consigam aceder, compreender e usar a informação em saúde, por forma a tomarem as melhores decisões sobre a sua saúde (Sørensen et al., 2012) e dos que dela dependem. Em 2015 não havia estudos que comparassem a efetividade da formação de literacia em saúde em profissionais médicos e não médicos (Coleman & Fromen, 2015). Porém, os resultados da formação em literacia em saúde e, subjacente a este domínio, a promoção efetiva de competências de comunicação permitem-nos apresentar melhorias na autoperceção de conhecimento, competências e intenção de comportamentos (Coleman & Former, 2015). Ainda assim, anos atrás, em 1988, Hargie e outros autores conduziram um inquérito postal a vinte e seis escolas de medicina no Reino Unido para avaliar as práticas de formação em competências de comunicação. Um total de dezanove escolas respondeu, das quais quatro foram depois selecionadas para entrevistas em profundidade por telefone. Os investigadores encontraram alguma diversidade nos conteúdos formativos, bem como nos formatos, no tempo organizado para este efeito e na sua duração. A avaliação e as dificuldades encontradas nesta formação foram os recursos físicos e a preparação de profissionais treinados para o efeito (Hargie et al., 1998). Havendo um papel “pivotal” (Hargie et al., 1998) na interação médico-paciente na prestação de cuidados de saúde, DiMatteo (1994) sublinha que, neste processo, “a comunicação é o instrumento fundamental através do qual o profissional e o paciente se relacionam e tentam alcançar os objetivos terapêuticos” (p. 149). Mas, de acordo com Numann (1988), é preciso “empregar métodos apropriados de ensino para se atingirem objetivos de aprendizagem standard na profissão” (p. 26). 44 De acordo com Sleight (1995), ensinar as competências de comunicação é uma das partes importantes do curriculum médico e não é um extra opcional. Há um paralelismo com os domínios da literacia em saúde, o que permite o desenvolvimento das competências cognitivas e sociais dos indivíduo para que ele possa efetivamente aceder, compreender e usar a informação em saúde, no seu dia-a-dia, através de um processo motivacional (Sorensen et al., 2012) ao longo do seu ciclo de vida. No estudo de Hargie et al. (1998), 89% dos inquiridos (dezanove escolas de medicina no Reino Unido) responderam que “é central para a prática da medicina, a promoção de um conhecimento e compreensão das competências de comunicação apropriadas” (p. 28). Os métodos mais usados nestas formações de desenvolvimento de competências são: o role playing, o feedback através de vídeos e as discussões de grupo. As abordagens menos comuns são os tutoriais, os seminários, os vídeos interativos, a imitação e a identificação. Método No âmbito da Pós-graduação em Literacia em Saúde (PGLS), realizada no ISPA – Instituto Universitário, no ano letivo 2017-2018, foi efetuado um conjunto de avaliações periódicas regulares para aferir o nível de satisfação sobre conteúdos, matérias, programa e docentes com um grupo de dezoito formandos. Estas avaliações foram debatidas em sala de aula pelos diretores da PGLS; para o efeito foi preenchido um questionário de satisfação, cujos resultados estão em edição. Recolheram-se dados concretos sobre os campos-chave para uma melhor literacia em saúde, estimulada pela técnica de brainstorming que permite recolher dados sobre determinado assunto e depois sistematizar e ordenar por campos de interesse. No âmbito da avaliação da importância da literacia em saúde, das inerentes competências de comunicação em saúde e do teste do Modelo de Comunicação em Saúde ACP (Assertividade, Clareza e Positividade) foram organizados três focus group (N=18), constituídos por seis 45 participantes (Bryman, 2012), com seleção de amostra por conveniência entre os profissionais de saúde, numa fase em que já tinham efetuado e finalizado o módulo de literacia em saúde e modelos da PGLS. Os focus group realizaram-se no ISPA, em sala de aula, entre março e junho de 2018, tendo sido assinado pelos participantes um documento de consentimento informado. Discussão e resultados Na PGLS os participantes puderam debater as matérias que lhes interessavam e representavam necessidades e atividades quotidianas no âmbito da sua intervenção, isto é, debruçaram-se sobre temáticas do seu próprio interesse e foram avaliados através de trabalhos individuais e em grupo. Estes trabalhos foram selecionados pelos próprios, sempre com a indicação de estarem a construir matérias evidenciadas pelas suas próprias realidades. Foi-lhes proposto, no âmbito dos focus group, para avaliarem o Modelo de Comunicação em Saúde ACP, que integra de uma forma agregada e interdependente a utilização das competências da Assertividade, da Clareza e da Positividade. O Modelo ACP estrutura-se como um guião de competências de comunicação e foi validado por todos os participantes dos focus group como “importante”, “útil”, “fundamental” e “simples de usar no decorrer da consulta”, reforçando que o usariam nas suas interações com os seus pacientes, o que ocorreu, através de feedback posterior ao término da PGLS. Reforçouse, assim, o que alguma evidência vem demonstrando (Hulsman, 2009): que o processo de comunicação em saúde é amplamente guiado por guiões cognitivos desenvolvidos pelos profissionais através da educação e da experiência. Sendo o profissional de saúde, à partida, o lado mais forte do “prato da balança” (Almeida, 2018), a existência de guiões prévios reduz o esforço cognitivo no desempenho de tarefas complexas (Hulsman, 2009). Com isto, subentende-se que o profissional de saúde, se tiver um conhecimento e preparação prévia de 46 modelos de comunicação em saúde que estejam disponíveis de forma transversal em todos os momentos da consulta e em fases distintas, conseguirá encontrar melhores respostas e soluções para lidar com as questões levantadas pelo paciente e também para o fazer participar na sua saúde, de uma forma mais eficaz e motivada. Os guiões permitem, assim, de acordo com Hulsman (2009), “interpretar rapidamente eventos complexos dentro de uma determinada situação e fazer previsões sobre como essas situações se desenvolverão” (p. 305). Assim, de uma forma pró-ativa e na tentativa de resolver o problema da comunicação frágil, com falhas no entendimento do paciente, o principal objetivo do modelo ACP é desenvolver competências de comunicação, o que inclui o uso interdependente da assertividade, da clareza de linguagem e da positividade (Belim & Almeida, 2017). De seguida, apresentam-se, na Tabela 1, algumas orientações e competências promotoras de uma melhor compreensão do paciente. Tabela 1 Orientações e competências promotoras de uma melhor compreensão do paciente 01) Entender que a cura se faz através do cuidado e das relações positivas, simétricas, equilibradas e geradoras de confiança. 02) Integrar nas consultas os pacientes e as suas famílias. 03) Saber lidar com pacientes em conflito, utilizando diversas técnicas da mediação de conflitos. 04) Reconhecer as questões da segurança do doente como essenciais no processo e como requisito de melhoria da relação e da comunicação. 05) Perceber a importância do uso da empatia, em combinação com a assertividade. 06) Dar e receber informação, estimulando a participação, fornecendo as explicações necessárias sobre as dúvidas de forma clara. 07) Desenvolver habilidades de negociação e de resolução de conflitos. 08) Conhecer o poder da comunicação não-verbal. 09) Desenvolver competências da entrevista motivacional. 10) Reconhecer a decisão participativa e focada nos interesses do paciente. 11) Melhorar a criatividade, associada à motivação na passagem da informação ao paciente. 12) Usar desenhos, gráficos, imagens que reforçam a memória visual. 47 Tabela 1 (cont.) 13) Compreender que uma boa comunicação melhora a segurança do doente. 14) Reforçar a compreensão através de técnicas específicas da literacia em saúde, como sejam o Método Teach-back, o Modelo ACP (Assertividade – Clareza – Positividade), o Chunk & Check, o ASK me 3, saber ouvir sem interrupções, entre outros. 15) Conhecer as crenças e hábitos das diferentes culturas. 16) Considerar e aplicar, de forma inabalável, as questões éticas. 17) Perceber a importância do marketing em saúde e do marketing social aplicados na mudança de comportamentos. 18) Conhecer os modelos comportamentais associados à psicologia da saúde. 19) Reconhecer a importância das métricas e recursos de informação em saúde. 20) Compreender o peso da linguagem (verbal e não-verbal) na relação com o outro. 21) Saber dar más notícias. Fonte: Adaptação de Belim & Almeida, 2017, 2018. Ver também Greenhalgh & Heath, 2010; Hargie et al., 1998; Hulsman, 2009; Ledingham & Bruning, 1998. Relativamente ao estudo de Hargie et al. (1998), conclui-se que a formação de outras competências, sobretudo as de comunicação, serve para “sancionar”, para dar feedback aos estudantes ou, numa dimensão mais alargada, avaliar um conjunto vasto de competências. Para estímulo e motivação dos participantes, foi-lhes proposta a publicação dos seus trabalhos de grupo através de um e-book editado pelo ISPA, promovendo desta forma o saber científico e criando aqui laços evidentes entre os participantes, que desenvolveram uma positiva relação grupal: nas matérias abordadas, na escola e com os docentes que os acolheram. Esta simbiose entre conhecimento e valorização da pessoa permitiu o reforço de relações pessoais e profissionais, numa dinâmica de promoção e partilha de saberes. A partilha de saberes através da formação formal envolve um conjunto de influências, reconhecidas nos estudos de Hargie et al. (1998), que passam por: (1) cultura, hábitos e crenças dos participantes; (2) a idade dos participantes; (3) a diversidade profissional dos envolvidos; (4) a interligação e a sequência das matérias abordadas durante a formação; (5) os princípios da educação para adultos; (6) a qualidade das fontes e das referências usadas; (7) a qualidade das 48 dinâmicas cognitivas, emocionais e comportamentais, para motivarem a aprendizagem e a retenção do conhecimento; e (8) a promoção de relações positivas e florescentes entre os participantes e os docentes, que permitem a continuidade no tempo das relações. Mas existem também vários estudos que apontam para fatores de resistência neste tipo de formação que, à partida, não consta dos currículos académicos (Hargie et al., 1998), havendo quem possa “sabotar” estes programas de formação. Também existem atitudes de cepticismo às abordagens feitas pelas ciências sociais (Mosley, 1988). A hostilidade a este tipo de formação (Hargie et al., 1998) também passa por ser proposta por um grupo que não é da profissão médica, como os cientistas comportamentais, que são vistos por diminuir e minar o papel dos médicos na educação e formação. A falta e a limitação dos efeitos de formação em comunicação e de experiência clínica são explicadas através do modelo de Ericsson de aquisição de desempenho de perícia (2008). O desempenho de perícia é definido como o desempenho superior, reproduzido em tarefas que captam a essência da perícia em domínios críticos. O modelo de Ericsson refere que, depois de uma formação e experiência, restrita a um domínio (e.g., comunicação, literacia em saúde, etc.), o desempenho individual é adaptado às exigências situacionais típicas. Assim, o que o modelo refere é que, depois de se chegar a um nível satisfatório, o desempenho torna-se estável e aumenta o automatismo (Wouda & van de Wiel, 2012). Ericsson (2008) define quais são as condições de aprendizagem que permitem este desempenho de perícia: (1) desempenhar as tarefas de aprendizagem com os objetivos bem definidos; (2) motivação para melhorar; (3) tarefas de aprendizagem de curta duração, com oportunidade de imediato feedback, reflexão e correção; e (4) amplas oportunidades para a repetição, refinamento gradual e prática em situações desafiantes. Deve haver, assim, oportunidades para rever, refinar e construir as atuais competências dos profissionais de saúde e, ao mesmo tempo, acrescentar novas competências e aumentar a sua complexidade (ver também Silverman, Kurtz, & Draper, 2005; Wouda & van de Wiel, 2012). 49 Diversos autores (Aspergren & Lønberg-Madsen, 2005; Fallowfield, Jenkins, Farewell, & Solis-Trapal, 2003; Hobma, Ram, Muijthens, van der Vleuten, & Grol, 2006; Wouda & van de Wiel, 2012) reconhecem a importância dos cursos de formação pós-graduada, realçando o seu efeito positivo nas competências e práticas médicas. Os resultados da PGLS, assim como dos focus group efetuados, mostraram uma clara e total necessidade de formação dos profissionais de saúde nas diversas áreas constituintes da literacia em saúde, em particular o desenvolvimento de competências de comunicação em saúde para melhorar a relação com o paciente, assim como a validação do Modelo ACP – Assertividade, Clareza e Positividade. Referências Almeida, C. V. (2018). Literacia em saúde: Capacitação dos profissionais de saúde: O lado mais forte da balança. In C. Lopes & C. V. Almeida (Coords.), Literacia em saúde: Modelos, estratégias e intervenção (pp. 33-42). Lisboa: Edições ISPA. Aspergren, K., & Lonberg-Madsen, P. (2005). Which basic communication skills in medicine are learnt spontaneously and wich need to be taught and trained. Medical Teach, 27, 539-543. Belim, C., & Almeida, C. V. (2017). Healthy thanks to communication: A model of communication competences to optimize health literacy: Assertiveness, clear language, and positivity. In V. Papalois & M. Theodosopoulous (Eds.), Optimizing health literacy for improved clinical practices (pp. 124-152). Hershey, PA: IGI Global. doi:10.4018/978-15225-4074-8.ch008 Belim C., & Almeida C. V. (2018). Communication competences are the key! A model of communication for the health professional to optimize the health literacy: Assertiveness, clear language and positivity. Journal of Health Communication, 3(3), 31. Bryman, A. (2012). Social research methods. New York: Oxford University Press. 50 Coleman, C. A., & Fromer, A. (2015). A health literacy training intervention for physicians and other health professionals. Family Medicine, 47(5), 388-392. Cowan, D., Danoff, D., Davis, A., Degner, L., Jerry, M., Kurtz, S., . . . Thomsen, P. (1992). Consensus statement from the workshop on the teaching assessment of communication skills in Canadian medical schools. Canadian Medical Association Journal, 147, 1149-1150. DiMatteo, M. (1994). The physician-patient relationship: Effects on the quality of health care. Clinical Obstetrics and Gynaecology, 37, 149-161. Ericsson, K. A. (2008). Deliberate practice and acquisition of expert performance: A general overview. Academy Emergency Medical, 15, 988994. Fallowfield, L., Jenkins, V., Farewell, V., & Solis-Trapal, I. (2003). Enduring impact of communication skills training: Result of a 12-month follow-up. 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Communication and the education of health professionals: A disciplinar overview. Medical Teacher, 10, 323-332. Numann, P. (1988). Our greatest failure. American Journal of Surgery, 155, 212-214. 51 Silverman, J., Kurtz, S., & Draper, J. (2005). Skills for communication with patients (2nd ed.). Oxford: Radcliffe Medical Press. Sleight, P. (1995). Teaching communication skills: Part of medical education. Journal of Human Hypertension, 9, 67-69. Sorensen, K., Van den Broucke, S., Fullam, J., Doyle, G., Pelikan, J., Slonska, Z., & Brand, H. (2012). Health literacy and public health: A systematic review and integration of definitions and models. BMC Public Health, 12, 80. Tench, R., & Konczos, M. (2013). Mapping European communication practitioners competencies: A review of the European communication professional skills and innovation programme. London: ECOPSI. Wouda, J. C., & van de Wiel, H. B. (2012). The communication competency of medical students, residents and consultants. Patient Education and Counseling, 86, 57-62. Como citar? Almeida, C. V. (2019). Modelo de comunicação em saúde ACP: As competências de comunicação no cerne de uma literacia em saúde transversal, holística e prática. In C. Lopes & C. V. Almeida (Coords.), Literacia em saúde na prática (pp. 43-52). Lisboa: Edições ISPA [ebook]. 52 PARTE II Literacia em Saúde na prática MELHORAR A LITERACIA EM SAÚDE: CHECKLIST PARA A GESTÃO DA OBESIDADE EM ADULTOS EM CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS José Feliz / Marisa Brito / Patrícia Rodrigues Introdução O objetivo deste trabalho é a aplicação dos conhecimentos teóricos, e das competências adquiridas e desenvolvidas durante o curso de PósGraduação em Literacia em Saúde, constituindo o documento de avaliação das unidades curriculares nesse período. A conjugação entre os conhecimentos teóricos, a prática profissional e a reflexão sobre a mesma permite a construção da nossa identidade enquanto profissionais de saúde, num processo dinâmico de aprendizagem. Deste modo, propomo-nos desenvolver uma checklist dirigida aos profissionais de saúde para a gestão da obesidade em adultos em cuidados de saúde primários. Obesidade: Definição, epidemiologia, fatores de risco e comorbilidades A obesidade constitui um dos principais problemas de saúde pública na atualidade (Direção-Geral da Saúde, 2017; Goes et al., 2015; Vaz, 2014). Em 2016, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reportou, a nível mundial, que 39% dos adultos com idade igual ou superior a 18 anos apresentavam pré-obesidade e 13% eram obesos (World Health Organization, 2018). Em Portugal estima-se que dois terços da população adulta portuguesa (18-64 anos), sensivelmente 5,9 milhões de pessoas, apresentam pré-obesidade ou obesidade (Carmo et al., 2007; Gaio et al., 2017; Sardinha, 2012). Quando comparados os resultados obtidos entre 2003-2005 (Carmo et al., 2007) com os do relatório do IAN-AF (201555 2016) constata-se um decréscimo da pré-obesidade (39,4% vs. 36,5%) e um aumento da obesidade (14,2% vs 21,6%). A pré-obesidade e a obesidade são definidas como situações em que existe uma acumulação excessiva de massa gorda corporal, com potencial impacto negativo na saúde (WHO, 2018). Segundo a OMS, ambas são diagnosticadas através do cálculo do índice de massa corporal (IMC)1. Para além do IMC, o perímetro abdominal – utilizado como estimador de gordura visceral – é concomitantemente usado face ao risco da adiposidade excessiva nesta zona corporal (DGS, 2017; Vaz, 2014). A obesidade, doença crónica de etiologia multifatorial, é proveniente do desequilíbrio entre as calorias consumidas e as calorias gastas (DGS, 2017; Fock & Khoo, 2013; Vaz, 2014; Wirth, Wabitsch, & Hauner, 2014; WHO, 2018). O aumento do consumo de alimentos processados, ricos em gorduras, e o decréscimo da atividade física consequente do sedentarismo, providenciou o aumento da obesidade. Estas mudanças são resultado do desenvolvimento ambiental e social da última década (Carmo et al., 2007; Fock & Khoo, 2013; Vaz, 2014; WHO, 2018). O aparecimento e desenvolvimento de múltiplas patologias, como doenças cardiovasculares (enfarte de miocárdio, doença isquémica cardíaca ou hipertensiva), diabetes mellitus tipo 2, distúrbios ósseos (osteoartrose), problemas respiratórios e cancro (próstata, mama, colorretal, endométrio, renal) estão associados ao aumento do IMC (DGS, 2017; Faruqi et al., 2015; Fock & Khoo, 2013; Vaz, 2014; Williams, Mesidor, Winters, Dubbert, & Wyatt, 2015; Wirth et al., 2014; WHO, 2018). A esperança média de vida nestes indivíduos é reduzida entre 47 anos (Fock & Khoo, 2013; Hruby & Hu, 2015), sendo a obesidade a segunda causa de morte após o tabagismo (Hruby & Hu, 2015). A pré-obesidade e a obesidade são mais prevalentes nos homens que nas mulheres. No entanto, a obesidade abdominal é mais prevalente nas mulheres (Gaio et al., 2017; Sardinha, 2012). Ademais, a prevalência da obesidade é superior em indivíduos com baixo nível de 1 IMC entre 25,0 e 29,9 kg/m2: pré-obesidade / IMC igual ou superior a 30,0 kg/m2: obesidade. 56 escolaridade. Baixos níveis socioeconómicos, por sua vez, estão relacionados com pior qualidade de vida relacionada com a saúde (DGS, 2017; Carmo et al., 2007; Gaio et al., 2017; Sardinha, 2012). Devido ao fato de ser uma doença multifatorial e estar associada aos estilos de vida individuais, a obesidade é uma doença de difícil tratamento (DGS, 2017; Hruby & Hu, 2015; Vaz, 2014). Quanto mais tempo estiver instalada, mais difícil será o seu tratamento (Vaz, 2014). No entanto, segundo a OMS, é uma doença que pode ser prevenida. A mudança dos estilos de vida, nomeadamente, do padrão alimentar e de atividade física, está comprovada como eficiente no tratamento da obesidade (DGS, 2017; Hruby & Hu, 2015; Rao, 2010; Santana, Santos, & Nogueira, 2009; Vaz, 2014; Wirth et al., 2014; WHO, 2018). O ambiente terapêutico centrado no doente é essencial para a mudança comportamental, necessária para a perda de peso e sua manutenção (Faruqi et al., 2015; Santos, 2010; Vaz, 2014; Wirth et al., 2014). Para além do impacto individual e social, a pré-obesidade e a obesidade representam um significativo impacto económico (DGS, 2017; Gaio et al., 2017; Hruby & Hu, 2015; Sardinha, 2012; Santos, 2010; Vaz, 2014). Estima-se que 2,1-4,7% dos custos totais dos cuidados de saúde e 2,8% dos custos hospitalares totais se devem à pré-obesidade e à obesidade (Hruby & Hu, 2015). Obesidade e Literacia em Saúde Nos últimos anos surgiu a necessidade urgente de entender os conhecimentos e crenças de saúde dos indivíduos e a sua relação com os comportamentos que afetam a sua saúde e bem-estar (Santos, 2010; Teixeira & Marques, 2017). A transformação de crenças erradas em corretas aumenta a possibilidade da adoção de comportamentos e estilos de vida saudáveis. Deste modo, a baixa literacia em saúde é um fator de risco para patologias que, como a obesidade, têm o comportamento como causa e implicam a autogestão da mesma (Santos, 2010). A baixa literacia em saúde está associada a maiores taxas de hospitalização e uso excessivo dos serviços de saúde, à diminuição da utiliza57 ção de medidas preventivas e uso inadequado de medicamentos (Faruqi et al., 2015; Santos, 2010). Relativamente à obesidade, existe a inabilidade de compreender e interpretar corretamente as recomendações nutricionais – maiores dificuldades na leitura de rótulos, aumento do tamanho das doses alimentares e alimentação baseada em crenças e/ou mitos –, conduzindo ao aumento do IMC (Cha, Crowe, Braxter, & Jennings, 2016; Faruqi et al., 2015; Goes et al., 2015; Santos, 2010). O estigma associado à obesidade é uma das barreiras que dificulta o acesso ao emprego, aos cuidados de saúde e à educação, devido maioritariamente à disseminação de estereótipos negativos que relatam que as pessoas obesas são preguiçosas, desmotivadas e sem autodisciplina (Canadian Obesity Network, 2017). Abordagem dos 5As para a obesidade Os profissionais de saúde desconhecem frequentemente os seus preconceitos relativamente às pessoas com obesidade. No entanto, referem ter menos paciência, menos desejo de ajudar e menos respeito pelas pessoas com obesidade, particularmente quando estas apresentam uma obesidade severa (Campos & Nadglowski, 2016). Uma elevada percentagem de profissionais de saúde sente não ter um treino adequado para a gestão da obesidade, referindo também a falta de equipamento apropriado para o auxílio dos pacientes (Asselin et al., 2017; Torti et al., 2017). O Modelo dos 5As para a obesidade, desenvolvido pela Obesity Canada, assenta em cinco princípios-chave, nomeadamente: – A obesidade é uma doença crónica; – A gestão da obesidade trata de melhorar a saúde e qualidade de vida, e não apenas de diminuir os números na balança; – As intervenções precoces pretendem identificar as causas e remover obstáculos; – O sucesso é diferente para cada pessoa; – O “melhor” peso de uma pessoa pode nunca chegar a ser o seu peso “ideal”. 58 Esta ferramenta denomina-se 5As, uma vez que os seus cinco tópicos são ask, assess, advise, agree, assist. Ferramentas deste género devem ter em conta uma abordagem simples, organizada, estandardizada e passível de ser replicada pelos profissionais de saúde (Sturgiss & Van Weel, 2017; Vallis, Piccinini-Vallis, Sharma, & Freedhoff, 2013). A utilização desta abordagem tem sido associada ao aumento da motivação e mudança comportamental por parte das pessoas com obesidade (Fitzpatrick et al., 2016). A primeira etapa do modelo é perguntar (ask) – princípio da entrevista motivacional, facilitador da mudança de comportamento orientada para o paciente. Sendo o peso um tema sensível para a maioria dos pacientes, devido à vergonha/constrangimento ou por temerem serem culpados e estigmatizados, deve começar-se por pedir permissão para falar sobre o assunto. Indivíduos mais literados assumem mais facilmente a responsabilidade pela sua saúde. Assim, comunicam mais facilmente com os profissionais de saúde, tendo menos constrangimento de fazer perguntas (Sørensen, 2013). Após a sua permissão, não deverão ser feitos juízos de valor e/ou pressupostos relativamente aos estilos de vida ou motivação (a pessoa pode já fazer dieta ou ter perdido peso, por exemplo) (Asselin et al., 2017; Torti et al., 2017; Vallis et al., 2013; Vallis & Sharma, 2012). De ressalvar, que o termo “peso” tem um impacto positivo sobre os pacientes comparativamente ao termo “obesidade” (Vallis et al., 2013). Deverá ser explorada a disponibilidade do paciente para a mudança, pois se este não estiver preparado para a mesma pode originar frustração e, consequentemente, impedir esforços futuros (Vallis et al., 2013; Vallis & Sharma, 2012). A segunda etapa é avaliar (assess) o estado de saúde do paciente através do cálculo do IMC e do perímetro abdominal. Para além disso, devem ser considerados todos os fatores determinantes – mentais, mecânicos, metabólicos e monetários – e as complicações e barreiras relativas à obesidade (Vallis et al., 2013; Vallis & Sharma, 2012). A terceira etapa é aconselhar (advice) os pacientes que se encontram mais recetivos após as duas últimas fases (Vallis et al., 2013). São 59 abordados os riscos da obesidade e os benefícios da perda de peso, projetando sempre a melhoria da saúde e do bem-estar, ao invés de simplesmente perder peso. Nesta fase são discutidas as opções de tratamento e explicada a necessidade de ter uma estratégia a longo prazo (Vallis & Sharma, 2012). A quarta etapa é concordar (agree), explicada como uma negociação respeitada por ambas as partes (Vallis et al., 2013). Muitas das expectativas dos pacientes são irrealistas, podendo levar ao desapontamento e à não-adesão. Desta forma, é necessário estabelecer expectativas realistas e objetivos comportamentais duradouros – específicos, mensuráveis, atingíveis, recompensadores e oportunos (Asselin et al., 2017; Prochaska & Diclemente, 1982; Vallis et al., 2013; Vallis & Sharma, 2012). Alguns pacientes podem exigir várias consultas antes de concordar com as recomendações do profissional de saúde. Cabe a este modificar as recomendações, de modo a estabelecer planos de tratamento confortáveis para os pacientes (Vallis et al., 2013; Vallis & Sharma, 2012). A última etapa é acompanhar (assist) os pacientes, que devem ser auxiliados a identificar e procurar recursos credíveis para a gestão da obesidade e ser devidamente referenciados aos profissionais necessários – equipa multidisciplinar (Miller & Rollnick, 1991; Vallis et al., 2013; Vallis & Sharma, 2012). Por fim, o sucesso desta abordagem está diretamente relacionado com a frequência do contacto com o profissional de saúde (Torti et al., 2017; Vallis et al., 2013; Vallis & Sharma, 2012). Método Intervenção Para o desenvolvimento da checklist para a gestão da obesidade em adultos foi realizada uma revisão bibliográfica, utilizando as palavraschave: obesidade, abordagem dos 5As, literacia em saúde, cuidados de saúde primários e adultos nas bases de dados PubMed e EBSCO. Após leitura da bibliografia foram selecionados os conteúdos relevantes. 60 O quadro de referência teórico que orientou o projeto é composto pela Abordagem dos 5As para a Obesidade, desenvolvida pela Obesity Canada (2018), pela Entrevista Motivacional de Miller e Rollnick (1991) e pelo Modelo Transteórico de Mudança de Comportamento de Prochaska e Diclemente (1982). O Modelo Transteórico de Mudança de Comportamento é essencial para avaliar a prontidão dos indivíduos para a mudança de comportamento, aliado à Entrevista Motivacional, um estilo de aconselhamento colaborativo e centrado na pessoa. A Obesity Canada elaborou um guia para a obesidade para o profissional de saúde, de leitura fácil e prática, que serve como guião em consulta. Para a utilização deste guia contactou-se a Obesity Canada, através do seu diretor, Arya Sharma, para obter a autorização para a sua utilização, a qual foi concedida (Anexo 1). O processo da checklist foi desenvolvido de acordo com os seguintes passos: – Tradução individual por cada um dos elementos do grupo; – Confronto das versões para elaboração da primeira versão em português; – Retroversão por tradutor independente. Posteriormente foram propostos diferentes nomes às etapas dos 5As, como representado na Tabela 1: Tabela 1 Modelo dos 5As para a obesidade, desenvolvido pela Obesity Canada Obesity Canada (5As) Checklist para a gestão da obesidade (PAACA) Ask Assess Advice Agree Assist Pedir permissão Avaliar Aconselhar Concordar Acompanhar Baseada nos modelos referidos acima e nas recomendações propostas por Sturgiss e Well (2017), produziu-se um instrumento de orientação para a gestão da obesidade – Pedir permissão, Avaliar, Aconselhar, Concordar e Acompanhar (PAACA; ver Anexo 1) – com os seguintes critérios: 61 – Utilização de verbos “colaborativos” e centrados na pessoa que ressaltem a importância da parceria profissional de saúde-paciente neste processo (substituição do verbo “perguntar” por “pedir permissão”); – Cuidados focados na pessoa e não centrados no paciente, englobando a pessoa como um todo, integrando as suas crenças, cultura e experiências anteriores no processo de gestão da doença; – Valorização da relação terapêutica: respeito mútuo entre o paciente e o profissional de saúde, visando a colaboração e compreensão de todos os objetivos propostos – reconhecida como um mediador relevante na mudança comportamental (figura das duas mãos unidas); – Tornar o modelo circular, de modo a representar as complexidades reais da mudança comportamental; – Acrescentar a fase de follow-up, de forma a refletir a continuidade dos cuidados, central à filosofia dos cuidados de saúde primários. Outro fator relevante para a construção da relação terapêutica é a linguagem assertiva e clara expressa pelos profissionais (Almeida, 2016; Belim & Almeida, 2018). As técnicas de Teach-back ou Showback são igualmente importantes, pois permitem avaliar se o indivíduo compreendeu corretamente aquilo que lhe foi transmitido. Avaliação A checklist destina-se a ser aplicada pelos profissionais de saúde, em ambiente de consulta, à qual os pacientes recorrem por decisão própria ou por marcação pelos profissionais de saúde. O universo da população abrangida são pessoas adultas (mais de 18 anos), de ambos os sexos, com IMC igual ou superior a 30, em Portugal. De modo a avaliar a adequação cultural, a clareza e compreensão das mensagens presentes na checklist final obtida, realizou-se um estudo exploratório com amostra por conveniência e análise através do método de grupo focal. O guião para o estudo exploratório foi desenvolvido pela equipa de trabalho de desenvolvimento da checklist (Anexo 2). Procedimento O grupo focal realizou-se na USF Cuidar Saúde com oito elementos do sexo feminino, nomeadamente, cinco médicas e três enfermeiras, 62 com média de idades de 48 anos. Teve a duração de 45 minutos e foi realizado após assinatura de consentimento informado. Este grupo focal teve como objetivo avaliar a perceção e opinião dos profissionais de saúde sobre o PAACA. Inicialmente, é lida a checklist PAACA e colocadas sete questões (duas gerais e cinco específicas) aos participantes e, posteriormente, estes tinham que estabelecer correspondência entre dez itens e as cinco etapas do PAACA. Questões Gerais 1) Que termos considera preferidos ou menos ofensivos para abordar a obesidade? Obesidade, excesso de peso, IMC, peso, grande volume, problema de peso, excesso de gordura. R: Peso. 2) Acha útil a ferramenta PAACA? R: Sim. Questões Específicas 1) Pedir permissão: Como considera que o tema deve ser iniciado? R: É mais fácil se existirem comorbilidades associadas; é difícil de abordar. 2) Avaliar: Como abordaria as barreiras à gestão de peso? R: A maioria dos participantes sentiu dificuldades, até mesmo na identificação de barreiras. 3) Aconselhar: O que considera importante aconselhar ao utente? R: Alterações dos estilos de vida. 4) Concordar: O que considera importante transmitir ao utente, caso concorde iniciar um programa de perda de peso? R: As dificuldades sentidas pelo utente; onde podemos ajudar. 5) Acompanhar: O que considera importante transmitir ao utente no acompanhamento da gestão da perda de peso? R: Mostrar disponibilidade; agendar consulta de seguimento. Correspondência Nove dos dez itens estabeleceram concordância em relação à etapa do PAACA, nomeadamente: identificar barreiras, classe da obesidade, causas de ganho de peso, plano realista, opções de tratamento, obje63 tivos SMART, informações e recursos, referenciar a prontidão para a mudança. Apenas o item “riscos da obesidade” não apresentou concordância com a checklist. Dada a essência dos cuidados de saúde primários, em que há um continuum de contactos/cuidados, infere-se que os participantes tenham relacionado este item com as etapas aconselhar e acompanhar. Plano de marketing Com o objetivo de disseminar o nosso trabalho elaborámos um plano de marketing. O segmento de clientes são os profissionais de saúde dos cuidados de saúde primários, nomeadamente, médicos de clínica geral, enfermeiros e nutricionistas. Objetivos 1) Divulgar a existência do PAACA para a gestão da obesidade na Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT) e respetivos Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES). A) Divulgar a existência do PAACA na newsletter da ARSLVT e ACES: III) Escrever artigo para a newsletter. III) Contactar gabinete de comunicação da ARSLVT e ACES para averiguar a possibilidade de publicação na newsletter. B) Ação de formação sobre o PAACA para os profissionais de saúde dos cuidados de saúde primários: III) Construir conteúdos. III) Arranjar local, marcar data e hora. III) Divulgar sessão através do núcleo de formação e investigação. C) Participar nas Jornadas da USF Descobertas: III) Enviar resumo para a comissão científica das Jornadas no prazo estabelecido para submissão de trabalhos. III) Preparar sessão de apresentação. 64 D) Contactar Ordens Profissionais, nomeadamente, Ordem dos Médicos, dos Enfermeiros e Nutricionistas: III) Enviar ofício para o gabinete de comunicação, informando da existência do PAACA, das suas potencialidades e ganhos em saúde. 2) Publicar artigo sobre o PAACA. A) Escrever o artigo científico: III) Fazer resumo em português e inglês para submissão. B) Contactar um profissional de informação em saúde para saber quais as revistas de impacto a nível internacional. C) Escolher revistas científicas nacionais onde submeter o artigo, como a Revista da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar e a Revista da Ordem dos Enfermeiros: III) Enviar carta ou email a informar da existência do PAACA, das suas potencialidades e da sua inovação em saúde. Reflexão crítica A problemática da obesidade constitui um desafio para os sistemas de saúde, quer a nível nacional como mundial, não só pela sua prevalência, mas também pelo impacto que representa para a saúde e qualidade de vida das pessoas. Neste contexto, os cuidados de saúde primários constituem uma oportunidade singular para a gestão da obesidade. Os profissionais de saúde têm um papel nuclear na motivação e promoção da mudança comportamental, auxiliando as pessoas com obesidade a gerir a sua doença, fornecendo informação, estimulando e reforçando a baixa compreensão das mesmas, de forma a envolvê-las nas tomadas de decisão e na adoção de comportamentos que promovam a sua saúde e qualidade de vida. Nos cuidados de saúde primários raramente a obesidade é motivo de consulta, sendo geralmente incorporada na gestão de outras patologias. Estima-se que, por consulta, três problemas são apresentados, levando à desvalorização dos problemas crónicos, como é o caso da obesidade. 65 As pessoas com obesidade enfrentam inúmeras barreiras que dificultam o acesso aos cuidados de saúde. A obesidade é um assunto sensível, quer para as pessoas, que temem ser estigmatizadas, quer para os profissionais de saúde, que muitas vezes se sentem pouco confortáveis em abordar esta doença, devido ao pouco tempo disponível para as consultas e ao desconhecimento de ferramentas adequadas para abordar a temática (Vallis et al., 2013). Apesar dos conhecimentos que os profissionais de saúde possuem sobre comportamentos de saúde, nomeadamente para a capacitação dos indivíduos, poucos se sentem preparados para falar sobre isso com os pacientes. Pode inferir-se que a obesidade é ainda considerada um tema tabu para muitos profissionais de saúde. A existência de ferramentas que otimizem e sistematizem a prestação de cuidados de saúde são uma mais-valia. Sabe-se que seguir um modelo com etapas específicas, instruções práticas e com metas atingíveis contribui para a eficácia dos programas em cuidados de saúde primários (Almeida, 2016). Demonstrado pela Obesity Canada, um mês após a implementação do kit dos 5As e da sessão de treino online aos profissionais de saúde, no Canadá, duplicou o número de casos iniciados na gestão da obesidade e aumentou significativamente o follow-up dos pacientes – 45% vs. 67% (Obesity Canada, 2018). Deste modo, espera-se que a checklist PAACA possa, à semelhança do que ocorre na realidade canadiana, aumentar a capacitação dos profissionais de saúde, bem como ampliar o número de consultas de gestão de peso. A elaboração desta checklist é inovadora, visto que apesar de já existir em Portugal uma ferramenta semelhante para a temática do tabagismo (DGS, 2016), o mesmo não se verifica para a obesidade. No entanto, para a utilização da mesma é necessário que os profissionais de saúde tenham familiaridade com o modelo e com o instrumento: devem possuir os conhecimentos necessários para que, confortavelmente e com segurança, discutam esta temática e os assuntos relacionados aquando das suas intervenções. A checklist proposta pretende que, de forma prática, simples, estandardizada e passível de ser replicada, os profissionais de saúde possam conduzir as suas intervenções na gestão da obesidade em parceria com 66 os pacientes. Desta forma, ampliam a literacia em saúde dos pacientes e a sua compreensão e adesão ao tratamento. Referências Almeida, C. V. (2016). Acolher, capacitar, encaminhar – literacia em saúde: Os caminhos para uma maior capacitação dos profissionais de saúde. Congresso ACE – Associação Científica dos Enfermeiros, Suplemento Enformação, 8-15. Asselin, J., Salami, E., Osunlana, A. M., Ogunleye, A. A., Cave, A., Johnson, J. A., . . . Campbell-Scherer, D. L. (2017). 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Retrieved from http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs311/en/ 69 Anexo 1 Checklist para a gestão da obesidade – Pedir permissão, Avaliar, Aconselhar, Concordar e Acompanhar (PAACA) • Pedir permissão para falar sobre o peso • Explorar prontidão para a mudança • Caso não haja permissão, aproveitar para discutir preocupações e outros assuntos de saúde e perguntar se no futuro se poderá falar sobre o peso • Avaliar Índice de Massa Corporal (IMC) e perímetro da cintura (PC) • Avaliar determinantes (4 Ms: Mentais, Mecânicos, Metabólicos e Monetários) e impacto da obesidade • Identificar causa(s) do ganho de peso • • • • Aconselhar sobre os riscos da obesidade Explicar os benefícios da perda de peso Explicar a necessidade de estratégias a longo prazo Discutir opções de tratamento • Sono, gestão de tempo e stress • Intervenções dietéticas • Atividade física • Intervenções psicológicas • Dieta hipocalórica • Terapêutica medicamentosa • Cirurgia bariátrica • Concordar em expetativas realistas de perda de peso • Focar em objetivos comportamentais sustentáveis e em resultados em saúde • Concordar num plano de tratamento • • • • Identificar e abordar fatores facilitadores e barreiras Fornecer informação e recursos credíveis Referenciar ao(s) profissional(is) de saúde adequado(s) Agendar seguimento Fonte: Bermudez, Feliz, & Rodrigues, 2018. Relatório de projeto da pós-graduação em literacia em saúde. Lisboa: ISPA. 70 Anexo 1 (cont.) • Avaliação do risco de doença com base no IMC e PC Risco de Doença Perímetro da Cintura (cm) Classificação do IMC (kg/m2) ≤ 88 em mulheres ≤ 102 em homens > 88 em mulheres > 102 em homens Pré-obesidade (25-29,9) Obesidade de classe 1 (30-34,9) Obesidade de classe 2 (35-39,9) Obesidade de classe 3 (≥ 40) Aumentado Alto Muito alto Extremamente alto Alto Muito alto Muito alto Extremamente alto • • • 4Ms: Os determinantes da obesidade Cognição Apneia do sono Diabetes tipo 2 Depressão Osteoartrose Dislipidémia Emprego Défice de atenção Dor crónica HTA Rendimentos Dependências Doença de refluxo Gota Incapacidades Psicose Incontinência Fígado gordo Seguro de saúde Distúrbios alimentares Trombose Cálculo biliar Recursos bariátricos Trauma Intertrigo DPCO Insónia Fasceíte plantar Cancro Programas de perda peso Educação Identifique a(s) causa(s) do ganho de peso • Metabolismo lento? Idade, hormonas, genética, baixa massa muscular, medicação; • Aumento da ingestão calórica? Fatores socioeconómicos, ingestão emocional, problemas de saúde mental, medicação; • Diminuição da atividade física? Fatores socioculturais, limitações socioeconómicas, dor/limitações físicas, fatores emocionais, medicação. Estratégias para abordagem ao paciente • O peso é um tema sensível para muitas pessoas, evite abordagens do tipo: Coma menos, mexa-se mais! ou Não se preocupa com a sua saúde? • Utilize uma abordagem colaborativa colocando a pessoa no centro da tomada de decisão. • Utilize linguagem clara, acessível e sem jargão técnico. • Utilize o Modelo ACP (Assertividade, Clareza e Positividade). • Use perguntas abertas e faça resumos. • Utilize a técnica de Teach-back. • Utilize recursos adequados à pessoa (imagens, vídeos, etc.). • Tenha uma prática «amiga do peso», disponibilizando equipamento robusto (e.g., cadeiras largas, balança com capacidade até 200kg ou braçadeira do esfigmomanómetro larga). 71 Anexo 2 Consentimento Informado e Guião para o Focus Group Consentimento Informado Declaro ter recebido informação sobre os objetivos da realização do focus group relativo à “Orientação para a gestão da obesidade – Pedir permissão, Avaliar, Aconselhar, Concordar e Acompanhar (PAACA)” e aceitar de livre vontade participar na sessão. Sei que posso interromper a qualquer momento a minha participação. Os dados recolhidos nesta iniciativa serão utilizados para a análise científica no âmbito do Curso de Pós-Graduação em Literacia em Saúde: Modelos, Estratégias e Intervenção, do ISPA – Instituto Universitário. Assinatura__________________________ Data__/__/_____ Guião para o Focus Group Breve explicação da “Orientação para a gestão da obesidade – Pedir permissão, Avaliar, Aconselhar, Concordar e Acompanhar (PAACA)”. Questões para o Focus Group no âmbito desta temática: 1) Que termos considera preferidos ou menos ofensivos para falar sobre esse tema: peso; IMC; problema de peso; obesidade/obeso; grande volume; excesso de peso; excesso de gordura. Que outros termos aconselharia? E porquê? 2) Acha útil uma ferramenta como o PAACA para a abordagem da obesidade na consulta? 3) Como considera que o tema da obesidade deva ser iniciado com o seu paciente? Como faria caso o paciente se recusasse a falar sobre o assunto? 4) Como abordaria as barreiras à gestão do peso? Considera importante que seja incluído na consulta um familiar ou amigo? 5) O que considera importante aconselhar ao seu paciente com obesidade? 6) O que considera importante transmitir ao seu paciente, caso concorde em iniciar um programa de perda de peso? 7) O que considera importante transmitir ao seu paciente para acompanhamento num programa de perda de peso? 72 Anexo 2 (cont.) Na tabela seguinte, assinale com um X onde considera mais pertinente a abordagem do instrumento PAACA (colocar o item da coluna à esquerda). PAACA Pedir Permissão Avaliar Aconselhar Concordar Acompanhar Identificar barreiras Riscos da obesidade Referenciar Classe da obesidade Definir objetivos específicos, mensuráveis, atingíveis, recompensadores e oportunos Fornecer informações e recursos credíveis para a autogestão da obesidade Opções de tratamento Definir plano realista Determinar potenciais causas para o aumento do peso Explorar prontidão para a mudança Como citar? Feliz, J., Brito, M., & Rodrigues, P. (2019). Melhorar a literacia em saúde: Checklist para a gestão da obesidade em adultos em cuidados de saúde primários. In C. Lopes & C. V. Almeida (Coords.), Literacia em saúde na prática (pp. 55-73). Lisboa: Edições ISPA [ebook]. 73 LITERACIA EM SAÚDE DO SONO DE CRIANÇAS EM IDADE PRÉ-ESCOLAR: INSTRUMENTOS FACILITADORES NO AUMENTO DAS COMPETÊNCIAS PARENTAIS Cristiana de Jesus / Joana Luís da Conceição / Susana Espadaneira Introdução Tendo em conta as grandes transformações culturais, demográficas, políticas, financeiras e sociais que se observam no nosso quotidiano, existe um reflexo na alteração das famílias portuguesas e na necessidade/modelo de intervenção em saúde. Urge a necessidade de efetivar uma reestruturação/adaptação desta mesma intervenção, com enfoque na promoção de competências e potencialidades da família, ao invés do foco na problemática e nas dificuldades sentidas pelas mesmas (Dinis, Ribeiro, & Francisco, 2014). O tornar-se pai e mãe corresponde a um processo cheio de transições. O nascimento do filho não é só uma mudança na vida de uma família, mas também um evento de reorganização individual e conjugal. A mestria nas competências parentais influencia o modo como a mãe e o pai interpretam o seu próprio comportamento e o comportamento da criança. De facto, quanto maior é o nível de conhecimentos e habilidades das mães e dos pais, maior a probabilidade de criarem um ambiente adequado ao desenvolvimento saudável e de estarem mais sensíveis às necessidades das crianças (Cardoso, Silva, & Marín, 2015). Dando continuidade ao termo e importância das necessidades das crianças, a 21 de setembro de 1990, na Convenção sobre os Direitos da Criança, foi definido o conceito de competências parentais com o reconhecimento do princípio de que ambos os pais têm uma responsabilidade comum na educação e no desenvolvimento da criança. O interesse superior da criança deve constituir a sua preocupação fundamental. Sendo que, “cabe aos pais a principal responsabilidade comum de educar a criança, e o Estado deve ajudá-los a exercer esta responsa75 bilidade. O Estado deve conceder uma ajuda apropriada aos pais na educação dos filhos”. De forma a permitir aos pais fortalecer as suas competências em relação ao crescimento dos seus filhos e nas tomadas de decisão que daí advêm, torna-se importante aumentar a literacia em saúde dos pais, ou seja, capacitá-los para um conjunto de competências cognitivas e sociais, para que possam aceder, compreender e utilizar a informação em saúde, promover tomadas de decisão fundamentadas no seu quotidiano e ao longo de todo o ciclo de vida, assegurando uma melhor saúde individual e da sua família (WHO, 1998). O conceito de literacia em saúde inclui, não apenas a procura e compreensão da informação, mas também o controlo do indivíduo sobre a sua saúde, a sua capacidade para aplicar a informação e para assumir responsabilidades sobre a sua saúde (Kickbusch & Maag, 2005; WHO, 2009). O nível de literacia em saúde do indivíduo tem implicações diretas na sua capacidade em navegar no sistema de saúde, como, por exemplo, procurar serviços ou preencher formulários, partilhar informações pessoais (como a sua história de doença com os profissionais), gerir os seus autocuidados, cumprir indicações médicas e compreender conceitos numéricos como probabilidade ou risco. Todas estas dimensões são fundamentais para garantir que o indivíduo “toma o controlo” da sua saúde, bem como da saúde da sua família e dos seus descendentes. Por exemplo, as competências de numeracia são elementos-chave em literacia em saúde, uma mãe/pai precisa de calcular medidas de medicação para baixar a febre do seu filho, compreender rótulos alimentares, calcular a quantidade de açúcar ingerida por uma criança diabética ou mesmo calcular a hora de deitar da criança para garantir as horas de sono adequadas por noite. Nessa perspetiva, as baixas competências em literacia em saúde podem, deste modo, ser uma barreira no acesso a informações e cuidados de saúde, uso de medicamentos e prevenção de doenças (Nutbeam, 2000). Baixos níveis de literacia estão ligados a piores resultados de saúde individuais, maiores taxas de hospitalização e menor uso de serviços 76 preventivos de doença, o que leva consequentemente a um aumento com os custos de saúde do país (Kirsch, Jungeblut, Jenkins, & Kolstad, 1993). As populações com menores níveis de literacia em saúde são os idosos, minorias étnicas, indivíduos com baixa escolaridade e indivíduos de níveis socioeconómicos mais baixos que, por sua vez, também são aqueles que têm níveis de saúde mais baixos (Adler & Newman, 2002). Mas não só as pessoas com baixa escolaridade em saúde são menos saudáveis; são também menos capazes de lidar com doenças crónicas, têm menos conhecimento sobre saúde e têm dificuldades para ler e entender informações ou conselhos médicos (Davis, Wolf, & Bass, 2006). São ainda estas populações as que têm conhecimentos mais baixos acerca do seu organismo e causas de doença, sendo mais difícil compreenderem as relações de causalidade entre hábitos de vida saudável, como o exercício, a alimentação ou o sono. Literacia em Saúde do sono infantil O sono é cada vez mais reconhecido como um fator determinante na saúde infantil. Embora a importância do sono seja reconhecida, estima-se que em Portugal 25% das crianças tenham, em alguma fase da sua infância, uma perturbação do sono (Morais, Veiga, & Estevão, 2007). O aumento da literacia em saúde do sono dos pais/cuidadores é fundamental para aumentar o seu conhecimento, a sua motivação e as suas competências para promoverem hábitos de sono saudáveis e reconhecerem problemas de sono nos seus filhos, promovendo a saúde infantil (Bonuck, Blank, True-Felt, & Chervin, 2016). Desde o nascimento até à idade escolar é possível verificar a ocorrência de várias alterações do sono, consequentes do desenvolvimento da criança e do ambiente à sua volta (Khan et al., 2004), podendo este último contribuir de forma significativa para a qualidade do sono. O sono é entendido como um importante indicador de saúde 77 e um determinante de qualidade de vida, sendo uma necessidade biológica necessária para o funcionamento adequado à manutenção da vida. Caracterizado por uma postura específica – olhos fechados e numa posição deitada –, uma redução da atividade motora e uma interação diminuída com o ambiente, sendo um período importante para a regeneração fisiológica geral e mais especificamente para alguns processos internos cerebrais. É considerado um fenómeno universal e social. Na criança, o sono normal deve satisfazer as suas necessidades de acordo com a idade e a cultura e deve cumprir parâmetros mensuráveis, critérios somáticos, psicológicos e comportamentais, de acordo com critérios descritos na literatura (WHO, 2004). Ohayon et al. (2017) consideram como bons indicadores de qualidade de sono: curtos períodos de latência do sono (entre os 0 e os 15 minutos), a ocorrência de 0 a um despertar por noite superior a cinco minutos ao longo do sono, quantidade de tempo desperto após o início do sono ≤ 20 minutos e eficácia do sono ≥ 85%. Todos estes indicadores parecem ser influenciados por comportamentos associados ao sono e à hora de dormir, ou seja, à higiene do sono, como se verifica no estudo de Mindell, Li, Sadeh, Kwon e Goh (2015), onde as crianças com uma prática mais consistente de rotinas de sono conseguiram apresentar resultados dentro dos indicadores anteriormente referidos. A “higiene do sono” é um conceito de literacia em saúde do sono que compreende modificações no ambiente do sono, práticas e rotinas dos pais e da criança, favoráveis a um sono de boa qualidade e de duração suficiente. Além disso, inclui a prática de atividades no período de vigília que favoreçam a chegada ao momento do sono, de maneira a propiciá-lo (Gruber et al., citado por Halal & Nunes, 2014). Desta forma, as recomendações para um sono saudável em crianças de idade pré-escolar são feitas ao nível da quantidade de sono, com o reconhecimento da necessidade e promoção de horários de deitar regulares que permitam à criança dormir o número adequado de horas, incluindo a sesta; ao nível da qualidade do sono, com práticas de higiene de sono, estabelecendo uma rotina de deitar, com atividades como a higiene pessoal da criança e o contar histórias, que preceda a 78 ida para a cama e seja sempre idêntica e com a eliminação de tecnologia antes de adormecer (Sociedade Portuguesa de Pediatria, 2017). Os estudos de Beebe (2011) e de Mindell et al. (2015) associaram a existência de uma rotina na hora de dormir à qualidade do sono das crianças, bem como à diminuição de problemas de comportamento diurnos, apontando para uma relação direta entre o aumento dos ganhos em ambos os níveis e uma maior frequência na prática dessa rotina, com resultados também a longo prazo. Ambos os estudos corroboraram Turnbull, Reid e Morton (2013), que afirmavam existir evidências de que um sono inadequado teria influência sobre funções executivas importantes para o quotidiano de uma criança, nomeadamente a nível comportamental. A Sociedade Portuguesa de Pediatria (SPP, 2017) e os estudos de Silva, Silva, Braga e Neto (2013) e de Mindell e Williamson (2018) evidenciam consequências a curto prazo: (a) humor e afetos: com o aumento da reatividade emocional e humor variável; (b) neurocognitivas: com diminuição da atenção, incapacidade de concluir tarefas, diminuição da flexibilidade do pensamento, diminuição do raciocínio abstrato, perturbação da memória; (c) comportamentais: sonolência diurna, agressividade, impulsividade/hiperatividade; e (d) motoras: com diminuição da destreza motora, aumento de lesões acidentais e quedas frequentes. Evidenciam também consequências a longo prazo: (e) diminuição do rendimento escolar: hiperatividade e défice de atenção, ansiedade e depressão; podendo também ocorrer alterações orgânicas: (f) alteração da função endócrina, alteração da função imunológica, alteração do metabolismo do açúcar, obesidade/excesso ponderal; e (g) perturbações da vida familiar: com aumento dos riscos de depressão familiar e disfunção familiar. O estudo de Mindell e Williamson (2018) acrescenta ainda que a existência de uma rotina na hora de dormir é também essencial, por proporcionar um momento de bem-estar geral, cuidando a nível físico e emocional, levando a uma estimulação precoce da criança. Embora seja cada vez mais reconhecida a importância do sono na saúde, existem ainda poucos estudos sobre esta questão no nosso país, baseados em inquéritos padronizados. O questionário Portuguese 79 Children’s Sleep Habits Questionnaire (CSHQ-PT) tem por objetivo avaliar os hábitos de sono e detetar eventuais problemas associados. A sua aplicação à população portuguesa demonstrou que os problemas comportamentais do sono e a sua privação são frequentes, mas culturalmente aceites por uma grande parte dos pais (Silva, Silva, Braga, & Neto, 2014). A Sociedade Portuguesa de Pediatria (2017) divulgou recomendações para a prática da sesta da criança em idade pré-escolar, elaboradas por um painel nacional de reconhecidos peritos dedicados ao estudo do sono e ao neuro-desenvolvimento em idade pediátrica. Estas recomendações têm como objetivo uniformizar e promover melhores práticas para o sono noturno e para a sesta das crianças. É aconselhado que as crianças em idade pré-escolar realizem 10 a 13 horas de sono/dia, entre 10 a 11 de horas de sono noturno e 1 a 3 horas de sesta. Uma vez que, em Portugal, as crianças, principalmente as que frequentam os estabelecimentos públicos, em norma não realizam a sesta após os três anos de idade, associando fatores ambientais como a rotina familiar e fatores sociais, como longas deslocações para o trabalho e para a escola, obtemos um elevado número de crianças com privação crónica de sono, reforçando a necessidade de promover a literacia dos pais/educadores/profissionais de saúde em relação a esta temática. Método Objetivos O presente trabalho descreve os procedimentos no projeto Almofada Amiga, um projeto de produção e disseminação de informação sobre o sono infantil, tendo como finalidade melhorar a literacia em saúde dos pais e outros cuidadores de crianças em idade pré-escolar, através da disseminação de mensagens e utilização de instrumentos baseados na evidência científica e veiculadas por materiais escritos e visuais acerca da higiene do sono infantil. 80 O projeto proposto tem como objetivo melhorar as rotinas de sono de crianças em idade pré-escolar, entre os três e os seis anos de idade, aumentando a consciencialização e prática dos pais sobre os benefícios das rotinas do sono, através da criação de instrumentos facilitadores no aumento das competências parentais. Objetivos de desempenho OD1 Aumentar a consciência dos pais do número de horas de sono adequado à criança. OD2 Aumentar a consciência dos pais da necessidade de uma rotina associada ao deitar. OD3 Diminuir o uso de tecnologias antes de dormir. A idade pré-escolar é um momento-chave para a promoção deste tipo de hábitos, permitindo a sua aquisição e consolidação ao longo do ciclo de vida (Bonuck et al., 2016). É também nesta fase de vida que os progenitores têm um papel fulcral de capacitação das crianças na consolidação de hábitos de sono saudáveis. A metodologia utilizada, numa fase inicial, passou pelo levantamento de informação sobre a problemática do sono em crianças de idade pré-escolar e recomendações para atenuar tal ocorrência, levando à seleção e criação de instrumentos de uso simples, práticos e fáceis de introduzir na rotina de sono das crianças em idade pré-escolar, que fossem ao encontro das recomendações quer ao nível da quantidade quer da qualidade de sono. O público-alvo são pais de crianças em idade pré-escolar, a nível individual, e os profissionais de saúde do Sistema Nacional de Saúde (SNS), a nível comunitário, por se tratar de um serviço que garante maior equidade e ser de cobertura universal (Cardoso, Silva, & Marin, 2015), garantindo o acesso das ferramentas e estratégias desenvolvidas a um universo mais abrangente de utilizadores. Foi feito um levantamento das ações e materiais já existentes em Portugal, promovidos por organizações não privadas e que visavam esta temática (Tabela 1). 81 Tabela 1 Projetos de literacia em saúde do sono da criança em Portugal Organização Características Vantagens Limitações Vitinho RTP + Milupa Anúncio televisivo da década de 80/90 Qualidade de sono: Rotina ao deitar Quantidade de sono: Indicador de hora de deitar Disseminação na https://www.youtube.com/ atualidade não chega watch?v=nT5mfFpi1HA a grande parte da população devido ao elevado números de canais televisivos Nuvem Vitória Grupo de voluntariado no Hospital de Santa Maria, em expansão para Porto, Cascais e Vila Franca de Xira Promoção de hábitos saudáveis de sono em contexto hospitalar Qualidade de sono: Rotina ao deitar – leitura de história Quantidade de sono: Indicador de hora de deitar Foco em âmbito hospitalar http://nuvemvitoria.pt Higiene do Associação Portuguesa sono da criança do Sono e Sociedade e adolescente Portuguesa de Pediatria (SPP) Materiais pedagógicos e recomendações para pais Qualidade de sono Quantidade de sono Materiais informativos e recomendações escritas, com maior aplicação para segmentos com níveis adequados ou elevados de literacia em saúde https://www.apsono.com/index.php/pt/ centro-de-documentacao/centro-de-doc/ 52-higiene-do-sono-da-crianca-e-doadolescente Dormir + Ler Melhor Projeto de educação para a saúde em âmbito escolar Qualidade de sono: Rotina ao deitar Aplicação em contexto escolar e com maior enfoque no 1º ciclo https://repositorio.ucp.pt/bitstream/ 10400.14/21253/1/Sono-Escolas.pdf 82 Projeto Plano Nacional de Leitura e Centro de Eletroencefalografia e Neurofisiologia Clínica Acesso Produção de materiais A elaboração e a produção dos materiais seguiram um processo sistemático de seleção de mensagens, desenvolvimento de conteúdos, revisão e avaliação. Num primeiro momento foram considerados os fatores de higiene de sono identificados na revisão da literatura. Os materiais foram produzidos e revistos pela equipa multidisciplinar do projeto (psicólogo, assistente social e terapeuta da fala), bem como por experts das áreas da saúde, educação e comunicação (dois médicos de família, um enfermeiro, dois professores e dois técnicos de comunicação). A produção e a revisão dos materiais consideraram o conteúdo, mas sobretudo tiveram em conta os baixos níveis de literacia da população portuguesa, enfatizando a produção de materiais escritos com linguagem muito simples e acessível e recurso a imagens e ícones de caráter universal. Foram consideradas as recomendações para produção de materiais que têm por base a metodologia Plain Language (Rudd, 2012; US Plain Language Action and Infomation Network, 2011). Considerando as orientações para a produção de materiais para a população em geral, no desenvolvimento das mensagens foi utilizada uma linguagem coloquial, com frases pequenas e simples, uso de ícones ilustrativos das mensagens e voz ativa. Para se analisar os níveis de literacia, necessidades e contextos de interação diferentes, decorrentes da realidade de cada indivíduo e família, foram desenvolvidos materiais adaptados às necessidades das famílias e crianças. Ao longo de todo o processo de produção dos materiais foram consultados os profissionais de saúde ao nível dos cuidados de saúde primários, de educação e de comunicação. Tendo em conta as recomendações, e de acordo com o objetivo deste projeto, definiram-se três objetivos de desempenho e os respetivos instrumentos a serem construídos para o efeito, evidenciados na Tabela 2. 83 Tabela 2 Objetivos de desempenho para promover a literacia em saúde do sono da criança em idade pré-escolar Objetivo de desempenho (OD) OD1 Consciência do número de horas que tem de dormir OD2 Consciência da necessidade de uma rotina associada ao deitar OD3 Diminuição do uso de tecnologias antes de dormir Determinante Individual Individual Individual Técnica (Modelo) Crenças de saúde Implementação de intenções Transteórico Instrumentos Calculadora de hora de dormir Íman com rotina de deitar Autocolante de sensibilização nos aparelhos De forma a operacionalizar o OD1 foi construída uma Calculadora de Hora de Dormir (ver Anexo 1), com base no Modelo de Crenças em Saúde – dispor informação, feedback ou confrontação sobre causas, consequências e alternativas para um comportamento, aumentando a autoeficácia e capacidade de resolução de problemas (Becker & Maiman, 1975; Leventhal, Benyamini, Brownlee, Petrie, & Weinman, 1997; Rosenstock, 1996). Este instrumento é produzido através de um algoritmo de horas de sono, de acordo com as recomendações da SPP, adaptado à idade pré-escolar, embora seja possível ser utilizado em crianças até aos 10 anos. Inicialmente utilizado pelo profissional de saúde que, em consulta, permite dar uma indicação precisa aos pais/educadores da hora de deitar das crianças, em função da hora em que estas acordam, sendo depois disponibilizada em formato de papel para que os pais possam levar consigo e colocar em prática. É um método simples, com apresentação inicial em formato digital, permitindo ser feita uma apresentação oral, tendo também uma base escrita, uma vez que é depois impressa. Promove o conceito de Teach-back (Kay & Kibble, 2016), assegurando que os pais compreenderam as recomendações feitas. Esta ferramenta é ainda uma mais-valia, pois diminui a necessidade do cálculo de horas de forma manual, indicando a necessidade de sesta e reforçando a rotina ao deitar. A calculadora de horas de sono aparece como instrumento de reforço à aprendizagem, podendo 84 considerar-se adequada a qualquer nível de literacia. Inclui sugestões práticas e fomenta a tomada de decisão, perceção de autoeficácia e manutenção do comportamento. Para operacionalizar o OD2 foi construído um íman com rotina de deitar (ver Anexo 2) onde se encontram imagens da rotina a adotar antes de ir para a cama: arrumar os brinquedos, vestir o pijama, lavar os dentes e ler uma história – acentuado no Modelo de Implementação de Intenções, isto é, desenvolvimento de instrumentos orientadores da situação, direcionando o comportamento para o cumprimento dos objetivos (Gollwitzer, 1993, 1996). As imagens são de cariz infantil de forma a ser apelativo para a criança, existindo por baixo de cada imagem uma almofada, que deverá ser preenchida pelo pai/mãe/educador ou pela criança com recurso a caneta de feltro sempre que a tarefa correspondente esteja cumprida. Este é um instrumento de reforço positivo que também poderá ajudar a capacitar a criança para a autonomia e atende às necessidades de famílias com níveis mais baixos de literacia. Por sua vez, para operacionalizar o OD3 foi construído um autocolante (ver Anexo 3) com vista à sensibilização para a não utilização de aparelhos eletrónicos uma hora antes de se deitar. Trata-se de um instrumento visual (apenas imagem), que recorre a ícones universais para utilização em diversos aparelhos eletrónicos, sendo um recurso para pais e filhos e adequado a todos os níveis de literacia. Foi construído com base no Modelo Transteórico, providencia oportunidades para a resolução de questões pessoais relacionadas com o progresso individual na mudança comportamental. Estimula a avaliação cognitiva e afetiva do impacto negativo do comportamento não saudável e o impacto positivo do comportamento saudável (Prochaska e Velicer, 1997). Dedicou-se especial atenção à consistência entre a imagem e o conteúdo e procurou-se encontrar uma identidade para o projeto (ver Anexo 4), com um nome e logotipo que promovessem o conceito de bem-estar e aconchego, elementos propícios a uma noite tranquila. Assim, a designação Almofada Amiga decorre das dificuldades sentidas pelos pais na hora de deitar, como a resistência na ida para cama, remetendo o conceito de almofada como o amigo na hora de dormir. A almofada representa o objeto de transição que muitas destas crianças 85 têm na hora de dormir e que facilita o adormecimento autónomo na sua cama. A humanização da almofada com características da figura humana pretende simbolizar o conforto da presença na hora de adormecer. Fase de teste Uma vez criados estes materiais é necessário passar à fase de experimentação, onde será selecionado um centro de saúde onde os materiais serão apresentados aos médicos de família e enfermeiros que trabalhem na área da saúde infantil, através de sessões de esclarecimento onde é mostrada a relevância do projeto, a necessidade de capacitar os pais em relação ao sono dos seus filhos, os materiais criados e a sua forma de utilização. Após a realização da consulta, onde os materiais são distribuídos, será solicitada à família que marque nova consulta passado um mês, de forma a efetuar um levantamento das opiniões das famílias sobre o uso dos materiais, com recurso ao preenchimento de um questionário de satisfação/opinião e avaliação de mudança de comportamentos de sono. Após o tempo de experimentação é realizado, junto dos médicos de família e enfermeiros que utilizaram os materiais nas suas consultas, um levantamento dos aspetos positivos de cada um dos materiais, tendo em conta a sua perspetiva e o feedback dado pelos pais durante a consulta, bem como os aspetos a melhorar nos materiais ou na forma de disseminação dos mesmos. Com base nas opiniões recolhidas serão feitas as restruturações necessárias. Plano de marketing Após a fase de teste proceder-se-á à fase de divulgação, sendo apresentado de seguida o plano de marketing. Público-alvo Pais com crianças em idade pré-escolar, residentes em meio urbano, que estejam profissionalmente ativos. A expectativa destes pais deverá 86 ser melhorar o nível de saúde dos seus filhos, diminuir birras, sonolência diurna, alterações de humor. Produto Almofada Amiga: calculadora, íman de rotina e autocolante. Objetivos a alcançar Aumentar o número de horas de sono e melhorar a higiene do sono das crianças em idade pré-escolar que frequentam o Agrupamento de Centros de Saúde selecionado para a fase de divulgação do projeto. Estratégias 01) Envio de press release para os meios de comunicação locais e de disseminação sobre a problemática do sono infantil. 02) Divulgação via email do projeto junto dos profissionais do Agrupamento de Centros de Saúde selecionado para a fase de divulgação do projeto. 03) Agendamento de reunião com Direção do Agrupamento de Centros de Saúde para apresentação do projeto. 04) Convite via email para workshops de apresentação do projeto aos profissionais de saúde envolvidos na consulta de avaliação de desenvolvimento infantil (médicos e enfermeiros). 05) Realização do workshop com os profissionais de saúde e disponibilização dos materiais e instrumentos em formato digital e papel. 06) Realização de acompanhamento inicial da implementação do projeto após duas semanas da realização do workshop. 07) Convite para evento de apresentação do projeto aos agrupamentos de escolas, à área de educação e saúde da autarquia e às associações de pais para sessão sobre a importância do sono nas crianças em idade pré-escolar e para apresentação do projeto que, na altura, estará a ser realizado em parceria com o Agrupamento de Centros de Saúde. 08) Realização de acompanhamento da implementação do projeto com os profissionais de saúde, após oito semanas da realização do workshop. 87 09) Realização de quatro ações dirigidas a pais sobre a literacia em saúde do sono infantil em colaboração com o agrupamento de escolas. 10) Envio de press release aos meios de comunicação locais e de disseminação sobre o projeto Almofada Amiga. 11) Realização de avaliação da fase de implementação do projeto com os profissionais de saúde, após 16 semanas da realização do workshop. 12) Entrega de questionário de avaliação da satisfação/mudança comportamental dos pais aos profissionais de saúde envolvidos no projeto. 13) Recolha dos questionários de avaliação e tratamento da informação e feedback. 14) Reavaliação do projeto e alteração em instrumentos ou metodologia em função do feedback dos profissionais de saúde e pais envolvidos nesta fase de divulgação. 15) Realização de relatório de avaliação do projeto. 16) Partilha através de documento digital dos resultados do projeto para a Direção de Agrupamento de Centros de Saúde, Direção de Agrupamento Escolar e Direção da Associação de Pais. Reflexão Crítica O projeto Almofada Amiga foi iniciado com o objetivo de produzir e disponibilizar um conjunto de informação e ferramentas para os profissionais de saúde capacitarem pais e educadores na promoção do sono infantil numa fase etária crucial para a adoção e manutenção de hábitos saudáveis de higiene do sono. A metodologia usada na produção dos instrumentos investiu na transladação do conhecimento produzido pela evidência científica para a utilização nas práticas do dia-a-dia da população. O resultado foi um conjunto de materiais baseados na melhor evidência disponível, adaptados às necessidades específicas dos diferentes utilizadores (em consulta, em casa, em interação com a criança) e adequados a diferentes níveis de literacia em saúde, orientando a sua acessibilidade a pessoas com níveis de literacia mais baixos. A forma como são apresentadas as propostas de instrumentos para melhorar o sono infantil, bem como o 88 papel dos profissionais de saúde na utilização dos materiais disponíveis, basearam-se em modelos teóricos comportamentais úteis para apoio na mudança de comportamentos. No nosso país, a importância da promoção de hábitos de sono saudáveis em idade infantil não é uma área amplamente trabalhada pelos profissionais de saúde, sendo o foco muito orientado para os distúrbios de sono. De acordo com Bonuck et al. (2016), as intervenções nos hábitos de sono em idade pré-escolar são mais eficazes e com menor resistência por parte das crianças do que intervenções em idades mais tardias. O facto do projeto Almofada Amiga estar ainda em fase de implementação não permite aferir quais os principais pontos críticos da compreensão e gestão do problema do sono infantil pelos diferentes intervenientes: profissionais de saúde, pais e crianças. Contudo, sabe-se que o sono (de má qualidade) extravasa a célula familiar e está também relacionado com a comunidade educativa. Por exemplo, no que concerne à prática da sesta que, pelo seu desuso, coloca em privação crónica de sono muitas das crianças que frequentam o ensino pré-escolar público e privado do nosso país, conforme refere o relatório da SPP sobre a importância da regulação da prática da sesta em ambiente pré-escolar. A problemática do sono infantil é, sem dúvida, uma área que merece atenção, existindo necessidade de investir na promoção da literacia em saúde do sono, capacitando da melhor forma os profissionais envolventes. Uma abordagem sistémica do tema sono junto dos pais, profissionais de saúde e de educação é fundamental, já que a instituição de regras para uma boa higiene de sono em idade pré-escolar pode beneficiar a longo prazo o crescimento das crianças. O estudo de Blunden, Benveniste e Thompson (2016) considera importante toda a comunidade compreender a importância da higiene do sono no desenvolvimento de uma criança, de forma a prevenir o surgimento de problemas associados. Essa prevenção é uma mais-valia para os pais/cuidadores, mas também para o sistema de saúde, podendo diminuir a procura de atendimento especializado, como afirmam Halal e Nunes (2014). 89 Urge a necessidade de um trabalho com base no modelo socioecológico (McLeroy, Bibeau, Steckler, & Glanz, 1988), trabalhando em múltiplos níveis com o mesmo fim. Trabalha-se conjuntamente o inter e intrapessoal, a parte organizacional (trabalhando as regras, regulamentos, políticas que promovem comportamentos), o comunitário/ /sociedade e as políticas públicas. Ou seja, agrupa-se entre políticos, profissionais de saúde, profissionais de educação e famílias a capacitação de que toda a informação de saúde e os seus serviços possam ser compreendidos e utilizados por todos. Assim, garante-se uma melhor gestão das doenças individuais, uma utilização apropriada dos cuidados de saúde, uma maior adesão aos tratamentos e um aumento da participação individual e coletiva em medidas preventivas. Os materiais desenvolvidos poderão ser parte integrante de programas desta natureza. A oportunidade de fazer formação aos intervenientes (profissionais de saúde e educadores de creches, jardins-de-infância, autarquias, entre outros), conforme está previsto no plano de marketing do projeto Almofada Amiga. A tríade investigação – prática – políticas (Galsgow, Green, Taylor, & Stange, 2012), que fomenta a aplicação da evidência científica na prática clínica e educação, pode apoiar intervenções mais eficazes, em que a conjugação de literacia em saúde e políticas públicas facilite comportamentos mais saudáveis nas crianças e, deste modo, possa levar à resolução de problemas de saúde na sociedade. Referências Adler, N. E., & Newman, K. (2002). 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Literacia em saúde do sono de crianças em idade pré-escolar: Instrumentos facilitadores no aumento das competências parentais. In C. Lopes & C. V. Almeida (Coords.), Literacia em saúde na prática (pp. 75-96). Lisboa: Edições ISPA [ebook]. 96 PROMOÇÃO DA LITERACIA EM SAÚDE ATRAVÉS DOS MEDIA Cecília Nunes / Marta Barroca / Paula Marino Introdução Literacia em saúde é o processo que possibilita a aquisição de conhecimentos e competências, levando à capacitação e motivação do indivíduo ou indivíduos, ao longo do seu ciclo de vida. Desta forma, teremos profissionais das áreas da saúde com empoderamento para transmitir a informação através dos meios adequados que permitam aos pacientes uma tomada de decisão mais consciente. Esta definição própria, elaborada pelas autoras, teve por base a adotada pela Organização Mundial da Saúde, ampla e inclusiva, que refere que a literacia em saúde está ligada à literacia e implica o conhecimento, a motivação e as competências das pessoas para aceder, compreender, avaliar e aplicar informação em saúde, de maneira a formar juízos e tomar decisões no quotidiano sobre cuidados de saúde, prevenção de doenças e promoção da saúde, de modo a manter ou melhorar a qualidade de vida durante o seu ciclo (Sørensen et al., 2012). A literacia em saúde em Portugal é problemática ou inadequada em 49% da população e alguns exemplos disso são que “mais de 40% dos portugueses não têm práticas regulares de leitura, numa avaliação da literacia em geral” ou “apenas 34% afirmam utilizar diariamente o correio eletrónico, 39% dizem nunca o usar, mais de 40% nunca usam a Internet para obter informações, nem usam um processador de texto” (Espanha, Ávila, & Mendes, 2016, p. 6). Existe um laço estreito entre a literacia em saúde e a comunicação, pois é através desta que se atingem patamares superiores na literacia (comunicação própria, 22 de abril, 2016). Communicare, do latim, significa “pôr em comum”, “entrar em relação com”, partilhar. É então desta partilha ou troca de mensagens, verbais, para-verbais e não97 -verbais, que nasce a possibilidade de compreensão entre os seres humanos, com vista a adaptarem-se uns aos outros, ao meio envolvente e a construírem a realidade social (Nunes, 2010). Segundo Pearce (1994), as mensagens não têm em si um significado, mas antes um uso – são um modo de fazer as coisas e não um simples meio de falar sobre as coisas –, sendo das ferramentas mais importantes para criar o mundo social. As mensagens têm um contexto e dependem da forma como o “eu”, o “outro”, a cultura, a relação e o momento interagem e se interinfluenciam. Existem duas subdimensões na literacia em saúde: a comunicação da informação (especialistas/comunicadores) e a decisão informada/ação (não-especialistas/recetores). Para ir da primeira para a segunda dimensão é necessário ultrapassar quatro etapas: (1) aceder/obter informação relevante para a saúde; (2) compreender informação relevante para a saúde; (3) apreciar/julgar/avaliar informação relevante para a saúde; e (4) aplicar/usar informação relevante para a saúde (comunicação pessoal, 23 de junho, 2018). A comunicação é omnipresente e “não se pode não comunicar” (R. Gaspar, comunicação pessoal, 23 de junho, 2018), por isso importa usar estratégias adequadas de comunicação (Watzlawick, Beavin, & Jackson, 2001). Quando se trata de comunicar em saúde esta premissa é fundamental, pois só assim se consegue apoiar e influenciar as decisões e ações do indivíduo, com vista a promover a sua saúde e reforçar as atitudes positivas na prevenção e tratamento de doenças, pretendendo melhorar a qualidade de vida individual, familiar e comunitária. Ao longo do tempo têm sido desenvolvidos vários modelos de comunicação em saúde, dos quais se destacam: o modelo centrado no cliente (Rogers, 1951), a teoria do comportamento planeado (Fishbein & Ajzen, 1985), o modelo de crenças em saúde (Rosenstock, 1974), a teoria da aprendizagem social (Bandura, 1970), o modelo transteórico de mudança de comportamentos (Prochaska & DiClemente, 1983), o modelo ecológico-social (McLeroy, Daniel, Allan, & Karen, 1988). Para este trabalho verificou-se que este último modelo pode ter grande utilidade uma vez que se baseia na alteração dos comportamentos 98 através de múltiplos níveis de influência e por uma causalidade recíproca em que os comportamentos individuais moldam e são moldados pelo ambiente social (Figura 1 e Tabela 1). Figura 1. Níveis de influência do modelo ecológico-social. Tabela 1 Características do modelo ecológico-social (McLeroy et al., 1988) Nível de influência O Modelo Ecológico Social – Social Ecological Model (SEM) Intrapessoal Características individuais que afetam o comportamento Interpessoal (famílias, amigos, pares) Processos interpessoais e grupos que dão identidade e suporte Organizacional Regras, regulamentos, políticas, estruturas (organizações comunitárias) que constringem ou promovem comportamentos Comunitário Redes sociais, redes comunitárias Políticas públicas (Estado, governo) Políticas e leis que suportam as práticas/teorias de saúde Os media serão então um dos principais motores para a comunicação em saúde, devido ao fácil acesso, à grande disseminação, ao elevado poder de persuasão e à sua significativa contribuição para as crenças e normativos sociais. Porém, a vantagem que tal representa no sentido de fomentar a literacia em saúde massiva da população poderá, em simultâneo, ser desvantagem caso a informação veiculada não seja 99 credível. Assiste-se cada vez mais à multiplicação de fontes de informação sobre saúde, mas não será a qualidade dessas fontes o mais importante? Produzir e transmitir mensagens credíveis sobre saúde implica baseá-las em argumentos racionais, casos concretos, pesquisas e estudos imparciais, isentos e livres, seja sobre empresas, produtos ou serviços de saúde. Assim, a comunicação credível terá alta recetividade e até uma relação custo-benefício mais vantajosa. Capacitar os cidadãos para selecionar esta informação e poder aplicá-la nas suas decisões sobre saúde é o grande desafio. Objetivos 1) Analisar a qualidade versus quantidade de algumas fontes de informação sobre saúde; 2) Distinguir fontes credíveis de não credíveis; 3) Contribuir para a capacitação do indivíduo para selecionar a informação mais credível sobre saúde disponibilizada nos media; 4) Sensibilizar os media para a necessidade de utilizar fontes credíveis na comunicação em saúde, dado que eles são agentes formadores para o público; 5) Promover o desenvolvimento de literacia em saúde na população através dos media. Método Foi utilizada uma metodologia qualitativa assente na revisão da literatura, análise documental e análise de conteúdo de um painel de especialistas em comunicação. Para a revisão de literatura foram definidos os termos de pesquisa MeSH: health literacy, mass media, medical journalism, empowerment. Pesquisaram-se artigos de revisão e estudos originais na base de dados MEDLINE e no portal da B-on, entre 01/02/2018 e 19/04/2018. Selecionaram-se estudos publicados em inglês ou português, nos últimos 100 10 anos, em humanos, que estivessem de acordo com os objetivos de pesquisa. Na análise documental selecionou-se informação sobre saúde proveniente de jornais/revistas (impressos e online), blogues e websites. Analisaram-se as tendências e padrões de conteúdo relativamente à sua credibilidade. O painel de especialistas em comunicação foi organizado pelos diretores da Pós-Graduação de Literacia em Saúde, Cristina Vaz de Almeida e Carlos Lopes, no dia 14/04/2018, no ISPA – Instituto Universitário, e durou cerca de 60 minutos. Contou com a participação das especialistas Paula Cordeiro, Célia Belim, Alice Campos e Almerinda Romeira. Para dinamizar o painel foram inicialmente introduzidos os temas Comunicação em Saúde nos Media, Segurança no Comunicar e Credibilidade da Fonte, seguindo-se um período de discussão livre por parte das especialistas. Apesar do discurso não ter sido gravado retiraram-se notas escritas a partir da observação, que posteriormente permitiram a análise de conteúdo e categorização do mesmo. Intervenções e Avaliação De acordo com o website www.jornaiserevistas.com, a imprensa escrita nacional inclui 20 jornais nacionais e 246 revistas, muitos dos quais disponíveis também online. Nove dos jornais nacionais abordam notícias gerais, onde se incluem temas de saúde. Cerca de 60 revistas são dedicadas a temas gerais da atualidade mas abordam temas de saúde em colunas dedicadas. Dezoito revistas são totalmente dedicadas a temas de saúde e bem-estar, das quais nove têm a palavra “saúde” na designação e sete têm designações diretamente relacionadas com saúde, como as palavras “diabetes” ou “gravidez”. Por outro lado, se se pesquisar na Internet a palavra “saúde” obtêm-se cerca de 667.000.000 resultados, em que os primeiros três remetem para o Serviço Nacional de Saúde ou Ministério da Saúde. Se se pesquisar pelos termos “blog + saúde” obtêm-se cerca de 16.800.000 resultados, todos eles de cidadãos comuns ou empresas privadas. 101 As fontes de informação são parte integrante da estratégia para abordar a literacia em saúde e podem ter três bases: pessoal (família e colegas – habitualmente os primeiros a quem se recorre pela confiança e proximidade), impessoal (especialistas – apesar de credíveis estão socialmente distantes) ou híbrida (web) (Katz & Lazarsfeld, 1955; Mutz, 1998). Os media incluem essencialmente as duas últimas. No entanto, é a informação credível sobre diversos assuntos que permite que o indivíduo tome decisões sustentadas e racionais, incluindo na esfera da saúde. Credibilidade é definida por um conjunto de atributos que torna o conteúdo valorizado por quem é exposto à mensagem (Sebastião & Almeida, 2018). É o grau em que o emissor é percebido pelo recetor como fonte fidedigna (Cassell, 1985). A literatura distingue fontes credíveis de não credíveis (Tabela 2), a saber: Tabela 2 Características que diferenciam fontes credíveis versus fontes não credíveis Fontes credíveis Fontes não credíveis • Autor é um dos especialistas na matéria • (ou há referências bibliográficas a estes): • Profissionais de saúde (médicos, • enfermeiros, nutricionistas, • psicólogos, terapeutas, …) • Entidades oficiais (DGS, SNS, • Ministério da Saúde, …) • Editores institucionais • Expertise – conhecimento e precisão • Elevada confiabilidade – intenções • apenas informativas, claras • Autor anónimo/figura pública • Opiniões pessoais • Ausência de referências bibliográficas • Editores comerciais • Mais apelativos e polémicos • Baixa confiabilidade – intenções • comerciais ou de negócio Fonte: Lopes (2013), Rouner (2008). A fim de corroborar esta definição foi obtida uma amostra de conveniência de peças noticiosas de jornais, revistas, blogues e sites que ilustrassem a informação sobre saúde em geral, sendo analisados o tipo de fontes utilizadas e a sua credibilidade. Constatou-se um padrão de referência a profissionais de saúde especialistas no tema ou a enti102 dades oficiais quando se pretende credibilizar a fonte de informação. Por outro lado, a tendência de não incluir o autor do texto, de mencionar opiniões de figuras públicas ou testemunhos de cidadãos não ligados à saúde e ainda o uso de imagens apelativas/cor/títulos em formato de slogan marcou as fontes consideradas não credíveis. Apresentam-se, de seguida, alguns exemplos. Exemplos de informação credível Figura 2. Notícia sobre saúde de um jornal, ilustrando fonte credível. Fonte: https://bit.ly/2qKqzxy Figura 3. Notícia sobre saúde, de uma revista, ilustrando fonte credível. Fonte: https://saudebemestar.com.pt/estatinas-sim-ou-nao/ 103 Figura 4. Biblioteca de Literacia em Saúde: Exemplo de fonte credível aplicada a um site. Fonte: http://biblioteca.sns.gov.pt/ Exemplos de informação não credível Figura 5. Blogue Tua Saúde: Exemplo de informação não credível aplicada a blogues. Fonte: www.tuasaude.com 104 Figura 6. Notícia sobre saúde, de uma revista, ilustrando fonte não credível. Fonte: revista Vida & Saúde Natural, nº 19, ano IV, 2018, p. 50. Apesar de já haver alguma evidência de preocupação com o rigor das fontes e sua credibilidade em alguns tipos de media, por vezes os conteúdos repetem-se entre si, podendo cair no risco de contradição, levantando a confusão entre os consumidores em vez de os esclarecer e educar. Deve-se refletir sobre a quantidade de informação em saúde que hoje em dia existe nos media. Esta noção de quantidade reflete a dimensão de “negócio” implícita no jornalismo, especialmente numa área nobre para a população, como a saúde. Há também que alertar o público para a grande diferença entre jornalismo e publicidade. Atualmente, o primeiro depende do segundo para subsistir e permanentemente a publicidade sobre produtos e serviços relacionados com a saúde invade a vida dos cidadãos. É fundamental estabelecer uma franca distinção entre o que é informar e o que é vender. Estas noções estão patentes na análise de conteúdo ao painel de especialistas em comunicação que ocorreu no ISPA – Instituto Universitário (Tabela 3). 105 Tabela 3 Categorização da análise de conteúdo do painel de especialistas em comunicação, ISPA – Instituto Universitário * Fake news e media digital Fake news constituem um negócio de propaganda produzida deliberadamente com um interesse específico e as redes sociais servem como meio multiplicador das mesmas, a grande velocidade e para um público fragmentado. “Se é fake, não é news, é propaganda” (Paula Cordeiro). “Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade. Fake news são um negócio e a inteligência artificial fomenta” (Almerinda Romeira). * Literacia mediática do público O público deve ter espírito crítico e saber distinguir publicidade de notícia, ler notícias, desconfiar das fontes, ter responsabilidade. Porém, falta fomentar estas competências nas escolas para formar cidadãos mais conscientes e mais informados. “A notícia gera emoção e por vezes tolda a nossa possibilidade de julgamento/ /avaliação da fonte. Falta ao público literacia mediática nas escolas” (Alice Campos). * Credibilidade da fonte O público deve aprender a cruzar e confrontar fontes. As autoridades públicas também devem apostar em campanhas de sensibilização dos cidadãos para a credibilidade da fonte. “Os cidadãos devem questionar-se sobre a data, local, a que se refere a informação” (Alice Campos). “Procurar o domínio dos websites é importante” (Paula Cordeiro). “Já existem dispositivos fake-check em muitos jornais e organizações” (Célia Belim). * O jornalista e a comunicação O jornalista tem responsabilidade social e segue um código deontológico. Ele faz a seleção da informação e acaba por manipulá-la, no entanto, pode fazê-lo sempre no domínio da verdade. Ao transmitir os factos ao público está a comunicar. Deve haver reflexões regulares sobre a forma como se comunica. “A comunicação é um direito humano e refletir sobre a sua definição é nato, devendo ser oferecida de forma clara e regulamentada” (Alice Campos). De acordo com um inquérito desenvolvido em maio de 2017 pela Comissão de Tecnologias de Informação em Saúde do Health Parliament Portugal, composta por 60 pessoas, entre os 21 e os 40 anos, de origens geográficas e percursos curriculares variados, perto de 90% dos inquiridos num estudo sobre literacia digital em saúde dizem utilizar com frequência a Internet para procurar informação sobre saúde, mas apenas 20% consideram credível essa informação. “Há uma diversidade imensa de fontes de informação em saúde na Internet, o famoso Dr. Google, mas a verdade é que não há uma metodologia de 106 certificação dessas fontes” (Agência Lusa, 2017). De forma a evitar que as notícias de saúde se tornem imprecisas e sensacionalistas, tendo o principal propósito de comercializar notícias, há que apostar não só no conhecimento das características do público-alvo, mas também na fiabilidade e credibilidade das fontes dessa informação (Aroso, 2016). Por outro lado, de modo a capacitar o cidadão para selecionar as fontes credíveis já foram criadas algumas ferramentas, como o site https://lifestyle.sapo.pt/saude/saude-e-medicina/artigos/os-melhoressites-de-saude, onde especialistas aconselham como procurar informação mais credível, divulgando sites credíveis (www.min-saude.pt/portal; www.nlm.nih.gov/medlineplus; www.cdc.gov; www.spreumatologia.pt; www.apa.org) e alertando para o domínio dos sites: pessoa (/alguém); companhia comercial (.com); instituição académica (.edu); governo (.gov); organização (.org); site referente a um país (.pt; .uk; .fr) (Sapo Life Style, 2018). A IFLA (International Federation of Library Associations, 2018) lançou igualmente algumas recomendações sobre o que se deve observar face a uma notícia (Tabela 4). Tabela 4 Recomendações da IFLA sobre como analisar uma informação/notícia Considere a fonte Leia mais Verifique o autor Fontes de apoio? Verifique a data Isto é uma piada? É preconceito? Consulte especialistas Clique fora da história para investigar o site, a sua missão e contacto Títulos chamam a atenção para obter cliques. Qual é a história completa? Faça uma breve pesquisa sobre o autor. Ele é confiável? Ele existe mesmo? Clique nos links. Verifique se a informação oferece apoio à história Republicar notícias antigas não significa que sejam relevantes atualmente Caso seja muito estranho, pode ser uma sátira. Pesquise sobre o site e o autor Avalie se os seus valores próprios e crenças podem afetar o seu julgamento Pergunte a um bibliotecário ou consulte um site de verificação gratuito Fonte: IFLA (2018). 107 Perante esta diversidade e velocidade com que os media transmitem informação, deve caber a cada cidadão ser responsável por aprender a interpretar a informação fornecida, incluindo aquela sobre saúde. Porém, nesta aprendizagem, que inclui aquisição de competências básicas em literacia numérica, mediática e também de saúde, o cidadão não pode estar sozinho. As responsabilidades de educação (incluindo para a saúde) devem estar incorporadas na função e no treino da família, dos pares, dos professores, dos profissionais da saúde e também dos media. Um estudo mostrou que 51,7% dos jornalistas acreditavam que o público usava a informação para simplesmente entender melhor os temas de saúde e apenas 6,4% admitia que essas informações tinham impacto na alteração dos comportamentos do público em relação à sua saúde (Hinnant, Len-Ríos, & Oh, 2012). Portanto, os jornalistas podem não estar bem conscientes da responsabilidade acrescida que representa comunicar em saúde (Azevedo, 2012). O jornalista de saúde deve conseguir fazer as perguntas certas em nome do público, como: qual a dimensão do estudo, quem o financia, quais as fases dos ensaios clínicos, quais os benefícios e danos de determinada intervenção ou medicamento, quais os conflitos de interesse dos investigadores envolvidos. Porém, há que transformar toda esta informação (mantendo a qualidade) e adaptá-la às características da audiência, para que não permaneça demasiadamente hermética na terminologia médica e, assim, pouco acessível ou até indecifrável ao público em geral, tipicamente detentor de baixa literacia numérica e científica (Magalhães, Lopes, & CostaPereira, 2017). Além da importância do binómio jornalista-cidadão há que ter em conta a relação jornalista-profissional de saúde. Sendo os profissionais de saúde uma fonte credível de informação e os media um veículo importante de transformação desta informação para o cidadão, a parceria entre ambos é indiscutível. Assim, os profissionais de saúde podem e devem contribuir para o trabalho jornalístico mais efetivo. A World Health Communication Associates, através de Jempson (2005), propõe algumas estratégias aos profissionais de saúde: 1) Ajudar a “desmontar” mitos e estereótipos (e.g., sobre a saúde mental, exercício físico, poluição, nutrição, …); 108 2) Incentivar a utilização adequada da linguagem, sem descriminar uma deficiência/incapacidade (referir-se primeiro à pessoa, utilizar os termos médicos adequados, evitar o preconceito linguístico, não fomentar o medo ou a negatividade); 3) Desenvolver orientações de como abordar temas sensíveis (e.g., suicídio); 4) Fornecer sempre outras fontes credíveis para que o jornalista possa confirmar a informação facultada; 5) Respeitar os valores éticos; 6) Colaborar na difusão da informação facultando bons press releases ou participando em conferências de imprensa e entrevistas. Plano de Marketing Para promover o presente trabalho foi aplicado um plano de marketing à campanha intitulada Informar não é Vender! Para o efeito, definiu-se: Qual o público-alvo, as suas expectativas, os seus comportamentos e objetivos O público-alvo primário serão os media portugueses, cujo objetivo será a sensibilização para difundir notícias credíveis. Como público-alvo secundário ter-se-ão os cidadãos em geral, com estratégias de capacitação, para que possa ser mais fácil distinguir informação credível da não credível. O objetivo principal é aumentar a literacia em saúde na população, passando por uma mudança de comportamentos, no que respeita a saber procurar informação útil e credível, afastando-se das notícias “falsas” e sensacionalistas. Em termos de estratégias foram definidas as seguintes: Estratégia 1 Abordagem a decisores associados aos media, como os sindicatos e associações de jornalistas, para os sensibilizar para a necessidade de difundir notícias credíveis, promovendo reuniões e debates conjuntos para avaliação de caminhos possíveis para esta sensibilização. 109 Estratégia 2 Ações de formação aos jornalistas, direcionadas para a necessidade de filtrar informação antes de ser publicada. Estratégia 3 Contactar a Ordem dos Enfermeiros, Ordem dos Médicos, Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar e envolver as Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia na disseminação de informação sobre literacia em saúde em geral e como atuar para estar BEM informado. Reflexão crítica Vivemos num mundo onde os media são omnipresentes: um número cada vez maior de pessoas consagra grande parte do seu tempo a ver televisão, a ler jornais e revistas, a ouvir rádio, a navegar na Internet. Em alguns países, por exemplo, as crianças já passam mais tempo a ver televisão do que na escola. Mais do que condenar ou apoiar o indubitável poder dos media, torna-se necessário aceitar o seu impacto significativo e a sua difusão por todo o mundo como um facto consumado, valorizando ao mesmo tempo a sua relevância como um importante elemento de cultura no mundo contemporâneo (UNESCO, 1982). Todos os tipos de media estão disponíveis à distância de um clique ou no quiosque mais perto. No entanto, embora todos sejam acessíveis, nem todos têm interesse e credibilidade. Talvez não seja suficiente ter à venda a revista Prevenir, Comer com Saúde, Saúde e Bem-estar, Diabetes, Revista da Ordem dos Médicos ou mesmo ter acesso ao site Univadis (um serviço online que disponibiliza noticias médicas relevantes, assim como recursos úteis para a sua prática). É mais importante começar pela origem e capacitar os profissionais da comunicação, para que possam depois informar as pessoas sobre o que há disponível, onde procurar, onde encontrar e como usar. Todos os jornalistas que publicam sobre saúde devem estar conscientes da dimensão da influência que podem ter no público em geral: nalguns casos, podem até induzir o cidadão em erro ou a tomar uma decisão sobre a sua saúde que pode não ser a mais acertada. 110 Naturalmente que a saúde é uma área difícil para a maioria dos jornalistas, de elevada responsabilidade e que pode demorar anos a dominar os conteúdos e significados, onde estão definidos padrões de elevada exigência profissional. Assim, além de ser imprescindível treinar o espírito crítico, sentido de responsabilidade e civismo destes jornalistas, é também útil fornecer alguma formação específica no sentido de aceder às principais fontes em saúde (leis, eventos, estudos científicos, livros, outros profissionais), saber compreender e interpretá-las, distinguir o que é do interesse público e o que é apenas do interesse da indústria dos cuidados de saúde ou organizações mediáticas. Um jornalista, comunicador por excelência, terá sempre maior proximidade do público em geral, em termos de linguagem, e tenderá a ser um melhor comunicador em saúde do que um profissional de saúde que escreva para os media, pois não é esse o seu core business. No entanto, não é função do jornalismo produzir materiais de educação para a saúde típicos da comunicação clínica baseada na relação médico-paciente. A realidade ideal é uma combinação entre ambos: o jornalista de saúde produz o conteúdo informativo baseado em fontes credíveis de saúde, com o seu estilo próprio, e conta com a colaboração de consultores, os profissionais de saúde, conferindo assim credibilidade científica, veracidade, fiabilidade e sentido ético à informação. Deste modo, concordamos com Nunes (2002) sobre ser fundamental promover uma relação de confiança e diálogo entre profissionais/ /autoridades de saúde e os media, tendo bem presentes as necessidades específicas destes: (1) obter a atenção do público (a sua sobrevivência depende da sua visibilidade); (2) ter informações rápidas (que respeitem os prazos curtos para cobertura noticiosa), pertinentes, adaptadas e do interesse público em geral ou de faixas específicas; (3) assegurar que a informação é completa e credível; e (4) fontes explícitas (de modo a assegurar a fiabilidade dos dados e permitir a investigação em profundidade). Com vista a aumentar a qualidade desta relação entre profissionais de saúde e media, a Rede Europeia de Comunicação para a Saúde (WHO, 1998) define pressupostos comuns para comunicar em saúde, em que todos se reveem: reconhecer e promover a consciencialização da importância da comunicação em saúde; envolver os 111 profissionais da comunicação no setor da saúde e melhorar a relação entre profissionais da saúde, governos e media; sustentar o desenvolvimento de habilidades comunicativas; disponibilizar, através dos media, informação em saúde que seja ética e cientificamente correta, relevante para as presentes preocupações da saúde, fidedigna e compreensível para os públicos-alvo. A importância dos meios de comunicação na defesa da saúde das populações tem sido reconhecida universalmente; contudo, a comunicação é um fenómeno complexo e tem consequências. Dentro da comunicação, o jornalismo ocupa um lugar de enorme relevância. É através dele que a sociedade vê e interpreta o mundo. Os media e o jornalismo não são um espelho da realidade. Neste sentido, os conteúdos noticiosos sobre saúde são dos mais valorizados pelos consumidores de media (Araújo & Lopes, 2014). Esta predisposição dos cidadãos para acolherem os conteúdos de saúde é facilmente compreensível, se se atender a que a saúde é um valor social por si mesma na sociedade pósmoderna, altamente biomedicalizada (Clarke, Shim, Mamo, & Fishman, 2003). A comunicação é um direito humano e todos têm direito à informação verdadeira e à liberdade de expressão. Quando o jornalista seleciona uma parte da informação está a manipulá-la; contudo, tal não implica que ela perca a sua veracidade, desde que se mantenha a consciência da responsabilidade social associada a esse ato. Assim sendo, nada como apostar estrategicamente nos media, com capacidade de alcance e caráter democrático para capacitar os cidadãos a vários níveis, nomeadamente na sua literacia em saúde, desenvolvendo competências básicas em saúde que facilitem a adoção de comportamentos protetores da saúde e de prevenção da doença, bem como o autocuidado; competências como utilizador dos serviços de saúde para se orientar no sistema de saúde e agir como um parceiro ativo dos profissionais; competências como consumidor para tomar decisões de saúde na seleção de bens e serviços e agir de acordo com os direitos dos consumidores; competências como cidadão, através de comportamentos informados como o conhecimento dos seus direitos em saúde, participação no debate de assuntos de saúde e pertença a organizações de saúde e de doentes (IOM, 2003). 112 Ao fim e ao cabo, se se pensar bem na função comunicacional dos media em geral, esta visa dotar as pessoas de capacitação (empowerment) para poderem agir como plenos cidadãos nas mais diversas áreas do seu dia-a-dia. Estas áreas incluem a saúde: através da informação sobre saúde veiculada pelos media os cidadãos tornam-se mais capazes de a compreender, utilizar, decidir e agir/mudar comportamentos sobre a sua própria saúde e esta é a verdadeira dimensão da literacia em saúde. Figura 7. A dimensão da responsabilidade dos media na propagação de notícias. Fonte: Autores. Conclusão Na aquisição de competências básicas o cidadão não pode estar sozinho (Modelo Ecológico Social). A família, os profissionais de saúde, os professores, os media e a sociedade civil têm que participar nesta caminhada que é a capacitação do indivíduo. O presente modelo de comunicação multidirecional envolve ativamente a audiência como uma fonte de informação. Porém, essa abordagem implica trabalhar em parceria com/envolver o público, ter conhecimento da audiência, construir mensagens, considerando os seus 113 interesses e necessidades, bem como avaliar os impactos da mensagem. Há que ter em conta também as barreiras à eficácia da comunicação: (ausência de) confiança na fonte da informação, dimensão cognitiva (confidence) e dimensão afetiva (trust). Sendo os media influenciadores de massas, é preciso investir na sua formação enquanto comunicadores em saúde com credibilidade. Um curso de jornalismo com especial ênfase na comunicação em saúde, com parâmetros de avaliação que passem pela forma como a informação é recebida pelo jornalista e depois disseminada para o público, tendo por base o rigor, a transparência e uma avaliação pré-publicação/ /divulgação. A comunicação deve ser entendida como parte integrante da área da saúde, mas é preciso saber comunicar! O jornalista que vai falar ou escrever sobre saúde não precisa tão só de se munir da informação credível, como também de ter orientações de um especialista em saúde para que a informação seja filtrada e adequada ao público-alvo. O sensacionalismo próprio da comunicação para massas não deve ser permitido na área da saúde, pois pode pôr em risco quem a recebe. Uma das áreas em que se pensa ter ainda muito para explorar é a comunicação em saúde associada à personalidade do comunicador, ou seja, mais do que ser jornalista, mais do que ter uma notícia, mais do que ter um público e até mais do que os lucros, é preciso ter as pessoas certas nos lugares certos. A formação adicional (disciplinas específicas nos cursos), direcionada (sem obrigatoriedade/só administrada a quem demonstrar interesse em se distinguir como “excelente” comunicador e difusor de informação) e especializada (saúde – o que comunicar, como comunicar, a quem comunicar) só pode fazer a diferença. Fica o repto! Referências Agência Lusa. (2017). Quase 90% usam Internet para informar-se sobre saúde mas só 20% acham-na credível. Disponível em: https://bit.ly/2J9QQvV Ajzen, I., & Fishbein, M. (1985). 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Este Programa foi considerado uma das prioridades das políticas de saúde que visa a integração de cuidados e a centralidade do cidadão no Serviço Nacional de Saúde em Portugal (Despacho n.º 6.429/2017). Nesse sentido, refletiu-se sobre a seguinte questão: Como é que a literacia em saúde pode melhorar a segurança no comunicar? Na prática quotidiana os profissionais de saúde deparam-se frequentemente com situações que envolvem uma comunicação disfuncional (Nunes, 2010), quer na equipa multiprofissional quer na relação com o doente, o que poderá comprometer a segurança do doente. Como objetivo geral procurou-se estudar a forma como a literacia em saúde contribui para uma maior segurança no comunicar, promovendo desta forma a segurança do doente. Teve, como finalidade, criar um instrumento audiovisual pedagógico que pretende disseminar junto das diversas Escolas Superiores de Saúde, de forma a capacitar os futuros profissionais de saúde a consciencializar-se do quão uma comunicação eficaz influencia a adesão do doente aos cuidados de saúde, contribuindo para a segurança do doente. O presente projeto encontra-se estruturado em cinco partes: a primeira aborda a metodologia onde se justifica a pertinência da temática através 119 da revisão de literatura; a segunda descreve o projeto – através de um breve enquadramento conceptual alicerçado nos descritores: literacia em saúde, segurança no comunicar e segurança do doente; a terceira parte refere-se à avaliação deste projeto onde se apresenta um instrumento audiovisual pedagógico e o seu respetivo plano de marketing como veículo de divulgação; a quarta comporta o que se pretende como desenvolvimentos futuros; e na quinta parte apresentam-se as considerações finais numa síntese e reflexão crítica sobre o projeto. Para a elaboração deste projeto recorreu-se essencialmente a uma revisão da literatura. Método A metodologia aplicada neste projeto baseou-se no Modelo de Nutbeam (2000), em que a literacia é vista usualmente como sendo constituída por dois elementos fundamentais: as tarefas (tasks) e as competências (skills). A literacia baseada nas tarefas refere-se à medida de acordo com a qual o indivíduo consegue realizar determinadas tarefas, como ler um texto básico ou escrever frases simples. Por outro lado, a literacia baseada em competências centra-se no nível de conhecimento e competências que as pessoas devem ter para realizar tais tarefas. O mesmo autor considera três tipos ou níveis de literacia, designadas de funcional (ou básica), interativa (comunicacional) e crítica. O objetivo da literacia funcional passa por fazer com que o indivíduo adquira conhecimento acerca de conceitos e palavras de saúde, da utilização de serviços de saúde e do risco em saúde; o objetivo da literacia interativa procura desenvolver as capacidades pessoais do indivíduo, de modo a que este seja capaz de extrair e interpretar informação e debater ideias com os outros, estimulando a sua motivação e autoconfiança em aspetos relacionados com a saúde. Por sua vez, a literacia crítica visa aumentar o conhecimento do indivíduo, de modo a que pense de forma crítica, consiga verificar a credibilidade da informação e altere os seus comportamentos para melhorar a sua saúde. 120 A segurança no comunicar é influenciada por diversos fatores que se interligam, nomeadamente o contexto (unidade de saúde) onde se insere o profissional de saúde na relação que estabelece com o doente e vice-versa. Para que haja uma eficácia na segurança do comunicar, o profissional de saúde deve ser detentor de diversas ferramentas, como a empatia, a assertividade, a clareza e a positividade (Almeida, 2016). Por outro lado, existem diversos pressupostos que comprometem a falta de segurança no comunicar, como a existência de baixa literacia, a compreensão ineficaz, o ambiente físico (e.g., existência de ruídos), a presença de situações complexas de stresse, a alteração dos aspetos cognitivos (do recetor) e o confronto com população marginalizada ou de carência económica e/ou social. Perante esta interação e influência dos diversos fatores que constituem a segurança do comunicar deseja-se alcançar determinados resultados, como: proporcionar um aumento dos níveis de literacia em saúde, aumentar a segurança do doente (promovendo a sua maior compreensão, acesso e avaliação); promover a segurança dos profissionais de saúde na comunicação estabelecida com o doente e incrementar um aumento da credibilidade dos profissionais de saúde. Projeto – Enquadramento conceptual Para a realização deste projeto fundamentou-se todo o seu desenvolvimento alicerçado em determinados descritores, como literacia em saúde, a segurança no comunicar e a segurança do doente que se interligam e são imprescindíveis para uma melhor prestação de cuidados com um nível de qualidade e segurança diferenciado. Literacia em Saúde A literacia em saúde teve apenas início há cerca de 40 anos, sendo o seu mentor Lalonde no Canadá. Caracteriza-se por ser um projeto de ciência que envolve ação direcionada para o conhecimento e o exercício 121 de boas práticas em benefício da saúde do indivíduo e da comunidade. A Organização Mundial da Saúde (OMS) define literacia em saúde como o conjunto de competências cognitivas e sociais e a capacidade dos indivíduos para adquirirem competências de modo a compreender e usar a informação para promover e garantir níveis adequados de saúde (WHO, 1998). Para Sørensen et al. (2012), a literacia em saúde está relacionada com a capacidade do indivíduo em compreender que fatores influenciam a sua saúde e como os gerir. Um indivíduo com um nível adequado de literacia em saúde está capacitado para se responsabilizar pela sua saúde, bem como pela da sua família e comunidade. Para Ávila, Espanha e Mendes (2015), a literacia em saúde é entendida como um conjunto de competências sociais que permitem aos indivíduos aceder, compreender e usar informação num contexto ambiental e tomar decisões para melhorar a sua saúde. Possibilita a promoção de mudança de comportamento que permite reequacionar e/ou reestruturar a prática do quotidiano que conduz à melhoria da saúde. Trata-se de um constructo multidimensional que envolve várias áreas a nível biopsicossocial, onde o conhecimento, a capacitação, a motivação e as decisões são importantes ao longo do ciclo de vida dos indivíduos. Em suma, é uma revolução em prol do empoderamento e do controlo social que deve ser apoiada pelo profissional de saúde. Os autores do presente estudo apresentam três propostas de definição do conceito de literacia em saúde. Considera-se pertinente, uma vez que é um constructo dinâmico propor um contributo para a definição de literacia em saúde no alinhamento da OMS (WHO, 2009): a literacia em saúde é considerada um processo que possibilita a aquisição de conhecimentos e competências cognitivas e biopsicossociais que permitem ao indivíduo aceder, compreender, avaliar, interpretar e usar a informação de forma consciente na tomada de decisões da sua própria saúde. Esta capacitação ajuda o indivíduo a identificar quais os fatores de risco que podem comprometer a sua qualidade de vida e atuar sobre os determinantes em saúde, tornandoo mais responsável e informado. Aumentando o nível de literacia em saúde dos profissionais de saúde, estes são capacitados a apreender o 122 impacto que a comunicação pode ter nos cuidados prestados ao doente, nomeadamente na promoção da sua segurança, impulsionando assim a segurança no comunicar. De acordo com o Institute of Medicine (IOM), literacia em saúde refere-se à capacidade das pessoas em entender e gerir informação sobre saúde. A evidência científica demonstra que os indivíduos com limitações em literacia em saúde, comparativamente com aqueles que detêm competências adequadas a esse nível, apresentam dificuldade em entender informação sobre saúde e em seguir instruções médicas; raramente utilizam serviços de saúde ou fazem-no de forma inapropriada, têm uma pior saúde física e mental, têm maiores taxas de internamento e uma esperança média de vida limitada. As estratégias utilizadas para ultrapassar uma limitada literacia em saúde incluem: utilizar linguagem clara, usar material acessível de educação para a saúde, dar formação a profissionais de saúde acerca dos problemas da falta de literacia em saúde, reformular os consentimentos informados para os doentes e usar técnicas de comunicação com os doentes como o método Teach-back (Wynia & Osborn, 2010). Em Portugal, o Plano Nacional de Saúde (DGS, 2015) pretende que haja uma prioridade na intervenção, de modo a que a promoção da literacia em saúde conduza ao aumento do bem-estar do indivíduo, à melhoria da qualidade de vida, à participação informada dos indivíduos em relação aos cuidados com a saúde, bem como à prevenção do aparecimento de doenças crónicas, que são uma das principais causas para um índice elevado de morbi-mortalidade. Pretende-se, dessa forma, assegurar que no futuro haja um maior número de adultos saudáveis. A perspetiva é que as pessoas se tornem cada vez mais capacitadas para agirem em prol de uma saúde melhor. É pertinente salientar que literacia em saúde é distinta de educação para a saúde. De acordo com diversos investigadores desta temática, a educação para a saúde caracteriza-se por ser um processo direcionado para a aprendizagem, onde o foco são as capacidades individuais e de grupo. O seu objetivo é oferecer conhecimentos que vão contribuir para modificar atitudes e crenças dos indivíduos, promovendo a aquisição de competências e, consequentemente, comportamentos e estilos de vida 123 saudáveis. No entanto, realce-se que ambas se complementam e influenciam mutuamente, sendo que os resultados de uma educação para a saúde eficaz serão uma consequência e reflexão dos níveis de literacia em saúde. No contexto clínico, a literacia em saúde é encarada como sendo um fator de risco. Os doentes com competências em literacia em saúde pouco adequadas apresentam mais problemas de saúde. Contudo, segundo a perspetiva da saúde pública, a literacia em saúde é encarada como um asset pessoal, onde é enfatizado o papel da educação para a saúde para que os indivíduos sejam empoderados e capacitados para exercerem mais controlo sobre a sua saúde e outros determinantes em saúde (Nutbeam, 2000, 2008, citado por Sim et al., 2016). Por outras palavras, do ponto de vista da saúde pública, a literacia em saúde constitui uma oportunidade para uma efetiva comunicação e educação para a saúde (Sim et al., 2016). Como o Colorado Health Outcomes Program (CHOP, 2015) enuncia, um indivíduo com literacia em saúde possui a capacidade de usar a leitura, a escrita e competências numéricas e verbais no contexto da saúde. A aquisição de literacia em saúde depende, contudo, da complexidade da informação sobre saúde fornecida aos doentes. Diversos estudos demonstram que os profissionais de saúde têm dificuldade em identificar doentes com limitação em literacia em saúde. Apesar de alguns grupos apresentarem taxas elevadas de limitação em literacia em saúde, como minorias étnicas/raciais e populações mais idosas, estas podem ser encontradas em qualquer grupo sociodemográfico. Quando os doentes ou os prestadores de cuidados estão ansiosos ou sobrecarregados com muita informação, a sua capacidade para reter e usar informação sobre saúde pode diminuir, comprometendo a habilidade na sua gestão. Daí a importância da intervenção de todos os profissionais de saúde, pois devem assumir que todos os doentes e cuidadores podem ter dificuldade em compreender a informação sobre saúde e devem comunicar de forma clara e simples para que todas as pessoas consigam compreender. As principais precauções universais de literacia em saúde incidem nos seguintes objetivos: simplificar a comunicação e confirmar a compreensão de todos os doentes para que o risco de comunicação disfuncional seja minimizado; tornar acessível 124 o ambiente dos cuidados e apoiar os esforços dos doentes em melhorar a sua saúde. Diversos estudos comprovam que quaisquer indivíduos com limitações em literacia em saúde têm experiências negativas, uma vez que possuem menos conhecimento dos seus problemas de saúde e cometem mais erros ao tomar medicamentos, recorrem mais às urgências, recebem menos serviços preventivos, o seu estado de saúde é pior e têm custos de saúde mais elevados (CHOP, 2015; ver também Antunes & Lopes, 2018). A aquisição de adequados níveis de literacia em saúde visa ainda um longo e complexo percurso a concretizar; no entanto, cabe a nós enquanto profissionais de saúde agir como agentes de mudança a proporcionar estratégias adequadas de comunicação para aumentar níveis de literacia em saúde na população. Segurança no comunicar Comunicar é um termo que deriva do latim e significa “pôr em comum”, partilhar. Pode ser definido como “um processo dinâmico, complexo e permanente, através do qual os seres humanos emitem e recebem mensagens com o fim de compreender e serem compreendidos pelos outros” (Nunes, 2010, p. 13). A comunicação permite aos indivíduos adaptarem-se ao ambiente, permitindo a sua transformação e construção da realidade social. É comum ouvir dizer, principalmente nos serviços de saúde, que há falta de comunicação e as pessoas não comunicam entre si; porém, segundo Watzlawick, é impossível não comunicar (Nunes, 2010). Uma das ferramentas fulcrais e imprescindíveis na nossa práxis, enquanto profissionais de saúde, é a existência de uma comunicação eficaz e funcional, quer na relação intra-equipa multiprofissional quer na relação profissional de saúde-doente. A comunicação é uma das bases dos cuidados em saúde. Todas as interações nos serviços de saúde dependem de uma comunicação efetiva, desde marcar uma consulta, descrever sintomas, explicar riscos e benefícios dos tratamentos e entender instruções de cuidados. Uma boa comunicação está relacionada com o aumento da satisfação do doente, adesão a recomendações médicas e com resultados em 125 saúde. Hoje, muitos profissionais de saúde acreditam que a comunicação é mais efetiva quando é centrada no doente ou direcionada às necessidades, valores e preferências do doente. Enquanto a comunicação centrada no doente é muitas vezes descrita no contexto em que decorre a interação individual entre profissional de saúde e doente, as organizações de saúde têm a responsabilidade em facilitar a comunicação centrada no doente através de várias formas, incluindo os materiais de educação para a saúde, organizational signage, formulários para o doente e em treinar profissionais de saúde para comunicar melhor (Wynia & Osborn, 2010). Não sendo por mero acaso que o segundo objetivo estratégico do Plano Nacional para a Segurança dos Doentes (PNSD 2015-2020) incide em aumentar a segurança da comunicação. Por segurança entende-se a redução de risco de danos desnecessários a um mínimo aceitável (Direção-Geral da Saúde [DGS], 2017a). O PNSD (20152020) reforça que a comunicação é “um pilar fundamental para a segurança do doente, em especial quando existe transferência de responsabilidade da prestação de cuidados de saúde (…) assegurar uma comunicação precisa e atempada de informações entre profissionais de saúde, evitando lacunas na comunicação, que podem causar quebras graves na continuidade dos cuidados e no tratamento adequado, potenciando, assim, os incidentes com dano para o doente” (DGS, 2015, p. 3). Desta forma, é fundamental a existência de uma comunicação adequada e aberta, de modo a evitar a ocorrência de resultados adversos e indesejados que possam comprometer quer a segurança dos profissionais de saúde, quer a segurança do doente. A DGS (2017a) realça que a comunicação na saúde requer conhecimento, competência e empatia. Assim, o profissional de saúde deve saber quando falar, o que dizer e como dizer. Apesar de a comunicação ser utilizada diariamente durante a prestação de cuidados de saúde, exige competências que devem ser apreendidas e praticadas, de forma a contribuir para o estabelecimento de comunicação eficaz em ambientes dinâmicos, comuns aos profissionais de saúde. 126 Paralelamente, o IOM salienta que, para que haja uma comunicação eficaz e funcional, é importante preparar os profissionais de saúde numa abordagem pedagógica educativa, no sentido de prestar cuidados centrados ao doente enquanto membros de uma equipa multiprofissional. O IOM reforça e garante que assim os doentes recebem cuidados seguros e de alta qualidade quando os profissionais de saúde trabalham efetivamente em equipa, comunicam de forma produtiva e têm conhecimento acerca do papel dos outros profissionais de saúde (Buring et al., 2009). De acordo com CHOP (2015), é fulcral a existência de uma equipa que desenvolva esforços para que a comunicação nos cuidados de saúde seja clara e acessível. É importante também que os elementos da equipa se dediquem ao planeamento e implementação de mudanças relacionadas com a literacia em saúde, de modo a que todos tenham noção como a ausência deste conceito pode afetar os doentes. A aplicação de estratégias facilitadoras de comunicação permitirá aos doentes a compreensão da informação relacionada com a sua saúde, garantindo que estes se sintam mais envolvidos no seu processo de saúde e aumentando as hipóteses de continuar o seu plano de tratamento. Realça-se a importância de instituir e implementar diversas estratégias que promovam a segurança no comunicar de forma clara e efetiva na relação que o profissional de saúde estabelece com o doente, nomeadamente: cumprimentar os doentes de forma cordial ao receber as pessoas com um sorriso de boas vindas e ao manter uma atitude amigável ao longo da consulta; estabelecer um contacto visual apropriado durante a interação, tendo em consideração as culturas, costumes e crenças; escutar atentamente e tentar não interromper os doentes enquanto falam; prestar atenção e responder às dúvidas e questões colocadas; usar linguagem simples, utilizando palavras comuns que poderiam ser usadas para explicar informação médica aos amigos e à família, como estômago ou barriga em vez de abdómen e evitar o uso de jargão técnico (CHOP, 2015). Os profissionais de saúde usam frequentemente jargão médico que pode contribuir para uma comunicação disfuncional com o doente com baixa literacia em saúde 127 (Sim et al., 2016). Dever-se-ão usar as palavras do doente, aproveitando os termos que usa para descrever os seus sinais e sintomas. Falar devagar, num ritmo moderado. Priorizar o que precisa de ser discutido, limitando a informação a três a cinco pontos-chave e repeti-los. Ser específico e concreto, evitando o uso de termos vagos e subjetivos que podem ser interpretados de diferentes formas. Mostrar gráficos, desenhar figuras, usar ilustrações ou demonstrar com modelos a três dimensões (3D). Todas as imagens e modelos devem ser simples, construídos para demonstrar só os conceitos importantes, sem pormenores anatómicos. Demonstrar como pode ser feito pode ser mais esclarecedor do que dar uma explicação verbal. Convidar doentes a participar, encorajando-os a fazer perguntas de modo a que sejam pró-ativos no seu processo de saúde (CHOP, 2015). Deve-se ainda assegurar, de acordo com informação publicada pelo Department of Health of Western Australia (2005), que o doente percebe, através do consentimento informado, as implicações do tratamento, medicação ou procedimento proposto, para que tome uma decisão consciente e informada. De forma sucinta, é pertinente apresentar algumas técnicas de melhoria da comunicação, que constam no instrumento audiovisual pedagógico desenvolvido, nomeadamente o método Teach-back (“ensinar de volta”), no qual é importante que os profissionais de saúde assegurem que os doentes perceberam a informação que lhes foi fornecida durante a consulta. Este método é uma forma de confirmar se o profissional de saúde conseguiu explicar a informação ao doente e torna-se uma ferramenta útil que permite melhorar a compreensão do doente, aumentar a sua satisfação e os ganhos em saúde. Determinados estudos demonstram que 40 a 80% da informação médica que os doentes recebem durante a consulta é esquecida imediatamente e quase metade da informação foi retida de forma incorreta. O método Follow-up é o ato de estabelecer contacto com um doente ou prestador de cuidados após a última consulta para avaliar o estado do doente, identificar mal-entendidos, clarificar dúvidas e, se necessário, ajustar o tratamento. Através deste método é propícia a aplicação da técnica Read-back, que consiste em confirmar que o recetor recebeu 128 corretamente a mensagem do emissor. O uso do contacto telefónico cortês e eficiente pode causar um impacto positivo no doente. O método Brown Bag review (“revisão do saco castanho”) é uma prática comum que encoraja os doentes a trazer todos os seus medicamentos à consulta para rever se a toma é correta e adequada. O processo permite identificar erros médicos e mal-entendidos e lembrar os doentes como e quando tomar os seus medicamentos, o que promove a diminuição de erros. Estudos têm demonstrado que os doentes com baixa literacia em saúde têm dificuldade em compreender e em lembrar-se como e quando têm de tomar medicamentos, especialmente se estão a fazer polimedicação. Relativamente à língua estrangeira é comum muitos doentes falarem uma língua estrangeira, o que faz com que não obtenham a informação em saúde que necessitam. Para promover uma comunicação eficaz, pode-se questionar os doentes em que língua preferem falar e se pretendem um intérprete. Podem ser usados cartões com frases na língua do doente com as perguntas mais frequentes. A religião, a cultura, as crenças e os costumes étnicos podem influenciar a forma como os doentes tomam decisões relacionadas com a sua saúde. É importante que os profissionais de saúde entendam esta influência e os conheçam, de forma a aconselhar de acordo com os seus valores. Outra estratégia abarca o fornecimento de informação escrita (e.g., folhetos) sobre a sua saúde e que muitas vezes os doentes não entendem. É importante criar material educacional escrito, mas em linguagem clara e acessível para melhorar a compreensão do doente. Não é suficiente entregar apenas um folheto para que a informação seja entendida, mas que este material seja usado como parte de uma estratégia educacional, ou seja, é fundamental usar estratégias como: sublinhar ou colocar um círculo nos pontos mais importantes, personalizar o folheto, colocando o nome do doente, os seus medicamentos e instruções específicas e referir-se ao folheto nas consultas de follow-up. Pode ser necessário fornecê-lo mais do que uma vez. A Tabela 1 ilustra uma síntese das técnicas de melhoria da comunicação supracitadas: 129 Tabela 1 Técnicas de melhoria de comunicação Técnicas de melhoria de comunicação Descrição Método Teach-back “ensinar de volta” • Doente compreende a informação fornecida • Promove maior satisfação do doente Follow-up • Ato de estabelecer contacto com o doente ou • prestador de cuidados após última consulta • Permite esclarecimento de dúvidas e reajuste • de tratamento Brown Bag review • Revisão da gestão do regime terapêutico • Identifica erros médicos e mal entendidos • Explica como e quando deve tomar a • medicação Fornecimento de informação escrita (folhetos) • Disponibilizar material educacional escrito: • linguagem clara e acessível • Facilita a compreensão do doente • O profissional de saúde deve sublinhar os • pontos mais importantes Encorajamento das questões • Proporciona um ambiente acolhedor • Doente sente-se como um parceiro ativo • (contraria inibição) O encorajamento das questões é fundamental, sendo notório que a maioria dos doentes sente-se inibida ao colocar questões. A criação de um ambiente acolhedor que contrarie esta situação pode levar a que os doentes se sintam parceiros ativos no seu processo de saúde, o que é importante para promover a segurança do doente, obter ganhos em saúde, aumentar a satisfação do doente e a sua literacia em saúde. A literacia em saúde constitui um importante indicador e pode orientar os profissionais de saúde a ajustar a sua comunicação com doentes com uma limitada literacia em saúde. Pesquisa futura deve enfatizar a compreensão do percurso, no qual a literacia em saúde afeta a comunicação entre profissional de saúde e doente através de métodos qualitativos e ainda focar-se nas perceções dos doentes das diversas técnicas de comunicação utilizadas pelos profissionais de saúde (Sim et al., 2016). 130 Saliente-se que uma melhoria na comunicação do profissional de saúde com o doente irá contribuir para uma melhor adesão e mudanças comportamentais em prol da sua saúde e da sua segurança. Segurança do doente A segurança do doente alicerça-se essencialmente na comunicação, caso esta não seja eficaz podemos afirmar que a segurança do doente fica comprometida. Recorrendo aos conceitos Segurança e Doente, é pertinente definilos. Por Segurança, entende-se como sendo uma prova essencial e revela uma confiança evidente dos indivíduos no sistema de saúde e, particularmente, no Serviço Nacional de Saúde (SNS) (DGS, 2015). Relativamente ao conceito de Doente, considera-se que é a pessoa que recebe os cuidados de saúde, em si definidos como serviços recebidos por indivíduos ou comunidades para promover, manter, monitorizar ou restabelecer a saúde (DGS, 2011). A DGS define a segurança do doente como sendo “a redução do risco de danos desnecessários associados à assistência em saúde, para um mínimo aceitável”. Acrescenta ainda que “um mínimo aceitável refere-se à noção coletiva tendo em conta o conhecimento atual, os recursos disponíveis e o contexto em que os cuidados foram prestados em oposição ao risco do não tratamento ou de outro tratamento alternativo” (DGS, 2017a, p. 4). A melhoria da segurança do doente é uma responsabilidade de equipa, que mobiliza as competências individuais de cada um dos seus elementos e implica a gestão sistémica de todas as atividades. O Plano Nacional para a Segurança dos Doentes (PNSD) visa a partilha do conhecimento e da informação, melhorar de forma integrada a prestação segura dos cuidados de saúde a todos os níveis e num processo de melhoria contínua da qualidade do SNS (DGS, 2015). Recorrendo a um estudo realizado num período de 10 anos pelo Team STEPPS (2005) foi revelado que a comunicação ineficaz da equipa, durante este período, é a causa raiz de quase 66% de todos os erros médicos. O que significa que, quando os membros da equipa de 131 cuidados de saúde não comunicam de forma clara e efetiva, o atendimento ao doente geralmente é prejudicado. Há maior probabilidade de aumentar o erro médico quando os membros da equipa de saúde estão sob stresse e desempenham tarefas de maior complexidade. Constata-se que em Portugal a taxa de incidência de eventos adversos é de 11,1%, em que 53,2% são evitáveis (Sousa, Uva, Serranheira, Leite, & Nunes, 2011). Perante tal realidade, é crucial a implementação de medidas preventivas, que se podem empreender, para uma prestação de cuidados de qualidade. A OMS e o Conselho de União Europeia recomendam a mudança nos comportamentos dos profissionais e organizações prestadoras de cuidados de saúde, de modo a alcançar melhores níveis de segurança e de qualidade nos cuidados prestados aos doentes. A segurança do doente é uma prioridade da Estratégia Nacional para a qualidade na saúde e nos cuidados que são prestados (DGS, 2018). Por outro lado, a existência de uma baixa literacia em saúde influencia a prática do profissional que, por sua vez, pode colocar em risco a segurança do doente. Perante uma população de baixa literacia em saúde é suscetível a ocorrência de maior número de internamentos, a recorrência de uma utilização mais frequente de serviços de urgência e, também, uma menor prevalência de atitudes individuais e familiares preventivas no campo da saúde, ou seja, favorecedora a uma menor qualidade de vida (Ávila et al., 2015). A segurança do doente é o objetivo crucial de toda a nossa atuação enquanto profissionais de saúde, pelo que devemos proporcionar e participar em medidas preventivas de saúde e prevenção da doença, recorrendo às estratégias comunicacionais eficazes e ainda promover um contexto adequado (diminuição de barreiras ou constrangimentos de acesso ao sistema e serviço de saúde). Avaliação De acordo com o proposto, considerou-se a pertinência da criação de três instrumentos audiovisuais pedagógicos que retratam diversas 132 problemáticas/situações práticas, que são transversais nos contextos de saúde. Cada um deles representa um cenário onde existe comunicação disfuncional entre profissionais de saúde (médica, enfermeira e secretária clínica); um outro cenário demonstra a existência de uma comunicação funcional: clara, acessível e eficaz e, em resumo, uma síntese das orientações pedagógicas aconselhadas a aplicar na comunicação em saúde, de modo a promover uma segurança no comunicar. O primeiro cenário reflete a relação entre secretária clínica e a doente num atendimento em consulta, onde foi notório que na má prática a secretária clínica teve uma atitude incorreta e de desprezo para com a doente, nomeadamente a falar ao telefone (de assuntos pessoais), paralelamente e na presença da mesma, não confirmou quaisquer dados pessoais, não realizou o respetivo registo nem a confirmação da conulta. Já na boa prática foi visível o oposto, tendo a secretária clínica assumido uma escuta ativa e direta nesta relação; respeito pela doente; uma relação cordial e empática; como a comunicação não-verbal é importante, a secretária clínica esteve serena e sorriu ao longo da sua interação. Todos estes aspetos são fulcrais na redução de riscos e no aumento da segurança para a doente. A Tabela 2 sistematiza as descrições do instrumento audiovisual pedagógico, referente à cena entre secretária clínica e doente. Tabela 2 Instrumento audiovisual pedagógico da relação secretária clínicadoente “Atendimento em consulta” Secretária clínica-doente “Atendimento em consulta” Má prática Boa prática • Atitude incorreta e de desprezo pela doente • Não confirmou os dados pessoais, não realizou o • respetivo registo e não confirmou a consulta • Postura pouco profissional ao atender o telefone e • falar de assuntos pessoais • Escuta ativa e direta na relação • Respeito pela doente • Relação cordial e empática • Postura serena O segundo cenário baseia-se na relação enfermeira-doente onde se faz um ensino acerca da gestão do regime terapêutico. Na má prática, 133 a enfermeira tem uma postura pouco favorável à relação com a doente, nomeadamente não dando oportunidade que esta esclareça as suas dúvidas e não a escutando ativamente. Na boa prática foi visível a presença de uma escuta ativa e empática, uma atitude cordial, proporcionando um ambiente acolhedor, uma relação de confiança, usando uma linguagem clara e acessível, sem usar termos técnicos, confirmando a prescrição terapêutica com os dados pessoais da doente, aplicando o método Teach-back para assegurar que a doente compreendeu toda a informação recebida e ainda proporcionando disponibilidade à doente para expor quaisquer outras dúvidas. Este cenário realça a importância de capacitar a doente na gestão da sua própria terapêutica, em prol da sua saúde e segurança. É pertinente sugerir que este produto audiovisual seja um instrumento padronizado na toma da terapêutica aos doentes com baixa literacia em saúde. A Tabela 3 sistematiza as descrições do instrumento audiovisual pedagógico, referente ao cenário entre enfermeira e doente. Tabela 3 Instrumento audiovisual pedagógico da relação enfermeira-doente “Gestão do regime terapêutico” Enfermeira-doente “Gestão do regime terapêutico” Má prática Boa prática • Ausência de escuta ativa • Indisponibilidade para esclarecimento • de dúvidas • Escuta ativa e empática • Atitude cordial • Ambiente acolhedor • Relação de confiança • Uso de linguagem clara e acessível • Aplicação do método Teach-back • Disponibilidade para esclarecimento de dúvidas O terceiro cenário demonstra a relação da médica-doente na adesão ao tratamento, sendo que na má prática foi evidente que a médica teve uma postura incorreta com a doente, não a escutou ativamente, proporcionou ruídos durante a consulta (ao atender o telemóvel para falar de assuntos pessoais) e usou uma comunicação complexa e técnica que interferiu na compreensão da mensagem recebida pela doente. Na boa 134 prática adotou uma postura cordial, escuta ativa e empática, estabeleceu uma relação de confiança, proporcionou um ambiente acolhedor, usou uma linguagem clara e acessível (explicou os termos técnicos aplicados, em que consiste e as possíveis consequências do tratamento), disponibilizou-se para esclarecer as suas dúvidas, aplicou perguntas abertas e ainda assegurou que a doente compreendeu a mensagem que lhe foi transmitida. A Tabela 4 sistematiza as descrições do instrumento audiovisual pedagógico, referente ao cenário entre médica e doente. Tabela 4 Instrumento audiovisual pedagógico da relação médica-doente “Adesão ao tratamento” Médica-doente “Adesão ao tratamento” Má prática Boa prática • Postura incorrecta • Ausência de escuta ativa • Ruídos durante a consulta • Uso de comunicação complexa e técnica • Postura cordial, escuta ativa e empática • Relação de confiança • Ambiente acolhedor • Uso de linguagem clara e acessível • Disponibilidade para esclarecer dúvidas • Colocou perguntas abertas • Assegurou a compreensão da mensagem transmitida Desta forma, poder-se-á refletir acerca de como uma atitude cordial (levantar-se, sorrir, acolher), atenta ao doente através do estabelecimento do contacto visual, escutar o doente e não o interromper, usar uma linguagem simples, clara e acessível (explicando os termos técnicos), utilizar pausas no discurso e utilizar imagens é decisiva para que o profissional de saúde seja capaz de passar a informação que o doente necessita e, assim, obter a adesão ao tratamento e promover a sua segurança. Por outro lado, quando o profissional de saúde está desmotivado, desinteressado, ansioso e/ou stressado é incapaz de estabelecer uma comunicação efetiva com o doente porque não vai ter uma atitude cordial, acolhedora e o cuidado de usar linguagem simples e clara, interferindo na qualidade dos cuidados prestados e, consequentemente, na segurança do doente. Dever-se-ão considerar a criação de ambientes 135 promotores de saúde e a motivação dos profissionais de saúde, pois é importante olhar para o sistema, intervir na forma como o projeto está organizado, envolver as equipas multiprofissionais, criar uma cultura de colaboração e encorajar a adaptação local da intervenção. Plano de marketing: Divulgação do instrumento audiovisual pedagógico No sentido de responder aos objetivos inicialmente delineados recorreu-se ao marketing para proporcionar uma porta de entrada ao mercado educativo, de forma a divulgar a importância da segurança no comunicar aos futuros de profissionais de saúde e profissionais de saúde em exercício. Segundo Kotler, Armstrong, Saunders e Wong (1999), por marketing entende-se “a atividade humana dirigida à satisfação das necessidades dos clientes, através de um processo de troca de recursos e valores” (p. 1004). Neste caso, indo ao encontro deste conceito, os clientes do presente estudo serão os futuros profissionais de saúde e os profissionais de saúde em exercício, pelo que a atividade humana consistirá na divulgação do Instrumento Audiovisual Pedagógico já referido. Com este plano de marketing pretendeu-se apresentar o Instrumento Audiovisual Pedagógico em diversas Escolas Superiores de Saúde, Escolas de Formação Profissional na área metropolitana de Lisboa e no contexto da sociedade Angolana (e.g., numa unidade de saúde). Os segmentos-alvo são os seguintes: futuros profissionais de saúde (estudantes de curso de licenciatura e cursos de formação técnicoprofissional) e profissionais de saúde (2º ciclo – curso de especialização e mestrado integrado). Relativamente aos critérios psicográficos da população, inserem-se nos seguintes estilos de vida: líderes/dinâmicos, experimentadores/inovadores e ecológicos/sociais. Apresentam-se seguidamente os objetivos (O), estratégias (E) e operacionalização (OP) do referido plano (Tabela 5). 136 Tabela 5 Plano de marketing Objetivo (O) 1 O1: Que os futuros profissionais de saúde tomem consciência do quão é importante a segurança no comunicar em prol da segurança do doente. Estratégias (E) Operacionalizar (OP) • E1: Proporcionar mudança de atitudes e • comportamentos dos futuros profissionais • de saúde na relação que estabelecem • com o doente. • E2: Capacitar os futuros profissionais de • saúde a adquirir técnicas comunicacionais • funcionais e adequadas a fim de aplicarem • na prática clínica. • E3: Fomentar as vantagens da aquisição • das corretas técnicas comunicacionais • (Método Teach-back, Follow-up, Brown • Bag Review, entre outras). • OP1/E1: Proporcionar a integração desta • intervenção nos programas curriculares • dos respetivos cursos. • OP2/E2: Proporcionar formação aos futuros • profissionais de saúde (a frequentar cursos • de licenciatura/formação profissional) e • profissionais de saúde em exercício (a • frequentar cursos de 2º ciclo: mestrados ou • especializações) das técnicas comunicacionais • funcionais e adequadas. • OP3/E3: Aplicar um instrumento de monitori• zação dos conhecimentos dos formandos antes • e após a intervenção, por intermédio de • seminários, que abarquem a presente temática. Objetivo (O) 2 O2: Divulgar e apresentar o Instrumento Audiovisual de Orientação Pedagógica pelas diferentes entidades educativas e em contexto de sociedade Angolana, numa unidade de saúde. Estratégias (E) Operacionalizar (OP) • E1: Efetuar a extração da lista de Escolas • Superiores de Saúde, Escolas de Formação • Profissional na área metropolitana de Lisboa • e contactar o Departamento de Comunica• ção do Ministério da Saúde de Angola, • no sentido de divulgar o projeto a diversas • unidades de saúde e avaliar o seu interesse. • E2: Contactar a coordenadora dos respetivos • cursos educativos. • E3: Apresentar os instrumentos audiovisuais • de orientação pedagógica que retratam • situações práticas transversais aos diversos • contextos de saúde: má prática e boa prática • da relação secretária clínica-doente: • “Atendimento em Consulta”; má prática e • boa prática da relação enfermeira-doente: • “Gestão do Regime Terapêutico”; má prática • e boa prática da relação médica-doente: • “Adesão ao Tratamento”. • OP1/E1: Fazer um diagnóstico das entidades • educativas/formativas existentes na área • metropolitana de Lisboa. • OP2/E2: Estabelecer contactos por via • telefone e correio eletrónico com os diversos • responsáveis, de modo a agendar a nossa • intervenção (programar data e hora). • OP3/E2: Proporcionar a integração desta • intervenção nos programas curriculares • dos respetivos cursos. • O4/E3: Divulgar em plataforma digital a • determinadas entidades, nomeadamente: • Administração Regional de Saúde de Lisboa • e Vale do Tejo; Direção-Geral da Saúde; • Ordem dos Enfermeiros; Câmara Municipal • de Lisboa; Santa Casa da Misericórdia • de Lisboa e Unidade de Saúde de • Angola. 137 Desenvolvimentos futuros No enquadramento deste projeto considerou-se pertinente desenvolver a criação de um suporte pedagógico em formato físico e em versão braille, de forma a promover a adesão à gestão do regime terapêutico (GRT). Escolheu-se esta temática por ser uma problemática real, que retrata o contexto prático em que os autores exercem (enfermeira e psicóloga). A Organização Mundial da Saúde (WHO, 2003) define adesão ao regime terapêutico como o grau ou extensão do comportamento da pessoa face à toma da medicação, ao cumprimento da dieta e alteração de hábitos ou estilos de vida, que corresponde às recomendações veiculadas pelo profissional de saúde. Em suma, traduz-se numa relação de colaboração entre o profissional de saúde e o doente na tomada de decisões sobre o tratamento. Em 2002, a OMS considerou adesão ao regime terapêutico como sendo um processo multidimensional que envolve vários fatores relacionados com o doente, o tratamento, o nível socioeconómico, que se relacionam com os sistemas de saúde e a doença. Já a Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE) denomina GRT como um comportamento de adesão que visa “executar as atividades cumprindo um programa de tratamento da doença e das suas complicações, atividades essas que são satisfatórias para atingir objetivos específicos de saúde, integrar atividades para tratamento ou prevenção de doença na vida diária” (Conselho Internacional de Enfermeiros, 2011, p. 62). Existem diversos pressupostos que favorecem a falta de adesão à GRT, como: a existência de baixos níveis de literacia em saúde, a má compreensão, o analfabetismo, o comprometimento de aspetos cognitivos, população marginalizada e de carência económica/social (Ávila et al., 2016). Estes pressupostos influenciarão e comprometerão uma adequada adesão à GRT pelas razões expostas na Tabela 6. Estes fatores são relevantes, particularmente na população com baixa literacia em saúde, e fundamentais para a segurança do doente, principalmente quando se tratam de doenças crónicas. 138 Tabela 6 Fatores que comprometem a adesão à GRT • Dificuldade em iniciar o tratamento • Suspensão prematura do tratamento • Omissões ou esquecimentos face à toma e posologia • Falta de comparência ou baixa assiduidade às consultas • Manutenção do estilo de vida sem alterações A evidência científica confirma através de um estudo que são os idosos que apresentam níveis de literacia em saúde mais baixos, no que diz respeito à utilização dos serviços de saúde, particularmente à medicação e à adesão ao regime terapêutico (Davis et al., 2006). Na prática, concretamente em cuidados de saúde primários, quando questionados em consulta os doentes relativamente ao modo como tomam a sua terapêutica, são raros os que compreendem para que serve a medicação, como a tomar, quais as interações e possíveis efeitos adversos que podem ter (face a terapêutica combinada). Perante esta realidade, considerou-se pertinente e urgente criar este suporte pedagógico de caráter físico e em versão braille que contém figuras informativas para o doente. Este suporte visará a indicação terapêutica, a respetiva posologia da terapêutica prescrita pelo médico, através de palavras simples, claras, diretas, associadas a imagens também facilmente identificáveis, de forma a promover a adesão e correta GRT, especialmente a pessoas com baixa literacia em saúde (Figura 1). Imagem associada Imagem associada à indicação terapêutica à posologia Quantidade Figura 1. Modelo de suporte pedagógico EMO. Relativamente à indicação terapêutica propõe-se associar a imagem (órgão vital) à doença em questão, para facilitar a compreensão e a perceção imediata da imagem à palavra. No que respeita à indicação terapêutica, a imagem de um coração indica que o medicamento é um anti-hipertensor (para a tensão arterial), a imagem de um osso indica que o medicamento é para a osteoporose 139 (para o fortalecimento dos ossos) ou dores nos ossos, a imagem de um glucómetro (aparelho que mede valores de açúcar no sangue) indica que o medicamento é um antidiabético (para controlo da diabetes) e a imagem de um estômago indica que o medicamento é um protetor gástrico. Apresentam-se, na Figura 2, alguns exemplos como sugestão. Figura 2. Associação de imagens à indicação terapêutica. Considerou-se pertinente apresentar a sugestão de associação de imagens à respetiva posologia, por exemplo: a imagem de um “Sol a nascer” ilustra que o medicamento deve ser tomado de manhã ao pequeno-almoço; a imagem de um Sol associada a um prato ilustra que o medicamento deve ser tomado ao almoço; a imagem do Sol e fruta associa a toma ao lanche; a imagem da Lua indica que o medicamento deve ser tomado à noite, conjuntamente com uma taça de sopa e a cama ilustra que o medicamento deve ser tomado ao jantar e ao deitar, respetivamente. A imagem de dois relógios significa a que a medicação deve ser tomada de 12 horas em 12 horas. Toda esta informação será apresentada em linguagem braille, de forma a facilitar a acessibilidade e a compreensão dos doentes invisuais. Considera-se que este instru140 mento, amplamente usado e divulgado, contribuirá para uma melhor compreensão dos doentes, dos seus cuidadores e será facilitador para os profissionais de saúde relativamente à adesão e correta GRT, por forma a reduzir erros terapêuticos e consequências graves que podem comprometer a segurança do doente. Face ao exposto, relativamente às imagens associadas à posologia, a Figura 3 apresenta as seguintes sugestões. Figura 3. Associação de imagens à posologia e respetiva descrição em braille. 141 Pretendeu-se divulgar este suporte pedagógico aos seguintes segmentos-alvo: doentes (idosos e invisuais), em consulta ou visita domiciliária (nomeadamente idosos), cuidadores formais e informais (capacitar as assistentes domiciliárias a gerir a terapêutica), laboratórios farmacêuticos e associações de doentes. À luz do marketing, o presente produto é um suporte pedagógico que se denominou de EMO (Etiqueta de Medicação Orientadora). Pretende-se que este modelo seja impresso em formato de autocolante, de modo a fixar na respetiva caixa de terapêutica do doente. A promoção será realizada a dois níveis: junto dos doentes/cuidadores e junto do grupo de pares (profissionais de saúde). Pretende-se divulgar e distribuir diretamente o produto aos doentes/cuidadores, entregando-o nas consultas ou no próprio domicílio (face-to-face); paralelamente através de carta/via postal (enviar através desta via alguns exemplares de suporte EMO para que o doente/cuidadores testem e observem em direto, sentindo de imediato a aplicabilidade do produto); correio eletrónico e em folheto, contendo linguagem clara e acessível. Relativamente ao preço, está previsto o envolvimento da indústria farmacêutica que reproduza o suporte pedagógico EMO. Estas ações contribuirão para aumentar a adesão à GRT, diminuindo a incidência de esquecimentos, erros, omissões e automedicação incorreta. O marketing aplicado à saúde permite a divulgação de produtos e serviços que vão ao encontro das necessidades de vários segmentos da população, de modo a capacitar essas pessoas, nomeadamente as que possuem baixos níveis de literacia em saúde, a encontrar estratégias que as ajudem a dar resposta ao seu processo de doença. Desta forma, haverá uma melhoria da qualidade de vida do doente e da sua segurança. É neste sentido que surge a criação deste suporte EMO de caráter físico e em versão braille para promover a adesão ao GRT em populações vulneráveis. Acredita-se que este suporte EMO possa ir ao encontro das necessidades destas pessoas e, assim, concretizar no terreno este propósito. 142 Reflexão crítica O aumento de literacia em saúde do profissional influencia a segurança no comunicar e, por sua vez, aumenta a segurança do doente, na medida em que o capacita para uma melhor tomada de decisão. No desenvolvimento deste projeto registou-se a oportunidade de explorar a existência de diversos conceitos de literacia em saúde, todos com particularidades inovadoras, mas que rumam ao mesmo objetivo, ou seja, pretendem capacitar o indivíduo a saber lidar com informação sobre saúde no que diz respeito ao aceder, compreender, avaliar/interpretar e usar, de modo a tomar decisões informadas e fundamentadas de como gerir a sua saúde adequadamente. Existem determinados pressupostos que afetam a falta de segurança no comunicar, como a existência de baixa literacia em saúde, má compreensão, ambiente físico (como a existência de ruídos), situações de stresse, os aspetos cognitivos (alteração ou comprometimento), uma população marginalizada/carência económica/social que comprometem a segurança do doente, trazendo graves consequências não apenas para os doentes, como para os profissionais de saúde e para as próprias instituições. Para alcançar os objetivos da segurança do doente, é fulcral o aumento de uma adequada literacia em saúde pelos profissionais, de modo a potenciar uma comunicação em saúde mais eficaz que, por sua vez, diminui a existência de mensagens erradas e de situações adversas em saúde. À luz de todo o projeto desenvolvido, uma comunicação clara e acessível é fundamental para que a intervenção dos profissionais de saúde – enquanto agentes de mudança de comportamento – seja mais eficiente e segura. Os contributos que permitem uma comunicação funcional estão relacionados com a clareza e simplicidade da linguagem utilizada, com a assertividade, positividade e empatia (Almeida, 2016). Estas ferramentas influenciam a segurança proporcionando um aumento dos níveis de literacia em saúde, da segurança do doente (promovendo a sua maior compreensão, acesso e avaliação), da segurança dos profissionais de saúde na comunicação aos doentes e, por sua vez, da credibilidade dos profissionais de saúde. As questões 143 relacionadas com a segurança do doente têm-se tornado uma prioridade por parte das organizações de saúde. Neste enquadramento, realce-se a preciosa iniciativa que as organizações e profissionais de saúde deveriam empreender para aumentar a segurança nos cuidados prestados com mais qualidade e menos riscos de ocorrência de situações adversas que possam comprometer a segurança do doente. Ao disponibilizarem mais tempo aos doentes para colocar questões e esclarecer dúvidas; fornecerem informação clara, acessível e segura acerca dos exames, diagnóstico e tratamento; proporcionarem um ambiente acolhedor; demonstrarem maior sensibilidade na expressão das suas preocupações e diminuírem barreiras ou constrangimentos de acesso ao sistema e serviços de saúde estão a criar ambientes promotores de saúde e da segurança do doente, que aumenta a sua satisfação, confiança no SNS e capacita-o na gestão da sua saúde de forma mais consciente, informada e esclarecida. A escolha recaiu no Modelo da Literacia Funcional, Interativa e Crítica, porque se considerou ser o que se enquadra mais nesta temática, uma vez que aborda a importância não só do conhecimento que o profissional de saúde deve saber transmitir ao doente, mas também do desenvolvimento das suas capacidades pessoais e críticas na tomada de decisões em prol da sua saúde. A realização destes instrumentos audiovisuais pedagógicos e a intenção de futuramente os replicar tem como finalidade dar ênfase como a segurança no comunicar promove a segurança do doente. Como desenvolvimento futuro pretende-se incrementar a divulgação do modelo num contexto prático, como descrito. No seguimento da elaboração do instrumento audiovisual pedagógico criou-se o suporte pedagógico EMO – Etiqueta de Medicamento Orientadora. Este suporte visa aumentar a adesão ao regime terapêutico e diminuir ou evitar erros na toma da medicação em indivíduos com baixa literacia em saúde. A evidência científica afirma que estes indivíduos revelam uma capacidade de compreensão sobre o uso de medicamentos mais baixa, o que favorece o aumento de erros na toma, na dosagem e paralelamente pode comprometer a saúde e a segurança do doente. Este facto gera, por sua vez, um aumento dos gastos em saúde 144 e, consequentemente, é um fator crítico para a sustentabilidade do SNS. Este suporte pedagógico pretende também ser acessível para indivíduos invisuais. Visou-se também contribuir para a melhoria das práticas dos profissionais de saúde relacionadas com a comunicação, no intuito de maximizar a relação estabelecida com o doente e família, de modo a aumentar os níveis de literacia em saúde e da segurança do doente, diligenciar a segurança dos profissionais de saúde e, concomitantemente, dar maior ênfase, na sua credibilidade, com vista à obtenção de ganhos de saúde. Referências Almeida, C. V. (2016). 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Os primeiros estudos nesta matéria realizados junto de adultos começaram no início da década de 70. Em 1972, Marc Lalonde, Ministro da Saúde e Bem-Estar Nacional do Canadá, tinha como objetivo controlar os custos dos cuidados de saúde e racionalizar o sistema de saúde. O foco estava no sistema de saúde e na sua otimização (Sociedade Portuguesa de Psicologia da Saúde, SPPS, 2015). Em 1974 deu-se o início do movimento moderno da promoção da saúde no Canadá, onde se voltou o olhar para a promoção da saúde junto dos cidadãos com o propósito central de informar, influenciar e apoiar. Iniciou-se, neste momento, a intenção de contribuir para a promoção e educação em saúde (Sícoli & Nascimento, 2003). Vários foram os autores e organismos que contribuíram para a definição de literacia em saúde. Em 1998, a Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu literacia em saúde como um conjunto de competências cognitivas e sociais relacionadas com a capacidade para aceder, compreender e aplicar informação de forma a promover e manter a saúde. De seguida, em 1999, a American Medical Association acrescentou que literacia em saúde é um conjunto de competências necessárias para funcionar no ambiente de saúde, incluindo competências de leitura básica e cálculos. Por sua vez, o Institute of Medicine (2004), Kickbush, Wait e Maag (2005), Sorensen et al. (2012) e Zarcadoolas, 149 Pleasant e Greer (2003, 2005, 2006) contribuíram igualmente para a definição e operacionalização deste conceito até aos dias de hoje. Por ser um conceito dinâmico com impacto multidimensional, o mesmo continua atualmente a ser alvo de análise e reflexão. De entre as variadíssimas definições do conceito, o presente estudo opta por perspetivar a literacia em saúde como estando relacionada com o desenvolvimento do conhecimento, competências e motivações dos indivíduos, assim como aquisição de informação para acederem, usarem, avaliarem, interpretarem e compreenderem o sistema de saúde, de forma a tomarem decisões fundamentadas para manter a sua saúde no dia-a-dia, prevenindo doenças e promovendo hábitos de vida saudável que se refletem no aumento da qualidade de vida (Sorensen et al, 2012). No contexto da Pós-Graduação em Literacia em Saúde (ISPA – Instituto Universitário), os autores do estudo definiram o conceito como um processo de capacitação individual e coletiva com intervenção multidimensional e plurifuncional. Envolve um conjunto de competências que motiva a adoção de comportamentos ativos, como aceder, receber, procurar, compreender, interpretar, gerir e aplicar informação relevante na área da saúde, visando a tomada de decisões informadas e acertadas, a redução dos riscos e o aumento da qualidade de vida (S. Henriques, P. Martins, & D. Pinheiro, comunicação pessoal, ISPA – Instituto Universitário, 2017). Dos vários contributos para a definição de literacia em saúde identificam-se as seguintes palavra-chave: conhecimento, capacitação, empoderamento, cidadãos, aceder, usar, compreender, profissionais das áreas da saúde, contexto/ambiente, controlo individual, decisões/ /tomada de decisão societal, motivação, ciclo de vida e saúde biopsicossocial. Estas palavras-chave dão-nos pistas importantes sobre os benefícios diretos e indiretos, bem como a importância da literacia em saúde na vida de todos os cidadãos, entre eles a participação em medidas preventivas de saúde, a deteção antecipatória e melhor gestão da doença, o acesso amplo e apropriado uso dos cuidados de saúde e uma maior capacidade de adesão aos tratamentos. Todos estes factores exercem influência na saúde das pessoas e na segurança e qualidade do cuidado. Indubitavelmente, as pessoas mais “literadas” são capazes de aceder e participar na sociedade e no sistema de saúde de uma forma 150 mais abrangente e eficaz, estando mais capacitados para aceder, utilizar e compreender a informação sobre saúde no geral e, em particular, da sua própria saúde (Sørensen et al., 2012; Zarcadoolas et al., 2006). Salas de espera e o seu papel na literacia em saúde Numa visão holística, ao utente, enquanto permanece numa sala de espera de uma unidade pública de saúde, deverão ser garantidas condições que assegurem o seu conforto e bem-estar, contribuindo para uma maior captação da informação disponível na sala e no espaço circundante. As salas de espera de uma unidade de saúde assumem um papel importante na promoção da literacia em saúde, disponibilizando informação crucial e útil para os utentes, que muitas vezes se encontra dispersa e inacessível para um número significativo da população. Podem também funcionar como um espaço privilegiado de interação entre os utentes e os profissionais de saúde, permitindo uma reflexãoação entre os saberes tecnocientífico e a sabedoria popular. São uma oportunidade de transmissão de informação, de reflexão sobre vários determinantes de saúde, para desmistificação de crenças, tabus e mitos que fazem parte da condição humana. Podem, assim, ocupar um tempo ocioso enquanto se espera pelo atendimento e torná-lo num momento de partilha, de aprendizagem e promover uma maior proximidade entre os utentes e os profissionais, contribuindo também para a humanização dos serviços (Soussou, Aleksejūnienė, & Harrison, 2017). Alguns estudos evidenciam resultados positivos em projetos de promoção da saúde dinamizados por profissionais de saúde nas salas de espera (Soussou et al., 2017). Este estudo demonstrou que um programa de educação para cuidadores na sala de espera foi uma estratégia viável, aceitável e promissora para melhorar comportamentos, a curto prazo, na alimentação e autocuidado em crianças. O estudo Health promotion using television in hospital waiting rooms: The Adelaide Children’s Parent (Cockington, 1995) demonstra que a passagem de programas com conteúdos de saúde na TV da sala de espera aumenta o conhecimento dos que os visualizam. Na Conferência Reformas de Proximidade, Fernando Araújo, Secretário de Estado Adjunto da Saúde, frisou a existência de uma firme 151 vontade em tornar esses espaços “autênticas plataformas de comunicação (…) que cada sala de espera, em cada um dos estabelecimentos de saúde, possa estar munida de informação acessível, agradável, interativa e adequada aos utilizadores” (comunicação pessoal, 2016). Uma das prioridades previstas no SNS + Proximidade é colocar os cidadãos e os seus percursos de vida no centro do sistema. Para tal, prevê criar novas estratégias locais de saúde, investir na literacia em saúde e melhorar a qualidade do atendimento no Serviço Nacional de Saúde nas suas dimensões física, organizacional e relacional. Um ambiente confortável e digno faz a diferença no momento em que é necessário esperar pelo atendimento em saúde. Na organização deste espaço é necessário considerar a área física, a funcionalidade, a decoração, o conforto e os recursos de comunicação em saúde disponíveis, como materiais impressos e meios audiovisuais (Serviço Nacional de Saúde, 2016). Existem diversos estudos sobre a forma como uma arquitetura hospitalar bioclimática e com integração com a natureza pode influenciar favoravelmente o conforto das pessoas, assim como estudos sobre psicologia das cores, iluminação e ventilação natural, qualidade do ar, temperaturas, níveis de humidade relativa do ar, níveis de ruído, acessibilidades, atividades de entretenimento, etc. (Direção-Geral da Saúde, 2013). Considera-se que o sentimento de conforto é apurado a nível sensorial, trabalhando os cinco sentidos (Tabela 1). Tabela 1 Sentidos Conforto 5 sentidos Instalações Pessoas Visão Audição Tato Olfato Paladar Cores, iluminação, imagens Som ambiente, níveis de ruído Temperatura, humidade, texturas materiais Qualidade do ar, aromas Bebedouros, venda de alimentos Cor das roupas dos profissionais Ouvir/falar com as pessoas Calor humano, carinho Aroma das roupas de cama e pijamas Cuidado na alimentação Fonte: Direção-Geral da Saúde (2013). 152 Segundo a norma de orientação clínica nº 021/2013, Conforto nas unidades hospitalares (DGS, 2013), os critérios de conforto para as unidades hospitalares fazem referência ao nível da visão. As cores provocam emoções, devendo por isso ser escolhidas criteriosamente, conforme o efeito pretendido. Nas zonas de estar e descanso é preferível uma iluminação mais difusa e com lâmpadas amarelas (com iluminação mais forte em locais de leitura). Ao nível do som devem ser evitados ruídos, tanto de equipamentos como de pessoas, com tom de fala elevado ou de televisores com o volume alto. Por outro lado, sons da natureza e música ambiente suave promovem sensações de bem-estar. No que se refere ao tato, a textura dos materiais, temperatura e humidade relativa do ar, são outro aspeto determinante para a sensação de conforto. O olfato faz referência aos aromas e qualidade do ar interior, preconizando que a ventilação natural é a melhor forma de se obterem bons níveis de qualidade do ar no interior dos edifícios. Quanto ao paladar, a existência de bebedouros e locais de venda de alimentos saudáveis junto às salas de espera são aspetos que permitem às pessoas, no caso de sentirem fome ou sede, saciar esta necessidade (DGS, 2013). Não se pode descurar que alguns utentes que frequentam estes espaços possam ter condições especiais, designadamente os mais debilitados. No mesmo espaço físico podem estar pessoas com alterações de humor, confluindo emoções tão diferentes como a alegria e a tristeza, a dor física ou a angústia face a um diagnóstico. Segundo Paul Ekman (1999), na análise é importante ter em consideração as expressões faciais do indivíduo, uma vez que revelam estados cognitivos e emotivos que podem revelar pistas valiosas, no contexto da interação do cidadão com o sistema de saúde, quanto à satisfação sentida/percebida. A preocupação do Serviço Nacional de Saúde em receber e acolher bem os seus utentes é patente no esforço de requalificação e humanização dos espaços de atendimento, que estão progressivamente a serem habilitados para a promoção da literacia em saúde dos seus utilizadores, adequando os espaços à população que os utiliza. Um dos exemplos é a promoção de conteúdos de saúde nos ecrãs das salas de espera, de conteúdos disponíveis na Biblioteca de Literacia em Saúde ou outros 153 produzidos localmente (Cockington, 1995; Serviço Nacional de Saúde, 2016). Muitas salas de espera são usadas intencionalmente para transmitir informação relacionada com saúde, como cartazes e folhetos informativos, mas sem que haja uma intenção estratégica claramente definida. Deste modo, seria útil refletir em como as salas estão organizadas e qual a informação que está disponível aos utentes. Também seria interessante os profissionais de saúde correlacionarem a informação disponível nas salas de espera com as intervenções de promoção e de educação para a saúde que levam a cabo nas suas consultas. Método Objetivos e problema O principal objetivo deste estudo centra-se na análise do potencial das salas de espera como espaço privilegiado para intervenção em educação para a saúde e promoção da literacia em saúde dos utentes que visitam e usufruem deste espaço. Desta forma, o estudo pretende explorar como funcionam atualmente as salas de espera em diferentes unidades de saúde, o tipo de equipamento que têm disponível, a informação que é exposta e a forma como é exposta, o modo como os utentes se comportam e como se sentem quando frequentam a sala de espera, a sua opinião sobre a mesma e como esta poderia ser otimizada, assim como o funcionamento de diversos processos internos que afetam a sala de espera, a sua utilização e potencialidade como espaço de promoção de literacia em saúde. A intenção final deste trabalho é a análise dos espaços de espera de unidades públicas de saúde quanto às suas boas práticas, qualidade do espaço físico e equipamentos, instalações, materiais e a sua comparação com a experiência e satisfação de utentes que tenham frequentado o serviço público de saúde há menos de um ano. Os resultados deste estudo poderão funcionar como diretrizes de boas práticas de literacia em saúde em salas de espera, no suporte ao utente, no âmbito da capacitação e empoderamento do mesmo e otimizando o tempo de 154 espera em tempo útil e valioso, não apenas para o utente, mas para todo o sistema de saúde. Variáveis No contexto deste estudo pretende-se analisar as salas de espera em relação às suas instalações (iluminação, limpeza, organização, acessos, etc.), materiais expostos (tipo de materiais expostos, como placards, televisão, monitores interativos, quadro de avisos, entre outros), informação exposta (temas e conteúdos), comportamento observável dos utentes que aguardam ser atendidos e usufruem da sala de espera (se interagem, se estão sentados, em pé, a vaguear, comer, ler informações expostas, entre outras possibilidades), sentimentos e emoções expressas por esses mesmos utentes (emoções/expressões faciais – alegria, tristeza, medo, surpresa, repulsa, raiva (Ekman & Friesen, 1975, 1992, 1999), assim como a sua opinião e satisfação com o serviço e ainda processos e funcionamento interno de serviços das unidades de saúde (como horários, tipo de serviços disponíveis, hierarquia organizacional, responsabilidade sobre gestão e organização da sala de espera e funcionamento do gabinete de apoio ao utente). Estudos Este trabalho inclui a realização de dois estudos complementares. O primeiro estudo é focado no desenvolvimento e aplicação de um instrumento de autogestão para promover a análise e melhoria da qualidade das salas de espera e espaços de circulação. O segundo estudo pretende complementar o primeiro, procurando analisar o mesmo objetivo, mas de uma perspetiva diferenciada; neste caso, da perspetiva dos utentes, das pessoas que frequentam o serviço público de saúde. A relevância de “dar voz” a estes atores sociais prende-se com objetividade, transparência e importância de analisar diferentes perspetivas e envolver diversos intervenientes no sistema para o compreender de forma holística. Assim, não só a análise direta sobre estes espaços foi objeto de análise neste trabalho, como também a perceção de quem utiliza 155 regularmente as salas de espera e espaços de circulação de unidades públicas de saúde há menos de um ano. Todos os pontos seguintes estarão organizados pelos estudos agora referidos, apresentando dados e informação sobre o Estudo 1 e, seguidamente, sobre o Estudo 2, para cada secção. Instrumentos Estudo 1 No âmbito deste trabalho foi desenvolvido um instrumento que contempla as variáveis referidas e pretende explorar e facilitar a análise e potencialidade comparativa de diferentes unidades de saúde públicas. O instrumento encontra-se dividido em três partes lógicas, cada uma com forma de resposta diferenciada, de acordo com o objetivo da mesma (ver Anexo 1). A primeira parte do instrumento refere-se às evidências em relação às instalações, materiais e informação expostos (temas da informação). Esta primeira parte funciona como uma checklist em que se verifica a presença versus ausência do item em questão. A segunda parte do instrumento refere-se às pessoas, ou seja, aos utentes dos estabelecimentos de saúde e inclui uma parte de análise dos seus comportamentos quando visitam a unidade de saúde e os seus sentimentos/ /emoções. Esta parte faz uso de uma escala de Likert de cinco pontos, de forma a permitir a quantificação da informação. A terceira e última parte do instrumento aborda os processos e funcionamento interno das unidades de saúde, oferecendo resposta aberta e possibilitando a recolha de informação sobre os mesmos de diferentes modos, respeitando as diversas formas de funcionamento interno. Para a construção do instrumento foram considerados os estudos da DGS (2006, 2013), Ekman (1999), Sherwin, McKeown, Evans e Bhattacharyya (2013) e Soussou et al. (2017). Estudo 2 Na segunda fase deste estudo foram realizadas entrevistas semiestruturadas a utentes e aplicado um questionário que aborda a opinião 156 destes sobre a importância das instalações, equipamentos, materiais e o seu grau de satisfação com os espaços de espera das unidades públicas de saúde. Pretende-se analisar também a sua opinião sobre a limpeza, organização, ambiente, sinalética, conforto, entre outros aspetos, dos espaços de espera e circulação na unidade de saúde que frequentam. Analisar quanto tempo costumam esperar e qual a sua perceção sobre a utilidade desse tempo, se consideram adequado/aceitável, o que gostam mais/menos gostam na sala de espera, o que é mais importante para que a sala seja confortável e qual a sua opinião sobre diferentes materiais expostos na área da promoção de saúde. O objetivo e fundamentação deste segundo estudo é dar voz aos utentes e recolher as suas perceções e interesses, permitindo analisar as salas de espera e espaços de circulação de unidades públicas de saúde na perspetiva de quem efetivamente utiliza o espaço. O instrumento e guião de entrevista podem igualmente ser consultados (Anexo 2). Método e procedimento Este trabalho apresenta uma natureza exploratória e pretende analisar a qualidade e a potencialidade das salas de espera em unidades públicas de saúde, como espaços de promoção de literacia em saúde. Procurou-se atingir este objetivo através da realização de dois estudos complementares, já descritos. A observação das salas de espera foi previamente autorizada pelo Diretor Executivo do ACES. De modo a cumprir os objetivos enunciados, as unidades de saúde referidas foram visitadas entre os dias 8 e 12 de abril e o instrumento desenvolvido foi aplicado pelas investigadoras com recurso à observação direta das salas de espera e recolha de informação de forma presencial. O instrumento foi aplicado com uso de um tablet e recurso ao formulário Google, permitindo uma aplicação digital mais eficiente. Os dados são analisados com o apoio do programa IBM SPSS Statistics v. 24. Na segunda parte do trabalho foram realizadas 45 entrevistas, nos dias 4 e 11 de julho de 2018, recolhendo a perceção e opinião dos utentes que frequentam as Unidades de Saúde Familiar e Unidades de 157 Cuidados de Saúde Personalizados (USF/UCSP) públicas. Esta análise foca-se numa metodologia qualitativa exploratória, assente na técnica de análise de conteúdo das entrevistas. A análise foi realizada com apoio do software NVIVO12. Esta parte do trabalho pretende desenvolver um processo de análise dinâmica e indutiva que explora os valores, significados, crenças, pensamentos e experiências da utilização dos espaços de espera e circulação numa unidade pública de saúde. As entrevistas foram realizadas presencialmente e face a face, tendo posteriormente sido transcritas em texto. Para analisar as entrevistas foi desenvolvido um sistema de codificação assente em categorias hierárquicas, ou classes de categorias, incluindo supra-categorias (parent nodes) e categorias descendentes (child nodes). A lista seguinte apresenta a globalidade do sistema de codificação criado para a análise. Este sistema foi desenvolvido de forma emergente, através e durante a leitura das entrevistas, procurando perceber quais os temas emergentes que surgem. Sempre que foram criados novos nós, foram revistos e incluídos no sistema de base hierárquico, garantindo a independência de cada nó e a melhor posição na estrutura de análise. A estrutura final foi a seguinte: Estrutura de categorização • Espaço da sala de espera • Ambiente • Arquitetura • Atendimento • Cadeiras • Cafetaria • Caixa de sugestões • Cheiro • Decoração • Direitos e deveres do utente • Elevador • Espaço lúdico infantil • Espaço/tamanho da sala • Falta de privacidade • Folhetos com informação de saúde • Forma de chamar o utente • Funcionários • Iluminação • Informação sobre serviços, atividades, sessões • Instalações • Limpeza • Livros, revistas, jornais 158 • Atitudes • Positivas • Negativas • Mistas • Neutras • Importância • Muito importante (5) • Importante (4) • Importância média (3) • Pouco importante (2) • Nada importante (1) • Informação sobre saúde • Visualização • Leitura • Compreensão • Dúvidas • Meio de transmissão • Temas • O que mudava na minha sala de espera • Preferência • O que mais gosta • O que menos gosta Estrutura de categorização • Espaço da sala de espera • Lugares sentados • Luz natural • Máquina com produtos alimentares • Máquinas de água e café • Monitor interativo • Organização • Posters com informação de saúde • Proximidade da sala de espera com consultórios • Quadro de avisos • Refeitório • Senhas • Sinalética informativa • Temperatura • Tempo de espera • TV • Vista • WC • Wi-fi gratuita • Satisfação • Sentimento na sala de espera • Agradável • Desagradável • Misto • Temas interessantes • Tempo de espera Avaliação e análise dos resultados Caracterização da amostra Estudo 1 No presente estudo a amostra é constituída por cinco unidades de saúde de um Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) localizado na Área Metropolitana de Lisboa, no distrito de Setúbal. Fazem parte da amostra duas Unidades de Saúde Familiar e três Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados. A amostra foi selecionada por conveniência, procurando garantir que fosse observada pelo menos uma unidade em cada concelho. Estudo 2 Foram realizadas 45 entrevistas presencias, face a face, com utentes das unidades públicas de saúde. Foi critério de inclusão/exclusão que o sujeito entrevistado tenha frequentado unidades públicas de saúde há menos de um ano. Dos 45 utentes entrevistados, 30 (68,2%) são do 159 género feminino e 14 (31,8%) do género masculino, com idades compreendidas entre 22 e 87 anos (média=47,27; desvio-padrão=18,600). No decorrer da análise foram realizadas categorias ordinais para a varável idade, sendo que oito utentes possuem entre 15 a 29 anos, 16 possuem entre 30 a 44 anos, seis possuem 45 a 49 anos, 10 possuem entre 60 e 74 anos e, por último, cinco possuem mais de 74 anos. A amostra foi ainda analisada quanto às habilitações educativas, situação profissional (se estão empregados, reformados, a estudar), profissão, concelho em que frequentam a unidade pública de saúde e há quanto tempo frequentaram pela última vez essa unidade, dado este ser um critério de inclusão na amostra. Os dados sociodemográficos, a situação profissional, as profissões, o concelho de residência dos inquiridos e a resposta à pergunta “Há quanto tempo frequentou a sua unidade pública de saúde?” apresentam-se seguidamente. Resultados Estudo 1 De acordo com os dados recolhidos é possível referir, em relação às instalações, que a maioria das unidades de saúde apresentam instalações adequadas e com qualidade em relação à iluminação, temperatura, limpeza, casas de banho, disposição e adaptação das salas ao público-alvo, som ambiente, renovação natural do ar, proximidade da sala de espera dos consultórios e acessos. Nenhuma recorre a música ambiente. Em relação a produtos alimentares, todas as unidades de saúde possuem máquina com produtos alimentares saudáveis, máquina de água e máquina de café; no entanto, não possuem cafetaria ou refeitório (Tabela 2). Em relação aos materiais expostos nas salas de espera e espaços de circulação dentro das unidades, todas possuem placards, posters, wi-fi, quadro de avisos, caixa de sugestões e licença de funcionamento exposta. Apenas três unidades possuem televisão e nenhuma possui monitores interativos com informação para os utentes. Muitas vezes as 160 brochuras não estão expostas, sendo oferecidas pelos funcionários administrativos ou profissionais de saúde. Não existem peças de decoração em nenhuma sala de espera, sendo as mesmas apenas constituídas por cadeiras, pequenas mesas, espaço nas paredes para afixação de informação ou sinalética (Tabela 3). Apenas uma unidade possui informação traduzida noutras línguas e nenhuma possui informação em braille para utentes com visão reduzida ou invisuais. Tabela 2 Evidências – Instalações Evidências – Instalações Iluminação (luz natural) Limpeza (higiene das instalações) Casas de banho (higiene, cor) Sala organizada (arrumada, folhetos, cadeiras nos devidos lugares) Ambiente sem barulhos fortes Forma de chamar os utentes percetível e organizada Ar (renovação natural e permanente) Temperatura adequada (idealmente 22ºC; não se sente frio/calor) Proximidade da sala de espera com os consultórios Acessos para as pessoas com mobilidade reduzida na entrada do edifício Acessos para as pessoas com mobilidade reduzida dentro do edifício Espaços de espera com lugares sentados para todos os utentes Acessos a casas de banho (acessibilidade) Máquina de água Máquina de café Máquina com produtos alimentares (saudáveis, fruta, salada, pães integrais, bebidas não gaseificadas...) Sinalética Sala adaptada para crianças (espaço infantil) Casas de banho (cheiro) Livros ou revistas disponíveis Cheiro (odor agradável) Música ambiente agradável Cafetaria Restaurante/ refeitório Máquina com produtos alimentares (não saudáveis, adição de açúcares refinados refrigerantes gaseificados...) 161 Frequência (n) Percentagem (%) 5 5 5 100% 100% 100% 5 5 5 5 100% 100% 100% 100% 5 5 100% 100% 5 100% 5 100% 5 5 5 5 100% 100% 100% 100% 5 4 4 4 3 3 0 0 0 100% 080% 0 000% 080% 060% 060% 000% 000% 000% Tabela 3 Evidências – Materiais expostos Evidências – Materiais expostos Frequência (n) Percentagem (%) 5 5 5 5 5 5 4 3 1 0 0 0 0 100% 100% 100% 100% 100% 100% 080% 060% 020% - 01. Placards 04. Internet wi-fi 05. Quadro de avisos 06. Licença de funcionamento 07. Posters 09. Caixa de sugestões 08. Brochuras / flyers / folhetos 02. TV 12. Informação traduzida para utentes estrangeiros 03. Monitores interativos 10. Peças de decoração relacionadas com a saúde 11. Peças de decoração não relacionadas com a saúde 13. Informações em braille para pessoas invisuais Verificou-se ainda que todas as unidades de saúde apresentam, visivelmente, os direitos e deveres do utente, informação sobre sessões de esclarecimento e informação sobre a localização dos serviços. A informação da organização e instituição, assim como dos seus profissionais não aparece sempre visível e apenas uma unidade apresentava informação sobre atividades a desenvolver pelos profissionais na comunidade (Tabela 4). Tabela 4 Evidências – Informação exposta Evidências – Informação exposta Frequência (n) 1. Serviços disponíveis 2. Localização dos serviços 4. Direitos e deveres dos utentes 5. Sessões de esclarecimento para grupos (diabéticos, etc.) 6. Organização/instituição/institucional 7. Profissionais da organização (fotos, nomes, funções) 3. Atividades a desenvolver pelos profissionais para a comunidade 4 5 5 5 3 3 1 Percentagem (%) 080% 100% 100% 100% 060% 060% 020% Em relação aos temas abordados nos diversos materiais expostos na unidade de saúde verificou-se uma grande abrangência de temas, sendo 162 a gripe o tema mais abordado (todas as unidades), acreditando-se que seja resultado da época do ano, seguido da saúde oral (Tabela 5). Tabela 5 Temas em saúde expostos nas salas de espera Temas de saúde Frequência (n) Percentagem (%) 1 5 3 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 20% 100%0 60% 20% 20% 20% 20% 20% 20% 20% 20% 20% 20% 20% 20% 20% Diabetes Gripe Saúde oral Cancro (geral) Cancro do colo do útero Cancro da próstata Cancro do cólon Vacinação DST Saúde da mulher Saúde do homem Nutrição Quedas Parto Cessação tabágica Dor A segunda parte do instrumento procura analisar o comportamento e emoções dos utentes que visitam a unidade de saúde. Em relação ao comportamento verificou-se através de observação direta que os utentes se apresentam maioritariamente sentados confortavelmente e com interação com meios de comunicação digitais, como telemóveis ou tablets (M=3,60; DP=0,548), sem qualquer tipo de interação, apenas aguardam (M=2,40; DP=0,894) ou com interação face a face (M=2; DP=1,000). Observou-se ainda baixa utilização de materiais com informação sobre saúde da parte do utente, poucos se encontram a ler posters ou folhetos sobre saúde, livros ou revistas (Tabela 6). Foram ainda analisadas as emoções e/ou sentimentos que os utentes apresentam, através da análise da sua expressão facial e forma de estar. No geral foi difícil interpretar esta informação, notando-se na sua maioria que as pessoas apresentam-se neutras e sem registo específico de emoções fortes passíveis de analisar visualmente através de observação direta (Tabela 7). 163 Tabela 6 Pessoas – Comportamento Pessoas – Comportamento Sentadas com conforto Interação digital (interage com telemóvel, tablet, computador) Não interagem Leem informações expostas Interação face a face (conversa com outras pessoas) Leem posters expostos Leem folhetos expostos Leem revistas/livros/jornais Sentadas com desconforto De pé A vaguear A comer Ler quadro interativo Min Max Média Desvio-Padrão 4 4 4.0 0.000 3 1 0 4 3 3 3,6 2,4 2.0 0,548 0,894 1,225 1 0 0 0 0 0 0 0 0 3 3 2 3 1 2 0 0 0 2.0 1.0 0,8 0,8 0,6 0,4 0.0 0.0 0.0 1.000 1,414 1,095 1,304 0,548 0,894 0.000 0.000 0.000 Tabela 7 Pessoas – Sentimentos/emoções Pessoas – Sentimentos/emoções Min Max Média Desvio-Padrão Manifestam alegria Manifestam surpresa Manifestam tristeza Manifestam repulsa Manifestam raiva/aborrecimento Manifestam medo/ansiedade 1 1 1 1 1 1 3 3 3 3 3 3 3.0 2,4 1,6 1,2 1,2 1.0 0.000 1,342 1,342 1,095 1,095 1,225 Processos e serviços Esta parte do instrumento visa compreender o funcionamento interno da unidade de saúde, os seus processos e serviços. Em relação ao horário de funcionamento, todos os centros de saúde funcionam das 8h às 20h; porém, esta informação não se encontra afixada em todas as unidades. Em relação aos serviços específicos e diferenciados, como vacinação, enfermagem, urgência, entre outros, cada um funciona com horário próprio, em dias específicos ou apenas por marcação. Esta informação não está claramente visível de forma global. O processo de chamada dos utentes para consulta funciona por senha e ordem de 164 chegada, podendo ser chamada oralmente a senha ou o nome dos utentes (conforme o serviço). A prioridade funciona de forma regular, existindo senhas sem marcação prévia para pessoas prioritárias. A informação e todo o material exposto nas salas são aprovados e colocados pela chefia dentro de cada unidade (ou pessoa delegada por esta). Os materiais ficam expostos de forma sazonal ou anual, conforme as temáticas. De notar que no mês de abril, mês de recolha dos dados, o tema mais abordado foi a gripe (tema sazonal relacionado com a altura do ano) e a saúde oral. Quando existe televisão ou monitor interativo, o mesmo é gerido pelas funcionárias administrativas. A escolha dos canais é feita pela organização, mas pode ser alterada a pedido do utente. No entanto, essa informação não está exposta. Verificou-se a presença de televisores mantidos desligados em duas unidades, outra apresentava o televisor ligado na sala de espera e apenas duas não tinham televisão. Nenhuma unidade possui monitores interativos. Os monitores que apresentam são monitores onde se encontra informação sobre senhas de chamada dos utentes. Todas as unidades possuem gabinete de apoio ao utente com funções específicas como fornecer informações, aconselhamento, orientação e reclamações. No geral nota-se que a informação nas unidades de saúde se encontra em diversos locais, parecendo caber ao utente o papel de procurar a informação que necessita, mas com pouca orientação. Não existe um local exclusivo com informação exposta; esta aparece exposta em diferentes locais dentro da unidade. Estudo 2 Foram realizadas 45 entrevistas semiestruturadas. As entrevistas procuraram promover a discussão e partilha de perspetivas dos utentes face a quatro temas centrais: (1) opinião sobre a sala de espera e espaço de circulação da unidade pública de saúde que frequenta (se é agradável, o que mais gosta ou o que menos gosta); (2) tempo de espera e perceção sobre o mesmo; (3) atitude perante partilha de informações de saúde no espaço da sala de espera (ver, ler, compreender, temas e meio de comunicação preferido para transmissão de informação em saúde); e, por último, (4) se pudesse alterar a sua sala de espera, o que alteraria (o que mudaria na sala, que temas gostaria de ver expostos, com que tipo de materiais). 165 Uma breve análise de frequência de palavras das respostas recolhidas durante as entrevistas aos utentes evidencia a relevância e frequência da referência dos conteúdos sobre “saúde”, “informação” e “sala de espera”, em primeira instância. Em segunda instância, emergem conceitos como tempo, serviços, importante, mudava, gosto, monitor, poster, folhetos, exposição, agradável, deixando antever os conteúdos mais abordados pelos utentes durante as entrevistas. De acordo com os temas já enunciados e seguindo a ordem lógica da estrutura temática desenvolvida para as entrevistas, optou-se por apresentar os resultados respeitando essa mesma estrutura. Opinião sobre a sala de espera e espaço de circulação da unidade pública de saúde Em relação ao primeiro tema, a maioria dos utentes refere que a sala de espera é agradável (n=26; 57,78%); no entanto, 17 utentes (37,78%) refere que a sala de espera que frequenta não é agradável e três utentes apresentam sentimento misto face à sua sala de espera (Tabela 8). Tabela 8 Opinião sobre a sala de espera Questão Entrevistas Referências % Misto 03 03 06,67 Não 17 17 37,78 Sim 26 26 57,78 Descritivo É básica. Tem o mínimo indispensável. Mais ou menos porque é um sítio onde não gosto de ir Era agradável, mas estive muito tempo à espera. A hora marcada não correspondeu à hora que fui atendido. Nem por isso. Muitas correntes de ar em alguns sítios, noutros muito abafado, cadeiras pouco confortáveis. Não tem nada de agradável, porque o conforto não é nenhum, a decoração é horrível. Não, é um espaço sem decoração nenhuma muito frio e impessoal. Sim. Têm máquinas de água e alimentos. Considero-a agradável. É espaçosa, com boa luz natural, encontro sempre lugar para sentar, os serviços colocam plantas em redor, a arquitetura é agradável. Sim. Chamam-me rapidamente e há pouca gente, há calma. 166 Tempo de espera e perceção sobre o mesmo Todos os utentes entrevistados foram questionados sobre o tempo de espera que costumam, em média, aguardar para ser atendidos e sobre a sua perceção em relação a esse tempo, se é adequado ou se consideram tempo curto/longo. Os dados indicam que, de modo geral, os utentes estão descontentes com o tempo de espera, considerando que o tempo que, em média, costumam aguardar para serem atendidos é desadequado porque esperam demasiado (n=24; 53,33%). Dezasseis utentes (35,56%) referem estar satisfeitos com o tempo de espera, três utentes (6,67%) referem ter sentimentos neutros sobre esta questão e um utente (2,22%) tem sentimentos mistos (Tabela 9). Analisando o tempo referido pelos utentes, os mesmos referem esperar em média 33 minutos (DP=22,424; M=25). Tabela 9 Opinião sobre tempo de espera Tempo de espera N % Negativo 24 53,33 Em média 50 min. Estou 30 minutos antes da consulta por recomendação do secretariado e depois em média mais 20 minutos até ser chamada. Considero tempo excessivo. Em média deve ser aproximadamente 1 hora / 1 hora e meia. É demasiado tempo e totalmente desadequado. Cerca de 30 minutos. É muito tempo. 1 hora ou mais, imenso tempo principalmente quando supostamente temos uma hora marcada. Positivo 16 35,56 15 min se marcar. Se não marcar espero 1h30. Os 15 min, até 20 min acho adequado. Mais do que isso é demais. 15 minutos/adequado. 20 min, adequado. 5 minutos, é muito bom. Numa urgência costumo esperar mais tempo, mas com consulta marcada não, o médico é pontual. Neutro 03 06,67 30 min. Nem é muito, nem é pouco. Misto 01 02,22 Já variou, já esperei 10 a 15 min acho adequado, como também já esperei 30 min a chegar a consulta a horas e não achei adequado. Respostas 167 De referir igualmente que o tempo de espera aparece como a terceira razão mais frequente para o desagrado com a sala de espera e com a unidade pública de saúde que cada utente frequenta. Atitude perante partilha de informação de saúde no espaço da sala de espera Em relação à informação em saúde partilhada na sala de espera, os utentes foram questionados se viram, se leram, se compreenderam ou tiveram dúvidas, o que viram e qual o melhor meio de comunicação para transmitir essa informação. Os dados indicam que a maioria dos utentes refere ter visto materiais com informação em saúde expostos quando visitaram pela última vez a sua unidade pública de saúde (n=27; 60%); no entanto, apesar de terem visualizado os materiais, 51,11% (n=23) dos utentes não teve interesse em ler os mesmos contra 44,44% (n=20) de utentes que referem ter lido esses materiais. Relativamente à compreensão, a maioria dos utentes refere compreender a informação em saúde que lê exposta (n=33; 73,33), apenas três pessoas (6,67%) referem por vezes não compreender toda a informação que leem e três utentes (6,67%) referem ficar com dúvidas quando leem os materiais. As dúvidas são muitas vezes referidas sobre o conteúdo científico de saúde da informação exposta, mas também sobre onde se devem dirigir para ter mais informação sobre o tema ou para se inscreverem (e.g., num rastreio que esteja acontecer) (Tabela 10). Tabela 10 Atitudes e comportamentos perante partilha de informação em saúde na sala de espera Positivo Visualização Leitura Compreensão Dúvidas Negativo Misto Neutro N % N % N % N % 27 20 33 03 60,00 44,44 73,33 06,67 13 23 03 00 28,89 51,11 06,67 00,00 0 2 2 0 0,00 4,44 4,44 0,00 0 0 1 0 0,00 0,00 2,22 0,00 168 Se pudesse alterar a sua sala de espera, o que mudaria? Durante as entrevistas presenciais, os utentes foram questionados sobre o que mudariam na sala de espera que frequentam. Os dados indicam uma grande diversidade e amplitude de respostas, sendo referido com mais frequência os seguintes aspetos: conforto das cadeiras, ambiente harmonioso e acolhedor, decoração, música ambiente relaxante, televisão com informação em saúde, mais atividades entre utentes e profissionais, e a existência de revistas sobre saúde para consulta livre e gratuita (Tabela 11). Tabela 11 Frequência sobre “O que mudava na sala de espera” O que mudava? Conforto das cadeiras Ambiente harmonioso, relaxante, acolhedor Decoração Musica ambiente relaxante TV com informação de saúde Atividades entre profissionais e utentes Revistas sobre saúde Espaço lúdico infantil Funcionários Luz natural Mais espaço Massagem Monitores, computadores Produtos alimentares saudáveis Wi-fi gratuito Disposição das cadeiras Forma de chamar o utente Mais informação exposta Máquina água gratuita Menos informação exposta Menos tempo de espera Nada Organização Temperatura Biblioteca com livros, revistas, etc., de saúde Formas de comunicação personalizada com o utente Janelas Limpeza Promoção da privacidade Publicação interna (revista da USF e UCSP, app, etc.) WC acessíveis e limpos 169 N % 170 100 8 6 5 4 4 3 3 3 3 3 3 3 3 2 2 2 2 2 2 2 2 2 1 1 1 1 1 1 1 37,780 22,220 17,780 13,330 11,110 8,89 8,89 6,67 6,67 6,67 6,67 6,67 6,67 6,67 6,67 4,44 4,44 4,44 4,44 4,44 4,44 4,44 4,44 4,44 2,22 2,22 2,22 2,22 2,22 2,22 2,22 O que é mais importante para si em relação ao espaço da sala de espera? As entrevistas finalizaram com uma questão que solicitava aos utentes que referissem o grau de importância face a aspetos do espaço da sala de espera, itens que fazem parte do instrumento inicial desenvolvido e aplicado sob observação direta (SE-PEP, Sala de Espera – Pessoas, Evidências e Processos). De um modo geral, os resultados mostram que a limpeza, as cadeiras, a afixação dos direitos e deveres do utente, afixação sobre serviços, atividades e sessões, assim como a organização e sinalética são aspetos considerados muito importantes. Por outro lado, possuir refeitório ou cafetaria são aspetos considerados nada importantes para os utentes; possuir livros, revistas e jornais ou máquina de produtos alimentares é considerado de importância neutra. A Tabela 12 apresenta a análise descritiva das medidas de tendência central e dispersão das variáveis analisadas. Tabela 12 Grau de importância – Média e DP Limpeza Informação de serviços, atividades Organização Direitos e deveres Cadeiras Sinalética Iluminação Caixa de sugestões Temperatura Posters Máquina de café/água Quadro de avisos Cheiro Proximidade Folhetos TV Audição Revistas Wi-fi Máquina de produtos alimentares Monitores Cafetaria Refeitório Nota: 1 (nada importante) e 5 (muito importante). 170 Média Desvio-Padrão 4,91 4,71 4,64 4,62 4,60 4,58 4,53 4,53 4,49 4,42 4,36 4,33 4,33 4,22 4,20 3,84 3,84 3,73 3,73 3,71 3,69 3,27 2,76 0,288 0,458 0,570 0,614 0,654 0,690 0,694 0,588 0,661 0,812 0,743 0,798 0,798 0,876 0,991 1,445 1,348 1,156 1,437 1,014 1,276 1,437 1,525 Satisfação com a sala de espera A última questão da entrevista colocava uma pergunta objetiva sobre satisfação dos utentes para com a sala de espera da unidade pública de saúde que frequentam, oferecendo uma escala de 10 pontos como resposta. Em média, os utentes apresentam uma satisfação de 6,40 (DP=2,126) numa escala de 1 a 10. A maioria dos sujeitos refere estar satisfeito com a sala de espera da unidade pública de saúde (n=27; 60%), seguido de nove utentes que apresentam uma atitude neutra (20%) e sete utentes que referem estar insatisfeitos com o espaço da sala de espera. Discussão e implicações práticas Como reflexão crítica, o presente estudo pretende focar-se na análise dos espaços de espera e circulação na unidade pública de saúde, por serem espaços que se acredita poderem ser otimizados quanto ao seu potencial para promover saúde, dado que os utentes aí despendem bastante tempo. O tempo de espera associado à ida a uma consulta é interpretado como algo negativo e sem valor ou utilidade, é “tempo perdido” (sic), associando-se, assim, a impressões desfavoráveis às salas de espera que, como o próprio nome indica, são salas onde se espera. E “esperar” não é um termo considerado agradável, menos ainda no mundo atual em que vivemos onde a urgência e imediatismo dos processos nos conduz a desejar que tudo seja rápido, fácil e eficiente. No entanto, a visão dos autores é de que estas salas de espera são, exatamente por isso, espaços privilegiados para o desenvolvimento de atividades e ações de promoção de saúde, daí o tempo de espera pode passar a ser muito útil na promoção da literacia em saúde. Diferentes estudos têm indicado a importância da atmosfera na sala de espera, organização das cadeiras e do espaço, cheiro, decoração, música e temperatura ambiente são aspetos relevantes que podem 171 contribuir para a redução de níveis de ansiedade dos utentes se trouxerem conforto ou se se assemelharem a ambiente caseiro, muitas vezes negligenciado (Clapton & Reid, 2017; Goelitz & Kahn, 2008). Igualmente outros estudos têm procurado focar-se na utilização das salas de espera para promover a saúde e literacia em saúde (Clapton & Reid, 2017). Também como já referido, a DGS (2006) desenvolveu um documento onde refere a importância de diferentes aspetos e abordagens em relação às instalações e processos internos e a importância dos sentidos como meio de análise relevante. Seguindo estes pressupostos, houve a necessidade de desenvolver um instrumento (SE-PEP, Sala de Espera – Pessoas, Evidências e Processos) que integra e possibilita, numa check-list exaustiva, uma escala que quantifica comportamentos e uma tabela de resposta aberta que permite o levantamento de informação relevante, facilitando a análise de um conjunto de parâmetros relacionados com as dimensões Pessoas, Evidências e Processos, pretendendo, assim, analisar as salas de espera. Foi aplicado em cinco unidades de saúde. De forma geral, os dados deste estudo indicam que as instalações possuem a maioria do material necessário ao bem-estar dos utentes, o ambiente é agradável e adequado no que toca à temperatura, sons, espaço, limpeza, iluminação, casas de banho, disposição das salas e proximidade da sala de espera com os consultórios. Notou-se ainda que todas as unidades visitadas possuem máquina com produtos alimentares saudáveis, máquina de café e máquina de água. Ainda, o estudo indica que as unidades de saúde apresentam de modo visível os direitos e deveres dos utentes, informações sobre sessões de esclarecimento e localização de serviços. Notou-se, no entanto, que as diferentes salas de espera possuem um número reduzido de livros ou revistas disponíveis para os utentes, não colocam música ambiente, não possuem cafetaria ou refeitório. É de referir ainda que nenhuma das unidades possui peças de decoração, monitores interativos, informação traduzida ou informação em braille e poucas têm televisão. Os materiais afixados encontram-se dispersos e a informação não apresenta uma organização lógica. Os esforços de promoção de saúde 172 e aumento de literacia em saúde nestes espaços aparenta ser reduzido e quase exclusivamente baseado em posters expostos; porém, mesmo estes muitas vezes não apresentam indicações de onde e como obter mais informação. Os temas mais abordados nestes posters foram a gripe e a saúde oral. Na segunda fase deste trabalho foram entrevistados cidadãos que frequentam a unidade pública de saúde há menos de um ano, de modo a recolher informação da perspetiva dos utilizadores. A recolha destes dados permitiu realizar uma comparação com os dados já recolhidos na primeira fase e perceber quais os pontos mais relevantes para o utente a nível de instalações, materiais e informação exposta e se os mesmos se encontram satisfeitos, assim como a sua perspetiva sobre como tornar as salas de espera em espaços privilegiados de promoção de saúde e literacia em saúde. De um modo geral, os dados indicam que um pouco mais de metade dos utentes entrevistados refere que a sala de espera é agradável (n=26; 57,78); no entanto, existe uma elevada percentagem de utentes (37,78%) que refere que não é agradável e três utentes apresentam sentimento misto face à sala de espera que frequentam. Os dados permitem verificar que as principais razões que os utentes indicam para considerarem a sala de espera que frequentam um espaço agradável são: a luz natural, o espaço e tamanho da sala, a limpeza, a existência de máquina de café e água. Por outro lado, as principais razões que os levam a referir que a sala de espera que frequentam não é agradável são: as cadeiras, a audição, a temperatura e a decoração. No geral, os utentes estão desagradados com o tempo de espera que aguardam pela consulta, referindo que é elevado. Notou-se ainda que 60% refere ter visto expostas informação sobre saúde nas suas salas de espera; no entanto, 51% refere não ter tido interesse em ler esses materiais por os ter considerado não atrativos/não interessantes. A maioria dos utentes refere compreender com facilidade as informações transmitidas nesses materiais; contudo, indicam que esses materiais deveriam oferecer informação sobre fontes, como e onde obter mais informação, como e onde se inscrever para participar em rastreios ou 173 atividades. Em relação ao meio de comunicação mais eficiente notouse que o mesmo varia consoante os grupos etários. De forma a relacionar os dados obtidos no primeiro e no segundo estudo procurou-se fazer uma relação entre os resultados de ambos, organizando os mesmos de acordo com a estrutura já desenvolvida – Pessoas, Evidências e Processos. Relativamente ao que os utentes consideram mais importante na sala de espera que frequentam foram referidos os seguintes aspetos (Tabela 13): Tabela 13 Aspetos que os utentes consideram mais importantes nas salas de espera Pessoas Evidências Processos • Atividades e sessões • Limpeza • Cadeiras confortáveis • Afixação dos direitos e • deveres do utente • Afixação sobre serviços • Sinalética • Caixa de sugestões • Temperatura • Organização Ainda sobre o que mudaria na sala de espera que frequenta, os utentes referem (Tabela 14): Tabela 14 Os aspetos que os utentes mudariam nas salas de espera Pessoas Evidências Processos • Mais atividades entre • utentes e profissionais • Conforto e disposição das • cadeiras • Simpatia dos funcionários • Ambiente harmonioso • e acolhedor • Decoração • Música • Ambiente relaxante • Televisão com informação • em saúde • Wi-fi gratuito • Luz natural • Disponibilidade de revistas • sobre saúde para consulta • livre e gratuita • Mais privacidade 174 • Forma de chamar o utente Para uma melhor compreensão de operacionalização dos dados e resultados alcançados em ambos os estudos, respeitando esta organização e realizando a comparação entre os mesmos, oferecendo insights e sugestões sobre como otimizar o espaço da sala de espera e aí promover a literacia em saúde, consultar: http://cd.ispa.pt/ficheiros/areas_utilizador/user6/anexos.pdf Conclusões Este trabalho pretendeu analisar a qualidade e potencialidade das salas de espera em unidades públicas de saúde, como espaços de promoção de literacia em saúde. Como tal, foram desenvolvidos dois estudos complementares de natureza exploratória. Na primeira fase desenvolveu-se e aplicou-se o instrumento SE-PEP com recurso a observação direta, o que permitiu observar, comparar e analisar as salas de espera e espaços de circulação em três dimensões: pessoas, evidências e processos. A parte do instrumento que se refere às pessoas inclui uma parte de análise dos seus comportamentos quando visitam a unidade de saúde e os seus sentimentos/emoções. A parte referente às evidências inclui uma análise relativa às instalações, materiais e informação exposta, assim como a parte final do instrumento integra os processos e o funcionamento interno das unidades de saúde. Concluiu-se que a maioria das salas de espera observadas apresentam instalações adequadas ao nível do conforto e a maioria tem equipamentos que poderiam ser utilizados para promoção da literacia em saúde, como os monitores de televisão que se encontram desligados. Observou-se uma baixa utilização de materiais com informação sobre saúde da parte do utente, poucos se encontram a ler posters ou folhetos sobre saúde, livros ou revistas e verifica-se que a informação nas unidades de saúde se encontra dispersa, aparecendo exposta em diferentes locais dentro da unidade. Constatou-se que estes espaços têm potencial para promoção da literacia em saúde, mas necessitam de ser melhorados e otimizados. 175 Na segunda fase deste estudo foram realizadas entrevistas semiestruturadas e aplicado um questionário a utentes que frequentaram uma unidade pública de saúde há menos de um ano. Foi auscultada a opinião dos utentes sobre a importância das instalações, equipamentos, materiais e o seu grau de satisfação com os espaços de espera das unidades públicas de saúde que frequentam. Concluiu-se que mais de metade considera a sala de espera da sua unidade de saúde agradável e as principais razões apontadas são o espaço e tamanho da sala, a luz natural, existência de televisão, ambiente, temperatura e limpeza. Como aspetos que menos gostam nas salas de espera que frequentam, os utentes referem as cadeiras (velhas e/ou desconfortáveis), a audição (som desagradável), o tempo de espera, a forma de chamar o utente, a cor das paredes (brancas ou cinzentas), o atendimento administrativo com pouca privacidade e a falta de simpatia. Relativamente à sala de espera, os utentes consideram como aspetos muito importantes a limpeza, as cadeiras, a afixação dos direitos e deveres do utente, a afixação sobre serviços, atividades e sessões, assim como a organização e sinalética. Quando questionados sobre o que mudariam na sala de espera, obteve-se uma grande diversidade e amplitude de respostas, sendo referidos com mais frequência os seguintes aspetos: conforto das cadeiras, ambiente harmonioso e acolhedor, decoração, música ambiente relaxante, televisão com informação em saúde, mais atividades entre utentes e profissionais, existência e disponibilidade de revistas sobre saúde para consulta livre e gratuita. Em relação à informação exposta, a maioria dos utentes refere compreender a informação em saúde exposta. Os utentes com dificuldade em compreender a informação escrita referem dúvidas sobre o conteúdo devido aos jargões técnicos, mas também sobre onde se devem dirigir para ter mais informação sobre o tema. De salientar que metade dos utentes entrevistados refere que viu a informação, mas não teve interesse em ler, o que leva a refletir sobre a estratégia adotada para transmitir a informação. Segundo os utentes entrevistados, o meio de comunicação que consideram mais adequado para transmitir informação em saúde varia em função do grupo etário, sendo a transmissão face a face com um profissional de saúde num ambiente que garanta 176 privacidade e confidencialidade a mais referida, seguida da televisão, posters e folhetos. Acredita-se que o instrumento SE-PEP pode funcionar integrado numa estratégia de apoio na autogestão da qualidade e melhoria contínua das salas de espera e espaços de circulação, permitindo às equipas de saúde potencializar as salas de espera como espaços estratégicos de promoção de literacia em saúde. Como propostas futuras, acredita-se que seria benéfico aumentar a amostra, principalmente no que se refere ao primeiro estudo, alargando o leque de unidades de saúde onde se aplica o instrumento SE-PEP, permitindo ter uma visão mais global. Aplicar o instrumento a uma amostra aleatória representativa da população portuguesa seria o objetivo final, assim como aplicar as entrevistas a nível representativo nacional. Desta forma, obtém-se uma visão holística e representativa da situação no país. Poder-se-á, numa lógica de estudo de caso e melhoria de uma unidade em particular, aplicar-se o instrumento e as entrevistas no âmbito da mesma unidade de saúde. Ainda como proposta futura, seria interessante analisar a perspetiva e opinião de outros agentes/atores envolvidos no processo, como profissionais de saúde e responsáveis pela gestão interna das unidades de saúde. Poder-se-á ainda desenvolver este trabalho analisando-se unidades de saúde particulares e comparando a situação que se vivencia nessas unidades com as públicas e, ainda, explorando os materiais e as atividades de promoção de literacia em saúde que realmente têm lugar nas salas de espera, avaliando o sucesso das mesmas. Poderiam ainda ser exploradas, de forma mais profunda, algumas das respostas dadas nas entrevistas como, por exemplo, porque motivo os utentes não sentem interesse em ler os materiais com informação em saúde expostos, dando azo ao desenvolvimento de um estudo experimental com materiais em saúde, promotores de literacia em saúde e avaliando a mesma ao longo do tempo. Todas estas propostas visam a utilização do instrumento SE-PEP como uma ferramenta de apoio à autogestão da melhoria e qualidade da sala de espera. Implicam, assim, uma utilidade prática e interna do mesmo e promovem a adoção de estratégias e intervenções, tendo em conta as expetativas dos utentes 177 e dos profissionais, considerando o tempo de espera como uma oportunidade de empoderamento e de capacitação. Referências American Medical Association. (1999). Health literacy: Report of the Council on Scientific Affairs. JAMA, 281(6), 552-557. Araújo, F. (2016). 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Lisboa: Edições ISPA [ebook]. 183 INOVAÇÃO EM AMBIENTE DE SALA DE ESPERA Ana Quintela / Carina Monteiro / Maria Inês Madureira Introdução A este projeto subjaz o tema Inovação em Ambiente de Sala de Espera, que tem como finalidade dar contributos para o desenvolvimento da investigação no contexto da literacia em saúde nas salas de espera. Por outro lado, esta iniciativa de realizar um estudo de caráter exploratório está associada à prática e experiência profissionais dos autores. O objetivo é aproveitar os espaços das salas de espera onde a primazia das relações humanas é fundamental para a promoção da literacia em saúde, tornando-se também um local para a mudança. Nesse sentido, deverá ser aproveitado para aumentar a literacia em saúde, vendo-a como um processo a longo prazo. A sala de espera é um open space, um lugar de ligação e de relação onde se privilegia a analogia e o simbolismo entre o profissional da linha da frente, o secretário clínico e o utente. Neste processo, o secretário clínico faz o acolhimento e o encaminhamento do utente para a consulta médica e/ou de enfermagem. Para este estudo preconizou-se e desenvolveu-se um instrumento de avaliação e de reflexão que permite participar no processo de construção do conhecimento em literacia em saúde em ambientes de sala de espera. A simbologia do projeto O número três é “universalmente, um número fundamental” (Chevalier & Gheerbrant, 2010, p. 654). 185 A escolha do número prende-se com a sua importância e simbologia devido àquilo que o número representa. “É um número emocional e que está ligado à sociabilidade, à expansão e à criatividade” (Almeida, 2002, p. 17). Reflete uma interação entre as pessoas, através de uma ligação e de uma relação, valorizando o lado emocional, que caracteriza a essência do ser humano. Traduz-se num número que “gosta de conviver, de se socializar, pois a energia do relacionamento alimenta-o e é fonte de energia” (Almeida, 2002, p. 17). Apresentam-se seguidamente algumas curiosidades deste número. Primeira: a cor associada é o amarelo. É a cor do otimismo. “Os optimistas têm uma disposição ensolarada, o amarelo é a sua cor. O amarelo irradia, ri, é a principal cor da disposição amistosa” (Heller, 2000, p. 83). Tem uma representação cíclica, que representa o início, o meio e o fim. A sua forma geométrica simbólica é um triângulo. O “simbolismo do triângulo liga-se ao do número três” (Chevalier & Gheerbrant, 2010, p. 657). Segunda: os autores Chevalier e Gheerbrant (2010), referem que “três, dizem os Chineses, é um número perfeito” (p. 654). Fundamentação teórica Partindo do princípio que a pesquisa documental é um marco importante para toda a investigação, torna-se fundamental beber das teorias, de forma a ajudar a compreender os fenómenos que nos levam a novos conhecimentos. Nesse sentido, a revisão da literatura, “permite encontrar teorias e artigos sobre investigações empíricas apresentadas(os) por diversos autores” (Hill & Hill, 2008, p. 21). Parafraseando Flick (2002), “mais do que testar teorias já bem conhecidas, o objetivo da investigação é descobrir teorias novas, empiricamente enraizadas” (p. 5). A origem e evolução do conceito de literacia em saúde O conceito atual de literacia teve como base a alfabetização, realçando não só a importância das competências mas também a capacidade de as usar (Benavente, 1996). 186 Na área da saúde, o percurso da literacia iniciou-se na década de 70, no Canadá, pelo relatório de Lalonde: New perspective on the health of Canadians. Este relatório deu destaque político à promoção da saúde. Os primeiros dados publicados datam de 1993, nos Estados Unidos da América, no documento National Adult Literacy Survey, revelando que metade dos Americanos apresentava dificuldades em entender conteúdos em saúde (Kirsch, Jungeblut, Jenkins, & Kolstad, 1993). Os dados do Questionário Europeu de Literacia em Saúde (HLS-EU Consortium, 2012), avaliaram quatro áreas necessárias para a literacia em saúde – acesso, compreensão, avaliação e aplicação – e as subdimensões: cuidados de saúde, prevenção da doença e promoção da saúde. Revela ainda que 36% da população apresentava um nível “problemático” e 13% um nível “inadequado” em literacia geral de saúde. Alerta também para as discrepâncias entre os Estados-membros da União Europeia, relacionando o PIB, direcionado para a educação, como fator principal para o nível de literacia da população. Para além deste facto, o relatório alerta para os riscos sociais como o desemprego e a pobreza e os riscos daí inerentes para a saúde (Espanha, Ávila, & Mendes, 2016). No que diz respeito a Portugal, os dados existentes revelam uma melhoria significativa na percentagem da população com baixo nível de literacia, diminuindo de 80% em 1996, num estudo coordenado por Ana Benavente, para 61% (44% problemática e 17% inadequada) em 2014, aquando da aplicação e adaptação do Questionário HLS em Portugal. Definições de literacia em saúde Em 1998, a Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu literacia em saúde como o conjunto de competências cognitivas e sociais necessárias para aceder, compreender e usar informação de forma a promover a sua saúde. Esta definição foi atualizada em 2013, adicionando a motivação como componente fundamental no processo de aquisição de competências, assim como a importância de avaliar a informação disponível no processo de tomada de decisão sobre saúde no quotidiano. O conceito de literacia em saúde foi desenvolvido em 2012 por Sørensen et al., realçando o seu caráter dinâmico durante o ciclo de vida do indivíduo. 187 Neste sentido, a literacia em saúde pretende dotar o cidadão e a sociedade de conhecimento, capacidade e motivação para a tomada de decisão de acordo com o seu meio envolvente e ao longo da sua vida. Definições de comunicação Atualmente assiste-se a uma série de mudanças, que se refletem não apenas na sociedade em geral, mas também nos indivíduos e nas organizações. Sendo a comunicação um exemplo de transformação é uma “condição sine qua non da vida social e, a fortiori, da vida organizacional”. Sem comunicação, “não pode haver organização, gestão, cooperação, motivação, vendas, oferta ou procura, marketing ou processos de trabalho coordenados” (Cunha, Rego, Cunha, & Cabral-Cardoso, 2007, p. 434). Para Nunes (2010), a comunicação é definida como um “processo dinâmico, complexo e permanente, através do qual os seres humanos emitem e recebem mensagens com o fim de compreender e serem compreendidos pelos outros” (p. 13). Nesse sentido, procura-se identificar o papel da comunicação nas organizações como um marco primordial da vida organizacional e constitui a solução para a resolução de muitos desafios e oportunidades. É neste princípio que a presente introdução se fundamenta. O “diálogo entre profissionais e clientes é essencial para se conseguirem formas de participação ativa na conquista progressiva do direito à saúde no exercício da democracia” (Nobre, 2002, p. 14). Deste modo, afigura-se crucial ter presente que uma comunicação, que se quer estratégica, é fundamental para o desenvolvimento e melhoria em qualquer setor de atividade. Sendo a saúde um setor fulcral e necessário para qualquer indivíduo, maior será a sua importância. Poder-se-á definir comunicação estratégica como “uma série de planeamento, bem definida e estruturada para alcançar um objetivo global de uma organização” (Pereira, 2014, p. 37). Direciona-se para a “ação e a obtenção de resultados, na medida em que o principal objetivo é conseguir transmitir uma comunicação com significado e com poder simbólico no sentido de gerar ação. Por outras palavras, pretende-se 188 mobilizar comportamentos e atitudes, através do uso das palavras certas, nos momentos certos, para as pessoas certas” (Pereira, 2014, p. 40). De outro modo, em termos organizacionais, um dos pilares fundamentais para o êxito é saber “gerir correta e eficazmente as pessoas, a sua atividade ou a sua mais-valia, estimulando o conhecimento e a aprendizagem, e desta forma, reconhecer competências, aperfeiçoar procedimentos, ajustar os moldes de trabalho às novas realidades, cada vez mais complexas, que exigem naturalmente novas concepções organizacionais e novos desafios” (Pereira, 2014, p. 40). Importa sublinhar que “sendo impossível não comunicar e sabendo que toda a comunicação tem consequências é fundamental que os profissionais de saúde tenham consciência que todos os seus comportamentos têm impacto nos seus doentes e nos outros profissionais” (Nunes, 2010, p. 13). Definições de sala de espera A “sala de espera pode ser muito mais do que um espaço de ‘espera’ por atendimento de saúde e existem ferramentas que podem auxiliar na melhor utilização desse espaço em prol da saúde da comunidade” (Reis, Brito, Santos, & Oliveira, 2014, p. 35). Como refere Reis et al. (2014), “tal espaço pode e deve ser mais explorado por profissionais nas práticas de educação em saúde, os quais devem reorganizar seus processos de trabalho a fim de promover e favorecer o letramento em saúde” (pp. 35-36). Este espaço é considerado, “um território dinâmico, onde ocorre mobilização de diferentes pessoas à espera de um atendimento de saúde” (Teixeira & Veloso, 2006, p. 321). Pode, inclusive, ser considerado “um local propício ao início do processo de educação, que começará mesmo antes da consulta” (Torres, Paula, Sousa, & Mialha, 2011, p. 69). Algumas pesquisas indicam que os utentes consideram este espaço um vazio, que por vezes se traduz numa espera longa e impaciente, provocando ansiedade e desmotivação (Gignon, Idris, Manaouil, & Ganry, 2012; Rosa, Barth, & Germani, 2011; Sherwin, McKeoown, Evans, & Bhattacharyya, 2013). A “sala de espera proporciona momentos de reflexões e problema189 tizações, que potencializam a tomada de decisões em busca de uma nova realidade” (Rosa et al., 2011, p. 129). É com base nesta preocupação que consideramos pertinente investir numa metodologia de ação que possa trazer uma mais-valia para a melhoria do ambiente de sala de espera nas unidades de saúde. Nos últimos anos tem-se abordado com muita frequência a questão da literacia em saúde. Este momento deverá ser aproveitado para aumentar a sua promoção, para que os utentes se sintam familiarizados, motivados e capacitados para melhor decidirem as suas ações, no âmbito da sua saúde, tendo sempre consciência de que a saúde individual se torna em saúde global. Definições de inovação Dado que o conceito de inovação faz parte do presente projeto de intervenção importa definir em que consiste. O “termo inovação vem do latim innovare, que significa fazer algo novo” (Pitera, 2010, p. 34). Nos dias de hoje é fundamental que as instituições consigam saber como alcançar a oportunidade para acompanhar, modernizar e adaptarse à evolução dos tempos modernos. Na saúde, devido à relevância que tem para o indivíduo e para a sociedade, também se deve fazer um investimento através da mudança, do arriscar, do empreendedorismo, da criatividade e da inovação, tornando-se também num desafio. Note-se que o “empreendedorismo procura compreender de que forma surgem oportunidades para criar algo novo” (Caetano, Santos, & Costa, 2012, p. 9). Os “empreendedores reconhecem a viabilidade da ideia de produzir um produto ou serviço e avançam com essa ideia, obtendo os recursos necessários, como capital, pessoas, maquinaria e escolhem a localização ideal para o projeto” (Maçães, 2017a, p. 17). O termo “inovação é a essência do empreendedorismo” (Maçães, 2017a, p. 19). Para tal, não deve ser esquecido que a motivação e a criatividade são fatores de impulso para atingir um caminho. Por motivação “queremos dizer, vontade de aprender mais, de superar resultados anteriores, de melhorar” (Santos & Jesus, 2015, p. 66), enquanto a criatividade é a 190 “capacidade para combinar novas ideias numa forma única de fazer coisas novas, ao passo que inovação é o processo de desenvolver uma ideia criativa e transformá-la num produto, num serviço ou num novo método de fabrico” (Maçães, 2017b, p. 19). De acordo com Briga (2012), “uma das fontes mais valiosas da criatividade é a fusão de ideias diferentes” (p. 110). Por outras palavras, Cunha et al. (2007) assinalam que a “inovação é um pequeno rótulo para uma grande variedade de fenómenos. O conceito pode incluir práticas tão diversas como a adaptação de novas soluções tecnológicas ou processos de trabalho, o lançamento de novos produtos (...)”. Em suma, “mudar, descobrir, adaptar” (p. 735). Método Trata-se de um projeto de intervenção, exploratório, qualitativo, com o objetivo de desenvolver instrumentos, atualmente considerados inovadores, que proporcionem um aumento de conhecimento de literacia em saúde em ambiente de sala de espera. Foi feita uma pesquisa bibliográfica nas principais bases de dados (PubMed e B-ON) nos últimos cinco anos, nas línguas portuguesa e inglesa, utilizando os termos MeSH wainting room e health literacy. Aos resultados desta pesquisa foram ainda adicionados alguns documentos de referência. Dos artigos obtidos foram selecionados os seguintes: – The waiting room “wait”: From annoyance to opportunity (H. N. Sherwin, M. McKeown, M. F. Evans, O. K. Bhattacharyya). – The waiting room: Vector for health education? The general practitioner’s point of view (Maxine Gignon, Hadjila Idris, Cecile Manaouil, Oliver Ganry) – Ask me 3 (http://www.ihi.org/resources/Pages/Tools/Ask-Me-3-GoodQuestions-for-Your-Good-Health.aspx; www.npsf.org/askme3) Aos resultados desta pesquisa foram ainda adicionados alguns documentos de referência: 191 – SNS + proximidade: Mudança centrada nas pessoas (Serviço Nacional de Saúde, 2016). – Conforto nas unidades hospitalares: Norma de orientação clínica nº 021/2013, de 31/12/2013 (Direção-Geral da Saúde, 2013). Refletiu-se sobre potenciais instrumentos inovadores em ambiente de sala de espera. Decidiu-se aplicar e adaptar o instrumento Ask me 3® e introduzi-lo em Portugal. Trata-se de um projeto para ser distribuído na sala de espera aos utentes, com três perguntas que devem ser colocadas pelo utente aos profissionais de saúde durante a consulta. O projeto teve origem num programa educacional desenvolvido pela farmacêutica Pfizer, em 2000, e posteriormente adquirido pelo Institute for Healthcare Improvement, dos Estados Unidos da América, com o objetivo de promover um papel ativo do utente durante a consulta. Foram traduzidas as três perguntas, designadamente: – What is my main problem? = Qual é o meu principal problema? (O utente pede o diagnóstico e a explicação sobre o seu problema). – What do I need to do? = O que devo fazer para resolver o meu problema? (O utente pede orientação para o tratamento). – Why is it important for me to do this? = Porque é importante fazer isso para resolver o meu problema? (O utente pede motivação e contextualização do problema). Tendo por base estas perguntas, construiu-se um folheto para ser distribuído na sala de espera antes da consulta. O folheto seria constituído por três passos e ações específicas para antes, durante e depois da consulta. O tipo de linguagem foi baseado no Modelo ACP – Assertividade, Clareza e Positividade (Belim & Almeida, 2018). Cada questão foi associada a exemplos para facilitar a compreensão. Foi também dado espaço para responder às questões. O instrumento inicial teve como título “3 Passos Úteis Para a Sua Consulta”, desenvolvendo os seguintes passos: – 1º Passo (antes da consulta) aborda os principais problemas de saúde/ /antecedentes, a medicação habitual, a existência de alergias medicamentosas, o motivo da consulta, a duração dos sintomas e queixas associadas; 192 – 2º Passo (durante a consulta) compreende as três perguntas traduzidas e adaptadas do Ask me 3; – 3º Passo (depois da consulta) refere orientações para o tratamento farmacológico. O instrumento inicial foi apresentado a profissionais de saúde, tendo-se solicitado a sua colaboração através do preenchimento de um questionário. Participaram 68 profissionais (47 eram do sexo feminino). A idade média foi de 33 anos e na maioria eram médicos. A avaliação global do instrumento foi positiva para 97% dos profissionais de saúde, que consideraram o folheto útil para aumentar a literacia em saúde dos utentes. Para além da opinião sobre a utilidade do instrumento, foram solicitadas sugestões que foram integradas para melhorar o instrumento. Construiu-se, assim, o folheto final. Para além do folheto foi concebido um Logótipo 3PPC – “3 Passos Para a Consulta” para ilustrar e associar o instrumento. Concebeu-se um poster com o slogan “Tenha Uma Boa Consulta” e um cubo para divulgação. Propostas de Inovação (trabalhos futuros) Considerando a sala de espera um local privilegiado das unidades de saúde (hospitais, clínicas privadas, centros de saúde, Unidades de Saúde Familiar, etc.) para a promoção e desenvolvimento da literacia em saúde apresentam-se algumas propostas, para trabalhos futuros, em que este espaço e o tempo, em que os utentes aguardam pela sua consulta, pode ser aproveitado para receber, aprender, memorizar e reproduzir comportamentos e conceitos na área da saúde. Coordenação do despertar dos sentidos para um alerta informativo De acordo com a Norma de Orientação Clínica nº 021/2013, da Direção-Geral da Saúde, Conforto nas Unidades Hospitalares, deve-se ter em conta os critérios de conforto, valorizando os cinco sentidos: visão, audição, tato, olfato e paladar. 193 São frequentes as situações em sala de espera que não propiciam a atenção para a informação que possa ser passada em ecrãs. Isto porque algumas pessoas estão preocupadas, outras absortas em relação ao que os rodeia e muitos cansados de esperas que podem ser longas. A comparação e a ligação entre perceções olfativas e visuais em situações de resposta a estímulos primitivos são referidas por Stefan Fischer (2017). Assim, propõe-se despertar a visão a partir do olfato. Face à libertação temporizada de um aroma espera-se que o utente seja surpreendido e estimulado pelo sentido olfativo. Atendendo a que a perceção olfativa revela um sentido primitivo com muita capacidade de despertar respostas a agentes externos (Fischer, 2017), é oportuno que nessa altura surja no ecrã um flash informativo, que pode começar por: “Está a sentir um aroma que o convida a saber que...” (é disponibilizada uma informação sobre um tema específico de saúde). Preparação de mimos/atores As pessoas tornam-se atentas e interessadas quando alguém protagoniza uma vivência semelhante à sua. No fundo, é como se estivessem a olhar para um espelho, mas com a vantagem de poderem perceber o futuro, uma vez que esse alguém vai contar uma história do princípio ao fim, não se limitando ao ponto da situação da pessoa. Os neurónios espelho descobertos por Giacomo Rizzolatti e pelos seus colaboradores, em 2009, permitem facilmente a incorporação de informações e atitudes. Assim, propõe-se a preparação de mimos/atores (preferencialmente estudantes da área da saúde) para esclarecimento de problemas simples sobre saúde/doença. A ideia é cada mimo ser instruído com um conjunto de histórias para contar/representar, com um objetivo específico de literacia em saúde; cada ator incorpora perante a pessoa em causa uma história, um caso clínico que se aproxime do da pessoa. Mas também, cada dia, por exemplo, ser dedicado a um conceito, uma doença, uma atitude saudável, adaptada a cada pessoa com quem os atores interajam. Em salas de espera de especialidades médicas, as histórias devem reportar às respetivas especificidades, mas sempre na tentativa de personalização da informação, adaptando a história o mais 194 possível à realidade de cada pessoa, para que ela se sinta retratada e, assim, mais interessada. Sketch coletivo A retenção de informação em sala de espera pode encarar-se no aspeto individual e coletivo (imitação) e deve considerar que os processos cognitivos podem ser fundamentais na aprendizagem (Bandura, 2004). Esta proposta, ao contrário da anterior, visa a globalidade dos utentes de uma sala de espera e não a individualização da informação. Um animador, ou vários, devidamente preparados para transmitir informações fundamentais em saúde, criam um sketch, se possível divertido, sobre uma situação prática (e.g., uma ida ao médico, parodiando as formas de se queixar). Estas encenações deverão sempre terminar com uma breve informação fundamental sobre um aspeto que se queira realçar, prevendo-se a tentativa de chamar uma ou mais pessoas a participar diretamente no sketch, ensinando-as a representar o papel correto (e.g., não se deve queixar dessa forma, mas desta...). A ideia é surpreender, provocar, fazer participar, educar, mas também informar sobre saúde. TV/Ecrãs com módulos de perguntas direcionadas a temas específicos Habitualmente, as informações passadas nas televisões/ecrãs presentes em salas de espera são de conteúdo noticioso ou de caráter estatístico (número de consultas, tempos de espera, especialidades médicas, etc.). A proposta é intercalar, em conteúdos já aprovados e banalizados em salas de espera, questionários de escolha múltipla, i.e., quizzes em temas específicos que propiciem literacia em saúde. Pretende-se cativar os utentes com uma linguagem simples, direta, para uma informação; no caso, perguntas sobre saúde. Algumas das perguntas poderão dirigir-se à definição de termos da nomenclatura médica, permitindo uma melhor aproximação a termos que, embora sendo transformáveis em linguagem comum, podem perder acuidade e relevância (e.g., vertigem não é meramente sinónimo de tontura ou desequilíbrio). 195 Os conjuntos de perguntas deverão ser acessíveis, podendo as respetivas possibilidades de resposta conter algumas informações quase anedóticas, na intenção de manter a atenção e interesse das pessoas. Termina-se a apresentação com a indicação aos utentes para a disponibilidade de um folheto existente na sala com essas e outras informações sobre saúde. No folheto, os utentes têm a possibilidade de pontuar no Quiz-Saúde, sendo recolhido posteriormente e, em reconhecimento pela sua participação, oferecendo uma lembrança (e.g., uma esferográfica). Mosaico interativo sobre saúde, utilizando Códigos QR A utilização de telemóveis com capacidades avançadas (smartphones) é cada vez mais comum, mesmo em pessoas idosas. Por outro lado, a possível utilização de um ponto interativo convencional (ecrã) levanta problemas de saúde, especialmente no âmbito de transmissão de vírus, através do toque digital. A proposta é, ao invés de tocar, construir um ponto de códigos QR (Quick Response Code), uma forma simples de se armazenar informação, acedendo-se a um link em forma de texto, URL, mensagens, endereços de email, etc. (http://www.qr.code.com). Considerou-se uma oportuna associação à literacia em saúde pela forma simples e rápida de se poder aceder a conteúdos de saúde, ligando os utentes a websites oficiais, mas também a informações validadas sobre saúde. Assim, e com uma descrição de como utilizar o código QR (é necessário ter a Internet ligada e descarregada a aplicação no smartphone ou tablet), o utente poderá aceder, em ambiente de sala de espera, a um ponto de códigos QR, agrupados em mosaicos, com informações úteis e de apontamento (direcionamento) para links com conteúdos de literacia em saúde. Por exemplo: – Configuração para ligação wifi na sala de espera – Acesso a informação geral (e.g., site do SNS, da DGS) – Acesso a informações por especialidade médica (subsites) – Informações pertinentes/novidades – Folheto dos “3 Passos Para a Consulta” 196 Conclusão e reflexão crítica O projeto “Inovação em Ambiente de Sala de Espera” permitiu caracterizar a sala de espera como um local muito favorável para ações de literacia em saúde, concluindo-se pela ainda pouca utilização desta capacidade. Apresentam-se várias propostas de inovação, centradas na capacitação dos utentes de serviços de saúde, no ambiente da sala de espera, em relação ao interface doente/profissional de saúde, conhecimentos em saúde e atitudes de vida saudável. Destaca-se, como aspeto pioneiro e inovador, a aplicação do Ask me 3®, pela primeira vez no contexto português, a que se adicionaram mais dois passos (antes e depois da consulta). O instrumento daí decorrente, “3PPC – 3 Passos Para a Consulta” será facilmente identificado pelos utentes, atendendo à concessão de um logótipo e de um slogan associados. A utilidade deste instrumento foi reconhecida pelos profissionais de saúde inquiridos, contribuindo para o aumento da literacia em saúde dos utentes: capacita-os na preparação da sua consulta, motiva o utente para a gestão da saúde e promove a interação entre profissional de saúde e utente. De realçar que a inovação na transmissão de informação em saúde (através de meios digitais, como códigos QR) se afigura como uma mais-valia abrangente e especialmente destinada aos mais jovens. A motivação e o envolvimento que se pretende nos utentes em ambiente de sala de espera podem ser atingidos pela estimulação cruzada de vários sentidos (como o olfativo e o visual), a apresentação em ecrãs e também em suporte de papel de quizzes, eventualmente associados a um processo de recompensa/reconhecimento. A aplicação e divulgação das propostas apresentadas estão em fase de desenvolvimento. Concluímos, assim, que há ainda um longo caminho a percorrer, pois o aproveitamento do espaço e do tempo em ambiente de sala de espera é para os profissionais de saúde um desafio colossal. 197 Há que estender a especialização em literacia em saúde a um maior número de profissionais na área, capacitando-os a abraçar novos projetos. Há também que envolver todos na tomada de decisões relacionadas com as políticas de saúde, otimizando recursos e parcerias. Para já, ousa-se acender o rastilho. Referências Almeida, C. (2002). Manual de numerologia: A magia dos números na sua vida. Lisboa: Editora Pergaminho. Almeida, F. (2002). Organizações, pessoas e novas tecnologias. Coimbra: Quarteto Editora. Bandura, A. (2004). Health promotion by social cognitive means. Health Education & Behavior, 31(2), 143-164. Belim, C., & Almeida, C. V. (2018). Healthy thanks to communication: A model of communication competences to optimize health literacy: Assertiveness, clear language, and positivity. In V. E. Papalois & M. Theodospoulous (Eds.), Optimizing health literacy for improved clinical practices (pp. 124-152). Hershey, PA: IGI Global. Benavente, A. (1996). A literacia em Portugal: Resultados de uma pesquisa extensiva e monografia. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. Briga, V. (2012). 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Avaliação do 1º passo do instrumento - Considera que as questões são úteis? Quais são os meus principais problemas de saúde? Qual é a minha medicação habitual e como é que a tomo? Tenho alergia a medicamentos? O que me traz hoje à consulta (motivo)? Duração (do motivo)? Outras queixas associadas ao seu problema? Avaliação do 2º passo do instrumento - Considera que as questões são úteis? Dr. qual o meu principal problema de saúde? Dr. o que devo fazer para resolver o meu problema? Dr. porque é importante fazer o que me indicou para resolver o meu problema? Avaliação do 3º passo do instrumento? Considera as orientações úteis? Observações/ Sugestões de melhoria _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ 201 Anexo 2 Planeamento estratégico da divulgação do instrumento Objetivos Mercado Processos/Estratégias O1. Obtenção de reconheciO1. mentos pela DGS Ministro da Saúde DGS ARS Ordem dos Médicos/ /Enfermeiros ACeS Associação de MGF Profissionais de saúde Jovens Idosos Adultos E1. Carta com resumo do E1. Instrumento e pedido de E1. reunião O2. Adoção pelos profissionais O2. de saúde E2. Sessões de formação O3. Adoção pelos utentes E3. Sessões de divulgação E4. Aplicação e vídeo Escolas/saúde escolar Universidade sénior, centro de dia, lar Associações de utentes Anexo 3 Cronograma Mês Atividade Set. 2018 Out. 2018 Registo da patente Pré-teste Contatos (e-mails) Reuniões Apresentação USF Descobertas Divulgação a profissionais Elaboração do vídeo Elaboração de app Divulgação pelos utentes Publicação 202 Nov. 2018 Dez. 2018 Jan. 2019 Fev. 2019 Mar. 2019 Como citar? Quintela, A., Monteiro, C., & Madureira, M. I. (2019). Inovação em ambiente de sala de espera. In C. Lopes & C. V. Almeida (Coords.), Literacia em saúde na prática (pp. 195-203). Lisboa: Edições ISPA. [ebook]. 203