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COLEÇÃO CAMINHOS METODOLÓGICOS DO DIREITO CAPÍTULO VII CONJECTURAS ATIVISMO E PROPOSIÇÕES E PROTEÇÃOCRÍTICAS SOBRE A O VEGANISMO EDUCAÇÃO EANIMAL: O ENSINO JURÍDICO NO BRASIL COMO AÇÃO INDIVIDUAL PELA CONSAGRAÇÃO DO DIREITO DOS ANIMAIS FABRÍCIO VEIGA COSTA IVAN DIAS DA MOTTA SÉRGIO HENRIQUES ZANDONA FREITAS FABRÍCIO VEIGA COSTA IVAN DIAS DA MOTTA SÉRGIO HENRIQUES ZANDONA FREITAS Organização COLEÇÃO CAMINHOS METODOLÓGICOS DO DIREITO CONJECTURAS E PROPOSIÇÕES CRÍTICAS SOBRE A EDUCAÇÃO E O ENSINO JURÍDICO NO BRASIL PRIMEIRA EDIÇÃO Maringá – PR 2018 Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) C751 Conjecturas e proposições críticas sobre a educação e o ensino jurídico no Brasil / organizadores, Fabrício Veiga Costa, Ivan Dias da Motta, Sérgio Henrique Zandona Freitas. – 1. ed. – Maringá, Pr: IDDM, 2018. 495 p. - (Coleção caminhos metodológicos do direito) Modo de Acesso: World Wide Web: <https://www.uit.br/mestrado/> ISBN: 978-85-66789-72-0 1. Direito à educação. 2. Educação. 3. Inclusão – Política pública. 4. Educação ambiental. 5. Direitos da personalidade. I. Título. CDD 22.ed. 344.07 Rosimarizy Linaris Montanhano Astolphi – Bibliotecária CRB/9-1610 Todos os Direitos Reservados à Rua Joubert de Carvalho, 623 – Sala 804 CEP 87013-200 – Maringá – PR www.iddmeducacional.com.br iddmeditora@gmail.com Copright 2018 by IDDM Editora Educacional Ltda. CONSELHO EDITORIAL: Prof. Dr. Alessandro Severino Valler Zenni, Professor da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Lattes: http://lattes.cnpq.br/5969499799398310 Prof. Dr. Alexandre Kehrig Veronese Aguiar, Professor Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB). Lattes: http://lattes.cnpq.br/2645812441653704 Prof. Dr. José Francisco Dias, Professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Campus Toledo. Lattes: http://lattes.cnpq.br/9950007997056231 Profª Drª Sônia Mari Shima Barroco, Professora da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Lattes: http://lattes.cnpq.br/0910185283511592 Prof.ª Drª Viviane Coelho de Sellos-Knoerr, Coordenadora do Programa de Mestrado em Direito da Unicuritiba. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4609374374280294 Profº Drº Fabrício Veiga Costa, Pós-Doutor em Educação. Professor de Direito da PUC-MG Lattes: http://lattes.cnpq.br/7152642230889744 APRESENTAÇÃO O livro intitulado “CONJECTURAS E PROPOSIÇÕES CRÍTICAS SOBRE EDUCAÇÃO E ENSINO JURÍDICO NO BRASIL” visa divulgar a produção cientifica do GRUPO DE PESQUISA CAMINHOS METODOLÓGICOS DO DIREITO, sob coordenação do professor doutor Fabrício Veiga Costa, vinculado ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Proteção dos Direitos Fundamentais da Universidade de Itaúna. Tal grupo de pesquisa tem como objetivo fomentar estudos, pesquisas e discussões na àrea de educação, ensino jurídico e metodologias ativas. Reuniões ampliadas são desenvolvidas periodicamente com mestrandos, doutorandos, graduandos e pesquisadores que integram outros programas de pós-graduações stricto sensu em Direito, como é o caso do professor doutor Frederico de Andrade Gabrich (FUMEC); professor doutor Ivan Dias da Motta (UNICESUMAR); professor doutor Sérgio Henriques Zandona Freitas (FUMEC); professor doutor Horácio Wanderlei Rodrigues (Pesquisador do CNPQ e da Fundação Meridional); professor doutor Fernando Antônio da Silva Alves (UERN); professor doutor Paulo Velten (UNIFLU):; professora doutora Valéria Silva Galdino Cardin (UNICESUMAR); Valmir César Pozzetti (Universidade Federal do Amazonas). Trata-se de obra organizada por professores de três programas de pós-graduação stricto sensu em Direito, quais sejam: a) professor Fabrício Veiga Costa – doutor em Direito, pós-doutor em Educação e professor da pós-graduação stricto sensu em Proteção dos Direitos Fundamentais da UNIVERSIDADE DE ITAÚNA; b) professor Ivan Dias da Motta – doutor em Direito, professor do Mestrado em Direito da UNICESUMAR e membro da ABED (Associação Brasileira de Ensino do Direito); c) professor Sérgio Henriques Zandona Freitas - doutor e pós-doutor em Direito, professor do Mestrado em Direito da Universidade Fumec. Tais pesquisadores, visando o estreitamento dos grupos de pesquisa por eles coordenados em seus respectivos programas, promovem e incentivam o debate jurídico-constitucional de temas relacionados ao ensino jurídico no Brasil. A interlocução cientifica da pós-graduação stricto sensu em Proteção dos Direitos Fundamentais da Universidade de Itaúna, Unicesumar e Fumec, com a graduação e pós -graduação lato sensu em Direito, além do estreito diálogo existente com grupos de pesquisas existentes em outros programas de pósgraduação stricto sensu em Direito constitui o objetivo central dos pesquisadores envolvidos nesse projeto. Ressalta-se o apoio da FAPEMIG (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais, pontualmente na contribuição dos estudos orientados e conduzidos pelo professor Sérgio Henriques Zandona Freitas. Além disso, a edição contou com o apoio financeiro da UNIVERSIDADE DE ITAÚNA, FUMEC E UNICESUMAR, bem como o apoio institucional à pesquisa pela parceria com a FUNDADESP (Fundação Nacional de Desenvolvimento do Ensino Superior Particular). Fabrício Veiga Costa Doutor em Direito – Pucminas. Pós-Doutor em Educação – UFMG. Professor da Pós-Graduação Stricto Sensu em Proteção em DireitosFundamentais da Universidade de Itaúna - CV: http://lattes.cnpq.br/7152642230889744 Ivan Dias da Motta Doutor em Direito. Professor da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da UNICESUMAR CV: http://lattes.cnpq.br/1508111127815799 Sérgio Henriques Zandona Freitas Doutor em Direito – Pucminas. Pós-Doutor em Direito – Unisinos e Pós-Doutorando em Direito - Universidade de Coimbra. Professor da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da Universidade Fumec CV: http://lattes.cnpq.br/2720114652322968 PREFÁCIO Prefaciar este sexto livro “Conjecturas e proposições críticas sobre educação e ensino jurídico no Brasil” da Coleção Caminhos Metodológicos do Direito é uma honra, ao mesmo tempo que também uma grande responsabilidade em face do sucesso alcançado nos volumes anteriores. Os organizadores, Professor Fabrício Veiga Costa; Professor Ivan Dias da Mottae o Professor Sérgio Henriques Zandona Freitasao elegerem o tema educação e o ensino jurídico no Brasil trazem à colação textos que apresentam a necessária profundidade e densidade para a valorização da pesquisa científica e que se relacionam a um eixo temático comum com a premissa da educação como um direito de todos e dever do Estado que se irradia sobre direitos e garantias fundamentais. O primeiro artigo intitulado “A importância do registro civil de nascimento na formação da identidade e sua individualização” de autoria de Andréia Cristina dos Santos Honorato de Almeida e Ivan Dias da Motta, aborda o direito ao nome, bem como a formação da identidade do indivíduo, a partir da análise de questões referentes aos direitos da personalidade e ao direito à identidade sob a luz do direito civil-constitucional. O ponto central está norteado no direito à identidade, enquanto direito personalíssimo e a autonomia jurídica sobre o direito ao nome, a partir da análise do direito ao registro civil de nascimento, já que a vida é a prova da própria existência física da pessoa humana, mas a prova jurídica de sua existência decorre a partir do registro civil de nascimento e expedição da certidão de nascimento. O segundo artigo “Da promoção da diversidade sexual nas escolas: do ambiente escolar inclusivo e do dever de educar para além da ideologia hetero-cis-normativa”, da lavra de Valéria Silva Galdino Cardin e Caio Eduardo Costa Cazelatto, a tônica é a relação entre a escola e a promoção do direito à diversidade sexual. Os autores demonstram como o ambiente escolar pode participar na promoção e respeito às diferentes manifestações sexuais enquanto um direito fundamental bem como da personalidade com o objetivo de promover a redução da desigualdade e do preconceito na sociedade hodierna. No texto “O resgate da cidadania planetária através da Educação Ambiental” os autores Márcio Alexandre Silva e Valmir César Pozzetti refletem quanto à esgotabilidade dos recursos existentes no ambiente físico natural no qual está inserido. Os autores buscam demonstrar que o restabelecimento do equilíbrio da relação do ser humano com a natureza deve partir da educação ambiental pois somente dessa forma o homem poderá atuar como elemento transformador da cidadania para se garantir o bem-estar planetário. O quarto artigo com o verbete “Educação em direitos humanos: marcos legais e (in)fetividade” de Horácio Wanderlei Rodrigues e Fernanda Brandão Lapapropõe reflexões acerca da Educação em Direitos Humanos no âmbito da educação formal, em especial da educação para a cidadania e formação de professores. Os autores destacam no âmbito da educação para cidadania e formação de professores alguns pontos como o protagonismo do aluno, interdisciplinaridade e transversalidade; e ainda, a relação professor-aluno. Já na formação para os operadores do Direito, ressalta-se a importância do ensino do direito positivo e dos Direitos Humanos no ensino jurídico. Paulo Velten e Brunela Vieira de Vincenzi optam pela análise sobre “O modus operandi da ditadura militar e a segurança nacional” com destaque ao contexto histórico do Golpe Militar de 1964, de como a doutrina da Segurança Nacional influenciou e continua influenciando o comportamento do Poder Judiciário Brasileiro, suas implicações jurídicas e sociais. Os autores fazem uma análise da doutrina da segurança nacional, baseada na doutrina norte-americana de segurança nacional que entendem ser um ponto relevante para o diagnóstico do estado atual da violência no Brasil. O sexto artigo “A educação a distância como instrumento de inclusão social reafirmando o direito fundamental à educação”, de Elaine Aparecida Barbosa Gomes eMárcio Eduardo Senra Nogueira Pedrosa parte de uma abordagem atual e original sobre a modalidade de educação a distância (EaD) que permite a inclusão social dos indivíduos que não teriam outra possibilidade de realizar um curso em nível superior. Para os autores, o objetivo é discutir, à luz do Direito Fundamental à educação, o espaço de aprendizagem virtual como forma de democratizar o acesso ao ensino superior. “O ensino religioso nas escolas públicas sob a perspectiva dos direitos fundamentais à liberdade religiosa e à laicidade do Estado brasileiro”de Virgínia Lara Bernardes Braz e Fabrício Veiga Costa, a seu turno, encara a questão da religiosidade, na perspectiva constitucional, levando em conta dois conceitos fundamentais: a liberdade religiosa e a laicidade do Estado brasileiro. Para os autores, a Constituição Federal de 1988 estabelece que deve ser oferecida pelas escolas públicas a disciplina de “ensino religioso”, embora a matrícula seja facultativa. Por último, questionam sobre a forma e a condução do ensino religioso nas escolas públicas. Para eles, o que se coaduna com o Estado Democrático de Direito, é o ensino da tolerância com as demais religiões para a formação crítica do cidadão. O oitavo artigo intitulado “A atuação da escola enquanto elemento consolidador de uma sociedade plural” de Thamara Estéfane Martins Balbino e Deilton Ribeiro Brasil parte da premissa que a escola é um importante elemento para formação de novos comportamentos. Os autores questionam se a atuação da escola vem cumprindo o seu papel de elemento consolidador e garantidor de uma sociedade plural e democrática. O texto “Educação para paz como mecanismo de implementação da justiça social” de Rafaela Cândida Tavares Costa e Fabrício Veiga Costa, possibilita a compreensão sobre um conjunto de pesquisas sobre a educação, que tem por objetivo analisar a paz como uma forma de concretização da justiça social. Os autores averiguaram que através de metodologias interativas, abordando a paz como uma possibilidade concreta, há a possibilidade de uma construção moral e política baseada na igualdade de direitos e na solidariedade coletiva, ou seja, a justiça social. O décimo artigo com o título “Avaliação da aprendizagem e do ensino: a necessidade de reestruturação dos métodos avaliativos tradicionais” de autoria de Marco Antônio de Souza, a abordagem predominante é sobre a necessidade de reestruturação dos métodos avaliativos tradicionais, como modo de constituição de um modelo pedagógico de ensino integrado e didático. Para o autor, o aluno, no atual Sistema de Ensino, é protagonista no processo ensino-aprendizagem, sendo que o professor estabelece o papel fundamental de orientação. Conclui que o paradigma de aprendizagem moderno deve se valer dos diferentes modelos metodológicos, com vistas a romper com o tradicional sistema, pautado no ato mecânico de memorizar, desvinculado do aprendizado. “Direitos fundamentais dos deficientes: a inclusão social das crianças com deficiência na escola regular” da lavra de Leandro Pereira Góis e Fabrício Veiga Costa tece considerações sobre o acesso das crianças com deficiência à escola formal garante igualdade entre todos os alunos, representando um dos principais desafios na área de educação, uma vez que elimina as barreiras da exclusão e discriminação, que dificultam a aprendizagem de todos na escola. Os autores em seu trabalho averiguam o problema da efetividade das políticas públicas em âmbito educacional para crianças com deficiência na perspectiva da inclusão, levando em consideração a legislação Internacional, Legislação Constitucional e a Legislação Infraconstitucional específica. Analisamos um julgado do Supremo Tribunal Federal (STF). O décimo-segundo artigo “A construção histórica da terminologia para se referir às pessoas com deficiência à luz do direito à dignidade” de autoria de Bruno Martins Teixeira e Fabrício Veiga Costa trata das terminologias para designar as pessoas com deficiência, partindo do período pós-Primeira Guerra até a atualidade, quando se passou a adotar o termo “pessoas com deficiência”, em 2009. Os autores fazem incursão sobre os movimentos sociais que motivaram essas alterações, correlacionando-as com as várias teorias que informam o princípio da dignidade da pessoa. Concluem que é urgente um maior investimento em Educação, de forma a incutir nos cidadãos, desde cedo, o respeito à dignidade de todas as pessoas, com ou sem deficiência. O artigo “Gênero e âmbito escolar: necessidade de ruptura à padronização social” de Maria Laura Vargas Cabral e Sérgio Henriques Zandona Freitas aborda a necessidade da discussão acerca da identidade de gênero no âmbito escolar e as dificuldades enfrentadas pelos docentes. Para eles, há a necessidade de maior abertura dos espaços estudantis por serem de modo inconteste um ambiente de participação e integração social, possibilitando um debate robustecido e de construção de uma sociedade livre de preconceitos, emancipada e comprometida com o combate a qualquer forma de opressão. O décimo-quarto artigo “Uma análise sobre o uso dos agrotóxicos no Brasil” é um texto de Marcelo Kokke e Izabella Rios Ferraz de Almeida traz o debate da utilização de agrotóxicos no Brasil que vem causando severos impactos no meio ambiente e na saúde do brasileiro. Para os autores, o cenário nacional demonstra uma comercialização dos agroquímicos cada vez maior, com produtores rurais totalmente dependentes dos produtos. Os resultados mostram que o Brasil utiliza dos agrotóxicos de maneira indiscriminada, sem rígida observância às quantidades, equipamentos ou formas corretas de aplicação e, ainda, com deficiente fiscalização estatal para coibir a ação do uso indevido. O penúltimo texto intitulado “Da extensão universitária ao ensino médio: experiência e aprendizados do curso de educação ambiental e desenvolvimento sustentável em 2017” de autoria de Victória Lourenço de Carvalho e Gonçalves, Ana Alice de Carli e Pedro Curvello Saavedra Avzaradel, cuida da educação ambiental (EA), como fator essencial à preservação ambiental e à construção de uma nova ética que tem suas bases no princípio da solidariedade e na perspectiva sistêmica e holística. Para os autores, as universidades desempenham o importante papel de articuladoras e fomentadoras de conhecimentos que agreguem questões ambientais, sociais e econômicas. Por último, o texto “Metodologias ativas no ensino de graduação na área jurídica” de Rozirene Emetério Leite e Fabrício Veiga Costa discutem como as transformações sociais têm colocado em questão, as práticas docentes utilizadas nas universidades e a necessidade de mudanças metodológicas destes profissionais. Para os autores, a educação superior contemporânea, requer dos docentes e discentes atitudes de corresponsabilidade e autogestão na técnica da aprendizagem. E para tanto, considera que a forma de ensinar deve estar voltada para as necessidades e realidades do discente, promovendo sua autonomia, seu potencial e preparando-o para a vida em sociedade. Enfim, aqui se encontra o resultado de reflexões criteriosas sobre variados aspectos da educação e do ensino jurídico no Brasil, com temas diversos e em várias escalas em que são estudados propiciam um excelente material de pesquisa, é que se recomenda a proveitosa leitura. De Barbacena para Itaúna, inverno de 2018. Deilton Ribeiro Brasil Pós-Doutor em Direito pela Università degli Studi di Messina, Itália. Doutor em Direito pela UGF/RJ. Professor da Graduação e do PPGD – Mestrado em Proteção dos Direitos Fundamentais da Universidade de Itaúna (UIT) e das Faculdades Santo Agostinho (FASA)- CV: http://lattes.cnpq.br/1342540205762285 O conhecimento exige uma presença curiosa do sujeito em face do mundo. Requer uma ação transformadora sobre a realidade. Demanda uma busca constante. Implica em invenção e em reinvenção. Paulo Freire SUMÁRIO Andréia Cristina dos Santos Honorato de Almeida. Ivan Dias da Motta - A IMPORTÂNCIA DO REGISTRO CIVIL DE NASCIMENTO NA FORMAÇÃO DA IDENTIDADE E SUA INDIVIDUALIZAÇÃO........................................................... 19 Valéria Silva Galdino Cardin. Caio Eduardo Costa Cazelatto - DA PROMOÇÃO DA DIVERSIDADE SEXUAL NAS ESCOLAS: DO AMBIENTE ESCOLAR INCLUSIVO E DO DEVER DE EDUCAR PARA ALÉM DA IDEOLOGIA HETERO-CISNORMATIVA.......................................................................... 47 Márcio Alexandre Silva. Valmir César Pozzetti - O RESGATE DA CIDADANIA PLANETÁRIA ATRAVÉS DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL............................................................................ 80 Horácio Wanderlei Rodrigues. Fernanda Brandão Lapa EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS: MARCOS LEGAIS E (IN)EFETIVIDADE............................................................ 104 Paulo Velten. Brunela Vieira de Vincenzi - O MODUS OPERANDI DA DITADURA MILITAR E A SEGURANÇA NACIONAL........................................................................... 162 Elaine Aparecida Barbosa Gomes.Márcio Eduardo Senra Nogueira Pedrosa Morais - A EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA COMO INSTRUMENTO DE INCLUSÃO SOCIAL REAFIRMANDO O DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO........................................................................... 185 Virgínia Lara Bernardes Braz. Fabrício Veiga Costa - O ENSINO RELIGIOSO NAS ESCOLAS PÚBLICAS SOB A PERSPECTIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À LIBERDADE RELIGIOSA E À LAICIDADE DO ESTADO BRASILEIRO.......................................................................... 208 Thamara Estéfane Martins Balbino. Deilton Ribeiro Brasil - A ATUAÇÃO DA ESCOLA ENQUANTO ELEMENTO CONSOLIDADOR DE UMA SOCIEDADE PLURAL......... 242 Rafaela Cândida Tavares Costa. Fabrício Veiga Costa EDUCAÇÃO PARA PAZ COMO MECANISMO DE IMPLEMENTAÇÃO DA JUSTIÇA SOCIAL...................... 270 Marco Antônio de Souza - AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM E DO ENSINO: A NECESSIDADE DE REESTRUTURAÇÃO DOS MÉTODOS AVALIATIVOS TRADICIONAIS.................................................................... 296 Leandro Pereira Góis. Fabrício Veiga Costa - DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS DEFICIENTES: A INCLUSÃO SOCIAL DAS CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA NA ESCOLA REGULAR............................................................................... 327 Bruno Martins Teixeira. Fabrício Veiga Costa - A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA TERMINOLOGIA PARA SE REFERIR ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA À LUZ DO DIREITO À DIGNIDADE.................................................... 354 Maria Laura Vargas Cabral. Sérgio Henriques Zandona Freitas GÊNERO E ÂMBITO ESCOLAR: NECESSIDADE DE RUPTURA À PADRONIZAÇÃO SOCIAL......................... 381 Marcelo Kokke. Izabella Rios Ferraz de Almeida - UMA ANÁLISE SOBRE O USO DOS AGROTÓXICOS NO BRASIL.................................................................................... 405 Victória Lourenço de Carvalho e Gonçalves. Ana Alice De Carli. Pedro Curvello Saavedra Avzaradel - DA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA AO ENSINO MÉDIO: EXPERIÊNCIAS E APRENDIZADOS DO CURSO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL EM 2017......................................................................................... 431 Rozirene Emetério Leite. Fabrício Veiga Costa METODOLOGIAS ATIVAS NO ENSINO DE GRADUAÇÃO NA ÁREA JURÍDICA............................................................. 456 A IMPORTÂNCIA DO REGISTRO CIVIL DE NASCIMENTO NA FORMAÇÃO DA IDENTIDADE E SUA INDIVIDUALIZAÇÃO LA IMPORTANCIA DEL REGISTRO CIVIL DE NACIMIENTO EN LA FORMACIÓN DE LA IDENTIDAD Y SU INDIVIDUALIZACIÓN Andréia Cristina dos Santos Honorato de Almeida 1 Ivan Dias da Motta 2 Resumo: O presente artigo tem por objetivo analisar o direito ao nome, bem como a formação da identidade do indivíduo, a partir da análise de questões referentes aos direitos da personalidade e ao direito à identidade sob a luz do direito civil e constitucional. Num primeiro instante traça-se um breve estudo acerca da formação da identidade. Após, busca-se delimitar as bases conceituais dos direitos da personalidade procurando relacioná-lo com o princípio da dignidade humana verificando a correlação que se desprende 1 Mestranda do Programa de Mestrado em Direito com ênfase em Direitos da Personalidade do Centro Universitário de Maringá - UNICESUMAR. andreiahonorato32@hotmail.com 2 Professor Permanente do Programa de Mestrado em Ciências Jurídicas pelo Centro Universitário de Maringá – Unicesumar. Possui graduação em Direito pela Universidade Estadual de Maringá (1996), mestrando em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1998) e doutorado em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2000), Pós-doutorado em Direito Educacional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2001). Atualmente é professor permanente do Programa de Mestrado em Direito do Centro Universitário de Maringá, integrando a linha de pesquisa “A Tutela Constitucional e Privada dos Direitos da Personalidade nas Relações Privadas”. Possui atuação profissional na área da advocacia e consultoria em Direito Educacional. 19 entre personalidade e dignidade. O questionamento central da pesquisa está norteado no direito à identidade, enquanto direito personalíssimo e a autonomia jurídica sobre o direito ao nome, a partir da análise do direito ao registro civil de nascimento, já que a vida é a prova da própria existência física da pessoa humana, mas a prova jurídica de sua existência decorre a partir do registro civil de nascimento e expedição da certidão de nascimento. A certidão de nascimento é o documento jurídico que atesta a existência da pessoa, no mundo do direito, visto que não basta nascer com vida para ser um cidadão. Sem o registro a pessoa natural não tem acesso aos serviços sociais básicos nem à obtenção de crédito. Vive em uma constante e permanente exclusão social, a falta de registro de nascimento em cartório é chamada de sub-registro, e é motivo de preocupação por parte do Poder Público. O registro civil de nascimento é um passo importante na construção da cidadania das crianças e adolescentes, ao garantir-lhes o direito ao nome, sobrenome, filiação, os quais são aspectos fundamentais na constituição da identidade de todo sujeito, já que do registro civil de nascimento surge vários outros direitos relacionados à criança e adolescentes. Visto que o registro civil de nascimento é fundamental, pois o acesso à certidão de nascimento no País é um direito fundamental do cidadão, porque a certidão de nascimento é um instrumento básico de exercício da cidadania. Palavras-chave: Direitos da personalidade; Identidade; Registro civil de nascimento. Resumen: El presente artículo tiene por objetivo analizar el derecho al nombre, así como la formación de la identidad del individuo, a partir del análisis de cuestiones referentes a los derechos de la personalidad y al derecho a la identidad bajo la luz del derecho civil y constitucional. En un primer instante se traza 20 un breve estudio acerca de la formación de la identidad. Después, se busca delimitar las bases conceptuales de los derechos de la personalidad buscando relacionarlo con el principio de la dignidad humana verificando la correlación que se desprende entre personalidad y dignidad. El cuestionamiento central de la investigación está orientado en el derecho a la identidad, en cuanto derecho personalísimo y la autonomía jurídica sobre el derecho al nombre, a partir del análisis del derecho al registro civil de nacimiento, ya que la vida es la prueba de la propia existencia física de la persona humana, pero la prueba jurídica de su existencia transcurre a partir del registro civil de nacimiento y expedición del certificado de nacimiento. El certificado de nacimiento es el documento jurídico que atestigua la existencia de la persona, en el mundo del derecho, ya que no basta con nacer con vida para ser un ciudadano. Sin el registro la persona natural no tiene acceso a los servicios sociales básicos ni a la obtención de crédito. Vive en una constante y permanente exclusión social, la falta de registro de nacimiento en notario se llama sub-registro, y es motivo de preocupación por parte del Poder Público. El registro civil de nacimiento es un paso importante en la construcción de la ciudadanía de los niños y adolescentes, al garantizarles el derecho al nombre, apellido, afiliación, los cuales son aspectos fundamentales en la constitución de la identidad de todo sujeto, ya que del registro civil de nacimiento el nacimiento surge varios otros derechos relacionados con el niño y los adolescentes. Dado que el registro civil de nacimiento es fundamental, pues el acceso al certificado de nacimiento en el país es un derecho fundamental del ciudadano, porque el certificado de nacimiento es un instrumento básico de ejercicio de la ciudadanía. Palabras-claves: Derechos de la personalidad; Identidad; Registro civil de nacimiento. 21 1. Introdução O nome civil da pessoa natural é mais do que simples denominação, é um direito subjetivo da personalidade, carrega a função de distinguir os indivíduos e atribuir-lhes corretamente direitos e deveres, o que torna o nome obrigatório, já que é de extrema relevância para a vida social, fato que se torna possível por meio do registro civil de nascimento. A Constituição Brasileira de 1988 consagrou a pessoa como um dos valores máximos do direito através da consagração do princípio da dignidade da pessoa e é a partir da perspectiva dos direitos da personalidade que a instituição do direito ao registro civil de nascimento, ao nome e a formação da identidade é abordado neste trabalho. É importante o entendimento de que o direito ao nome possui, ao mesmo tempo, interesse público e interesse privado, por isso sua função é tão importante e a legislação brasileira regula de forma especifica o registro civil de nascimento. A legislação prevê a garantia do registro civil, um dos mais básicos direitos de cidadania, tendo o Estado o dever de fazer valer este direito. O objeto deste ensaio é de discutir a situação atual do subregistro civil de nascimento no Brasil, a importância do registro civil de nascimento na formação da identidade de cada indivíduo. A certidão de nascimento é o documento mais importante de uma pessoa, ao permitir o acesso aos direitos civis de cidadão brasileiro como: votar e ser votado, casar, trabalhar com carteira de trabalho assinada, abrir contas bancárias, adquirir e alienar bens, participar 22 de concursos públicos e licitações ser beneficiário de programas assistenciais do governo, enfim, é um documento necessário ao exercício dos plenos direitos humanos. Sem o registro civil, a pessoa fica impedida, de receber as primeiras vacinas e de se matricular nas escolas. A Certidão Civil de Nascimento é emitida após o Registro, que é a anotação no Livro que fica guardado no Cartório. O RCN está diretamente relacionado a garantia dos direitos fundamentais, permitindo que esses direitos possam chegar a todos, por igual, e não sejam apenas formalmente reconhecidos, mas que se concretize e se torne materialmente efetivos. O nome e nacionalidade é o direito de cada criança, consagrado na Convenção sobre os Direitos da Criança e outros tratados internacionais, pois a falta do registro civil de nascimento, índica que estas crianças, adolescentesou até mesmo os adultos não são cidadãos, não tiveram seus direitos humanos, direitos fundamentais e direitos a personalidade protegidos, já que no mundo jurídico não basta nascer para existir, o indivíduo passa existir somente após seu Registro Civil de Nascimento. 2. Direitos da personalidade O reconhecimento dos direitos da personalidade como categoria subjetiva de direito, é recente, existia na Antiguidade alguma tutela neste sentido, mas foi a Declaração dos Direitos de 1789 que incitou a defesa dos direitos individuais, a valorização da pessoa humana e da liberdade do cidadão, devido as agressões causadas à dignidade humana na segunda guerra mundial, mas os 23 direitos da personalidade se tornaram juridicamente importantes para o mundo e passaram a ser protegidos na Assembleia Geral da ONU de 1948, na Convenção Europeia de 1950 e no Pacto Internacional das Nações Unidas (DINIZ, 2003, p. 118). A dignidade da pessoa é o valor máximo do atual ordenamento jurídico e engloba os direitos da personalidade do indivíduo, ao mesmo tempo em que, ela própria é um dos direitos fundamentais da pessoa, não podendo, portanto, sofrer limitação se não em função da proteção de direitos de terceiros. A dignidade da pessoa elevou o homem ao patamar central do ordenamento jurídico, por estar constitucionalmente prevista. Nota-se que neste princípio garante, não apenas os direitos fundamentais e sociais a todos os indivíduos, mas também protege a personalidade, a vida privada e os demais valores que consistem na base da existência humana (BRASIL, Constituição de 1988). Os direitos de personalidade, foram devidamente reconhecidos pelo direito diante de fatos históricos que revelaram, ao longo do tempo, a importância do ser humano e justificaram a sua proteção pelo direito privado e mediante esta nova perspectiva de respeito à dignidade da pessoa humana, que nas últimas de décadas do século XX, que se construiu a dogmática dos direitos da personalidade, com base no artigo 1°, III, da Constituição Federal de 1988, é que se pode, nas últimas décadas do século XX, construir a dogmática dos direitos de personalidade (MIRANDA, 2000, p. 31). Pontes de Miranda afirma que “Com a teoria dos direitos de personalidade, começou, para o mundo, nova manhã do direito” 24 e os conceitua como sendo todos os direitos necessários à realização da personalidade e à sua inserção nas relações jurídicas (MIRANDA, 2000, p. 30). Nas palavras de. Venosa a personalidade não é exatamente um direito, mas um conceito básico sobre o qual se apoiam os direitos, já que, o simples fato de ser pessoa é suficiente para que o indivíduo possua personalidade e desta forma todos os direitos que dela surgem (VENOSA, 2010, p. 169). O direito privado ocupou-se expressamente dos direitos da personalidade, abrangendo de forma genérica os seus princípios em dois níveis, na Constituição Federal e complementa no Código Civil Brasileiro1, que os trata de forma mais específica. O artigo 5º da Constituição Federal, estão elencados os direitos e deveres individuais e coletivos, com base na dignidade da pessoa, quais são os princípios superiores que devem de ser atendidos pelos ordenamento jurídico brasileiro e tais princípios nortearam os direitos de personalidade dispostos no Código Civil, no capítulo II (MORAES, 2006, p. 27). O Código Civil de 2002 dedica todo um capítulo aos direitos da personalidade, em todos os seus aspectos, no capítulo II, artigos 11 à 2118, os direitos da personalidade sempre existiram, mas só ganharam tutela do Estado, após os fatos históricos que revelaram sua importância, como direitos inerentes ao homem, visto que os direitos da personalidade, são aqueles que protegem a dignidade humana (PEREIRA, 2004, p. 241). Com base no artigo 11° do Civil Código Brasileiro, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, salvo a exceção dos casos previstos em lei, o artigo em questão 25 estabelece três características dos direitos da personalidade, a intransmissibilidade, a irrenunciabilidade e a indisponibilidade (CUNHA, 2014). Para Pontes de Miranda, “a razão para a irrenunciabilidade é a mesma da intransmissibilidade; ter ligação íntima com a personalidade e ser eficácia irradiada por essa. Se o direito é direito de personalidade, irrenunciável é.”, assim a pessoa não pode de abdicar, mesmo que para substituí-lo (MIRANDA, 2000, p. 32). De acordo com Venosa os direitos da personalidade são o que resguardam a dignidade humana, portanto são perpétuos, não comportam renúncia, nascendo e extinguindo-se com a pessoa e sob alguns aspectos, gozam de proteção inclusive depois da morte, assim ninguém pode, por ato voluntário, dispor de sua privacidade, renunciar a sua liberdade ou ceder seu nome de registro para utilização por outrem (VENOSA, 2010, p. 171). Além das características apontadas na letra da lei, existem outras características dos direitos da personalidade, apontados pela doutrina, onde os classifica como absolutos, intransmissíveis, indisponíveis, irrenunciáveis, ilimitados, imprescritíveis, impenhoráveis einexpropriáveis. Os direitos da personalidade são absolutos por serem oponíveis erga omnes, por conterem em si um dever geral de abstração (DINIZ, 2003, p. 120). Os direitos da personalidade pertencem tanto ao direito privado quanto ao direito público, portanto são oblíquos, existem diversos direitos da personalidade e todas estas características se aplicam a tais direitos, e segundo a doutrina, por ser direito de 26 personalidade, o direito ao nome não é diferente, mesmo no direito privado ou de direito público (MIRANDA, 2000, p. 109). O nome atribuído à pessoa é um dos principais direitos incluídos na categoria de direitos da personalidade, e que a importância do nome para a pessoa natural está no mesmo plano de seu estado, de sua capacidade civil e nos demais direitos inerentes à personalidade: “Assim, pelo lado do direito público, o Estado encontra no nome fator de estabilidade e segurança para identificar as pessoas; pelo lado do direito privado, o nome é essencial para o exercício regular dos direitos e do cumprimento das obrigações” (VENOSA, 2010, p. 183-184). Nas palavras do doutrinador Amorim, o nome é sinal verbal de identificação, capaz de identificar um indivíduo com precisão, criando individualidade e identificando a pessoa, juntamente com outros elementos, como a voz e acontecimentos da própria vida, pode-se dizer que o nome tem como objetivo a identificação e individualização da pessoa na sociedade em que vive, e ele acaba se fundindo com a própria personalidade do ser humano que o carrega, integrando a sua personalidade e fazendo parte do seu “ser” para o resto da vida e mesmo após a morte e como tal esse motivo entende-se que o direito ao nome está incluído entre os direitos da personalidade (AMORIM, 2003, p. 78). Assim, o Código Civil vigente incluiu o nome civil, no artigo 16 no Capítulo II do Código Civil, capítulo este destinado aos Direitos da Personalidade, com o seguinte texto: “Toda a pessoa tem direito ao nome, neles compreendidos o prenome e o sobrenome”. Portanto os direitos da personalidade "são aqueles 27 cujo objeto é o modo de ser físico ou moral das pessoas, aqueles direitos que as capacitam e protegem sua essência, sua persona, as mais importantes virtude do ser" (BRASIL, Lei 10.406). Como direito da personalidade, o nome trata-se de um direito subjetivo extrapatrimonial, de objeto imaterial, possui caráter obrigatório, ou seja, toda pessoa deve ter um e deve receber logo que nasce, além de apresentar caráter público e privado. No que diz respeito ao Estado, representa estabilidade e segurança quanto à identificação dos indivíduos, com relação ao caráter privado se refere justamente à garantia do exercício dos direitos e cumprimentos das obrigações (CECCONELLO, 2003, p. 31). 3. Identidade e direito ao nome A complexidade e a dinamicidade da Identidade são um tanto controversas, tendo em vista os autores que estudam sobre a sociedade e a sua constituição. Assim, há considerações relevantes de Bauman, Hall, Giddens, Castells, entre outros, no que tange ao contexto social, e a construção da Identidade e da sociedade, cada um enfatizando e defendendo suas concepções teóricas, bem como aspectos relativos ao processo comunicacional intrínseco nas áreas históricas, filosóficas, sociais, econômicas, educacionais e outras (SANTINELLO, 2011, p. 155). Identidade é o conjunto de características próprias e exclusivas que diferenciam as pessoas das demais, a identidade pode ser definida de várias formas, de acordo com o ramo de conhecimento que pretende ser analisada, inclusive sob o ponto de 28 vista da sociologia, antropologia, medicina legal, filosofia e direito (SANTOS, 2006, p. 15). Hall destaca que a Identidade está relacionada com a transformação na “modernidade tardia”, especificamente ao processo de mudança identificada como “globalização” e o “impacto sobre a Identidade cultural” (HALL, 2006, p. 13). Segundo as análises de teóricos da área baseadas em conjecturas sociais no desenvolvimento históricos-filosóficos, o conceito de Identidade e sua constituição transformam-se temporalmente e espacialmente, assim, as mudanças sociais caracterizam-se “à medida em que as áreas diferentes do globo são postas em interconexão uma com as outras, ondas de transformação social atingem virtualmente toda a superfície da terra” (GIDDENS, 1990, p.6). A Identidade também se expressa, conforme reflexões de Jacques, onde a Identidade do indivíduo é construída pela sociedade de sobrevivência e das variabilidades das relações sociais, bem como na sua delimitação do contexto e tempo em que o sujeito está inserido, como uma maneira de cada indivíduo se tornar algo em uma composição de grupo: “etnia, raça, gênero, família ou profissão, em que o igual e o diferente convivem simultaneamente” (JACQUES, 2006, p. 155). Nas palavras de Castells a construção da Identidade distingue em três formas e origens, tendo em vista que essa construção acontece por meio das relações de poder: a Identidade legitimadora, a Identidade de resistência e a Identidade de projeto. Para o sociólogo a Identidade legitimadora é inserida por instituições dominantes da sociedade com o objetivo de disseminar 29 e racionalizar seu poder de dominação em relação aos outros atores sociais. A Identidade de resistência é criada por atores sociais que se encontram em desvantagens e estigmatizados pela lógica de dominação, criando barreiras para a sua sobrevivência com base em princípios diferentes dos que norteiam as instituições sociais. A Identidade de projeto é construída a partir de materiais culturais para redefinir posições na sociedade, transformando, assim, a estrutura social (CASTELLS, 1942). Para tanto é fundamental que o indivíduo tenha seu direito ao nome, sua identificação perante a sociedade, bem como os outros direitos da personalidade, valores fundamentais da pessoa. O direito ao nome está previsto dos artigos 16 a 20 do Código Civil de 2002, onde se compreende que o sobrenome, o pseudônimo e o prenome são essenciais e de direito da pessoa natural. Todo indivíduo tem por hábito a convivência em grupo, alcançando melhores resultados e objetivando a sobrevivência da espécie, portanto observa-se que, o direito ao nome, aquele que oferece ao ser humano um prenome e sobrenome, dá a ele uma identificação para a existência em grupo (GONÇALVES, 2011, p. 148). O nome é um direito da personalidade, que o sujeito de direito possui a partir do seu nascimento com vida, o direito ao nome faz parte da integridade moral dos direitos da personalidade, a pessoa tem direito ao seu nome, sobrenome, pseudônimo, no entendimento de Jefferson Daibert, "o nome é a expressão mais característica da personalidade, o elemento inalienável e imprescritível da individualidade da pessoa". A função básica do 30 nome é a individualização e a identificação bem como o sobrenome, que a lei traz consigo o prenome, e se o indivíduo é escritor, um pseudônimo (NADER, 2015, p. 292). Portanto, interpretamos que o nome tem papel fundamental na formação da identidade de cada indivíduo, bem como na sua individualização, perante a sociedade e que são fatores complexos que se inter-relacionam por estarem intimamente ligados com a identidade, individualização e sociedade, isto é, a Identidade é construída entre o eu e a sociedade, e preenche o espaço entre o “interior e o exterior, entre o mundo pessoal e o mundo público” e, por fim, o sujeito pós-moderno é aquele que não tem Identidade fixa, essencial ou permanente, sendo que essa “Identidade torna-se celebração móvel, formada e transformada” (HALL, 2006, p. 11-12). Beck, pensador alemão, discorre sobre o individualização, que segundo suas palavras deve ser entendido e associado ao processo de modernização, inter-relacionados, um processo no qual, cada um mesmo se torna a unidade de reprodução vital do Social, ou seja, os indivíduos enquanto agentes de ação, estabelecem suas formas de vida individual e coletiva e são a expressão de suas escolhas, como um processo de formação e constituição social, no qual o indivíduo é a referência central das ações no mundo social (BECK, 1986, p. 209). As reflexões sobre a Identidade continuam sendo ponto de discussões, haja vista a necessidade de análises sobre a caracterização e a compreensão do Indivíduo como ser social e como agente de sua própria construção, bem como compreender sua identificação perante a realidade social, suas relações com a 31 sociedade, com o trabalho e com as formas de conexão com o mundo, e a maneira pela qual visualiza suas ações no processo de inter-relação com o espaço. Assim, a identidade surge no contexto social como forma de individualização da pessoa humana e como forma de segurança dos negócios e da convivência familiar e social, o ser humano não vive isoladamente, mas esta necessidade natural de convivência impõe a individualização do ser, distinguindo-o dos outros indivíduos do grupo, por meio da individualização que é a identidade (SANTINELLO, 2011, p. 158). A identidade é o principal elemento do ser humano que faz com que ele se caracterize pelo nome, pois, o nome é o meio geral de linguagem capaz de indicar ou particularizar um indivíduo na sociedade e os indivíduos, como uma unidade de vida social e jurídica, tem a necessidade de afirmar a própria individualidade, se distingue dos outros indivíduos (AMORIM, 2003, p. 91). Portanto, o homem sente a necessidade de uma identificação para individualizar-se na comunidade em que vive, e o nome é um sinal exterior pelo qual se designa, se individualiza e se reconhece como pessoa no seio da família e na sociedade, para tanto surge a necessidade do registro civil de nascimento, bem como a sua materialização através da certidão civil de nascimento, momento em que o indivíduo nasce para o ordenamento jurídico pátrio, ou seja com o registro civil de nascimento a criança, adolescente ou mesmo o adulto, passa a existir para o Estado, e neste instante seus direitos fundamentais, direitos da personalidade e sua própria dignidade da pessoa humana, começa 32 a ser resguardado pelo ordenamento jurídico e pelos acordos internacionais. 4. Registro e certidão civil de nascimento O registro civil é regulado pela Lei Federal 6.015 de 1973, com base no seu artigo 50, todo nascimento ocorrido em território nacional deve ser levado a registro, seja no lugar do parto ou no local de residência dos pais. O registro civil de nascimento é um direito fundamental e pressuposto para o exercício da cidadania, porém o registro civil de nascimento é um tema tratado de forma escassa, na doutrina mesmo sendo essencial na vida de uma pessoa (HUBER, 2002, p. 17). A certidão de nascimento é o documento básico por meio do qual todos os outros são obtidos, permitindo à pessoa votar e ser votada, trabalhar com carteira de trabalho assinada, casar, dirigir veículos automotores, viajar, adquirir e alienar bens, ser beneficiária de programas assistenciais do governo, abrir contas bancárias, participar de concursos públicos e licitações, enfim, é um documento necessário à participação na vida moderna e à plena realização da pessoa humana nos dias atuais (FERNANDES; FERNANDES, 2005, p. 32). O primeiro reconhecimento legal da existência de uma criança, o Registro Civil de Nascimento (RCN) é fundamental para garantir que as crianças façam parte não somente das estatísticas oficiais, mas para ter acesso a serviços básicos, como saúde, segurança social e educação. 33 Conhecer a idade de uma criança é fundamental para proteger do trabalho infantil, de ser tratada como adulto no sistema judiciário, no recrutamento das forças armadas, do casamento infantil, no tráfico humano, na exploração sexual e pode ajudar a rastrear crianças desaparecidas. Sem o registro de nascimento a Criança e ao Adolescente estão impedidos de acessar às garantias oferecidas e garantidas pelo Estado Democrático de Direito fundado no princípio da cidadania e da dignidade da pessoa (GUIRADO, 2017, p. 29-30). A Certidão Civil de Nascimento é o primeiro documento de um cidadão e é a prova de sua existência oficial e jurídica, a prova de que pessoa nasceu e a garantia de que, ao morrer, possa ser enterrada, uma vez que é imprescindível para a obtenção da certidão de óbito. De acordo com o artigo 2º do Código Civil “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida”. A vida é a prova da própria existência física da pessoa, mas a prova jurídica de sua existência decorre da certidão de nascimento. A certidão de nascimento é o documento jurídico que atesta a existência física da pessoa, isto é, sua existência no mundo do direito. Com base neste dispositivo legal, a certidão de nascimento seria como um verdadeiro “passaporte” da pessoa que provém do mundo dos fatos, no caso nascimento com vida e ingressa no mundo jurídico, como pessoa natural. Se o simples fato do nascimento prova a existência da pessoa, o registro do próprio nascimento em assento público é imperativo legal, sendo cogente e indeclinável (CC, 9º) (SOUZA, 2008, p. 132). A importância da certidão de nascimento como documento jurídico primário é singular e de múltiplos aspectos. A 34 certidão de nascimento define a própria nacionalidade da pessoa, lhe garantindo direitos fundamentais na ordem jurídica nacional (CF, 1º, III e 5º), tendo como fundamento de fato o lugar do nascimento (Lei 6.015/73, 50) (SOUZA, 2008, p. 132). A Certidão Civil de Nascimento é emitida após o Registro, que é a anotação no Livro que fica guardado no Cartório. O Registro de Nascimento é a individualização formal da pessoa, quando a pessoa passa ter uma identificação que diferencia dos outros ao seu redor: nome, sobrenome que nos liga a uma família, a um lugar, a uma classe social (CÂMARA; RODRIGUES; NERIS; CÂMARA, 2009, p. 3). O RCN incide diretamente na garantia dos direitos fundamentais do brasileiro, para que possam chegar a todos, por igual, e não sejam apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados. Sem o registro de nascimento a Criança e ao Adolescente são clandestinos em seu próprio País e estão de fato, impedidos de acessar os bens da vida expressos no artigo 227 da Constituição Federal repetidos noartigo 4° da lei 8069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente (GUIRADO, 2017, p. 29). No entanto, apesar da legislação existente, o próprio governo federal reconhece que mesmo com as suas legislações complementares e com as campanhas, o direito ao Registro Civil de Nascimento, vem sendo negado a vários brasileiros, o subregistro civil de nascimento é uma questão que afeta, toda a população do país, principalmente aos ciganos, nômades, indígenas, caboclos e quilombolas. 35 5. Sub-registro civil de nascimento no Brasil Desde 1974, o IBGE publica as informações de Registro Civil, informações que são relativas aos fatos vitais, casamentos, separações judiciais e divórcios ocorridos no País. Esses dados se baseiam nos repasses feitos pelos Cartórios de Registro Civil de Pessoas Naturais, e de separações e divórcios declarados pelas Varas de Família, Foros ou Varas Cíveis. Tais informações são essenciais para a compreensão e acompanhamento da evolução populacional no País, portanto é através dos dados publicados pelo IBGE, na forma estatística, que são feitas as estimativas e estudos demográficos, planejamento para as políticas públicas e o monitoramento do exercício da cidadania. De acordo com os dados fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, os problemas mais graves estão localizados nos estados e municípios mais carentes, centralizados, principalmente, das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. O instituto considera, que algumas inciativas são consideradas fundamentais, para erradicação do sub-registro, como a gratuidade da primeira via dos registros de nascimentos, a realização de campanhas nacionais, a instalação de postos dos cartórios nas maternidades e a criação do compromisso nacional pela erradicação do sub-registro de nascimentos e ampliação do acesso à documentação civil básica (BRASIL, Ministério do Planejamento). A preocupação de se ampliar a cobertura do sistema de registro civil no País, data da década de 90, mediante tal fator, em 1997, foi criada a Lei nº 9.534, que altera o art. 30 da Lei nº 6.015, 36 de 31 de dezembro de 1973, tornando o registro civil e a primeira certidão de nascimento gratuitos para todos os cidadãos, tal feito não provocou, uma redução drástica do índice de sub-registro de nascimento, ou seja número de crianças que deixam de ser registradas no ano de nascimento ou até o primeiro trimestre do ano seguinte (BRASIL, 2006, p. 21-22). No ano de 2003, surge outra iniciativa para reduzir o subregistro no Brasil, a Mobilização Nacional para o Registro Civil de Nascimento, coordenada pela Subsecretaria de Direitos Humanos da Secretaria Geral da Presidência da República. Voltado para atendimento dos direitos sociais com prioridade de fato à população à margem do acesso aos direitos (BRASIL, Ministério de Direitos Humanos). Inaugurando um modelo de política pública sob a ótica da inclusão social, nesta mobilização participaram 62 entidades em nível federal e comissões formadas nas 27 unidades da Federação. O trabalho foi dividido em três frentes: Campanhas de sensibilização, Plano Nacional e Articulação com programas e ações de governo, onde se firmou parcerias com ministérios e órgãos públicos para que profissionais de cada uma dessas instituições passassem atuarem como agentes mobilizadores permanentes para o registro civil. Mediante tais avanços, a partir de 2003, iniciou-se a campanhas como o Dia Nacional de Mobilização para o Registro Civil de Nascimento e o Dia de Mobilização Rural para o Registro Civil, além de parceria com a Ação Global, evento promovido pelo Serviço Social da Indústria (Sesi) e pela Rede Globo. O Dia Nacional de Mobilização pelo Registro Civil, teve resultados 37 medianos, mas foi um marco do início de uma guerra contra a falta de registro no país; um momento de reflexão de toda a sociedade sobre o problema, além de indicar um compromisso maior do governo em relação ao mesmo 3. No ano de 2004, foi realizado o encontro do Plano Nacional, que reuniu 112 representantes de entidades participantes da Mobilização Nacional, no qual foi elaborado pela Secretária Especial dos Direitos Humanos em conjunto com a Anoreg/BR, Arpen e integrantes da sociedade civil, o Plano Nacional de Erradicação do Sub-registro, estabelecendo medidas necessárias para erradicar o sub-registro no País, mediante um pacto nacional, assinado pelos os participantes, para implementação do Plano Nacional de Erradicação do Sub-Registro civil do País, com finalidade de atingir as áreas onde o problema é mais acentuado (UNICEF). O objetivo do Plano Nacional de Erradicação do Subregistro era promover um conjunto de ações articuladas que permitam garantir a certidão de nascimento a todos os brasileiros, e erradicar o sub-registro de nascimento até 2006, já que uma das deficiências verificadas nas campanhas anteriores era a descontinuidade. Mais a característica fundamental do Plano era a tentativa de integração entre os diversos órgãos governamentais. Em 2005, os alfabetizadores do Programa Brasil Alfabetizado incorporaram-se à mobilização pelo registro de nascimento, estando prevista a distribuição aos mesmos de uma 3 Associação Nacional dos Registradores Civil do Brasil. Disponível em: < www.arpenbrasil.org.br/noticia/5743l>. Acesso em: 27 dez. 2017. 38 cartilha que irá orientá-los sobre como ajudar seus alunos para a obtenção do registro civil de nascimento e outros documentos. O Ministério da Educação e Cultura informou os secretários estaduais e municipais de educação sobre a distribuição da cartilha, para que reforçassem a ação governamental nas suas áreas de ação e que as cartilhas fossem distribuídas também para os pais e alunos. No mesmo ano, a Caderneta de Saúde da Criança passou a conter espaço para dados sobre o registro de nascimento (PESSOA, 2006, p. 131). A erradicação do sub-registro não é tarefa fácil, os resultados representam um avanço considerável, mais não o suficiente, para atingir as metas previstas, exigindo maior persistência, empenho e a implementação de novas medidas conjuntas e concretas, envolvendo ações articuladas do Poder Público, dos registradores e da sociedade civil. E assim, as políticas públicas de combate ao sub-registro passaram ser acompanhadas pelo Comitê Gestor Nacional, criado em 2007 com o objetivo de promover a articulação dos órgãos e entidades envolvidos na implementação dos programas relacionados à ampliação do acesso à documentação civil básica (BRASIL, Secretaria de Direitos Humanos). A Secretaria Especial de Direitos Humanos lançou a Campanha de Mobilização Nacional pelo Registro de Nascimento, em 2008, divulgando através de cartilhas e folders, ações que envolvem desde a captação social de casos de sub-registro nas comarcas dos Estados até o apoio direto ao processamento dos feitos judiciais, que passa a ser mais célere e eficiente com o apoio da Secretaria Secretária de Apoio à Comissão para Erradicação do 39 Sub-Registro de Nascimento, Secretaria Especial dos Direitos Humanos e do Comitê Gestor Nacional de Registro de Nascimento e Documentação Básica. Mais a ação de destaque foi a criação do Sistema Nacional de Informações de Registro Civil (SIRC), em junho de 2014, para captar e disponibilizar dados relativos a registros de nascimento, casamento e óbito, com uma base de dados única 4. Em 2015 o Brasil declarou o fim do sub-registro civil, mas sabe-se que em algumas regiões do Brasil o problema ainda continua, com números de crianças, adolescente e adultos sem registro nacional de nascimento alarmantes, a falta de da certidão de nascimento ainda é muito grande, principalmente nas regiões mais carentes, devido as desigualdades regionais do nosso país. Pelo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nascem por ano, somente em Fortaleza, 42 mil bebês, dos quais 1.800, que totaliza 4%, não são registrados na Cidade. Apesar dos esforços de órgãos públicos e organizações não governamentais, a erradicação do sub-registro civil de nascimento no Ceará ainda é uma realidade não alcançada. Em Fortaleza, a situação vem avançando significativamente, em contrapartida aos problemas vividos de modo latente em outros municípios 5. 4 Associação Nacional dos Registradores Civil do Brasil. Disponível em: < www.arpenbrasil.org.br/noticia/5743l>. Acesso em: 30 dez. 2017. 5 Associação Nacional dos Registradores Civil do Brasil. . Disponível em: < www.arpenbrasil.org.br/noticia/5743l>. Acesso em: 30 dez. 2017. 40 6. Considerações finais O registro civil não representa uma mera estatística nos bancos de dados públicos é por meio dele, que o cidadão é reconhecido pelo Estado e pela sociedade como pessoa, início da sua existência jurídica, mediante o nome completo, filiação inequívoca, estado civil e nacionalidade. O registro é pré-requisito para o exercício de vários outros direitos. Portanto como um direito fundamental, imprescindível à realização do indivíduo enquanto ser humano e à dignidade do homem na vida contemporânea. Além do mais o nome civil da pessoa natural é mais do que simples denominação, é um direito subjetivo da personalidade, carrega a função de distinguir os indivíduos, bem como a sua individualização perante a sociedade. Registrar as crianças ao nascer é o primeiro passo para garantir seu reconhecimento perante a lei, salvaguardando seus direitos e impedindo qualquer violação desses direitos. Ocadastro universal de nascimento é uma parte essencial de um sistema de estatísticas vitais, que rastreia os principais marcos na vida de uma pessoa desde o nascimento até o casamento e sua morte. Tais dados são essenciais para planejar e implementar políticas e programas de desenvolvimento, particularmente na área da saúde, educação, habitação, água e saneamento, emprego, agricultura e indústria, além de garantir outros direitos. A ideia de cidadania engloba o exercício efetivo não só dos direitos políticos, como também dos civis, sociais, difusos, coletivos e todos que se tornarem essenciais à satisfação das 41 necessidades do homem para uma vida saudável, prazerosa, livre, justa e igualitária. Conclui-se que uma pessoa sem o registro civil de nascimento não exerce sua cidadania em plenitude, uma vez que é impedida de exercer direitos elementares, visto que a criança sem o Registro Civil de Nascimento não existe para o Estado. 7. Referências AMARAL, Francisco. Direito Civil: introdução. Rio de Janeiro: Renovar, 2014. ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros Editores, 2006. AMORIM, José Roberto Neves. Direito ao nome da pessoa física. São Paulo: Saraiva, 2003. Associação Nacional dos Registradores Civil do Brasil. Erradicado no País, sub-registro civil ainda persiste no Estado. Disponível em: < www.arpenbrasil.org.br/noticia/5743l>. Acesso em: 27 dez. 2017. BECK, Ulrich. Risikogesellschaft:auf dem weg in eine andere moderne. Frankfurt/Main: Suhrkamp,1986. BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da personalidade. São Paulo: Atlas, 2014. BRASIL. Constituição. Constituição da República Federativa do Brasil. 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São Paulo: Atlas, 2010. 46 DA PROMOÇÃO DA DIVERSIDADE SEXUAL NAS ESCOLAS: DO AMBIENTE ESCOLAR INCLUSIVO E DO DEVER DE EDUCAR PARA ALÉM DA IDEOLOGIA HETERO-CIS-NORMATIVA THE PROMOTION OF SEXUAL DIVERSITY IN SCHOOLS: THE INCLUSIVE SCHOOL ENVIRONMENT AND THE DUTY OF EDUCATION BEYOND HETERO-CISNORMATIVE IDEOLOGY Valéria Silva Galdino Cardin 6 Caio Eduardo Costa Cazelatto 7 Resumo: A presente pesquisa analisou, por meio da revisão bibliográfica, a relação entre a escola e a promoção do direito à diversidade sexual. Buscou-se, a partir da análise do tema, esclarecer as diferentes manifestações sexuais enquanto um direito fundamental e da personalidade, bem como demonstrar como o ambiente escolar pode participar na promoção deste direito. Apontou-se, para tanto, a necessidade da escola ser um ambiente inclusivo, educar não se restringindo apenas a influência da heterocis-norma, qualificar os docentes e elaborar materiais 6 Pós-doutora em Direito pela Universidade de Lisboa; Doutora e mestre em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP); Docente da Universidade Estadual de Maringá e no Programa de Pósgraduação em Ciências Jurídicas pelo Centro Universitário de Maringá (UNICESUMAR); Pesquisadora pelo ICETI; Advogada no Paraná; E-mail: <valeria@galdino.adv.br>. 7 Mestre em Ciências Jurídicas pelo Centro Universitário de Maringá (UNICESUMAR; Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Maringá (UEM); Advogado no Paraná; E-mail: caio.cazelatto@hotmail.com 47 pedagógicosacerca do tema como fonte de redução da desigualdade e do preconceito no qual as minorias sexuais estão inseridas. Palavras-chave: Direito à educação; Diversidade sexual; Ambiente Escolar Inclusivo. Abstract: The present study analyzed, through the bibliographic review, the relationship between school and the promotion of the right to sexual diversity. It is sought, from the analysis of the theme, to clarify the different sexual manifestations as a fundamental right and personality, as well as demonstrate how school environments can participate in the promotion of this right. Therefore, it was pointed out the need of the school to be an inclusive environment, as well as the quality of school education, the duty to educate beyond the influences of hetero-cis-norm, teacher qualification and the elaboration of pedagogical materials on the as a source of reduction of inequality and prejudice that are embedded in sexual minorities. Keywords: Right to education; Sexual diversity; Inclusive School Environment. 1. Introdução A escola, assim como a família, possui um papel fundamental na formação da personalidade humana, bem como na cidadania do indivíduo, já que é uma das primeiras instituições sociais na qual este está inserido. Se é no ambiente escolar que o sujeito se submete ao ensino e à aprendizagem dos principais valores, necessidades, funções e problemas que permeiam a sociedade, evidentemente é nesse espaço que também devem ser 48 discutidas as questões que envolvem a sexualidade, como a diversidade sexual, afinal, além dos fatores sexuais serem indissociáveis à plena realização pessoal do seu titular, também é um direito fundamental e da personalidade. Ocorre que, em razão dos dogmas religiosos e dos posicionamentos mais conservadores de setores sociais, o estudo das manifestações sexuais e dos fenômenos como a homofobia e a transfobia são ignoradas nos planos de ensino escolares. Com essa omissão na educação brasileira, o espaço escolar deixa de promover, a partir da propagação de informações e esclarecimentos acerca da temática, os direitos mais básicos da população Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros ou demais manifestações da sexualidade humana (LGBT+), como também se torna um ambiente hostil e preconceituoso, tendo em vista que a ignorância social perante a diversidade sexual só potencializa a exclusão e o preconceito. Nessa perspectiva, o presente trabalho teve como finalidade demonstrar que a escola é uma importante figura institucional para a promoção dos direitos à diversidade sexual, devendo buscar meios - como a capacitação do corpo docente, canais de esclarecimento de informações e denúncias a práticas homofóbicas e elaboração de materiais pedagógicos - para se revestir como inclusiva, plural, democrática e, principalmente, fonte de estímulo ao respeito à diferença. Para tanto, explorou-se a tutela jurídica da sexualidade humana e de sua manifestação plural, apontando desde a definição da diversidade sexual, até os mais conhecidos dispositivos e instrumentos jurídicos que amparam o assunto. Da mesma forma, 49 investigou-se a escola e a educação brasileira e como tais podem contribuir para a proteção, o respeito e a promoção dos direitos de estudantes hetero-cis-discordantes. Foi utilizada a revisão bibliográfica para o desenvolvimento da investigação, a qual consiste na pesquisa, catalogação e análise dos dados coletados de materiais científicos já produzidos, como artigos científicos, dissertações, teses, livros e reportagens a respeito dos elementos que compõe a diversidade da sexualidade humana e a estrutura da educação enquanto um direito. 2. Da tutela jurídica da diversidade sexual A proteção, o respeito e a promoção da diversidade, compreendida aqui em sua mais ampla extensão, é um direito e um dever assegurados pela Constituição Federal de 1988. Apesar disso, cotidianamente percebe-se que, no plano fático, sua efetivação está muito distante do que prevê a letra da lei. Nesse cenário, encontrase a diversidade correlata com a sexualidade humana, que é um tema que ganha cada vez mais espaço nas diversas áreas do conhecimento, especialmente no campo jurídico e seus reflexos no âmbito escolar. Isso porque, com a constante mutação dos valores culturais, políticos e sociais, a definição da sexualidade se revestiu com um caráter amplo, plural e nada consensual. A respeito disso, é possível encontrar variadas tentativas de defini-la, sendo que, embora não se pretenda apontar uma como correta e absoluta ou 50 sintetizá-la a um termo reducionista, é importante abordar e contrapor as mais difundidas no meio científico. Para Michel Foucault, os dispositivos histórico-culturais guiados pelo saber e pelo poder dominante, como “[...] a estimulação dos corpos, a intensificação dos prazeres, a incitação ao discurso, à formação dos conhecimentos, o reforço dos controles e das resistências” (FOUCAULT, 1997, p. 100), disciplinam as expectativas e as exigências sociais acerca do que se concebe, superficial e totalitariamente, como sexualidade. Trata-se do poder disciplinar foucaultiano, que se traduz no domínio da administração da vida social, isto é, considera o corpo humano como uma máquina capaz de ser adestrada e transformada em um instrumento útil aos interesses políticos e econômicos. Esse poder recorre à tecnologia disciplinar do corpo por meio da “[...] punição e [da] vigilância como principais mecanismos para adestrar e docilizar o sujeito, pois é a partir deles que o homem se adequará às normas estabelecidas nas instituições” (DINIZ; OLIVEIRA, 2014, p. 149-150), revelando-se como uma construção histórica e social sobre os modos de sentir e experimentar o corpo, os desejos e as relações (CASSAL, 2011, p. 466). Nas palavras de Anthony Giddens, a sexualidade é um atributo que cada indivíduo “[...] 'tem' ou cultiva, não mais uma condição natural que o indivíduo aceita como um estado de coisas preestabelecido” trata-se de “[...] um aspecto maleável do 'eu', um ponto de conexão entre o corpo, a autoidentidade e as normas sociais” (GIDDENS, 1992, p. 25). Assim, por mais que a sexualidade esteja ancorada na materialidade do corpo, ela deve ser 51 compreendida como um sistema que transcende o meramente fisiológico. Já Alain Tourraine a analisa sob o viés da felicidade, alertando que ela não se “[...] reduz nem a uma forma de consumo, nem a um erotismo que seja seu oposto, é um chamamento do indivíduo a si mesmo, à sua livre criação, ao seu prazer, à sua felicidade” (TOURRAINE, 1998, p. 89). Para Tereza Cristina Fagundes, refere-se a dois elementos constitutivos da pessoa, que são a: [...] dimensão e [a] expressão da personalidade. Por ser um atributo inerente à pessoa humana, manifesta-se independente de qualquer ensinamento. Mas, para ser compreendida, é preciso considerar o ser pessoa como um todo, pois a sexualidade é parte integrante e intercomunicante da pessoa consigo mesma e com o outro (FAGUNDES, 2005, p. 14). Em uma delimitação mais liberal, a Organização Mundial da Saúde (OMS) defende a sexualidade como um aspecto central do ser humano, visto que integra a personalidade de cada um. Elenca-a como uma necessidade básica que não pode ser desconexa de outros aspectos da vida, sendo constituída pelo sexo, pelo gênero, pela identidade de gênero, pela orientação sexual, pelo erotismo, pelo prazer, pela intimidade e pela reprodução, dentre outros componentes (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2015). 52 Logo, a compreensão da sexualidade como uma construção da sociedade representa a contraposição ao “essencialismo” sexual, que defende que a essência humana é dominada pelos impulsos animais. Caminha-se para uma concepção histórica de que se trata, na realidade, de uma “[...] rede complexa de organização social que organiza e modela os corpos e os comportamentos individuais”, conforme enfatiza Jefrey Weeks: O essencialismo é o ponto de vista que tenta explicar as propriedades de um todo complexo por referência a uma suposta verdade ou essência interior. Essa abordagem reduz a complexidade do mundo a suposta simplicidade imaginada de suas partes e procura explicar os indivíduos como produtos automáticos de impulsos internos (WEEKS, 2001, p. 43). Acima de qualquer entendimento, as expressões sexuais são basilares para o desenvolvimento pleno do indivíduo, especialmente no que tange a sua personalidade, tanto por ser uma das manifestações mais primordiais relacionadas com o prazer, tornando-se dissociável de um ser senciente, como também pela sua função relacional e identitária. Nessa perspectiva, revela-se a diversidade identitária, englobando a homossexualidade, a bissexualidade, a heterossexualidade, a pansexualidade, a assexualidade e a transgeneralidade, a qual se inclui a transexualidade e a travestilidade. Tratam-se de identidades advindas das possibilidades entre a relação dos elementos que compõe a 53 sexualidade, em especial o sexo, o gênero, a identidade de gênero e a orientação afetivo-sexual, merecendo especial atenção do Estado, principalmente no que diz respeito a sua tutela jurídica. Nesse sentido, a superação do controle e da interferência estatal e social perante a autonomia privada do indivíduo, sobretudo ao que se refere ao exercício da sexualidade, materializase na luta pelo reconhecimento jurídico de determinados bens essenciais à garantia do mínimo imprescindível à plena manutenção e promoção da dignidade, da existência e da satisfação das minorias sexuais. A sexualidade e os seus desdobramentos constituem a base fundamental da condição humana, na medida em que estão presentes, direta ou indiretamente, em todas as manifestações da personalidade (SIVERINO-BAVIO, 2014). Seus espectros de significações se correlacionam com um sem número de particularidades da vivência íntima, psíquica e moral do sujeito, sustentando-se em não somente um direito da sexualidade, mas em inúmeros direitos que se ramificam em face da esfera sexual ou que por ela sejam influenciados (REGO, 2009, p. 6-7). Em virtude da complexidade e da impossibilidade em se ter uma definição exata sobre o tema, os direitos da sexualidade representam, em razão do seu caráter “geral”, a proteção jurídica para além de um indivíduo ou de um grupo sexualmente vulnerável em função da sua identidade de gênero ou de sua orientação afetivo-sexual, abrangendo qualquer diversidade sexual que não transgrida os direitos de terceiros (RIOS, 2006). Acerca do assunto, têm-se os comportamentos considerados como tabus pela sociedade, como o caso da 54 prostituição, do sadomasoquismo, das fantasias sexuais, dos relacionamentos abertos, da poliafetividade, dentre muitos outros “não convencionais”, que deveriam estar alheios ao controle social ou estatal, já que dizem respeito somente à vida íntima e privada do sujeito. Por outro lado, há as condutas parafílicas, que apesar de ser um reflexo da sexualidade humana, não podem ser encaradas como uma liberdade ou um direito sexual, tendo em vista que suas práticas podem acarretar riscos à saúde ou à segurança de terceiros. Estas são identificadas como patologias de distorções da preferência sexual, como a pedofilia, a zoofilia e a necrofilia, conforme dispõe a CID-10, na classe F.65 (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2015). Assim definidos, os direitos da sexualidade garantem a tutela jurídica e a promoção da liberdade e da diversidade, sem estabelecer critérios cristalizados ou insuficientes, perante as manifestações sexuais. Para Roger Raupp, qualquer direito dessa espécie, para ser democrático, tem que estar fundamentado nos princípios constitucionais, especialmente nos da igualdade, da liberdade e da dignidade (RIOS, 2006), pois são a partir deles que outras normas se constituem como desdobramentos, como se dá com o: Direito à liberdade sexual; direito à autonomia sexual, integridade sexual e à segurança do corpo sexual; direito à privacidade sexual; direito ao prazer sexual; direito à expressão sexual; direito à associação sexual; direito às escolhas reprodutivas livres 55 e responsáveis; direito à informação sexual livre de discriminações (RIOS, 2006). São direitos que, embora recebam nomes distintos, estão intrinsecamente relacionados com a vivência sexual, compondo genericamente a categoria dos direitos da sexualidade. Qualquer ser humano, assim, tem o direito de ter a sua privacidade sexual respeitada, a qual pode se expressar, por exemplo, a partir das escolhas que envolvem seu próprio corpo, sua aparência, seu comportamento, suas relações interpessoais e suas práticas sexuais consensuais sem a interferência invasiva e arbitrária do Estado ou da sociedade. Em que pese as normas pátrias, em especial as constitucionais, não abordarem especificamente a temática, a abertura do catálogo dos direitos fundamentais, previsto no seu art. 5º, §2º, 8permite o reconhecimento de novos direitos que atendam as demandas sociais, visando proteger a maior gama possível de situações. Esse posicionamento representa a preocupação com o engessamento e a perda da eficácia de institutos que foram criados para proteger e servir ao cidadão, evitando o distanciamento da regra normativa da realidade vivida pela sociedade. É com esse fundamento axiológico-normativo que se encontram as bases sólidas para o reconhecimento do direito à sexualidade humana como parte do catálogo de direitos fundamentais, que se reveste de 8 “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.” 56 amparo não só pelo regime e pelos princípios acatados pela Constituição Federal, mas também como consequência das normas de tratados internacionais ratificados pelo Brasil. Nesse sentido, em 1997, no XIII Congresso de Sexologia em Valência, na Espanha, a Associação Mundial pela Saúde Sexual proclamou a Declaração dos Direitos Sexuais, que afirma os direitos sexuais nos direitos humanos (WAS, 2013). Esse documento fundamentou-se, sobretudo, na Declaração Universal de Direitos Humanos, a qual dedicou especial atenção ao livre desenvolvimento da personalidade, bem com as liberdades da pessoa, inclusive a sexual: Art. 2º - Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948). O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos também estabelece obrigações legais aos Estadosmembros ao que se refere à comunidade LGBT+, já que consideram que os direitos da sexualidade são uma garantia ao indivíduo em desenvolver todas suas potencialidades sexuais, englobando a sua autonomia sexual e a sua saúde sexual: A extensão dos mesmos direitos usufruídos por todos para pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT) não é 57 radical e nem complicado. Ela apoia-se em dois princípios fundamentais que sustentam o regime internacional de direitos humanos: igualdade e não discriminação. As palavras de abertura da Declaração Universal dos Direitos dos Humanos são inequívocas: “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos” (UNITED NATIONS HUMAN RIGHTS, 2013, p. 7). É o reconhecimento do igual respeito, sem distinções, à diversidade das manifestações sexuais e ao acesso a todos aos bens necessários à vida em sociedade, direcionando-se, principalmente, à realidade da população LGBT+ enquanto uma minoria vulnerável. Como é possível observar, os direitos da sexualidade fazem referência a direitos individuais que, ao serem analisados sob a ótica dos direitos fundamentais, são elencados como direitos de primeira dimensão, como se dá com os direitos à liberdade e à igualdade, englobando a proteção tanto de sua conduta, quanto de sua identificação, isso porque a liberdade se desdobra na liberdade sexual, juntamente com o direito de tratamento igualitário para além da unicidade sexual (DIAS, 2004, p. 32). Para tanto, Maria Berenice Dias defende que é indispensável o reconhecimento da sexualidade como uma condição humana, sem a qual o indivíduo não pode se realizar, inserindo-a nas liberdades individuais da pessoa, já que “[...] é um direito natural que acompanha o ser humano desde seu nascimento, pois decorre de sua própria natureza” (DIAS, 2004, p. 32). 58 Isso porque ela abrange desde a esfera mais íntima até a mais exposta do sujeito, isto é, desde a forma como ele se percebe e se sente, bem como o modo como a sociedade o classifica e o define, englobando as questões identitárias, psicológicas, morais, culturais, entre outras (CARDIN, CAZELATTO, 2018, p. 388). Ainda, os direitos da sexualidade também são postulados como direitos da personalidade, tendo em vista que, segundo Margarida Lima Rego, seu exercício: [...] incide sobre a vida da pessoa, sobre a sua saúde física e psicológica, sobre a sua liberdade e integridade física e psicológica, sobre a sua intimidade; porque é um direito que protege uma parte imprescindível da pessoa humana; e porque, finalmente, tal direito representa uma condição indispensável para a realização dos fins ou interesses da vida da pessoa humana (REGO, 2009, p. 6). Dessa forma, qualificam-se como direitos absolutos, os quais se impõem aos outros de forma erga omnes; como gerais, tendo em vista que são pertencentes a qualquer ser humano, fazendo parte do núcleo mínimo e imprescindível da esfera jurídica de cada pessoa; como irrenunciáveis e intransmissíveis. É indissociável, assim, pensar na sexualidade sem a sua incidência sobre a formação física, psíquica e moral do ser humano. A essencialidade que fundamenta os direitos da sexualidade impossibilita negá-los enquanto direitos da personalidade, já que a expressão sexual afeta profundamente o 59 desenvolvimento da personalidade, motivo pelo qual negar a vivência, os valores e as diversidades sexuais representa negar a própria humanidade do seu titular. Sobre o assunto, Jaqueline Bergara Kuramoto et. al. lecionam que “[...] sexualidade e dignidade humana estão diretamente relacionadas à qualidade de vida e bem-estar das pessoas, que buscam a felicidade e uma vida boa” (KURAMOTO et. al., 2004, p. 150). Logo, admitir a sexualidade como um elemento essencial do projeto existencial de qualquer pessoa é incentivar não somente a consolidação de uma sociedade plural, livre e democrática, mas também a realização pessoal de cada indivíduo. Nessa ótica, leciona Roger Raupp Rios que o direito à sexualidade deve: [...] propiciar proteção jurídica e promoção da liberdade e da diversidade sem fixar-se em identidades ou condutas meramente toleradas ou limitar-se às situações de vulnerabilidade social feminina e suas manifestações sexuais. É necessário invocar princípios que, velando pelo maior âmbito de liberdade possível e igual dignidade, criem um espaço livre de rótulos ou menosprezos a questões relacionadas à homossexualidade, bissexualidade, transgêneros, profissionais do sexo (RIOS, 2006, p. 71). A partir de então, garantir um livre exercício da sexualidade se traduz no respeito à autonomia privada das 60 minorias sexuais, tendo em vista que esta confere ao indivíduo o direito de autodeterminação, ou seja, de “[...] determinar autonomamente o seu próprio destino, fazendo escolhas que digam respeito à sua vida e ao seu desenvolvimento humano, como [...] definir sua orientação sexual” (MARMESLTEIN, 2011, p. 106107). Nas palavras de Elimar Szaniawski, a autodeterminação sexual, é composta pelo aspecto da individualidade do ser humano, especificamente o que tange a sua sexualidade, integrando as especificidades percebidas e desenvolvidas por este por meio do seu autodesenvolvimento e percepção, bem como por influências externas, como a educação (SZANIAWSKI, 2005, p. 62-64). Afinal, trata-se de uma liberdade que reveste a pessoa com a faculdade de decisão sobre a sua própria vida e escolhas, isso porque, sem o exercício da sexualidade humana, “[...] o próprio gênero humano não se realiza, falta-lhe a liberdade, que é um direito fundamental” (DIAS, 2004, p. 30). Por se caracterizarem como um direito fundamental e, ao mesmo tempo, de personalidade, os direitos da sexualidade se revestem com a prerrogativa de não discriminação, que se estabelece a criação de condições materiais e sociais efetivas para que a diversidade sexual possa prevalecer não só em relação ao Estado, como também no que diz respeito à sociedade civil, como o estudo e a discussão da diversidade sexual nos espaços escolares. Uma sociedade repleta de singularidades implica, sobretudo, possibilitar aos sujeitos os instrumentos inclusivos perante suas singularidades, o que obrigatoriamente levaria a uma reelaboração das políticas públicas e de medidas efetivas, 61 adequadas e acessíveis de viés legislativo, judiciário e, principalmente, educativo. 3. Da promoção do direito à diversidade sexual na educação escolar Considerada um dos instrumentos deformação sociocultural mais essenciais do ser humano, a educação é elencada como um direito fundamental pela Constituição Federal de 1988, especificamente nos arts. 6º e 208, §1º, representando não somente um direito, mas, sobretudo, uma garantia de todos. Ao atribuir a responsabilidade jurídica da promoção da educaçãoao Estado, à família e à sociedade, o constituinte revelou que a amplitude desse direito vai muito além da esfera individual de seu titular, abrangendo integralmente a coletividade, tendo em vista a sua relevânciaà manutenção e ao progresso da cultura, da ciência, da política, da tecnologia, da democracia e, principalmente, da inclusão social(BARUFFI, 2008, p. 85). Nesse sentido, Eliane Ferreira de Souza aponta que: O direito à educação, para além de uma exigência contemporânea ligada aos processos produtivos e de inserção profissional, exige uma resposta para os valores da cidadania social e política, a qual requer uma reinterpretação do sentido de inclusão social que transcenda o sentido dado pelo Direito, a partir da perspectiva do desenvolvimento social, qual seja: a 62 informação constrói a cidadania (SOUZA, 2010, p. 68). Na mesma lógica, Rogério Luiz Nery da Silva e Daiane Garcia Masson acrescentam que o direito à educação visa a preparação do indivíduo para a vida em sociedade, participando ativamente no desenvolvimento da personalidade humana, na melhoria da qualidade de vida, na qualificação profissional, bem como na redução das desigualdades sociais (DA SILVA; MASSON, 2015). Constitui, assim, o processo de capacitação integral do sujeito, transformando-o em um ser crítico, analítico, autônomo e capaz de se autodeterminar em conformidade com as suas próprias razões e escolhas, uma vez que o proporciona os elementos necessários para a ruptura dos dogmas que permeiam a estrutura social, a qual é pautada historicamente na opressão de grupos vulneráveis e de minorias sociais(BATISTA et. al., 2018, p. 212). A educação integra o mínimo existencial de uma vivência digna, de modo que a ausência do acesso educacional viola tanto o próprio direito à educação, como também inviabiliza que seu titular exija e exerça, muitas vezes por falta de conhecimento e capacitação, os demais direitos correlatos com as condições humanas mais básicas (FREITAS; MOTTA, 2015, p. 47), desdobrando-se, por consequência, em uma escalada devulnerabilização social. Trata-se de um direito pautado no princípio constitucional da garantia de padrão qualidade, expressa no art. 63 205, inc. VII, da CF, a qual se desdobra, de acordo com Salomão Barros Ximenes, no: [...] conjunto de condições de infraestrutura, humanas e de insumos que permitem o desenvolvimento de processos educacionais relevantes e adaptados, assegurados gratuita e universalmente pelo Estado, objetivando garantir a todos a aprendizagem de conteúdos e habilidades necessários à realização dos direitos humanos na educação e através da educação. O objetivo do direito à educação é alcançar a igualdade de base em termos de sucesso escolar, com respeito à diversidade, ou seja, maximizar também a realização destes princípios. Nesse caminho, ambiente escolar, conteúdos e processos educacionais são partes estruturantes e inalienáveis do direito à qualidade e devem, assim, ser protegidos e realizados (XIMENES, 2014). Esse princípio pressupõe, portanto, quea qualidade da educação dos estabelecimentos deve ser constantemente avaliada e fiscalizada pelo Estado, de modo que as falhas e as deficiências identificadas devem ser sanadas, superadas em busca de um melhor desempenho. Importa, de igual maneira, na adoção de medidas suplementares, como a oferta de material didático, transporte escolar de qualidade, alimentação, assistência médica ao educando do ensino fundamental e tudo o que for necessário à concretização do direito fundamental à educação. 64 Ainda pertinente ao texto da Constituição, o seu artigo 212, caput, e seus parágrafos, procuram garantir a manutenção, o desenvolvimento e a garantia do padrão de qualidade do ensino, mediante a aplicação de recursos financeiros, resultantes de impostos das unidades federadas.Isso porque a educação escolar de qualidade é um direito de todo cidadão e um dever do Estado, devendo ser proporcionado de modo igualitário e, paralelamente, ser o meio de difusão e promoção da diversidade a partir da igualdade, sobretudo a material. A escola é um dos microssistemas sociais que o indivíduo pertence e que sobre ele desempenha uma função socializadora, influenciando na formação da sua identidade. Por isso, a relevância escolar de que a apresentação do mundo à criança ou ao jovem não se limite a mera reprodução de ideologias dominantes, pois corre se o risco de que as injustiças e as desigualdades sociais continuem a se perpetuar (CARDIN; DA SILVA, 2018, p. 281). Enquanto produtor “[...] de práticas sociais, de valores, de crenças e de conhecimento, movidas pelo esforço de procurar novas soluções para os problemas vivenciados” (GARRIDO et. al., 2000, p. 92),o ambiente escolar se torna, então, o cenário propício e indicado para discutir as questões atinentes à sexualidade humana e suas manifestações identitárias, visando um ensino que transcenda o direcionamento único e exclusivo a alunos e padrõeshetero-cis-sexuais. Esse tema é previsto na Lei n. 9394/96, denominada como Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a qual estipula, em seu art. 3°, inc. III, “[...] o pluralismo de ideias e respeito às concepções pedagógicas”. Também está presente, em volume 65 próprio, nos “Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN): Orientação sexual”, os quais preveem que cabe à escola abordar os diversos pontos de vista, valores e crenças existentes na sociedade para auxiliar o aluno a construir um ponto de auto-referência por meio da reflexão acerca da sexualidade humana, no entanto, somente perante os aspectos que percorrem a orientação afetivosexual (omitindo-se, a exemplo, das questões ligadas à identidade de gênero), constituindo um processo formal e sistematizado que acontece na instituição escolar para o planejamento e a proposição de intervenções por parte dos profissionais da educação: A finalidade do trabalho de Orientação Sexual é contribuir para que os alunos possam desenvolver e exercer sua sexualidade com prazer e responsabilidade. Esse tema vinculase ao exercício da cidadania na medida em que propõe o desenvolvimento do respeito a si e ao outro e contribui para garantir direitos básicos a todos, como a saúde, a informação e o conhecimento, elementos fundamentais para a formação de cidadãos responsáveis e conscientes de suas capacidades (BRASIL, 1997, p. 311). A educação sobre orientação afetivo-sexual é elencada no PCN como tema transversal, ou seja, não se reveste como disciplina autônoma ou obrigatória, devendo, no entanto, ser inserida, sempre que possível, nas demais disciplinas e na própria orientação do educador perante os alunos. 66 Em que pese os objetivos da proposta mencionada fazer referência à sexualidade humana, estabelecendo a necessidade de transmitir em âmbito escolar a “diversidade de valores, crenças e comportamentos existentes e relativos à sexualidade, desde que seja garantida a dignidade do ser humano” ou, ainda, “identificar e repensar tabus e preconceitos referentes à sexualidade, evitando comportamentos discriminatórios e intolerantes e analisando criticamente os estereótipos”, Nilson Fernandes Dinis aponta que a facultatividade de sua inserção no cotidiano das escolas, especialmente perante a superação dos preconceitos acerca da diversidade sexual, demonstra-se insuficiente, já que se delega ao educador a opção ou não de trabalhá-la com seus alunos, assim como a escolha do momento em que será ensina/discutida e da interpretação e do aprofundamento da própria temática (DINIS, 2008). É em razão da subjetividade proporcionada ao educador, no critério da educação sexual, que a hetero-cis-normatividade 9 ganha terrenos férteis para se perpetuar, conforme os dizeres de Rogério Diniz Junqueira: 9 A hetero-cis-normatividade, nesse cenário, reveste-se para além de uma norma, torna-se um modelo regulatório que produz, por meio do poder de construir, demarcar e diferenciar, os corpos que governa. Trata-se de uma ideologia alicerçada na hierarquização das sexualidades, em que a hetero-cis-sexualidade, isto é, a heterossexualidade e a cisgeneridade são encaradas como dominantes, superiores, normais e corretas, contribuindo de forma decisiva para o aumento da hostilidade à comunidade LGBT+, visando designar o outro como contrário, inferior ou anormal, igualmente como ocorre com o racismo ou o antissemitismo (OLIVA, 2015, p. 42). 67 Não podemos perder de vista que intervenções centradas, única ou principalmente, em nossas boas intenções pedagógicas ou no poder genericamente redentor da educação costumam contribuir para reproduzir o quadro de opressão contra o qual nos batemos. Em outras palavras, com frequência, colocamos nossas boas intenções e nossa confiança em uma educação a serviço de um sistema sexista e heterossexista de dominação que deve justamente a essas intenções e confiança uma parte significativa de seu poder de conservação (JUNQUEIRA, 2009). Ao se ensinar os valores hetero-cis-sexistas nos espaços escolares, estimula-se, mesmo que indiretamente, a homofobia 10, potencializando-a de nítidos contornos institucionais e afetando a trajetória educacional de inúmeras pessoas LGBT+. Trata-se da violação do direito à educação deste segmento social, bem como dos direitos correlatos com a diversidade sexual, tendo em vista que o acesso e a promoção da educação de qualidade e inclusiva são pilares da formação da personalidade humana. No que diz respeito aos efeitos que a homofobia na educação, a Pesquisa Nacional sobre o Ambiente Educacional no 10 A homofobia é o fenômeno de cunho negativo e hierárquico responsável pelos índices mais elevados de ilícitos praticados contra a comunidade LGBT+ em todo o mundo. Materializa-se de modos diversos de intolerância, de preconceito, de segregação e de violência, como as simbólicas, as físicas e as verbais, violando aqueles direitos que compõem a essencialidade da condição humana (BORRILLO, 2010, p. 18). 68 Brasil 2016, elaborado pela Secretaria de Educação da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), a partir de questionários respondidos voluntariamente por adolescentes e jovens na faixa dos 13 aos 21 anos que se auto identificaram como LGBT+, aponta que 60% deles se sentiram inseguros/as na escola no último ano por causa de sua orientação afetivo-sexual e 43% por causa de sua identidade/expressão de gênero. Já 48% afirmaram que ouviam com frequência comentários LGBTfóbicos feitos por seus colegas de classe e 55% especificamente a respeito de pessoas transgêneros. Ainda, 73% alegaram ter sido agredidos/as verbalmente por causa de sua orientação sexual e 68% em razão da sua identidade/expressão de gênero. Além das agressões verbais, 27% dos estudantes relataram ter sofridos algum tipo de agressão física em virtude de sua orientação afetivo-sexual, enquanto que 25% por causa de sua identidade/expressão de gênero. Como resposta a tais comportamentos na escola, 36% dos participantes da pesquisa revelaram que a instituição educacional foi “ineficaz” ou “ausente” para impedir as agressões (BRASIL, 2016). São dados que revelam que o ambiente escolar brasileiro está muito distante de se intitular democrático, diversificado, inclusivo ou, até mesmo, seguro, de maneira que as minorias sexuais são uma das mais afetadas, tendo em vista que, ainda em conformidade com a referida pesquisa, possuem 2 vezes mais chances de faltar à escola após sofrerem episódios de violência de cunho homofóbico, bem como 1,5 vezes mais probabilidade de relatar níveis mais elevados de depressão, tendência ao suicídio e outros distúrbios psicológicos (BRASIL, 2016). 69 Para a redução desse cenário escolar hostil, Alexandre Bortolini defende a inclusão de conteúdo específico e obrigatório acercado respeito à diversidade sexual nos currículos dos cursos de formação inicial dos professores, para que estes tenham o conhecimento técnico e direcionamento para lidar com situações de homofobia, bem como para educar para além do que estipula a ideologia hetero-cis-normativa (BORTOLINI, 2008). Isso porque a discussão da sexualidade como um dos temas transversais remete à necessidade de formação específica para os professores no que diz respeito a esta proposta: É necessário que o educador tenha acesso à formação específica para tratar de sexualidade com crianças e jovens na escola, possibilitando a construção de uma postura profissional e consciente no trato desse tema. Os professores necessitam entrar em contato com suas próprias dificuldades diante do tema, com questões teóricas, leituras e discussões referentes à sexualidade e suas diferentes abordagens: preparar-se para a intervenção prática junto aos alunos e ter acesso a um espaço grupal de produção de conhecimento a partir dessa prática, se possível contando com assessoria especializada. (BRASIL, 1997, p. 303). Do mesmo modo, outro método de redução do desconhecimento dos desdobramentos da diversidade sexual é a inserção, no cotidiano escolar, de materiais pedagógicos voltados à educação dos direitos humanos e fundamentais, especialmente os 70 das minorias sociais, como o público LGBT+, e os grupos vulneráveis (CARDENO, 2015). O conhecimento, promovido a partir da educação, capacita e é um dos meios de efetivação do acesso à justiça das minorias sexuais, servindo de canal para que estas busquem informações, esclareçam a sociedade sobre os tabus e preconceitos que permeiam a sexualidade humana e reivindiquem seus direitos. Uma das propostas de promoção dos direitos à diversidade sexual foi o desenvolvimento em materiais escolares, com o apoio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), cujo objetivo era debater a sexualidade nas escolas, como forma de reconhecimento da diversidade sexual e combater a violência e o preconceito contra a população LGBT+. No entanto, em decorrência da resistência e de campanhas contra o projeto, setores conservadores da sociedade e do Congresso Nacional conseguiram suspender a divulgação do kit, intitulado pejorativamente como “kit gay” (SOARES, 2015). É essencial a fiscalização regular das práticas de ensino para garantir que os conteúdos curriculares acercada promoção do respeito à diversidade sexual, buscando sua implementação de forma efetiva. Paralelamente a isso, criar canais dentro das escolas para denúncias de preconceitos e violações dos direitos de estudantes LGBT+, que deverão contar com profissionais qualificados e preparados para tanto. Dessa forma, a escola se revela como um importante espaço para a promoção dos direitos ligados à diversidade sexual, em que o papel do formador deve fornecer noções básicas de cidadania, além de possibilitar ao aluno o desenvolvimento de um 71 senso crítico que supere os padrões impostos socialmente. Como também, proporcionar a igualdade de condições, por meio de um ambiente inclusivo, livre de preconceitos e com profissionais qualificados para lidar com as questões de orientação afetivosexual e identidade de gênero. 4. Considerações Finais Por transcender a padronização histórico-cultural da hetero-cis-norma, a sexualidade vai além de papéis enrijecidos do que se concebe como sexo, gênero, identidade de gênero e orientação afetivo-sexual, integrando a personalidade humana. Em sua complexidade, os valores sexuais se desdobram em todas as esferas individuais e coletivas do indivíduo, isto é, participa direta e indiretamente dos aspectos culturais, políticos e identitários da sociedade, desdobrando-se em inúmeros direitos que compõe a tutela da diversidade sexual, como a liberdade sexual, a autonomia sexual, a identidade sexual, dentre outros, bem como se vincula, de modo genérico, a direitos como a honra, a intimidade, a liberdade e a igualdade, oportunizando o reconhecimento de inúmeras identidade sexuais, como a homoafetiva, a heteroafetiva, a bissexualidade, a transgeneridade, dentre outras. Nesse sentido, é atribuída à escola o papel de colaborar e orientar a formação cidadã de seus alunos, buscando alcançar uma sociedade mais justa, igualitária, plural e livre de preconceitos, razão pela qual a discussão do tema da diversidade sexual se demonstra como imanente à conscientização e educação das 72 pessoas acerca das complexidades que permeiam a sexualidade humana. Portanto, ao que se refere às minorias sexuais, o direito à educação para ser efetivado com qualidade deve desempenhar um papel ativo na transformação social, seja por meio da garantia de um espaço escolar livre de homofobia, isto é, que seja inclusivo para a promoção da igualdade material entre os estudantes, seja por meio da oferta da educação para além do ensino enraizado na ideologia hetero-cis-normativa, com um ensino que esclareça as diferenças nas manifestações sexuais e proporcione fundamentos críticos para que as pessoas LGBT+ consigam alcançar o acesso à justiça, bem como a efetivação de seus direitos. 5. Referências BARUFFI, Helder. Educação como Direito Fundamental: um princípio a ser realizado. In: FACHIN, Zulmar (Coord.). Direitos Fundamentais e Cidadania. São Paulo: Método, 2008. BASTISTA, Cristiano; COSTA, Fabrício Veiga; FREITAS, Sérgio Henrique Zandona. 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A metodologia utilizada para a compreensão do tema foi a pesquisa bibliográfica, através da análise de doutrina e artigos científicos e, quanto aos fins, foi qualitativa. A conclusão que se chegou foi que, de fato, não somente através da educação ambiental o homem poderá atuar de forma sustentável como elemento 11 Mestrando em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Diretor Jurídico na Agência Reguladora dos Serviços Públicos Delegados do Município de Manaus. Endereço eletrônico: alexandreadvocacia@uol.com.br. 12 Doutor em Direito Ambiental/Biodireito pela Université de Limoges, França; professor Adjunto da UEA – Univ. do Estado do Amazonas e da UFAM – Universidade Federal do Amazonas. Eletrônico: v_pozzetti@hotmail.com 80 transformador da cidadania de forma a se garantir o bem-estar planetário na sociedade de risco. Palavras-chave: Educação ambiental; Direito socioambiental; Sociedade de risco. Abstract: The present study seeks broadening the understanding of the human being about his condition and about the exhaustiveness of the resources existing in the natural physical environment in which he is inserted. At this point, we tried to demonstrate that environmental education can serve as an instrument capable reestablish relationship between the human being and nature, but it is indispensable the human be instructed about the knowledge on modernity and its effects about life on earth. Methodology used for a better comprehension was bibliographic research, through doctrine analysis and scientific articles and for the purposes was qualitative. The conclusion was that only through environmental education human being can act sustainably as a transforming main citizen ensuring the planetary wellness at risk society. KEYWORDS: Environmental education; Socio-environmental law; Risksociety. 1. Introdução Questiona-se muito na sociedade moderna o ato do consumo e o conflito entre a sua importância como necessária à vida e à sobrevivência da espécie humana, pois temos que consumir água e alimentos para crescermos e nos mantermos saudáveis, e o problema gerado quando o consumo de bens e serviços acontece 81 de forma exagerada, levando à exploração excessiva dos recursos naturais e interferindo no equilíbrio estabelecido originalmente no planeta. Se antes o ser humano utilizava os recursos naturais somente para seu sustento e de sua família, atualmente, e principalmente após a Revolução Industrial, já não funciona dessa forma, pois, os recursos disponíveis na natureza passaram a ser explorados sem qualquer ética, isto é, sem a educação e a consciência necessárias, com o objetivo maior de prover lucro para grandes indústrias que se utilizam da matéria-prima natural. A relação homem-natureza, então, foi diretamente afetada porque o ser humano substituiu os antigos métodos de manuseio da natureza por métodos industrializados, de exploração em grande escala. O desenvolvimento da indústria e a consequente produção em escala de bens de consumo gerou o que se poderia chamar de roda viva do consumismo, onde o ser humano produz mais para consumir mais, sem atentar para o fato de que os recursos naturais são finitos. Nesse sentido, o homem passou a ocupar a posição de explorador do ambiente físico natural, produzindo danos à natureza, contudo esquecendo-se de que é dela dependente e que pode sofrer verdadeiro “efeito bumerangue” dos danos a ela causados. A natureza, então, passou a servir ao homem não somente para saciar suas necessidades básicas de sobrevivência, mas, para corresponder aos seus interesses econômicos. Pode-se dizer que as diversas mudanças ocorridas na sociedade acabaram por modificar significativamente a relação 82 firmada entre ser humano e natureza, ensejando em uma extrema degradação dos recursos naturais, o que acaba por atingir de volta a própria humanidade. O tema mostrou-se tão importante que a ONU, no documento “Roteiro para a Localização dos Objetivos de Implementação e Desenvolvimento Sustentável 13: Acompanhamento no nível subnacional” pautou dentre seus objetivos, o de número 12 que orienta os países a “Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis”, buscando reduzir o desperdício de alimentos per capita mundial; alcançar o manejo sustentável e reduzir a geração de resíduos por meio da prevenção, redução, reciclagem e reuso, dentre outros. Há que se considerar, então, o papel fundamental da educação ambiental no processo de construção de ideias e direcionamento da conduta humana, servindo de instrumento mais eficaz na tentativa de contornar a crise socioambiental existente, bem como resgatar o senso de que todos os seres humanos fazem parte de uma comunidade global e, portanto, são responsáveis pelo mundo todo em cada uma de suas ações. Surge, assim, o conceito de cidadania planetária, que pode ser definida como uma consciência global de caráter ambiental que perceba as relações do ser humano consigo mesmo, com os outros e com a natureza de maneira contextual e em prol da dignidade de todos. 13 - Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) compõem um conjunto ambicioso de 17 objetivos e 169 metas definido e desenvolvido por meio de um amplo diálogo sem precedentes entre os Estados membros da ONU, autoridades locais, sociedade civil, setor privado e outras partes interessadas. 83 Nesse sentido, a educação ambiental pode, portanto, servir como um instrumento para conscientizar e (re) educar a humanidade, de modo que o ser humano torne-se consciente dos limites a serem respeitados no contexto da sociedade de risco, assim entendida nas palavras de Beck (2010, p.23): Na modernidade tardia, a produção social de riqueza é acompanhada sistematicamente pela produção social de riscos. Consequentemente, aos problemas e conflitos distributivos da sociedade da escassez sobrepõem-se os problemas e conflitos surgidos a partir da produção, definição e distribuição dois riscos científicotecnologicamente produzidos (...) E Continua Beck (2010, p. 26): Os riscos e ameaças atuais diferenciam-se, portanto, de seus equivalentes medievais, ..., fundamentalmente por conta da globalidade do seu alcance (ser humano, fauna e flora) e de suas causas modernas. São riscos da modernização. São um produto de série do maquinário industrial do progresso, sendo sistematicamente agravados com seu desenvolvimento ulterior. Deve a humanidade, assim, buscar frear o ritmo acelerado dos problemas socioambientais cada vez mais evidentes, sendo mais consciente em suas escolhas e sabendo que cada uma delas pode afetar o planeta no qual vive, ou seja, o homem deve mudar 84 seu comportamento pois suas ações geram um efeito reflexivo contra o seu próprio bem-estar no Planeta. Pretende-se, então, discutir a importância da educação ambiental como mecanismo hábil para promover a autonomia e reflexão do ser humano e, ainda, como pode mudar seu comportamento de forma a adotar medidas práticas no contexto ambiental. Assim, buscar-se-á analisar de que modo a educação ambiental pode servir como instrumento para conscientizar o ser humano de sua atual condição e das consequências irreversíveis a serem causadas à natureza e a ele próprio, caso persista no ritmo estabelecido pela sociedade moderna de consumo. A metodologia utilizada nesta pesquisa foi a do método exploratório e a técnica de pesquisa bibliográfica, para sincronização dos conceitos e da doutrina acerca da educação ambiental e seu papel na gestão dos riscos gerados na sociedade moderna. Quanto aos fins a metodologia foi a qualitativa. 2. Do conceito de cidadania planetária e a sociedade de consumo A modernidade e seus efeitos impõem um verdadeiro desequilíbrio na relação homem-natureza, pois o ser humano passou a adotar uma postura exploratória em relação aos recursos naturais disponíveis, ensejando na escassez de tais recursos e no comprometimento da qualidade de vida humana, pois as ações do homem geram problemas modernos cada vez mais em pauta nas discussões entre os países, por meio das Conferências Ambientais 85 Internacionais de Estocolmo, em 1972, a Eco-92 ou Rio-92; a Rio+10, em 2002, a Rio+20, em 2012, e em 2015, na sede da ONU, a Cúpula de Desenvolvimento Sustentável. Nesse encontro, todos os países da ONU definiram os novos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) Em todos esses encontros com os líderes mundiais a pauta principal sempre foi e será a ênfase à necessidade que a sociedade pós-moderna tem de rever sua conduta atual que se encontra, equivocadamente, pautada pelo consumismo exacerbado. Temos assim, como preocupação do homem moderno a preocupação com o “desenvolvimento sustentável” 14, definido como um modelo socioeconômico e ambiental que está diretamente relacionado com o crescimento da economia de uma forma que garanta a inclusão social e a proteção do meio ambiente, de modo que as necessidades da geração atual possam ser supridas sem que sejam comprometidas as gerações futuras. Assim, a sociedade moderna passa a questionar-se quanto à incessante busca por crescimento econômico versus a necessária preservação do meio ambiente em função do estilo de vida adotado atualmente, em função do conflito gerado entre a garantia da plena satisfação dos interesses econômicos sem que se massacre o meio ambiente; isso porque os recursos naturais estão sendo explorados de forma abusiva, sem que sejam respeitados seus ciclos e sistemas. 14 - O conceito de desenvolvimento sustentável foi criado na Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento no relatório conhecido como “Nosso Futuro Comum” no século XX. Esse conceito foi introduzido na Agenda 21, um documento de 40 capítulos criado na Conferência Rio 92 e anexado as agendas internacionais para a promoção do desenvolvimento sustentável. 86 É característica peculiar, da sociedade de risco, alimentar uma roda viva do consumismo por meio da subjugação da natureza, gerando riscos para o meio ambiente. A respeito disso, Beck (2010, p. 9) afirma que: A oposição entre natureza e sociedade é uma construção do século XIX, que serve ao duplo propósito de controlar e ignorar a natureza. A natureza foi subjugada e explorada no final do século XX e, assim, transformada de fenômeno predeterminado em fabricado. Ao longo de sua transformação tecnológicoindustrial e de sua comercialização global, a natureza foi absorvida pelo sistema industrial. Dessa forma, ela se converteu, ao mesmo tempo, em pré-requisito indispensável do modo de vida no sistema industrial. Tem-se, então, que desde a Revolução Industrial, a sociedade passou a produzir em maior escala bens de consumo, utilizando como matéria-prima os recursos naturais disponíveis, deixando de observar que os mesmos são limitados, conforme explica Beck (2010, p. 24): Isto coincide com o novo paradigma da sociedade de risco, que se apoia inteiramente na solução de um problema similar e no entanto inteiramente distinto. Como é possível que as ameaças e riscos sistematicamente coproduzidos no processo tardio de modernização sejam evitados, minimizados, dramatizados, canalizados e, 87 quando vindos à luz sob a forma de “efeitos colaterais latentes”, isolados e redistribuídos de tal modo que não comprometam o processo de modernização e nem as fronteiras do que é (ecológica, medicinal, psicológica e socialmente) “aceitável”? A sociedade atual funciona de modo a produzir cada vez mais bens de consumo, os quais passaram a ser produzidos de maneira que sejam descartados com maior frequência haja vista sua baixa qualidade, e nesse aspecto não se pode deixar de registrar os bens de consumo made in China, que podem ser encontrados nos mercados de consumo do mundo inteiro. Na sociedade moderna consome-se muito mais por status financeiro e social, influência da mídia, dentre outros, do que por real necessidade, o que torna muito comum a rotatividade de bens de consumo. Importa mencionar que essa rápida substituição acaba por gerar resíduos sólidos cujo tratamento não se dá na mesma velocidade em que se consome. Silva (2013, p. 25) esclarece que esse estilo de vida adotado pela sociedade moderna não pode ser sustentado sem que sejam sacrificados os recursos naturais: O desenvolvimento econômico tem consistido, para a cultura ocidental, na aplicação direta de toda a tecnologia gerada pelo Homem no sentido de criar formas de substituir o que é oferecido pela Natureza, com vista, no mais das vezes, à obtenção de lucro em forma de dinheiro; e ter mais ou menos dinheiro é, muitas vezes, confundido 88 com a melhor ou pior qualidade de vida. [...]. Mas o conforto que o dinheiro compra não constitui todo o conteúdo de uma boa qualidade de vida. A experiência dos povos ricos o demonstra, tanto que também eles buscam uma melhor qualidade de vida. Porém, essa cultura ocidental, que hoje busca uma melhor qualidade de vida, é a mesma que destruiu e ainda destrói o principal modo de obtê-la: a Natureza, patrimônio da Humanidade, e tudo o que pode ser obtido a partir dela, sem que esta seja degradada. Tem-se, assim, um verdadeiro dilema entre os interesses econômicos da sociedade moderna e a necessidade de preservação do meio ambiente, posto que, para manter sua rotina de consumo a mesma deve sacrificar os recursos naturais que são limitados; contudo, é de tais recursos que provêm a matéria-prima necessária para manutenção de todo o sistema sob o qual tal sociedade se estabelece, há necessidade de exploração dos recursos, mas estes de igual forma precisam ser conservados. Como, então, exercitar o consumo de forma a salvaguardar o meio ambiente? É importante observar que cada indivíduo, em seu espaço de influência e alcance de suas ações, é sujeito da história e, portanto, possui responsabilidade para com o planeta e é nesse sentido que se constrói o conceito de cidadania planetária, segundo o qual todos os habitantes da terra são cidadãos do planeta e devem, portanto, praticar suas ações considerando que essas terão consequências, reflexivamente, para o meio ambiente e, consequentemente, para a própria vida humana. 89 Segundo Gutiérrez e Prado (1999, p. 37), “A cidadania planetária supõe o reconhecimento e a prática da planetaridade, isto é, tratar o planeta como um ser vivo e inteligente [...] a planetaridade deve levar-nos a sentir e viver nossa cotidianidade em relação harmônica com os outros seres do planeta Terra”. Em sentido ainda mais amplo, defende Gadotti (2000, p. 159 e 160): A cidadania planetária deverá ter como foco a superação da desigualdade, a eliminação das sangrentas diferenças econômicas e a integração da diversidade cultural da humanidade e a eliminação das diferenças econômicas. Não se pode falar em cidadania planetária ou global sem uma efetiva cidadania na esfera local e nacional. Uma cidadania é por essência uma essência uma cidadania integral, portanto, uma cidadania ativa e plena não apenas nos direitos sociais, políticos, culturais e institucionais, mas também econômico-financeiros. A cidadania planetária implica também a existência de uma democracia planetária. Portanto, ao contrário do que sustentam os neoliberais, estamos muito longe de uma efetiva cidadania planetária. Ela ainda permanece como projeto humano, inalcançável se for limitada apenas ao desenvolvimento tecnológico. Ela precisa fazer parte do próprio projeto da humanidade como um todo. Ela não será uma mera consequência ou um subproduto da tecnologia ou da globalização econômica. 90 Pelo que se pode concluir, portanto, o conceito de cidadania planetária não somente se relaciona à pretensão de ter uma sociedade sustentável, mas, sobretudo em promover em cada indivíduo o senso de pertencimento no mundo e despertar a consciência de que cada ação tem um reflexo em um sistema maior. Na sociedade de consumo essa falta de consciência quanto ao impacto de ações individuais no todo, acabam por ensejar em desigualdades econômicas e sociais, esgotamento dos recursos naturais, dentre outras mazelas sociais e ambientais, o que compromete a qualidade de vida do ser humano. Assim, entende-se que é, de fato, um desafio promover a cidadania planetária no contexto da sociedade de consumo, isso porque na sociedade de risco há o constante incentivo para que seja assumida uma postura de consumo desenfreado, totalmente incompatível com a consciência planetária, na qual as consequências dos atos isolados afetam no todo, razão pela qual se observará o papel da educação no resgate de tal conceito dentro da sociedade de risco. 3. Da educação ambiental A educação de um modo geral, certamente pode ser utilizada como mecanismo de reorganização social especialmente no que diz respeito ao aspecto ambiental. Segundo Aranha (p. 50, 1996) a educação não se trata de simples transmissão de conhecimento entre gerações, mas, de verdadeira “gestação do novo e a ruptura com o velho”. 91 Entende-se que a educação tem esse poder inovador, de converter o conhecimento científico num projeto de futuro e, sobretudo permite a formação do ser humano, capaz de se integrar como um ser social, capaz de assumir deveres dentro de determinada estrutura social. Na verdade, a educação consiste em verdadeiro processo de construção da autonomia individual e senso de coletividade do sujeito, especialmente por meio de uma estrutura educacional dinâmica e democrática, capaz de permitir o desenvolvimento das competências necessárias para que o sujeito possa lidar com as questões ambientais – o que traz à lembrança o conceito de escola-democrática (PUIG, 2000). No que diz respeito especificamente à educação ambiental, essa tem papel fundamental na sociedade, no sentido de promover a consciência do ser humano quanto à necessidade do consumo responsável. Nessa acepção, Gadotti (2000, p. 79) orienta que “o desenvolvimento sustentável tem um componente educativo formidável: a preservação do meio ambiente depende de uma consciência ecológica e a formação da consciência depende da educação”. É importante destacar que a educação ambiental tem características e propósitos muitos específicos e, ainda que utilize por vezes ferramentas da educação tradicional não se trata do mesmo tipo de educação, conforme muito bem explica Gadotti (2000, p. 96): A educação ambiental vai muito além do conservacionismo. Trata-se de uma mudança radical de mentalidade em relação à qualidade 92 de vida, que está diretamente ligada ao tipo de convivência que mantemos com a natureza e que implica atitudes, valores, ações. Trata-se de uma opção de vida por uma relação saudável e equilibrada, com o contexto, com os outros, com o ambiente mais próximo, a começar pelo ambiente de trabalho e doméstico. Observa-se que a educação ambiental não visa tão somente a preservação do meio ambiente, mas, sobretudo ao desenvolvimento de uma sociedade fundada em um sistema sustentável, ou seja, pretende a verdadeira ruptura do atual sistema que incentiva o consumo e o lucro. Ocorre que, por muito tempo, a educação ambiental encontrou pouco espaço, tanto em âmbito nacional como internacional. Conforme Dias (2000, p. 29) o conceito de Educação Ambiental teria surgido nos anos 70, e pode ser definido como um “processo de reconhecimento de valores e de esclarecimentos de conceitos, que permitam o desenvolvimento de habilidades e atitudes necessárias para entender e apreciar as inter-relações entre o homem, sua cultura e seu ambiente biofísico circunjacente”. A legislação brasileira também cuidou de estabelecer um conceito para educação ambiental, na PNMA - Política Nacional de Educação Ambiental - Lei nº 9795/1999: Art. 1º Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e 93 competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade. Percebe-se, portanto, que a educação ambiental se torna efetiva quando a sociedade tem a correta compreensão da natureza e da interdependência desta com os seres humanos e vice-versa, de modo a garantir a sustentabilidade do meio ambiente. Quanto ao tema, Dias ainda nos orienta (2000, p. 161): Uma educação para a cidadania planetária deveria nos levar à construção de uma cultura da sustentabilidade, isto é, uma biocultura, uma cultura da vida, da convivência harmônica entre os seres humanos e entre estes e a natureza (equilíbrio dinâmico). Paulo Freire nos falava de uma “racionalidade molhada de emoção”. Morin nos fala de uma “lógica do vivente” contra a “racionalidade instrumental” evidenciada Habermas. “A cultura da sustentabilidade deve nos levar a saber selecionar o que é realmente sustentável em nossas vidas, em contato com a vida dos outros. Só assim seremos cúmplices nos processos de promoção da vida. Criar vida é, portanto, criar a cultura da sustentabilidade”. Assim, vê-se que a educação ambiental deve justamente promover o pleno exercício da cidadania, não somente por meio da preservação do meio ambiente, mas, sobretudo, com a adoção de medidas sustentáveis visando criar uma verdadeira “cultura da 94 sustentabilidade” nas ações de cada indivíduo, razão pela qual Genebaldo Freire Dias (p. 31) afirmou que “a educação ambiental deve capacitar ao pleno exercício da cidadania, através da formação de uma base conceitual abrangente, técnica e culturalmente capaz de permitir a superação dos obstáculos à utilização sustentada do meio”. 4. Da teoria do risco e da mudança de paradigmas por meio da educação ambiental Segundo a teoria do risco, defendida por Ulrich Beck, a sociedade de consumo possui uma configuração social baseada em riscos e nos efeitos decorrentes da modernização, especialmente em razão do sistema produtivo industrial por ela adotado. Certamente a sociedade de risco traz em si uma grande contradição, pois, ao mesmo tempo em que permitiu e propiciou inúmeras conquistas na indústria, ciência e tecnologia, trouxe consigo uma bagagem de riscos que ameaçam inclusive provocar o extermínio da vida humana e da natureza no planeta segundo Beck (2010, p. 16): No centro da questão estão os riscos e efeitos da modernização, que se precipitam sob a forma de ameaças à vida de plantas, animais e seres humanos. Eles já não podem – como os riscos fabris e profissionais no século XIX e na primeira metade do século XX – ser limitados geograficamente ou em função de grupos específicos. Pelo contrário, contêm uma tendência globalizante que tanto se estende à 95 produção e reprodução como atravessa fronteiras nacionais e, nesse sentido, com um novo tipo de dinâmica social e política, faz surgir ameaças globais supranacionais e independentes de classe. Para Bauman (1998, p. 91) a modernidade impõe “padrões, esperança e culpa”, fazendo com que o ser humano seja levado a buscar, num ritmo frenético, alcançar padrões aparentemente inatingíveis. Quanto a isto, Aranha (1996, p. 237) afirma que: O contraponto do progresso se encontra na ameaça nuclear e na degradação ambiental com os perigos da poluição industrial, desertificação, destruição da flora e da fauna, efeito estufa, buraco na camada de ozônio. São exemplos do que os filósofos frankfurtianos chamam de sofrimento da natureza, infligido pelo homem, incapaz de reconhecer que a natureza não é uma realidade a ser dominada. Não por acaso, segundo Horkheimer, “a história dos esforços humanos para subjugar a natureza é também a história da subjugação do homem pelo homem”. Importante destacar que o estilo de vida adotado na sociedade de consumo, apresenta riscos que comprometem a vida humana no planeta, com a destruição dos recursos naturais, poluição industrial, dentre outros, ou seja, no sistema adotado pela sociedade de risco, há a constante degradação da natureza e 96 consequentemente diminuição da qualidade de vida do ser humano. Nesse sentido Aranha (1996, p. 237) destaca que “os prejuízos na qualidade de vida propriamente humana são fruto das contradições insolúveis do sistema engendrado na modernidade”. O fato é que a modernidade e o estilo de vida da sociedade de consumo acabam por tornar evidente que resta instalada uma verdadeira crise socioambiental decorrente da atuação do próprio ser humano, ou seja, de sua ação destrutiva na natureza. Nesse sentido, ao mesmo tempo em que a modernidade trouxe inovações positivas, como na ciência e tecnologia por exemplo, também propiciou o surgimento de novas ameaças e riscos para a humanidade, dado seu ritmo frenético. Dessa forma, podemos constatar que para a mudança do atual formato da sociedade moderna, primeiramente seria necessária uma verdadeira mudança na forma de pensar e agir do próprio ser humano. Percebe-se que há uma verdadeira “crise institucional” no sistema adotado pela sociedade de risco. Nesse sentido, Beck (p. 19) destaca ser urgente a necessidade de reformulação dos pressupostos nos quais se funda tal modelo social de desenvolvimento-consumo. Assim, a crise socioambiental que assola a sociedade de consumo somente pode ser superada por meio de sua própria reavaliação, como também entende Maria Lúcia Aranha (1996, p. 229): Se vivemos hoje o mal-estar da modernidade, em decorrência das promessas abortadas da racionalidade expressa na ciência, na técnica, 97 na ilusão do progresso, à qual se contrapõem de maneira cruel duas guerras mundiais, Auschwitz, Hiroshima, o desequilíbrio ecológico e a ameaça de aniquilação atômica, não há por que se refugiar no irracionalismo. Por isso, contestar a modernidade não significa necessariamente recusá-la, mas sim repensá-la [...] Mais do que sucumbir à desrazão, cumpre denunciar os desvios da razão enlouquecida. O Relatório Planeta Vivo da Rede WWF 15 traz dados concretos sobre o que as mudanças significam para a humanidade em função do consumo das sociedades, o que é descrito através da expressão “pegada ecológica” e o impacto causado no planeta: O tamanho e composição da Pegada Ecológica per capita de uma nação são determinados pela quantidade média de bens e serviços utilizados por uma pessoa e pela eficiência na utilização dos recursos, incluindo combustíveis fósseis, para fornecer estes bens e serviços. Não é de estranhar que a maioria dos 25 países com a maior Pegada Ecológica per capita são nações de renda alta; e para praticamente todos estes países o carbono é o maior componente da Pegada. A contribuição de cada nação para a sobrecarga ecológica global varia entre países. Por exemplo, se todas as pessoas do planeta tivessem uma pegada ecológica do tamanho 15 Publicação bianual que documenta o estado do planeta as mudanças na biodiversidade, ecossistemas e demanda da humanidade pelos recursos naturais 98 da pegada per capita do Catar, precisaríamos de 4,8 planetas. Se tivéssemos o mesmo estilo de vida de uma pessoa dos Estados Unidos precisaríamos de 3,9 planetas. No caso de Eslováquia ou Coreia do Sul, precisaríamos de 2 ou 2,5 planetas, respectivamente, enquanto uma pessoa da África do Sul ou Argentina precisaria de 1,4 ou 1,5 planetas. Diante do cenário de consumo é necessário enfretamento da crise socioambiental existente no contexto da sociedade de risco e melhor caminho não se apresenta senão o da implementação de uma educação ambiental efetiva, capaz de despertar a consciência coletiva para a necessária mudança de atitude quanto ao trato da “casa comum” de todos os povos pois, afinal, só temos um planeta de onde retirar a matéria prima necessária à nossa sobrevivência. Dessa forma, a educação ambiental certamente pode funcionar como instrumento para resgatar a necessária consciência planetária do ser humano, resolvendo de certo modo a crise socioambiental instalada na sociedade pós-moderna, isso porque o primeiro passo para a resolução das questões ambientais, certamente é a mudança de perspectiva, de comportamento, do indivíduo e isso se dá primeiramente por meio da educação. Diante de tais ponderações, vê-se que é inadiável a reconsideração dos fundamentos da modernidade e, com isso, repensar-se o modo como o ser humano tem se relacionado com a natureza. O desenvolvimento sustentável somente poderá ser alcançado se o homem puser em prática uma consciência ecológica 99 (ecopedagogia), integrando à sua realidade um comportamento ético através da reeducação dos seus hábitos de consumo. Deve-se repensar a modernidade em si e seus pressupostos, por meio da educação ambiental, o que, certamente pode vir a significar uma possível resolução dessa problemática e apropriação do importante conceito de cidadania planetária, conscientizando-se que os bens naturais não são apenas locais, mas pertencentes à comunidade global. 5. Considerações finais Uma vez que a sociedade moderna se demonstra uma produtora, em grande escala, de riscos para a humanidade, a educação ambiental possui papel fundamental no resgate da consciência do ser humano quanto à sua responsabilidade para com o meio ambiente e para com a própria vida humana. É por meio da educação que o ser humano tem seus paradigmas modificados e, certamente, por meio da educação ambiental será possível reestabelecer uma nova visão de mundo e promover o resgate da cidadania planetária. A relação homem-natureza foi bruscamente alterada com o processo de industrialização, sendo a natureza a maior refém da atuação impensada do ser humano, ao ignorar a finitude dos recursos naturais. Contudo, tal problemática não surgiu por acaso, mas, em decorrência da chegada da modernidade e dos métodos industriais de produção em larga escala. O fato é que, consolidado o consumismo, tem-se uma sociedade literalmente de risco, posto 100 que pelo ritmo desenfreado produz cada vez mais ameaças à consciência planetária. Entende-se, então, que a educação ambiental é o mais valioso instrumento para reformulação dos pressupostos nos quais se funda a sociedade de risco, isso porque por meio da educação ambiental os seres humanos são levados a repensar e questionar sua atual realidade e adotar uma postura mais sustentável, com a consciência de que cada ato praticado afeta o planeta inteiro. Somente através da educação ambiental pode-se formar um consumidor consciente que busca saber quanto consome, avalia a necessidade de consumo, preocupa-se com o ciclo de vida de um produto, até seu descarte final. Atitudes simples, mas que têm grande impacto positivo para o meio ambiente. Assim, a educação ambiental pode servir para resgatar o senso de cidadão planetário que todos os indivíduos deveriam ter, a fim de garantir a preservação do meio ambiente e consequentemente garantir melhor qualidade de vida para todos os que habitam o planeta, buscando sempre encontrar alternativas e respostas efetivas para combater a crise socioambiental existente na sociedade de consumo. 6. Referências ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da educação. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Moderna, 1996. 101 ARANHA, Maria Lúcia de Arruda.História da educação. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Moderna, 1996. BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Tradução de Mauro Gama. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998. BECK, Ulrich; GIDDENS, Anthony; LASH, Scott. Modernização reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. Tradução de Magda Lopes. São Paulo: Editora Unesp, 1997. BECK, Ulrich; GIDDENS, Anthony; LASH, Scott. Sociedade de risco. Tradução de Sebastião Nascimento. São Paulo: 2010. DIAS, G. F. Educação Ambiental:princípios e práticas. 6. ed. São Paulo: Gaia, 2000. GUTIÉRREZ, Francisco e Cruz Prado. Ecopedagogia e Cidadania Planetária. São Paulo, SP: Cortez, 1999. GADOTTI, Moacir. Pedagogia da Terra. São Paulo, SP: Peirópolis, 2000. ONU. Organização das Nações Unidas. Assembléia Geral da ONU Roteiro para a Localização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Nova York: 2015 PUIG, Josep M [et al.]. Democracia e participação escolar:propostas de atividades. Tradução: Maria Cristina de Oliveira. São Paulo: Moderna, 2000. SILVA, José Afonso da Silva. Direito ambiental constitucional. Ed. Atual. São Paulo: Malheiros, 2013. 102 WWF. 2014. Living Planet Report 2014: People and places, species and spaces. [McLellan, R., Iyengar, L., Jeffries, B. and N. Oerlemans (Eds)]. WWF, Gland, Switzerland. ISBN 978-2940443-88-8 103 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS: MARCOS LEGAIS E (IN)EFETIVIDADE 16 EDUCATION IN HUMAN RIGHTS: LEGAL FRAMEWORKS AND (IN)EFFECTIVENESS Horácio Wanderlei Rodrigues 17 16 Esta publicação é uma versão do artigo anteriormente publicado como: RODRIGUES, Horácio Wanderlei; LAPA, Fernanda Brandão. Educação em Direitos Humanos: marcos legais e (in)efetividade. Revista Direitos Sociais e Políticas Públicas (UNIFAFIBE), v. 4, n. 2, 2016. p. 181-226. Disponível em: <http://unifafibe.com.br/revista/index.php/direitos-sociais-politicaspub/article/view/158>. A pesquisa que lhe deu origem foi realizada com apoio do CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – Brasil, no âmbito do projeto de pesquisa “Conhecer Direito: os processos de produção do conhecimento na área do Direito - o conhecimento jurídico produzido através da pesquisa, do ensino e das práticas profissionais”. Sua primeira versão foi escrita especialmente para o Ciclo de Debates: Ensino do Direito e Direitos Humanos, promovido pelo Grupo de Estudos de Educação e Relações de Gênero (GEERGE), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEdu) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O evento ocorreu em quatro etapas, nas segundas semanas de março, abril, maio e junho de 2015; esse trabalho foi apresentado no segundo encontro, realizado em 9 e 10 de abril. Em alguns aspectos em que a Educação em Direitos Humanos se aproxima, em termos de concepção, da Educação Ambiental, foram aproveitados e adaptados trechos de outros trabalhos anteriormente publicados. RODRIGUES, Horácio Wanderlei; FERRACINI, MyrthaWandersleben. Educação ambiental no Brasil: obrigatoriedade, princípios e outras questões pertinentes In: RODRIGUES, Horácio Wanderlei; DERANI, Cristiane (org.). Educação ambiental. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2011. p. 13-32. Disponível em: <http://funjab.ufsc.br/wp/?pageid=1819>. 17 Doutor e Mestre em Direito pela UFSC. Pós-doutorados em Filosofia/UNISINOS e em Educação/UFRGS. Professor Permanente do PPG 104 Fernanda Brandão Lapa18 Resumo: O artigo propõe reflexões acerca da Educação em Direitos Humanos no âmbito da educação formal, em especial da educação para a cidadania e formação de professores; assim como, para a formação profissional dos operadores do Direito. Inicialmente, descreveu-se o que é e pode estar incluído em uma Educação em Direitos Humanos conforme os documentos nacionais e internacionais sobre a matéria. No âmbito da educação para cidadania e formação de professores destacaram-se alguns pontos como o protagonismo do aluno, interdisciplinaridade e transversalidade; e ainda, a relação professor-aluno. Já na formação para os operadores do Direito, pontuou-se a importância do ensino do direito positivo e dos Direitos Humanos no ensino jurídico, assim como apresentamos a alternativa das Clínicas de Direitos Humanos. Por fim, conclui-se que falta educação para a cidadania no Brasil pela falta de formação adequada em Direitos Humanos para os professores das licenciaturas e pós-graduação, assim como não existe efetividade dos Direitos Humanos pela ausência de formação dos profissionais de Justiça e Segurança. Palavras-chave: Educação em Direitos Humanos; Ensino do Direito; Educação Jurídica; Clínicas de Direitos Humanos. Direito/IMED/RS. Professor Colaborador do PPGPD/UFSC. Sócio fundador do CONPEDI e da ABEDi. Membro do Instituto Iberomericano de DerechoProcesal. Pesquisador do CNPq e da Fundação Meridional. 18 Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e Mestre em Teoria e Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora de Direitos Humanos da Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE). 105 Abstract: The article proposes reflections on the study of Human Rights in formal education, particularly education for citizenship and teacher training; as well as for the training of legal professionals. Initially, it was described what it is and can be included in a Human Rights Education based on national and international documents. In the context of education for citizenship and teacher training, some points were highlighted as the role of the student, interdisciplinary and transdisciplinary; and, still, the teacher-student relationship. Moreover, regarding the training for legal professionals, it was appointed the importance of positive law and teaching of human rights in legal education, as well as presents the alternative methodology of Human Rights Clinics. Finally, concludes that there is not enough education for citizenship in Brazil by the lack of appropriate human rights trainings for teachers of undergraduate and postgraduate programs, as there is no effectiveness of Human Rights by the lack of training of Justice and Security professionals. Key-words: Human Rights Education; Law Teaching; Legal Education; Human Rights Clinics. 1. Introdução Este artigo busca realizar uma breve reflexão sobre a amplitude das situações que se colocam no âmbito da Educação em Direitos Humanos, enquanto educação que obrigatoriamente deve ocorrer no âmbito dos diversos níveis dos sistemas educacionais formais. Para caracterizarmos o que é a Educação em Direitos Humanos recorremos aos documentos oficiais sobre a matéria 106 emanados das Nações Unidas (Programa Mundial para Educação em Direitos Humanos – primeira, segunda e terceira etapas) e do Estado Brasileiro (Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos). No contexto desses documentos é possível afirmar que a Educação em Direitos Humanos deveria ser bastante ampla, envolvendo a educação para a cidadania, a formação em direitos humanos dos profissionais da educação, dos profissionais de mídia e comunicação, de ativistas de ONGs e movimentos sociais e a formação técnica dos profissionais que atuam nos diversos sistemas de justiça e de segurança (com destaque para os operadores do Direito). Este artigo destina a seção inicial para caracterizar o que é e o que inclui a Educação em Direitos Humanos. Na sequência contém duas outras seções destinadas especificamente a tratar da Educação em Direitos Humanos no sistema educacional formal, incluindo a educação para a cidadania e a necessária formação docente, e da Educação em Direitos Humanos enquanto formação profissional dos operadores jurídicos. Ao final apresenta breves conclusões sobre o tema estudado. 2. O que é educação em direitos humanos? Considerando as posições divergentes presentes nas obras dos diversos autores que trabalham o tema, optamos por responder a essa pergunta com base nos documentos internacionais e nacionais existentes sobre a matérias. Nos 107 parágrafos que seguem transcrevemos o que se encontra em documentos oficiais das Nações Unidas e do Brasil. A Educação em Direitos Humanos – EDH, é assegurada pela Declaração das Nações Unidas sobre Educação e Formação em Matéria de Direitos Humanos, sendo considerada essencial para a garantia dos demais direitos humanos: Artigo 1 1. Toda pessoa tem direito de possuir, procurar e receber informações sobre todos os direitos humanos e liberdades fundamentais e deve ter acesso à educação e formação em direitos humanos. 2. A educação e formação em matéria de direitos humanos são essenciais para a promoção do respeito universal e eficaz de todos os direitos humanos e as liberdades fundamentais de todas as pessoas, de acordo com os princípios da universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos. Artigo 2 1. Educação e a formação em matéria de direitos humanos estão integradas pelo conjunto de atividades educativas e de formação, informação, sensibilização e aprendizagem que têm por objetivo promover o respeito universal e eficaz de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, contribuindo assim, entre outras coisas, para a prevenção de abusos e violações de direitos humanos ao proporcionar às pessoas conhecimentos, habilidades e compreensão e 108 desenvolver suas atitudes e comportamentos para que possam contribuir para a criação e promoção de uma cultura universal de direitos humanos. (NAÇÕES UNIDAS, Resolução n.º 66/137, 2011). Para a referida Declaração, a educação e a formação em direitos humanos incluem: a educação sobre os direitos humanos, a educação por meio dos direitos humanos e a educação para os direitos humanos. Enfatiza também que a EDH é um processo para toda a vida, todas as idades, todos os setores da sociedade, todos os níveis e formas de educação (art. 3º) e deve basear-se nos princípios da igualdade, especialmente na igualdade entre meninas e meninos, homens e mulheres, na dignidade humana, na inclusão e na não discriminação (art. 5º, 1). Nesse sentido, a Resolução n.º 49/184 da ONU, que instituiu a supramencionada Década das Nações Unidas para a Educação em Matéria de Direitos Humanos, definiu educação em direitos humanos como: [...] os esforços de formação, divulgação e informação destinados a construir uma cultura universal de direitos humanos através da transmissão de conhecimentos e competências e da modelação de atitudes, com vista a: (a) Reforçar o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais; (b) Desenvolver em pleno a personalidade humana e o sentido da sua dignidade; 109 (c) Promover a compreensão, a tolerância, a igualdade entre os sexos e a amizade entre todas as nações, povos indígenas e grupos raciais, nacionais, étnicos, religiosos e linguísticos; (d) Possibilitar a participação efetiva de todas as pessoas numa sociedade livre; (e) Promover as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. (NAÇÕES UNIDAS, Resolução n.º 49/184, 1994). O Programa Mundial para Educação em Direitos Humanos, documento produzido pelas Nações Unidas, após a Década das Nações Unidas para a Educação em matéria de direitos humanos (1995-2004), foi dividido em três planos de ação. O primeiro, de 2005 a 2009, destinado às políticas de educação em direitos humanos para a educação básica e ensino médio; o segundo, de 2010 a 2014, concentrou-se na educação superior, de funcionários públicos, profissionais de Direito e militares; e, por último, o terceiro, de 2015 a 2019, dá enfoque à educação dos profissionais de mídia e comunicação. A atual terceira etapa do Programa Mundial apresenta a seguinte perspectiva à educação em Direitos Humanos: 4. Conforme esses instrumentos, que contêm elementos para a definição da educação em direitos humanos aprovados pela comunidade internacional, a essa educação pode ser definida como quaisquer esforços de aprendizagem, educação, treinamento ou informação com vistas a construir uma 110 cultura universal de direitos humanos, incluindo: (a) fortalecer o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais; (b) desenvolver de forma plena da personalidade e da dignidade humanas; (c) promover a compreensão, a tolerância, o respeito pela diversidade, a igualdade de gênero e a amizade entre todas as nações, povos indígenas e minorias; (d) capacitar todas as pessoas para participar em uma sociedade livre e democrática, regulada pelo Estado de Direito; (e) construir e manter a paz; (f) promover a justiça social e o desenvolvimento sustentável centrados nas pessoas; 5. A educação em direitos humanos abrange: (a) conhecimento e habilidades – aprendizagem sobre os direitos humanos e seus mecanismos, e aquisição de habilidades para aplicá-los de forma prática na vida cotidiana; (b) valores, atitudes e comportamentos – desenvolvimento de valores e reforço de atitudes e comportamentos que apoiem os direitos humanos; (c) ação – participação na defesa e na promoção dos direitos humanos. (NAÇÕES UNIDAS, 2015). Recentemente, em 16 de março de 2018, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos solicitou contribuições aos Estados, organizações da sociedade civil 111 e outros interessados para auxiliar no planejamento da quarta etapa do Programa. As contribuições devem ser enviadas até 4 de maio de 2018 e versar, prioritariamente, sobre: 1. Setores-alvo (grupos profissionais, grupos detentores de direitos, público geral, etc.); 2. Áreas de foco ou questões temáticas de direitos humanos (direitos específicos, grupos de direitos ou um problema global importante para a promoção e proteção dos direitos humanos). (NAÇÕES UNIDAS, 2018). Já, em termos de Brasil, temos o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, dividido em cinco eixos: Educação Básica, Educação Superior, Educação Não-Formal, Educação dos Profissionais dos Sistemas de Justiça e Segurança, e Educação e Mídia. Esse plano data de 2006 e assim caracteriza essa espécie educacional: A educação em direitos humanos é compreendida como um processo sistemático e multidimensional que orienta a formação do sujeito de direitos, articulando as seguintes dimensões: a) apreensão de conhecimentos historicamente construídos sobre direitos humanos e a sua relação com os contextos internacional, nacional e local; b) afirmação de valores, atitudes e práticas sociais que expressem a cultura dos direitos humanos em todos os espaços da sociedade; 112 c) formação de uma consciência cidadã capaz de se fazer presente em níveis cognitivo, social, ético e político; d) desenvolvimento de processos metodológicos participativos e de construção coletiva, utilizando linguagens e materiais didáticos contextualizados; e) fortalecimento de práticas individuais e sociais que gerem ações e instrumentos em favor da promoção, da proteção e da defesa dos direitos humanos, bem como da reparação das violações. Sendo a educação um meio privilegiado na promoção dos direitos humanos, cabe priorizar a formação de agentes públicos e sociais para atuar no campo formal e nãoformal, abrangendo os sistemas de educação, saúde, comunicação e informação, justiça e segurança, mídia, entre outros. Desse modo, a educação é compreendida como um direito em si mesmo e um meio indispensável para o acesso a outros direitos. A educação ganha, portanto, mais importância quando direcionada ao pleno desenvolvimento humano e às suas potencialidades, valorizando o respeito aos grupos socialmente excluídos. Essa concepção de educação busca efetivar a cidadania plena para a construção de conhecimentos, o desenvolvimento de valores, atitudes e comportamentos, além da defesa socioambiental e da justiça social. Nos termos já firmados no Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos, a educação contribui também para: 113 a) criar uma cultura universal dos direitos humanos; b) exercitar o respeito, a tolerância, a promoção e a valorização das diversidades (étnico-racial, religiosa, cultural, geracional, territorial, físico-individual, de gênero, de orientação sexual, de nacionalidade, de opção política, dentre outras) e a solidariedade entre povos e nações; c) assegurar a todas as pessoas o acesso à participação efetiva em uma sociedade livre. (BRASIL, 2006, p. 17-18). Também no Brasil, em 2012 o Conselho Nacional de Educação aprovou as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos. Do Parecer CNE/CP nº 8/2012 consta a seguinte fundamentação, que dará base à edição da correspondente Resolução: 2 Fundamentos da Educação em Direitos Humanos […]. A Educação em Direitos Humanos, como um paradigma construído com base nas diversidades e na inclusão de todos/as os/as estudantes, deve perpassar, de modo transversal, currículos, relações cotidianas, gestos, ‘rituais pedagógicos’, modelos de gestão. Sendo assim, um dos meios de sua efetivação no ambiente educacional também poderá ocorrer por meio da (re)produção de conhecimentos voltados para a defesa e promoção dos Direitos Humanos. 114 A Educação em Direitos Humanos envolve também valores e práticas considerados como campos de atuação que dão sentido e materialidade aos conhecimentos e informações. Para o estabelecimento de uma cultura dos Direitos Humanos é necessário que os sujeitos os signifiquem, construam-nos como valores e atuem na sua defesa e promoção. A Educação em Direitos Humanos tem por escopo principal uma formação ética, crítica e política. A primeira se refere à formação de atitudes orientadas por valores humanizadores, como a dignidade da pessoa, a liberdade, a igualdade, a justiça, a paz, a reciprocidade entre povos e culturas, servindo de parâmetro ético-político para a reflexão dos modos de ser e agir individual, coletivo e institucional. A formação crítica diz respeito ao exercício de juízos reflexivos sobre as relações entre os contextos sociais, culturais, econômicos e políticos, promovendo práticas institucionais coerentes com os Direitos Humanos. A formação política deve estar pautada numa perspectiva emancipatória e transformadora dos sujeitos de direitos. Sob esta perspectiva promover-se-á o empoderamento de grupos e indivíduos, situados à margem de processos decisórios e de construção de direitos, favorecendo a sua organização e participação na sociedade civil. Vale lembrar que estes aspectos tornam-se possíveis por meio do diálogo e aproximações entre sujeitos biopsicossociais, históricos e culturais 115 diferentes, bem como destes em suas relações com o Estado. Uma formação ética, critica e política (in)forma os sentidos da EDH na sua aspiração de ser parte fundamental da formação de sujeitos e grupos de direitos, requisito básico para a construção de uma sociedade que articule dialeticamente igualdade e diferença. Como afirma Candau: ‘Hoje não se pode mais pensar na afirmação dos Direitos Humanos a partir de uma concepção de igualdade que não incorpore o tema do reconhecimento das diferenças, o que supõe lutar contra todas as formas de preconceito e discriminação’. 2.1 Princípios da Educação em Direitos Humanos A Educação em Direitos Humanos, com finalidade de promover a educação para a mudança e a transformação social, fundamenta-se nos seguintes princípios: • Dignidade humana: Relacionada a uma concepção de existência humana fundada em direitos. A ideia de dignidade humana assume diferentes conotações em contextos históricos, sociais, políticos e culturais diversos. É, portanto, um princípio em que se devem levar em consideração os diálogos interculturais na efetiva promoção de direitos que garantam às pessoas e grupos viverem de acordo com os seus pressupostos de dignidade. • Igualdade de direitos: O respeito à dignidade humana, devendo existir em 116 • • qualquer tempo e lugar, diz respeito à necessária condição de igualdade na orientação das relações entre os seres humanos. O princípio da igualdade de direitos está ligado, portanto, à ampliação de direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais a todos os cidadãos e cidadãs, com vistas a sua universalidade, sem distinção de cor, credo, nacionalidade, orientação sexual, biopsicossocial e local de moradia. Reconhecimento e valorização das diferenças e das diversidades: Esse princípio se refere ao enfrentamento dos preconceitos e das discriminações, garantindo que diferenças não sejam transformadas em desigualdades. O princípio jurídico-liberal de igualdade de direitos do indivíduo deve ser complementado, então, com os princípios dos direitos humanos da garantia da alteridade entre as pessoas, grupos e coletivos. Dessa forma, igualdade e diferença são valores indissociáveis que podem impulsionar a equidade social. Laicidade do Estado: Esse princípio se constitui em pré-condição para a liberdade de crença garantida pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, e pela Constituição Federal Brasileira de 1988. Respeitando todas as crenças religiosas, assim como as não crenças, o Estado deve manter-se imparcial diante dos conflitos e disputas 117 • • 118 do campo religioso, desde que não atentem contra os direitos fundamentais da pessoa humana, fazendo valer a soberania popular em matéria de política e de cultura. O Estado, portanto, deve assegurar o respeito à diversidade cultural religiosa do País, sem praticar qualquer forma de proselitismo Democracia na educação: Direitos Humanos e democracia alicerçam-se sobre a mesma base - liberdade, igualdade e solidariedade - expressando-se no reconhecimento e na promoção dos direitos civis, políticos, sociais, econômicos, culturais e ambientais. Não há democracia sem respeito aos Direitos Humanos, da mesma forma que a democracia é a garantia de tais direitos. Ambos são processos que se desenvolvem continuamente por meio da participação. No ambiente educacional, a democracia implica na participação de todos/as os/as envolvidos/as no processo educativo. Transversalidade, vivência e globalidade: Os Direitos Humanos se caracterizam pelo seu caráter transversal e, por isso, devem ser trabalhados a partir do diálogo interdisciplinar. Como se trata da construção de valores éticos, a Educação em Direitos Humanos é também fundamentalmente vivencial, sendo-lhe necessária a adoção de estratégias metodológicas que privilegiem a construção prática destes valores. Tendo uma perspectiva de globalidade, deve envolver toda a comunidade escolar: alunos/as, professores/as, funcionários/as, direção, pais/mães e comunidade local. Além disso, no mundo de circulações e comunicações globais, a EDH deve estimular e fortalecer os diálogos entre as perspectivas locais, regionais, nacionais e mundiais das experiências dos/as estudantes. • Sustentabilidade socioambiental: A EDH deve estimular o respeito ao espaço público como bem coletivo e de utilização democrática de todos/as. Nesse sentido, colabora para o entendimento de que a convivência na esfera pública se constitui numa forma de educação para a cidadania, estendendo a dimensão política da educação ao cuidado com o meio ambiente local, regional e global. A EDH, então, deve estar comprometida com o incentivo e promoção de um desenvolvimento sustentável que preserve a diversidade da vida e das culturas, condição para a sobrevivência da humanidade de hoje e das futuras gerações. Ainda que as instituições de educação básica e superior não sejam as únicas instâncias a educar os indivíduos em Direitos Humanos, elas têm como responsabilidade a promoção e legitimação dos seus princípios como norteadores dos laços sociais, éticos e políticos. Isso se faz mediante a formação de 119 sujeitos de direitos, capazes de defender, promover e reivindicar novos direitos. 2.2 Objetivos da Educação em Direitos Humanos Um dos principais objetivos da defesa dos Direitos Humanos é a construção de sociedades que valorizem e desenvolvam condições para a garantia da dignidade humana. Nesse marco, o objetivo da Educação em Direitos Humanos é que a pessoa e/ou grupo social se reconheça como sujeito de direitos, assim como seja capaz de exercê-los e promovê-los ao mesmo tempo em que reconheça e respeite os direitos do outro. A EDH busca também desenvolver a sensibilidade ética nas relações interpessoais, em que cada indivíduo seja capaz de perceber o outro em sua condição humana. Nesse horizonte, a finalidade da Educação em Direitos Humanos é a formação para a vida e para a convivência, no exercício cotidiano dos Direitos Humanos como forma de vida e de organização social, política, econômica e cultural. Esses objetivos orientam o planejamento e o desenvolvimento de diversas ações da Educação em Direitos Humanos, adequando-os às necessidades, às características de seus sujeitos e ao contexto nos quais são efetivados. (BRASIL, 2012a, p. 8-11). No mesmo ano o Conselho Nacional de Educação editou, com base nesse parecer, a Resolução CNE/CP nº 1/2012. Do seu texto cabe aqui destacar: 120 Art. 2º A Educação em Direitos Humanos, um dos eixos fundamentais do direito à educação, refere-se ao uso de concepções e práticas educativas fundadas nos Direitos Humanos e em seus processos de promoção, proteção, defesa e aplicação na vida cotidiana e cidadã de sujeitos de direitos e de responsabilidades individuais e coletivas. § 1º Os Direitos Humanos, internacionalmente reconhecidos como um conjunto de direitos civis, políticos, sociais, econômicos, culturais e ambientais, sejam eles individuais, coletivos, transindividuais ou difusos, referem-se à necessidade de igualdade e de defesa da dignidade humana. […]. Art. 3º A Educação em Direitos Humanos, com a finalidade de promover a educação para a mudança e a transformação social, fundamenta-se nos seguintes princípios: I - dignidade humana; II - igualdade de direitos; III - reconhecimento e valorização das diferenças e das diversidades; IV - laicidade do Estado; V - democracia na educação; VI - transversalidade, vivência e globalidade; e VII - sustentabilidade socioambiental. Art. 4º A Educação em Direitos Humanos como processo sistemático e multidimensional, orientador da formação integral dos sujeitos de direitos, articula-se às seguintes dimensões: 121 I apreensão de conhecimentos historicamente construídos sobre direitos humanos e a sua relação com os contextos internacional, nacional e local; II - afirmação de valores, atitudes e práticas sociais que expressem a cultura dos direitos humanos em todos os espaços da sociedade; III - formação de uma consciência cidadã capaz de se fazer presente em níveis cognitivo, social, cultural e político; IV - desenvolvimento de processos metodológicos participativos e de construção coletiva, utilizando linguagens e materiais didáticos contextualizados; e V - fortalecimento de práticas individuais e sociais que gerem ações e instrumentos em favor da promoção, da proteção e da defesa dos direitos humanos, bem como da reparação das diferentes formas de violação de direitos. Art. 5º A Educação em Direitos Humanos tem como objetivo central a formação para a vida e para a convivência, no exercício cotidiano dos Direitos Humanos como forma de vida e de organização social, política, econômica e cultural nos níveis regionais, nacionais e planetário. […]. Art. 7º A inserção dos conhecimentos concernentes à Educação em Direitos Humanos na organização dos currículos da Educação Básica e da Educação Superior poderá ocorrer das seguintes formas: 122 I - pela transversalidade, por meio de temas relacionados aos Direitos Humanos e tratados interdisciplinarmente; II - como um conteúdo específico de uma das disciplinas já existentes no currículo escolar; III - de maneira mista, ou seja, combinando transversalidade e disciplinaridade. Parágrafo único. Outras formas de inserção da Educação em Direitos Humanos poderão ainda ser admitidas na organização curricular das instituições educativas desde que observadas as especificidades dos níveis e modalidades da Educação Nacional. Art. 8º A Educação em Direitos Humanos deverá orientar a formação inicial e continuada de todos(as) os(as) profissionais da educação, sendo componente curricular obrigatório nos cursos destinados a esses profissionais. Art. 9º A Educação em Direitos Humanos deverá estar presente na formação inicial e continuada de todos(as) os(as) profissionais das diferentes áreas do conhecimento. (BRASIL, 2012b, p. 1-2). A leitura dos documentos transcritos em parte permite perceber três direcionamentos em termos de educação em Direitos Humanos, complementares entre si. Em primeiro lugar a Educação em Direitos Humanos é vista como educação para a cidadania; essa perspectiva aparece dos documentos internacionais e domina amplamente os documentos brasileiros. Em segundo lugar a Educação em Direitos Humanos aparece como espaço de formação obrigatória para todos aqueles 123 que estão se preparando para o exercício da docência; essa exigência aparece expressamente nas diretrizes brasileiras para a Educação em Direitos Humanos, em especial no artigo 8o. Em terceiro lugar aparece a Educação em Direitos Humanos como espaço de formação técnica dos defensores dos Direitos Humanos 19 e demais operadores do Direito, bem como para todos aqueles que integram os diversos sistemas de justiça e de segurança. Essa perspectiva – que inclui formação técnica específica –, da forma em que aparece nos documentos nacionais, está muito mais preocupada com os sistemas de segurança do que com os sistemas de justiça; ou seja, não apresenta uma maior preocupação com a formação específica dos operadores do Direito. Entretanto, essa preocupação está presente de forma expressa nos documentos das Nações Unidas; segundo eles ela deve abarcar os conhecimentos e as técnicas, ou seja, é necessário que esse processo de ensino aprendizagem permita conhecer quais são os direitos humanos existentes e dominar os mecanismos para sua proteção, bem como adquirir a capacidade de aplicá-los no dia a dia. 19 Segundo a Declaração dos Defensores de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU): um defensor de Direitos Humanos é qualquer pessoa que, individualmente ou com outros, atue na promoção ou proteção dos Direitos Humanos. Os defensores de Direitos Humanos são mais identificados por suas ações e pelo contexto de seus trabalhos do que por um conceito específico. Assim, podem ser pessoas tanto do âmbito governamental como não governamental que trabalhem na promoção ou defesa desses direitos. Por exemplo, ativistas de ONGs, advogados, juízes, promotores, defensores públicos e professores. Mais informações: <http://www.ohchr.org/EN/Issues/SRHRDefenders/Pages/Defender.aspx>. 124 3. A educação em direitos humanos no sistema educacional formal: educação para a cidadania e formação docente A Educação em Direitos Humanos não-formal é a que envolve as ações e práticas educativas, fora dos espaços formais dos sistemas oficiais de ensino, voltadas à sensibilização da coletividade sobre as questões que envolvem Direitos Humanos e à sua organização e participação na defesa dos direitos de todos os seres humanos. Nesse contexto ganham importância as Organizações Não-Governamentais (ONGs), movimentos sociais, empresas e os meios de comunicação. Já a Educação em Direitos Humanos no ensino formal – privilegiada neste artigo é aquela que ocorre nas escolas, colégios, faculdades, universidades e locais de ensino de forma geral, em todos os níveis. Ou seja, a educação formal se exterioriza em instituições específicas, de uma forma propositada e com os objetivos e planos educacionais determinados. Sabe-se que a educação formal em Direitos Humanos, realizada obrigatoriamente na escola, não é suficiente para sozinha construir uma sociedade cidadã, mas seguramente é uma das condições necessárias para tanto. É comum afirmarmos que os Direitos Humanos são inerentes a todos os seres humanos e que são universais. Essa afirmação está estruturada, pelo menos em parte, em uma falácia naturalista e essencialista. É importante que fique claro que os Direitos Humanos são históricos e não naturais; foram e são construídos e conquistados pelos seres humanos nas suas relações intersubjetivas e nas suas lutas contra a opressão, a exploração e a 125 discriminação. E apenas podem ser vistos como universais no sentido de que entendemos, enquanto comunidade humana, que todos devem possuí-los, e não no sentido de que todos os possuem efetivamente. Também é necessário, nesse aspecto, entender que atribuir-lhes a universalidade não significa que o sentido a eles atribuído é o mesmo em todo tempo e espaço; os direitos humanos estão sempre situados em um determinado espaço-tempo. Além de um tempo e espaço determinados, este sujeito concreto e singular precisa ser considerado dentro de uma cultura específica. Ou seja, se os direitos humanos são sociais, históricos e culturais, construídos de forma permanente pela humanidade em suas relações; a ideia de haver um fundamento absoluto para os direitos humanos ou para a dignidade humana é contraditória. Sustentar que existe um fundamento absoluto para os direitos humanos fortalece a imposição de um determinado discurso hegemônico (e perigoso) sobre os direitos humanos, a imposição de uma possibilidade única, inquestionável. E mesmo que existisse tal fundamento, não há como, cientificamente, provarmos a sua existência: o essencialismo envolve esse duplo problema: (a) não há como saber se há uma essência; e (b) mesmo que ela exista, não há como saber se efetivamente a conhecemos. Essa situação se aplica integralmente à ideia de Direitos Humanos inerentes e universais, decorrentes de uma pretensa natureza humana – ou essência humana 20. Sobre essa questão ver: GRUBBA, Leilane Serratine. O problema do essencialismo no Direito: inerentismo e universalismo como pressupostos das 20 teorias que sustentam o discurso das Nações Unidas sobre os direitos humanos. 126 Debate também interessante nesse âmbito é se os Direitos Humanos são propriamente Direito, no sentido estrito do termo, e, portanto, apenas existem quando positivados no âmbito da legalidade, estando presentes no direito positivo estatal, ou se são pretensões éticas, colocadas acima do direito positivo estatal, e que devem ser consideradas independentemente de estarem ou não nele contidas. De qualquer forma, sendo Direito ou sendo um Código Moral, os Direitos Humanos são históricos e não dados da natureza; e são dever ser e não ser. Tanto o Direito quanto a Moral são construções históricas; e ambos se caracterizam por serem normas e não fatos. Adotada essa perspectiva sobre a historicidade dos Direitos Humanos, vemos a Educação em Direitos Humanos, em seu sentido amplo, como o conjunto de ações e práticas educativas – formais e não formais – voltadas à conscientização da sociedade sobre as questões relativas aos Direitos Humanos e à sua organização e participação na defesa dos direitos de todos os humanos. Adotado esse conceito, ela inclui tanto a educação formal, no âmbito dos diversos sistemas de ensino, quanto a educação não-formal, nos âmbitos público e privado. É preciso também deixar claro que nesse sentido a Educação em Direitos Humanos envolve também a sustentabilidade socioambiental. O meio ambiente é uma rede de seres, um ciclo de nascimentos, desenvolvimentos e mortes. É no meio ambiente que se encontram todas as formas de vida 2015. Tese (Doutorado) – Curso de Pós-Graduação em Direito, UFSC, Florianópolis, 2015. 127 coexistindo de forma interdependente. É nele que também se situa a espécie humana, que é única, embora dividida em grupos que possuem suas próprias trajetórias, histórias e culturas. Toda essa rede, formada de várias partes, deve prosseguir normalmente o seu curso, respeitando um desenvolvimento sustentável. Segundo Carbonari (2014, p. 89-90), a Educação em Direitos Humanos coloca a necessidade de uma nova pedagogia, que deve constituir-se como: a) construção de participação, visto que os processos educativos se dão na presença da alteridade e remetem para a intervenção e a incidência relacionais em graus diversos de complexidade (grupo, movimento, sociedade, Estado, comunidade internacional), o que exige a construção de posturas e posições plurais capazes de escapar tanto da massificação quanto dos esquematismos privatistas e individualistas; b) compreensão dos dissensos e dos conflitos, inerentes à convivência humana, e a construção de mediações adequadas à sua resolução mediante a implementação de acordos, alianças e parcerias – não para suprimi-los ou escamoteá-los, mas para que não redundem em violência; c) abertura para o mundo, como compromisso concreto com os contextos nos quais se dão os processos educativos, desenvolvendo a sensibilidade e a capacidade de leitura da realidade e a consequente inserção responsável – os rumores do mundo não serão encarados como ruídos estridentes que dão vazão à indiferença; antes, serão 128 desafios a novas práticas –, o que significa dizer que a educação em direitos humanos forma sujeitos cooperativos com a efetivação de condições históricas para realizar amplamente todos os direitos humanos de todas as pessoas e resistentes (intransigentes) a todas as formas e meios que insistem em inviabilizá-los e violá-los. Esse enfoque – de Educação em Direitos Humanos como educação para a cidadania – caminha no sentido de propiciar a homens e mulheres uma formação capaz de torna-los realmente humanos, em convívio harmonioso com os seus semelhantes. Nesses termos, tratando-se de educação, os embasamentos teóricos e os aspectos metodológicos devem proporcionar a interação de todas as dimensões do ser humano: biológica, psicológica, cultural, social e afetiva. Os Direitos Humanos ingressam, nessa perspectiva educacional, muito mais como compromissos éticos – um código moral mínimo – da humanidade consigo mesma do que propriamente como direitos em sentido técnico. 3.1. A Educação em Direitos Humanos no ensino formal: protagonismo do aluno Esse processo educacional também precisa ser participativo. Pode-se afirmar que a participação é um dos componentes mais importantes da cidadania. E deve ser uma participação consciente e esclarecida. O cidadão deve saber que 129 está participando de uma situação e querer dela participar. Para isso é necessário que sejam criados espaços e mecanismos que a permitam e a estimulem, além na imperiosa preparação para a participação, preparação essa que deve ser realizada durante todo o processo de ensino-aprendizagem. Uma visão emancipatória da educação considera o aluno como sujeito do processo de ensino-aprendizagem, e não mero objeto. Sendo assim, para uma Educação em Direitos Humanos o professor deve levar em conta as realidades históricas, sociais, psicológicas e culturais de seus alunos. Ou seja, sua metodologia deve levar em consideração o grupo de alunos que estará trabalhando, seu objetivo deve ser criar condições para que este grupo aprenda por si mesmo o conteúdo lecionado. A dificuldade que se coloca aqui é que os métodos de ensino são escolhas que os professores e/ou suas escolas/universidades, mais ou menos conscientes, fazem ao estabelecerem as leituras, as atividades de sala e as avaliações. Se você espera que seus alunos se tornem cidadãos críticos, ativos e defensores dos direitos humanos fora da sala de aula, torna-se imprescindível que eles possam exercitar e treinar isso dentro da sala de aula. Assim, uma aula que sempre é transmissiva, onde os alunos são sempre receptores passivos de conteúdo, onde há uma separação clara de quem sabe e quem não sabe nada, dificilmente criará condições emancipatórias e democráticas de aprendizagem. As experiências com metodologias participativas no Brasil são ainda incipientes. No entanto, acreditamos que essas metodologias devem ter seu espaço ampliado na educação formal, 130 tanto na formação do cidadão, como na formação do professor e do jurista. Existem alguns métodos de ensino que superam o tradicional e possibilitam aos alunos um protagonismo no processo ensino-aprendizagem. O dialogo socrático é um deles e basicamente sustenta que as dúvidas dos alunos devem ser respondidas sempre com novas perguntas fazendo com que eles ativamente busquem uma estrutura própria de raciocínio, sem ter uma resposta pronta e acabada. Outra forma é o método de solução de problemas (de inspiração anglo-americana) onde a partir de uma situação concreta os estudantes pensam em inúmeras soluções para um problema relacionado a direitos humanos em análise, ponderando os prós e contras para os envolvidos. Este método contribui para aproximar os estudantes de situações conhecidas e, assim, poderem verificar a utilidade deste conhecimento para a solução de problemas reais. Uma estratégia eficaz de aprendizagem é colocar o aluno em um papel a desempenhar onde terá que buscar alguns caminhos possíveis para solucionar a questão apresentada. Isso é possível nos métodos de role play ou simulação. A diferença entre eles é que no primeiro o objetivo é destacar a importância de cada papel específico na situação (numa relação de violência na escola – os pais, os professores, a escola, o Juizado da Infância, a polícia e etc.). Já no segundo, é ressaltar a interação entre os papéis relacionados e como devemos agir numa situação dessas em relação aos outros interlocutores. No primeiro é possível trabalhar com apenas um 131 papel, já no segundo é necessário a interação entre vários papéis ao mesmo tempo. Esses são alguns exemplos de métodos de ensino que podem ser utilizados em sala de aula para possibilitar uma metodologia participativa. Existem outras formas, como os seminários e método do caso, que podem e devem ser utilizadas conforme as condições estruturais, sociais, econômicas e culturais envolvidas. O mais importante é aproximar primeiramente os alunos de suas realidades para que encontrem na aprendizagem uma relação direta com as sociedades que conhecem para então, a partir de um exercício de alteridade, compreenderem a universalidade dos direitos humanos a fim de possibilitar a defesa dos direitos de indivíduos e sociedades também desconhecidos. 3.2. A Educação em Direitos Humanos no ensino formal: interdisciplinaridade e transversalidade Em seu sentido amplo a Educação em Direitos Humanos é obrigatória, em todos os níveis de ensino. É vista como tema transversal e objeto do processo de educação continuada. Deve estar presente na educação básica (ensino infantil, fundamental e médio) e na educação superior (graduação e pós-graduação). E também deve ocorrer fora dos espaços educacionais formais. A Educação em Direitos Humanos, em sua versão formal, deve ser trabalhada desde os primórdios na vida escolar dos estudantes, através de um processo educativo ativo e atuante, em uma escola aberta e participativa, onde as atividades desenvolvidas permitam a assimilação da verdadeira cidadania, de valores 132 duradouros. Por isso exige novas estratégias, diversas das utilizadas na educação tradicional, que não tem conseguido atingir esse objetivo. Deve haver, no âmbito desse processo de ensinoaprendizagem, o reconhecimento da pluralidade de valores e de culturas existentes no planeta e, acima de tudo, a consideração de todas elas e a não discriminação de nenhuma delas. Nesse sentido, o professor deve valorizar as manifestações culturais locais e regionais trazidas pelos seus alunos. O professor deve respeitar essas tradições, costumes e aprendizados vindos do espaço-tempo de cada educando, não importando suas diferenças, como raça, cor e sexo. As diretrizes brasileiras sobre a Educação em Direitos Humanos incluem tanto a alternativa da transversalidade quanto a alternativa da disciplinaridade. Nesse contexto, torna-se importante entender o que significam esses conceitos, bem como o que são multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade. A multidisciplinaridade é, no campo do ensino, a organização de conteúdos, matérias e disciplinas de forma independente, não sendo visíveis as relações entre elas. Na pesquisa, ela surge quando se recorre a disciplinas diversas para conhecer o que cada uma delas tem a dizer sobre um mesmo objeto. Ou seja, a multidisciplinaridade indica a necessidade de conhecer os diferentes conceitos de um mesmo objeto segundo diferentes disciplinas. Mas não indica nenhuma preocupação de integração de seus pontos comuns, articulando as perspectivas das diversas disciplinas. 133 Já a interdisciplinaridade tem o papel de superar essa fragmentação do conhecimento, permitindo que ele se relacione com a realidade, com as dificuldades e problemas efetivos. Tratase do intercâmbio entre disciplinas, o diálogo entre elas com o objetivo principal de aproximação à realidade. A visão interdisciplinar reconhece, de um lado, os limites do sujeito que busca construir o conhecimento de uma determinada realidade e, de outro, a diversidade e pluralidade dessa realidade. A transdisciplinaridade já possui um conceito mais amplo que a multi e a interdisciplinaridade. Ela busca produzir uma compreensão nova da realidade, para além das disciplinas especializadas: uma compreensão que considera a complexidade. Ela busca fazer emergir, da confrontação das disciplinas, novos dados que as articulam entre si, oferecendo uma nova visão sobre o objeto estudado. Nesse sentido, a transdisciplinariedade não busca dominar as disciplinas, mas proporcionar a abertura de todas elas ao que as atravessa e as ultrapassa. A transdisciplinaridade, no âmbito da educação, deve permitir enxergar a complexidade, estabelecendo limites entre o comprometimento e a individualidade de cada disciplina, já que estas ao se comunicarem não podem perder a sua identidade. A diferença entre a inter e a transdisciplinaridade é que a transdisciplinaridade não se resume na colaboração das disciplinas entre si, mas sim na construção de um pensamento complexo organizador, que vai além dessas disciplinas. Já na interdisciplinaridade o que se efetua é uma permuta de conhecimentos, sendo, portanto, em tese, menos integradora – mas mais realista – que a transdisciplinaridade. 134 A perspectiva de que a Educação em Direitos Humanos seja contínua está expressa nas suas diretrizes brasileiras, definidas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). Por contínua devemos entender que tem de perpassar toda a educação formal, iniciando na educação infantil, passando pelos ensinos fundamental e médio e se mantendo na educação superior, da graduação à pós-graduação. Além de contínua deve ser permanente, ou seja, não deve ser interrompida. Entendemos que deve ser ela também integrada, o que implica que a Educação em Direitos Humanos não deve ser vista como um conteúdo a ser trabalho em separado, mas sim sistemicamente integrado no processo educacional como um todo. A ideia de tema transversal vem exatamente atender aos princípios e exigências traçados para a Educação em Direitos Humanos. A sua adoção sob a forma de eixo transversal, no contexto do projeto pedagógico de cada curso, possibilita a discussão e análise dos Direitos Humanos em diferentes áreas do conhecimento – nesse sentido implica a adoção de uma visão sistêmica, possibilitando discussões e práticas que congreguem diferentes saberes, transcendendo as noções de disciplina, matéria e área. Para que seja possível realizar, de forma efetiva, a transversalidade, a Educação em Direitos Humanos deve adotar o planejamento em rede, pois a presença dos Direitos Humanos em todos os espaços curriculares, pressupõe um trabalho coordenado e articulado. Uma forma bastante efetiva de realizá-lo é adoção da metodologia do projeto, sendo o projeto centrado no estudo e solução de um problema local ou regional. Essa metodologia 135 permite integrar os diversos saberes e possibilita um trabalho não apenas teórico, mas voltado a uma realidade concreta e próxima. O mais forte objetivo da Educação em Direitos Humanos parece ser a construção de uma sociedade em que todas as pessoas compartilhem determinados valores e práticas considerando-os como direitos e deveres de todos para com todos – que os Direitos Humanos constituam um código moral mínimo comum da humanidade. Dessa forma, os que buscam os documentos que tratam no tema – no plano das Nações Unidas e no plano interno do nosso país – é que seja construída uma nova consciência, através da Educação em Direitos Humanos, que seja ao mesmo tempo afetiva e racional, contagiante e eficaz, e que permita reverter o quadro de desamor que se percebe disseminado por todo o planeta. E isso implica reconhecermos e aceitarmos que somos iguais em direitos e pertencentes à mesma espécie, mas diferentes em nossos valores e em nossa carga genética. Com tudo isso, defendemos que a Educação em Direitos Humanos deve ser participativa, emancipatória, comunitária, criativa e deve valorizar a participação ativa. Deve ser educação crítica da realidade vivenciada, conscientizadora. Deve ser transformadora de valores e atitudes através da construção de novos hábitos e conhecimentos: um código moral que perceba todas as relações como integradas dentro de uma realidade social e natural de interdependência, na qual é necessário buscar o equilíbrio local e global como única forma de obtenção da melhoria da qualidade de vida para todos em todos os lugares. Nesse sentido, para que se possa falar em Educação em Direitos Humanos é necessário que o processo educacional 136 permita o conhecimento dos problemas humanos e sua pluralidade e interdependência, para que então possamos buscar conjuntamente as melhores soluções respeitando as diferenças axiológicas e culturais, bem como implementar mudanças de comportamento (individual e social) através de processos participativos de esclarecimento e conscientização. Ou seja, em sentido amplo, a função da Educação em Direitos Humanos não é a reprodução/divulgação de conhecimentos, mas sim a formação de uma consciência e de um código moral baseado nos Direitos Humanos. Não é apenas informar sobre quais são os Direitos Humanos, mas essencialmente formar cidadãos conscientes de seus direitos e com habilidades para defendê-los quando violados em si mesmo ou nos outros. Essa perspectiva ampla da Educação em Direitos Humanos – dominante nos documentos oficiais brasileiros – busca disseminar uma cultura de respeito aos Direitos Humanos; e envolve a concepção de que ao conhece-los – e reconhece-los como legítimos – passamos a, de uma lado, respeitar os direitos dos demais seres humanos, e, de outro, passemos a exigir o respeito relativamente aos nossos próprios direitos. Nesse sentido, a Educação em Direitos Humanos visa criar um círculo virtuoso, de efetiva vivência dos direitos de todos os seres humanos. Também busca acabar com o silencio cumplice que permite que pessoas continuem tendo seus direitos desrespeitados em razão do nosso silencio e omissão. A utilização de formas tradicionais de educação – pela criação de disciplinas específicas – para trabalhar temas transversais, tais como cidadania, direitos humanos e meio 137 ambiente, que possuem objetivo formativo e não meramente informativo, não têm dado certo. Entretanto, a mudança da estratégia pedagógica por si só não é solução. É necessário, em especial, um correto planejamento do processo, aliado a uma adequada preparação de todos aqueles que buscam formação para o exercício do magistério, em qualquer nível ou modalidade. 3.3. A Educação em Direitos Humanos e o ensino formal: dos conteúdos à relação professor-aluno Os papéis a serem desempenhados por professores e alunos é o último aspecto que queremos tocar nesta seção do artigo. E sobre ele é necessário dizer, de início, que ao lado da Educação em Direitos Humanos, de caráter formativo da cidadania e, portanto, geral, é necessário pensar a formação específica dos docentes, que deve levar em consideração: a) que não se trata de formar professores de uma disciplina sobre Direitos Humanos, mas sim de formar todos os professores para que, em sua atividade docente, saibam como trabalhar os Direitos Humanos, tema transversal que atravessará todo o processo educacional; b) que a formação docente implica, necessariamente, a aquisição dos conteúdos e habilidades necessários para trabalhar o tema Direitos Humanos e métodos de ensino participativo; e 138 c) que a formação em Direitos Humanos deve atingir a preparação de docentes para todos os níveis e modalidades de educação, devendo ser realizada em todos os cursos de licenciatura e em todos os programas de pós-graduação, o que inclusive está expressamente previsto nas Diretrizes estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação em seu artigo 8º. d) que a formação em Direitos Humanos seja permanente, ou seja, que haja formação continuada para todos os professores que estão em sala de aula. A escola deve permitir a efetivação do ensinoaprendizagem voltado aos Direitos Humanos, não somente em termos de conteúdos e conceitos, mas com a formação de valores e atitudes. E esse é o grande desafio, ou seja, só haverá a aprendizagem de comportamentos conscientes e adequados em matéria de Direitos Humanos com o exercício da prática no dia a dia. E esse tipo de educação exige um professor adequadamente preparado. Sabemos que pelas próprias características das questões que envolvem Direitos Humanos – com abrangentes áreas, situações e diversidades – não é fácil para o professor delimitar, dentre tantos temas, quais deve priorizar, pois é impossível trabalhar todos. Daí a importância da delimitação do objeto a ser trabalhado em sala de aula – já que fora o aluno pode buscar 139 informações adicionais – e da sua ligação com a realidade que cerca o grupo específico de alunos. Devem ser estudadas questões mais próximas dos alunos, para que eles possam colaborar de forma consciente e atuante. O estudante precisa ser tocado primeiramente com as questões locais, entender o que realmente está acontecendo com os seres humanos que lhe são mais próximos, para adquirir gradativamente o amadurecimento de que as questões da espécie humana em geral – e também as relativas ao meio ambiente – também lhe dizem respeito, pois, mesmo que de forma indireta, atingem ou podem atingir a todos. Um ser humano não é igual a nenhum outro. Cada um tem o seu modo de pensar, de observar, de sentir e de reagir, e o professor deve estar atento para isso, já que as diferenças devem ser respeitadas, cabendo ao educador o processo de mediação e de responsabilização pelos estímulos e pela melhora no entendimento e nas respostas dos alunos. O professor pode ser, de diversas maneiras, responsável, pelo menos em parte, pela mudança no aluno em relação ao modo de pensar e de se conscientizar e de agir em relação aos demais seres humanos. Inclusive de forma exemplar, através do seu próprio comportamento. Tratando-se das matérias escolares, podemos dizer que todas as disciplinas possuem conteúdos que permitem estabelecer links com os Direitos Humanos. É claro que há disciplinas – como aquelas incluídas nas ciências humanas e sociais – que possuem maior aderência, mas as demais não podem ser esquecidas. Todas as disciplinas são importantes no contexto interdisciplinar que a Educação em Direitos Humanos requer. 140 O professor deve trabalhar as questões relativas aos Direitos Humanos com os estudantes, no processo de ensinoaprendizagem, tendo por objetivo o desenvolvimento de uma postura crítica a respeito de informações e comportamentos trazidos não somente das teorias e conteúdos, mas também de casa e da mídia, verdadeiras fontes de informações da vida real, vivenciadas dentro e fora da escola. Importante é que o professor conheça o assunto – deve estar sempre atualizado – e se não o conhecer, que o busque com os auxilio dos seus alunos e de fontes idôneas e aptas a apresentar saídas, ou ao menos capazes de incutir certa curiosidade, curiosidade essa que pode e deve se tornar contínua. Assim, o caminho estará aberto para que ocorra o aprendizado, haverá o interesse e o exercício da pesquisa, permitindo a conscientização relativamente aos direitos de todos os seres humanos. Para que os alunos consigam compreender a sociedade e a natureza em suas complexidades, lhes deve ser oferecida a maior variedade possível de experiências, com uma visão que englobe as diversas realidades naturais e culturais. Deve haver a utilização de metodologias ativas, de forma que o aluno não permaneça somente como mero destinatário da realidade que o cerca, mas sim que desenvolva um pensamento reflexivo, criativo e igualmente crítico, que lhe permita participar de forma concreta da conjuntura da qual faz parte, preocupado não somente consigo mesmo, mas também com a comunidade da qual faz parte. Embora trabalhoso, é muito eficaz, dinâmico e, inclusive, divertido, que professores e alunos organizem campanhas de 141 conscientização para as questões atinentes aos Direitos Humanos. Pode haver o apoio de grupos governamentais e nãogovernamentais, do Estado e da sociedade civil, enfim, de órgãos e entidades envolvidas com a questão específica. É importante que o professor, entendendo que a sociedade e a natureza são compostas de integrações em uma rede de interdependências, com trocas, renovações, vida e morte, possibilite o entendimento do inter-relacionamento entre os direitos e deveres de todos os seres humanos. Assim o aluno poderá participar desse cenário como cidadão, de forma não somente individual, mas coletiva. O professor precisa mostrar aos seus alunos fatores que possam contribuir na defesa dos Direitos Humanos, instigando-os a raciocinar como a sociedade está sendo permanentemente instada ao desamor, muitas vezes não se atendo ao fato de não agirem com responsabilidade e mesmo solidariedade com outros cidadãos, mesmo quando próximos. Os alunos precisam observar e entender o que as ações humanas – não somente as intervenções dos outros, mas também as suas – geram no âmbito das relações sociais. É necessário que eles aprendam a reconhecer que certas formas de pensar e agir não são as mais adequadas na nossa relação com o outro. E critica-las, buscando conscientizarem-se de que certas atitudes podem ser mudadas, reconhecendo a existência que há outras formas de pensar e agir que são mais eficazes na construção de uma sociedade mais justa e pacificada. A Educação em Direitos Humanos almejada é aquela que tenta alcançar e tocar o aluno gradativamente, educando-o para 142 respeitar a sua cultura e a sua comunidade, mas também a diferença e a diversidade que fazem parte da espécie humana, da sociedade planetária e na natureza. Através de um processo educativo atuante, em uma escola aberta e participativa, as atividades desenvolvidas em relação aos Direitos Humanos permitirão a assimilação de valores comuns mínimos, diferentemente do que se tem conseguido por meio da educação tradicional. Um aluno, ou qualquer outro cidadão, estará realmente educado em termos de Direitos Humanos quando ao observar o que se passa em termos locais, regionais, nacionais e planetários, consiga observar e analisar todas as circunstâncias mencionadas do ponto de vista dos direitos de todos os seres humanos, reconhecendo-se parte de uma rede de ações e reações, causas e efeitos, responsáveis pelo curso da história. Quando realmente valorizar os direitos de todos, independente de quem sejam e de onde estejam. Para uma verdadeira conscientização, não basta somente a edição de documentos e leis. De nada serve o belo discurso retórico de defesa dos Direitos Humanos e da necessidade de solidariedade entre cidadãos do planeta se as pessoas não estiverem contagiadas de sentimentos de mudança, colaboração e afetividade. 143 4. A educação em direitos humanos enquanto formação profissional dos operadores jurídicos 4.1. Entre o direito e o desejo de direito: a necessidade de ensinar o direito positivo O direito, como sabemos, é um dever ser, não um ser. Ele estabelece como as pessoas devem comportar-se e relacionar-se, não como elas efetivamente comportam-se e relacionam-se. Isso implica que o fato de um determinado grupo social ou comunidade comportar-se e relacionar-se de uma determinada forma não transforma esse ser em direito. Essa situação faz com que muitas pessoas confundam a forma de agir com a qual possuem concordância valorativa com o direito mesmo; confundam seus desejos de direito com o direito. Também faz com que tenham dificuldade de entender porque algo é direito se ele não existe efetivamente no mundo real; não percebem que o direito é sempre um projeto de ser, não um ser em si mesmo. O Direito a ser ensinado nos Cursos Jurídicos, como ponto de partida, é o direito positivo, o direito que pertence a todos os membros de uma determinada sociedade. O professor não pode negar a existência de um determinado direito porque com ele não concorda; e nem afirmar a existência de um direito inexistente. Utilizar o espaço da sala de aula para fazer proselitismo ideológico, ensinando como Direito o que não passa de mero desejo de Direito, é ato de plena irresponsabilidade; é como se em um curso de Medicina o professor ensinasse anatomia de acordo com suas 144 opiniões e não de acordo com o conhecimento produzido pela ciência. Considerando essa situação o ensino dos Direitos Humanos no âmbito dos Cursos Jurídicos deve incluir, além da educação geral em Direitos Humanos, voltada à formação da cidadania – no caso específico, de um jurista cidadão – necessariamente o estudo da legislação vigente nessa matéria (direitos material e processual), no plano nacional e internacional, bem como o desenvolvimento das habilidades e competências necessárias para que o profissional possa atuar de forma consciente em situações que envolvem Direitos Humanos, independentemente do papel específico que venha a ocupar. Não é aceitável que qualquer ser humano deixe de ter seu direito reconhecido porque o profissional responsável pela sua defesa ou julgamento estava mal preparado tecnicamente. Isso não significa que o professor não possa questionar o Direito vigente, que não possa critica-lo. Pode e deve fazê-lo; pode também apresentar propostas para sua modificação ou substituição. O que ele não pode é ensinar que algo é direito quando não o é – ou quando sobre esse algo pesam dúvidas e não há ainda uma norma legal ou decisão final dos tribunais competentes. Querer afirmar nossos desejos de Direito como se Direito fossem é uma atitude arbitrária e autoritária. É a busca da imposição de nossas escolhas valorativas – nos campos moral, religioso ou ideológico – como se as mesmas estivessem contidas nas escolhas da sociedade através dos canais formalmente e legalmente constituídos. Em toda sociedade convivem diferentes códigos morais; e cada código moral implica em uma determinada 145 ideia de justiça. Ou seja, no campo da moral e da justiça há um relativismo oriundo da sua pluralidade; já no campo do Direito isso não é possível, porque algo não pode ao mesmo tempo ser permitido e ser proibido. A confusão entre códigos jurídicos e códigos morais é o principal motivo de busca de atribuir validade ao direito com base em seu conteúdo. E atribuir validade ao direito com base em seu conteúdo valorativo – e não em sua forma – é um problema: em toda sociedade há uma pluralidade de valores coexistentes, mas só há a possibilidade de um direito vigente. Há um pluralismo moral; mas é necessário que o direito seja apenas um e aplicável a todos. Se cada grupo social ou comunidade desejar impor o seu código moral à sociedade toda, como se direito fosse, teremos a negação da possibilidade de convivência e coexistência das diferenças – e na ausência dessa possibilidade fenece o Estado Democrático de Direito. 4.2. Para quê o ensino dos direitos humanos em cursos jurídicos? Acreditamos que uma educação em direitos humanos tem, pelo menos, três propósitos: a) informar e dar conhecimento sobre os direitos que historicamente foram construídos e denominados como direitos humanos, que são os direitos que toda pessoa deve ter para viver uma vida com qualidade, sem opressão, exclusão e discriminação; b) formar futuros defensores de direitos humanos que serão os protagonistas das mudanças estruturais 146 necessárias; e, c) aprofundar e reciclar o conhecimento específico sobre esses direitos para atuais defensores de direitos humanos. O primeiro desses propósitos é fazer com que todas as pessoas se reconheçam como sujeitos de direito. O segundo é preparar tecnicamente aquelas pessoas que desejam ser protagonistas no processo de garantia e ampliação dos Direitos Humanos. E o terceiro é garantir a aquelas pessoas que já trabalham com Direitos Humanos uma formação continuada. Nesse contexto podemos pensar, de um lado, a Educação em Direitos Humanos no plano das políticas públicas voltadas à formação para a cidadania, e, de outro, no ensino dos Direitos Humanos nos Cursos de Direito. Na segunda situação, ensinar Direitos Humanos implica também preparar, de forma adequada, profissionais para atuarem tecnicamente e não apenas para serem cidadãos conscientes dos seus direitos e dos direitos dos demais membros da sociedade. Na área jurídica especificamente, o estudo dos direitos humanos parecer ter ainda outra finalidade, que vai além da questão dos valores de cidadania e justiça. O ensino desses direitos é direcionado ao estudo de princípios, leis, declarações e tratados que, como base normativa, expressam historicamente a construção desses direitos e a forma instrumental de protegê-los. Espera-se que profissionais da área jurídica adquiram, durante sua formação, habilidades e conhecimentos suficientes para garantir e defender os direitos das pessoas, independente da profissão jurídica pela qual 147 optem, como juízes, promotores, defensores públicos, advogados. (LAPA, 2014, p. 16). Há diferença entre a Educação em Direitos Humanos, enquanto política pública de formação da cidadania, e o ensino dos Direitos Humanos para atores específicos – no caso os operadores do Direito – que estarão encarregados de instrumentalizar demandas específicas através das quais buscarão garantir, de forma efetiva, os Direitos Humanos de uma determinada pessoa ou grupo de pessoas. A necessidade de conciliar a formação cidadã – a educação em Direitos Humanos – com a formação técnica – o ensino dos Direitos Humanos nos Cursos Jurídicos – parece ser a questão central a ser enfrentada quando se pensa da preparação profissional dos operadores do Direito. As Diretrizes Nacionais, como foi visto acima, ressaltam a importância do ensino transdisciplinar dos direitos humanos. No entanto, no caso da formação dos operadores do Direito existe a necessidade de uma aprendizagem específica dos Direitos Humanos que permita aos futuros profissionais habilidades técnicas de defesa desses direitos. Esta disciplina específica obrigatória é importante para que haja o estudo da legislação nacional e internacional sobre os Direitos Humanos, assim como os possíveis mecanismos jurídicos para sua defesa. Uma disciplina específica pode ser eficaz (como existe na maioria dos cursos jurídicos atualmente), mas se estiver desconectada da abordagem dada pelas outras disciplinas, a aprendizagem em Direitos Humanos como um todo ficará 148 bastante prejudicada. Sendo assim, torna-se fundamental que todos os professores do curso tenham uma formação sobre os Direitos Humanos para que possam relacionar esta temática em seus conteúdos específicos. Para além disso, outros espaços fora da sala de aula devem ser criados para complementarem essa formação. Atividades de pesquisa e extensão com enfoque em Direitos Humanos devem ser incentivadas na formação dos operadores do Direito, a fim de que estes possam utilizar esse conhecimento como um instrumento para a transformação das sociedades em que vivem. 4.3. Uma alternativa pedagógica: as Clínicas de Direitos Humanos As Clínicas de Direitos Humanos podem ser um espaço nos cursos de Direito que possibilita aos futuros juristas uma aprendizagem dos Direitos Humanos que contempla tanto uma formação cidadã como o desenvolvimento de habilidades e competências técnicas para atuarem na defesa dos Direitos Humanos. O diferencial de uma educação jurídica clínica está mais na forma de sua aprendizagem, do que em seu conteúdo. Ou seja, através da integração simultânea de atividades de ensino, pesquisa e extensão, com uma abordagem interdisciplinar e, ainda, articulando a teoria com a prática, os estudantes têm a oportunidade de compreenderem os possíveis impactos reais do que aprendem na universidade. 149 Já defendemos em outro momento que uma Clínica de Direitos Humanos deveria atender, pelo menos, sete pressupostos: 1) compromisso com a Justiça Social; 2) metodologia participativa; 3) articulação da teoria com a prática dos direitos humanos; 4) integração das atividades de ensino, pesquisa e extensão; 5) enfoque interdisciplinar; 6) institucionalização formal e reconhecimento na Universidade; 7) público-alvo universitário. (LAPA, 2014, p. 115-116). Uma educação jurídica clínica que contemple, pelo menos, esses eixos orientadores terá como alguns pontos fortes: a) metodologia participativa que centra a aprendizagem nos estudantes; b) a aplicação do Direito de forma criativa fortalecendo a autoestima dos participantes; c) o desenvolvimento das capacidades cognitivas, e também as afetivas e emocionais; d) aprendizagem de habilidades para intervenções judiciais, mas especialmente, extrajudiciais; e) parceria constante com organizações da sociedade civil; f) enfoque interdisciplinar; e, g) consideração das relações conjunturais sociais, políticas, econômicas e culturais. O objetivo principal deste espaço é promover a educação em direitos humanos para acadêmicos, professores, ativistas ou profissionais do Direito por meio de grupos de estudos, projetos de pesquisa e extensão, advocacy, intervenção judicial e extrajudicial sobre casos de interesse público, litígio estratégico, participação em 150 simulados internacionais e nacionais, realização de eventos acadêmicos, etc. Para alcançar esses objetivos, conta com a participação de alunos, professores e funcionários da universidade, assim como diversos colaboradores e parceiros, tanto governamentais como não governamentais. As clínicas de Direitos Humanos são eficazes para a formação de um novo tipo de profissional do Direito cuja demanda tem crescido nas últimas décadas: o defensor jurídico de direitos humanos. Atualmente existem diversos espaços que precisam ser ocupados com juristas qualificados na área dos Direitos Humanos, tanto em órgãos públicos (defensores públicos, juízes, procuradores, promotores, etc.) quanto em órgãos privados (advogados, militantes de ONGs, defensores dativos, etc.). Os estudantes de Direito, quando terminam seus estudos, precisam estar tecnicamente preparados para defender, além de seus direitos, os direitos de outras pessoas e grupos. Os estudantes possuem dentro das clínicas de Direitos Humanos uma oportunidade durante a graduação e/ou pósgraduação para desenvolver atividades de pesquisa (buscando novos conhecimentos e soluções para problemas), de ensino (formação teórica em Direitos Humanos) e de extensão (análise/atendimento de problemas reais ou hipotéticos de suas comunidades) (LAPA, 2014, p. 143). Com isso, podem aprender a pensar estrategicamente em possíveis soluções, judiciais ou extrajudiciais, para problemas de Direitos Humanos que afetam suas sociedades. Para os estudantes de Direito, participar de clínicas de Direitos Humanos durante a graduação pode trazer inúmeros 151 benefícios. Primeiro, eles aprendem que o Direito pode ser um meio para mudanças sociais e não é um fim em si mesmo. E, adicionalmente, adquirem habilidades de advocacia em geral e que também podem ser utilizadas para a advocacia em Direitos Humanos, ou seja, é importante destacar que essas habilidades são úteis não apenas para a advocacia em Direitos Humanos, mas sim, para qualquer profissão jurídica. A opção pela utilização das clínicas, embora mais indicada para Cursos de Direito, pode também ocorrer em outros cursos voltados a formação de agentes públicos, e mesmo em alguns cursos de formação de profissionais para a iniciativa privada. Nesse sentido, talvez o seu melhor aproveitamento ocorra em clínicas interdisciplinares, envolvendo estudantes e professores de diferentes áreas. Não devemos esquecer que se de um lado a formação de defensores jurídicos dos Direitos Humanos é um objetivo fundamental dessas clínicas, há também a necessidade de formar agentes políticos de defesa dos Direitos Humanos; inclusive porque o avanço nessa matéria se dará de forma cada mais efetiva na medida em que o respeito a esses direitos decorra de um processo de convencimento coletivo e não mais do ajuizamento de ações e busca de decisões judiciais. As clínicas trazem consigo uma opção pela utilização das metodologias ativas. Nesse sentido, são um espaço privilegiado para os estudos de caso e para a aprendizagem baseada em problemas, assim como para os métodos de ensino participativo já 152 apresentados. 21 Permitem que a busca do conhecimento seja realizada com objetivos de aplicação em situações reais ou simuladas, possibilitando um processo de ensino-aprendizagem no qual haja um efetivo diálogo entre teoria e prática. 5. Considerações finais Ao finalizar este artigo podemos afirmar, com base nos documentos oficiais das Nações Unidas e do Estado Brasileiro, bem como nos textos escritos sobre o tema que foram consultados, que a Educação em Direitos Humanos é concebida principalmente como educação para a cidadania. Dessa orientação presente tanto nos documentos oficiais quanto da produção intelectual sobre o tema, restam abandonados dois outros aspectos desse tema, que mereceriam um melhor tratamento: a formação em Direitos Humanos dos profissionais da educação e a formação em Direitos Humanos (formação técnica, incluindo os direitos material e processual) dos profissionais da área jurídica. Sendo a Educação em Direitos Humanos obrigatória em todo o sistema educacional formal, necessário é preparar todos os que trabalham nesse sistema (professores, coordenadores, supervisores, diretores, etc.) para o fazê-la. Nesse sentido, todos os cursos de licenciatura (formação de docentes da educação básica) 21 Sobre a aprendizagem baseada em problemas ver: RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Popper e o processo de ensino-aprendizagem pela resolução de problemas. Revista Direito GV, São Paulo, FGV, v. 6, n.1, jan.-jun. 2010, p.39-57. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S1808-24322010000100003 153 e de pós-graduação (formação dos docentes da educação superior) deveriam oferecer conteúdos e metodologias específicas para esse tema; mas não é o que ocorre. De outro lado, sendo os sistemas de justiça e de segurança espaços privilegiados onde ocorre o desrespeito aos Direitos Humanos, é fundamental formar adequadamente os profissionais do Direitos para atuarem em defesa desses direitos, de forma plena e adequada; essa é outra lacuna a ser suprida, tendo em vista que, regra geral, não há nos Cursos de Direito uma preparação específica para essa atuação. Em resumo: os documentos oficiais e aqueles que se ocupam do tema da Educação em Direitos Humanos acertam em vê-la como uma educação para a cidadania, mas falham ao não darem o tratamento adequado à questão da formação dos profissionais da educação e dos profissionais do Direito. Não haverá Educação em Direitos Humanos sem educadores devidamente preparados; e não haverá efetividade dos Direitos Humanos sem profissionais dos Direitos devidamente formados. 6. Referências BRASIL. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH-2). Brasília: Secretaria Especial de Direitos Humanos, Ministério da Educação, Ministério da Justiça, UNESCO, 2006. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/dados/pp/edh/br/pnedh2/pnedh_2.pdf > Acesso em 7 abr. 2015. 154 BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos. Parecer. CNE/CP, 2012a. Disponível em: <http://www.sdh.gov.br/assuntos/direito-paratodos/pdf/ParecerhomologadoDiretrizesNacionaisEDH.pdf> Acesso em: 7 abr. 2015 BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos. Resolução. CNE/CP, 2012b. 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In: RODRIGUES, Horácio Wanderlei; DERANI, Cristiane (org.). Educação ambiental. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2011. p 61-108. Disponível em: http://funjab.ufsc.br/wp/?pageid=1819Acesso em: 18 abr. 2018. RODRIGUES, Horácio Wanderlei; LAPA, Fernanda Brandão. Educação em Direitos Humanos: marcos legais e (in)efetividade. Revista Direitos Sociais e Políticas Públicas (UNIFAFIBE), v. 4, n. 2, 2016. p. 181-226. Disponível em: http://unifafibe.com.br/revista/index.php/direitos-sociaispoliticas-pub/article/view/158Acesso em: 18 abr. 2018. 161 O MODUS OPERANDI DA DITADURA MILITAR E A SEGURANÇA NACIONAL THE MODUS OPERANDI OF THE MILITARY DICTATORSHIP AND THE NATIONAL SECURITY Paulo Velten 22 Brunela Vieira de Vincenzi 23 Resumo: Objetiva-se com o presente artigo tratar, a partir do contexto histórico do Golpe Militar de 1964, de como a doutrina da Segurança Nacional influenciou e continua influenciando o comportamento do Poder Judiciário Brasileiro, suas implicações jurídicas e sociais.Ademais, a análise da doutrina da segurança nacional, baseada na doutrina norte-americana de segurança nacional, é um ponto relevante para o diagnóstico do estado atual da violência no Brasil.Dessa forma, é importante descortinar no Brasil a prática judiciária e legislativa durante a ditadura civil22 Professor da Ufes – Universidade Federal do Espírito Santo, Coordenador do Curso de Aperfeiçoamento de Educação em Direitos Humanos. Me. Em Políticas Públicas e Processo. Doutorando na UNESA. 23 Professora da Ufes – Universidade Federal do Espirito Santo, Doutora em Direito Civil, Constitucional e Filosofia do Direito pela Johann Wolfgang Goethe Universität - Frankfurt amMain (2007). Estágio de Pós-Doutorado no Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo e no InstitutfürSozialforschung em Frankfurt amMain, na Alemanha (2009-2010). Atuou entre 1998 e 2009 como advogada no Brasil, em São Paulo; e de 2010 a dezembro de 2012 como Advogada Europeia na Alemanha. Parecerista da Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD). PósDouramento em andamento no Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Espírito Santo – UFES. 162 militar o que vai servir para as gerações futuras a identifica-las, refutá-las, para que se tenha uma história contada democraticamente. Palavras-chaves: Golpe Militar; Doutrina da Segurança Nacional; Poder Judiciário. Abstract: This article aims to debate, from the historical perspective of theMilitary Coup of 1964, how the National Security Doctrine has influenced and continues to influence the behavior of the Brazilian Judiciary System, its legal and social implications.Furthermore, the analysis of the doctrine of national security, based on the American doctrine of national security, is relevant for the diagnosis of the current state of violence in Brazil point.Thus, it is important to uncover in Brazil judicial and legislative practice during civil-military dictatorship which will serve for future generations to identify them, refute them, in order to have a story told democratically. Key-words: Military Coup; National Security Doctrine; Judiciary System. 1. Introdução “É oportuno que o Presidente do Supremo Tribunal Federal, nesta hora tão significativa a Nação, se dirija ao ilustre Chefe de Estado, dizendo-lhe conceitos que, a meu ver, coadunam com o delicado momento. Ressaltarei de início, que a conquista e, portanto, a sobrevivência da democracia se há de fazer, nos momentos de crise, com sacrifício transitório de alguns de seus princípios e garantias constitucionais. 163 Proclamamos que, em verdade, foram os detentores do Governo deposto que, movidos por um propósito vesânico, nos arrastaram para esta situação. A Justiça. Eminente Senhor Presidente, quaisquer que sejam as circunstâncias políticas, não toma partido, não é a favor nem contra, não aplaude nem censura. Mantem-se equidistante, ininfluenciável pelos extremos da paixão política. Permanece estranha aos interesses que ditam os atos excepcionais de governo. Nosso poder de independência há de manter-se impermeável às injustiças do momento, e acima de seus objetivos, quaisquer que se apresentem suas possibilidades de desafio às nossas resistências morais. E continua: Superamos a crise de governo e de autoridade que tendia ao naufrágio das instituições democráticas, fundamento de nossa formação histórica, linha mestra indeclinável de nossa tradição popular e política. E finaliza: Seja, assim, o problema do direito, antes de tudo um problema de vida e de cultura, em suma, o veículo de progresso construtivo desta Nação. E para isso atingirmos, estou certo e confiante, temos, por sorte providencial, à frente do nosso Governo, a grande figura do Presidente Castello Branco, que aqui se encontra, na casa de justiça, no primeiro dia em que vem de sai do Palácio Executivo. Meus cumprimentos”. (Discurso do Ministro Ribeiro da Costa ao cumprimentar Castello Branco no dia 17 de abril de 1964 em visita ao STF) 164 2. Contexto Histórico O golpe civil-militar de 1º de abril de 1964, que este ano completa 50 anos, deve ser analisado a partir de vários eventos simultâneos em todo mundo, dentre os quais, a polarização das forças políticas entre os Estados Unidos da América e União Soviética. A chamada “guerra fria” acabou por se materializar através do tratado de Yalta, que configurou um bloco capitalista que capitaneado pelos EUA, praticava a política econômica liberal juntamente com Japão e Europa Ocidental. De outro lado o bloco comunista que, liderado pela União Soviética, dominou a Europa Oriental. Quanto à América Latina, como citado por Valter Pires Pereira (2005, p.30), a “adesão ao bloco capitalista foi praticamente a única saída” apesar das tentativas de forças políticas de países sulamericanos de se desvencilharem dessa submissão, como nos governos de Velasco Alvarado (1968-1975) no Peru, Salvador Allende (1970-1973) no Chile e Fidel Castro em Cuba. Nesse macro contexto, forjado no Nacionalismo Americano, iniciou-se um programa sistemático de militarização do poder político e da forma de vida na América Latina. Baseado numa retórica alarmista e apocalíptica o liberalismo esse programa “persuadiu milhões de americanos a interpretar seu mundo em termos insidiosos levando-os a estabelecer políticas domésticas e globais que tentavam conter a ameaça comunista”. (PEREIRA, 2005, p.24). Considerando esse contexto histórico, o presente artigo pretende abordar o modo de agir violador de direitos humanos que 165 caracterizou o regime político instituído a partir do golpe de estado de 1o. de abril de 1964 e que perdurou até os idos de 1986, cujos métodos produziram efeitos que se fazem sentir ainda hoje. Esse modus operandi é marcado pela busca da legitimação dos atos ditatoriais através de processos judiciais. Essa tentativa de legitimação dos atos totalitários, via processos judiciais, foi tomando corpo graças à manipulação do conceito de “ameaça da segurança nacional” no ordenamento jurídico pátrio. Outrora relegado às externalidades, passou a ser atribuído a cidadãos nacionais opositores ao regime vigente. Ressalte-se que não somente os assim chamados “comunistas”, mas também cidadãos que não estavam envolvidos na luta política foram perseguidos pelos golpistas. Neste sentido ver a entrevista da professora Angela Moreira 24 a respeito de sua pesquisa sobre a enorme quantidade Habeas Corpus em favor de pequenos comerciantes, que tramitaram junto ao STM que a partir de 1966, quando muitas cidades viviam uma crise de desabastecimento e movimentos de donas de casa requisitavam uma volta à normalidade do abastecimento e uma moralização no oferecimento de serviços. A resposta veio através do Ato Institucional número 2 que deslocou a competência para julgar o crime contra economia popular para a Justiça Militar que até então era da Justiça Comum e, de certa forma, equiparou estes crimes aos crimes contra a ordem social e segurança nacional, levando pequenos comerciantes como padeiros, açougueiros e 24 Disponível em http://oglobo.globo.com/brasil/ditadura-perseguiucomerciantes-julgou-crimes-contra-economia-popular-11891724-. Acesso em 02 abr. 2018. 166 farmacêuticos às prisões por terem se tornado uma “ameaça” contra a política econômica do Regime Militar. Estigmatizado, o Governo João Goulart pretendia reformas de base (agrária e de educação) passou a ser visto como uma “ameaça” comunista. Dá-se o golpe, que através do Ato Institucional Número 1 que autodenominou-se revolução vitoriosa. Entretanto, curiosamente foi preservado o funcionamento do sistema judicial no Brasil, tanto que a justiça eleitoral continuou a funcionar normalmente durante toda a ditadura, tanto na eleição indireta do primeiro presidente, referendado no cargo após a “campanha presidencial de 2 dias previstas no AI 1”, como nas eleições de governadores que se sucederam durante a ditadura. Evidencia-se assim, a disposição do judiciário de aplicar a legislação produzida durante o regime militar, comportamento que perdura mesmo após o fim do referido regime, uma vez que não houve uma depuração do sistema. Mais do que isso, o Judiciário foi testemunha ocular e presencial do golpe, conforme pode-se verificar no relatório do então Presidente do STF Ministro Ribeiro Costa (KAUFMANN, 2012, p.67), onde narra a sua participação na Sessão Plenária do Congresso que declarou a vacância do cargo do Presidente João Goulart: Rapidamente fiz o meu exame de consciência e dever profissional, e não podendo, na hora, naquele instante, de madrugada, consultar aos meus eminente colegas, como é de praxe nesta casa – sobre todos os atos que o presidente 167 deve praticar, principalmente atos dessa magnitude – resolvi eu mesmo assumir a responsabilidade de praticá-lo, pois que, em face da constituição, se estava vago o cargo, era acertado, era constitucional o ato da iniciativa do ilustre Presidente do Congresso Nacional no sentido de empossar na Presidência da República o Presidente da Câmara do Deputados. Acorri ao recinto da Câmara dos Deputados e ali chegando senti a ebulição que aquele ato causara no meio dos parlamentares, que já então saíam da sessão de maneira muito rumores, dando a ideia do movimento e da gravidade do ato que acabava de ser praticado. A pressão sobre o judiciário que vivia sob ameaça de intervenção era grande, fato que talvez explique a citação do discurso do Presidente do STF descrito alhures. Com efeito para Kaufmann (2012, p.68): Havia expectativa, por exemplo, que pudessem ser atingidos os Ministros do Supremo, como começaram a ser atingidos todos os inimigos do sistema. Todos começaram a cair. Com o ato institucional foram cassados Jango, Jânio, dois magistrados Aguiar Dias e Osny Duarte Pereira. Muita gente esperava que Hermes Lima e Evandro Lins e Silva fossem logo atingidos, que era eminente a cassação. 168 Também a mídia pressionava o Judiciário, com se pode verificar no Editorial do Jornal O Estado de São Paulo publicado em 14 de abril de 1964, ou seja, três dias antes da carta transcrita no pórtico deste artigo. Nele acusava-se o Presidente de haver montado dispositivo “sindical-militar” ao levar à mais alta corte os referidos juristas, que haviam servido ao governo Jango como Ministros em 1963. O caudilho sabia perfeitamente o que fazia quando colocou o Sr. Hermes Lima entre os primeiros magistrados da Nação e, ao seu lado, com a mesma incumbência de traição, esse outro líder da baderna chamado Evandro Lins. Não se concebe, por isso mesmo, a permanência desses dois cidadãos no Supremo Tribunal da Republica. Se a decisão daqueles em quem a Nação entregou as funções do alto comando revolucionário é a de deixarem estar onde estão estes dois perigosos inimigos das instituições democráticas, o melhor então é abrir as portas das prisões aos que dentro dela padecem as consequências de crimes incomparavelmente menores e às centenas de figuras de segunda ordem de forças subversivas. Parlamentares favoráveis ao regime golpista também bradavam pela cassação dos Ministros do STF na tribuna do Congresso e conforme ressaltado por Oswaldo Trigueiro do Vale (1976, p.58), contraditoriamente, pois, se um lado defendia a soberania da Suprema Corte, por outro exigiam sua depuração, como se pode verificar no discurso do Deputado Jorge Curi, da 169 UDN do Paraná (sem poder imaginar naquele momento, que por ironia do destino, ou por ironia dos ditadores, seria um dos nomes cassados pelo AI-2 em 1969, concomitantemente aos Ministros contra os quais investia): (...)"todos desejamos preservar a majestade e a intangibilidade da Justiça e de sua mais Alta Côrte. Mas porque a queremos soberana e livre é que concordamos ser necessário não se deter a revolução antes as portas do STF. Dois de seus Membros são acusados de participação ativa no processo político e ideológico com que o janguismo assolou e perturbou a esta nação, Jangaram para serem ministros e depois de ministros continuaram a jangar. (p.69) Cercear no Judiciário o expurgo que se está realizando no Congresso Nacional além de ser uma odiosa discriminação. É tentar frustrar a revolução, é negar-lhe o poder que o Ato Institucional lhe outorgou de impedir que, um dia, pelos votos dos acusados, voltem por habeas corpus ou outra medida jurídica os expurgados da vida nacional” (VALE, 1976, p.70). De fato a intervenção no Judiciário começou a ser desenhada no segundo semestre de 1965 quando o então Ministro da Guerra o General Costa e Silva, através do Editorial do Jornal Correio da Manhã de 22 de outubro de 1965, manifestou sua “decepção com os rumos do STF tendo em vista haverem 170 permitido os militares o seu funcionamento na esperança que compreendessem a Revolução” (KAUFMANN, 2012, p.91). Esta afirmação já era uma resposta à entrevista do então Presidente da Suprema Corte, Ministro Ribeiro da Costa, de 19 de outubro de 1965, quando reagira publicamente ao projeto dos militares de intervirem na Corte, tendo inclusive instado aos militares a voltarem para os quarteis, fato que obviamente provocou a deterioração da relação entre eles (KAUFMANN, 2012, p.100). Em 25 de outubro a plenária do STF alterou seu regimento interno de modo a prorrogar o Mandato de seu presidente de modo a blindá-lo. Com isso, verteu-se a gota d’água faltante, e, em 27 de outubro, o Ato Institucional n.2 é editado tornando indireta a eleição presidencial, extinguindo os partidos políticos, findando as prerrogativas de função, cassando mandatos parlamentares, suspendendo os direitos políticos e intervindo no STF para aumentar o número de Ministros para 16, e, assim, tentar influenciar a modificação da jurisprudência que vinha contrariando os interesses do regime golpista. Ademais, nomeouse a partir das fileiras udenistas os Ministros Adalíco Coelho Nogueira, José Eduardo do Prado Kelly, Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, Aliomar de Andrade Baleeiro e Carlos Medeiros da Silva. A intervenção foi completada pela Emenda Constitucional n.6 de 01 de fevereiro de 1969 que aposentou compulsoriamente os Ministros Evandro Lins e Silva, Hermes Lima, Vitor Nunes Leal, retornando, consequentemente, para 11 o número de ministros no STF. 171 Nesse clima, como ressaltado acima, o AI-1 em seu artigo 7º 25, cassou os direitos políticos dos opositores e até mesmo de aliados. Estabeleceu a suspensão das garantias constitucionais ou legais de vitaliciedade e de estabilidade como forma de, numa penada, minar eventuais resistências do judiciário e dos servidores públicos, uma vez que poderiam ser demitidos ou aposentados por investigações sumárias perpetradas pelo comando revolucionário supremo, no caso de decisões contrárias à segurança do país; ou ainda, e por mais contraditório que possa parecer, por decisões contra o regime democrático 26 ou a probidade administrativa. Como consequência foram cassados sete reitores das vinte e cinco universidades existentes, quase quinhentos deputados e dois mil funcionários públicos, expulsando ainda de suas cátedras sessenta e seis professores universitários, dentre os quais Caio Prado Jr., Florestan Fernandes e Fernando Henrique Cardoso, além da edição do famigerado Decreto 477, verdadeiro ato institucional que perseguiu e puniu milhares de estudantes, proibindo-os de 25 Art 7º - Ficam suspensas, por 6 (seis) meses, as garantias constitucionais ou legais de vitaliciedade e estabilidade. § 1º - Mediante investigação sumária, no prazo fixado neste artigo, os titulares dessas garantias poderão ser demitidos ou dispensados, ou ainda, com vencimentos e as vantagens proporcionais ao tempo de serviço, postos em disponibilidade, aposentados, transferidos para a reserva ou reformados, mediante atos do Comando Supremo da Revolução até a posse do Presidente da República e, depois da sua posse, por decreto presidencial ou, em se tratando de servidores estaduais, por decreto do governo do Estado, desde que tenham tentado contra a segurança do País, o regime democrático e a probidade da administração pública, sem prejuízo das sanções penais a que estejam sujeitos. 26 Os golpistas na exposição de motivos do AI-1 afirmavam que tomavam medidas urgentes no sentido de drenar o bolsão comunista infiltrado na cúpula do governo e nas suas dependências administrativas em que pretenderia bolchevizar o país, em clara alusão à ditadura comunista. 172 permanecer nas Universidades, dentre os quais pelo menos 46 não se sabe o paradeiro até hoje. No campo educacional a intervenção militar foi igualmente contundente e violenta, e em 09 de abril de 1964 foi cassado Anízio Teixeira, da reitoria da Universidade de Brasília, tendo esta sido invadida por dois mil soldados conforme documentário de Marcia Bodanzky 27. Esta malfadada intervenção foi tomada com vistas a interromper a implantação do primeiro Plano Nacional da Educação, obra capitaneada pelo referido reitor e que colocava em prática (já desde 1963) o programa de alfabetização baseado no método Paulo Freire e ainda a escola pública em horário integral. No sistema universitário, conforme Regina Celi Frechiani Bitte (2006, p.44) “criou-se uma visão tecnicista da educação, baseado no modelo administrativo das grandes empresas e vinculando a educação ao progresso técnico e científico, contrário a autonomia universitária, ideia essa tida como contrária à falta de disciplina e autoridade, prejudicial à ordem e à democracia. Como se pode perceber a interrupção deste Plano Nacional de Educação foi trágico na medida em que até hoje, 50 anos após o golpe são anseios que ainda estão por se realizar, ou seja, a responsabilidade pela perda do bonde da história educacional no Brasil tem nome e endereço, não foi fruto de fruto de escolhas erradas mas de imposições ditatoriais. 27 Disponível em: www.unb.br/notícias/unb/agencia.php?id8508. Acesso em 16 abr. 2018 173 3. A Mutação do Conceito de Segurança Nacional Desde o primeiro ato institucional, os golpistas evidenciavam que a busca pela legitimação de seus atos não passava pelo congresso, pois em sua ótica o comunismo constituía-se na ameaça externa à democracia brasileira. Assim, embora combatessem “inimigos internos” o faziam em função de fatores externos. Daí a atração ao conceito de "inimigos internos" que, conforme Hélio Bicudo (1986, p.9), passou a ser “uma ideologia que não fazia diferença entre inimigo externo e interno”. Embora presente desde a Constituição do Império de 1824, presente também na Primeira Constituição Republicana e na Constituição de 1934, foi com Getúlio Vargas que o conceito de segurança nacional começou a ser manipulado para atender a interesses políticos, tanto que deu ensejo à criação do nefasto Tribunal de Segurança Nacional (1935), verdadeiro tribunal de exceção que funcionou como instrumento repressivo, para julgar crimes “comuns” e para perseguir opositores políticos, como Luiz Carlos Prestes (mantido preso por cerca de 10 anos), além de servir de argumento impeditivo para o provimento do Habeas Corpus28 impetrado em favor de Olga Benário, esposa de Prestes que, mesmo 28 HABEAS CORPUS N. 26.155 com acórdão redigido nos seguintes termos: Atendendo a que a mesma paciente é estrangeira e a sua permanência no país compromete a segurança nacional, conforme se depreende das informações prestadas pelo Exmo. Sr. Ministro da Justiça em casos tais não há como invocar a garantia constitucional do habeas corpus, à vista do disposto no art. 2 do decreto n. 702, de 21 de março deste ano: Acordam por maioria, não tomar conhecimento do pedido. 174 grávida, foi extraditada (porque judia) para ser morta em campo de concentração nazista. Após a segunda guerra, sob forte influência americana principalmente através da Escola Superior de Guerra a doutrina da Segurança Nacional, começa a difundir a ideia de cisão do mundo entre o capitalismo cristão e o materialismo ateu comunista. Esta perspectiva começou a produzir importantes alterações legislativas sucessivas através de decretos-leis e atos institucionais. Ressalte-se ainda que influenciaram importantíssimos diplomas legais em vigor que continuam “contaminados” por esta perspectiva, cite-se o Código de Processo Civil de 1973 e ainda a Lei Orgânica da Magistratura bem como a Lei de Imprensa (agora revogada). Assim, quando da deposição do governo João Goulart, vigorava a Lei 1.802/53 que regulava especificamente a defesa nacional e a espionagem. Em 13 de março de 1967, foi editado o Decreto Lei 314 que alterou a citada lei e passou a responsabilizar o cidadão pela segurança nacional, além de acrescentar novos tipos penais. Para além desses, em 20 de março de 1969, o Decreto Lei 510 criou novas modalidades de prisão e a incomunicabilidade do preso e, em 21 de outubro de 1969, com os Decretos Lei 898 e 1001/1002 de 1969 que estabeleceram contra “toda pessoa, inclusive jurídica” a responsabilidade contra “antagonismos” e contra a “guerra revolucionária subversiva”, além de um novo código penal e de processo penal que entre outras coisas, estabelecia a prisão perpétua e da pena de morte. Essas manipulações diretas no ordenamento jurídico positivo durante o período ditatorial forjaram situações que produziram consequências desastrosas para a Justiça brasileira, 175 conforme se pode observar a partir dos resultados e publicações do projeto “Brasil Nunca Mais”, dentre as quais deve-se ressaltar: - a denúncia e julgamento por leis excepcionais de mais de sete mil cidadãos brasileiros por discordarem do regime; - a modificação da competência justiça comum para a justiça militar do julgamento de crimes cometidos por cidadãos por ato civis; - atribuição ao cidadão e não mais ao Estado da responsabilidade pela segurança nacional; - de provocar verdadeira confusão entre a honra do mandatário e a honra da nação ao tipificar crime de crítica à autoridade constituída; - ao punir como atos subversivos e contra a segurança nacional atividades legais; - estabelecer a prisão preventiva por iniciativa do encarregado do inquérito; - a restrição do número de testemunhas de defesa por acusado; - chegando ao absurdo de criar a possibilidade de prisão perpétua e pena de morte, e, por derradeiro, a suspensão do habeas corpus. Dessa forma, a Segurança Nacional passou de acessório à própria razão de ser do golpe; a segurança de um sistema político, saindo do campo teórico e passando a ser a régua de medir a legalidade. No dizer de Bicudo (op.cit.p.9), ela tornou-se uma espécie de palavra-chave, um conceito inserido na linguagem comum a tal ponto que ninguém mais indagava o seu sentido. Em 17 de dezembro de 1978, com a Lei 6.620 (nova Lei de Segurança Nacional), finalmente substituíram-se os instrumentos excepcionais que se fizeram indispensáveis para manter o regime militar(sic), e ainda, paralelamente, promulgou-se a Emenda Constitucional nº11, de 13 de outubro de 1978, com a finalidade de cassação, em breve, do regime de leis excepcionais. Abrandando as 176 penas anteriores, bem como suprimindo-se as penas de prisão perpétua e de morte. Portanto, a análise da transmutação do referido conceito é o ponto nevrálgico para entender o modus operandi do regime militar, que se constituiu em verdadeiro indutor do comportamento doutrinário das gerações seguintes. 4. Centralização do Poder Outros procedimentos característicos de governos totalitários também foram impostos pelo governo militar, vejamos: - Com o golpe e a consequente limitação dos poderes do congresso, as leis, principalmente as orçamentárias, passaram a ser elaboradas exclusivamente pelo chefe do executivo bem como pelo chefe do judiciário que, com decretos leis de vigência imediata, tornou-se “dono” do orçamento público, conforme preconizado no art.5º 29 do Ato Institucional Nº1. Essa medida, que para muitos é de governança, demonstra o caráter totalitário de um regime, uma vez que um país será tão democrático quanto for seu orçamento. E ainda mais: - Introduziu-se dispositivo que bloqueou o controle jurisdicional dos atos derivados do AI-1 ao exame de formalidades extrínsecas, inovação que vedava a apreciação da conveniência e 29 Art. 5º - Caberá, privativamente, ao Presidente da República a iniciativa dos projetos de lei que criem ou aumentem a despesa pública; não serão admitidas, a esses projetos, em qualquer das Casas do Congresso Nacional, emendas que aumentem a despesa proposta pelo Presidente da República. 177 oportunidade dos fatos que o motivaram; excluindo ainda a possibilidade de apreciação judicial do próprio ato, preceito replicado até os dias atuais no que diz respeito às ações contra a fazenda pública, notadamente no que diz respeito às limitações atuais quanto ao deferimento de liminares contra o Estado. - Com o ato institucional nº 5 e a suspensão das garantias constitucionais, notadamente do habeas corpus, consolidou-se o maior retrocesso legislativo que já se impôs a uma nação, reconduzindo o povo brasileiro a séculos anteriores ao próprio descobrimento, já que a criação do habeas corpus data de 1215. 5. Considerações Finais Na vida daqueles que foram processados o dano foi ainda maior, conforme revelou o Projeto Brasil Nunca Mais (1985, p.169) que, sob a batuta insuspeita de Dom Paulo Evaristo Arns, denunciou, entre inúmeras mazelas, infindáveis excessos legais e absurdos processuais como descritos a seguir: - aprisãoe a tortura tornaram-se o método de investigação e de segregação política, de tal forma que o referido estudo revela que 69,18% dos denunciados entre os anos de 1964 e 1968 e 71,05% entre anos de 1969 e 1974 foram aprisionados; tornando-se assim a prisão regra (método) e não exceção, violando assim o princípio da liberdade. - que em 86,15% dos inquéritos entre os anos de 1964 e 1968 e 84,77% dos inquéritos entre os anos 1969 e 1974 das prisões efetivadas não constam dos autos os respectivos mandados de prisão, violando assim o princípio da legalidade. 178 - que 681 pessoas entre os anos 1964 e 1968, 1937 pessoas entre os anos de 1969 e 1974 e 210 pessoas entre os anos de 1974 e 1979 foram condenados em primeira instância sob o argumento da segurança nacional. Para além de nossas fronteiras, o estudo do modus operandi ditatorial não é novidade. A filósofa Hannah Arendt, em “As origens do totalitarismo”, desde os meados do século passado, já denunciava o terror como instrumento necessário para o governo de massas para o estabelecimento de regimes totalitários. Contemporaneamente, Anthony W. Pereira aponta três principais motivos para o estudo da fundamentação jurídica dos argumentos lançados para justificar os processos por crimes políticos que aconteceram durante a ditadura, a saber: 1-Quando governos autoritários se preocupam em legalizar o processo, a exigência de aderência a procedimentos formais pode vir a mitigar os piores efeitos da repressão; 2-A compreensão mais profunda dos regimes autoritários influenciaram a transição subsequente para o regime democrático; 3- Permite construir um quadro mais detalhado da maneira como a lei foi usada de forma excepcional, podendo revelar o que mudou e o que não mudou, com o retorno ao Regime Democrático." (PEREIRA, 2005) Emblemática, nesse sentido, a análise feita por Gustav Radbruch sobre a estrutura jurídica montada pelo regime nacional-socialista na Alemanha desde1933 até o seu desmonte 179 pelo Controle Aliado (Kontrollrat) de 1945 a 1959. No debate jurídico, em 1946, a tese cunhada por Radbruch (Radbruch, 2003) estabelecia que entre direito positivo e a justiça sempre e só deveria ser decidido contra a lei e pela justiça material, quando a lei positivada fosse questionada por ser “insuportável injustiça" ou quando a lei positivada desconsiderasse a partir do ponto de vista do intérprete do direito, a garantia de igualdade entre todos seres humanos. A partir desta chamada fórmula três esquemas de classificação de Radbruch evoluíram para a validade jurídica das leis nazistas: - No primeiro grupo estão as leis que precisam ser aplicadas, mesmo se injustas: isto é, aplica-se as leis nazistas, que foram revogadas a partir de 1945 pelos Aliados, para o período de sua existência (durante a ditadura). - O segundo grupo são leis "insuportavelmente injustas": essas leis cedem lugar, apesar de ainda positivadas no ordenamento jurídico à justiça, são então declaradas nulas retroativamente. - No terceiro caso estão as leis que nem pretendem ser justas. Para Radbruch elas não são consideradas direito, mas sim são tidas como se nunca tivessem existido. Nesse sentido, vale a pena colacionar as próprias palavras de Radbruch: “El conflicto entre la justicia y la seguridad jurídica podría solucionar se bien en el sentido de que el derecho positivo estatuido y asegurado por el poder tiene preeminencia aún cuando por su contenidos e a injusto e 180 inconveniente, bien en el de que el conflicto de la ley positiva con la justicia alcance una medida tan insoportable que la ley, como derecho injusto, deba ceder su lugar a la justicia. Es imposible trazar una línea más exacta entre los casos de arbitrariedad legal y de las leyes válidas a pesar de su contenido injusto. Empero se puede efectuar otra delimitación con toda exactitud: donde ni siquiera una vez se pretende alcanzar la justicia, donde la igualdad es negada claramente por el derecho positivo, allí la ley no solamente es derecho injusto sino que carece más bien de toda natureza jurídica” (RADBRUCH, 2003apud BARDELLI, 2010, p. 85) 30 Além do trabalho de Radbruch, a tese de Bernd Rüthers, sobre a interpretação pelos juízes durante os anos do governo de Hitler das cláusulas gerais do direito privado alemão, marca o enfoque do compartilhamento de responsabilidade pela operação do sistema. Assim, caso não houvessem juízes dispostos a interpretar elasticamente as cláusulas gerais operando sob a égide da ditadura nazista, provavelmente algumas decisões seriam diferentes (Rüthers, 2005). Essa linha de entendimento foi usada em outros países, em que pesem as diferenças entre os regimes e o fato de ser o grau de barbárie do regime nazista inatingível. Dentre os países que usaram a análise de Radbruch (já com as críticas de Hart), 30 Tradução de M. I. Azareto de Vásquez, Abeledo Perrot, Arbitrariedad legal y derecho supralegal, Buenos Aires, 1962, pp. 37-38. (apud: Bardelli, 2010, p. 85). 181 encontra-se a Argentina, no continente sul-americano, como demonstra a análise feita por Julián Díaz Bardelli (BARDELLI, 2010). Conclui-se, assim, a partir da experiência de outros países, que retrabalhar o passado, garantir o direito à memória e superar heranças do direito positivado é essencial para o melhor funcionamento democrático dos países egressos de regimes ditatoriais. Assim, descortinar no Brasil a prática judiciária e legislativa durante a ditadura civil-militar servirá para que as gerações futuras possam, identificando-as, refutá-las, para que se tenha uma história contada democraticamente. Poder-se-á, dessa forma, compreender como a ideologia criada pelo regime, que vem sendo replicada até os dias atuais através de conceitos jurídicos impostos e incutidos nas gerações que se seguiram, contaminam o modo de vida de uma nação inteira. Enfim, é preciso ver que quanto maior o consenso entre as elites civis-militares sobre o funcionamento da ditadura, maior o grau de continuidade autoritária no funcionamento do golpe. Nesse sentido, vale notar que a participação permanente, em relação de cumplicidade, de parcela da sociedade civil, durante a formulação do arcabouço do regime, vem sendo estudada e comprovada por historiadores de peso, dentre eles Daniel Aarão Reis Filho, sendo inviável a mera negativa retórica no atual estágio da sociedade brasileira (REIS FILHO, 2014). De todo o exposto, conclui-se que o estudo do modo de agir ditatorial, para além de estancar a continuidade do método, pode servir como parâmetro para que nas escolhas do presente não tomemos o caminho do passado. 182 6. Referências ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. Trad.: Robert Raposo. São Paulo: Cia das Letras, 1989. ARNS, Paulo Evaristo (Org.). Brasil Nunca Mais. Petrópolis. Vozes, 1985. DIAZ Bardelli, Julián. El derecho “supralegal” frente a graves violaciones de derechos humanos, in: Lecciones y Ensayos, n. 88, 2010, pp. 83-100. BICUDO, Hélio.Lei de Segurança Nacional.São Paulo: Edições Paulinas, 1986. BITTE, Regina Celi Frechiani, Formação do Professor no curso de história da Universidade Federal do Espírito Santo In: Ensino da História, seus sujeitos e suas práticas/ Regina Helena Silva Simões, Sebastião Pimentel Franco, Maria AlaydeAlcantara Salim (Organizadores). Vitória: GM Gráfica e Editora, 2006. BRASIL; OLIVEIRA, Juarez de. Lei de Segurança Nacional. 2.ed. 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Sustentar-se-á que a EaD possibilita a inclusão de educandos que dificilmente teriam acesso ao ensino superior através do ensino presencial, com aprendizagem e autonomia. Para validação desta hipótese, o recurso à lógica dedutiva, impõe-se como basilar e a conclusão restará amparada em visita efetuada a referenciais teóricos sobre a matéria. 31 Bacharel em Direito pela Universidade de Itaúna UIT. Graduada em Geografia pela Faculdade de Pará de Minas MG. Mestranda no Programa de pós-graduação Stricto Sensu em Direito da Universidade de Itaúna. Advogada. 32 Graduado em Direito pela Universidade de Itaúna/MG. Especialista em Ciências Criminais pela UGF/RJ. Mestre e doutor em Teoria do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor universitário na Universidade de Itaúna e na Faculdade de Pará de Minas (MG). 185 Palavras-chave: Educação a Distância; Espaço de Aprendizagem Virtual; Direito Fundamental à Educação; Inclusão Educacional; Inclusão Social. Abstract: The article analyzes if the EaD modality allows the social inclusion of the individuals who would not otherwise be able to take a course at a higher level. The objective is to discuss, in the light of the Fundamental Right to education, the virtual learning space as a way to democratize access to higher education. It will be argued that ODL enables the inclusion of students who would hardly have access to higher education through face-to-face teaching, with learning and autonomy. To validate this hypothesis, the use of deductive logic is imposed as basilar and the conclusion will be supported by a visit made to theoretical references on the subject. Keywords: Distance Education; Virtual Learning Space; Fundamental Right to Education; Educational Inclusion; Social inclusion. 1. Introdução A educação a distância (EaD) vem se consolidando no cenário nacional brasileiro como uma importante modalidade da educação e possibilidade de inclusão de indivíduos que dificilmente teriam acesso ao ensino superior através do ensino presencial tradicional. Considera-se o acesso ao ensino como um direito fundamental do indivíduo, parte integrante de sua formação e emancipação. Assim, a presente pesquisa parte do entendimento 186 de que a educação é o instrumento mais eficaz e capaz de combater os problemas sociais que atingem a humanidade, como a exclusão social. De certo, essa modalidade de educação é um instrumento capaz de atender um grande número de pessoas simultaneamente, chegando a indivíduos que estão distantes dos locais onde são ministrados os ensinamentos e/ou que não podem estudar em horários pré-estabelecidos. Representa, nestes moldes, a possibilidade de inclusão de pessoas com dificuldades em frequentar cursos presenciais por falta de tempo ou outro fator relevante. Cabe lembrar que os ambientes virtuais de aprendizagem devem ser utilizados como suporte no processo ensinoaprendizagem na modalidade de educação a distância, não substituindo a função relevante do professor/tutor na construção do conhecimento do aluno. Desta forma, esta pesquisa pretende responder o seguinte questionamento: a educação a distância permite um processo de inclusão dos indivíduos que não teriam outra possibilidade de realizar um curso em nível superior? Para atender a esse questionamento, o objetivo geral desta pesquisa é discutir, à luz do Direito Fundamental à educação, o conceito de espaço de aprendizagem virtual como forma de democratizar o acesso ao ensino superior. A hipótese científica apresentada compreende o debate sobre a teoria e o conceito de educação a distância, ou simplesmente EaD, como instrumento de inclusão social no Brasil. Nessa seara será imprescindível compreender a educação como um 187 Direito Fundamental inerente à pessoa, para compreender que a educação a distância é relevante no processo de inclusão educacional. Estruturalmente, o artigo se divide em 2 seções temáticas, mais introdução e conclusão. Na primeira seção, intitulada A definição de educação a distância: em busca de um conceito, o foco foi o estudo de algumas ideias básicas sobre a educação a distância propondo uma discussão sobre o direito à educação a luz da teoria dos Direitos Fundamentais e da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Bem como discutir as principais bases legais no Brasil, definir o conceito de educação a distância e traçar um breve histórico da EAD. Na seção seguinte, com o título, O espaço de aprendizagem virtual como instrumento de redução das desigualdades sociais, será concluída a argumentação do estudo, com o intuito de definir o conceito de espaço de aprendizagem virtual, em seguida, discutir sobre a contribuição da educação a distância como instrumento de inclusão social do estudante na sociedade, como também o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) que possibilitam uma nova forma de aprendizagem para esses estudantes e relevante instrumento de redução das desigualdades sociais. Trabalhou-se com o referencial teórico de Michel Moore e Greg Kearley de educação a distância: uma visão integrada, a partir de suas contribuições com o debate da interatividade em prol de uma educação integrada, bem como as proposições teóricas trazidas na obra A educação a distância em transição: tendências e desafios, de Otto Peters, para o entendimento da educação a 188 distância como instrumento de inclusão social do estudante. Bem como demonstrar o entendimento sobre a utilização das tecnologias digitais para a democratização do ensino. Quanto à metodologia, para a realização do estudo, utilizou-se da pesquisa teórico bibliográfica, documental disponível, com a utilização de livros, textos e artigos doutrinários, além de leis que possuam relação direta ou indireta com o assunto em comento, tendo em vista que a construção do debate teórico se embasa, de maneira considerável, em doutrina. Tendo, ainda, como base a atual visão constitucionalizada dos direitos fundamentais. No que tange ao procedimento metodológico, optou-se pelo método dedutivo, haja vista partir-se de uma concepção macro para uma concepção microanalítica, permitindo-se, portanto, a delimitação do problema teórico. Finalmente, no procedimento técnico, foram adotadas as análises interpretativas, comparativas, temáticas e históricas, para possibilitar uma discussão pautada sob o ponto de vista da crítica científica. 2. A definição de educação a distância: em busca de um conceito O foco foi o estudo de algumas ideias básicas sobre a EaD propondo uma discussão sobre o direito à educação à luz da teoria dos Direitos Fundamentais e da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. E ainda discutir sobre suas principais bases legais no Brasil, definir o conceito de educação a distância e traçar um breve histórico da EaD. 189 Algumas palavras sobre o direito à educação são necessárias em nome da adequada compreensão daquilo que ela representa no direito brasileiro e na interpretação constitucional como direito fundamental inerente ao ser humano. Nos dizeres de Valerio de Oliveira Mazuolli: “é fundamental, a consolidação da cidadania e para isso temos que ter acesso a uma educação adequada para o seu exercício”. (MAZUOLLI, 2015, p. 241). A educação fornece elementos para a construção do conhecimento humano, resgatando a sua dignidade humana, garantindo uma paridade de oportunidades entre os cidadãos. É por meio dela que o indivíduo se torna livre e capaz de competir em situação de igualdade, sendo tarefa do Estado oferecer os meios necessários para educar esse indivíduo. A título de esclarecimento, é importante frisar que essa obrigação estatal surge com a Revolução Francesa (1789), quando essa responsabilidade com a educação deixa de ser um interesse exclusivamente privado. Fato é que, na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 33, já em seus artigos iniciais, o seu texto constitucional firma a proteção e o direito à educação como um direito de todos (GOMES, 2017, p. 117,128). Em relação às modalidades de educação, presencial e à distância, torna-se relevante destacar as diferenças entre essas duas modalidades de educação. Como evidencia Carmem Maia (2002), o aluno na educação presencial tem ajuda do educador de forma 33 Art. 6º: São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90, de 2015). 190 integral na sala de aula física, enquanto que na educação a distância tem a mediação do professor ou tutor/orientador para que possa ter acesso ao conhecimento, desenvolvendo hábitos e atitudes relativas ao estudo, facilitando o processo de ensino aprendizagem de maneira continuada e autônoma. No mesmo sentido, Otto Peters (2003), ao definir a natureza da educação a distância, afirma ser uma modalidade de gênero único, que objetiva um tratamento humanitário de inclusão desses adultos que foram deixados de lado e estão em busca de uma aprendizagem inicial ou continuada. De certo, essa modalidade de educação a distância, como destacado, é um instrumento capaz de atender a um grande número de pessoas simultaneamente, chegando a indivíduos que estão distantes dos locais onde são ministrados os ensinamentos e/ou que não podem estudar em horários pré-estabelecidos. Representa a possibilidade de inclusão de pessoas com dificuldades em frequentar cursos presenciais por falta de tempo ou outro motivo relevante. O desafio hoje é educar à distância, de acordo com Carmem Maia (2002), pois requer superar os problemas regionais e até nacionais, trabalhando o desenvolvimento do ser humano de modo inclusivo. Nessa perspectiva, é necessário destacar que a Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, Lei das Diretrizes e Base da Educação Nacional, é responsável pela regulamentação dos cursos à distância, na medida em que o Estado reconhece, legitima e assegura a viabilidade desse ensino, conforme prevê seu artigo 80: “o Poder Público incentivará o desenvolvimento e a veiculação de 191 programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação continuada”. (BRASIL, 1996). Ressalta-se, porém, que o primeiro instrumento que trouxe a definição legal da expressão educação a distância foi o artigo 1º do Decreto n.º 5. 622/2005 que define educação a distância: [...] como modalidade educacional na qual a mediação didático pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos. (BRASIL, 2005). Munidos desse entendimento, antes de compreender a importância da educação a distância nos cursos de graduação, é preciso definir o conceito de educação superior. Para isso tem-se na Lei n.º 9.394/96, artigo 43, inciso II, que o objetivo central da educação superior é “formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua”. (BRASIL, 1996). Sob esse aspecto Carmem Maia (2002) destaca que o aluno no curso superior da educação a distância tem que ter acesso a referenciais teórico-práticos que o auxiliem na compreensão, nas habilidades e atitudes que promovam seu pleno desenvolvimento tanto como um cidadão consciente no exercício da sua cidadania, 192 quanto prepará-lo para o mercado de trabalho, cada vez mais competitivo. Desta feita, a EaD acontece quando o aluno e o professor não estão presencialmente em uma instituição de ensino, participando de atividades e interagindo como uma classe tradicional. Ao contrário, estão em locais distintos e utilizando um meio tecnológico para interagirem e juntos participarem do processo de ensino aprendizagem. Neste sentido, é oportuno trazer a definição de Moore e Kearley, ao discorrerem que a educação a distância é, sobretudo: [...] o aprendizado planejado que ocorre normalmente em um lugar diferente do local do ensino, exigindo técnicas especiais de criação do curso e de instrução, comunicação por meio de várias tecnologias e disposições organizacionais e administrativas especiais. (MOORE; KEARSLEY, 2007, p. 2). Ao trazer essa disposição, Moore e Kearley (2007) salientam que a educação a distância gera uma situação na qual alunos e professores, em locais diferentes, durante todo ou grande parte do tempo, estabelecem uma relação de ensino-aprendizagem inclusivo e dinâmico. Entende-se que ser um aluno na modalidade de educação a distância exige aptidões distintas, tanto no que se refere à disciplina para assistir as aulas, resolver as atividades propostas, quanto na habilidade em lidar com as novas tecnologias. Esse modo de educar está direcionado a um setor da população 193 diferente daquele que frequenta as instituições de ensino tradicionais. (MOORE; KEARLEY, 2007). De acordo com Luciano Sathler: Pelas próprias condições de vida, esses estudantes tendem a preferir mais possibilidades de aprendizagem a distância, especialmente mediadas online. Também as novas gerações, que cresceram em contato com tablets e celulares, não suportam mais as aulas exclusivamente no modelo tradicional. Observa-se que os cursos presenciais passam a incluir metodologias EaD em suas práticas didático-pedagógicas, numa tendência chamada ‘educação híbrida’ (SATHLER, 2017, p.1). A EaD é alternativa para aquele estudante que enfrenta o problema da desqualificação profissional e busca uma qualificação diante das exigências do mercado de trabalho cada vez mais competitivo e seletivo. Com essas exigências o estudante ainda tem que aprender a lidar e superar suas limitações pessoais, e desenvolver sua capacidade de aprender em um ambiente solitário. Assim, “a educação a distância é um fenômeno alinhado à luta por uma sociedade mais justa e menos desigual, onde o maior número possível de pessoas possa estudar e ampliar o leque de oportunidades para avançar na vida”. (SATHLER, 2017, p.1). Em síntese, como explanado ao longo do estudo, a educação a distância permite ao educando alcançar tanto uma autonomia pessoal quanto uma autonomia de aprendizagem, com 194 uma flexibilidade de horários consegue otimizar o tempo dedicado aos estudos sem ter que sacrificar um ou outro conteúdo, podendo acompanhar e construir um processo de ensino-aprendizagem autônomo, o que auxilia na consecução do direito fundamental à educação, que é basilar à dignidade humana. 2.1. Um pouco sobre a história da educação a distância Para compreender as questões relacionadas à educação a distância na contemporaneidade tem-se que conhecer um pouco de sua evolução histórica. Sendo assim, Moore e Kearley (2007) dividiram a evolução histórica da EaD em cinco gerações. A primeira geração, denominada estudo por correspondência, estudo em casa ou estudo independente, surgiu em 1880. Onde as pessoas podiam por meio de serviços postais obter instruções de um professor a distância. É o embrião histórico do processo de educação fora da sala de aula, rompendo paradigmas. No início do século XX as transmissões por rádio e pela televisão ganham espaço na educação a Distância, contudo o rádio não atendeu às expectativas devido aos diferentes interesses entre instituições de ensino e as emissoras que viam os cursos como meio de conseguirem anúncios. Enquanto a televisão, com a televisão educativa, obteve mais sucesso por conta de contribuições empresariais. Na década de 1960 e início de 1970 surge a abordagem sistêmica da educação a distância com a utilização de novas modalidades de tecnologias e de recursos humanos. Neste 195 contexto, como bem explica Moore e Kearley (2007) tem-se o Projeto Mídia de Instrução Articulada (AIM- Articulated Instructional Media Project) que agrupava várias tecnologias de comunicação para propagar o ensino com custo reduzido a alunos que não fossem universitários. Aqui neste contexto é importante frisar a Universidade Aberta (UA), que empregava uma tecnologia completa de comunicação para ensinar um currículo universitário a quem desejasse receber tal educação. A quarta geração, denominada Teleconferência, surgiu nos Estados Unidos em 1980. Moore e Kearley (2007) chamam a atenção para a semelhança dessa forma de educação a distância com a educação tradicional, pois nela os alunos se reuniam em grupos para desenvolverem os estudos coletivamente, ao contrário das outras onde os estudantes aprendem pelo estudo em casa de forma individualizada. Essa quinta geração faz parte da realidade de milhares de alunos espalhados pelo mundo, a Geração Virtual que possibilita uma completa interatividade entre aluno e professor, se comparada com as outras formas de educação a distância. Ainda segundo Moore e Kearley (2007): A quinta geração, a de classes virtuais on-line com base na internet, tem resultado em enorme interesse e atividade em escala mundial pela educação a distância, com métodos construtivistas de aprendizado em colaboração, e na convergência entre texto, áudio e vídeo em uma única plataforma de 196 comunicação (MOORE; KEARLEY, 2007, p. 48) Expostas estas considerações acerca do aspecto histórico, entende-se que a modalidade de educação a distância surgiu para atender os alunos em suas diversas limitações de acesso à educação presencial tradicional. Logo, pensar essa evolução das modalidades de educação a distância requer correlacioná-las a evolução tecnológica da sociedade, que trouxe novas configurações em suas formas de implantação, facilitando o processo de aprendizagem e principalmente de inclusão do aluno na sociedade. Nesse sentido, Lynn Alves e Cristiane Nova (2003) salientam que com o desenvolvimento das tecnologias de comunicação em rede o conceito de educação a distância recebe uma nova roupagem, passa a ser entendida como um instrumento de construção coletiva do conhecimento mediada pela tecnologia em rede. Passa-se, a seguir, a realizar uma sucinta explanação acerca do espaço de aprendizagem virtual enquanto instrumento de redução das desigualdades sociais e a utilização das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). 197 3. O espaço de aprendizagem virtual como instrumento de redução das desigualdades sociais. Nesta seção será definido o conceito de espaço de aprendizagem virtual. Em seguida, discutir-se-á sobre a contribuição da educação a distância na inclusão social do educando, como também o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) que possibilitam uma nova forma de aprendizagem para esses estudantes. Estudos como os de Otto Peters (2003) destacam que atualmente, a sociedade está inserida em um ambiente informatizado de aprendizagem em rede. Esses ambientes são considerados como uma extensão daquele espaço de aprendizagem tradicional ao qual os estudantes estão acostumados. Isso se deve ao fato de esse espaço virtual de aprendizagem oferecer uma aprendizagem flexível para os estudantes e ao mesmo tempo encurtar as distâncias geográficas ao oferecer uma formação inicial ou continuada. No mesmo sentido, Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida reforça que os “ambientes digitais de aprendizagem são sistemas computacionais disponíveis na internet, destinados ao suporte de atividades mediadas pelas tecnologias de informação e comunicação”. (ALMEIDA, 2003, p. 331). Otto Peters (2003, p. 128-133), analisando o conceito de espaço de aprendizagem virtual, destaca que o referido termo reflete uma experiência surpreendente para uns e para outros estudantes uma experiência perturbadora: 198 Os olhos dos alunos agora se concentram nas telas de seus PCs. A atenção deles está focalizada nesta área relativamente pequena. A situação padrão de aprendizagem agora se restringe a ficar sentado na frente de uma esfera ilimitada e incompreensível que se espalha além dos locais familiares de aprendizagem e pode englobar o mundo. [...] estamos lidando com um tipo particular de espaço de aprendizagem que de muitas formas permite a aprendizagem autônoma, estimula os alunos a tomarem parte e a apoia. Neste sentido, estar em um ambiente informatizado que ofereça as ferramentas necessárias para o desenvolvimento da aprendizagem permite ao estudante uma formação contínua, atualizada e inclusiva. “Se este ambiente de aprendizagem é informatizado e organizado em rede, uma imensa extensão do campo educacional acontece na imaginação dos alunos”. (PETERS, 2003, p. 134). É importante entender que os ambientes virtuais/digitais de aprendizagem devem ser utilizados como suporte no processo ensino-aprendizagem na modalidade de educação a distância não substituindo a função relevante do professor/tutor na construção do conhecimento do aluno. Esse suporte online surge como apoio às atividades de formação seja ela inicial ou continuada, permitindo a inclusão social do educando e reduzindo as desigualdades sociais. 199 Quanto ao termo inclusão social, por uma questão de delimitação e clareza, é definido como “ato ou efeito de incluir, incorporação, antônimo de exclusão” (RIOS, 2010, p.292). No âmbito da presente pesquisa o termo inclusão social deve ser entendido como o acesso do cidadão a educação ao ponto de poder usufruir dos direitos e deveres sociais, de participar efetivamente da democracia no país, de estar qualificado para ingressar no mercado de trabalho. Trata-se de uma condição fundamental para o exercício de sua dignidade humana. E uma das características mais positivas da modalidade de educação a distância é facilitar o acesso à educação incluindo o estudante na sociedade, sendo uma relevante ferramenta capaz de facilitar essa inclusão utilizando o meio digital, as tecnologias de informação e comunicação. 3.1. As tecnologias de informação e comunicação e a educação a distância Assim pode-se afirmar que a educação a distância com o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) possibilita uma nova forma de aprendizagem para os estudantes que não tiveram oportunidades de aprendizagem ao longo da sua vida. Nestes termos, ressaltam Carmem Maia (2002) que por meio das TICs a sociedade e várias instituições reconhecem a educação a distância como instrumento de democratização e acesso ao conhecimento contínuo. As tecnologias de informação e comunicação são fundamentais para o processo de inclusão do estudante na 200 sociedade, seja para iniciar ou continuar sua formação educacional por meio dos ambientes de aprendizagem virtual, além da sua relevância para o desenvolvimento econômico e social do país. Conforme ressalta Andrea Cecilia Ramal (2003), no que se refere a utilização da modalidade de educação a distância como instrumento de inclusão social, essa pode ser uma alternativa relevante no combate à exclusão educacional de uma parcela significativa da população, principalmente, daquela parcela que não teve condições socioeconômicas de ingressar por ter que optar entre o estudo ou o trabalho. Neste sentido, Ramal enfatiza que: Em vez de ser necessário construir edifícios e contratar professores para os novos alunos, bastam alguns equipamentos em tele postos para ampliar o acesso ao conhecimento e para pessoas de qualquer ponto do país poderem ingressar nos cursos que mais lhes interessarem (RAMAL, 2003, p. 43). Ainda segundo Andrea Cecilia Ramal, o uso de ambientes digitais e interativos de aprendizagem realmente ultrapassa as distâncias geográficas permitindo a construção de um processo educacional interativo tanto na produção do conhecimento individual quanto na sua coletividade. Ramal chama a atenção para o currículo sem limites ofertado pela EaD utilizando a internet. “Saberes até então excluídos do ensino invadem a cabeça dos estudantes e, de forma transgressora, os convidam a fazer links e a ousar abrir janelas que 201 trazem luzes inusitadas para os ambientes educativos.” (RAMAL, 2003, p. 44). Ressalta também que, o aluno consegue acessar os conteúdos que se relacionam com a bagagem de aprendizagem que possui, acessando o que interessa a cada um deles. Nesse sentido, a educação a distância por meio das tecnologias de informação e comunicação surge para atender uma relevante parcela da população que busca a formação, seja ela inicial ou continuada, vez que contribui significativamente para que esses estudantes possam adquirir condições de competir no mercado de trabalho com autonomia e qualificação. Em relação ao encurtamento das distâncias geográficas em um país como o Brasil, de extensão continental, a tecnologia permite levar a educação para quem não tem outra opção e para quem, na maioria das vezes, a única alternativa para quem quer estudar é o ensino a distância. O desenvolvimento da educação a distância por meio das TICs contribui com a rapidez com que se obtém a informação devido ao número imensurável de materiais existentes na web e acarreta mudanças profundas nos padrões educacionais e na geração de conhecimento, aproximando pessoas e diminuído as desigualdades regionais. Há ainda a necessidade de se destacar, seguindo as palavras de Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida: “os recursos das TICs podem ser empregados para controlar os caminhos percorridos pelo aprendiz, automatizar o fornecimento de respostas às suas atividades e o feedback em relação ao seu desempenho”. (ALMEIDA, 2003, p. 334). 202 Ademais, a utilização desses recursos agrega de forma fundamental a construção da autonomia do estudante na construção do processo de ensino-aprendizagem e contribui para a difusão do conhecimento. Em síntese, faz-se relevante pontuar que essas tecnologias de informação e comunicação no contexto da educação a distância hoje, surge para democratizar a educação, encurtando distâncias geográficas e permitindo que estudantes de várias regiões brasileiras possam ter as mesmas oportunidades de aprendizagem e autonomia daqueles que frequentam a modalidade presencial. 4. Conclusão O trabalho ora realizado escolheu como objeto de estudo a modalidade de educação a distância como instrumento de inclusão social. Neste sentido, a temática perpassa o direito constitucional à educação como um direito fundamental. Respondendo à questão exposta na introdução da pesquisa, qual seja: a educação a distância permite um processo de inclusão dos indivíduos que não teriam outra possibilidade de realizar um curso em nível superior? Tem-se a conclusão a seguir apresentada. Devido às próprias condições de vida dos estudantes, que por motivos relevantes e variados, não puderam frequentar a modalidade de educação presencial, ficando, destarte, sem acesso à educação inicial ou continuada, tem-se que a modalidade de educação a distância constitui oportunidade para alcançarem autonomia pessoal e profissional, pois essa modalidade de 203 educação utilizando as tecnologias de informação e comunicação permite ao educando alcançar seus objetivos devido a flexibilidade de horários. Nesta perspectiva, o estudo permitiu compreender que a EaD deve ser vista como alternativa viável e acessível a considerável parcela da população que almeja qualificação profissional e crescimento pessoal. Com um número maior de pessoas estudando, se qualificando, as desigualdades sociais diminuirão, ainda que não desapareçam totalmente, haja vista outros fatores envolvidos na sua conjectura. É importante ressaltar que a sociedade contemporânea faz parte da geração virtual: crianças aprendem a brincar com brinquedos tecnológicos antes mesmo de pronunciar as primeiras palavras. Não é exagerado ressaltar, a tecnologia faz parte da vida de milhões de brasileiros. Utilizar esse ambiente virtual como instrumento de inclusão educacional e social reduzindo as desigualdades sociais é a melhor forma de preparar os cidadãos seja para iniciarem ou continuarem os estudos com uma aprendizagem inclusiva. Estudando o uso das tecnologias da informação e da comunicação (TIC’s), aplicados aos processos da educação, principalmente na modalidade de educação a distância, percebe-se que essas tecnologias têm possibilitado novas oportunidades de ensino às pessoas, permitindo mais acesso a informação e, consequentemente, mais conhecimento. 204 Esse é um ponto relevante a ser considerado quando se propõe alcançar o crescimento e o desenvolvimento do país. Investir na educação do cidadão é promover o desenvolvimento social e reduzir as desigualdades sociais. Nesse sentido, diante de todo exposto e fundamentado ao longo do trabalho, conclui-se que a EaD é alternativa possível e alcançável a uma considerável parcela da população que enfrenta o problema da desqualificação profissional e busca uma qualificação diante das exigências do mercado de trabalho cada vez mais competitivo, seletivo e excludente. Contribuindo no seu pleno desenvolvimento tanto como um cidadão consciente no exercício da sua cidadania quanto prepará-lo para o mercado de trabalho de forma inclusiva. 5. Referências ALMEIDA, Maria Elizabeth Bianconcini de. Educação a distância na internet: abordagens e contribuições dos ambientes digitais de aprendizagem. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.29, n.2, p. 327340, jul./dez. 2003. Disponível em:<http://sedici.unlp.edu.ar/handle/10915/14176> Acesso em: 05 jan. 2018. ALVES, Lynn; NOVA, Cristiane. 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Acesso em: 13 dez. 2017. 207 O ENSINO RELIGIOSO NAS ESCOLAS PÚBLICAS SOB A PERSPECTIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À LIBERDADE RELIGIOSA E À LAICIDADE DO ESTADO BRASILEIRO RELIGIOUS EDUCATION IN THE PUBLIC SCHOOLS UNDER THE PERSPECTIVE OF FUNDAMENTAL RIGHTS TO RELIGIOUS LIBERTY AND THE LAITY OF THE BRAZILIAN STATE Virgínia Lara Bernardes Braz 34 Fabrício Veiga Costa 35 Resumo: A questão da religiosidade, na perspectiva constitucional, leva ao embate de dois conceitos fundamentais: a liberdade religiosa e a laicidade do Estado brasileiro. A Constituição estabelece que deve ser oferecida pelas escolas públicas a disciplina de “ensino religioso”, embora a matrícula seja facultativa. Ademais, o Estado brasileiro é laico, ou seja, há liberdade para que os cidadãos escolham a religião que tenha ligação com sua convicção íntima. Diante disso, questiona-se a forma e a condução do ensino 34 Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Patos de Minas. Pósgraduada em Direito Penal e Processual Penal pela Faculdade de Direito Professor Damásio de Jesus. Mestranda no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da Universidade de Itaúna. Advogada. Docente no Centro Universitário de Patos de Minas. 35 Pós-Doutor em Educação pela UFMG. Doutor e Mestre em Direito Processual pela PUCMINAS. Professor do Programa de Pós-graduação stricto sensu em Proteção dos Direitos Fundamentais da Universidade de Itaúna. Professor da graduação em Direito da FAPAM; FPL; FASASETE; FAMINAS-BH. 208 religioso nas escolas públicas, sendo que, o que se coaduna com o Estado Democrático de Direito, é o ensino da tolerância com as demais religiões e formação crítica do cidadão. Palavras-chave: Ensino Religioso; Escolas Públicas; Liberdade Religiosa; Estado Laico; (In) Constitucionalidade. Abstract: The question of religiosity, in the constitutional perspective, leads to the confrontation of two fundamental concepts: religious freedom and the laity of the Brazilian State. The Constitution establishes that the discipline of "religious teaching" must be offered by public schools, although registration is optional. In addition, the Brazilian State is secular, that is, there is freedom for citizens to choose the religion that has a connection with their inner conviction. In view of this, the form and conduct of religious education in public schools is questioned, and what is in line with the Democratic Rule of Law is the teaching of tolerance with other religions and critical formation of the citizen. Keywords: Religious education; Public schools; Religious freedom; Laic State; (In) Constitutionality. 1. Introdução A Constituição da República de 1988, ao estabelecer a separação entre Estado e Igreja, pretendeu evitar que aquele causasse possíveis embaraços à atividade religiosa, prejudicando ou beneficiando uma ou outra religião. Assim, a questão envolvendo a liberdade religiosa tornase mais complicada quando se tenta a conciliação entre esta garantia e a laicidade estatal, por ser, neste caso, o Estado neutro. 209 O presente trabalho trata do direito fundamental à liberdade religiosa e de sua manifestação no ensino religioso nas escolas públicas no Estado brasileiro laico. Assim, a questão da religiosidade, na perspectiva constitucional, leva ao embate de dois conceitos fundamentais: a liberdade religiosa e a laicidade do Estado brasileiro. Questiona-se como um Estado laico podem coexistir conceitos e valores religiosos, bem como até que ponto cabe a ingerência estatal no setor religioso, sem que se configure um confessionalismo ou proselitismo religioso de forma extrema e absoluta. O ensino religioso nas escolas públicas, ainda que facultativo, conforme previsão constitucional, vem revelando-se problemático em Estados laicos, perante o particularismo e a diversidade dos vários credos religiosos. Apesar da laicidade estatal brasileira, observa-se grande influência e pontos de contato do Estado brasileiro com influência religiosa, sendo um deles o oferecimento de ensino religioso nas escolas públicas. Portanto, observa-se que no presente caso devem-se analisar os posicionamentos que manifestam a concordância ou a discordância quanto à prática do ensino religioso nas escolas públicas, sob os argumentos de ser ele confessional ou de uma forma mais genérica quanto a história das religiões, bem como a jurisprudência, principalmente, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.439, em setembro de 2017. 210 No presente artigo foi utilizada pesquisas teóricobibliográficas, assentadas em artigos científicos de revistas especializadas, teses, pareceres, doutrinas de autores nacionais e estrangeiros relacionadas, levantamento científico das pesquisas dos professores do programa, dentre outros, a fim de colecionar os estudos já desenvolvidos por tais pensadores e fontes, ordenandoos de forma a compreender e desenvolver a temática proposta nesse trabalho. Além disso, também foi utilizada a pesquisa documental, uma vez que foram objeto de análise legislações diversas, jurisprudências, súmulas, precedentes, dentre outros, sendo que, em seguida, foram interpretados de forma contextualizada com o princípio da liberdade religiosa e da laicidade do Estado, bem como com a questão da forma do desenvolvimento e da exposição do ensino religioso nas escolas públicas. Quanto ao procedimento metodológico, foi utilizado o raciocínio dedutivo, pois parte-se de uma concepção ampla, macro-analítica para uma específica, micro-analítica, uma vez que foi analisado o direito fundamental social à educação, juntamente com os princípios da liberdade religiosa e da laicidade do Estado, para se chegar à discussão quanto à forma de condução do ensino religioso nas escolas públicas. Para melhor análise do tema proposto, dividiu-se o artigo em seis itens, incluída esta introdução. No item seguinte, apresenta-se um breve relato sobre os direitos fundamentais e suas dimensões, bem como breves considerações sobre o direito social da educação na Constituição da República de 1988. No item 3, trata-se da laicidade do Estado brasileiro. Em seguida, no item 4, 211 são expostas considerações sobre as formas de liberdade religiosa. No item 5, há ênfase ao questionamento em torno do ensino religioso em escolas públicas em um Estado laico. Por final, no item 6, são tecidas as considerações finais, seguidas das referências bibliográficas. 2. Direitos fundamentais e suas dimensões Os direitos fundamentais são todos aqueles direitos subjetivos que dizem respeito universalmente a “todos” os seres humanos enquanto dotados do status de pessoa, ou de cidadão ou de pessoa capaz de agir (FERRAJOLI, 2011, p. 09). Para José Afonso da Silva (2002, p. 178), a expressão mais adequada para designar o grupo de referidos direitos é a de direitos fundamentais do homem, pois referem-se a princípios que resumem a concepção de mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, como também designam as prerrogativas e instituições que eles concretizam em garantia de uma convivência diga, livre e igual de todas as pessoas. Esses direitos fundamentais foram sendo conquistados pelos cidadãos ao longo da história em virtude da evolução e das novas necessidades básicas. Assim, as dimensões ou gerações dos direitos fundamentais referem-se à cronologia histórica destas conquistas. Importante ressaltar que a doutrina abarca algumas outras dimensões, não havendo consenso no que tange às últimas. Porém, para o desenvolvimento do trabalho proposto, são suficientes as três primeiras classificações. 212 A primeira dimensão ou geração se trata da dimensão de direitos individuais, aqueles relacionados à própria pessoa. São direitos contemporâneos às Revoluções Liberais. Surgiram com a ideia de Estado de Direito, momento em que os cidadãos se veem libertos frente ao Estado Liberal que os assegurava apenas a paz e a segurança. Segundo Bobbio (1992, p. 32-33), a primeira geração contempla direitos de liberdade, pois tinha como fundamento a limitação do Poder Estatal e a reserva para o particular, originando para o Estado uma obrigação negativa, uma abstenção. Como exemplo tem-se o direito à vida, à intimidade, à inviolabilidade de domicílio, à propriedade, a igualdade perante a lei, dentre outros. A segunda dimensão ou geração dos direitos aqui colecionados cuidam dos direitos sociais, econômicos, culturais, positivos, conquistados após a Revolução Industrial (Estado Social). Neste período se passou a exigir do Estado uma obrigação de fazer frente aos cidadãos, com o fim de lhes garantir os direitos positivados, tais como, saúde, educação, alimentação, moradia, segurança pública. Noutras palavras, exigiu-se a partir dali a promoção da igualdade por meio de uma justiça social. Por final, a terceira dimensão se trata dos direitos difusos e coletivos (supra individuais) para proteção da coletividade. Nasceu da expansão dos meios de comunicação e transporte. São exemplos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, direitos dos consumidores, direitos da criança, adolescente, idosos, conservação do patrimônio histórico e cultural. Para Paulo Bonavides, os direitos de terceira geração dizem respeito aos direitos daqueles que passam a integrar a titularidade de grupos humanos, como a família, a sociedade e a coletividade, in verbis: 213 Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo, ou de um determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta (BONAVIDES, 2004, p. 569-570). Portanto, nesse contexto, o direito fundamental à educação se encontra inserido no rol dos direitos de segunda geração. Para Alves (2015), é incontestável o fato de que a educação faz parte dos direitos fundamentais, devido à intrínseca ligação do direito àquela com a igualdade e a liberdade, bem como com a dignidade da pessoa humana. Confirma o seu caráter de direito humano fundamental o fato também de, desde 1948, estar previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos. 2.1. O direito fundamental social à educação na Constituição da República de 1988 A educação é um pressuposto básico para o exercício da cidadania, para ingresso no mercado de trabalho, bem como para participação no âmbito do Estado (BARCELLOS, 2002, p. 260261). Com a educação os cidadãos passam a ser formadores de opinião e detentores do conhecimento, contribuindo para a 214 construção de um patamar mínimo de sua dignidade, podendo desenvolver, com autonomia, as suas potencialidades como ser humano (MENDES; BRANCO, 2015, p. 650). Ressalta-se que a educação envolve processos éticos, familiares, religiosos, políticos e ideológicos, os quais estão presentes ao longo de toda a formação do ser humano (BITTAR, 2001, p. 15). Para Gregório Assagra de Almeida (2008, p. 567) a “educação é inserida nos direitos da cidadania, constituindo-se, no plano dos direitos transindividuais, uma das dimensões mais importantes do direito coletivo para a efetivação das conquistas sociais decorrentes do Estado Democrático de Direito, implantado constitucionalmente no Brasil (arts. 1º, 3º, 5º, etc. da CF/88)”. Assim, a Constituição da República de 1988, de forma especial e diversamente dos demais direitos fundamentais sociais, regulamentou a educação de forma detalhada em seus artigos 205 ao 214, dando maior possibilidade de eficácia desse direito fundamental social (BRASIL, 1988). No artigo 6º, a Constituição consagra a educação como um direito social, sendo uma inovação. Expõe Pessoa (2011) a relevância dada ao direito à educação, “como sendo um dos mais importantes, por ter objetivos de criar para a nossa sociedade indivíduos capazes de desenvolver, pessoas que adquiram o mínimo necessário para a sua sobrevivência em sociedade”. Coadunando com esse entendimento, Marshall (1967, p. 73) aduz que: 215 O direito à educação é um direito social de cidadania genuíno porque o objetivo da educação durante a infância é moldar o adulto em perspectiva. Basicamente, deveria ser considerado não como o direito de a criança frequentar a escola, mas como o direito do cidadão adulto ter sido educado. Ademais, no artigo 205 do mesmo diploma legal, há a previsão de ser a educação um direito de todos e dever do Estado e da família, consagrando o princípio da universalidade do ensino. O referido dispositivo prevê ainda três objetivos básicos da educação: a) pleno desenvolvimento da pessoa; b) preparo da pessoa para o exercício da cidadania; c) qualificação da pessoa para o trabalho, sendo que integram nestes objetivos valores antropológicos-culturais, políticos e profissionais (SILVA, 2002, p. 310-311). Como forma de se concretizar tais objetivos, o artigo 206 da Constituição da República (BRASIL, 1988) destaca os princípios gerais para desenvolvimento do processo educacional, tais como igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; c) pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; gestão democrática do ensino público, na forma da lei; garantia de padrão de qualidade de piso salarial para os professores da educação pública, nos termos de lei federal. Ademais, a União, Estados, Distrito Federal e Municípios deverão organizar seus sistemas de ensino em regime de colaboração. 216 Além disso, a educação é direito público subjetivo, com acesso obrigatório e gratuito, nos termos do artigo 208 da Constituição (MENDES; BRANCO, 2015, p. 652). É assegura a gratuidade do ensino em todos os níveis de ensino na rede pública, ampliando-a para o ensino médio e para o ensino superior, uma vez que as constituições anteriores admitiam a educação gratuita de forma excepcional apenas para o ensino médio, não havendo menção ao ensino superior (OLIVEIRA, 1999, p. 64). Ademais, este mesmo artigo 208 (BRASIL, 1988) ainda ratifica o dever do Estado de universalizar a educação, ao garantir a progressiva universalização do ensino médio gratuito; o atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; o atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade; o acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; a oferta de ensino noturno regular adequado às condições do educando; o atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. Diante disso, o direito à educação é plenamente eficaz e com aplicação imediata, tornando-o exigível judicialmente, caso não seja prestado espontaneamente. Para Alves (2015), a Constituição da República de 1988, ao proclamar a educação como um direito fundamental de natureza social, faz com que a sua abrangência ultrapasse a esfera do interesse individual, protegendo também o interesse coletivo e o difuso, tendo o Estado o dever objetivo de torná-los realidade. 217 Por final, o artigo 227 da Constituição da República traz a educação da criança e do adolescente como sendo um dever a ser assegurado pela da família, do Estado e da sociedade, uma vez que é a principal fonte de crescimento cultural de toda a sociedade (BRASIL, 1988). 3. Laicidade do estado brasileiro A laicidade é uma forma de exigência de que o Estado não fundamente sua legitimidade em qualquer religião específica, gerando a oportunidade para que outras religiões se manifestem, ou seja, a religião não pode se utilizar do poder estatal para atingir o seu fim. Diante disso, as religiões minoritárias como protestantismo, espiritismo, manifestam apoio à laicidade. A Constituição da República 1988 prevê a laicidade de uma forma implícita frente aos princípios da democracia, da igualdade e da liberdade religiosa, uma vez que respeita a manifestação religiosa da sociedade (MORAIS, 2016, p. 227). Assim, o artigo 19, I da Constituição prevê ser vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”. Fabiana Maria Lobo (2015, p. 281), ao citar Jorge Miranda, transcreve o que seria o Estado laico, não confessionalista ou neutro, como sendo a não identificação entre Estado e religião, se manifestando como: 218 União entre o Estado e uma confissão religiosa (religião de Estado), que pode ser união com ascendência de um dos poderes sobre o outro (clericalismo ou regalismo) ou união com autonomia relativa; ou com a separação, que pode ser separação relativa (com tratamento privilegiado de uma religião) ou separação absoluta: (com igualdade absoluta das confissões religiosas). Gilmar Mendes (2015, p. 318) expõe que “a laicidade do Estado não significa, por certo, inimizade com a fé. [...] A sistemática constitucional acolhe, expressamente, medidas de ação conjunta dos Poderes Públicos com denominações religiosas”. Dizer que o Estado é laico não é o mesmo que dizer que este é ateu, não permitindo que os cidadãos adotem qualquer tipo de religião, mas apenas não impõe qualquer crença religiosa, deixando os cidadãos livres para a escolha da religião que mais compatibilize com suas convicções íntimas. Este Estado laico não favorece e nem contraria qualquer religião. Ocorre que este Estado laico não é puramente neutro diante dos aspectos religiosos. Machado (1996, p. 228) expõe que “a laicidade enquanto neutralidade pura representa uma ilusão de que a autoridade administrativa, o juiz ou o legislador terão somente uma atividade de abstenção. A religião, contudo, é um fato social e o Estado, enquanto instrumento regulador da vida social, não pode deixar de se relacionar com o fato social”. Assim, o Estado deve não só garantir a liberdade religiosa para ser considerado laico, mas também deve garantir a igualdade 219 de tratamento entre crenças, podendo ser positiva ou negativa, no sentido de crer ou não crer, respectivamente, com base nas regras da democracia (MORAIS, 2016, p. 227). Sobre o Estado laico, descreve Cury (2004, p. 183): O Estado laico não adota a religião da irreligião ou da anti-religiosidade. Ao respeitar todos os cultos e não adotar nenhum, o Estado libera as igrejas de um controle no que toca à especificidade do religioso e se libera do controle religioso. Isso quer dizer, ao mesmo tempo, o deslocamento do religioso do estatal para o privado e a assunção da laicidade como um conceito referido ao poder de Estado. Márcio Senra (2016, p. 226) expõe e complementa que: O Estado laico não se sustenta em fundamentos religiosos, relacionando-se com a afirmação da legitimação democrática do poder, como também com a imparcialidade em matéria de fé, o que não significa abstenção ou ataque a questões religiosas. A fundamentação religiosa deve se situar no âmbito privado do indivíduo, enquanto as decisões públicas devem estar estruturadas sob bases democraticamente construídas, não se considerando fatores religiosos. A laicidade coaduna-se com a democracia, principalmente a radical, onde todos os projetos de vida concorrem em condições de igualdade, sem haver prevalência de um sobre 220 o outro, por mais sofisticado ou digno que possa parecer aos olhos de alguém, como também da sociedade marcantemente moralizada por valores religiosos. O conceito estrito de democracia pressupõe simplesmente participação popular e absorção de demandas majoritárias pelo Governo. Assim, com base na laicidade estatal sob o seu aspecto positivo, o fundamento para se ter o ensino religioso, conforme garantido constitucionalmente, é que ele existe para auxiliar os cidadãos em sua escolha, com o fim de tomar essa importante decisão moral, além de torná-los mais tolerantes e preparados para viver em uma sociedade com ampla gama de religiões existentes em um Estado laico. Fabiana Maria Lobo (2015, p. 288-289) destaca como deve ser o ensino religioso em escolas públicas de um Estado laico: À vista do princípio da separação Estado/Igrejas, o ensino religioso nas escolas públicas laicas deve apresentar as seguintes características: a) deve ser o ensino de todas as religiões, de acordo com a demanda dos alunos, e não apenas o ensino de determinadas convicções religiosas, sob pena de ferir o princípio da neutralidade da escola laica; b) deve ser ministrado sob a responsabilidade das diversas confissões religiosas, e não sob a responsabilidade do próprio Estado, pois aí ele estaria exercendo típica função religiosa, o que lhe é vedado pelo 221 precitado princípio da separação63; c) deve ser garantido em condições iguais para todas as religiões, sob pena de violar a neutralidade estatal e a igualdade religiosa exigidas de um Estado laico. Portanto, o princípio da laicidade ou a ausência de confessionalidade deve ter um caráter relativo, destacando o aspecto da tolerância por tratar todas as religiões de forma igual, sem discriminação, e as religiões não se submetem à tutela estatal quanto à sua organização, devendo ter apenas o respeito à ordem pública, pois o Estado deve garantir o interesse público caso este for desrespeitado. 4. Liberdade religiosa como direito complexo: crença, culto e organização religiosa Antes de se adentrar à questão da liberdade religiosa e suas nuances, necessário se faz a compreensão do que é religião. Gilmar Mendes (2015, p. 317), fazendo referência a John Garvey, descreve a religião como sendo, “um sistema de crenças em um ser divino em que se professa uma vida além da morte, que possui um texto sagrado, que envolve uma organização e que apresenta rituais de oração e de adoração”. Assim, a religião professa um dos fundamentos de concepção de vida de um cidadão, sendo que a liberdade religiosa, como direito fundamental, se assenta na dignidade humana. Gilmar Mendes (2015, p. 320) destaca que “a liberdade religiosa consiste na liberdade de professar a fé em Deus”. 222 Para José Afonso da Silva (2002, p. 247), a liberdade religiosa inclui as liberdades espirituais e se exterioriza com a manifestação de pensamento. Complementa que essa liberdade se expressa de três formas, quais sejam, liberdade de crença, liberdade de culto e liberdade de organização religiosa. O artigo 5º, VI da Constituição da República garante a inviolabilidade da liberdade de crença e de consciência, bem como no inciso VIII explicita que “ninguém será privado de seus direitos por motivo de crença religiosa”. Nesse sentido, houve uma diferenciação entre a liberdade de crença e a de consciência, uma vez que, José Afonso da Silva (2002, p. 248), ao se referir a Pontes de Miranda, afirma que o “descrente também tem liberdade de consciência” e que “a liberdade de crença compreende a liberdade de ter ou não uma crença”. A liberdade de crença abrange a escolha, adesão, mudança de religião e, até mesmo, de ser ateu, salvo a possibilidade de gerar empecilhos ao livre exercício de qualquer religião por outrem (SILVA, 2002, p. 248). Já a liberdade de consciência ou de pensamento é a faculdade que o indivíduo tem de formular juízos e ideias sobre si mesmo e sobre o meio externo em que convive. Assim, o Estado deve propiciar meios para que o cidadão tenha uma formação autônoma de consciência, podendo este agir de acordo com suas convicções, cabendo, em alguns casos, a escusa de consciência, desde que não haja objeção ao cumprimento de uma obrigação a todos imposta ou realize prestação alternativa prevista em lei (MENDES; BRANCO, 2015, p. 312-313). 223 Quanto à liberdade de culto, o que se depreende é que a religião não é só o sentimento puro, isto é, orar, mas também a prática dos ritos, manifestações, reuniões e tradições, no âmbito domiciliar ou em público. Esta liberdade de culto não era extensiva a todas as religiões na época do Império, sendo restrita à religião católica (SILVA, 2002, p. 248). Esta liberdade de culto é garantida constitucionalmente em seu artigo 5º, VI, sendo que “é assegurado, o livre exercício de cultos religiosos e garantida, na forma da lei, proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. Assim, os poderes públicos não podem praticar embaraços ao exercício dos cultos religiosos, além de protegê-los contra a ação de terceiros (art. 19, I, da Constituição da República). Por fim, quanto à liberdade de organização religiosa, se trata da possibilidade de constituição e organização da igreja, bem como das suas relações com o Estado. O Estado não pode interferir sobre a economia interna das associações religiosas (MENDES; BRANCO, 2015, p. 316). No período do Império, não havia liberdade religiosa, uma vez que havia ingerência do Estado na Igreja a ponto de determinar a sua organização e funcionamento (SILVA, 2002, p. 249-250). Somente com a República é que houve a segregação do Estado com a Igreja e impondo os princípios básicos da liberdade religiosa. Referente à separação do Estado – Igreja, expõe Aldir Soriano (2002, p. 73): 224 Rui Barbosa teve um papel fundamental na separação entre a Igreja e o Estado e também da promoção da liberdade religiosa. O sistema republicano emergente não mais podia conviver com as restrições à liberdade religiosa, especialmente no que se refere ao culto religioso. Nenhuma forma de intolerância se coadunava com o novo ideal republicano. A liberdade de pensamento ou de consciência era de pouca valia, quando se restringia à exteriorização dessas faculdades. A partir dessa segregação é que se pode dizer que o Estado brasileiro se tornou laico, ou seja, admite-se e respeita-se todas as vocações religiosas. Ressalta-se que essa separação entre Estado e Igreja não se deu de forma absoluta, sendo que há certos pontos de contato, sendo um deles, a disciplina do ensino religioso em escolas públicas (SILVA, 2002, p. 250). Coadunando com esse entendimento sobre a liberdade religiosa, Márcio Senra (2016, p. 221) descreve que: Juntamente com a democracia e a igualdade, o princípio da liberdade religiosa compõe o princípio da laicidade, ou seja, o princípio da laicidade pode ser considerado um supra princípio jurídico. Todo indivíduo tem o direito de escolher e manifestar sua religião, seja sua visão de mundo positivista ou negativista, como também esse direito não pode possuir pesos diferentes em relação à crença professada. Além disso, a democracia deve se vincular com a tolerância, o que 225 sugere respeito mútuo em matéria de religiosidade, não se podendo considerar nenhum olhar religioso superior ou melhor do que outro. Ademais, quanto aos pontos de contato entre Estado e Igreja, uma vez que não houve segregação absoluta, Fabiana Maria Lobo (2015, p. 274), fazendo referência a Jorge Miranda, expõe que: A liberdade religiosa não consiste apenas em o Estado a ninguém impor qualquer religião ou a ninguém impedir de professar determinada crença. Consiste ainda, por um lado, em o Estado permitir ou propiciar a quem seguir determinada religião o cumprimento dos deveres que dela decorrem (em matéria de culto, de família ou de ensino, por exemplo) em termos razoáveis. E consiste, por outro lado (e sem que haja qualquer contradição), em o Estado não impor ou não garantir com as leis o cumprimento desses deveres. Portanto, a liberdade religiosa se manifesta de várias formas, sendo que existe a discussão quanto a liberdade de manifestação religiosa harmonizada à laicidade do Estado, principalmente quando se trata da forma de se praticar o ensino religioso nas escolas públicas no âmbito do ensino fundamental. 226 5. A prática do ensino religioso nas escolas públicas em um estado laico Ao longo da história brasileira, o ensino religioso nas escolas públicas sempre se revestiu de um aspecto confessional predominantemente cristão e católico. Atualmente, o Estado brasileiro não é confessional, pois adotou o modelo de separação entre Estado e igreja. Mas, também, não é considerado ateu, uma vez que o preâmbulo faz referência a Deus, invocando a sua proteção (MENDES; BRANCO, 2015, p. 317). Assim, conforme já exposto acima, não existe uma laicidade rígida, atenuada do Estado, sendo que existem alguns pontos de contato deste com a religião. Barroso (BRASIL, 2017), em seu voto apresentado no julgamento da ADI 4.439, insurge que: O Estado deve desempenhar dois papeis decisivos na sua relação com a religião. Em primeiro lugar, cabe-lhe assegurar a liberdade religiosa, promovendo um ambiente de respeito e segurança para que as pessoas possam viver suas crenças livres de constrangimento ou preconceito. Em segundo lugar, é dever do Estado conservar uma posição de neutralidade no tocante às diferentes religiões, sem privilegiar oudesfavorecer qualquer uma delas. É nesse ambiente que se insere o debate a respeito do ensino religioso nas escolas públicas. 227 Por isso, ao se falar em ensino religioso nas escolas públicas para as crianças que estão em fase de formação intelectual e crítica, há alguns questionamentos acerca da compatibilidade do dispositivo com o Estado laico e a garantia da liberdade religiosa. A disciplina “ensino religioso”, desde 1934, é caracterizada como disciplina de matrícula facultativa para uma oferta obrigatória (MORAIS, 2016, p. 225). O artigo 210, §1º, da Constituição da República traz previsão expressa sobre o ensino religioso nas escolas públicas, mediante matrícula de forma facultativa. Assim, é direito do aluno religioso, de escola pública e de ensino fundamental, se matricular nessa disciplina, mas não lhe é obrigatório fazê-lo, uma vez que não há qualquer forma de avaliação que importe em reprovação ou aprovação para fins de promoção na vida escolar (SILVA, 2002, p. 251-252). Destaca-se que o referido artigo não define se o ensino religioso nas escolas públicas deve ser confessional. O art. 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que assim dispõe: “Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular”. A Lei n. 9.394/1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional (LDB), também dispõe acerca da instituição do ensino religioso, em seu artigo 33, conforme a seguir: 228 O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. § 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores. § 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso. A partir da Lei n. 9.457/97, o ensino religioso assume um novo modelo baseado no pluralismo e no diálogo inter-religioso que reflete essa tendência de aproximação entre as religiões. Por fim, em 13 de novembro de 2008, o Governo brasileiro firmou acordo com a Santa Sé sobre o Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil. No artigo 11 do anexo dessa Concordata, promulgada pelo Decreto no 7.107/2010, convencionou-se que: A República Federativa do Brasil, em observância ao direito de liberdade religiosa, da diversidade cultural e da pluralidade confessional do País, respeita a importância do ensino religioso em vista da formação integral da pessoa. §1o O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de 229 matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação. Assim, infere-se que a norma a qual dispõe efetivamente acerca da instituição do ensino religioso como disciplina escolar veda qualquer tipo de discriminação, bem como priorização de alguma crença. A liberdade de crença ficou preservada a partir do dispositivo legal. Ademais a facultatividade da disciplina caminha na direção da não ofensa à laicidade estatal. Alexandre de Moraes (2011, p. 133-134) expõe que o ensino religioso deve ser compatível com as demais liberdades públicas, como a liberdade de culto e a laicidade estatal: Dessa forma, destaca-se uma dupla garantia constitucional. Primeiramente, não se poderá instituir nas escolas públicas o ensino religioso de uma única religião, nem tampouco pretender-se doutrinar os alunos a essa ou aquela fé. A norma constitucional pretende, implicitamente, que o ensino religioso deverá constituir-se de regras gerais sobre a religião e princípios básicos da fé. Em segundo lugar, a Constituição garante a liberdade das pessoas em matricularem-se ou não, uma vez que, conforme já salientando, a plena liberdade religiosa consiste também na liberdade ao ateísmo. 230 Os defensores do ensino religioso nas escolas públicas de forma confessional defendem que, com ele, há a possibilidade de doutrina as crianças em uma determinada religião, além de contribuir para a formação integral da personalidade. Assim, não basta um ensino genérico do fenômeno religioso e da história da religião, mas um verdadeiro ensino confessional, ministrado de acordo com as convicções religiosas individuais dos pais e dos alunos (SILVA, 2015, p. 286). Coadunando com esse entendimento é a fundamentação do artigo 26, §2º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o qual expõe que a missão da educação formal de promover o pleno desenvolvimento da personalidade que só se completa com o estudo da dimensão religiosa do homem. Fabiana Maria Lobo (2015, p. 291) destaca seu posicionamento neste sentido: Nesse aspecto, reafirmamos nosso posicionamento de que a liberdade fundamental de recebimento de ensino religioso só pode ser efetivamente atendida mediante o ensino confessional, ministrado de acordo com as convicções religiosas do aluno ou de seus pais. Isso na medida em que o ensino denominado “ecumênico” ou genérico (da história da religião, das religiões comparadas, v.g.) não atende ao requisito de “ensino religioso de acordo com as convicções”, preconizado pelos documentos internacionais garantidores do direito fundamental em questão. 231 Nesse sentido, Gilmar Mendes (2015, p. 319) destaca que: O respeito à liberdade individual está expresso na cláusula que garante a eletividade desse ensino – o constituinte determina que a matrícula respectiva seja facultativa. O conteúdo desse ensino religioso há de ser confessional. Se a norma estivesse cogitando de ensino meramente descritivo de fenômeno religioso, em suas múltiplas aflorações e denominações, não haveria motivo para que fosse inserida na Constituição, a não ser que o constituinte houvesse desejado atribuir importância insuperável à disciplina – hipótese logicamente inaceitável, já que o mesmo preceito estabeleceu a adesão facultativa. Deve haver, pois, abertura para que as diversas religiões possam valer-se dessa previsão, conforme demanda do alunado. Já os que se posicionam de forma contrária, baseados na laicidade do Estado, defendem a extinção de referida disciplina da grade de ensino, pois há uma comoção à intolerância religiosa, bem como ofensa à liberdade de escolha e a igualdade no tratamento relativo à decisão do indivíduo. Baseia-se, ainda, na ideia de que a proposta da disciplina é formar os alunos para que eles possam optar pela religião que melhor atenda às suas convicções íntimas ou, até mesmo, não optar por nenhuma delas. Ademais, os contrários ao ensino religioso ainda pregam que os alunos componentes das denominadas religiões 232 minoritárias poderão se sentir excluídos do grupo, gerando graves prejuízos à formação desse indivíduo, uma vez que tendem a se isolar e ocasionando consequências psicológicas e sociais negativas, podendo ensejar a intolerância, o sentimento de despertencimento do grupo, situação que ofende a sua dignidade (MORAIS, 2016, p. 222). Fundamentam que o artigo 210, §1º da Constituição da República deve ser interpretado de forma mais restritiva, não sendo ministrado de maneira confessional, mas ter um caráter histórico sobre as diversas religiões existentes; um estudo do fenômeno religioso em seus aspectos filosóficos, sociológicos, históricos e psicológicos. Assim, esse dispositivo deve ser revisto, pois há contradição com a separação entre Estado e Igreja. Coadunando com esse entendimento, Barroso ao concluir seu voto na ADI 4.439, bem expôs que: A conclusão a que se chega é que somente o ensino religioso não confessional, ministrado de modo plural, objetivo e neutro – i.e., sem que as crenças e cosmovisões sejam transmitidas como verdadeiras ou falsas, boas ou más, certas ou erradas, melhores ou piores –, permite realizar o princípio da laicidade estatal, bem como garantir a liberdade religiosa e a igualdade. Márcio Senra (2016, p. 228) traz alternativa para que o ensino religioso no Brasil seja praticado coadunando com o Estado Democrático de Direito, sem que seja um ensino de fenômeno religioso, conforme a seguir: 233 A proposta que pode ser apresentada como substitutivo ao ensino religioso é a inserção do conteúdo de história das religiões no conteúdo escolar, prestigiando todas as religiões presentes na sala-de-aula. Neste sentido, o docente deve conhecer quais são as visões religiosas de todos os alunos e trabalhalas num viés histórico, abordando origem e desenvolvimento histórico, dogmas, rituais, sem realizar juízo de valor. O trabalho demandará pesquisa séria e dedicada, tendo como resultado um estudo enriquecedor para todos os envolvidos, desenvolvendo o espírito de comunhão e respeito pela diversidade. Não pode o docente, ainda, desconsiderar o que seja religião (como instituição) e sua diferença de visão religiosa de mundo. O tema acerca do ensino religioso confessional, aquele em que se segue específica crença religiosa, foi levado até o Supremo Tribunal Federal - STF pela Procuradoria Geral da República, em 2010, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 4.439. Referida ADI teve o objetivo de dar interpretação conforme a Constituição da República ao art. 33, §§ 1º e 2º, da LDB e ao art. 11 do Anexo do Decreto no 7.107/2010, ou seja firmar o entendimento de que o ensino religioso nas escolas públicas brasileiras fosse de cunho não confessional, não sendo vinculado a nenhuma religião e, ainda, não se fosse admitido representantes das confissões religiosas como professores da disciplina. O 234 conteúdo a ser ministrado em aula, com fundamento na própria laicidade do Estado, deveria ter como diretriz a historicidade e as culturas das religiões, não seus preceitos propriamente ditos. Assim, na ação, a Procuradoria reconhece que o ensino religioso facultativo nas escolas públicas deve ser garantido em face da própria previsão constitucional. Todavia, argumenta que, pela laicidade do Estado, esse ensino não pode ser confessional. Em 27 de setembro de 2017, houve o julgamento da ADI 4.439, sendo que o STF, por maioria dos votos (6x5), concluiu que o ensino religioso nas escolas públicas brasileiras pode ter natureza confessional, julgando improcedente a ação. Os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia votaram pela improcedência da ADI 4.439; em contrapartida, os ministros Luís Roberto Barroso, relator, Rosa Weber, Luiz Fux, Marco Aurélio e Celso de Mello, manifestaram-se pela procedência da ação. Apesar da improcedência da demanda apresentada ao STF, tem-se que, mesmo o Brasil taxando-se de Estado laico, a ligação Estado – Igreja é evidente. Como dispõe Monteiro (2012, p. 53), “de tudo quanto visto, constata-se que, sob qualquer denominação, o ensino religioso patrocinado pelo Estado põe em xeque a pluralidade religiosa talhada há um século, alargando, sobremaneira, a distância entre os diferentes”. Com base em todo o exposto, o ensino religioso deve ser ministrado sem manifestação de fé, mas apenas de forma geral, com exposição da história e das nuances de todas as religiões, com o fim de haver discriminação dentro de uma mesma turma de alunos com diversas formações religiosas já realizadas em casa 235 pelos pais. Isso possibilita a escolha e ainda a possibilidade de mudança de religião por parte dos alunos. Assim sendo, o ensino religioso não pode utilizado para doutrinar os alunos numa certa religião específica, ou seja, não confessional, pois haveria violação de compromisso com as demais religiões, com a laicidade do Estado e com a autonomia da escolha dos cidadãos pela religião que mais se identifique com a sua convicção íntima ou, até mesmo, nenhuma religião, caso seja esse o entendimento, não sendo imposta pela família ou por alguma religião majoritária. 6. Considerações finais O Brasil, a partir da leitura do texto constitucional e, baseados nos preceitos do Estado Democrático de Direito, afirmase laico. Ressalta-se, novamente, que um país laico é aquele em que as crenças religiosas não possuem qualquer influência ou interferência da administração por parte do Estado e na vida de seus cidadãos. Nota-se, não há promoção ou proibição da crença, não podendo o Estado determinar a seus integrantes qual religião adotar. Em contrapartida, esse mesmo Estado que não incentiva não pode, em nenhuma hipótese, determinar a proibição de crença; o Estado é neutro em relação as inúmeras formas de crenças e manifestações religiosas. O indivíduo, a partir de suas concepções intimas, sem qualquer influência externa exercida pelo Estado, é livre para optar seguir determinada crença ou, também, optar por não se filiar a nenhuma forma de manifestação religiosas. 236 A recente decisão do Supremo Tribunal Federal possibilitando o ensino religioso confessional nas escolas públicas, assegura o apontamento de que o Brasil jamais foi e não é um Estado laico. Apesar da respeitável decisão, coaduna-se do entendimento de que o ensino religioso nas escolas públicas, por mais que seja de matrícula facultativa e de oferta obrigatória, não pode utilizado para doutrinar os alunos numa certa religião específica, ou seja, deve ser não confessional, pois haveria violação de compromisso com as demais religiões, com a laicidade do Estado e com a autonomia da escolha dos cidadãos pela religião que mais se identifique com a sua convicção íntima ou, até mesmo, nenhuma religião, caso seja esse o entendimento, não sendo imposta pela família ou por alguma religião majoritária. A disciplina do ensino religioso em escolas públicas deve ser utilizada para a formação crítica e de tolerância dos cidadãos que vivem em uma sociedade com várias formas de doutrinas religiosas, se restringindo ao ensino da história, ao estudo do fenômeno religioso em seus aspectos filosóficos, sociológicos, históricos e psicológicos, das dimensões sociais das diversas religiões, assegurando o pluralismo religioso. 7. Referências ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito Material Coletivo: superação da summadivisio direito público e direito privado por uma summadivisio constitucionalizada. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. 237 ALVES, Vilma José de Souza. O direito à educação e suas perspectivas de efetividade. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVIII, n. 142, nov. 2015. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revist a_artigos_leitura&artigo_id=15775&revista_caderno=9>. Acesso em: 09 jan. 2018. BARCELLOS, Ana Paula de. 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Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm>. Acesso em: 10 jan. 2018. 238 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 4.439 ML/SP. Medida Liminar na Ação Direta da Inconstitucionalidade. Relator: Min. Luís Roberto Barroso. Brasília, 27 de setembro de 2017. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp ?incidente=3926392>. Acesso em: 10 jan. 2018. BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução de: Carlos Nelson Coutinho.13ª tiragem. Rio de Janeiro: Campus, 1992. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. CURY, Carlos Roberto Jamil. Ensino religioso na escola pública: o retorno de uma polêmica recorrente. Revista Brasileira de Educação, 2004. n. 27. p. 183-191. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n27/n27a12.pdf>. Acesso em: 11 jan. 2018. DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS. Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris. 10 dez. 1948. 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São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. 195 p. 241 A ATUAÇÃO DA ESCOLA ENQUANTO ELEMENTO CONSOLIDADOR DE UMA SOCIEDADE PLURAL THE SCHOOL'S ACTIVITY AS A CONSOLIDATING ELEMENT OF A PLURAL SOCIETY Thamara Estéfane Martins Balbino 36 Deilton Ribeiro Brasil37 36 Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Mestranda em Proteção dos Direitos Fundamentais pela Universidade de Itaúna, Advogada. 37 Pesquisador visitante na Universityof Ljubljana e Universitàdi Pisa (EslovêniaItália, 2017) com a supervisão do Prof. Dr. Ales Galic e da Profa. Dra. Maria AngelaZumpano. Pós-doutorado Direito na Universitàdegli Studi di Messina (Itália, 2015-2016) com a supervisão do Prof. Dr. Mario Trimarchi. Pósdoutorado em Direito Ambiental no CENoR da Faculdade de de Direito da Universidade de Coimbra (Portugal, 2014-2015) com a supervisão da Profª Dra. Maria Alexandra Sousa Aragão. Pós-doutorado em Direito Constitucional junto ao Ius Gentium Conimbrigae/Centro de Direitos Humanos (IGC-CDH) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Portugal, 2013-2014) com a supervisão do Prof. Dr. Jónatas Eduardo Mendes Machado. Doutorado em Direito pela Universidade Gama Filho do Rio de Janeiro-RJ (área de concentração em Estado e Direito: internacionalização e regulação) (2006-2010) com a orientação do Prof. Dr. Guilherme Calmon Nogueira da Gama. Mestrado em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos de Belo Horizonte-MG (área de concentração em Direito Empresarial) (1998-2001) com a orientação do Prof. Dr. Alberto Deodato Maia Barreto Filho. Especialização lato sensu pela Universidade Presidente Antônio Carlos em Direito Público (2002) e em Direito Civil (2003). Possui graduação em Direito pela Universidade Presidente Antônio Carlos (1984). Atualmente é Professor da Graduação e do PPGD - Mestrado em Direito Proteção dos Direitos Fundamentais da Universidade de Itaúna - UIT (08/2016). 242 Resumo: A Constituição Federal de 1988 preconizou um Estado que fosse democrático em todos os níveis. Ocorre que em uma sociedade marcada pelo pluralismo é preciso questionar a legitimidade dos instrumentos que vêm sendo utilizados para atingir a abertura que se propõe. Partindo da concepção de que a escola é um importante elemento para formação de novos comportamentos, pertinente questionar se a sua atuação vem cumprindo o papel de elemento consolidador e garantidor dessa sociedade plural e democrática. Para o alcance do objetivo proposto, utilizou-se o método de pesquisa dedutivo através de pesquisa bibliográfica como fonte para formação dos postulados defendidos. Palavras-chave: Constituição Federal de 1988; Multiculturalismo; Pluralismo; Democracia; Reflexão. Abstract: The 1988 Federal Constitution advocated a state that was democratic at all levels. It happens that in a society marked by pluralism, it is necessary to question the legitimacy of the instruments that have been used to reach the opening that is proposed. Starting from the conception that the school is an important element for the formation of new behaviors, it is pertinent to question if its performance has fulfilled the role of consolidating element and guarantor of this plural and democratic society. To reach the proposed objective, the method of deductive research was used through bibliographical research as a source for the formation of the defended postulates. Keywords: Federal Constitution of 1988; Multiculturalism; Pluralism; Democracy; Reflection. 243 1. Introdução A partir da Constituição Federal de 1988, um Estado democrático em todos os níveis passou a ser um dos principais objetivos a serem alcançados tendo como preocupação a construção de uma sociedade mais inclusiva e igualitária. Embora passadas quase três décadas desde então, vive-se ainda hoje a expectativa de consolidação desse modelo democrático, ganhando força a proposta de uma sociedade mais participativa e pluralista que reconhece o direito fundamental à diferença em todos os âmbitos e em todas as expressões do viver coletivo, incluindo as questões de caráter econômico, social, racial e cultural, por exemplo. Nesse contexto, considerando a escola enquanto lugar de formação de novos comportamentos, pertinente questionar se a sua atuação vem, de fato, cumprindo o papel de elemento consolidador e garantidor dessa sociedade plural e democrática, perquirindo sobre a legitimidade dos instrumentos que vêm sendo utilizados para atingir a abertura que se propõe. Mais que um caminho para a formação de profissionais, é preciso que a sala de aula seja entendida como a realização dos valores de convivência humana, promovendo o princípio da igualdade, sobretudo, pela busca da equalização das condições dos socialmente desiguais. O desafio de compatibilizar o Direito com uma sociedade tão diversificada demonstra a importância da participação das pessoas desde o início da sua formação, enquanto interessadas e 244 destinatárias para a afirmação do ideal democrático proclamado pela Constituição de 1988. Resta claro, nessa perspectiva, a releitura do papel da educação para que venham a ser banidos os discursos de preconceito, de ódio ou de perseguição pelo simples fato do outro ser entendido como diferente. Tomando como base uma sociedade onde a intolerância tem se manifestado nos mais diversos contextos atingindo essencialmente os chamados grupos minoritários, é importante que se reflita de que maneira a escola enquanto instrumento do processo democrático tem se posicionado diante dessas situações. Nessa perspectiva, o objetivo do presente artigo é verificar se a escola de fato tem cumprido o papel para consolidação de uma sociedade democrática perquirindo sobre a legitimidade dos instrumentos mais comuns que são usados para que se atinja essa abertura. Em sua estrutura, o trabalho se divide em duas seções temáticas que se somam à introdução e à conclusão. Na primeira parte intitulada “os instrumentos utilizados na concretização de uma sociedade democrática” o objetivo central foi estabelecer quais os principais instrumentos têm sido utilizados para a abertura proposta discutindo sobre sua legitimidade para o alcance desse objetivo. Já no outro tópico denominado “a consolidação de uma sociedade democrática através da educação”, o foco se concentrou em estabelecer de que forma a educação pode ser usada para o alcance dessa sociedade democrática que irradia seus efeitos sobre outros direitos igualmente importantes. 245 Por fim, na conclusão espera-se obter um posicionamento seguro acerca dos principais instrumentos que vêm sendo utilizados para atingir uma sociedade mais igualitária avaliando a atuação da escola enquanto elemento consolidador e garantidor dessa sociedade plural e democrática. O presente estudo seguirá a metodologia bibliográfica, de natureza descritiva-qualitativa, partindo então de uma breve discussão sobre como ficam essas questões diante de um cenário de diferenças em diversos níveis, sejam elas culturais, econômicas, raciais ou outras tantas que se revelam a cada dia, relatando os aspectos principais que envolvem o assunto e a possibilidade de garantir a isonomia sem que para isso tenha que se sacrificar as particularidades tidas como essenciais a cada um. 2. Os instrumentos utilizados na concretização de uma sociedade democrática Tomando como ponto de partida o princípio democrático que orienta o novo paradigma de Estado que se propõe, tem-se que a participação dos interessados nas questões públicas é imprescindível para que ocorra a realização efetiva dessa abertura. Entretanto, essa participação popular não ocorre de forma repentina, sendo necessário que se desenvolva um processo na formação dessa nova forma de atuar diante da sociedade. Sob essa perspectiva, a escola acaba por desempenhar um importante papel, tendo em vista ser o lugar de formação de novas concepções e comportamentos, representando conforme assevera 246 o autor Peter McLaren (2000) “um espaço de reinvenção das perspectivas que forjam identidades homogêneas”. É preciso que se considere que, de fato, vive-se em um lugar que abriga pessoas com origens e pretensões muito diferentes de modo que não se mostra aconselhável cultivar o pensamento de que partimos todos de situações semelhantes e temos por isso os mesmos objetivos. É preciso que haja o reconhecimento do caráter multicultural que envolve uma pluralidade de cultura, de gênero, de etnia, de classe e essas devem ser consideradas o mais breve possível dentro das escolas como forma de viabilizar a cidadania e a democracia. Nesse sentido, Magdale Machado Catelan e Leonardo Guedes Henn (2016) afirmam que: Os termos pedagogias críticas, educação crítica ou teorias críticas em educação correspondem a uma classificação de certa amplitude que açambarca teorias e práticas educativas caracterizadas pela pretensão de lutar para a promoção de transformações sociais. (CATELAN E HENN 2016) É salutar entender que todo projeto de democratização necessariamente passa pela assimilação das diferenças de modo a considerar os diversos interesses que compõe esse cenário. O que se verifica, no entanto, é que sob o manto da busca pela igualdade proclamada pela Constituição Federal de 1988, temse vivido uma imposição velada dos interesses e do modo de vida 247 daqueles que gozam de posições privilegiadas afirmando forçadamente que todos são iguais e que teriam iguais condições de alcançar seus objetivos. Tem-se visto a utilização da lei como o principal instrumento para realização da igualdade e da democracia sem que se atente para o fato de que a participação de cada indivíduo enquanto destinatário e interessado é que legitima a atuação estatal na consolidação desses objetivos. Enquanto o Estado e as normas são apontados como os principais garantidores desse processo democrático que envolve a cidadania e a igualdade, muitas pessoas continuam invisíveis diante da sociedade, ao mesmo tempo em que suas necessidades são aplacadas com o cômodo discurso de que todos podem vence igualmente. É preciso enfrentar o problema com a consciência de que simplesmente o Direito através do primado da lei muitas vezes não consegue oferecer as respostas para essas questões, sendo imprescindível admitir a necessidade de buscar para além desses mecanismos os objetivos que se propõe. A esse respeito, Antônio Carlos Wolkmer (2000) assevera que: A Ciência do Direito não consegue superar sua própria contradição, pois enquanto “Ciência” dogmática torna-se também ideologia da ocultação. Esse caráter ideológico da Ciência Jurídica se prende à asserção de que está comprometida com uma concepção ilusória de mundo que emerge das relações concretas e antagônicas do social. (WOLKMER, 2000, p. 151) 248 A diversidade, outrossim, jamais pode ser vista como um fim em si mesma, mas sim dentro de uma política de compromisso com a justiça social. Dentro de um contexto pluralista, percebe-se que a integração entre os diferentes grupos torna-se elemento chave para a efetividade jurídica tanto da democracia quanto da cidadania. Nesse sentido, assegurar o direito à diferença nas relações sociais é uma maneira de incentivar a convivência pacífica e tolerante entre os indivíduos caracterizando um compromisso com a democracia e com a justiça social, em meio às relações de poder em que tais diferenças são construídas. A esse respeito, importante consignar a ressalva feita por Pauliane Lisboa Abraao (2011) quando dispõe que: Apesar do Estado Democrático de Direito em que vivemos prever expressamente em suas bases o caráter multicultural e plural da sociedade brasileira, as reivindicações de grupos diferenciados no Brasil ainda são um problema. (ABRAAO, 2011) É comum ver o Estado credenciado como garantidor dos direitos fundamentais dos indivíduos e como implementador das importantes políticas públicas que viabilizam esses direitos. Entretanto, válido ressaltar que ele por si só não é o único responsável por essa atuação. O pluralismo no Estado Democrático de Direito busca evidenciar que o poder estatal não é a fonte única e exclusiva do 249 Direito, sendo toda a sociedade uma forma de composição e revelação desse novo direito. É uma crítica ao sistema monista que vê no Estado a única fonte sendo que a esse respeito, Ana Lúcia Sabadell (2005) afirma que: Podem existir ordenamentos jurídicos contraditórios (que levam a soluções diferentes para a mesma situação), mas também ordenamentos complementares, aplicáveis a situações diferentes. (SABADELL, 2005, p. 121) Percebe-se, nesse sentido que não se objetiva excluir o poder do Estado, mas reconhecer que outras atuações complementares podem contribuir para a efetividade da cidadania e da democracia utilizando a educação como um dos principais instrumentos. A esse respeito, Gabriela Garcia Batista Lima (2012) assevera que: O pluralismo jurídico, como instrumento de análise, apresenta ferramentas interessantes para o estudo do direito, na medida em que não se limita ao Estado e permite analisar a influência de diferentes forças sociais no âmbito jurídico. (LIMA, 2012) Um dos questionamentos mais pertinentes, portanto, a se fazer é sobre a relativização do poder do Estado como principal garantidor de direitos, onde se busca entender possíveis razões 250 para a não concretização de algum objetivo tutelado juridicamente. Nesse sentido, Gabriela Garcia Batista Lima (2012) dispõe que: É nesse contexto que o pluralismo jurídico, que engloba uma abordagem sistêmica de analisar os fatos, vem sendo cada vez melhor recepcionado no estudo do direito, vislumbrando a coexistência de ordens e diferentes elementos a impulsionar a criação e efetividade do direito. (LIMA, 2012) Não parece razoável que se ignore a legitimidade de outros instrumentos além das normas, bem como sua aptidão para oferecer respostas diante da inoperância do Estado e da sua omissão em relação aos indivíduos desfavorecidos e por vezes sequer reconhecidos. Até mesmo por uma limitação seja ela orçamentária ou operacional, muitas vezes não será possível ao Estado agir efetivamente em todas as frentes. Nesse sentido, Lucas do Monte Silva e Patricia Borba Vilar Guimarães (2014) afirmam que: Ao mesmo tempo, deve-se mudar a atitude governamental em relação a quantia despendida na efetivação dos direitos e garantias fundamentais. Em grande parcela das nações, essa concretização é vista como um "custo" do Estado e não como um "investimento". Nesse ponto é que deve ocorre uma mudança de perspectiva, pois a efetivação de direitos fundamentais é investimento no futuro da nação, que dará dividendos por décadas e não uma despesa 251 desnecessária (...) (SILVA, GUIMARÃES 2014) Há, sobretudo, uma necessidade de produção e aplicação difusa na forma de se ver o direito e, nesse sentido, a sociedade com seus diversos sujeitos e grupos sociais deve ser vista como participante direta de todo o processo e não apenas o Estado. Necessário destacar que a participação do cidadão não se exaure na mera formação das instituições representativas objetivando, sobretudo, possibilitar a participação e a intervenção dos grupos, em especial aqueles considerados minoritários, ao longo de todo o processo democrático. A esse respeito, Bonavides (1993) afirma que: Com efeito, as instituições representativas padecem em todo o país uma erosão de legitimidade como jamais aconteceu em época alguma de nossa história, ficando assim a cláusula constitucional da soberania popular reduzida a um mero simulacro de mandamento, sem correspondência com a realidade e a combinação dos interesses que se confrontam e se impõem na região decisória onde se formulam as regras de exercício efetivo do poder. (BONAVIDES, 1993, p.24) Percebe-se, nesse sentido, a importância de se compreender o princípio democrático como garantia real dos direitos fundamentais da pessoa humana, sob pena do princípio se 252 tornar apenas uma falácia. Nessa perspectiva, Marcio Ricardo Staffen e Rafael Padilha dos Santos (2016) asseveram que: Em suma, em uma sociedade em que houver discriminação arbitrária, desrespeito à autodeterminação pessoal, se o próprio Estado não realizar políticas concretas e serviços eficazes em prol do ser humano, em que a integridade física e moral não for respeitada, em que a coexistência saudável e harmônica não tiver lugar, em que os seres humanos forem tratados como coisas, em uma sociedade que mantenha tais injustiças de modo duradouro e tolere tais aviltamentos, a dignidade da pessoa humana não encontrará terreno para germinar e fazer-se vívida em benefício coletivo. (STAFFEN; SANTOS 2016) É preciso ressaltar ainda o fato de que em muitas situações, o responsável pela violação dos direitos fundamentais não é o Estado, mas o próprio particular ou os grupos sociais. A partir do momento que se vê a educação como interesse de todos ela deixa de ser um direito individual para se tornar um interesse difuso que pode ser de igual modo alcançado com a soma de esforços em comum. A esse respeito, José Alfredo de Oliveira Baracho (1984) assevera que: A localização dos direitos fundamentais nas constituições dos Estados de democracia 253 pluralista é constante. Procura-se hoje a conciliação equilibrada dos interesses individuais, com os de caráter coletivo ou geral. (BARACHO, 1984, p. 140) Nesse contexto, observa-se que os direitos não existem para serem reclamados somente em face do Estado, devendo ser exercido diante de toda a sociedade. Sob esse prisma, Andrea Cadore Tolfo (2013) afirma que: Para que o indivíduo seja cidadão é necessário que o mesmo tenha os direitos fundamentais realmente respeitados e efetivados. Só se exerce a cidadania, sendo cidadão, com o efetivo cumprimento dos deveres e também dos direitos garantidos no ordenamento jurídico do país. Nesse sentido, a cidadania exige a correspondência entre o que se tem garantido por direito e o que tem de fato. (TOLFO, 2013) Na mesma linha de raciocínio exposta acima, Haberle (1997) assevera que: Portanto, existem muitas formas de legitimação democrática, desde que se liberte de um modo de pensar linear e "eruptivo" a respeito da concepção tradicional de democracia. (HABERLE, 1997, p. 39). Percebe-se que dentre as diversas formas de se consolidar a democracia, todas elas passam pela aceitação e reconhecimento 254 da importância em se respeitar e se compreender devidamente as diferenças. Tomando como referência a complexidade da sociedade, paradigmas precisam ser revistos, questionados e até negados e esse ponto de reflexão conforme afirma McLaren (2000) deve começar na escola. Nessa perspectiva, o processo de inclusão ou exclusão social das crianças, adolescentes e jovens com condições socioeconômicas desfavoráveis passa primeiramente na escola, revelando sua importância no processo de formação. No que tange à diminuição do preconceito, não se pode conformar com a premissa de que essa é uma questão enraizada na história brasileira, onde a exclusão de pessoas como negros e índios vem desde a colonização portuguesa. Considerando que essa cultura de separação demanda estratégias para ser modificada a inserção no ensino propiciando debates sobre as diferenças essenciais a cada um pode representar uma importante medida a ser tomada. Nesse sentido, Boaventura de Sousa Santos (2003) quando afirma que: "temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza" (SANTOS, 2003, p. 56). Outrossim, na mesma linha de raciocínio, o educador que tem papel na formação de identidades pode contribuir através da percepção e cuidado que preserve as peculiaridades políticas, sociais e culturais em que se inserem os alunos, levando em conta todos os silêncios e discriminações que se manifestam na sala de aula, bem como ampliando o espaço de discussão. 255 É necessário rever prioridades e nesse sentido, Lucas do Monte Silva e Patricia Borba Vilar Guimarães (2014) fazem um importante questionamento quando asseveram que: Mas, enfim, quais seriam os direitos fundamentais que merecem serem alvos de recursos prioritários para alcançar as metas do "novo" desenvolvimento? São os direitos necessários para a criação de uma sociedade transparente, plural e democrática, na qual cada indivíduo possua oportunidades, para conquistar com as mesmas condições, à medida do possível, por meio do seu mérito, de desenvolver suas potencialidades e realize os seus objetivos de vida. Nesse sentido, podem-se deduzir diversos direitos como o direito à democracia, à saúde, à segurança, à igualdade, à liberdade, à vida, os quais, para sua real efetividade, mostra-se necessária a efetivação de apenas um deles: o direito à educação. (SILVA, GUIMARÃES 2014) O processo educativo deve ser considerado como instrumento de resgate da autoestima, da autonomia e das imagens distorcidas, sendo que ao mesmo tempo em que reúne o embate das diferenças possibilita também o encontro de diferentes perspectivas sendo um campo que, se devidamente explorado, pode se mostrar enriquecedor e eficaz para diminuir e prevenir o processo de exclusão social e para viabilizar a consolidação da democracia. 256 É fundamental, por tudo que foi dito até aqui, um olhar prioritário de todos sobre a educação haja vista que conforme asseveram Lucas do Monte Silva e Patricia Borba Vilar Guimarães (2014): Com efeito, vislumbra-se, desta maneira, que a efetivação de cada direito fundamental gera um efeito dominó nos outros direitos da mesma natureza, ou seja, nunca a falta de efetivação de um direito fundamental produzirá efeito apenas em determinado setor, pois já que todos os direitos estão interconectados e são interdependentes, a ineficácia ou efetivação de um direito, atinge os outros, alterando todo o contexto e quadro de direitos. (SILVA, GUIMARÃES 2014) É preciso que não apenas o olhar governamental, mas também a instituição escolar e a sociedade através de uma educação ampla se comprometam a criar mecanismos que minimizem os conflitos despertados pelas diferenças e é justamente sobre isso que se falará no tópico seguinte. 3. A consolidação de uma sociedade democrática através da educação Quando se fala em mudanças estruturais, é preciso admitir que se nos mantivermos presos apenas ao sentido político e às soluções trazidas pelo Direito haverá mais discursos, sem grandes repercussões concretas no sentido de mudança. 257 Torna-se urgente uma educação verdadeiramente democrática, que inclua a diversidade cultural sendo que para que este processo aconteça é necessário o compromisso social de realmente construir um espaço democrático e isso implica o respeito ao outro, o diálogo com os valores do outro. É necessário que sejam previstas e, mais que isso, que sejam fomentadas maneiras de participação da escola dentro do processo de democratização incluindo todos os envolvidos nesse processo como professores, pais e comunidade na consciência de que apenas uma atuação conjunta é capaz de somar forças suficientes para a mudança que se propõe. A educaçãoé, nessa perspectiva, um pilar tanto da democracia quanto da cidadania e constitui um dos direitos fundamentais mais importantes com relevância pública e social em prol do bem comum. Nessa perspectiva, Lucas do Monte Silva e Patricia Borba Vilar Guimarães (2014) afirmam que: O direito à educação é a base constitutiva da formação dos cidadãos e do próprio Estado, sendo considerado pela doutrina um "direito de síntese", pois a sua efetivação propicia e potencializa a garantia e concreção de outros direitos fundamentais, tanto de forma direta como de forma oblíqua. (SILVA, GUIMARÃES 2014) Outrossim, a educação, enquanto direito social assegurado constitucionalmente através do art. 6º, necessita ser 258 vista como prioritária uma vez que fundante da cidadania, conforme corrobora o artigo 205 da Constituição. Há de se admitir nesse sentido que nem sempre essa prioridade é respeitada tendo em vista que muitas vezes essa é uma área negligenciada e subvalorizada, tendo sido considerada muitas vezes um gasto público e não um investimento. Todavia, um direito que diz respeito a todos precisa ser visto de forma mais responsável sob pena de continuar agindo sobre as consequências geradas pela educação deficiente quando o mais eficaz seria agir na causa. Mais do que um direito individual fundamental, a educação é um direito social sendo que nas palavras de André de Carvalho Ramos (2014) os direitos sociais: Consistem em um conjunto de faculdades e posições jurídicas pelas quais um indivíduo pode exigir prestações do Estado ou da sociedade ou até mesmo a abstenção de agir. Por essa razão, o direito à educação enquanto direito social é essencialmente prestacional, exigindo-se ação do Estado e da sociedade para superar desigualdades fáticas e situação material ofensiva à dignidade. (RAMOS, 2014, p. 59-60) Percebe-se, portanto, que há intrínseca relação entre o direito à educação, a cidadania e os demais direitos, considerando a escola como um instrumento que pode-se utilizar desse espaço de diferenças como forma de transformação das consciências. 259 Lucas do Monte Silva e Patricia Borba Vilar Guimarães (2014) afirmam a esse respeito que: Quando se fala em efetivar "direito à educação" torna-se necessário, já de início, deixar claro, que refere-se à garantia de que o ensino básico e avançado - de qualidade sejam acessados por todas as pessoas, independente de sua origem geográfica, religião, racial, social etc., de forma que todas possuam oportunidade de acessar, permanecer e concluir seus estudos. (SILVA, GUIMARÃES 2014) O exercício da democracia pressupõe, assim, um sistema estruturado e organizado da cidadania, em harmonia com os demais valores protegidos pelo ordenamento jurídico. Sob essa perspectiva, a educação qualificada é fundamental para a consolidação desses objetivos. Nesse sentido, uma importante ferramenta inserida na realidade brasileira diz respeito aos parâmetros curriculares nacionais que funcionam, em síntese, como referenciais de qualidade na educação do ensino fundamental. Isso reforça o fato de que além de normas sobre educação, faz-se necessário um esforço de implementação das mesmas. Há um arcabouço normativo importante trazendo diretrizes a serem seguidas, mas para que possam ter eficácia necessitam da boa vontade não apenas daqueles que as fazem como daqueles que são os destinatários dessas normas. 260 Trazidos como resultado das iniciativas curriculares inseridas no Brasil, os parâmetros curriculares nacionais foram definidos pelo Ministério da Educação sendo que nessa perspectiva, Alicia Bonamino e Silvia Alícia Martinez (2002) afirmam que: Durante os anos de 1980, o retorno à democracia política levantou expectativas de desenvolvimento de processos correlatos no conjunto das instituições da sociedade. No plano educacional, e apesar dos limites impostos ao retorno à institucionalidade democrática pela persistência do autoritarismo, a abertura política levou vários prefeitos e governadores de oposição ao governo militar e seus secretários de educação a procurarem impelir modificações no sistema educativo, que incluíam reformas estruturais e curriculares focalizadas na ampliação e melhoria da escola pública (BONAMINO; MARTINEZ. 2002) A esse respeito, a Resolução nº 2, de abril de 1998 que institui as diretrizes curriculares nacionais da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, apresentou em seu art. 2º princípios, fundamentos e procedimentos na Educação Básica como forma de orientar as escolas brasileiras dos sistemas de ensino, na organização, na articulação, no desenvolvimento e na avaliação de suas propostas pedagógicas. Essas diretrizes foram importantes a partir do momento em que se visualiza uma perspectiva de consolidar o propósito 261 democrático nas escolas e a partir das escolas, trazendo bases para que se possa agir em consonância com esse propósito. Interessante registrar as colocações de Alicia Bonamino e Silvia Alícia Martinez (2002) quando discorrem sobre: [...] a necessidade de acolhida democrática pela escola das diversidades e peculiaridades de gênero, étnicas, etárias, regionais, socioeconômicas, culturais, psicológicas e físicas das pessoas implicadas diretamente com a educação escolar. (BONAMINO; MARTINEZ. 2002) Percebe-se a necessidade de interação de outras forças além do Estado a fim de fomentar a participação de todos num processo educacional com repercussões além da sala de aula. Deve-se ressignificar condutas conferindo novas responsabilidades que passam a não estar apenas nas mãos do Estado. É preciso ressaltar, todavia, que não se pretende provocar uma desvalorização do papel do Estado, antes pelo contrário. O que se afirmar é que a atuação estatal é realçada e fortalecida através dos esforços conjuntos de toda a sociedade enquanto beneficiária do projeto educacional, fomentando, sobretudo, um engajamento das diferentes forças que compõem os setores sociais. A esse respeito, a Resolução nº 2, de abril de 1998 estabelece em seu art. 3º, V que as escolas deverão explicitar em suas propostas curriculares processos de ensino voltados para as 262 relações com sua comunidade local, regional e planetária, visando à interação entre a educação fundamental e a vida cidadã. Isso se justifica porque serão justamente esses grupos sociais e não apenas o Estado que, por terem afinidades e experiências semelhantes, terão melhores condições de agir de forma mais eficiente diante de suas necessidades. Há de se dizer, no entanto, que nem sempre essa educação se mostrou apropriada haja vista ter estado sob o privilégio de classes mais favorecidas. É interessante perceber o ciclo que se forma pois caso a educação seja prestada inadequadamente ela impossibilita que o indivíduo se torne capaz de competir em condição de igualdade com os demais. A esse respeito, Lucas do Monte Silva e Patricia Borba Vilar Guimarães (2014) afirmam que: O termo igualdade está entre aspas, porque a real igualdade de oportunidades é utópica, sendo evidente que um estudante rico que possui um ambiente familiar propício ao seu desenvolvimento, que vive perto de sua escola, possuindo todos os livros necessários para seus estudos, terá um maior leque de oportunidades quando comparado com um estudante pobre do campo, que possui pais que não dão valor ao estudo na vida do cidadão, tendo pouco dinheiro para comprar seus livros didáticos, além de ter que se locomover diariamente grandes distâncias para chegar em sua escola. (SILVA, GUIMARÃES 2014) 263 É forçoso admitir que a escola foi durante muito tempo engessada nos saberes disciplinares e ensino fechado de modo que é necessária, sobretudo, também uma reforma de mentalidades mediante uma orientação ética que abarque as diferenças a fim de que se alcance um progresso que viabilize a dignidade da pessoa humana. O grande desafio contemporâneo da educação consiste justamente em unir os aspectos educacionais, sociais e culturais auxiliando na formação de uma sociedade mais democrática, cidadã, igualitária e digna de se viver. 4. Conclusão A presente pesquisa analisou a educação como forma de consolidação da democracia através de um ensino atento ao pluralismo e à participação de cada indivíduo no viver social, reconhecendo a necessidade de mudança de atitudes para que se legitime esse processo de abertura. Verificou-se a necessidade de lançar mão de outros meios além daqueles usualmente trazidos pelo Direito para consecução desses objetivos haja vista que muitas vezes as respostas extrapolam o campo estritamente jurídico. A pesquisa demonstrou sua importância a partir do momento em que analisou de forma crítica a necessidade de investimento no processo de formação educacional que se inicia na escola, haja vista ser esse um instrumento forte para se alcançar outros direitos como a democracia, a cidadania e a igualdade. 264 Nesse sentido, percebeu-se que o processo de mudança na sociedade que se propõe passa primeiramente pelo reconhecimento do outro e a assimilação de suas diferenças por meio da implementação nas escolas da consciência de se respeitar cada um em sua plenitude. A mudança de postura é realçada a partir do momento em que se percebe a quantidade de pessoas que permanecem como invisíveis para a sociedade, sendo que uma educação que não se mostre adequada resulta em indivíduos que não conseguem viver tampouco competir em igualdade com os demais. A consolidação de valores como democracia e cidadania necessitam essencialmente do fortalecimento da educação e da participação de cada indivíduo ao abandonar a falsa crença de que só o Estado e as Leis são legítimos responsáveis por esse processo. É através da educação que se constrói nos indivíduos a consciência de que sua participação é importante para consolidação do processo democrático. Reconhecer uma prática educacional voltada para o reconhecimento da diferença é o desafio que pode conduzir à redução de discriminação sejam elas sociais, econômicas e raciais. Em busca pela igualdade preconizada não se pode correr o risco de desconsiderar importantes diferenças que compõe a história e a vida de cada um pois essas são particularidades realmente essenciais. Vivenciar o processo democrático desde cedo é o caminho para incentivar a participação de todos na medida em que conscientiza que desde cedo a importância do interesse acerca daquilo que é de todos. 265 A educação se mostra fundamental para o alcance desse objetivo, mas não qualquer tipo de educação. É preciso que seja uma educação qualificada que promova e incentive o respeito às diferenças e ao direito do outro. Importante participação da escola se dá pelo fato de propiciar importantes interações entre as várias formas do viver coletivo e essa integração é imprescindível para que o processo de consolidação democrática ocorra. Ressalva-se, todavia, a necessidade que a educação não se desenvolva de forma fragmentada sendo que a escola é somente um dos lugares onde ela ocorre. É preciso superar a tendência excessiva de credenciar o Estado como único responsável pela realização de ações em favor da educação ultrapassando o tímido envolvimento de toda a comunidade principalmente com a educação básica. É preciso, sobretudo, manter firme o propósito de que apenas ao se garantir a educação é que se alcança todos demais direitos haja vista ser esse um direito fundante de todos os outros. 5. Referências ABRAAO, Pauliane Lisboa. Políticas Públicas e Diversidade Sociocultural. Rev. Bras. de Políticas Públicas, Brasília, v. 1, n. 3 número especial, p. 1-20, dez. 2011 BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco; NUNES, Dierle José Coelho. O potencial transformador dos direitos "privados" no constitucionalismo pós-88: igualdade, feminismo e risco. Revista dos Tribunais: São Paulo, v. 882, p. 45-60, abril 2009. 266 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984. BONAMINO, Alícia; MARTINEZ, Silvia Alícia. Diretrizes e parâmetros curriculares nacionais para o ensino fundamental: a participação das instâncias políticas do estado. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/es/v23n80/12937.>. Acesso em: 23 jan. 2018 BONAVIDES, Paulo. A constituição Aberta: Temas Políticos e Constitucionais da atualidade. Belo Horizonte: Del Rey, 1993. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil 03/constituicao/constiuicaocompilado.htm>. Acesso em: 19 jan. 2018. BRASIL. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da União. Brasília, DF, v. 134, n. 248, p. 27833-841, 23 dez. 1996. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em: 19 jan. 2018. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Parecer CEB n. 4/98. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental. 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Palavras-chave: Educação Para Paz; Superação da Violência; Justiça Social. Mestranda do programa de pós graduaçãostrito sensu da Universidade de Itaúna, pós graduandalato sensu em Direito Registral e Notarial pela Faculdade Damásio, graduada pela Universidade de Itaúna e Advogada. 39 Pós-Doutor em Educação pela UFMG. Doutor e Mestre em Direito Processual pela PUCMINAS. Professor do Programa de Pós-graduação stricto sensu em Proteção dos Direitos Fundamentais da Universidade de Itaúna. Professor da graduação em Direito da FAPAM; FPL; FASASETE; FAMINAS-BH. 38 270 Abstract: The present work is part of a set of research on education, which aims to analyze peace as a form of social justice. The research adopted as procedure the bibliographical review and as an inference method, the deductive. Regarding the results, it was realized that through interactive methodologies, approaching peace as a concrete possibility, a moral and political construction based on equal rights and collective solidarity, that is, social justice, is possible. It is concluded that peace can be taught, with the participation of relatives, schools and society. Must be peace, dialogue and tolerance for conflict resolution. Keywords: Peace Education; Overcoming Violence; Social Justice. 1. Introdução Este artigo irá analisar a educação como um mecanismo de redução e afastamento da cultura da violência, bem como exaltar práticas consagradas e bem sucedidas, neste sentido, além de sustentar a educação para paz como um mecanismo de implementação da justiça social. A paz é a maneira mais viável para que se concretize a denominada justiça social. Para que seja melhor compreendida a presente pesquisa, faz-se necessária uma análise mais aprofundada do conceito de paz, e suas várias vertentes, uma construção do conceito da cultura para paz, cultura da violência, e, finalmente, uma apresentação e exame da educação para paz. Posteriormente, será feita uma observação de maneiras viáveis para a implementação da justiça social. Esta visa diretamente o bem como, em detrimento do bem-estar individual 271 e particular. A educação é viável para que se atinja o bem coletivo, na medida que considere o ser humano como membro de uma coletividade, recaindo os benefícios sobre todos, e não somente sobre um indivíduo. O ser humano, desde a mais terna idade, deverá ser educado para resolução de conflitos de forma pacífica, através da arbitragem e diálogo, e não somente, através da violência e conflito. Neste contexto, abordar-se-á a violência nas escolas, além de seus reflexos, uma vez que os índices encontram-se cada vez mais alarmantes. Nota-se uma crescente incivilidade no ambiente escolar, que advém, ao certo, de vários fatores. Todavia, inúmeros conflitos e situações violentas poderiam ser evitadas, caso as crianças e adolescentes fossem afastadas do culto da violência. Ocorre que, nem as escolas, nem os pais, nem a sociedade estão, devidamente, preparados para adotarem a cultura da paz. Percebese um ciclo vicioso, sendo a violência reproduzida e sistematizada nas práticas escolares. A personalidade, que é construída através de vivencias individuais e coletivas, pode e deve ser positivamente influenciada através de práticas educadoras. Por fim, far-se-á uma análise da Educação para Paz, como uma forma de ensino voltada para a aplicação da paz, diálogo e tolerância na resolução de conflitos, esquivando-se da cultura da violência e implementando uma maior justiça social. Far-se-á também uma exemplificação de práticas educacionais que adotam este sistema de ensino, como por exemplo, o Programme Enfants Acteurs de Changement, o programa “Igual a você” contra o preconceito, a campanha “não deixe o bullying entrar em sua 272 escola”, o programa Criança Esperança e o programa Abrindo Espaços: Educação e Cultura para a Paz. O presente trabalho é resultado de uma pesquisa sobre a educação, e principalmente, sobre o status atual da violência nas escolas. Adotou-se como procedimento, para a confecção da pesquisa, a revisão bibliográfica, principalmente na obra “Educação para paz e educação moral na prevenção à violência, de Karine de Souza e como método de inferência, adotou-se o dedutivo, partindo-se de uma análise macro analítica, que é o ambiente escolar, e práticas educacionais, para uma análise micro analítica que é a aplicação educacional da paz. 2. O que é a paz e a cultura da paz ou não violência A palavra paz possui diversos significados e conotações na língua portuguesa, desde de ausência de guerra à boa harmonia, segundo o dicionário Aurélio. Também poderá significar “país que não está em guerra, união, concórdia nas famílias ou tranquilidade da alma.” (Columa, 2001). A literatura também é responsável por algumas conceituações. O fato é que paz é um estado, uma condição de vida que se busca nas mais diversas relações humanas, incluindo nas relações políticas, sociais, psicológicas, pessoais e interpessoais, e mais especificamente, nas relações educacionais. Paz tem uma conotação positiva e negativa, sendo que a primeira pressupõe certos padrões de justiça, harmonia com a natureza, cidadania e participação em formas democráticas de governo. Na Paz negativa 273 existe a priori algum tipo de conflito a ser combatido. Daí a dicotomia Paz Positiva, que constrói a paz como parte do currículo escolar regular, e Paz Negativa, cujo objetivo é a contenção e prevenção de diferentes manifestações da violência. (COLUMA, 2001, p. 431). Promover uma cultura voltada para paz, ou uma cultura de paz, é transformar o pensamento violento predominante e implementar ações voltadas neste sentido. Tratar a violência explicitamente, de maneira apropriada a cada faixa-etária, abordando sempre meios pacíficos para resolução de conflitos apresentados. Incentivar a rejeição coletiva, e não só individual, a resoluções violentas de querelas, e “procurar soluções que advenham de dentro da(s) sociedade(s) e não impostas do exterior” (DUPRET, 2002, p. 91). Isto porque, cada sociedade enfrenta conflitos específicos, e cada sociedade tem a possibilidade de aplicar, de forma prática, a paz, de uma determinada forma. A paz que se vê no Brasil, e as formas de evitar a cultura da violência, são diferentes das formas vistas em países de origem muçulmana, ou países orientais, por exemplo. Desta forma, Uma cultura de paz implica no esforço para modificar o pensamento e a ação das pessoas no sentido de promover a paz. Falar de violência e de como ela nos assola, deixa de ser a temática principal. Não que ela vá ser esquecida ou abafada; ela pertence ao nosso dia-a-dia e temos consciência disto. Porém, o 274 sentido do discurso, a ideologia que o alimenta, precisa impregná-lo de palavras e conceitos que anunciem os valores humanos que decantam a paz, que lhe proclamam e promovem. A violência já está bastante denunciada, e quanto mais falamos dela, mais lembramos sua existência em nosso meio social e ambiental. É hora de começarmos a convocar a presença da paz em nós, entre nós, entre nações, entre povos. (DUPRET, 2002, p. 91). Mas, o que fazer para que a tratativa da paz, e implementação de sua cultura, deixe de ser observado somente no plano teórico e passe a ser visto e praticado na realidade social e educacional? Primeiramente, é necessária a observação deste conceito de maneira transdisciplinar, ou seja, não cabe somente à família, ou escolas, tratarem deste assunto. Os meios de comunicação são um dos expoentes mais significativos para que se traga a paz para a praxi social. Obviamente as escolas, famílias, comunidades, universidades devem divulgar, educar e propagar a paz sob as mais diversas formas, em aulas, conversas, palestras e práticas culturais. Somente englobando todos os conceitos que fazem parte da paz, garantindo os direitos humanos, a democracia e a construção de uma justiça social é que vislumbrar-se-á a Educação para a Paz. Este processo não pode ser estático, mas sim pragmático, dinâmico e com um enfoque contínuo e permanente. As pessoas devem abandonar o conformismo e buscar, cada vez mais, a 275 aplicação de meio alternativos e pacíficos de resolução de conflitos, e isto começa com uma educação voltada para a cultura da paz. 3. Implementação da justiça social. Um dos mecanismos possibilitadores da implementação da justiça social, é a educação, e mais especificamente, a educação para paz e a construção de uma sociedade voltada ao repúdio da cultura da violência. Mas, o que seria, especificamente, este conceito de justiça social? Segundo Barzotto, O bem de todos, núcleo do conceito de justiça social, pode assim ser alcançado, considerando cada um como titular de direito apenas na sua condição de pessoa humana ou atentando para algum aspecto relevante (criança, idoso, trabalhador, desamparado, etc.). Se é lícito introduzir uma distinção a partir da teoria da justiça, pode-se falar no primeiro caso, de direitos sociais de justiça social (a todos...) e direitos sociais de justiça distributiva (a cada um segundo...). (BARZOTTO, s.d., p. 6.). Existindo pobreza, desigualdade, violação continua dos direitos humanos, incluindo o direito à vida e à segurança, distancia-se do conceito de justiça e volta-se para uma injustiça social. A violência, é uma das maiores preocupações da sociedade. Conforme a UNESCO, os índices de violência e de insegurança no 276 Brasil, especialmente em grandes centros urbanos, entraram numa crescente nos últimos anos. Ainda segundo a organização, a violência incide principalmente sobre a população jovem, e é justamente esta, uma das faixas-etárias que deveria ser alvo, juntamente com as crianças, da educação, através de conceitos voltados para a paz. Somente assim, permite-se a possibilidade de implementação da justiça social. Na justiça social [...] visa-se diretamente o bem comum e, indiretamente, o bem deste ou daquele particular. O ser humano é considerado "em comum", como diz Tomás de Aquino. Em uma sociedade de iguais, isto significa que o outro é considerado, simplesmente por sua condição de pessoa humana, membro da comunidade. Assim, o que é devido a um é devido a todos, e o benefício de um recai sobre todos. Por exemplo, no direito ambiental, o ato de não poluir é algo devido não a este ou àquele indivíduo, mas à comunidade como um todo ou, de um modo mais preciso, este ato é devido a todos os membros da comunidade. O ato que visa diretamente o bem comum alcança indiretamente o bem de cada membro da comunidade. (BARZOTTO, s. d., p. 7). A educação é meio mais viável para que se atinja a justiça social. Mais especificamente a educação para a paz. Através da pragmatização da paz, ocorrerá um distanciamento da cultura da violência, proporcionando meios para a implementação da justiça social. Quando os seres humanos são educados, através de 277 princípios pautados na justiça, conseguem perceber e construir mais facilmente o conceito de isonomia. É esta isonomia o principal expoente da justiça social. Educando-se as crianças, e os jovens, evita-se a aplicação de punições mais severas aos adultos. Uma vez que a educação volte-se para o bem comum, onde todos os sujeitos conseguem, mesmo que minimamente, desfrutarem de seus direitos fundamentais, ocorrerá uma gradativa mudança de paradigmas e voltar-se-á para a resolução pacífica de conflitos, a fim de diminuírem os índices de violência. A vivência da paz deve ser mais do que mera teoria, deve ser uma atitude adotada na prática do ensino, envolvendo a sociedade, a família, os meios de comunicação, formadores de opiniões, os profissionais da educação, os gestores e os discentes, além de toda a comunidade. Estes devem compartilhar e assumir a responsabilidade para a diminuição da violência. Os governantes são responsáveis, mas não são os únicos. A não violência deve ser integrada a matriz curricular, dando aos professores uma nova visão para trabalharem no meio pedagógico. São nas escolas que devem ocorrer os primeiros diálogos sobre o tema, juntamente com a participação familiar, pois são nestas que os jovens podem apoiarem-se e terem como centros para vidas cívicas. 4. A violência nas escolas e seus reflexos Percebe-se uma crescente na incivilidade no meio escolar. Esta pode advir de vários fatores que acarretam, diretamente e indiretamente, no comportamento da criança e do adolescente. Os pais, ou responsáveis pelos menores, através de suas atitudes, 278 influenciam no comportamento das crianças, tanto socialmente, quanto dentro das escolas. Os exemplos formados dentro de casa são os mais fortes, pois as crianças se espelham nos adultos, responsáveis por elas, e reproduzem o que aprendem, seja um aprendizado positivo ou negativo. A violência verbal ou física atingiu 42% dos alunos da rede pública nos últimos 12 meses. É o que revela uma pesquisa realizada Latino-Americana de pela Faculdade Ciências Sociais (Flacso), em parceria com o Ministério da Educação e a Organização dos Estados Interamericanos (OEI). (MORRONE, OSHIMA, 2016, p.1). Considera-se como forma de violência não apenas agressões físicas e homicídio, que, conforme a pesquisa da Flacso ocorrem, mas em menor quantidade. Ameaças, discriminação, bullying, algumas vezes confundidos com brincadeiras, também são considerados atos violentos e podem, desta forma, evoluírem para meios de agressões mais gravosas. Todos estes fatores contribuem para a incivilidade e hostilidade no meio ambiente escolar. O que de fato chama a atenção é que existe uma tendência a naturalizar a percepção acerca da violência no ambiente escolar. Brigas, furtos, agressões verbais entre alunos, e também entre alunos e professores, são considerados acontecimentos corriqueiros, sugerindo a banalização da violência e sua 279 legitimação como mecanismo de solução de conflitos. Há, uma institucionalização da violência nos ambientes escolares. Uma criança que vivencia a violência, passa a considerála como algo normal e a incorporá-la em suas atitudes. Os pais e escolas que têm comportamentos tolerantes ou permissivas quanto às tendências violentas do aluno, também contribuem para a disseminação da agressividade entre os alunos. Ocorre que, nem sempre as escolas, e, muito menos os pais, estão preparados para ensinarem meios pacíficos de resolução de conflitos. Alguns pais e responsáveis aprendem que a paternidade deve ser pautada no poder e na violência para controlar as crianças e os adolescentes, pois também são fruto de um ciclo vicioso da cultura da violência. Segundo Ellen Fernanda Santos: A personalidade é formada a partir das vivências do indivíduo. A ela está a responsabilidade de organizar os sistemas internos e externos que constituem cada ser de forma individual e subjetiva. Seu desenvolvimento e formação se darão através da absorção e reflexo de todas as influências as quais a criança encontra-se exposta. Sua atuação ocorre de acordo com a vontade da criança. E é nessa contínua de a criança absorver e refletir atitudes daqueles que a rodeiam que a agressividade atuará de modo a prover a satisfação à criança de alguma de suas bases que ora se encontram confusas ora inexistentes. (DAY, 1996, p. 44-45). 280 Desta forma, se a criança, na mais terna idade, for estimulada, interna e externamente, seja em casa, ou na vivência escolar, a práticas educacionais e pedagógicas voltadas para a paz, agregará isto a sua formação, e nesta contínua, a criança absolverá e refletirá atitudes neste sentido. A infância é uma fase de descobertas e remete a uma fase de desenvolvimento baseado em conhecimentos empíricos e brincadeiras. Apesar de existir um maior desenvolvimento social, pautado no respeito às crianças e suas necessidades, milhares de crianças ainda são fruto da cultura da violência. Acostumada com a agressividade, em casa, por parte da sociedade, e até mesmo de “educadores”, a criança, passa a reproduzir este comportamento, e a manifestar atos de violência. Percebe-se isto, através de índices alarmantes de violência contra professores, além da violência institucionalizada que pode-se presenciar. Existem meios coercitivos de coibir a violência praticada por crianças e adolescentes. O Estatuto da Criança e Adolescente prevê uma série de medidas, tidas como de caráter educacional. A repressão não é o caminho. Feito uma análise, mesmo que superficial, nos índices de violência, percebe-se que estes só aumentam, e que pouco, ou de nada servem as medidas coercitivas. Mesmo sem um estudo dos dados, percebe-se esta crescente uma vez que os noticiários retratam cada vez mais as consequências da cultura da violência. O que de fato interfere e tem possibilidade de modificar o cenário atual é a implementação de práticas educacionais e sociais voltadas para a resolução pacífica de conflitos. A personalidade que é formada através das vivências do indivíduo seria assim, influenciada positivamente por meio da 281 educação para paz. A educação é o meio mais seguro e eficaz para se reduzir os índices de violência e implementar a justiça social. 5. Educação para a paz A Educação para Paz é uma forma de ensino voltada para a aplicação da paz, diálogo e tolerância na resolução de conflitos, esquivando-se da cultura da violência. Na França, por exemplo, com a denominação de Programme Enfants Acteurs de Changement2, existe um programa que permite às crianças e aos jovens desenvolverem as competências psicossociais com o propósito de melhorar a vida em comunidade e de se engajarem como cidadãos, a fim de promover uma maior justiça social. Este programa ensina alunos a administrarem conflitos sem recorrerem ao uso de força física ou violência. Tal programa fora desenvolvido, porque, por volta dos anos de 2005, 2006 perceberam-se atos de violência ocorridos em escolas públicas francesas. A situação agravou-se com o aumento de insultos e agressões verbais, ataques racistas e xenófobos, além de vandalismo, como relata o IdeM – Iniciativas de Mudanças3. Este grupo resolveu educar os jovens e crianças para paz, como um mecanismo de promoção da justiça social. O programa atem-se a metas que devem ser desenvolvidas pelos discentes, tais como: Sensibilizar os jovens sobre a importância de assumirem a responsabilidade individual e mudarem de comportamento na resolução de conflitos e redução da violência 282 Ajudar os alunos a verbalizarem os vários conflitos que vivenciam em seu ambiente e identificarem as razões pelas quais cada um de nós pode ser violento. Ajudar os alunos a compreenderem melhor uns aos outros, ouvirem e interpretarem as reações do outro. Ajudar os alunos a formularem alternativas para resolver conflitos sem violência, através da escuta, diálogo e respeito. (IdeM, s.d.). Utiliza-se uma metodologia interativa, através de jogos e oficinas, exercícios promovidos em grupo, peças de teatros, abordando a paz como uma possibilidade palpável, para a promoção da justiça social, desde que cada um cultive essa em seu meio convivial. O exemplo francês deve ser seguido. Os países devem implementar programas como este, para tratar do assunto da violência, atendo-se à realidade cultural e social existente em cada localidade. “O ensino da educação para paz difere quanto à ideologia, ênfase, conteúdo, práticas, objetivos” (COLUMA, 2007). Importante salientar que cada país deverá implementar programar específicos para tratar do assunto, de acordo com sua visão social e cultural. O ensino voltado para a promoção da paz difere ao conjunto de ideias e pensamentos de determinada comunidade, juntamente com vieses políticos, econômicos e sociais vigentes na região. O que funciona em alguns países pode não funcionar em outros. A experiência francesa foi bem sucedida, mas no caso brasileiro é necessário voltar-se à violência como aqui se apresenta. Enquanto na Europa existe uma forte questão nacional, e um crescente receio e resistência quanto a pessoas de 283 origem islâmica, e uma consequente xenofobia, o que influencia na violência lá praticada, no Brasil o ensino para paz deve ser abordado em relação à promoção da justiça social. Isto porque, a violência aqui praticada é muito mais atrelada a aspectos socioeconômicos, do que em outros países europeus. Segundo o prof. João Roberto de Araújo, a educação para paz, Trata-se de um trabalho de educação e, portanto, devem-se considerar os conteúdos de uma pedagogia da convivência, envolvendo as lideranças da comunidade em especial esforço educativo. A família é o alicerce da construção de uma Cultura de Paz. O esforço educacional a ser feito para construir a paz precisa considerar o papel crucial que a família desempenha na sociedade. Por outro lado, as escolas, acolhendo formalmente nossos filhos, que representam o futuro, possuem uma importante tarefa na formação de uma Cultura de Paz e Não Violência que, certamente, irradiará das escolas para as famílias. A missão, como desafio central dos educadores, é construir a paz, por meio de um processo educacional que vai além das ações repressivas e das políticas de redução da pobreza material. A escola está no centro desse processo. Sabemos que a educação dos educadores será feita pelos próprios educadores que se destacam e constituem um núcleo de referência na educação. Por outro lado, fica a pergunta: quem educa a 284 comunidade? Várias possibilidades e fontes contribuem na pluralidade dessa empreitada. (ARAÚJO, s.d.). Percebe-se, desta forma, que o papel de educar para paz compete não somente às escolas, mas aos pais e sociedade que cercam às crianças e adolescentes. As mídias também são cruciais para que se evite a cultura da violência, e consequentemente eduque os jovens para a resolução de conflitos através do diálogo e tolerância. A Educação deve ser orientada para a Cultura da Paz, desde e principalmente dos níveis elementares. Para tanto, professores precisam de reciclagem adequada, bem como a formação de novos professores deve ser feita levando-se em conta esses valores. (ROSHI, s.d.) A pobreza, a injustiça social e a desigualdade a desigualdade refletem-se na violação contínua dos direitos humanos, incluindo o direito à vida e à segurança. A questão da violência no Brasil sempre é tratada com um dos principais problemas sociais. Os índices de violência e de insegurança, segundo a UNESCO aumentaram nas últimas décadas, sendo os negros, entre quinze e trinta e nove anos, os mais afetados. Desta forma, A Educação para a Paz apresenta, de início, uma necessidade de olhar complexo sobre o 285 mundo, a vida e sobre ela mesma. Por outro lado, ela se faz no processo dialógico e nas múltiplas perspectivas de conflitos e convivências. Na escola esse processo é fundamentalmente ligado ao docente, na sua relação com valores próprios e institucionais, suas ideias e vivências em relação a violências, paz, conflitos e convivências. (SALLES FILHO, 2009, p. 12082). A tentativa de uma construção da cultura da paz deve ser mais do que simples teoria e prática, deve ser uma atitude entre toda exercício do ensino e deve envolver todos aqueles profissionais relacionados à educação e os estudantes da escola, além dos pais e a comunidade. Todos estes devem aceitar esta tarefa como um desafio compartilhado e comum. Somente assim, a não violência integrada permitirá ao professor outra visão de seu trabalho pedagógico. A escola deve ser o espaço de diálogo e compartilhamento de boas práticas. Segundo a UNESCO Para se obter um real impacto, a educação sem violência tem que ser um projeto de toda a escola, o qual deve ser planejado, integrado em todos os aspectos do currículo escolar, na pedagogia e nas atividades, envolvendo todos os professores e profissionais da escola, assim como toda a estrutura organizacional da equipe de tomadas de decisões educacionais. (UNESCO, s. d.) 286 As práticas de uma educação voltada para a paz devem ser coerentes e devem estar refletidas nas regras e na utilização das instalações da escola, respeitando a realidade local de casa instituição de ensino. A educação deve ser um meio de aprender sobre os direitos, responsabilidades e obrigações cívicas, aprender a conviver, respeitando as diferenças e similaridades, desenvolver sentidos de cooperação, resolução de conflitos baseada no diálogo e na compreensão intercultural, experimentação de conflitos utilizando-se de maneiras construtivas de mediação, promoção de valores de não violência, de autonomia, isonomia, responsabilidade e solidariedade. Desta forma, a educação deverá voltar-se para a promoção da paz e permitir a gradativa implementação da justiça social. Neste contexto, foi realizado o maior e mais completo estudo já feito sobre violência nas escolas na América Latina. Segundo a UNESCO, a pesquisa foi desenvolvida nas áreas urbanas de capitais dos estados do Amazonas, São Paulo, Brasília (DF), Pernambuco, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Pará, Mato Grosso, Alagoas, Goiás, Espírito Santo, Ceará e Bahia. Para o estudo, utilizou-se uma concepção abrangente do significado de violência, englobando desde ideia de maus-tratos, uso de força, e dimensões socioculturais. Deste estudo, resultou um livro, denominado "Violências nas escolas", que apresenta uma propostas de combate e prevenção, baseadas nos dados coletados na pesquisa, além de fazer uma série de recomendações, através da interação entre escola, família, comunidade, através do lazer, com a abertura de escolas nos finais de semana, através dos cuidados com o estado físico e da limpeza dos estabelecimentos 287 educacionais, e principalmente através da valorização do jovem, respeitando sua autonomia. É uma obra que encontra-se esgotada, mas que foi largamente distribuída, sendo possível o download gratuito. Tudo isto, de forma a disseminar a educação para paz e a solução de conflitos de forma pacífica. A UNESCO também elegeu algumas práticas par servirem de exemplo, e que, de certa forma, contribuem com a promoção da justiça social. São eles, a campanha “Igual a você” contra o preconceito, campanha “não deixe o bullying entrar em sua escola”, programa Criança Esperança e o programa Abrindo Espaços: Educação e Cultura para a Paz. Este último, por exemplo, trata-se de uma iniciativa que abre as escolas públicas aos finais de semana para oferecer à comunidade atividades esportivas, artísticas, culturais, de lazer e formação inicial para o trabalho. Programas como este, baseiam-se na cultura de paz e nãoviolência, além de incentivar a promoção da cidadania de adolescentes, jovens e da comunidade escolar, são iniciativas que fomentam a inclusão social e a melhoria da qualidade escolar. Estes promovem ainda, o desenvolvimento humano, a cidadania, a inclusão das crianças e jovens, e, principalmente, a concretização de justiça social. Existem também outras iniciativas, como a Rede Internacional UNIPAZ, que consiste em um movimento, sem o objetivo de lucro, composta por diversas unidades, que foi originalmente criada para disseminar a cultura da não-violência, “promovendo a inteireza do ser a partir do paradigma transdisciplinar e holístico. Esta meta atende ao acordo na Declaração de Veneza da Unesco (1986) e na Carta de Brasília”. 288 (UNIPAZ). A Universidade iniciou suas atividades em Brasília/DF, em 1987, e hoje possui unidades em São Paulo, Campinas, Minas Gerais, Goiás, Rio de Janeiro, Espirito Santo, Recife, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Portugal. A Universidade de São Paulo, USP, também já teve uma cátedra voltada para a paz. Instalou-se a cátedra UNESCO de Educação para Paz, Direitos Humanos, Democracia e Tolerância da USP em 1995, inaugurada em 1996. Esta cátedra foi a primeira da UNESCO a ser instalada em um país de língua portuguesa. O objetivo desta era, dentre outros, coordenar, executar, formular e divulgar projetos relacionados à educação para paz, bem como colaborar e participar com outras instituições voltadas à temática. Era escopo da escola, além dos anteriormente citados, a publicação de textos no âmbito do ensino fundamental, médio e superior. A atividade da cátedra encerrou-se em outubro de 2014, segundo o Instituto de Estudos Avançados da USP. Observa-se que existem iniciativas para estimular a educação para paz no Brasil. Todavia são práticas muito restritas, principalmente ao ensino superior. A cultura da não-violência deve ser implementada nos primeiros anos escolares, na mais terna idade, para que a criança acostume-se com práticas de conciliação e de mediação, e de não-violência. As escolas, as famílias e a sociedade devem estimular, mesmo que minimamente, o incentivo à implementação da educação para paz, pois esta é a mineira mais curta e certa para alcançar a justiça social. 289 6. Considerações finais Percebeu-se, através do presente estudo, que a palavra paz possui diversos sentidos e significados na língua portuguesa. Notou-se, ainda, que existe uma necessidade de promover uma cultura neste sentido, independentemente, da conotação considerada para a palavra paz. Ao voltar o ensino para a prática pacífica, transforma-se o pensamento de violência predominante e implementa-se ações voltadas neste sentido. Verificou-se a necessidade de observar o conceito de paz de modo transdisciplinar, não cabendo apenas às escolas educarem através de meios voltados ao diálogo e comunicação na resolução de conflitos, mas também às famílias, sociedade e Estado, não descartando a importância da mídia e meios de comunicação. O processo de afastamento da cultura da violência deverá ser construído e implementado de forma dinâmica, com um caráter contínuo e permanente, e não de maneira estática. Somente através do afastamento do conformismo e comodismo, será possível aplicar meios pacíficos e alternativos para resolução de conflitos. Toda e qualquer mudança de paradigma é difícil no início, mas, com o passar do tempo, a utilização de arbitragem e diálogo tornar-se-ão práticas comuns e incorporadas ao dia-a-dia educacional e, consequentemente, social. As crianças e jovens sendo educadas neste sentido, entenderão com mais facilidade o conceito de justiça social, e conseguirão, desta forma, aplicá-lo. Por isto, a educação para paz é um mecanismo de implementação da justiça social. A partir do momento em que as crianças são educadas com o fim de 290 promoverem um bem comum, em detrimento de um bem visando unicamente a questão particular, ocorrerá a gradativa mudança de paradigma e consequente afastamento da cultura da violência, para construção de uma cultura voltada para paz. Em que pese as escolas não serem fundadas nos preceitos de educação voltada para práticas educacionais destinadas a implementação da paz, os pais e sociedade também não estão preparados. Na medida em que a maioria dos pais e responsáveis são frutos da aprendizagem pautada no poder e na repressão para controlar as crianças e os adolescentes, são também produtos de um ciclo vicioso da cultura da violência. A Educação para Paz é uma forma de ensino voltada para a aplicação prática da paz, através de diálogo e tolerância na resolução de conflitos, esquivando-se da cultura da violência. Existem programas exemplos na aplicação prática da paz. Como exemplo percebem-se o Programme Enfants Acteurs de Changement, desenvolvido nas escolas francesas, a campanha “Igual a você” contra o preconceito, campanha “não deixe o bullying entrar em sua escola”, programa Criança Esperança e o programa Abrindo Espaços: Educação e Cultura para a Paz. É importante destacar que cada país deverá adotar o programa mais específico para tratar do assunto de acordo com sua visão social e cultural. O ensino voltado para a promoção da paz difere quanto à ideologia, ênfase, conteúdo, práticas e objetivos de cada sociedade. Desta forma, o que funciona em determinado país poderá não funcionar em outro. Por isto é tão necessária a construção dinâmica deste tipo de método de ensino, em que o papel de educar, através do diálogo, 291 não compete somente às escolas, mas aos pais e sociedade a qual a criança pertence. A cultura da não-violência deve ser implementada nos primeiros anos escolares. A pobreza, a injustiça social e a desigualdade a refletem-se na violação contínua dos direitos humanos, incluindo o direito à vida e à segurança. Desta forma, percebe-se a grande necessidade da construção da cultura voltada para paz, para implementar a justiça social. Este tipo de metodologia deve ser mais do que simples teoria e prática, deve ser uma atitude entre toda a prática de ensino e deve envolver todos os profissionais relacionados à educação, os estudantes, pais e comunidade. 7. Referências ALAMY, N. C. G C. Reflexões sobre a concretização da igualdade no ensino jurídico a partir da obra de Paulo Freire. In: XXVI ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI, Brasília, 2017, p. 320335. ARAÚJO, João Roberto de. Ensinar a Paz. Disponível em: <http://www.inteligenciarelacional.com.br/educacao-emocionale-social/leituras-recomendadas/downloads/prof-joao-roberto-dearaujo-ensinar-a-paz>. Acesso em: 01 dez. 2017. AZANHA, José Mário Pires. A Cátedra Unesco-USP de Educação para a Cidadania. Revista Estudos Avançados, São Paulo/SP, v. 11, n. 30, p. 135-146, maio/ago, 1997. BARZOTTO, Luis Fernando. Justiça Social - Gênese, estrutura e aplicação de um conceito. 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Acesso em: 20 dez. 2017. 295 AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM E DO ENSINO: A NECESSIDADE DE REESTRUTURAÇÃO DOS MÉTODOS AVALIATIVOS TRADICIONAIS EVALUATION OF LEARNING AND EDUCATION: THE NEED FOR RESTRUCTURING TRADITIONAL EVALUATION METHODS Marco Antônio de Souza 40 Resumo: O presente artigo objetiva apresentar a necessidade de reestruturação dos métodos avaliativos tradicionais, como modo de constituição de um modelo pedagógico de ensino integrado e didático. O aluno, no atual Sistema de Ensino, é protagonista no processo ensino-aprendizagem, sendo que o professor estabelece o papel fundamental de orientação. Deste modo, o paradigma de aprendizagem moderno deve se valer dos diferentes modelos metodológicos, com vistas a romper com o tradicional sistema, pautado no ato mecânico de memorizar, desvinculado do aprendizado. Neste sentido, no presente artigo buscou-se, por meio da doutrina, evidenciar as diversas funções das avaliações (diagnóstica, formativa e somativa), às diferentes metodologias utilizadas em sala-de-aula e os principais métodos para readequar as avaliações à realidade e necessidade do discente, como forma de consolidação de um Sistema de Ensino de qualidade. Palavras-chave: Métodos de Reestruturação; Modelo de Ensino. 40 Avaliação Tradicionais; Mestrando em Proteção dos Direitos Fundamentais pela Universidade de Itaúna. Promotor de Justiça aposentado no Estado de Minas Gerais. 296 Abstract: This article aims to present the need for restructuring of traditional evaluation methods as a way of forming a pedagogical model of integrated and didactic teaching. The student, in the current Teaching System, is a protagonist in the teaching-learning process, and the teacher establishes the fundamental role of guidance. In this way, the modern learning paradigm must take advantage of different methodological models, with a view to breaking with the traditional system, based on the mechanical act of memorizing, unrelated to learning. In this sense, in the present article we tried, through the doctrine, to highlight the different functions of the evaluations (diagnostic, formative and summative), to the different methodologies used in the classroom and the main methods to re-adjust the evaluations to the reality and the need of the student, as a way of consolidating a Quality Teaching System. Keywords: Traditional Assessment Methods; Restructuring; Teaching Model. 1. Introdução O presente Trabalho trata da necessidade de reestruturação dos métodos de avaliação, como forma de tornar eficaz o processo de aprendizado. De acordo comCanen (2001), Gandin (1995) e Luckesi (1996), a avaliação consiste no julgamento sobre uma realidade concreta ou sobre uma prática, tendo em vista critérios claros, estabelecidos prévia ou simultaneamente, para tomada de decisão. As provas aplicadas de modo burocrático, como simples forma de satisfação técnica do sistema pedagógico, não conduzem ao aprendizado. 297 Segundo Marta Maria Darsie (1996, p. 48), a avaliação não deve ser desvinculada do processo de ensino-aprendizagem: Nesse sentido, a avaliação é uma atividade integrante da ação educativa, tanto no que tange o projeto educativo, quanto no tocante ao ensino ou à avaliação de aprendizagem. A importância da avaliação educacional se pauta, conforme José Dias Sobrinho (2010, p. 96): 1) na complexa atuação integrada da avaliação e transformações educacionais, ou seja, a avaliação é um dos combustíveis para qualquer reestruturação; 2) nas transformações ocorridas na educação e em sua avaliação integram, de modo especial, as complexas e constantes mudanças sociais, políticas e econômicas. O formalismo exacerbado do atual sistema avaliativo induz ao pensamento errôneo de que a educação é uma simples transmissão e memorização de informações prontas e o aluno é tido como um ser passivo e acrítico, que muitas vezes mostra-se incapaz de questionar a realidade. Em uma abordagem pedagógica mais atual, a educação é concebida como uma multiplicidade de experiências e vivências cotidianas, abordando o desenvolvimento intelectual integral do educando. Nessa concepção o aprendiz é um ser ativo e marcado pelo dinamismo, que atua na consolidação de seu próprio conhecimento. Sob esta óptica, a avaliação permite a existência de um sentido orientador na vida acadêmica do aluno. A avaliação da aprendizagem, quando aplicada com coerência e de forma didática permite aos docentes a tomada de decisão, uma vez que a partir do resultado obtido, o professor pode examinar o seu desempenho e tomar atitudes pedagógicas cabíveis quanto ao processo de aprendizagem, melhorando deste modo a 298 qualidade do ensino. Durante o processo avaliativo, deve ser exercida uma educação dialógica (professor-aluno), devendo haver a troca de ideias e opiniões, a partir de uma conversa cooperativa. Deste modo, o presente Trabalho objetivou apresentar por meio de pesquisa bibliográfica, as diversas funções das avaliações (diagnóstica, formativa e somativa), as diferentes metodologias utilizadas em sala-de-aula e os principais métodos para readequar as avaliações à realidade e necessidade do discente, como forma de consolidação de um Sistema de Ensino integrado, didático e consistente. 2. A evolução histórica da avaliação As quatro gerações da avaliação evidenciam as principais etapas evolutivas dos referidos modelos avaliativos, conforme salienta GUBA e LINCOLN (1989) estas gerações consistem em: Mensuração, Descritiva, Julgamento e Negociação. A geração denominada Mensuração foi impulsionada por um grande avanço com as pesquisas realizadas, a respeito das diferenças individuais, iniciadas no início do século XIX, pois esses estudos permitiram que a avaliação fosse associada à mensuração do desempenho estudantil, confusão que ainda prevalece na atualidade, em que quantificar um atributo, de acordo com certos critérios, é tido como avaliar. A mensuração é, portanto, a fase de elaboração de instrumentos, ferramentas ou testes de verificação da aprendizagem imprescindíveis na determinação da classificação do discente na vida estudantil. Neste sentido assevera Trompieri Filho e Lima Filho (2013), “a primeira geração da avaliação 299 educacional é associada à mediação e teve fortes influências da ascensão das Ciências Sociais com estudos de autores como John Stuart Mill, em 1843. Em continuidade foi fortalecida com a Teoria Evolucionista de Charles Darwin.” (TROMPIERI FILHO; LIMA FILHO, 2013, p. 3). A segunda geração da evolução histórica da avaliação, Descritiva, consiste em relacionar os resultados aos objetivos e fins estabelecidos, para determinar o sucesso ou o fracasso do aluno. Desta forma, são descritos quais seriam os sucessos e as dificuldades levando em consideração os propósitos e objetivos a serem alcançados. Assim, afirma Kraemer: Essa geração surgiu em busca de melhor entendimento do objetivo da avaliação. Conforme os estudiosos, a geração anterior só oferecia informações sobre o aluno. Precisavam ser obtidos dados em função dos objetivos por parte dos alunos envolvidos nos programas escolares, sendo necessário descrever o que seria sucesso ou dificuldade com relação aos objetivos estabelecidos. Neste sentido o avaliador estava muito mais concentrado em descrever padrões e critérios. Foi nessa fase que surgiu o termo “avaliação educacional”. (KRAEMER, 2005, p.4). A terceira geração é o Julgamento, na qual é formulado um juízo de valor das qualidades inerentes ao objeto, bem como as características externas do resultado. Essa geração critica os padrões e critérios adotados nos testes, bem como a noção 300 reducionista da avaliação sendo sinônima da palavra mensuração. Deste modo, foram crescentes os questionamentos acerca da padronização do sistema avaliativo: A terceira geração questionava os testes padronizados e o reducionismo da noção simplista de avaliação como sinônimo de medida; tinha como preocupação maior o julgamento. Neste sentido, o avaliador assumiria o papel de juiz, incorporando, contudo, o que se havia preservado de fundamental das gerações anteriores, em termos de mensuração e descrição. Assim, o julgamento passou a ser elemento crucial do processo avaliativo, pois não só importava medir e descrever, era preciso julgar sobre o conjunto de todas as dimensões do objeto, inclusive sobre os próprios objetivos. (ALBUQUERQUE, 2003, p.3) A quarta geração chamada de Negociação é baseada no paradigma construtivista, sendo também considerada Responsiva, pois consegue absorver as perspectivas e ângulos humanos, políticos, sociais, culturais e éticos do processo avaliativo (Albuquerque, 2003). 3. As funções da avaliação As funções da avaliação podem ser classificadas como diagnóstica, formativa e somativa, conforme Haydt (1988). A 301 avaliação diagnóstica é aquela, realizada no início do período escolar haja vista a enormidade do saber humano, momento em que o docente deve averiguar o conhecimento prévio dos discentes, com o intuito de examinar as habilidades imprescindíveis, as quais serão necessárias para o preparo de novas aprendizagens (Bloom, 1983). Nesta perspectiva afirma Blaya: Avaliação Diagnóstica tem dois objetivos básicos: identificar as competências do aluno e adequar o aluno num grupo ou nível de aprendizagem. No entanto, os dados fornecidos pela avaliação diagnóstica não devem ser tomados como um "rótulo" que se cola sempre ao aluno, mas sim como um conjunto de indicações a partir do qual o aluno possa conseguir um processo de aprendizagem. (BLAYA, 2009). Segundo Hadji (2001), a avaliação formativa encontra-se situada no cerne da ação de educativa. É a avaliação que possibilita levantar dados imprescindíveis, a fim de regular o processo ensino – aprendizagem, contribuindo para a efetivação da atividade de ensino. “Toda avaliação formativa parte igualmente da convicção, baseada em evidências de pesquisas, de que a intervenção planejada dos professores pode criar um ambiente de aprendizagem que possibilita o engajamento do aluno, necessário a uma real aprendizagem”. (GREGO, 2018). A avaliação somativa tem como função essencial a classificação dos discentes realizada ao final de um curso ministrado ou unidade de ensino previamente aplicada, 302 estabelecendo a ordem classificatória dos alunos segundo os níveis de aproveitamento da aprendizagem instituída previamente. A avaliação somativa é considerada, então, como classificatória ou tradicional. Neste sentido, Wachowicz e Romanowskiassevera: A avaliação somativa manifesta-se nas propostas de abordagem tradicional, em que a condução do ensino está centrada no professor, baseia-se na verificação do desempenho dos alunos perante os objetivos de ensino estabelecidos no planejamento. Para examinar os resultados obtidos, são utilizados teste e provas, verificando quais objetivos foram atingidos considerando-se o padrão de aprendizagem desejável e, principalmente, fazendo o registro quantitativo do percentual deles. (WACHOWICZ e RAMANOWSKI, 2003, p. 124/125). Avaliar, nos moldes da avaliação somativa - com intuito exclusivo de medir- integra “a dinâmica atual do processo de ensino e aprendizagem em vários níveis do conhecimento, inclusive na graduação. Tal metodologia encerra-se em si mesma, e não agrega ao processo dialógico as mudanças necessárias.” (ORSINI; RIOS, 2017, p. 5/6). De acordo com Bloom (1983), em resumo a avaliação: Diagnóstica, verifica os conhecimentos prévios dos alunos; a Formativa ocorre durante todo o período letivo e somativa tem por função básica a classificação dos alunos, realizada no final do curso ou unidade de ensino. 303 4. A necessidade de ruptura do paradigma tradicional dos métodos de avaliação É primordial salientar a disparidade e o choque existente entre a tradição do exame e a prática adequada da avaliação. Deste modo, é necessário estabelecer um paralelo entre esses dois paradigmas. O modelo tradicional está focado na promoção do aluno para um período posterior ou série. Não importando os métodos e meios utilizados (como as colas), mas sim o resultado, a nota para aprovação. Já o modelo adequado de avaliação, o foco do aluno deve ser a obtenção do conhecimento, de modo estimulante e agradável. Neste diapasão discorre Antônio Carlos Gil acerca do critério segregador atribuído à avaliação, que no decorrer dos séculos “vinculou-se quase exclusivamente à função seletiva. Grande parte dos esforços dos professores foi dedicada principalmente para determinar que alguns estudantes seriam eliminados em cada uma das etapas do processo educacional.” (GIL,2017, p.247). Deste modo, as instituições dirigem as atenções aos alunos com melhor rendimento. No que tange a aplicação de provas no modelo tradicional, as mesmas são utilizadas como uma ameaça; muitas vezes o aluno é desestimulado a aprender pois estuda somente para a prova. É importante ressaltar que o discente pode ser compelido a estudar, mas isso não quer dizer que ele irá ceder à chantagem emocional, imposta pelo professor, o que causa desmotivação no educando que não consegue se dedicar plenamente à 304 aprendizagem. A avaliação utilizada como instrumento do medo pode: [...] ter consequências drásticas: contribuir para a formação de autoimagem negativa, principalmente por parte de crianças que iniciam o processo de escolarização, e assim levar essa imagem para os anos posteriores, provocar reprovação e repetência, acarretando mais anos de estudos do que o previsto [...]; obrigar o aluno a se evadir. Tudo isso representa fracasso na vida de uma pessoa e tem preço muito alto. (VILLAS BOAS, 2007, p. 52, grifo nosso). Diante da realidade da avaliação da aprendizagem faz-se necessário salientar o sentido do errar, que muitas vezes encontrase, associado à ideia de fracasso, quando deveria estar atrelado à concepção de um revelador do diagnóstico a orientar as atitudes de superação. O julgamento pejorativo para o erro (como as falhas e fracassos) incide sobre ele, quando os alunos não conseguem atingir os resultados desejados pelo professor, em consonância com padrões exigidos e considerados ideais. Segundo Silva, a ressignificação do erro é necessária, posto que se: Considera que no desvendar do erro reside a possibilidade de resgate da premissa básica da avaliação, o questionamento, que leva à transformação do significado restritivo, comumente a ela atribuído, para um significado construtivo, que favorece o 305 crescimento de todos os envolvidos nesse processo, por meio do desenvolvimento de uma “cultura da avaliação. (SILVA, 2008, p. 91). O sentimento de impotência e a sensação de incapacidade, consolidados pelo erro, significam que os indivíduos que cometeram os mesmos, não se adequam aos padrões da perfeição, do ideal e da correção, já que o fato de errar já constitui, por si só, algo mau, devendo ser punido e castigado. Nesta perspectiva Silva (2008) busca responder a indagação: “O que é o erro de aprendizagem? Dizendo que é uma ideia que tem sua origem no contexto da existência de um padrão considerado correto. No percurso do processo de aprendizagem, o erro, frequentemente, aparece associado ao ridículo, à deficiência ou ao fracasso escolar”. (SILVA, 2008, p. 100). A concepção de punição, como modo de correção dentro do ambiente estudantil, em nada agrega ao desenvolvimento do aluno no processo de edificação do saber, inviabilizando avanços e superações no que concerne à aprendizagem. O erro não pode ser uma ação pedagógica de exclusão dos alunos do processo de aprendizagem, deixando-os muitas vezes traumatizados para encarar as mais diversas situações na vida. Aprender é um constante e ininterrupto processo envolto por tentativas, ensaios, acertos e erros. A questão da “cola” no processo de aprendizagem está muito atrelada ao modelo tradicional, que supervaloriza a memorização dos requisitos necessários, para realizar a prova e por causa disso, é utilizada muitas vezes a famigerada “cola”. Isso 306 confirma que o discente ao formular as provas, preocupa-se mais em elaborar questões que necessitam de memorização do que com as habilidades que exigem raciocínio e reflexão. Nesse sentido, a avaliação no modelo tradicional não apresenta um aprendizado significativo para o estudante, já que o discente somente se preocupa em decorar ou colar para responder as questões da prova. O ato de “colar” é visto para os defensores de tal conduta, como modo de manifestação de um direito ou liberdade de aprendizado, por parte do aluno. Conforme aduz Martins, “colar” consiste: Liberdade de aprender do aluno. O mesmo princípio é reafirmado no inciso II, do artigo 3, da Lei 9.394/96, a chamada Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) como ato de liberdade de aprender, a cola teria, pois, amparo na norma constitucional inviolável, de modo a vir a ser uma prática comum e viável no processo ensino-aprendizagem. (MARTINS, 2004). Já os opositores da prática da “cola”, afirmam que tal ato constitui conduta desonesta e “como tal não pode ser tolerado. O professor que não se importa com a cola não apenas está injusto, mas também estimulando estudantes a manter condutas inadequadas.” (GIL, 2017, p. 264). Em se tratando do paradigma mais adequado de avaliação, o aprimoramento e cumprimento das exigências dos currículos e projetos institucionais e educacionais deveriam ser os objetivos em comum do aluno e do professor. Nesse modelo a 307 avaliação deixa de ser apenas uma aferição e certificação do aprendizado, sendo a forma de se diagnosticar e realizar um levantamento por meio de diversas atividades com o fim de constatar se os objetivos de seu projeto pedagógico estão sendo alcançados, e isso inclui a observação de diversos aspectos do planejamento e das estratégias utilizadas pelo discente. A instituição de ensino do modelo tradicional preocupa-se somente com as médias obtidas pelos alunos nas provas. Já os estabelecimentos de ensino, que adotam a avaliação mais adequada preocupam-se com a formação do aluno para a vida e não pensam apenas na consecução de média dentro da escola. Segundo Hoffmann (2002), avaliar nesse novo modelo é dinamizar possibilidades de ação- reflexão, em um acompanhar contínuo do professor, para que este propicie ao discente em seu processo de aprendizagem, reflexões sobre o mundo, conduzindoos a se tornarem pessoas críticas libertárias e participativas na edificação da verdade formulada e reformulada. Dessa forma, é necessário um reformular e refletir a ação pedagógica e os modos de avaliação dos discentes “[...] é preciso encontrar novos caminhos no que diz respeito ao processo de ensinar e aprender, isto é, passar do superficial para o significativo”. (MORAES, 2008, p. 11). Neste sentido, Vasconcellos (2005, p. 22) aduz modificar os moldes da avaliação implica em alterações em seu conteúdo, sua forma e sua intencionalidade, como também nas relações estabelecidas com os aspectos: da prática pedagógica como um todo (vínculo pedagógico, conteúdo e metodologia de trabalho em sala de aula). 308 De acordo com Vasconcellos (1993), a fim de que haja alterações no modo de se avaliar, é preciso que o educador reflita acerca do pressuposto epistêmico usado e da sua cooperação, para incluir os educandos nas atividades educativas. O educador desempenha um papel fundamental no processo de aprendizagem, sendo corresponsável nessa atividade. Posto que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria construção” (FREIRE, 2017, p.47). Ele deve utilizar a avaliação como um identificador da necessidade de retomar a sua prática e dinâmica pedagógica. Já que quando o aluno sofre com um insucesso, também fracassa o professor. O Plano Político-Pedagógico da Instituição de ensino deve ser realizado com o apoio da totalidade dos sujeitos envolvidos e evidenciar a perspectiva acerca do papel da unidade estudantil, direcionando os princípios pelos quais a prática dos educadores em desenvolvimento sejam avaliados. A avaliação do conteúdo aprendido não constitui juízo de valor apenas no que concerne ao aluno, refere-se também ao um julgamento da prática docente, cujo produto final constitui o desempenho do aluno. De acordo com Paulo Freire (2017), a avaliação não constitui um meio pelo qual “A” avalia “B”, e sim, um processo através do qual “A” e “B” avaliam conjuntamente uma prática educativa. Na concepção tradicional, a avaliação é muitas vezes utilizada como ferramenta de “ranking”, de competições por posições e de seleção social nas instituições de ensino. Porém, a avaliação deveria servir como um meio primordial à aferição do que foi apreendido e compreendido pelo aluno, norteando o 309 trabalho do docente e dando um direcionamento ao esforço empenhado no processo de ensino/aprendizagem, de modo a otimizar a didática pedagógica e o seu método, adaptando-o à cada disciplina. O ensino deve levar em consideração o contexto social no qual está inserido o educando, bem como as características e particularidades de cada protagonista no processo de aprendizagem, para a obtenção de um resultado satisfatório. Nesse sentido, sobre os sistemas de avaliação e seu papel estratégico para a formulação de políticas, Maria Helena Guimarães de Castro (2000) aduz que: Em primeiro lugar, estes instrumentos de gestão permitem observar como as reformas estão avançando e, mais importante, quais os acertos e correções em curso exigidos para sua real efetividade. Além disso, eles contribuem para assegurar a transparência das informações, cumprindo assim dois requisitos básicos da democracia: a ampla disseminação dos resultados obtidos nos levantamentos e avaliações realizados; e a permanente prestação de contas à sociedade. Por fim, e não menos importante, os sistemas de avaliação e informação educacional cumprem um papel estratégico para o planejamento e desenho prospectivo de cenários, auxiliando enormemente a formulação de novas políticas e programas que possam responder às tendências de mudanças observadas. (Castro, 2000, p. 121). 310 Enfim, os educadores devem transmutar os métodos tradicionais de aferição de erros e acertos nos métodos investigativos, de interpretação consistindo em alternativas apresentadas pelos discentes às diferentes questões enfrentadas no processo ensino-aprendizagem. O comprometimento do educador em acompanhar o caminho de construção do conhecimento do educando consubstancia em uma postura crítica, na qual o entendimento deva ser privilegiado e não a memorização. 5. As formas de avaliação no ensino superior e no ensino jurídico: avanços e retrocessos 5.1. As formas de avaliação do ensino superior As formas de avaliação dos educandos no Ensino superior têm sido objeto de fundadas e fortes críticas, realizadas por especialistas no campo de educação e pelos próprios educandos. Diante desse contexto, Antônio Carlos Gil (2017, p. 240-241) apresentou as principais acusações apontadas pelos pesquisadores da área, as quais seguem abaixo: A avaliação é fonte de ansiedade e stress – os testes e exames ao quais se submetem os alunos por diversas vezes, são aplicados sob um clima de tensão e não raras vezes ocorrem a perseguição e o terrorismo perpetrado pela figura do docente. A avaliação conduz as injustiças – os professores são agraciados com ampla 311 liberdade no ato de avaliar, o que possibilita enormes e profundas arbitrariedades. A avaliação privilegia o controle de retenção do conhecimento, deixando de lado aspectos importantes da aprendizagem – as avaliações são confeccionadas privilegiando os dados memorizados, ao invés de buscar aferir o que realmente foi aprendido. Muitas avaliações têm pouco a ver com o que foi ensinado – é frequente a incoerência entre o conteúdo ensinado e os exames aplicados pelos professores, isso decorre muitas vezes da ausência de preparação técnica dos profissionais. A avaliação tradicional favorece o imobilismo social – os testes e exames são utilizados principalmente para promover a seleção de indivíduos pela qualificação social e não pela qualificação técnica. As avaliações são influenciadas pelo estereótipo do professor – o docente tende de modo consciente, ou inconsciente, a padronizar a aferição dos resultados, e ser afetado pelas especificidades dos alunos, o que acarreta a uniformização, diante da contaminação dos resultados. As avaliações consomem demasiado tempo dos professores e alunos – os professores universitários, em regra, ministram aulas para turmas numerosas, o que pode acarretar em uma correção prejudicada e superficial. As provas enfatizam mais a forma do que o conteúdo. 312 A questão da validade das provas é crítica – a prova é efetiva na medida que afere o que pretendia medir. A questão da fidedignidade das provas é crítica- um instrumento de avaliação é considerado fidedigno quando para um número distinto de profissionais apresenta o mesmo resultado. Entretanto, o exame corrigido pelo mesmo docente, pode apresentar variações, a depender do momento e fatores considerados. As avaliações desestimulam os juízos pessoas dos alunos. As avaliações recompensam aprendizagens efêmeras – os dados são apreendidos muitas vezes, para serem descartados com o tempo. As avaliações contribuem para encurtar o período letivo. As provas tradicionais favorecem a especulação com a sorte. Os exames tradicionais desestimulam os trabalhos em grupo. As provas tradicionais incentivam a fraude. A exigência da avaliação dificulta o avanço dos estudantes. Os exames dificultam a prática de uma pedagogia da descoberta. Segundo Roldão (2005), a liberdade sem limites atribuída ao professor constitui um fator antiprofissionalizante, haja vista que este substitui a legitimidade do saber o qual fundamenta a ação e o controlo sustentado do grupo profissional, pelo arbítrio de cada agente individual, a quem não é exigido fundamento para o que 313 faz, nem é assegurada qualquer garantia de legitimação pelos seus pares. Pretende-se estabelecer, deste modo, uma crítica à avaliação tradicional no Curso Superior e não a avaliação em si. Busca-se demonstrar a necessidade de reestruturação dos métodos de aferição dos resultados, devendo “tornar a avaliação adequada aos propósitos do Ensino Superior”. (GIL, 2017, p. 246), se adequando às novas tecnologias, indissociáveis da nova realidade do atual discente. Assim, manifesta Antônio Carlos Gil: A avaliação vem se modificando ao longo dos tempos, em decorrência não apenas da incorporação de novas tecnologias, mas também de filosofia que a rege. A existência de uma diversidade cada vez maior de procedimentos avaliativos com notável nível de precisão contribui para que os professores adotem novas atitudes em relação à avaliação (GIL, 2017, p. 246). Deste modo, a avaliação deve ser entendida como parte integrante do processo ensino-aprendizagem. A concepção de avaliação com finalidade exclusivamente seletiva encontra-se ultrapassada. Conforme salienta, Bloom (1956), as instituições voltavam-se para o estudante excepcional, o que ocasionava a exclusão de um número extenso de crianças advindas da classe operária e a oferta de vantagens competitivas aos filhos de profissionais liberais. Desta feita, a autonomia do docente, ao avaliar, não se confunde com a chamada autonomização. Conforme salienta 314 Sídney Guerra e Roberta Teles (REGINALDO; BEZERRA, 2017), quando se trata de questões que envolvam a avaliação, os professores de cursos de ensino superior condensam tal conteúdo às determinações da instituição. Por diversas vezes, o docente não recebeu sequer a capacitação para elaborar e consolidar instrumentos avaliativos eficazes. Portanto, é relevante destacar a importância de programas de formação de professores que os capacitem para a elaboração de instrumentos de avaliação pautados em metodologias, como a Taxonomia de Bloom. A fim de se obter uma avaliação efetiva no Curso Superior esta deve ser contínua, não privilegiando apenas o fim de um ciclo, mas integrar todo o processo de aprendizado. A avaliação deve ainda abordar os diferentes domínios da aprendizagem, de modo integrado. Os exames, testes e diferentes formas avaliativas devem ser preparadas com prazo razoável, prezando pela multiplicidade e diversidade das atividades, a fim de promover uma aferição plausível do conhecimento. Por outro lado, os alunos devem ser preparados para realizar as avaliações, para evitar o desestímulo da surpresa. 5.2. As formas de Avaliação no Curso de Direito Conforme aduz Boaventura de Sousa Santos (2007, p. 64), ultrapassadas as reformas processuais de criação de mecanismos inovadores e busca pelo acesso à justiça, é primordial o investimento em formar juristas aptos à realização da transformação e revolução democrática da justiça necessária. Neste sentido, interessante trazer à baila a Taxonomia de Bloom, 315 que constitui o produto de do esforço conjunto de uma comissão multidisciplinar de especialistas de diversas universidades dos EUA, capitaneada por Benjamin S. Bloom, a qual recebeu o nome de "Taxonomia e Objetivos no Domínio Cognitivo". Conforme Bloom et al (1956), diversos pesquisadores aproveitaram-se desse conceito terminológico baseado em classificações estruturadas e direcionadas para delinear determinadas teorias instrucionais. Bloom e os demais especialistas possuíam como propósito classificar e estabelecer uma ordem dos fins educacionais, conforme os efeitos esperados pela educação e segmentando a aprendizagem em três grandes domínios: afetivo, cognitivo e psicomotor. A despeito dos estudos de Bloom ter origem na década de 1950, sua abordagem ainda consiste em objeto de estudos atuais. Tem-se que uma vez aplicadas ao ensino jurídico, as premissas da taxonomia de Bloom ajudariam a superar a incerteza dos atuais critérios utilizados nas avaliações, diversas vezes, caracterizado por um planejamento inconsistente e desvinculado do conteúdo lecionado em sala de aula. Sobre a formação de professores nos cursos de Direito, Marina Feldmann (2014, p. 5) assevera que ao examinar algumas propostas pedagógicas de instituições de ensino jurídico, observase a inexistência de formação e preparação do profissional docente atuar. Enquanto a responsabilidade de planejamento e organização didática dos cursos de possuir essa visão míope, de que somente a formação técnica ou o sucesso na carreira jurídica, (como advogado, juiz, promotor ou desembargador, entre outras atuações), seriam suficiente para formar um bom professor, grande 316 parte dos discentes em direito continuarão com a mentalidade de quem muito reproduz e que pouco transforma a realidade. Nos cursos de Direito, em que grande parte dos professores tem formação primordialmente jurídica, não é plausível se esperar apuradas técnicas em avaliação, infere-se que avaliações, via de regra, possuem caráter diagnóstico e repetem os mesmos moldes avaliativos a que foram submetidos, quando alunos. São métodos, por diversas vezes ultrapassados, posto que somente medem a capacidade de repetição do conteúdo ministrado, consistindo em um teste de memória, distante de identificar alguma reflexão acerca da aula lecionada. Este contexto convida à reflexão crítica acerca das práticas avaliativas dissociadas da proposta de formação educacional libertadora. A mudança de direcionamento requer rever as concepções, reestruturar o calendário acadêmico, refletir acerca do projeto político pedagógico, modificar a metodologia adotada e a forma de abordagem do conteúdo. Pede, também, ser utilizada uma metodologia participativa, delimitando estratégias, tais como: aplicar atividades variadas na sala de aula (de monitoria, dramatizações ou de trabalho em grupo), relatórios e pesquisas e a exposição dialógica, utilizando processos de avaliação interativos em paralelo às avaliações tradicionais. O professor, de modo pragmático, deve usar o bom senso ao estabelecer critérios de escolha de procedimentos, embasados no conteúdo abordado em sala de aula e a bibliografia indicada, a fim de que os alunos desempenhem o papel de coautores do processo avaliativo. Nesse sentido, a avaliação apresenta uma função mediadora, cujo objetivo principal é analisar se o ensino 317 cumpre sua finalidade precípua de democratizar o ensino e de autonomizar o aluno para a vida social. 6. A reestruturação dos métodos de avaliação: por uma metodologia ativa Os métodos tradicionais de avaliação não possuem capacidade para atender a dinâmica estrutura educacional, com a qual se depara na atualidade. Deste modo, necessário se faz reconceituar a educação formal, em busca de novas práticas metodológicas. As origens para a utilização de metodologias ativas – MAna educação formal decorrem do movimento “escola novista”. Via de regra, são consideradas tecnologias que propiciam o envolvimento dos discentes no processo ensino aprendizagem e que privilegiem desenvolver sua capacidade crítica e reflexão no que concerne a prática educacional. (BONWELL; EISEN, 1991). A referida metodologia busca proporcionar: (i) pró- atividade, através do engajamento dos discentes no processo ensino aprendizagem; (ii) associação do aprendizado aos fatores significativos da realidade; (iii) desenvolvimento do raciocínio e de capacidades a fim de possibilitar a intervenção na própria realidade; (iv) colaboração e cooperação entre as partes envolvidas. Segundo Dewey, o uso de desafios educacionais nos moldes de problemas mostra-se coerente com a forma de aprendizado dos indivíduos. Segundo esse autor, a educação deve se direcionar à vivência de experiências, ao invés de se preocupar 318 em transmitir algo abstrato. Para além do comprometimento dos educandos. Bruner considera necessário que as MA sejam associadas às representações que se constrói acerca do mundo, seja no aspecto, cultural ou social. Chickering e Gamson acrescentaram o uso de metodologias ativas como um dos sete princípios para consolidar uma boa prática educacional. Estes referidos autores têm como enfoque a realização de atividades envolvendo as atitudes de cooperar, interagir, proporcionar a diversidade e fomentar a responsabilidade dos educandos, principalmente em grupos menores. Nas últimas décadas, diferentes metodologias ativas foram desenvolvidas, tais como: aprendizagem baseada em problemas, a problematização, e aprendizagem baseada em projetos, em equipes, por meio de jogos ou uso de simulações. 7. Considerações Finais A avaliação constitui, portanto, um parâmetro para balizar o trabalho do educador, posto que possibilita identificar o grau de desenvolvimento do aluno. O professor necessita se nortear no processo avaliativo, com vistas a aprimorar suas ações educativas. Assim, a avaliação revela-se um instrumento valioso no processo ensino-aprendizagem, constituindo uma via de mão dupla, possibilitando um possível diagnóstico do aluno sobre os conhecimentos adquiridos em um período; bem como também seja feita a avaliação do docente. 319 Para o professor, o processo avaliativo busca verificar e refletir a prática pedagógica no ato de auto avaliar-se, proporcionado uma melhoria no processo de ensinoaprendizagem. A avaliação como forma de seleção e verificação é limitada haja vista não refletir as possibilidades para a aprendizagem de conteúdos não assimilados, portanto, não considera alguns aspectos que podem interferir nos resultados dessa verificação, tornando-se somente uma medida para a classificação. Observou-se ainda no presente trabalho, a necessidade de reestruturação metodológica, demonstrando haver diferentes formas de se avaliar de modo eficaz; dentre as quais pode se elencar: a elaboração de questões que demonstrem situações-problema em que o conteúdo ministrado se mostre como instrumento útil na procura por soluções; a informação aos alunos sobre quais conteúdos serão abordados em quais atividades, bem como sobre as etapas do processo de avaliação; o esclarecimento de modo explícito na avaliação das regras da atividade; a manutenção da disciplina para a execução das atividades e cumprimento das regras estabelecidas; a correção planejada das atividades e de modo ágil; a realização de revisão da atividade de avaliação e também o atendimento individual dos alunos para sanar eventuais dúvidas. Portanto, avaliar constitui em observar se a ação realizada afeta primordialmente o ambiente sobre o qual se atua, cuja validade ocorre diante da possibilidade do resultado ser utilizado como direcionamento para se planejar novas atitudes que proporcionem o avanço na aprendizagem. De outro modo, a avaliação torna-se mais um elemento no processo formalista e 320 burocrático. A avaliação, antes de punir, possui o papel de resgatar, haja vista a oportunidade ao discente que não aprendeu, desfrutar de um novo momento de consecução da aprendizagem. Portanto, percebe-se a importância da avaliação como um instrumento de reflexão o qual poderá propiciar mudanças na prática pedagógica, objetivando compreender que esta não constitui um fim em si mesma, mas sim um meio para a consolidação da aprendizagem. Deste modo, importante se faz a utilização de metodologias ativas, posto que possibilita a integração do educando ao processo educativo. 8. Referências ALBUQUERQUE, Bianca de. 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Brasília: Universidade de Brasília, 2007. 326 DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS DEFICIENTES: A INCLUSÃO SOCIAL DAS CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA NA ESCOLA REGULAR FUNDAMENTAL RIGHTS OF DISABLED PEOPLE: THE SOCIAL INCLUSION OF CHILDREN WITH DISABILITIES IN THE REGULAR SCHOOL Leandro Pereira Góis41 Fabrício Veiga Costa 42 Resumo: O movimento da educação especial eclodiu a partir do século XVI. Ou seja, o acesso das crianças com deficiência à escola formal garante igualdade entre todos os alunos, representando um dos principais desafios na área de educação, uma vez que elimina as barreiras da exclusão e discriminação, que dificultam a aprendizagem de todos na escola. Pretende-se averiguar o problema da efetividade das políticas públicas em âmbito educacional para crianças com deficiência na perspectiva da inclusão, levando em consideração a legislação Internacional, Legislação Constitucional e a Legislação Infraconstitucional específica. Analisamos um julgado do Supremo Tribunal Federal (STF). E, quais medidas que o Poder Público poderá adotar para incluir as crianças com deficiência no ensino regular? E por fim a 41 Graduado em direito pela Universidade de Itaúna, mestrando em Proteção aos Direitos Fundamentais pela Universidade de Itaúna. 42 Pós-Doutor em Educação pela UFMG. Doutor e Mestre em Direito Processual pela PUCMINAS. Professor do Programa de Pós-graduação stricto sensu em Proteção dos Direitos Fundamentais da Universidade de Itaúna. Professor da graduação em Direito da FAPAM; FPL; FASASETE; FAMINAS-BH. 327 inclusão das crianças com deficiência é um processo complexo, que envolve o Estado e a sociedade, para a construção de um ensino justo, digno e igualitário. Palavras-chave: Educação especial; Crianças com deficiência; Poder Público; Política Pública. Abstract: The special education movement erupted from the 16th century. In other words, the access of children with disabilities to formal school ensures equality between all students, representing one of the main challenges in the area of education, since it eliminates the barriers of exclusion and discrimination, which hinder the learning of everyone at school. The aim is to find out the problem of the effectiveness of public policies in education for children with disabilities in terms of inclusion, taking into consideration international law, Constitutional Law and legislation Infra-specific. We analyze a trial of the Supreme Court (STF). And what measures the Government will adopt to include children with disabilities in regular education? And finally the inclusion of children with disabilities is a complex process, which involves the State and society, for the construction of a fair, decent and equitable education. Keywords: Special education; Children with disabilities; Public Power; Public Policy. 1. Introdução O presente artigo aborda o problema da efetividade das políticas públicas em âmbito educacional para crianças com 328 deficiência na perspectiva da inclusão, ou seja, pela relevância que o assunto tem na área de proteção dos direitos fundamentais. O caso parte do pressuposto que não há uma participação significativa dos interessados na efetivação das respectivas políticas públicas, tanto no contexto da escola, acerca das políticas já implementadas, como também, no âmbito da sociedade. Desse modo, demonstraremos a necessidade de organização, entre a realidade prática e a proposta da inclusão das crianças que possuem algum tipo de limitação física, intelectual ou sensorial, em decorrência de uma deficiência, seja ela congênita ou adquirida, no âmbito do ensino regular. No entanto, oportuno destacar, que os direitos humanos constituem verdadeiros indicadores de conduta rumo ao bem comum, pois está no conhecimento de todo ser humano e a todos pertencem, possuindo como premissa fundamental o pertencimento a todos os seres humanos independente de suas deficiências. Ressalte-se que os maiores interessados são todos os cidadãos, uma vez que a educação formal é um direito fundamental assegurado a todos os envolvidos no processo da inclusão social dos deficientes na escola regular de ensino. Isto é, no contexto do Estado Democrático de Direito todos nós somos interessados. A pesquisa teórico-bibliográfica será desenvolvida a partir da análise e leitura da legislação internacional, legislação constitucional e legislação infraconstitucional específica. Também, analisaremos um julgado do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) Nº 5.357/DF, 329 por meio de levantamento de dados jurídicos e quantitativos secundários, para uma melhor construção do tema em comento. E por fim, quais medidas que o Poder Público poderá adotar para incluir as crianças com deficiência no ensino regular? Assim, a participação dos deficientes é corolário da igualdade democrática sob a perspectiva do Direito? Nesse modo, o tema objeto da pesquisa, é voltado para a proteção do direito à educação das crianças com deficiência no ensino regular, no paradigma da inclusão. 2. Breve digressão sobre a inclusão das pessoas com deficiência O debate sobre a educação especial teve início no século XVI. Primeiramente, a educação das pessoas com deficiência era baseada na exclusão e discriminação, e com passar do tempo, houve uma evolução direcionada para a inclusão dessas pessoas na escola regular. Nesse contexto, surgiram os tratados, convenções as leis internacional e nacional, que defendem os direitos fundamentais das pessoas com deficiência, isto é, integrando essas pessoas em igualdade com os demais cidadãos. Contudo, os direitos e deveres dos deficientes, ainda estão longe de alcançar seus ideais, e necessitam de aprimoramentos para colaborar no bem-estar global do indivíduo. A inclusão das crianças com deficiência na escola regular necessita ser abordada em vários paradigmas clínicos, social, político e de aprendizagem. Pessoas com deficiência e de baixa renda estão fortemente relacionadas a discriminação, pois estão 330 limitadas aos recursos escassos do País. O deficiente fica à mercê de estigmas sociais, que pela sua incapacidade física e financeira limitam o seu acesso à educação e a saúde. Nessa toada, a Constituição Federal de 1988, inclui direitos da criança e do adolescente, fornecendo acesso à saúde e educação e, esses direitos não estão sendo respeitados. Segundo Regina Maria Fonseca Muniz: A educação engloba a instrução, mas é muito mais ampla. Sua finalidade é tornar os homens mais íntegros, a fim de que possam usar da técnica que receberam com sabedoria, aplicando-a disciplinadamente. Instrução e educação, embora possam ser entendidas como duas linhas paralelas com finalidades diferentes, necessariamente devem caminhar juntas e integrar-se. (MUNIZ,2002, p. 9) Nota-se, que a educação é um direito fundamental e, representa sem dúvida, um avanço considerável na construção de uma sociedade inclusiva baseada nos direitos e deveres das crianças com deficiência. Ou seja, a educação proporciona o desenvolvimento social, mental e moral das crianças com necessidades especiais. Os direitos básicos dos deficientes estão garantidos em vários documentos. Importante salientar, a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, diz que: [...]Artigo 7. Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual 331 proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação. Nesse aspecto, a justificativa se dá porque as pessoas são vítimas de violação dos seus direitos e deveres; com destaque as pessoas com deficiência, pois costumam ser discriminadas com frequência, ficando excluídas do acesso e usufruto dos bens e serviços socialmente disponíveis num contexto geral. A Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN nº 9.394/96) estabelecem que as pessoas com necessidades especiais devam estudar de preferência nas escolas regulares e que todos têm direito à educação. A Conferência Mundial sobre Educação para Todos (UNESCO, 1990) realizada em Jomtien na Tailândia e a Declaração de Salamanca, aprovada na Conferência Mundial de Educação Especial em 1994, fixaram metas para melhorar a educação e a inclusão de crianças e jovens com deficiência. A Declaração de Salamanca é considerada um dos principais documentos mundiais que visam à inclusão social, defendendo que: [...] inclusão e participação são essenciais à dignidade humana e ao desfrutamento e exercício dos direitos humanos. Dentro do campo da educação, isto se reflete no desenvolvimento de estratégias que procuram promover a genuína equalização de oportunidades (...). Ao mesmo tempo em que as escolas inclusivas preveem um ambiente 332 favorável à aquisição da igualdade de oportunidades e participação total, o sucesso delas requer um esforço claro, não somente por parte dos professores e dos profissionais na escola, mas também por parte dos colegas, pais, família, voluntários. A reforma das instituições sociais não constitui somente uma tarefa técnica, ela depende, acima de tudo, de convicções, compromisso e disposição dos indivíduos que compõem a sociedade (UNESCO, 1994, p. 5). Em continuação, a Declaração de Salamanca, passou a considerar a inclusão dos alunos com necessidades educacionais especiais em classes regulares como a forma mais avançada de democratização das oportunidades educacionais. Assim, a “educação de qualidade para todos” tem a ver com a inclusão em âmbito geral e incondicional, para que todas as crianças com deficiência tenham igualdade de ensino com as demais crianças do ensino regular. Do mesmo modo, como cita a Declaração de Salamanca (1994), que ultrapassa as barreiras da exclusão e discriminação das crianças com deficiência, incluindoos no ensino regular. Em outras palavras, o Poder Público tem que criar políticas públicas nas escolas regulares para incluir os alunos excluídos no ensino regular e, além do mais, contratando profissionais qualificados para tal fim. A prática da inclusão escolar, segundo Maria Teresa EglérMantoan (2003), “pauta-se na capacidade de entender e reconhecer o outro e, assim, ter o privilégio de conviver e 333 compartilhar com pessoas diferentes; é acolher todas as pessoas, sem exceção. É construir formas de interagir com o outro, que, uma vez incluídas, poderão ser atendidas as suas necessidades especiais”. Nessa senda, a escola inclusiva exige novas estruturas e novas competências. No entanto, as escolas públicas não veem correspondendo às características individuais e socioculturais diferenciadas de seu alunado, funcionando de forma seletiva e excludente. Assim sendo, especial é a educação que legitima esquemas, espaços e dimensões do conhecimento e dos direitos humanos sem atributos restritivos. Importante ressaltar, que os estudos realizados na Inglaterra, afirmam que os pais de crianças com deficiência, preferem que seus filhos tenham ensino regular em conformidade com as demais crianças da escola formal. Nessa linha de raciocínio, Marcos José da Silveira Mazzotta, diz que: "Educação Especial é um conjunto de recursos e serviços educacionais especiais organizados para apoiar, suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços educacionais comuns, para garantir a educação formal dos educandos que apresentam necessidades educacionais muito diferentes das da maioria das crianças e jovens". (Mazzotta, 1989, p.39). Apesar dessa preferência na Inglaterra, no Brasil, observa-se um entendimento contrário. Isto é, os pais preferem 334 que seus filhos com necessidades especiais, iniciem seus estudos em associações especializadas, para garantir o direito à educação. Esse posicionamento, que vai contra o compromisso legal estabelecido na Declaração de Salamanca, causa estranheza. Mas, não é de todo absurdo. Os responsáveis segregam seus filhos, pelo medo da exclusão e discriminação. Ou, ainda, os pais querem proteger seus descendentes em uma escola cercada pelos muros da indiferença e, sendo assim, confirmam sua exclusão social e escolar. Obviamente, tudo isso tem impacto na vida cotidiana das crianças deficientes, pois sabe-se que o ensino regular tem um papel de destaque na sua formação como cidadão. 3. Direitos humanos: uma concepção jusnaturalista moderna As origens clássicas dos direitos humanos remontam aos direitos naturais, atemporal, estes podem ser descritos como direitos intuitivos, dos quais todos têm noção, independente de fazer parte da mesma sociedade, Aristóteles, em sua Retórica o nomeia lei comum, conforme segue: Digo que, de um lado, há a lei particular e, do outro lado, a lei comum: a primeira varia segundo os povos e define-se em relação a estes, quer seja escrita ou não escrita; a lei comum é aquela que é segundo a natureza. Pois há uma justiça e uma injustiça, de que o homem tem, de algum modo, a intuição, e que são comuns a todos, mesmo fora de toda comunidade e de toda convenção recíproca. É o que expressamente diz a Antígona de 335 Sófocles, quando, a despeito da proibição que lhe foi feita, declara haver procedido justamente, enterrando Polinices: era esse seu direito natural: Não é de hoje, nem de ontem, mas de todos os tempos que estas leis existem e ninguém sabe qual a origem delas. (Aristóteles, 1959, p.86) Direitos humanos, expressão surgida após a segunda guerra mundial são aqueles inerentes a pessoa humana, independente de Estado, bastando a condição de ser humano para poder adquiri-lo. Existem uma pluralidade de significados para o termo, porém pode-se dizer que existem, pelo menos, duas acepções interligadas, porém distintas, sobre direitos humanos, uma filosófica, que compara os direitos humanos ao direito natural e uma estritamente jurídica, chamada de contemporânea, que compara os direitos humanos com a proteção dos indivíduos perante o Estado, e com a necessária proteção internacional, como explicita Flávia Piovesan: No dizer de Hannah Arendt, os direitos humanos não são um dado, mas um construído, uma invenção humana, em constante processo de construção e reconstrução. Considerando a historicidade destes direitos, pode-se afirmar que a definição de direitos humanos aponta a uma pluralidade de significados. Tendo em vista tal pluralidade, destaca-se, neste estudo, a chamada concepção contemporânea de direitos humanos, que veio a ser introduzida com o advento da Declaração Universal de 336 1948 e reiterada pela Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993. Esta concepção é fruto do movimento de internacionalização dos direitos humanos, que constitui um movimento extremamente recente na história, surgindo, a partir do pós-guerra, como resposta às atrocidades e aos horrores cometidos durante o nazismo. (PIOVESAN, 2002) Conforme explica a autora, em seu estudo, assim como a maioria dos doutrinadores, volta-se para a concepção contemporânea de direitos humanos. A constituição federal de 1988, no seu artigo 227, sistematizou as premissas decorrentes da Declaração Universal, dizendo que: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, Artigo 227 da Constituição Federal de 88, 2015). Entretanto, para tratarmos de deveres humanos, devemos pensar em direitos humanos na sua acepção filosófica, ou seja, corolário do direito natural, sempre existente, sempre presente na intuição dos homens guiando-os para o bem comum, acepção 337 chamada de jus naturalista, conforme explica Dulce de Queiroz Piacentini: Profere o jusnaturalismo que os direitos humanos são direitos naturais, inerentes ao homem, anteriores ao Estado e ao Direito. Em outras palavras, são direitos que pertencem ao homem pela sua natureza humana, estando centrados na razão. O ser humano, por possuir razão, atributo exclusivo da sua espécie, nasce com direitos inalienáveis, que compõem limites ao poder do Estado quando este se constitui. (PIACENTINI, 2007) Deste modo, os direitos humanos constituem verdadeiros indicadores de conduta rumo ao bem comum pois estão no conhecimento de todo ser humano e a todos pertencem, possuindo como premissa fundamental o pertencimento a todos os seres humanos independente de reconhecimento por qualquer Estado. Neste mesmo sentido citar-se-á Carlos Santiago Lino, que explica que o jusnaturalismo pode ser defendido por meio de duas teses fundamentais: “(i) que há princípios que determinam a justiça das instituições sociais e estabelecem parâmetros de virtude pessoal que são universalmente válidos independentemente do seu reconhecimento efetivo por certos órgãos ou indivíduos; (ii) que um sistema normativo, ainda quando seja efetivamente reconhecido por órgãos que tem acesso ao aparato coativo estatal, não pode ser 338 qualificado como direito se não satisfazer os princípios aludidos no ponto anterior”. (NINO, 1989. Pág. 16) A internacionalização dos direitos humanos, acepção estritamente jurídica, é de extrema importância, principalmente por demonstrar que os direitos humanos são de todos. Para Carlos Jamil Cury (2002, pág. 250) “a educação primária, gratuita e obrigatória no século XIX justifica-se no sentido de a sociedade produzir pessoas com mentes maduras, minimamente iluminadas, capazes de constituir eleitorado esclarecido e trabalhadores qualificados”. Em continuação, caracteriza-se no século XX o reconhecimento da educação primária, gratuita, necessária e fornecida pelo Estado. Os tratados Internacionais passam a dar tratamento jurídico às crianças como sujeito de direito, proporcionando melhores condições para que todos os cidadãos exerçam indistintamente sua cidadania de forma efetiva, obrigatória e igualitária. Partindo do pressuposto de que a concepção jus naturalista de direitos humanos pode coadunar-se com a concepção contemporânea, ou seja, são diferentes visões que podem coexistir, podemos inferir na ideia de que os direitos humanos, são atemporais, não obstante terem sido nomeados como “direitos humanos” recentemente, em termos históricos, universais e não dependem de expressa previsão jurídica por parte de um Estado. 339 4. Os deveres humanos como caminho para o bem comum: igualdade de ensino entre todos os envolvidos Não obstante a obviedade de que os direitos humanos também possuem uma serie de deveres, pois direitos e deveres sempre caminham juntos, a realidade é que todos conhecem os direitos humanos, pelo menos a expressão “direitos humanos”, mas poucos ouviram falar em deveres humanos. Em 1997 a InteractionCouncil (Conselho Interação), instituição independente que reúne antigos chefes de Estado e de Governo, possuindo como uma de suas prioridades os padrões éticos universais, publicou uma “declaração universal dos deveres do homem”43, entretanto por ser uma organização independente, apesar de composta por pessoas de grande influência, tal declaração não possui poder jurídico, ou seja, não possui nenhuma força normativa, impositiva, e talvez por isso não seja conhecida por muitos. Ressalta-se, que a lei 13.146 de 06 de julho de 2015, dispõe sobre a inclusão da pessoa com deficiência, isto é, define vários benefícios de inclusão social para as pessoas com necessidades especiais, como, receber apoio de caráter especializado e recursos diferenciados; ensino de linguagens e códigos de comunicação e sinalização (deficiência visual e auditiva); atividades voltadas para o desenvolvimento de estratégias de pensamento (deficiência 43 InterActionCouncil. Declaração universal dos deveres do homem. Disponível em < http://interactioncouncil.org/sites/default/files/pt_udhr.pdf>. Acesso em 06 jan. 2018. 340 intelectual), adaptação de material e ambiente físico adaptado para tal fim, dentre tantos outros. Assim, os programas são de caráter diferenciado para o desenvolvimento e aprendizagem dos deficientes; como a inclusão social, pois incorpora a igualdade entre os cidadãos. Desse modo, considerada como modalidade de políticas públicas em prol das pessoas com deficiência, oferecendo recursos eficazes para melhorar a qualidade de vida dessas pessoas. Ressalte-se, que o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990), trouxe uma mudança significativa em relação ao menor. Assim sendo, o amparo jurídico-legal da criança e do adolescente tornou-se uma prioridade para a sociedade em geral. Isto é, as crianças passam a ser protegidas juridicamente como pessoas em desenvolvimento, necessitando de cuidado e atenção especiais. Em continuação, no que diz respeito ao estudo do objeto da demanda é coerente trazer à baila o inteiro teor do artigo 55 da lei 8.069/1990, dizendo o seguinte: “Os pais ou responsável têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino”. Nessa mesma linha de raciocínio, é importante destacar o conteúdo do artigo 129, inciso V do Estatuto da Criança e do Adolescente: “São medidas aplicáveis aos pais e responsável: Vobrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua frequência e aproveitamento escolar”. Por mais que haja força normativa, a interpretação jurídica leva em conta os fins sociais a que ela se propõe, assim, é importante citar o artigo 6, pois traz o mecanismo chave, para 341 leitura e interpretação, do ponto de vista teleológico, dizendo o seguinte: Artigo 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento. Lado outro, no que se refere aos direitos humanos, a frase, “não faça aos outros aquilo que não deseja que lhe façam”, pode ser vista como a máxima dos deveres humanos. Referida frase, ou lição, pode ser dita como atemporal, pois assim como os direitos naturais, de certa forma, está no inconsciente das pessoas, entretanto na tentativa de apontar uma concepção temporal para referida lição, podemos citar as palavras de Leônidas Hegenberg que se refere a ela como a regra de ouro da moral. Curiosamente, nasceu em distantes locais, em diferentes culturas, em momentos diversos e não só no pensamento Cristão, como às vezes imagina. A regra de ouro encontra-se em numerosos documentos antigos, de budistas, jainistas e taoistas. Em variadas formas, foi enunciada por Confúcio e por Tales de Mileto. Em textos aramaicos do século II antes de Cristo, aparece na forma. “Não faça a qualquer outro aquilo que você reprova”. Em Hadith, o livro de Mohammad, dos islamitas, surge deste modo: “Ninguém será um verdadeiro crente antes de desejar para outros 342 o que deseja para si”. (HEGENBERG, 2010 p.154) Tal regra de ouro, se praticada por todos, traria um respeito à dignidade do ser humano, nesse sentido continua o autor: Eis mais algumas versões famosas, voltadas para a preservação da dignidade humana: 1) “Aquilo que não deseja para você, não o faça para a outros” [Confúcio, 551-486 a.C.]. 2) “Não fazer aos outros o que não quer que lhe façam [Rabi Hillel, 60 a.C.-10 d.C.].3) “Tudo o que desejarem que as pessoas façam a vocês, façam-no também a elas” [Jesus Cristo, 30 d. C.]. (Hegenberg, 2010 p.154). Importante explicar que os direitos humanos possuem ainda uma dimensão internalizada pelos Estados, definida como direitos fundamentais, que são os direitos humanos positivados no âmbito interno do Estado, conforme ensina Ingo Wolfgang Sarlet: Em que pese sejam ambos os termos (‘direitos humanos’ e ‘direitos fundamentais’) comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para a distinção é de que o termo ‘direitos fundamentais’ se aplica para aqueles direitos reconhecidos e positivados na esfera do Direito Constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão ‘direitos humanos’, guardaria relação como os 343 documentos de Direito Internacional por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional.(SARLET, 2004, p. 40.) Cabe fazer um paralelo em relação aos deveres, se direitos fundamentais são aqueles direitos humanos previstos pela legislação então os deveres fundamentais também o são, ou seja, seguir o que as normas de um Estado determinam é cumprir com um dever fundamental para uma boa conduta dentro da sociedade, no entanto, não basta em si, apesar de ser o caminho mais fácil e primário, uma vez que, em regra, quando se descumpre uma lei ganha-se uma punição. De tal modo, paralelamente aos direitos humanos, os deveres humanos são aqueles básicos para uma convivência pacífica rumo ao bem comum, porém não necessitam estar escritos e nem constituir em uma imposição. Para cumprir com os deveres humanos não basta apenas seguir o que as normas legais do Estado preceituam, é necessário ir além, na busca do bem comum, é parar o carro para que o carro da frente possa sair do estacionamento, mesmo tendo diversos outros buzinando em sua traseira, é dizer bom dia, num ato de educação e sinceridade, com desejo real de que o próximo tenha um bom dia, ou seja, são pequenos feitos que revelam uma busca pelo bem do próximo e consequentemente pelo bem comum. 344 Não obstante a imensa importância dos deveres impostos por lei, denominados fundamentais, os deveres humanos constituem as melhores práticas sociais, não escritas. Seguir os deveres fundamentais, descritos em lei, é o mais básico necessário, cumprir com os deveres humanos é elevar a convivência em sociedade a um nível mais alto, puramente ético. As pessoas não devem apenas cumprir o que o direito ordena, pois ele não é a única ordem, nas palavras de José de Oliveira Ascensão “o Direito é uma ordem da Sociedade. Uma ordem e não a ordem, repare-se, porque na sociedade outras ordens se encontram” (ASCENSÃO, 1994, p. 9.). Deste modo podemos conceber os deveres humanos, principalmente no tocante a regra de ouro, como outro ordenamento da sociedade, não impositivo e talvez por isso mais difícil de ser aplicável, entretanto factível, talvez não para toda a geração do século XX, mas a caminho de sua concretização através das novas gerações, que podem, evoluírem de um objetivo meramente econômico para terem como finalidade o bem comum. 5. Uma análise jusfilosófica da decisão do stf sobre a ação direita de inconstitucionalidade (adi) nº 5.357/df Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) Nº 5.357/DF, ajuizada pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (CONFENEN), com alegação de que os artigos 28, parágrafo 1º e 30 da Lei nº 13.146/2015 (Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência – Estatuto da Pessoa com Deficiência), estão violando os artigos 5º, incisos XXII, XXIII, LIV, 345 170, incisos II e III, 205, 206, 208, 209 e 227, § 1º, inciso II, ambos da Constituição Federal de 1988. Em apertada síntese, a requerente afirma que a Lei 13.146/2015 propõe medidas com custos vultosos para as escolas privadas, obrigando estas a oferecer ensino educacional adequado e inclusivo às pessoas com deficiência. A decisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) foi acertada e causou repercussão geral, pois, estabelece a obrigatoriedade das escolas privadas de promover e regular as adaptações necessárias param às pessoas com deficiência no ensino regular, sem acrescentar custos adicionais nas mensalidades, anuidades e matrículas dos alunos. Ressalta-se, que a decisão buscou embasamento, na legislação internacional e legislação constitucional brasileira, para proteção e ampliação dos direitos fundamentais das pessoas com deficiência. Importante elencar, que a lei 13.146/2015, assume o compromisso ético de acolhimento, exigindo que as escolas públicas e privadas deverão atuar todo o seu ensino e potencialidades no direito fundamental à educação dos deficientes. Pois, o convívio com a diferença na construção de uma sociedade justa, livre e solidária, é necessário para que todos se conscientizem e promovam uma sociedade sem preconceitos de origem, raça, cor e quaisquer formas de discriminação. Nessa mesma linha, é necessário citar as palavras de Luiz Alberto David de Araújo: “[...] conviver com a diferença não é direito dos diferentes apenas; é direito nosso, da maioria, de poder conviver com a minoria; e 346 aprender a desenvolver tolerância e acolhimento” (ARAÚJO, 2015, p. 510). E ainda, o ensino inclusivo é política pública imutável, desenhado, planejado e organizado ao longo do tempo em espaços deliberativos em âmbito nacionais e internacionais dos quais o Brasil faz parte. Não obstante, foi integrado à Constituição Federal de 1988 como regra. Seja para a busca e conquista, de objetivos comuns, como por exemplo, a extinção das desigualdades sociais, ou a busca de objetivos individuais, igualdade entre todos os indivíduos; não apenas pelo fator jurídico de proteção, que extingue a lei do mais forte, mas também por uma questão de evolução da própria espécie humana e da sociedade como um todo. Nesse aspecto, o objetivo da política nacional educacional, na perspectiva da educação inclusiva, é o de assegurar, segundo o Ministério da Educação (MEC) é “o acesso, a participação e a aprendizagem dos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas escolas regulares, orientando os sistemas de ensino para promover respostas às necessidades educacionais, garantindo: Transversalidade da educação especial desde a educação infantil até a educação superior; Atendimento educacional especializado (...)”. Portanto, é imperioso concluir, que a lei 13.146/2015, não inovou quanto aos direitos e deveres dos estabelecimentos de ensino, pelo contrário, ratificou o que já está em voga nas legislações nacionais e internacionais e, consequentemente, de 347 oferecer acessibilidade, programas e recursos necessários aos deficientes no processo de ensino e aprendizagem. Assim, os artigos 28, § 1º e 30 da Lei 13.146/2015, estão longe de afrontarem os preceitos constitucionais invocados. Isto é, encontram-se em conformidade com a Constituição Federal de 1988, com advento, no direito à educação e em sintonia com os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Também é digno de nota, o conteúdo da cartilha do Ministério Público Federal, in verbis: A educação inclusiva garante o cumprimento do direito constitucional indisponível de qualquer criança de acesso ao Ensino Fundamental, já que pressupõe uma organização pedagógica das escolas e práticas de ensino que atendam às diferenças entre os alunos, sem discriminações indevidas, beneficiando a todos com o convívio e crescimento na diversidade”. Em continuação, esses conceitos e diretrizes mundiais para a inclusão social, encontram-se na Declaração de Salamanca de 1994 e na Convenção de Guatemala de 1999, dentre tantos outros documentos que influenciam às políticas públicas de educação inclusiva no Brasil. Enfim, em um Estado democrático de direito, todos os estabelecimentos de ensino, tanto público e privado, devem matricular todas as crianças e adolescentes, sem qualquer discriminação, buscando uma melhor construção da sociedade a 348 aplicação do direito fundamental, reduzindo as desigualdades sociais, econômicas e a exclusão social das pessoas com deficiência. Não basta, a imensa importância dos deveres impostos por lei, denominados fundamentais, os deveres humanos constituem as melhores práticas sociais, não escritas. Seguir os direitos fundamentais dos deficientes, descritos em lei, é o mais básico necessário, cumprir com os direitos humanos (das pessoas com deficiência) é elevar a convivência em sociedade a um nível mais alto, puramente ético e moral. 6. Considerações Finais Além do mais, é importante a relação das crianças sem deficiência, a convivência com crianças com deficiência. Ou seja, uma escola preocupada em ir mais além das questões econômicas, tende, na verdade, em preparar seus alunos para a vida. Assim, a presença de crianças com deficiência no ensino regular, serve como uma oportunidade especial de apresentar a todas as crianças, principalmente às que não têm deficiências, uma lição fundamental de humanidade, isto é, um recinto de convivência sem exclusões e discriminações, tornando-se um ambiente de fraternidade e solidariedade num contexto geral. Nesse contexto, o sucesso da inclusão social e escolar das crianças com deficiência, exige mudanças de mentalidade e ensino; por meio da adequação de práticas pedagógicas e, só se consegue atingir esse objetivo, quando a escola formal assume que as dificuldades de alguns alunos não são apenas deles, mas no modo de como os profissionais de ensino ministram suas aulas. 349 O Estatuto da Pessoa com Deficiência é categórico ao estabelecer em seus artigos 28, § 1º e 30, a obrigatoriedade das escolas de promover e regular as adaptações necessárias para às pessoas com deficiência no ensino regular, sem acrescentar custos adicionais nas mensalidades, anuidades e matrículas dos alunos. Analisando uma das atribuições dos Poderes Públicos sobre o ponto de vista dos direitos fundamentais e sociais, pode-se afirmar que os direitos das crianças com deficiência devem ser promovidos tanto pelo Estado quanto pela sociedade. Assim, o Estado ao promover direitos, como por exemplo, o direito à inclusão social dos deficientes, propõe a sociedade civil a cumprir com seus deveres, principalmente no respeito ao próximo, nesse caso, as pessoas com deficiência. E por fim, verifica-se que a inclusão das crianças deficientes no ensino formal é necessária, pois consistem em adequar os sistemas gerais da escola regular, efetivando as políticas públicas em prol das necessidades de cada indivíduo, para que haja igualdade e sociabilidade entre todos os interessados. 7. Referências ARAÚJO, Luiz Alberto David. Painel sobre a Proteção das Pessoas com Deficiência no Brasil: A Aparente Insuficiência da Constituição e uma Tentativa de Diagnóstico. In: ROMBOLI, Belo Horizonte: Arraes, 2015. p. 510. ASCENSÃO, José de Oliveira. O direito: introdução e teoria geral: uma perspectiva luso-brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 1994, p. 9. 350 BRASIL. Disponível em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&d ocID=12527456. Acesso em 13 dez. 2017. BRASIL.InterActionCouncil. Declaração universal dos deveres do homem. Disponível em < http://interactioncouncil.org/sites/default/files/pt_udhr.pdf>. Acesso em 06 jan. 2018. BRASIL. Biblioteca Virtual de Direitos Humanos. Universidade de São Paulo. Disponível em http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Crian%C3%A7a/ declaracao-dos-direitos-da-crianca.html. Acesso em 28 dez. 2017. BRASIL. Disponível em http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf. Acesso em 28 dez. 2017. BRASIL. Disponível em http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf. Acesso em 13 jan. 2018. BRASIL. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20152018/2015/lei/l13146.htm. Acesso em 12 dez. 2017. CURY, Carlos Roberto Jamil. Direito à educação: direito à igualdade, direito à diferença. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 116, p. 245-262, jul. 2002. 351 DINIZ, Margareth. Inclusão de pessoas com deficiência e/ou necessidades especiais: avanços e desafios. Autêntica Editora. Edição 1, 2012. HEGENBERG, Leônidas.Filosofia Moral, v.1: Ética; Rio de Janeiro. E-Papers. 2010 p.154 MAZZOTTA, Marcos J. S. (1989). Evolução da educação especial e as tendências da formação de professores de excepcionais no de São Paulo. Tese de Doutorado. Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP. MANTOAN, Maria Teresa Eglér. INCLUSÃO ESCOLAR O que é? Por quê? E como fazer? São Paulo: Editora Moderna, 1ª Edição, 2003. MUNIZ, Regina Maria Fonseca. O direito à educação. Editora Renovar, 2002, p. 9. PIACENTINI, Dulce de Queiroz. Direitos humanos e interculturalismo. Disponível em < http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp03490 5.pdf>. Acesso em 06 de jan. 2018. PIOVESAN, Flávia. Direitos reprodutivos como direitos humanos. Disponível em <http://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=we b&cd=1&cad=rja&uact=8&ved=0ahUKEwjix_crqzRAhUEUZAKHZ DCPMQFggcMAA&url=http%3A//www.mppe.mp.br/siteantigo/ 192.168.1.13/uploads/p1KdxISyI758jG2x2XOxQ/oQBSFV2tIXvW3yLQu7NdnQ/Artigo_352 _Direitos_reprodutivos_como_direitos_humanos__Flv.doc&usg=AFQjCNHnmUGnjjh0XXJ1RItbX7qQyo0Dw&sig2=_SU5RBNWP54D9tboTYkUDg >. Acesso em 13 de jan. 2018. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 40. 353 A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA TERMINOLOGIA PARA SE REFERIR ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA À LUZ DO DIREITO À DIGNIDADE THE HISTORICAL CONSTRUCTION OF TERMINOLOGY TO REFER TO PEOPLE WITH DISABILITIES IN THE LIGHT OF THE RIGHT TO DIGNITY Bruno Martins Teixeira44 Fabrício Veiga Costa 45 Resumo: Este artigo trata das terminologias para designar as pessoas com deficiência, partindo do período pós-Primeira Guerra até a atualidade, quando se passou a adotar o termo “pessoas com deficiência”, em 2009. Faz-se uma incursão sobre os movimentos sociais que motivaram essas alterações, correlacionando-as com as várias teorias que informam o princípio da dignidade da pessoa humana. Partindo dessa análise, conclui-se que é urgente um maior investimento em Educação, de forma a incutir nos cidadãos, desde cedo, o respeito à dignidade de todas as pessoas, com ou sem deficiência. Utiliza-se o método histórico, com aplicação da técnica da pesquisa bibliográfica. Palavras-chave: Terminologia; Pessoas com deficiência; Evolução histórica; Dignidade; inclusão. 44 Mestrando em Direito pela Universidade de Itaúna – MG. Servidor público. Advogado. 45 Pós-Doutor em Educação pela UFMG. Doutor e Mestre em Direito Processual pela PUCMINAS. Professor do Programa de Pós-graduação stricto sensu em Proteção dos Direitos Fundamentais da Universidade de Itaúna. Professor da graduação em Direito da FAPAM; FPL; FASASETE; FAMINAS-BH. 354 Abstract: This article deals with the terminologies to designate people with disabilities, starting from the post-World War I period until the present time, when the term "people with disabilities" was adopted in 2009. There is an incursion into the social movements that motivated these changes, correlating them with the various theories that inform the principle of the dignity of the human person. Based on this analysis, it is concluded that there is an urgent need for greater investment in education, so as to instill in the citizens, from an early age, respect for the dignity of all people, with or without disabilities. The historical method is used, applying the technique of bibliographic research. Keywords: Terminology; People with disabilities; Historical evolution; Dignity; Inclusion. 1. Introdução As pessoas com deficiência nem sempre foram designadas desse modo. Historicamente, tendo como ponto de partida o Constitucionalismo pós-Primeira Guerra, registra-se que expressões como “inválido” ou “deficiente” foram as primeiras formas usadas para se referir a esse grupo vulnerável (SASSAKI, 2014). A análise dos motivos que levaram às alterações dos diversos termos utilizados para se referir às pessoas que têm deficiência, até que se chegasse à nomenclatura atual, tem a utilidade de explicitar uma importante faceta da evolução dos movimentos de inclusão social, mostrando um importante aspecto da ampliação da proteção jurídica dessa minoria. 355 Com a ratificação da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – CDPD, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008 e promulgada pelo Decreto 6.949, vários países do mundo, incluindo o Brasil, adotaram oficialmente a terminologia “pessoas com deficiência”, em detrimento das demais formas de designação. Apesar disso, nos setores educacionais ainda se presencia a referência a “pessoas com necessidades especiais”, sob a justificativa de que essa forma destacaria a obrigação do Estado e da Sociedade em criar condições para permitir uma inclusão mais efetiva. A CDPD, além disso, reveste-se de significativa importância política, uma vez que suas disposições destacam incisivamente a necessidade de oportunizar uma ampla participação social desses indivíduos enquanto autônomos, independentes e dotados de plena capacidade legal. As estatísticas oficiais mais recentes dão conta de que uma em cada 10 pessoas em todo mundo possui alguma deficiência 46. No Brasil, o último censo oficial aponta que 23,9 % de toda população declarou ter pelo menos uma deficiência. 47 Ao confrontarmos esses dados com o volume de participação de tais pessoas nos vários setores da sociedade, sobretudo na educação e no mercado de trabalho, verificamos que há uma injusta desigualdade a ser superada. Essa constatação leva-nos a indagar sobre se tais pessoas estão vivendo dignamente. O Princípio da 46 Dados disponíveis deficiencia/5459 47 em: https://www.unric.org/pt/pessoas-com- Disponível <biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/94/cd_2010_religiao_deficiencia .pdf. p.73. 356 Dignidade da Pessoa Humana, inscrito na Constituição de 1988 como um dos Fundamentos da nossa Democracia, põe-se como importante pano de fundo para buscarmos a resposta. Neste trabalho, analisaremos a importância da evolução histórica do uso das terminologias usadas para designar as pessoas com deficiência nos ordenamentos internacionais e na legislação pátria, verificando os sentidos que foram emprestados a cada uma das nomenclaturas, as implicações jurídicas daí decorrentes e os debates que se formaram em torno dessa questão em cada época. Também examinaremos o conceito de Dignidade da Pessoa Humana, sob o aspecto filosófico e jurídico-constitucional, buscando correlacioná-lo com a escolha oficial do termo “pessoas com deficiência”. Espera-se que seja demonstrada a relevância jurídica do liame histórico entre as conquistas obtidas por essas pessoas e as constantes modificações nas formas pelas quais têm sido designadas. 2. Evolução histórica das terminologias para se referir às pessoas com deficiência Do período conhecido como Constitucionalismo - cujo surgimento ocorreu a partir do término da Primeira Guerra Mundial - até por volta dos anos 1960, era comum utilizar o termo “incapacitados” para se referir aos combatentes que voltavam das batalhas com alguma deficiência. A partir desse momento, verificase um significativo aumento na regulamentação de vários direitos das pessoas com deficiência (BRAUN, 2007, p. 73). 357 A expressão “os incapacitados”, significava, de início, indivíduos sem capacidade, e mais tarde “indivíduos com capacidade residual”, mas o significado que a sociedade adotaria seria o de falta de capacidade de fazer algumas coisas por causa da deficiência (SASSAKI, 2014, p. 1). É preciso lembrar que a esta altura havia um movimento de reconstrução de muitas nações, com o crescente aumento na competitividade entre as empresas e o início de uma economia globalizada, contexto que não favorecia a inclusão de pessoas vítimas desse estereótipo. O Decreto n. 60.501, de 14/03/1967, que aprovara a redação do então Regulamento Geral da Previdência Social, empregava no artigo 126 a expressão “os inválidos” para aludir àqueles que poderiam usufruir do processo de reabilitação profissional 48. A Emenda Constitucional n. 1 de 1969, de 17/10/1989, utilizava a expressão “excepcionais”, anotando no artigo 175, § 4º que “Lei especial disporá sobre a assistência à maternidade, à infância e à adolescência e sobre a educação de excepcionais”. Durante a década de 1950, duas importantes instituições dedicadas à causa das pessoas com deficiência foram instaladas no Brasil: A Associação de Assistência a Criança Defeituosa, posteriormente Associação de Assistência a Criança Deficiente 48 Nota-se que para tratar especificamente das aposentadorias em decorrência de doença grave, continua sendo usada na legislação o termo “aposentadoria por invalidez” (Art. 40, § 1º, I e 201, I da CF; Art. 18, I, a) da Lei 8.213/91;Art. 186, I da Lei 8.112/90). Por outro lado, genericamente os aposentados no funcionalismo público civil ainda continuam sendo designados como “inativos” (Art. 40, caput, da CF e art.) 358 AACD, fundada em 1950 pelo médico especialista em Ortopedia Dr. Renato da Costa Bonfim, cuja criação foi inspirada nos centros de reabilitação no exterior, está entre os melhores hospitais de ortopedia da atualidade e é referência no tratamento de pessoas com deficiência física 49; e a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais - APAE, fundada em 1954, na cidade do Rio de Janeiro, tendo como principal objetivo propiciar atenção integral à pessoa com deficiência intelectual e múltipla e está presente hoje em mais de 2 mil municípios em todo o território nacional. 50 Nessa década, a sociedade passou a usar as palavras “excepcional” e “deficiente”. O termo “excepcional”, historicamente sempre esteve associado às pessoas com deficiência mental. O uso da expressão não teve boa recepção social e caiu em desuso, haja vista que as pessoas com superdotação também são excepcionais. (SASSAKI, 2014, p. 1) Além disso, não haveria sentido, por exemplo, em se chamar uma pessoa portadora de HIV de excepcional (ARAÚJO, 2011, p.15). Como afirma (GUGEL, 2016, p. 55), “sob qualquer ângulo de análise, o que não se permite ao intérprete das normas em vigor é a associação da deficiência com incapacidade, principalmente para o trabalho e para a vida independente”. A partir dos anos 70, a Organização das Nações Unidas ONU iniciou a elaboração de documentos normativos importantes no tocante às pessoas com deficiência. Destacam-se, entre eles, a 49 50 Disponível em: <https://aacd.org.br/conheca-aacd/ Disponível em: <http://apae.com.br/ 359 Declaração dos Deficientes Mentais (aprovada pela Resolução da ONU n. 2.856, de 1971) e, mais tarde, a Declaração das Pessoas Portadores de Deficiências (Resolução da ONU n. 30/84, de 09/09/1975). A Emenda Constitucional n. 12, de 17/10/1978, que tratava da melhoria da condição social e econômica desse grupo vulnerável, refere-se aos indivíduos com deficiência apenas com o uso do substantivo “deficiente”. De acordo com Moreira, Gaelzer e Batista (2016, p.256): A palavra deficiente só deixou de ser utilizada como um substantivo na década de 80, quando passou a assumir o sentido de adjetivo, caracterizando o substantivo “pessoa”. Entre o final dessa referida década e o início da próxima (90), alguns especialistas começaram a contestar o uso da designação pessoa deficiente, pois, para eles, o adjetivo acabava sobrepondo-se ao substantivo, não conseguindo, desse modo, reverter o processo de estigmatização que somente o uso do substantivo – deficiente – já carregava. Assim, passou-se a ser utilizada a designação pessoas portadoras de deficiência, em uma referência à deficiência como um valor agregado das pessoas. No ano de 1981 a Organização das Nações Unidas – ONU inaugurou o Ano Internacional das Pessoas Deficientes, como resposta a reivindicações de diversas entidades representativas dessas pessoas no mundo. 360 Em 1983 a OIT assumia, mediante a adoção da Convenção n. 159, o compromisso de Reabilitação Profissional e Emprego de Pessoas Deficientes. Referida Convenção foi ratificada pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo n. 129, de 22/05/1991. Durante a década de 1980 houve significativa intensificação dos movimentos sociais em torno da questão do reconhecimento dos direitos das pessoas com deficiência. A Constituição Federal de 1988, em resposta a essas demandas, legitimou o termo “pessoa portadora de deficiência”, o que se repetiu em várias normas infraconstitucionais como a Lei 8.112, de 11/12/1990 (Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais.), a Lei 8. 213, de 24/07/1991 (trata dos Planos de Benefícios da Previdência Social) e a lei 8.742, de 07/12/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS). Como destaca Sarlet (2014, p. 60): Após inúmeras discussões na direção de se estabelecer uma terminologia melhor adequada, foi acordada no evento denominado “Encontrão”, realizado no ano de 2000, em Recife, cujo tema principal era Deficientes do Século XXI – O Século da Diferença: Por uma Sociedade Eficiente Quando o Preconceito Esquece o D”, a adoção da terminologia “pessoas com deficiência”, em detrimento de quaisquer outras expressões. 361 Mas a citada validação, no âmbito internacional, só aconteceria efetivamente com aprovação da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – CDPD e seu protocolo facultativo, assinados em Nova York em 30/03/2007. Por força da ratificação dada por meio do Decreto Legislativo n. 186/2008, em 09/07/2008, e com a publicação do Decreto no. 6.949, de 25/08/2009 (DOU de 26/08/2009), o Brasil optou pela expressão “pessoas com deficiência”. É preciso destacar que a CDPD, por ter sido aprovada na forma do artigo 5º, § 3º da CF, foi inserida no ordenamento Constitucional com status de Emenda Constitucional. Portanto, ficaram revogados no texto da Constituição os usos da expressão “portadores de deficiência”. Desse modo, Entendemos como Araújo (2011, p. 16), que “a Constituição deveria já estar retificada para ‘pessoa com deficiência’, nome atual, constante de norma posterior, convencional, de mesmo porte de uma emenda. Sendo assim, a Constituição já foi alterada neste tópico”. Outro aspecto importante acerca do texto da CDPD é o que consta no item e) de seu preâmbulo, onde se ressalta o reconhecimento social de “que a deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas”. Em sintonia com a mudança constitucional, o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência - CONADE atualizou o texto do seu Regime Interno, no ano de 2010, 362 substituindo a nomenclatura “Pessoas Portadoras de Deficiência” para “Pessoas com Deficiência”51. Gugel (2016, p.46) comenta ainda que é impróprio usar siglas como ppd (pessoa portadora de deficiência), sd (pessoa com síndrome de down), dm (deficiente mental), pcd (pessoa com deficiência), afirmando ser mais adequada a utilização de siglas para se tratar de marcas e não para designar pessoas com reconhecida capacidade legal. Pode-se perceber que foram muitas as mudanças no uso dos termos técnicos para se referir às pessoas com deficiência nos últimos 100 anos, o que demonstra que houve uma preocupação com os efeitos sociais de optar por essa ou aquela terminologia. Deve ser salientado que as alterações se deram quase sempre em resposta imediata aos reclames da população interessada, sempre por meio de análise jurídica e social criteriosa orientada a promover o bem-estar dessas pessoas. Explorando os contrapontos entre a visão médica e social da deficiência, Portela (2016, p. 05) afirma que apesar da OMS adotar a expressão deficiência como a mais adequada a partir da modificação de seu conteúdo, dentro da abordagem social e das determinantes sociais, a terminologia “pessoa com necessidades especiais” parece ser a mais apropriada. Isto porque, passa-se a exigir dos poderes públicos 51 Resolução n. 1, de 15/10/2010, do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiencia (CONADE) que altera o Regime interno do CONADE. 363 a adequação dos espaços e políticas públicos para todo e qualquer cidadão, independentemente de sua configuração corporal ou mental, abrangendo não só pessoas com necessidades especiais permanentes, como também aquelas com necessidades especiais transitórias – como por exemplo, a grávida - afinal todos são cidadãos brasileiros. Sob os citados fundamentos, no âmbito educacional continua sendo usado correntemente o termo “pessoas com necessidades especiais”, bem como suas variáveis “educandos com necessidades especiais”, “alunos com necessidades educacionais especiais”, dentre outras. Em que pese a opção terminológica indicada como mais apropriada, não há como se afastar a utilização do termo “pessoa com deficiência”, principalmente pelos entes públicos, uma vez que foi estabelecido pela Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência” 3. Dignidade da Pessoa Humana e deficiência As pessoas com deficiência convivem há muito tempo com o estigma de possuírem uma deficiência, cujas implicações devem ser encaradas séria e cientificamente. Segundo o Dicionário Houaiss (HOUAISS, 2001, p. 1253,)a palavra estigma significa “marca ou cicatriz deixada por ferida; sinal natural no corpo; sinal infamante outrora aplicado, com ferro em brasa, nos ombro ou braços de criminosos, escravos, 364 entre outros que significam uma marca, uma diferenciação que se pretende manter com um certo objetivo”. O sociólogo canadense Ervin Goffman (1988, p.5) elucida mais detalhada e claramente a origem do termo: Os gregos, que tinham bastante conhecimento de recursos visuais, criaram o termo estigma para se referirem a sinais corporais com os quais se procurava evidenciar alguma coisa de extraordinário ou mau sobre o status moral de quem os apresentava. Os sinais eram feitos com cortes ou fogo no corpo e avisavam que o portador era um escravo, um criminoso ou traidor uma pessoa marcada, ritualmente poluída, que devia ser evitada; especialmente em lugares públicos. Mais tarde, na Era Cristã, dois níveis de metáfora foram acrescentados ao termo: o primeiro deles referia-se a sinais corporais de graça divina que tomavam a forma de flores em erupção sobre apele; o segundo, uma alusão médica a essa alusão religiosa, referia-se a sinais corporais de distúrbio físico. Atualmente, o termo é amplamente usado de maneira um tanto semelhante ao sentido literal original, porém é mais aplicado à própria desgraça do que à sua evidência corporal. Em outras palavras, dentro do contexto analisado o estigma representa uma discriminação injusta em razão de um preconceito que se baseia na deficiência antes de considerar os demais atributos da pessoa, como suas habilidades e suas virtudes. 365 Qualquer que seja o ponto de partida para tratar esse tema, seremos levados a concluir que apenas as deficiências que causam algum “incômodo” no meio social são importantes, do ponto de vista jurídico, máxime porque podem ser percebidas como algum prejuízo ao plano proposto pelo ideário capitalista. Nesse debate, não se pode afastar da questão socioeconômica. Verificamos, por exemplo, que no tocante às oportunidades de trabalho os óbices para a inclusão da pessoa com deficiência são mais evidentes. É que aí, nos ambientes de trabalho em geral, é onde iremos encontrar os maiores contrastes à condição das pessoas com deficiência. Por isso é que hoje há tantos estudos envolvendo o acesso dessas pessoas ao mercado de trabalho. Nesse contexto, tem-se claramente a presença de um estigma, consistente na simples resistência em relação à contratação das pessoas com deficiência, ou na dificuldade de se aceitar o desafio de adaptar as condições e os ambientes de maneira a integrá-las de forma positiva 52. Vimos que durante o caminhar evolutivo das escolhas da melhor terminologia para designar tais pessoas nunca se deixou de usar o vocábulo “deficiente”. É preciso frisar que “deficiente” tem o significado etimológico que remete a algo falho, incompleto (HOUAISS, 2001, p. 926). O mercado, como haveria de ser, não tolera falhas, incompletudes ou incapacidades, o que pode explicar parte das dificuldades de inclusão. 52 Sabemos que há outros elementos a serem considerados, como a insuficiente capacitação que essas pessoas muitas vezes trazem, o que nesse caso situa o problema mais no âmbito educacional. 366 Também no âmbito público pode haver certa confusão, já que a Constituição Federal prevê textualmente, no artigo 37, a obrigação de a administração pública se pautar pelo princípio da eficiência. A doutrina explica que é considerado tecnicamente “eficiente” o trabalho do servidor público que seja feito com presteza, perfeição e rendimento funcional (MEIRELLES, 2006, p. 96). A “eficiência” exigida do servidor público e a “deficiência” que este por acaso possua são conceitos que devem ser ponderados de forma independente, sobretudo durante o estágio probatório, que é o momento em que o trabalho será posto à prova. Por isso, os procedimentos de realização da avaliação do estágio probatório, em se tratando de pessoas com deficiência, deverão ser sopesados com base em um critério de razoabilidade, que pode ser aqui traduzido como simples bom senso. Há ainda outros âmbitos em que a deficiência muitas vezes é percebida primeiramente como um problema. Por exemplo, no que diz respeito à adaptação da arquitetura pública, cuja reformulação dos logradouros, praças e demais locais públicos exige muitas vezes altos investimentos financeiros. Dentro dessa contextualização, vê-se que a maioria dos empecilhos para a concretização da necessária acessibilidade passa quase sempre pela questão econômica. Nossa Constituição já assentou, no artigo 1º, III, que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República. Significa dizer que respeitar a dignidade de todas as pessoas é um dos pilares da nossa estrutura social. Portanto não se pode permitir que valores que se colocam à margem da dignidade possam reduzir sua importância. 367 É importante destacar, nesse sentido, a proteção que a CDPD confere às pessoas com deficiência no artigo 28, quando trata do “Padrão de vida e proteção social adequados”. Firmando o compromisso de reconhecer direitos relativos à alimentação, vestuário, moradia, saneamento básico, bem como ao acesso a programas de redução da pobreza, a Convenção age em ponto importante da dignidade dessas pessoas, qual seja, sua subsistência. Não se trata de “dar o peixe”, mas de criar condições para que o acesso a tais valores seja possível. Mas poderíamos ainda perguntar sobre o que seria a “dignidade da pessoa humana” para o Direito? Barroso (2009, p. 250) informa que A dignidade da pessoa humana é o valor e o princípio subjacente ao grande mandamento, de origem religiosa, do respeito ao próximo. Todas as pessoas são iguais e têm direito ao tratamento igualmente digno. A dignidade da pessoa humana é a ideia que informa, na filosofia, o imperativo categórico kantiano, dando origem a proposições éticas superadoras do utilitarismo: a) uma pessoa deve agir como se a máxima de sua conduta pudesse transformar-se em uma lei universal; b) cada indivíduo deve ser tratado como um fim em si mesmo, e não como um meio para realização de metas coletivas ou de outras metas individuais. Como lembra Silva (2002, p. 105), além do respeito à dignidade da pessoa humana enquanto fundamento da ordem 368 constitucional, também é necessário atentar-se para o conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana nos dispositivos que estabelecem uma ordem econômica garantidora de uma existência digna (art. 170), e naqueles que preveem a realização da justiça social (art. 193) e da promoção da educação visando o pleno desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania (art. 205). De forma mais objetiva, Dworkin (2003, p. 333 e 334) afirma que o direito à dignidade é aquele que as pessoas têm de não “serem tratadas de um modo que, em sua cultura ou comunidade, se entende como demonstração de desrespeito. Em linguagem simples, exercer a dignidade da pessoa humana é respeitar as diferenças, tarefa que exige de todas as pessoas o compromisso de se colocar no lugar do outro, buscando compreender quais as suas necessidades e qual a maneira de atendê-las sem impedir o exercício da sua autonomia. Soares e Locchi (2016, p.39), no artigo intitulado “O papel do indivíduo na construção da dignidade da pessoa humana”, manifestam preocupação com pensamento atual presente na maior parte do ocidente que entende que o papel para garantir a dignidade de todos é exclusivamente do Estado, retirando toda a responsabilidade do indivíduo na construção de sua própria dignidade. Portanto, o direito à dignidade da pessoa humana se resolve à medida que se ampliam as possibilidades de participação social da pessoa com deficiência, bem como a sua autonomia enquanto cidadão. 369 4. A Construção da terminologia “pessoas com deficiência” à luz do princípio da Dignidade da Pessoa Humana Como vimos, a terminologia “pessoas com deficiência” é hoje adotada oficialmente no Brasil por força da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – CDPD, cuja recepção constitucional entre nós se deu por meio do Decreto no. 6.949, de 25/08/2009 (DOU de 26/08/2009). Com o advento da CDPD, em 2009, não há mais dúvida que o melhor termo a ser utilizado é “pessoa com deficiência”. Conforme destaca Gugel (2016, p. 46) não mais deve ser repercutida a antiga proposta de utilização da sigla “Pode” (portadoras de direitos especiais) proposta pela Missão Urbana e Rural, em 2001, ou qualquer outra designação como pessoa com (ou portadora de) necessidades especiais. Esse último termo é próprio para a área da educação, introduzida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que designa não só as pessoas com deficiência, mas também as pessoas superdotadas, obesas, idosas, autistas, pessoas com distúrbios de atenção, emocionais e outras. A Convenção afasta a visão médica exclusiva e passa a ampliar o conceito de deficiência, com a visão médica e social, indicando que não é a pessoa que deve se adequar ao espaço público e à sociedade, mas esta deve estar preparada para acolher 370 os cidadãos independentemente da sua configuração corporal ou mental. Conforme Portella (2016, p. 12): Dentro desta perspectiva, houve a opção pela expressão “pessoa com necessidades especiais”, que podem ser permanentes ou temporárias. O espaço e serviço públicos devem ser adaptados, a escola deve ser adaptada, a sociedade em geral deve estar preparada para receber o cadeirante, a gestante, o idoso, o autista, etc. Este é o grande desafio para a inclusão sem estigmatizar. Segundo Araújo (2011, p. 16) Atualmente, a expressão utilizada é ‘pessoa com deficiência’. A ideia de ‘portar’, ‘conduzir’ deixou de ser a mais adequada. A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que ingressou no sistema constitucional brasileiro por força do Decreto-Legislativo n. 186 de 09 de julho de 2008 e do Decreto de Promulgação n. 6949, de 25 de agosto de 2009, utiliza-se da expressão contemporânea, mais adequada. A pessoa (que continua sendo o núcleo central da expressão) tem uma deficiência (e não a porta). Convém ressaltar que, muitas vezes, não há qualquer motivo para que uma pessoa encontre dificuldades de inclusão, pois não apresenta qualquer problema motor ou mental. No entanto, poderá haver fator que 371 dificulte a inclusão desse indivíduo em decorrência de sua aparência. A lesão inexiste. Sua aparência, no entanto, causará a dificuldade para a inclusão (por exemplo, uma mancha no rosto, que crie problemas de inclusão social). Em outros casos, com a mesma dificuldade que lhe trazia a lesão (por exemplo, certas marcas deixadas por cirurgias). Por fim, o rol proposto esqueceuse de certos grupos, que apresentam grande deficiência enzimática, devendo submeter-se à dieta rigorosíssima, evitando alimentos com proteínas ou com açúcar. Ainda uma outra observação: a classificação (até porque temporariamente anterior) deixou de mencionar as pessoas com o vírus do HIV, que encontram sérias dificuldades de adaptação na sociedade, em determinados estágios (felizmente, nem sempre presentes no perfil da doença) (ARAÚJO, 2011, p. 25). Sarlet e Bublitz (2014, p. 63) em brilhante trabalho acerca do papel da mídia no uso da terminologia com relação às pessoas com deficiência, entendem que Usar ou não usar termos técnicos corretamente não é apenas uma questão ortográfica ou de uso restrito aos profissionais de educação e saúde. Na linguagem se expressa, voluntária ou involuntariamente, o respeito ou a discriminação em relação às pessoas. Se desejamos uma sociedade inclusiva a terminologia correta é de extrema importância quando enfrentarmos assuntos 372 carregados de preconceitos, estigmas e estereótipos, como é o caso das deficiências. Sassaki (2014, p. 5), apresenta sete princípios básicos que, segundo ele, conduziram os movimentos sociais até a escolha da nomenclatura “pessoas com deficiência”: 1. Não esconder ou camuflar a deficiência; 2. Não aceitar o consolo da falsa ideia de que todos têm deficiência; 3. Mostrar com dignidade a realidade da deficiência; 4. Valorizar as diferenças e necessidades decorrentes da deficiência; 5. Combater eufemismos que tentam diluir as diferenças, tais como “pessoas com capacidades especiais”, “pessoas com eficiências diferentes”, “pessoas com habilidades diferenciadas”, “pessoas deficientes”, “pessoas com disfunção funcional” etc. 6. Defender a igualdade entre pessoas com deficiência e sem deficiência em termos de direitos e dignidade, o que exige a equiparação de oportunidades para pessoas com deficiência; 7. Identificar nas diferenças todos os direitos que lhes são pertinentes e a partir daí encontrar medidas específicas para o Estado e a sociedade diminuírem ou eliminarem as “restrições de participação” (dificuldades ou incapacidades causadas pelos ambientes humano e físico contra as pessoas com deficiência). 373 Percebe-se que os objetivos que moveram a discussão que levou à escolha da forma de designação “pessoas com deficiência” estão vinculados à intenção de propiciar aos interessados o reconhecimento de que eles serão respeitados como pessoas, em primeiro lugar, e que apesar disso a preocupação com sua deficiência não será deixada de lado. Do mesmo modo, valoriza-se o papel social da pessoa, como indivíduo autônomo e dono de si. É imprescindível destacar que a CDPD legitima, em vários de seus dispositivos, a preocupação para com a promoção da dignidade da pessoa com deficiência: No itens a) e h) do seu preâmbulo, faz menção à dignidade como um dos princípios consagrados na Carta das Nações Unidas e reconhece que a discriminação contra qualquer pessoa, por motivo de deficiência, é uma violação da dignidade e do valor inerentes ao ser humano; No artigo 1, apresenta o propósito de promover o respeito pela dignidade das pessoas com deficiência; Dentre os princípios gerais, no artigo 3, a), exalta o respeito pela dignidade, a autonomia individual, a liberdade de fazer as próprias escolhas e a independência das pessoas; Convoca a sociedade e o Estado para o fomento desse respeito, (Artigo 8, 1, a); No artigo 24, a), apresenta como um dos principais objetivos educacionais o de possibilitar o pleno desenvolvimento do potencial humano e do senso de dignidade e autoestima. A cada dia que passa a sociedade vem se engajando mais na realização do respeito à condição humana dos diversos grupos vulneráveis existentes. Isso ficou demonstrado, no caso das pessoas com deficiência, no que diz respeito à mudança da forma com que 374 elas escolheram ser designadas. Tais mudanças sempre foram precedidas de grandes movimentos sociais nos quais se buscou promover o respeito à dignidade dos interessados, situando as potencialidades da pessoa em patamar superior à sua deficiência. 5. Considerações finais Vimos que no lapso de aproximadamente 100 anos que se passaram desde o Constitucionalismo pós – Primeira Guerra aconteceram importantes mudanças na terminologia escolhida como a melhor para se referir às pessoas com deficiência. No cerne de todo esse debate, sempre esteve presente a necessidade de valorizar a condição do indivíduo primeiramente enquanto pessoa, sem desconsiderar a deficiência que ele possui. Com o advento da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, em 2009, imprimiu-se maior valorização à promoção dos valores superiores inerentes às pessoas, dando especial relevo ao respeito à dignidade, já antes assentado, no texto do artigo 1º. da Constituição, como um dos Fundamentos da nossa Democracia. Conquanto tenha sido elaborada uma nomenclatura adequada aos verdadeiros anseios das pessoas com deficiência, devemos ter em mente a afirmação contida no preâmbulo da CDPD, na alínea e), que lembra que “a deficiência é um conceito em evolução” e “resulta da interação entre as pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.” 375 Diante desse contexto, é forçoso reconhecer que as maiores possibilidades de se promover as mudanças necessárias passam pelo aprimoramento do sistema educacional, principalmente na esfera pública, o que reclama a destinação de maiores investimentos para a área. As políticas governamentais postas em prática atualmente têm demonstrado grande descaso em relação à questão, o que reclama urgente mudança de postura de nossa parte. 6. Referências ARAÚJO, Luiz Alberto David. 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Acesso em: 26jan. 2018. BRASIL. Decreto n. 60.501, DE 14 DE MARÇO DE 1967. Aprova nova redação do Regulamento Geral da Previdência Social (Decreto nº 48.959-A de 19 de setembro de 1960), e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/19501969/D60501.htm. Acesso em: 26jan. 2018. BRASIL. Emenda Constitucional n. 1, de 1969, Edita o novo texto da Constituição Federal de 24 de janeiro de 1967. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/emecon/19601969/emendaconstitucional-1-17-outubro-1969-364989republicacao-28547-pl.html. Acesso em: 26jan. 2018. BRASIL. Emenda Constitucional n. 12, DE 17 DE OUTUBRO DE 1978. Assegura aos Deficientes a melhoria de sua condição social e econômica. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03. Acesso em: 26jan. 2018. BRASIL. Recomendação CONADE Nº 1, 24 DE ABRIL DE 2014. (Dispõe sobre a orientação a ser dada aos gestores estaduais e municipais para criação de órgãos gestores da política da pessoa com deficiência e dá outras providências). O Presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Disponível em: http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/conade/atosnormativos/recomendacoes. Acesso em: 12jan. 2018. 377 BRASIL. Resolução CNE/CEB Nº 2, DE 11 DE SETEMBRO DE 2001. (*) Institui Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CEB0201.pdf. Acesso em 24jan. 2018. BRASIL. Resolução Conade. Nº 1, DE 15 DE OUTUBRO DE 2010 Altera dispositivos da Resolução nº 35, de 6 de julho de 2005, que dispõe sobre o Regimento Interno do Conade. Em: http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/conade/sobre-oconade/regimento-interno. Acesso em 24jan. 2018. CARVALHO FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 17. ed. 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Aborda-se ainda, a necessidade de maior abertura dos espaços estudantis por serem de modo inconteste um ambiente de participação e integração social, possibilitando um debate robustecido e de construção de uma sociedade livre de preconceitos, emancipada e comprometida com o combate a qualquer forma de opressão. Objetiva demonstrar as consequências advindas da omissão ao tratar de assuntos de gênero no âmbito educacional, tanto pelos docentes, quanto pelo ente 53 Bacharel em Direito pela Faculdade Pitágoras Divinópolis. Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Cândido Mendes (UCAM). Mestranda no Programa de pós-graduação Stricto Sensu da Universidade de Itaúna. Advogada. Docente do curso de Direito pela Fundação Educacional de Oliveira (FEOL). 54 Doutor em Direito – Pucminas. Pós-Doutor em Direito – Unisinos e PósDoutorando em Direito - Universidade de Coimbra. Professor da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da Universidade Fumec CV: http://lattes.cnpq.br/2720114652322968. 381 Estatal. A metodologia utilizada baseou-se na pesquisa teórica bibliográfica, por meio do procedimento metodológico dedutivo. Utilizou-se também no procedimento técnico, análises interpretativas, comparativas, temáticas e históricas, para possibilitar uma discussão pautada sob o ponto de vista da crítica científica. Palavras-Chave: Gênero; Sexualidade; Educação. Abstract: The purpose of the present study is to approach the need for discussion about gender identity in schools, and the difficulties faced by teachers in order to exemplify the dilemmas of embracing this issue in the face of the presentation of socially accepted standards, of difficult deconstitution. It also addresses the need for greater openness of student spaces as they are unquestionably an environment of participation and social integration, enabling a robust debate and building a society free of prejudices, emancipated and committed to combating any form of oppression. It aims to demonstrate the consequences of omission when dealing with gender issues in education, both by teachers and by the State. The methodology used was based on the theoretical bibliographical research, through the methodological deductive procedure. Interpretative, comparative, thematic and historical analyzes were also used in the technical procedure to enable a discussion based on the point of view of scientific criticism. Keywords: Gender; Sexuality; Education. 382 1. Introdução Com a crescente manifestação dos grupos minoritários a sociedade moderna conta com a necessidade de ampliação de espaços de debate, e com métodos de inclusão social destes que não diferem na sua essencialidade de nenhum ser humano, merecendo o reconhecimento e a garantia dos direitos que lhe são inerentes como se mencionou, pela sua simples condição de ser humano. A estes direitos incluem-se o direito e acesso à educação, sem qualquer discriminação, disseminação de preconceito, tornando o âmbito escolar um espaço de construção da tolerância e aceitação diversos fatores de individualização humanística, haja vista que “mesmo diferentes em sua individualidade, apresentam, por sua humana condição, as mesmas necessidades e faculdades vitais”. (DALLARI, 2002). Pautar-se-á o presente, a pontuar as questões relativas à identidade de gênero no âmbito educacional, assunto que ainda se reveste de tabus, e dificuldades clarividentes de tratativa, deste modo pretende-se responder à seguinte problemática: Quais óbices à debates acerca de identidade de gênero nas instituições de ensino? Estruturalmente, o trabalho se divide em quatro seções, além da introdução e considerações finais, sendo que a primeira tratará do direito à educação como integrante do rol de direitos fundamentais. Posteriormente tem-se uma explanação breve da correlação entre ideologia e gênero, a fim de propiciar melhor compreensão da problemática do presente trabalho, por fim abarcará as implicações do debate de gênero no âmbito educacional tratando a princípio da individualidade do docente e a 383 posteriori da escola enquanto ambiente de construção de interação social, e por fim as consequências da omissão estatal ante à criação de métodos inclusão da temática. No que tange à implicações metodológicas, utilizou-se de pesquisa teórico-bibliográfico, haja vista a necessidade de analise doutrinaria para se embasar a pesquisa em pauta. No que tange ao procedimento metodológico, optou-se pelo método dedutivo, haja vista partir-se de uma concepção macro para uma concepção micro analítica, permitindo-se, portanto, a delimitação do temaproblema. Por fim, no procedimento técnico, foram adotadas as análises interpretativas, comparativas, e temáticas, propiciando a formação da crítica científica. 2. Direito à educação como direito fundamental Cediço á tempos, que o direito à educação compõe o rol dos direitos considerados fundamentais, e por sua vez este se encontra eminentemente atrelado ao que se positiva por dignidade humana. Ou seja, a simples condição de ser humano independente de fatores de individualização pessoal, garante ao cidadão prerrogativas de invioláveis e indissociáveis. Pode-se dizer, portanto, que “um homem continua sendo homem mesmo quando cessa de funcionar normalmente.” (COMTE, 1999). A dignidade como fator inerente à condição humana pressupõe a tutela indistinta dos interesses destes, independente de qualquer atributo de identidade social que seja capaz dissociar do 384 padrão socialmente aceito. Necessita-se então, de uma postura que garanta ao ser humano, a proteção de seus direitos, de modo a vislumbrar a dignidade humana com um pressuposto de efetivação dos direitos fundamentais. Distinta não seria a tratativa no que concerne ao direito à educação, que além de positivado da Carta Magna, é elemento essencial para construção de uma sociedade evoluída, e garante o desenvolvimento do ser humano, não podendo dissociar-se então da dignidade humana. Ou seja, o direito à educação torna-se uma esfera das muitas que circundam a construção da dignidade humana. Tem-se no século XX, o inicio do reconhecimento da educação “um direito social proeminente, como um pressuposto para o exercício adequado dos demais direitos sociais, políticos e civis.” (MACHADO e OLIVEIRA, 2001), “além de ser um direito social, a educação é um pré-requisito para usufruir-se dos demais direitos civis, políticos e sociais emergindo como um componente básico dos Direitos do Homem” (MACHADO e OLIVEIRA, 2001). Como demonstração inconteste, de que a educação é integrante dos direitos dos seres humanos, e que constituem fator basilar da efetivação da dignidade humana a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, reitera a importância de “empenhar-se por meio do ensino e da educação, em promover o respeito pelos direitos e liberdade”. De igual modo, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966) enfatiza que “a educação deve ser direcionada para o pleno desenvolvimento da 385 personalidade humana e para o senso de dignidade da própria pessoa”. No entanto, a realidade das redes de educação no Brasil, não tem comungado da premissa de que os âmbitos educacionais são espaços de construção da sociedade fraterna, sem que se possa limitar o acesso à tal direito social pautado em preconceito ou outra medida discriminatória. Embora o Fórum Mundial de Educação (2000), tenha demonstrado mencionado acerca da erradicação das disparidades existentes entre os gêneros na educação primária e secundária e, até 2015, tenha estabelecido como meta, atingir a igualdade entre os gêneros em educação a realidade no que concerne à discussão de gênero no âmbito escolar, ainda é revestida de preconceitos, e intolerância, restando fragilizado acesso à educação e consequente violação de direitos daqueles que se distinguem da maioria, seja por raça, etnia, religião, orientação sexual. A preocupação com a inclusão e erradicação da discriminação no âmbito escolar, iniciou-se com a promoção de mecanismos de proteção à mulher, onde à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (1979), propõe a “igualdade de direitos com o homem na esfera da educação”. Posteriormente, consolidou-se o posicionamento de que a orientação sexual, também necessitaria de uma tutela no que tange o acesso à educação, vez que integram também o elenco da dignidade humana a liberdade sexual, de modo que a violência em razão de orientação sexual é pertencente ao rol de violências de gênero. (BORRILLO, 2009 apud BRASIL, 2012). 386 No Brasil, o Estatuto da Juventude dispõe da vedação à discriminação de jovens em razão de sexo ou orientação sexual, e imputa ao poder público à necessidade de se incluir na formação de profissionais de diversas áreas, entre eles os profissionais da educação a discussão de “temas sobre questões étnicas, raciais, de deficiência, de orientação sexual, de gênero e de violência doméstica e sexual praticada contra a mulher” (BRASIL, 2013). Embora no Brasil, ainda existam documentos que dispõem de propósitos para se conseguir a erradicação da violência de gênero no âmbito educacional, - cita-se Planos Nacionais de Políticas para as Mulheres (BRASIL, 2013), e o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e dos Direitos Humanos de LGBT (BRASIL, 2009) – a efetivação de tais metas encontram-se longe de se concretizarem. No ano de 2012, no Brasil, em demonstração ainda mais enfática da necessidade de inclusão dos grupos minoritários nas instituições de ensino, sem qualquer medida discriminatória, homologou-se as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos, referenciando a fruição do direito à educação, a todas as pessoas independente de orientação sexual e identidade de gênero (BRASIL, 2012), e as Diretrizes Circulares Nacionais para o Ensino Médio que determinam à educação em direitos humanos e a inclusão de mecanismos de inserção de temas relativos a identidade de gênero, raça, orientação sexual em seu projeto político-pedagógico. (BRASIL, 2012). Por meio dos diversos painéis de discussão da necessidade de inclusão de temas relativos à identidade de gênero e educação, tem-se a demonstração de que as escolas são espaços 387 propícios para a promoção da aceitação da diversidade cultural, sexual e de gêneros. No Brasil, costumeiramente tem-se noticiado as inúmeras atrocidades praticadas pautadas no fomento da intolerância à diversidade, principalmente de cunho sexual. Em 2009, segundo pesquisa a intolerância em estabelecimentos de ensino pontuou que o Brasil chegou a 93,5% de manifestações preconceituosas no que tange à gênero, e 87,3% em relação à orientação sexual (MAZZON, 2009), e que o grau de conhecimento de práticas discriminatórias sofridas por estudantes foi de 10,9% por ser mulher e 17,4% por ser homossexual (MAZZON, 2009). 3. Interação entre ideologia e gênero Para melhor compreensão, é necessário o entendimento acerca de correlação entre ideologia e gênero. Uma das definições conceitua-se ideologia como sendo “doutrina mais ou menos destituída de validade objetiva, porém mantida pelos interesses claros ou ocultos daqueles que a utilizam” (ABBAGNANO, 2003). No entanto, a ideia de gênero, é a experiência subjetiva e pessoal de uma pessoa em relação às categorias de gênero sociais. Toda sociedade possui categorias e expectativas de gênero que podem estar associadas a certas características físicas sexuais; estas categorias podem servir de base para a identidade de gênero pessoal em relação à sociedade. 388 É certo que o gênero não possui apenas sexo, mas possuiu classe, raça, etnia, orientação sexual, idade, etc. Essas diferenças e especificidades devem ser percebidas. No entanto, dentro desta sociedade, não podem ser vistas isoladas de suas macros determinações, pois, por mais que “o gênero una as mulheres”, a homossexualidade una gays e lésbicas, a geração una as(os) idosas(os) ou jovens, etc., a classe irá dividi-las(os) dentro da ordem do capital. (CISNE, 2005). Ou seja, a identidade de gênero, é a construção ou identificação de uma identidade que não se pauta em fatores meramente biológicos ou binários – pautados em fatores genitais ou o sexo que a sociedade atribui - sendo, portanto, a maneira em que o indivíduo se identifica e se reconhece pessoalmente. 4. Implicações de gênero no âmbito educacional Adiante, passa-se ao cerne da presente pesquisa, ao analisar os fatores de resistência à abertura do espaço educacional para discutirem-se questões relativas à identidade de gênero. a. Docentes e Recepção das Discussões de Gênero Como brilhantemente já pontua Paulo Freire (1979) “a ação docente é a base de uma boa formação escolar e contribui para 389 a construção de uma sociedade pensante” e ainda manifesta que o docente possui “Compromisso com os destinos do país. Compromisso com seu povo. Com o homem concreto. Compromisso com o ser mais deste homem”. (FREIRE, 2007). Assim, em estando as questões de gênero em ascensão na atualidade, é necessário que o educador esteja aberto a tais discussões, além de reconhecer as curiosidades dos alunos sobre tais questões entendendo que são parte integrante da condição de construção humana, evitando qualquer manifestação de intolerância, e preconceito e valorizando a multicultura. Faz-se necessário ao educador desconstituir suas preexistências de cunho moral, religioso ou biológico e se propor a uma discussão objetiva e voltada para a quebra de tabus e qualquer manifestação de desigualdade e/ou intolerância. Em outras palavras, aquele que se propõe à docência deve estar disposto à discussão, e entender que somente a partir de um debate respeitoso, e da discussão límpida sobre o tema é que se poderá chegar à máxima de igualdade de gênero, e respeito mútuo, simplesmente pela condição de seres humanos e não porque as escolhas individuais são capazes de desmembrar a sociedade. Talvez este seja um dos maiores problemas enfrentados quando se fala em discussão de gênero e sexualidade nos espaços educacionais, sob a ótica do docente. A desconstrução dos padrões opressores, que tratam a intolerância e a violência como naturais, quando o assunto versa sobre individualidades que distinguem do padrão socialmente aceito. Os educadores muitas vezes não contribuem com a valorização da autonomia da pessoa, não garante os direitos das 390 pessoas humanas, e não tratam sequer de minorar as implicações de discriminação dos sujeitos que se diferem do que a conjuntura social padronizou, - chamado por Judith Butler (2009) de “matriz heterossexual”, ou seja, imposição da heterossexualidade como padrão - seja por ausência da aceitação da diversidade, seja por omissão. Não se pode tratar em nenhuma hipótese de um ambiente escolar livre de preconceito, se os docentes não se distanciarem de firmamentos emocionais, culturais e morais para se abrir à realidade de aceitação das minorias, que antes viviam oprimidos e escusos ante o temor de se assumirem na sua condição de ser humano com características e individualidades distintas do senso comum. Para que se fale em aceitação da diversidade e multiculturalismo, é necessário ao educador racionalidade para lidar com a temática, e ao Estado incumbe-se a obrigação de capacitação dos professores para que possam se valer se métodos de promoção para que de fato entendam a proposta da do reconhecimento da identidade de gênero, e não disseminem conteúdos dispares e errôneos. É importante ressaltar que os docentes, ao se encontrarem em posição de destaque tornam-se formadores de opinião, portanto, a docência “exige sensibilidade diante de qualquer discriminação no trato cotidiano, evitando que os próprios docentes sejam a fonte de juízos, atitudes e preconceitos que desvalorizem a experiência de certos grupos sociais, culturais, étnicos ou religiosos” (SACRISTÁN, apud CAMPOS, 2004). 391 Além da ruptura da concepção moral/religiosa/ideológica que detém a subjetividade dos docentes, é necessário o conhecimento e a interação sobre “gênero” ou “identidade de gênero”, para “que os educadores não apenas se instrumentalizem cognitivamente, mas também recriem o modo como lidam com as expressões da sexualidade que emergem no cotidiano escolar. Além disso, deve-se promover a apropriação crítica da construção histórica das desigualdades de gênero e da heteronormatividade, bem como a desconstrução de modelos reducionistas de compreensão do comportamento sexual que acabam por desconsiderar importantes dimensões, como a afetiva e a de gênero.” (GESSER, 2012). Neste contexto, a discussão acerca de identidade de gênero devem ser subversivas à padrões que discriminem e reduzam a condição humana, já que “seu modo de ser homem ou de ser mulher, suas formas de expressar desejos e prazeres não correspondem àquelas nomeadas como ‘normais’” (LOURO, 2007). b. Papel da escola nos debates relativos à identidade de gênero Há quem diga que, o ambiente escolar somente detém a incumbência de repassar conhecimentos em disciplinas escolares especificas – a exemplo, português, matemática -, e cabendo ao meio familiar a construção humanística. No entanto há quem diga que é função social de a escola tratar de assuntos de cunho social e debater questões de interação pessoal, por ser ambiente de 392 aprendizagem e debate, sendo, portanto o local ideal para se contribuir com a construção de novos paradigmas e uma sociedade fraterna. (BOZON, 2004). Torna-se inadmissível que o ambiente escolar seja omisso à questões que envolvam relações interpessoais, ao contrário, é papel da escola promover a interação social e acolher a hegemonia em todas as esferas. Para Freire (2006): é preciso que a educação esteja - em seu conteúdo, em seus programas e em seus métodos - adaptada ao fim que se persegue: permitir ao homem chegar a ser sujeito, construir-se como pessoa, transformar o mundo, estabelecer com os outros homens relações de reciprocidade, fazer a cultura e a história [...] uma educação que liberte, que não adapte, domestique ou subjugue. Fundamental é a colaboração do ambiente escolar para combater opressões, e favorecer a construção da sociedade multicultural, rompendo com o senso comum e auxiliando na emancipação dos discentes de modo à caminhar para a formação de uma sociedade pluralista. Assim, “o multiculturalismo mostra que o gradiente da desigualdade em matéria de educação e currículo é função de outras dinâmicas, como as de gênero, raça e sexualidade, por exemplo, que não podem ser reduzidas à dinâmica de classe.” (SILVA, 2003). 393 A partir da omissão e da ausência de discussão de assuntos relativos à identidade de gênero, a escola torna-se omissa também à existência das novas concepções e identificações dos seres humanos, e assim mantenham-se na propagação da heterossexualidade e fomentando a discriminação, ainda que velada. O teórico queer brasileiro, Miskolci (2005) pontua: A prática educativa fincada na suposta invisibilidade da sexualidade e no silêncio sobre as formas diferentes de amar é homofóbica, pois pressupõe que ignorar a existência de práticas sexuais entre pessoas do mesmo sexo levaria os jovens a optarem pela heterossexualidade. Assim, a instituição escolar revela que sua neutralidade em termos sexuais nunca passou de cumplicidade com a forma de sexualidade hegemônica e prescrita como única. A neutralidade se funda no objetivo de assumir uma só via para todos, ou seja, a neutralidade não passa de heterossexualidade compulsória disfarçada. Além da escusa na tratativa das discussões de gênero fomentar a resistência à diversidade, ela ainda detém o condão de anuir com a disseminação de informações deturpadas sobre as concepções de orientação sexual e identidade de gênero, gerando uma valorização do senso comum e reduzindo à possibilidade de reconhecimento e aceitação dos reconhecimentos de gênero. Tem-se ainda a problemática de que tornar invisível tal debate, pode também silenciar “invisibilizar” aqueles que se 394 diferem do prognostico padronizado pela sociedade acarretando sentimento de rejeição e sofrimento nestes. Deste modo, em se tornando impercebíveis “aprenderão a se defender sendo cruéis consigo próprios, ou seja, deixando de expressar o que sentem e, provavelmente, lutando contra seus desejos.” (MISKOLCI, 2005). A partir da omissão na tratativa e aceitação das questões de gênero, existe ainda a eminente possibilidade de supressão do direito fundamental à educação, haja vista que, os que não se enquadram nos padrões socialmente aceitos poderão em virtude do sofrimento acarretado pelas medidas discriminatórias de distanciarem do espaço educacional e se desestimularem na construção do conhecimento advindo da escola. O processo de ocultamento de determinados sujeitos pode ser flagrantemente ilustrado pelo silenciamento da escola em relação aos/às homossexuais. No entanto, a pretensa invisibilidade dos/as homossexuais no espaço institucional pode se constituir, contraditoriamente, numa das mais terríveis evidências da implicação da escola no processo de construção das diferenças. De certa forma, o silenciamento parece ter por fim “eliminar” esses sujeitos, ou, pelo menos, evitar que os alunos e as alunas “normais” os/as conheçam e possam desejá-los/as. A negação e a ausência aparecem, nesse caso, como uma espécie da garantia da “norma”. (LOURO apud DINIS, 2008, p. 483). 395 Inadmissível se torna a postura omissa das instituições de ensino no que tange as discussões de gênero, vez que a escola assume papel de um local de discussões, questionamentos e de interação social, sendo, portanto essencial na construção e aceitação das diversas formas de manifestações de diversidade. Ao se tratar de aceitação manifesta da diversidade, voltase ao que já se pontuou na construção deste trabalho, que é a condição plena de ser humano independente de fatores de individualização pessoal, não havendo, portanto qualquer tipo de superioridade ou de altruísmo daquele que se diz tolerante ao reconhecimento da identidade de gênero e nem mesmo uma redução à condição de vítima daquele que se identifica com o gênero distinto do biológico, vez que não há nenhuma vertente que considera os padrões sociais como efetivamente corretos, e os que dela divergem como sendo “diferentes”, e sim escolhas pautadas somente na autonomia privada do ser humano. [...] essas noções deixam intactas as relações de poder que estão na base de produção da diferença. Apesar de seu impulso aparentemente generoso, a ideia de tolerância, por exemplo, implica também uma certa superioridade por parte de quem mostra a “tolerância”. Por outro lado, a noção de “respeito” implica um certo essencialismo cultural, pelo qual as diferenças culturais são vistas como fixas, como já definitivamente estabelecidas, restando apenas “respeitá-las”. Do ponto de vista mais crítico, as diferenças estão sendo constantemente produzidas e reproduzidas através de relações de poder. As 396 diferenças não devem ser simplesmente respeitadas ou toleradas. Na medida em que elas estão sendo constantemente feitas e refeitas, o que se deve focalizar são precisamente as relações de poder que presidem sua produção. (SILVA, 2009, p. 88). Não existe, portanto, razões ou justificativas cabíveis para que não se encarem às discussões de gênero no âmbito estudantil, por ser de modo inconteste o ambiente propicio para interação social, e para a convivência multicultural, em prol da formação de uma sociedade que trate de maneira igualitária os seres humanos, e não os reduza a coisificação ou invisibilidade. c. Omissão estatal nas discussões de gênero no âmbito educacional A partir do debate do Plano Nacional de Educação, a “ideologia de gênero” foi defendida por uns, e rechaçado por outros, principalmente bancadas religiosas pontuando que tratar de questões de gênero no âmbito educacional seria a desconstrução de posturas tradicionais. Para a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) “as expressões “gênero” ou “orientação sexual” referem‑se a uma ideologia que procura encobrir o fato de que os seres humanos se dividem em dois sexos. Segundo essa corrente ideológica, as diferenças entre homem e mulher, além das evidentes implicações anatômicas, não correspondem a uma natureza fixa, mas são resultado de uma construção social. Seguem o célebre aforismo de 397 Simone de Beauvoir: “Não se nasce mulher, fazem‑na mulher (sic)”. Deste modo, as vertentes religiosas defender a impossibilidade de identificação dos seres humanos que seja diferente dos fatores biológicos de diferenciação entre homens e mulheres, justificando portanto, que qualquer aceitação da diversidade neste viés teria o condão de desconstituir os preceitos de “família tradicional”, e pragmática. A ideia que circunda acerca das discussões de gênero cria a existência de uma relação que diminui o contexto de sexualidade que se distingue da heterossexualidade, criando a resistência à aceitação, diminuição do ser humano, tornando-as inaptas ante os padrões determinados no contexto cultural/ideológico/religioso, como se a identificação pessoa do ser humano reduzisse sua condição à coisificação. Posterior à discussão dos Planos de Educação, grande movimento social tomou conta da realidade política nacional, onde grupos objetivavam impedir que os estabelecimentos de educação abordassem em sala de aula questões de gênero, sob a ameaça de possível manejo de ação judicial em face dos discentes que ministrassem aulas com tal linha de debate. Embora a visibilidade das questões de gênero tenha se tornado latente na atualidade, a existência da necessidade em se abordar tais questões não são inéditas, como pontua Cavaleiro (2010) “o silêncio e a invisibilidade forçada não devem ser confundidos com sinal de ausência”. É válido e necessário que o Estado viabilize políticas de inclusão dos espaços educacionais para as discussões de gênero, 398 principalmente do que tange o reconhecimento sexual que se difere do binário – homem e mulher -, tendo em vista a constante violência e opressão acometida à tal grupo de minorias. Cediço, que a preocupação estatal com os a questão de “identidade de gênero” e “orientação sexual” não se manifesta robustecida, vez que a própria Constituição Federal a tratar da vedação à discriminação no art. 3°, inciso IV não dispõe de tais questões, tratando somente do “sexo biológico”, e não de orientação sexual. Destaca-se ainda, que 22 dos 27 Planos Estaduais de Educação aprovados no ano de 2015 e posteriormente sancionados, não fazem menção ao termo “gênero” ao tratar da vedação de medidas discriminatórias. (DE OLHO NOS PLANOS, 2016). Diante disso, os seres humanos que não se enquadram no dispositivo da Constituição Federal, e nem mesmo foram abarcados pelos Planos Estaduais e Educação, encontram-se vulneráveis até mesmo da tutela protecionista que repercutirá, portanto na rejeição das práticas sexuais e na identidade de gênero distinta da biológica no âmbito social, enquadrando, portanto a escola. 5. Considerações finais Tendo por cerne, a problemática acerca das dificuldades da discussão de gênero nos âmbitos educacionais, vislumbra-se que é óbice no que tange à receptividade dos docentes à quebra de paradigmas de cunho religioso, ideológico que detém a 399 heterossexualidade como o único padrão de orientação sexual aceito. É necessário, sim, defender a igualdade de gênero, mas não a partir de uma ideologia deturpada disseminada pelas forças reacionárias no debate sobre os Planos de Educação. O que é preciso defender é a erradicação das iniquidades de gênero, que fazem uma distinção binária entre masculino e feminino, relegando o feminino a um plano inferior, estabelecendo papéis inflexíveis de gênero para o masculino e o feminino que apenas servem para reforçar as desigualdades, muitas vezes originados no patriarcado, ou uma “ordem patriarcal de gênero” (SAFIOTTI, 2004). Além disso, formação intelectual que possibilitem aos docentes, domínio sobre o assunto e mecanismos para tratativa com os discentes, para que não se aproximem do senso comum. Segundo Giroux (1995) “cabe às professoras e professores ultrapassar seus papéis de meros transmissores/as de informação, uma vez que elas/es são produtores/as culturais profundamente implicados/as nas questões públicas”. Observou-se ainda que em uma sociedade pautada em diversidade e multiculturalismo, não há espaço para omissão de debates sob pena de se acarretarem violação ao direito fundamental de acesso à educação, e ainda de potencialização das desigualdades e intolerância. 400 A escola deve assumir sua posição de formados de opinião e de espaço de interação e formação de concepção de respeito à pessoa humana, e resguardando sua dignidade, de modo que a sua essencialidade seja sobreposta à características e decisões de autonomia privada, como é o caso da orientação sexual e reconhecimento de gênero. O ambiente estudantil deve ainda estabelecer medidas de combate a todas as formas de preconceito, e discriminação. Tem-se ainda, a necessidade de que o Estado se inteire mais da necessidade de inclusão da tutela protecionista e vedação à discriminação no que tange a gênero, e estabeleça propostas com efetiva participação de discentes e docentes na construção de espeques de promoção à inclusão e interação da diversidade, sem reduzir os grupos minoritários à coisificação. 6. Referências ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2003. BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 23 dez. 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>. Acesso em: 11 out. 2017. BRASIL. Instituto Nacional De Estudos E Pesquisas Educacionais Em Educação Anísio Teixeira. Thesaurus brasileiro de educação. 2012. Recuperado: 08 nov 2017. 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São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004. 404 UMA ANÁLISE SOBRE O USO DOS AGROTÓXICOS NO BRASIL ANANALYSISOFTHEUSEOF PESTICIDES INBRAZIL Marcelo Kokke 55 Izabella Rios Ferraz de Almeida56 Resumo: A utilização de agrotóxicos no Brasil tem causado severos impactos no meio ambiente e na saúde do brasileiro. O cenário nacional demostra uma comercialização dos agroquímicos cada vez maior, com produtores rurais totalmente dependentes dos produtos. O objetivo deste trabalho é demonstrar exatamente esse consumo de agrotóxicos no país e como ele tem prejudicado fortemente a natureza e a saúde do ser humano, analisando, ainda, a regulamentação jurídica sobre o tema, com as respectivas responsabilidades em caso de danos ambientais e a necessidade de evitá-los em obediência ao princípio da precaução. A metodologia adotada baseia-se em pesquisas bibliográficas, em especial artigos científicos atuais, com estudos de casos sobre o tema, adotando o 55 Pós-doutor em Direito Público - Ambiental pela Universidade de Santiago de Compostela – ES. Mestre e Doutor em Direito pela PUC-Rio. Especialista em processo constitucional. Procurador Federal da Advocacia-Geral da União. Professor de Direito da Escola Superior Dom Helder Câmara Professor de Pósgraduação da PUC-MG. Professor colaborador da Escola da Advocacia-Geral da União. Professor do IDDE – MG. Membro da Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil. Membro da Academia Latino Americana de Direito Ambiental. Membro do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública. Membro da Comissão de Advocacia Pública Federal da OAB-MG 56 Pós-Graduada em Direito Constitucional pelo Programa de Pós-Graduação do IDDE – Instituto para o Desenvolvimento Democrático em parceria com a Universidade de Coimbra e com a Faculdade Arnaldo 405 método hermenêutico-sistemático. Os resultados mostram que o Brasil utiliza dos agrotóxicos de maneira indiscriminada, sem rígida observância às quantidades, equipamentos ou formas corretas de aplicação e, ainda, com deficiente fiscalização estatal para coibir a ação do uso indevido. Entretanto, cabe ressaltar que o uso dos agrotóxicos não deve somente ser assimilado como instrumento prejudicial à saúde e ao meio ambiente, havendo de considera-lo também em sua relevância de efeitos benéficos para a agricultura, se usados de maneira correta. Palavras-chave: Agrotóxicos; Educação ambiental; Saúde. Direito ambiental; Ecologia; Abstract: The use of agrochemicals in Brazil has caused severe impacts on the environment and health of the Brazilian. The national scenario shows a growing commercialization of agrochemicals, with farmers totally dependent on the products. The objective of this work was to demonstrate exactly the consumption of agrochemicals in the country and how it has strongly impaired the nature and health of the human being, analyzing also the legal regulation on the subject, with the respective responsibilities in case of environmental damages and the Need to avoid it in obedience to the precautionary principle. The methodology adopted is based on bibliographical research, especially current scientific articles, with case studies on the subject. The results show that Brazil uses pesticides in an indiscriminate manner, without any observance of the correct amounts, equipment or forms of application, and also, without any state control to curb the action of misuse. It is worth noting that this article seeks to point out pesticides not only as harmful to health and the environment, but also beneficial to agriculture if used correctly. 406 Keywords: Pesticides; Environmental Environmental education; Health. law; Ecology; 1. Introdução Os agrotóxicos, de acordo com a Lei 7.802/89, são “os produtos e os agentes de processos físicos, químicos ou biológicos, destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas, nativas ou implantadas, e de outros ecossistemas e também de ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos”. Ou seja, sua principal função prevista legalmente é o combate de pragas a fim de que haja seu controle na produção. O marco histórico para compreender a guinada de uso dos agrotóxicos está ligado às Primeira e Segunda Guerras Mundiais, mas sua expansão foi nos anos 60 e 70 com a Revolução Verde, que tinha como perspectiva tecnológica o uso de agroquímicos para combater a fome no mundo. Em 1962, Rachel Carson, bióloga americana, expôs as verdadeiras implicações pelo uso dos pesticidas e inseticidas químicos através do seu livro chamado “Silent Spring” (Costa, 2012). Expandem-se aqui estudos e descobertas que levam a inquirições quanto aos efeitos dos agroquímicos. Despontam pesquisas e ensaios a comprovar o poder toxicológico dos produtos químicos agrícolas tanto no meio ambiente quanto na saúde do ser humano. A matriz normativa 407 caminha assim em um dilema que contagia a Lei 7.802, de 11 de julho de 1989, chamada também de Lei dos Agrotóxicos, quanto à necessidade de uso e o risco implicado, inclusive com previsão de responsabilidade civil, administrativa e penal, em caso de infrações. Dentro desse tema, a problemática a se abordar é que, apesar dos agrotóxicos serem eleitos como via de aumento de produção agrícola, pretensamente imprescindível para um eficaz combater das pragas na produção agrícola, os prejuízos e riscos causados por eles são enormes. Somente no que diz respeito a saúde, as possíveis doenças são o câncer, a cirrose hepática, a impotência sexual, a fibrose pulmonar e distúrbios do sistema nervoso central, sem contar mal-estar que provoca aos que tem contato direto e incorreto com o produto. A situação ainda se aguça em razão do disperso enfrentamento do tema na educação ambiental. O objetivo do trabalho é problematizar e compreender melhor os agrotóxicos em seus diversos aspectos e prismas de abordagem, a partir do panorama jurídico. Serão analisados desde sua origem, os impactos por eles causados, a legislação brasileira sobre o assunto e, inclusive, os parâmetros avaliativos de conformação dos padrões de uso. Metodologicamente, o trabalho adotou a pesquisa explicativa, de forma que será elucidado não somente a definição de agrotóxicos, mas sua regulamentação, a responsabilidade pelo seu uso, as formas de precaução e prevenção quanto ao dano e o real impacto pela utilização. A pesquisa desenvolve-se por meio do método hermenêutico sistemático, com incursões interdisciplinares e avaliações de aspectos sociais. 408 2. Origem e regime jurídico A matriz contemporânea que fundou o desenvolvimento dos agrotóxicos, ou, pelo menos, sua ideia contemporânea de atuação, é marcada pela Primeira Guerra Mundial, entre os anos de 1914 a 1918, e a subsequente segunda grande guerra, no período de 1939 a 1945, ambas atreladas ao avanço químico e tecnológico dos conhecimentos científicos. A descoberta dos produtos químicos como instrumento de batalha, revelou-se uma fonte poderosa para vencer a guerra, uma vez que sua utilização produzia a destruição em massa. O esforço bélico da Primeira Guerra Mundial deu origem aos primeiros adubos nitrogenados solúveis de síntese, enquanto que na Segunda Guerra químicos americanos trabalhavam constantemente à procura de substâncias capazes de destruir plantações do inimigo. Foi nesse período da Segunda Guerra Mundial que se desenvolveu a química orgânica industrial, a qual trouxe múltiplos produtos químicos para as mais diversificadas finalidades. A utilização dos produtos químicos que vieram a se configurar como agrotóxicos não foi assim de modo algum orientada em sua origem para a agricultura, a ela sucedendo posteriormente. Diante dessa expansão, durante as décadas de 60 e 70, surge a chamada Revolução Verde, que tem como objetivo o aumento da produtividade agrícola a fim de combater o problema da fome no mundo utilizando sementes modificadas, fertilizantes e agrotóxicos (Costa, 2012). A ideia era bem lógica, se avaliada abstratamente. Quanto maior a quantidade de alimentos 409 disponíveis, menor seria a quantidade de pessoas desnutridas. Assim, o projeto foi proposto e vários países adotaram o conceito, passando a utilizar os agroquímicos como forma de aumento na produção, inclusive o Brasil. Mecanismos naturais de controle de pragas e produtividade foram renegados, o agrotóxico é face do cientificismo e do escanteamento de práticas sustentáveis ligadas ao saber tradicional. A Revolução Verde brasileira teve início através de importação de produtos químicos, instalação de indústrias de agrotóxicos no país e auxílio do governo com o crédito rural. O agricultor brasileiro era performaticamente obrigado a comprar os produtos químicos para então obter o chamado crédito rural, que era um financiamento proporcionado pelo Estado aos trabalhadores rurais (Londres, 2011). Implantou-se uma cultura do agrotóxico. Desta feita, o produtor rural, ao receber recursos financeiros com o governo brasileiro, ganhava uma cota de agrotóxicos para utilizar na sua lavoura. Além de serem obrigados a utilizarem os produtos, os agricultores também foram fortemente influenciados pela excessiva propaganda da época, que disseminava a necessidade do uso de agroquímicos nas lavouras. Tanto é assim que em 2008, o Brasil ultrapassou os Estados Unidos e se tornou o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Estima-se que, enquanto os outros países cresceram em 93%, o Estado Brasileiro teve um aumento de 190% no mercado mundial de inseticidas e pesticidas químicos. As tabelas disponibilizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE - (2016) fornecem os dados concretos do intenso consumo e comercialização de defensivos agrícolas no Brasil. 410 A Lei n. 7.802, de 11 de julho de 1989, veio a se atrelar à imagem socialmente construída de que os agrotóxicos seriam uma razão evolutiva da produção agrícola, destino inevitável do avanço tecnológico. A função principal dos agrotóxicos, impregnada socialmente, é exterminar, diminuir ou controlar organismos indesejados na agricultura. Mas seus efeitos ainda passam em cobertura, dada a natureza de serem verdadeiras toxinas capazes de destruir plantações e prejudicar a saúde humana se utilizados da maneira equivocada. A produção de agrotóxicos se liga à aquisição de um ingrediente ativo, sendo que essa substância adquirida é chamada de produto técnico. Para alcançar o produto final, chamado de produto formulado, são adicionados outros elementos químicos que ajudam na fixação e dispersão do agrotóxico. A roupagem política e mesmo jurídica não deixa de utilizar-se constantemente de eufemismos na denominação, os quais visam envernizar o caráter destrutivo que carregam. Aqui, são chamados também defensivos agrícolas ou defensivos fitossanitários, o que se observa, por exemplo, no Projeto de Lei n. 6299/02 e outras 17 propostas apensadas, entre elas o PL 3200/15, que revoga a Lei n. 7.802/89. Grande parte da percepção social remete o uso de agrotóxicos ao espaço territorial rural. Entretanto, o uso é também aplicado a espaços urbanos, inclusive domiciliares. Essa dissociação de uso dos pesticidas é nociva à dimensão educacional de uso e consciente manipulação. O uso de agrotóxicos tornou-se rotineiro na esfera urbana, especialmente em praças, jardins públicos, canteiros ruas e calçadas, tanto que resultou em tentativa 411 não bem-sucedida de buscar regular a prática, conforme Consulta Pública nº 46/2006 da ANVISA. A distorção e uso indevido ainda se manifestam em aplicações em áreas urbanas dos chamados agrotóxicos não agrícolas. A nomenclatura “não-agrícola” não significa uso urbano, mas sim destinação de uso em ambientes diversos da agricultura, como florestas ou ambiente hídrico. A prescrição do agrotóxico é restrita à finalidade fixada em seu receituário de uso. As instruções de utilização do produto devem compreender, dentre outros fatores, o denominado intervalo de segurança, assim entendido o tempo que deverá transcorrer entre a aplicação e a colheita, uso ou consumo, a semeadura ou plantação, e a semeadura ou plantação do cultivo seguinte, conforme o caso. Aqui a transparência e informação restam-se em obscuridade para o consumidor, deixando de ser explicitada à sociedade. Informar o cumprimento do intervalo de segurança é fator determinantemente ligado ao princípio da prevenção, de modo a reduzir riscos de afetação à saúde e ao meio ambiente como um todo. Além disso, há a utilização de produtos tóxicos em ambientes de trabalho ou residenciais, como por exemplo, a chamada desinsetização, bastante aplicada no controle de insetos rasteiro e voadores. No âmbito doméstico também é utilizado por meio dos denominados inseticidas domésticos, habitualmente para matar baratas e mosquitos, bem como em produtos de limpeza. 412 3. Impactos ao meio ambiente e à saúde humana Os agrotóxicos costumam agir de três formas: através da ingestão, onde a praga ingere a planta com o produto, por microbiano, o qual o produto contém micro-organismos que atacam a praga ou o agente causador, e, por último, através do contato, em que o produto já faz efeito ao tocar o corpo da praga (Costa, 2012). Não obstante, a ação dos componentes químicos não fica circunscrita à praga ou organismo que se visa atingir. Ela espraia-se ao meio ambiente e afeta o ser humano, tanto aquele que está em contato direto quanto aquele que consome os produtos. O percalço está em uma perspectiva arraigada que se trata de um ônus a ser assumido diante do bônus produzido, sem que se possa colocar em interrogação essa correlação. A matriz de indiferença ou nível de aceitação reconhecida quanto ao uso dos agrotóxicos no Brasil não possui somente na cultura e sociedade um histórico de explicação. Essa matriz também está escorada no campo jurídico. O Decreto 24.114/34, denominado Regulamento de Defesa Sanitária Vegetal, e aplicado por décadas, facilitava o registro de substâncias tóxicas já banidas por outros países e, dessa forma, as empresas mundiais que chegavam ao país não enfrentaram nenhuma dificuldade ou restrição como em outros territórios. O Brasil manteve até o final da década de oitenta uma legislação que visava regular produtos químicos nascida na década de trinta. O incentivo ao uso de inseticidas e pesticidas está expresso no artigo 40 do Decreto: 413 Art. 40. O Ministério da Agricultura, dentro dos recursos orçamentários que lhe forem atribuídos para esse fim e por todos os meios indicados pela técnica, pelas condições locais e pela natureza das disseminação das doenças ou pragas, auxiliará os ocupantes de terrenos ou suas associações, principalmente os situados nas zonas do irradiação ou de combate, empregando maquinaria e aparelhamento não acessíveis ao particular, fornecendo a baixo preço ou gratuitamente, se possível, máquinas, inseticidas, fungicidas, utensílios, sementes e mudas sadias ou resistentes, etc. Parágrafo único. Os particulares que voluntariamente se reunirem para o combate de doenças ou pragas nas suas circunvizinhanças, terão preferência em todos os auxílios que o Ministério da Agricultura puder proporcionar. O novo marco normativo trouxe modificações contundentes. A Lei n. 7.802/89 visa regular não somente o uso, mas o “ciclo de vida” de utilização do agrotóxico. Dispõe inclusive sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins. A introdução do produto passa a ser regulada não somente em seus aspectos produtivos, mas também em relação ao risco ambiental e, especificamente, à saúde humana. Devido às 414 alterações dessa lei, as indústrias de agrotóxicos passaram a dispor de um tempo e um gasto financeiro muito maior que havia antes para atender às normas legais, uma vez que as regras de registro passaram a ser mais rígidas, exigindo maior cuidado e investimento. A Resolução CONAMA 334, de 3 de abril de 2003, é referencial quanto ao objetivo de regulação do ciclo de vida, dispondo quanto à necessidade de licenciamento ambiental de unidades de recebimento de embalagens vazias de agrotóxicos e afins. A matéria foi inclusive objeto de julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça, Recurso em Mandado de Segurança n. 25.399. ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. RECICLAGEM DE EMBALAGENS VAZIAS DE AGROTÓXICOS. RESPONSABILIDADE DAS EMPRESAS PRODUTORAS E COMERCIALIZADORAS. 1. Hipótese em que a impetrante pretender atuar na atividade de reciclagem de embalagens vazias de agrotóxicos. Pugna pelo deferimento da licença ambiental independentemente da celebração de um termo de compromisso com o Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias - INPEV. 2. De acordo com o § 5º do art. 6º da Lei 7.802/89, incluído pela Lei 9.974/2000, "as empresas produtoras e comercializadoras de agrotóxicos, seus componentes e afins, são responsáveis pela destinação das embalagens 415 vazias dos produtos por elas fabricados e comercializados, após a devolução pelos usuários, e pela dos produtos apreendidos pela ação fiscalizatória e dos impróprios para utilização ou em desuso, com vistas à sua reutilização, reciclagem ou inutilização, obedecidas as normas e instruções dos órgãos registrantes e sanitário-ambientais competentes". 3. O responsável pelo destino final das embalagens vazias de agrotóxicos é o seu fabricante, ou, quando o produto não for fabricado no país, o importador. 4. No exercício dessa obrigação, as empresas produtoras e comercializadoras de agrotóxicos são representadas, atualmente, pelo Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias - INPEV, que possui, em seu rol de associados, 99% das empresas fabricantes de defensivos agrícolas do Brasil e as sete principais entidades de classe do setor. 5. Diante desse contexto, é possível afirmar que o INPEV atua como verdadeiro mandatário das empresas produtoras e comercializadoras de agrotóxicos, que são as únicas responsáveis pela destinação final das embalagens vazias. 6. Assim, se essas empresas serão responsabilizadas por eventual dano ao meio ambiente decorrente da reciclagem de embalagens vazias de agrotóxicos, é justo que elas tenham a prerrogativa de firmar parcerias de acordo com suas conveniências. 7. Recurso ordinário em mandado de segurança desprovido. 416 (STJ - RMS 25.399/MS, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/02/2009, DJe 30/03/2009) A atenção ao produto a partir do ciclo de vida possui vínculos inclusive com a Lei n. 12.305/10, que em seu artigo 3º, inciso IV, expressa a definição do termo como série de etapas que envolvem o desenvolvimento do produto, a obtenção de matériasprimas e insumos, o processo produtivo, o consumo e a disposição final. A responsabilidade pelos danos oriundos do uso incorreto dos agrotóxicos está, portanto, não só em seu uso, mas em toda a dinâmica extensiva do ciclo de vida do produto. A ligação entre os diplomas ainda se faz pela sujeição expressa dos agrotóxicos ao regime da logística reversa, o que atrai a responsabilidade compartilhada. Nesses trilhos, a Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos dispôs em seu artigo 33, inciso I, que são obrigados a estruturar e implementar sistemas de logística reversa, mediante retorno dos produtos após o uso pelo consumidor, de forma independente do serviço público de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de agrotóxicos, seus resíduos e embalagens, assim como outros produtos cuja embalagem, após o uso, constitua resíduo perigoso, observadas as regras de gerenciamento de resíduos perigosos previstas em lei ou regulamento, em normas estabelecidas pelos órgãos do Sisnama, do SNVS e do Suasa, ou em normas técnicas. 417 O artigo 3º da Lei n. 7.802/89 estabelece a obrigatoriedade dos agrotóxicos, seus componentes e afins serem previamente registrados em órgão federal, de acordo com as diretrizes e exigências dos órgãos federais responsáveis pelos setores da saúde, do meio ambiente e da agricultura. A atividade de registro prolonga-se com as atividades de controle e fiscalização. A Lei n. 7.802/89 rege o tema em seus artigos 9º, 10 e 11. As atribuições da União concentram-se em legislar sobre a produção, registro, comércio interestadual, exportação, importação, transporte, classificação e controle tecnológico e toxicológico; controlar e fiscalizar os estabelecimentos de produção, importação e exportação; analisar os produtos agrotóxicos, seus componentes e afins, nacionais e importados e controlar e fiscalizar a produção, a exportação e a importação. Já aos Estados e ao Distrito Federal atribui-se legislar sobre o uso, a produção, o consumo, o comércio e o armazenamento dos agrotóxicos, seus componentes e afins, bem como fiscalizar o uso, o consumo, o comércio, o armazenamento e o transporte interno. Aos Municípios é atribuído legislar supletivamente sobre o uso e o armazenamento dos agrotóxicos, seus componentes e afins. O registro em si não se confunde com a fiscalização, compartilhada pelos três níveis federativos, já que se funda no artigo 23 da Constituição e artigo 17 da Lei Complementar n. 140. O registro prévio deve ser feito nos órgãos e entidades federais dos Ministérios da Saúde, Meio Ambiente e Agricultura. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA – estabelece os limites aceitáveis de presença de agrotóxicos nos alimentos, denominado Ingestão Diária Aceitável (IDA), e o Limite Máximo 418 de Resíduos (LMR), relativo à quantidade de resíduo de agrotóxico que pode ser, legalmente, encontrada na produção agrícola. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA – atua na avaliação ecotoxicológica, assim como na Avaliação do Potencial de Periculosidade Ambiental. Os níveis de toxidade e afetação da saúde e do meio ambiente, portanto, existem, o que varia é a dimensão de padrões de licitude em seu uso e propagação. O uso incorreto, acima dos limites estabelecidos, ou descarte ilegal não só afeta os limites de admissão de toxidade, constitui per si poluição, no sentido fixado na Lei n. 6.938/81, em seu artigo 3º, inciso III, alínea ‘e’. Na época em que os agrotóxicos surgiram e iniciaram incursão no mercado como produto apto a proporcionar melhorias na agropecuária, não se sabia, ainda, os reais efeitos que tal substância poderia trazer para o meio ambiente e até mesmo para o ser humano. Acreditava-se, incialmente, que eram apenas “pesticidas”, nome técnico com que foram apresentados, servindo exclusivamente para combater pragas e moléstias das plantas. A vinculação dos agrotóxicos com diversos problemas de saúde é farta na doutrina, afetando inclusive a regulação endócrina: Os agrotóxicos com ação desreguladora endócrina podem ser encontrados nos alimentos (CLEMENTI et al., 2007), solo, água, vida selvagem e nos tecidos adiposos maternos, chegando às crianças durante a gravidez e a lactação (FERNANDEZ et al., 2007). Considerando as práticas agrícolas, as plantas e as culturas em geral podem absorver esses compostos diretamente da folhagem ou 419 indiretamente por meio do solo chegando aos seres humanos através da alimentação (BIRKETT e LESTER, 2003). Os agrotóxicos, largamente utilizados no mundo, constituem o maior grupo de substâncias classificadas como desreguladores endócrinos. Na classe dos agrotóxicos considerados desreguladores endócrinos estão inclusos inseticidas (DDT, DDE, deltametrim e carbofurano), herbicidas (atrazina, linuron e glifosato), fungicidas (vinclozolina, penconazol, procloraz, promicida e tridemorfos) e organoclorados (lindane) empregados na agricultura, aquicultura e uso domiciliar (BILA e DEZOTTI, 2007). (AMÉRICO, 2012, p. 19) A crítica científica contra o tipo de progresso científico apregoado provoca um novo contexto de compreensão quanto ao uso de agrotóxicos. O impulso contestador aos efeitos e consequências do agrotóxico na sociedade de risco abre espaço a sequenciais pesquisas e debates públicos quando ao próprio modelo de progresso proposto e as ameaças que apresenta. Constatou-se com frequência que o uso dos agroquímicos ao longo das décadas elevou consideravelmente os níveis da substância tóxica nos organismos dos animais, níveis estes considerados muito acima dos aceitáveis pela Organização Mundial de Saúde (Vaz, 2006). Tanto é assim que a pesquisa realizada em 2011 nas mães residentes em Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso, em seus períodos de amamentação, concluiu que havia contaminação de agrotóxicos em 100% das amostras de leite materno avaliadas 420 (Viegas, 2016). Tudo isso devido à excessiva e equivocada utilização do produto tóxico no município, local que possui uma intensa produção agrícola. Pode-se perceber que, apesar da eficácia dos agrotóxicos nas lavouras, há consequências potencialmente nocivas para o meio ambiente e a saúde humana relacionada diretamente ao uso dessas substâncias. Primeiramente, os agrotóxicos, por serem extremamente voláteis, são facilmente levados pelo vento para locais e distâncias indesejadas, contaminando extensões incalculáveis da natureza, afetando todas as espécies de vida. Segundo, o agente químico permanece por muito tempo no solo, transferindo-se de cultura para cultura, contaminando como um ciclo vicioso as pastagens, o gado que a ingerir, a carne e os brasileiros que dela se alimentam. Há aqui o denominado efeito cumulativo dos agrotóxicos nas culturas agrícolas. E por fim, o emprego dos pesticidas e inseticidas ao longo do tempo faz com que as pragas adquiram resistência a esses agrotóxicos, tornandose cada vez mais imunes a eles. Com isso, as empresas são obrigadas a criarem novos produtos mais potentes e que agridem mais ainda a saúde e a natureza. Há uma espiral progressiva de elevação da nocividade dos produtos (VAZ, 2006). Portanto, mesmo na lavoura, os agrotóxicos não têm produzido tanto efeito quando do início do seu surgimento. Isso porque as pragas começaram a apresentar tolerância aos princípios ativos dos agroquímicos, se tornando mais fortes e se desenvolvendo de maneira diferente, o que leva a um potencial de destruição muito maior. Áreas que não eram atacadas por determinada praga passaram a ser, resultando em um desequilíbrio 421 enorme na natureza. Os problemas causados pelo uso indiscriminado dos agroquímicos são sérios, principalmente com as pessoas que com eles possuem contato direto, aquelas que vivem no campo ou trabalham na indústria. Os efeitos da intoxicação dependem da quantidade, da toxidade, da pessoa intoxicada e da forma de exposição, podendo ser aguda – os sintomas surgem rapidamente após a exposição, subaguda – exposição mais moderada e sintomas vagos, e crônica – surgimento tardio com danos irreversíveis (NEVES, 2013). Esses efeitos ainda podem ser classificados em teratogenias, nascimentos com má formação; mutagenias, alterações genéticas patogênicas; e carcinogenias, surgimento de diversos tipos de câncer (VAZ, 2006). A respeitos das possíveis doenças causadas pelos agrotóxicos, são elas o câncer, cirrose hepática, impotência sexual, fibrose pulmonar, distúrbios do sistema nervoso central, entre outras as quais estão submetidos não somente os trabalhadores rurais que lidam diretamente com a substância, mas também os que consumem alimentos contaminados, já que pelo menos um terço das comidas consumidos pelos brasileiros estão contaminadas por agrotóxicos (CARNEIRO, 2015, p. 48).A poluição da água pelos agrotóxicos também tem sido um fator de muita preocupação. Os resíduos, uma vez presentes, conseguem diminuir a quantidade de oxigênio das águas, o que dificulta a sobrevivência dos animais, comprometendo, e muito, o consumo da água potável (VAZ, 2006). Atualmente, a contaminação da água potável é uma realidade brasileira palpável. O que se discute hoje é a quantidade 422 que o ser humano é capaz de ingerir desse veneno diariamente sem que isso prejudique a sua saúde. Inclusive, a ampliação dessa quantidade de substâncias químicas listadas nas Portarias para definir a qualidade da água mostra como ao longo do tempo a poluição por agrotóxico tem aumentado. Tanto é assim que portaria MS nº 518/2004, veio a regular 54 substâncias, sendo que 22 delas são agrotóxicos. Os efeitos sobre a saúde decorrentes do consumo de água contaminada por agrotóxicos variam segundo o princípio ativo envolvido. Dentre os problemas já identificados e publicados pela literatura internacional especializada, destacam-se (INTERNATIONAL AGENCY FOR RESEARCH ON CANCER, 2007; AGENCY FOR TOXIC SUBSTANCES AND DISEASE REGISTRY, 2007): (I) problemas no fígado e no sistema nervoso central, como dores de cabeça, tonturas, irritabilidade, movimentos musculares involuntários; (II) problemas com os sistemas cardiovascular e reprodutivo, com algumas evidências de desregulação endócrina e (III) problemas nos olhos, rins, baço, anemia e aumento do risco de desenvolver câncer (NETO, SARCINELLI, 2009). O risco dos agrotóxicos não está somente em sua composição química, está em seu sentido técnico de utilização e presença em uma cultura de naturalização da ameaça como algo inafastável, fenômeno próprio da sociedade de risco. A tematização 423 do agrotóxico exige reflexão e estudos revigoradores não somente quanto a se são e em que medida o são tóxicos. Demanda-se análise de a partir de quais índices ou padrões se define como ilegítimo ou ilegal o uso. Dilema inerente se faz. Não são raras as propagações na seara médica de redefinição de níveis aceitáveis de colesterol ou de glicose. Mas não se tem a mesma postura em relação aos níveis de aceitação de agroquímicos. Os padrões de Ingestão Diária Aceitável (IDA), de Limite Máximo de Resíduos (LMR) assim como os patamares de avaliação do Potencial de Periculosidade Ambiental (PPA) não podem ser antevistos como imutáveis. Ao inverso, hão de estar pautados em uma perspectiva de redução de tolerância. Além disso, a avaliação se um agrotóxico é ou não permitido no Brasil e em outros países também se revela insuficiente. Afinal, os dados de IDA, LMR e PPA podem ser variáveis. Portanto, mesmo permitido, o nível de permissão no Brasil precisa ser comparado com o nível permitido em outros países. Em síntese, o campo de complexidade é muito mais significativo do que o binômio usar ou não usar o produto e submeter-se aos riscos de suas toxinas. Aplicam-se aqui tanto o princípio da prevenção quanto o da precaução. Quando se afere se determinado agrotóxico está dentro dos limites de uso, o que se leva em conta é justamente os níveis admissíveis de utilização, os níveis admissíveis para o ser humano e para o meio ambiente a fim de não gerar danos ecológicos. Respeitar os níveis estabelecidos em IDA, LMR e PPA significa guarnecer em precaução toda a cadeia cíclica do uso do agrotóxico. Lado outro, quando se problematiza os próprios índices, o que entra em voga é a precaução, o limite do 424 conhecimento científico em face do risco de ocorrência do dano ambiental. A análise dos agrotóxicos está ainda muito centrada no princípio da prevenção, aferindo índices e conformidade de padrões. É necessário submeter os próprios padrões a crivo, submeter-lhes à constante análise por parte dos órgãos técnicos especializados dentro dos contornos funcionais do Poder Público, a fim de que o exercício fiscalizatório alcance contínua eficácia. Em outras palavras, conferir aplicação ao princípio da precaução em matéria de agrotóxicos significa sujeitar continuamente os padrões de aceitação de uso, resíduo e efeito cumulativo a aferições técnicas. 4. Considerações finais O desenvolvimento tecnológico e a demanda crescente por alimentos trouxeram significativa mudança para o mundo agrícola. As técnicas tradicionais e milenares usadas na agricultura foram então substituídas e a produtividade alardeou um novo guardião, o agrotóxico. Entretanto, o que se tinha como um anteparo ao ser humano e ao meio ambiente revelou-se como uma outra praga em potencial. O agrotóxico em si é perigoso e fator de difusão de risco à saúde humana. O controle e fiscalização esbarram em práticas sociais, padrões culturais e jurídicos que se acomodaram durante décadas em um nível de assimilação dos agroquímicos como um mal necessário posto em resignação. Não se nega o valor ou necessidade do uso, o que se tem em crítica é a ausência reflexiva de gestão do risco e avaliação de ameaça com a necessária adoção de 425 planejamentos de reversão do uso e interiorização das externalidades negativas. O impacto que os agrotóxicos têm provocado no meio ambiente e na saúde dos brasileiros é imensuravelmente maior do que nos outros países. O fato está ligado a uma expressão econômica que interioriza o agrotóxico como uma necessidade irremediável, a qualquer custo, ao sistema produtivo. Mecanismos e vias alternativas, como defensivos ecologicamente sustentáveis, ou oriundos da própria natureza, passam em plano secundário. A avaliação dos custos socioambientais do uso de agrotóxicos é uma necessidade premente. Em um país hoje considerado o maior consumidor de agroquímicos do mundo, ultrapassando até mesmo os Estados Unidos, necessário se fazer uma análise da sua utilização e dos prejuízos proporcionados. O tema é de interesse e relevância social, principalmente quando se tematiza a educação e formação discursiva social, de forma que a sociedade necessita de conhecimento sobre as reais implicações de tais produtos. O grau de sua difusão e alcance é amplo, atinge a todos, dos aplicadores rurais até aqueles que consomem o alimento em suas diversas dimensões pessoais de vulnerabilidade, desde adultos saudáveis a vulneráveis idosos e bebês, sendo que estes últimos por vezes já têm contato com os produtos químicos através do leite materno. Além disso, extrapolar as avaliações para além da prevenção, ou seja, dos padrões já fixados como aferidores da regularidade dos produtos químicos, para um projeto de reavaliação contínua da própria compatibilidade dos índices de regularidade é um passo irrefreável. Ademais, a extensão de risco e 426 afetação acende preocupações na ordem dos efeitos cumulativos e sinérgicos ao longo do tempo. 5. Referências AMÉRICO, JULIANA HELOISA PINÊ et al. Desreguladores endócrinos no ambiente e seus efeitos na biota e na saúde humana. Pesticidas: Revista de Ecotoxicologia e Meio Ambiente, [S.l.], v. 22, dez. 2012. ISSN 0103-7277. Disponível em: <https://revistas.ufpr.br/pesticidas/article/view/30795/20106>. Acesso em: 22 maio 2018. doi:http://dx.doi.org/10.5380/pes.v22i1.30795. BARRIGOSI, José Alexandre Freitas. Uso de Agrotóxicos. Agência Embrapa de Informação Tecnológica – AGEITEC. Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. 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Acesso em 19 mar 2017. 430 DA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA AO ENSINO MÉDIO: EXPERIÊNCIAS E APRENDIZADOS DO CURSO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL EM 2017 UNIVERSITY EXTENSION ACTIVITIES IN MIDDLE SCHOOL: EXPERIENCES FROM THE COURSE ON ENVIRONMENTAL EDUCATION AND SUSTAINABLE DEVELOPMENT IN 2017 Pedro Curvello Saavedra Avzaradel 57. Ana Alice De Carli 58 Victória Lourenço de Carvalho e Gonçalves 59 Resumo: A educação ambiental (EA), fator essencial à preservação ambiental e à construção de uma nova ética, possui bases no princípio da solidariedade e nas perspectivas sistêmica e holística. Sua realização deve ser prática, transversalizada e 57 Doutor em Direito da Cidade e Mestre em Sociologia e Direito. Pós-Doutor em Direito Ambiental. Professor Adjunto do Curso de Direito do Departamento de Volta Redonda e do Programa de Pós-graduação stricto sensu em Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense – UFF. Pesquisador líder do Grupo de Estudos em Meio Ambiente e Direito - GEMADI/UFF. 58 Doutora e Mestre em Direito Público e Evolução Social. Professora Adjunta do Curso de Direito do Departamento de Volta Redonda e do Programa de Pósgraduação stricto sensu em Tecnologia Ambiental da Universidade Federal Fluminense – UFF. Pesquisadora líder do Grupo de Estudos em Meio Ambiente e Direito - GEMADI/UFF. 59 Graduanda do curso de Direito pela Universidade Federal Campus Volta Redonda e pesquisadora do Grupo de Estudos em Meio Ambiente e Direito (GEMADI) desde 2014. 431 presente em todos os níveis de ensino. Assim, quando não disponibilizada enquanto disciplina, depende de abordagens e atividades integradas como cursos, palestras, oficinas, etc. Nesse contexto, as universidades desempenham o importante papel de articuladoras e fomentadoras de conhecimentos que agreguem questões ambientais, sociais e econômicas. Nisto reside a questão nuclear deste capítulo, que versa sobre as experiências vividas com o Curso de Educação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável, coordenado por professores e ministrado por pesquisadores graduandos do curso de Direito da UFF - campus Volta Redonda, integrantes do Grupo de Estudos em Meio Ambiente e Direito (GEMADI). O referido curso revelou-se como uma atividade de extensão universitária direcionada aos estudantes do Instituto Federal, campus Nilo Peçanha. O projeto será apresentado (metodologia, desenvolvimento e resultados) com objetivo precípuo de refletir se o compartilhamento de conhecimento entre estudantes de diferentes níveis de ensino e o intercâmbio de experiências entre eles favorece a assimilação das competências preconizadas pela EA. Como veremos, foi possível introduzir elementos pragmáticos e críticos de EA a partir dos quatro encontros realizados. Embora alguns pontos exijam aperfeiçoamento, a experiência foi bem avaliada pelos alunos do ensino médio, pelos discentes e professores universitários participantes. Palavras-chave: Educação ambiental; Ensino Médio; Extensão universitária; Direito; Metodologia de ensino. Abstract: As an essential factor for environmental preservation and the construction of a new ethics environmental education is based on the principle of solidarity and on the systemic and holistic perspectives. Its achievement must be practical and present at all 432 levels of education. Thus, when not available as a discipline, it depends on integrated approaches and on activities such as courses, lectures, workshops, etc. In this context, universities play the important role of articulators and knowledge builders that aggregate environmental, social and economic issues. This is the core issue of this chapter, which deals with the experiences of the Course on Environmental Education and Sustainable Development, coordinated by teachers and taught by undergraduate researchers of the law course of UFF – Federal University Fluminense - Campus Volta Redonda, members of the Group of Studies in Environment and Law (GEMADI). This course turned out to be an extension activity aimed at highschool students of the Federal Institute, campus Nilo Peçanha. The project will be presented (methodology, development and results) with the primary objective of reflecting on whether the sharing of knowledge among students of different levels of education and the exchange of experiences between them favors the assimilation of the competences aimed by environmental education. As we shall see, it was possible to introduce pragmatic and critical elements from the four encounters. Although some points require improvement, the experience was well evaluated by the high school students, by the participating students and university professors. Keywords: Environmental education; High school; University Extension; Law; Teaching methodology. 1. Introdução Na atualidade em que os recursos naturais mostram exaustão, ao mesmo tempo em que aumenta exponencialmente a demanda por bens e serviços, a conscientização é condição de 433 possibilidade para se buscar caminhos que conciliem proteção ambiental e desenvolvimento sustentável. Assim, tem-se na educação ambiental um profícuo instrumento. Nesse sentido, a Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou a Resolução nº 57/254, em 20 de dezembro de 2002, na qual declara a “Década das Nações Unidas da Educação para o Desenvolvimento Sustentável”, alçando a educação a “elemento indispensável do desenvolvimento sustentável” (ONU, 2018). A educação ambiental (EA) - prevista na Constituição Federal de 1988, na Lei da Política Nacional de Meio Ambiente e, ainda, na Política Nacional de Educação Ambiental consubstancia fator essencial à preservação do meio ambiente natural e à construção de uma nova ética ambiental, baseada no princípio da solidariedade e em uma perspectiva sistêmica e holística. Diversas previsões normativas obrigam o Estado a desenvolver a educação e a conscientização ambientais. Apenas para citar as centrais, a Política Nacional de Meio Ambiente – Lei nº 6.938/81 já previa esta atribuição no artigo segundo, buscando, inclusive, capacitar comunidades para participar na defesa do ambiente. Nos termos do diploma citado: Art. 2º. A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança 434 nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios: (...) X - educação ambiental a todos os níveis do ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente (Brasil: 1981). No final da mesma década, a Constituição de 1988 previu a educação como algo indissociável do desenvolvimento humano e do exercício pleno da cidadania (artigo 205). Também no artigo 225 do texto magno ficou inscrita a obrigação da promoção desta educação em todos os níveis de ensino (AVZARADEL, 2014). Fazse mister reproduzir abaixo os dispositivos citados: Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preserválo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: (...) VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública 435 para a preservação do meio ambiente (Brasil: 1988) Em seguida, foi editada a Lei nº 9.795/99, com as diretrizes para a implantação da educação ambiental, seja formal (inserida dentro dos sistemas formais de educação) seja informal (através de campanhas publicitárias, educativas e ações não provenientes das instituições educacionais). Conceitua o diploma citado a EA como “os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade” (BRASIL: 1999, art. 1º). Como bem coloca Fabiano Oliveira (OLIVEIRA, 2014), “trata-se de instrumento fundamental para que se alcance a compreensão da importância de um meio ambiente ecologicamente equilibrado”. Contudo, ficou pouco claro que atores deveriam ter obrigações e quais seriam essas obrigações especificas. Parte dessa lacuna foi preenchida por atos normativos secundários dos Conselhos Nacionais de Educação e do Meio Ambiente (AVZARADEL, 2014). Ao que tudo indica, a educação ambiental ainda enfrenta sérias dificuldades decorrentes da falta de clareza das atribuições especificas, de recursos e estruturas públicos para os processos formais, de um lado, e dos incentivos para a promoção dos projetos informais de educação, de outro (Idem. Ibidem). 436 Sem embargo, tais diplomas normativos preveem que sua realização deve ser prática, transversalizada e presente em todos os níveis de ensino, inclusive, no da graduação. Sem descuidar, por certo, a educação ambiental pode (e deve) ser promovida por outros setores da sociedade, a exemplo das mídias em geral e das empresas. No âmbito das instituições de ensino a EA pode acontecer tanto na forma de disciplina específica prevista na grade curricular, como não. Nesse caso, não sendo disponibilizada enquanto disciplina na grade curricular, portanto, a educação ambiental depende de abordagens integradas ao projeto pedagógico e iniciativas como cursos, palestras, oficinas etc. Nesse sentido, o presente trabalho dedica-se ao estudo das experiências e aprendizados proporcionados pelo Curso de Educação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável, coordenado por professores doutores e ministrado por estudantespesquisadores de graduação do curso de Direito da UFF - campus Volta Redonda, todos integrantes do Grupo de Estudos em Meio Ambiente e Direito (GEMADI). O referido curso revela-se como uma atividade de extensão universitária direcionada aos estudantes de ensino médio, tendo sido realizado junto aos alunos do Instituto Federal, campus Nilo Peçanha (Pinheiral – Rio de Janeiro). O objetivo precípuo dessa proposta é refletir em que medida o compartilhamento de conhecimento entre estudantes de diferentes níveis de ensino e o intercâmbio de experiências entre eles favorece - ou não - a assimilação das competências e habilidades preconizadas pela EA na dimensão da formação universitária enquanto contemple, ao mesmo tempo, as 437 necessidades e a carência de informações dessa natureza no ensino médio. Assim, de início, este capítulo apresentará como o tema da EA e, principalmente, como o seu desenvolvimento entre as instituições de ensino está previsto pelo ordenamento jurídico ao mesmo tempo em que expõe a tendência de trabalho no plano concreto entre as instituições de ensino superior. Em seguida, será feita uma breve revisão teórica sobre abordagens possíveis da EA, demonstrando que a extensão universitária pode configurar um espaço oportuno de trabalho com EA nas instituições de ensino superior em que esta não é ofertada na forma disciplinar. Por fim, será apresentado o Curso de Educação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável para estudantes de ensino médio planejamento e a organização – com as percepções dos alunos capacitados colhidas por meio de questionário fechado. Com isso é possível refletir os resultados e os aprendizados alcançados nessa experiência. 2. A educação ambiental no ensino superior brasileiro no plano prático e normativo A Lei nº 9.795/99 (Política Nacional de Educação Ambiental), em seu art. 9º, prevê a necessidade de que a EA esteja presente nas instituições de ensino superior e no art. 10 completa que deve ser “desenvolvida como uma prática educativa integrada, contínua e permanente em todos os níveis e modalidades do ensino formal”. 438 A esse respeito, vale destacar que o artigo 10, § 1º determina que a EA “não deve ser implantada como disciplina específica no currículo de ensino”. Contudo, o § 2º prevê a possibilidade da abordagem disciplinar “nos cursos de pósgraduação, extensão e nas áreas voltadas ao aspecto metodológico da educação ambiental” (BRASIL, 1999). Nesse sentido parece ser também a orientação da Resolução nº 2, de 15 de junho de 2012, do Conselho Nacional de Educação do Ministério da Educação, especificamente no artigo 8º (BRASIL, 2012). Destaque-se a preocupação do legislador brasileiro com a concretização da EA entre as instituições de ensino, possibilitando que estas definam como acontecerá a abordagem: seja de forma disciplinar com uma disciplina específica para tratar da educação ambiental ou não. Com efeito, as instituições de ensino superior podem funcionar não apenas ofertando a seus alunos o ensino formal da EA, mas devem também se integrar e se comunicar com os demais níveis de ensino e com a própria comunidade na qual está inserida. Os centros de graduação são espaços importantes de construção de conhecimento e difusão de novos saberes constituindo-se em peça importante na concretização dos desafios trazidos pela EA, motivo pelo qual esta não pode deixar de aparecer nestes espaços. O Mapeamento da Educação Ambiental em Instituições Brasileiras de Educação Superior: elementos para políticas públicas (RUPEA, 2007) aponta que, no ensino superior brasileiro, a EA possui como tendência aparecer na forma de disciplinas 439 específicas, em sua maioria obrigatórias, ligadas mais as áreas das ciências da natureza como biologia e ciências biológicas. As Instituições de Ensino Superior (IES) têm ofertado uma educação ambiental formal e limitada a algumas áreas do conhecimento, notavelmente a das ciências exatas. Isto deixa clara a importância dos projetos de pesquisa e extensão, sobretudo dos últimos, como meios de promoção da EA de forma mais ampla quanto aos destinatários e também às práticas (são possíveis ações de EA informal, como campanhas e ações/intervenções) que podem e devem beneficiar as localidades onde estão localizadas as IES. Ocorre que o espaço universitário, baseado na tríade pesquisa-ensino-extensão, oferece outras possibilidades para a abordagem da EA que não se limitam ao universo da sala de aula, mas inserem a universidade na sociedade. Como, os projetos de extensão podem se constituir como importantes instrumentos de trabalho para a inserção da EA no ensino superior de forma cidadã e pedagógica, inclusive, o Mapeamento da Educação Ambiental em Instituições Brasileiras de Educação Superior destaca que os projetos com EA no ensino superior provocam inevitavelmente a reorganização do conhecimento, determinando fusões ou desmembramentos de conteúdos que abrem novos desafios em suas áreas de origem, como defende Silva (2005) ao discutir o papel da extensão universitária na resolução da crise dos paradigmas, provocada pela ampliação da 440 assimetria entre o conhecimento produzido na academia e na sociedade. (RUPEA, 2007, p. 11) Importante dizer, que uma das abordagens possíveis da EA possui um viés eminentemente crítico que visa a emancipação do ser humano dos processos de desigualdades e que se harmoniza com o que se espera de um projeto de extensão universitária. 3. Aspectos teóricos da educação ambiental no ensino brasileiro Segundo Loureiro (2013) há pelo menos três macrotendências da EA, são elas: a conservadora, a pragmática e a crítica. A primeira macrotendência valoriza o contato do ser humano com a natureza para propiciar uma mudança do eixo cultural civilizatório profundamente enraizado no antropocentrismo, buscando aproximar o homem da natureza para resgatar o valor do meio ambiente em si mesmo. Note-se que a natureza é inserida na pauta dos debates desvinculada de sua relação intrínseca com os processos sociais e as disputas de poder. Por sua vez, a segunda macrotendência volta-se aos resultados dos processos produtivos e as externalidades negativas por eles provocadas para minimizá-las de forma que sua abordagem característica é da educação ambiental no âmbito dos resíduos sólidos e no âmbito das mudanças climáticas, por exemplo. A seu turno, a terceira macrotendência da EA, qual seja: a crítica preocupa-se em trazer para o debate ambiental os 441 componentes social, econômico e político - que definem as sociedades capitalistas com seus modelos de produção e relações socioculturais, além das classes historicamente construídas e sua relação com a natureza (LOUREIRO, 2013). Com efeito, a compreensão da educação ambiental, sob seu viés critico, está intimamente relacionada com o conceito de ecologia política, isto é, com a forma com que os agentes sociais “com diferentes e desiguais níveis de poder e interesses diversos demandam, na produção de suas existências, recursos naturais em um contexto ecológico, disputando-os e compartilhando-os” (LOUREIRO, 2013, p. 55-56). Sobre a EA crítica, Cecílio Arnaldo Rivas Ayala e Danielle de Ouro Mamed (2014) assinalam que a educação ambiental crítica estabelece uma sistematização que se propõe organizar os processos de construção crítica de conhecimentos, atitudes, valores políticos, sociais e históricos. Nesse caminho entendemos que o desafio para a educação ambiental crítica em sua reflexão interdisciplinar é encontrar respostas aos novos questionamentos trazidos pela modernidade (p. 73-74) A interdisciplinaridade de que falam Ayala e Mamed no trecho acima, refere-se a uma educação que pretende superar a fragmentação dos conhecimentos, assim a “promove a interação de pessoas, áreas, disciplinas, produzindo um conhecimento mais amplo e coletivizado” para elaboração de um outro saber 442 preocupado com o todo, segundo entende Audrey de Souza Coimbra (2010). Corroborando os indigitados autores, Sato (2001) assinala, ainda, que somente uma educação interdisciplinar para a compreensão total da complexidade ambiental. Por outro lado, a abordagem transdisciplinar da EA assegura uma troca mais profunda de saberes. Desse modo, devese “considerar os aspectos físicos, biológicos e, principalmente, os modos de interação do ser humano com a natureza, por meio de suas relações sociais, do trabalho, da ciência, da arte e da tecnologia” (PCN, s/d). Talvez em um contexto em que a EA não esteja prevista na forma de disciplinas no ensino superior seja uma ferramenta possível de trabalho, principalmente, considerando o papel que deve desempenhar a universidade. Vale destacar que a macrotendência da EA critica não exclui de sua abordagem os demais aspectos que aparecem de forma mais nítida nas tendências conservadora ou pragmática – como o contato do ser humano com a natureza ou o seu padrão de consumo - mas aprofunda o debate já trazido por ambas contextualizado à dinâmica social. Dessa forma, em que pese a valorização da EA crítica na concepção e desenvolvimento o projeto objeto do presente trabalho, será possível observar também a presença das demais macrotendências. A EA crítica, na concepção de QUINTAS (2000 apud LOUREIRO, 2003) possui alguns princípios norteadores, entre os quais o projeto se dedicou especialmente, conforme será relatado a seguir e são eles: o desenvolvimento da capacidade de usar saberes para agir em situações concretas do cotidiano de vida e a 443 preparação dos sujeitos da ação educativa para que se organizem e intervenham em processos decisórios nos diferentes espaços de participação existentes. André Menezes de Jesus (2016) destaca um componente rico a respeito da EA nas instituições escolares que adotem o viés crítico: a capacidade que possui de se aproveitar das características construtivas dos alunos para transformar a realidade. Explorar os potenciais dos graduandos, portanto, é ótimo mecanismo que congrega o aprendizado de EA ao crescimento do estudante e da sociedade. Ampliar esta abordagem a partir das atividades de extensão ambiental parece ser uma opção duplamente vantajosa, pois transforma os graduandos em agentes capazes de colaborar para uma EA crítica, capaz de ser concretizada também pelos destinatários das atividades. 4. O projeto de extensão universitária como prática acadêmica da educação ambiental O Curso de Educação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável de que trata este artigo é resultado do projeto de extensão universitária de elaboração dos Professores Doutores Ana Alice De Carli e Pedro Curvello Avzaradel, da assistência de estudantes-pesquisadores integrantes do Grupo de Estudos em Meio Ambiente e Direito – GEMADI – do curso de Direito da UFF – campus Volta Redonda. Foi desenvolvido junto aos alunos de nível do Instituto Federal, campus Nilo Peçanha dos cursos técnicos de meio ambiente e agropecuária. 444 O referido projeto foi idealizado para funcionar como abordagem integrada ao currículo pedagógico, promovendo a reflexão sobre as questões ambientais e seus reflexos, sobretudo quanto à necessidade e às formas de desenvolvimento econômico. Nesse sentido, possui como objetivo específico contribuir para a formação de agentes transformadores da realidade por meio de um processo de aperfeiçoamento dos cidadãos – seja como estudante, profissional atuante ou, ainda, como mero consumidor – integrando o conhecimento técnico-científico à conjuntura fático-social no bojo da qual encontram-se inseridos. O curso de extensão teve a duração de quatro encontros (de duas horas cada) ao longo do ano de 2017 onde os estudantespesquisadores explanaram sobre um artigo previamente escolhido da obra coletiva Educação Ambiental: premissa inafastável ao desenvolvimento econômico sustentável, organizada por CARLI, Ana Alice De e MARTINS, Saadia Borba. Ed. Lumen Juris, 2014. Tais encontros foram realizados nas datas de 20/06, 05/07, 25 e 27/09, garantindo que o curso não significasse uma iniciativa isolada e descontinuada em reação as atividades já desenvolvidas pelos estudantes que receberam o curso e por aqueles que estavam na condição de expositores. Como é possível de se observar, os encontros ocorreram nos dois semestres do ano de 2017 com destaque para as datas de 25 e 27/09 onde o próprio colégio realizava SEMATEC – Semana da Tecnologia, oferecendo a seus alunos espaço específico para discussão de temas por meio de atividades extra sala de aula forma. A metodologia utilizada foi distribuída em quatro vetores principais: i. exposição do conteúdo, ii. interpretação de texto com 445 complementação das informações por meio de outras fontes tais como leis ou decisões judiciais, iii. realização de atividades interativas com os alunos, debates e troca de impressões sobre os projetos de extensão ambiental que estes já desenvolviam pelo colégio, iv. avaliação das atividades realizadas pelos alunos do IFRJ. Cada encontro foi dirigido por uma dupla de estudantes, sendo os seguintes os textos expostos: Envolvimento e participação social: o caminho do desenvolvimento sustentável a partir da educação ambiental (Clarisse Stephan e ÁssimaCasella), Educação Ambiental: condição fundamental a concretização da política nacional das águas brasileiras (Ana Alice De Carli), Educação Ambiental e desenvolvimento econômico e sustentável pelo prisma discursivo (Gilvan Luiz Hansen), Prática de Gestão e Educação Ambiental em Unidades de Conservação: o caso do parque nacional do Iguaçu (Ana Solange Biesek). 5. Experiências e aprendizados com o curso de educação ambiental e desenvolvimento sustentável em 2017 Como forma de registrar as percepções dos alunos de ensino médio em relação ao Curso de Educação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável, foi desenvolvido um pequeno questionário composto de seis assertivas para serem analisadas objetivamente pelos alunos conforme seu grau de concordância ou discordância com as mesmas na seguinte escala: discordo totalmente, discordo em parte, concordo em parte, concordo totalmente ou não sei avaliar. 446 As afirmativas versavam sobre a atratividade do tema, o atendimento das expectativas criadas em relação ao curso, o interesse em conhecer mais sobre o assunto, a possibilidade de aplicação dos conceitos no cotidiano, a aquisição de novos conhecimentos e a incorporação de hábitos sustentáveis no dia-adia. O questionário foi aplicado ao final do terceiro dos quatro encontros realizados, contando com a participação de 23 (vinte e três) alunos. Antes, foi explicada a proposta do questionário e a escala sobre o grau de concordância ou discordância das afirmações. Também foi esclarecido que não seriam utilizados os dados pessoais tais como o nome, o gênero e a idade dos respondentes. Na avaliação dos alunos do Instituto, o curso atendeu aos seus objetivos. A temática da educação ambiental e desenvolvimento sustentável foi majoritariamente entendida como atrativa pelos alunos, o que favoreceu a presença e participação dos discentes. Nesse aspecto, vale destacar que essa informação confirmou as impressões causadas nos encontros expositivos no sentido de que a problemática ambiental é tema bastante sensível àquele público que dialogou com os expositores apresentando questões reais do seu cotidiano. Por outro lado, sobre as expectativas em relação aos trabalhos apresentados, a avaliação foi positiva pela maioria do grupo. Todavia, uma parcela do grupo (17%) discordou de alguma forma. Assim, temos que ampla maioria considerou atrativo o tema abordado pelo curso, sendo que nesse grupo uma parte se desapontou com os trabalhos apresentados, o que sugere a necessidade de alguns ajustes nessa 447 etapa do curso – seja por meio da seleção de outros tipos de texto para exposição ou melhor preparação dos graduandos expositores. Quanto ao aprofundamento no tema, 57% demonstraram total interesse no aprofundamento no assunto, fato perceptível em nossas exposições pela expressividade de participações e intervenções deles ao longo da apresentação dos trabalhos. Outros 30% concordam parcialmente com a afirmativa, o que nos leva a crer que estão abertos a essa possibilidade de aprofundamento. Neste caso registramos 13% dos alunos totalmente contrários à ideia. Esses dados demonstram que a despeito das dificuldades enfrentadas na implementação da educação ambiental no ensino brasileiro, esta tem seu espaço, pelo menos entre esse grupo. No que se refere a quarta assertiva, o resultado também foi positivo, corroborando a estreita relação entre meio ambiente e suas questões e o nosso cotidiano. Cerca de metade dos discentes (52%) concordou totalmente com a aplicação dos conteúdos na rotina e aproximadamente um terço (35%) concordou parcialmente com esta ideia. Não houve discordância total e apenas 13 % discordaram parcialmente. O público do curso era formado por alunos que concomitantemente ao ensino médio faziam também o curso técnico de meio ambiente, mas ainda assim foi expressiva a percepção de que curso permitiu a aquisição de novos conhecimentos, seja em parte (61%) ou totalmente (35%), demonstrando o quanto é vasto este universo. Não houve discordância total e apenas 4% discordaram parcialmente. O fato de o curso ter agregado, mesmo que em parte, novos conteúdos 448 para esse público específico, que já possui uma bagagem sobre o tema, pode ser considerado como muito positivo. Um dos resultados mais importantes alcançados com o questionário refere-se à incorporação de hábitos sustentáveis no dia-a-dia pelos alunos. Aqui, em que pese a diversidade de respostas para essa questão, é possível perceber que alguma forma a maior parte dos alunos pôde, ao menos em parte, a partir do curso, introduzir hábitos sustentáveis ou mudar atitudes demonstradas como equivocadas durante o curso. De posse de tais dados podemos concluir por uma avaliação positiva do curso que evidência que a educação ambiental e seus reflexos no cotidiano despertam interesse no jovem estudante, favorecendo a consecução do objetivo principal deste projeto, qual seja: a capacitação dos alunos para que atuem como agentes transformadores da realidade. Interessante destacar, por fim, que os resultados destes dados puderam ser observados na prática com o decorrer dos encontros na medida em que se tornavam mais participativos e questionadores, trazendo para as palestras as suas próprias percepções sobre o tema a partir do que vivenciavam através dos projetos de extensão em meio ambiente que desenvolviam pelo colégio. 6. Considerações finais Por fim, reconhece-se que a extensão universitária em forma do curso supramencionado, e direcionado a alunos de ensino médio cumpriu seu desiderato com a abordagem da EA, conforme estabelecida pelo ordenamento jurídico brasileiro, tanto 449 em nível médio como do ensino superior. Ademais, permitiu a formação de agentes transformadores da realidade ao mesmo tempo em que o projeto atuou como e facilitador na assimilação das competências e habilidades preconizadas pela EA, o que pode e deve ser utilizado por outras instituições do Ensino Superior. Nesse sentido vide a avaliação positiva dos alunos que demonstra que a temática desperta interesse. Como visto, o curso foi uma experiência relevante, todavia é importante o cuidado na capacitação dos graduandos de modo que a experiência se mostre positiva para os estudantes de graduação bem como para o público alvo do curso. Nesse sentido, para a direção do curso pelos graduandos é importante capacitar os estudantes de graduação por meio de orientação individualizada dos professores e também com estudo do tema a ser trabalho em cada encontro do curso. E isto pode ser feito através de grupos de pesquisa cuja área de interesse seja o meio ambiente. Os grupos reúnem alunos interessados na temática podem proporcionar encontros para a discussão de textos, filmes e assuntos que serão abordados no curso de extensão. Dessa forma confia-se que o aluno estará suficientemente preparado para compartilhar seus conhecimentos com outro público contribuam para qualificação destes como agentes transformadores de sua realidade social ao mesmo passo em que consolidam as habilidades adquiridas. Isso pode ser em certa medida avaliado a partir do questionário fechado aplicado. Sugere-se que o curso seja estruturado para que ocorra com mais de um encontro com o público alvo para oportunizar o contato continuado com o tema a fim de que se esgote rapidamente 450 o assunto e a abordagem acabe sendo superficial, o que poderia acontecer no caso de um contato pontual com a matéria. Não obstante, a quantidade de encontros esbarra muitas vezes em questões práticas como os horários e dias disponíveis para a prática por parte da escola e dos universitários participantes. O ideal aqui é, a partir de um grupo de pesquisa afim, montar uma equipe de alunos responsáveis pela execução do projeto e de professores responsáveis pela supervisão do mesmo. Quanto à exposição dos textos e temas de EA pelos graduandos é interessante que a seleção considere a realidade e o contexto socioeconômico em que o público-alvo está inserido para que os conteúdos de educação ambiental abordados tenham significados para o potencial agente transformador já que não é possível falar em formação desses novos agentes se os conteúdos a eles transmitidos encontrarem-se descontextualizados com seu meio social. Nesse sentido, o contato anterior com a instituição é importante, inclusive para ciência dos conhecimentos prévios do público-alvo e grau de profundidade e complexidade com que os textos podem ser apresentados. No caso da experiência deste capítulo, os alunos cursavam ensino médio integrado com o curso técnico de meio ambiente, o qual possui matéria específica de educação ambiental de acordo com a grade curricular do colégio. Assim, foi possível adentrar de início em temas mais complexos que dispensavam a apresentação de conceitos fundamentais em razão da bagagem teórica que possuíam. Por outro lado, é interessante que os estudantes de ensino superior se sirvam da oportunidade para contemplarem no curso 451 saberes do próprio curso de graduação relacionados a EA, como, no exemplo do curso, o conhecimento a respeito das normas constitucionais de proteção ao meio ambiente. Tratando-se de uma oportunidade para troca de conhecimento é interessante de igual modo, que se reservem espaços para diálogo e perguntas, para possibilitar que posteriormente participe ativamente no diagnóstico dos problemas ambientais e busca de soluções e mais, que transforme sua conduta em prol de uma nova ética ambiental. 7. Referências AVZARADEL, Pedro Curvello Saavedra. Reflexões sobre ética ambiental e educação ambiental In: CARLI, Ana Alice de; MARTINS, Saadia Borba (orgs.). Educação ambiental: premissa inafastável ao desenvolvimento econômico sustentável.1a ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014, v.1, p. 147-170. AYALA, Cecílio Arnaldo Rivas; MAMED, Danielle de Ouro Mamed. Novos aportes para a educação ambiental pelo viés dos direitos socioambientais e do novo constitucionalismo latinoamericano.In: CARLI, Ana Alice de; MARTINS, Saadia Borba (orgs.). Educação ambiental: premissa inafastável ao desenvolvimento econômico sustentável.1a ed.Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014, v.1, p. 147-170. BRASIL.Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm>. em 31 jan.2018. 452 Acesso BRASIL.Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaoc ompilado.htm>. Acesso em 31 jan.2018 BRASIL.Lei no 9.795, de 27 de abril de 1999.Dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9795.htm>. em 31 jan.2018. Acesso BRASIL. Plano Nacional Curricular (PCN). Meio Ambiente. Disponível em <https://www.cpt.com.br/pcn/parametroscurriculares-nacionais-tema-transversal-meio-ambiente>. Acesso em 28 abr. 2018. BRASIL. Resolução nº 2, de 15 de junho de 2012, do Conselho Nacional de Educação do Ministério da Educação. Estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental. Brasília, 2012. CARLI, Ana Alice de; MARTINS, Saadia Borba (orgs.). Educação Ambiental: premissa inafastável ao desenvolvimento econômico sustentável. Editora Lumen Juris. Rio de Janeiro. 2014. COIMBRA, Audrey de Souza. Interdisciplinaridade e educação ambiental: integrando seus princípios necessários. Disponível em <http://www.ufjf.br/virtu/files/2010/03/artigo-1a2.pdf> Acesso em 29 abr. 2018. 453 JESUS, André Menezes de. Educação ambiental: uma área multidisciplinar. Disponível em: <https://portal.fslf.edu.br/wpcontent/uploads/2016/12/tcc7-5.pdf>. Acesso em 29 abr. 2018. LOUREIRO, Carlos Frederico B.; AZAZIEL, Marcus; FRANCA, Nahyda. (orgs,) Educação ambiental e gestão participativa em unidades de conservação. Rio de Janeiro: Ibase: Ibama, 2003. 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A educação superior contemporânea, requer dos docentes e discentes atitudes de corresponsabilidade e autogestão na técnica da aprendizagem. Considerando que a forma de ensinar deve estar voltada para as necessidades e realidades do discente, promovendo sua autonomia, seu potencial e preparando-o para a vida em sociedade. Com base nestas considerações, neste trabalho serão apresentadas as metodologias ativas de ensino-aprendizagem, como recurso didático para a formação crítica do estudante do Curso Jurídico e a reflexão construtivista da atuação do docente em sala de aula. 60 Advogada Empresarial e Civilista. Professora Universitária. Coordenadora do Curso de Direito da FANS/MG – Faculdade de Direito de Nova Serrana – Pósgraduada Educação, Administração e Comunicação pela Universidade São Marcos. 61 Pós-Doutor em Educação pela UFMG. Doutor e Mestre em Direito Processual pela PUCMINAS. Professor do Programa de Pós-graduação stricto sensu em Proteção dos Direitos Fundamentais da Universidade de Itaúna. Professor da graduação em Direito da FAPAM; FPL; FASASETE; FAMINAS-BH. 456 Palavras-chave: aprendizagem. Metodologias Ativas;Didática; Ensino- Abstract: The social transformations have put in question, the teaching practices and didactics used in the universities and the necessity of methodological changes of these professionals. Contemporary higher education requires teachers and students attitudes of co-responsibility and self-management in the technique of learning. Considering that the way of teaching should be focused on the needs and realities of the student, promoting their autonomy, their potential and preparing it for society and with that achieve results in this same sense. Based on these considerations, this work will present the active teaching-learning methodologies as a didactic resource for the critical formation of the student of the Legal Course and the constructivist reflection of the teacher's performance in the classroom. Key words: Active Methodologies; Didactics; Teaching Learning. 1. Introdução As metodologias ativas são entendimentos educativos que promovem técnicas construtivas de ação-reflexão em que o aluno precisa dotar-se de uma postura mais ativa em relação ao seu aprendizado, por meio de situações práticas e desafiantes aplicáveis à realidade. Os profissionais da educação têm refletido teoricamente sobre questões pedagógicas do ensino-aprendizagem nos cursos superiores, para que os docentes atuem com competências e autonomias necessárias, construindo argumentos motivadores 457 para o aluno despertar, sair do estado passivo de mero espectador, aumentar suas habilidades e aptidões, e também para que os próprios professores produzam aprendizagens significativas, contribuindo para a construção o conhecimento. O objetivo do presente artigo é debater o uso das metodologias ativas na formação crítica do aluno-jurista e a importância da docência no processo de ensino-aprendizagem. O tema é de grande relevância para o contexto docente contemporâneo, por relacionar-se com a atuação da docência, com os tipos de metodologias utilizadas e a revisitação do papel do professor em sala de aula, especialmente porque no ensino jurídico brasileiro, muitas vezes, embora o professor saiba o que ensinar, ele não detém a formação pedagógica e didática de como ensinar. 2. Histórico do ensino superior no Brasil No período imperial, por volta do ano de 1808 no Brasil, o Estado de Salvador sediava os cursos de Cirurgia, Anatomia e Obstetrícia, e quando a Corte foi transferida para o Rio de Janeiro lá foi criada a Escola de Cirurgia. Após a independência do Brasil, no ano de 1827 foram criados dois cursos de Direito: um em Olinda e o outro em São Paulo. As primeiras faculdades brasileiras foram dos cursos de medicina, Direito e Engenharia, todas com uma educação, a partir do modelo francês. (OLIVEN, 2002). A primeira Universidade brasileira foi a do Rio de Janeiro, criada em 1920. Durante a Era Vargas, criou-se o Ministério da Educação e Saúde e em 1931 o Estatuto das Universidades Brasileiras onde todas deveriam lecionar pelo menos três dos 458 seguintes cursos: Direito, Medicina, Engenharia, Educação, Ciências e Letras. De acordo com Oliven (2002), no ano de 1930 foi criada a USP (Universidade de São Paulo) que se tornou o maior centro de pesquisa do país com professores e pesquisadores estrangeiros. Em 1935 foi criada a Universidade do Distrito Federal que foi extinta quatro anos mais trade. Com a Nova República foram criadas vinte e duas universidades federais. Deste modo, cada Estado da Federação passou a contar com uma universidade pública federal em sua respectiva capital. Nesta mesma época surgiram nove universidades religiosas, sendo oito católicas e uma presbiteriana. Com o aumento na demando no ensino superior, expansão das matrículas e pressão do sistema educacional, em 1961 foi promulgada a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, a Lei nº 4.024/61. No período dos governos militares houve a Reforma Universitária e a Lei nº 5.540/68 criou o sistema de créditos e o vestibular classificatório. Com isso ocorreu maior expansão do ensino superior, e o setor privado instituiu inúmeras faculdades. Mais tarde no ano de 1.980 os alunos de cursos superior das faculdades particulares somavam 86% das matrículas oferecidas “O setor público foi o responsável pelo desenvolvimento da pósgraduação e das atividades de pesquisa e modernizou um segmento importante do sistema universitário brasileiro”. (OLIVEN, 2002, online). 459 2.1. Evolução do Ensino Jurídico O Ensino jurídico brasileiro pode ser estudado com base em três fases distintas: a imperial, a república nova e a fase que começa com a promulgação da Constituição de 1988. Os primeiros cursos jurídicos brasileiros iniciaram no ano 1.827 em São Paulo e Olinda, influenciados pela Revolução Francesa e expansão ideológica. Martinez (2015) informa que em 1981 foi criada a Faculdade da Bahia e em virtude do grande número de vagas disponíveis, surgiu o termo “fábrica de bacharéis” que era comparado ao modelo fordista de produção industrial. No ano de 1927, fase centenária da criação dos Cursos Jurídicos, haviam 14 Faculdades de Direito, com modelo liberal, metodologia insuficiente e sem avanço pedagógico na formação dos bacharéis. Durante os anos de 1930 a 1945, o ensino ficou estagnado, houve a “Reforma Francisco Campos” organizada na Universidade do Rio de Janeiro e as novas pedagogias liberais americanas não foram aceitas. (MARTINEZ, 2015) O Estado Novo trouxe Codificações, Estatutos jurídicos e Leis. Em 1964 haviam 61 faculdades de Direito no Brasil e uma década depois já somavam 122. Com o autoritarismo estatal, o ensino jurídico passou por crise organizacional, didática e metodológica. Em 1972 adveio a Resolução nº 03 do Conselho Federal de Educação. E os 150 anos do Ensino Jurídico no Brasil foi comemorado no ano de 1977. A terceira fase da evolução do nosso ensino jurídico iniciou com as transformações trazidas pela Constituição de 1988. Na década de noventa haviam 186 Cursos de Direito no País. 460 Segundo Martizez (2015), A OAB em 1992 realizou estudos e avaliações das condições dos cursos jurídicos, donde nasceu a Comissão de Especialistas em Ensino Jurídico da SESu/MEC, e esta, por sua vez elaborou o texto final da Portaria 1.886/94 do MEC, que passou a regular as diretrizes curriculares mínimas para os cursos de Direito no Brasil, o acervo jurídico mínimo, o Núcleo de Prática Jurídica etc. Entretanto a Portaria foi omissa ao deixar exposto o maior dos espaços de aprendizagem que é a sala de aula, e nela implícita a continuada pedagogia tradicional, ou seja, a limitação pedagógica ou a grande perda das oportunidades de transformação do ensino jurídico. Atualmente existem mais de mil cursos de Direito e muitos deles necessitando acompanhamento de avaliação de sua eficácia. 3. A didática no ensino superior A expressão “didática” vem do grego didaktiké que significa a arte de ensinar. Seu uso foi difundido com a obra de Jan Amos Comenius (1592-1670, Didactica Agna, ou Tratado da arte universal de ensinar tudo a todos, publicada em 1657). Para Nogueira e Oliveira (2011, online): “Nos dias atuais, deparamo-nos com muitas definições diferentes de didática, mas quase todas apresentam-se como ciência, técnica ou arte de ensinar”. Através da didática o docente transmite o conhecimento ao discente. Perrenoud (2000, p. 25) destaca que: “[...] é, sobretudo, despender energia e tempo e dispor das competências profissionais necessárias para imaginar e criar outros tipos de situações de 461 aprendizagem”. A didática deve ser distinta de uma aula perfeita, além do professor dominar, de fato, as situações de aprendizagem, ele deve abarcar também, ações diferenciadas para os alunos que não aprendem simplesmente ouvindo as aulas. Suas lições são no seguinte sentido: a visão dos teóricos e pesquisadores educacionais é que na educação superior é necessário conteúdo científico e também o pedagógico. Na obra “O Caminho se faz caminhando. Conversas sobre educação e mudança social” de Paulo Freire e Myles Horton (2003, p. 149) é possível extrair que: “Quanto mais as pessoas participarem do processo de sua própria educação, maior será sua participação no processo de definir que tipo de produção produzir, e para que e por que, e maior será também sua participação no seu próprio desenvolvimento”. O papel do professor na ótica da teoria e prática educacional é de que eles devem aplicar seus conhecimentos e habilidades pedagógicas que lhes servirão de apoio para a sua prática, sendo eficaz e compatível com a realidade contemporânea. Para Jacques Delors (2003), em seu relatório da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI para UNESCO, a educação deve constituir-se com base em quatro aprendizagens fundamentais que, serão pilares do conhecimento: aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a conviver; e aprender a ser. Estas são vias essenciais que integram os saberes básicos da experiência humana e educação do futuro. 462 3.1. Docência e Aula Universitária Com base no pressuposto de que manter a harmonia, a concentração e ao mesmo tempo esperar que os alunos assimilem os conteúdos é uma tarefa árdua para o docente, faz-se necessário que ele busque por ferramentas adequadas, capazes de despertar no educando o interesse de aprender. Usando metodologias apropriadas e com sucesso em sua aula. Para tanto, estratégias como antecipar o conteúdo da aula seguinte, se torna conveniente para despertar o desejo do discente, comparecer às próximas aulas. O educador, no contexto universitário, deve ser capacitado possuir habilidades e conhecimentos através de ações seguras e deverá adotar posturas adequadas dentro da sala de aula, como por exemplo, o respeito e a flexibilização à opinião do aluno, de tal modo que aconteça uma interferência no conhecimento do aluno somando àquele que ele já possui, e a participação ativa dos acadêmicos qualifica a sala de aula Quando o professor se compromete permanentemente com seus alunos, suas atitudes são mais democráticas e sem imposições. Almeida (2015, online) entende que o professor que não mantém diálogo e nem ouve as justificativas dos discentes, “está influenciando-o a perder o interesse pela a aula. Sabe-se que há professores de postura imperativa e grotesca, onde quer mostrar para o aluno que ele é quem manda na sala de aula”. Outro aspecto importante é que o professor tenha atitudes mais voltadas para a mediação, pois na aula universitária a realidade é diferente, e a mediação dos assuntos debatidos é cobrada com mais ênfase e o aprendizado é contínuo, o interesse em colocar os conteúdos em 463 prática é maior. Portanto o docente não deveria ficar apegado ao tradicionalismo. Para Gemignani (2012, online) é necessário formar professores que: “[...] aprendam a pensar, a correlacionar teoria e prática, a buscar, de modo criativo e adequado às necessidades da sociedade, a resolução dos problemas que emergem no dia-a-dia da escola e no cotidiano”. A atitude dos professores em sala de aula é a base da formação do aluno e isto colabora para uma sociedade desenvolvida, com cidadãos autônomos. Durante a aula na universidade o professor precisa ter a total consciência de seu papel como educador, como ferramenta de apoio apta a diagnosticar problemas, formar ideias e favorecer o ensino-aprendizagem, já que eles são responsáveis pela formação de cidadãos. E é muito importante a qualidade de seus ensinamentos, pois deles ocorrem reflexões e mudanças na formação e evolução do aluno. 4. Metodologias ativas de ensino-aprendizagem Metodologias ativas são recursos didáticos de ensinoaprendizagem que objetivam gerar no aluno dimensões de descoberta, despertando nele a curiosidade no assunto debatido. Com o uso das metodologias ativas o processo de aprendizagem ocorre com mais sucesso, nas experiências reais ou simuladas e em diferentes contextos. Porque tendem a levar a uma melhor compreensão e desenvolvimento prático em sala de aula e na sua formação crítica atual dos discentes. 464 Entre as metodologias encontra-se o método de aprendizagem baseado na “Problematização” e “Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP)”. O uso desta metodologia no Brasil, está baseado nos princípios de Paulo Freire, e tem como referência o trabalho de Dias Bordenave Pereira, orientado pelo Arco de Charles Maguerez que traz a problematização em cinco etapas: a observação da realidade; identificação dos pontos chave; teorização; hipótese de solução e aplicação à realidade. Figura 1 - Esquema do Arco de Maguerez, segundo Dias Bordenave Pereira Fonte: Revista Fronteira das Educação [online], Recife, v. 1, n. 2, 2012. ISSN: 2237-9703. E a Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) se funda na Teoria da Indagação de John Dewey um filósofo norte americano, considerado por muitos como o precursor do pensamento pedagógico contemporâneo. Para ele a aprendizagem vem de problemas que geram dúvidas intelectuais, portanto este 465 método destaca a descoberta e a reflexão dos alunos. (Gomes, 2002). Os métodos de aprendizagem ativa, cerne deste estudo, estão fundados na pedagogia crítica e usam problemas para desenvolver o ensino-aprendizagem, assim o estudante 'aprende a aprender', por meio de cognição prévia, descobre as leis ou conceitos úteis para solucionar o problema proposto. E o grande desafio, é a busca por metodologias inovadoras que possibilitem o alcance de uma formação docente ética e histórica, que seja voltada a crítica reflexiva transformadora e humanizada. As palavras deBerbel (2012, online) são no seguinte sentido: “São muitas as possibilidades de Metodologias Ativas, com potencial de levar os alunos a aprendizagens para a autonomia. O estudo de caso é uma delas, bastante utilizado em cursos de Direito, Administração, Medicina entre outros”. Dentre os instrumentos utilizados no planejamento didático e pedagógico, destaca-se a Taxonomia de Bloom que se faz adequada no ensino superior, por ajudar no planejamento, na organização e controle dos objetivos da aprendizagem. Além de proporcionar base e táticas eficientes que facilitam avaliar e estimular o desempenho dos alunos, também incita os docentes a auxiliarem os seus alunos. Isto devido a três domínios: cognitivo, afetivo e psicomotor. A Taxonomia de Bloom colabora significativamente para medir o que foi aprendido e direcionar o processo educacional, no ensino superior, considerando que nos últimos anos ela foi avaliada e atualizada de acordo com os avanços estratégicos e de 466 tecnologia aliada a educação. Tanto na educação a distância quanto na presencial o processo educacional (FERRAZ, 2010). O processo do ensino-aprendizagem e suas respectivas metodologias se baseiam na ideia de que as pessoas aprendem e logo mudam seu comportamento, pois a pedagogia utilizada é fundamentada em epistemologia ou teoria do conhecimento. Ainda que hajam muitas opções pedagógicas as três mais polemicas são a pedagogia de transmissão, a do condicionamento e da problematização. E destas três opções de pedagogia, a que detém superioridade é a da problematização. Importante mencionar que existe também um novo método de aprendizagem ativa que é o da Sala de Aula Invertida, que será tratado mais adiante neste estudo. Trata-se de um tipo hibrido de ensino, ou seja, uma combinação de recursos online, de onde se extrai vantagens para o ensino aprendizagem. Os professores utilizam de potencialidades tecnológicas para melhor interagir com os alunos, aproveitando com maior qualidade o tempo em sala de aula, centrando naqueles estudantes com maior dificuldade e oferecendo uma educação personalizada tornando possível que os alunos avancem na aprendizagem em ritmos diferentes criando uma sala de aula do século XXI. (BERGMANN; SAMS, 2016). 4.1. O papel do professor na sala de aula Percebe-se que a prática docente não pode ser entendida somente como o ato de transmitir conhecimentos. É essencial, deveras pois a formação pedagógica, didática, técnica, prática, 467 científica e política. Perrrenoud (2000, p. 13) entende que: os professores devem “[...] dominar os saberes a serem ensinados, ser capazes de dar aulas, de administrar uma turma e de avaliar (...) administrar a progressão das aprendizagens ou em envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho”. Embora haja críticas em relação a postura do professor na sala de aula, eles sabem que o Ensino Superior é desafiador e precisa ser inventado ou reinventado diariamente. E quando isto ocorre verdadeiramente as aulas passam a ser mais vivas e interessantes e o ensino é mais eficaz. Na visão de Nogueira e Oliveira (2011, p.10): “O fato que ocorre é que grande parte dos professores universitários ainda vê o ensino principalmente como transmissão de conhecimento através das aulas expositivas”. Cumpre-nos explicar que o docente em sua formação precisa desenvolver a autocrítica, e deste modo ele será capaz de analisar o seu processo de ensino e adquirir maior capacidade e competência. Considerando que para esta análise competência não está reduzida somente à ideia de desempenho, neste caso o desempenho indica a competência e ultrapassa o saber fazer. Ademais a capacidade de um professor não pode ser avaliada somente pelo conhecimento que ele possui, e sim pelo conjunto que envolve conhecimentos e habilidades para realizá-los. Cabe ao professor, quando se encontrar em situação inédita, saber interpretar novas formas de atuação na sala de aula, pois o seu sucesso na solução da situação dependerá de outras habilidades, além, somente, do seu conhecimento propriamente dito. Outro episódio que soa pertinente, é realizar, com certa frequência, um balanço de suas capacidades, isto é, saber 468 exatamente a experiência que possui, quais carências permanecem, quais as pretensões de conquistas e como colocá-las em prática para se alcançar a confiabilidade desejada. Para Berbel (2012, online): “O professor deve adotar a perspectiva do aluno, deve acolher seus pensamentos, sentimentos e ações, sempre que manifestados, e apoiar o seu desenvolvimento motivacional e capacidade para autorregular-se”. É relevante ressaltar, que a relação professor-aluno é o cerne do processo de aprendizagem em nível universitário, pelo fato de estabelecer o elo da construção do conhecimento ao comprometimento. E quando isto ocorre verdadeiramente as aulas passam a ser mais vivas e interessantes e o ensino é mais eficaz. As metodologias por mais promissoras que sejam, por si só não são capazes de transformar o mundo ou a educação, muito menos promover a motivação autônoma dos alunos. Para que as metodologias ativas se tornem efetivas, primeiramente é preciso que professores e alunos as assimile e as compreenda, pois são muitas as condições dos professores, dos alunos e também do cotidiano escolar que podem dificultar ou impedir sua finalidade. 4.2. Desafios e perspectivas Conforme demonstrado, anteriormente neste estudo, que o docente no ensino superior necessita rever sua prática pedagógica e realizar nelas, mudanças para que os alunos se comprometam mais com o aprendizado. Ser professor universitário é um desafio, principalmente porque implica dividir 469 com os alunos o processo ensino aprendizagem, alterando assim a disposição tradicional “professor ensina” “aluno aprende”. Dentre os condicionantes da sala de aula e intervenção pedagógica no curso superior, o ensino precisa acontecer de modo genérico e comum ao mesmo tempo, gerando desenvolvimento integral dos temas traçados, e as linhas investigativas estarem relacionadas com os quatro pilares da educação (aprender a conhecer, a fazer, a conviver e a ser) indicados no Relatório de Jacques Delors, realizado pela Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, elaborado no ano de 1996 em que especialistas em educação de diferentes países traçaram orientações sobre a educação mundial, para a harmonia social e formação de sujeitos capazes de se adaptarem às transformações sociais (DELORS, 2003). Na constatação de Freire e Horton (2003, p. 107/108): “[...] para encorajar as pessoas a agirem, o desafio tem que ser um desafio radical. Não pode ser uma pequena reforma simplista que os reformadores acham que irão ajudá-los”. E prossegue observando que: “É preciso que seja algo que eles saibam por excelência própria que seria, possivelmente, capaz de trazer mudanças”. E conclui que se as pessoas puderem “ver alguma coisa desafiante, algo que, a seu ver, mudaria realmente as coisas para eles, e se eles puderem ver um caminho no qual fosse possível caminhar na direção de seu objetivo” então algo poderia ser feito. O Relatório Delors (2003, p. 96) traz perspectivas para a educação: “[...] apresenta soluções inovadoras e as mais modernas práticas de sala de aula”, supera a abordagem tradicional e oferece a ideia de que no seu trabalho o professor deve estra pronto para 470 agir em diferentes circunstâncias e possuir atributos como competência e capacidade rápida de adaptação as mais diferentes situações e pessoas, que é o “aprender a fazer”, melhorando e aperfeiçoando seu desempenho. “Trata-se, frequentemente, mais de uma qualificação social do que de uma qualificação profissional”. O grande desafio e perspectiva do professor é oferecer um desempenho pedagógico verdadeiramente superior, trabalhando o hoje para o futuro e o bem-estar da população. Exercendo seu papel com responsabilidade e como cidadãos preocupados com o que está por vir, pois vivemos numa era que a dinâmica social leva o ensino a uma constante transformação e para acompanhá-lo, é preciso que o docente inova seu papel com a consciência, que para Delors (2003, p. 104): “[...]os saberes penetram e enriquecem os outros”. 5. Metodologias ativas no ensino jurídico A formação docente universitária brasileira não é regulamentada como um curso específico, conforme acontece no ensino básico, assim sendo as IES deveriam desenvolver programas de preparação de seus professores para o exercício da docência, aprimorando metodologias através de uma revisão crítica. Pelo fato de muitos deles possuírem vasta experiência jurídica, mas estarem despreparados cientificamente para o ensino aprendizagem quando estão em sala de aula. A docência jurídica quando despreparada, sem formação pedagógica e sem qualidade no ensino de graduação com aulas 471 improvisadas necessita de inovações no campo da didática melhorando sua competência profissional e metodológicas de ensino, com novas posturas técnicas e efetivas de ensino com reflexão desafiadora de seu papel. Para Freire e Horton (2003, p. 107/108): “[...]o desafio tem que ser um desafio radical (...) que eles saibam por excelência própria que seria, possivelmente, capaz de trazer mudanças”. Para lecionar disciplinas jurídicas é preciso trabalhas teóricometodologicamente com boa formação pedagógica organizada em processo teórico-científico e técnica de professor competente para ensinar. Para Martinez (2015 online): “A ausência de exigências qualitativas para a profissão de professor de Direito favoreceu a lei do mercado do “ensino livre”, permitindo a fácil expansão quantitativa do ensino jurídico no aspecto da oferta de mão-deobra docente”. No ensino jurídico as metodologias precisam acompanhar os objetivos pretendidos. Deste modo para que tenhamos estudantes proativos, precisamos adotar metodologias cada vez mais envolventes e complexas. Levando-se em conta que as metodologias são pontos de partida para reflexão, integração e reelaboração de novas práticas. Teóricos como Dewey (1950), Freire (2003), Perrenoud (2000); entre outros, destacam o valor de superar a educação tradicional e repensar o ensino. Assim sendo o professor do ensino jurídico deve desenvolver sua autocrítica, avaliar o seu processo de ensino refletindo sobre si mesmo, e conhecer profundamente a singularidade de seu trabalho na sala de aula para como isso elaborar estratégias de atos mais adequados. 472 5.1. Metodologias tradicionais De acordo com Almeida (2015, online) “O método tradicional de ensino surgiu no século XVIII, a partir do Iluminismo. Tinha como principal objetivo expandir o acesso ao conhecimento. Esse método possui um modelo firmado e certa resistência para aceitar inovações”. E as escolas que adotam este método, entendem que o aluno ao se formar terá uma bagagem crítica e criativa. Durante o curso o professor mantém distância de seu aluno, sendo este somente um ser passivo, cumprindo apenas o que lhe é instruído. Para ele: “Os métodos tradicionais têm como objetivo a transmissão de conteúdo definidos, onde a variedade e a quantidade de noções, conceitos e informações prevaleçam sobre a formação do pensamento reflexivo”. Nos métodos tradicionais o professor fica engessado numa realidade ilimitada, não permitindo que o professor seja reflexivo e foque em aulas participativas e acolhedoras, o que leva o aluno ao fracasso, já que o mesmo também não será crítico e reflexivo, se tornando apenas mecanizado, isto é, apenas repete o que o professor lhe transmitiu. O professor precisa estar aberto às indagações dos alunos, pois esta é a finalidade da pedagogia, pois esta, por tradição é reconhecida como a arte e a ciência de ensinar. O professor que reflete sobre sua prática pedagógica e aplica métodos inovadores da didática do ensino superior, como por exemplo, pesquisas que abrangem o meio social desenvolve uma maior capacidade crítica e reflexiva em seus alunos. A abertura intelectual é significativa na troca de experiência e cultura 473 entre professor e estudante, já que as práticas e conversas reflexivas colaboram para a compreensão e troca de conhecimento. Numa perspectiva geral, entende-se que os professores do ensino superior necessitam desenvolver competências profissionais, para que seus alunos tenham melhor formação crítica. E para que isto ocorra, primeiramente devem ser substituídas as formas tradicionais de ensino atualmente utilizadas, pelas metodologias ativas de ensino-aprendizagem como recurso didático na prática docente diária, nos casos em que o docente domina o tema da aula, contudo não encontra meios de abordá-lo facilitando a aprendizagem. Bergmann e Sams (2016) entenderam que quando lecionavam no modelo tradicional, grande parte da atenção era voltada para os alunos mais brilhantes e com maior facilidade de compreensão do conteúdo, e os demais alunos só participavam como ouvinte. E que com a metodologia da sala de aula invertida, é possível que o professor realize atendimentos individuais e colaborativos àqueles estudantes que possuam dificuldades de aprendizagem. Para provocar a evolução, o desenvolvimento e o amadurecimento na gestão da educação superior no Brasil, e ir além do rigor técnico científico permitindo o diálogo espontâneo, também uma metodologia de conduta de projeto que Boutinet (2002) associado à pesquisa, à extensão e à responsabilidade social. Unindo os recursos do professor e do aluno, ambos se empenhando numa ação de mudança. O método de projetos agrega atividades de ensino, pesquisa e extensão e objetiva lutar contra o artificialismo da escola 474 e a aproximando da realidade da vida. Em busca de premissas voltadas para a educação, um modelo inspirador de um projeto técnico e humano que assenta na inovação radical e com potencial significância, que a nova epistemologia conduz a elaboração de modelos de projetos com objeto social, inspirado em projeto técnico e humano. Para Boutinet (2002, p.148/149): “Trata-se de situá-lo em sua evolução finalizada, através do ou dos projetos que ele estabelece para si. Não se trata mais de analisar um sistema, mas de concebê-lo”. O caráter profissional da formação do docente, de acordo com Boutinet (2002), deve ser norteado por quatro premissas básicas de condutas para a construção e condução dos projetos do curso e da aula e sobre quais conhecimentos e atitudes empreender. Para o autor os pressupostos de uma metodologia de projeto são: Unicidade da elaboração e da realização; a singularidade de uma situação a ser ordenada; a gestão da complexidade e da incerteza e A exploração da oportunidade em um ambiente aberto. E neste último caso requer um novo olhar para esse ambiente: “Há algo a fazer, algo a ordenar, mudar aquilo que poderá ser feito, ordenado ou mudado por uma ação deliberada que deve ser antecipada o melhor possível”. (BOUTINET, 2002, p. 236). 5.2. Metodologia ativa da sala de aula invertida A tecnologia da informação e da comunicação através da internet, quando unidas às atividades realizadas na sala de aula oferece um ensino híbrido, ou seja, uma modalidade chamada de blendedlearning, em que o aluno utiliza recursos online 475 interagindo com outros alunos e com o professor. A metodologia da sala de aula invertida ou FlippedClassroom deriva do blendedlearning. Este enfoque híbrido de ensino apresentado pelo educador americano Salman Khan, foi desenvolvida no Brasil por Jonathan Bergmann e Aaron Sams em 2007, com o objetivo de solucionar o problema de estudantes faltosos nas aulas e que perdiam o conteúdo ministrado pelo professor, ficando atrasados com relação ao restante da classe. Daí estes dois professores resolveram gravar a parte expositiva de suas aulas, para ajudar estes alunos e também para não repetir diversas vezes a mesma explicação. Os educadores e estudantes de Estados Unidos ficaram animados com os vídeos realizados por Bergmann e Sams e com o seu novo formato de ensinar e aprender. “Basicamente, o conceito de sala de aula invertida é o seguinte: o que tradicionalmente é feito em sala de aula, agora é executado em casa, e o que tradicionalmente é feito como trabalho de casa, agora é realizado em sala de aula”. (BERGMANN; SAMS, 2016, p. 11). Através deste modelo de aula, os conteúdos são realizados fora da sala de aula, os alunos estudam por meio de vídeo aula, leituras de materiais anteriormente disponibilizados pelo professor, e o tempo na sala de aula é usado para realizar atividades mais práticas, como por exemplo resolução de problemas, debates em grupo, projetos, laboratórios, entre outros. E assim, os alunos praticam o que aprendeu com a assistência e supervisão do professor que atua também como tutor e orientador. 476 É importante mencionar que, este tipo de metodologia ativa não se limita apenas a gravar e disponibilizar vídeos, ela também proporciona que o aluno seja responsável pela autonomia de seu aprendizado e dento do seu ritmo. E o professor com a responsabilidade de levar aos estudantes as informações adquiridas, diferente do ensino tradicional, devido a seu maior aproveitamento do tempo de aula e também porque a metodologia da sala de aula invertida aos estudantes destes novos tempos, parece ser mais adequada. A metodologia da sala de aula invertida pode ser usada no ensino médio ao superior em todas as áreas curriculares. A professora Jennifer Douglas, Westside High School, nos EUA relata que: “Lecionar sob o modelo tradicional era exaustivo. Eu me sentia como se tivesse de “representar um papel”, o que exigia energia, entusiasmo e esforço constantes” Segundo a professora: “Quando experimentei o modelo da inversão, senti-me livre. Consegui entrar em aula para observar o trabalho dos alunos”. Ela ainda ressalta que: “trabalhando com os estudantes que enfrentam dificuldades; lidando com problemas de alunos que eu nunca tratei antes; e realmente passando a conhecer os estudantes. Apenas o ônus da aprendizagem mudou de mãos”. (JENNIFER DOUGLAS apud BERGMANN; SAMS, 2016, p. 15). Com este modelo de metodologia é proposto uma inversão da aprendizagem e o ensino fica personalizado, observando possíveis deficiências ou dificuldades de aprendizado do estudante e assim ampliar seu rendimento. Já que a aula gira em torno do aluno, eles têm o compromisso de fazer perguntas mais 477 adequadas, pois o professor está presente para dar o feedback especializado, amparar o aluno e esclarecer dúvidas. Para os autores, na sala de aula invertida ocorre um trabalho em conjunto, onde os alunos tiram dúvidas uns com os outros e dependem menos dos professores. Complementando sua linha de raciocínio eles afirmam que: “Ao perambularmos pela sala de aula, nós testemunhamos a criação de seus próprios grupos de colaboração. “Eles passam a se ajudar, em vez de dependerem exclusivamente do professor como único disseminador do conhecimento”. (BERGMANN; SAMS, 2016, p. 24). Esta inovação metodológica da sala de aula invertida se vale da tecnologia para um melhor desenvolvimento da aula, por ser um método diferente do tradicional, ainda pouco difundido no Brasil, mas com grande destaque nas escolas e universidades no exterior. Esta metodologia não inverte apenas a estrutura do processo de aprendizagem, ela também muda os papeis dos discentes e docentes, de tal modo que o professor tenha mais interação com seus alunos conhecendo-os melhor, e eles por sua vez, passam de meros ouvintes à participantes responsáveis por sua aprendizagem. 5.3. A precarização do docente superior As dificuldades mais salientes e que precisam ser superadas pela classe docente, no processo de alienação de seus trabalhos, são várias, dentre elas encontra-se a crescente demanda de professores do ensino superior, a criação indiscriminada de cursos de licenciatura e bacharelado, aliada a desvalorização social, 478 salarial e acadêmica da profissão. Além do forte desprestígio que muitas vezes é marcado por sentimentos como o de inferioridade, mediocridade e incapacidade que muito contribui. É necessária uma redefinição de critérios do trabalho do profissional docente, com base na compreensão de que os professores têm direito à condições adequadas de uma política que os privilegie com salários dignos autonomia profissional, com planejamento e reflexão sistematizada da prática adequada para a realização de suas aulas. Para assim efetivamente iniciar o processo de construção da identidade docente. A representação social da profissão ligada às atividades da educação nas instituições de ensino, está com sua identidade comprometida, pelo fato também da mercantilização da educação superior neste país às custas do trabalho docente que continua sendo marcado pela flexibilização de contratos trabalhistas precários e informais à margem da lei, criando um número de professores em sua grande maioria despreparados academicamente. Estes são fundamentos históricos da precarização do trabalho docente superior. (BOSI, 2007). Para Diniz Pereira (2011, online) a bem da verdade, a crise da identidade do profissional docente, passou a ser percebida, quando o professor perdeu a respeitabilidade diante da “[...] complexidade dos desafios do fazer pedagógico e da descoberta do prazer proporcionado pelas relações pessoais que a dinâmica de sala de aula oportuniza”. A grande maioria dos docentes do ensino superior se sentem improdutivos, sem justa recompensa monetária, com autonomia intelectual perdida, sem capacitação e preparação. 479 Mudar este cenário é condição necessária e urgente para esta categoria de profissionais. 5.4. Aplicação de metodologias ativas no ensino jurídico A formação dos profissionais docentes da área jurídica tem sido com base no uso de metodologias conservadoras e tradicionais, sem grande especialização e eficiência técnica. O que torna o ensino-aprendizagem corrompido e limitado a reprodução do conhecimento pelo professor que atua como transmissor de conteúdo, enquanto os estudantes os retêm e repetem os mesmos sem nenhuma crítica e reflexão. Em virtude disto, e também pelo fato de as relações estarem se tornando mais dinâmicas, tem-se percebido a necessidade de mudanças urgentes no ensino do Direito, visando reconstruir seu papel social. De fato, a graduação jurídica dura somente alguns anos ao passo que a atividade profissional pode continuar por décadas e com ela as informações recebidas e aptidões transformadas muito rápido, e em virtude disso faz-se necessário refletir sobre uma metodologia capaz de ampliar o ensino para o tornar mais prático e libertador na compreensão e formação do jurista e com isso este “aprender a aprender”, como mostrado nos quatro pilares para educação do Relatório Delors (2003). Na maioria dos cursos de Direito as diretrizes curriculares sugerem a avaliação como atividade permanente do ensinoaprendizagem e esta acompanha os avanços dos universitários e suas dificuldades. Avaliar a aprendizagem utilizando a prova como ferramenta normativa somente para dar a nota e constatar o que o 480 aluno aprendeu ou não e seguir adiante não é correto. É preciso entender que a avaliação não serve apenas para medir o conhecimento que o aluno adquiriu. Para Feltran (2002, p. 75): “Circunscrita ao foco pedagógico e da formação profissional, a avaliação deve atingir as ações do professor em sala de aula, no tocante aos métodos pedagógicos e às sequências das ações pedagógicas, bem como ao desempenho escolar do estudante”. A avaliação deve ser utilizada de maneira ampla, provocando reflexões críticas sobre sua prática, seus progressos, resistências e dificuldades. A avaliação deve ser inovadora, fundamentando-se na colaboração de nova formação através de um trabalho planejado e executado com a participação de todos os envolvidos. Feltran (2002, p. 75) explica que: “A avaliação, definida como instrumento de aprendizado, coloca-se em posição nova, apresentando-se com pressupostos e características intimamente ligadas aos objetivos educacionais e à missão da universidade”. Nesse sentido, a graduação jurídica contemporânea, carece de formar estudantes capazes de se auto gerenciar e autogovernar, de tal modo que possibilite a integral atenção a seus estudos, e o ensino ter mais qualidade e eficiência. Contudo, para que isso ocorra efetivamente, as abordagens pedagógicas devem ser aplicadas mais progressivamente no ensino-aprendizagem no campo do Direito para construir profissionais com maior capacidade ética, política e técnica sobretudo dotados de conhecimento, raciocínio, critica, responsabilidade e em especial de sensibilidade para as questões sociais e capacidade de intervir em contextos incertos e complexos. 481 As duas espécies de aprendizagem significativa são: a existência de um conteúdo expressivo e a atitude favorável para a aprendizagem; neste último caso é a postura do aluno e sua estrutura cognitiva. É por isto que na aprendizagem mecânica não há como estabelecer afinidades entre o que é novo e o que já foi aprendido. Com efeito, a aprendizagem significativa está estruturada na continuidade. Paulo Freire (1999) chama de “método anti-humanista do educador pragmático neoliberal”, para ele trata-se de “treinador, exercitador de destreza e transferidor de saberes” o que torna o ensino insensível e técnico e o aluno acomodado. A nova metodologia ativa da Sala de Aula Invertida, tem potencialidade para revolucionar o futuro da educação jurídica brasileira, porque torna o processo de aprendizagem mais completo e eficaz, porque coloca o aluno como protagonista do processo ensino aprendizagem. Ao estudarem, anteriormente, um tema específico, os alunos ficam mais preparados para o debate e argumentação posterior na sala de aula. Isto inverte a transmissão do conhecimento, que no ensino tradicional o estudante, mero sujeito passivo de escutar o professor, realizar as atividades e em casa estudar para a prova. (BERGMANN; SAMS, 2016). O mestre Perrenoud (2000, p. 14) em sua obra “Dez Novas Competência para Ensinar” explora exaustivamente as competências imprescindíveis ao trabalho do professor. O autor propõe aos docentes desenvolverem as seguintes competências: Organizar e dirigir situações de aprendizagem. Administrar a progressão das aprendizagens. Conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação. Envolver os alunos em suas 482 aprendizagens e em seu trabalho. Trabalhar em equipe. Participar da administração da escola. Informar e envolver os pais. Utilizar novas tecnologias. Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão. Administrar sua própria formação contínua. Para o autor isto significa “educar para a cidadania”. É importante que o professor conheça os conteúdos com fluência satisfatória para uma melhor abordagem e transposição do ensino aprendizagem. Considerando que os alunos de curso superior possuem características diferenciadas de informação, capacidade, empenho e situação socioeconômica. Portanto, cabe ao docente a tarefa de administrar esta heterogeneidade atendendo às diferenças e as transformando num tratamento homogêneo na sala de aula. Perrenoud (2000, p. 151) recomenda: “saber analisar as relações intersubjetivas é uma dimensão importante da prática reflexiva”. Cabe ao professor do ensino superior, em especial àquele da graduação jurídica, promover reflexões continuadas e análise de suas práticas, de sua relação professor-aluno, aproveitado dos diálogos e debates sobre temas pertinentes enriquecidos numa visão interdisciplinar. Também se faz útil a realização de uma autoanalise e auto avaliação para saber quais carências persistem e com isso reeducar-se. 6. Considerações finais Pelo exposto, fica claro que a utilização das metodologias ativas no ensino superior, como recurso didático para a formação crítica do aluno universitário, consiste numa prática pedagógica 483 com participação democrática e aprendizagem significativa. Através da aplicação das metodologias ativas aliadas a práticas reflexivas e empenho do docente é possível haver autonomia e diálogo diante dos conflitos naturais do ensino universitário. Vimos através deste estudo que o conhecimento das metodologias ativas, em muito auxilia os professores e significa contribuir com seus trabalhos, pois o uso delas demonstram grande eficácia no processo de ensino aprendizagem, ao realçar a possibilidade de integração entre aluno e professor, e isto é significativo, considerando que a participação coletiva e democrática é fundamental na atual conjuntura que vivemos. Podemos destacar ainda que metodologias ativas de ensino- aprendizagem, incluindo a da Sala de Aula Invertida têm potencial para revolucionar o futuro da educação, por suas contribuições e benefícios cada vez mais usados por professores mundo afora. E que ao serem aplicadas no curso de Direito, delimitam um marco conceitual eficiente, para o docente projetar, analisar e avaliar a compreensão do aluno, despertando nele a vontade de aprender e continuar aprendendo o que é essencial para o sucesso da relação ensino aprendizagem. 7. Referências ALMEIDA. Hélio Mangueira de. A Didática no Ensino Superior: Práticas e Desafios In:Estação Científica - Juiz de Fora, nº 14, julho – dezembro / 2015. Disponível 484 em: http://portal.estacio.br/docs%5Crevista_estacao_cientifica/E DITORIAL14.pdf.Acesso em: Acesso em: 02 abr 2018. BERBEL. Neusi Aparecida Navas. A metodologia da problematização com o Arco de Maguerez: uma perspectiva teórica e epistemológica. 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