COLEÇÃO CAMINHOS
METODOLÓGICOS DO DIREITO
CAPÍTULO VII
CONJECTURAS ATIVISMO
E PROPOSIÇÕES
E PROTEÇÃOCRÍTICAS SOBRE A
O VEGANISMO
EDUCAÇÃO EANIMAL:
O
ENSINO
JURÍDICO NO BRASIL
COMO AÇÃO INDIVIDUAL
PELA CONSAGRAÇÃO DO
DIREITO DOS ANIMAIS
FABRÍCIO VEIGA COSTA
IVAN DIAS DA MOTTA
SÉRGIO HENRIQUES ZANDONA FREITAS
FABRÍCIO VEIGA COSTA
IVAN DIAS DA MOTTA
SÉRGIO HENRIQUES ZANDONA FREITAS
Organização
COLEÇÃO CAMINHOS METODOLÓGICOS
DO DIREITO
CONJECTURAS E PROPOSIÇÕES CRÍTICAS
SOBRE A EDUCAÇÃO E O ENSINO
JURÍDICO NO BRASIL
PRIMEIRA EDIÇÃO
Maringá – PR
2018
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
C751
Conjecturas e proposições críticas sobre a
educação e o ensino jurídico no Brasil /
organizadores, Fabrício Veiga Costa, Ivan
Dias da Motta, Sérgio Henrique Zandona
Freitas. – 1. ed. – Maringá, Pr: IDDM,
2018.
495 p. - (Coleção caminhos metodológicos do
direito)
Modo de Acesso: World Wide Web:
<https://www.uit.br/mestrado/>
ISBN: 978-85-66789-72-0
1. Direito à educação. 2. Educação. 3.
Inclusão – Política pública. 4. Educação
ambiental. 5. Direitos da personalidade. I.
Título.
CDD 22.ed. 344.07
Rosimarizy Linaris Montanhano Astolphi – Bibliotecária CRB/9-1610
Todos os Direitos Reservados à
Rua Joubert de Carvalho, 623 – Sala 804
CEP 87013-200 – Maringá – PR
www.iddmeducacional.com.br
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Copright 2018 by IDDM Editora Educacional Ltda.
CONSELHO EDITORIAL:
Prof. Dr. Alessandro Severino Valler Zenni, Professor da
Universidade Estadual de Maringá (UEM).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5969499799398310
Prof. Dr. Alexandre Kehrig Veronese Aguiar, Professor Faculdade
de Direito da Universidade de Brasília (UnB).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2645812441653704
Prof. Dr. José Francisco Dias, Professor da Universidade Estadual
do Oeste do Paraná, Campus Toledo.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9950007997056231
Profª Drª Sônia Mari Shima Barroco, Professora da Universidade
Estadual de Maringá (UEM).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0910185283511592
Prof.ª Drª Viviane Coelho de Sellos-Knoerr, Coordenadora do
Programa de Mestrado em Direito da Unicuritiba.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4609374374280294
Profº Drº Fabrício Veiga Costa, Pós-Doutor em Educação.
Professor de Direito da PUC-MG
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7152642230889744
APRESENTAÇÃO
O livro intitulado “CONJECTURAS E PROPOSIÇÕES
CRÍTICAS SOBRE EDUCAÇÃO E ENSINO JURÍDICO NO
BRASIL” visa divulgar a produção cientifica do GRUPO DE
PESQUISA CAMINHOS METODOLÓGICOS DO DIREITO,
sob coordenação do professor doutor Fabrício Veiga Costa,
vinculado ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Proteção dos Direitos Fundamentais da Universidade de
Itaúna.
Tal grupo de pesquisa tem como objetivo fomentar
estudos, pesquisas e discussões na àrea de educação, ensino
jurídico e metodologias ativas. Reuniões ampliadas são
desenvolvidas periodicamente com mestrandos, doutorandos,
graduandos e pesquisadores que integram outros programas de
pós-graduações stricto sensu em Direito, como é o caso do
professor doutor Frederico de Andrade Gabrich (FUMEC);
professor doutor Ivan Dias da Motta (UNICESUMAR); professor
doutor Sérgio Henriques Zandona Freitas (FUMEC); professor
doutor Horácio Wanderlei Rodrigues (Pesquisador do CNPQ e da
Fundação Meridional); professor doutor Fernando Antônio da
Silva Alves (UERN); professor doutor Paulo Velten (UNIFLU):;
professora
doutora
Valéria
Silva
Galdino
Cardin
(UNICESUMAR); Valmir César Pozzetti (Universidade Federal do
Amazonas).
Trata-se de obra organizada por professores de três
programas de pós-graduação stricto sensu em Direito, quais
sejam: a) professor Fabrício Veiga Costa – doutor em Direito,
pós-doutor em Educação e professor da pós-graduação stricto
sensu
em Proteção dos Direitos Fundamentais da
UNIVERSIDADE DE ITAÚNA; b) professor Ivan Dias da Motta
– doutor em Direito, professor do Mestrado em Direito da
UNICESUMAR e membro da ABED (Associação Brasileira de
Ensino do Direito); c) professor Sérgio Henriques Zandona
Freitas - doutor e pós-doutor em Direito, professor do Mestrado
em Direito da Universidade Fumec. Tais pesquisadores, visando o
estreitamento dos grupos de pesquisa por eles coordenados em
seus respectivos programas, promovem e incentivam o debate
jurídico-constitucional de temas relacionados ao ensino jurídico
no Brasil.
A interlocução cientifica da pós-graduação stricto sensu
em Proteção dos Direitos Fundamentais da Universidade de
Itaúna, Unicesumar e Fumec, com a graduação e pós -graduação
lato sensu em Direito, além do estreito diálogo existente com
grupos de pesquisas existentes em outros programas de pósgraduação stricto sensu em Direito constitui o objetivo central dos
pesquisadores envolvidos nesse projeto.
Ressalta-se o apoio da FAPEMIG (Fundação de Amparo
à Pesquisa do Estado de Minas Gerais, pontualmente na
contribuição dos estudos orientados e conduzidos pelo professor
Sérgio Henriques Zandona Freitas. Além disso, a edição contou
com o apoio financeiro da UNIVERSIDADE DE ITAÚNA,
FUMEC E UNICESUMAR, bem como o apoio institucional à
pesquisa pela parceria com a FUNDADESP (Fundação Nacional
de Desenvolvimento do Ensino Superior Particular).
Fabrício Veiga Costa
Doutor em Direito – Pucminas. Pós-Doutor em Educação –
UFMG. Professor da Pós-Graduação Stricto Sensu em Proteção em
DireitosFundamentais da Universidade de Itaúna - CV:
http://lattes.cnpq.br/7152642230889744
Ivan Dias da Motta
Doutor em Direito. Professor da Pós-Graduação Stricto Sensu em
Direito
da
UNICESUMAR
CV:
http://lattes.cnpq.br/1508111127815799
Sérgio Henriques Zandona Freitas
Doutor em Direito – Pucminas. Pós-Doutor em Direito – Unisinos
e Pós-Doutorando em Direito - Universidade de Coimbra.
Professor da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da
Universidade
Fumec
CV:
http://lattes.cnpq.br/2720114652322968
PREFÁCIO
Prefaciar este sexto livro “Conjecturas e proposições
críticas sobre educação e ensino jurídico no Brasil” da Coleção
Caminhos Metodológicos do Direito é uma honra, ao mesmo
tempo que também uma grande responsabilidade em face do
sucesso alcançado nos volumes anteriores. Os organizadores,
Professor Fabrício Veiga Costa; Professor Ivan Dias da Mottae o
Professor Sérgio Henriques Zandona Freitasao elegerem o tema
educação e o ensino jurídico no Brasil trazem à colação textos que
apresentam a necessária profundidade e densidade para a
valorização da pesquisa científica e que se relacionam a um eixo
temático comum com a premissa da educação como um direito de
todos e dever do Estado que se irradia sobre direitos e garantias
fundamentais.
O primeiro artigo intitulado “A importância do registro
civil de nascimento na formação da identidade e sua
individualização” de autoria de Andréia Cristina dos Santos
Honorato de Almeida e Ivan Dias da Motta, aborda o direito ao
nome, bem como a formação da identidade do indivíduo, a partir
da análise de questões referentes aos direitos da personalidade e ao
direito à identidade sob a luz do direito civil-constitucional. O
ponto central está norteado no direito à identidade, enquanto
direito personalíssimo e a autonomia jurídica sobre o direito ao
nome, a partir da análise do direito ao registro civil de nascimento,
já que a vida é a prova da própria existência física da pessoa
humana, mas a prova jurídica de sua existência decorre a partir do
registro civil de nascimento e expedição da certidão de nascimento.
O segundo artigo “Da promoção da diversidade sexual
nas escolas: do ambiente escolar inclusivo e do dever de educar
para além da ideologia hetero-cis-normativa”, da lavra de Valéria
Silva Galdino Cardin e Caio Eduardo Costa Cazelatto, a tônica é a
relação entre a escola e a promoção do direito à diversidade sexual.
Os autores demonstram como o ambiente escolar pode participar
na promoção e respeito às diferentes manifestações sexuais
enquanto um direito fundamental bem como da personalidade
com o objetivo de promover a redução da desigualdade e do
preconceito na sociedade hodierna.
No texto “O resgate da cidadania planetária através da
Educação Ambiental” os autores Márcio Alexandre Silva e Valmir
César Pozzetti refletem quanto à esgotabilidade dos recursos
existentes no ambiente físico natural no qual está inserido. Os
autores buscam demonstrar que o restabelecimento do equilíbrio
da relação do ser humano com a natureza deve partir da educação
ambiental pois somente dessa forma o homem poderá atuar como
elemento transformador da cidadania para se garantir o bem-estar
planetário.
O quarto artigo com o verbete “Educação em direitos
humanos: marcos legais e (in)fetividade” de Horácio Wanderlei
Rodrigues e Fernanda Brandão Lapapropõe reflexões acerca da
Educação em Direitos Humanos no âmbito da educação formal,
em especial da educação para a cidadania e formação de
professores. Os autores destacam no âmbito da educação para
cidadania e formação de professores alguns pontos como o
protagonismo do aluno, interdisciplinaridade e transversalidade; e
ainda, a relação professor-aluno. Já na formação para os
operadores do Direito, ressalta-se a importância do ensino do
direito positivo e dos Direitos Humanos no ensino jurídico.
Paulo Velten e Brunela Vieira de Vincenzi optam pela
análise sobre “O modus operandi da ditadura militar e a segurança
nacional” com destaque ao contexto histórico do Golpe Militar de
1964, de como a doutrina da Segurança Nacional influenciou e
continua influenciando o comportamento do Poder Judiciário
Brasileiro, suas implicações jurídicas e sociais. Os autores fazem
uma análise da doutrina da segurança nacional, baseada na
doutrina norte-americana de segurança nacional que entendem ser
um ponto relevante para o diagnóstico do estado atual da violência
no Brasil.
O sexto artigo “A educação a distância como instrumento
de inclusão social reafirmando o direito fundamental à educação”,
de Elaine Aparecida Barbosa Gomes eMárcio Eduardo Senra
Nogueira Pedrosa parte de uma abordagem atual e original sobre a
modalidade de educação a distância (EaD) que permite a inclusão
social dos indivíduos que não teriam outra possibilidade de realizar
um curso em nível superior. Para os autores, o objetivo é discutir,
à luz do Direito Fundamental à educação, o espaço de
aprendizagem virtual como forma de democratizar o acesso ao
ensino superior.
“O ensino religioso nas escolas públicas sob a perspectiva
dos direitos fundamentais à liberdade religiosa e à laicidade do
Estado brasileiro”de Virgínia Lara Bernardes Braz e Fabrício Veiga
Costa, a seu turno, encara a questão da religiosidade, na perspectiva
constitucional, levando em conta dois conceitos fundamentais: a
liberdade religiosa e a laicidade do Estado brasileiro. Para os
autores, a Constituição Federal de 1988 estabelece que deve ser
oferecida pelas escolas públicas a disciplina de “ensino religioso”,
embora a matrícula seja facultativa. Por último, questionam sobre
a forma e a condução do ensino religioso nas escolas públicas. Para
eles, o que se coaduna com o Estado Democrático de Direito, é o
ensino da tolerância com as demais religiões para a formação
crítica do cidadão.
O oitavo artigo intitulado “A atuação da escola enquanto
elemento consolidador de uma sociedade plural” de Thamara
Estéfane Martins Balbino e Deilton Ribeiro Brasil parte da
premissa que a escola é um importante elemento para formação de
novos comportamentos. Os autores questionam se a atuação da
escola vem cumprindo o seu papel de elemento consolidador e
garantidor de uma sociedade plural e democrática.
O texto “Educação para paz como mecanismo de
implementação da justiça social” de Rafaela Cândida Tavares Costa
e Fabrício Veiga Costa, possibilita a compreensão sobre um
conjunto de pesquisas sobre a educação, que tem por objetivo
analisar a paz como uma forma de concretização da justiça social.
Os autores averiguaram que através de metodologias interativas,
abordando a paz como uma possibilidade concreta, há a
possibilidade de uma construção moral e política baseada na
igualdade de direitos e na solidariedade coletiva, ou seja, a justiça
social.
O décimo artigo com o título “Avaliação da
aprendizagem e do ensino: a necessidade de reestruturação dos
métodos avaliativos tradicionais” de autoria de Marco Antônio de
Souza, a abordagem predominante é sobre a necessidade de
reestruturação dos métodos avaliativos tradicionais, como modo
de constituição de um modelo pedagógico de ensino integrado e
didático. Para o autor, o aluno, no atual Sistema de Ensino, é
protagonista no processo ensino-aprendizagem, sendo que o
professor estabelece o papel fundamental de orientação. Conclui
que o paradigma de aprendizagem moderno deve se valer dos
diferentes modelos metodológicos, com vistas a romper com o
tradicional sistema, pautado no ato mecânico de memorizar,
desvinculado do aprendizado.
“Direitos fundamentais dos deficientes: a inclusão social
das crianças com deficiência na escola regular” da lavra de Leandro
Pereira Góis e Fabrício Veiga Costa tece considerações sobre o
acesso das crianças com deficiência à escola formal garante
igualdade entre todos os alunos, representando um dos principais
desafios na área de educação, uma vez que elimina as barreiras da
exclusão e discriminação, que dificultam a aprendizagem de todos
na escola. Os autores em seu trabalho averiguam o problema da
efetividade das políticas públicas em âmbito educacional para
crianças com deficiência na perspectiva da inclusão, levando em
consideração a legislação Internacional, Legislação Constitucional
e a Legislação Infraconstitucional específica. Analisamos um
julgado do Supremo Tribunal Federal (STF).
O décimo-segundo artigo “A construção histórica da
terminologia para se referir às pessoas com deficiência à luz do
direito à dignidade” de autoria de Bruno Martins Teixeira e
Fabrício Veiga Costa trata das terminologias para designar as
pessoas com deficiência, partindo do período pós-Primeira Guerra
até a atualidade, quando se passou a adotar o termo “pessoas com
deficiência”, em 2009. Os autores fazem incursão sobre os
movimentos sociais que motivaram essas alterações,
correlacionando-as com as várias teorias que informam o princípio
da dignidade da pessoa. Concluem que é urgente um maior
investimento em Educação, de forma a incutir nos cidadãos, desde
cedo, o respeito à dignidade de todas as pessoas, com ou sem
deficiência.
O artigo “Gênero e âmbito escolar: necessidade de
ruptura à padronização social” de Maria Laura Vargas Cabral e
Sérgio Henriques Zandona Freitas aborda a necessidade da
discussão acerca da identidade de gênero no âmbito escolar e as
dificuldades enfrentadas pelos docentes. Para eles, há a necessidade
de maior abertura dos espaços estudantis por serem de modo
inconteste um ambiente de participação e integração social,
possibilitando um debate robustecido e de construção de uma
sociedade livre de preconceitos, emancipada e comprometida com
o combate a qualquer forma de opressão.
O décimo-quarto artigo “Uma análise sobre o uso dos
agrotóxicos no Brasil” é um texto de Marcelo Kokke e Izabella Rios
Ferraz de Almeida traz o debate da utilização de agrotóxicos no
Brasil que vem causando severos impactos no meio ambiente e na
saúde do brasileiro. Para os autores, o cenário nacional demonstra
uma comercialização dos agroquímicos cada vez maior, com
produtores rurais totalmente dependentes dos produtos. Os
resultados mostram que o Brasil utiliza dos agrotóxicos de maneira
indiscriminada, sem rígida observância às quantidades,
equipamentos ou formas corretas de aplicação e, ainda, com
deficiente fiscalização estatal para coibir a ação do uso indevido.
O penúltimo texto intitulado “Da extensão universitária
ao ensino médio: experiência e aprendizados do curso de educação
ambiental e desenvolvimento sustentável em 2017” de autoria de
Victória Lourenço de Carvalho e Gonçalves, Ana Alice de Carli e
Pedro Curvello Saavedra Avzaradel, cuida da educação ambiental
(EA), como fator essencial à preservação ambiental e à construção
de uma nova ética que tem suas bases no princípio da solidariedade
e na perspectiva sistêmica e holística. Para os autores, as
universidades desempenham o importante papel de articuladoras
e fomentadoras de conhecimentos que agreguem questões
ambientais, sociais e econômicas.
Por último, o texto “Metodologias ativas no ensino de
graduação na área jurídica” de Rozirene Emetério Leite e Fabrício
Veiga Costa discutem como as transformações sociais têm
colocado em questão, as práticas docentes utilizadas nas
universidades e a necessidade de mudanças metodológicas destes
profissionais. Para os autores, a educação superior contemporânea,
requer dos docentes e discentes atitudes de corresponsabilidade e
autogestão na técnica da aprendizagem. E para tanto, considera
que a forma de ensinar deve estar voltada para as necessidades e
realidades do discente, promovendo sua autonomia, seu potencial
e preparando-o para a vida em sociedade.
Enfim, aqui se encontra o resultado de reflexões
criteriosas sobre variados aspectos da educação e do ensino
jurídico no Brasil, com temas diversos e em várias escalas em que
são estudados propiciam um excelente material de pesquisa, é que
se recomenda a proveitosa leitura.
De Barbacena para Itaúna, inverno de 2018.
Deilton Ribeiro Brasil
Pós-Doutor em Direito pela Università degli Studi di Messina,
Itália. Doutor em Direito pela UGF/RJ. Professor da Graduação e
do PPGD – Mestrado em Proteção dos Direitos Fundamentais da
Universidade de Itaúna (UIT) e das Faculdades Santo Agostinho
(FASA)- CV: http://lattes.cnpq.br/1342540205762285
O conhecimento exige uma presença curiosa do sujeito
em face do mundo. Requer uma ação transformadora
sobre a realidade. Demanda uma busca constante.
Implica em invenção e em reinvenção.
Paulo Freire
SUMÁRIO
Andréia Cristina dos Santos Honorato de Almeida. Ivan Dias da
Motta - A IMPORTÂNCIA DO REGISTRO CIVIL DE
NASCIMENTO NA FORMAÇÃO DA IDENTIDADE E SUA
INDIVIDUALIZAÇÃO........................................................... 19
Valéria Silva Galdino Cardin. Caio Eduardo Costa Cazelatto - DA
PROMOÇÃO DA DIVERSIDADE SEXUAL NAS ESCOLAS:
DO AMBIENTE ESCOLAR INCLUSIVO E DO DEVER DE
EDUCAR PARA ALÉM DA IDEOLOGIA HETERO-CISNORMATIVA.......................................................................... 47
Márcio Alexandre Silva. Valmir César Pozzetti - O RESGATE DA
CIDADANIA PLANETÁRIA ATRAVÉS DA EDUCAÇÃO
AMBIENTAL............................................................................ 80
Horácio Wanderlei Rodrigues. Fernanda Brandão Lapa EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS: MARCOS LEGAIS
E (IN)EFETIVIDADE............................................................ 104
Paulo Velten. Brunela Vieira de Vincenzi - O MODUS
OPERANDI DA DITADURA MILITAR E A SEGURANÇA
NACIONAL........................................................................... 162
Elaine Aparecida Barbosa Gomes.Márcio Eduardo Senra Nogueira
Pedrosa Morais - A EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA COMO
INSTRUMENTO DE INCLUSÃO SOCIAL REAFIRMANDO
O
DIREITO
FUNDAMENTAL
À
EDUCAÇÃO........................................................................... 185
Virgínia Lara Bernardes Braz. Fabrício Veiga Costa - O ENSINO
RELIGIOSO
NAS
ESCOLAS
PÚBLICAS
SOB
A
PERSPECTIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À
LIBERDADE RELIGIOSA E À LAICIDADE DO ESTADO
BRASILEIRO.......................................................................... 208
Thamara Estéfane Martins Balbino. Deilton Ribeiro Brasil - A
ATUAÇÃO DA ESCOLA ENQUANTO ELEMENTO
CONSOLIDADOR DE UMA SOCIEDADE PLURAL......... 242
Rafaela Cândida Tavares Costa. Fabrício Veiga Costa EDUCAÇÃO PARA PAZ COMO MECANISMO DE
IMPLEMENTAÇÃO DA JUSTIÇA SOCIAL...................... 270
Marco Antônio de Souza - AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM
E DO ENSINO: A NECESSIDADE DE REESTRUTURAÇÃO
DOS
MÉTODOS
AVALIATIVOS
TRADICIONAIS.................................................................... 296
Leandro Pereira Góis. Fabrício Veiga Costa - DIREITOS
FUNDAMENTAIS DOS DEFICIENTES: A INCLUSÃO
SOCIAL DAS CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA NA ESCOLA
REGULAR............................................................................... 327
Bruno Martins Teixeira. Fabrício Veiga Costa - A
CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA TERMINOLOGIA PARA
SE REFERIR ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA À LUZ DO
DIREITO À DIGNIDADE.................................................... 354
Maria Laura Vargas Cabral. Sérgio Henriques Zandona Freitas GÊNERO E ÂMBITO ESCOLAR: NECESSIDADE DE
RUPTURA À PADRONIZAÇÃO SOCIAL......................... 381
Marcelo Kokke. Izabella Rios Ferraz de Almeida - UMA ANÁLISE
SOBRE
O
USO
DOS
AGROTÓXICOS
NO
BRASIL.................................................................................... 405
Victória Lourenço de Carvalho e Gonçalves. Ana Alice De Carli.
Pedro Curvello Saavedra Avzaradel - DA EXTENSÃO
UNIVERSITÁRIA AO ENSINO MÉDIO: EXPERIÊNCIAS E
APRENDIZADOS
DO CURSO
DE
EDUCAÇÃO
AMBIENTAL E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL EM
2017......................................................................................... 431
Rozirene Emetério Leite. Fabrício Veiga Costa METODOLOGIAS ATIVAS NO ENSINO DE GRADUAÇÃO
NA ÁREA JURÍDICA............................................................. 456
A IMPORTÂNCIA DO REGISTRO CIVIL DE
NASCIMENTO NA FORMAÇÃO DA IDENTIDADE E SUA
INDIVIDUALIZAÇÃO
LA IMPORTANCIA DEL REGISTRO CIVIL DE
NACIMIENTO EN LA FORMACIÓN DE LA IDENTIDAD Y
SU INDIVIDUALIZACIÓN
Andréia Cristina dos Santos Honorato de Almeida 1
Ivan Dias da Motta 2
Resumo: O presente artigo tem por objetivo analisar o direito ao
nome, bem como a formação da identidade do indivíduo, a partir
da análise de questões referentes aos direitos da personalidade e ao
direito à identidade sob a luz do direito civil e constitucional. Num
primeiro instante traça-se um breve estudo acerca da formação da
identidade. Após, busca-se delimitar as bases conceituais dos
direitos da personalidade procurando relacioná-lo com o princípio
da dignidade humana verificando a correlação que se desprende
1
Mestranda do Programa de Mestrado em Direito com ênfase em Direitos da
Personalidade do Centro Universitário de Maringá - UNICESUMAR.
andreiahonorato32@hotmail.com
2
Professor Permanente do Programa de Mestrado em Ciências Jurídicas pelo
Centro Universitário de Maringá – Unicesumar. Possui graduação em Direito
pela Universidade Estadual de Maringá (1996), mestrando em Direito das
Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1998) e
doutorado em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo (2000), Pós-doutorado em Direito Educacional pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (2001). Atualmente é professor permanente
do Programa de Mestrado em Direito do Centro Universitário de Maringá,
integrando a linha de pesquisa “A Tutela Constitucional e Privada dos Direitos
da Personalidade nas Relações Privadas”. Possui atuação profissional na área da
advocacia e consultoria em Direito Educacional.
19
entre personalidade e dignidade. O questionamento central da
pesquisa está norteado no direito à identidade, enquanto direito
personalíssimo e a autonomia jurídica sobre o direito ao nome, a
partir da análise do direito ao registro civil de nascimento, já que a
vida é a prova da própria existência física da pessoa humana, mas
a prova jurídica de sua existência decorre a partir do registro civil
de nascimento e expedição da certidão de nascimento. A certidão
de nascimento é o documento jurídico que atesta a existência da
pessoa, no mundo do direito, visto que não basta nascer com vida
para ser um cidadão. Sem o registro a pessoa natural não tem
acesso aos serviços sociais básicos nem à obtenção de crédito. Vive
em uma constante e permanente exclusão social, a falta de registro
de nascimento em cartório é chamada de sub-registro, e é motivo
de preocupação por parte do Poder Público. O registro civil de
nascimento é um passo importante na construção da cidadania das
crianças e adolescentes, ao garantir-lhes o direito ao nome,
sobrenome, filiação, os quais são aspectos fundamentais na
constituição da identidade de todo sujeito, já que do registro civil
de nascimento surge vários outros direitos relacionados à criança e
adolescentes. Visto que o registro civil de nascimento é
fundamental, pois o acesso à certidão de nascimento no País é um
direito fundamental do cidadão, porque a certidão de nascimento
é um instrumento básico de exercício da cidadania.
Palavras-chave: Direitos da personalidade; Identidade; Registro
civil de nascimento.
Resumen: El presente artículo tiene por objetivo analizar el
derecho al nombre, así como la formación de la identidad del
individuo, a partir del análisis de cuestiones referentes a los
derechos de la personalidad y al derecho a la identidad bajo la luz
del derecho civil y constitucional. En un primer instante se traza
20
un breve estudio acerca de la formación de la identidad. Después,
se busca delimitar las bases conceptuales de los derechos de la
personalidad buscando relacionarlo con el principio de la dignidad
humana verificando la correlación que se desprende entre
personalidad y dignidad. El cuestionamiento central de la
investigación está orientado en el derecho a la identidad, en cuanto
derecho personalísimo y la autonomía jurídica sobre el derecho al
nombre, a partir del análisis del derecho al registro civil de
nacimiento, ya que la vida es la prueba de la propia existencia física
de la persona humana, pero la prueba jurídica de su existencia
transcurre a partir del registro civil de nacimiento y expedición del
certificado de nacimiento. El certificado de nacimiento es el
documento jurídico que atestigua la existencia de la persona, en el
mundo del derecho, ya que no basta con nacer con vida para ser un
ciudadano. Sin el registro la persona natural no tiene acceso a los
servicios sociales básicos ni a la obtención de crédito. Vive en una
constante y permanente exclusión social, la falta de registro de
nacimiento en notario se llama sub-registro, y es motivo de
preocupación por parte del Poder Público. El registro civil de
nacimiento es un paso importante en la construcción de la
ciudadanía de los niños y adolescentes, al garantizarles el derecho
al nombre, apellido, afiliación, los cuales son aspectos
fundamentales en la constitución de la identidad de todo sujeto, ya
que del registro civil de nacimiento el nacimiento surge varios
otros derechos relacionados con el niño y los adolescentes. Dado
que el registro civil de nacimiento es fundamental, pues el acceso
al certificado de nacimiento en el país es un derecho fundamental
del ciudadano, porque el certificado de nacimiento es un
instrumento básico de ejercicio de la ciudadanía.
Palabras-claves: Derechos de la personalidad; Identidad; Registro
civil de nacimiento.
21
1. Introdução
O nome civil da pessoa natural é mais do que simples
denominação, é um direito subjetivo da personalidade, carrega a
função de distinguir os indivíduos e atribuir-lhes corretamente
direitos e deveres, o que torna o nome obrigatório, já que é de
extrema relevância para a vida social, fato que se torna possível por
meio do registro civil de nascimento.
A Constituição Brasileira de 1988 consagrou a pessoa
como um dos valores máximos do direito através da consagração
do princípio da dignidade da pessoa e é a partir da perspectiva dos
direitos da personalidade que a instituição do direito ao registro
civil de nascimento, ao nome e a formação da identidade é
abordado neste trabalho.
É importante o entendimento de que o direito ao nome
possui, ao mesmo tempo, interesse público e interesse privado, por
isso sua função é tão importante e a legislação brasileira regula de
forma especifica o registro civil de nascimento. A legislação prevê
a garantia do registro civil, um dos mais básicos direitos de
cidadania, tendo o Estado o dever de fazer valer este direito.
O objeto deste ensaio é de discutir a situação atual do subregistro civil de nascimento no Brasil, a importância do registro
civil de nascimento na formação da identidade de cada indivíduo.
A certidão de nascimento é o documento mais importante de uma
pessoa, ao permitir o acesso aos direitos civis de cidadão brasileiro
como: votar e ser votado, casar, trabalhar com carteira de trabalho
assinada, abrir contas bancárias, adquirir e alienar bens, participar
22
de concursos públicos e licitações ser beneficiário de programas
assistenciais do governo, enfim, é um documento necessário ao
exercício dos plenos direitos humanos. Sem o registro civil, a
pessoa fica impedida, de receber as primeiras vacinas e de se
matricular nas escolas.
A Certidão Civil de Nascimento é emitida após o
Registro, que é a anotação no Livro que fica guardado no Cartório.
O RCN está diretamente relacionado a garantia dos direitos
fundamentais, permitindo que esses direitos possam chegar a
todos, por igual, e não sejam apenas formalmente reconhecidos,
mas que se concretize e se torne materialmente efetivos.
O nome e nacionalidade é o direito de cada criança,
consagrado na Convenção sobre os Direitos da Criança e outros
tratados internacionais, pois a falta do registro civil de nascimento,
índica que estas crianças, adolescentesou até mesmo os adultos não
são cidadãos, não tiveram seus direitos humanos, direitos
fundamentais e direitos a personalidade protegidos, já que no
mundo jurídico não basta nascer para existir, o indivíduo passa
existir somente após seu Registro Civil de Nascimento.
2. Direitos da personalidade
O reconhecimento dos direitos da personalidade como
categoria subjetiva de direito, é recente, existia na Antiguidade
alguma tutela neste sentido, mas foi a Declaração dos Direitos de
1789 que incitou a defesa dos direitos individuais, a valorização da
pessoa humana e da liberdade do cidadão, devido as agressões
causadas à dignidade humana na segunda guerra mundial, mas os
23
direitos da personalidade se tornaram juridicamente importantes
para o mundo e passaram a ser protegidos na Assembleia Geral da
ONU de 1948, na Convenção Europeia de 1950 e no Pacto
Internacional das Nações Unidas (DINIZ, 2003, p. 118).
A dignidade da pessoa é o valor máximo do atual
ordenamento jurídico e engloba os direitos da personalidade do
indivíduo, ao mesmo tempo em que, ela própria é um dos direitos
fundamentais da pessoa, não podendo, portanto, sofrer limitação
se não em função da proteção de direitos de terceiros.
A dignidade da pessoa elevou o homem ao patamar
central do ordenamento jurídico, por estar constitucionalmente
prevista. Nota-se que neste princípio garante, não apenas os
direitos fundamentais e sociais a todos os indivíduos, mas também
protege a personalidade, a vida privada e os demais valores que
consistem na base da existência humana (BRASIL, Constituição de
1988).
Os direitos de personalidade, foram devidamente
reconhecidos pelo direito diante de fatos históricos que revelaram,
ao longo do tempo, a importância do ser humano e justificaram a
sua proteção pelo direito privado e mediante esta nova perspectiva
de respeito à dignidade da pessoa humana, que nas últimas de
décadas do século XX, que se construiu a dogmática dos direitos da
personalidade, com base no artigo 1°, III, da Constituição Federal
de 1988, é que se pode, nas últimas décadas do século XX, construir
a dogmática dos direitos de personalidade (MIRANDA, 2000, p.
31).
Pontes de Miranda afirma que “Com a teoria dos direitos
de personalidade, começou, para o mundo, nova manhã do direito”
24
e os conceitua como sendo todos os direitos necessários à
realização da personalidade e à sua inserção nas relações jurídicas
(MIRANDA, 2000, p. 30).
Nas palavras de. Venosa a personalidade não é
exatamente um direito, mas um conceito básico sobre o qual se
apoiam os direitos, já que, o simples fato de ser pessoa é suficiente
para que o indivíduo possua personalidade e desta forma todos os
direitos que dela surgem (VENOSA, 2010, p. 169).
O direito privado ocupou-se expressamente dos direitos
da personalidade, abrangendo de forma genérica os seus princípios
em dois níveis, na Constituição Federal e complementa no Código
Civil Brasileiro1, que os trata de forma mais específica. O artigo 5º
da Constituição Federal, estão elencados os direitos e deveres
individuais e coletivos, com base na dignidade da pessoa, quais são
os princípios superiores que devem de ser atendidos pelos
ordenamento jurídico brasileiro e tais princípios nortearam os
direitos de personalidade dispostos no Código Civil, no capítulo II
(MORAES, 2006, p. 27).
O Código Civil de 2002 dedica todo um capítulo aos
direitos da personalidade, em todos os seus aspectos, no capítulo
II, artigos 11 à 2118, os direitos da personalidade sempre existiram,
mas só ganharam tutela do Estado, após os fatos históricos que
revelaram sua importância, como direitos inerentes ao homem,
visto que os direitos da personalidade, são aqueles que protegem a
dignidade humana (PEREIRA, 2004, p. 241).
Com base no artigo 11° do Civil Código Brasileiro, os
direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis,
salvo a exceção dos casos previstos em lei, o artigo em questão
25
estabelece três características dos direitos da personalidade, a
intransmissibilidade, a irrenunciabilidade e a indisponibilidade
(CUNHA, 2014).
Para Pontes de Miranda, “a razão para a
irrenunciabilidade é a mesma da intransmissibilidade; ter ligação
íntima com a personalidade e ser eficácia irradiada por essa. Se o
direito é direito de personalidade, irrenunciável é.”, assim a pessoa
não pode de abdicar, mesmo que para substituí-lo (MIRANDA,
2000, p. 32).
De acordo com Venosa os direitos da personalidade são o
que resguardam a dignidade humana, portanto são perpétuos, não
comportam renúncia, nascendo e extinguindo-se com a pessoa e
sob alguns aspectos, gozam de proteção inclusive depois da morte,
assim ninguém pode, por ato voluntário, dispor de sua privacidade,
renunciar a sua liberdade ou ceder seu nome de registro para
utilização por outrem (VENOSA, 2010, p. 171).
Além das características apontadas na letra da lei, existem
outras características dos direitos da personalidade, apontados pela
doutrina, onde os classifica como absolutos, intransmissíveis,
indisponíveis,
irrenunciáveis,
ilimitados,
imprescritíveis,
impenhoráveis einexpropriáveis. Os direitos da personalidade são
absolutos por serem oponíveis erga omnes, por conterem em si um
dever geral de abstração (DINIZ, 2003, p. 120).
Os direitos da personalidade pertencem tanto ao direito
privado quanto ao direito público, portanto são oblíquos, existem
diversos direitos da personalidade e todas estas características se
aplicam a tais direitos, e segundo a doutrina, por ser direito de
26
personalidade, o direito ao nome não é diferente, mesmo no direito
privado ou de direito público (MIRANDA, 2000, p. 109).
O nome atribuído à pessoa é um dos principais direitos
incluídos na categoria de direitos da personalidade, e que a
importância do nome para a pessoa natural está no mesmo plano
de seu estado, de sua capacidade civil e nos demais direitos
inerentes à personalidade: “Assim, pelo lado do direito público, o
Estado encontra no nome fator de estabilidade e segurança para
identificar as pessoas; pelo lado do direito privado, o nome é
essencial para o exercício regular dos direitos e do cumprimento
das obrigações” (VENOSA, 2010, p. 183-184).
Nas palavras do doutrinador Amorim, o nome é sinal
verbal de identificação, capaz de identificar um indivíduo com
precisão, criando individualidade e identificando a pessoa,
juntamente com outros elementos, como a voz e acontecimentos
da própria vida, pode-se dizer que o nome tem como objetivo a
identificação e individualização da pessoa na sociedade em que
vive, e ele acaba se fundindo com a própria personalidade do ser
humano que o carrega, integrando a sua personalidade e fazendo
parte do seu “ser” para o resto da vida e mesmo após a morte e
como tal esse motivo entende-se que o direito ao nome está
incluído entre os direitos da personalidade (AMORIM, 2003, p. 78).
Assim, o Código Civil vigente incluiu o nome civil, no
artigo 16 no Capítulo II do Código Civil, capítulo este destinado
aos Direitos da Personalidade, com o seguinte texto: “Toda a
pessoa tem direito ao nome, neles compreendidos o prenome e o
sobrenome”. Portanto os direitos da personalidade "são aqueles
27
cujo objeto é o modo de ser físico ou moral das pessoas, aqueles
direitos que as capacitam e protegem sua essência, sua persona, as
mais importantes virtude do ser" (BRASIL, Lei 10.406).
Como direito da personalidade, o nome trata-se de um
direito subjetivo extrapatrimonial, de objeto imaterial, possui
caráter obrigatório, ou seja, toda pessoa deve ter um e deve receber
logo que nasce, além de apresentar caráter público e privado. No
que diz respeito ao Estado, representa estabilidade e segurança
quanto à identificação dos indivíduos, com relação ao caráter
privado se refere justamente à garantia do exercício dos direitos e
cumprimentos das obrigações (CECCONELLO, 2003, p. 31).
3. Identidade e direito ao nome
A complexidade e a dinamicidade da Identidade são um
tanto controversas, tendo em vista os autores que estudam sobre a
sociedade e a sua constituição. Assim, há considerações relevantes
de Bauman, Hall, Giddens, Castells, entre outros, no que tange ao
contexto social, e a construção da Identidade e da sociedade, cada
um enfatizando e defendendo suas concepções teóricas, bem como
aspectos relativos ao processo comunicacional intrínseco nas áreas
históricas, filosóficas, sociais, econômicas, educacionais e outras
(SANTINELLO, 2011, p. 155).
Identidade é o conjunto de características próprias e
exclusivas que diferenciam as pessoas das demais, a identidade
pode ser definida de várias formas, de acordo com o ramo de
conhecimento que pretende ser analisada, inclusive sob o ponto de
28
vista da sociologia, antropologia, medicina legal, filosofia e direito
(SANTOS, 2006, p. 15).
Hall destaca que a Identidade está relacionada com a
transformação na “modernidade tardia”, especificamente ao
processo de mudança identificada como “globalização” e o
“impacto sobre a Identidade cultural” (HALL, 2006, p. 13).
Segundo as análises de teóricos da área baseadas em
conjecturas sociais no desenvolvimento históricos-filosóficos, o
conceito de Identidade e sua constituição transformam-se
temporalmente e espacialmente, assim, as mudanças sociais
caracterizam-se “à medida em que as áreas diferentes do globo são
postas em interconexão uma com as outras, ondas de
transformação social atingem virtualmente toda a superfície da
terra” (GIDDENS, 1990, p.6).
A Identidade também se expressa, conforme reflexões de
Jacques, onde a Identidade do indivíduo é construída pela
sociedade de sobrevivência e das variabilidades das relações sociais,
bem como na sua delimitação do contexto e tempo em que o sujeito
está inserido, como uma maneira de cada indivíduo se tornar algo
em uma composição de grupo: “etnia, raça, gênero, família ou
profissão, em que o igual e o diferente convivem simultaneamente”
(JACQUES, 2006, p. 155).
Nas palavras de Castells a construção da Identidade
distingue em três formas e origens, tendo em vista que essa
construção acontece por meio das relações de poder: a Identidade
legitimadora, a Identidade de resistência e a Identidade de projeto.
Para o sociólogo a Identidade legitimadora é inserida por
instituições dominantes da sociedade com o objetivo de disseminar
29
e racionalizar seu poder de dominação em relação aos outros atores
sociais. A Identidade de resistência é criada por atores sociais que
se encontram em desvantagens e estigmatizados pela lógica de
dominação, criando barreiras para a sua sobrevivência com base
em princípios diferentes dos que norteiam as instituições sociais. A
Identidade de projeto é construída a partir de materiais culturais
para redefinir posições na sociedade, transformando, assim, a
estrutura social (CASTELLS, 1942).
Para tanto é fundamental que o indivíduo tenha seu
direito ao nome, sua identificação perante a sociedade, bem como
os outros direitos da personalidade, valores fundamentais da
pessoa. O direito ao nome está previsto dos artigos 16 a 20 do
Código Civil de 2002, onde se compreende que o sobrenome, o
pseudônimo e o prenome são essenciais e de direito da pessoa
natural.
Todo indivíduo tem por hábito a convivência em grupo,
alcançando melhores resultados e objetivando a sobrevivência da
espécie, portanto observa-se que, o direito ao nome, aquele que
oferece ao ser humano um prenome e sobrenome, dá a ele uma
identificação para a existência em grupo (GONÇALVES, 2011, p.
148).
O nome é um direito da personalidade, que o sujeito de
direito possui a partir do seu nascimento com vida, o direito ao
nome faz parte da integridade moral dos direitos da personalidade,
a pessoa tem direito ao seu nome, sobrenome, pseudônimo, no
entendimento de Jefferson Daibert, "o nome é a expressão mais
característica da personalidade, o elemento inalienável e
imprescritível da individualidade da pessoa". A função básica do
30
nome é a individualização e a identificação bem como o
sobrenome, que a lei traz consigo o prenome, e se o indivíduo é
escritor, um pseudônimo (NADER, 2015, p. 292).
Portanto, interpretamos que o nome tem papel
fundamental na formação da identidade de cada indivíduo, bem
como na sua individualização, perante a sociedade e que são fatores
complexos que se inter-relacionam por estarem intimamente
ligados com a identidade, individualização e sociedade, isto é, a
Identidade é construída entre o eu e a sociedade, e preenche o
espaço entre o “interior e o exterior, entre o mundo pessoal e o
mundo público” e, por fim, o sujeito pós-moderno é aquele que
não tem Identidade fixa, essencial ou permanente, sendo que essa
“Identidade torna-se celebração móvel, formada e transformada”
(HALL, 2006, p. 11-12).
Beck, pensador alemão, discorre sobre o individualização,
que segundo suas palavras deve ser entendido e associado ao
processo de modernização, inter-relacionados, um processo no
qual, cada um mesmo se torna a unidade de reprodução vital do
Social, ou seja, os indivíduos enquanto agentes de ação,
estabelecem suas formas de vida individual e coletiva e são a
expressão de suas escolhas, como um processo de formação e
constituição social, no qual o indivíduo é a referência central das
ações no mundo social (BECK, 1986, p. 209).
As reflexões sobre a Identidade continuam sendo ponto
de discussões, haja vista a necessidade de análises sobre a
caracterização e a compreensão do Indivíduo como ser social e
como agente de sua própria construção, bem como compreender
sua identificação perante a realidade social, suas relações com a
31
sociedade, com o trabalho e com as formas de conexão com o
mundo, e a maneira pela qual visualiza suas ações no processo de
inter-relação com o espaço.
Assim, a identidade surge no contexto social como forma
de individualização da pessoa humana e como forma de segurança
dos negócios e da convivência familiar e social, o ser humano não
vive isoladamente, mas esta necessidade natural de convivência
impõe a individualização do ser, distinguindo-o dos outros
indivíduos do grupo, por meio da individualização que é a
identidade (SANTINELLO, 2011, p. 158).
A identidade é o principal elemento do ser humano que
faz com que ele se caracterize pelo nome, pois, o nome é o meio
geral de linguagem capaz de indicar ou particularizar um indivíduo
na sociedade e os indivíduos, como uma unidade de vida social e
jurídica, tem a necessidade de afirmar a própria individualidade, se
distingue dos outros indivíduos (AMORIM, 2003, p. 91).
Portanto, o homem sente a necessidade de uma
identificação para individualizar-se na comunidade em que vive, e
o nome é um sinal exterior pelo qual se designa, se individualiza e
se reconhece como pessoa no seio da família e na sociedade, para
tanto surge a necessidade do registro civil de nascimento, bem
como a sua materialização através da certidão civil de nascimento,
momento em que o indivíduo nasce para o ordenamento jurídico
pátrio, ou seja com o registro civil de nascimento a criança,
adolescente ou mesmo o adulto, passa a existir para o Estado, e
neste instante seus direitos fundamentais, direitos da
personalidade e sua própria dignidade da pessoa humana, começa
32
a ser resguardado pelo ordenamento jurídico e pelos acordos
internacionais.
4. Registro e certidão civil de nascimento
O registro civil é regulado pela Lei Federal 6.015 de 1973,
com base no seu artigo 50, todo nascimento ocorrido em território
nacional deve ser levado a registro, seja no lugar do parto ou no
local de residência dos pais. O registro civil de nascimento é um
direito fundamental e pressuposto para o exercício da cidadania,
porém o registro civil de nascimento é um tema tratado de forma
escassa, na doutrina mesmo sendo essencial na vida de uma pessoa
(HUBER, 2002, p. 17).
A certidão de nascimento é o documento básico por meio
do qual todos os outros são obtidos, permitindo à pessoa votar e
ser votada, trabalhar com carteira de trabalho assinada, casar,
dirigir veículos automotores, viajar, adquirir e alienar bens, ser
beneficiária de programas assistenciais do governo, abrir contas
bancárias, participar de concursos públicos e licitações, enfim, é
um documento necessário à participação na vida moderna e à
plena realização da pessoa humana nos dias atuais (FERNANDES;
FERNANDES, 2005, p. 32).
O primeiro reconhecimento legal da existência de uma
criança, o Registro Civil de Nascimento (RCN) é fundamental para
garantir que as crianças façam parte não somente das estatísticas
oficiais, mas para ter acesso a serviços básicos, como saúde,
segurança social e educação.
33
Conhecer a idade de uma criança é fundamental para
proteger do trabalho infantil, de ser tratada como adulto no sistema
judiciário, no recrutamento das forças armadas, do casamento
infantil, no tráfico humano, na exploração sexual e pode ajudar a
rastrear crianças desaparecidas. Sem o registro de nascimento a
Criança e ao Adolescente estão impedidos de acessar às garantias
oferecidas e garantidas pelo Estado Democrático de Direito
fundado no princípio da cidadania e da dignidade da pessoa
(GUIRADO, 2017, p. 29-30).
A Certidão Civil de Nascimento é o primeiro documento
de um cidadão e é a prova de sua existência oficial e jurídica, a
prova de que pessoa nasceu e a garantia de que, ao morrer, possa
ser enterrada, uma vez que é imprescindível para a obtenção da
certidão de óbito. De acordo com o artigo 2º do Código Civil “a
personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida”. A
vida é a prova da própria existência física da pessoa, mas a prova
jurídica de sua existência decorre da certidão de nascimento. A
certidão de nascimento é o documento jurídico que atesta a
existência física da pessoa, isto é, sua existência no mundo do
direito. Com base neste dispositivo legal, a certidão de nascimento
seria como um verdadeiro “passaporte” da pessoa que provém do
mundo dos fatos, no caso nascimento com vida e ingressa no
mundo jurídico, como pessoa natural. Se o simples fato do
nascimento prova a existência da pessoa, o registro do próprio
nascimento em assento público é imperativo legal, sendo cogente e
indeclinável (CC, 9º) (SOUZA, 2008, p. 132).
A importância da certidão de nascimento como
documento jurídico primário é singular e de múltiplos aspectos. A
34
certidão de nascimento define a própria nacionalidade da pessoa,
lhe garantindo direitos fundamentais na ordem jurídica nacional
(CF, 1º, III e 5º), tendo como fundamento de fato o lugar do
nascimento (Lei 6.015/73, 50) (SOUZA, 2008, p. 132).
A Certidão Civil de Nascimento é emitida após o
Registro, que é a anotação no Livro que fica guardado no Cartório.
O Registro de Nascimento é a individualização formal da pessoa,
quando a pessoa passa ter uma identificação que diferencia dos
outros ao seu redor: nome, sobrenome que nos liga a uma família,
a um lugar, a uma classe social (CÂMARA; RODRIGUES; NERIS;
CÂMARA, 2009, p. 3).
O RCN incide diretamente na garantia dos direitos
fundamentais do brasileiro, para que possam chegar a todos, por
igual, e não sejam apenas formalmente reconhecidos, mas concreta
e materialmente efetivados. Sem o registro de nascimento a
Criança e ao Adolescente são clandestinos em seu próprio País e
estão de fato, impedidos de acessar os bens da vida expressos no
artigo 227 da Constituição Federal repetidos noartigo 4° da lei
8069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente (GUIRADO,
2017, p. 29).
No entanto, apesar da legislação existente, o próprio
governo federal reconhece que mesmo com as suas legislações
complementares e com as campanhas, o direito ao Registro Civil
de Nascimento, vem sendo negado a vários brasileiros, o subregistro civil de nascimento é uma questão que afeta, toda a
população do país, principalmente aos ciganos, nômades,
indígenas, caboclos e quilombolas.
35
5. Sub-registro civil de nascimento no Brasil
Desde 1974, o IBGE publica as informações de Registro
Civil, informações que são relativas aos fatos vitais, casamentos,
separações judiciais e divórcios ocorridos no País. Esses dados se
baseiam nos repasses feitos pelos Cartórios de Registro Civil de
Pessoas Naturais, e de separações e divórcios declarados pelas
Varas de Família, Foros ou Varas Cíveis. Tais informações são
essenciais para a compreensão e acompanhamento da evolução
populacional no País, portanto é através dos dados publicados pelo
IBGE, na forma estatística, que são feitas as estimativas e estudos
demográficos, planejamento para as políticas públicas e o
monitoramento do exercício da cidadania.
De acordo com os dados fornecidos pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística, os problemas mais graves
estão localizados nos estados e municípios mais carentes,
centralizados, principalmente, das regiões Norte, Nordeste e
Centro-Oeste. O instituto considera, que algumas inciativas são
consideradas fundamentais, para erradicação do sub-registro,
como a gratuidade da primeira via dos registros de nascimentos, a
realização de campanhas nacionais, a instalação de postos dos
cartórios nas maternidades e a criação do compromisso nacional
pela erradicação do sub-registro de nascimentos e ampliação do
acesso à documentação civil básica (BRASIL, Ministério do
Planejamento).
A preocupação de se ampliar a cobertura do sistema de
registro civil no País, data da década de 90, mediante tal fator, em
1997, foi criada a Lei nº 9.534, que altera o art. 30 da Lei nº 6.015,
36
de 31 de dezembro de 1973, tornando o registro civil e a primeira
certidão de nascimento gratuitos para todos os cidadãos, tal feito
não provocou, uma redução drástica do índice de sub-registro de
nascimento, ou seja número de crianças que deixam de ser
registradas no ano de nascimento ou até o primeiro trimestre do
ano seguinte (BRASIL, 2006, p. 21-22).
No ano de 2003, surge outra iniciativa para reduzir o subregistro no Brasil, a Mobilização Nacional para o Registro Civil de
Nascimento, coordenada pela Subsecretaria de Direitos Humanos
da Secretaria Geral da Presidência da República. Voltado para
atendimento dos direitos sociais com prioridade de fato à
população à margem do acesso aos direitos (BRASIL, Ministério de
Direitos Humanos).
Inaugurando um modelo de política pública sob a ótica
da inclusão social, nesta mobilização participaram 62 entidades em
nível federal e comissões formadas nas 27 unidades da Federação.
O trabalho foi dividido em três frentes: Campanhas de
sensibilização, Plano Nacional e Articulação com programas e
ações de governo, onde se firmou parcerias com ministérios e
órgãos públicos para que profissionais de cada uma dessas
instituições passassem atuarem como agentes mobilizadores
permanentes para o registro civil.
Mediante tais avanços, a partir de 2003, iniciou-se a
campanhas como o Dia Nacional de Mobilização para o Registro
Civil de Nascimento e o Dia de Mobilização Rural para o Registro
Civil, além de parceria com a Ação Global, evento promovido pelo
Serviço Social da Indústria (Sesi) e pela Rede Globo. O Dia
Nacional de Mobilização pelo Registro Civil, teve resultados
37
medianos, mas foi um marco do início de uma guerra contra a falta
de registro no país; um momento de reflexão de toda a sociedade
sobre o problema, além de indicar um compromisso maior do
governo em relação ao mesmo 3.
No ano de 2004, foi realizado o encontro do Plano
Nacional, que
reuniu 112 representantes de entidades
participantes da Mobilização Nacional, no qual foi elaborado pela
Secretária Especial dos Direitos Humanos em conjunto com a
Anoreg/BR, Arpen e integrantes da sociedade civil, o Plano
Nacional de Erradicação do Sub-registro, estabelecendo medidas
necessárias para erradicar o sub-registro no País, mediante um
pacto nacional, assinado pelos os participantes, para
implementação do Plano Nacional de Erradicação do Sub-Registro
civil do País, com finalidade de atingir as áreas onde o problema é
mais acentuado (UNICEF).
O objetivo do Plano Nacional de Erradicação do Subregistro era promover um conjunto de ações articuladas que
permitam garantir a certidão de nascimento a todos os brasileiros,
e erradicar o sub-registro de nascimento até 2006, já que uma das
deficiências verificadas nas campanhas anteriores era a
descontinuidade. Mais a característica fundamental do Plano era a
tentativa de integração entre os diversos órgãos governamentais.
Em 2005, os alfabetizadores do Programa Brasil
Alfabetizado incorporaram-se à mobilização pelo registro de
nascimento, estando prevista a distribuição aos mesmos de uma
3
Associação Nacional dos Registradores Civil do Brasil. Disponível em: <
www.arpenbrasil.org.br/noticia/5743l>. Acesso em: 27 dez. 2017.
38
cartilha que irá orientá-los sobre como ajudar seus alunos para a
obtenção do registro civil de nascimento e outros documentos. O
Ministério da Educação e Cultura informou os secretários
estaduais e municipais de educação sobre a distribuição da cartilha,
para que reforçassem a ação governamental nas suas áreas de ação
e que as cartilhas fossem distribuídas também para os pais e alunos.
No mesmo ano, a Caderneta de Saúde da Criança passou a conter
espaço para dados sobre o registro de nascimento (PESSOA, 2006,
p. 131).
A erradicação do sub-registro não é tarefa fácil, os
resultados representam um avanço considerável, mais não o
suficiente, para atingir as metas previstas, exigindo maior
persistência, empenho e a implementação de novas medidas
conjuntas e concretas, envolvendo ações articuladas do Poder
Público, dos registradores e da sociedade civil. E assim, as políticas
públicas de combate ao sub-registro passaram ser acompanhadas
pelo Comitê Gestor Nacional, criado em 2007 com o objetivo de
promover a articulação dos órgãos e entidades envolvidos na
implementação dos programas relacionados à ampliação do acesso
à documentação civil básica (BRASIL, Secretaria de Direitos
Humanos).
A Secretaria Especial de Direitos Humanos lançou a
Campanha de Mobilização Nacional pelo Registro de Nascimento,
em 2008, divulgando através de cartilhas e folders, ações que
envolvem desde a captação social de casos de sub-registro nas
comarcas dos Estados até o apoio direto ao processamento dos
feitos judiciais, que passa a ser mais célere e eficiente com o apoio
da Secretaria Secretária de Apoio à Comissão para Erradicação do
39
Sub-Registro de Nascimento, Secretaria Especial dos Direitos
Humanos e do Comitê Gestor Nacional de Registro de Nascimento
e Documentação Básica. Mais a ação de destaque foi a criação do
Sistema Nacional de Informações de Registro Civil (SIRC), em
junho de 2014, para captar e disponibilizar dados relativos a
registros de nascimento, casamento e óbito, com uma base de
dados única 4.
Em 2015 o Brasil declarou o fim do sub-registro civil, mas
sabe-se que em algumas regiões do Brasil o problema ainda
continua, com números de crianças, adolescente e adultos sem
registro nacional de nascimento alarmantes, a falta de da certidão
de nascimento ainda é muito grande, principalmente nas regiões
mais carentes, devido as desigualdades regionais do nosso país.
Pelo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), nascem por ano, somente em Fortaleza, 42 mil
bebês, dos quais 1.800, que totaliza 4%, não são registrados na
Cidade. Apesar dos esforços de órgãos públicos e organizações não
governamentais, a erradicação do sub-registro civil de nascimento
no Ceará ainda é uma realidade não alcançada. Em Fortaleza, a
situação vem avançando significativamente, em contrapartida aos
problemas vividos de modo latente em outros municípios 5.
4
Associação Nacional dos Registradores Civil do Brasil. Disponível em: <
www.arpenbrasil.org.br/noticia/5743l>. Acesso em: 30 dez. 2017.
5
Associação Nacional dos Registradores Civil do Brasil. . Disponível em: <
www.arpenbrasil.org.br/noticia/5743l>. Acesso em: 30 dez. 2017.
40
6. Considerações finais
O registro civil não representa uma mera estatística nos
bancos de dados públicos é por meio dele, que o cidadão é
reconhecido pelo Estado e pela sociedade como pessoa, início da
sua existência jurídica, mediante o nome completo, filiação
inequívoca, estado civil e nacionalidade.
O registro é pré-requisito para o exercício de vários
outros direitos. Portanto como um direito fundamental,
imprescindível à realização do indivíduo enquanto ser humano e à
dignidade do homem na vida contemporânea.
Além do mais o nome civil da pessoa natural é mais do
que simples denominação, é um direito subjetivo da personalidade,
carrega a função de distinguir os indivíduos, bem como a sua
individualização perante a sociedade. Registrar as crianças ao
nascer é o primeiro passo para garantir seu reconhecimento
perante a lei, salvaguardando seus direitos e impedindo qualquer
violação desses direitos.
Ocadastro universal de nascimento é uma parte essencial
de um sistema de estatísticas vitais, que rastreia os principais
marcos na vida de uma pessoa desde o nascimento até o casamento
e sua morte. Tais dados são essenciais para planejar e implementar
políticas e programas de desenvolvimento, particularmente na área
da saúde, educação, habitação, água e saneamento, emprego,
agricultura e indústria, além de garantir outros direitos.
A ideia de cidadania engloba o exercício efetivo não só
dos direitos políticos, como também dos civis, sociais, difusos,
coletivos e todos que se tornarem essenciais à satisfação das
41
necessidades do homem para uma vida saudável, prazerosa, livre,
justa e igualitária.
Conclui-se que uma pessoa sem o registro civil de
nascimento não exerce sua cidadania em plenitude, uma vez que é
impedida de exercer direitos elementares, visto que a criança sem
o Registro Civil de Nascimento não existe para o Estado.
7. Referências
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Renovar, 2014.
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de
Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros Editores, 2006.
AMORIM, José Roberto Neves. Direito ao nome da pessoa física.
São Paulo: Saraiva, 2003.
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no País, sub-registro civil ainda persiste no Estado. Disponível
em: < www.arpenbrasil.org.br/noticia/5743l>. Acesso em: 27 dez.
2017.
BECK, Ulrich. Risikogesellschaft:auf dem weg in eine andere
moderne. Frankfurt/Main: Suhrkamp,1986.
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Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
42
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<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>.
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Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, Estatística
de. Registro Civil, Rio de Janeiro, v. 42, 2015.
BRASIL. Nascer com Cidadania:10 Passos para o Registro Civil de
Nascimento na Maternidade, Ceará, 2006.
BRASIL, Secretário de Direitos Humanos: Brasil erradica casos de
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Acesso em: 27 dez. 2017.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e
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46
DA PROMOÇÃO DA DIVERSIDADE SEXUAL NAS
ESCOLAS: DO AMBIENTE ESCOLAR INCLUSIVO E DO
DEVER DE EDUCAR PARA ALÉM DA IDEOLOGIA
HETERO-CIS-NORMATIVA
THE PROMOTION OF SEXUAL DIVERSITY IN SCHOOLS:
THE INCLUSIVE SCHOOL ENVIRONMENT AND THE
DUTY OF EDUCATION BEYOND HETERO-CISNORMATIVE IDEOLOGY
Valéria Silva Galdino Cardin 6
Caio Eduardo Costa Cazelatto 7
Resumo: A presente pesquisa analisou, por meio da revisão
bibliográfica, a relação entre a escola e a promoção do direito à
diversidade sexual. Buscou-se, a partir da análise do tema,
esclarecer as diferentes manifestações sexuais enquanto um direito
fundamental e da personalidade, bem como demonstrar como o
ambiente escolar pode participar na promoção deste direito.
Apontou-se, para tanto, a necessidade da escola ser um ambiente
inclusivo, educar não se restringindo apenas a influência da heterocis-norma, qualificar os docentes e elaborar materiais
6
Pós-doutora em Direito pela Universidade de Lisboa; Doutora e mestre em
Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUCSP); Docente da Universidade Estadual de Maringá e no Programa de Pósgraduação em Ciências Jurídicas pelo Centro Universitário de Maringá
(UNICESUMAR); Pesquisadora pelo ICETI; Advogada no Paraná; E-mail:
<valeria@galdino.adv.br>.
7
Mestre em Ciências Jurídicas pelo Centro Universitário de Maringá
(UNICESUMAR; Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Maringá
(UEM); Advogado no Paraná; E-mail: caio.cazelatto@hotmail.com
47
pedagógicosacerca do tema como fonte de redução da
desigualdade e do preconceito no qual as minorias sexuais estão
inseridas.
Palavras-chave: Direito à educação; Diversidade sexual; Ambiente
Escolar Inclusivo.
Abstract: The present study analyzed, through the bibliographic
review, the relationship between school and the promotion of the
right to sexual diversity. It is sought, from the analysis of the theme,
to clarify the different sexual manifestations as a fundamental right
and personality, as well as demonstrate how school environments
can participate in the promotion of this right. Therefore, it was
pointed out the need of the school to be an inclusive environment,
as well as the quality of school education, the duty to educate
beyond the influences of hetero-cis-norm, teacher qualification
and the elaboration of pedagogical materials on the as a source of
reduction of inequality and prejudice that are embedded in sexual
minorities.
Keywords: Right to education; Sexual diversity; Inclusive School
Environment.
1. Introdução
A escola, assim como a família, possui um papel
fundamental na formação da personalidade humana, bem como na
cidadania do indivíduo, já que é uma das primeiras instituições
sociais na qual este está inserido. Se é no ambiente escolar que o
sujeito se submete ao ensino e à aprendizagem dos principais
valores, necessidades, funções e problemas que permeiam a
sociedade, evidentemente é nesse espaço que também devem ser
48
discutidas as questões que envolvem a sexualidade, como a
diversidade sexual, afinal, além dos fatores sexuais serem
indissociáveis à plena realização pessoal do seu titular, também é
um direito fundamental e da personalidade.
Ocorre que, em razão dos dogmas religiosos e dos
posicionamentos mais conservadores de setores sociais, o estudo
das manifestações sexuais e dos fenômenos como a homofobia e a
transfobia são ignoradas nos planos de ensino escolares. Com essa
omissão na educação brasileira, o espaço escolar deixa de
promover, a partir da propagação de informações e
esclarecimentos acerca da temática, os direitos mais básicos da
população Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros ou demais
manifestações da sexualidade humana (LGBT+), como também se
torna um ambiente hostil e preconceituoso, tendo em vista que a
ignorância social perante a diversidade sexual só potencializa a
exclusão e o preconceito.
Nessa perspectiva, o presente trabalho teve como
finalidade demonstrar que a escola é uma importante figura
institucional para a promoção dos direitos à diversidade sexual,
devendo buscar meios - como a capacitação do corpo docente,
canais de esclarecimento de informações e denúncias a práticas
homofóbicas e elaboração de materiais pedagógicos - para se
revestir como inclusiva, plural, democrática e, principalmente,
fonte de estímulo ao respeito à diferença.
Para tanto, explorou-se a tutela jurídica da sexualidade
humana e de sua manifestação plural, apontando desde a definição
da diversidade sexual, até os mais conhecidos dispositivos e
instrumentos jurídicos que amparam o assunto. Da mesma forma,
49
investigou-se a escola e a educação brasileira e como tais podem
contribuir para a proteção, o respeito e a promoção dos direitos de
estudantes hetero-cis-discordantes.
Foi utilizada a revisão bibliográfica para o
desenvolvimento da investigação, a qual consiste na pesquisa,
catalogação e análise dos dados coletados de materiais científicos
já produzidos, como artigos científicos, dissertações, teses, livros e
reportagens a respeito dos elementos que compõe a diversidade da
sexualidade humana e a estrutura da educação enquanto um
direito.
2. Da tutela jurídica da diversidade sexual
A proteção, o respeito e a promoção da diversidade,
compreendida aqui em sua mais ampla extensão, é um direito e um
dever assegurados pela Constituição Federal de 1988. Apesar disso,
cotidianamente percebe-se que, no plano fático, sua efetivação está
muito distante do que prevê a letra da lei. Nesse cenário, encontrase a diversidade correlata com a sexualidade humana, que é um
tema que ganha cada vez mais espaço nas diversas áreas do
conhecimento, especialmente no campo jurídico e seus reflexos no
âmbito escolar.
Isso porque, com a constante mutação dos valores
culturais, políticos e sociais, a definição da sexualidade se revestiu
com um caráter amplo, plural e nada consensual. A respeito disso,
é possível encontrar variadas tentativas de defini-la, sendo que,
embora não se pretenda apontar uma como correta e absoluta ou
50
sintetizá-la a um termo reducionista, é importante abordar e
contrapor as mais difundidas no meio científico.
Para Michel Foucault, os dispositivos histórico-culturais
guiados pelo saber e pelo poder dominante, como “[...] a
estimulação dos corpos, a intensificação dos prazeres, a incitação
ao discurso, à formação dos conhecimentos, o reforço dos
controles e das resistências” (FOUCAULT, 1997, p. 100),
disciplinam as expectativas e as exigências sociais acerca do que se
concebe, superficial e totalitariamente, como sexualidade.
Trata-se do poder disciplinar foucaultiano, que se traduz
no domínio da administração da vida social, isto é, considera o
corpo humano como uma máquina capaz de ser adestrada e
transformada em um instrumento útil aos interesses políticos e
econômicos. Esse poder recorre à tecnologia disciplinar do corpo
por meio da “[...] punição e [da] vigilância como principais
mecanismos para adestrar e docilizar o sujeito, pois é a partir deles
que o homem se adequará às normas estabelecidas nas instituições”
(DINIZ; OLIVEIRA, 2014, p. 149-150), revelando-se como uma
construção histórica e social sobre os modos de sentir e
experimentar o corpo, os desejos e as relações (CASSAL, 2011, p.
466).
Nas palavras de Anthony Giddens, a sexualidade é um
atributo que cada indivíduo “[...] 'tem' ou cultiva, não mais uma
condição natural que o indivíduo aceita como um estado de coisas
preestabelecido” trata-se de “[...] um aspecto maleável do 'eu', um
ponto de conexão entre o corpo, a autoidentidade e as normas
sociais” (GIDDENS, 1992, p. 25). Assim, por mais que a
sexualidade esteja ancorada na materialidade do corpo, ela deve ser
51
compreendida como um sistema que transcende o meramente
fisiológico.
Já Alain Tourraine a analisa sob o viés da felicidade,
alertando que ela não se “[...] reduz nem a uma forma de consumo,
nem a um erotismo que seja seu oposto, é um chamamento do
indivíduo a si mesmo, à sua livre criação, ao seu prazer, à sua
felicidade” (TOURRAINE, 1998, p. 89).
Para Tereza Cristina Fagundes, refere-se a dois elementos
constitutivos da pessoa, que são a:
[...] dimensão e [a] expressão da
personalidade. Por ser um atributo inerente à
pessoa humana, manifesta-se independente
de qualquer ensinamento. Mas, para ser
compreendida, é preciso considerar o ser
pessoa como um todo, pois a sexualidade é
parte integrante e intercomunicante da pessoa
consigo mesma e com o outro (FAGUNDES,
2005, p. 14).
Em uma delimitação mais liberal, a Organização Mundial
da Saúde (OMS) defende a sexualidade como um aspecto central
do ser humano, visto que integra a personalidade de cada um.
Elenca-a como uma necessidade básica que não pode ser desconexa
de outros aspectos da vida, sendo constituída pelo sexo, pelo
gênero, pela identidade de gênero, pela orientação sexual, pelo
erotismo, pelo prazer, pela intimidade e pela reprodução, dentre
outros componentes (WORLD HEALTH ORGANIZATION,
2015).
52
Logo, a compreensão da sexualidade como uma
construção da sociedade representa a contraposição ao
“essencialismo” sexual, que defende que a essência humana é
dominada pelos impulsos animais. Caminha-se para uma
concepção histórica de que se trata, na realidade, de uma “[...] rede
complexa de organização social que organiza e modela os corpos e
os comportamentos individuais”, conforme enfatiza Jefrey Weeks:
O essencialismo é o ponto de vista que tenta
explicar as propriedades de um todo
complexo por referência a uma suposta
verdade ou essência interior. Essa abordagem
reduz a complexidade do mundo a suposta
simplicidade imaginada de suas partes e
procura explicar os indivíduos como
produtos automáticos de impulsos internos
(WEEKS, 2001, p. 43).
Acima de qualquer entendimento, as expressões sexuais
são basilares para o desenvolvimento pleno do indivíduo,
especialmente no que tange a sua personalidade, tanto por ser uma
das manifestações mais primordiais relacionadas com o prazer,
tornando-se dissociável de um ser senciente, como também pela
sua função relacional e identitária.
Nessa perspectiva, revela-se a diversidade identitária,
englobando a homossexualidade, a bissexualidade, a
heterossexualidade, a pansexualidade, a assexualidade e a
transgeneralidade, a qual se inclui a transexualidade e a
travestilidade. Tratam-se de identidades advindas das
possibilidades entre a relação dos elementos que compõe a
53
sexualidade, em especial o sexo, o gênero, a identidade de gênero e
a orientação afetivo-sexual, merecendo especial atenção do Estado,
principalmente no que diz respeito a sua tutela jurídica.
Nesse sentido, a superação do controle e da interferência
estatal e social perante a autonomia privada do indivíduo,
sobretudo ao que se refere ao exercício da sexualidade, materializase na luta pelo reconhecimento jurídico de determinados bens
essenciais à garantia do mínimo imprescindível à plena
manutenção e promoção da dignidade, da existência e da satisfação
das minorias sexuais.
A sexualidade e os seus desdobramentos constituem a
base fundamental da condição humana, na medida em que estão
presentes, direta ou indiretamente, em todas as manifestações da
personalidade (SIVERINO-BAVIO, 2014). Seus espectros de
significações se correlacionam com um sem número de
particularidades da vivência íntima, psíquica e moral do sujeito,
sustentando-se em não somente um direito da sexualidade, mas em
inúmeros direitos que se ramificam em face da esfera sexual ou que
por ela sejam influenciados (REGO, 2009, p. 6-7).
Em virtude da complexidade e da impossibilidade em se
ter uma definição exata sobre o tema, os direitos da sexualidade
representam, em razão do seu caráter “geral”, a proteção jurídica
para além de um indivíduo ou de um grupo sexualmente
vulnerável em função da sua identidade de gênero ou de sua
orientação afetivo-sexual, abrangendo qualquer diversidade sexual
que não transgrida os direitos de terceiros (RIOS, 2006).
Acerca do assunto, têm-se os comportamentos
considerados como tabus pela sociedade, como o caso da
54
prostituição, do sadomasoquismo, das fantasias sexuais, dos
relacionamentos abertos, da poliafetividade, dentre muitos outros
“não convencionais”, que deveriam estar alheios ao controle social
ou estatal, já que dizem respeito somente à vida íntima e privada
do sujeito.
Por outro lado, há as condutas parafílicas, que apesar de
ser um reflexo da sexualidade humana, não podem ser encaradas
como uma liberdade ou um direito sexual, tendo em vista que suas
práticas podem acarretar riscos à saúde ou à segurança de terceiros.
Estas são identificadas como patologias de distorções da
preferência sexual, como a pedofilia, a zoofilia e a necrofilia,
conforme dispõe a CID-10, na classe F.65 (ORGANIZAÇÃO
MUNDIAL DA SAÚDE, 2015).
Assim definidos, os direitos da sexualidade garantem a
tutela jurídica e a promoção da liberdade e da diversidade, sem
estabelecer critérios cristalizados ou insuficientes, perante as
manifestações sexuais.
Para Roger Raupp, qualquer direito dessa espécie, para
ser democrático, tem que estar fundamentado nos princípios
constitucionais, especialmente nos da igualdade, da liberdade e da
dignidade (RIOS, 2006), pois são a partir deles que outras normas
se constituem como desdobramentos, como se dá com o:
Direito à liberdade sexual; direito à
autonomia sexual, integridade sexual e à
segurança do corpo sexual; direito à
privacidade sexual; direito ao prazer sexual;
direito à expressão sexual; direito à associação
sexual; direito às escolhas reprodutivas livres
55
e responsáveis; direito à informação sexual
livre de discriminações (RIOS, 2006).
São direitos que, embora recebam nomes distintos, estão
intrinsecamente relacionados com a vivência sexual, compondo
genericamente a categoria dos direitos da sexualidade. Qualquer
ser humano, assim, tem o direito de ter a sua privacidade sexual
respeitada, a qual pode se expressar, por exemplo, a partir das
escolhas que envolvem seu próprio corpo, sua aparência, seu
comportamento, suas relações interpessoais e suas práticas sexuais
consensuais sem a interferência invasiva e arbitrária do Estado ou
da sociedade.
Em que pese as normas pátrias, em especial as
constitucionais, não abordarem especificamente a temática, a
abertura do catálogo dos direitos fundamentais, previsto no seu art.
5º, §2º, 8permite o reconhecimento de novos direitos que atendam
as demandas sociais, visando proteger a maior gama possível de
situações.
Esse posicionamento representa a preocupação com o
engessamento e a perda da eficácia de institutos que foram criados
para proteger e servir ao cidadão, evitando o distanciamento da
regra normativa da realidade vivida pela sociedade. É com esse
fundamento axiológico-normativo que se encontram as bases
sólidas para o reconhecimento do direito à sexualidade humana
como parte do catálogo de direitos fundamentais, que se reveste de
8
“Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”
56
amparo não só pelo regime e pelos princípios acatados pela
Constituição Federal, mas também como consequência das
normas de tratados internacionais ratificados pelo Brasil.
Nesse sentido, em 1997, no XIII Congresso de Sexologia
em Valência, na Espanha, a Associação Mundial pela Saúde Sexual
proclamou a Declaração dos Direitos Sexuais, que afirma os
direitos sexuais nos direitos humanos (WAS, 2013). Esse
documento fundamentou-se, sobretudo, na Declaração Universal
de Direitos Humanos, a qual dedicou especial atenção ao livre
desenvolvimento da personalidade, bem com as liberdades da
pessoa, inclusive a sexual:
Art. 2º - Todos os seres humanos podem
invocar os direitos e as liberdades
proclamados na presente Declaração, sem
distinção alguma, nomeadamente de raça, de
cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião
política ou outra (ORGANIZAÇÃO DAS
NAÇÕES UNIDAS, 1948).
O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos
Humanos também estabelece obrigações legais aos Estadosmembros ao que se refere à comunidade LGBT+, já que
consideram que os direitos da sexualidade são uma garantia ao
indivíduo em desenvolver todas suas potencialidades sexuais,
englobando a sua autonomia sexual e a sua saúde sexual:
A extensão dos mesmos direitos usufruídos
por todos para pessoas lésbicas, gays,
bissexuais e transgêneros (LGBT) não é
57
radical e nem complicado. Ela apoia-se em
dois princípios fundamentais que sustentam o
regime internacional de direitos humanos:
igualdade e não discriminação. As palavras de
abertura da Declaração Universal dos Direitos
dos Humanos são inequívocas: “todos os seres
humanos nascem livres e iguais em dignidade
e direitos” (UNITED NATIONS HUMAN
RIGHTS, 2013, p. 7).
É o reconhecimento do igual respeito, sem distinções, à
diversidade das manifestações sexuais e ao acesso a todos aos bens
necessários à vida em sociedade, direcionando-se, principalmente,
à realidade da população LGBT+ enquanto uma minoria
vulnerável.
Como é possível observar, os direitos da sexualidade
fazem referência a direitos individuais que, ao serem analisados sob
a ótica dos direitos fundamentais, são elencados como direitos de
primeira dimensão, como se dá com os direitos à liberdade e à
igualdade, englobando a proteção tanto de sua conduta, quanto de
sua identificação, isso porque a liberdade se desdobra na liberdade
sexual, juntamente com o direito de tratamento igualitário para
além da unicidade sexual (DIAS, 2004, p. 32).
Para tanto, Maria Berenice Dias defende que é
indispensável o reconhecimento da sexualidade como uma
condição humana, sem a qual o indivíduo não pode se realizar,
inserindo-a nas liberdades individuais da pessoa, já que “[...] é um
direito natural que acompanha o ser humano desde seu
nascimento, pois decorre de sua própria natureza” (DIAS, 2004, p.
32).
58
Isso porque ela abrange desde a esfera mais íntima até a
mais exposta do sujeito, isto é, desde a forma como ele se percebe
e se sente, bem como o modo como a sociedade o classifica e o
define, englobando as questões identitárias, psicológicas, morais,
culturais, entre outras (CARDIN, CAZELATTO, 2018, p. 388).
Ainda, os direitos da sexualidade também são postulados
como direitos da personalidade, tendo em vista que, segundo
Margarida Lima Rego, seu exercício:
[...] incide sobre a vida da pessoa, sobre a sua
saúde física e psicológica, sobre a sua
liberdade e integridade física e psicológica,
sobre a sua intimidade; porque é um direito
que protege uma parte imprescindível da
pessoa humana; e porque, finalmente, tal
direito
representa
uma
condição
indispensável para a realização dos fins ou
interesses da vida da pessoa humana (REGO,
2009, p. 6).
Dessa forma, qualificam-se como direitos absolutos, os
quais se impõem aos outros de forma erga omnes; como gerais,
tendo em vista que são pertencentes a qualquer ser humano,
fazendo parte do núcleo mínimo e imprescindível da esfera jurídica
de cada pessoa; como irrenunciáveis e intransmissíveis.
É indissociável, assim, pensar na sexualidade sem a sua
incidência sobre a formação física, psíquica e moral do ser
humano. A essencialidade que fundamenta os direitos da
sexualidade impossibilita negá-los enquanto direitos da
personalidade, já que a expressão sexual afeta profundamente o
59
desenvolvimento da personalidade, motivo pelo qual negar a
vivência, os valores e as diversidades sexuais representa negar a
própria humanidade do seu titular.
Sobre o assunto, Jaqueline Bergara Kuramoto et. al.
lecionam que “[...] sexualidade e dignidade humana estão
diretamente relacionadas à qualidade de vida e bem-estar das
pessoas, que buscam a felicidade e uma vida boa” (KURAMOTO
et. al., 2004, p. 150). Logo, admitir a sexualidade como um
elemento essencial do projeto existencial de qualquer pessoa é
incentivar não somente a consolidação de uma sociedade plural,
livre e democrática, mas também a realização pessoal de cada
indivíduo.
Nessa ótica, leciona Roger Raupp Rios que o direito à
sexualidade deve:
[...] propiciar proteção jurídica e promoção da
liberdade e da diversidade sem fixar-se em
identidades ou condutas meramente toleradas
ou limitar-se às situações de vulnerabilidade
social feminina e suas manifestações sexuais.
É necessário invocar princípios que, velando
pelo maior âmbito de liberdade possível e
igual dignidade, criem um espaço livre de
rótulos ou menosprezos a questões
relacionadas
à
homossexualidade,
bissexualidade, transgêneros, profissionais do
sexo (RIOS, 2006, p. 71).
A partir de então, garantir um livre exercício da
sexualidade se traduz no respeito à autonomia privada das
60
minorias sexuais, tendo em vista que esta confere ao indivíduo o
direito de autodeterminação, ou seja, de “[...] determinar
autonomamente o seu próprio destino, fazendo escolhas que
digam respeito à sua vida e ao seu desenvolvimento humano, como
[...] definir sua orientação sexual” (MARMESLTEIN, 2011, p. 106107).
Nas palavras de Elimar Szaniawski, a autodeterminação
sexual, é composta pelo aspecto da individualidade do ser humano,
especificamente o que tange a sua sexualidade, integrando as
especificidades percebidas e desenvolvidas por este por meio do
seu autodesenvolvimento e percepção, bem como por influências
externas, como a educação (SZANIAWSKI, 2005, p. 62-64). Afinal,
trata-se de uma liberdade que reveste a pessoa com a faculdade de
decisão sobre a sua própria vida e escolhas, isso porque, sem o
exercício da sexualidade humana, “[...] o próprio gênero humano
não se realiza, falta-lhe a liberdade, que é um direito fundamental”
(DIAS, 2004, p. 30).
Por se caracterizarem como um direito fundamental e, ao
mesmo tempo, de personalidade, os direitos da sexualidade se
revestem com a prerrogativa de não discriminação, que se
estabelece a criação de condições materiais e sociais efetivas para
que a diversidade sexual possa prevalecer não só em relação ao
Estado, como também no que diz respeito à sociedade civil, como
o estudo e a discussão da diversidade sexual nos espaços escolares.
Uma sociedade repleta de singularidades implica,
sobretudo, possibilitar aos sujeitos os instrumentos inclusivos
perante suas singularidades, o que obrigatoriamente levaria a uma
reelaboração das políticas públicas e de medidas efetivas,
61
adequadas e acessíveis de viés legislativo, judiciário e,
principalmente, educativo.
3. Da promoção do direito à diversidade sexual na educação
escolar
Considerada um dos instrumentos deformação
sociocultural mais essenciais do ser humano, a educação é elencada
como um direito fundamental pela Constituição Federal de 1988,
especificamente nos arts. 6º e 208, §1º, representando não somente
um direito, mas, sobretudo, uma garantia de todos.
Ao atribuir a responsabilidade jurídica da promoção da
educaçãoao Estado, à família e à sociedade, o constituinte revelou
que a amplitude desse direito vai muito além da esfera individual
de seu titular, abrangendo integralmente a coletividade, tendo em
vista a sua relevânciaà manutenção e ao progresso da cultura, da
ciência, da política, da tecnologia, da democracia e,
principalmente, da inclusão social(BARUFFI, 2008, p. 85).
Nesse sentido, Eliane Ferreira de Souza aponta que:
O direito à educação, para além de uma
exigência contemporânea ligada aos
processos produtivos e de inserção
profissional, exige uma resposta para os
valores da cidadania social e política, a qual
requer uma reinterpretação do sentido de
inclusão social que transcenda o sentido dado
pelo Direito, a partir da perspectiva do
desenvolvimento social, qual seja: a
62
informação constrói a cidadania (SOUZA,
2010, p. 68).
Na mesma lógica, Rogério Luiz Nery da Silva e Daiane
Garcia Masson acrescentam que o direito à educação visa a
preparação do indivíduo para a vida em sociedade, participando
ativamente no desenvolvimento da personalidade humana, na
melhoria da qualidade de vida, na qualificação profissional, bem
como na redução das desigualdades sociais (DA SILVA; MASSON,
2015).
Constitui, assim, o processo de capacitação integral do
sujeito, transformando-o em um ser crítico, analítico, autônomo e
capaz de se autodeterminar em conformidade com as suas próprias
razões e escolhas, uma vez que o proporciona os elementos
necessários para a ruptura dos dogmas que permeiam a estrutura
social, a qual é pautada historicamente na opressão de grupos
vulneráveis e de minorias sociais(BATISTA et. al., 2018, p. 212).
A educação integra o mínimo existencial de uma vivência
digna, de modo que a ausência do acesso educacional viola tanto o
próprio direito à educação, como também inviabiliza que seu
titular exija e exerça, muitas vezes por falta de conhecimento e
capacitação, os demais direitos correlatos com as condições
humanas mais básicas (FREITAS; MOTTA, 2015, p. 47),
desdobrando-se, por consequência, em uma escalada
devulnerabilização social.
Trata-se de um direito pautado no princípio
constitucional da garantia de padrão qualidade, expressa no art.
63
205, inc. VII, da CF, a qual se desdobra, de acordo com Salomão
Barros Ximenes, no:
[...] conjunto de condições de infraestrutura,
humanas e de insumos que permitem o
desenvolvimento de processos educacionais
relevantes e adaptados, assegurados gratuita e
universalmente pelo Estado, objetivando
garantir a todos a aprendizagem de conteúdos
e habilidades necessários à realização dos
direitos humanos na educação e através da
educação. O objetivo do direito à educação é
alcançar a igualdade de base em termos de
sucesso escolar, com respeito à diversidade,
ou seja, maximizar também a realização
destes princípios. Nesse caminho, ambiente
escolar, conteúdos e processos educacionais
são partes estruturantes e inalienáveis do
direito à qualidade e devem, assim, ser
protegidos e realizados (XIMENES, 2014).
Esse princípio pressupõe, portanto, quea qualidade da
educação dos estabelecimentos deve ser constantemente avaliada e
fiscalizada pelo Estado, de modo que as falhas e as deficiências
identificadas devem ser sanadas, superadas em busca de um
melhor desempenho. Importa, de igual maneira, na adoção de
medidas suplementares, como a oferta de material didático,
transporte escolar de qualidade, alimentação, assistência médica ao
educando do ensino fundamental e tudo o que for necessário à
concretização do direito fundamental à educação.
64
Ainda pertinente ao texto da Constituição, o seu artigo
212, caput, e seus parágrafos, procuram garantir a manutenção, o
desenvolvimento e a garantia do padrão de qualidade do ensino,
mediante a aplicação de recursos financeiros, resultantes de
impostos das unidades federadas.Isso porque a educação escolar de
qualidade é um direito de todo cidadão e um dever do Estado,
devendo ser proporcionado de modo igualitário e, paralelamente,
ser o meio de difusão e promoção da diversidade a partir da
igualdade, sobretudo a material.
A escola é um dos microssistemas sociais que o indivíduo
pertence e que sobre ele desempenha uma função socializadora,
influenciando na formação da sua identidade. Por isso, a relevância
escolar de que a apresentação do mundo à criança ou ao jovem não
se limite a mera reprodução de ideologias dominantes, pois corre
se o risco de que as injustiças e as desigualdades sociais continuem
a se perpetuar (CARDIN; DA SILVA, 2018, p. 281).
Enquanto produtor “[...] de práticas sociais, de valores, de
crenças e de conhecimento, movidas pelo esforço de procurar
novas soluções para os problemas vivenciados” (GARRIDO et. al.,
2000, p. 92),o ambiente escolar se torna, então, o cenário propício
e indicado para discutir as questões atinentes à sexualidade
humana e suas manifestações identitárias, visando um ensino que
transcenda o direcionamento único e exclusivo a alunos e
padrõeshetero-cis-sexuais.
Esse tema é previsto na Lei n. 9394/96, denominada como
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a qual estipula, em
seu art. 3°, inc. III, “[...] o pluralismo de ideias e respeito às
concepções pedagógicas”. Também está presente, em volume
65
próprio, nos “Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN):
Orientação sexual”, os quais preveem que cabe à escola abordar os
diversos pontos de vista, valores e crenças existentes na sociedade
para auxiliar o aluno a construir um ponto de auto-referência por
meio da reflexão acerca da sexualidade humana, no entanto,
somente perante os aspectos que percorrem a orientação afetivosexual (omitindo-se, a exemplo, das questões ligadas à identidade
de gênero), constituindo um processo formal e sistematizado que
acontece na instituição escolar para o planejamento e a proposição
de intervenções por parte dos profissionais da educação:
A finalidade do trabalho de Orientação Sexual
é contribuir para que os alunos possam
desenvolver e exercer sua sexualidade com
prazer e responsabilidade. Esse tema vinculase ao exercício da cidadania na medida em
que propõe o desenvolvimento do respeito a
si e ao outro e contribui para garantir direitos
básicos a todos, como a saúde, a informação e
o conhecimento, elementos fundamentais
para a formação de cidadãos responsáveis e
conscientes de suas capacidades (BRASIL,
1997, p. 311).
A educação sobre orientação afetivo-sexual é elencada no
PCN como tema transversal, ou seja, não se reveste como disciplina
autônoma ou obrigatória, devendo, no entanto, ser inserida,
sempre que possível, nas demais disciplinas e na própria orientação
do educador perante os alunos.
66
Em que pese os objetivos da proposta mencionada fazer
referência à sexualidade humana, estabelecendo a necessidade de
transmitir em âmbito escolar a “diversidade de valores, crenças e
comportamentos existentes e relativos à sexualidade, desde que
seja garantida a dignidade do ser humano” ou, ainda, “identificar e
repensar tabus e preconceitos referentes à sexualidade, evitando
comportamentos discriminatórios e intolerantes e analisando
criticamente os estereótipos”, Nilson Fernandes Dinis aponta que
a facultatividade de sua inserção no cotidiano das escolas,
especialmente perante a superação dos preconceitos acerca da
diversidade sexual, demonstra-se insuficiente, já que se delega ao
educador a opção ou não de trabalhá-la com seus alunos, assim
como a escolha do momento em que será ensina/discutida e da
interpretação e do aprofundamento da própria temática (DINIS,
2008).
É em razão da subjetividade proporcionada ao educador,
no critério da educação sexual, que a hetero-cis-normatividade 9
ganha terrenos férteis para se perpetuar, conforme os dizeres de
Rogério Diniz Junqueira:
9
A hetero-cis-normatividade, nesse cenário, reveste-se para além de uma norma,
torna-se um modelo regulatório que produz, por meio do poder de construir,
demarcar e diferenciar, os corpos que governa. Trata-se de uma ideologia
alicerçada na hierarquização das sexualidades, em que a hetero-cis-sexualidade,
isto é, a heterossexualidade e a cisgeneridade são encaradas como dominantes,
superiores, normais e corretas, contribuindo de forma decisiva para o aumento
da hostilidade à comunidade LGBT+, visando designar o outro como contrário,
inferior ou anormal, igualmente como ocorre com o racismo ou o antissemitismo
(OLIVA, 2015, p. 42).
67
Não podemos perder de vista que
intervenções
centradas,
única
ou
principalmente, em nossas boas intenções
pedagógicas ou no poder genericamente
redentor da educação costumam contribuir
para reproduzir o quadro de opressão contra
o qual nos batemos. Em outras palavras, com
frequência, colocamos nossas boas intenções
e nossa confiança em uma educação a serviço
de um sistema sexista e heterossexista de
dominação que deve justamente a essas
intenções e confiança uma parte significativa
de seu poder de conservação (JUNQUEIRA,
2009).
Ao se ensinar os valores hetero-cis-sexistas nos espaços
escolares, estimula-se, mesmo que indiretamente, a homofobia 10,
potencializando-a de nítidos contornos institucionais e afetando a
trajetória educacional de inúmeras pessoas LGBT+. Trata-se da
violação do direito à educação deste segmento social, bem como
dos direitos correlatos com a diversidade sexual, tendo em vista
que o acesso e a promoção da educação de qualidade e inclusiva
são pilares da formação da personalidade humana.
No que diz respeito aos efeitos que a homofobia na
educação, a Pesquisa Nacional sobre o Ambiente Educacional no
10
A homofobia é o fenômeno de cunho negativo e hierárquico responsável pelos
índices mais elevados de ilícitos praticados contra a comunidade LGBT+ em todo
o mundo. Materializa-se de modos diversos de intolerância, de preconceito, de
segregação e de violência, como as simbólicas, as físicas e as verbais, violando
aqueles direitos que compõem a essencialidade da condição humana
(BORRILLO, 2010, p. 18).
68
Brasil 2016, elaborado pela Secretaria de Educação da Associação
Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais
(ABGLT), a partir de questionários respondidos voluntariamente
por adolescentes e jovens na faixa dos 13 aos 21 anos que se auto
identificaram como LGBT+, aponta que 60% deles se sentiram
inseguros/as na escola no último ano por causa de sua orientação
afetivo-sexual e 43% por causa de sua identidade/expressão de
gênero. Já 48% afirmaram que ouviam com frequência
comentários LGBTfóbicos feitos por seus colegas de classe e 55%
especificamente a respeito de pessoas transgêneros. Ainda, 73%
alegaram ter sido agredidos/as verbalmente por causa de sua
orientação sexual e 68% em razão da sua identidade/expressão de
gênero. Além das agressões verbais, 27% dos estudantes relataram
ter sofridos algum tipo de agressão física em virtude de sua
orientação afetivo-sexual, enquanto que 25% por causa de sua
identidade/expressão de gênero. Como resposta a tais
comportamentos na escola, 36% dos participantes da pesquisa
revelaram que a instituição educacional foi “ineficaz” ou “ausente”
para impedir as agressões (BRASIL, 2016).
São dados que revelam que o ambiente escolar brasileiro
está muito distante de se intitular democrático, diversificado,
inclusivo ou, até mesmo, seguro, de maneira que as minorias
sexuais são uma das mais afetadas, tendo em vista que, ainda em
conformidade com a referida pesquisa, possuem 2 vezes mais
chances de faltar à escola após sofrerem episódios de violência de
cunho homofóbico, bem como 1,5 vezes mais probabilidade de
relatar níveis mais elevados de depressão, tendência ao suicídio e
outros distúrbios psicológicos (BRASIL, 2016).
69
Para a redução desse cenário escolar hostil, Alexandre
Bortolini defende a inclusão de conteúdo específico e obrigatório
acercado respeito à diversidade sexual nos currículos dos cursos de
formação inicial dos professores, para que estes tenham o
conhecimento técnico e direcionamento para lidar com situações
de homofobia, bem como para educar para além do que estipula a
ideologia hetero-cis-normativa (BORTOLINI, 2008).
Isso porque a discussão da sexualidade como um dos
temas transversais remete à necessidade de formação específica
para os professores no que diz respeito a esta proposta:
É necessário que o educador tenha acesso à
formação específica para tratar de sexualidade
com crianças e jovens na escola,
possibilitando a construção de uma postura
profissional e consciente no trato desse tema.
Os professores necessitam entrar em contato
com suas próprias dificuldades diante do
tema, com questões teóricas, leituras e
discussões referentes à sexualidade e suas
diferentes abordagens: preparar-se para a
intervenção prática junto aos alunos e ter
acesso a um espaço grupal de produção de
conhecimento a partir dessa prática, se
possível
contando
com
assessoria
especializada. (BRASIL, 1997, p. 303).
Do mesmo modo, outro método de redução do
desconhecimento dos desdobramentos da diversidade sexual é a
inserção, no cotidiano escolar, de materiais pedagógicos voltados à
educação dos direitos humanos e fundamentais, especialmente os
70
das minorias sociais, como o público LGBT+, e os grupos
vulneráveis (CARDENO, 2015).
O conhecimento, promovido a partir da educação,
capacita e é um dos meios de efetivação do acesso à justiça das
minorias sexuais, servindo de canal para que estas busquem
informações, esclareçam a sociedade sobre os tabus e preconceitos
que permeiam a sexualidade humana e reivindiquem seus direitos.
Uma das propostas de promoção dos direitos à diversidade sexual
foi o desenvolvimento em materiais escolares, com o apoio do
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), cujo
objetivo era debater a sexualidade nas escolas, como forma de
reconhecimento da diversidade sexual e combater a violência e o
preconceito contra a população LGBT+. No entanto, em
decorrência da resistência e de campanhas contra o projeto, setores
conservadores da sociedade e do Congresso Nacional conseguiram
suspender a divulgação do kit, intitulado pejorativamente como
“kit gay” (SOARES, 2015).
É essencial a fiscalização regular das práticas de ensino
para garantir que os conteúdos curriculares acercada promoção do
respeito à diversidade sexual, buscando sua implementação de
forma efetiva. Paralelamente a isso, criar canais dentro das escolas
para denúncias de preconceitos e violações dos direitos de
estudantes LGBT+, que deverão contar com profissionais
qualificados e preparados para tanto.
Dessa forma, a escola se revela como um importante
espaço para a promoção dos direitos ligados à diversidade sexual,
em que o papel do formador deve fornecer noções básicas de
cidadania, além de possibilitar ao aluno o desenvolvimento de um
71
senso crítico que supere os padrões impostos socialmente. Como
também, proporcionar a igualdade de condições, por meio de um
ambiente inclusivo, livre de preconceitos e com profissionais
qualificados para lidar com as questões de orientação afetivosexual e identidade de gênero.
4. Considerações Finais
Por transcender a padronização histórico-cultural da
hetero-cis-norma, a sexualidade vai além de papéis enrijecidos do
que se concebe como sexo, gênero, identidade de gênero e
orientação afetivo-sexual, integrando a personalidade humana.
Em sua complexidade, os valores sexuais se desdobram
em todas as esferas individuais e coletivas do indivíduo, isto é,
participa direta e indiretamente dos aspectos culturais, políticos e
identitários da sociedade, desdobrando-se em inúmeros direitos
que compõe a tutela da diversidade sexual, como a liberdade
sexual, a autonomia sexual, a identidade sexual, dentre outros, bem
como se vincula, de modo genérico, a direitos como a honra, a
intimidade, a liberdade e a igualdade, oportunizando o
reconhecimento de inúmeras identidade sexuais, como a
homoafetiva, a heteroafetiva, a bissexualidade, a transgeneridade,
dentre outras.
Nesse sentido, é atribuída à escola o papel de colaborar e
orientar a formação cidadã de seus alunos, buscando alcançar uma
sociedade mais justa, igualitária, plural e livre de preconceitos,
razão pela qual a discussão do tema da diversidade sexual se
demonstra como imanente à conscientização e educação das
72
pessoas acerca das complexidades que permeiam a sexualidade
humana.
Portanto, ao que se refere às minorias sexuais, o direito à
educação para ser efetivado com qualidade deve desempenhar um
papel ativo na transformação social, seja por meio da garantia de
um espaço escolar livre de homofobia, isto é, que seja inclusivo
para a promoção da igualdade material entre os estudantes, seja por
meio da oferta da educação para além do ensino enraizado na
ideologia hetero-cis-normativa, com um ensino que esclareça as
diferenças nas manifestações sexuais e proporcione fundamentos
críticos para que as pessoas LGBT+ consigam alcançar o acesso à
justiça, bem como a efetivação de seus direitos.
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79
O RESGATE DA CIDADANIA PLANETÁRIA ATRAVÉS DA
EDUCAÇÃO AMBIENTAL
THE RESCUE OF PLANETARY CITIZENSHIP THROUGH
ENVIRONMENTAL EDUCATION
Márcio Alexandre Silva 11
Valmir César Pozzetti 12
Resumo: O objetivo desta pesquisa foi o de servir de instrumento
capaz de ampliar a compreensão do ser humano sobre sua
condição e responsabilidade sobre o meio ambiente, refletindo
quanto à esgotabilidade dos recursos existentes no ambiente físico
natural no qual está inserido. Dessa forma, o presente estudo
buscou demonstrar que o restabelecimento do equilíbrio da relação
do ser humano com a natureza deve partir da educação ambiental,
sendo imprescindível que o ser humano busque conhecimentos
concretos relativamente à modernidade e seus efeitos sobre a vida
no planeta. A metodologia utilizada para a compreensão do tema
foi a pesquisa bibliográfica, através da análise de doutrina e artigos
científicos e, quanto aos fins, foi qualitativa. A conclusão que se
chegou foi que, de fato, não somente através da educação ambiental
o homem poderá atuar de forma sustentável como elemento
11
Mestrando em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas
(UEA). Diretor Jurídico na Agência Reguladora dos Serviços Públicos Delegados
do Município de Manaus. Endereço eletrônico: alexandreadvocacia@uol.com.br.
12
Doutor em Direito Ambiental/Biodireito pela Université de Limoges, França;
professor Adjunto da UEA – Univ. do Estado do Amazonas e da UFAM –
Universidade Federal do Amazonas. Eletrônico: v_pozzetti@hotmail.com
80
transformador da cidadania de forma a se garantir o bem-estar
planetário na sociedade de risco.
Palavras-chave: Educação ambiental; Direito socioambiental;
Sociedade de risco.
Abstract: The present study seeks broadening the understanding
of the human being about his condition and about the
exhaustiveness of the resources existing in the natural physical
environment in which he is inserted. At this point, we tried to
demonstrate that environmental education can serve as an
instrument capable reestablish relationship between the human
being and nature, but it is indispensable the human be instructed
about the knowledge on modernity and its effects about life on
earth. Methodology used for a better comprehension was
bibliographic research, through doctrine analysis and scientific
articles and for the purposes was qualitative. The conclusion was
that only through environmental education human being can act
sustainably as a transforming main citizen ensuring the planetary
wellness at risk society.
KEYWORDS: Environmental education; Socio-environmental
law; Risksociety.
1. Introdução
Questiona-se muito na sociedade moderna o ato do
consumo e o conflito entre a sua importância como necessária à
vida e à sobrevivência da espécie humana, pois temos que consumir
água e alimentos para crescermos e nos mantermos saudáveis, e o
problema gerado quando o consumo de bens e serviços acontece
81
de forma exagerada, levando à exploração excessiva dos recursos
naturais e interferindo no equilíbrio estabelecido originalmente no
planeta.
Se antes o ser humano utilizava os recursos naturais
somente para seu sustento e de sua família, atualmente, e
principalmente após a Revolução Industrial, já não funciona dessa
forma, pois, os recursos disponíveis na natureza passaram a ser
explorados sem qualquer ética, isto é, sem a educação e a
consciência necessárias, com o objetivo maior de prover lucro para
grandes indústrias que se utilizam da matéria-prima natural. A
relação homem-natureza, então, foi diretamente afetada porque o
ser humano substituiu os antigos métodos de manuseio da
natureza por métodos industrializados, de exploração em grande
escala.
O desenvolvimento da indústria e a consequente
produção em escala de bens de consumo gerou o que se poderia
chamar de roda viva do consumismo, onde o ser humano produz
mais para consumir mais, sem atentar para o fato de que os
recursos naturais são finitos.
Nesse sentido, o homem passou a ocupar a posição de
explorador do ambiente físico natural, produzindo danos à
natureza, contudo esquecendo-se de que é dela dependente e que
pode sofrer verdadeiro “efeito bumerangue” dos danos a ela
causados. A natureza, então, passou a servir ao homem não
somente para saciar suas necessidades básicas de sobrevivência,
mas, para corresponder aos seus interesses econômicos.
Pode-se dizer que as diversas mudanças ocorridas na
sociedade acabaram por modificar significativamente a relação
82
firmada entre ser humano e natureza, ensejando em uma extrema
degradação dos recursos naturais, o que acaba por atingir de volta
a própria humanidade.
O tema mostrou-se tão importante que a ONU, no
documento “Roteiro para a Localização dos Objetivos de
Implementação
e
Desenvolvimento
Sustentável 13:
Acompanhamento no nível subnacional” pautou dentre seus
objetivos, o de número 12 que orienta os países a “Assegurar
padrões de produção e de consumo sustentáveis”, buscando
reduzir o desperdício de alimentos per capita mundial; alcançar o
manejo sustentável e reduzir a geração de resíduos por meio da
prevenção, redução, reciclagem e reuso, dentre outros.
Há que se considerar, então, o papel fundamental da
educação ambiental no processo de construção de ideias e
direcionamento da conduta humana, servindo de instrumento
mais eficaz na tentativa de contornar a crise socioambiental
existente, bem como resgatar o senso de que todos os seres
humanos fazem parte de uma comunidade global e, portanto, são
responsáveis pelo mundo todo em cada uma de suas ações. Surge,
assim, o conceito de cidadania planetária, que pode ser definida
como uma consciência global de caráter ambiental que perceba as
relações do ser humano consigo mesmo, com os outros e com a
natureza de maneira contextual e em prol da dignidade de todos.
13
- Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) compõem um conjunto
ambicioso de 17 objetivos e 169 metas definido e desenvolvido por meio de um
amplo diálogo sem precedentes entre os Estados membros da ONU, autoridades
locais, sociedade civil, setor privado e outras partes interessadas.
83
Nesse sentido, a educação ambiental pode, portanto,
servir como um instrumento para conscientizar e (re) educar a
humanidade, de modo que o ser humano torne-se consciente dos
limites a serem respeitados no contexto da sociedade de risco,
assim entendida nas palavras de Beck (2010, p.23):
Na modernidade tardia, a produção social de
riqueza é acompanhada sistematicamente
pela
produção
social
de
riscos.
Consequentemente, aos problemas e conflitos
distributivos da sociedade da escassez
sobrepõem-se os problemas e conflitos
surgidos a partir da produção, definição e
distribuição
dois
riscos
científicotecnologicamente produzidos (...)
E Continua Beck (2010, p. 26):
Os riscos e ameaças atuais diferenciam-se,
portanto, de seus equivalentes medievais, ...,
fundamentalmente por conta da globalidade
do seu alcance (ser humano, fauna e flora) e
de suas causas modernas. São riscos da
modernização. São um produto de série do
maquinário industrial do progresso, sendo
sistematicamente agravados com seu
desenvolvimento ulterior.
Deve a humanidade, assim, buscar frear o ritmo acelerado
dos problemas socioambientais cada vez mais evidentes, sendo
mais consciente em suas escolhas e sabendo que cada uma delas
pode afetar o planeta no qual vive, ou seja, o homem deve mudar
84
seu comportamento pois suas ações geram um efeito reflexivo
contra o seu próprio bem-estar no Planeta.
Pretende-se, então, discutir a importância da educação
ambiental como mecanismo hábil para promover a autonomia e
reflexão do ser humano e, ainda, como pode mudar seu
comportamento de forma a adotar medidas práticas no contexto
ambiental.
Assim, buscar-se-á analisar de que modo a educação
ambiental pode servir como instrumento para conscientizar o ser
humano de sua atual condição e das consequências irreversíveis a
serem causadas à natureza e a ele próprio, caso persista no ritmo
estabelecido pela sociedade moderna de consumo.
A metodologia utilizada nesta pesquisa foi a do método
exploratório e a técnica de pesquisa bibliográfica, para
sincronização dos conceitos e da doutrina acerca da educação
ambiental e seu papel na gestão dos riscos gerados na sociedade
moderna. Quanto aos fins a metodologia foi a qualitativa.
2. Do conceito de cidadania planetária e a sociedade de
consumo
A modernidade e seus efeitos impõem um verdadeiro
desequilíbrio na relação homem-natureza, pois o ser humano
passou a adotar uma postura exploratória em relação aos recursos
naturais disponíveis, ensejando na escassez de tais recursos e no
comprometimento da qualidade de vida humana, pois as ações do
homem geram problemas modernos cada vez mais em pauta nas
discussões entre os países, por meio das Conferências Ambientais
85
Internacionais de Estocolmo, em 1972, a Eco-92 ou Rio-92;
a Rio+10, em 2002, a Rio+20, em 2012, e em 2015, na sede da
ONU, a Cúpula de Desenvolvimento Sustentável. Nesse encontro,
todos os países da ONU definiram os novos Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável (ODS)
Em todos esses encontros com os líderes mundiais a
pauta principal sempre foi e será a ênfase à necessidade que a
sociedade pós-moderna tem de rever sua conduta atual que se
encontra, equivocadamente, pautada pelo consumismo
exacerbado. Temos assim, como preocupação do homem moderno
a preocupação com o “desenvolvimento sustentável” 14, definido
como um modelo socioeconômico e ambiental que está
diretamente relacionado com o crescimento da economia de uma
forma que garanta a inclusão social e a proteção do meio ambiente,
de modo que as necessidades da geração atual possam ser supridas
sem que sejam comprometidas as gerações futuras.
Assim, a sociedade moderna passa a questionar-se quanto
à incessante busca por crescimento econômico versus a necessária
preservação do meio ambiente em função do estilo de vida adotado
atualmente, em função do conflito gerado entre a garantia da plena
satisfação dos interesses econômicos sem que se massacre o meio
ambiente; isso porque os recursos naturais estão sendo explorados
de forma abusiva, sem que sejam respeitados seus ciclos e sistemas.
14
- O conceito de desenvolvimento sustentável foi criado na Comissão Mundial
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento no relatório conhecido como “Nosso
Futuro Comum” no século XX. Esse conceito foi introduzido na Agenda 21, um
documento de 40 capítulos criado na Conferência Rio 92 e anexado as agendas
internacionais para a promoção do desenvolvimento sustentável.
86
É característica peculiar, da sociedade de risco, alimentar
uma roda viva do consumismo por meio da subjugação da
natureza, gerando riscos para o meio ambiente.
A respeito disso, Beck (2010, p. 9) afirma que:
A oposição entre natureza e sociedade é uma
construção do século XIX, que serve ao duplo
propósito de controlar e ignorar a natureza. A
natureza foi subjugada e explorada no final do
século XX e, assim, transformada de
fenômeno predeterminado em fabricado. Ao
longo de sua transformação tecnológicoindustrial e de sua comercialização global, a
natureza foi absorvida pelo sistema industrial.
Dessa forma, ela se converteu, ao mesmo
tempo, em pré-requisito indispensável do
modo de vida no sistema industrial.
Tem-se, então, que desde a Revolução Industrial, a
sociedade passou a produzir em maior escala bens de consumo,
utilizando como matéria-prima os recursos naturais disponíveis,
deixando de observar que os mesmos são limitados, conforme
explica Beck (2010, p. 24):
Isto coincide com o novo paradigma da
sociedade de risco, que se apoia inteiramente
na solução de um problema similar e no
entanto inteiramente distinto. Como é
possível que as ameaças e riscos
sistematicamente coproduzidos no processo
tardio de modernização sejam evitados,
minimizados, dramatizados, canalizados e,
87
quando vindos à luz sob a forma de “efeitos
colaterais latentes”, isolados e redistribuídos
de tal modo que não comprometam o
processo de modernização e nem as fronteiras
do que é (ecológica, medicinal, psicológica e
socialmente) “aceitável”?
A sociedade atual funciona de modo a produzir cada vez
mais bens de consumo, os quais passaram a ser produzidos de
maneira que sejam descartados com maior frequência haja vista
sua baixa qualidade, e nesse aspecto não se pode deixar de registrar
os bens de consumo made in China, que podem ser encontrados
nos mercados de consumo do mundo inteiro.
Na sociedade moderna consome-se muito mais por status
financeiro e social, influência da mídia, dentre outros, do que por
real necessidade, o que torna muito comum a rotatividade de bens
de consumo. Importa mencionar que essa rápida substituição
acaba por gerar resíduos sólidos cujo tratamento não se dá na
mesma velocidade em que se consome.
Silva (2013, p. 25) esclarece que esse estilo de vida adotado
pela sociedade moderna não pode ser sustentado sem que sejam
sacrificados os recursos naturais:
O
desenvolvimento
econômico
tem
consistido, para a cultura ocidental, na
aplicação direta de toda a tecnologia gerada
pelo Homem no sentido de criar formas de
substituir o que é oferecido pela Natureza,
com vista, no mais das vezes, à obtenção de
lucro em forma de dinheiro; e ter mais ou
menos dinheiro é, muitas vezes, confundido
88
com a melhor ou pior qualidade de vida. [...].
Mas o conforto que o dinheiro compra não
constitui todo o conteúdo de uma boa
qualidade de vida. A experiência dos povos
ricos o demonstra, tanto que também eles
buscam uma melhor qualidade de vida.
Porém, essa cultura ocidental, que hoje busca
uma melhor qualidade de vida, é a mesma que
destruiu e ainda destrói o principal modo de
obtê-la: a Natureza, patrimônio da
Humanidade, e tudo o que pode ser obtido a
partir dela, sem que esta seja degradada.
Tem-se, assim, um verdadeiro dilema entre os interesses
econômicos da sociedade moderna e a necessidade de preservação
do meio ambiente, posto que, para manter sua rotina de consumo
a mesma deve sacrificar os recursos naturais que são limitados;
contudo, é de tais recursos que provêm a matéria-prima necessária
para manutenção de todo o sistema sob o qual tal sociedade se
estabelece, há necessidade de exploração dos recursos, mas estes de
igual forma precisam ser conservados. Como, então, exercitar o
consumo de forma a salvaguardar o meio ambiente?
É importante observar que cada indivíduo, em seu espaço
de influência e alcance de suas ações, é sujeito da história e,
portanto, possui responsabilidade para com o planeta e é nesse
sentido que se constrói o conceito de cidadania planetária, segundo
o qual todos os habitantes da terra são cidadãos do planeta e devem,
portanto, praticar suas ações considerando que essas terão
consequências, reflexivamente, para o meio ambiente e,
consequentemente, para a própria vida humana.
89
Segundo Gutiérrez e Prado (1999, p. 37), “A cidadania
planetária supõe o reconhecimento e a prática da planetaridade,
isto é, tratar o planeta como um ser vivo e inteligente [...] a
planetaridade deve levar-nos a sentir e viver nossa cotidianidade
em relação harmônica com os outros seres do planeta Terra”.
Em sentido ainda mais amplo, defende Gadotti (2000, p.
159 e 160):
A cidadania planetária deverá ter como foco a
superação da desigualdade, a eliminação das
sangrentas diferenças econômicas e a
integração da diversidade cultural da
humanidade e a eliminação das diferenças
econômicas. Não se pode falar em cidadania
planetária ou global sem uma efetiva
cidadania na esfera local e nacional. Uma
cidadania é por essência uma essência uma
cidadania integral, portanto, uma cidadania
ativa e plena não apenas nos direitos sociais,
políticos, culturais e institucionais, mas
também econômico-financeiros. A cidadania
planetária implica também a existência de
uma democracia planetária. Portanto, ao
contrário do que sustentam os neoliberais,
estamos muito longe de uma efetiva cidadania
planetária. Ela ainda permanece como projeto
humano, inalcançável se for limitada apenas
ao desenvolvimento tecnológico. Ela precisa
fazer parte do próprio projeto da humanidade
como um todo. Ela não será uma mera
consequência ou um subproduto da
tecnologia ou da globalização econômica.
90
Pelo que se pode concluir, portanto, o conceito de
cidadania planetária não somente se relaciona à pretensão de ter
uma sociedade sustentável, mas, sobretudo em promover em cada
indivíduo o senso de pertencimento no mundo e despertar a
consciência de que cada ação tem um reflexo em um sistema maior.
Na sociedade de consumo essa falta de consciência
quanto ao impacto de ações individuais no todo, acabam por
ensejar em desigualdades econômicas e sociais, esgotamento dos
recursos naturais, dentre outras mazelas sociais e ambientais, o que
compromete a qualidade de vida do ser humano.
Assim, entende-se que é, de fato, um desafio promover a
cidadania planetária no contexto da sociedade de consumo, isso
porque na sociedade de risco há o constante incentivo para que seja
assumida uma postura de consumo desenfreado, totalmente
incompatível com a consciência planetária, na qual as
consequências dos atos isolados afetam no todo, razão pela qual se
observará o papel da educação no resgate de tal conceito dentro da
sociedade de risco.
3. Da educação ambiental
A educação de um modo geral, certamente pode ser
utilizada como mecanismo de reorganização social especialmente
no que diz respeito ao aspecto ambiental. Segundo Aranha (p. 50,
1996) a educação não se trata de simples transmissão de
conhecimento entre gerações, mas, de verdadeira “gestação do
novo e a ruptura com o velho”.
91
Entende-se que a educação tem esse poder inovador, de
converter o conhecimento científico num projeto de futuro e,
sobretudo permite a formação do ser humano, capaz de se integrar
como um ser social, capaz de assumir deveres dentro de
determinada estrutura social. Na verdade, a educação consiste em
verdadeiro processo de construção da autonomia individual e
senso de coletividade do sujeito, especialmente por meio de uma
estrutura educacional dinâmica e democrática, capaz de permitir o
desenvolvimento das competências necessárias para que o sujeito
possa lidar com as questões ambientais – o que traz à lembrança o
conceito de escola-democrática (PUIG, 2000).
No que diz respeito especificamente à educação
ambiental, essa tem papel fundamental na sociedade, no sentido de
promover a consciência do ser humano quanto à necessidade do
consumo responsável. Nessa acepção, Gadotti (2000, p. 79) orienta
que “o desenvolvimento sustentável tem um componente
educativo formidável: a preservação do meio ambiente depende de
uma consciência ecológica e a formação da consciência depende da
educação”.
É importante destacar que a educação ambiental tem
características e propósitos muitos específicos e, ainda que utilize
por vezes ferramentas da educação tradicional não se trata do
mesmo tipo de educação, conforme muito bem explica Gadotti
(2000, p. 96):
A educação ambiental vai muito além do
conservacionismo. Trata-se de uma mudança
radical de mentalidade em relação à qualidade
92
de vida, que está diretamente ligada ao tipo de
convivência que mantemos com a natureza e
que implica atitudes, valores, ações. Trata-se
de uma opção de vida por uma relação
saudável e equilibrada, com o contexto, com
os outros, com o ambiente mais próximo, a
começar pelo ambiente de trabalho e
doméstico.
Observa-se que a educação ambiental não visa tão
somente a preservação do meio ambiente, mas, sobretudo ao
desenvolvimento de uma sociedade fundada em um sistema
sustentável, ou seja, pretende a verdadeira ruptura do atual sistema
que incentiva o consumo e o lucro.
Ocorre que, por muito tempo, a educação ambiental
encontrou pouco espaço, tanto em âmbito nacional como
internacional. Conforme Dias (2000, p. 29) o conceito de Educação
Ambiental teria surgido nos anos 70, e pode ser definido como um
“processo de reconhecimento de valores e de esclarecimentos de
conceitos, que permitam o desenvolvimento de habilidades e
atitudes necessárias para entender e apreciar as inter-relações entre
o homem, sua cultura e seu ambiente biofísico circunjacente”.
A legislação brasileira também cuidou de estabelecer um
conceito para educação ambiental, na PNMA - Política Nacional
de Educação Ambiental - Lei nº 9795/1999:
Art. 1º Entendem-se por educação ambiental
os processos por meio dos quais o indivíduo e
a coletividade constroem valores sociais,
conhecimentos, habilidades, atitudes e
93
competências voltadas para a conservação do
meio ambiente, bem de uso comum do povo,
essencial à sadia qualidade de vida e sua
sustentabilidade.
Percebe-se, portanto, que a educação ambiental se torna
efetiva quando a sociedade tem a correta compreensão da natureza
e da interdependência desta com os seres humanos e vice-versa, de
modo a garantir a sustentabilidade do meio ambiente.
Quanto ao tema, Dias ainda nos orienta (2000, p. 161):
Uma educação para a cidadania planetária
deveria nos levar à construção de uma cultura
da sustentabilidade, isto é, uma biocultura,
uma cultura da vida, da convivência
harmônica entre os seres humanos e entre
estes e a natureza (equilíbrio dinâmico). Paulo
Freire nos falava de uma “racionalidade
molhada de emoção”. Morin nos fala de uma
“lógica do vivente” contra a “racionalidade
instrumental” evidenciada Habermas. “A
cultura da sustentabilidade deve nos levar a
saber selecionar o que é realmente sustentável
em nossas vidas, em contato com a vida dos
outros. Só assim seremos cúmplices nos
processos de promoção da vida. Criar vida é,
portanto, criar a cultura da sustentabilidade”.
Assim, vê-se que a educação ambiental deve justamente
promover o pleno exercício da cidadania, não somente por meio
da preservação do meio ambiente, mas, sobretudo, com a adoção
de medidas sustentáveis visando criar uma verdadeira “cultura da
94
sustentabilidade” nas ações de cada indivíduo, razão pela qual
Genebaldo Freire Dias (p. 31) afirmou que “a educação ambiental
deve capacitar ao pleno exercício da cidadania, através da formação
de uma base conceitual abrangente, técnica e culturalmente capaz
de permitir a superação dos obstáculos à utilização sustentada do
meio”.
4. Da teoria do risco e da mudança de paradigmas por meio da
educação ambiental
Segundo a teoria do risco, defendida por Ulrich Beck, a
sociedade de consumo possui uma configuração social baseada em
riscos e nos efeitos decorrentes da modernização, especialmente
em razão do sistema produtivo industrial por ela adotado.
Certamente a sociedade de risco traz em si uma grande
contradição, pois, ao mesmo tempo em que permitiu e propiciou
inúmeras conquistas na indústria, ciência e tecnologia, trouxe
consigo uma bagagem de riscos que ameaçam inclusive provocar o
extermínio da vida humana e da natureza no planeta segundo Beck
(2010, p. 16):
No centro da questão estão os riscos e efeitos
da modernização, que se precipitam sob a
forma de ameaças à vida de plantas, animais e
seres humanos. Eles já não podem – como os
riscos fabris e profissionais no século XIX e na
primeira metade do século XX – ser limitados
geograficamente ou em função de grupos
específicos. Pelo contrário, contêm uma
tendência globalizante que tanto se estende à
95
produção e reprodução como atravessa
fronteiras nacionais e, nesse sentido, com um
novo tipo de dinâmica social e política, faz
surgir ameaças globais supranacionais e
independentes de classe.
Para Bauman (1998, p. 91) a modernidade impõe
“padrões, esperança e culpa”, fazendo com que o ser humano seja
levado a buscar, num ritmo frenético, alcançar padrões
aparentemente inatingíveis.
Quanto a isto, Aranha (1996, p. 237) afirma que:
O contraponto do progresso se encontra na
ameaça nuclear e na degradação ambiental
com os perigos da poluição industrial,
desertificação, destruição da flora e da fauna,
efeito estufa, buraco na camada de ozônio.
São exemplos do que os filósofos
frankfurtianos chamam de sofrimento da
natureza, infligido pelo homem, incapaz de
reconhecer que a natureza não é uma
realidade a ser dominada. Não por acaso,
segundo Horkheimer, “a história dos esforços
humanos para subjugar a natureza é também
a história da subjugação do homem pelo
homem”.
Importante destacar que o estilo de vida adotado na
sociedade de consumo, apresenta riscos que comprometem a vida
humana no planeta, com a destruição dos recursos naturais,
poluição industrial, dentre outros, ou seja, no sistema adotado pela
sociedade de risco, há a constante degradação da natureza e
96
consequentemente diminuição da qualidade de vida do ser
humano. Nesse sentido Aranha (1996, p. 237) destaca que “os
prejuízos na qualidade de vida propriamente humana são fruto das
contradições insolúveis do sistema engendrado na modernidade”.
O fato é que a modernidade e o estilo de vida da sociedade
de consumo acabam por tornar evidente que resta instalada uma
verdadeira crise socioambiental decorrente da atuação do próprio
ser humano, ou seja, de sua ação destrutiva na natureza.
Nesse sentido, ao mesmo tempo em que a modernidade
trouxe inovações positivas, como na ciência e tecnologia por
exemplo, também propiciou o surgimento de novas ameaças e
riscos para a humanidade, dado seu ritmo frenético.
Dessa forma, podemos constatar que para a mudança do
atual formato da sociedade moderna, primeiramente seria
necessária uma verdadeira mudança na forma de pensar e agir do
próprio ser humano.
Percebe-se que há uma verdadeira “crise institucional” no
sistema adotado pela sociedade de risco. Nesse sentido, Beck (p. 19)
destaca ser urgente a necessidade de reformulação dos
pressupostos nos quais se funda tal modelo social de
desenvolvimento-consumo. Assim, a crise socioambiental que
assola a sociedade de consumo somente pode ser superada por
meio de sua própria reavaliação, como também entende Maria
Lúcia Aranha (1996, p. 229):
Se vivemos hoje o mal-estar da modernidade,
em decorrência das promessas abortadas da
racionalidade expressa na ciência, na técnica,
97
na ilusão do progresso, à qual se contrapõem
de maneira cruel duas guerras mundiais,
Auschwitz, Hiroshima, o desequilíbrio
ecológico e a ameaça de aniquilação atômica,
não há por que se refugiar no irracionalismo.
Por isso, contestar a modernidade não
significa necessariamente recusá-la, mas sim
repensá-la [...] Mais do que sucumbir à
desrazão, cumpre denunciar os desvios da
razão enlouquecida.
O Relatório Planeta Vivo da Rede WWF 15 traz dados
concretos sobre o que as mudanças significam para a humanidade
em função do consumo das sociedades, o que é descrito através da
expressão “pegada ecológica” e o impacto causado no planeta:
O tamanho e composição da Pegada
Ecológica per capita de uma nação são
determinados pela quantidade média de bens
e serviços utilizados por uma pessoa e pela
eficiência na utilização dos recursos,
incluindo combustíveis fósseis, para fornecer
estes bens e serviços. Não é de estranhar que a
maioria dos 25 países com a maior Pegada
Ecológica per capita são nações de renda alta;
e para praticamente todos estes países o
carbono é o maior componente da Pegada. A
contribuição de cada nação para a sobrecarga
ecológica global varia entre países. Por
exemplo, se todas as pessoas do planeta
tivessem uma pegada ecológica do tamanho
15
Publicação bianual que documenta o estado do planeta as mudanças na
biodiversidade, ecossistemas e demanda da humanidade pelos recursos naturais
98
da pegada per capita do Catar, precisaríamos
de 4,8 planetas. Se tivéssemos o mesmo estilo
de vida de uma pessoa dos Estados Unidos
precisaríamos de 3,9 planetas. No caso de
Eslováquia ou Coreia do Sul, precisaríamos de
2 ou 2,5 planetas, respectivamente, enquanto
uma pessoa da África do Sul ou Argentina
precisaria de 1,4 ou 1,5 planetas.
Diante do cenário de consumo é necessário enfretamento
da crise socioambiental existente no contexto da sociedade de risco
e melhor caminho não se apresenta senão o da implementação de
uma educação ambiental efetiva, capaz de despertar a consciência
coletiva para a necessária mudança de atitude quanto ao trato da
“casa comum” de todos os povos pois, afinal, só temos um planeta
de onde retirar a matéria prima necessária à nossa sobrevivência.
Dessa forma, a educação ambiental certamente pode
funcionar como instrumento para resgatar a necessária consciência
planetária do ser humano, resolvendo de certo modo a crise
socioambiental instalada na sociedade pós-moderna, isso porque o
primeiro passo para a resolução das questões ambientais,
certamente é a mudança de perspectiva, de comportamento, do
indivíduo e isso se dá primeiramente por meio da educação.
Diante de tais ponderações, vê-se que é inadiável a
reconsideração dos fundamentos da modernidade e, com isso,
repensar-se o modo como o ser humano tem se relacionado com a
natureza. O desenvolvimento sustentável somente poderá ser
alcançado se o homem puser em prática uma consciência ecológica
99
(ecopedagogia), integrando à sua realidade um comportamento
ético através da reeducação dos seus hábitos de consumo.
Deve-se repensar a modernidade em si e seus
pressupostos, por meio da educação ambiental, o que, certamente
pode vir a significar uma possível resolução dessa problemática e
apropriação do importante conceito de cidadania planetária,
conscientizando-se que os bens naturais não são apenas locais, mas
pertencentes à comunidade global.
5. Considerações finais
Uma vez que a sociedade moderna se demonstra uma
produtora, em grande escala, de riscos para a humanidade, a
educação ambiental possui papel fundamental no resgate da
consciência do ser humano quanto à sua responsabilidade para
com o meio ambiente e para com a própria vida humana. É por
meio da educação que o ser humano tem seus paradigmas
modificados e, certamente, por meio da educação ambiental será
possível reestabelecer uma nova visão de mundo e promover o
resgate da cidadania planetária.
A relação homem-natureza foi bruscamente alterada com
o processo de industrialização, sendo a natureza a maior refém da
atuação impensada do ser humano, ao ignorar a finitude dos
recursos naturais. Contudo, tal problemática não surgiu por acaso,
mas, em decorrência da chegada da modernidade e dos métodos
industriais de produção em larga escala. O fato é que, consolidado
o consumismo, tem-se uma sociedade literalmente de risco, posto
100
que pelo ritmo desenfreado produz cada vez mais ameaças à
consciência planetária.
Entende-se, então, que a educação ambiental é o mais
valioso instrumento para reformulação dos pressupostos nos quais
se funda a sociedade de risco, isso porque por meio da educação
ambiental os seres humanos são levados a repensar e questionar
sua atual realidade e adotar uma postura mais sustentável, com a
consciência de que cada ato praticado afeta o planeta inteiro.
Somente através da educação ambiental pode-se formar
um consumidor consciente que busca saber quanto consome,
avalia a necessidade de consumo, preocupa-se com o ciclo de vida
de um produto, até seu descarte final. Atitudes simples, mas que
têm grande impacto positivo para o meio ambiente.
Assim, a educação ambiental pode servir para resgatar o
senso de cidadão planetário que todos os indivíduos deveriam ter,
a fim de garantir a preservação do meio ambiente e
consequentemente garantir melhor qualidade de vida para todos
os que habitam o planeta, buscando sempre encontrar alternativas
e respostas efetivas para combater a crise socioambiental existente
na sociedade de consumo.
6. Referências
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rev. e ampl. São Paulo: Moderna, 1996.
101
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda.História da educação. 2. ed.
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Tradução de Mauro Gama. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.
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PUIG, Josep M [et al.]. Democracia e participação
escolar:propostas de atividades. Tradução: Maria Cristina de
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SILVA, José Afonso da Silva. Direito ambiental constitucional.
Ed. Atual. São Paulo: Malheiros, 2013.
102
WWF. 2014. Living Planet Report 2014: People and places,
species and spaces. [McLellan, R., Iyengar, L., Jeffries, B. and N.
Oerlemans (Eds)]. WWF, Gland, Switzerland. ISBN 978-2940443-88-8
103
EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS: MARCOS LEGAIS
E (IN)EFETIVIDADE 16
EDUCATION IN HUMAN RIGHTS: LEGAL
FRAMEWORKS AND (IN)EFFECTIVENESS
Horácio Wanderlei Rodrigues 17
16
Esta publicação é uma versão do artigo anteriormente publicado como:
RODRIGUES, Horácio Wanderlei; LAPA, Fernanda Brandão. Educação em
Direitos Humanos: marcos legais e (in)efetividade. Revista Direitos Sociais e
Políticas Públicas (UNIFAFIBE), v. 4, n. 2, 2016. p. 181-226. Disponível em:
<http://unifafibe.com.br/revista/index.php/direitos-sociais-politicaspub/article/view/158>. A pesquisa que lhe deu origem foi realizada com apoio do
CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – Brasil,
no âmbito do projeto de pesquisa “Conhecer Direito: os processos de produção
do conhecimento na área do Direito - o conhecimento jurídico produzido através
da pesquisa, do ensino e das práticas profissionais”. Sua primeira versão foi escrita
especialmente para o Ciclo de Debates: Ensino do Direito e Direitos Humanos,
promovido pelo Grupo de Estudos de Educação e Relações de Gênero (GEERGE),
vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEdu) da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O evento ocorreu em
quatro etapas, nas segundas semanas de março, abril, maio e junho de 2015; esse
trabalho foi apresentado no segundo encontro, realizado em 9 e 10 de abril. Em
alguns aspectos em que a Educação em Direitos Humanos se aproxima, em
termos de concepção, da Educação Ambiental, foram aproveitados e adaptados
trechos de outros trabalhos anteriormente publicados. RODRIGUES, Horácio
Wanderlei; FERRACINI, MyrthaWandersleben. Educação ambiental no Brasil:
obrigatoriedade, princípios e outras questões pertinentes In: RODRIGUES,
Horácio Wanderlei; DERANI, Cristiane (org.). Educação ambiental.
Florianópolis: Fundação Boiteux, 2011. p. 13-32. Disponível em:
<http://funjab.ufsc.br/wp/?pageid=1819>.
17
Doutor e Mestre em Direito pela UFSC. Pós-doutorados em
Filosofia/UNISINOS e em Educação/UFRGS. Professor Permanente do PPG
104
Fernanda Brandão Lapa18
Resumo: O artigo propõe reflexões acerca da Educação em
Direitos Humanos no âmbito da educação formal, em especial da
educação para a cidadania e formação de professores; assim como,
para a formação profissional dos operadores do Direito.
Inicialmente, descreveu-se o que é e pode estar incluído em uma
Educação em Direitos Humanos conforme os documentos
nacionais e internacionais sobre a matéria. No âmbito da educação
para cidadania e formação de professores destacaram-se alguns
pontos como o protagonismo do aluno, interdisciplinaridade e
transversalidade; e ainda, a relação professor-aluno. Já na formação
para os operadores do Direito, pontuou-se a importância do ensino
do direito positivo e dos Direitos Humanos no ensino jurídico,
assim como apresentamos a alternativa das Clínicas de Direitos
Humanos. Por fim, conclui-se que falta educação para a cidadania
no Brasil pela falta de formação adequada em Direitos Humanos
para os professores das licenciaturas e pós-graduação, assim como
não existe efetividade dos Direitos Humanos pela ausência de
formação dos profissionais de Justiça e Segurança.
Palavras-chave: Educação em Direitos Humanos; Ensino do
Direito; Educação Jurídica; Clínicas de Direitos Humanos.
Direito/IMED/RS. Professor Colaborador do PPGPD/UFSC. Sócio fundador do
CONPEDI e da ABEDi. Membro do Instituto Iberomericano de
DerechoProcesal. Pesquisador do CNPq e da Fundação Meridional.
18
Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC/SP) e Mestre em Teoria e Filosofia do Direito pela Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC). Professora de Direitos Humanos da Universidade da
Região de Joinville (UNIVILLE).
105
Abstract: The article proposes reflections on the study of Human
Rights in formal education, particularly education for citizenship
and teacher training; as well as for the training of legal
professionals. Initially, it was described what it is and can be
included in a Human Rights Education based on national and
international documents. In the context of education for
citizenship and teacher training, some points were highlighted as
the role of the student, interdisciplinary and transdisciplinary; and,
still, the teacher-student relationship. Moreover, regarding the
training for legal professionals, it was appointed the importance of
positive law and teaching of human rights in legal education, as
well as presents the alternative methodology of Human Rights
Clinics. Finally, concludes that there is not enough education for
citizenship in Brazil by the lack of appropriate human rights
trainings for teachers of undergraduate and postgraduate
programs, as there is no effectiveness of Human Rights by the lack
of training of Justice and Security professionals.
Key-words: Human Rights Education; Law Teaching; Legal
Education; Human Rights Clinics.
1. Introdução
Este artigo busca realizar uma breve reflexão sobre a
amplitude das situações que se colocam no âmbito da Educação em
Direitos Humanos, enquanto educação que obrigatoriamente deve
ocorrer no âmbito dos diversos níveis dos sistemas educacionais
formais.
Para caracterizarmos o que é a Educação em Direitos
Humanos recorremos aos documentos oficiais sobre a matéria
106
emanados das Nações Unidas (Programa Mundial para Educação
em Direitos Humanos – primeira, segunda e terceira etapas) e do
Estado Brasileiro (Plano Nacional de Educação em Direitos
Humanos, Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos
Humanos).
No contexto desses documentos é possível afirmar que a
Educação em Direitos Humanos deveria ser bastante ampla,
envolvendo a educação para a cidadania, a formação em direitos
humanos dos profissionais da educação, dos profissionais de mídia
e comunicação, de ativistas de ONGs e movimentos sociais e a
formação técnica dos profissionais que atuam nos diversos
sistemas de justiça e de segurança (com destaque para os
operadores do Direito).
Este artigo destina a seção inicial para caracterizar o que
é e o que inclui a Educação em Direitos Humanos. Na sequência
contém duas outras seções destinadas especificamente a tratar da
Educação em Direitos Humanos no sistema educacional formal,
incluindo a educação para a cidadania e a necessária formação
docente, e da Educação em Direitos Humanos enquanto formação
profissional dos operadores jurídicos. Ao final apresenta breves
conclusões sobre o tema estudado.
2. O que é educação em direitos humanos?
Considerando as posições divergentes presentes nas
obras dos diversos autores que trabalham o tema, optamos por
responder a essa pergunta com base nos documentos
internacionais e nacionais existentes sobre a matérias. Nos
107
parágrafos que seguem transcrevemos o que se encontra em
documentos oficiais das Nações Unidas e do Brasil.
A Educação em Direitos Humanos – EDH, é assegurada
pela Declaração das Nações Unidas sobre Educação e Formação em
Matéria de Direitos Humanos, sendo considerada essencial para a
garantia dos demais direitos humanos:
Artigo 1
1. Toda pessoa tem direito de possuir,
procurar e receber informações sobre todos os
direitos humanos e liberdades fundamentais e
deve ter acesso à educação e formação em
direitos humanos.
2. A educação e formação em matéria de
direitos humanos são essenciais para a
promoção do respeito universal e eficaz de
todos os direitos humanos e as liberdades
fundamentais de todas as pessoas, de acordo
com os princípios da universalidade,
indivisibilidade e interdependência dos
direitos humanos.
Artigo 2
1. Educação e a formação em matéria de
direitos humanos estão integradas pelo
conjunto de atividades educativas e de
formação, informação, sensibilização e
aprendizagem que têm por objetivo promover
o respeito universal e eficaz de todos os
direitos humanos e liberdades fundamentais,
contribuindo assim, entre outras coisas, para
a prevenção de abusos e violações de direitos
humanos ao proporcionar às pessoas
conhecimentos, habilidades e compreensão e
108
desenvolver suas atitudes e comportamentos
para que possam contribuir para a criação e
promoção de uma cultura universal de
direitos humanos. (NAÇÕES UNIDAS,
Resolução n.º 66/137, 2011).
Para a referida Declaração, a educação e a formação em
direitos humanos incluem: a educação sobre os direitos humanos,
a educação por meio dos direitos humanos e a educação para os
direitos humanos.
Enfatiza também que a EDH é um processo para toda a
vida, todas as idades, todos os setores da sociedade, todos os níveis
e formas de educação (art. 3º) e deve basear-se nos princípios da
igualdade, especialmente na igualdade entre meninas e meninos,
homens e mulheres, na dignidade humana, na inclusão e na não
discriminação (art. 5º, 1).
Nesse sentido, a Resolução n.º 49/184 da ONU, que
instituiu a supramencionada Década das Nações Unidas para a
Educação em Matéria de Direitos Humanos, definiu educação em
direitos humanos como:
[...] os esforços de formação, divulgação e
informação destinados a construir uma
cultura universal de direitos humanos através
da transmissão de conhecimentos e
competências e da modelação de atitudes,
com vista a:
(a) Reforçar o respeito pelos direitos humanos
e liberdades fundamentais;
(b) Desenvolver em pleno a personalidade
humana e o sentido da sua dignidade;
109
(c) Promover a compreensão, a tolerância, a
igualdade entre os sexos e a amizade entre
todas as nações, povos indígenas e grupos
raciais, nacionais, étnicos, religiosos e
linguísticos;
(d) Possibilitar a participação efetiva de todas
as pessoas numa sociedade livre;
(e) Promover as atividades das Nações Unidas
em prol da manutenção da paz. (NAÇÕES
UNIDAS, Resolução n.º 49/184, 1994).
O Programa Mundial para Educação em Direitos
Humanos, documento produzido pelas Nações Unidas, após a
Década das Nações Unidas para a Educação em matéria de direitos
humanos (1995-2004), foi dividido em três planos de ação. O
primeiro, de 2005 a 2009, destinado às políticas de educação em
direitos humanos para a educação básica e ensino médio; o
segundo, de 2010 a 2014, concentrou-se na educação superior, de
funcionários públicos, profissionais de Direito e militares; e, por
último, o terceiro, de 2015 a 2019, dá enfoque à educação dos
profissionais de mídia e comunicação.
A atual terceira etapa do Programa Mundial apresenta a
seguinte perspectiva à educação em Direitos Humanos:
4. Conforme esses instrumentos, que contêm
elementos para a definição da educação em
direitos
humanos
aprovados
pela
comunidade internacional, a essa educação
pode ser definida como quaisquer esforços de
aprendizagem, educação, treinamento ou
informação com vistas a construir uma
110
cultura universal de direitos humanos,
incluindo:
(a) fortalecer o respeito aos direitos humanos
e às liberdades fundamentais;
(b) desenvolver de forma plena da
personalidade e da dignidade humanas;
(c) promover a compreensão, a tolerância, o
respeito pela diversidade, a igualdade de
gênero e a amizade entre todas as nações,
povos indígenas e minorias;
(d) capacitar todas as pessoas para participar
em uma sociedade livre e democrática,
regulada pelo Estado de Direito;
(e) construir e manter a paz;
(f) promover a justiça social e o
desenvolvimento sustentável centrados nas
pessoas;
5. A educação em direitos humanos abrange:
(a) conhecimento e habilidades –
aprendizagem sobre os direitos humanos e
seus mecanismos, e aquisição de habilidades
para aplicá-los de forma prática na vida
cotidiana;
(b) valores, atitudes e comportamentos –
desenvolvimento de valores e reforço de
atitudes e comportamentos que apoiem os
direitos humanos;
(c) ação – participação na defesa e na
promoção dos direitos humanos. (NAÇÕES
UNIDAS, 2015).
Recentemente, em 16 de março de 2018, o Alto
Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos
solicitou contribuições aos Estados, organizações da sociedade civil
111
e outros interessados para auxiliar no planejamento da quarta
etapa do Programa.
As contribuições devem ser enviadas até 4 de maio de
2018 e versar, prioritariamente, sobre:
1. Setores-alvo (grupos profissionais, grupos
detentores de direitos, público geral, etc.);
2. Áreas de foco ou questões temáticas de
direitos humanos (direitos específicos, grupos
de direitos ou um problema global importante
para a promoção e proteção dos direitos
humanos). (NAÇÕES UNIDAS, 2018).
Já, em termos de Brasil, temos o Plano Nacional de
Educação em Direitos Humanos, dividido em cinco eixos:
Educação Básica, Educação Superior, Educação Não-Formal,
Educação dos Profissionais dos Sistemas de Justiça e Segurança, e
Educação e Mídia. Esse plano data de 2006 e assim caracteriza essa
espécie educacional:
A educação em direitos humanos é
compreendida como um processo sistemático
e multidimensional que orienta a formação do
sujeito de direitos, articulando as seguintes
dimensões:
a)
apreensão
de
conhecimentos
historicamente construídos sobre direitos
humanos e a sua relação com os contextos
internacional, nacional e local;
b) afirmação de valores, atitudes e práticas
sociais que expressem a cultura dos direitos
humanos em todos os espaços da sociedade;
112
c) formação de uma consciência cidadã capaz
de se fazer presente em níveis cognitivo,
social, ético e político;
d)
desenvolvimento
de
processos
metodológicos participativos e de construção
coletiva, utilizando linguagens e materiais
didáticos contextualizados;
e) fortalecimento de práticas individuais e
sociais que gerem ações e instrumentos em
favor da promoção, da proteção e da defesa
dos direitos humanos, bem como da
reparação das violações.
Sendo a educação um meio privilegiado na
promoção dos direitos humanos, cabe
priorizar a formação de agentes públicos e
sociais para atuar no campo formal e nãoformal, abrangendo os sistemas de educação,
saúde, comunicação e informação, justiça e
segurança, mídia, entre outros.
Desse modo, a educação é compreendida
como um direito em si mesmo e um meio
indispensável para o acesso a outros direitos.
A educação ganha, portanto, mais
importância quando direcionada ao pleno
desenvolvimento humano e às suas
potencialidades, valorizando o respeito aos
grupos socialmente excluídos. Essa concepção
de educação busca efetivar a cidadania plena
para a construção de conhecimentos, o
desenvolvimento de valores, atitudes e
comportamentos,
além
da
defesa
socioambiental e da justiça social.
Nos termos já firmados no Programa Mundial
de Educação em Direitos Humanos, a
educação contribui também para:
113
a) criar uma cultura universal dos direitos
humanos;
b) exercitar o respeito, a tolerância, a
promoção e a valorização das diversidades
(étnico-racial, religiosa, cultural, geracional,
territorial, físico-individual, de gênero, de
orientação sexual, de nacionalidade, de opção
política, dentre outras) e a solidariedade entre
povos e nações;
c) assegurar a todas as pessoas o acesso à
participação efetiva em uma sociedade livre.
(BRASIL, 2006, p. 17-18).
Também no Brasil, em 2012 o Conselho Nacional de
Educação aprovou as Diretrizes Nacionais para a Educação em
Direitos Humanos. Do Parecer CNE/CP nº 8/2012 consta a
seguinte fundamentação, que dará base à edição da correspondente
Resolução:
2 Fundamentos da Educação em Direitos
Humanos
[…].
A Educação em Direitos Humanos, como um
paradigma construído com base nas
diversidades e na inclusão de todos/as os/as
estudantes, deve perpassar, de modo
transversal, currículos, relações cotidianas,
gestos, ‘rituais pedagógicos’, modelos de
gestão. Sendo assim, um dos meios de sua
efetivação no ambiente educacional também
poderá ocorrer por meio da (re)produção de
conhecimentos voltados para a defesa e
promoção dos Direitos Humanos.
114
A Educação em Direitos Humanos envolve
também valores e práticas considerados como
campos de atuação que dão sentido e
materialidade
aos
conhecimentos
e
informações. Para o estabelecimento de uma
cultura dos Direitos Humanos é necessário
que os sujeitos os signifiquem, construam-nos
como valores e atuem na sua defesa e
promoção.
A Educação em Direitos Humanos tem por
escopo principal uma formação ética, crítica
e política. A primeira se refere à formação de
atitudes
orientadas
por
valores
humanizadores, como a dignidade da pessoa,
a liberdade, a igualdade, a justiça, a paz, a
reciprocidade entre povos e culturas, servindo
de parâmetro ético-político para a reflexão
dos modos de ser e agir individual, coletivo e
institucional.
A formação crítica diz respeito ao exercício de
juízos reflexivos sobre as relações entre os
contextos sociais, culturais, econômicos e
políticos, promovendo práticas institucionais
coerentes com os Direitos Humanos.
A formação política deve estar pautada numa
perspectiva emancipatória e transformadora
dos sujeitos de direitos. Sob esta perspectiva
promover-se-á o empoderamento de grupos e
indivíduos, situados à margem de processos
decisórios e de construção de direitos,
favorecendo a sua organização e participação
na sociedade civil. Vale lembrar que estes
aspectos tornam-se possíveis por meio do
diálogo e aproximações entre sujeitos
biopsicossociais, históricos e culturais
115
diferentes, bem como destes em suas relações
com o Estado.
Uma formação ética, critica e política
(in)forma os sentidos da EDH na sua
aspiração de ser parte fundamental da
formação de sujeitos e grupos de direitos,
requisito básico para a construção de uma
sociedade que articule dialeticamente
igualdade e diferença. Como afirma Candau:
‘Hoje não se pode mais pensar na afirmação
dos Direitos Humanos a partir de uma
concepção de igualdade que não incorpore o
tema do reconhecimento das diferenças, o que
supõe lutar contra todas as formas de
preconceito e discriminação’.
2.1 Princípios da Educação em Direitos
Humanos
A Educação em Direitos Humanos, com
finalidade de promover a educação para a
mudança e a transformação social,
fundamenta-se nos seguintes princípios:
• Dignidade humana: Relacionada a uma
concepção de existência humana fundada
em direitos. A ideia de dignidade humana
assume diferentes conotações em
contextos históricos, sociais, políticos e
culturais diversos. É, portanto, um
princípio em que se devem levar em
consideração os diálogos interculturais
na efetiva promoção de direitos que
garantam às pessoas e grupos viverem de
acordo com os seus pressupostos de
dignidade.
• Igualdade de direitos: O respeito à
dignidade humana, devendo existir em
116
•
•
qualquer tempo e lugar, diz respeito à
necessária condição de igualdade na
orientação das relações entre os seres
humanos. O princípio da igualdade de
direitos está ligado, portanto, à ampliação
de direitos civis, políticos, econômicos,
sociais, culturais e ambientais a todos os
cidadãos e cidadãs, com vistas a sua
universalidade, sem distinção de cor,
credo, nacionalidade, orientação sexual,
biopsicossocial e local de moradia.
Reconhecimento e valorização das
diferenças e das diversidades: Esse
princípio se refere ao enfrentamento dos
preconceitos e das discriminações,
garantindo que diferenças não sejam
transformadas em desigualdades. O
princípio jurídico-liberal de igualdade de
direitos do indivíduo deve ser
complementado,
então,
com
os
princípios dos direitos humanos da
garantia da alteridade entre as pessoas,
grupos e coletivos. Dessa forma,
igualdade e diferença são valores
indissociáveis que podem impulsionar a
equidade social.
Laicidade do Estado: Esse princípio se
constitui em pré-condição para a
liberdade de crença garantida pela
Declaração Universal dos Direitos
Humanos, de 1948, e pela Constituição
Federal Brasileira de 1988. Respeitando
todas as crenças religiosas, assim como as
não crenças, o Estado deve manter-se
imparcial diante dos conflitos e disputas
117
•
•
118
do campo religioso, desde que não
atentem contra os direitos fundamentais
da pessoa humana, fazendo valer a
soberania popular em matéria de política
e de cultura. O Estado, portanto, deve
assegurar o respeito à diversidade cultural
religiosa do País, sem praticar qualquer
forma de proselitismo
Democracia na educação: Direitos
Humanos e democracia alicerçam-se
sobre a mesma base - liberdade, igualdade
e solidariedade - expressando-se no
reconhecimento e na promoção dos
direitos
civis,
políticos,
sociais,
econômicos, culturais e ambientais. Não
há democracia sem respeito aos Direitos
Humanos, da mesma forma que a
democracia é a garantia de tais direitos.
Ambos são processos que se desenvolvem
continuamente por meio da participação.
No ambiente educacional, a democracia
implica na participação de todos/as os/as
envolvidos/as no processo educativo.
Transversalidade,
vivência
e
globalidade: Os Direitos Humanos se
caracterizam pelo seu caráter transversal
e, por isso, devem ser trabalhados a partir
do diálogo interdisciplinar. Como se trata
da construção de valores éticos, a
Educação em Direitos Humanos é
também fundamentalmente vivencial,
sendo-lhe necessária a adoção de
estratégias
metodológicas
que
privilegiem a construção prática destes
valores. Tendo uma perspectiva de
globalidade, deve envolver toda a
comunidade
escolar:
alunos/as,
professores/as, funcionários/as, direção,
pais/mães e comunidade local. Além
disso, no mundo de circulações e
comunicações globais, a EDH deve
estimular e fortalecer os diálogos entre as
perspectivas locais, regionais, nacionais e
mundiais das experiências dos/as
estudantes.
• Sustentabilidade socioambiental: A
EDH deve estimular o respeito ao espaço
público como bem coletivo e de utilização
democrática de todos/as. Nesse sentido,
colabora para o entendimento de que a
convivência na esfera pública se constitui
numa forma de educação para a
cidadania, estendendo a dimensão
política da educação ao cuidado com o
meio ambiente local, regional e global. A
EDH, então, deve estar comprometida
com o incentivo e promoção de um
desenvolvimento
sustentável
que
preserve a diversidade da vida e das
culturas, condição para a sobrevivência
da humanidade de hoje e das futuras
gerações.
Ainda que as instituições de educação básica e
superior não sejam as únicas instâncias a
educar os indivíduos em Direitos Humanos,
elas têm como responsabilidade a promoção e
legitimação dos seus princípios como
norteadores dos laços sociais, éticos e
políticos. Isso se faz mediante a formação de
119
sujeitos de direitos, capazes de defender,
promover e reivindicar novos direitos.
2.2 Objetivos da Educação em Direitos
Humanos
Um dos principais objetivos da defesa dos
Direitos Humanos é a construção de
sociedades que valorizem e desenvolvam
condições para a garantia da dignidade
humana. Nesse marco, o objetivo da
Educação em Direitos Humanos é que a
pessoa e/ou grupo social se reconheça como
sujeito de direitos, assim como seja capaz de
exercê-los e promovê-los ao mesmo tempo
em que reconheça e respeite os direitos do
outro. A EDH busca também desenvolver a
sensibilidade ética nas relações interpessoais,
em que cada indivíduo seja capaz de perceber
o outro em sua condição humana.
Nesse horizonte, a finalidade da Educação em
Direitos Humanos é a formação para a vida e
para a convivência, no exercício cotidiano dos
Direitos Humanos como forma de vida e de
organização social, política, econômica e
cultural. Esses objetivos orientam o
planejamento e o desenvolvimento de
diversas ações da Educação em Direitos
Humanos, adequando-os às necessidades, às
características de seus sujeitos e ao contexto
nos quais são efetivados. (BRASIL, 2012a, p.
8-11).
No mesmo ano o Conselho Nacional de Educação editou,
com base nesse parecer, a Resolução CNE/CP nº 1/2012. Do seu
texto cabe aqui destacar:
120
Art. 2º A Educação em Direitos Humanos, um
dos eixos fundamentais do direito à educação,
refere-se ao uso de concepções e práticas
educativas fundadas nos Direitos Humanos e
em seus processos de promoção, proteção,
defesa e aplicação na vida cotidiana e cidadã
de sujeitos de direitos e de responsabilidades
individuais e coletivas.
§
1º
Os
Direitos
Humanos,
internacionalmente reconhecidos como um
conjunto de direitos civis, políticos, sociais,
econômicos, culturais e ambientais, sejam eles
individuais, coletivos, transindividuais ou
difusos, referem-se à necessidade de
igualdade e de defesa da dignidade humana.
[…].
Art. 3º A Educação em Direitos Humanos,
com a finalidade de promover a educação
para a mudança e a transformação social,
fundamenta-se nos seguintes princípios:
I - dignidade humana;
II - igualdade de direitos;
III - reconhecimento e valorização das
diferenças e das diversidades;
IV - laicidade do Estado;
V - democracia na educação;
VI - transversalidade, vivência e globalidade;
e
VII - sustentabilidade socioambiental.
Art. 4º A Educação em Direitos Humanos
como
processo
sistemático
e
multidimensional, orientador da formação
integral dos sujeitos de direitos, articula-se às
seguintes dimensões:
121
I
apreensão
de
conhecimentos
historicamente construídos sobre direitos
humanos e a sua relação com os contextos
internacional, nacional e local;
II - afirmação de valores, atitudes e práticas
sociais que expressem a cultura dos direitos
humanos em todos os espaços da sociedade;
III - formação de uma consciência cidadã
capaz de se fazer presente em níveis cognitivo,
social, cultural e político;
IV - desenvolvimento de processos
metodológicos participativos e de construção
coletiva, utilizando linguagens e materiais
didáticos contextualizados; e
V - fortalecimento de práticas individuais e
sociais que gerem ações e instrumentos em
favor da promoção, da proteção e da defesa
dos direitos humanos, bem como da
reparação das diferentes formas de violação
de direitos.
Art. 5º A Educação em Direitos Humanos tem
como objetivo central a formação para a vida
e para a convivência, no exercício cotidiano
dos Direitos Humanos como forma de vida e
de organização social, política, econômica e
cultural nos níveis regionais, nacionais e
planetário.
[…].
Art. 7º A inserção dos conhecimentos
concernentes à Educação em Direitos
Humanos na organização dos currículos da
Educação Básica e da Educação Superior
poderá ocorrer das seguintes formas:
122
I - pela transversalidade, por meio de temas
relacionados aos Direitos Humanos e tratados
interdisciplinarmente;
II - como um conteúdo específico de uma das
disciplinas já existentes no currículo escolar;
III - de maneira mista, ou seja, combinando
transversalidade e disciplinaridade.
Parágrafo único. Outras formas de inserção
da Educação em Direitos Humanos poderão
ainda ser admitidas na organização curricular
das instituições educativas desde que
observadas as especificidades dos níveis e
modalidades da Educação Nacional.
Art. 8º A Educação em Direitos Humanos
deverá orientar a formação inicial e
continuada de todos(as) os(as) profissionais
da educação, sendo componente curricular
obrigatório nos cursos destinados a esses
profissionais.
Art. 9º A Educação em Direitos Humanos
deverá estar presente na formação inicial e
continuada de todos(as) os(as) profissionais
das diferentes áreas do conhecimento.
(BRASIL, 2012b, p. 1-2).
A leitura dos documentos transcritos em parte permite
perceber três direcionamentos em termos de educação em Direitos
Humanos, complementares entre si. Em primeiro lugar a Educação
em Direitos Humanos é vista como educação para a cidadania; essa
perspectiva aparece dos documentos internacionais e domina
amplamente os documentos brasileiros.
Em segundo lugar a Educação em Direitos Humanos
aparece como espaço de formação obrigatória para todos aqueles
123
que estão se preparando para o exercício da docência; essa
exigência aparece expressamente nas diretrizes brasileiras para a
Educação em Direitos Humanos, em especial no artigo 8o.
Em terceiro lugar aparece a Educação em Direitos
Humanos como espaço de formação técnica dos defensores dos
Direitos Humanos 19 e demais operadores do Direito, bem como
para todos aqueles que integram os diversos sistemas de justiça e
de segurança. Essa perspectiva – que inclui formação técnica
específica –, da forma em que aparece nos documentos nacionais,
está muito mais preocupada com os sistemas de segurança do que
com os sistemas de justiça; ou seja, não apresenta uma maior
preocupação com a formação específica dos operadores do Direito.
Entretanto, essa preocupação está presente de forma expressa nos
documentos das Nações Unidas; segundo eles ela deve abarcar os
conhecimentos e as técnicas, ou seja, é necessário que esse processo
de ensino aprendizagem permita conhecer quais são os direitos
humanos existentes e dominar os mecanismos para sua proteção,
bem como adquirir a capacidade de aplicá-los no dia a dia.
19
Segundo a Declaração dos Defensores de Direitos Humanos das Nações Unidas
(ONU): um defensor de Direitos Humanos é qualquer pessoa que,
individualmente ou com outros, atue na promoção ou proteção dos Direitos
Humanos. Os defensores de Direitos Humanos são mais identificados por suas
ações e pelo contexto de seus trabalhos do que por um conceito específico. Assim,
podem ser pessoas tanto do âmbito governamental como não governamental que
trabalhem na promoção ou defesa desses direitos. Por exemplo, ativistas de
ONGs, advogados, juízes, promotores, defensores públicos e professores. Mais
informações:
<http://www.ohchr.org/EN/Issues/SRHRDefenders/Pages/Defender.aspx>.
124
3. A educação em direitos humanos no sistema educacional
formal: educação para a cidadania e formação docente
A Educação em Direitos Humanos não-formal é a que
envolve as ações e práticas educativas, fora dos espaços formais dos
sistemas oficiais de ensino, voltadas à sensibilização da coletividade
sobre as questões que envolvem Direitos Humanos e à sua
organização e participação na defesa dos direitos de todos os seres
humanos. Nesse contexto ganham importância as Organizações
Não-Governamentais (ONGs), movimentos sociais, empresas e os
meios de comunicação.
Já a Educação em Direitos Humanos no ensino formal –
privilegiada neste artigo é aquela que ocorre nas escolas, colégios,
faculdades, universidades e locais de ensino de forma geral, em
todos os níveis. Ou seja, a educação formal se exterioriza em
instituições específicas, de uma forma propositada e com os
objetivos e planos educacionais determinados. Sabe-se que a
educação
formal
em
Direitos
Humanos,
realizada
obrigatoriamente na escola, não é suficiente para sozinha construir
uma sociedade cidadã, mas seguramente é uma das condições
necessárias para tanto.
É comum afirmarmos que os Direitos Humanos são
inerentes a todos os seres humanos e que são universais. Essa
afirmação está estruturada, pelo menos em parte, em uma falácia
naturalista e essencialista. É importante que fique claro que os
Direitos Humanos são históricos e não naturais; foram e são
construídos e conquistados pelos seres humanos nas suas relações
intersubjetivas e nas suas lutas contra a opressão, a exploração e a
125
discriminação. E apenas podem ser vistos como universais no
sentido de que entendemos, enquanto comunidade humana, que
todos devem possuí-los, e não no sentido de que todos os possuem
efetivamente. Também é necessário, nesse aspecto, entender que
atribuir-lhes a universalidade não significa que o sentido a eles
atribuído é o mesmo em todo tempo e espaço; os direitos humanos
estão sempre situados em um determinado espaço-tempo.
Além de um tempo e espaço determinados, este sujeito
concreto e singular precisa ser considerado dentro de uma cultura
específica. Ou seja, se os direitos humanos são sociais, históricos e
culturais, construídos de forma permanente pela humanidade em
suas relações; a ideia de haver um fundamento absoluto para os
direitos humanos ou para a dignidade humana é contraditória.
Sustentar que existe um fundamento absoluto para os
direitos humanos fortalece a imposição de um determinado
discurso hegemônico (e perigoso) sobre os direitos humanos, a
imposição de uma possibilidade única, inquestionável. E mesmo
que existisse tal fundamento, não há como, cientificamente,
provarmos a sua existência: o essencialismo envolve esse duplo
problema: (a) não há como saber se há uma essência; e (b) mesmo
que ela exista, não há como saber se efetivamente a conhecemos.
Essa situação se aplica integralmente à ideia de Direitos Humanos
inerentes e universais, decorrentes de uma pretensa natureza
humana – ou essência humana 20.
Sobre essa questão ver: GRUBBA, Leilane Serratine. O problema do
essencialismo no Direito: inerentismo e universalismo como pressupostos das
20
teorias que sustentam o discurso das Nações Unidas sobre os direitos humanos.
126
Debate também interessante nesse âmbito é se os Direitos
Humanos são propriamente Direito, no sentido estrito do termo,
e, portanto, apenas existem quando positivados no âmbito da
legalidade, estando presentes no direito positivo estatal, ou se são
pretensões éticas, colocadas acima do direito positivo estatal, e que
devem ser consideradas independentemente de estarem ou não
nele contidas. De qualquer forma, sendo Direito ou sendo um
Código Moral, os Direitos Humanos são históricos e não dados da
natureza; e são dever ser e não ser. Tanto o Direito quanto a Moral
são construções históricas; e ambos se caracterizam por serem
normas e não fatos.
Adotada essa perspectiva sobre a historicidade dos
Direitos Humanos, vemos a Educação em Direitos Humanos, em
seu sentido amplo, como o conjunto de ações e práticas educativas
– formais e não formais – voltadas à conscientização da sociedade
sobre as questões relativas aos Direitos Humanos e à sua
organização e participação na defesa dos direitos de todos os
humanos. Adotado esse conceito, ela inclui tanto a educação
formal, no âmbito dos diversos sistemas de ensino, quanto a
educação não-formal, nos âmbitos público e privado.
É preciso também deixar claro que nesse sentido a
Educação em Direitos Humanos envolve também a
sustentabilidade socioambiental. O meio ambiente é uma rede de
seres, um ciclo de nascimentos, desenvolvimentos e mortes. É no
meio ambiente que se encontram todas as formas de vida
2015. Tese (Doutorado) – Curso de Pós-Graduação em Direito, UFSC,
Florianópolis, 2015.
127
coexistindo de forma interdependente. É nele que também se situa
a espécie humana, que é única, embora dividida em grupos que
possuem suas próprias trajetórias, histórias e culturas. Toda essa
rede, formada de várias partes, deve prosseguir normalmente o seu
curso, respeitando um desenvolvimento sustentável.
Segundo Carbonari (2014, p. 89-90), a Educação em
Direitos Humanos coloca a necessidade de uma nova pedagogia,
que deve constituir-se como:
a) construção de participação, visto que os
processos educativos se dão na presença da
alteridade e remetem para a intervenção e a
incidência relacionais em graus diversos de
complexidade (grupo, movimento, sociedade,
Estado, comunidade internacional), o que
exige a construção de posturas e posições
plurais capazes de escapar tanto da
massificação quanto dos esquematismos
privatistas e individualistas; b) compreensão
dos dissensos e dos conflitos, inerentes à
convivência humana, e a construção de
mediações adequadas à sua resolução
mediante a implementação de acordos,
alianças e parcerias – não para suprimi-los ou
escamoteá-los, mas para que não redundem
em violência; c) abertura para o mundo, como
compromisso concreto com os contextos nos
quais se dão os processos educativos,
desenvolvendo a sensibilidade e a capacidade
de leitura da realidade e a consequente
inserção responsável – os rumores do mundo
não serão encarados como ruídos estridentes
que dão vazão à indiferença; antes, serão
128
desafios a novas práticas –, o que significa
dizer que a educação em direitos humanos
forma sujeitos cooperativos com a efetivação
de condições históricas para realizar
amplamente todos os direitos humanos de
todas as pessoas e resistentes (intransigentes)
a todas as formas e meios que insistem em
inviabilizá-los e violá-los.
Esse enfoque – de Educação em Direitos Humanos como
educação para a cidadania – caminha no sentido de propiciar a
homens e mulheres uma formação capaz de torna-los realmente
humanos, em convívio harmonioso com os seus semelhantes.
Nesses termos, tratando-se de educação, os embasamentos teóricos
e os aspectos metodológicos devem proporcionar a interação de
todas as dimensões do ser humano: biológica, psicológica, cultural,
social e afetiva. Os Direitos Humanos ingressam, nessa perspectiva
educacional, muito mais como compromissos éticos – um código
moral mínimo – da humanidade consigo mesma do que
propriamente como direitos em sentido técnico.
3.1. A Educação em Direitos Humanos no ensino
formal: protagonismo do aluno
Esse processo educacional também precisa ser
participativo. Pode-se afirmar que a participação é um dos
componentes mais importantes da cidadania. E deve ser uma
participação consciente e esclarecida. O cidadão deve saber que
129
está participando de uma situação e querer dela participar. Para
isso é necessário que sejam criados espaços e mecanismos que a
permitam e a estimulem, além na imperiosa preparação para a
participação, preparação essa que deve ser realizada durante todo
o processo de ensino-aprendizagem.
Uma visão emancipatória da educação considera o aluno
como sujeito do processo de ensino-aprendizagem, e não mero
objeto. Sendo assim, para uma Educação em Direitos Humanos o
professor deve levar em conta as realidades históricas, sociais,
psicológicas e culturais de seus alunos. Ou seja, sua metodologia
deve levar em consideração o grupo de alunos que estará
trabalhando, seu objetivo deve ser criar condições para que este
grupo aprenda por si mesmo o conteúdo lecionado.
A dificuldade que se coloca aqui é que os métodos de
ensino são escolhas que os professores e/ou suas
escolas/universidades, mais ou menos conscientes, fazem ao
estabelecerem as leituras, as atividades de sala e as avaliações. Se
você espera que seus alunos se tornem cidadãos críticos, ativos e
defensores dos direitos humanos fora da sala de aula, torna-se
imprescindível que eles possam exercitar e treinar isso dentro da
sala de aula. Assim, uma aula que sempre é transmissiva, onde os
alunos são sempre receptores passivos de conteúdo, onde há uma
separação clara de quem sabe e quem não sabe nada, dificilmente
criará condições emancipatórias e democráticas de aprendizagem.
As experiências com metodologias participativas no
Brasil são ainda incipientes. No entanto, acreditamos que essas
metodologias devem ter seu espaço ampliado na educação formal,
130
tanto na formação do cidadão, como na formação do professor e
do jurista.
Existem alguns métodos de ensino que superam o
tradicional e possibilitam aos alunos um protagonismo no
processo ensino-aprendizagem. O dialogo socrático é um deles e
basicamente sustenta que as dúvidas dos alunos devem ser
respondidas sempre com novas perguntas fazendo com que eles
ativamente busquem uma estrutura própria de raciocínio, sem ter
uma resposta pronta e acabada.
Outra forma é o método de solução de problemas (de
inspiração anglo-americana) onde a partir de uma situação
concreta os estudantes pensam em inúmeras soluções para um
problema relacionado a direitos humanos em análise, ponderando
os prós e contras para os envolvidos. Este método contribui para
aproximar os estudantes de situações conhecidas e, assim, poderem
verificar a utilidade deste conhecimento para a solução de
problemas reais.
Uma estratégia eficaz de aprendizagem é colocar o aluno
em um papel a desempenhar onde terá que buscar alguns caminhos
possíveis para solucionar a questão apresentada. Isso é possível nos
métodos de role play ou simulação. A diferença entre eles é que no
primeiro o objetivo é destacar a importância de cada papel
específico na situação (numa relação de violência na escola – os
pais, os professores, a escola, o Juizado da Infância, a polícia e etc.).
Já no segundo, é ressaltar a interação entre os papéis relacionados
e como devemos agir numa situação dessas em relação aos outros
interlocutores. No primeiro é possível trabalhar com apenas um
131
papel, já no segundo é necessário a interação entre vários papéis ao
mesmo tempo.
Esses são alguns exemplos de métodos de ensino que
podem ser utilizados em sala de aula para possibilitar uma
metodologia participativa. Existem outras formas, como os
seminários e método do caso, que podem e devem ser utilizadas
conforme as condições estruturais, sociais, econômicas e culturais
envolvidas. O mais importante é aproximar primeiramente os
alunos de suas realidades para que encontrem na aprendizagem
uma relação direta com as sociedades que conhecem para então, a
partir de um exercício de alteridade, compreenderem a
universalidade dos direitos humanos a fim de possibilitar a defesa
dos direitos de indivíduos e sociedades também desconhecidos.
3.2. A Educação em Direitos Humanos no ensino formal:
interdisciplinaridade e transversalidade
Em seu sentido amplo a Educação em Direitos Humanos
é obrigatória, em todos os níveis de ensino. É vista como tema
transversal e objeto do processo de educação continuada. Deve
estar presente na educação básica (ensino infantil, fundamental e
médio) e na educação superior (graduação e pós-graduação). E
também deve ocorrer fora dos espaços educacionais formais.
A Educação em Direitos Humanos, em sua versão formal,
deve ser trabalhada desde os primórdios na vida escolar dos
estudantes, através de um processo educativo ativo e atuante, em
uma escola aberta e participativa, onde as atividades desenvolvidas
permitam a assimilação da verdadeira cidadania, de valores
132
duradouros. Por isso exige novas estratégias, diversas das utilizadas
na educação tradicional, que não tem conseguido atingir esse
objetivo.
Deve haver, no âmbito desse processo de ensinoaprendizagem, o reconhecimento da pluralidade de valores e de
culturas existentes no planeta e, acima de tudo, a consideração de
todas elas e a não discriminação de nenhuma delas. Nesse sentido,
o professor deve valorizar as manifestações culturais locais e
regionais trazidas pelos seus alunos. O professor deve respeitar
essas tradições, costumes e aprendizados vindos do espaço-tempo
de cada educando, não importando suas diferenças, como raça, cor
e sexo.
As diretrizes brasileiras sobre a Educação em Direitos
Humanos incluem tanto a alternativa da transversalidade quanto a
alternativa da disciplinaridade. Nesse contexto, torna-se
importante entender o que significam esses conceitos, bem como o
que
são
multidisciplinaridade,
interdisciplinaridade
e
transdisciplinaridade.
A multidisciplinaridade é, no campo do ensino, a
organização de conteúdos, matérias e disciplinas de forma
independente, não sendo visíveis as relações entre elas. Na
pesquisa, ela surge quando se recorre a disciplinas diversas para
conhecer o que cada uma delas tem a dizer sobre um mesmo
objeto. Ou seja, a multidisciplinaridade indica a necessidade de
conhecer os diferentes conceitos de um mesmo objeto segundo
diferentes disciplinas. Mas não indica nenhuma preocupação de
integração de seus pontos comuns, articulando as perspectivas das
diversas disciplinas.
133
Já a interdisciplinaridade tem o papel de superar essa
fragmentação do conhecimento, permitindo que ele se relacione
com a realidade, com as dificuldades e problemas efetivos. Tratase do intercâmbio entre disciplinas, o diálogo entre elas com o
objetivo principal de aproximação à realidade. A visão
interdisciplinar reconhece, de um lado, os limites do sujeito que
busca construir o conhecimento de uma determinada realidade e,
de outro, a diversidade e pluralidade dessa realidade.
A transdisciplinaridade já possui um conceito mais
amplo que a multi e a interdisciplinaridade. Ela busca produzir
uma compreensão nova da realidade, para além das disciplinas
especializadas: uma compreensão que considera a complexidade.
Ela busca fazer emergir, da confrontação das disciplinas, novos
dados que as articulam entre si, oferecendo uma nova visão sobre
o objeto estudado. Nesse sentido, a transdisciplinariedade não
busca dominar as disciplinas, mas proporcionar a abertura de todas
elas ao que as atravessa e as ultrapassa. A transdisciplinaridade, no
âmbito da educação, deve permitir enxergar a complexidade,
estabelecendo limites entre o comprometimento e a
individualidade de cada disciplina, já que estas ao se comunicarem
não podem perder a sua identidade.
A diferença entre a inter e a transdisciplinaridade é que a
transdisciplinaridade não se resume na colaboração das disciplinas
entre si, mas sim na construção de um pensamento complexo
organizador, que vai além dessas disciplinas. Já na
interdisciplinaridade o que se efetua é uma permuta de
conhecimentos, sendo, portanto, em tese, menos integradora –
mas mais realista – que a transdisciplinaridade.
134
A perspectiva de que a Educação em Direitos Humanos
seja contínua está expressa nas suas diretrizes brasileiras, definidas
pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). Por contínua
devemos entender que tem de perpassar toda a educação formal,
iniciando na educação infantil, passando pelos ensinos
fundamental e médio e se mantendo na educação superior, da
graduação à pós-graduação. Além de contínua deve ser
permanente, ou seja, não deve ser interrompida. Entendemos que
deve ser ela também integrada, o que implica que a Educação em
Direitos Humanos não deve ser vista como um conteúdo a ser
trabalho em separado, mas sim sistemicamente integrado no
processo educacional como um todo.
A ideia de tema transversal vem exatamente atender aos
princípios e exigências traçados para a Educação em Direitos
Humanos. A sua adoção sob a forma de eixo transversal, no
contexto do projeto pedagógico de cada curso, possibilita a
discussão e análise dos Direitos Humanos em diferentes áreas do
conhecimento – nesse sentido implica a adoção de uma visão
sistêmica, possibilitando discussões e práticas que congreguem
diferentes saberes, transcendendo as noções de disciplina, matéria
e área.
Para que seja possível realizar, de forma efetiva, a
transversalidade, a Educação em Direitos Humanos deve adotar o
planejamento em rede, pois a presença dos Direitos Humanos em
todos os espaços curriculares, pressupõe um trabalho coordenado
e articulado. Uma forma bastante efetiva de realizá-lo é adoção da
metodologia do projeto, sendo o projeto centrado no estudo e
solução de um problema local ou regional. Essa metodologia
135
permite integrar os diversos saberes e possibilita um trabalho não
apenas teórico, mas voltado a uma realidade concreta e próxima.
O mais forte objetivo da Educação em Direitos Humanos
parece ser a construção de uma sociedade em que todas as pessoas
compartilhem determinados valores e práticas considerando-os
como direitos e deveres de todos para com todos – que os Direitos
Humanos constituam um código moral mínimo comum da
humanidade. Dessa forma, os que buscam os documentos que
tratam no tema – no plano das Nações Unidas e no plano interno
do nosso país – é que seja construída uma nova consciência, através
da Educação em Direitos Humanos, que seja ao mesmo tempo
afetiva e racional, contagiante e eficaz, e que permita reverter o
quadro de desamor que se percebe disseminado por todo o planeta.
E isso implica reconhecermos e aceitarmos que somos iguais em
direitos e pertencentes à mesma espécie, mas diferentes em nossos
valores e em nossa carga genética.
Com tudo isso, defendemos que a Educação em Direitos
Humanos deve ser participativa, emancipatória, comunitária,
criativa e deve valorizar a participação ativa. Deve ser educação
crítica da realidade vivenciada, conscientizadora. Deve ser
transformadora de valores e atitudes através da construção de
novos hábitos e conhecimentos: um código moral que perceba
todas as relações como integradas dentro de uma realidade social e
natural de interdependência, na qual é necessário buscar o
equilíbrio local e global como única forma de obtenção da melhoria
da qualidade de vida para todos em todos os lugares.
Nesse sentido, para que se possa falar em Educação em
Direitos Humanos é necessário que o processo educacional
136
permita o conhecimento dos problemas humanos e sua pluralidade
e interdependência, para que então possamos buscar
conjuntamente as melhores soluções respeitando as diferenças
axiológicas e culturais, bem como implementar mudanças de
comportamento (individual e social) através de processos
participativos de esclarecimento e conscientização. Ou seja, em
sentido amplo, a função da Educação em Direitos Humanos não é
a reprodução/divulgação de conhecimentos, mas sim a formação
de uma consciência e de um código moral baseado nos Direitos
Humanos. Não é apenas informar sobre quais são os Direitos
Humanos, mas essencialmente formar cidadãos conscientes de
seus direitos e com habilidades para defendê-los quando violados
em si mesmo ou nos outros.
Essa perspectiva ampla da Educação em Direitos
Humanos – dominante nos documentos oficiais brasileiros – busca
disseminar uma cultura de respeito aos Direitos Humanos; e
envolve a concepção de que ao conhece-los – e reconhece-los como
legítimos – passamos a, de uma lado, respeitar os direitos dos
demais seres humanos, e, de outro, passemos a exigir o respeito
relativamente aos nossos próprios direitos.
Nesse sentido, a Educação em Direitos Humanos visa
criar um círculo virtuoso, de efetiva vivência dos direitos de todos
os seres humanos. Também busca acabar com o silencio cumplice
que permite que pessoas continuem tendo seus direitos
desrespeitados em razão do nosso silencio e omissão.
A utilização de formas tradicionais de educação – pela
criação de disciplinas específicas – para trabalhar temas
transversais, tais como cidadania, direitos humanos e meio
137
ambiente, que possuem objetivo formativo e não meramente
informativo, não têm dado certo. Entretanto, a mudança da
estratégia pedagógica por si só não é solução. É necessário, em
especial, um correto planejamento do processo, aliado a uma
adequada preparação de todos aqueles que buscam formação para
o exercício do magistério, em qualquer nível ou modalidade.
3.3. A Educação em Direitos Humanos e o ensino formal:
dos conteúdos à relação professor-aluno
Os papéis a serem desempenhados por professores e
alunos é o último aspecto que queremos tocar nesta seção do artigo.
E sobre ele é necessário dizer, de início, que ao lado da Educação
em Direitos Humanos, de caráter formativo da cidadania e,
portanto, geral, é necessário pensar a formação específica dos
docentes, que deve levar em consideração:
a) que não se trata de formar professores de uma
disciplina sobre Direitos Humanos, mas sim de
formar todos os professores para que, em sua
atividade docente, saibam como trabalhar os
Direitos Humanos, tema transversal que
atravessará todo o processo educacional;
b) que a formação docente implica, necessariamente,
a aquisição dos conteúdos e habilidades
necessários para trabalhar o tema Direitos
Humanos e métodos de ensino participativo; e
138
c) que a formação em Direitos Humanos deve atingir
a preparação de docentes para todos os níveis e
modalidades de educação, devendo ser realizada
em todos os cursos de licenciatura e em todos os
programas de pós-graduação, o que inclusive está
expressamente
previsto
nas
Diretrizes
estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação
em seu artigo 8º.
d) que a formação em Direitos Humanos seja
permanente, ou seja, que haja formação
continuada para todos os professores que estão em
sala de aula.
A escola deve permitir a efetivação do ensinoaprendizagem voltado aos Direitos Humanos, não somente em
termos de conteúdos e conceitos, mas com a formação de valores e
atitudes. E esse é o grande desafio, ou seja, só haverá a
aprendizagem de comportamentos conscientes e adequados em
matéria de Direitos Humanos com o exercício da prática no dia a
dia. E esse tipo de educação exige um professor adequadamente
preparado.
Sabemos que pelas próprias características das questões
que envolvem Direitos Humanos – com abrangentes áreas,
situações e diversidades – não é fácil para o professor delimitar,
dentre tantos temas, quais deve priorizar, pois é impossível
trabalhar todos. Daí a importância da delimitação do objeto a ser
trabalhado em sala de aula – já que fora o aluno pode buscar
139
informações adicionais – e da sua ligação com a realidade que cerca
o grupo específico de alunos.
Devem ser estudadas questões mais próximas dos alunos,
para que eles possam colaborar de forma consciente e atuante. O
estudante precisa ser tocado primeiramente com as questões locais,
entender o que realmente está acontecendo com os seres humanos
que lhe são mais próximos, para adquirir gradativamente o
amadurecimento de que as questões da espécie humana em geral –
e também as relativas ao meio ambiente – também lhe dizem
respeito, pois, mesmo que de forma indireta, atingem ou podem
atingir a todos.
Um ser humano não é igual a nenhum outro. Cada um
tem o seu modo de pensar, de observar, de sentir e de reagir, e o
professor deve estar atento para isso, já que as diferenças devem ser
respeitadas, cabendo ao educador o processo de mediação e de
responsabilização pelos estímulos e pela melhora no entendimento
e nas respostas dos alunos. O professor pode ser, de diversas
maneiras, responsável, pelo menos em parte, pela mudança no
aluno em relação ao modo de pensar e de se conscientizar e de agir
em relação aos demais seres humanos. Inclusive de forma
exemplar, através do seu próprio comportamento.
Tratando-se das matérias escolares, podemos dizer que
todas as disciplinas possuem conteúdos que permitem estabelecer
links com os Direitos Humanos. É claro que há disciplinas – como
aquelas incluídas nas ciências humanas e sociais – que possuem
maior aderência, mas as demais não podem ser esquecidas. Todas
as disciplinas são importantes no contexto interdisciplinar que a
Educação em Direitos Humanos requer.
140
O professor deve trabalhar as questões relativas aos
Direitos Humanos com os estudantes, no processo de ensinoaprendizagem, tendo por objetivo o desenvolvimento de uma
postura crítica a respeito de informações e comportamentos
trazidos não somente das teorias e conteúdos, mas também de casa
e da mídia, verdadeiras fontes de informações da vida real,
vivenciadas dentro e fora da escola. Importante é que o professor
conheça o assunto – deve estar sempre atualizado – e se não o
conhecer, que o busque com os auxilio dos seus alunos e de fontes
idôneas e aptas a apresentar saídas, ou ao menos capazes de incutir
certa curiosidade, curiosidade essa que pode e deve se tornar
contínua. Assim, o caminho estará aberto para que ocorra o
aprendizado, haverá o interesse e o exercício da pesquisa,
permitindo a conscientização relativamente aos direitos de todos
os seres humanos.
Para que os alunos consigam compreender a sociedade e
a natureza em suas complexidades, lhes deve ser oferecida a maior
variedade possível de experiências, com uma visão que englobe as
diversas realidades naturais e culturais.
Deve haver a utilização de metodologias ativas, de forma
que o aluno não permaneça somente como mero destinatário da
realidade que o cerca, mas sim que desenvolva um pensamento
reflexivo, criativo e igualmente crítico, que lhe permita participar
de forma concreta da conjuntura da qual faz parte, preocupado não
somente consigo mesmo, mas também com a comunidade da qual
faz parte.
Embora trabalhoso, é muito eficaz, dinâmico e, inclusive,
divertido, que professores e alunos organizem campanhas de
141
conscientização para as questões atinentes aos Direitos Humanos.
Pode haver o apoio de grupos governamentais e nãogovernamentais, do Estado e da sociedade civil, enfim, de órgãos e
entidades envolvidas com a questão específica.
É importante que o professor, entendendo que a
sociedade e a natureza são compostas de integrações em uma rede
de interdependências, com trocas, renovações, vida e morte,
possibilite o entendimento do inter-relacionamento entre os
direitos e deveres de todos os seres humanos. Assim o aluno poderá
participar desse cenário como cidadão, de forma não somente
individual, mas coletiva.
O professor precisa mostrar aos seus alunos fatores que
possam contribuir na defesa dos Direitos Humanos, instigando-os
a raciocinar como a sociedade está sendo permanentemente
instada ao desamor, muitas vezes não se atendo ao fato de não
agirem com responsabilidade e mesmo solidariedade com outros
cidadãos, mesmo quando próximos.
Os alunos precisam observar e entender o que as ações
humanas – não somente as intervenções dos outros, mas também
as suas – geram no âmbito das relações sociais. É necessário que
eles aprendam a reconhecer que certas formas de pensar e agir não
são as mais adequadas na nossa relação com o outro. E critica-las,
buscando conscientizarem-se de que certas atitudes podem ser
mudadas, reconhecendo a existência que há outras formas de
pensar e agir que são mais eficazes na construção de uma sociedade
mais justa e pacificada.
A Educação em Direitos Humanos almejada é aquela que
tenta alcançar e tocar o aluno gradativamente, educando-o para
142
respeitar a sua cultura e a sua comunidade, mas também a
diferença e a diversidade que fazem parte da espécie humana, da
sociedade planetária e na natureza. Através de um processo
educativo atuante, em uma escola aberta e participativa, as
atividades desenvolvidas em relação aos Direitos Humanos
permitirão a assimilação de valores comuns mínimos,
diferentemente do que se tem conseguido por meio da educação
tradicional.
Um aluno, ou qualquer outro cidadão, estará realmente
educado em termos de Direitos Humanos quando ao observar o
que se passa em termos locais, regionais, nacionais e planetários,
consiga observar e analisar todas as circunstâncias mencionadas do
ponto de vista dos direitos de todos os seres humanos,
reconhecendo-se parte de uma rede de ações e reações, causas e
efeitos, responsáveis pelo curso da história. Quando realmente
valorizar os direitos de todos, independente de quem sejam e de
onde estejam.
Para uma verdadeira conscientização, não basta somente
a edição de documentos e leis. De nada serve o belo discurso
retórico de defesa dos Direitos Humanos e da necessidade de
solidariedade entre cidadãos do planeta se as pessoas não estiverem
contagiadas de sentimentos de mudança, colaboração e
afetividade.
143
4. A educação em direitos humanos enquanto formação
profissional dos operadores jurídicos
4.1. Entre o direito e o desejo de direito: a necessidade de
ensinar o direito positivo
O direito, como sabemos, é um dever ser, não um ser. Ele
estabelece como as pessoas devem comportar-se e relacionar-se,
não como elas efetivamente comportam-se e relacionam-se. Isso
implica que o fato de um determinado grupo social ou comunidade
comportar-se e relacionar-se de uma determinada forma não
transforma esse ser em direito. Essa situação faz com que muitas
pessoas confundam a forma de agir com a qual possuem
concordância valorativa com o direito mesmo; confundam seus
desejos de direito com o direito. Também faz com que tenham
dificuldade de entender porque algo é direito se ele não existe
efetivamente no mundo real; não percebem que o direito é sempre
um projeto de ser, não um ser em si mesmo.
O Direito a ser ensinado nos Cursos Jurídicos, como
ponto de partida, é o direito positivo, o direito que pertence a todos
os membros de uma determinada sociedade. O professor não pode
negar a existência de um determinado direito porque com ele não
concorda; e nem afirmar a existência de um direito inexistente.
Utilizar o espaço da sala de aula para fazer proselitismo ideológico,
ensinando como Direito o que não passa de mero desejo de Direito,
é ato de plena irresponsabilidade; é como se em um curso de
Medicina o professor ensinasse anatomia de acordo com suas
144
opiniões e não de acordo com o conhecimento produzido pela
ciência.
Considerando essa situação o ensino dos Direitos
Humanos no âmbito dos Cursos Jurídicos deve incluir, além da
educação geral em Direitos Humanos, voltada à formação da
cidadania – no caso específico, de um jurista cidadão –
necessariamente o estudo da legislação vigente nessa matéria
(direitos material e processual), no plano nacional e internacional,
bem como o desenvolvimento das habilidades e competências
necessárias para que o profissional possa atuar de forma consciente
em
situações
que
envolvem
Direitos
Humanos,
independentemente do papel específico que venha a ocupar. Não é
aceitável que qualquer ser humano deixe de ter seu direito
reconhecido porque o profissional responsável pela sua defesa ou
julgamento estava mal preparado tecnicamente.
Isso não significa que o professor não possa questionar o
Direito vigente, que não possa critica-lo. Pode e deve fazê-lo; pode
também apresentar propostas para sua modificação ou
substituição. O que ele não pode é ensinar que algo é direito
quando não o é – ou quando sobre esse algo pesam dúvidas e não
há ainda uma norma legal ou decisão final dos tribunais
competentes. Querer afirmar nossos desejos de Direito como se
Direito fossem é uma atitude arbitrária e autoritária. É a busca da
imposição de nossas escolhas valorativas – nos campos moral,
religioso ou ideológico – como se as mesmas estivessem contidas
nas escolhas da sociedade através dos canais formalmente e
legalmente constituídos. Em toda sociedade convivem diferentes
códigos morais; e cada código moral implica em uma determinada
145
ideia de justiça. Ou seja, no campo da moral e da justiça há um
relativismo oriundo da sua pluralidade; já no campo do Direito isso
não é possível, porque algo não pode ao mesmo tempo ser
permitido e ser proibido.
A confusão entre códigos jurídicos e códigos morais é o
principal motivo de busca de atribuir validade ao direito com base
em seu conteúdo. E atribuir validade ao direito com base em seu
conteúdo valorativo – e não em sua forma – é um problema: em
toda sociedade há uma pluralidade de valores coexistentes, mas só
há a possibilidade de um direito vigente. Há um pluralismo moral;
mas é necessário que o direito seja apenas um e aplicável a todos.
Se cada grupo social ou comunidade desejar impor o seu código
moral à sociedade toda, como se direito fosse, teremos a negação
da possibilidade de convivência e coexistência das diferenças – e na
ausência dessa possibilidade fenece o Estado Democrático de
Direito.
4.2. Para quê o ensino dos direitos humanos em cursos
jurídicos?
Acreditamos que uma educação em direitos humanos
tem, pelo menos, três propósitos: a) informar e dar conhecimento
sobre os direitos que historicamente foram construídos e
denominados como direitos humanos, que são os direitos que toda
pessoa deve ter para viver uma vida com qualidade, sem opressão,
exclusão e discriminação; b) formar futuros defensores de direitos
humanos que serão os protagonistas das mudanças estruturais
146
necessárias; e, c) aprofundar e reciclar o conhecimento específico
sobre esses direitos para atuais defensores de direitos humanos.
O primeiro desses propósitos é fazer com que todas as
pessoas se reconheçam como sujeitos de direito. O segundo é
preparar tecnicamente aquelas pessoas que desejam ser
protagonistas no processo de garantia e ampliação dos Direitos
Humanos. E o terceiro é garantir a aquelas pessoas que já
trabalham com Direitos Humanos uma formação continuada.
Nesse contexto podemos pensar, de um lado, a Educação
em Direitos Humanos no plano das políticas públicas voltadas à
formação para a cidadania, e, de outro, no ensino dos Direitos
Humanos nos Cursos de Direito. Na segunda situação, ensinar
Direitos Humanos implica também preparar, de forma adequada,
profissionais para atuarem tecnicamente e não apenas para serem
cidadãos conscientes dos seus direitos e dos direitos dos demais
membros da sociedade.
Na área jurídica especificamente, o estudo dos
direitos humanos parecer ter ainda outra
finalidade, que vai além da questão dos
valores de cidadania e justiça. O ensino desses
direitos é direcionado ao estudo de princípios,
leis, declarações e tratados que, como base
normativa, expressam historicamente a
construção desses direitos e a forma
instrumental de protegê-los. Espera-se que
profissionais da área jurídica adquiram,
durante sua formação, habilidades e
conhecimentos suficientes para garantir e
defender
os
direitos
das
pessoas,
independente da profissão jurídica pela qual
147
optem, como juízes, promotores, defensores
públicos, advogados. (LAPA, 2014, p. 16).
Há diferença entre a Educação em Direitos Humanos,
enquanto política pública de formação da cidadania, e o ensino dos
Direitos Humanos para atores específicos – no caso os operadores
do Direito – que estarão encarregados de instrumentalizar
demandas específicas através das quais buscarão garantir, de forma
efetiva, os Direitos Humanos de uma determinada pessoa ou grupo
de pessoas.
A necessidade de conciliar a formação cidadã – a
educação em Direitos Humanos – com a formação técnica – o
ensino dos Direitos Humanos nos Cursos Jurídicos – parece ser a
questão central a ser enfrentada quando se pensa da preparação
profissional dos operadores do Direito.
As Diretrizes Nacionais, como foi visto acima, ressaltam
a importância do ensino transdisciplinar dos direitos humanos. No
entanto, no caso da formação dos operadores do Direito existe a
necessidade de uma aprendizagem específica dos Direitos
Humanos que permita aos futuros profissionais habilidades
técnicas de defesa desses direitos. Esta disciplina específica
obrigatória é importante para que haja o estudo da legislação
nacional e internacional sobre os Direitos Humanos, assim como
os possíveis mecanismos jurídicos para sua defesa.
Uma disciplina específica pode ser eficaz (como existe na
maioria dos cursos jurídicos atualmente), mas se estiver
desconectada da abordagem dada pelas outras disciplinas, a
aprendizagem em Direitos Humanos como um todo ficará
148
bastante prejudicada. Sendo assim, torna-se fundamental que
todos os professores do curso tenham uma formação sobre os
Direitos Humanos para que possam relacionar esta temática em
seus conteúdos específicos. Para além disso, outros espaços fora da
sala de aula devem ser criados para complementarem essa
formação. Atividades de pesquisa e extensão com enfoque em
Direitos Humanos devem ser incentivadas na formação dos
operadores do Direito, a fim de que estes possam utilizar esse
conhecimento como um instrumento para a transformação das
sociedades em que vivem.
4.3. Uma alternativa pedagógica: as Clínicas de Direitos
Humanos
As Clínicas de Direitos Humanos podem ser um espaço
nos cursos de Direito que possibilita aos futuros juristas uma
aprendizagem dos Direitos Humanos que contempla tanto uma
formação cidadã como o desenvolvimento de habilidades e
competências técnicas para atuarem na defesa dos Direitos
Humanos.
O diferencial de uma educação jurídica clínica está mais
na forma de sua aprendizagem, do que em seu conteúdo. Ou seja,
através da integração simultânea de atividades de ensino, pesquisa
e extensão, com uma abordagem interdisciplinar e, ainda,
articulando a teoria com a prática, os estudantes têm a
oportunidade de compreenderem os possíveis impactos reais do
que aprendem na universidade.
149
Já defendemos em outro momento que uma Clínica de
Direitos Humanos deveria atender, pelo menos, sete pressupostos:
1) compromisso com a Justiça Social;
2) metodologia participativa;
3) articulação da teoria com a prática dos
direitos humanos;
4) integração das atividades de ensino,
pesquisa e extensão;
5) enfoque interdisciplinar;
6)
institucionalização
formal
e
reconhecimento na Universidade;
7) público-alvo universitário. (LAPA, 2014, p.
115-116).
Uma educação jurídica clínica que contemple, pelo
menos, esses eixos orientadores terá como alguns pontos fortes: a)
metodologia participativa que centra a aprendizagem nos
estudantes; b) a aplicação do Direito de forma criativa fortalecendo
a autoestima dos participantes; c) o desenvolvimento das
capacidades cognitivas, e também as afetivas e emocionais; d)
aprendizagem de habilidades para intervenções judiciais, mas
especialmente, extrajudiciais; e) parceria constante com
organizações da sociedade civil; f) enfoque interdisciplinar; e, g)
consideração das relações conjunturais sociais, políticas,
econômicas e culturais.
O objetivo principal deste espaço é promover a educação
em direitos humanos para acadêmicos, professores, ativistas ou
profissionais do Direito por meio de grupos de estudos, projetos de
pesquisa e extensão, advocacy, intervenção judicial e extrajudicial
sobre casos de interesse público, litígio estratégico, participação em
150
simulados internacionais e nacionais, realização de eventos
acadêmicos, etc. Para alcançar esses objetivos, conta com a
participação de alunos, professores e funcionários da universidade,
assim como diversos colaboradores e parceiros, tanto
governamentais como não governamentais.
As clínicas de Direitos Humanos são eficazes para a
formação de um novo tipo de profissional do Direito cuja demanda
tem crescido nas últimas décadas: o defensor jurídico de direitos
humanos. Atualmente existem diversos espaços que precisam ser
ocupados com juristas qualificados na área dos Direitos Humanos,
tanto em órgãos públicos (defensores públicos, juízes,
procuradores, promotores, etc.) quanto em órgãos privados
(advogados, militantes de ONGs, defensores dativos, etc.). Os
estudantes de Direito, quando terminam seus estudos, precisam
estar tecnicamente preparados para defender, além de seus
direitos, os direitos de outras pessoas e grupos.
Os estudantes possuem dentro das clínicas de Direitos
Humanos uma oportunidade durante a graduação e/ou pósgraduação para desenvolver atividades de pesquisa (buscando
novos conhecimentos e soluções para problemas), de ensino
(formação teórica em Direitos Humanos) e de extensão
(análise/atendimento de problemas reais ou hipotéticos de suas
comunidades) (LAPA, 2014, p. 143). Com isso, podem aprender a
pensar estrategicamente em possíveis soluções, judiciais ou
extrajudiciais, para problemas de Direitos Humanos que afetam
suas sociedades.
Para os estudantes de Direito, participar de clínicas de
Direitos Humanos durante a graduação pode trazer inúmeros
151
benefícios. Primeiro, eles aprendem que o Direito pode ser um
meio para mudanças sociais e não é um fim em si mesmo. E,
adicionalmente, adquirem habilidades de advocacia em geral e que
também podem ser utilizadas para a advocacia em Direitos
Humanos, ou seja, é importante destacar que essas habilidades são
úteis não apenas para a advocacia em Direitos Humanos, mas sim,
para qualquer profissão jurídica.
A opção pela utilização das clínicas, embora mais
indicada para Cursos de Direito, pode também ocorrer em outros
cursos voltados a formação de agentes públicos, e mesmo em
alguns cursos de formação de profissionais para a iniciativa
privada. Nesse sentido, talvez o seu melhor aproveitamento ocorra
em clínicas interdisciplinares, envolvendo estudantes e professores
de diferentes áreas. Não devemos esquecer que se de um lado a
formação de defensores jurídicos dos Direitos Humanos é um
objetivo fundamental dessas clínicas, há também a necessidade de
formar agentes políticos de defesa dos Direitos Humanos; inclusive
porque o avanço nessa matéria se dará de forma cada mais efetiva
na medida em que o respeito a esses direitos decorra de um
processo de convencimento coletivo e não mais do ajuizamento de
ações e busca de decisões judiciais.
As clínicas trazem consigo uma opção pela utilização das
metodologias ativas. Nesse sentido, são um espaço privilegiado
para os estudos de caso e para a aprendizagem baseada em
problemas, assim como para os métodos de ensino participativo já
152
apresentados. 21 Permitem que a busca do conhecimento seja
realizada com objetivos de aplicação em situações reais ou
simuladas, possibilitando um processo de ensino-aprendizagem no
qual haja um efetivo diálogo entre teoria e prática.
5. Considerações finais
Ao finalizar este artigo podemos afirmar, com base nos
documentos oficiais das Nações Unidas e do Estado Brasileiro, bem
como nos textos escritos sobre o tema que foram consultados, que
a Educação em Direitos Humanos é concebida principalmente
como educação para a cidadania.
Dessa orientação presente tanto nos documentos oficiais
quanto da produção intelectual sobre o tema, restam abandonados
dois outros aspectos desse tema, que mereceriam um melhor
tratamento: a formação em Direitos Humanos dos profissionais da
educação e a formação em Direitos Humanos (formação técnica,
incluindo os direitos material e processual) dos profissionais da
área jurídica.
Sendo a Educação em Direitos Humanos obrigatória em
todo o sistema educacional formal, necessário é preparar todos os
que trabalham nesse sistema (professores, coordenadores,
supervisores, diretores, etc.) para o fazê-la. Nesse sentido, todos os
cursos de licenciatura (formação de docentes da educação básica)
21
Sobre a aprendizagem baseada em problemas ver: RODRIGUES, Horácio
Wanderlei. Popper e o processo de ensino-aprendizagem pela resolução de
problemas. Revista Direito GV, São Paulo, FGV, v. 6, n.1, jan.-jun. 2010, p.39-57.
Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S1808-24322010000100003
153
e de pós-graduação (formação dos docentes da educação superior)
deveriam oferecer conteúdos e metodologias específicas para esse
tema; mas não é o que ocorre.
De outro lado, sendo os sistemas de justiça e de segurança
espaços privilegiados onde ocorre o desrespeito aos Direitos
Humanos, é fundamental formar adequadamente os profissionais
do Direitos para atuarem em defesa desses direitos, de forma plena
e adequada; essa é outra lacuna a ser suprida, tendo em vista que,
regra geral, não há nos Cursos de Direito uma preparação
específica para essa atuação.
Em resumo: os documentos oficiais e aqueles que se
ocupam do tema da Educação em Direitos Humanos acertam em
vê-la como uma educação para a cidadania, mas falham ao não
darem o tratamento adequado à questão da formação dos
profissionais da educação e dos profissionais do Direito. Não
haverá Educação em Direitos Humanos sem educadores
devidamente preparados; e não haverá efetividade dos Direitos
Humanos sem profissionais dos Direitos devidamente formados.
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161
O MODUS OPERANDI DA DITADURA MILITAR E A
SEGURANÇA NACIONAL
THE MODUS OPERANDI OF THE MILITARY
DICTATORSHIP AND THE NATIONAL SECURITY
Paulo Velten 22
Brunela Vieira de Vincenzi 23
Resumo: Objetiva-se com o presente artigo tratar, a partir do
contexto histórico do Golpe Militar de 1964, de como a doutrina
da Segurança Nacional influenciou e continua influenciando o
comportamento do Poder Judiciário Brasileiro, suas implicações
jurídicas e sociais.Ademais, a análise da doutrina da segurança
nacional, baseada na doutrina norte-americana de segurança
nacional, é um ponto relevante para o diagnóstico do estado atual
da violência no Brasil.Dessa forma, é importante descortinar no
Brasil a prática judiciária e legislativa durante a ditadura civil22
Professor da Ufes – Universidade Federal do Espírito Santo, Coordenador do
Curso de Aperfeiçoamento de Educação em Direitos Humanos. Me. Em Políticas
Públicas e Processo. Doutorando na UNESA.
23
Professora da Ufes – Universidade Federal do Espirito Santo, Doutora em
Direito Civil, Constitucional e Filosofia do Direito pela Johann Wolfgang Goethe
Universität - Frankfurt amMain (2007). Estágio de Pós-Doutorado no Núcleo de
Estudos da Violência da Universidade de São Paulo e no
InstitutfürSozialforschung em Frankfurt amMain, na Alemanha (2009-2010).
Atuou entre 1998 e 2009 como advogada no Brasil, em São Paulo; e de 2010 a
dezembro de 2012 como Advogada Europeia na Alemanha. Parecerista da Revista
de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD). PósDouramento em andamento no Programa de Pós-Graduação da Universidade
Federal do Espírito Santo – UFES.
162
militar o que vai servir para as gerações futuras a identifica-las,
refutá-las, para que se tenha uma história contada
democraticamente.
Palavras-chaves: Golpe Militar; Doutrina da Segurança Nacional;
Poder Judiciário.
Abstract: This article aims to debate, from the historical
perspective of theMilitary Coup of 1964, how the National Security
Doctrine has influenced and continues to influence the behavior of
the Brazilian Judiciary System, its legal and social
implications.Furthermore, the analysis of the doctrine of national
security, based on the American doctrine of national security, is
relevant for the diagnosis of the current state of violence in Brazil
point.Thus, it is important to uncover in Brazil judicial and
legislative practice during civil-military dictatorship which will
serve for future generations to identify them, refute them, in order
to have a story told democratically.
Key-words: Military Coup; National Security Doctrine; Judiciary
System.
1. Introdução
“É oportuno que o Presidente do Supremo Tribunal
Federal, nesta hora tão significativa a Nação, se dirija ao ilustre
Chefe de Estado, dizendo-lhe conceitos que, a meu ver, coadunam
com o delicado momento. Ressaltarei de início, que a conquista e,
portanto, a sobrevivência da democracia se há de fazer, nos
momentos de crise, com sacrifício transitório de alguns de seus
princípios e garantias constitucionais.
163
Proclamamos que, em verdade, foram os detentores do
Governo deposto que, movidos por um propósito vesânico, nos
arrastaram para esta situação.
A Justiça. Eminente Senhor Presidente, quaisquer que
sejam as circunstâncias políticas, não toma partido, não é a favor
nem contra, não aplaude nem censura. Mantem-se equidistante,
ininfluenciável pelos extremos da paixão política. Permanece
estranha aos interesses que ditam os atos excepcionais de governo.
Nosso poder de independência há de manter-se impermeável às
injustiças do momento, e acima de seus objetivos, quaisquer que se
apresentem suas possibilidades de desafio às nossas resistências
morais.
E continua:
Superamos a crise de governo e de autoridade que tendia
ao naufrágio das instituições democráticas, fundamento de nossa
formação histórica, linha mestra indeclinável de nossa tradição
popular e política.
E finaliza:
Seja, assim, o problema do direito, antes de tudo um
problema de vida e de cultura, em suma, o veículo de progresso
construtivo desta Nação. E para isso atingirmos, estou certo e
confiante, temos, por sorte providencial, à frente do nosso
Governo, a grande figura do Presidente Castello Branco, que aqui
se encontra, na casa de justiça, no primeiro dia em que vem de sai
do Palácio Executivo.
Meus cumprimentos”. (Discurso do Ministro Ribeiro da
Costa ao cumprimentar Castello Branco no dia 17 de abril de 1964
em visita ao STF)
164
2. Contexto Histórico
O golpe civil-militar de 1º de abril de 1964, que este ano
completa 50 anos, deve ser analisado a partir de vários eventos
simultâneos em todo mundo, dentre os quais, a polarização das
forças políticas entre os Estados Unidos da América e União
Soviética. A chamada “guerra fria” acabou por se materializar
através do tratado de Yalta, que configurou um bloco capitalista
que capitaneado pelos EUA, praticava a política econômica liberal
juntamente com Japão e Europa Ocidental. De outro lado o bloco
comunista que, liderado pela União Soviética, dominou a Europa
Oriental.
Quanto à América Latina, como citado por Valter Pires
Pereira (2005, p.30), a “adesão ao bloco capitalista foi praticamente
a única saída” apesar das tentativas de forças políticas de países sulamericanos de se desvencilharem dessa submissão, como nos
governos de Velasco Alvarado (1968-1975) no Peru, Salvador
Allende (1970-1973) no Chile e Fidel Castro em Cuba.
Nesse macro contexto, forjado no Nacionalismo
Americano, iniciou-se um programa sistemático de militarização
do poder político e da forma de vida na América Latina. Baseado
numa retórica alarmista e apocalíptica o liberalismo esse programa
“persuadiu milhões de americanos a interpretar seu mundo em
termos insidiosos levando-os a estabelecer políticas domésticas e
globais que tentavam conter a ameaça comunista”. (PEREIRA,
2005, p.24).
Considerando esse contexto histórico, o presente artigo
pretende abordar o modo de agir violador de direitos humanos que
165
caracterizou o regime político instituído a partir do golpe de estado
de 1o. de abril de 1964 e que perdurou até os idos de 1986, cujos
métodos produziram efeitos que se fazem sentir ainda hoje. Esse
modus operandi é marcado pela busca da legitimação dos atos
ditatoriais através de processos judiciais.
Essa tentativa de legitimação dos atos totalitários, via
processos judiciais, foi tomando corpo graças à manipulação do
conceito de “ameaça da segurança nacional” no ordenamento
jurídico pátrio. Outrora relegado às externalidades, passou a ser
atribuído a cidadãos nacionais opositores ao regime vigente.
Ressalte-se que não somente os assim chamados “comunistas”, mas
também cidadãos que não estavam envolvidos na luta política
foram perseguidos pelos golpistas. Neste sentido ver a entrevista da
professora Angela Moreira 24 a respeito de sua pesquisa sobre a
enorme quantidade Habeas Corpus em favor de pequenos
comerciantes, que tramitaram junto ao STM que a partir de 1966,
quando muitas cidades viviam uma crise de desabastecimento e
movimentos de donas de casa requisitavam uma volta à
normalidade do abastecimento e uma moralização no
oferecimento de serviços. A resposta veio através do Ato
Institucional número 2 que deslocou a competência para julgar o
crime contra economia popular para a Justiça Militar que até então
era da Justiça Comum e, de certa forma, equiparou estes crimes aos
crimes contra a ordem social e segurança nacional, levando
pequenos comerciantes como padeiros, açougueiros e
24
Disponível em http://oglobo.globo.com/brasil/ditadura-perseguiucomerciantes-julgou-crimes-contra-economia-popular-11891724-. Acesso em
02 abr. 2018.
166
farmacêuticos às prisões por terem se tornado uma “ameaça”
contra a política econômica do Regime Militar.
Estigmatizado, o Governo João Goulart pretendia
reformas de base (agrária e de educação) passou a ser visto como
uma “ameaça” comunista. Dá-se o golpe, que através do Ato
Institucional Número 1 que autodenominou-se revolução
vitoriosa. Entretanto, curiosamente foi preservado o
funcionamento do sistema judicial no Brasil, tanto que a justiça
eleitoral continuou a funcionar normalmente durante toda a
ditadura, tanto na eleição indireta do primeiro presidente,
referendado no cargo após a “campanha presidencial de 2 dias
previstas no AI 1”, como nas eleições de governadores que se
sucederam durante a ditadura. Evidencia-se assim, a disposição do
judiciário de aplicar a legislação produzida durante o regime
militar, comportamento que perdura mesmo após o fim do
referido regime, uma vez que não houve uma depuração do
sistema.
Mais do que isso, o Judiciário foi testemunha ocular e
presencial do golpe, conforme pode-se verificar no relatório do
então Presidente do STF Ministro Ribeiro Costa (KAUFMANN,
2012, p.67), onde narra a sua participação na Sessão Plenária do
Congresso que declarou a vacância do cargo do Presidente João
Goulart:
Rapidamente fiz o meu exame de consciência
e dever profissional, e não podendo, na hora,
naquele instante, de madrugada, consultar aos
meus eminente colegas, como é de praxe nesta
casa – sobre todos os atos que o presidente
167
deve praticar, principalmente atos dessa
magnitude – resolvi eu mesmo assumir a
responsabilidade de praticá-lo, pois que, em
face da constituição, se estava vago o cargo,
era acertado, era constitucional o ato da
iniciativa do ilustre Presidente do Congresso
Nacional no sentido de empossar na
Presidência da República o Presidente da
Câmara do Deputados.
Acorri ao recinto da Câmara dos Deputados e
ali chegando senti a ebulição que aquele ato
causara no meio dos parlamentares, que já
então saíam da sessão de maneira muito
rumores, dando a ideia do movimento e da
gravidade do ato que acabava de ser praticado.
A pressão sobre o judiciário que vivia sob ameaça de
intervenção era grande, fato que talvez explique a citação do
discurso do Presidente do STF descrito alhures. Com efeito para
Kaufmann (2012, p.68):
Havia expectativa, por exemplo, que
pudessem ser atingidos os Ministros do
Supremo, como começaram a ser atingidos
todos os inimigos do sistema. Todos
começaram a cair. Com o ato institucional
foram cassados Jango, Jânio, dois magistrados
Aguiar Dias e Osny Duarte Pereira. Muita
gente esperava que Hermes Lima e Evandro
Lins e Silva fossem logo atingidos, que era
eminente a cassação.
168
Também a mídia pressionava o Judiciário, com se pode
verificar no Editorial do Jornal O Estado de São Paulo publicado
em 14 de abril de 1964, ou seja, três dias antes da carta transcrita
no pórtico deste artigo. Nele acusava-se o Presidente de haver
montado dispositivo “sindical-militar” ao levar à mais alta corte os
referidos juristas, que haviam servido ao governo Jango como
Ministros em 1963.
O caudilho sabia perfeitamente o que fazia
quando colocou o Sr. Hermes Lima entre os
primeiros magistrados da Nação e, ao seu
lado, com a mesma incumbência de traição,
esse outro líder da baderna chamado Evandro
Lins. Não se concebe, por isso mesmo, a
permanência desses dois cidadãos no
Supremo Tribunal da Republica. Se a decisão
daqueles em quem a Nação entregou as
funções do alto comando revolucionário é a
de deixarem estar onde estão estes dois
perigosos
inimigos
das
instituições
democráticas, o melhor então é abrir as portas
das prisões aos que dentro dela padecem as
consequências de crimes incomparavelmente
menores e às centenas de figuras de segunda
ordem de forças subversivas.
Parlamentares favoráveis ao regime golpista também
bradavam pela cassação dos Ministros do STF na tribuna do
Congresso e conforme ressaltado por Oswaldo Trigueiro do Vale
(1976, p.58), contraditoriamente, pois, se um lado defendia a
soberania da Suprema Corte, por outro exigiam sua depuração,
como se pode verificar no discurso do Deputado Jorge Curi, da
169
UDN do Paraná (sem poder imaginar naquele momento, que por
ironia do destino, ou por ironia dos ditadores, seria um dos nomes
cassados pelo AI-2 em 1969, concomitantemente aos Ministros
contra os quais investia):
(...)"todos desejamos preservar a majestade e a
intangibilidade da Justiça e de sua mais Alta
Côrte. Mas porque a queremos soberana e
livre é que concordamos ser necessário não se
deter a revolução antes as portas do STF.
Dois de seus Membros são acusados de
participação ativa no processo político e
ideológico com que o janguismo assolou e
perturbou a esta nação, Jangaram para serem
ministros e depois de ministros continuaram
a jangar. (p.69)
Cercear no Judiciário o expurgo que se está
realizando no Congresso Nacional além de ser
uma odiosa discriminação. É tentar frustrar a
revolução, é negar-lhe o poder que o Ato
Institucional lhe outorgou de impedir que,
um dia, pelos votos dos acusados, voltem por
habeas corpus ou outra medida jurídica os
expurgados da vida nacional” (VALE, 1976,
p.70).
De fato a intervenção no Judiciário começou a ser
desenhada no segundo semestre de 1965 quando o então Ministro
da Guerra o General Costa e Silva, através do Editorial do Jornal
Correio da Manhã de 22 de outubro de 1965, manifestou sua
“decepção com os rumos do STF tendo em vista haverem
170
permitido os militares o seu funcionamento na esperança que
compreendessem a Revolução” (KAUFMANN, 2012, p.91).
Esta afirmação já era uma resposta à entrevista do então
Presidente da Suprema Corte, Ministro Ribeiro da Costa, de 19 de
outubro de 1965, quando reagira publicamente ao projeto dos
militares de intervirem na Corte, tendo inclusive instado aos
militares a voltarem para os quarteis, fato que obviamente
provocou a deterioração da relação entre eles (KAUFMANN, 2012,
p.100).
Em 25 de outubro a plenária do STF alterou seu
regimento interno de modo a prorrogar o Mandato de seu
presidente de modo a blindá-lo. Com isso, verteu-se a gota d’água
faltante, e, em 27 de outubro, o Ato Institucional n.2 é editado
tornando indireta a eleição presidencial, extinguindo os partidos
políticos, findando as prerrogativas de função, cassando mandatos
parlamentares, suspendendo os direitos políticos e intervindo no
STF para aumentar o número de Ministros para 16, e, assim, tentar
influenciar a modificação da jurisprudência que vinha
contrariando os interesses do regime golpista. Ademais, nomeouse a partir das fileiras udenistas os Ministros Adalíco Coelho
Nogueira, José Eduardo do Prado Kelly, Oswaldo Trigueiro de
Albuquerque Mello, Aliomar de Andrade Baleeiro e Carlos
Medeiros da Silva.
A intervenção foi completada pela Emenda
Constitucional n.6 de 01 de fevereiro de 1969 que aposentou
compulsoriamente os Ministros Evandro Lins e Silva, Hermes
Lima, Vitor Nunes Leal, retornando, consequentemente, para 11 o
número de ministros no STF.
171
Nesse clima, como ressaltado acima, o AI-1 em seu artigo
7º 25, cassou os direitos políticos dos opositores e até mesmo de
aliados. Estabeleceu a suspensão das garantias constitucionais ou
legais de vitaliciedade e de estabilidade como forma de, numa
penada, minar eventuais resistências do judiciário e dos servidores
públicos, uma vez que poderiam ser demitidos ou aposentados por
investigações sumárias perpetradas pelo comando revolucionário
supremo, no caso de decisões contrárias à segurança do país; ou
ainda, e por mais contraditório que possa parecer, por decisões
contra o regime democrático 26 ou a probidade administrativa.
Como consequência foram cassados sete reitores das vinte e cinco
universidades existentes, quase quinhentos deputados e dois mil
funcionários públicos, expulsando ainda de suas cátedras sessenta
e seis professores universitários, dentre os quais Caio Prado Jr.,
Florestan Fernandes e Fernando Henrique Cardoso, além da
edição do famigerado Decreto 477, verdadeiro ato institucional que
perseguiu e puniu milhares de estudantes, proibindo-os de
25
Art 7º - Ficam suspensas, por 6 (seis) meses, as garantias constitucionais ou
legais de vitaliciedade e estabilidade. § 1º - Mediante investigação sumária, no
prazo fixado neste artigo, os titulares dessas garantias poderão ser demitidos ou
dispensados, ou ainda, com vencimentos e as vantagens proporcionais ao tempo
de serviço, postos em disponibilidade, aposentados, transferidos para a reserva ou
reformados, mediante atos do Comando Supremo da Revolução até a posse do
Presidente da República e, depois da sua posse, por decreto presidencial ou, em
se tratando de servidores estaduais, por decreto do governo do Estado, desde que
tenham tentado contra a segurança do País, o regime democrático e a probidade
da administração pública, sem prejuízo das sanções penais a que estejam sujeitos.
26
Os golpistas na exposição de motivos do AI-1 afirmavam que tomavam medidas
urgentes no sentido de drenar o bolsão comunista infiltrado na cúpula do
governo e nas suas dependências administrativas em que pretenderia bolchevizar
o país, em clara alusão à ditadura comunista.
172
permanecer nas Universidades, dentre os quais pelo menos 46 não
se sabe o paradeiro até hoje.
No campo educacional a intervenção militar foi
igualmente contundente e violenta, e em 09 de abril de 1964 foi
cassado Anízio Teixeira, da reitoria da Universidade de Brasília,
tendo esta sido invadida por dois mil soldados conforme
documentário de Marcia Bodanzky 27.
Esta malfadada intervenção foi tomada com vistas a
interromper a implantação do primeiro Plano Nacional da
Educação, obra capitaneada pelo referido reitor e que colocava em
prática (já desde 1963) o programa de alfabetização baseado no
método Paulo Freire e ainda a escola pública em horário integral.
No sistema universitário, conforme Regina Celi Frechiani
Bitte (2006, p.44) “criou-se uma visão tecnicista da educação,
baseado no modelo administrativo das grandes empresas e
vinculando a educação ao progresso técnico e científico, contrário
a autonomia universitária, ideia essa tida como contrária à falta de
disciplina e autoridade, prejudicial à ordem e à democracia.
Como se pode perceber a interrupção deste Plano
Nacional de Educação foi trágico na medida em que até hoje, 50
anos após o golpe são anseios que ainda estão por se realizar, ou
seja, a responsabilidade pela perda do bonde da história
educacional no Brasil tem nome e endereço, não foi fruto de fruto
de escolhas erradas mas de imposições ditatoriais.
27
Disponível em: www.unb.br/notícias/unb/agencia.php?id8508. Acesso em 16
abr. 2018
173
3. A Mutação do Conceito de Segurança Nacional
Desde o primeiro ato institucional, os golpistas
evidenciavam que a busca pela legitimação de seus atos não passava
pelo congresso, pois em sua ótica o comunismo constituía-se na
ameaça externa à democracia brasileira. Assim, embora
combatessem “inimigos internos” o faziam em função de fatores
externos. Daí a atração ao conceito de "inimigos internos" que,
conforme Hélio Bicudo (1986, p.9), passou a ser “uma ideologia
que não fazia diferença entre inimigo externo e interno”.
Embora presente desde a Constituição do Império de
1824, presente também na Primeira Constituição Republicana e na
Constituição de 1934, foi com Getúlio Vargas que o conceito de
segurança nacional começou a ser manipulado para atender a
interesses políticos, tanto que deu ensejo à criação do nefasto
Tribunal de Segurança Nacional (1935), verdadeiro tribunal de
exceção que funcionou como instrumento repressivo, para julgar
crimes “comuns” e para perseguir opositores políticos, como Luiz
Carlos Prestes (mantido preso por cerca de 10 anos), além de servir
de argumento impeditivo para o provimento do Habeas Corpus28
impetrado em favor de Olga Benário, esposa de Prestes que, mesmo
28
HABEAS CORPUS N. 26.155 com acórdão redigido nos seguintes termos:
Atendendo a que a mesma paciente é estrangeira e a sua permanência no país
compromete a segurança nacional, conforme se depreende das informações
prestadas pelo Exmo. Sr. Ministro da Justiça em casos tais não há como invocar a
garantia constitucional do habeas corpus, à vista do disposto no art. 2 do decreto
n. 702, de 21 de março deste ano: Acordam por maioria, não tomar conhecimento
do pedido.
174
grávida, foi extraditada (porque judia) para ser morta em campo
de concentração nazista.
Após a segunda guerra, sob forte influência americana
principalmente através da Escola Superior de Guerra a doutrina da
Segurança Nacional, começa a difundir a ideia de cisão do mundo
entre o capitalismo cristão e o materialismo ateu comunista. Esta
perspectiva começou a produzir importantes alterações legislativas
sucessivas através de decretos-leis e atos institucionais. Ressalte-se
ainda que influenciaram importantíssimos diplomas legais em
vigor que continuam “contaminados” por esta perspectiva, cite-se
o Código de Processo Civil de 1973 e ainda a Lei Orgânica da
Magistratura bem como a Lei de Imprensa (agora revogada).
Assim, quando da deposição do governo João Goulart,
vigorava a Lei 1.802/53 que regulava especificamente a defesa
nacional e a espionagem. Em 13 de março de 1967, foi editado o
Decreto Lei 314 que alterou a citada lei e passou a responsabilizar
o cidadão pela segurança nacional, além de acrescentar novos tipos
penais. Para além desses, em 20 de março de 1969, o Decreto Lei
510 criou novas modalidades de prisão e a incomunicabilidade do
preso e, em 21 de outubro de 1969, com os Decretos Lei 898 e
1001/1002 de 1969 que estabeleceram contra “toda pessoa,
inclusive jurídica” a responsabilidade contra “antagonismos” e
contra a “guerra revolucionária subversiva”, além de um novo
código penal e de processo penal que entre outras coisas,
estabelecia a prisão perpétua e da pena de morte.
Essas manipulações diretas no ordenamento jurídico
positivo durante o período ditatorial forjaram situações que
produziram consequências desastrosas para a Justiça brasileira,
175
conforme se pode observar a partir dos resultados e publicações do
projeto “Brasil Nunca Mais”, dentre as quais deve-se ressaltar: - a
denúncia e julgamento por leis excepcionais de mais de sete mil
cidadãos brasileiros por discordarem do regime; - a modificação da
competência justiça comum para a justiça militar do julgamento de
crimes cometidos por cidadãos por ato civis; - atribuição ao
cidadão e não mais ao Estado da responsabilidade pela segurança
nacional; - de provocar verdadeira confusão entre a honra do
mandatário e a honra da nação ao tipificar crime de crítica à
autoridade constituída; - ao punir como atos subversivos e contra
a segurança nacional atividades legais; - estabelecer a prisão
preventiva por iniciativa do encarregado do inquérito; - a restrição
do número de testemunhas de defesa por acusado; - chegando ao
absurdo de criar a possibilidade de prisão perpétua e pena de
morte, e, por derradeiro, a suspensão do habeas corpus.
Dessa forma, a Segurança Nacional passou de acessório à
própria razão de ser do golpe; a segurança de um sistema político,
saindo do campo teórico e passando a ser a régua de medir a
legalidade. No dizer de Bicudo (op.cit.p.9), ela tornou-se uma
espécie de palavra-chave, um conceito inserido na linguagem
comum a tal ponto que ninguém mais indagava o seu sentido.
Em 17 de dezembro de 1978, com a Lei 6.620 (nova Lei de
Segurança Nacional), finalmente substituíram-se os instrumentos
excepcionais que se fizeram indispensáveis para manter o regime
militar(sic), e ainda, paralelamente, promulgou-se a Emenda
Constitucional nº11, de 13 de outubro de 1978, com a finalidade de
cassação, em breve, do regime de leis excepcionais. Abrandando as
176
penas anteriores, bem como suprimindo-se as penas de prisão
perpétua e de morte.
Portanto, a análise da transmutação do referido conceito
é o ponto nevrálgico para entender o modus operandi do regime
militar, que se constituiu em verdadeiro indutor do
comportamento doutrinário das gerações seguintes.
4. Centralização do Poder
Outros procedimentos característicos de governos
totalitários também foram impostos pelo governo militar, vejamos:
- Com o golpe e a consequente limitação dos poderes do
congresso, as leis, principalmente as orçamentárias, passaram a ser
elaboradas exclusivamente pelo chefe do executivo bem como pelo
chefe do judiciário que, com decretos leis de vigência imediata,
tornou-se “dono” do orçamento público, conforme preconizado
no art.5º 29 do Ato Institucional Nº1. Essa medida, que para muitos
é de governança, demonstra o caráter totalitário de um regime,
uma vez que um país será tão democrático quanto for seu
orçamento.
E ainda mais:
- Introduziu-se dispositivo que bloqueou o controle
jurisdicional dos atos derivados do AI-1 ao exame de formalidades
extrínsecas, inovação que vedava a apreciação da conveniência e
29
Art. 5º - Caberá, privativamente, ao Presidente da República a iniciativa dos
projetos de lei que criem ou aumentem a despesa pública; não serão admitidas, a
esses projetos, em qualquer das Casas do Congresso Nacional, emendas que
aumentem a despesa proposta pelo Presidente da República.
177
oportunidade dos fatos que o motivaram; excluindo ainda a
possibilidade de apreciação judicial do próprio ato, preceito
replicado até os dias atuais no que diz respeito às ações contra a
fazenda pública, notadamente no que diz respeito às limitações
atuais quanto ao deferimento de liminares contra o Estado.
- Com o ato institucional nº 5 e a suspensão das garantias
constitucionais, notadamente do habeas corpus, consolidou-se o
maior retrocesso legislativo que já se impôs a uma nação,
reconduzindo o povo brasileiro a séculos anteriores ao próprio
descobrimento, já que a criação do habeas corpus data de 1215.
5. Considerações Finais
Na vida daqueles que foram processados o dano foi ainda
maior, conforme revelou o Projeto Brasil Nunca Mais (1985, p.169)
que, sob a batuta insuspeita de Dom Paulo Evaristo Arns,
denunciou, entre inúmeras mazelas, infindáveis excessos legais e
absurdos processuais como descritos a seguir:
- aprisãoe a tortura tornaram-se o método de investigação
e de segregação política, de tal forma que o referido estudo revela
que 69,18% dos denunciados entre os anos de 1964 e 1968 e 71,05%
entre anos de 1969 e 1974 foram aprisionados; tornando-se assim
a prisão regra (método) e não exceção, violando assim o princípio
da liberdade.
- que em 86,15% dos inquéritos entre os anos de 1964 e
1968 e 84,77% dos inquéritos entre os anos 1969 e 1974 das prisões
efetivadas não constam dos autos os respectivos mandados de
prisão, violando assim o princípio da legalidade.
178
- que 681 pessoas entre os anos 1964 e 1968, 1937 pessoas
entre os anos de 1969 e 1974 e 210 pessoas entre os anos de 1974 e
1979 foram condenados em primeira instância sob o argumento da
segurança nacional.
Para além de nossas fronteiras, o estudo do modus
operandi ditatorial não é novidade. A filósofa Hannah Arendt, em
“As origens do totalitarismo”, desde os meados do século passado,
já denunciava o terror como instrumento necessário para o
governo de massas para o estabelecimento de regimes totalitários.
Contemporaneamente, Anthony W. Pereira aponta três
principais motivos para o estudo da fundamentação jurídica dos
argumentos lançados para justificar os processos por crimes
políticos que aconteceram durante a ditadura, a saber:
1-Quando
governos
autoritários
se
preocupam em legalizar o processo, a
exigência de aderência a procedimentos
formais pode vir a mitigar os piores efeitos da
repressão;
2-A compreensão mais profunda dos regimes
autoritários influenciaram a transição
subsequente para o regime democrático;
3- Permite construir um quadro mais
detalhado da maneira como a lei foi usada de
forma excepcional, podendo revelar o que
mudou e o que não mudou, com o retorno ao
Regime Democrático." (PEREIRA, 2005)
Emblemática, nesse sentido, a análise feita por Gustav
Radbruch sobre a estrutura jurídica montada pelo regime
nacional-socialista na Alemanha desde1933 até o seu desmonte
179
pelo Controle Aliado (Kontrollrat) de 1945 a 1959. No debate
jurídico, em 1946, a tese cunhada por Radbruch (Radbruch, 2003)
estabelecia que entre direito positivo e a justiça sempre e só deveria
ser decidido contra a lei e pela justiça material, quando a lei
positivada fosse questionada por ser “insuportável injustiça" ou
quando a lei positivada desconsiderasse a partir do ponto de vista
do intérprete do direito, a garantia de igualdade entre todos seres
humanos.
A partir desta chamada fórmula três esquemas de
classificação de Radbruch evoluíram para a validade jurídica das
leis nazistas:
- No primeiro grupo estão as leis que precisam ser
aplicadas, mesmo se injustas: isto é, aplica-se as leis nazistas, que
foram revogadas a partir de 1945 pelos Aliados, para o período de
sua existência (durante a ditadura).
- O segundo grupo são leis "insuportavelmente injustas":
essas leis cedem lugar, apesar de ainda positivadas no ordenamento
jurídico à justiça, são então declaradas nulas retroativamente.
- No terceiro caso estão as leis que nem pretendem ser
justas. Para Radbruch elas não são consideradas direito, mas sim
são tidas como se nunca tivessem existido.
Nesse sentido, vale a pena colacionar as próprias palavras
de Radbruch:
“El conflicto entre la justicia y la seguridad
jurídica podría solucionar se bien en el sentido
de que el derecho positivo estatuido y
asegurado por el poder tiene preeminencia
aún cuando por su contenidos e a injusto e
180
inconveniente, bien en el de que el conflicto de
la ley positiva con la justicia alcance una
medida tan insoportable que la ley, como
derecho injusto, deba ceder su lugar a la
justicia. Es imposible trazar una línea más
exacta entre los casos de arbitrariedad legal y
de las leyes válidas a pesar de su contenido
injusto. Empero se puede efectuar otra
delimitación con toda exactitud: donde ni
siquiera una vez se pretende alcanzar la
justicia, donde la igualdad es negada
claramente por el derecho positivo, allí la ley
no solamente es derecho injusto sino que
carece más bien de toda natureza jurídica”
(RADBRUCH, 2003apud BARDELLI, 2010,
p. 85) 30
Além do trabalho de Radbruch, a tese de Bernd Rüthers,
sobre a interpretação pelos juízes durante os anos do governo de
Hitler das cláusulas gerais do direito privado alemão, marca o
enfoque do compartilhamento de responsabilidade pela operação
do sistema. Assim, caso não houvessem juízes dispostos a
interpretar elasticamente as cláusulas gerais operando sob a égide
da ditadura nazista, provavelmente algumas decisões seriam
diferentes (Rüthers, 2005).
Essa linha de entendimento foi usada em outros países,
em que pesem as diferenças entre os regimes e o fato de ser o grau
de barbárie do regime nazista inatingível. Dentre os países que
usaram a análise de Radbruch (já com as críticas de Hart),
30
Tradução de M. I. Azareto de Vásquez, Abeledo Perrot, Arbitrariedad legal y
derecho supralegal, Buenos Aires, 1962, pp. 37-38. (apud: Bardelli, 2010, p. 85).
181
encontra-se a Argentina, no continente sul-americano, como
demonstra a análise feita por Julián Díaz Bardelli (BARDELLI,
2010).
Conclui-se, assim, a partir da experiência de outros
países, que retrabalhar o passado, garantir o direito à memória e
superar heranças do direito positivado é essencial para o melhor
funcionamento democrático dos países egressos de regimes
ditatoriais. Assim, descortinar no Brasil a prática judiciária e
legislativa durante a ditadura civil-militar servirá para que as
gerações futuras possam, identificando-as, refutá-las, para que se
tenha uma história contada democraticamente. Poder-se-á, dessa
forma, compreender como a ideologia criada pelo regime, que vem
sendo replicada até os dias atuais através de conceitos jurídicos
impostos e incutidos nas gerações que se seguiram, contaminam o
modo de vida de uma nação inteira. Enfim, é preciso ver que
quanto maior o consenso entre as elites civis-militares sobre o
funcionamento da ditadura, maior o grau de continuidade
autoritária no funcionamento do golpe. Nesse sentido, vale notar
que a participação permanente, em relação de cumplicidade, de
parcela da sociedade civil, durante a formulação do arcabouço do
regime, vem sendo estudada e comprovada por historiadores de
peso, dentre eles Daniel Aarão Reis Filho, sendo inviável a mera
negativa retórica no atual estágio da sociedade brasileira (REIS
FILHO, 2014).
De todo o exposto, conclui-se que o estudo do modo de
agir ditatorial, para além de estancar a continuidade do método,
pode servir como parâmetro para que nas escolhas do presente não
tomemos o caminho do passado.
182
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183
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VALE, Osvaldo Trigueiro. O Supremo Tribunal Federeal e a
instabilidade político-institucional. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1976.
184
A EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA COMO INSTRUMENTO DE
INCLUSÃO SOCIAL REAFIRMANDO O DIREITO
FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO
DISTANCE EDUCATION AS AN INSTRUMENT OF
SOCIAL INCLUSION REAFFIRMING FUNDAMENTAL
RIGHT TO EDUCATION
Elaine Aparecida Barbosa Gomes31
Márcio Eduardo Senra Nogueira Pedrosa Morais 32
Resumo: O artigo analisa se a modalidade de educação a distância
(EaD) permite a inclusão social dos indivíduos que não teriam
outra possibilidade de realizar um curso em nível superior. O
objetivo é discutir, à luz do Direito Fundamental à educação, o
espaço de aprendizagem virtual como forma de democratizar o
acesso ao ensino superior. Sustentar-se-á que a EaD possibilita a
inclusão de educandos que dificilmente teriam acesso ao ensino
superior através do ensino presencial, com aprendizagem e
autonomia. Para validação desta hipótese, o recurso à lógica
dedutiva, impõe-se como basilar e a conclusão restará amparada
em visita efetuada a referenciais teóricos sobre a matéria.
31
Bacharel em Direito pela Universidade de Itaúna UIT. Graduada em Geografia
pela Faculdade de Pará de Minas MG. Mestranda no Programa de pós-graduação
Stricto Sensu em Direito da Universidade de Itaúna. Advogada.
32
Graduado em Direito pela Universidade de Itaúna/MG. Especialista em
Ciências Criminais pela UGF/RJ. Mestre e doutor em Teoria do Direito pela
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor universitário na
Universidade de Itaúna e na Faculdade de Pará de Minas (MG).
185
Palavras-chave: Educação a Distância; Espaço de Aprendizagem
Virtual; Direito Fundamental à Educação; Inclusão Educacional;
Inclusão Social.
Abstract: The article analyzes if the EaD modality allows the social
inclusion of the individuals who would not otherwise be able to
take a course at a higher level. The objective is to discuss, in the
light of the Fundamental Right to education, the virtual learning
space as a way to democratize access to higher education. It will be
argued that ODL enables the inclusion of students who would
hardly have access to higher education through face-to-face
teaching, with learning and autonomy. To validate this hypothesis,
the use of deductive logic is imposed as basilar and the conclusion
will be supported by a visit made to theoretical references on the
subject.
Keywords: Distance Education; Virtual Learning Space;
Fundamental Right to Education; Educational Inclusion; Social
inclusion.
1. Introdução
A educação a distância (EaD) vem se consolidando no
cenário nacional brasileiro como uma importante modalidade da
educação e possibilidade de inclusão de indivíduos que
dificilmente teriam acesso ao ensino superior através do ensino
presencial tradicional.
Considera-se o acesso ao ensino como um direito
fundamental do indivíduo, parte integrante de sua formação e
emancipação. Assim, a presente pesquisa parte do entendimento
186
de que a educação é o instrumento mais eficaz e capaz de combater
os problemas sociais que atingem a humanidade, como a exclusão
social.
De certo, essa modalidade de educação é um instrumento
capaz de atender um grande número de pessoas simultaneamente,
chegando a indivíduos que estão distantes dos locais onde são
ministrados os ensinamentos e/ou que não podem estudar em
horários pré-estabelecidos. Representa, nestes moldes, a
possibilidade de inclusão de pessoas com dificuldades em
frequentar cursos presenciais por falta de tempo ou outro fator
relevante.
Cabe lembrar que os ambientes virtuais de aprendizagem
devem ser utilizados como suporte no processo ensinoaprendizagem na modalidade de educação a distância, não
substituindo a função relevante do professor/tutor na construção
do conhecimento do aluno.
Desta forma, esta pesquisa pretende responder o seguinte
questionamento: a educação a distância permite um processo de
inclusão dos indivíduos que não teriam outra possibilidade de
realizar um curso em nível superior?
Para atender a esse questionamento, o objetivo geral desta
pesquisa é discutir, à luz do Direito Fundamental à educação, o
conceito de espaço de aprendizagem virtual como forma de
democratizar o acesso ao ensino superior.
A hipótese científica apresentada compreende o debate
sobre a teoria e o conceito de educação a distância, ou
simplesmente EaD, como instrumento de inclusão social no Brasil.
Nessa seara será imprescindível compreender a educação como um
187
Direito Fundamental inerente à pessoa, para compreender que a
educação a distância é relevante no processo de inclusão
educacional.
Estruturalmente, o artigo se divide em 2 seções temáticas,
mais introdução e conclusão. Na primeira seção, intitulada A
definição de educação a distância: em busca de um conceito, o foco
foi o estudo de algumas ideias básicas sobre a educação a distância
propondo uma discussão sobre o direito à educação a luz da teoria
dos Direitos Fundamentais e da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988. Bem como discutir as principais bases
legais no Brasil, definir o conceito de educação a distância e traçar
um breve histórico da EAD.
Na seção seguinte, com o título, O espaço de
aprendizagem virtual como instrumento de redução das
desigualdades sociais, será concluída a argumentação do estudo,
com o intuito de definir o conceito de espaço de aprendizagem
virtual, em seguida, discutir sobre a contribuição da educação a
distância como instrumento de inclusão social do estudante na
sociedade, como também o uso das Tecnologias de Informação e
Comunicação (TICs) que possibilitam uma nova forma de
aprendizagem para esses estudantes e relevante instrumento de
redução das desigualdades sociais.
Trabalhou-se com o referencial teórico de Michel Moore
e Greg Kearley de educação a distância: uma visão integrada, a
partir de suas contribuições com o debate da interatividade em prol
de uma educação integrada, bem como as proposições teóricas
trazidas na obra A educação a distância em transição: tendências e
desafios, de Otto Peters, para o entendimento da educação a
188
distância como instrumento de inclusão social do estudante. Bem
como demonstrar o entendimento sobre a utilização das
tecnologias digitais para a democratização do ensino.
Quanto à metodologia, para a realização do estudo,
utilizou-se da pesquisa teórico bibliográfica, documental
disponível, com a utilização de livros, textos e artigos doutrinários,
além de leis que possuam relação direta ou indireta com o assunto
em comento, tendo em vista que a construção do debate teórico se
embasa, de maneira considerável, em doutrina. Tendo, ainda,
como base a atual visão constitucionalizada dos direitos
fundamentais.
No que tange ao procedimento metodológico, optou-se
pelo método dedutivo, haja vista partir-se de uma concepção
macro para uma concepção microanalítica, permitindo-se,
portanto, a delimitação do problema teórico. Finalmente, no
procedimento técnico, foram adotadas as análises interpretativas,
comparativas, temáticas e históricas, para possibilitar uma
discussão pautada sob o ponto de vista da crítica científica.
2. A definição de educação a distância: em busca de um
conceito
O foco foi o estudo de algumas ideias básicas sobre a EaD
propondo uma discussão sobre o direito à educação à luz da teoria
dos Direitos Fundamentais e da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988. E ainda discutir sobre suas principais
bases legais no Brasil, definir o conceito de educação a distância e
traçar um breve histórico da EaD.
189
Algumas palavras sobre o direito à educação são
necessárias em nome da adequada compreensão daquilo que ela
representa no direito brasileiro e na interpretação constitucional
como direito fundamental inerente ao ser humano. Nos dizeres de
Valerio de Oliveira Mazuolli: “é fundamental, a consolidação da
cidadania e para isso temos que ter acesso a uma educação
adequada para o seu exercício”. (MAZUOLLI, 2015, p. 241).
A educação fornece elementos para a construção do
conhecimento humano, resgatando a sua dignidade humana,
garantindo uma paridade de oportunidades entre os cidadãos. É
por meio dela que o indivíduo se torna livre e capaz de competir
em situação de igualdade, sendo tarefa do Estado oferecer os meios
necessários para educar esse indivíduo.
A título de esclarecimento, é importante frisar que essa
obrigação estatal surge com a Revolução Francesa (1789), quando
essa responsabilidade com a educação deixa de ser um interesse
exclusivamente privado. Fato é que, na Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988 33, já em seus artigos iniciais, o seu
texto constitucional firma a proteção e o direito à educação como
um direito de todos (GOMES, 2017, p. 117,128).
Em relação às modalidades de educação, presencial e à
distância, torna-se relevante destacar as diferenças entre essas duas
modalidades de educação. Como evidencia Carmem Maia (2002),
o aluno na educação presencial tem ajuda do educador de forma
33
Art. 6º: São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a
moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90, de 2015).
190
integral na sala de aula física, enquanto que na educação a distância
tem a mediação do professor ou tutor/orientador para que possa
ter acesso ao conhecimento, desenvolvendo hábitos e atitudes
relativas ao estudo, facilitando o processo de ensino aprendizagem
de maneira continuada e autônoma.
No mesmo sentido, Otto Peters (2003), ao definir a
natureza da educação a distância, afirma ser uma modalidade de
gênero único, que objetiva um tratamento humanitário de inclusão
desses adultos que foram deixados de lado e estão em busca de uma
aprendizagem inicial ou continuada.
De certo, essa modalidade de educação a distância, como
destacado, é um instrumento capaz de atender a um grande
número de pessoas simultaneamente, chegando a indivíduos que
estão distantes dos locais onde são ministrados os ensinamentos
e/ou que não podem estudar em horários pré-estabelecidos.
Representa a possibilidade de inclusão de pessoas com dificuldades
em frequentar cursos presenciais por falta de tempo ou outro
motivo relevante.
O desafio hoje é educar à distância, de acordo com
Carmem Maia (2002), pois requer superar os problemas regionais
e até nacionais, trabalhando o desenvolvimento do ser humano de
modo inclusivo.
Nessa perspectiva, é necessário destacar que a Lei n.º
9.394, de 20 de dezembro de 1996, Lei das Diretrizes e Base da
Educação Nacional, é responsável pela regulamentação dos cursos
à distância, na medida em que o Estado reconhece, legitima e
assegura a viabilidade desse ensino, conforme prevê seu artigo 80:
“o Poder Público incentivará o desenvolvimento e a veiculação de
191
programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades
de ensino, e de educação continuada”. (BRASIL, 1996).
Ressalta-se, porém, que o primeiro instrumento que
trouxe a definição legal da expressão educação a distância foi o
artigo 1º do Decreto n.º 5. 622/2005 que define educação a
distância:
[...] como modalidade educacional na qual a
mediação didático pedagógica nos processos
de ensino e aprendizagem ocorre com a
utilização de meios e tecnologias de
informação e comunicação, com estudantes e
professores
desenvolvendo
atividades
educativas em lugares ou tempos diversos.
(BRASIL, 2005).
Munidos desse entendimento, antes de compreender a
importância da educação a distância nos cursos de graduação, é
preciso definir o conceito de educação superior. Para isso tem-se
na Lei n.º 9.394/96, artigo 43, inciso II, que o objetivo central da
educação superior é “formar diplomados nas diferentes áreas de
conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e
para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e
colaborar na sua formação contínua”. (BRASIL, 1996).
Sob esse aspecto Carmem Maia (2002) destaca que o
aluno no curso superior da educação a distância tem que ter acesso
a referenciais teórico-práticos que o auxiliem na compreensão, nas
habilidades e atitudes que promovam seu pleno desenvolvimento
tanto como um cidadão consciente no exercício da sua cidadania,
192
quanto prepará-lo para o mercado de trabalho, cada vez mais
competitivo.
Desta feita, a EaD acontece quando o aluno e o professor
não estão presencialmente em uma instituição de ensino,
participando de atividades e interagindo como uma classe
tradicional. Ao contrário, estão em locais distintos e utilizando um
meio tecnológico para interagirem e juntos participarem do
processo de ensino aprendizagem.
Neste sentido, é oportuno trazer a definição de Moore e
Kearley, ao discorrerem que a educação a distância é, sobretudo:
[...] o aprendizado planejado que ocorre
normalmente em um lugar diferente do local
do ensino, exigindo técnicas especiais de
criação do curso e de instrução, comunicação
por meio de várias tecnologias e disposições
organizacionais e administrativas especiais.
(MOORE; KEARSLEY, 2007, p. 2).
Ao trazer essa disposição, Moore e Kearley (2007)
salientam que a educação a distância gera uma situação na qual
alunos e professores, em locais diferentes, durante todo ou grande
parte do tempo, estabelecem uma relação de ensino-aprendizagem
inclusivo e dinâmico.
Entende-se que ser um aluno na modalidade de educação
a distância exige aptidões distintas, tanto no que se refere à
disciplina para assistir as aulas, resolver as atividades propostas,
quanto na habilidade em lidar com as novas tecnologias. Esse
modo de educar está direcionado a um setor da população
193
diferente daquele que frequenta as instituições de ensino
tradicionais. (MOORE; KEARLEY, 2007).
De acordo com Luciano Sathler:
Pelas próprias condições de vida, esses
estudantes tendem a preferir mais
possibilidades de aprendizagem a distância,
especialmente mediadas online. Também as
novas gerações, que cresceram em contato
com tablets e celulares, não suportam mais as
aulas exclusivamente no modelo tradicional.
Observa-se que os cursos presenciais passam
a incluir metodologias EaD em suas práticas
didático-pedagógicas,
numa
tendência
chamada ‘educação híbrida’ (SATHLER,
2017, p.1).
A EaD é alternativa para aquele estudante que enfrenta o
problema da desqualificação profissional e busca uma qualificação
diante das exigências do mercado de trabalho cada vez mais
competitivo e seletivo. Com essas exigências o estudante ainda tem
que aprender a lidar e superar suas limitações pessoais, e
desenvolver sua capacidade de aprender em um ambiente solitário.
Assim, “a educação a distância é um fenômeno alinhado à luta por
uma sociedade mais justa e menos desigual, onde o maior número
possível de pessoas possa estudar e ampliar o leque de
oportunidades para avançar na vida”. (SATHLER, 2017, p.1).
Em síntese, como explanado ao longo do estudo, a
educação a distância permite ao educando alcançar tanto uma
autonomia pessoal quanto uma autonomia de aprendizagem, com
194
uma flexibilidade de horários consegue otimizar o tempo dedicado
aos estudos sem ter que sacrificar um ou outro conteúdo, podendo
acompanhar e construir um processo de ensino-aprendizagem
autônomo, o que auxilia na consecução do direito fundamental à
educação, que é basilar à dignidade humana.
2.1. Um pouco sobre a história da educação a distância
Para compreender as questões relacionadas à educação a
distância na contemporaneidade tem-se que conhecer um pouco
de sua evolução histórica. Sendo assim, Moore e Kearley (2007)
dividiram a evolução histórica da EaD em cinco gerações.
A primeira geração, denominada estudo por
correspondência, estudo em casa ou estudo independente, surgiu
em 1880. Onde as pessoas podiam por meio de serviços postais
obter instruções de um professor a distância. É o embrião histórico
do processo de educação fora da sala de aula, rompendo
paradigmas.
No início do século XX as transmissões por rádio e pela
televisão ganham espaço na educação a Distância, contudo o rádio
não atendeu às expectativas devido aos diferentes interesses entre
instituições de ensino e as emissoras que viam os cursos como meio
de conseguirem anúncios. Enquanto a televisão, com a televisão
educativa, obteve mais sucesso por conta de contribuições
empresariais.
Na década de 1960 e início de 1970 surge a abordagem
sistêmica da educação a distância com a utilização de novas
modalidades de tecnologias e de recursos humanos. Neste
195
contexto, como bem explica Moore e Kearley (2007) tem-se o
Projeto Mídia de Instrução Articulada (AIM- Articulated
Instructional Media Project) que agrupava várias tecnologias de
comunicação para propagar o ensino com custo reduzido a alunos
que não fossem universitários.
Aqui neste contexto é importante frisar a Universidade
Aberta (UA), que empregava uma tecnologia completa de
comunicação para ensinar um currículo universitário a quem
desejasse receber tal educação.
A quarta geração, denominada Teleconferência, surgiu
nos Estados Unidos em 1980. Moore e Kearley (2007) chamam a
atenção para a semelhança dessa forma de educação a distância
com a educação tradicional, pois nela os alunos se reuniam em
grupos para desenvolverem os estudos coletivamente, ao contrário
das outras onde os estudantes aprendem pelo estudo em casa de
forma individualizada.
Essa quinta geração faz parte da realidade de milhares de
alunos espalhados pelo mundo, a Geração Virtual que possibilita
uma completa interatividade entre aluno e professor, se comparada
com as outras formas de educação a distância. Ainda segundo
Moore e Kearley (2007):
A quinta geração, a de classes virtuais on-line
com base na internet, tem resultado em
enorme interesse e atividade em escala
mundial pela educação a distância, com
métodos construtivistas de aprendizado em
colaboração, e na convergência entre texto,
áudio e vídeo em uma única plataforma de
196
comunicação (MOORE; KEARLEY, 2007, p.
48)
Expostas estas considerações acerca do aspecto histórico,
entende-se que a modalidade de educação a distância surgiu para
atender os alunos em suas diversas limitações de acesso à educação
presencial tradicional.
Logo, pensar essa evolução das modalidades de educação
a distância requer correlacioná-las a evolução tecnológica da
sociedade, que trouxe novas configurações em suas formas de
implantação, facilitando o processo de aprendizagem e
principalmente de inclusão do aluno na sociedade.
Nesse sentido, Lynn Alves e Cristiane Nova (2003)
salientam que com o desenvolvimento das tecnologias de
comunicação em rede o conceito de educação a distância recebe
uma nova roupagem, passa a ser entendida como um instrumento
de construção coletiva do conhecimento mediada pela tecnologia
em rede.
Passa-se, a seguir, a realizar uma sucinta explanação
acerca do espaço de aprendizagem virtual enquanto instrumento
de redução das desigualdades sociais e a utilização das Tecnologias
de Informação e Comunicação (TICs).
197
3. O espaço de aprendizagem virtual como instrumento de
redução das desigualdades sociais.
Nesta seção será definido o conceito de espaço de
aprendizagem virtual.
Em seguida, discutir-se-á sobre a contribuição da
educação a distância na inclusão social do educando, como
também o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação
(TICs) que possibilitam uma nova forma de aprendizagem para
esses estudantes.
Estudos como os de Otto Peters (2003) destacam que
atualmente, a sociedade está inserida em um ambiente
informatizado de aprendizagem em rede. Esses ambientes são
considerados como uma extensão daquele espaço de aprendizagem
tradicional ao qual os estudantes estão acostumados. Isso se deve
ao fato de esse espaço virtual de aprendizagem oferecer uma
aprendizagem flexível para os estudantes e ao mesmo tempo
encurtar as distâncias geográficas ao oferecer uma formação inicial
ou continuada.
No mesmo sentido, Maria Elizabeth Bianconcini de
Almeida reforça que os “ambientes digitais de aprendizagem são
sistemas computacionais disponíveis na internet, destinados ao
suporte de atividades mediadas pelas tecnologias de informação e
comunicação”. (ALMEIDA, 2003, p. 331).
Otto Peters (2003, p. 128-133), analisando o conceito de
espaço de aprendizagem virtual, destaca que o referido termo
reflete uma experiência surpreendente para uns e para outros
estudantes uma experiência perturbadora:
198
Os olhos dos alunos agora se concentram nas
telas de seus PCs. A atenção deles está
focalizada nesta área relativamente pequena.
A situação padrão de aprendizagem agora se
restringe a ficar sentado na frente de uma
esfera ilimitada e incompreensível que se
espalha além dos locais familiares de
aprendizagem e pode englobar o mundo. [...]
estamos lidando com um tipo particular de
espaço de aprendizagem que de muitas
formas permite a aprendizagem autônoma,
estimula os alunos a tomarem parte e a apoia.
Neste sentido, estar em um ambiente informatizado que
ofereça as ferramentas necessárias para o desenvolvimento da
aprendizagem permite ao estudante uma formação contínua,
atualizada e inclusiva. “Se este ambiente de aprendizagem é
informatizado e organizado em rede, uma imensa extensão do
campo educacional acontece na imaginação dos alunos”. (PETERS,
2003, p. 134).
É importante entender que os ambientes virtuais/digitais
de aprendizagem devem ser utilizados como suporte no processo
ensino-aprendizagem na modalidade de educação a distância não
substituindo a função relevante do professor/tutor na construção
do conhecimento do aluno. Esse suporte online surge como apoio
às atividades de formação seja ela inicial ou continuada,
permitindo a inclusão social do educando e reduzindo as
desigualdades sociais.
199
Quanto ao termo inclusão social, por uma questão de
delimitação e clareza, é definido como “ato ou efeito de incluir,
incorporação, antônimo de exclusão” (RIOS, 2010, p.292).
No âmbito da presente pesquisa o termo inclusão social
deve ser entendido como o acesso do cidadão a educação ao ponto
de poder usufruir dos direitos e deveres sociais, de participar
efetivamente da democracia no país, de estar qualificado para
ingressar no mercado de trabalho. Trata-se de uma condição
fundamental para o exercício de sua dignidade humana.
E uma das características mais positivas da modalidade de
educação a distância é facilitar o acesso à educação incluindo o
estudante na sociedade, sendo uma relevante ferramenta capaz de
facilitar essa inclusão utilizando o meio digital, as tecnologias de
informação e comunicação.
3.1. As tecnologias de informação e comunicação e a
educação a distância
Assim pode-se afirmar que a educação a distância com o
uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs)
possibilita uma nova forma de aprendizagem para os estudantes
que não tiveram oportunidades de aprendizagem ao longo da sua
vida. Nestes termos, ressaltam Carmem Maia (2002) que por meio
das TICs a sociedade e várias instituições reconhecem a educação
a distância como instrumento de democratização e acesso ao
conhecimento contínuo.
As tecnologias de informação e comunicação são
fundamentais para o processo de inclusão do estudante na
200
sociedade, seja para iniciar ou continuar sua formação educacional
por meio dos ambientes de aprendizagem virtual, além da sua
relevância para o desenvolvimento econômico e social do país.
Conforme ressalta Andrea Cecilia Ramal (2003), no que
se refere a utilização da modalidade de educação a distância como
instrumento de inclusão social, essa pode ser uma alternativa
relevante no combate à exclusão educacional de uma parcela
significativa da população, principalmente, daquela parcela que
não teve condições socioeconômicas de ingressar por ter que optar
entre o estudo ou o trabalho.
Neste sentido, Ramal enfatiza que:
Em vez de ser necessário construir edifícios e
contratar professores para os novos alunos,
bastam alguns equipamentos em tele postos
para ampliar o acesso ao conhecimento e para
pessoas de qualquer ponto do país poderem
ingressar nos cursos que mais lhes
interessarem (RAMAL, 2003, p. 43).
Ainda segundo Andrea Cecilia Ramal, o uso de ambientes
digitais e interativos de aprendizagem realmente ultrapassa as
distâncias geográficas permitindo a construção de um processo
educacional interativo tanto na produção do conhecimento
individual quanto na sua coletividade.
Ramal chama a atenção para o currículo sem limites
ofertado pela EaD utilizando a internet. “Saberes até então
excluídos do ensino invadem a cabeça dos estudantes e, de forma
transgressora, os convidam a fazer links e a ousar abrir janelas que
201
trazem luzes inusitadas para os ambientes educativos.” (RAMAL,
2003, p. 44).
Ressalta também que, o aluno consegue acessar os
conteúdos que se relacionam com a bagagem de aprendizagem que
possui, acessando o que interessa a cada um deles.
Nesse sentido, a educação a distância por meio das
tecnologias de informação e comunicação surge para atender uma
relevante parcela da população que busca a formação, seja ela
inicial ou continuada, vez que contribui significativamente para
que esses estudantes possam adquirir condições de competir no
mercado de trabalho com autonomia e qualificação.
Em relação ao encurtamento das distâncias geográficas
em um país como o Brasil, de extensão continental, a tecnologia
permite levar a educação para quem não tem outra opção e para
quem, na maioria das vezes, a única alternativa para quem quer
estudar é o ensino a distância.
O desenvolvimento da educação a distância por meio das
TICs contribui com a rapidez com que se obtém a informação
devido ao número imensurável de materiais existentes na web e
acarreta mudanças profundas nos padrões educacionais e na
geração de conhecimento, aproximando pessoas e diminuído as
desigualdades regionais.
Há ainda a necessidade de se destacar, seguindo as
palavras de Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida: “os recursos
das TICs podem ser empregados para controlar os caminhos
percorridos pelo aprendiz, automatizar o fornecimento de
respostas às suas atividades e o feedback em relação ao seu
desempenho”. (ALMEIDA, 2003, p. 334).
202
Ademais, a utilização desses recursos agrega de forma
fundamental a construção da autonomia do estudante na
construção do processo de ensino-aprendizagem e contribui para
a difusão do conhecimento.
Em síntese, faz-se relevante pontuar que essas tecnologias
de informação e comunicação no contexto da educação a distância
hoje, surge para democratizar a educação, encurtando distâncias
geográficas e permitindo que estudantes de várias regiões
brasileiras possam ter as mesmas oportunidades de aprendizagem
e autonomia daqueles que frequentam a modalidade presencial.
4. Conclusão
O trabalho ora realizado escolheu como objeto de estudo
a modalidade de educação a distância como instrumento de
inclusão social. Neste sentido, a temática perpassa o direito
constitucional à educação como um direito fundamental.
Respondendo à questão exposta na introdução da
pesquisa, qual seja: a educação a distância permite um processo de
inclusão dos indivíduos que não teriam outra possibilidade de
realizar um curso em nível superior? Tem-se a conclusão a seguir
apresentada.
Devido às próprias condições de vida dos estudantes, que
por motivos relevantes e variados, não puderam frequentar a
modalidade de educação presencial, ficando, destarte, sem acesso à
educação inicial ou continuada, tem-se que a modalidade de
educação a distância constitui oportunidade para alcançarem
autonomia pessoal e profissional, pois essa modalidade de
203
educação utilizando as tecnologias de informação e comunicação
permite ao educando alcançar seus objetivos devido a flexibilidade
de horários.
Nesta perspectiva, o estudo permitiu compreender que a
EaD deve ser vista como alternativa viável e acessível a considerável
parcela da população que almeja qualificação profissional e
crescimento pessoal.
Com um número maior de pessoas estudando, se
qualificando, as desigualdades sociais diminuirão, ainda que não
desapareçam totalmente, haja vista outros fatores envolvidos na
sua conjectura.
É importante ressaltar que a sociedade contemporânea
faz parte da geração virtual: crianças aprendem a brincar com
brinquedos tecnológicos antes mesmo de pronunciar as primeiras
palavras.
Não é exagerado ressaltar, a tecnologia faz parte da vida
de milhões de brasileiros. Utilizar esse ambiente virtual como
instrumento de inclusão educacional e social reduzindo as
desigualdades sociais é a melhor forma de preparar os cidadãos seja
para iniciarem ou continuarem os estudos com uma aprendizagem
inclusiva.
Estudando o uso das tecnologias da informação e da
comunicação (TIC’s), aplicados aos processos da educação,
principalmente na modalidade de educação a distância, percebe-se
que essas tecnologias têm possibilitado novas oportunidades de
ensino às pessoas, permitindo mais acesso a informação e,
consequentemente, mais conhecimento.
204
Esse é um ponto relevante a ser considerado quando se
propõe alcançar o crescimento e o desenvolvimento do país.
Investir na educação do cidadão é promover o desenvolvimento
social e reduzir as desigualdades sociais.
Nesse sentido, diante de todo exposto e fundamentado ao
longo do trabalho, conclui-se que a EaD é alternativa possível e
alcançável a uma considerável parcela da população que enfrenta o
problema da desqualificação profissional e busca uma qualificação
diante das exigências do mercado de trabalho cada vez mais
competitivo, seletivo e excludente. Contribuindo no seu pleno
desenvolvimento tanto como um cidadão consciente no exercício
da sua cidadania quanto prepará-lo para o mercado de trabalho de
forma inclusiva.
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Acesso em: 13 dez. 2017.
207
O ENSINO RELIGIOSO NAS ESCOLAS PÚBLICAS SOB A
PERSPECTIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À
LIBERDADE RELIGIOSA E À LAICIDADE DO ESTADO
BRASILEIRO
RELIGIOUS EDUCATION IN THE PUBLIC SCHOOLS
UNDER THE PERSPECTIVE OF FUNDAMENTAL RIGHTS
TO RELIGIOUS LIBERTY AND THE LAITY OF THE
BRAZILIAN STATE
Virgínia Lara Bernardes Braz 34
Fabrício Veiga Costa 35
Resumo: A questão da religiosidade, na perspectiva constitucional,
leva ao embate de dois conceitos fundamentais: a liberdade
religiosa e a laicidade do Estado brasileiro. A Constituição
estabelece que deve ser oferecida pelas escolas públicas a disciplina
de “ensino religioso”, embora a matrícula seja facultativa. Ademais,
o Estado brasileiro é laico, ou seja, há liberdade para que os
cidadãos escolham a religião que tenha ligação com sua convicção
íntima. Diante disso, questiona-se a forma e a condução do ensino
34
Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Patos de Minas. Pósgraduada em Direito Penal e Processual Penal pela Faculdade de Direito Professor
Damásio de Jesus. Mestranda no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da
Universidade de Itaúna. Advogada. Docente no Centro Universitário de Patos de
Minas.
35
Pós-Doutor em Educação pela UFMG. Doutor e Mestre em Direito Processual
pela PUCMINAS. Professor do Programa de Pós-graduação stricto sensu em
Proteção dos Direitos Fundamentais da Universidade de Itaúna. Professor da
graduação em Direito da FAPAM; FPL; FASASETE; FAMINAS-BH.
208
religioso nas escolas públicas, sendo que, o que se coaduna com o
Estado Democrático de Direito, é o ensino da tolerância com as
demais religiões e formação crítica do cidadão.
Palavras-chave: Ensino Religioso; Escolas Públicas; Liberdade
Religiosa; Estado Laico; (In) Constitucionalidade.
Abstract: The question of religiosity, in the constitutional
perspective, leads to the confrontation of two fundamental
concepts: religious freedom and the laity of the Brazilian State. The
Constitution establishes that the discipline of "religious teaching"
must be offered by public schools, although registration is optional.
In addition, the Brazilian State is secular, that is, there is freedom
for citizens to choose the religion that has a connection with their
inner conviction. In view of this, the form and conduct of religious
education in public schools is questioned, and what is in line with
the Democratic Rule of Law is the teaching of tolerance with other
religions and critical formation of the citizen.
Keywords: Religious education; Public schools; Religious freedom;
Laic State; (In) Constitutionality.
1. Introdução
A Constituição da República de 1988, ao estabelecer a
separação entre Estado e Igreja, pretendeu evitar que aquele
causasse possíveis embaraços à atividade religiosa, prejudicando ou
beneficiando uma ou outra religião.
Assim, a questão envolvendo a liberdade religiosa tornase mais complicada quando se tenta a conciliação entre esta
garantia e a laicidade estatal, por ser, neste caso, o Estado neutro.
209
O presente trabalho trata do direito fundamental à
liberdade religiosa e de sua manifestação no ensino religioso nas
escolas públicas no Estado brasileiro laico. Assim, a questão da
religiosidade, na perspectiva constitucional, leva ao embate de dois
conceitos fundamentais: a liberdade religiosa e a laicidade do
Estado brasileiro.
Questiona-se como um Estado laico podem coexistir
conceitos e valores religiosos, bem como até que ponto cabe a
ingerência estatal no setor religioso, sem que se configure um
confessionalismo ou proselitismo religioso de forma extrema e
absoluta.
O ensino religioso nas escolas públicas, ainda que
facultativo, conforme previsão constitucional, vem revelando-se
problemático em Estados laicos, perante o particularismo e a
diversidade dos vários credos religiosos.
Apesar da laicidade estatal brasileira, observa-se grande
influência e pontos de contato do Estado brasileiro com influência
religiosa, sendo um deles o oferecimento de ensino religioso nas
escolas públicas.
Portanto, observa-se que no presente caso devem-se
analisar os posicionamentos que manifestam a concordância ou a
discordância quanto à prática do ensino religioso nas escolas
públicas, sob os argumentos de ser ele confessional ou de uma
forma mais genérica quanto a história das religiões, bem como a
jurisprudência, principalmente, a decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal, em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade
n. 4.439, em setembro de 2017.
210
No presente artigo foi utilizada pesquisas teóricobibliográficas, assentadas em artigos científicos de revistas
especializadas, teses, pareceres, doutrinas de autores nacionais e
estrangeiros relacionadas, levantamento científico das pesquisas
dos professores do programa, dentre outros, a fim de colecionar os
estudos já desenvolvidos por tais pensadores e fontes, ordenandoos de forma a compreender e desenvolver a temática proposta
nesse trabalho.
Além disso, também foi utilizada a pesquisa documental,
uma vez que foram objeto de análise legislações diversas,
jurisprudências, súmulas, precedentes, dentre outros, sendo que,
em seguida, foram interpretados de forma contextualizada com o
princípio da liberdade religiosa e da laicidade do Estado, bem como
com a questão da forma do desenvolvimento e da exposição do
ensino religioso nas escolas públicas.
Quanto ao procedimento metodológico, foi utilizado o
raciocínio dedutivo, pois parte-se de uma concepção ampla,
macro-analítica para uma específica, micro-analítica, uma vez que
foi analisado o direito fundamental social à educação, juntamente
com os princípios da liberdade religiosa e da laicidade do Estado,
para se chegar à discussão quanto à forma de condução do ensino
religioso nas escolas públicas.
Para melhor análise do tema proposto, dividiu-se o artigo
em seis itens, incluída esta introdução. No item seguinte,
apresenta-se um breve relato sobre os direitos fundamentais e suas
dimensões, bem como breves considerações sobre o direito social
da educação na Constituição da República de 1988. No item 3,
trata-se da laicidade do Estado brasileiro. Em seguida, no item 4,
211
são expostas considerações sobre as formas de liberdade religiosa.
No item 5, há ênfase ao questionamento em torno do ensino
religioso em escolas públicas em um Estado laico. Por final, no item
6, são tecidas as considerações finais, seguidas das referências
bibliográficas.
2. Direitos fundamentais e suas dimensões
Os direitos fundamentais são todos aqueles direitos
subjetivos que dizem respeito universalmente a “todos” os seres
humanos enquanto dotados do status de pessoa, ou de cidadão ou
de pessoa capaz de agir (FERRAJOLI, 2011, p. 09).
Para José Afonso da Silva (2002, p. 178), a expressão mais
adequada para designar o grupo de referidos direitos é a de direitos
fundamentais do homem, pois referem-se a princípios que
resumem a concepção de mundo e informam a ideologia política
de cada ordenamento jurídico, como também designam as
prerrogativas e instituições que eles concretizam em garantia de
uma convivência diga, livre e igual de todas as pessoas.
Esses direitos fundamentais foram sendo conquistados
pelos cidadãos ao longo da história em virtude da evolução e das
novas necessidades básicas. Assim, as dimensões ou gerações dos
direitos fundamentais referem-se à cronologia histórica destas
conquistas. Importante ressaltar que a doutrina abarca algumas
outras dimensões, não havendo consenso no que tange às últimas.
Porém, para o desenvolvimento do trabalho proposto, são
suficientes as três primeiras classificações.
212
A primeira dimensão ou geração se trata da dimensão de
direitos individuais, aqueles relacionados à própria pessoa. São
direitos contemporâneos às Revoluções Liberais. Surgiram com a
ideia de Estado de Direito, momento em que os cidadãos se veem
libertos frente ao Estado Liberal que os assegurava apenas a paz e a
segurança. Segundo Bobbio (1992, p. 32-33), a primeira geração
contempla direitos de liberdade, pois tinha como fundamento a
limitação do Poder Estatal e a reserva para o particular, originando
para o Estado uma obrigação negativa, uma abstenção. Como
exemplo tem-se o direito à vida, à intimidade, à inviolabilidade de
domicílio, à propriedade, a igualdade perante a lei, dentre outros.
A segunda dimensão ou geração dos direitos aqui
colecionados cuidam dos direitos sociais, econômicos, culturais,
positivos, conquistados após a Revolução Industrial (Estado
Social). Neste período se passou a exigir do Estado uma obrigação
de fazer frente aos cidadãos, com o fim de lhes garantir os direitos
positivados, tais como, saúde, educação, alimentação, moradia,
segurança pública. Noutras palavras, exigiu-se a partir dali a
promoção da igualdade por meio de uma justiça social.
Por final, a terceira dimensão se trata dos direitos difusos
e coletivos (supra individuais) para proteção da coletividade.
Nasceu da expansão dos meios de comunicação e transporte. São
exemplos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
direitos dos consumidores, direitos da criança, adolescente, idosos,
conservação do patrimônio histórico e cultural. Para Paulo
Bonavides, os direitos de terceira geração dizem respeito aos
direitos daqueles que passam a integrar a titularidade de grupos
humanos, como a família, a sociedade e a coletividade, in verbis:
213
Dotados de altíssimo teor de humanismo e
universalidade, os direitos da terceira geração
tendem a cristalizar-se neste fim de século
enquanto direitos que não se destinam
especificamente à proteção dos interesses de
um indivíduo, de um grupo, ou de um
determinado Estado. Têm primeiro por
destinatário o gênero humano mesmo, num
momento expressivo de sua afirmação como
valor supremo em termos de existencialidade
concreta (BONAVIDES, 2004, p. 569-570).
Portanto, nesse contexto, o direito fundamental à
educação se encontra inserido no rol dos direitos de segunda
geração. Para Alves (2015), é incontestável o fato de que a educação
faz parte dos direitos fundamentais, devido à intrínseca ligação do
direito àquela com a igualdade e a liberdade, bem como com a
dignidade da pessoa humana. Confirma o seu caráter de direito
humano fundamental o fato também de, desde 1948, estar previsto
na Declaração Universal dos Direitos Humanos.
2.1. O direito fundamental social à educação na
Constituição da República de 1988
A educação é um pressuposto básico para o exercício da
cidadania, para ingresso no mercado de trabalho, bem como para
participação no âmbito do Estado (BARCELLOS, 2002, p. 260261). Com a educação os cidadãos passam a ser formadores de
opinião e detentores do conhecimento, contribuindo para a
214
construção de um patamar mínimo de sua dignidade, podendo
desenvolver, com autonomia, as suas potencialidades como ser
humano (MENDES; BRANCO, 2015, p. 650).
Ressalta-se que a educação envolve processos éticos,
familiares, religiosos, políticos e ideológicos, os quais estão
presentes ao longo de toda a formação do ser humano (BITTAR,
2001, p. 15).
Para Gregório Assagra de Almeida (2008, p. 567) a
“educação é inserida nos direitos da cidadania, constituindo-se, no
plano dos direitos transindividuais, uma das dimensões mais
importantes do direito coletivo para a efetivação das conquistas
sociais decorrentes do Estado Democrático de Direito, implantado
constitucionalmente no Brasil (arts. 1º, 3º, 5º, etc. da CF/88)”.
Assim, a Constituição da República de 1988, de forma
especial e diversamente dos demais direitos fundamentais sociais,
regulamentou a educação de forma detalhada em seus artigos 205
ao 214, dando maior possibilidade de eficácia desse direito
fundamental social (BRASIL, 1988).
No artigo 6º, a Constituição consagra a educação como
um direito social, sendo uma inovação. Expõe Pessoa (2011) a
relevância dada ao direito à educação, “como sendo um dos mais
importantes, por ter objetivos de criar para a nossa sociedade
indivíduos capazes de desenvolver, pessoas que adquiram o
mínimo necessário para a sua sobrevivência em sociedade”.
Coadunando com esse entendimento, Marshall (1967, p.
73) aduz que:
215
O direito à educação é um direito social de
cidadania genuíno porque o objetivo da
educação durante a infância é moldar o adulto
em perspectiva. Basicamente, deveria ser
considerado não como o direito de a criança
frequentar a escola, mas como o direito do
cidadão adulto ter sido educado.
Ademais, no artigo 205 do mesmo diploma legal, há a
previsão de ser a educação um direito de todos e dever do Estado e
da família, consagrando o princípio da universalidade do ensino.
O referido dispositivo prevê ainda três objetivos básicos da
educação: a) pleno desenvolvimento da pessoa; b) preparo da
pessoa para o exercício da cidadania; c) qualificação da pessoa para
o trabalho, sendo que integram nestes objetivos valores
antropológicos-culturais, políticos e profissionais (SILVA, 2002, p.
310-311).
Como forma de se concretizar tais objetivos, o artigo 206
da Constituição da República (BRASIL, 1988) destaca os princípios
gerais para desenvolvimento do processo educacional, tais como
igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento,
a arte e o saber; c) pluralismo de ideias e de concepções
pedagógicas; gratuidade do ensino público em estabelecimentos
oficiais; gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
garantia de padrão de qualidade de piso salarial para os professores
da educação pública, nos termos de lei federal. Ademais, a União,
Estados, Distrito Federal e Municípios deverão organizar seus
sistemas de ensino em regime de colaboração.
216
Além disso, a educação é direito público subjetivo, com
acesso obrigatório e gratuito, nos termos do artigo 208 da
Constituição (MENDES; BRANCO, 2015, p. 652). É assegura a
gratuidade do ensino em todos os níveis de ensino na rede pública,
ampliando-a para o ensino médio e para o ensino superior, uma
vez que as constituições anteriores admitiam a educação gratuita
de forma excepcional apenas para o ensino médio, não havendo
menção ao ensino superior (OLIVEIRA, 1999, p. 64).
Ademais, este mesmo artigo 208 (BRASIL, 1988) ainda
ratifica o dever do Estado de universalizar a educação, ao garantir
a progressiva universalização do ensino médio gratuito; o
atendimento educacional especializado aos portadores de
deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; o
atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos
de idade; o acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa
e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; a oferta de
ensino noturno regular adequado às condições do educando; o
atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de
programas suplementares de material didático escolar, transporte,
alimentação e assistência à saúde.
Diante disso, o direito à educação é plenamente eficaz e
com aplicação imediata, tornando-o exigível judicialmente, caso
não seja prestado espontaneamente. Para Alves (2015), a
Constituição da República de 1988, ao proclamar a educação como
um direito fundamental de natureza social, faz com que a sua
abrangência ultrapasse a esfera do interesse individual, protegendo
também o interesse coletivo e o difuso, tendo o Estado o dever
objetivo de torná-los realidade.
217
Por final, o artigo 227 da Constituição da República traz
a educação da criança e do adolescente como sendo um dever a ser
assegurado pela da família, do Estado e da sociedade, uma vez que
é a principal fonte de crescimento cultural de toda a sociedade
(BRASIL, 1988).
3. Laicidade do estado brasileiro
A laicidade é uma forma de exigência de que o Estado não
fundamente sua legitimidade em qualquer religião específica,
gerando a oportunidade para que outras religiões se manifestem,
ou seja, a religião não pode se utilizar do poder estatal para atingir
o seu fim. Diante disso, as religiões minoritárias como
protestantismo, espiritismo, manifestam apoio à laicidade.
A Constituição da República 1988 prevê a laicidade de
uma forma implícita frente aos princípios da democracia, da
igualdade e da liberdade religiosa, uma vez que respeita a
manifestação religiosa da sociedade (MORAIS, 2016, p. 227).
Assim, o artigo 19, I da Constituição prevê ser vedado à
União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios,
“estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los,
embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus
representantes relações de dependência ou aliança ressalvada, na
forma da lei, a colaboração de interesse público”.
Fabiana Maria Lobo (2015, p. 281), ao citar Jorge
Miranda, transcreve o que seria o Estado laico, não confessionalista
ou neutro, como sendo a não identificação entre Estado e religião,
se manifestando como:
218
União entre o Estado e uma confissão
religiosa (religião de Estado), que pode ser
união com ascendência de um dos poderes
sobre o outro (clericalismo ou regalismo) ou
união com autonomia relativa; ou com a
separação, que pode ser separação relativa
(com tratamento privilegiado de uma
religião) ou separação absoluta: (com
igualdade absoluta das confissões religiosas).
Gilmar Mendes (2015, p. 318) expõe que “a laicidade do
Estado não significa, por certo, inimizade com a fé. [...] A
sistemática constitucional acolhe, expressamente, medidas de ação
conjunta dos Poderes Públicos com denominações religiosas”.
Dizer que o Estado é laico não é o mesmo que dizer que
este é ateu, não permitindo que os cidadãos adotem qualquer tipo
de religião, mas apenas não impõe qualquer crença religiosa,
deixando os cidadãos livres para a escolha da religião que mais
compatibilize com suas convicções íntimas. Este Estado laico não
favorece e nem contraria qualquer religião.
Ocorre que este Estado laico não é puramente neutro
diante dos aspectos religiosos. Machado (1996, p. 228) expõe que
“a laicidade enquanto neutralidade pura representa uma ilusão de
que a autoridade administrativa, o juiz ou o legislador terão
somente uma atividade de abstenção. A religião, contudo, é um
fato social e o Estado, enquanto instrumento regulador da vida
social, não pode deixar de se relacionar com o fato social”.
Assim, o Estado deve não só garantir a liberdade religiosa
para ser considerado laico, mas também deve garantir a igualdade
219
de tratamento entre crenças, podendo ser positiva ou negativa, no
sentido de crer ou não crer, respectivamente, com base nas regras
da democracia (MORAIS, 2016, p. 227).
Sobre o Estado laico, descreve Cury (2004, p. 183):
O Estado laico não adota a religião da
irreligião ou da anti-religiosidade. Ao
respeitar todos os cultos e não adotar
nenhum, o Estado libera as igrejas de um
controle no que toca à especificidade do
religioso e se libera do controle religioso. Isso
quer dizer, ao mesmo tempo, o deslocamento
do religioso do estatal para o privado e a
assunção da laicidade como um conceito
referido ao poder de Estado.
Márcio Senra (2016, p. 226) expõe e complementa que:
O Estado laico não se sustenta em
fundamentos religiosos, relacionando-se com
a afirmação da legitimação democrática do
poder, como também com a imparcialidade
em matéria de fé, o que não significa
abstenção ou ataque a questões religiosas. A
fundamentação religiosa deve se situar no
âmbito privado do indivíduo, enquanto as
decisões públicas devem estar estruturadas
sob bases democraticamente construídas, não
se considerando fatores religiosos. A laicidade
coaduna-se
com
a
democracia,
principalmente a radical, onde todos os
projetos de vida concorrem em condições de
igualdade, sem haver prevalência de um sobre
220
o outro, por mais sofisticado ou digno que
possa parecer aos olhos de alguém, como
também da sociedade marcantemente
moralizada por valores religiosos. O conceito
estrito
de
democracia
pressupõe
simplesmente participação popular e
absorção de demandas majoritárias pelo
Governo.
Assim, com base na laicidade estatal sob o seu aspecto
positivo, o fundamento para se ter o ensino religioso, conforme
garantido constitucionalmente, é que ele existe para auxiliar os
cidadãos em sua escolha, com o fim de tomar essa importante
decisão moral, além de torná-los mais tolerantes e preparados para
viver em uma sociedade com ampla gama de religiões existentes
em um Estado laico.
Fabiana Maria Lobo (2015, p. 288-289) destaca como
deve ser o ensino religioso em escolas públicas de um Estado laico:
À vista do princípio da separação
Estado/Igrejas, o ensino religioso nas escolas
públicas laicas deve apresentar as seguintes
características: a) deve ser o ensino de todas as
religiões, de acordo com a demanda dos
alunos, e não apenas o ensino de
determinadas convicções religiosas, sob pena
de ferir o princípio da neutralidade da escola
laica; b) deve ser ministrado sob a
responsabilidade das diversas confissões
religiosas, e não sob a responsabilidade do
próprio Estado, pois aí ele estaria exercendo
típica função religiosa, o que lhe é vedado pelo
221
precitado princípio da separação63; c) deve
ser garantido em condições iguais para todas
as religiões, sob pena de violar a neutralidade
estatal e a igualdade religiosa exigidas de um
Estado laico.
Portanto, o princípio da laicidade ou a ausência de
confessionalidade deve ter um caráter relativo, destacando o
aspecto da tolerância por tratar todas as religiões de forma igual,
sem discriminação, e as religiões não se submetem à tutela estatal
quanto à sua organização, devendo ter apenas o respeito à ordem
pública, pois o Estado deve garantir o interesse público caso este
for desrespeitado.
4. Liberdade religiosa como direito complexo: crença, culto e
organização religiosa
Antes de se adentrar à questão da liberdade religiosa e
suas nuances, necessário se faz a compreensão do que é religião.
Gilmar Mendes (2015, p. 317), fazendo referência a John Garvey,
descreve a religião como sendo, “um sistema de crenças em um ser
divino em que se professa uma vida além da morte, que possui um
texto sagrado, que envolve uma organização e que apresenta rituais
de oração e de adoração”.
Assim, a religião professa um dos fundamentos de
concepção de vida de um cidadão, sendo que a liberdade religiosa,
como direito fundamental, se assenta na dignidade humana.
Gilmar Mendes (2015, p. 320) destaca que “a liberdade religiosa
consiste na liberdade de professar a fé em Deus”.
222
Para José Afonso da Silva (2002, p. 247), a liberdade
religiosa inclui as liberdades espirituais e se exterioriza com a
manifestação de pensamento. Complementa que essa liberdade se
expressa de três formas, quais sejam, liberdade de crença, liberdade
de culto e liberdade de organização religiosa.
O artigo 5º, VI da Constituição da República garante a
inviolabilidade da liberdade de crença e de consciência, bem como
no inciso VIII explicita que “ninguém será privado de seus direitos
por motivo de crença religiosa”. Nesse sentido, houve uma
diferenciação entre a liberdade de crença e a de consciência, uma
vez que, José Afonso da Silva (2002, p. 248), ao se referir a Pontes
de Miranda, afirma que o “descrente também tem liberdade de
consciência” e que “a liberdade de crença compreende a liberdade
de ter ou não uma crença”.
A liberdade de crença abrange a escolha, adesão,
mudança de religião e, até mesmo, de ser ateu, salvo a possibilidade
de gerar empecilhos ao livre exercício de qualquer religião por
outrem (SILVA, 2002, p. 248).
Já a liberdade de consciência ou de pensamento é a
faculdade que o indivíduo tem de formular juízos e ideias sobre si
mesmo e sobre o meio externo em que convive. Assim, o Estado
deve propiciar meios para que o cidadão tenha uma formação
autônoma de consciência, podendo este agir de acordo com suas
convicções, cabendo, em alguns casos, a escusa de consciência,
desde que não haja objeção ao cumprimento de uma obrigação a
todos imposta ou realize prestação alternativa prevista em lei
(MENDES; BRANCO, 2015, p. 312-313).
223
Quanto à liberdade de culto, o que se depreende é que a
religião não é só o sentimento puro, isto é, orar, mas também a
prática dos ritos, manifestações, reuniões e tradições, no âmbito
domiciliar ou em público. Esta liberdade de culto não era extensiva
a todas as religiões na época do Império, sendo restrita à religião
católica (SILVA, 2002, p. 248).
Esta liberdade de culto é garantida constitucionalmente
em seu artigo 5º, VI, sendo que “é assegurado, o livre exercício de
cultos religiosos e garantida, na forma da lei, proteção aos locais de
culto e a suas liturgias”. Assim, os poderes públicos não podem
praticar embaraços ao exercício dos cultos religiosos, além de
protegê-los contra a ação de terceiros (art. 19, I, da Constituição da
República).
Por fim, quanto à liberdade de organização religiosa, se
trata da possibilidade de constituição e organização da igreja, bem
como das suas relações com o Estado. O Estado não pode interferir
sobre a economia interna das associações religiosas (MENDES;
BRANCO, 2015, p. 316).
No período do Império, não havia liberdade religiosa,
uma vez que havia ingerência do Estado na Igreja a ponto de
determinar a sua organização e funcionamento (SILVA, 2002, p.
249-250). Somente com a República é que houve a segregação do
Estado com a Igreja e impondo os princípios básicos da liberdade
religiosa.
Referente à separação do Estado – Igreja, expõe Aldir
Soriano (2002, p. 73):
224
Rui Barbosa teve um papel fundamental na
separação entre a Igreja e o Estado e também
da promoção da liberdade religiosa. O sistema
republicano emergente não mais podia
conviver com as restrições à liberdade
religiosa, especialmente no que se refere ao
culto religioso. Nenhuma forma de
intolerância se coadunava com o novo ideal
republicano. A liberdade de pensamento ou
de consciência era de pouca valia, quando se
restringia à exteriorização dessas faculdades.
A partir dessa segregação é que se pode dizer que o Estado
brasileiro se tornou laico, ou seja, admite-se e respeita-se todas as
vocações religiosas. Ressalta-se que essa separação entre Estado e
Igreja não se deu de forma absoluta, sendo que há certos pontos de
contato, sendo um deles, a disciplina do ensino religioso em escolas
públicas (SILVA, 2002, p. 250).
Coadunando com esse entendimento sobre a liberdade
religiosa, Márcio Senra (2016, p. 221) descreve que:
Juntamente com a democracia e a igualdade,
o princípio da liberdade religiosa compõe o
princípio da laicidade, ou seja, o princípio da
laicidade pode ser considerado um supra
princípio jurídico. Todo indivíduo tem o
direito de escolher e manifestar sua religião,
seja sua visão de mundo positivista ou
negativista, como também esse direito não
pode possuir pesos diferentes em relação à
crença professada. Além disso, a democracia
deve se vincular com a tolerância, o que
225
sugere respeito mútuo em matéria de
religiosidade, não se podendo considerar
nenhum olhar religioso superior ou melhor
do que outro.
Ademais, quanto aos pontos de contato entre Estado e
Igreja, uma vez que não houve segregação absoluta, Fabiana Maria
Lobo (2015, p. 274), fazendo referência a Jorge Miranda, expõe que:
A liberdade religiosa não consiste apenas em
o Estado a ninguém impor qualquer religião
ou a ninguém impedir de professar
determinada crença. Consiste ainda, por um
lado, em o Estado permitir ou propiciar a
quem seguir determinada religião o
cumprimento dos deveres que dela decorrem
(em matéria de culto, de família ou de ensino,
por exemplo) em termos razoáveis. E consiste,
por outro lado (e sem que haja qualquer
contradição), em o Estado não impor ou não
garantir com as leis o cumprimento desses
deveres.
Portanto, a liberdade religiosa se manifesta de várias
formas, sendo que existe a discussão quanto a liberdade de
manifestação religiosa harmonizada à laicidade do Estado,
principalmente quando se trata da forma de se praticar o ensino
religioso nas escolas públicas no âmbito do ensino fundamental.
226
5. A prática do ensino religioso nas escolas públicas em um
estado laico
Ao longo da história brasileira, o ensino religioso nas
escolas públicas sempre se revestiu de um aspecto confessional
predominantemente cristão e católico.
Atualmente, o Estado brasileiro não é confessional, pois
adotou o modelo de separação entre Estado e igreja. Mas, também,
não é considerado ateu, uma vez que o preâmbulo faz referência a
Deus, invocando a sua proteção (MENDES; BRANCO, 2015, p.
317). Assim, conforme já exposto acima, não existe uma laicidade
rígida, atenuada do Estado, sendo que existem alguns pontos de
contato deste com a religião.
Barroso (BRASIL, 2017), em seu voto apresentado no
julgamento da ADI 4.439, insurge que:
O Estado deve desempenhar dois papeis
decisivos na sua relação com a religião. Em
primeiro lugar, cabe-lhe assegurar a liberdade
religiosa, promovendo um ambiente de
respeito e segurança para que as pessoas
possam viver suas crenças livres de
constrangimento ou preconceito. Em
segundo lugar, é dever do Estado conservar
uma posição de neutralidade no tocante às
diferentes
religiões,
sem
privilegiar
oudesfavorecer qualquer uma delas. É nesse
ambiente que se insere o debate a respeito do
ensino religioso nas escolas públicas.
227
Por isso, ao se falar em ensino religioso nas escolas
públicas para as crianças que estão em fase de formação intelectual
e crítica, há alguns questionamentos acerca da compatibilidade do
dispositivo com o Estado laico e a garantia da liberdade religiosa.
A disciplina “ensino religioso”, desde 1934, é
caracterizada como disciplina de matrícula facultativa para uma
oferta obrigatória (MORAIS, 2016, p. 225).
O artigo 210, §1º, da Constituição da República traz
previsão expressa sobre o ensino religioso nas escolas públicas,
mediante matrícula de forma facultativa. Assim, é direito do aluno
religioso, de escola pública e de ensino fundamental, se matricular
nessa disciplina, mas não lhe é obrigatório fazê-lo, uma vez que não
há qualquer forma de avaliação que importe em reprovação ou
aprovação para fins de promoção na vida escolar (SILVA, 2002, p.
251-252). Destaca-se que o referido artigo não define se o ensino
religioso nas escolas públicas deve ser confessional.
O art. 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos,
que assim dispõe: “Toda pessoa tem direito à liberdade de
pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade
de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa
religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela
observância, isolada ou coletivamente, em público ou em
particular”.
A Lei n. 9.394/1996, que estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional (LDB), também dispõe acerca da instituição do
ensino religioso, em seu artigo 33, conforme a seguir:
228
O ensino religioso, de matrícula facultativa, é
parte integrante da formação básica do
cidadão e constitui disciplina dos horários
normais das escolas públicas de ensino
fundamental, assegurado o respeito à
diversidade cultural religiosa do Brasil,
vedadas quaisquer formas de proselitismo. §
1º Os sistemas de ensino regulamentarão os
procedimentos para a definição dos
conteúdos do ensino religioso e estabelecerão
as normas para a habilitação e admissão dos
professores. § 2º Os sistemas de ensino
ouvirão entidade civil, constituída pelas
diferentes denominações religiosas, para a
definição dos conteúdos do ensino religioso.
A partir da Lei n. 9.457/97, o ensino religioso assume um
novo modelo baseado no pluralismo e no diálogo inter-religioso
que reflete essa tendência de aproximação entre as religiões.
Por fim, em 13 de novembro de 2008, o Governo
brasileiro firmou acordo com a Santa Sé sobre o Estatuto Jurídico
da Igreja Católica no Brasil. No artigo 11 do anexo dessa
Concordata, promulgada pelo Decreto no 7.107/2010,
convencionou-se que:
A República Federativa do Brasil, em
observância ao direito de liberdade religiosa,
da diversidade cultural e da pluralidade
confessional do País, respeita a importância
do ensino religioso em vista da formação
integral da pessoa. §1o O ensino religioso,
católico e de outras confissões religiosas, de
229
matrícula facultativa, constitui disciplina dos
horários normais das escolas públicas de
ensino fundamental, assegurado o respeito à
diversidade cultural religiosa do Brasil, em
conformidade com a Constituição e as outras
leis vigentes, sem qualquer forma de
discriminação.
Assim, infere-se que a norma a qual dispõe efetivamente
acerca da instituição do ensino religioso como disciplina escolar
veda qualquer tipo de discriminação, bem como priorização de
alguma crença. A liberdade de crença ficou preservada a partir do
dispositivo legal. Ademais a facultatividade da disciplina caminha
na direção da não ofensa à laicidade estatal.
Alexandre de Moraes (2011, p. 133-134) expõe que o
ensino religioso deve ser compatível com as demais liberdades
públicas, como a liberdade de culto e a laicidade estatal:
Dessa forma, destaca-se uma dupla garantia
constitucional. Primeiramente, não se poderá
instituir nas escolas públicas o ensino
religioso de uma única religião, nem
tampouco pretender-se doutrinar os alunos a
essa ou aquela fé. A norma constitucional
pretende, implicitamente, que o ensino
religioso deverá constituir-se de regras gerais
sobre a religião e princípios básicos da fé. Em
segundo lugar, a Constituição garante a
liberdade das pessoas em matricularem-se ou
não, uma vez que, conforme já salientando, a
plena liberdade religiosa consiste também na
liberdade ao ateísmo.
230
Os defensores do ensino religioso nas escolas públicas de
forma confessional defendem que, com ele, há a possibilidade de
doutrina as crianças em uma determinada religião, além de
contribuir para a formação integral da personalidade.
Assim, não basta um ensino genérico do fenômeno
religioso e da história da religião, mas um verdadeiro ensino
confessional, ministrado de acordo com as convicções religiosas
individuais dos pais e dos alunos (SILVA, 2015, p. 286).
Coadunando com esse entendimento é a fundamentação
do artigo 26, §2º da Declaração Universal dos Direitos Humanos,
o qual expõe que a missão da educação formal de promover o pleno
desenvolvimento da personalidade que só se completa com o
estudo da dimensão religiosa do homem.
Fabiana Maria Lobo (2015, p. 291) destaca seu
posicionamento neste sentido:
Nesse
aspecto,
reafirmamos
nosso
posicionamento de que a liberdade
fundamental de recebimento de ensino
religioso só pode ser efetivamente atendida
mediante o ensino confessional, ministrado
de acordo com as convicções religiosas do
aluno ou de seus pais. Isso na medida em que
o ensino denominado “ecumênico” ou
genérico (da história da religião, das religiões
comparadas, v.g.) não atende ao requisito de
“ensino religioso de acordo com as
convicções”, preconizado pelos documentos
internacionais garantidores do direito
fundamental em questão.
231
Nesse sentido, Gilmar Mendes (2015, p. 319) destaca que:
O respeito à liberdade individual está
expresso na cláusula que garante a eletividade
desse ensino – o constituinte determina que a
matrícula respectiva seja facultativa. O
conteúdo desse ensino religioso há de ser
confessional. Se a norma estivesse cogitando
de ensino meramente descritivo de fenômeno
religioso, em suas múltiplas aflorações e
denominações, não haveria motivo para que
fosse inserida na Constituição, a não ser que o
constituinte houvesse desejado atribuir
importância insuperável à disciplina –
hipótese logicamente inaceitável, já que o
mesmo preceito estabeleceu a adesão
facultativa. Deve haver, pois, abertura para
que as diversas religiões possam valer-se dessa
previsão, conforme demanda do alunado.
Já os que se posicionam de forma contrária, baseados na
laicidade do Estado, defendem a extinção de referida disciplina da
grade de ensino, pois há uma comoção à intolerância religiosa, bem
como ofensa à liberdade de escolha e a igualdade no tratamento
relativo à decisão do indivíduo.
Baseia-se, ainda, na ideia de que a proposta da disciplina
é formar os alunos para que eles possam optar pela religião que
melhor atenda às suas convicções íntimas ou, até mesmo, não optar
por nenhuma delas.
Ademais, os contrários ao ensino religioso ainda pregam
que os alunos componentes das denominadas religiões
232
minoritárias poderão se sentir excluídos do grupo, gerando graves
prejuízos à formação desse indivíduo, uma vez que tendem a se
isolar e ocasionando consequências psicológicas e sociais
negativas, podendo ensejar a intolerância, o sentimento de
despertencimento do grupo, situação que ofende a sua dignidade
(MORAIS, 2016, p. 222).
Fundamentam que o artigo 210, §1º da Constituição da
República deve ser interpretado de forma mais restritiva, não
sendo ministrado de maneira confessional, mas ter um caráter
histórico sobre as diversas religiões existentes; um estudo do
fenômeno religioso em seus aspectos filosóficos, sociológicos,
históricos e psicológicos. Assim, esse dispositivo deve ser revisto,
pois há contradição com a separação entre Estado e Igreja.
Coadunando com esse entendimento, Barroso ao
concluir seu voto na ADI 4.439, bem expôs que:
A conclusão a que se chega é que somente o
ensino religioso não confessional, ministrado
de modo plural, objetivo e neutro – i.e., sem
que as crenças e cosmovisões sejam
transmitidas como verdadeiras ou falsas, boas
ou más, certas ou erradas, melhores ou piores
–, permite realizar o princípio da laicidade
estatal, bem como garantir a liberdade
religiosa e a igualdade.
Márcio Senra (2016, p. 228) traz alternativa para que o
ensino religioso no Brasil seja praticado coadunando com o Estado
Democrático de Direito, sem que seja um ensino de fenômeno
religioso, conforme a seguir:
233
A proposta que pode ser apresentada como
substitutivo ao ensino religioso é a inserção do
conteúdo de história das religiões no
conteúdo escolar, prestigiando todas as
religiões presentes na sala-de-aula. Neste
sentido, o docente deve conhecer quais são as
visões religiosas de todos os alunos e trabalhalas num viés histórico, abordando origem e
desenvolvimento histórico, dogmas, rituais,
sem realizar juízo de valor. O trabalho
demandará pesquisa séria e dedicada, tendo
como resultado um estudo enriquecedor para
todos os envolvidos, desenvolvendo o espírito
de comunhão e respeito pela diversidade. Não
pode o docente, ainda, desconsiderar o que
seja religião (como instituição) e sua diferença
de visão religiosa de mundo.
O tema acerca do ensino religioso confessional, aquele em
que se segue específica crença religiosa, foi levado até o Supremo
Tribunal Federal - STF pela Procuradoria Geral da República, em
2010, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI
4.439.
Referida ADI teve o objetivo de dar interpretação
conforme a Constituição da República ao art. 33, §§ 1º e 2º, da LDB
e ao art. 11 do Anexo do Decreto no 7.107/2010, ou seja firmar o
entendimento de que o ensino religioso nas escolas públicas
brasileiras fosse de cunho não confessional, não sendo vinculado a
nenhuma religião e, ainda, não se fosse admitido representantes
das confissões religiosas como professores da disciplina. O
234
conteúdo a ser ministrado em aula, com fundamento na própria
laicidade do Estado, deveria ter como diretriz a historicidade e as
culturas das religiões, não seus preceitos propriamente ditos.
Assim, na ação, a Procuradoria reconhece que o ensino
religioso facultativo nas escolas públicas deve ser garantido em face
da própria previsão constitucional. Todavia, argumenta que, pela
laicidade do Estado, esse ensino não pode ser confessional.
Em 27 de setembro de 2017, houve o julgamento da ADI
4.439, sendo que o STF, por maioria dos votos (6x5), concluiu que
o ensino religioso nas escolas públicas brasileiras pode ter natureza
confessional, julgando improcedente a ação. Os ministros
Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Dias Toffoli, Ricardo
Lewandowski, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia votaram pela
improcedência da ADI 4.439; em contrapartida, os ministros Luís
Roberto Barroso, relator, Rosa Weber, Luiz Fux, Marco Aurélio e
Celso de Mello, manifestaram-se pela procedência da ação.
Apesar da improcedência da demanda apresentada ao
STF, tem-se que, mesmo o Brasil taxando-se de Estado laico, a
ligação Estado – Igreja é evidente. Como dispõe Monteiro (2012, p.
53), “de tudo quanto visto, constata-se que, sob qualquer
denominação, o ensino religioso patrocinado pelo Estado põe em
xeque a pluralidade religiosa talhada há um século, alargando,
sobremaneira, a distância entre os diferentes”.
Com base em todo o exposto, o ensino religioso deve ser
ministrado sem manifestação de fé, mas apenas de forma geral,
com exposição da história e das nuances de todas as religiões, com
o fim de haver discriminação dentro de uma mesma turma de
alunos com diversas formações religiosas já realizadas em casa
235
pelos pais. Isso possibilita a escolha e ainda a possibilidade de
mudança de religião por parte dos alunos.
Assim sendo, o ensino religioso não pode utilizado para
doutrinar os alunos numa certa religião específica, ou seja, não
confessional, pois haveria violação de compromisso com as demais
religiões, com a laicidade do Estado e com a autonomia da escolha
dos cidadãos pela religião que mais se identifique com a sua
convicção íntima ou, até mesmo, nenhuma religião, caso seja esse
o entendimento, não sendo imposta pela família ou por alguma
religião majoritária.
6. Considerações finais
O Brasil, a partir da leitura do texto constitucional e,
baseados nos preceitos do Estado Democrático de Direito, afirmase laico. Ressalta-se, novamente, que um país laico é aquele em que
as crenças religiosas não possuem qualquer influência ou
interferência da administração por parte do Estado e na vida de
seus cidadãos. Nota-se, não há promoção ou proibição da crença,
não podendo o Estado determinar a seus integrantes qual religião
adotar.
Em contrapartida, esse mesmo Estado que não incentiva
não pode, em nenhuma hipótese, determinar a proibição de crença;
o Estado é neutro em relação as inúmeras formas de crenças e
manifestações religiosas. O indivíduo, a partir de suas concepções
intimas, sem qualquer influência externa exercida pelo Estado, é
livre para optar seguir determinada crença ou, também, optar por
não se filiar a nenhuma forma de manifestação religiosas.
236
A recente decisão do Supremo Tribunal Federal
possibilitando o ensino religioso confessional nas escolas públicas,
assegura o apontamento de que o Brasil jamais foi e não é um
Estado laico.
Apesar da respeitável decisão, coaduna-se do
entendimento de que o ensino religioso nas escolas públicas, por
mais que seja de matrícula facultativa e de oferta obrigatória, não
pode utilizado para doutrinar os alunos numa certa religião
específica, ou seja, deve ser não confessional, pois haveria violação
de compromisso com as demais religiões, com a laicidade do
Estado e com a autonomia da escolha dos cidadãos pela religião
que mais se identifique com a sua convicção íntima ou, até mesmo,
nenhuma religião, caso seja esse o entendimento, não sendo
imposta pela família ou por alguma religião majoritária.
A disciplina do ensino religioso em escolas públicas deve
ser utilizada para a formação crítica e de tolerância dos cidadãos
que vivem em uma sociedade com várias formas de doutrinas
religiosas, se restringindo ao ensino da história, ao estudo do
fenômeno religioso em seus aspectos filosóficos, sociológicos,
históricos e psicológicos, das dimensões sociais das diversas
religiões, assegurando o pluralismo religioso.
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241
A ATUAÇÃO DA ESCOLA ENQUANTO ELEMENTO
CONSOLIDADOR DE UMA SOCIEDADE PLURAL
THE SCHOOL'S ACTIVITY AS A CONSOLIDATING
ELEMENT OF A PLURAL SOCIETY
Thamara Estéfane Martins Balbino 36
Deilton Ribeiro Brasil37
36
Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais,
Mestranda em Proteção dos Direitos Fundamentais pela Universidade de Itaúna,
Advogada.
37
Pesquisador visitante na Universityof Ljubljana e Universitàdi Pisa (EslovêniaItália, 2017) com a supervisão do Prof. Dr. Ales Galic e da Profa. Dra. Maria
AngelaZumpano. Pós-doutorado Direito na Universitàdegli Studi di Messina
(Itália, 2015-2016) com a supervisão do Prof. Dr. Mario Trimarchi. Pósdoutorado em Direito Ambiental no CENoR da Faculdade de de Direito da
Universidade de Coimbra (Portugal, 2014-2015) com a supervisão da Profª Dra.
Maria Alexandra Sousa Aragão. Pós-doutorado em Direito Constitucional junto
ao Ius Gentium Conimbrigae/Centro de Direitos Humanos (IGC-CDH) da
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Portugal, 2013-2014) com a
supervisão do Prof. Dr. Jónatas Eduardo Mendes Machado. Doutorado em
Direito pela Universidade Gama Filho do Rio de Janeiro-RJ (área de concentração
em Estado e Direito: internacionalização e regulação) (2006-2010) com a
orientação do Prof. Dr. Guilherme Calmon Nogueira da Gama. Mestrado em
Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos de Belo Horizonte-MG (área
de concentração em Direito Empresarial) (1998-2001) com a orientação do Prof.
Dr. Alberto Deodato Maia Barreto Filho. Especialização lato sensu pela
Universidade Presidente Antônio Carlos em Direito Público (2002) e em Direito
Civil (2003). Possui graduação em Direito pela Universidade Presidente Antônio
Carlos (1984). Atualmente é Professor da Graduação e do PPGD - Mestrado em
Direito Proteção dos Direitos Fundamentais da Universidade de Itaúna - UIT
(08/2016).
242
Resumo: A Constituição Federal de 1988 preconizou um Estado
que fosse democrático em todos os níveis. Ocorre que em uma
sociedade marcada pelo pluralismo é preciso questionar a
legitimidade dos instrumentos que vêm sendo utilizados para
atingir a abertura que se propõe. Partindo da concepção de que a
escola é um importante elemento para formação de novos
comportamentos, pertinente questionar se a sua atuação vem
cumprindo o papel de elemento consolidador e garantidor dessa
sociedade plural e democrática. Para o alcance do objetivo
proposto, utilizou-se o método de pesquisa dedutivo através de
pesquisa bibliográfica como fonte para formação dos postulados
defendidos.
Palavras-chave: Constituição Federal de 1988; Multiculturalismo;
Pluralismo; Democracia; Reflexão.
Abstract: The 1988 Federal Constitution advocated a state that was
democratic at all levels. It happens that in a society marked by
pluralism, it is necessary to question the legitimacy of the
instruments that have been used to reach the opening that is
proposed. Starting from the conception that the school is an
important element for the formation of new behaviors, it is
pertinent to question if its performance has fulfilled the role of
consolidating element and guarantor of this plural and democratic
society. To reach the proposed objective, the method of deductive
research was used through bibliographical research as a source for
the formation of the defended postulates.
Keywords: Federal Constitution of 1988; Multiculturalism;
Pluralism; Democracy; Reflection.
243
1. Introdução
A partir da Constituição Federal de 1988, um Estado
democrático em todos os níveis passou a ser um dos principais
objetivos a serem alcançados tendo como preocupação a
construção de uma sociedade mais inclusiva e igualitária.
Embora passadas quase três décadas desde então, vive-se
ainda hoje a expectativa de consolidação desse modelo
democrático, ganhando força a proposta de uma sociedade mais
participativa e pluralista que reconhece o direito fundamental à
diferença em todos os âmbitos e em todas as expressões do viver
coletivo, incluindo as questões de caráter econômico, social, racial
e cultural, por exemplo.
Nesse contexto, considerando a escola enquanto lugar de
formação de novos comportamentos, pertinente questionar se a
sua atuação vem, de fato, cumprindo o papel de elemento
consolidador e garantidor dessa sociedade plural e democrática,
perquirindo sobre a legitimidade dos instrumentos que vêm sendo
utilizados para atingir a abertura que se propõe.
Mais que um caminho para a formação de profissionais,
é preciso que a sala de aula seja entendida como a realização dos
valores de convivência humana, promovendo o princípio da
igualdade, sobretudo, pela busca da equalização das condições dos
socialmente desiguais.
O desafio de compatibilizar o Direito com uma sociedade
tão diversificada demonstra a importância da participação das
pessoas desde o início da sua formação, enquanto interessadas e
244
destinatárias para a afirmação do ideal democrático proclamado
pela Constituição de 1988.
Resta claro, nessa perspectiva, a releitura do papel da
educação para que venham a ser banidos os discursos de
preconceito, de ódio ou de perseguição pelo simples fato do outro
ser entendido como diferente.
Tomando como base uma sociedade onde a intolerância
tem se manifestado nos mais diversos contextos atingindo
essencialmente os chamados grupos minoritários, é importante
que se reflita de que maneira a escola enquanto instrumento do
processo democrático tem se posicionado diante dessas situações.
Nessa perspectiva, o objetivo do presente artigo é verificar
se a escola de fato tem cumprido o papel para consolidação de uma
sociedade democrática perquirindo sobre a legitimidade dos
instrumentos mais comuns que são usados para que se atinja essa
abertura.
Em sua estrutura, o trabalho se divide em duas seções
temáticas que se somam à introdução e à conclusão. Na primeira
parte intitulada “os instrumentos utilizados na concretização de
uma sociedade democrática” o objetivo central foi estabelecer quais
os principais instrumentos têm sido utilizados para a abertura
proposta discutindo sobre sua legitimidade para o alcance desse
objetivo.
Já no outro tópico denominado “a consolidação de uma
sociedade democrática através da educação”, o foco se concentrou
em estabelecer de que forma a educação pode ser usada para o
alcance dessa sociedade democrática que irradia seus efeitos sobre
outros direitos igualmente importantes.
245
Por fim, na conclusão espera-se obter um
posicionamento seguro acerca dos principais instrumentos que
vêm sendo utilizados para atingir uma sociedade mais igualitária
avaliando a atuação da escola enquanto elemento consolidador e
garantidor dessa sociedade plural e democrática.
O presente estudo seguirá a metodologia bibliográfica, de
natureza descritiva-qualitativa, partindo então de uma breve
discussão sobre como ficam essas questões diante de um cenário de
diferenças em diversos níveis, sejam elas culturais, econômicas,
raciais ou outras tantas que se revelam a cada dia, relatando os
aspectos principais que envolvem o assunto e a possibilidade de
garantir a isonomia sem que para isso tenha que se sacrificar as
particularidades tidas como essenciais a cada um.
2. Os instrumentos utilizados na concretização de uma
sociedade democrática
Tomando como ponto de partida o princípio
democrático que orienta o novo paradigma de Estado que se
propõe, tem-se que a participação dos interessados nas questões
públicas é imprescindível para que ocorra a realização efetiva dessa
abertura.
Entretanto, essa participação popular não ocorre de
forma repentina, sendo necessário que se desenvolva um processo
na formação dessa nova forma de atuar diante da sociedade.
Sob essa perspectiva, a escola acaba por desempenhar um
importante papel, tendo em vista ser o lugar de formação de novas
concepções e comportamentos, representando conforme assevera
246
o autor Peter McLaren (2000) “um espaço de reinvenção das
perspectivas que forjam identidades homogêneas”.
É preciso que se considere que, de fato, vive-se em um
lugar que abriga pessoas com origens e pretensões muito diferentes
de modo que não se mostra aconselhável cultivar o pensamento de
que partimos todos de situações semelhantes e temos por isso os
mesmos objetivos.
É preciso que haja o reconhecimento do caráter
multicultural que envolve uma pluralidade de cultura, de gênero,
de etnia, de classe e essas devem ser consideradas o mais breve
possível dentro das escolas como forma de viabilizar a cidadania e
a democracia.
Nesse sentido, Magdale Machado Catelan e Leonardo
Guedes Henn (2016) afirmam que:
Os termos pedagogias críticas, educação
crítica ou teorias críticas em educação
correspondem a uma classificação de certa
amplitude que açambarca teorias e práticas
educativas caracterizadas pela pretensão de
lutar para a promoção de transformações
sociais. (CATELAN E HENN 2016)
É salutar entender que todo projeto de democratização
necessariamente passa pela assimilação das diferenças de modo a
considerar os diversos interesses que compõe esse cenário.
O que se verifica, no entanto, é que sob o manto da busca
pela igualdade proclamada pela Constituição Federal de 1988, temse vivido uma imposição velada dos interesses e do modo de vida
247
daqueles que gozam de posições privilegiadas afirmando
forçadamente que todos são iguais e que teriam iguais condições
de alcançar seus objetivos.
Tem-se visto a utilização da lei como o principal
instrumento para realização da igualdade e da democracia sem que
se atente para o fato de que a participação de cada indivíduo
enquanto destinatário e interessado é que legitima a atuação estatal
na consolidação desses objetivos.
Enquanto o Estado e as normas são apontados como os
principais garantidores desse processo democrático que envolve a
cidadania e a igualdade, muitas pessoas continuam invisíveis
diante da sociedade, ao mesmo tempo em que suas necessidades
são aplacadas com o cômodo discurso de que todos podem vence
igualmente.
É preciso enfrentar o problema com a consciência de que
simplesmente o Direito através do primado da lei muitas vezes não
consegue oferecer as respostas para essas questões, sendo
imprescindível admitir a necessidade de buscar para além desses
mecanismos os objetivos que se propõe. A esse respeito, Antônio
Carlos Wolkmer (2000) assevera que:
A Ciência do Direito não consegue superar
sua própria contradição, pois enquanto
“Ciência” dogmática torna-se também
ideologia da ocultação. Esse caráter ideológico
da Ciência Jurídica se prende à asserção de
que está comprometida com uma concepção
ilusória de mundo que emerge das relações
concretas e antagônicas do social.
(WOLKMER, 2000, p. 151)
248
A diversidade, outrossim, jamais pode ser vista como um
fim em si mesma, mas sim dentro de uma política de compromisso
com a justiça social. Dentro de um contexto pluralista, percebe-se
que a integração entre os diferentes grupos torna-se elemento
chave para a efetividade jurídica tanto da democracia quanto da
cidadania.
Nesse sentido, assegurar o direito à diferença nas relações
sociais é uma maneira de incentivar a convivência pacífica e
tolerante entre os indivíduos caracterizando um compromisso com
a democracia e com a justiça social, em meio às relações de poder
em que tais diferenças são construídas.
A esse respeito, importante consignar a ressalva feita por
Pauliane Lisboa Abraao (2011) quando dispõe que:
Apesar do Estado Democrático de Direito em
que vivemos prever expressamente em suas
bases o caráter multicultural e plural da
sociedade brasileira, as reivindicações de
grupos diferenciados no Brasil ainda são um
problema. (ABRAAO, 2011)
É comum ver o Estado credenciado como garantidor dos
direitos fundamentais dos indivíduos e como implementador das
importantes políticas públicas que viabilizam esses direitos.
Entretanto, válido ressaltar que ele por si só não é o único
responsável por essa atuação.
O pluralismo no Estado Democrático de Direito busca
evidenciar que o poder estatal não é a fonte única e exclusiva do
249
Direito, sendo toda a sociedade uma forma de composição e
revelação desse novo direito. É uma crítica ao sistema monista que
vê no Estado a única fonte sendo que a esse respeito, Ana Lúcia
Sabadell (2005) afirma que:
Podem existir ordenamentos jurídicos
contraditórios (que levam a soluções
diferentes para a mesma situação), mas
também ordenamentos complementares,
aplicáveis a situações diferentes. (SABADELL,
2005, p. 121)
Percebe-se, nesse sentido que não se objetiva excluir o
poder do Estado, mas reconhecer que outras atuações
complementares podem contribuir para a efetividade da cidadania
e da democracia utilizando a educação como um dos principais
instrumentos. A esse respeito, Gabriela Garcia Batista Lima (2012)
assevera que:
O pluralismo jurídico, como instrumento de
análise, apresenta ferramentas interessantes
para o estudo do direito, na medida em que
não se limita ao Estado e permite analisar a
influência de diferentes forças sociais no
âmbito jurídico. (LIMA, 2012)
Um dos questionamentos mais pertinentes, portanto, a se
fazer é sobre a relativização do poder do Estado como principal
garantidor de direitos, onde se busca entender possíveis razões
250
para a não concretização de algum objetivo tutelado juridicamente.
Nesse sentido, Gabriela Garcia Batista Lima (2012) dispõe que:
É nesse contexto que o pluralismo jurídico,
que engloba uma abordagem sistêmica de
analisar os fatos, vem sendo cada vez melhor
recepcionado no estudo do direito,
vislumbrando a coexistência de ordens e
diferentes elementos a impulsionar a criação e
efetividade do direito. (LIMA, 2012)
Não parece razoável que se ignore a legitimidade de
outros instrumentos além das normas, bem como sua aptidão para
oferecer respostas diante da inoperância do Estado e da sua
omissão em relação aos indivíduos desfavorecidos e por vezes
sequer reconhecidos.
Até mesmo por uma limitação seja ela orçamentária ou
operacional, muitas vezes não será possível ao Estado agir
efetivamente em todas as frentes. Nesse sentido, Lucas do Monte
Silva e Patricia Borba Vilar Guimarães (2014) afirmam que:
Ao mesmo tempo, deve-se mudar a atitude
governamental em relação a quantia
despendida na efetivação dos direitos e
garantias fundamentais. Em grande parcela
das nações, essa concretização é vista como
um "custo" do Estado e não como um
"investimento". Nesse ponto é que deve ocorre
uma mudança de perspectiva, pois a
efetivação de direitos fundamentais é
investimento no futuro da nação, que dará
dividendos por décadas e não uma despesa
251
desnecessária (...) (SILVA, GUIMARÃES
2014)
Há, sobretudo, uma necessidade de produção e aplicação
difusa na forma de se ver o direito e, nesse sentido, a sociedade com
seus diversos sujeitos e grupos sociais deve ser vista como
participante direta de todo o processo e não apenas o Estado.
Necessário destacar que a participação do cidadão não se
exaure na mera formação das instituições representativas
objetivando, sobretudo, possibilitar a participação e a intervenção
dos grupos, em especial aqueles considerados minoritários, ao
longo de todo o processo democrático.
A esse respeito, Bonavides (1993) afirma que:
Com efeito, as instituições representativas
padecem em todo o país uma erosão de
legitimidade como jamais aconteceu em
época alguma de nossa história, ficando assim
a cláusula constitucional da soberania popular
reduzida a um mero simulacro de
mandamento, sem correspondência com a
realidade e a combinação dos interesses que se
confrontam e se impõem na região decisória
onde se formulam as regras de exercício
efetivo do poder. (BONAVIDES, 1993, p.24)
Percebe-se, nesse sentido, a importância de se
compreender o princípio democrático como garantia real dos
direitos fundamentais da pessoa humana, sob pena do princípio se
252
tornar apenas uma falácia. Nessa perspectiva, Marcio Ricardo
Staffen e Rafael Padilha dos Santos (2016) asseveram que:
Em suma, em uma sociedade em que houver
discriminação arbitrária, desrespeito à
autodeterminação pessoal, se o próprio
Estado não realizar políticas concretas e
serviços eficazes em prol do ser humano, em
que a integridade física e moral não for
respeitada, em que a coexistência saudável e
harmônica não tiver lugar, em que os seres
humanos forem tratados como coisas, em
uma sociedade que mantenha tais injustiças
de modo duradouro e tolere tais aviltamentos,
a dignidade da pessoa humana não
encontrará terreno para germinar e fazer-se
vívida em benefício coletivo. (STAFFEN;
SANTOS 2016)
É preciso ressaltar ainda o fato de que em muitas
situações, o responsável pela violação dos direitos fundamentais
não é o Estado, mas o próprio particular ou os grupos sociais. A
partir do momento que se vê a educação como interesse de todos
ela deixa de ser um direito individual para se tornar um interesse
difuso que pode ser de igual modo alcançado com a soma de
esforços em comum.
A esse respeito, José Alfredo de Oliveira Baracho (1984)
assevera que:
A localização dos direitos fundamentais nas
constituições dos Estados de democracia
253
pluralista é constante. Procura-se hoje a
conciliação equilibrada dos interesses
individuais, com os de caráter coletivo ou
geral. (BARACHO, 1984, p. 140)
Nesse contexto, observa-se que os direitos não existem
para serem reclamados somente em face do Estado, devendo ser
exercido diante de toda a sociedade. Sob esse prisma, Andrea
Cadore Tolfo (2013) afirma que:
Para que o indivíduo seja cidadão é necessário
que o mesmo tenha os direitos fundamentais
realmente respeitados e efetivados. Só se
exerce a cidadania, sendo cidadão, com o
efetivo cumprimento dos deveres e também
dos direitos garantidos no ordenamento
jurídico do país. Nesse sentido, a cidadania
exige a correspondência entre o que se tem
garantido por direito e o que tem de fato.
(TOLFO, 2013)
Na mesma linha de raciocínio exposta acima, Haberle
(1997) assevera que:
Portanto, existem muitas formas de
legitimação democrática, desde que se liberte
de um modo de pensar linear e "eruptivo" a
respeito da concepção tradicional de
democracia. (HABERLE, 1997, p. 39).
Percebe-se que dentre as diversas formas de se consolidar
a democracia, todas elas passam pela aceitação e reconhecimento
254
da importância em se respeitar e se compreender devidamente as
diferenças.
Tomando como referência a complexidade da sociedade,
paradigmas precisam ser revistos, questionados e até negados e esse
ponto de reflexão conforme afirma McLaren (2000) deve começar
na escola.
Nessa perspectiva, o processo de inclusão ou exclusão
social das crianças, adolescentes e jovens com condições
socioeconômicas desfavoráveis passa primeiramente na escola,
revelando sua importância no processo de formação.
No que tange à diminuição do preconceito, não se pode
conformar com a premissa de que essa é uma questão enraizada na
história brasileira, onde a exclusão de pessoas como negros e índios
vem desde a colonização portuguesa.
Considerando que essa cultura de separação demanda
estratégias para ser modificada a inserção no ensino propiciando
debates sobre as diferenças essenciais a cada um pode representar
uma importante medida a ser tomada. Nesse sentido, Boaventura
de Sousa Santos (2003) quando afirma que: "temos o direito a ser
iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a
ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza"
(SANTOS, 2003, p. 56).
Outrossim, na mesma linha de raciocínio, o educador que
tem papel na formação de identidades pode contribuir através da
percepção e cuidado que preserve as peculiaridades políticas,
sociais e culturais em que se inserem os alunos, levando em conta
todos os silêncios e discriminações que se manifestam na sala de
aula, bem como ampliando o espaço de discussão.
255
É necessário rever prioridades e nesse sentido, Lucas do
Monte Silva e Patricia Borba Vilar Guimarães (2014) fazem um
importante questionamento quando asseveram que:
Mas, enfim, quais seriam os direitos
fundamentais que merecem serem alvos de
recursos prioritários para alcançar as metas
do "novo" desenvolvimento? São os direitos
necessários para a criação de uma sociedade
transparente, plural e democrática, na qual
cada indivíduo possua oportunidades, para
conquistar com as mesmas condições, à
medida do possível, por meio do seu mérito,
de desenvolver suas potencialidades e realize
os seus objetivos de vida. Nesse sentido,
podem-se deduzir diversos direitos como o
direito à democracia, à saúde, à segurança, à
igualdade, à liberdade, à vida, os quais, para
sua real efetividade, mostra-se necessária a
efetivação de apenas um deles: o direito à
educação. (SILVA, GUIMARÃES 2014)
O processo educativo deve ser considerado como
instrumento de resgate da autoestima, da autonomia e das imagens
distorcidas, sendo que ao mesmo tempo em que reúne o embate
das diferenças possibilita também o encontro de diferentes
perspectivas sendo um campo que, se devidamente explorado,
pode se mostrar enriquecedor e eficaz para diminuir e prevenir o
processo de exclusão social e para viabilizar a consolidação da
democracia.
256
É fundamental, por tudo que foi dito até aqui, um olhar
prioritário de todos sobre a educação haja vista que conforme
asseveram Lucas do Monte Silva e Patricia Borba Vilar Guimarães
(2014):
Com efeito, vislumbra-se, desta maneira, que
a efetivação de cada direito fundamental gera
um efeito dominó nos outros direitos da
mesma natureza, ou seja, nunca a falta de
efetivação de um direito fundamental
produzirá efeito apenas em determinado
setor, pois já que todos os direitos estão
interconectados e são interdependentes, a
ineficácia ou efetivação de um direito, atinge
os outros, alterando todo o contexto e quadro
de direitos. (SILVA, GUIMARÃES 2014)
É preciso que não apenas o olhar governamental, mas
também a instituição escolar e a sociedade através de uma
educação ampla se comprometam a criar mecanismos que
minimizem os conflitos despertados pelas diferenças e é
justamente sobre isso que se falará no tópico seguinte.
3. A consolidação de uma sociedade democrática através da
educação
Quando se fala em mudanças estruturais, é preciso
admitir que se nos mantivermos presos apenas ao sentido político
e às soluções trazidas pelo Direito haverá mais discursos, sem
grandes repercussões concretas no sentido de mudança.
257
Torna-se urgente uma educação verdadeiramente
democrática, que inclua a diversidade cultural sendo que para que
este processo aconteça é necessário o compromisso social de
realmente construir um espaço democrático e isso implica o
respeito ao outro, o diálogo com os valores do outro.
É necessário que sejam previstas e, mais que isso, que
sejam fomentadas maneiras de participação da escola dentro do
processo de democratização incluindo todos os envolvidos nesse
processo como professores, pais e comunidade na consciência de
que apenas uma atuação conjunta é capaz de somar forças
suficientes para a mudança que se propõe.
A educaçãoé, nessa perspectiva, um pilar tanto da
democracia quanto da cidadania e constitui um dos direitos
fundamentais mais importantes com relevância pública e social em
prol do bem comum. Nessa perspectiva, Lucas do Monte Silva e
Patricia Borba Vilar Guimarães (2014) afirmam que:
O direito à educação é a base constitutiva da
formação dos cidadãos e do próprio Estado,
sendo considerado pela doutrina um "direito
de síntese", pois a sua efetivação propicia e
potencializa a garantia e concreção de outros
direitos fundamentais, tanto de forma direta
como de forma oblíqua. (SILVA,
GUIMARÃES 2014)
Outrossim, a educação, enquanto direito social
assegurado constitucionalmente através do art. 6º, necessita ser
258
vista como prioritária uma vez que fundante da cidadania,
conforme corrobora o artigo 205 da Constituição.
Há de se admitir nesse sentido que nem sempre essa
prioridade é respeitada tendo em vista que muitas vezes essa é uma
área negligenciada e subvalorizada, tendo sido considerada muitas
vezes um gasto público e não um investimento.
Todavia, um direito que diz respeito a todos precisa ser
visto de forma mais responsável sob pena de continuar agindo
sobre as consequências geradas pela educação deficiente quando o
mais eficaz seria agir na causa.
Mais do que um direito individual fundamental, a
educação é um direito social sendo que nas palavras de André de
Carvalho Ramos (2014) os direitos sociais:
Consistem em um conjunto de faculdades e
posições jurídicas pelas quais um indivíduo
pode exigir prestações do Estado ou da
sociedade ou até mesmo a abstenção de agir.
Por essa razão, o direito à educação enquanto
direito social é essencialmente prestacional,
exigindo-se ação do Estado e da sociedade
para superar desigualdades fáticas e situação
material ofensiva à dignidade. (RAMOS,
2014, p. 59-60)
Percebe-se, portanto, que há intrínseca relação entre o
direito à educação, a cidadania e os demais direitos, considerando
a escola como um instrumento que pode-se utilizar desse espaço
de diferenças como forma de transformação das consciências.
259
Lucas do Monte Silva e Patricia Borba Vilar Guimarães (2014)
afirmam a esse respeito que:
Quando se fala em efetivar "direito à
educação" torna-se necessário, já de início,
deixar claro, que refere-se à garantia de que o
ensino básico e avançado - de qualidade sejam acessados por todas as pessoas,
independente de sua origem geográfica,
religião, racial, social etc., de forma que todas
possuam
oportunidade
de
acessar,
permanecer e concluir seus estudos. (SILVA,
GUIMARÃES 2014)
O exercício da democracia pressupõe, assim, um sistema
estruturado e organizado da cidadania, em harmonia com os
demais valores protegidos pelo ordenamento jurídico. Sob essa
perspectiva, a educação qualificada é fundamental para a
consolidação desses objetivos.
Nesse sentido, uma importante ferramenta inserida na
realidade brasileira diz respeito aos parâmetros curriculares
nacionais que funcionam, em síntese, como referenciais de
qualidade na educação do ensino fundamental.
Isso reforça o fato de que além de normas sobre educação,
faz-se necessário um esforço de implementação das mesmas. Há
um arcabouço normativo importante trazendo diretrizes a serem
seguidas, mas para que possam ter eficácia necessitam da boa
vontade não apenas daqueles que as fazem como daqueles que são
os destinatários dessas normas.
260
Trazidos como resultado das iniciativas curriculares
inseridas no Brasil, os parâmetros curriculares nacionais foram
definidos pelo Ministério da Educação sendo que nessa
perspectiva, Alicia Bonamino e Silvia Alícia Martinez (2002)
afirmam que:
Durante os anos de 1980, o retorno à
democracia política levantou expectativas de
desenvolvimento de processos correlatos no
conjunto das instituições da sociedade. No
plano educacional, e apesar dos limites
impostos ao retorno à institucionalidade
democrática
pela
persistência
do
autoritarismo, a abertura política levou vários
prefeitos e governadores de oposição ao
governo militar e seus secretários de educação
a procurarem impelir modificações no
sistema educativo, que incluíam reformas
estruturais e curriculares focalizadas na
ampliação e melhoria da escola pública
(BONAMINO; MARTINEZ. 2002)
A esse respeito, a Resolução nº 2, de abril de 1998 que
institui as diretrizes curriculares nacionais da Câmara de Educação
Básica do Conselho Nacional de Educação, apresentou em seu art.
2º princípios, fundamentos e procedimentos na Educação Básica
como forma de orientar as escolas brasileiras dos sistemas de
ensino, na organização, na articulação, no desenvolvimento e na
avaliação de suas propostas pedagógicas.
Essas diretrizes foram importantes a partir do momento
em que se visualiza uma perspectiva de consolidar o propósito
261
democrático nas escolas e a partir das escolas, trazendo bases para
que se possa agir em consonância com esse propósito.
Interessante registrar as colocações de Alicia Bonamino e
Silvia Alícia Martinez (2002) quando discorrem sobre:
[...] a necessidade de acolhida democrática
pela escola das diversidades e peculiaridades
de gênero, étnicas, etárias, regionais,
socioeconômicas, culturais, psicológicas e
físicas das pessoas implicadas diretamente
com a educação escolar. (BONAMINO;
MARTINEZ. 2002)
Percebe-se a necessidade de interação de outras forças
além do Estado a fim de fomentar a participação de todos num
processo educacional com repercussões além da sala de aula.
Deve-se ressignificar condutas conferindo novas
responsabilidades que passam a não estar apenas nas mãos do
Estado.
É preciso ressaltar, todavia, que não se pretende provocar
uma desvalorização do papel do Estado, antes pelo contrário. O
que se afirmar é que a atuação estatal é realçada e fortalecida através
dos esforços conjuntos de toda a sociedade enquanto beneficiária
do projeto educacional, fomentando, sobretudo, um engajamento
das diferentes forças que compõem os setores sociais.
A esse respeito, a Resolução nº 2, de abril de 1998
estabelece em seu art. 3º, V que as escolas deverão explicitar em
suas propostas curriculares processos de ensino voltados para as
262
relações com sua comunidade local, regional e planetária, visando
à interação entre a educação fundamental e a vida cidadã.
Isso se justifica porque serão justamente esses grupos
sociais e não apenas o Estado que, por terem afinidades e
experiências semelhantes, terão melhores condições de agir de
forma mais eficiente diante de suas necessidades.
Há de se dizer, no entanto, que nem sempre essa educação
se mostrou apropriada haja vista ter estado sob o privilégio de
classes mais favorecidas. É interessante perceber o ciclo que se
forma pois caso a educação seja prestada inadequadamente ela
impossibilita que o indivíduo se torne capaz de competir em
condição de igualdade com os demais. A esse respeito, Lucas do
Monte Silva e Patricia Borba Vilar Guimarães (2014) afirmam que:
O termo igualdade está entre aspas, porque a
real igualdade de oportunidades é utópica,
sendo evidente que um estudante rico que
possui um ambiente familiar propício ao seu
desenvolvimento, que vive perto de sua
escola, possuindo todos os livros necessários
para seus estudos, terá um maior leque de
oportunidades quando comparado com um
estudante pobre do campo, que possui pais
que não dão valor ao estudo na vida do
cidadão, tendo pouco dinheiro para comprar
seus livros didáticos, além de ter que se
locomover diariamente grandes distâncias
para chegar em sua escola. (SILVA,
GUIMARÃES 2014)
263
É forçoso admitir que a escola foi durante muito tempo
engessada nos saberes disciplinares e ensino fechado de modo que
é necessária, sobretudo, também uma reforma de mentalidades
mediante uma orientação ética que abarque as diferenças a fim de
que se alcance um progresso que viabilize a dignidade da pessoa
humana.
O grande desafio contemporâneo da educação consiste
justamente em unir os aspectos educacionais, sociais e culturais
auxiliando na formação de uma sociedade mais democrática,
cidadã, igualitária e digna de se viver.
4. Conclusão
A presente pesquisa analisou a educação como forma de
consolidação da democracia através de um ensino atento ao
pluralismo e à participação de cada indivíduo no viver social,
reconhecendo a necessidade de mudança de atitudes para que se
legitime esse processo de abertura.
Verificou-se a necessidade de lançar mão de outros
meios além daqueles usualmente trazidos pelo Direito para
consecução desses objetivos haja vista que muitas vezes as
respostas extrapolam o campo estritamente jurídico.
A pesquisa demonstrou sua importância a partir do
momento em que analisou de forma crítica a necessidade de
investimento no processo de formação educacional que se inicia na
escola, haja vista ser esse um instrumento forte para se alcançar
outros direitos como a democracia, a cidadania e a igualdade.
264
Nesse sentido, percebeu-se que o processo de mudança
na sociedade que se propõe passa primeiramente pelo
reconhecimento do outro e a assimilação de suas diferenças por
meio da implementação nas escolas da consciência de se respeitar
cada um em sua plenitude.
A mudança de postura é realçada a partir do momento
em que se percebe a quantidade de pessoas que permanecem como
invisíveis para a sociedade, sendo que uma educação que não se
mostre adequada resulta em indivíduos que não conseguem viver
tampouco competir em igualdade com os demais.
A consolidação de valores como democracia e cidadania
necessitam essencialmente do fortalecimento da educação e da
participação de cada indivíduo ao abandonar a falsa crença de que
só o Estado e as Leis são legítimos responsáveis por esse processo.
É através da educação que se constrói nos indivíduos a
consciência de que sua participação é importante para
consolidação do processo democrático.
Reconhecer uma prática educacional voltada para o
reconhecimento da diferença é o desafio que pode conduzir à
redução de discriminação sejam elas sociais, econômicas e raciais.
Em busca pela igualdade preconizada não se pode correr
o risco de desconsiderar importantes diferenças que compõe a
história e a vida de cada um pois essas são particularidades
realmente essenciais.
Vivenciar o processo democrático desde cedo é o
caminho para incentivar a participação de todos na medida em que
conscientiza que desde cedo a importância do interesse acerca
daquilo que é de todos.
265
A educação se mostra fundamental para o alcance desse
objetivo, mas não qualquer tipo de educação. É preciso que seja
uma educação qualificada que promova e incentive o respeito às
diferenças e ao direito do outro.
Importante participação da escola se dá pelo fato de
propiciar importantes interações entre as várias formas do viver
coletivo e essa integração é imprescindível para que o processo de
consolidação democrática ocorra.
Ressalva-se, todavia, a necessidade que a educação não
se desenvolva de forma fragmentada sendo que a escola é somente
um dos lugares onde ela ocorre.
É preciso superar a tendência excessiva de credenciar o
Estado como único responsável pela realização de ações em favor
da educação ultrapassando o tímido envolvimento de toda a
comunidade principalmente com a educação básica. É preciso,
sobretudo, manter firme o propósito de que apenas ao se garantir
a educação é que se alcança todos demais direitos haja vista ser esse
um direito fundante de todos os outros.
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269
EDUCAÇÃO PARA PAZ COMO MECANISMO DE
IMPLEMENTAÇÃO DA JUSTIÇA SOCIAL
PEACE EDUCATION AS A MECHANISM FOR THE
IMPLEMENTATION OF SOCIAL JUSTICE
Rafaela Cândida Tavares Costa 38
Fabrício Veiga Costa 39
Resumo: O presente trabalho se insere em um conjunto de
pesquisas sobre a educação, que tem por objetivo analisar a paz
como uma forma de concretização da justiça social. A pesquisa
adotou como procedimento revisão bibliográfica e como método
de inferência, o dedutivo. Com relação aos resultados percebeu-se
que através de metodologias interativas, abordando a paz como
uma possibilidade concreta, possibilita-se uma construção moral e
política baseada na igualdade de direitos e na solidariedade
coletiva, ou seja, a justiça social. Conclui-se que a paz pode ser
ensinada, com a participação de familiares, escolas e sociedade.
Deve haver a aplicação da paz, diálogo e tolerância para resolução
de conflitos.
Palavras-chave: Educação Para Paz; Superação da Violência;
Justiça Social.
Mestranda do programa de pós graduaçãostrito sensu da Universidade de
Itaúna, pós graduandalato sensu em Direito Registral e Notarial pela Faculdade
Damásio, graduada pela Universidade de Itaúna e Advogada.
39
Pós-Doutor em Educação pela UFMG. Doutor e Mestre em Direito Processual
pela PUCMINAS. Professor do Programa de Pós-graduação stricto sensu em
Proteção dos Direitos Fundamentais da Universidade de Itaúna. Professor da
graduação em Direito da FAPAM; FPL; FASASETE; FAMINAS-BH.
38
270
Abstract: The present work is part of a set of research on
education, which aims to analyze peace as a form of social justice.
The research adopted as procedure the bibliographical review and
as an inference method, the deductive. Regarding the results, it was
realized that through interactive methodologies, approaching
peace as a concrete possibility, a moral and political construction
based on equal rights and collective solidarity, that is, social justice,
is possible. It is concluded that peace can be taught, with the
participation of relatives, schools and society. Must be peace,
dialogue and tolerance for conflict resolution.
Keywords: Peace Education; Overcoming Violence; Social Justice.
1. Introdução
Este artigo irá analisar a educação como um mecanismo
de redução e afastamento da cultura da violência, bem como
exaltar práticas consagradas e bem sucedidas, neste sentido, além
de sustentar a educação para paz como um mecanismo de
implementação da justiça social.
A paz é a maneira mais viável para que se concretize a
denominada justiça social. Para que seja melhor compreendida a
presente pesquisa, faz-se necessária uma análise mais aprofundada
do conceito de paz, e suas várias vertentes, uma construção do
conceito da cultura para paz, cultura da violência, e, finalmente,
uma apresentação e exame da educação para paz.
Posteriormente, será feita uma observação de maneiras
viáveis para a implementação da justiça social. Esta visa
diretamente o bem como, em detrimento do bem-estar individual
271
e particular. A educação é viável para que se atinja o bem coletivo,
na medida que considere o ser humano como membro de uma
coletividade, recaindo os benefícios sobre todos, e não somente
sobre um indivíduo. O ser humano, desde a mais terna idade,
deverá ser educado para resolução de conflitos de forma pacífica,
através da arbitragem e diálogo, e não somente, através da violência
e conflito.
Neste contexto, abordar-se-á a violência nas escolas, além
de seus reflexos, uma vez que os índices encontram-se cada vez
mais alarmantes. Nota-se uma crescente incivilidade no ambiente
escolar, que advém, ao certo, de vários fatores. Todavia, inúmeros
conflitos e situações violentas poderiam ser evitadas, caso as
crianças e adolescentes fossem afastadas do culto da violência.
Ocorre que, nem as escolas, nem os pais, nem a sociedade estão,
devidamente, preparados para adotarem a cultura da paz. Percebese um ciclo vicioso, sendo a violência reproduzida e sistematizada
nas práticas escolares. A personalidade, que é construída através de
vivencias individuais e coletivas, pode e deve ser positivamente
influenciada através de práticas educadoras.
Por fim, far-se-á uma análise da Educação para Paz, como
uma forma de ensino voltada para a aplicação da paz, diálogo e
tolerância na resolução de conflitos, esquivando-se da cultura da
violência e implementando uma maior justiça social. Far-se-á
também uma exemplificação de práticas educacionais que adotam
este sistema de ensino, como por exemplo, o Programme Enfants
Acteurs de Changement, o programa “Igual a você” contra o
preconceito, a campanha “não deixe o bullying entrar em sua
272
escola”, o programa Criança Esperança e o programa Abrindo
Espaços: Educação e Cultura para a Paz.
O presente trabalho é resultado de uma pesquisa sobre a
educação, e principalmente, sobre o status atual da violência nas
escolas. Adotou-se como procedimento, para a confecção da
pesquisa, a revisão bibliográfica, principalmente na obra
“Educação para paz e educação moral na prevenção à violência, de
Karine de Souza e como método de inferência, adotou-se o
dedutivo, partindo-se de uma análise macro analítica, que é o
ambiente escolar, e práticas educacionais, para uma análise micro
analítica que é a aplicação educacional da paz.
2. O que é a paz e a cultura da paz ou não violência
A palavra paz possui diversos significados e conotações
na língua portuguesa, desde de ausência de guerra à boa harmonia,
segundo o dicionário Aurélio. Também poderá significar “país que
não está em guerra, união, concórdia nas famílias ou tranquilidade
da alma.” (Columa, 2001). A literatura também é responsável por
algumas conceituações. O fato é que paz é um estado, uma
condição de vida que se busca nas mais diversas relações humanas,
incluindo nas relações políticas, sociais, psicológicas, pessoais e
interpessoais, e mais especificamente, nas relações educacionais.
Paz tem uma conotação positiva e negativa,
sendo que a primeira pressupõe certos
padrões de justiça, harmonia com a natureza,
cidadania e participação em formas
democráticas de governo. Na Paz negativa
273
existe a priori algum tipo de conflito a ser
combatido. Daí a dicotomia Paz Positiva, que
constrói a paz como parte do currículo escolar
regular, e Paz Negativa, cujo objetivo é a
contenção e prevenção de diferentes
manifestações da violência. (COLUMA, 2001,
p. 431).
Promover uma cultura voltada para paz, ou uma cultura
de paz, é transformar o pensamento violento predominante e
implementar ações voltadas neste sentido. Tratar a violência
explicitamente, de maneira apropriada a cada faixa-etária,
abordando sempre meios pacíficos para resolução de conflitos
apresentados. Incentivar a rejeição coletiva, e não só individual, a
resoluções violentas de querelas, e “procurar soluções que
advenham de dentro da(s) sociedade(s) e não impostas do exterior”
(DUPRET, 2002, p. 91). Isto porque, cada sociedade enfrenta
conflitos específicos, e cada sociedade tem a possibilidade de
aplicar, de forma prática, a paz, de uma determinada forma. A paz
que se vê no Brasil, e as formas de evitar a cultura da violência, são
diferentes das formas vistas em países de origem muçulmana, ou
países orientais, por exemplo.
Desta forma,
Uma cultura de paz implica no esforço para
modificar o pensamento e a ação das pessoas
no sentido de promover a paz. Falar de
violência e de como ela nos assola, deixa de ser
a temática principal. Não que ela vá ser
esquecida ou abafada; ela pertence ao nosso
dia-a-dia e temos consciência disto. Porém, o
274
sentido do discurso, a ideologia que o
alimenta, precisa impregná-lo de palavras e
conceitos que anunciem os valores humanos
que decantam a paz, que lhe proclamam e
promovem. A violência já está bastante
denunciada, e quanto mais falamos dela, mais
lembramos sua existência em nosso meio
social e ambiental. É hora de começarmos a
convocar a presença da paz em nós, entre nós,
entre nações, entre povos. (DUPRET, 2002, p.
91).
Mas, o que fazer para que a tratativa da paz, e
implementação de sua cultura, deixe de ser observado somente no
plano teórico e passe a ser visto e praticado na realidade social e
educacional? Primeiramente, é necessária a observação deste
conceito de maneira transdisciplinar, ou seja, não cabe somente à
família, ou escolas, tratarem deste assunto. Os meios de
comunicação são um dos expoentes mais significativos para que se
traga a paz para a praxi social. Obviamente as escolas, famílias,
comunidades, universidades devem divulgar, educar e propagar a
paz sob as mais diversas formas, em aulas, conversas, palestras e
práticas culturais. Somente englobando todos os conceitos que
fazem parte da paz, garantindo os direitos humanos, a democracia
e a construção de uma justiça social é que vislumbrar-se-á a
Educação para a Paz.
Este processo não pode ser estático, mas sim pragmático,
dinâmico e com um enfoque contínuo e permanente. As pessoas
devem abandonar o conformismo e buscar, cada vez mais, a
275
aplicação de meio alternativos e pacíficos de resolução de conflitos,
e isto começa com uma educação voltada para a cultura da paz.
3. Implementação da justiça social.
Um dos mecanismos possibilitadores da implementação
da justiça social, é a educação, e mais especificamente, a educação
para paz e a construção de uma sociedade voltada ao repúdio da
cultura da violência. Mas, o que seria, especificamente, este
conceito de justiça social?
Segundo Barzotto,
O bem de todos, núcleo do conceito de justiça
social,
pode
assim
ser
alcançado,
considerando cada um como titular de direito
apenas na sua condição de pessoa humana ou
atentando para algum aspecto relevante
(criança, idoso, trabalhador, desamparado,
etc.). Se é lícito introduzir uma distinção a
partir da teoria da justiça, pode-se falar no
primeiro caso, de direitos sociais de justiça
social (a todos...) e direitos sociais de justiça
distributiva (a cada um segundo...).
(BARZOTTO, s.d., p. 6.).
Existindo pobreza, desigualdade, violação continua dos
direitos humanos, incluindo o direito à vida e à segurança,
distancia-se do conceito de justiça e volta-se para uma injustiça
social. A violência, é uma das maiores preocupações da sociedade.
Conforme a UNESCO, os índices de violência e de insegurança no
276
Brasil, especialmente em grandes centros urbanos, entraram numa
crescente nos últimos anos. Ainda segundo a organização, a
violência incide principalmente sobre a população jovem, e é
justamente esta, uma das faixas-etárias que deveria ser alvo,
juntamente com as crianças, da educação, através de conceitos
voltados para a paz. Somente assim, permite-se a possibilidade de
implementação da justiça social.
Na justiça social [...] visa-se diretamente o
bem comum e, indiretamente, o bem deste ou
daquele particular. O ser humano é
considerado "em comum", como diz Tomás
de Aquino. Em uma sociedade de iguais, isto
significa que o outro é considerado,
simplesmente por sua condição de pessoa
humana, membro da comunidade. Assim, o
que é devido a um é devido a todos, e o
benefício de um recai sobre todos. Por
exemplo, no direito ambiental, o ato de não
poluir é algo devido não a este ou àquele
indivíduo, mas à comunidade como um todo
ou, de um modo mais preciso, este ato é
devido a todos os membros da comunidade.
O ato que visa diretamente o bem comum
alcança indiretamente o bem de cada membro
da comunidade. (BARZOTTO, s. d., p. 7).
A educação é meio mais viável para que se atinja a justiça
social. Mais especificamente a educação para a paz. Através da
pragmatização da paz, ocorrerá um distanciamento da cultura da
violência, proporcionando meios para a implementação da justiça
social. Quando os seres humanos são educados, através de
277
princípios pautados na justiça, conseguem perceber e construir
mais facilmente o conceito de isonomia. É esta isonomia o
principal expoente da justiça social. Educando-se as crianças, e os
jovens, evita-se a aplicação de punições mais severas aos adultos.
Uma vez que a educação volte-se para o bem comum,
onde todos os sujeitos conseguem, mesmo que minimamente,
desfrutarem de seus direitos fundamentais, ocorrerá uma gradativa
mudança de paradigmas e voltar-se-á para a resolução pacífica de
conflitos, a fim de diminuírem os índices de violência. A vivência
da paz deve ser mais do que mera teoria, deve ser uma atitude
adotada na prática do ensino, envolvendo a sociedade, a família, os
meios de comunicação, formadores de opiniões, os profissionais da
educação, os gestores e os discentes, além de toda a comunidade.
Estes devem compartilhar e assumir a responsabilidade para a
diminuição da violência. Os governantes são responsáveis, mas não
são os únicos. A não violência deve ser integrada a matriz
curricular, dando aos professores uma nova visão para trabalharem
no meio pedagógico. São nas escolas que devem ocorrer os
primeiros diálogos sobre o tema, juntamente com a participação
familiar, pois são nestas que os jovens podem apoiarem-se e terem
como centros para vidas cívicas.
4. A violência nas escolas e seus reflexos
Percebe-se uma crescente na incivilidade no meio escolar.
Esta pode advir de vários fatores que acarretam, diretamente e
indiretamente, no comportamento da criança e do adolescente. Os
pais, ou responsáveis pelos menores, através de suas atitudes,
278
influenciam no comportamento das crianças, tanto socialmente,
quanto dentro das escolas. Os exemplos formados dentro de casa
são os mais fortes, pois as crianças se espelham nos adultos,
responsáveis por elas, e reproduzem o que aprendem, seja um
aprendizado positivo ou negativo.
A violência verbal ou física atingiu 42% dos
alunos da rede pública nos últimos 12 meses.
É o que revela uma pesquisa realizada
Latino-Americana
de
pela Faculdade
Ciências Sociais (Flacso), em parceria com
o Ministério da Educação e a Organização
dos Estados Interamericanos (OEI).
(MORRONE, OSHIMA, 2016, p.1).
Considera-se como forma de violência não apenas
agressões físicas e homicídio, que, conforme a pesquisa da Flacso
ocorrem, mas em menor quantidade. Ameaças, discriminação,
bullying, algumas vezes confundidos com brincadeiras, também
são considerados atos violentos e podem, desta forma, evoluírem
para meios de agressões mais gravosas. Todos estes fatores
contribuem para a incivilidade e hostilidade no meio ambiente
escolar.
O que de fato chama a atenção é que existe uma tendência
a naturalizar a percepção acerca da violência no ambiente escolar.
Brigas, furtos, agressões verbais entre alunos, e também entre
alunos e professores, são considerados acontecimentos
corriqueiros, sugerindo a banalização da violência e sua
279
legitimação como mecanismo de solução de conflitos. Há, uma
institucionalização da violência nos ambientes escolares.
Uma criança que vivencia a violência, passa a considerála como algo normal e a incorporá-la em suas atitudes. Os pais e
escolas que têm comportamentos tolerantes ou permissivas quanto
às tendências violentas do aluno, também contribuem para a
disseminação da agressividade entre os alunos. Ocorre que, nem
sempre as escolas, e, muito menos os pais, estão preparados para
ensinarem meios pacíficos de resolução de conflitos. Alguns pais e
responsáveis aprendem que a paternidade deve ser pautada no
poder e na violência para controlar as crianças e os adolescentes,
pois também são fruto de um ciclo vicioso da cultura da violência.
Segundo Ellen Fernanda Santos:
A personalidade é formada a partir das
vivências do indivíduo. A ela está a
responsabilidade de organizar os sistemas
internos e externos que constituem cada ser
de forma individual e subjetiva. Seu
desenvolvimento e formação se darão através
da absorção e reflexo de todas as influências as
quais a criança encontra-se exposta. Sua
atuação ocorre de acordo com a vontade da
criança. E é nessa contínua de a criança
absorver e refletir atitudes daqueles que a
rodeiam que a agressividade atuará de modo
a prover a satisfação à criança de alguma de
suas bases que ora se encontram confusas ora
inexistentes. (DAY, 1996, p. 44-45).
280
Desta forma, se a criança, na mais terna idade, for
estimulada, interna e externamente, seja em casa, ou na vivência
escolar, a práticas educacionais e pedagógicas voltadas para a paz,
agregará isto a sua formação, e nesta contínua, a criança absolverá
e refletirá atitudes neste sentido.
A infância é uma fase de descobertas e remete a uma fase
de desenvolvimento baseado em conhecimentos empíricos e
brincadeiras. Apesar de existir um maior desenvolvimento social,
pautado no respeito às crianças e suas necessidades, milhares de
crianças ainda são fruto da cultura da violência. Acostumada com
a agressividade, em casa, por parte da sociedade, e até mesmo de
“educadores”, a criança, passa a reproduzir este comportamento, e
a manifestar atos de violência. Percebe-se isto, através de índices
alarmantes de violência contra professores, além da violência
institucionalizada que pode-se presenciar.
Existem meios coercitivos de coibir a violência praticada
por crianças e adolescentes. O Estatuto da Criança e Adolescente
prevê uma série de medidas, tidas como de caráter educacional. A
repressão não é o caminho. Feito uma análise, mesmo que
superficial, nos índices de violência, percebe-se que estes só
aumentam, e que pouco, ou de nada servem as medidas coercitivas.
Mesmo sem um estudo dos dados, percebe-se esta crescente uma
vez que os noticiários retratam cada vez mais as consequências da
cultura da violência. O que de fato interfere e tem possibilidade de
modificar o cenário atual é a implementação de práticas
educacionais e sociais voltadas para a resolução pacífica de
conflitos. A personalidade que é formada através das vivências do
indivíduo seria assim, influenciada positivamente por meio da
281
educação para paz. A educação é o meio mais seguro e eficaz para
se reduzir os índices de violência e implementar a justiça social.
5. Educação para a paz
A Educação para Paz é uma forma de ensino voltada para
a aplicação da paz, diálogo e tolerância na resolução de conflitos,
esquivando-se da cultura da violência. Na França, por exemplo,
com a denominação de Programme Enfants Acteurs de
Changement2, existe um programa que permite às crianças e aos
jovens desenvolverem as competências psicossociais com o
propósito de melhorar a vida em comunidade e de se engajarem
como cidadãos, a fim de promover uma maior justiça social. Este
programa ensina alunos a administrarem conflitos sem recorrerem
ao uso de força física ou violência. Tal programa fora desenvolvido,
porque, por volta dos anos de 2005, 2006 perceberam-se atos de
violência ocorridos em escolas públicas francesas. A situação
agravou-se com o aumento de insultos e agressões verbais, ataques
racistas e xenófobos, além de vandalismo, como relata o IdeM –
Iniciativas de Mudanças3. Este grupo resolveu educar os jovens e
crianças para paz, como um mecanismo de promoção da justiça
social. O programa atem-se a metas que devem ser desenvolvidas
pelos discentes, tais como:
Sensibilizar os jovens sobre a importância de
assumirem a responsabilidade individual e
mudarem de comportamento na resolução de
conflitos e redução da violência
282
Ajudar os alunos a verbalizarem os vários
conflitos que vivenciam em seu ambiente e
identificarem as razões pelas quais cada um de
nós pode ser violento.
Ajudar os alunos a compreenderem melhor
uns aos outros, ouvirem e interpretarem as
reações do outro.
Ajudar os alunos a formularem alternativas
para resolver conflitos sem violência, através
da escuta, diálogo e respeito. (IdeM, s.d.).
Utiliza-se uma metodologia interativa, através de jogos e
oficinas, exercícios promovidos em grupo, peças de teatros,
abordando a paz como uma possibilidade palpável, para a
promoção da justiça social, desde que cada um cultive essa em seu
meio convivial. O exemplo francês deve ser seguido. Os países
devem implementar programas como este, para tratar do assunto
da violência, atendo-se à realidade cultural e social existente em
cada localidade. “O ensino da educação para paz difere quanto à
ideologia, ênfase, conteúdo, práticas, objetivos” (COLUMA, 2007).
Importante salientar que cada país deverá implementar
programar específicos para tratar do assunto, de acordo com sua
visão social e cultural. O ensino voltado para a promoção da paz
difere ao conjunto de ideias e pensamentos de determinada
comunidade, juntamente com vieses políticos, econômicos e
sociais vigentes na região. O que funciona em alguns países pode
não funcionar em outros. A experiência francesa foi bem sucedida,
mas no caso brasileiro é necessário voltar-se à violência como aqui
se apresenta. Enquanto na Europa existe uma forte questão
nacional, e um crescente receio e resistência quanto a pessoas de
283
origem islâmica, e uma consequente xenofobia, o que influencia na
violência lá praticada, no Brasil o ensino para paz deve ser
abordado em relação à promoção da justiça social. Isto porque, a
violência aqui praticada é muito mais atrelada a aspectos
socioeconômicos, do que em outros países europeus.
Segundo o prof. João Roberto de Araújo, a educação para
paz,
Trata-se de um trabalho de educação e,
portanto, devem-se considerar os conteúdos
de uma pedagogia da convivência,
envolvendo as lideranças da comunidade em
especial esforço educativo. A família é o
alicerce da construção de uma Cultura de Paz.
O esforço educacional a ser feito para
construir a paz precisa considerar o papel
crucial que a família desempenha na
sociedade. Por outro lado, as escolas,
acolhendo formalmente nossos filhos, que
representam o futuro, possuem uma
importante tarefa na formação de uma
Cultura de Paz e Não Violência que,
certamente, irradiará das escolas para as
famílias. A missão, como desafio central dos
educadores, é construir a paz, por meio de um
processo educacional que vai além das ações
repressivas e das políticas de redução da
pobreza material. A escola está no centro
desse processo. Sabemos que a educação dos
educadores será feita pelos próprios
educadores que se destacam e constituem um
núcleo de referência na educação. Por outro
lado, fica a pergunta: quem educa a
284
comunidade? Várias possibilidades e fontes
contribuem na pluralidade dessa empreitada.
(ARAÚJO, s.d.).
Percebe-se, desta forma, que o papel de educar para paz
compete não somente às escolas, mas aos pais e sociedade que
cercam às crianças e adolescentes. As mídias também são cruciais
para que se evite a cultura da violência, e consequentemente
eduque os jovens para a resolução de conflitos através do diálogo e
tolerância.
A Educação deve ser orientada para a Cultura
da Paz, desde e principalmente dos níveis
elementares. Para tanto, professores precisam
de reciclagem adequada, bem como a
formação de novos professores deve ser feita
levando-se em conta esses valores. (ROSHI,
s.d.)
A pobreza, a injustiça social e a desigualdade a
desigualdade refletem-se na violação contínua dos direitos
humanos, incluindo o direito à vida e à segurança. A questão da
violência no Brasil sempre é tratada com um dos principais
problemas sociais. Os índices de violência e de insegurança,
segundo a UNESCO aumentaram nas últimas décadas, sendo os
negros, entre quinze e trinta e nove anos, os mais afetados.
Desta forma,
A Educação para a Paz apresenta, de início,
uma necessidade de olhar complexo sobre o
285
mundo, a vida e sobre ela mesma. Por outro
lado, ela se faz no processo dialógico e nas
múltiplas perspectivas de conflitos e
convivências. Na escola esse processo é
fundamentalmente ligado ao docente, na sua
relação com valores próprios e institucionais,
suas ideias e vivências em relação a violências,
paz, conflitos e convivências. (SALLES
FILHO, 2009, p. 12082).
A tentativa de uma construção da cultura da paz deve ser
mais do que simples teoria e prática, deve ser uma atitude entre
toda exercício do ensino e deve envolver todos aqueles
profissionais relacionados à educação e os estudantes da escola,
além dos pais e a comunidade. Todos estes devem aceitar esta tarefa
como um desafio compartilhado e comum. Somente assim, a não
violência integrada permitirá ao professor outra visão de seu
trabalho pedagógico.
A escola deve ser o espaço de diálogo e compartilhamento
de boas práticas. Segundo a UNESCO
Para se obter um real impacto, a educação sem
violência tem que ser um projeto de toda a
escola, o qual deve ser planejado, integrado
em todos os aspectos do currículo escolar, na
pedagogia e nas atividades, envolvendo todos
os professores e profissionais da escola, assim
como toda a estrutura organizacional da
equipe
de
tomadas
de
decisões
educacionais. (UNESCO, s. d.)
286
As práticas de uma educação voltada para a paz devem ser
coerentes e devem estar refletidas nas regras e na utilização das
instalações da escola, respeitando a realidade local de casa
instituição de ensino. A educação deve ser um meio de aprender
sobre os direitos, responsabilidades e obrigações cívicas, aprender
a conviver, respeitando as diferenças e similaridades, desenvolver
sentidos de cooperação, resolução de conflitos baseada no diálogo
e na compreensão intercultural, experimentação de conflitos
utilizando-se de maneiras construtivas de mediação, promoção de
valores de não violência, de autonomia, isonomia,
responsabilidade e solidariedade. Desta forma, a educação deverá
voltar-se para a promoção da paz e permitir a gradativa
implementação da justiça social.
Neste contexto, foi realizado o maior e mais completo
estudo já feito sobre violência nas escolas na América Latina.
Segundo a UNESCO, a pesquisa foi desenvolvida nas áreas urbanas
de capitais dos estados do Amazonas, São Paulo, Brasília (DF),
Pernambuco, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro,
Pará, Mato Grosso, Alagoas, Goiás, Espírito Santo, Ceará e Bahia.
Para o estudo, utilizou-se uma concepção abrangente do
significado de violência, englobando desde ideia de maus-tratos,
uso de força, e dimensões socioculturais. Deste estudo, resultou um
livro, denominado "Violências nas escolas", que apresenta uma
propostas de combate e prevenção, baseadas nos dados coletados
na pesquisa, além de fazer uma série de recomendações, através da
interação entre escola, família, comunidade, através do lazer, com
a abertura de escolas nos finais de semana, através dos cuidados
com o estado físico e da limpeza dos estabelecimentos
287
educacionais, e principalmente através da valorização do jovem,
respeitando sua autonomia. É uma obra que encontra-se esgotada,
mas que foi largamente distribuída, sendo possível o download
gratuito. Tudo isto, de forma a disseminar a educação para paz e a
solução de conflitos de forma pacífica.
A UNESCO também elegeu algumas práticas par
servirem de exemplo, e que, de certa forma, contribuem com a
promoção da justiça social. São eles, a campanha “Igual a você”
contra o preconceito, campanha “não deixe o bullying entrar em
sua escola”, programa Criança Esperança e o programa Abrindo
Espaços: Educação e Cultura para a Paz. Este último, por exemplo,
trata-se de uma iniciativa que abre as escolas públicas aos finais de
semana para oferecer à comunidade atividades esportivas,
artísticas, culturais, de lazer e formação inicial para o trabalho.
Programas como este, baseiam-se na cultura de paz e nãoviolência, além de incentivar a promoção da cidadania de
adolescentes, jovens e da comunidade escolar, são iniciativas que
fomentam a inclusão social e a melhoria da qualidade escolar. Estes
promovem ainda, o desenvolvimento humano, a cidadania, a
inclusão das crianças e jovens, e, principalmente, a concretização
de justiça social.
Existem também outras iniciativas, como a Rede
Internacional UNIPAZ, que consiste em um movimento, sem o
objetivo de lucro, composta por diversas unidades, que foi
originalmente criada para disseminar a cultura da não-violência,
“promovendo a inteireza do ser a partir do paradigma
transdisciplinar e holístico. Esta meta atende ao acordo na
Declaração de Veneza da Unesco (1986) e na Carta de Brasília”.
288
(UNIPAZ). A Universidade iniciou suas atividades em Brasília/DF,
em 1987, e hoje possui unidades em São Paulo, Campinas, Minas
Gerais, Goiás, Rio de Janeiro, Espirito Santo, Recife, Paraná, Santa
Catarina, Rio Grande do Sul e Portugal.
A Universidade de São Paulo, USP, também já teve uma
cátedra voltada para a paz. Instalou-se a cátedra UNESCO de
Educação para Paz, Direitos Humanos, Democracia e Tolerância
da USP em 1995, inaugurada em 1996. Esta cátedra foi a primeira
da UNESCO a ser instalada em um país de língua portuguesa. O
objetivo desta era, dentre outros, coordenar, executar, formular e
divulgar projetos relacionados à educação para paz, bem como
colaborar e participar com outras instituições voltadas à temática.
Era escopo da escola, além dos anteriormente citados, a publicação
de textos no âmbito do ensino fundamental, médio e superior. A
atividade da cátedra encerrou-se em outubro de 2014, segundo o
Instituto de Estudos Avançados da USP.
Observa-se que existem iniciativas para estimular a
educação para paz no Brasil. Todavia são práticas muito restritas,
principalmente ao ensino superior. A cultura da não-violência
deve ser implementada nos primeiros anos escolares, na mais terna
idade, para que a criança acostume-se com práticas de conciliação
e de mediação, e de não-violência. As escolas, as famílias e a
sociedade devem estimular, mesmo que minimamente, o incentivo
à implementação da educação para paz, pois esta é a mineira mais
curta e certa para alcançar a justiça social.
289
6. Considerações finais
Percebeu-se, através do presente estudo, que a palavra paz
possui diversos sentidos e significados na língua portuguesa.
Notou-se, ainda, que existe uma necessidade de promover uma
cultura neste sentido, independentemente, da conotação
considerada para a palavra paz. Ao voltar o ensino para a prática
pacífica, transforma-se o pensamento de violência predominante e
implementa-se ações voltadas neste sentido. Verificou-se a
necessidade de observar o conceito de paz de modo
transdisciplinar, não cabendo apenas às escolas educarem através
de meios voltados ao diálogo e comunicação na resolução de
conflitos, mas também às famílias, sociedade e Estado, não
descartando a importância da mídia e meios de comunicação.
O processo de afastamento da cultura da violência deverá
ser construído e implementado de forma dinâmica, com um
caráter contínuo e permanente, e não de maneira estática. Somente
através do afastamento do conformismo e comodismo, será
possível aplicar meios pacíficos e alternativos para resolução de
conflitos. Toda e qualquer mudança de paradigma é difícil no
início, mas, com o passar do tempo, a utilização de arbitragem e
diálogo tornar-se-ão práticas comuns e incorporadas ao dia-a-dia
educacional e, consequentemente, social.
As crianças e jovens sendo educadas neste sentido,
entenderão com mais facilidade o conceito de justiça social, e
conseguirão, desta forma, aplicá-lo. Por isto, a educação para paz é
um mecanismo de implementação da justiça social. A partir do
momento em que as crianças são educadas com o fim de
290
promoverem um bem comum, em detrimento de um bem visando
unicamente a questão particular, ocorrerá a gradativa mudança de
paradigma e consequente afastamento da cultura da violência, para
construção de uma cultura voltada para paz.
Em que pese as escolas não serem fundadas nos preceitos
de educação voltada para práticas educacionais destinadas a
implementação da paz, os pais e sociedade também não estão
preparados. Na medida em que a maioria dos pais e responsáveis
são frutos da aprendizagem pautada no poder e na repressão para
controlar as crianças e os adolescentes, são também produtos de
um ciclo vicioso da cultura da violência.
A Educação para Paz é uma forma de ensino voltada para
a aplicação prática da paz, através de diálogo e tolerância na
resolução de conflitos, esquivando-se da cultura da violência.
Existem programas exemplos na aplicação prática da paz. Como
exemplo percebem-se o Programme Enfants Acteurs de
Changement, desenvolvido nas escolas francesas, a campanha
“Igual a você” contra o preconceito, campanha “não deixe o
bullying entrar em sua escola”, programa Criança Esperança e o
programa Abrindo Espaços: Educação e Cultura para a Paz. É
importante destacar que cada país deverá adotar o programa mais
específico para tratar do assunto de acordo com sua visão social e
cultural. O ensino voltado para a promoção da paz difere quanto à
ideologia, ênfase, conteúdo, práticas e objetivos de cada sociedade.
Desta forma, o que funciona em determinado país poderá não
funcionar em outro.
Por isto é tão necessária a construção dinâmica deste tipo
de método de ensino, em que o papel de educar, através do diálogo,
291
não compete somente às escolas, mas aos pais e sociedade a qual a
criança pertence. A cultura da não-violência deve ser
implementada nos primeiros anos escolares. A pobreza, a injustiça
social e a desigualdade a refletem-se na violação contínua dos
direitos humanos, incluindo o direito à vida e à segurança. Desta
forma, percebe-se a grande necessidade da construção da cultura
voltada para paz, para implementar a justiça social. Este tipo de
metodologia deve ser mais do que simples teoria e prática, deve ser
uma atitude entre toda a prática de ensino e deve envolver todos os
profissionais relacionados à educação, os estudantes, pais e
comunidade.
7. Referências
ALAMY, N. C. G C. Reflexões sobre a concretização da igualdade
no ensino jurídico a partir da obra de Paulo Freire. In: XXVI
ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI, Brasília, 2017, p. 320335.
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AZANHA, José Mário Pires. A Cátedra Unesco-USP de Educação
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n. 30, p. 135-146, maio/ago, 1997.
BARZOTTO, Luis Fernando. Justiça Social - Gênese, estrutura e
aplicação de um conceito. Disponível em: <
292
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295
AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM E DO ENSINO: A
NECESSIDADE DE REESTRUTURAÇÃO DOS MÉTODOS
AVALIATIVOS TRADICIONAIS
EVALUATION OF LEARNING AND EDUCATION: THE
NEED FOR RESTRUCTURING TRADITIONAL
EVALUATION METHODS
Marco Antônio de Souza 40
Resumo: O presente artigo objetiva apresentar a necessidade de
reestruturação dos métodos avaliativos tradicionais, como modo
de constituição de um modelo pedagógico de ensino integrado e
didático. O aluno, no atual Sistema de Ensino, é protagonista no
processo ensino-aprendizagem, sendo que o professor estabelece o
papel fundamental de orientação. Deste modo, o paradigma de
aprendizagem moderno deve se valer dos diferentes modelos
metodológicos, com vistas a romper com o tradicional sistema,
pautado no ato mecânico de memorizar, desvinculado do
aprendizado. Neste sentido, no presente artigo buscou-se, por
meio da doutrina, evidenciar as diversas funções das avaliações
(diagnóstica, formativa e somativa), às diferentes metodologias
utilizadas em sala-de-aula e os principais métodos para readequar
as avaliações à realidade e necessidade do discente, como forma de
consolidação de um Sistema de Ensino de qualidade.
Palavras-chave:
Métodos
de
Reestruturação; Modelo de Ensino.
40
Avaliação
Tradicionais;
Mestrando em Proteção dos Direitos Fundamentais pela Universidade de
Itaúna. Promotor de Justiça aposentado no Estado de Minas Gerais.
296
Abstract: This article aims to present the need for restructuring of
traditional evaluation methods as a way of forming a pedagogical
model of integrated and didactic teaching. The student, in the
current Teaching System, is a protagonist in the teaching-learning
process, and the teacher establishes the fundamental role of
guidance. In this way, the modern learning paradigm must take
advantage of different methodological models, with a view to
breaking with the traditional system, based on the mechanical act
of memorizing, unrelated to learning. In this sense, in the present
article we tried, through the doctrine, to highlight the different
functions of the evaluations (diagnostic, formative and
summative), to the different methodologies used in the classroom
and the main methods to re-adjust the evaluations to the reality
and the need of the student, as a way of consolidating a Quality
Teaching System.
Keywords: Traditional Assessment Methods; Restructuring;
Teaching Model.
1. Introdução
O presente Trabalho trata da necessidade de
reestruturação dos métodos de avaliação, como forma de tornar
eficaz o processo de aprendizado. De acordo comCanen (2001),
Gandin (1995) e Luckesi (1996), a avaliação consiste no julgamento
sobre uma realidade concreta ou sobre uma prática, tendo em vista
critérios claros, estabelecidos prévia ou simultaneamente, para
tomada de decisão. As provas aplicadas de modo burocrático,
como simples forma de satisfação técnica do sistema pedagógico,
não conduzem ao aprendizado.
297
Segundo Marta Maria Darsie (1996, p. 48), a avaliação
não deve ser desvinculada do processo de ensino-aprendizagem:
Nesse sentido, a avaliação é uma atividade integrante da ação
educativa, tanto no que tange o projeto educativo, quanto no
tocante ao ensino ou à avaliação de aprendizagem.
A importância da avaliação educacional se pauta,
conforme José Dias Sobrinho (2010, p. 96): 1) na complexa atuação
integrada da avaliação e transformações educacionais, ou seja, a
avaliação é um dos combustíveis para qualquer reestruturação; 2)
nas transformações ocorridas na educação e em sua avaliação
integram, de modo especial, as complexas e constantes mudanças
sociais, políticas e econômicas.
O formalismo exacerbado do atual sistema avaliativo
induz ao pensamento errôneo de que a educação é uma simples
transmissão e memorização de informações prontas e o aluno é
tido como um ser passivo e acrítico, que muitas vezes mostra-se
incapaz de questionar a realidade. Em uma abordagem pedagógica
mais atual, a educação é concebida como uma multiplicidade de
experiências e vivências cotidianas, abordando o desenvolvimento
intelectual integral do educando. Nessa concepção o aprendiz é um
ser ativo e marcado pelo dinamismo, que atua na consolidação de
seu próprio conhecimento. Sob esta óptica, a avaliação permite a
existência de um sentido orientador na vida acadêmica do aluno.
A avaliação da aprendizagem, quando aplicada com
coerência e de forma didática permite aos docentes a tomada de
decisão, uma vez que a partir do resultado obtido, o professor pode
examinar o seu desempenho e tomar atitudes pedagógicas cabíveis
quanto ao processo de aprendizagem, melhorando deste modo a
298
qualidade do ensino. Durante o processo avaliativo, deve ser
exercida uma educação dialógica (professor-aluno), devendo haver
a troca de ideias e opiniões, a partir de uma conversa cooperativa.
Deste modo, o presente Trabalho objetivou apresentar
por meio de pesquisa bibliográfica, as diversas funções das
avaliações (diagnóstica, formativa e somativa), as diferentes
metodologias utilizadas em sala-de-aula e os principais métodos
para readequar as avaliações à realidade e necessidade do discente,
como forma de consolidação de um Sistema de Ensino integrado,
didático e consistente.
2. A evolução histórica da avaliação
As quatro gerações da avaliação evidenciam as principais
etapas evolutivas dos referidos modelos avaliativos, conforme
salienta GUBA e LINCOLN (1989) estas gerações consistem em:
Mensuração, Descritiva, Julgamento e Negociação.
A geração denominada Mensuração foi impulsionada por
um grande avanço com as pesquisas realizadas, a respeito das
diferenças individuais, iniciadas no início do século XIX, pois esses
estudos permitiram que a avaliação fosse associada à mensuração
do desempenho estudantil, confusão que ainda prevalece na
atualidade, em que quantificar um atributo, de acordo com certos
critérios, é tido como avaliar. A mensuração é, portanto, a fase de
elaboração de instrumentos, ferramentas ou testes de verificação
da aprendizagem imprescindíveis na determinação da classificação
do discente na vida estudantil. Neste sentido assevera Trompieri
Filho e Lima Filho (2013), “a primeira geração da avaliação
299
educacional é associada à mediação e teve fortes influências da
ascensão das Ciências Sociais com estudos de autores como John
Stuart Mill, em 1843. Em continuidade foi fortalecida com a Teoria
Evolucionista de Charles Darwin.” (TROMPIERI FILHO; LIMA
FILHO, 2013, p. 3).
A segunda geração da evolução histórica da avaliação,
Descritiva, consiste em relacionar os resultados aos objetivos e fins
estabelecidos, para determinar o sucesso ou o fracasso do aluno.
Desta forma, são descritos quais seriam os sucessos e as
dificuldades levando em consideração os propósitos e objetivos a
serem alcançados. Assim, afirma Kraemer:
Essa geração surgiu em busca de melhor
entendimento do objetivo da avaliação.
Conforme os estudiosos, a geração anterior só
oferecia informações sobre o aluno.
Precisavam ser obtidos dados em função dos
objetivos por parte dos alunos envolvidos nos
programas escolares, sendo necessário
descrever o que seria sucesso ou dificuldade
com relação aos objetivos estabelecidos. Neste
sentido o avaliador estava muito mais
concentrado em descrever padrões e critérios.
Foi nessa fase que surgiu o termo “avaliação
educacional”. (KRAEMER, 2005, p.4).
A terceira geração é o Julgamento, na qual é formulado
um juízo de valor das qualidades inerentes ao objeto, bem como as
características externas do resultado. Essa geração critica os
padrões e critérios adotados nos testes, bem como a noção
300
reducionista da avaliação sendo sinônima da palavra mensuração.
Deste modo, foram crescentes os questionamentos acerca da
padronização do sistema avaliativo:
A terceira geração questionava os testes
padronizados e o reducionismo da noção
simplista de avaliação como sinônimo de
medida; tinha como preocupação maior o
julgamento. Neste sentido, o avaliador
assumiria o papel de juiz, incorporando,
contudo, o que se havia preservado de
fundamental das gerações anteriores, em
termos de mensuração e descrição. Assim, o
julgamento passou a ser elemento crucial do
processo avaliativo, pois não só importava
medir e descrever, era preciso julgar sobre o
conjunto de todas as dimensões do objeto,
inclusive sobre os próprios objetivos.
(ALBUQUERQUE, 2003, p.3)
A quarta geração chamada de Negociação é baseada no
paradigma construtivista, sendo também considerada Responsiva,
pois consegue absorver as perspectivas e ângulos humanos,
políticos, sociais, culturais e éticos do processo avaliativo
(Albuquerque, 2003).
3. As funções da avaliação
As funções da avaliação podem ser classificadas como
diagnóstica, formativa e somativa, conforme Haydt (1988). A
301
avaliação diagnóstica é aquela, realizada no início do período
escolar haja vista a enormidade do saber humano, momento em
que o docente deve averiguar o conhecimento prévio dos discentes,
com o intuito de examinar as habilidades imprescindíveis, as quais
serão necessárias para o preparo de novas aprendizagens (Bloom,
1983). Nesta perspectiva afirma Blaya:
Avaliação Diagnóstica tem dois objetivos
básicos: identificar as competências do aluno
e adequar o aluno num grupo ou nível de
aprendizagem. No entanto, os dados
fornecidos pela avaliação diagnóstica não
devem ser tomados como um "rótulo" que se
cola sempre ao aluno, mas sim como um
conjunto de indicações a partir do qual o
aluno possa conseguir um processo de
aprendizagem. (BLAYA, 2009).
Segundo Hadji (2001), a avaliação formativa encontra-se
situada no cerne da ação de educativa. É a avaliação que possibilita
levantar dados imprescindíveis, a fim de regular o processo ensino
– aprendizagem, contribuindo para a efetivação da atividade de
ensino. “Toda avaliação formativa parte igualmente da convicção,
baseada em evidências de pesquisas, de que a intervenção planejada
dos professores pode criar um ambiente de aprendizagem que
possibilita o engajamento do aluno, necessário a uma real
aprendizagem”. (GREGO, 2018).
A avaliação somativa tem como função essencial a
classificação dos discentes realizada ao final de um curso
ministrado ou unidade de ensino previamente aplicada,
302
estabelecendo a ordem classificatória dos alunos segundo os níveis
de aproveitamento da aprendizagem instituída previamente. A
avaliação somativa é considerada, então, como classificatória ou
tradicional. Neste sentido, Wachowicz e Romanowskiassevera:
A avaliação somativa manifesta-se nas
propostas de abordagem tradicional, em que a
condução do ensino está centrada no
professor, baseia-se na verificação do
desempenho dos alunos perante os objetivos
de ensino estabelecidos no planejamento.
Para examinar os resultados obtidos, são
utilizados teste e provas, verificando quais
objetivos foram atingidos considerando-se o
padrão de aprendizagem desejável e,
principalmente,
fazendo
o
registro
quantitativo
do
percentual
deles.
(WACHOWICZ e RAMANOWSKI, 2003, p.
124/125).
Avaliar, nos moldes da avaliação somativa - com intuito
exclusivo de medir- integra “a dinâmica atual do processo de
ensino e aprendizagem em vários níveis do conhecimento,
inclusive na graduação. Tal metodologia encerra-se em si mesma,
e não agrega ao processo dialógico as mudanças necessárias.”
(ORSINI; RIOS, 2017, p. 5/6).
De acordo com Bloom (1983), em resumo a avaliação:
Diagnóstica, verifica os conhecimentos prévios dos alunos; a
Formativa ocorre durante todo o período letivo e somativa tem por
função básica a classificação dos alunos, realizada no final do curso
ou unidade de ensino.
303
4. A necessidade de ruptura do paradigma tradicional dos
métodos de avaliação
É primordial salientar a disparidade e o choque existente
entre a tradição do exame e a prática adequada da avaliação. Deste
modo, é necessário estabelecer um paralelo entre esses dois
paradigmas. O modelo tradicional está focado na promoção do
aluno para um período posterior ou série. Não importando os
métodos e meios utilizados (como as colas), mas sim o resultado, a
nota para aprovação. Já o modelo adequado de avaliação, o foco do
aluno deve ser a obtenção do conhecimento, de modo estimulante
e agradável. Neste diapasão discorre Antônio Carlos Gil acerca do
critério segregador atribuído à avaliação, que no decorrer dos
séculos “vinculou-se quase exclusivamente à função seletiva.
Grande parte dos esforços dos professores foi dedicada
principalmente para determinar que alguns estudantes seriam
eliminados em cada uma das etapas do processo educacional.”
(GIL,2017, p.247). Deste modo, as instituições dirigem as atenções
aos alunos com melhor rendimento.
No que tange a aplicação de provas no modelo
tradicional, as mesmas são utilizadas como uma ameaça; muitas
vezes o aluno é desestimulado a aprender pois estuda somente para
a prova. É importante ressaltar que o discente pode ser compelido
a estudar, mas isso não quer dizer que ele irá ceder à chantagem
emocional, imposta pelo professor, o que causa desmotivação no
educando que não consegue se dedicar plenamente à
304
aprendizagem. A avaliação utilizada como instrumento do medo
pode:
[...] ter consequências drásticas: contribuir
para a formação de autoimagem negativa,
principalmente por parte de crianças que
iniciam o processo de escolarização, e assim
levar essa imagem para os anos posteriores,
provocar
reprovação
e
repetência,
acarretando mais anos de estudos do que o
previsto [...]; obrigar o aluno a se evadir. Tudo
isso representa fracasso na vida de uma pessoa
e tem preço muito alto. (VILLAS BOAS, 2007,
p. 52, grifo nosso).
Diante da realidade da avaliação da aprendizagem faz-se
necessário salientar o sentido do errar, que muitas vezes encontrase, associado à ideia de fracasso, quando deveria estar atrelado à
concepção de um revelador do diagnóstico a orientar as atitudes de
superação. O julgamento pejorativo para o erro (como as falhas e
fracassos) incide sobre ele, quando os alunos não conseguem
atingir os resultados desejados pelo professor, em consonância
com padrões exigidos e considerados ideais. Segundo Silva, a
ressignificação do erro é necessária, posto que se:
Considera que no desvendar do erro reside a
possibilidade de resgate da premissa básica da
avaliação, o questionamento, que leva à
transformação do significado restritivo,
comumente a ela atribuído, para um
significado construtivo, que favorece o
305
crescimento de todos os envolvidos nesse
processo, por meio do desenvolvimento de
uma “cultura da avaliação. (SILVA, 2008, p.
91).
O sentimento de impotência e a sensação de
incapacidade, consolidados pelo erro, significam que os indivíduos
que cometeram os mesmos, não se adequam aos padrões da
perfeição, do ideal e da correção, já que o fato de errar já constitui,
por si só, algo mau, devendo ser punido e castigado. Nesta
perspectiva Silva (2008) busca responder a indagação: “O que é o
erro de aprendizagem? Dizendo que é uma ideia que tem sua
origem no contexto da existência de um padrão considerado
correto. No percurso do processo de aprendizagem, o erro,
frequentemente, aparece associado ao ridículo, à deficiência ou ao
fracasso escolar”. (SILVA, 2008, p. 100).
A concepção de punição, como modo de correção dentro
do ambiente estudantil, em nada agrega ao desenvolvimento do
aluno no processo de edificação do saber, inviabilizando avanços e
superações no que concerne à aprendizagem. O erro não pode ser
uma ação pedagógica de exclusão dos alunos do processo de
aprendizagem, deixando-os muitas vezes traumatizados para
encarar as mais diversas situações na vida. Aprender é um
constante e ininterrupto processo envolto por tentativas, ensaios,
acertos e erros.
A questão da “cola” no processo de aprendizagem está
muito atrelada ao modelo tradicional, que supervaloriza a
memorização dos requisitos necessários, para realizar a prova e por
causa disso, é utilizada muitas vezes a famigerada “cola”. Isso
306
confirma que o discente ao formular as provas, preocupa-se mais
em elaborar questões que necessitam de memorização do que com
as habilidades que exigem raciocínio e reflexão. Nesse sentido, a
avaliação no modelo tradicional não apresenta um aprendizado
significativo para o estudante, já que o discente somente se
preocupa em decorar ou colar para responder as questões da prova.
O ato de “colar” é visto para os defensores de tal conduta,
como modo de manifestação de um direito ou liberdade de
aprendizado, por parte do aluno. Conforme aduz Martins, “colar”
consiste:
Liberdade de aprender do aluno. O mesmo
princípio é reafirmado no inciso II, do artigo
3, da Lei 9.394/96, a chamada Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (LDB) como
ato de liberdade de aprender, a cola teria, pois,
amparo na norma constitucional inviolável,
de modo a vir a ser uma prática comum e
viável no processo ensino-aprendizagem.
(MARTINS, 2004).
Já os opositores da prática da “cola”, afirmam que tal ato
constitui conduta desonesta e “como tal não pode ser tolerado. O
professor que não se importa com a cola não apenas está injusto,
mas também estimulando estudantes a manter condutas
inadequadas.” (GIL, 2017, p. 264).
Em se tratando do paradigma mais adequado de
avaliação, o aprimoramento e cumprimento das exigências dos
currículos e projetos institucionais e educacionais deveriam ser os
objetivos em comum do aluno e do professor. Nesse modelo a
307
avaliação deixa de ser apenas uma aferição e certificação do
aprendizado, sendo a forma de se diagnosticar e realizar um
levantamento por meio de diversas atividades com o fim de
constatar se os objetivos de seu projeto pedagógico estão sendo
alcançados, e isso inclui a observação de diversos aspectos do
planejamento e das estratégias utilizadas pelo discente. A
instituição de ensino do modelo tradicional preocupa-se somente
com as médias obtidas pelos alunos nas provas. Já os
estabelecimentos de ensino, que adotam a avaliação mais adequada
preocupam-se com a formação do aluno para a vida e não pensam
apenas na consecução de média dentro da escola.
Segundo Hoffmann (2002), avaliar nesse novo modelo é
dinamizar possibilidades de ação- reflexão, em um acompanhar
contínuo do professor, para que este propicie ao discente em seu
processo de aprendizagem, reflexões sobre o mundo, conduzindoos a se tornarem pessoas críticas libertárias e participativas na
edificação da verdade formulada e reformulada.
Dessa forma, é necessário um reformular e refletir a ação
pedagógica e os modos de avaliação dos discentes “[...] é preciso
encontrar novos caminhos no que diz respeito ao processo de
ensinar e aprender, isto é, passar do superficial para o
significativo”. (MORAES, 2008, p. 11).
Neste sentido,
Vasconcellos (2005, p. 22) aduz modificar os moldes da avaliação
implica em alterações em seu conteúdo, sua forma e sua
intencionalidade, como também nas relações estabelecidas com os
aspectos: da prática pedagógica como um todo (vínculo
pedagógico, conteúdo e metodologia de trabalho em sala de aula).
308
De acordo com Vasconcellos (1993), a fim de que haja
alterações no modo de se avaliar, é preciso que o educador reflita
acerca do pressuposto epistêmico usado e da sua cooperação, para
incluir os educandos nas atividades educativas.
O educador desempenha um papel fundamental no
processo de aprendizagem, sendo corresponsável nessa atividade.
Posto que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as
possibilidades para a sua própria construção” (FREIRE, 2017,
p.47). Ele deve utilizar a avaliação como um identificador da
necessidade de retomar a sua prática e dinâmica pedagógica. Já que
quando o aluno sofre com um insucesso, também fracassa o
professor.
O Plano Político-Pedagógico da Instituição de ensino
deve ser realizado com o apoio da totalidade dos sujeitos
envolvidos e evidenciar a perspectiva acerca do papel da unidade
estudantil, direcionando os princípios pelos quais a prática dos
educadores em desenvolvimento sejam avaliados. A avaliação do
conteúdo aprendido não constitui juízo de valor apenas no que
concerne ao aluno, refere-se também ao um julgamento da prática
docente, cujo produto final constitui o desempenho do aluno. De
acordo com Paulo Freire (2017), a avaliação não constitui um meio
pelo qual “A” avalia “B”, e sim, um processo através do qual “A” e
“B” avaliam conjuntamente uma prática educativa.
Na concepção tradicional, a avaliação é muitas vezes
utilizada como ferramenta de “ranking”, de competições por
posições e de seleção social nas instituições de ensino. Porém, a
avaliação deveria servir como um meio primordial à aferição do
que foi apreendido e compreendido pelo aluno, norteando o
309
trabalho do docente e dando um direcionamento ao esforço
empenhado no processo de ensino/aprendizagem, de modo a
otimizar a didática pedagógica e o seu método, adaptando-o à cada
disciplina. O ensino deve levar em consideração o contexto social
no qual está inserido o educando, bem como as características e
particularidades de cada protagonista no processo de
aprendizagem, para a obtenção de um resultado satisfatório.
Nesse sentido, sobre os sistemas de avaliação e seu papel
estratégico para a formulação de políticas, Maria Helena
Guimarães de Castro (2000) aduz que:
Em primeiro lugar, estes instrumentos de
gestão permitem observar como as reformas
estão avançando e, mais importante, quais os
acertos e correções em curso exigidos para sua
real efetividade. Além disso, eles contribuem
para assegurar a transparência das
informações,
cumprindo
assim
dois
requisitos básicos da democracia: a ampla
disseminação dos resultados obtidos nos
levantamentos e avaliações realizados; e a
permanente prestação de contas à sociedade.
Por fim, e não menos importante, os sistemas
de avaliação e informação educacional
cumprem um papel estratégico para o
planejamento e desenho prospectivo de
cenários, auxiliando enormemente a
formulação de novas políticas e programas
que possam responder às tendências de
mudanças observadas. (Castro, 2000, p. 121).
310
Enfim, os educadores devem transmutar os métodos
tradicionais de aferição de erros e acertos nos métodos
investigativos, de interpretação consistindo em alternativas
apresentadas pelos discentes às diferentes questões enfrentadas no
processo ensino-aprendizagem. O comprometimento do educador
em acompanhar o caminho de construção do conhecimento do
educando consubstancia em uma postura crítica, na qual o
entendimento deva ser privilegiado e não a memorização.
5. As formas de avaliação no ensino superior e no ensino
jurídico: avanços e retrocessos
5.1. As formas de avaliação do ensino superior
As formas de avaliação dos educandos no Ensino superior
têm sido objeto de fundadas e fortes críticas, realizadas por
especialistas no campo de educação e pelos próprios educandos.
Diante desse contexto, Antônio Carlos Gil (2017, p. 240-241)
apresentou as principais acusações apontadas pelos pesquisadores
da área, as quais seguem abaixo:
A avaliação é fonte de ansiedade e stress – os
testes e exames ao quais se submetem os
alunos por diversas vezes, são aplicados sob
um clima de tensão e não raras vezes ocorrem
a perseguição e o terrorismo perpetrado pela
figura do docente.
A avaliação conduz as injustiças – os
professores são agraciados com ampla
311
liberdade no ato de avaliar, o que possibilita
enormes e profundas arbitrariedades.
A avaliação privilegia o controle de retenção
do conhecimento, deixando de lado aspectos
importantes da aprendizagem – as avaliações
são confeccionadas privilegiando os dados
memorizados, ao invés de buscar aferir o que
realmente foi aprendido.
Muitas avaliações têm pouco a ver com o que
foi ensinado – é frequente a incoerência entre
o conteúdo ensinado e os exames aplicados
pelos professores, isso decorre muitas vezes da
ausência de preparação técnica dos
profissionais.
A avaliação tradicional favorece o imobilismo
social – os testes e exames são utilizados
principalmente para promover a seleção de
indivíduos pela qualificação social e não pela
qualificação técnica.
As avaliações são influenciadas pelo
estereótipo do professor – o docente tende de
modo consciente, ou inconsciente, a
padronizar a aferição dos resultados, e ser
afetado pelas especificidades dos alunos, o que
acarreta a uniformização, diante da
contaminação dos resultados.
As avaliações consomem demasiado tempo
dos professores e alunos – os professores
universitários, em regra, ministram aulas para
turmas numerosas, o que pode acarretar em
uma correção prejudicada e superficial.
As provas enfatizam mais a forma do que o
conteúdo.
312
A questão da validade das provas é crítica – a
prova é efetiva na medida que afere o que
pretendia medir.
A questão da fidedignidade das provas é
crítica- um instrumento de avaliação é
considerado fidedigno quando para um
número distinto de profissionais apresenta o
mesmo resultado. Entretanto, o exame
corrigido pelo mesmo docente, pode
apresentar variações, a depender do momento
e fatores considerados.
As avaliações desestimulam os juízos pessoas
dos alunos.
As avaliações recompensam aprendizagens
efêmeras – os dados são apreendidos muitas
vezes, para serem descartados com o tempo.
As avaliações contribuem para encurtar o
período letivo.
As provas tradicionais favorecem a
especulação com a sorte.
Os exames tradicionais desestimulam os
trabalhos em grupo.
As provas tradicionais incentivam a fraude.
A exigência da avaliação dificulta o avanço
dos estudantes.
Os exames dificultam a prática de uma
pedagogia da descoberta.
Segundo Roldão (2005), a liberdade sem limites atribuída
ao professor constitui um fator antiprofissionalizante, haja vista
que este substitui a legitimidade do saber o qual fundamenta a ação
e o controlo sustentado do grupo profissional, pelo arbítrio de cada
agente individual, a quem não é exigido fundamento para o que
313
faz, nem é assegurada qualquer garantia de legitimação pelos seus
pares.
Pretende-se estabelecer, deste modo, uma crítica à
avaliação tradicional no Curso Superior e não a avaliação em si.
Busca-se demonstrar a necessidade de reestruturação dos métodos
de aferição dos resultados, devendo “tornar a avaliação adequada
aos propósitos do Ensino Superior”. (GIL, 2017, p. 246), se
adequando às novas tecnologias, indissociáveis da nova realidade
do atual discente. Assim, manifesta Antônio Carlos Gil:
A avaliação vem se modificando ao longo dos
tempos, em decorrência não apenas da
incorporação de novas tecnologias, mas
também de filosofia que a rege. A existência
de uma diversidade cada vez maior de
procedimentos avaliativos com notável nível
de precisão contribui para que os professores
adotem novas atitudes em relação à avaliação
(GIL, 2017, p. 246).
Deste modo, a avaliação deve ser entendida como parte
integrante do processo ensino-aprendizagem. A concepção de
avaliação com finalidade exclusivamente seletiva encontra-se
ultrapassada. Conforme salienta, Bloom (1956), as instituições
voltavam-se para o estudante excepcional, o que ocasionava a
exclusão de um número extenso de crianças advindas da classe
operária e a oferta de vantagens competitivas aos filhos de
profissionais liberais.
Desta feita, a autonomia do docente, ao avaliar, não se
confunde com a chamada autonomização. Conforme salienta
314
Sídney Guerra e Roberta Teles (REGINALDO; BEZERRA, 2017),
quando se trata de questões que envolvam a avaliação, os
professores de cursos de ensino superior condensam tal conteúdo
às determinações da instituição. Por diversas vezes, o docente não
recebeu sequer a capacitação para elaborar e consolidar
instrumentos avaliativos eficazes. Portanto, é relevante destacar a
importância de programas de formação de professores que os
capacitem para a elaboração de instrumentos de avaliação
pautados em metodologias, como a Taxonomia de Bloom.
A fim de se obter uma avaliação efetiva no Curso Superior
esta deve ser contínua, não privilegiando apenas o fim de um ciclo,
mas integrar todo o processo de aprendizado. A avaliação deve
ainda abordar os diferentes domínios da aprendizagem, de modo
integrado. Os exames, testes e diferentes formas avaliativas devem
ser preparadas com prazo razoável, prezando pela multiplicidade e
diversidade das atividades, a fim de promover uma aferição
plausível do conhecimento. Por outro lado, os alunos devem ser
preparados para realizar as avaliações, para evitar o desestímulo da
surpresa.
5.2. As formas de Avaliação no Curso de Direito
Conforme aduz Boaventura de Sousa Santos (2007, p. 64),
ultrapassadas as reformas processuais de criação de mecanismos
inovadores e busca pelo acesso à justiça, é primordial o
investimento em formar juristas aptos à realização da
transformação e revolução democrática da justiça necessária.
Neste sentido, interessante trazer à baila a Taxonomia de Bloom,
315
que constitui o produto de do esforço conjunto de uma comissão
multidisciplinar de especialistas de diversas universidades dos
EUA, capitaneada por Benjamin S. Bloom, a qual recebeu o nome
de "Taxonomia e Objetivos no Domínio Cognitivo". Conforme
Bloom et al (1956), diversos pesquisadores aproveitaram-se desse
conceito terminológico baseado em classificações estruturadas e
direcionadas para delinear determinadas teorias instrucionais.
Bloom e os demais especialistas possuíam como propósito
classificar e estabelecer uma ordem dos fins educacionais,
conforme os efeitos esperados pela educação e segmentando a
aprendizagem em três grandes domínios: afetivo, cognitivo e
psicomotor.
A despeito dos estudos de Bloom ter origem na década de
1950, sua abordagem ainda consiste em objeto de estudos atuais.
Tem-se que uma vez aplicadas ao ensino jurídico, as premissas da
taxonomia de Bloom ajudariam a superar a incerteza dos atuais
critérios utilizados nas avaliações, diversas vezes, caracterizado por
um planejamento inconsistente e desvinculado do conteúdo
lecionado em sala de aula.
Sobre a formação de professores nos cursos de Direito,
Marina Feldmann (2014, p. 5) assevera que ao examinar algumas
propostas pedagógicas de instituições de ensino jurídico, observase a inexistência de formação e preparação do profissional docente
atuar. Enquanto a responsabilidade de planejamento e organização
didática dos cursos de possuir essa visão míope, de que somente a
formação técnica ou o sucesso na carreira jurídica, (como
advogado, juiz, promotor ou desembargador, entre outras
atuações), seriam suficiente para formar um bom professor, grande
316
parte dos discentes em direito continuarão com a mentalidade de
quem muito reproduz e que pouco transforma a realidade.
Nos cursos de Direito, em que grande parte dos
professores tem formação primordialmente jurídica, não é
plausível se esperar apuradas técnicas em avaliação, infere-se que
avaliações, via de regra, possuem caráter diagnóstico e repetem os
mesmos moldes avaliativos a que foram submetidos, quando
alunos. São métodos, por diversas vezes ultrapassados, posto que
somente medem a capacidade de repetição do conteúdo
ministrado, consistindo em um teste de memória, distante de
identificar alguma reflexão acerca da aula lecionada. Este contexto
convida à reflexão crítica acerca das práticas avaliativas dissociadas
da proposta de formação educacional libertadora.
A mudança de direcionamento requer rever as
concepções, reestruturar o calendário acadêmico, refletir acerca do
projeto político pedagógico, modificar a metodologia adotada e a
forma de abordagem do conteúdo. Pede, também, ser utilizada
uma metodologia participativa, delimitando estratégias, tais como:
aplicar atividades variadas na sala de aula (de monitoria,
dramatizações ou de trabalho em grupo), relatórios e pesquisas e a
exposição dialógica, utilizando processos de avaliação interativos
em paralelo às avaliações tradicionais.
O professor, de modo pragmático, deve usar o bom senso
ao estabelecer critérios de escolha de procedimentos, embasados
no conteúdo abordado em sala de aula e a bibliografia indicada, a
fim de que os alunos desempenhem o papel de coautores do
processo avaliativo. Nesse sentido, a avaliação apresenta uma
função mediadora, cujo objetivo principal é analisar se o ensino
317
cumpre sua finalidade precípua de democratizar o ensino e de
autonomizar o aluno para a vida social.
6. A reestruturação dos métodos de avaliação: por uma
metodologia ativa
Os métodos tradicionais de avaliação não possuem
capacidade para atender a dinâmica estrutura educacional, com a
qual se depara na atualidade. Deste modo, necessário se faz
reconceituar a educação formal, em busca de novas práticas
metodológicas.
As origens para a utilização de metodologias ativas – MAna educação formal decorrem do movimento “escola novista”. Via
de regra, são consideradas tecnologias que propiciam o
envolvimento dos discentes no processo ensino aprendizagem e
que privilegiem desenvolver sua capacidade crítica e reflexão no
que concerne a prática educacional. (BONWELL; EISEN, 1991). A
referida metodologia busca proporcionar: (i) pró- atividade,
através do engajamento dos discentes no processo ensino
aprendizagem; (ii) associação do aprendizado aos fatores
significativos da realidade; (iii) desenvolvimento do raciocínio e de
capacidades a fim de possibilitar a intervenção na própria
realidade; (iv) colaboração e cooperação entre as partes envolvidas.
Segundo Dewey, o uso de desafios educacionais nos
moldes de problemas mostra-se coerente com a forma de
aprendizado dos indivíduos. Segundo esse autor, a educação deve
se direcionar à vivência de experiências, ao invés de se preocupar
318
em transmitir algo abstrato. Para além do comprometimento dos
educandos.
Bruner considera necessário que as MA sejam associadas
às representações que se constrói acerca do mundo, seja no aspecto,
cultural ou social. Chickering e Gamson acrescentaram o uso de
metodologias ativas como um dos sete princípios para consolidar
uma boa prática educacional. Estes referidos autores têm como
enfoque a realização de atividades envolvendo as atitudes de
cooperar, interagir, proporcionar a diversidade e fomentar a
responsabilidade dos educandos, principalmente em grupos
menores.
Nas últimas décadas, diferentes metodologias ativas
foram desenvolvidas, tais como: aprendizagem baseada em
problemas, a problematização, e aprendizagem baseada em
projetos, em equipes, por meio de jogos ou uso de simulações.
7. Considerações Finais
A avaliação constitui, portanto, um parâmetro para
balizar o trabalho do educador, posto que possibilita identificar o
grau de desenvolvimento do aluno. O professor necessita se
nortear no processo avaliativo, com vistas a aprimorar suas ações
educativas. Assim, a avaliação revela-se um instrumento valioso no
processo ensino-aprendizagem, constituindo uma via de mão
dupla, possibilitando um possível diagnóstico do aluno sobre os
conhecimentos adquiridos em um período; bem como também
seja feita a avaliação do docente.
319
Para o professor, o processo avaliativo busca verificar e
refletir a prática pedagógica no ato de auto avaliar-se,
proporcionado uma melhoria no processo de ensinoaprendizagem. A avaliação como forma de seleção e verificação é
limitada haja vista não refletir as possibilidades para a
aprendizagem de conteúdos não assimilados, portanto, não
considera alguns aspectos que podem interferir nos resultados
dessa verificação, tornando-se somente uma medida para a
classificação.
Observou-se ainda no presente trabalho, a necessidade de
reestruturação metodológica, demonstrando haver diferentes
formas de se avaliar de modo eficaz; dentre as quais pode se elencar:
a elaboração de questões que demonstrem situações-problema em
que o conteúdo ministrado se mostre como instrumento útil na
procura por soluções; a informação aos alunos sobre quais
conteúdos serão abordados em quais atividades, bem como sobre
as etapas do processo de avaliação; o esclarecimento de modo
explícito na avaliação das regras da atividade; a manutenção da
disciplina para a execução das atividades e cumprimento das regras
estabelecidas; a correção planejada das atividades e de modo ágil; a
realização de revisão da atividade de avaliação e também o
atendimento individual dos alunos para sanar eventuais dúvidas.
Portanto, avaliar constitui em observar se a ação realizada
afeta primordialmente o ambiente sobre o qual se atua, cuja
validade ocorre diante da possibilidade do resultado ser utilizado
como direcionamento para se planejar novas atitudes que
proporcionem o avanço na aprendizagem. De outro modo, a
avaliação torna-se mais um elemento no processo formalista e
320
burocrático. A avaliação, antes de punir, possui o papel de resgatar,
haja vista a oportunidade ao discente que não aprendeu, desfrutar
de um novo momento de consecução da aprendizagem.
Portanto, percebe-se a importância da avaliação como
um instrumento de reflexão o qual poderá propiciar mudanças na
prática pedagógica, objetivando compreender que esta não
constitui um fim em si mesma, mas sim um meio para a
consolidação da aprendizagem. Deste modo, importante se faz a
utilização de metodologias ativas, posto que possibilita a integração
do educando ao processo educativo.
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DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS DEFICIENTES: A
INCLUSÃO SOCIAL DAS CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA
NA ESCOLA REGULAR
FUNDAMENTAL RIGHTS OF DISABLED PEOPLE: THE
SOCIAL INCLUSION OF CHILDREN WITH DISABILITIES
IN THE REGULAR SCHOOL
Leandro Pereira Góis41
Fabrício Veiga Costa 42
Resumo: O movimento da educação especial eclodiu a partir do
século XVI. Ou seja, o acesso das crianças com deficiência à escola
formal garante igualdade entre todos os alunos, representando um
dos principais desafios na área de educação, uma vez que elimina
as barreiras da exclusão e discriminação, que dificultam a
aprendizagem de todos na escola. Pretende-se averiguar o
problema da efetividade das políticas públicas em âmbito
educacional para crianças com deficiência na perspectiva da
inclusão, levando em consideração a legislação Internacional,
Legislação Constitucional e a Legislação Infraconstitucional
específica. Analisamos um julgado do Supremo Tribunal Federal
(STF). E, quais medidas que o Poder Público poderá adotar para
incluir as crianças com deficiência no ensino regular? E por fim a
41
Graduado em direito pela Universidade de Itaúna, mestrando em Proteção aos
Direitos Fundamentais pela Universidade de Itaúna.
42
Pós-Doutor em Educação pela UFMG. Doutor e Mestre em Direito Processual
pela PUCMINAS. Professor do Programa de Pós-graduação stricto sensu em
Proteção dos Direitos Fundamentais da Universidade de Itaúna. Professor da
graduação em Direito da FAPAM; FPL; FASASETE; FAMINAS-BH.
327
inclusão das crianças com deficiência é um processo complexo, que
envolve o Estado e a sociedade, para a construção de um ensino
justo, digno e igualitário.
Palavras-chave: Educação especial; Crianças com deficiência;
Poder Público; Política Pública.
Abstract: The special education movement erupted from the 16th
century. In other words, the access of children with disabilities to
formal school ensures equality between all students, representing
one of the main challenges in the area of education, since it
eliminates the barriers of exclusion and discrimination, which
hinder the learning of everyone at school. The aim is to find out the
problem of the effectiveness of public policies in education for
children with disabilities in terms of inclusion, taking into
consideration international law, Constitutional Law and legislation
Infra-specific. We analyze a trial of the Supreme Court (STF). And
what measures the Government will adopt to include children with
disabilities in regular education? And finally the inclusion of
children with disabilities is a complex process, which involves the
State and society, for the construction of a fair, decent and
equitable education.
Keywords: Special education; Children with disabilities; Public
Power; Public Policy.
1. Introdução
O presente artigo aborda o problema da efetividade das
políticas públicas em âmbito educacional para crianças com
328
deficiência na perspectiva da inclusão, ou seja, pela relevância que
o assunto tem na área de proteção dos direitos fundamentais.
O caso parte do pressuposto que não há uma participação
significativa dos interessados na efetivação das respectivas políticas
públicas, tanto no contexto da escola, acerca das políticas já
implementadas, como também, no âmbito da sociedade.
Desse modo, demonstraremos a necessidade de
organização, entre a realidade prática e a proposta da inclusão das
crianças que possuem algum tipo de limitação física, intelectual ou
sensorial, em decorrência de uma deficiência, seja ela congênita ou
adquirida, no âmbito do ensino regular.
No entanto, oportuno destacar, que os direitos humanos
constituem verdadeiros indicadores de conduta rumo ao bem
comum, pois está no conhecimento de todo ser humano e a todos
pertencem, possuindo como premissa fundamental o
pertencimento a todos os seres humanos independente de suas
deficiências.
Ressalte-se que os maiores interessados são todos os
cidadãos, uma vez que a educação formal é um direito fundamental
assegurado a todos os envolvidos no processo da inclusão social
dos deficientes na escola regular de ensino. Isto é, no contexto do
Estado Democrático de Direito todos nós somos interessados.
A pesquisa teórico-bibliográfica será desenvolvida a
partir da análise e leitura da legislação internacional, legislação
constitucional e legislação infraconstitucional específica. Também,
analisaremos um julgado do Supremo Tribunal Federal (STF)
sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) Nº 5.357/DF,
329
por meio de levantamento de dados jurídicos e quantitativos
secundários, para uma melhor construção do tema em comento.
E por fim, quais medidas que o Poder Público poderá
adotar para incluir as crianças com deficiência no ensino regular?
Assim, a participação dos deficientes é corolário da igualdade
democrática sob a perspectiva do Direito? Nesse modo, o tema
objeto da pesquisa, é voltado para a proteção do direito à educação
das crianças com deficiência no ensino regular, no paradigma da
inclusão.
2. Breve digressão sobre a inclusão das pessoas com deficiência
O debate sobre a educação especial teve início no século
XVI. Primeiramente, a educação das pessoas com deficiência era
baseada na exclusão e discriminação, e com passar do tempo,
houve uma evolução direcionada para a inclusão dessas pessoas na
escola regular.
Nesse contexto, surgiram os tratados, convenções as leis
internacional e nacional, que defendem os direitos fundamentais
das pessoas com deficiência, isto é, integrando essas pessoas em
igualdade com os demais cidadãos. Contudo, os direitos e deveres
dos deficientes, ainda estão longe de alcançar seus ideais, e
necessitam de aprimoramentos para colaborar no bem-estar global
do indivíduo.
A inclusão das crianças com deficiência na escola regular
necessita ser abordada em vários paradigmas clínicos, social,
político e de aprendizagem. Pessoas com deficiência e de baixa
renda estão fortemente relacionadas a discriminação, pois estão
330
limitadas aos recursos escassos do País. O deficiente fica à mercê
de estigmas sociais, que pela sua incapacidade física e financeira
limitam o seu acesso à educação e a saúde.
Nessa toada, a Constituição Federal de 1988, inclui
direitos da criança e do adolescente, fornecendo acesso à saúde e
educação e, esses direitos não estão sendo respeitados. Segundo
Regina Maria Fonseca Muniz:
A educação engloba a instrução, mas é muito
mais ampla. Sua finalidade é tornar os
homens mais íntegros, a fim de que possam
usar da técnica que receberam com sabedoria,
aplicando-a disciplinadamente. Instrução e
educação, embora possam ser entendidas
como duas linhas paralelas com finalidades
diferentes, necessariamente devem caminhar
juntas e integrar-se. (MUNIZ,2002, p. 9)
Nota-se, que a educação é um direito fundamental e,
representa sem dúvida, um avanço considerável na construção de
uma sociedade inclusiva baseada nos direitos e deveres das crianças
com deficiência. Ou seja, a educação proporciona o
desenvolvimento social, mental e moral das crianças com
necessidades especiais.
Os direitos básicos dos deficientes estão garantidos em
vários documentos. Importante salientar, a Declaração Universal
dos Direitos do Homem de 1948, diz que:
[...]Artigo 7. Todos são iguais perante a lei e
têm direito, sem qualquer distinção, a igual
331
proteção da lei. Todos têm direito a igual
proteção contra qualquer discriminação que
viole a presente Declaração e contra qualquer
incitamento a tal discriminação.
Nesse aspecto, a justificativa se dá porque as pessoas são
vítimas de violação dos seus direitos e deveres; com destaque as
pessoas com deficiência, pois costumam ser discriminadas com
frequência, ficando excluídas do acesso e usufruto dos bens e
serviços socialmente disponíveis num contexto geral.
A Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDBEN nº 9.394/96) estabelecem que
as pessoas com necessidades especiais devam estudar de
preferência nas escolas regulares e que todos têm direito à
educação. A Conferência Mundial sobre Educação para Todos
(UNESCO, 1990) realizada em Jomtien na Tailândia e a Declaração
de Salamanca, aprovada na Conferência Mundial de Educação
Especial em 1994, fixaram metas para melhorar a educação e a
inclusão de crianças e jovens com deficiência. A Declaração de
Salamanca é considerada um dos principais documentos mundiais
que visam à inclusão social, defendendo que:
[...] inclusão e participação são essenciais à
dignidade humana e ao desfrutamento e
exercício dos direitos humanos. Dentro do
campo da educação, isto se reflete no
desenvolvimento de estratégias que procuram
promover a genuína equalização de
oportunidades (...). Ao mesmo tempo em que
as escolas inclusivas preveem um ambiente
332
favorável à aquisição da igualdade de
oportunidades e participação total, o sucesso
delas requer um esforço claro, não somente
por parte dos professores e dos profissionais
na escola, mas também por parte dos colegas,
pais, família, voluntários. A reforma das
instituições sociais não constitui somente
uma tarefa técnica, ela depende, acima de
tudo, de convicções, compromisso e
disposição dos indivíduos que compõem a
sociedade (UNESCO, 1994, p. 5).
Em continuação, a Declaração de Salamanca, passou a
considerar a inclusão dos alunos com necessidades educacionais
especiais em classes regulares como a forma mais avançada de
democratização das oportunidades educacionais.
Assim, a “educação de qualidade para todos” tem a ver
com a inclusão em âmbito geral e incondicional, para que todas as
crianças com deficiência tenham igualdade de ensino com as
demais crianças do ensino regular. Do mesmo modo, como cita a
Declaração de Salamanca (1994), que ultrapassa as barreiras da
exclusão e discriminação das crianças com deficiência, incluindoos no ensino regular.
Em outras palavras, o Poder Público tem que criar
políticas públicas nas escolas regulares para incluir os alunos
excluídos no ensino regular e, além do mais, contratando
profissionais qualificados para tal fim.
A prática da inclusão escolar, segundo Maria Teresa
EglérMantoan (2003), “pauta-se na capacidade de entender e
reconhecer o outro e, assim, ter o privilégio de conviver e
333
compartilhar com pessoas diferentes; é acolher todas as pessoas,
sem exceção. É construir formas de interagir com o outro, que,
uma vez incluídas, poderão ser atendidas as suas necessidades
especiais”.
Nessa senda, a escola inclusiva exige novas estruturas e
novas competências. No entanto, as escolas públicas não veem
correspondendo às características individuais e socioculturais
diferenciadas de seu alunado, funcionando de forma seletiva e
excludente. Assim sendo, especial é a educação que legitima
esquemas, espaços e dimensões do conhecimento e dos direitos
humanos sem atributos restritivos.
Importante ressaltar, que os estudos realizados na
Inglaterra, afirmam que os pais de crianças com deficiência,
preferem que seus filhos tenham ensino regular em conformidade
com as demais crianças da escola formal. Nessa linha de raciocínio,
Marcos José da Silveira Mazzotta, diz que:
"Educação Especial é um conjunto de recursos
e serviços educacionais especiais organizados
para apoiar, suplementar e, em alguns casos,
substituir os serviços educacionais comuns,
para garantir a educação formal dos
educandos que apresentam necessidades
educacionais muito diferentes das da maioria
das crianças e jovens". (Mazzotta, 1989, p.39).
Apesar dessa preferência na Inglaterra, no Brasil,
observa-se um entendimento contrário. Isto é, os pais preferem
334
que seus filhos com necessidades especiais, iniciem seus estudos em
associações especializadas, para garantir o direito à educação.
Esse posicionamento, que vai contra o compromisso legal
estabelecido na Declaração de Salamanca, causa estranheza. Mas,
não é de todo absurdo. Os responsáveis segregam seus filhos, pelo
medo da exclusão e discriminação. Ou, ainda, os pais querem
proteger seus descendentes em uma escola cercada pelos muros da
indiferença e, sendo assim, confirmam sua exclusão social e
escolar. Obviamente, tudo isso tem impacto na vida cotidiana das
crianças deficientes, pois sabe-se que o ensino regular tem um
papel de destaque na sua formação como cidadão.
3. Direitos humanos: uma concepção jusnaturalista moderna
As origens clássicas dos direitos humanos remontam aos
direitos naturais, atemporal, estes podem ser descritos como
direitos intuitivos, dos quais todos têm noção, independente de
fazer parte da mesma sociedade, Aristóteles, em sua Retórica o
nomeia lei comum, conforme segue:
Digo que, de um lado, há a lei particular e, do
outro lado, a lei comum: a primeira varia
segundo os povos e define-se em relação a
estes, quer seja escrita ou não escrita; a lei
comum é aquela que é segundo a natureza.
Pois há uma justiça e uma injustiça, de que o
homem tem, de algum modo, a intuição, e que
são comuns a todos, mesmo fora de toda
comunidade e de toda convenção recíproca. É
o que expressamente diz a Antígona de
335
Sófocles, quando, a despeito da proibição que
lhe foi feita, declara haver procedido
justamente, enterrando Polinices: era esse seu
direito natural: Não é de hoje, nem de ontem,
mas de todos os tempos que estas leis existem
e ninguém sabe qual a origem delas.
(Aristóteles, 1959, p.86)
Direitos humanos, expressão surgida após a segunda
guerra mundial são aqueles inerentes a pessoa humana,
independente de Estado, bastando a condição de ser humano para
poder adquiri-lo. Existem uma pluralidade de significados para o
termo, porém pode-se dizer que existem, pelo menos, duas
acepções interligadas, porém distintas, sobre direitos humanos,
uma filosófica, que compara os direitos humanos ao direito natural
e uma estritamente jurídica, chamada de contemporânea, que
compara os direitos humanos com a proteção dos indivíduos
perante o Estado, e com a necessária proteção internacional, como
explicita Flávia Piovesan:
No dizer de Hannah Arendt, os direitos
humanos não são um dado, mas um
construído, uma invenção humana, em
constante processo de construção e
reconstrução. Considerando a historicidade
destes direitos, pode-se afirmar que a
definição de direitos humanos aponta a uma
pluralidade de significados. Tendo em vista tal
pluralidade, destaca-se, neste estudo, a
chamada concepção contemporânea de
direitos humanos, que veio a ser introduzida
com o advento da Declaração Universal de
336
1948 e reiterada pela Declaração de Direitos
Humanos de Viena de 1993. Esta concepção é
fruto do movimento de internacionalização
dos direitos humanos, que constitui um
movimento extremamente recente na
história, surgindo, a partir do pós-guerra,
como resposta às atrocidades e aos horrores
cometidos durante o nazismo. (PIOVESAN,
2002)
Conforme explica a autora, em seu estudo, assim como a
maioria dos doutrinadores, volta-se para a concepção
contemporânea de direitos humanos. A constituição federal de
1988, no seu artigo 227, sistematizou as premissas decorrentes da
Declaração Universal, dizendo que:
É dever da família, da sociedade e do Estado
assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem,
com absoluta prioridade, o direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de
toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão
(BRASIL, Artigo 227 da Constituição Federal
de 88, 2015).
Entretanto, para tratarmos de deveres humanos, devemos
pensar em direitos humanos na sua acepção filosófica, ou seja,
corolário do direito natural, sempre existente, sempre presente na
intuição dos homens guiando-os para o bem comum, acepção
337
chamada de jus naturalista, conforme explica Dulce de Queiroz
Piacentini:
Profere o jusnaturalismo que os direitos
humanos são direitos naturais, inerentes ao
homem, anteriores ao Estado e ao Direito. Em
outras palavras, são direitos que pertencem ao
homem pela sua natureza humana, estando
centrados na razão. O ser humano, por
possuir razão, atributo exclusivo da sua
espécie, nasce com direitos inalienáveis, que
compõem limites ao poder do Estado quando
este se constitui. (PIACENTINI, 2007)
Deste modo, os direitos humanos constituem verdadeiros
indicadores de conduta rumo ao bem comum pois estão no
conhecimento de todo ser humano e a todos pertencem, possuindo
como premissa fundamental o pertencimento a todos os seres
humanos independente de reconhecimento por qualquer Estado.
Neste mesmo sentido citar-se-á Carlos Santiago Lino, que explica
que o jusnaturalismo pode ser defendido por meio de duas teses
fundamentais:
“(i) que há princípios que determinam a
justiça das instituições sociais e estabelecem
parâmetros de virtude pessoal que são
universalmente válidos independentemente
do seu reconhecimento efetivo por certos
órgãos ou indivíduos; (ii) que um sistema
normativo, ainda quando seja efetivamente
reconhecido por órgãos que tem acesso ao
aparato coativo estatal, não pode ser
338
qualificado como direito se não satisfazer os
princípios aludidos no ponto anterior”.
(NINO, 1989. Pág. 16)
A internacionalização dos direitos humanos, acepção
estritamente jurídica, é de extrema importância, principalmente
por demonstrar que os direitos humanos são de todos. Para Carlos
Jamil Cury (2002, pág. 250) “a educação primária, gratuita e
obrigatória no século XIX justifica-se no sentido de a sociedade
produzir pessoas com mentes maduras, minimamente iluminadas,
capazes de constituir eleitorado esclarecido e trabalhadores
qualificados”.
Em continuação, caracteriza-se no século XX o
reconhecimento da educação primária, gratuita, necessária e
fornecida pelo Estado. Os tratados Internacionais passam a dar
tratamento jurídico às crianças como sujeito de direito,
proporcionando melhores condições para que todos os cidadãos
exerçam indistintamente sua cidadania de forma efetiva,
obrigatória e igualitária.
Partindo do pressuposto de que a concepção jus
naturalista de direitos humanos pode coadunar-se com a
concepção contemporânea, ou seja, são diferentes visões que
podem coexistir, podemos inferir na ideia de que os direitos
humanos, são atemporais, não obstante terem sido nomeados
como “direitos humanos” recentemente, em termos históricos,
universais e não dependem de expressa previsão jurídica por parte
de um Estado.
339
4. Os deveres humanos como caminho para o bem comum:
igualdade de ensino entre todos os envolvidos
Não obstante a obviedade de que os direitos humanos
também possuem uma serie de deveres, pois direitos e deveres
sempre caminham juntos, a realidade é que todos conhecem os
direitos humanos, pelo menos a expressão “direitos humanos”,
mas poucos ouviram falar em deveres humanos.
Em 1997 a InteractionCouncil (Conselho Interação),
instituição independente que reúne antigos chefes de Estado e de
Governo, possuindo como uma de suas prioridades os padrões
éticos universais, publicou uma “declaração universal dos deveres
do homem”43, entretanto por ser uma organização independente,
apesar de composta por pessoas de grande influência, tal
declaração não possui poder jurídico, ou seja, não possui nenhuma
força normativa, impositiva, e talvez por isso não seja conhecida
por muitos.
Ressalta-se, que a lei 13.146 de 06 de julho de 2015, dispõe
sobre a inclusão da pessoa com deficiência, isto é, define vários
benefícios de inclusão social para as pessoas com necessidades
especiais, como, receber apoio de caráter especializado e recursos
diferenciados; ensino de linguagens e códigos de comunicação e
sinalização (deficiência visual e auditiva); atividades voltadas para
o desenvolvimento de estratégias de pensamento (deficiência
43
InterActionCouncil. Declaração universal dos deveres do homem. Disponível
em < http://interactioncouncil.org/sites/default/files/pt_udhr.pdf>. Acesso em 06
jan. 2018.
340
intelectual), adaptação de material e ambiente físico adaptado para
tal fim, dentre tantos outros.
Assim, os programas são de caráter diferenciado para o
desenvolvimento e aprendizagem dos deficientes; como a inclusão
social, pois incorpora a igualdade entre os cidadãos. Desse modo,
considerada como modalidade de políticas públicas em prol das
pessoas com deficiência, oferecendo recursos eficazes para
melhorar a qualidade de vida dessas pessoas.
Ressalte-se, que o Estatuto da Criança e do Adolescente
(Lei 8.069/1990), trouxe uma mudança significativa em relação ao
menor. Assim sendo, o amparo jurídico-legal da criança e do
adolescente tornou-se uma prioridade para a sociedade em geral.
Isto é, as crianças passam a ser protegidas juridicamente como
pessoas em desenvolvimento, necessitando de cuidado e atenção
especiais.
Em continuação, no que diz respeito ao estudo do objeto
da demanda é coerente trazer à baila o inteiro teor do artigo 55 da
lei 8.069/1990, dizendo o seguinte: “Os pais ou responsável têm a
obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de
ensino”.
Nessa mesma linha de raciocínio, é importante destacar o
conteúdo do artigo 129, inciso V do Estatuto da Criança e do
Adolescente: “São medidas aplicáveis aos pais e responsável: Vobrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua
frequência e aproveitamento escolar”.
Por mais que haja força normativa, a interpretação
jurídica leva em conta os fins sociais a que ela se propõe, assim, é
importante citar o artigo 6, pois traz o mecanismo chave, para
341
leitura e interpretação, do ponto de vista teleológico, dizendo o
seguinte:
Artigo 6º
Na interpretação desta Lei levar-se-ão em
conta os fins sociais a que ela se dirige, as
exigências do bem comum, os direitos e
deveres individuais e coletivos, e a condição
peculiar da criança e do adolescente como
pessoas em desenvolvimento.
Lado outro, no que se refere aos direitos humanos, a frase,
“não faça aos outros aquilo que não deseja que lhe façam”, pode ser
vista como a máxima dos deveres humanos. Referida frase, ou
lição, pode ser dita como atemporal, pois assim como os direitos
naturais, de certa forma, está no inconsciente das pessoas,
entretanto na tentativa de apontar uma concepção temporal para
referida lição, podemos citar as palavras de Leônidas Hegenberg
que se refere a ela como a regra de ouro da moral.
Curiosamente, nasceu em distantes locais, em
diferentes culturas, em momentos diversos e
não só no pensamento Cristão, como às vezes
imagina. A regra de ouro encontra-se em
numerosos documentos antigos, de budistas,
jainistas e taoistas. Em variadas formas, foi
enunciada por Confúcio e por Tales de
Mileto. Em textos aramaicos do século II
antes de Cristo, aparece na forma. “Não faça a
qualquer outro aquilo que você reprova”. Em
Hadith, o livro de Mohammad, dos islamitas,
surge deste modo: “Ninguém será um
verdadeiro crente antes de desejar para outros
342
o que deseja para si”. (HEGENBERG, 2010
p.154)
Tal regra de ouro, se praticada por todos, traria um
respeito à dignidade do ser humano, nesse sentido continua o
autor:
Eis mais algumas versões famosas, voltadas
para a preservação da dignidade humana: 1)
“Aquilo que não deseja para você, não o faça
para a outros” [Confúcio, 551-486 a.C.]. 2)
“Não fazer aos outros o que não quer que lhe
façam [Rabi Hillel, 60 a.C.-10 d.C.].3) “Tudo
o que desejarem que as pessoas façam a vocês,
façam-no também a elas” [Jesus Cristo, 30 d.
C.]. (Hegenberg, 2010 p.154).
Importante explicar que os direitos humanos possuem
ainda uma dimensão internalizada pelos Estados, definida como
direitos fundamentais, que são os direitos humanos positivados no
âmbito interno do Estado, conforme ensina Ingo Wolfgang Sarlet:
Em que pese sejam ambos os termos (‘direitos
humanos’ e ‘direitos fundamentais’)
comumente utilizados como sinônimos, a
explicação corriqueira e, diga-se de passagem,
procedente para a distinção é de que o termo
‘direitos fundamentais’ se aplica para aqueles
direitos reconhecidos e positivados na esfera
do Direito Constitucional positivo de
determinado Estado, ao passo que a expressão
‘direitos humanos’, guardaria relação como os
343
documentos de Direito Internacional por
referir-se àquelas posições jurídicas que se
reconhecem ao ser humano como tal,
independente de sua vinculação com
determinada ordem constitucional, e que,
portanto, aspiram à validade universal, para
todos os povos e tempos, de tal sorte que
revelam
um
inequívoco
caráter
supranacional.(SARLET, 2004, p. 40.)
Cabe fazer um paralelo em relação aos deveres, se direitos
fundamentais são aqueles direitos humanos previstos pela
legislação então os deveres fundamentais também o são, ou seja,
seguir o que as normas de um Estado determinam é cumprir com
um dever fundamental para uma boa conduta dentro da sociedade,
no entanto, não basta em si, apesar de ser o caminho mais fácil e
primário, uma vez que, em regra, quando se descumpre uma lei
ganha-se uma punição.
De tal modo, paralelamente aos direitos humanos, os
deveres humanos são aqueles básicos para uma convivência
pacífica rumo ao bem comum, porém não necessitam estar escritos
e nem constituir em uma imposição. Para cumprir com os deveres
humanos não basta apenas seguir o que as normas legais do Estado
preceituam, é necessário ir além, na busca do bem comum, é parar
o carro para que o carro da frente possa sair do estacionamento,
mesmo tendo diversos outros buzinando em sua traseira, é dizer
bom dia, num ato de educação e sinceridade, com desejo real de
que o próximo tenha um bom dia, ou seja, são pequenos feitos que
revelam uma busca pelo bem do próximo e consequentemente pelo
bem comum.
344
Não obstante a imensa importância dos deveres impostos
por lei, denominados fundamentais, os deveres humanos
constituem as melhores práticas sociais, não escritas. Seguir os
deveres fundamentais, descritos em lei, é o mais básico necessário,
cumprir com os deveres humanos é elevar a convivência em
sociedade a um nível mais alto, puramente ético. As pessoas não
devem apenas cumprir o que o direito ordena, pois ele não é a única
ordem, nas palavras de José de Oliveira Ascensão “o Direito é uma
ordem da Sociedade. Uma ordem e não a ordem, repare-se, porque
na sociedade outras ordens se encontram” (ASCENSÃO, 1994, p.
9.).
Deste modo podemos conceber os deveres humanos,
principalmente no tocante a regra de ouro, como outro
ordenamento da sociedade, não impositivo e talvez por isso mais
difícil de ser aplicável, entretanto factível, talvez não para toda a
geração do século XX, mas a caminho de sua concretização através
das novas gerações, que podem, evoluírem de um objetivo
meramente econômico para terem como finalidade o bem comum.
5. Uma análise jusfilosófica da decisão do stf sobre a ação
direita de inconstitucionalidade (adi) nº 5.357/df
Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI)
Nº 5.357/DF, ajuizada pela Confederação Nacional dos
Estabelecimentos de Ensino (CONFENEN), com alegação de que
os artigos 28, parágrafo 1º e 30 da Lei nº 13.146/2015 (Lei Brasileira
de Inclusão da Pessoa com Deficiência – Estatuto da Pessoa com
Deficiência), estão violando os artigos 5º, incisos XXII, XXIII, LIV,
345
170, incisos II e III, 205, 206, 208, 209 e 227, § 1º, inciso II, ambos
da Constituição Federal de 1988.
Em apertada síntese, a requerente afirma que a Lei
13.146/2015 propõe medidas com custos vultosos para as escolas
privadas, obrigando estas a oferecer ensino educacional adequado
e inclusivo às pessoas com deficiência.
A decisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal
(STF) foi acertada e causou repercussão geral, pois, estabelece a
obrigatoriedade das escolas privadas de promover e regular as
adaptações necessárias param às pessoas com deficiência no ensino
regular, sem acrescentar custos adicionais nas mensalidades,
anuidades e matrículas dos alunos.
Ressalta-se, que a decisão buscou embasamento, na
legislação internacional e legislação constitucional brasileira, para
proteção e ampliação dos direitos fundamentais das pessoas com
deficiência.
Importante elencar, que a lei 13.146/2015, assume o
compromisso ético de acolhimento, exigindo que as escolas
públicas e privadas deverão atuar todo o seu ensino e
potencialidades no direito fundamental à educação dos deficientes.
Pois, o convívio com a diferença na construção de uma sociedade
justa, livre e solidária, é necessário para que todos se conscientizem
e promovam uma sociedade sem preconceitos de origem, raça, cor
e quaisquer formas de discriminação. Nessa mesma linha, é
necessário citar as palavras de Luiz Alberto David de Araújo: “[...]
conviver com a diferença não é direito dos diferentes apenas; é
direito nosso, da maioria, de poder conviver com a minoria; e
346
aprender a desenvolver tolerância e acolhimento” (ARAÚJO, 2015,
p. 510).
E ainda, o ensino inclusivo é política pública imutável,
desenhado, planejado e organizado ao longo do tempo em espaços
deliberativos em âmbito nacionais e internacionais dos quais o
Brasil faz parte. Não obstante, foi integrado à Constituição Federal
de 1988 como regra.
Seja para a busca e conquista, de objetivos comuns, como
por exemplo, a extinção das desigualdades sociais, ou a busca de
objetivos individuais, igualdade entre todos os indivíduos; não
apenas pelo fator jurídico de proteção, que extingue a lei do mais
forte, mas também por uma questão de evolução da própria espécie
humana e da sociedade como um todo.
Nesse aspecto, o objetivo da política nacional
educacional, na perspectiva da educação inclusiva, é o de assegurar,
segundo o Ministério da Educação (MEC) é “o acesso, a
participação e a aprendizagem dos estudantes com deficiência,
transtornos
globais
do
desenvolvimento
e
altas
habilidades/superdotação nas escolas regulares, orientando os
sistemas de ensino para promover respostas às necessidades
educacionais, garantindo: Transversalidade da educação especial
desde a educação infantil até a educação superior; Atendimento
educacional especializado (...)”.
Portanto, é imperioso concluir, que a lei 13.146/2015, não
inovou quanto aos direitos e deveres dos estabelecimentos de
ensino, pelo contrário, ratificou o que já está em voga nas
legislações nacionais e internacionais e, consequentemente, de
347
oferecer acessibilidade, programas e recursos necessários aos
deficientes no processo de ensino e aprendizagem.
Assim, os artigos 28, § 1º e 30 da Lei 13.146/2015, estão
longe de afrontarem os preceitos constitucionais invocados. Isto é,
encontram-se em conformidade com a Constituição Federal de
1988, com advento, no direito à educação e em sintonia com os
princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana.
Também é digno de nota, o conteúdo da cartilha do Ministério
Público Federal, in verbis:
A educação inclusiva garante o cumprimento
do direito constitucional indisponível de
qualquer criança de acesso ao Ensino
Fundamental, já que pressupõe uma
organização pedagógica das escolas e práticas
de ensino que atendam às diferenças entre os
alunos, sem discriminações indevidas,
beneficiando a todos com o convívio e
crescimento na diversidade”.
Em continuação, esses conceitos e diretrizes mundiais
para a inclusão social, encontram-se na Declaração de Salamanca
de 1994 e na Convenção de Guatemala de 1999, dentre tantos
outros documentos que influenciam às políticas públicas de
educação inclusiva no Brasil.
Enfim, em um Estado democrático de direito, todos os
estabelecimentos de ensino, tanto público e privado, devem
matricular todas as crianças e adolescentes, sem qualquer
discriminação, buscando uma melhor construção da sociedade a
348
aplicação do direito fundamental, reduzindo as desigualdades
sociais, econômicas e a exclusão social das pessoas com deficiência.
Não basta, a imensa importância dos deveres impostos
por lei, denominados fundamentais, os deveres humanos
constituem as melhores práticas sociais, não escritas. Seguir os
direitos fundamentais dos deficientes, descritos em lei, é o mais
básico necessário, cumprir com os direitos humanos (das pessoas
com deficiência) é elevar a convivência em sociedade a um nível
mais alto, puramente ético e moral.
6. Considerações Finais
Além do mais, é importante a relação das crianças sem
deficiência, a convivência com crianças com deficiência. Ou seja,
uma escola preocupada em ir mais além das questões econômicas,
tende, na verdade, em preparar seus alunos para a vida.
Assim, a presença de crianças com deficiência no ensino
regular, serve como uma oportunidade especial de apresentar a
todas as crianças, principalmente às que não têm deficiências, uma
lição fundamental de humanidade, isto é, um recinto de
convivência sem exclusões e discriminações, tornando-se um
ambiente de fraternidade e solidariedade num contexto geral.
Nesse contexto, o sucesso da inclusão social e escolar das
crianças com deficiência, exige mudanças de mentalidade e ensino;
por meio da adequação de práticas pedagógicas e, só se consegue
atingir esse objetivo, quando a escola formal assume que as
dificuldades de alguns alunos não são apenas deles, mas no modo
de como os profissionais de ensino ministram suas aulas.
349
O Estatuto da Pessoa com Deficiência é categórico ao
estabelecer em seus artigos 28, § 1º e 30, a obrigatoriedade das
escolas de promover e regular as adaptações necessárias para às
pessoas com deficiência no ensino regular, sem acrescentar custos
adicionais nas mensalidades, anuidades e matrículas dos alunos.
Analisando uma das atribuições dos Poderes Públicos
sobre o ponto de vista dos direitos fundamentais e sociais, pode-se
afirmar que os direitos das crianças com deficiência devem ser
promovidos tanto pelo Estado quanto pela sociedade. Assim, o
Estado ao promover direitos, como por exemplo, o direito à
inclusão social dos deficientes, propõe a sociedade civil a cumprir
com seus deveres, principalmente no respeito ao próximo, nesse
caso, as pessoas com deficiência.
E por fim, verifica-se que a inclusão das crianças
deficientes no ensino formal é necessária, pois consistem em
adequar os sistemas gerais da escola regular, efetivando as políticas
públicas em prol das necessidades de cada indivíduo, para que haja
igualdade e sociabilidade entre todos os interessados.
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Pessoas com Deficiência no Brasil: A Aparente Insuficiência da
Constituição e uma Tentativa de Diagnóstico. In: ROMBOLI,
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Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 40.
353
A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA TERMINOLOGIA PARA
SE REFERIR ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA À LUZ DO
DIREITO À DIGNIDADE
THE HISTORICAL CONSTRUCTION OF TERMINOLOGY
TO REFER TO PEOPLE WITH DISABILITIES IN THE
LIGHT OF THE RIGHT TO DIGNITY
Bruno Martins Teixeira44
Fabrício Veiga Costa 45
Resumo: Este artigo trata das terminologias para designar as
pessoas com deficiência, partindo do período pós-Primeira Guerra
até a atualidade, quando se passou a adotar o termo “pessoas com
deficiência”, em 2009. Faz-se uma incursão sobre os movimentos
sociais que motivaram essas alterações, correlacionando-as com as
várias teorias que informam o princípio da dignidade da pessoa
humana. Partindo dessa análise, conclui-se que é urgente um
maior investimento em Educação, de forma a incutir nos cidadãos,
desde cedo, o respeito à dignidade de todas as pessoas, com ou sem
deficiência. Utiliza-se o método histórico, com aplicação da técnica
da pesquisa bibliográfica.
Palavras-chave: Terminologia; Pessoas com deficiência; Evolução
histórica; Dignidade; inclusão.
44
Mestrando em Direito pela Universidade de Itaúna – MG. Servidor público.
Advogado.
45
Pós-Doutor em Educação pela UFMG. Doutor e Mestre em Direito Processual
pela PUCMINAS. Professor do Programa de Pós-graduação stricto sensu em
Proteção dos Direitos Fundamentais da Universidade de Itaúna. Professor da
graduação em Direito da FAPAM; FPL; FASASETE; FAMINAS-BH.
354
Abstract: This article deals with the terminologies to designate
people with disabilities, starting from the post-World War I period
until the present time, when the term "people with disabilities" was
adopted in 2009. There is an incursion into the social movements
that motivated these changes, correlating them with the various
theories that inform the principle of the dignity of the human
person. Based on this analysis, it is concluded that there is an
urgent need for greater investment in education, so as to instill in
the citizens, from an early age, respect for the dignity of all people,
with or without disabilities. The historical method is used, applying
the technique of bibliographic research.
Keywords: Terminology; People with disabilities; Historical
evolution; Dignity; Inclusion.
1. Introdução
As pessoas com deficiência nem sempre foram
designadas desse modo. Historicamente, tendo como ponto de
partida o Constitucionalismo pós-Primeira Guerra, registra-se que
expressões como “inválido” ou “deficiente” foram as primeiras
formas usadas para se referir a esse grupo vulnerável (SASSAKI,
2014).
A análise dos motivos que levaram às alterações dos
diversos termos utilizados para se referir às pessoas que têm
deficiência, até que se chegasse à nomenclatura atual, tem a
utilidade de explicitar uma importante faceta da evolução dos
movimentos de inclusão social, mostrando um importante aspecto
da ampliação da proteção jurídica dessa minoria.
355
Com a ratificação da Convenção Internacional sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência – CDPD, aprovada pelo
Decreto Legislativo 186/2008 e promulgada pelo Decreto 6.949,
vários países do mundo, incluindo o Brasil, adotaram oficialmente
a terminologia “pessoas com deficiência”, em detrimento das
demais formas de designação. Apesar disso, nos setores
educacionais ainda se presencia a referência a “pessoas com
necessidades especiais”, sob a justificativa de que essa forma
destacaria a obrigação do Estado e da Sociedade em criar condições
para permitir uma inclusão mais efetiva. A CDPD, além disso,
reveste-se de significativa importância política, uma vez que suas
disposições destacam incisivamente a necessidade de oportunizar
uma ampla participação social desses indivíduos enquanto
autônomos, independentes e dotados de plena capacidade legal.
As estatísticas oficiais mais recentes dão conta de que uma
em cada 10 pessoas em todo mundo possui alguma deficiência 46.
No Brasil, o último censo oficial aponta que 23,9 % de toda
população declarou ter pelo menos uma deficiência. 47 Ao
confrontarmos esses dados com o volume de participação de tais
pessoas nos vários setores da sociedade, sobretudo na educação e
no mercado de trabalho, verificamos que há uma injusta
desigualdade a ser superada. Essa constatação leva-nos a indagar
sobre se tais pessoas estão vivendo dignamente. O Princípio da
46
Dados
disponíveis
deficiencia/5459
47
em:
https://www.unric.org/pt/pessoas-com-
Disponível
<biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/94/cd_2010_religiao_deficiencia
.pdf. p.73.
356
Dignidade da Pessoa Humana, inscrito na Constituição de 1988
como um dos Fundamentos da nossa Democracia, põe-se como
importante pano de fundo para buscarmos a resposta.
Neste trabalho, analisaremos a importância da evolução
histórica do uso das terminologias usadas para designar as pessoas
com deficiência nos ordenamentos internacionais e na legislação
pátria, verificando os sentidos que foram emprestados a cada uma
das nomenclaturas, as implicações jurídicas daí decorrentes e os
debates que se formaram em torno dessa questão em cada época.
Também examinaremos o conceito de Dignidade da Pessoa
Humana, sob o aspecto filosófico e jurídico-constitucional,
buscando correlacioná-lo com a escolha oficial do termo “pessoas
com deficiência”. Espera-se que seja demonstrada a relevância
jurídica do liame histórico entre as conquistas obtidas por essas
pessoas e as constantes modificações nas formas pelas quais têm
sido designadas.
2. Evolução histórica das terminologias para se referir às
pessoas com deficiência
Do período conhecido como Constitucionalismo - cujo
surgimento ocorreu a partir do término da Primeira Guerra
Mundial - até por volta dos anos 1960, era comum utilizar o termo
“incapacitados” para se referir aos combatentes que voltavam das
batalhas com alguma deficiência. A partir desse momento, verificase um significativo aumento na regulamentação de vários direitos
das pessoas com deficiência (BRAUN, 2007, p. 73).
357
A expressão “os incapacitados”, significava, de início,
indivíduos sem capacidade, e mais tarde “indivíduos com
capacidade residual”, mas o significado que a sociedade adotaria
seria o de falta de capacidade de fazer algumas coisas por causa da
deficiência (SASSAKI, 2014, p. 1). É preciso lembrar que a esta
altura havia um movimento de reconstrução de muitas nações,
com o crescente aumento na competitividade entre as empresas e
o início de uma economia globalizada, contexto que não favorecia
a inclusão de pessoas vítimas desse estereótipo.
O Decreto n. 60.501, de 14/03/1967, que aprovara a
redação do então Regulamento Geral da Previdência Social,
empregava no artigo 126 a expressão “os inválidos” para aludir
àqueles que poderiam usufruir do processo de reabilitação
profissional 48.
A Emenda Constitucional n. 1 de 1969, de 17/10/1989,
utilizava a expressão “excepcionais”, anotando no artigo 175, § 4º
que “Lei especial disporá sobre a assistência à maternidade, à
infância e à adolescência e sobre a educação de excepcionais”.
Durante a década de 1950, duas importantes instituições
dedicadas à causa das pessoas com deficiência foram instaladas no
Brasil: A Associação de Assistência a Criança Defeituosa,
posteriormente Associação de Assistência a Criança Deficiente 48
Nota-se que para tratar especificamente das aposentadorias em decorrência de
doença grave, continua sendo usada na legislação o termo “aposentadoria por
invalidez” (Art. 40, § 1º, I e 201, I da CF; Art. 18, I, a) da Lei 8.213/91;Art. 186, I
da Lei 8.112/90).
Por outro lado, genericamente os aposentados no
funcionalismo público civil ainda continuam sendo designados como “inativos”
(Art. 40, caput, da CF e art.)
358
AACD, fundada em 1950 pelo médico especialista em Ortopedia
Dr. Renato da Costa Bonfim, cuja criação foi inspirada nos centros
de reabilitação no exterior, está entre os melhores hospitais de
ortopedia da atualidade e é referência no tratamento de pessoas
com deficiência física 49; e a Associação de Pais e Amigos dos
Excepcionais - APAE, fundada em 1954, na cidade do Rio de
Janeiro, tendo como principal objetivo propiciar atenção integral à
pessoa com deficiência intelectual e múltipla e está presente hoje
em mais de 2 mil municípios em todo o território nacional. 50 Nessa
década, a sociedade passou a usar as palavras “excepcional” e
“deficiente”.
O termo “excepcional”, historicamente sempre esteve
associado às pessoas com deficiência mental. O uso da expressão
não teve boa recepção social e caiu em desuso, haja vista que as
pessoas com superdotação também são excepcionais. (SASSAKI,
2014, p. 1) Além disso, não haveria sentido, por exemplo, em se
chamar uma pessoa portadora de HIV de excepcional (ARAÚJO,
2011, p.15).
Como afirma (GUGEL, 2016, p. 55), “sob qualquer
ângulo de análise, o que não se permite ao intérprete das normas
em vigor é a associação da deficiência com incapacidade,
principalmente para o trabalho e para a vida independente”.
A partir dos anos 70, a Organização das Nações Unidas ONU iniciou a elaboração de documentos normativos importantes
no tocante às pessoas com deficiência. Destacam-se, entre eles, a
49
50
Disponível em: <https://aacd.org.br/conheca-aacd/
Disponível em: <http://apae.com.br/
359
Declaração dos Deficientes Mentais (aprovada pela Resolução da
ONU n. 2.856, de 1971) e, mais tarde, a Declaração das Pessoas
Portadores de Deficiências (Resolução da ONU n. 30/84, de
09/09/1975).
A Emenda Constitucional n. 12, de 17/10/1978, que
tratava da melhoria da condição social e econômica desse grupo
vulnerável, refere-se aos indivíduos com deficiência apenas com o
uso do substantivo “deficiente”.
De acordo com Moreira, Gaelzer e Batista (2016, p.256):
A palavra deficiente só deixou de ser utilizada
como um substantivo na década de 80,
quando passou a assumir o sentido de
adjetivo, caracterizando o substantivo
“pessoa”. Entre o final dessa referida década e
o início da próxima (90), alguns especialistas
começaram a contestar o uso da designação
pessoa deficiente, pois, para eles, o adjetivo
acabava sobrepondo-se ao substantivo, não
conseguindo, desse modo, reverter o processo
de estigmatização que somente o uso do
substantivo – deficiente – já carregava. Assim,
passou-se a ser utilizada a designação pessoas
portadoras de deficiência, em uma referência
à deficiência como um valor agregado das
pessoas.
No ano de 1981 a Organização das Nações Unidas – ONU
inaugurou o Ano Internacional das Pessoas Deficientes, como
resposta a reivindicações de diversas entidades representativas
dessas pessoas no mundo.
360
Em 1983 a OIT assumia, mediante a adoção da
Convenção n. 159, o compromisso de Reabilitação Profissional e
Emprego de Pessoas Deficientes. Referida Convenção foi ratificada
pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo n. 129, de 22/05/1991.
Durante a década de 1980 houve significativa
intensificação dos movimentos sociais em torno da questão do
reconhecimento dos direitos das pessoas com deficiência. A
Constituição Federal de 1988, em resposta a essas demandas,
legitimou o termo “pessoa portadora de deficiência”, o que se
repetiu em várias normas infraconstitucionais como a Lei 8.112, de
11/12/1990 (Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores
públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas
federais.), a Lei 8. 213, de 24/07/1991 (trata dos Planos de
Benefícios da Previdência Social) e a lei 8.742, de 07/12/1993 (Lei
Orgânica da Assistência Social – LOAS).
Como destaca Sarlet (2014, p. 60):
Após inúmeras discussões na direção de se
estabelecer uma terminologia melhor
adequada, foi acordada no evento
denominado “Encontrão”, realizado no ano
de 2000, em Recife, cujo tema principal era
Deficientes do Século XXI – O Século da
Diferença: Por uma Sociedade Eficiente
Quando o Preconceito Esquece o D”, a adoção
da terminologia “pessoas com deficiência”,
em detrimento de quaisquer outras
expressões.
361
Mas a citada validação, no âmbito internacional, só
aconteceria efetivamente com aprovação da Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência –
CDPD e seu protocolo facultativo, assinados em Nova York em
30/03/2007. Por força da ratificação dada por meio do Decreto
Legislativo n. 186/2008, em 09/07/2008, e com a publicação do
Decreto no. 6.949, de 25/08/2009 (DOU de 26/08/2009), o Brasil
optou pela expressão “pessoas com deficiência”.
É preciso destacar que a CDPD, por ter sido aprovada na
forma do artigo 5º, § 3º da CF, foi inserida no ordenamento
Constitucional com status de Emenda Constitucional. Portanto,
ficaram revogados no texto da Constituição os usos da expressão
“portadores de deficiência”. Desse modo, Entendemos como
Araújo (2011, p. 16), que “a Constituição deveria já estar retificada
para ‘pessoa com deficiência’, nome atual, constante de norma
posterior, convencional, de mesmo porte de uma emenda. Sendo
assim, a Constituição já foi alterada neste tópico”.
Outro aspecto importante acerca do texto da CDPD é o
que consta no item e) de seu preâmbulo, onde se ressalta o
reconhecimento social de “que a deficiência é um conceito em
evolução e que a deficiência resulta da interação entre pessoas com
deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que
impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade
em igualdade de oportunidades com as demais pessoas”.
Em sintonia com a mudança constitucional, o Conselho
Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência - CONADE
atualizou o texto do seu Regime Interno, no ano de 2010,
362
substituindo a nomenclatura “Pessoas Portadoras de Deficiência”
para “Pessoas com Deficiência”51.
Gugel (2016, p.46) comenta ainda que é impróprio usar
siglas como ppd (pessoa portadora de deficiência), sd (pessoa com
síndrome de down), dm (deficiente mental), pcd (pessoa com
deficiência), afirmando ser mais adequada a utilização de siglas
para se tratar de marcas e não para designar pessoas com
reconhecida capacidade legal.
Pode-se perceber que foram muitas as mudanças no uso
dos termos técnicos para se referir às pessoas com deficiência nos
últimos 100 anos, o que demonstra que houve uma preocupação
com os efeitos sociais de optar por essa ou aquela terminologia.
Deve ser salientado que as alterações se deram quase sempre em
resposta imediata aos reclames da população interessada, sempre
por meio de análise jurídica e social criteriosa orientada a
promover o bem-estar dessas pessoas.
Explorando os contrapontos entre a visão médica e social
da deficiência, Portela (2016, p. 05) afirma que
apesar da OMS adotar a expressão deficiência
como a mais adequada a partir da
modificação de seu conteúdo, dentro da
abordagem social e das determinantes sociais,
a terminologia “pessoa com necessidades
especiais” parece ser a mais apropriada. Isto
porque, passa-se a exigir dos poderes públicos
51
Resolução n. 1, de 15/10/2010, do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa
com Deficiencia (CONADE) que altera o Regime interno do CONADE.
363
a adequação dos espaços e políticas públicos
para
todo
e
qualquer
cidadão,
independentemente de sua configuração
corporal ou mental, abrangendo não só
pessoas
com
necessidades
especiais
permanentes, como também aquelas com
necessidades especiais transitórias – como por
exemplo, a grávida - afinal todos são cidadãos
brasileiros.
Sob os citados fundamentos, no âmbito educacional
continua sendo usado correntemente o termo “pessoas com
necessidades especiais”, bem como suas variáveis “educandos com
necessidades especiais”, “alunos com necessidades educacionais
especiais”, dentre outras.
Em que pese a opção terminológica indicada como mais
apropriada, não há como se afastar a utilização do termo “pessoa
com deficiência”, principalmente pelos entes públicos, uma vez
que foi estabelecido pela Convenção sobre Direitos das Pessoas
com Deficiência”
3. Dignidade da Pessoa Humana e deficiência
As pessoas com deficiência convivem há muito tempo
com o estigma de possuírem uma deficiência, cujas implicações
devem ser encaradas séria e cientificamente.
Segundo o Dicionário Houaiss (HOUAISS, 2001, p.
1253,)a palavra estigma significa “marca ou cicatriz deixada por
ferida; sinal natural no corpo; sinal infamante outrora aplicado,
com ferro em brasa, nos ombro ou braços de criminosos, escravos,
364
entre outros que significam uma marca, uma diferenciação que se
pretende manter com um certo objetivo”.
O sociólogo canadense Ervin Goffman (1988, p.5) elucida
mais detalhada e claramente a origem do termo:
Os
gregos,
que
tinham
bastante
conhecimento de recursos visuais, criaram o
termo estigma para se referirem a sinais
corporais com os quais se procurava
evidenciar alguma coisa de extraordinário ou
mau sobre o status moral de quem os
apresentava. Os sinais eram feitos com cortes
ou fogo no corpo e avisavam que o portador
era um escravo, um criminoso ou traidor uma
pessoa marcada, ritualmente poluída, que
devia ser evitada; especialmente em lugares
públicos. Mais tarde, na Era Cristã, dois
níveis de metáfora foram acrescentados ao
termo: o primeiro deles referia-se a sinais
corporais de graça divina que tomavam a
forma de flores em erupção sobre apele; o
segundo, uma alusão médica a essa alusão
religiosa, referia-se a sinais corporais de
distúrbio físico. Atualmente, o termo é
amplamente usado de maneira um tanto
semelhante ao sentido literal original, porém
é mais aplicado à própria desgraça do que à
sua evidência corporal.
Em outras palavras, dentro do contexto analisado o
estigma representa uma discriminação injusta em razão de um
preconceito que se baseia na deficiência antes de considerar os
demais atributos da pessoa, como suas habilidades e suas virtudes.
365
Qualquer que seja o ponto de partida para tratar esse
tema, seremos levados a concluir que apenas as deficiências que
causam algum “incômodo” no meio social são importantes, do
ponto de vista jurídico, máxime porque podem ser percebidas
como algum prejuízo ao plano proposto pelo ideário capitalista.
Nesse debate, não se pode afastar da questão
socioeconômica. Verificamos, por exemplo, que no tocante às
oportunidades de trabalho os óbices para a inclusão da pessoa com
deficiência são mais evidentes. É que aí, nos ambientes de trabalho
em geral, é onde iremos encontrar os maiores contrastes à condição
das pessoas com deficiência. Por isso é que hoje há tantos estudos
envolvendo o acesso dessas pessoas ao mercado de trabalho. Nesse
contexto, tem-se claramente a presença de um estigma, consistente
na simples resistência em relação à contratação das pessoas com
deficiência, ou na dificuldade de se aceitar o desafio de adaptar as
condições e os ambientes de maneira a integrá-las de forma
positiva 52.
Vimos que durante o caminhar evolutivo das escolhas da
melhor terminologia para designar tais pessoas nunca se deixou de
usar o vocábulo “deficiente”. É preciso frisar que “deficiente” tem
o significado etimológico que remete a algo falho, incompleto
(HOUAISS, 2001, p. 926). O mercado, como haveria de ser, não
tolera falhas, incompletudes ou incapacidades, o que pode explicar
parte das dificuldades de inclusão.
52
Sabemos que há outros elementos a serem considerados, como a insuficiente
capacitação que essas pessoas muitas vezes trazem, o que nesse caso situa o
problema mais no âmbito educacional.
366
Também no âmbito público pode haver certa confusão, já
que a Constituição Federal prevê textualmente, no artigo 37, a
obrigação de a administração pública se pautar pelo princípio da
eficiência. A doutrina explica que é considerado tecnicamente
“eficiente” o trabalho do servidor público que seja feito com
presteza, perfeição e rendimento funcional (MEIRELLES, 2006, p.
96). A “eficiência” exigida do servidor público e a “deficiência” que
este por acaso possua são conceitos que devem ser ponderados de
forma independente, sobretudo durante o estágio probatório, que
é o momento em que o trabalho será posto à prova. Por isso, os
procedimentos de realização da avaliação do estágio probatório,
em se tratando de pessoas com deficiência, deverão ser sopesados
com base em um critério de razoabilidade, que pode ser aqui
traduzido como simples bom senso.
Há ainda outros âmbitos em que a deficiência muitas
vezes é percebida primeiramente como um problema. Por
exemplo, no que diz respeito à adaptação da arquitetura pública,
cuja reformulação dos logradouros, praças e demais locais públicos
exige muitas vezes altos investimentos financeiros.
Dentro dessa contextualização, vê-se que a maioria dos
empecilhos para a concretização da necessária acessibilidade passa
quase sempre pela questão econômica.
Nossa Constituição já assentou, no artigo 1º, III, que a
dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República.
Significa dizer que respeitar a dignidade de todas as pessoas é um
dos pilares da nossa estrutura social. Portanto não se pode permitir
que valores que se colocam à margem da dignidade possam reduzir
sua importância.
367
É importante destacar, nesse sentido, a proteção que a
CDPD confere às pessoas com deficiência no artigo 28, quando
trata do “Padrão de vida e proteção social adequados”. Firmando o
compromisso de reconhecer direitos relativos à alimentação,
vestuário, moradia, saneamento básico, bem como ao acesso a
programas de redução da pobreza, a Convenção age em ponto
importante da dignidade dessas pessoas, qual seja, sua subsistência.
Não se trata de “dar o peixe”, mas de criar condições para que o
acesso a tais valores seja possível.
Mas poderíamos ainda perguntar sobre o que seria a
“dignidade da pessoa humana” para o Direito?
Barroso (2009, p. 250) informa que
A dignidade da pessoa humana é o valor e o
princípio subjacente ao grande mandamento,
de origem religiosa, do respeito ao próximo.
Todas as pessoas são iguais e têm direito ao
tratamento igualmente digno. A dignidade da
pessoa humana é a ideia que informa, na
filosofia, o imperativo categórico kantiano,
dando origem a proposições éticas
superadoras do utilitarismo: a) uma pessoa
deve agir como se a máxima de sua conduta
pudesse transformar-se em uma lei universal;
b) cada indivíduo deve ser tratado como um
fim em si mesmo, e não como um meio para
realização de metas coletivas ou de outras
metas individuais.
Como lembra Silva (2002, p. 105), além do respeito à
dignidade da pessoa humana enquanto fundamento da ordem
368
constitucional, também é necessário atentar-se para o conteúdo
normativo eficaz da dignidade da pessoa humana nos dispositivos
que estabelecem uma ordem econômica garantidora de uma
existência digna (art. 170), e naqueles que preveem a realização da
justiça social (art. 193) e da promoção da educação visando o pleno
desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da
cidadania (art. 205).
De forma mais objetiva, Dworkin (2003, p. 333 e 334)
afirma que o direito à dignidade é aquele que as pessoas têm de não
“serem tratadas de um modo que, em sua cultura ou comunidade,
se entende como demonstração de desrespeito.
Em linguagem simples, exercer a dignidade da pessoa
humana é respeitar as diferenças, tarefa que exige de todas as
pessoas o compromisso de se colocar no lugar do outro, buscando
compreender quais as suas necessidades e qual a maneira de
atendê-las sem impedir o exercício da sua autonomia.
Soares e Locchi (2016, p.39), no artigo intitulado “O papel
do indivíduo na construção da dignidade da pessoa humana”,
manifestam preocupação com pensamento atual presente na maior
parte do ocidente que entende que o papel para garantir a
dignidade de todos é exclusivamente do Estado, retirando toda a
responsabilidade do indivíduo na construção de sua própria
dignidade.
Portanto, o direito à dignidade da pessoa humana se
resolve à medida que se ampliam as possibilidades de participação
social da pessoa com deficiência, bem como a sua autonomia
enquanto cidadão.
369
4. A Construção da terminologia “pessoas com deficiência” à
luz do princípio da Dignidade da Pessoa Humana
Como vimos, a terminologia “pessoas com deficiência” é
hoje adotada oficialmente no Brasil por força da Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência –
CDPD, cuja recepção constitucional entre nós se deu por meio do
Decreto no. 6.949, de 25/08/2009 (DOU de 26/08/2009).
Com o advento da CDPD, em 2009, não há mais dúvida
que o melhor termo a ser utilizado é “pessoa com deficiência”.
Conforme destaca Gugel (2016, p. 46)
não mais deve ser repercutida a antiga
proposta de utilização da sigla “Pode”
(portadoras de direitos especiais) proposta
pela Missão Urbana e Rural, em 2001, ou
qualquer outra designação como pessoa com
(ou portadora de) necessidades especiais. Esse
último termo é próprio para a área da
educação, introduzida pela Lei de Diretrizes e
Bases da Educação, que designa não só as
pessoas com deficiência, mas também as
pessoas superdotadas, obesas, idosas, autistas,
pessoas com distúrbios de atenção,
emocionais e outras.
A Convenção afasta a visão médica exclusiva e passa a
ampliar o conceito de deficiência, com a visão médica e social,
indicando que não é a pessoa que deve se adequar ao espaço
público e à sociedade, mas esta deve estar preparada para acolher
370
os cidadãos independentemente da sua configuração corporal ou
mental.
Conforme Portella (2016, p. 12):
Dentro desta perspectiva, houve a opção pela
expressão “pessoa com necessidades
especiais”, que podem ser permanentes ou
temporárias. O espaço e serviço públicos
devem ser adaptados, a escola deve ser
adaptada, a sociedade em geral deve estar
preparada para receber o cadeirante, a
gestante, o idoso, o autista, etc. Este é o grande
desafio para a inclusão sem estigmatizar.
Segundo Araújo (2011, p. 16)
Atualmente, a expressão utilizada é ‘pessoa
com deficiência’. A ideia de ‘portar’,
‘conduzir’ deixou de ser a mais adequada. A
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência, que ingressou no sistema
constitucional brasileiro por força do
Decreto-Legislativo n. 186 de 09 de julho de
2008 e do Decreto de Promulgação n. 6949, de
25 de agosto de 2009, utiliza-se da expressão
contemporânea, mais adequada. A pessoa
(que continua sendo o núcleo central da
expressão) tem uma deficiência (e não a
porta).
Convém ressaltar que, muitas vezes, não há
qualquer motivo para que uma pessoa
encontre dificuldades de inclusão, pois não
apresenta qualquer problema motor ou
mental. No entanto, poderá haver fator que
371
dificulte a inclusão desse indivíduo em
decorrência de sua aparência. A lesão inexiste.
Sua aparência, no entanto, causará a
dificuldade para a inclusão (por exemplo,
uma mancha no rosto, que crie problemas de
inclusão social). Em outros casos, com a
mesma dificuldade que lhe trazia a lesão (por
exemplo, certas marcas deixadas por
cirurgias). Por fim, o rol proposto esqueceuse de certos grupos, que apresentam grande
deficiência enzimática, devendo submeter-se
à dieta rigorosíssima, evitando alimentos com
proteínas ou com açúcar. Ainda uma outra
observação: a classificação (até porque
temporariamente anterior) deixou de
mencionar as pessoas com o vírus do HIV,
que encontram sérias dificuldades de
adaptação na sociedade, em determinados
estágios (felizmente, nem sempre presentes
no perfil da doença) (ARAÚJO, 2011, p. 25).
Sarlet e Bublitz (2014, p. 63) em brilhante trabalho acerca
do papel da mídia no uso da terminologia com relação às pessoas
com deficiência, entendem que
Usar ou não usar termos técnicos
corretamente não é apenas uma questão
ortográfica ou de uso restrito aos profissionais
de educação e saúde. Na linguagem se
expressa, voluntária ou involuntariamente, o
respeito ou a discriminação em relação às
pessoas. Se desejamos uma sociedade
inclusiva a terminologia correta é de extrema
importância quando enfrentarmos assuntos
372
carregados de preconceitos, estigmas e
estereótipos, como é o caso das deficiências.
Sassaki (2014, p. 5), apresenta sete princípios básicos que,
segundo ele, conduziram os movimentos sociais até a escolha da
nomenclatura “pessoas com deficiência”:
1. Não esconder ou camuflar a deficiência;
2. Não aceitar o consolo da falsa ideia de que
todos têm deficiência;
3. Mostrar com dignidade a realidade da
deficiência;
4. Valorizar as diferenças e necessidades
decorrentes da deficiência;
5. Combater eufemismos que tentam diluir as
diferenças, tais como “pessoas com
capacidades especiais”, “pessoas com
eficiências diferentes”, “pessoas com
habilidades
diferenciadas”,
“pessoas
deficientes”, “pessoas com disfunção
funcional” etc.
6. Defender a igualdade entre pessoas com
deficiência e sem deficiência em termos de
direitos e dignidade, o que exige a
equiparação de oportunidades para pessoas
com deficiência;
7. Identificar nas diferenças todos os direitos
que lhes são pertinentes e a partir daí
encontrar medidas específicas para o Estado e
a sociedade diminuírem ou eliminarem as
“restrições de participação” (dificuldades ou
incapacidades causadas pelos ambientes
humano e físico contra as pessoas com
deficiência).
373
Percebe-se que os objetivos que moveram a discussão que
levou à escolha da forma de designação “pessoas com deficiência”
estão vinculados à intenção de propiciar aos interessados o
reconhecimento de que eles serão respeitados como pessoas, em
primeiro lugar, e que apesar disso a preocupação com sua
deficiência não será deixada de lado. Do mesmo modo, valoriza-se
o papel social da pessoa, como indivíduo autônomo e dono de si.
É imprescindível destacar que a CDPD legitima, em
vários de seus dispositivos, a preocupação para com a promoção da
dignidade da pessoa com deficiência: No itens a) e h) do seu
preâmbulo, faz menção à dignidade como um dos princípios
consagrados na Carta das Nações Unidas e reconhece que a
discriminação contra qualquer pessoa, por motivo de deficiência, é
uma violação da dignidade e do valor inerentes ao ser humano; No
artigo 1, apresenta o propósito de promover o respeito pela
dignidade das pessoas com deficiência; Dentre os princípios gerais,
no artigo 3, a), exalta o respeito pela dignidade, a autonomia
individual, a liberdade de fazer as próprias escolhas e a
independência das pessoas; Convoca a sociedade e o Estado para o
fomento desse respeito, (Artigo 8, 1, a); No artigo 24, a), apresenta
como um dos principais objetivos educacionais o de possibilitar o
pleno desenvolvimento do potencial humano e do senso de
dignidade e autoestima.
A cada dia que passa a sociedade vem se engajando mais
na realização do respeito à condição humana dos diversos grupos
vulneráveis existentes. Isso ficou demonstrado, no caso das pessoas
com deficiência, no que diz respeito à mudança da forma com que
374
elas escolheram ser designadas. Tais mudanças sempre foram
precedidas de grandes movimentos sociais nos quais se buscou
promover o respeito à dignidade dos interessados, situando as
potencialidades da pessoa em patamar superior à sua deficiência.
5. Considerações finais
Vimos que no lapso de aproximadamente 100 anos que
se passaram desde o Constitucionalismo pós – Primeira Guerra
aconteceram importantes mudanças na terminologia escolhida
como a melhor para se referir às pessoas com deficiência.
No cerne de todo esse debate, sempre esteve presente a
necessidade de valorizar a condição do indivíduo primeiramente
enquanto pessoa, sem desconsiderar a deficiência que ele possui.
Com o advento da Convenção Internacional sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência, em 2009, imprimiu-se maior
valorização à promoção dos valores superiores inerentes às
pessoas, dando especial relevo ao respeito à dignidade, já antes
assentado, no texto do artigo 1º. da Constituição, como um dos
Fundamentos da nossa Democracia.
Conquanto tenha sido elaborada uma nomenclatura
adequada aos verdadeiros anseios das pessoas com deficiência,
devemos ter em mente a afirmação contida no preâmbulo da
CDPD, na alínea e), que lembra que “a deficiência é um conceito
em evolução” e “resulta da interação entre as pessoas com
deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que
impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade
em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.”
375
Diante desse contexto, é forçoso reconhecer que as
maiores possibilidades de se promover as mudanças necessárias
passam pelo aprimoramento do sistema educacional,
principalmente na esfera pública, o que reclama a destinação de
maiores investimentos para a área. As políticas governamentais
postas em prática atualmente têm demonstrado grande descaso em
relação à questão, o que reclama urgente mudança de postura de
nossa parte.
6. Referências
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380
GÊNERO E ÂMBITO ESCOLAR: NECESSIDADE DE
RUPTURA À PADRONIZAÇÃO SOCIAL
GENDER AND SCHOOL SCOPE: NECESSITY OF
RUPTURE TO THE SOCIAL STANDARDIZATION
Maria Laura Vargas Cabral 53
Sérgio Henriques Zandona Freitas 54
Resumo: A finalidade do presente estudo é a realização de uma
abordagem acerca da necessidade da discussão acerca da
identidade de gênero no âmbito escolar, e as dificuldades
enfrentadas pelos docentes de modo a exemplificar os dilemas de
abarcar tal temática ante a apresentação de padrões socialmente
aceitos engessados e de difícil desconstituição. Aborda-se ainda, a
necessidade de maior abertura dos espaços estudantis por serem de
modo inconteste um ambiente de participação e integração social,
possibilitando um debate robustecido e de construção de uma
sociedade livre de preconceitos, emancipada e comprometida com
o combate a qualquer forma de opressão. Objetiva demonstrar as
consequências advindas da omissão ao tratar de assuntos de gênero
no âmbito educacional, tanto pelos docentes, quanto pelo ente
53
Bacharel em Direito pela Faculdade Pitágoras Divinópolis. Especialista em
Direito Constitucional pela Universidade Cândido Mendes (UCAM). Mestranda
no Programa de pós-graduação Stricto Sensu da Universidade de Itaúna.
Advogada. Docente do curso de Direito pela Fundação Educacional de Oliveira
(FEOL).
54
Doutor em Direito – Pucminas. Pós-Doutor em Direito – Unisinos e PósDoutorando em Direito - Universidade de Coimbra. Professor da Pós-Graduação
Stricto
Sensu
em
Direito
da
Universidade
Fumec
CV:
http://lattes.cnpq.br/2720114652322968.
381
Estatal. A metodologia utilizada baseou-se na pesquisa teórica
bibliográfica, por meio do procedimento metodológico dedutivo.
Utilizou-se também no procedimento técnico, análises
interpretativas, comparativas, temáticas e históricas, para
possibilitar uma discussão pautada sob o ponto de vista da crítica
científica.
Palavras-Chave: Gênero; Sexualidade; Educação.
Abstract: The purpose of the present study is to approach the need
for discussion about gender identity in schools, and the difficulties
faced by teachers in order to exemplify the dilemmas of embracing
this issue in the face of the presentation of socially accepted
standards, of difficult deconstitution. It also addresses the need for
greater openness of student spaces as they are unquestionably an
environment of participation and social integration, enabling a
robust debate and building a society free of prejudices,
emancipated and committed to combating any form of oppression.
It aims to demonstrate the consequences of omission when dealing
with gender issues in education, both by teachers and by the State.
The methodology used was based on the theoretical bibliographical
research, through the methodological deductive procedure.
Interpretative, comparative, thematic and historical analyzes were
also used in the technical procedure to enable a discussion based
on the point of view of scientific criticism.
Keywords: Gender; Sexuality; Education.
382
1. Introdução
Com a crescente manifestação dos grupos minoritários a
sociedade moderna conta com a necessidade de ampliação de
espaços de debate, e com métodos de inclusão social destes que não
diferem na sua essencialidade de nenhum ser humano, merecendo
o reconhecimento e a garantia dos direitos que lhe são inerentes
como se mencionou, pela sua simples condição de ser humano.
A estes direitos incluem-se o direito e acesso à educação,
sem qualquer discriminação, disseminação de preconceito,
tornando o âmbito escolar um espaço de construção da tolerância
e aceitação diversos fatores de individualização humanística, haja
vista que “mesmo diferentes em sua individualidade, apresentam,
por sua humana condição, as mesmas necessidades e faculdades
vitais”. (DALLARI, 2002).
Pautar-se-á o presente, a pontuar as questões relativas à
identidade de gênero no âmbito educacional, assunto que ainda se
reveste de tabus, e dificuldades clarividentes de tratativa, deste
modo pretende-se responder à seguinte problemática: Quais óbices
à debates acerca de identidade de gênero nas instituições de ensino?
Estruturalmente, o trabalho se divide em quatro seções,
além da introdução e considerações finais, sendo que a primeira
tratará do direito à educação como integrante do rol de direitos
fundamentais. Posteriormente tem-se uma explanação breve da
correlação entre ideologia e gênero, a fim de propiciar melhor
compreensão da problemática do presente trabalho, por fim
abarcará as implicações do debate de gênero no âmbito
educacional tratando a princípio da individualidade do docente e a
383
posteriori da escola enquanto ambiente de construção de interação
social, e por fim as consequências da omissão estatal ante à criação
de métodos inclusão da temática.
No que tange à implicações metodológicas, utilizou-se de
pesquisa teórico-bibliográfico, haja vista a necessidade de analise
doutrinaria para se embasar a pesquisa em pauta. No que tange ao
procedimento metodológico, optou-se pelo método dedutivo, haja
vista partir-se de uma concepção macro para uma concepção micro
analítica, permitindo-se, portanto, a delimitação do temaproblema. Por fim, no procedimento técnico, foram adotadas as
análises interpretativas, comparativas, e temáticas, propiciando a
formação da crítica científica.
2. Direito à educação como direito fundamental
Cediço á tempos, que o direito à educação compõe o rol
dos direitos considerados fundamentais, e por sua vez este se
encontra eminentemente atrelado ao que se positiva por dignidade
humana. Ou seja, a simples condição de ser humano independente
de fatores de individualização pessoal, garante ao cidadão
prerrogativas de invioláveis e indissociáveis.
Pode-se dizer, portanto, que “um homem continua sendo
homem mesmo quando cessa de funcionar normalmente.”
(COMTE, 1999).
A dignidade como fator inerente à condição humana
pressupõe a tutela indistinta dos interesses destes, independente de
qualquer atributo de identidade social que seja capaz dissociar do
384
padrão socialmente aceito. Necessita-se então, de uma postura que
garanta ao ser humano, a proteção de seus direitos, de modo a
vislumbrar a dignidade humana com um pressuposto de efetivação
dos direitos fundamentais.
Distinta não seria a tratativa no que concerne ao direito à
educação, que além de positivado da Carta Magna, é elemento
essencial para construção de uma sociedade evoluída, e garante o
desenvolvimento do ser humano, não podendo dissociar-se então
da dignidade humana. Ou seja, o direito à educação torna-se uma
esfera das muitas que circundam a construção da dignidade
humana.
Tem-se no século XX, o inicio do reconhecimento da
educação “um direito social proeminente, como um pressuposto
para o exercício adequado dos demais direitos sociais, políticos e
civis.” (MACHADO e OLIVEIRA, 2001), “além de ser um direito
social, a educação é um pré-requisito para usufruir-se dos demais
direitos civis, políticos e sociais emergindo como um componente
básico dos Direitos do Homem” (MACHADO e OLIVEIRA,
2001).
Como demonstração inconteste, de que a educação é
integrante dos direitos dos seres humanos, e que constituem fator
basilar da efetivação da dignidade humana a Declaração Universal
dos Direitos Humanos em 1948, reitera a importância de
“empenhar-se por meio do ensino e da educação, em promover o
respeito pelos direitos e liberdade”.
De igual modo, o Pacto Internacional dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais (1966) enfatiza que “a educação
deve ser direcionada para o pleno desenvolvimento da
385
personalidade humana e para o senso de dignidade da própria
pessoa”.
No entanto, a realidade das redes de educação no Brasil,
não tem comungado da premissa de que os âmbitos educacionais
são espaços de construção da sociedade fraterna, sem que se possa
limitar o acesso à tal direito social pautado em preconceito ou outra
medida discriminatória.
Embora o Fórum Mundial de Educação (2000), tenha
demonstrado mencionado acerca da erradicação das disparidades
existentes entre os gêneros na educação primária e secundária e,
até 2015, tenha estabelecido como meta, atingir a igualdade entre
os gêneros em educação a realidade no que concerne à discussão
de gênero no âmbito escolar, ainda é revestida de preconceitos, e
intolerância, restando fragilizado acesso à educação e consequente
violação de direitos daqueles que se distinguem da maioria, seja por
raça, etnia, religião, orientação sexual.
A preocupação com a inclusão e erradicação da
discriminação no âmbito escolar, iniciou-se com a promoção de
mecanismos de proteção à mulher, onde à Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as
Mulheres (1979), propõe a “igualdade de direitos com o homem na
esfera da educação”.
Posteriormente, consolidou-se o posicionamento de que
a orientação sexual, também necessitaria de uma tutela no que
tange o acesso à educação, vez que integram também o elenco da
dignidade humana a liberdade sexual, de modo que a violência em
razão de orientação sexual é pertencente ao rol de violências de
gênero. (BORRILLO, 2009 apud BRASIL, 2012).
386
No Brasil, o Estatuto da Juventude dispõe da vedação à
discriminação de jovens em razão de sexo ou orientação sexual, e
imputa ao poder público à necessidade de se incluir na formação
de profissionais de diversas áreas, entre eles os profissionais da
educação a discussão de “temas sobre questões étnicas, raciais, de
deficiência, de orientação sexual, de gênero e de violência
doméstica e sexual praticada contra a mulher” (BRASIL, 2013).
Embora no Brasil, ainda existam documentos que
dispõem de propósitos para se conseguir a erradicação da violência
de gênero no âmbito educacional, - cita-se Planos Nacionais de
Políticas para as Mulheres (BRASIL, 2013), e o Plano Nacional de
Promoção da Cidadania e dos Direitos Humanos de LGBT
(BRASIL, 2009) – a efetivação de tais metas encontram-se longe de
se concretizarem.
No ano de 2012, no Brasil, em demonstração ainda mais
enfática da necessidade de inclusão dos grupos minoritários nas
instituições de ensino, sem qualquer medida discriminatória,
homologou-se as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos
Humanos, referenciando a fruição do direito à educação, a todas as
pessoas independente de orientação sexual e identidade de gênero
(BRASIL, 2012), e as Diretrizes Circulares Nacionais para o Ensino
Médio que determinam à educação em direitos humanos e a
inclusão de mecanismos de inserção de temas relativos a
identidade de gênero, raça, orientação sexual em seu projeto
político-pedagógico. (BRASIL, 2012).
Por meio dos diversos painéis de discussão da
necessidade de inclusão de temas relativos à identidade de gênero
e educação, tem-se a demonstração de que as escolas são espaços
387
propícios para a promoção da aceitação da diversidade cultural,
sexual e de gêneros.
No Brasil, costumeiramente tem-se noticiado as
inúmeras atrocidades praticadas pautadas no fomento da
intolerância à diversidade, principalmente de cunho sexual.
Em 2009, segundo pesquisa a intolerância em
estabelecimentos de ensino pontuou que o Brasil chegou a 93,5%
de manifestações preconceituosas no que tange à gênero, e 87,3%
em relação à orientação sexual (MAZZON, 2009), e que o grau de
conhecimento de práticas discriminatórias sofridas por estudantes
foi de 10,9% por ser mulher e 17,4% por ser homossexual
(MAZZON, 2009).
3. Interação entre ideologia e gênero
Para melhor compreensão, é necessário o entendimento
acerca de correlação entre ideologia e gênero.
Uma das definições conceitua-se ideologia como sendo
“doutrina mais ou menos destituída de validade objetiva, porém
mantida pelos interesses claros ou ocultos daqueles que a utilizam”
(ABBAGNANO, 2003).
No entanto, a ideia de gênero, é a experiência subjetiva e
pessoal de uma pessoa em relação às categorias de gênero sociais.
Toda sociedade possui categorias e expectativas de gênero que
podem estar associadas a certas características físicas sexuais; estas
categorias podem servir de base para a identidade de gênero
pessoal em relação à sociedade.
388
É certo que o gênero não possui apenas sexo,
mas possuiu classe, raça, etnia, orientação
sexual, idade, etc. Essas diferenças e
especificidades devem ser percebidas. No
entanto, dentro desta sociedade, não podem
ser vistas isoladas de suas macros
determinações, pois, por mais que “o gênero
una as mulheres”, a homossexualidade una
gays e lésbicas, a geração una as(os) idosas(os)
ou jovens, etc., a classe irá dividi-las(os)
dentro da ordem do capital. (CISNE, 2005).
Ou seja, a identidade de gênero, é a construção ou
identificação de uma identidade que não se pauta em fatores
meramente biológicos ou binários – pautados em fatores genitais
ou o sexo que a sociedade atribui - sendo, portanto, a maneira em
que o indivíduo se identifica e se reconhece pessoalmente.
4. Implicações de gênero no âmbito educacional
Adiante, passa-se ao cerne da presente pesquisa, ao
analisar os fatores de resistência à abertura do espaço educacional
para discutirem-se questões relativas à identidade de gênero.
a. Docentes e Recepção das Discussões de Gênero
Como brilhantemente já pontua Paulo Freire (1979) “a
ação docente é a base de uma boa formação escolar e contribui para
389
a construção de uma sociedade pensante” e ainda manifesta que o
docente possui “Compromisso com os destinos do país.
Compromisso com seu povo. Com o homem concreto.
Compromisso com o ser mais deste homem”. (FREIRE, 2007).
Assim, em estando as questões de gênero em ascensão na
atualidade, é necessário que o educador esteja aberto a tais
discussões, além de reconhecer as curiosidades dos alunos sobre
tais questões entendendo que são parte integrante da condição de
construção humana, evitando qualquer manifestação de
intolerância, e preconceito e valorizando a multicultura.
Faz-se necessário ao educador desconstituir suas
preexistências de cunho moral, religioso ou biológico e se propor a
uma discussão objetiva e voltada para a quebra de tabus e qualquer
manifestação de desigualdade e/ou intolerância.
Em outras palavras, aquele que se propõe à docência deve
estar disposto à discussão, e entender que somente a partir de um
debate respeitoso, e da discussão límpida sobre o tema é que se
poderá chegar à máxima de igualdade de gênero, e respeito mútuo,
simplesmente pela condição de seres humanos e não porque as
escolhas individuais são capazes de desmembrar a sociedade.
Talvez este seja um dos maiores problemas enfrentados
quando se fala em discussão de gênero e sexualidade nos espaços
educacionais, sob a ótica do docente. A desconstrução dos padrões
opressores, que tratam a intolerância e a violência como naturais,
quando o assunto versa sobre individualidades que distinguem do
padrão socialmente aceito.
Os educadores muitas vezes não contribuem com a
valorização da autonomia da pessoa, não garante os direitos das
390
pessoas humanas, e não tratam sequer de minorar as implicações
de discriminação dos sujeitos que se diferem do que a conjuntura
social padronizou, - chamado por Judith Butler (2009) de “matriz
heterossexual”, ou seja, imposição da heterossexualidade como
padrão - seja por ausência da aceitação da diversidade, seja por
omissão.
Não se pode tratar em nenhuma hipótese de um ambiente
escolar livre de preconceito, se os docentes não se distanciarem de
firmamentos emocionais, culturais e morais para se abrir à
realidade de aceitação das minorias, que antes viviam oprimidos e
escusos ante o temor de se assumirem na sua condição de ser
humano com características e individualidades distintas do senso
comum.
Para que se fale em aceitação da diversidade e
multiculturalismo, é necessário ao educador racionalidade para
lidar com a temática, e ao Estado incumbe-se a obrigação de
capacitação dos professores para que possam se valer se métodos
de promoção para que de fato entendam a proposta da do
reconhecimento da identidade de gênero, e não disseminem
conteúdos dispares e errôneos.
É importante ressaltar que os docentes, ao se
encontrarem em posição de destaque tornam-se formadores de
opinião, portanto, a docência “exige sensibilidade diante de
qualquer discriminação no trato cotidiano, evitando que os
próprios docentes sejam a fonte de juízos, atitudes e preconceitos
que desvalorizem a experiência de certos grupos sociais, culturais,
étnicos ou religiosos” (SACRISTÁN, apud CAMPOS, 2004).
391
Além da ruptura da concepção moral/religiosa/ideológica
que detém a subjetividade dos docentes, é necessário o
conhecimento e a interação sobre “gênero” ou “identidade de
gênero”, para “que os educadores não apenas se instrumentalizem
cognitivamente, mas também recriem o modo como lidam com as
expressões da sexualidade que emergem no cotidiano escolar.
Além disso, deve-se promover a apropriação crítica da construção
histórica das desigualdades de gênero e da heteronormatividade,
bem como a desconstrução de modelos reducionistas de
compreensão do comportamento sexual que acabam por
desconsiderar importantes dimensões, como a afetiva e a de
gênero.” (GESSER, 2012).
Neste contexto, a discussão acerca de identidade de
gênero devem ser subversivas à padrões que discriminem e
reduzam a condição humana, já que “seu modo de ser homem ou
de ser mulher, suas formas de expressar desejos e prazeres não
correspondem àquelas nomeadas como ‘normais’” (LOURO,
2007).
b. Papel da escola nos debates relativos à identidade de
gênero
Há quem diga que, o ambiente escolar somente detém a
incumbência de repassar conhecimentos em disciplinas escolares
especificas – a exemplo, português, matemática -, e cabendo ao
meio familiar a construção humanística. No entanto há quem diga
que é função social de a escola tratar de assuntos de cunho social e
debater questões de interação pessoal, por ser ambiente de
392
aprendizagem e debate, sendo, portanto o local ideal para se
contribuir com a construção de novos paradigmas e uma sociedade
fraterna. (BOZON, 2004).
Torna-se inadmissível que o ambiente escolar seja omisso
à questões que envolvam relações interpessoais, ao contrário, é
papel da escola promover a interação social e acolher a hegemonia
em todas as esferas.
Para Freire (2006):
é preciso que a educação esteja - em seu
conteúdo, em seus programas e em seus
métodos - adaptada ao fim que se persegue:
permitir ao homem chegar a ser sujeito,
construir-se como pessoa, transformar o
mundo, estabelecer com os outros homens
relações de reciprocidade, fazer a cultura e a
história [...] uma educação que liberte, que
não adapte, domestique ou subjugue.
Fundamental é a colaboração do ambiente escolar para
combater opressões, e favorecer a construção da sociedade
multicultural, rompendo com o senso comum e auxiliando na
emancipação dos discentes de modo à caminhar para a formação
de uma sociedade pluralista.
Assim, “o multiculturalismo mostra que o gradiente da
desigualdade em matéria de educação e currículo é função de
outras dinâmicas, como as de gênero, raça e sexualidade, por
exemplo, que não podem ser reduzidas à dinâmica de classe.”
(SILVA, 2003).
393
A partir da omissão e da ausência de discussão de
assuntos relativos à identidade de gênero, a escola torna-se omissa
também à existência das novas concepções e identificações dos
seres humanos, e assim mantenham-se na propagação da
heterossexualidade e fomentando a discriminação, ainda que
velada.
O teórico queer brasileiro, Miskolci (2005) pontua:
A prática educativa fincada na suposta
invisibilidade da sexualidade e no silêncio
sobre as formas diferentes de amar é
homofóbica, pois pressupõe que ignorar a
existência de práticas sexuais entre pessoas do
mesmo sexo levaria os jovens a optarem pela
heterossexualidade. Assim, a instituição
escolar revela que sua neutralidade em termos
sexuais nunca passou de cumplicidade com a
forma de sexualidade hegemônica e prescrita
como única. A neutralidade se funda no
objetivo de assumir uma só via para todos, ou
seja, a neutralidade não passa de
heterossexualidade compulsória disfarçada.
Além da escusa na tratativa das discussões de gênero
fomentar a resistência à diversidade, ela ainda detém o condão de
anuir com a disseminação de informações deturpadas sobre as
concepções de orientação sexual e identidade de gênero, gerando
uma valorização do senso comum e reduzindo à possibilidade de
reconhecimento e aceitação dos reconhecimentos de gênero.
Tem-se ainda a problemática de que tornar invisível tal
debate, pode também silenciar “invisibilizar” aqueles que se
394
diferem do prognostico padronizado pela sociedade acarretando
sentimento de rejeição e sofrimento nestes. Deste modo, em se
tornando impercebíveis “aprenderão a se defender sendo cruéis
consigo próprios, ou seja, deixando de expressar o que sentem e,
provavelmente, lutando contra seus desejos.” (MISKOLCI, 2005).
A partir da omissão na tratativa e aceitação das questões
de gênero, existe ainda a eminente possibilidade de supressão do
direito fundamental à educação, haja vista que, os que não se
enquadram nos padrões socialmente aceitos poderão em virtude
do sofrimento acarretado pelas medidas discriminatórias de
distanciarem do espaço educacional e se desestimularem na
construção do conhecimento advindo da escola.
O processo de ocultamento de determinados
sujeitos pode ser flagrantemente ilustrado
pelo silenciamento da escola em relação
aos/às homossexuais. No entanto, a pretensa
invisibilidade dos/as homossexuais no espaço
institucional
pode
se
constituir,
contraditoriamente, numa das mais terríveis
evidências da implicação da escola no
processo de construção das diferenças. De
certa forma, o silenciamento parece ter por
fim “eliminar” esses sujeitos, ou, pelo menos,
evitar que os alunos e as alunas “normais”
os/as conheçam e possam desejá-los/as. A
negação e a ausência aparecem, nesse caso,
como uma espécie da garantia da “norma”.
(LOURO apud DINIS, 2008, p. 483).
395
Inadmissível se torna a postura omissa das instituições de
ensino no que tange as discussões de gênero, vez que a escola
assume papel de um local de discussões, questionamentos e de
interação social, sendo, portanto essencial na construção e
aceitação das diversas formas de manifestações de diversidade.
Ao se tratar de aceitação manifesta da diversidade, voltase ao que já se pontuou na construção deste trabalho, que é a
condição plena de ser humano independente de fatores de
individualização pessoal, não havendo, portanto qualquer tipo de
superioridade ou de altruísmo daquele que se diz tolerante ao
reconhecimento da identidade de gênero e nem mesmo uma
redução à condição de vítima daquele que se identifica com o
gênero distinto do biológico, vez que não há nenhuma vertente que
considera os padrões sociais como efetivamente corretos, e os que
dela divergem como sendo “diferentes”, e sim escolhas pautadas
somente na autonomia privada do ser humano.
[...] essas noções deixam intactas as relações
de poder que estão na base de produção da
diferença. Apesar de seu impulso
aparentemente generoso, a ideia de tolerância,
por exemplo, implica também uma certa
superioridade por parte de quem mostra a
“tolerância”. Por outro lado, a noção de
“respeito” implica um certo essencialismo
cultural, pelo qual as diferenças culturais são
vistas como fixas, como já definitivamente
estabelecidas, restando apenas “respeitá-las”.
Do ponto de vista mais crítico, as diferenças
estão sendo constantemente produzidas e
reproduzidas através de relações de poder. As
396
diferenças não devem ser simplesmente
respeitadas ou toleradas. Na medida em que
elas estão sendo constantemente feitas e
refeitas, o que se deve focalizar são
precisamente as relações de poder que
presidem sua produção. (SILVA, 2009, p. 88).
Não existe, portanto, razões ou justificativas cabíveis para
que não se encarem às discussões de gênero no âmbito estudantil,
por ser de modo inconteste o ambiente propicio para interação
social, e para a convivência multicultural, em prol da formação de
uma sociedade que trate de maneira igualitária os seres humanos,
e não os reduza a coisificação ou invisibilidade.
c. Omissão estatal nas discussões de gênero no âmbito
educacional
A partir do debate do Plano Nacional de Educação, a
“ideologia de gênero” foi defendida por uns, e rechaçado por
outros, principalmente bancadas religiosas pontuando que tratar
de questões de gênero no âmbito educacional seria a desconstrução
de posturas tradicionais.
Para a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
“as expressões “gênero” ou “orientação sexual” referem‑se a uma
ideologia que procura encobrir o fato de que os seres humanos se
dividem em dois sexos. Segundo essa corrente ideológica, as
diferenças entre homem e mulher, além das evidentes implicações
anatômicas, não correspondem a uma natureza fixa, mas são
resultado de uma construção social. Seguem o célebre aforismo de
397
Simone de Beauvoir: “Não se nasce mulher, fazem‑na mulher
(sic)”.
Deste modo, as vertentes religiosas defender a
impossibilidade de identificação dos seres humanos que seja
diferente dos fatores biológicos de diferenciação entre homens e
mulheres, justificando portanto, que qualquer aceitação da
diversidade neste viés teria o condão de desconstituir os preceitos
de “família tradicional”, e pragmática.
A ideia que circunda acerca das discussões de gênero cria
a existência de uma relação que diminui o contexto de sexualidade
que se distingue da heterossexualidade, criando a resistência à
aceitação, diminuição do ser humano, tornando-as inaptas ante os
padrões determinados no contexto cultural/ideológico/religioso,
como se a identificação pessoa do ser humano reduzisse sua
condição à coisificação.
Posterior à discussão dos Planos de Educação, grande
movimento social tomou conta da realidade política nacional, onde
grupos objetivavam impedir que os estabelecimentos de educação
abordassem em sala de aula questões de gênero, sob a ameaça de
possível manejo de ação judicial em face dos discentes que
ministrassem aulas com tal linha de debate.
Embora a visibilidade das questões de gênero tenha se
tornado latente na atualidade, a existência da necessidade em se
abordar tais questões não são inéditas, como pontua Cavaleiro
(2010) “o silêncio e a invisibilidade forçada não devem ser
confundidos com sinal de ausência”.
É válido e necessário que o Estado viabilize políticas de
inclusão dos espaços educacionais para as discussões de gênero,
398
principalmente do que tange o reconhecimento sexual que se difere
do binário – homem e mulher -, tendo em vista a constante
violência e opressão acometida à tal grupo de minorias.
Cediço, que a preocupação estatal com os a questão de
“identidade de gênero” e “orientação sexual” não se manifesta
robustecida, vez que a própria Constituição Federal a tratar da
vedação à discriminação no art. 3°, inciso IV não dispõe de tais
questões, tratando somente do “sexo biológico”, e não de
orientação sexual.
Destaca-se ainda, que 22 dos 27 Planos Estaduais de
Educação aprovados no ano de 2015 e posteriormente
sancionados, não fazem menção ao termo “gênero” ao tratar da
vedação de medidas discriminatórias. (DE OLHO NOS PLANOS,
2016).
Diante disso, os seres humanos que não se enquadram no
dispositivo da Constituição Federal, e nem mesmo foram
abarcados pelos Planos Estaduais e Educação, encontram-se
vulneráveis até mesmo da tutela protecionista que repercutirá,
portanto na rejeição das práticas sexuais e na identidade de gênero
distinta da biológica no âmbito social, enquadrando, portanto a
escola.
5. Considerações finais
Tendo por cerne, a problemática acerca das dificuldades
da discussão de gênero nos âmbitos educacionais, vislumbra-se que
é óbice no que tange à receptividade dos docentes à quebra de
paradigmas de cunho religioso, ideológico que detém a
399
heterossexualidade como o único padrão de orientação sexual
aceito.
É necessário, sim, defender a igualdade de
gênero, mas não a partir de uma ideologia
deturpada
disseminada
pelas
forças
reacionárias no debate sobre os Planos de
Educação. O que é preciso defender é a
erradicação das iniquidades de gênero, que
fazem uma distinção binária entre masculino
e feminino, relegando o feminino a um plano
inferior, estabelecendo papéis inflexíveis de
gênero para o masculino e o feminino que
apenas servem para reforçar as desigualdades,
muitas vezes originados no patriarcado, ou
uma “ordem patriarcal de gênero”
(SAFIOTTI, 2004).
Além disso, formação intelectual que possibilitem aos
docentes, domínio sobre o assunto e mecanismos para tratativa
com os discentes, para que não se aproximem do senso comum.
Segundo Giroux (1995) “cabe às professoras e professores
ultrapassar seus papéis de meros transmissores/as de informação,
uma vez que elas/es são produtores/as culturais profundamente
implicados/as nas questões públicas”.
Observou-se ainda que em uma sociedade pautada em
diversidade e multiculturalismo, não há espaço para omissão de
debates sob pena de se acarretarem violação ao direito fundamental
de acesso à educação, e ainda de potencialização das desigualdades
e intolerância.
400
A escola deve assumir sua posição de formados de
opinião e de espaço de interação e formação de concepção de
respeito à pessoa humana, e resguardando sua dignidade, de modo
que a sua essencialidade seja sobreposta à características e decisões
de autonomia privada, como é o caso da orientação sexual e
reconhecimento de gênero. O ambiente estudantil deve ainda
estabelecer medidas de combate a todas as formas de preconceito,
e discriminação.
Tem-se ainda, a necessidade de que o Estado se inteire
mais da necessidade de inclusão da tutela protecionista e vedação à
discriminação no que tange a gênero, e estabeleça propostas com
efetiva participação de discentes e docentes na construção de
espeques de promoção à inclusão e interação da diversidade, sem
reduzir os grupos minoritários à coisificação.
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404
UMA ANÁLISE SOBRE O USO DOS AGROTÓXICOS NO
BRASIL
ANANALYSISOFTHEUSEOF PESTICIDES INBRAZIL
Marcelo Kokke 55
Izabella Rios Ferraz de Almeida56
Resumo: A utilização de agrotóxicos no Brasil tem causado severos
impactos no meio ambiente e na saúde do brasileiro. O cenário
nacional demostra uma comercialização dos agroquímicos cada
vez maior, com produtores rurais totalmente dependentes dos
produtos. O objetivo deste trabalho é demonstrar exatamente esse
consumo de agrotóxicos no país e como ele tem prejudicado
fortemente a natureza e a saúde do ser humano, analisando, ainda,
a regulamentação jurídica sobre o tema, com as respectivas
responsabilidades em caso de danos ambientais e a necessidade de
evitá-los em obediência ao princípio da precaução. A metodologia
adotada baseia-se em pesquisas bibliográficas, em especial artigos
científicos atuais, com estudos de casos sobre o tema, adotando o
55
Pós-doutor em Direito Público - Ambiental pela Universidade de Santiago de
Compostela – ES. Mestre e Doutor em Direito pela PUC-Rio. Especialista em
processo constitucional. Procurador Federal da Advocacia-Geral da União.
Professor de Direito da Escola Superior Dom Helder Câmara Professor de Pósgraduação da PUC-MG. Professor colaborador da Escola da Advocacia-Geral da
União. Professor do IDDE – MG. Membro da Associação dos Professores de
Direito Ambiental do Brasil. Membro da Academia Latino Americana de Direito
Ambiental. Membro do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública. Membro da
Comissão de Advocacia Pública Federal da OAB-MG
56
Pós-Graduada em Direito Constitucional pelo Programa de Pós-Graduação do
IDDE – Instituto para o Desenvolvimento Democrático em parceria com a
Universidade de Coimbra e com a Faculdade Arnaldo
405
método hermenêutico-sistemático. Os resultados mostram que o
Brasil utiliza dos agrotóxicos de maneira indiscriminada, sem
rígida observância às quantidades, equipamentos ou formas
corretas de aplicação e, ainda, com deficiente fiscalização estatal
para coibir a ação do uso indevido. Entretanto, cabe ressaltar que o
uso dos agrotóxicos não deve somente ser assimilado como
instrumento prejudicial à saúde e ao meio ambiente, havendo de
considera-lo também em sua relevância de efeitos benéficos para a
agricultura, se usados de maneira correta.
Palavras-chave: Agrotóxicos;
Educação ambiental; Saúde.
Direito
ambiental;
Ecologia;
Abstract: The use of agrochemicals in Brazil has caused severe
impacts on the environment and health of the Brazilian. The
national scenario shows a growing commercialization of
agrochemicals, with farmers totally dependent on the products.
The objective of this work was to demonstrate exactly the
consumption of agrochemicals in the country and how it has
strongly impaired the nature and health of the human being,
analyzing also the legal regulation on the subject, with the
respective responsibilities in case of environmental damages and
the Need to avoid it in obedience to the precautionary principle.
The methodology adopted is based on bibliographical research,
especially current scientific articles, with case studies on the
subject. The results show that Brazil uses pesticides in an
indiscriminate manner, without any observance of the correct
amounts, equipment or forms of application, and also, without any
state control to curb the action of misuse. It is worth noting that
this article seeks to point out pesticides not only as harmful to
health and the environment, but also beneficial to agriculture if
used correctly.
406
Keywords:
Pesticides;
Environmental
Environmental education; Health.
law;
Ecology;
1. Introdução
Os agrotóxicos, de acordo com a Lei 7.802/89, são “os
produtos e os agentes de processos físicos, químicos ou biológicos,
destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e
beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção
de florestas, nativas ou implantadas, e de outros ecossistemas e
também de ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja
finalidade seja alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de
preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos”.
Ou seja, sua principal função prevista legalmente é o combate de
pragas a fim de que haja seu controle na produção.
O marco histórico para compreender a guinada de uso
dos agrotóxicos está ligado às Primeira e Segunda Guerras
Mundiais, mas sua expansão foi nos anos 60 e 70 com a Revolução
Verde, que tinha como perspectiva tecnológica o uso de
agroquímicos para combater a fome no mundo. Em 1962, Rachel
Carson, bióloga americana, expôs as verdadeiras implicações pelo
uso dos pesticidas e inseticidas químicos através do seu livro
chamado “Silent Spring” (Costa, 2012). Expandem-se aqui estudos
e descobertas que levam a inquirições quanto aos efeitos dos
agroquímicos. Despontam pesquisas e ensaios a comprovar o
poder toxicológico dos produtos químicos agrícolas tanto no meio
ambiente quanto na saúde do ser humano. A matriz normativa
407
caminha assim em um dilema que contagia a Lei 7.802, de 11 de
julho de 1989, chamada também de Lei dos Agrotóxicos, quanto à
necessidade de uso e o risco implicado, inclusive com previsão de
responsabilidade civil, administrativa e penal, em caso de
infrações.
Dentro desse tema, a problemática a se abordar é que,
apesar dos agrotóxicos serem eleitos como via de aumento de
produção agrícola, pretensamente imprescindível para um eficaz
combater das pragas na produção agrícola, os prejuízos e riscos
causados por eles são enormes. Somente no que diz respeito a
saúde, as possíveis doenças são o câncer, a cirrose hepática, a
impotência sexual, a fibrose pulmonar e distúrbios do sistema
nervoso central, sem contar mal-estar que provoca aos que tem
contato direto e incorreto com o produto. A situação ainda se
aguça em razão do disperso enfrentamento do tema na educação
ambiental.
O objetivo do trabalho é problematizar e compreender
melhor os agrotóxicos em seus diversos aspectos e prismas de
abordagem, a partir do panorama jurídico. Serão analisados desde
sua origem, os impactos por eles causados, a legislação brasileira
sobre o assunto e, inclusive, os parâmetros avaliativos de
conformação dos padrões de uso. Metodologicamente, o trabalho
adotou a pesquisa explicativa, de forma que será elucidado não
somente a definição de agrotóxicos, mas sua regulamentação, a
responsabilidade pelo seu uso, as formas de precaução e prevenção
quanto ao dano e o real impacto pela utilização. A pesquisa
desenvolve-se por meio do método hermenêutico sistemático, com
incursões interdisciplinares e avaliações de aspectos sociais.
408
2. Origem e regime jurídico
A matriz contemporânea que fundou o desenvolvimento
dos agrotóxicos, ou, pelo menos, sua ideia contemporânea de
atuação, é marcada pela Primeira Guerra Mundial, entre os anos
de 1914 a 1918, e a subsequente segunda grande guerra, no período
de 1939 a 1945, ambas atreladas ao avanço químico e tecnológico
dos conhecimentos científicos. A descoberta dos produtos
químicos como instrumento de batalha, revelou-se uma fonte
poderosa para vencer a guerra, uma vez que sua utilização produzia
a destruição em massa.
O esforço bélico da Primeira Guerra Mundial deu origem
aos primeiros adubos nitrogenados solúveis de síntese, enquanto
que na Segunda Guerra químicos americanos trabalhavam
constantemente à procura de substâncias capazes de destruir
plantações do inimigo. Foi nesse período da Segunda Guerra
Mundial que se desenvolveu a química orgânica industrial, a qual
trouxe múltiplos produtos químicos para as mais diversificadas
finalidades. A utilização dos produtos químicos que vieram a se
configurar como agrotóxicos não foi assim de modo algum
orientada em sua origem para a agricultura, a ela sucedendo
posteriormente.
Diante dessa expansão, durante as décadas de 60 e 70,
surge a chamada Revolução Verde, que tem como objetivo o
aumento da produtividade agrícola a fim de combater o problema
da fome no mundo utilizando sementes modificadas, fertilizantes
e agrotóxicos (Costa, 2012). A ideia era bem lógica, se avaliada
abstratamente. Quanto maior a quantidade de alimentos
409
disponíveis, menor seria a quantidade de pessoas desnutridas.
Assim, o projeto foi proposto e vários países adotaram o conceito,
passando a utilizar os agroquímicos como forma de aumento na
produção, inclusive o Brasil. Mecanismos naturais de controle de
pragas e produtividade foram renegados, o agrotóxico é face do
cientificismo e do escanteamento de práticas sustentáveis ligadas
ao saber tradicional.
A Revolução Verde brasileira teve início através de
importação de produtos químicos, instalação de indústrias de
agrotóxicos no país e auxílio do governo com o crédito rural. O
agricultor brasileiro era performaticamente obrigado a comprar os
produtos químicos para então obter o chamado crédito rural, que
era um financiamento proporcionado pelo Estado aos
trabalhadores rurais (Londres, 2011). Implantou-se uma cultura do
agrotóxico. Desta feita, o produtor rural, ao receber recursos
financeiros com o governo brasileiro, ganhava uma cota de
agrotóxicos para utilizar na sua lavoura. Além de serem obrigados
a utilizarem os produtos, os agricultores também foram fortemente
influenciados pela excessiva propaganda da época, que
disseminava a necessidade do uso de agroquímicos nas lavouras.
Tanto é assim que em 2008, o Brasil ultrapassou os
Estados Unidos e se tornou o maior consumidor de agrotóxicos do
mundo. Estima-se que, enquanto os outros países cresceram em
93%, o Estado Brasileiro teve um aumento de 190% no mercado
mundial de inseticidas e pesticidas químicos. As tabelas
disponibilizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
– IBGE - (2016) fornecem os dados concretos do intenso consumo
e comercialização de defensivos agrícolas no Brasil.
410
A Lei n. 7.802, de 11 de julho de 1989, veio a se atrelar à
imagem socialmente construída de que os agrotóxicos seriam uma
razão evolutiva da produção agrícola, destino inevitável do avanço
tecnológico. A função principal dos agrotóxicos, impregnada
socialmente, é exterminar, diminuir ou controlar organismos
indesejados na agricultura. Mas seus efeitos ainda passam em
cobertura, dada a natureza de serem verdadeiras toxinas capazes de
destruir plantações e prejudicar a saúde humana se utilizados da
maneira equivocada.
A produção de agrotóxicos se liga à aquisição de um
ingrediente ativo, sendo que essa substância adquirida é chamada
de produto técnico. Para alcançar o produto final, chamado de
produto formulado, são adicionados outros elementos químicos
que ajudam na fixação e dispersão do agrotóxico. A roupagem
política e mesmo jurídica não deixa de utilizar-se constantemente
de eufemismos na denominação, os quais visam envernizar o
caráter destrutivo que carregam. Aqui, são chamados também
defensivos agrícolas ou defensivos fitossanitários, o que se observa,
por exemplo, no Projeto de Lei n. 6299/02 e outras 17 propostas
apensadas, entre elas o PL 3200/15, que revoga a Lei n. 7.802/89.
Grande parte da percepção social remete o uso de
agrotóxicos ao espaço territorial rural. Entretanto, o uso é também
aplicado a espaços urbanos, inclusive domiciliares. Essa
dissociação de uso dos pesticidas é nociva à dimensão educacional
de uso e consciente manipulação. O uso de agrotóxicos tornou-se
rotineiro na esfera urbana, especialmente em praças, jardins
públicos, canteiros ruas e calçadas, tanto que resultou em tentativa
411
não bem-sucedida de buscar regular a prática, conforme Consulta
Pública nº 46/2006 da ANVISA.
A distorção e uso indevido ainda se manifestam em
aplicações em áreas urbanas dos chamados agrotóxicos não
agrícolas. A nomenclatura “não-agrícola” não significa uso urbano,
mas sim destinação de uso em ambientes diversos da agricultura,
como florestas ou ambiente hídrico. A prescrição do agrotóxico é
restrita à finalidade fixada em seu receituário de uso. As instruções
de utilização do produto devem compreender, dentre outros
fatores, o denominado intervalo de segurança, assim entendido o
tempo que deverá transcorrer entre a aplicação e a colheita, uso ou
consumo, a semeadura ou plantação, e a semeadura ou plantação
do cultivo seguinte, conforme o caso. Aqui a transparência e
informação restam-se em obscuridade para o consumidor,
deixando de ser explicitada à sociedade. Informar o cumprimento
do intervalo de segurança é fator determinantemente ligado ao
princípio da prevenção, de modo a reduzir riscos de afetação à
saúde e ao meio ambiente como um todo.
Além disso, há a utilização de produtos tóxicos em
ambientes de trabalho ou residenciais, como por exemplo, a
chamada desinsetização, bastante aplicada no controle de insetos
rasteiro e voadores. No âmbito doméstico também é utilizado por
meio dos denominados inseticidas domésticos, habitualmente para
matar baratas e mosquitos, bem como em produtos de limpeza.
412
3. Impactos ao meio ambiente e à saúde humana
Os agrotóxicos costumam agir de três formas: através da
ingestão, onde a praga ingere a planta com o produto, por
microbiano, o qual o produto contém micro-organismos que
atacam a praga ou o agente causador, e, por último, através do
contato, em que o produto já faz efeito ao tocar o corpo da praga
(Costa, 2012). Não obstante, a ação dos componentes químicos não
fica circunscrita à praga ou organismo que se visa atingir. Ela
espraia-se ao meio ambiente e afeta o ser humano, tanto aquele que
está em contato direto quanto aquele que consome os produtos. O
percalço está em uma perspectiva arraigada que se trata de um ônus
a ser assumido diante do bônus produzido, sem que se possa
colocar em interrogação essa correlação.
A matriz de indiferença ou nível de aceitação reconhecida
quanto ao uso dos agrotóxicos no Brasil não possui somente na
cultura e sociedade um histórico de explicação. Essa matriz
também está escorada no campo jurídico. O Decreto 24.114/34,
denominado Regulamento de Defesa Sanitária Vegetal, e aplicado
por décadas, facilitava o registro de substâncias tóxicas já banidas
por outros países e, dessa forma, as empresas mundiais que
chegavam ao país não enfrentaram nenhuma dificuldade ou
restrição como em outros territórios. O Brasil manteve até o final
da década de oitenta uma legislação que visava regular produtos
químicos nascida na década de trinta. O incentivo ao uso de
inseticidas e pesticidas está expresso no artigo 40 do Decreto:
413
Art. 40. O Ministério da Agricultura, dentro
dos recursos orçamentários que lhe forem
atribuídos para esse fim e por todos os meios
indicados pela técnica, pelas condições locais
e pela natureza das disseminação das doenças
ou pragas, auxiliará os ocupantes de terrenos
ou suas associações, principalmente os
situados nas zonas do irradiação ou de
combate, empregando maquinaria e
aparelhamento não acessíveis ao particular,
fornecendo a baixo preço ou gratuitamente, se
possível, máquinas, inseticidas, fungicidas,
utensílios, sementes e mudas sadias ou
resistentes, etc.
Parágrafo único. Os particulares que
voluntariamente se reunirem para o combate
de doenças ou pragas nas suas
circunvizinhanças, terão preferência em todos
os auxílios que o Ministério da Agricultura
puder proporcionar.
O novo marco normativo trouxe modificações
contundentes. A Lei n. 7.802/89 visa regular não somente o uso,
mas o “ciclo de vida” de utilização do agrotóxico. Dispõe inclusive
sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e
rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a
propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o
destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação,
o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus
componentes e afins. A introdução do produto passa a ser regulada
não somente em seus aspectos produtivos, mas também em relação
ao risco ambiental e, especificamente, à saúde humana. Devido às
414
alterações dessa lei, as indústrias de agrotóxicos passaram a dispor
de um tempo e um gasto financeiro muito maior que havia antes
para atender às normas legais, uma vez que as regras de registro
passaram a ser mais rígidas, exigindo maior cuidado e
investimento.
A Resolução CONAMA 334, de 3 de abril de 2003, é
referencial quanto ao objetivo de regulação do ciclo de vida,
dispondo quanto à necessidade de licenciamento ambiental de
unidades de recebimento de embalagens vazias de agrotóxicos e
afins. A matéria foi inclusive objeto de julgamento pelo Superior
Tribunal de Justiça, Recurso em Mandado de Segurança n. 25.399.
ADMINISTRATIVO.
RECURSO
ORDINÁRIO
EM
MANDADO
DE
SEGURANÇA.
RECICLAGEM
DE
EMBALAGENS
VAZIAS
DE
AGROTÓXICOS.
RESPONSABILIDADE
DAS EMPRESAS PRODUTORAS E
COMERCIALIZADORAS.
1. Hipótese em que a impetrante pretender
atuar na atividade de reciclagem de
embalagens vazias de agrotóxicos. Pugna pelo
deferimento
da
licença
ambiental
independentemente da celebração de um
termo de compromisso com o Instituto
Nacional de Processamento de Embalagens
Vazias - INPEV.
2. De acordo com o § 5º do art. 6º da Lei
7.802/89, incluído pela Lei 9.974/2000, "as
empresas produtoras e comercializadoras de
agrotóxicos, seus componentes e afins, são
responsáveis pela destinação das embalagens
415
vazias dos produtos por elas fabricados e
comercializados, após a devolução pelos
usuários, e pela dos produtos apreendidos
pela ação fiscalizatória e dos impróprios para
utilização ou em desuso, com vistas à sua
reutilização, reciclagem ou inutilização,
obedecidas as normas e instruções dos órgãos
registrantes
e
sanitário-ambientais
competentes".
3. O responsável pelo destino final das
embalagens vazias de agrotóxicos é o seu
fabricante, ou, quando o produto não for
fabricado no país, o importador.
4. No exercício dessa obrigação, as empresas
produtoras
e
comercializadoras
de
agrotóxicos são representadas, atualmente,
pelo Instituto Nacional de Processamento de
Embalagens Vazias - INPEV, que possui, em
seu rol de associados, 99% das empresas
fabricantes de defensivos agrícolas do Brasil e
as sete principais entidades de classe do setor.
5. Diante desse contexto, é possível afirmar
que o INPEV atua como verdadeiro
mandatário das empresas produtoras e
comercializadoras de agrotóxicos, que são as
únicas responsáveis pela destinação final das
embalagens vazias.
6. Assim, se essas empresas serão
responsabilizadas por eventual dano ao meio
ambiente decorrente da reciclagem de
embalagens vazias de agrotóxicos, é justo que
elas tenham a prerrogativa de firmar parcerias
de acordo com suas conveniências.
7. Recurso ordinário em mandado de
segurança desprovido.
416
(STJ - RMS 25.399/MS, Rel. Ministra DENISE
ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em
17/02/2009, DJe 30/03/2009)
A atenção ao produto a partir do ciclo de vida possui
vínculos inclusive com a Lei n. 12.305/10, que em seu artigo 3º,
inciso IV, expressa a definição do termo como série de etapas que
envolvem o desenvolvimento do produto, a obtenção de matériasprimas e insumos, o processo produtivo, o consumo e a disposição
final. A responsabilidade pelos danos oriundos do uso incorreto
dos agrotóxicos está, portanto, não só em seu uso, mas em toda a
dinâmica extensiva do ciclo de vida do produto. A ligação entre os
diplomas ainda se faz pela sujeição expressa dos agrotóxicos ao
regime da logística reversa, o que atrai a responsabilidade
compartilhada.
Nesses trilhos, a Lei da Política Nacional de Resíduos
Sólidos dispôs em seu artigo 33, inciso I, que são obrigados a
estruturar e implementar sistemas de logística reversa, mediante
retorno dos produtos após o uso pelo consumidor, de forma
independente do serviço público de limpeza urbana e de manejo
dos resíduos sólidos, os fabricantes, importadores, distribuidores e
comerciantes de agrotóxicos, seus resíduos e embalagens, assim
como outros produtos cuja embalagem, após o uso, constitua
resíduo perigoso, observadas as regras de gerenciamento de
resíduos perigosos previstas em lei ou regulamento, em normas
estabelecidas pelos órgãos do Sisnama, do SNVS e do Suasa, ou em
normas técnicas.
417
O artigo 3º da Lei n. 7.802/89 estabelece a obrigatoriedade
dos agrotóxicos, seus componentes e afins serem previamente
registrados em órgão federal, de acordo com as diretrizes e
exigências dos órgãos federais responsáveis pelos setores da saúde,
do meio ambiente e da agricultura. A atividade de registro
prolonga-se com as atividades de controle e fiscalização. A Lei n.
7.802/89 rege o tema em seus artigos 9º, 10 e 11. As atribuições da
União concentram-se em legislar sobre a produção, registro,
comércio interestadual, exportação, importação, transporte,
classificação e controle tecnológico e toxicológico; controlar e
fiscalizar os estabelecimentos de produção, importação e
exportação; analisar os produtos agrotóxicos, seus componentes e
afins, nacionais e importados e controlar e fiscalizar a produção, a
exportação e a importação. Já aos Estados e ao Distrito Federal
atribui-se legislar sobre o uso, a produção, o consumo, o comércio
e o armazenamento dos agrotóxicos, seus componentes e afins,
bem como fiscalizar o uso, o consumo, o comércio, o
armazenamento e o transporte interno. Aos Municípios é atribuído
legislar supletivamente sobre o uso e o armazenamento dos
agrotóxicos, seus componentes e afins. O registro em si não se
confunde com a fiscalização, compartilhada pelos três níveis
federativos, já que se funda no artigo 23 da Constituição e artigo 17
da Lei Complementar n. 140.
O registro prévio deve ser feito nos órgãos e entidades
federais dos Ministérios da Saúde, Meio Ambiente e Agricultura. A
Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA – estabelece
os limites aceitáveis de presença de agrotóxicos nos alimentos,
denominado Ingestão Diária Aceitável (IDA), e o Limite Máximo
418
de Resíduos (LMR), relativo à quantidade de resíduo de agrotóxico
que pode ser, legalmente, encontrada na produção agrícola. O
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis – IBAMA – atua na avaliação ecotoxicológica, assim
como na Avaliação do Potencial de Periculosidade Ambiental. Os
níveis de toxidade e afetação da saúde e do meio ambiente,
portanto, existem, o que varia é a dimensão de padrões de licitude
em seu uso e propagação. O uso incorreto, acima dos limites
estabelecidos, ou descarte ilegal não só afeta os limites de admissão
de toxidade, constitui per si poluição, no sentido fixado na Lei n.
6.938/81, em seu artigo 3º, inciso III, alínea ‘e’.
Na época em que os agrotóxicos surgiram e iniciaram
incursão no mercado como produto apto a proporcionar melhorias
na agropecuária, não se sabia, ainda, os reais efeitos que tal
substância poderia trazer para o meio ambiente e até mesmo para
o ser humano. Acreditava-se, incialmente, que eram apenas
“pesticidas”, nome técnico com que foram apresentados, servindo
exclusivamente para combater pragas e moléstias das plantas. A
vinculação dos agrotóxicos com diversos problemas de saúde é
farta na doutrina, afetando inclusive a regulação endócrina:
Os agrotóxicos com ação desreguladora
endócrina podem ser encontrados nos
alimentos (CLEMENTI et al., 2007), solo,
água, vida selvagem e nos tecidos adiposos
maternos, chegando às crianças durante a
gravidez e a lactação (FERNANDEZ et al.,
2007). Considerando as práticas agrícolas, as
plantas e as culturas em geral podem absorver
esses compostos diretamente da folhagem ou
419
indiretamente por meio do solo chegando aos
seres humanos através da alimentação
(BIRKETT e LESTER, 2003).
Os agrotóxicos, largamente utilizados no
mundo, constituem o maior grupo de
substâncias classificadas como desreguladores
endócrinos. Na classe dos agrotóxicos
considerados desreguladores endócrinos
estão inclusos inseticidas (DDT, DDE,
deltametrim e carbofurano), herbicidas
(atrazina, linuron e glifosato), fungicidas
(vinclozolina,
penconazol,
procloraz,
promicida e tridemorfos) e organoclorados
(lindane) empregados na agricultura,
aquicultura e uso domiciliar (BILA e
DEZOTTI, 2007). (AMÉRICO, 2012, p. 19)
A crítica científica contra o tipo de progresso científico
apregoado provoca um novo contexto de compreensão quanto ao
uso de agrotóxicos. O impulso contestador aos efeitos e
consequências do agrotóxico na sociedade de risco abre espaço a
sequenciais pesquisas e debates públicos quando ao próprio
modelo de progresso proposto e as ameaças que apresenta.
Constatou-se com frequência que o uso dos agroquímicos ao longo
das décadas elevou consideravelmente os níveis da substância
tóxica nos organismos dos animais, níveis estes considerados
muito acima dos aceitáveis pela Organização Mundial de Saúde
(Vaz, 2006). Tanto é assim que a pesquisa realizada em 2011 nas
mães residentes em Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso, em seus
períodos de amamentação, concluiu que havia contaminação de
agrotóxicos em 100% das amostras de leite materno avaliadas
420
(Viegas, 2016). Tudo isso devido à excessiva e equivocada
utilização do produto tóxico no município, local que possui uma
intensa produção agrícola.
Pode-se perceber que, apesar da eficácia dos agrotóxicos
nas lavouras, há consequências potencialmente nocivas para o
meio ambiente e a saúde humana relacionada diretamente ao uso
dessas substâncias. Primeiramente, os agrotóxicos, por serem
extremamente voláteis, são facilmente levados pelo vento para
locais e distâncias indesejadas, contaminando extensões
incalculáveis da natureza, afetando todas as espécies de vida.
Segundo, o agente químico permanece por muito tempo no solo,
transferindo-se de cultura para cultura, contaminando como um
ciclo vicioso as pastagens, o gado que a ingerir, a carne e os
brasileiros que dela se alimentam. Há aqui o denominado efeito
cumulativo dos agrotóxicos nas culturas agrícolas. E por fim, o
emprego dos pesticidas e inseticidas ao longo do tempo faz com
que as pragas adquiram resistência a esses agrotóxicos, tornandose cada vez mais imunes a eles. Com isso, as empresas são obrigadas
a criarem novos produtos mais potentes e que agridem mais ainda
a saúde e a natureza. Há uma espiral progressiva de elevação da
nocividade dos produtos (VAZ, 2006).
Portanto, mesmo na lavoura, os agrotóxicos não têm
produzido tanto efeito quando do início do seu surgimento. Isso
porque as pragas começaram a apresentar tolerância aos princípios
ativos dos agroquímicos, se tornando mais fortes e se
desenvolvendo de maneira diferente, o que leva a um potencial de
destruição muito maior. Áreas que não eram atacadas por
determinada praga passaram a ser, resultando em um desequilíbrio
421
enorme na natureza. Os problemas causados pelo uso
indiscriminado dos agroquímicos são sérios, principalmente com
as pessoas que com eles possuem contato direto, aquelas que vivem
no campo ou trabalham na indústria.
Os efeitos da intoxicação dependem da quantidade, da
toxidade, da pessoa intoxicada e da forma de exposição, podendo
ser aguda – os sintomas surgem rapidamente após a exposição,
subaguda – exposição mais moderada e sintomas vagos, e crônica
– surgimento tardio com danos irreversíveis (NEVES, 2013). Esses
efeitos ainda podem ser classificados em teratogenias, nascimentos
com má formação; mutagenias, alterações genéticas patogênicas; e
carcinogenias, surgimento de diversos tipos de câncer (VAZ,
2006).
A respeitos das possíveis doenças causadas pelos
agrotóxicos, são elas o câncer, cirrose hepática, impotência sexual,
fibrose pulmonar, distúrbios do sistema nervoso central, entre
outras as quais estão submetidos não somente os trabalhadores
rurais que lidam diretamente com a substância, mas também os
que consumem alimentos contaminados, já que pelo menos um
terço das comidas consumidos pelos brasileiros estão
contaminadas por agrotóxicos (CARNEIRO, 2015, p. 48).A
poluição da água pelos agrotóxicos também tem sido um fator de
muita preocupação. Os resíduos, uma vez presentes, conseguem
diminuir a quantidade de oxigênio das águas, o que dificulta a
sobrevivência dos animais, comprometendo, e muito, o consumo
da água potável (VAZ, 2006).
Atualmente, a contaminação da água potável é uma
realidade brasileira palpável. O que se discute hoje é a quantidade
422
que o ser humano é capaz de ingerir desse veneno diariamente sem
que isso prejudique a sua saúde. Inclusive, a ampliação dessa
quantidade de substâncias químicas listadas nas Portarias para
definir a qualidade da água mostra como ao longo do tempo a
poluição por agrotóxico tem aumentado. Tanto é assim que
portaria MS nº 518/2004, veio a regular 54 substâncias, sendo que
22 delas são agrotóxicos.
Os efeitos sobre a saúde decorrentes do
consumo de água contaminada por
agrotóxicos variam segundo o princípio ativo
envolvido. Dentre os problemas já
identificados e publicados pela literatura
internacional especializada, destacam-se
(INTERNATIONAL
AGENCY
FOR
RESEARCH ON CANCER, 2007; AGENCY
FOR TOXIC SUBSTANCES AND DISEASE
REGISTRY, 2007): (I) problemas no fígado e
no sistema nervoso central, como dores de
cabeça, tonturas, irritabilidade, movimentos
musculares involuntários; (II) problemas com
os sistemas cardiovascular e reprodutivo, com
algumas
evidências
de
desregulação
endócrina e (III) problemas nos olhos, rins,
baço, anemia e aumento do risco de
desenvolver câncer (NETO, SARCINELLI,
2009).
O risco dos agrotóxicos não está somente em sua
composição química, está em seu sentido técnico de utilização e
presença em uma cultura de naturalização da ameaça como algo
inafastável, fenômeno próprio da sociedade de risco. A tematização
423
do agrotóxico exige reflexão e estudos revigoradores não somente
quanto a se são e em que medida o são tóxicos. Demanda-se análise
de a partir de quais índices ou padrões se define como ilegítimo ou
ilegal o uso. Dilema inerente se faz. Não são raras as propagações
na seara médica de redefinição de níveis aceitáveis de colesterol ou
de glicose. Mas não se tem a mesma postura em relação aos níveis
de aceitação de agroquímicos.
Os padrões de Ingestão Diária Aceitável (IDA), de Limite
Máximo de Resíduos (LMR) assim como os patamares de avaliação
do Potencial de Periculosidade Ambiental (PPA) não podem ser
antevistos como imutáveis. Ao inverso, hão de estar pautados em
uma perspectiva de redução de tolerância. Além disso, a avaliação
se um agrotóxico é ou não permitido no Brasil e em outros países
também se revela insuficiente. Afinal, os dados de IDA, LMR e PPA
podem ser variáveis. Portanto, mesmo permitido, o nível de
permissão no Brasil precisa ser comparado com o nível permitido
em outros países. Em síntese, o campo de complexidade é muito
mais significativo do que o binômio usar ou não usar o produto e
submeter-se aos riscos de suas toxinas.
Aplicam-se aqui tanto o princípio da prevenção quanto o
da precaução. Quando se afere se determinado agrotóxico está
dentro dos limites de uso, o que se leva em conta é justamente os
níveis admissíveis de utilização, os níveis admissíveis para o ser
humano e para o meio ambiente a fim de não gerar danos
ecológicos. Respeitar os níveis estabelecidos em IDA, LMR e PPA
significa guarnecer em precaução toda a cadeia cíclica do uso do
agrotóxico. Lado outro, quando se problematiza os próprios
índices, o que entra em voga é a precaução, o limite do
424
conhecimento científico em face do risco de ocorrência do dano
ambiental.
A análise dos agrotóxicos está ainda muito centrada no
princípio da prevenção, aferindo índices e conformidade de
padrões. É necessário submeter os próprios padrões a crivo,
submeter-lhes à constante análise por parte dos órgãos técnicos
especializados dentro dos contornos funcionais do Poder Público,
a fim de que o exercício fiscalizatório alcance contínua eficácia. Em
outras palavras, conferir aplicação ao princípio da precaução em
matéria de agrotóxicos significa sujeitar continuamente os padrões
de aceitação de uso, resíduo e efeito cumulativo a aferições técnicas.
4. Considerações finais
O desenvolvimento tecnológico e a demanda crescente
por alimentos trouxeram significativa mudança para o mundo
agrícola. As técnicas tradicionais e milenares usadas na agricultura
foram então substituídas e a produtividade alardeou um novo
guardião, o agrotóxico. Entretanto, o que se tinha como um
anteparo ao ser humano e ao meio ambiente revelou-se como uma
outra praga em potencial. O agrotóxico em si é perigoso e fator de
difusão de risco à saúde humana.
O controle e fiscalização esbarram em práticas sociais,
padrões culturais e jurídicos que se acomodaram durante décadas
em um nível de assimilação dos agroquímicos como um mal
necessário posto em resignação. Não se nega o valor ou necessidade
do uso, o que se tem em crítica é a ausência reflexiva de gestão do
risco e avaliação de ameaça com a necessária adoção de
425
planejamentos de reversão do uso e interiorização das
externalidades negativas.
O impacto que os agrotóxicos têm provocado no meio
ambiente e na saúde dos brasileiros é imensuravelmente maior do
que nos outros países. O fato está ligado a uma expressão
econômica que interioriza o agrotóxico como uma necessidade
irremediável, a qualquer custo, ao sistema produtivo. Mecanismos
e vias alternativas, como defensivos ecologicamente sustentáveis,
ou oriundos da própria natureza, passam em plano secundário. A
avaliação dos custos socioambientais do uso de agrotóxicos é uma
necessidade premente.
Em um país hoje considerado o maior consumidor de
agroquímicos do mundo, ultrapassando até mesmo os Estados
Unidos, necessário se fazer uma análise da sua utilização e dos
prejuízos proporcionados. O tema é de interesse e relevância social,
principalmente quando se tematiza a educação e formação
discursiva social, de forma que a sociedade necessita de
conhecimento sobre as reais implicações de tais produtos. O grau
de sua difusão e alcance é amplo, atinge a todos, dos aplicadores
rurais até aqueles que consomem o alimento em suas diversas
dimensões pessoais de vulnerabilidade, desde adultos saudáveis a
vulneráveis idosos e bebês, sendo que estes últimos por vezes já têm
contato com os produtos químicos através do leite materno.
Além disso, extrapolar as avaliações para além da
prevenção, ou seja, dos padrões já fixados como aferidores da
regularidade dos produtos químicos, para um projeto de
reavaliação contínua da própria compatibilidade dos índices de
regularidade é um passo irrefreável. Ademais, a extensão de risco e
426
afetação acende preocupações na ordem dos efeitos cumulativos e
sinérgicos ao longo do tempo.
5. Referências
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endócrinos no ambiente e seus efeitos na biota e na saúde
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de dezembro de 2016. Disponível em
http://www.conjur.com.br/2016-dez-31/ambiente-juridicoagrotoxicos-chegaram-leite-materno-podemos. Acesso em 19
mar 2017.
430
DA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA AO ENSINO MÉDIO:
EXPERIÊNCIAS E APRENDIZADOS DO CURSO DE
EDUCAÇÃO AMBIENTAL E DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL EM 2017
UNIVERSITY EXTENSION ACTIVITIES IN MIDDLE
SCHOOL: EXPERIENCES FROM THE COURSE ON
ENVIRONMENTAL EDUCATION AND SUSTAINABLE
DEVELOPMENT IN 2017
Pedro Curvello Saavedra Avzaradel 57.
Ana Alice De Carli 58
Victória Lourenço de Carvalho e Gonçalves 59
Resumo: A educação ambiental (EA), fator essencial à
preservação ambiental e à construção de uma nova ética, possui
bases no princípio da solidariedade e nas perspectivas sistêmica e
holística. Sua realização deve ser prática, transversalizada e
57
Doutor em Direito da Cidade e Mestre em Sociologia e Direito. Pós-Doutor em
Direito Ambiental. Professor Adjunto do Curso de Direito do Departamento de
Volta Redonda e do Programa de Pós-graduação stricto sensu em Direito
Constitucional da Universidade Federal Fluminense – UFF. Pesquisador líder do
Grupo de Estudos em Meio Ambiente e Direito - GEMADI/UFF.
58
Doutora e Mestre em Direito Público e Evolução Social. Professora Adjunta do
Curso de Direito do Departamento de Volta Redonda e do Programa de Pósgraduação stricto sensu em Tecnologia Ambiental da Universidade Federal
Fluminense – UFF. Pesquisadora líder do Grupo de Estudos em Meio Ambiente
e Direito - GEMADI/UFF.
59
Graduanda do curso de Direito pela Universidade Federal Campus Volta
Redonda e pesquisadora do Grupo de Estudos em Meio Ambiente e Direito
(GEMADI) desde 2014.
431
presente em todos os níveis de ensino. Assim, quando não
disponibilizada enquanto disciplina, depende de abordagens e
atividades integradas como cursos, palestras, oficinas, etc. Nesse
contexto, as universidades desempenham o importante papel de
articuladoras e fomentadoras de conhecimentos que agreguem
questões ambientais, sociais e econômicas. Nisto reside a questão
nuclear deste capítulo, que versa sobre as experiências vividas com
o Curso de Educação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável,
coordenado por professores e ministrado por pesquisadores
graduandos do curso de Direito da UFF - campus Volta Redonda,
integrantes do Grupo de Estudos em Meio Ambiente e Direito
(GEMADI). O referido curso revelou-se como uma atividade de
extensão universitária direcionada aos estudantes do Instituto
Federal, campus Nilo Peçanha. O projeto será apresentado
(metodologia, desenvolvimento e resultados) com objetivo
precípuo de refletir se o compartilhamento de conhecimento entre
estudantes de diferentes níveis de ensino e o intercâmbio
de experiências entre eles favorece a assimilação das competências
preconizadas pela EA. Como veremos, foi possível introduzir
elementos pragmáticos e críticos de EA a partir dos quatro
encontros realizados. Embora alguns pontos exijam
aperfeiçoamento, a experiência foi bem avaliada pelos alunos do
ensino médio, pelos discentes e professores universitários
participantes.
Palavras-chave: Educação ambiental; Ensino Médio; Extensão
universitária; Direito; Metodologia de ensino.
Abstract: As an essential factor for environmental preservation
and the construction of a new ethics environmental education is
based on the principle of solidarity and on the systemic and holistic
perspectives. Its achievement must be practical and present at all
432
levels of education. Thus, when not available as a discipline, it
depends on integrated approaches and on activities such as
courses, lectures, workshops, etc. In this context, universities play
the important role of articulators and knowledge builders that
aggregate environmental, social and economic issues. This is the
core issue of this chapter, which deals with the experiences of the
Course on Environmental Education and Sustainable
Development, coordinated by teachers and taught by
undergraduate researchers of the law course of UFF – Federal
University Fluminense - Campus Volta Redonda, members of the
Group of Studies in Environment and Law (GEMADI). This
course turned out to be an extension activity aimed at highschool
students of the Federal Institute, campus Nilo Peçanha. The project
will be presented (methodology, development and results) with the
primary objective of reflecting on whether the sharing of
knowledge among students of different levels of education and the
exchange of experiences between them favors the assimilation of
the competences aimed by environmental education. As we shall
see, it was possible to introduce pragmatic and critical elements
from the four encounters. Although some points require
improvement, the experience was well evaluated by the high school
students, by the participating students and university professors.
Keywords: Environmental education; High school; University
Extension; Law; Teaching methodology.
1. Introdução
Na atualidade em que os recursos naturais mostram
exaustão, ao mesmo tempo em que aumenta exponencialmente a
demanda por bens e serviços, a conscientização é condição de
433
possibilidade para se buscar caminhos que conciliem proteção
ambiental e desenvolvimento sustentável. Assim, tem-se na
educação ambiental um profícuo instrumento. Nesse sentido, a
Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou a Resolução nº
57/254, em 20 de dezembro de 2002, na qual declara a “Década das
Nações Unidas da Educação para o Desenvolvimento
Sustentável”, alçando a educação a “elemento indispensável do
desenvolvimento sustentável” (ONU, 2018).
A educação ambiental (EA) - prevista na Constituição
Federal de 1988, na Lei da Política Nacional de Meio Ambiente e,
ainda, na Política Nacional de Educação Ambiental consubstancia fator essencial à preservação do meio ambiente
natural e à construção de uma nova ética ambiental, baseada no
princípio da solidariedade e em uma perspectiva sistêmica e
holística.
Diversas previsões normativas obrigam o Estado a
desenvolver a educação e a conscientização ambientais. Apenas
para citar as centrais, a Política Nacional de Meio Ambiente – Lei
nº 6.938/81 já previa esta atribuição no artigo segundo, buscando,
inclusive, capacitar comunidades para participar na defesa do
ambiente. Nos termos do diploma citado:
Art. 2º. A Política Nacional do Meio
Ambiente tem por objetivo a preservação,
melhoria e recuperação da qualidade
ambiental propícia à vida, visando assegurar,
no País, condições ao desenvolvimento
socioeconômico, aos interesses da segurança
434
nacional e à proteção da dignidade da vida
humana, atendidos os seguintes princípios:
(...)
X - educação ambiental a todos os níveis do
ensino, inclusive a educação da comunidade,
objetivando capacitá-la para participação
ativa na defesa do meio ambiente (Brasil:
1981).
No final da mesma década, a Constituição de 1988 previu
a educação como algo indissociável do desenvolvimento humano e
do exercício pleno da cidadania (artigo 205). Também no artigo
225 do texto magno ficou inscrita a obrigação da promoção desta
educação em todos os níveis de ensino (AVZARADEL, 2014). Fazse mister reproduzir abaixo os dispositivos citados:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever
do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa,
seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho.
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade
de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preserválo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito,
incumbe ao Poder Público:
(...)
VI - promover a educação ambiental em todos
os níveis de ensino e a conscientização pública
435
para a preservação do meio ambiente (Brasil:
1988)
Em seguida, foi editada a Lei nº 9.795/99, com as
diretrizes para a implantação da educação ambiental, seja formal
(inserida dentro dos sistemas formais de educação) seja informal
(através de campanhas publicitárias, educativas e ações não
provenientes das instituições educacionais).
Conceitua o diploma citado a EA como “os processos por
meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores
sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências
voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum
do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade”
(BRASIL: 1999, art. 1º).
Como bem coloca Fabiano Oliveira (OLIVEIRA, 2014),
“trata-se de instrumento fundamental para que se alcance a
compreensão da importância de um meio ambiente
ecologicamente equilibrado”.
Contudo, ficou pouco claro que atores deveriam ter
obrigações e quais seriam essas obrigações especificas. Parte dessa
lacuna foi preenchida por atos normativos secundários dos
Conselhos Nacionais de Educação e do Meio Ambiente
(AVZARADEL, 2014). Ao que tudo indica, a educação ambiental
ainda enfrenta sérias dificuldades decorrentes da falta de clareza
das atribuições especificas, de recursos e estruturas públicos para
os processos formais, de um lado, e dos incentivos para a promoção
dos projetos informais de educação, de outro (Idem. Ibidem).
436
Sem embargo, tais diplomas normativos preveem que sua
realização deve ser prática, transversalizada e presente em todos os
níveis de ensino, inclusive, no da graduação. Sem descuidar, por
certo, a educação ambiental pode (e deve) ser promovida por
outros setores da sociedade, a exemplo das mídias em geral e das
empresas. No âmbito das instituições de ensino a EA pode
acontecer tanto na forma de disciplina específica prevista na grade
curricular, como não. Nesse caso, não sendo disponibilizada
enquanto disciplina na grade curricular, portanto, a educação
ambiental depende de abordagens integradas ao projeto
pedagógico e iniciativas como cursos, palestras, oficinas etc.
Nesse sentido, o presente trabalho dedica-se ao estudo
das experiências e aprendizados proporcionados pelo Curso de
Educação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável, coordenado
por professores doutores e ministrado por estudantespesquisadores de graduação do curso de Direito da UFF - campus
Volta Redonda, todos integrantes do Grupo de Estudos em Meio
Ambiente e Direito (GEMADI).
O referido curso revela-se como uma atividade de
extensão universitária direcionada aos estudantes de ensino médio,
tendo sido realizado junto aos alunos do Instituto Federal, campus
Nilo Peçanha (Pinheiral – Rio de Janeiro).
O objetivo precípuo dessa proposta é refletir em que
medida o compartilhamento de conhecimento entre estudantes de
diferentes níveis de ensino e o intercâmbio de experiências entre
eles favorece - ou não - a assimilação das competências e
habilidades preconizadas pela EA na dimensão da formação
universitária enquanto contemple, ao mesmo tempo, as
437
necessidades e a carência de informações dessa natureza no ensino
médio.
Assim, de início, este capítulo apresentará como o tema
da EA e, principalmente, como o seu desenvolvimento entre as
instituições de ensino está previsto pelo ordenamento jurídico ao
mesmo tempo em que expõe a tendência de trabalho no plano
concreto entre as instituições de ensino superior. Em seguida, será
feita uma breve revisão teórica sobre abordagens possíveis da EA,
demonstrando que a extensão universitária pode configurar um
espaço oportuno de trabalho com EA nas instituições de ensino
superior em que esta não é ofertada na forma disciplinar. Por fim,
será apresentado o Curso de Educação Ambiental e
Desenvolvimento Sustentável para estudantes de ensino médio planejamento e a organização – com as percepções dos alunos
capacitados colhidas por meio de questionário fechado. Com isso
é possível refletir os resultados e os aprendizados alcançados nessa
experiência.
2. A educação ambiental no ensino superior brasileiro no plano
prático e normativo
A Lei nº 9.795/99 (Política Nacional de Educação
Ambiental), em seu art. 9º, prevê a necessidade de que a EA esteja
presente nas instituições de ensino superior e no art. 10 completa
que deve ser “desenvolvida como uma prática educativa integrada,
contínua e permanente em todos os níveis e modalidades do ensino
formal”.
438
A esse respeito, vale destacar que o artigo 10, § 1º
determina que a EA “não deve ser implantada como disciplina
específica no currículo de ensino”. Contudo, o § 2º prevê a
possibilidade da abordagem disciplinar “nos cursos de pósgraduação, extensão e nas áreas voltadas ao aspecto metodológico
da educação ambiental” (BRASIL, 1999). Nesse sentido parece ser
também a orientação da Resolução nº 2, de 15 de junho de 2012,
do Conselho Nacional de Educação do Ministério da Educação,
especificamente no artigo 8º (BRASIL, 2012).
Destaque-se a preocupação do legislador brasileiro com a
concretização da EA entre as instituições de ensino, possibilitando
que estas definam como acontecerá a abordagem: seja de forma
disciplinar com uma disciplina específica para tratar da educação
ambiental ou não. Com efeito, as instituições de ensino superior
podem funcionar não apenas ofertando a seus alunos o ensino
formal da EA, mas devem também se integrar e se comunicar com
os demais níveis de ensino e com a própria comunidade na qual
está inserida.
Os centros de graduação são espaços importantes de
construção de conhecimento e difusão de novos saberes
constituindo-se em peça importante na concretização dos desafios
trazidos pela EA, motivo pelo qual esta não pode deixar de aparecer
nestes espaços.
O Mapeamento da Educação Ambiental em Instituições
Brasileiras de Educação Superior: elementos para políticas públicas
(RUPEA, 2007) aponta que, no ensino superior brasileiro, a EA
possui como tendência aparecer na forma de disciplinas
439
específicas, em sua maioria obrigatórias, ligadas mais as áreas das
ciências da natureza como biologia e ciências biológicas.
As Instituições de Ensino Superior (IES) têm ofertado
uma educação ambiental formal e limitada a algumas áreas do
conhecimento, notavelmente a das ciências exatas. Isto deixa clara
a importância dos projetos de pesquisa e extensão, sobretudo dos
últimos, como meios de promoção da EA de forma mais ampla
quanto aos destinatários e também às práticas (são possíveis ações
de EA informal, como campanhas e ações/intervenções) que
podem e devem beneficiar as localidades onde estão localizadas as
IES.
Ocorre que o espaço universitário, baseado na tríade
pesquisa-ensino-extensão, oferece outras possibilidades para a
abordagem da EA que não se limitam ao universo da sala de aula,
mas inserem a universidade na sociedade.
Como, os projetos de extensão podem se constituir como
importantes instrumentos de trabalho para a inserção da EA no
ensino superior de forma cidadã e pedagógica, inclusive, o
Mapeamento da Educação Ambiental em Instituições Brasileiras
de Educação Superior destaca que os projetos com EA no ensino
superior
provocam inevitavelmente a reorganização do
conhecimento, determinando fusões ou
desmembramentos de conteúdos que abrem
novos desafios em suas áreas de origem, como
defende Silva (2005) ao discutir o papel da
extensão universitária na resolução da crise
dos paradigmas, provocada pela ampliação da
440
assimetria entre o conhecimento produzido
na academia e na sociedade. (RUPEA, 2007, p.
11)
Importante dizer, que uma das abordagens possíveis da
EA possui um viés eminentemente crítico que visa a emancipação
do ser humano dos processos de desigualdades e que se harmoniza
com o que se espera de um projeto de extensão universitária.
3. Aspectos teóricos da educação ambiental no ensino
brasileiro
Segundo Loureiro (2013) há pelo menos três
macrotendências da EA, são elas: a conservadora, a pragmática e a
crítica. A primeira macrotendência valoriza o contato do ser
humano com a natureza para propiciar uma mudança do eixo
cultural
civilizatório
profundamente
enraizado
no
antropocentrismo, buscando aproximar o homem da natureza
para resgatar o valor do meio ambiente em si mesmo. Note-se que
a natureza é inserida na pauta dos debates desvinculada de sua
relação intrínseca com os processos sociais e as disputas de poder.
Por sua vez, a segunda macrotendência volta-se aos
resultados dos processos produtivos e as externalidades negativas
por eles provocadas para minimizá-las de forma que sua
abordagem característica é da educação ambiental no âmbito dos
resíduos sólidos e no âmbito das mudanças climáticas, por
exemplo. A seu turno, a terceira macrotendência da EA, qual seja:
a crítica preocupa-se em trazer para o debate ambiental os
441
componentes social, econômico e político - que definem as
sociedades capitalistas com seus modelos de produção e relações
socioculturais, além das classes historicamente construídas e sua
relação com a natureza (LOUREIRO, 2013).
Com efeito, a compreensão da educação ambiental, sob
seu viés critico, está intimamente relacionada com o conceito de
ecologia política, isto é, com a forma com que os agentes sociais
“com diferentes e desiguais níveis de poder e interesses diversos
demandam, na produção de suas existências, recursos naturais em
um contexto ecológico, disputando-os e compartilhando-os”
(LOUREIRO, 2013, p. 55-56).
Sobre a EA crítica, Cecílio Arnaldo Rivas Ayala e Danielle
de Ouro Mamed (2014) assinalam que
a educação ambiental crítica estabelece uma
sistematização que se propõe organizar os
processos de construção crítica de
conhecimentos, atitudes, valores políticos,
sociais e históricos. Nesse caminho
entendemos que o desafio para a educação
ambiental crítica em sua reflexão
interdisciplinar é encontrar respostas aos
novos questionamentos trazidos pela
modernidade (p. 73-74)
A interdisciplinaridade de que falam Ayala e Mamed no
trecho acima, refere-se a uma educação que pretende superar a
fragmentação dos conhecimentos, assim a “promove a interação de
pessoas, áreas, disciplinas, produzindo um conhecimento mais
amplo e coletivizado” para elaboração de um outro saber
442
preocupado com o todo, segundo entende Audrey de Souza
Coimbra (2010). Corroborando os indigitados autores, Sato (2001)
assinala, ainda, que somente uma educação interdisciplinar para a
compreensão total da complexidade ambiental.
Por outro lado, a abordagem transdisciplinar da EA
assegura uma troca mais profunda de saberes. Desse modo, devese “considerar os aspectos físicos, biológicos e, principalmente, os
modos de interação do ser humano com a natureza, por meio de
suas relações sociais, do trabalho, da ciência, da arte e da
tecnologia” (PCN, s/d). Talvez em um contexto em que a EA não
esteja prevista na forma de disciplinas no ensino superior seja uma
ferramenta possível de trabalho, principalmente, considerando o
papel que deve desempenhar a universidade.
Vale destacar que a macrotendência da EA critica não
exclui de sua abordagem os demais aspectos que aparecem de
forma mais nítida nas tendências conservadora ou pragmática –
como o contato do ser humano com a natureza ou o seu padrão de
consumo - mas aprofunda o debate já trazido por ambas
contextualizado à dinâmica social.
Dessa forma, em que pese a valorização da EA crítica na
concepção e desenvolvimento o projeto objeto do presente
trabalho, será possível observar também a presença das demais
macrotendências.
A EA crítica, na concepção de QUINTAS (2000 apud
LOUREIRO, 2003) possui alguns princípios norteadores, entre os
quais o projeto se dedicou especialmente, conforme será relatado a
seguir e são eles: o desenvolvimento da capacidade de usar saberes
para agir em situações concretas do cotidiano de vida e a
443
preparação dos sujeitos da ação educativa para que se organizem e
intervenham em processos decisórios nos diferentes espaços de
participação existentes.
André Menezes de Jesus (2016) destaca um componente
rico a respeito da EA nas instituições escolares que adotem o viés
crítico: a capacidade que possui de se aproveitar das características
construtivas dos alunos para transformar a realidade. Explorar os
potenciais dos graduandos, portanto, é ótimo mecanismo que
congrega o aprendizado de EA ao crescimento do estudante e da
sociedade. Ampliar esta abordagem a partir das atividades de
extensão ambiental parece ser uma opção duplamente vantajosa,
pois transforma os graduandos em agentes capazes de colaborar
para uma EA crítica, capaz de ser concretizada também pelos
destinatários das atividades.
4. O projeto de extensão universitária como prática acadêmica
da educação ambiental
O Curso de Educação Ambiental e Desenvolvimento
Sustentável de que trata este artigo é resultado do projeto de
extensão universitária de elaboração dos Professores Doutores Ana
Alice De Carli e Pedro Curvello Avzaradel, da assistência de
estudantes-pesquisadores integrantes do Grupo de Estudos em
Meio Ambiente e Direito – GEMADI – do curso de Direito da UFF
– campus Volta Redonda. Foi desenvolvido junto aos alunos de
nível do Instituto Federal, campus Nilo Peçanha dos cursos
técnicos de meio ambiente e agropecuária.
444
O referido projeto foi idealizado para funcionar como
abordagem integrada ao currículo pedagógico, promovendo a
reflexão sobre as questões ambientais e seus reflexos, sobretudo
quanto à necessidade e às formas de desenvolvimento econômico.
Nesse sentido, possui como objetivo específico contribuir
para a formação de agentes transformadores da realidade por meio
de um processo de aperfeiçoamento dos cidadãos – seja como
estudante, profissional atuante ou, ainda, como mero consumidor
– integrando o conhecimento técnico-científico à conjuntura
fático-social no bojo da qual encontram-se inseridos.
O curso de extensão teve a duração de quatro encontros
(de duas horas cada) ao longo do ano de 2017 onde os estudantespesquisadores explanaram sobre um artigo previamente escolhido
da obra coletiva Educação Ambiental: premissa inafastável ao
desenvolvimento econômico sustentável, organizada por CARLI,
Ana Alice De e MARTINS, Saadia Borba. Ed. Lumen Juris, 2014.
Tais encontros foram realizados nas datas de 20/06,
05/07, 25 e 27/09, garantindo que o curso não significasse uma
iniciativa isolada e descontinuada em reação as atividades já
desenvolvidas pelos estudantes que receberam o curso e por
aqueles que estavam na condição de expositores.
Como é possível de se observar, os encontros ocorreram
nos dois semestres do ano de 2017 com destaque para as datas de
25 e 27/09 onde o próprio colégio realizava SEMATEC – Semana
da Tecnologia, oferecendo a seus alunos espaço específico para
discussão de temas por meio de atividades extra sala de aula forma.
A metodologia utilizada foi distribuída em quatro vetores
principais: i. exposição do conteúdo, ii. interpretação de texto com
445
complementação das informações por meio de outras fontes tais
como leis ou decisões judiciais, iii. realização de atividades
interativas com os alunos, debates e troca de impressões sobre os
projetos de extensão ambiental que estes já desenvolviam pelo
colégio, iv. avaliação das atividades realizadas pelos alunos do IFRJ.
Cada encontro foi dirigido por uma dupla de estudantes,
sendo os seguintes os textos expostos: Envolvimento e participação
social: o caminho do desenvolvimento sustentável a partir da
educação ambiental (Clarisse Stephan e ÁssimaCasella), Educação
Ambiental: condição fundamental a concretização da política
nacional das águas brasileiras (Ana Alice De Carli), Educação
Ambiental e desenvolvimento econômico e sustentável pelo
prisma discursivo (Gilvan Luiz Hansen), Prática de Gestão e
Educação Ambiental em Unidades de Conservação: o caso do
parque nacional do Iguaçu (Ana Solange Biesek).
5. Experiências e aprendizados com o curso de educação
ambiental e desenvolvimento sustentável em 2017
Como forma de registrar as percepções dos alunos de
ensino médio em relação ao Curso de Educação Ambiental e
Desenvolvimento Sustentável, foi desenvolvido um pequeno
questionário composto de seis assertivas para serem analisadas
objetivamente pelos alunos conforme seu grau de concordância ou
discordância com as mesmas na seguinte escala: discordo
totalmente, discordo em parte, concordo em parte, concordo
totalmente ou não sei avaliar.
446
As afirmativas versavam sobre a atratividade do tema, o
atendimento das expectativas criadas em relação ao curso, o
interesse em conhecer mais sobre o assunto, a possibilidade de
aplicação dos conceitos no cotidiano, a aquisição de novos
conhecimentos e a incorporação de hábitos sustentáveis no dia-adia.
O questionário foi aplicado ao final do terceiro dos quatro
encontros realizados, contando com a participação de 23 (vinte e
três) alunos. Antes, foi explicada a proposta do questionário e a
escala sobre o grau de concordância ou discordância das
afirmações. Também foi esclarecido que não seriam utilizados os
dados pessoais tais como o nome, o gênero e a idade dos
respondentes.
Na avaliação dos alunos do Instituto, o curso atendeu aos
seus objetivos. A temática da educação ambiental e
desenvolvimento sustentável foi majoritariamente entendida como
atrativa pelos alunos, o que favoreceu a presença e participação dos
discentes. Nesse aspecto, vale destacar que essa informação
confirmou as impressões causadas nos encontros expositivos no
sentido de que a problemática ambiental é tema bastante sensível
àquele público que dialogou com os expositores apresentando
questões reais do seu cotidiano. Por outro lado, sobre as
expectativas em relação aos trabalhos apresentados, a avaliação foi
positiva pela maioria do grupo. Todavia, uma parcela do grupo
(17%) discordou de alguma forma. Assim, temos que ampla
maioria considerou atrativo o tema abordado pelo curso, sendo
que nesse grupo uma parte se desapontou com os trabalhos
apresentados, o que sugere a necessidade de alguns ajustes nessa
447
etapa do curso – seja por meio da seleção de outros tipos de texto
para exposição ou melhor preparação dos graduandos expositores.
Quanto ao aprofundamento no tema, 57% demonstraram
total interesse no aprofundamento no assunto, fato perceptível em
nossas exposições pela expressividade de participações e
intervenções deles ao longo da apresentação dos trabalhos. Outros
30% concordam parcialmente com a afirmativa, o que nos leva a
crer que estão abertos a essa possibilidade de aprofundamento.
Neste caso registramos 13% dos alunos totalmente contrários à
ideia. Esses dados demonstram que a despeito das dificuldades
enfrentadas na implementação da educação ambiental no ensino
brasileiro, esta tem seu espaço, pelo menos entre esse grupo.
No que se refere a quarta assertiva, o resultado também
foi positivo, corroborando a estreita relação entre meio ambiente e
suas questões e o nosso cotidiano. Cerca de metade dos discentes
(52%) concordou totalmente com a aplicação dos conteúdos na
rotina e aproximadamente um terço (35%) concordou
parcialmente com esta ideia. Não houve discordância total e apenas
13 % discordaram parcialmente.
O público do curso era formado por alunos que
concomitantemente ao ensino médio faziam também o curso
técnico de meio ambiente, mas ainda assim foi expressiva a
percepção de que curso permitiu a aquisição de novos
conhecimentos, seja em parte (61%) ou totalmente (35%),
demonstrando o quanto é vasto este universo. Não houve
discordância total e apenas 4% discordaram parcialmente. O fato
de o curso ter agregado, mesmo que em parte, novos conteúdos
448
para esse público específico, que já possui uma bagagem sobre o
tema, pode ser considerado como muito positivo.
Um dos resultados mais importantes alcançados com o
questionário refere-se à incorporação de hábitos sustentáveis no
dia-a-dia pelos alunos. Aqui, em que pese a diversidade de
respostas para essa questão, é possível perceber que alguma forma
a maior parte dos alunos pôde, ao menos em parte, a partir do
curso, introduzir hábitos sustentáveis ou mudar atitudes
demonstradas como equivocadas durante o curso.
De posse de tais dados podemos concluir por uma
avaliação positiva do curso que evidência que a educação ambiental
e seus reflexos no cotidiano despertam interesse no jovem
estudante, favorecendo a consecução do objetivo principal deste
projeto, qual seja: a capacitação dos alunos para que atuem como
agentes transformadores da realidade.
Interessante destacar, por fim, que os resultados destes
dados puderam ser observados na prática com o decorrer dos
encontros na medida em que se tornavam mais participativos e
questionadores, trazendo para as palestras as suas próprias
percepções sobre o tema a partir do que vivenciavam através dos
projetos de extensão em meio ambiente que desenvolviam pelo
colégio.
6. Considerações finais
Por fim, reconhece-se que a extensão universitária em
forma do curso supramencionado, e direcionado a alunos de
ensino médio cumpriu seu desiderato com a abordagem da EA,
conforme estabelecida pelo ordenamento jurídico brasileiro, tanto
449
em nível médio como do ensino superior. Ademais, permitiu a
formação de agentes transformadores da realidade ao mesmo
tempo em que o projeto atuou como e facilitador na assimilação
das competências e habilidades preconizadas pela EA, o que pode
e deve ser utilizado por outras instituições do Ensino Superior.
Nesse sentido vide a avaliação positiva dos alunos que demonstra
que a temática desperta interesse.
Como visto, o curso foi uma experiência relevante,
todavia é importante o cuidado na capacitação dos graduandos de
modo que a experiência se mostre positiva para os estudantes de
graduação bem como para o público alvo do curso. Nesse sentido,
para a direção do curso pelos graduandos é importante capacitar
os estudantes de graduação por meio de orientação individualizada
dos professores e também com estudo do tema a ser trabalho em
cada encontro do curso. E isto pode ser feito através de grupos de
pesquisa cuja área de interesse seja o meio ambiente. Os grupos
reúnem alunos interessados na temática podem proporcionar
encontros para a discussão de textos, filmes e assuntos que serão
abordados no curso de extensão. Dessa forma confia-se que o aluno
estará suficientemente preparado para compartilhar seus
conhecimentos com outro público contribuam para qualificação
destes como agentes transformadores de sua realidade social ao
mesmo passo em que consolidam as habilidades adquiridas. Isso
pode ser em certa medida avaliado a partir do questionário fechado
aplicado.
Sugere-se que o curso seja estruturado para que ocorra
com mais de um encontro com o público alvo para oportunizar o
contato continuado com o tema a fim de que se esgote rapidamente
450
o assunto e a abordagem acabe sendo superficial, o que poderia
acontecer no caso de um contato pontual com a matéria. Não
obstante, a quantidade de encontros esbarra muitas vezes em
questões práticas como os horários e dias disponíveis para a prática
por parte da escola e dos universitários participantes. O ideal aqui
é, a partir de um grupo de pesquisa afim, montar uma equipe de
alunos responsáveis pela execução do projeto e de professores
responsáveis pela supervisão do mesmo.
Quanto à exposição dos textos e temas de EA pelos
graduandos é interessante que a seleção considere a realidade e o
contexto socioeconômico em que o público-alvo está inserido para
que os conteúdos de educação ambiental abordados tenham
significados para o potencial agente transformador já que não é
possível falar em formação desses novos agentes se os conteúdos a
eles transmitidos encontrarem-se descontextualizados com seu
meio social.
Nesse sentido, o contato anterior com a instituição é
importante, inclusive para ciência dos conhecimentos prévios do
público-alvo e grau de profundidade e complexidade com que os
textos podem ser apresentados. No caso da experiência deste
capítulo, os alunos cursavam ensino médio integrado com o curso
técnico de meio ambiente, o qual possui matéria específica de
educação ambiental de acordo com a grade curricular do colégio.
Assim, foi possível adentrar de início em temas mais complexos
que dispensavam a apresentação de conceitos fundamentais em
razão da bagagem teórica que possuíam.
Por outro lado, é interessante que os estudantes de ensino
superior se sirvam da oportunidade para contemplarem no curso
451
saberes do próprio curso de graduação relacionados a EA, como,
no exemplo do curso, o conhecimento a respeito das normas
constitucionais de proteção ao meio ambiente. Tratando-se de uma
oportunidade para troca de conhecimento é interessante de igual
modo, que se reservem espaços para diálogo e perguntas, para
possibilitar que posteriormente participe ativamente no
diagnóstico dos problemas ambientais e busca de soluções e mais,
que transforme sua conduta em prol de uma nova ética ambiental.
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Ambient. ISSN 1517-1256, v. especial, março de 2013. Disponível
em
<https://www.seer.furg.br/remea/article/view/3438/2066>.
Acesso em 31 jan. 2018.
455
METODOLOGIAS ATIVAS NO ENSINO DE GRADUAÇÃO
NA ÁREA JURÍDICA
METHODOLOGIES ACTIVE IN GRADUATE EDUCATION
IN THE LEGAL AREA
RozireneEmetério Leite 60
Fabrício Veiga Costa 61
Resumo: As transformações sociais têm colocado em questão, as
práticas docentes utilizadas nas universidades e a necessidade de
mudanças metodológicas destes profissionais. A educação superior
contemporânea, requer dos docentes e discentes atitudes de
corresponsabilidade e autogestão na técnica da aprendizagem.
Considerando que a forma de ensinar deve estar voltada para as
necessidades e realidades do discente, promovendo sua autonomia,
seu potencial e preparando-o para a vida em sociedade. Com base
nestas considerações, neste trabalho serão apresentadas as
metodologias ativas de ensino-aprendizagem, como recurso
didático para a formação crítica do estudante do Curso Jurídico e
a reflexão construtivista da atuação do docente em sala de aula.
60
Advogada Empresarial e Civilista. Professora Universitária. Coordenadora do
Curso de Direito da FANS/MG – Faculdade de Direito de Nova Serrana – Pósgraduada Educação, Administração e Comunicação pela Universidade São
Marcos.
61
Pós-Doutor em Educação pela UFMG. Doutor e Mestre em Direito Processual
pela PUCMINAS. Professor do Programa de Pós-graduação stricto sensu em
Proteção dos Direitos Fundamentais da Universidade de Itaúna. Professor da
graduação em Direito da FAPAM; FPL; FASASETE; FAMINAS-BH.
456
Palavras-chave:
aprendizagem.
Metodologias
Ativas;Didática;
Ensino-
Abstract: The social transformations have put in question, the
teaching practices and didactics used in the universities and the
necessity of methodological changes of these professionals.
Contemporary higher education requires teachers and students
attitudes of co-responsibility and self-management in the
technique of learning. Considering that the way of teaching should
be focused on the needs and realities of the student, promoting
their autonomy, their potential and preparing it for society and
with that achieve results in this same sense. Based on these
considerations, this work will present the active teaching-learning
methodologies as a didactic resource for the critical formation of
the student of the Legal Course and the constructivist reflection of
the teacher's performance in the classroom.
Key words: Active Methodologies; Didactics; Teaching Learning.
1. Introdução
As metodologias ativas são entendimentos educativos
que promovem técnicas construtivas de ação-reflexão em que o
aluno precisa dotar-se de uma postura mais ativa em relação ao seu
aprendizado, por meio de situações práticas e desafiantes aplicáveis
à realidade.
Os profissionais da educação têm refletido teoricamente
sobre questões pedagógicas do ensino-aprendizagem nos cursos
superiores, para que os docentes atuem com competências e
autonomias necessárias, construindo argumentos motivadores
457
para o aluno despertar, sair do estado passivo de mero espectador,
aumentar suas habilidades e aptidões, e também para que os
próprios professores produzam aprendizagens significativas,
contribuindo para a construção o conhecimento.
O objetivo do presente artigo é debater o uso das
metodologias ativas na formação crítica do aluno-jurista e a
importância da docência no processo de ensino-aprendizagem. O
tema é de grande relevância para o contexto docente
contemporâneo, por relacionar-se com a atuação da docência, com
os tipos de metodologias utilizadas e a revisitação do papel do
professor em sala de aula, especialmente porque no ensino jurídico
brasileiro, muitas vezes, embora o professor saiba o que ensinar, ele
não detém a formação pedagógica e didática de como ensinar.
2. Histórico do ensino superior no Brasil
No período imperial, por volta do ano de 1808 no Brasil,
o Estado de Salvador sediava os cursos de Cirurgia, Anatomia e
Obstetrícia, e quando a Corte foi transferida para o Rio de Janeiro
lá foi criada a Escola de Cirurgia. Após a independência do Brasil,
no ano de 1827 foram criados dois cursos de Direito: um em Olinda
e o outro em São Paulo. As primeiras faculdades brasileiras foram
dos cursos de medicina, Direito e Engenharia, todas com uma
educação, a partir do modelo francês. (OLIVEN, 2002).
A primeira Universidade brasileira foi a do Rio de Janeiro,
criada em 1920. Durante a Era Vargas, criou-se o Ministério da
Educação e Saúde e em 1931 o Estatuto das Universidades
Brasileiras onde todas deveriam lecionar pelo menos três dos
458
seguintes cursos: Direito, Medicina, Engenharia, Educação,
Ciências e Letras. De acordo com Oliven (2002), no ano de 1930 foi
criada a USP (Universidade de São Paulo) que se tornou o maior
centro de pesquisa do país com professores e pesquisadores
estrangeiros. Em 1935 foi criada a Universidade do Distrito Federal
que foi extinta quatro anos mais trade.
Com a Nova República foram criadas vinte e duas
universidades federais. Deste modo, cada Estado da Federação
passou a contar com uma universidade pública federal em sua
respectiva capital. Nesta mesma época surgiram nove
universidades religiosas, sendo oito católicas e uma presbiteriana.
Com o aumento na demando no ensino superior, expansão das
matrículas e pressão do sistema educacional, em 1961 foi
promulgada a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Brasileira, a Lei nº 4.024/61.
No período dos governos militares houve a Reforma
Universitária e a Lei nº 5.540/68 criou o sistema de créditos e o
vestibular classificatório. Com isso ocorreu maior expansão do
ensino superior, e o setor privado instituiu inúmeras faculdades.
Mais tarde no ano de 1.980 os alunos de cursos superior das
faculdades particulares somavam 86% das matrículas oferecidas “O
setor público foi o responsável pelo desenvolvimento da pósgraduação e das atividades de pesquisa e modernizou um segmento
importante do sistema universitário brasileiro”. (OLIVEN, 2002,
online).
459
2.1. Evolução do Ensino Jurídico
O Ensino jurídico brasileiro pode ser estudado com base
em três fases distintas: a imperial, a república nova e a fase que
começa com a promulgação da Constituição de 1988. Os primeiros
cursos jurídicos brasileiros iniciaram no ano 1.827 em São Paulo e
Olinda, influenciados pela Revolução Francesa e expansão
ideológica. Martinez (2015) informa que em 1981 foi criada a
Faculdade da Bahia e em virtude do grande número de vagas
disponíveis, surgiu o termo “fábrica de bacharéis” que era
comparado ao modelo fordista de produção industrial.
No ano de 1927, fase centenária da criação dos Cursos
Jurídicos, haviam 14 Faculdades de Direito, com modelo liberal,
metodologia insuficiente e sem avanço pedagógico na formação
dos bacharéis. Durante os anos de 1930 a 1945, o ensino ficou
estagnado, houve a “Reforma Francisco Campos” organizada na
Universidade do Rio de Janeiro e as novas pedagogias liberais
americanas não foram aceitas. (MARTINEZ, 2015)
O Estado Novo trouxe Codificações, Estatutos jurídicos e
Leis. Em 1964 haviam 61 faculdades de Direito no Brasil e uma
década depois já somavam 122. Com o autoritarismo estatal, o
ensino jurídico passou por crise organizacional, didática e
metodológica. Em 1972 adveio a Resolução nº 03 do Conselho
Federal de Educação. E os 150 anos do Ensino Jurídico no Brasil
foi comemorado no ano de 1977.
A terceira fase da evolução do nosso ensino jurídico
iniciou com as transformações trazidas pela Constituição de 1988.
Na década de noventa haviam 186 Cursos de Direito no País.
460
Segundo Martizez (2015), A OAB em 1992 realizou estudos e
avaliações das condições dos cursos jurídicos, donde nasceu a
Comissão de Especialistas em Ensino Jurídico da SESu/MEC, e
esta, por sua vez elaborou o texto final da Portaria 1.886/94 do
MEC, que passou a regular as diretrizes curriculares mínimas para
os cursos de Direito no Brasil, o acervo jurídico mínimo, o Núcleo
de Prática Jurídica etc.
Entretanto a Portaria foi omissa ao deixar exposto o
maior dos espaços de aprendizagem que é a sala de aula, e nela
implícita a continuada pedagogia tradicional, ou seja, a limitação
pedagógica ou a grande perda das oportunidades de transformação
do ensino jurídico. Atualmente existem mais de mil cursos de
Direito e muitos deles necessitando acompanhamento de avaliação
de sua eficácia.
3. A didática no ensino superior
A expressão “didática” vem do grego didaktiké que
significa a arte de ensinar. Seu uso foi difundido com a obra de Jan
Amos Comenius (1592-1670, Didactica Agna, ou Tratado da arte
universal de ensinar tudo a todos, publicada em 1657). Para
Nogueira e Oliveira (2011, online): “Nos dias atuais, deparamo-nos
com muitas definições diferentes de didática, mas quase todas
apresentam-se como ciência, técnica ou arte de ensinar”.
Através da didática o docente transmite o conhecimento
ao discente. Perrenoud (2000, p. 25) destaca que: “[...] é, sobretudo,
despender energia e tempo e dispor das competências profissionais
necessárias para imaginar e criar outros tipos de situações de
461
aprendizagem”. A didática deve ser distinta de uma aula perfeita,
além do professor dominar, de fato, as situações de aprendizagem,
ele deve abarcar também, ações diferenciadas para os alunos que
não aprendem simplesmente ouvindo as aulas. Suas lições são no
seguinte sentido: a visão dos teóricos e pesquisadores educacionais
é que na educação superior é necessário conteúdo científico e
também o pedagógico. Na obra “O Caminho se faz caminhando.
Conversas sobre educação e mudança social” de Paulo Freire e
Myles Horton (2003, p. 149) é possível extrair que: “Quanto mais
as pessoas participarem do processo de sua própria educação,
maior será sua participação no processo de definir que tipo de
produção produzir, e para que e por que, e maior será também sua
participação no seu próprio desenvolvimento”.
O papel do professor na ótica da teoria e prática
educacional é de que eles devem aplicar seus conhecimentos e
habilidades pedagógicas que lhes servirão de apoio para a sua
prática, sendo eficaz e compatível com a realidade contemporânea.
Para Jacques Delors (2003), em seu relatório da Comissão
Internacional sobre Educação para o século XXI para UNESCO, a
educação deve constituir-se com base em quatro aprendizagens
fundamentais que, serão pilares do conhecimento: aprender a
conhecer; aprender a fazer; aprender a conviver; e aprender a ser.
Estas são vias essenciais que integram os saberes básicos da
experiência humana e educação do futuro.
462
3.1. Docência e Aula Universitária
Com base no pressuposto de que manter a harmonia, a
concentração e ao mesmo tempo esperar que os alunos assimilem
os conteúdos é uma tarefa árdua para o docente, faz-se necessário
que ele busque por ferramentas adequadas, capazes de despertar no
educando o interesse de aprender. Usando metodologias
apropriadas e com sucesso em sua aula. Para tanto, estratégias
como antecipar o conteúdo da aula seguinte, se torna conveniente
para despertar o desejo do discente, comparecer às próximas aulas.
O educador, no contexto universitário, deve ser
capacitado possuir habilidades e conhecimentos através de ações
seguras e deverá adotar posturas adequadas dentro da sala de aula,
como por exemplo, o respeito e a flexibilização à opinião do aluno,
de tal modo que aconteça uma interferência no conhecimento do
aluno somando àquele que ele já possui, e a participação ativa dos
acadêmicos qualifica a sala de aula
Quando o professor se compromete permanentemente
com seus alunos, suas atitudes são mais democráticas e sem
imposições. Almeida (2015, online) entende que o professor que
não mantém diálogo e nem ouve as justificativas dos discentes,
“está influenciando-o a perder o interesse pela a aula. Sabe-se que
há professores de postura imperativa e grotesca, onde quer mostrar
para o aluno que ele é quem manda na sala de aula”. Outro aspecto
importante é que o professor tenha atitudes mais voltadas para a
mediação, pois na aula universitária a realidade é diferente, e a
mediação dos assuntos debatidos é cobrada com mais ênfase e o
aprendizado é contínuo, o interesse em colocar os conteúdos em
463
prática é maior. Portanto o docente não deveria ficar apegado ao
tradicionalismo.
Para Gemignani (2012, online) é necessário formar
professores que: “[...] aprendam a pensar, a correlacionar teoria e
prática, a buscar, de modo criativo e adequado às necessidades da
sociedade, a resolução dos problemas que emergem no dia-a-dia
da escola e no cotidiano”. A atitude dos professores em sala de aula
é a base da formação do aluno e isto colabora para uma sociedade
desenvolvida, com cidadãos autônomos.
Durante a aula na universidade o professor precisa ter a
total consciência de seu papel como educador, como ferramenta de
apoio apta a diagnosticar problemas, formar ideias e favorecer o
ensino-aprendizagem, já que eles são responsáveis pela formação
de cidadãos. E é muito importante a qualidade de seus
ensinamentos, pois deles ocorrem reflexões e mudanças na
formação e evolução do aluno.
4. Metodologias ativas de ensino-aprendizagem
Metodologias ativas são recursos didáticos de ensinoaprendizagem que objetivam gerar no aluno dimensões de
descoberta, despertando nele a curiosidade no assunto debatido.
Com o uso das metodologias ativas o processo de aprendizagem
ocorre com mais sucesso, nas experiências reais ou simuladas e em
diferentes contextos. Porque tendem a levar a uma melhor
compreensão e desenvolvimento prático em sala de aula e na sua
formação crítica atual dos discentes.
464
Entre as metodologias encontra-se o método de
aprendizagem baseado na “Problematização” e “Aprendizagem
Baseada em Problemas (ABP)”. O uso desta metodologia no Brasil,
está baseado nos princípios de Paulo Freire, e tem como referência
o trabalho de Dias Bordenave Pereira, orientado pelo Arco de
Charles Maguerez que traz a problematização em cinco etapas: a
observação da realidade; identificação dos pontos chave;
teorização; hipótese de solução e aplicação à realidade.
Figura 1 - Esquema do Arco de Maguerez, segundo Dias
Bordenave Pereira
Fonte: Revista Fronteira das Educação [online], Recife, v. 1, n. 2,
2012. ISSN: 2237-9703.
E a Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) se funda
na Teoria da Indagação de John Dewey um filósofo norte
americano, considerado por muitos como o precursor do
pensamento pedagógico contemporâneo. Para ele a aprendizagem
vem de problemas que geram dúvidas intelectuais, portanto este
465
método destaca a descoberta e a reflexão dos alunos. (Gomes,
2002).
Os métodos de aprendizagem ativa, cerne deste estudo,
estão fundados na pedagogia crítica e usam problemas para
desenvolver o ensino-aprendizagem, assim o estudante 'aprende a
aprender', por meio de cognição prévia, descobre as leis ou
conceitos úteis para solucionar o problema proposto. E o grande
desafio, é a busca por metodologias inovadoras que possibilitem o
alcance de uma formação docente ética e histórica, que seja voltada
a crítica reflexiva transformadora e humanizada. As palavras
deBerbel (2012, online) são no seguinte sentido: “São muitas as
possibilidades de Metodologias Ativas, com potencial de levar os
alunos a aprendizagens para a autonomia. O estudo de caso é uma
delas, bastante utilizado em cursos de Direito, Administração,
Medicina entre outros”.
Dentre os instrumentos utilizados no planejamento
didático e pedagógico, destaca-se a Taxonomia de Bloom que se faz
adequada no ensino superior, por ajudar no planejamento, na
organização e controle dos objetivos da aprendizagem. Além de
proporcionar base e táticas eficientes que facilitam avaliar e
estimular o desempenho dos alunos, também incita os docentes a
auxiliarem os seus alunos. Isto devido a três domínios: cognitivo,
afetivo e psicomotor.
A Taxonomia de Bloom colabora significativamente para
medir o que foi aprendido e direcionar o processo educacional, no
ensino superior, considerando que nos últimos anos ela foi
avaliada e atualizada de acordo com os avanços estratégicos e de
466
tecnologia aliada a educação. Tanto na educação a distância quanto
na presencial o processo educacional (FERRAZ, 2010).
O processo do ensino-aprendizagem e suas respectivas
metodologias se baseiam na ideia de que as pessoas aprendem e
logo mudam seu comportamento, pois a pedagogia utilizada é
fundamentada em epistemologia ou teoria do conhecimento.
Ainda que hajam muitas opções pedagógicas as três mais polemicas
são a pedagogia de transmissão, a do condicionamento e da
problematização. E destas três opções de pedagogia, a que detém
superioridade é a da problematização.
Importante mencionar que existe também um novo
método de aprendizagem ativa que é o da Sala de Aula Invertida,
que será tratado mais adiante neste estudo. Trata-se de um tipo
hibrido de ensino, ou seja, uma combinação de recursos online, de
onde se extrai vantagens para o ensino aprendizagem. Os
professores utilizam de potencialidades tecnológicas para melhor
interagir com os alunos, aproveitando com maior qualidade o
tempo em sala de aula, centrando naqueles estudantes com maior
dificuldade e oferecendo uma educação personalizada tornando
possível que os alunos avancem na aprendizagem em ritmos
diferentes criando uma sala de aula do século XXI. (BERGMANN;
SAMS, 2016).
4.1. O papel do professor na sala de aula
Percebe-se que a prática docente não pode ser entendida
somente como o ato de transmitir conhecimentos. É essencial,
deveras pois a formação pedagógica, didática, técnica, prática,
467
científica e política. Perrrenoud (2000, p. 13) entende que: os
professores devem “[...] dominar os saberes a serem ensinados, ser
capazes de dar aulas, de administrar uma turma e de avaliar (...)
administrar a progressão das aprendizagens ou em envolver os
alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho”.
Embora haja críticas em relação a postura do professor na
sala de aula, eles sabem que o Ensino Superior é desafiador e
precisa ser inventado ou reinventado diariamente. E quando isto
ocorre verdadeiramente as aulas passam a ser mais vivas e
interessantes e o ensino é mais eficaz. Na visão de Nogueira e
Oliveira (2011, p.10): “O fato que ocorre é que grande parte dos
professores universitários ainda vê o ensino principalmente como
transmissão de conhecimento através das aulas expositivas”.
Cumpre-nos explicar que o docente em sua formação
precisa desenvolver a autocrítica, e deste modo ele será capaz de
analisar o seu processo de ensino e adquirir maior capacidade e
competência. Considerando que para esta análise competência não
está reduzida somente à ideia de desempenho, neste caso o
desempenho indica a competência e ultrapassa o saber fazer.
Ademais a capacidade de um professor não pode ser avaliada
somente pelo conhecimento que ele possui, e sim pelo conjunto
que envolve conhecimentos e habilidades para realizá-los.
Cabe ao professor, quando se encontrar em situação
inédita, saber interpretar novas formas de atuação na sala de aula,
pois o seu sucesso na solução da situação dependerá de outras
habilidades, além, somente, do seu conhecimento propriamente
dito. Outro episódio que soa pertinente, é realizar, com certa
frequência, um balanço de suas capacidades, isto é, saber
468
exatamente a experiência que possui, quais carências permanecem,
quais as pretensões de conquistas e como colocá-las em prática
para se alcançar a confiabilidade desejada. Para Berbel (2012,
online): “O professor deve adotar a perspectiva do aluno, deve
acolher seus pensamentos, sentimentos e ações, sempre que
manifestados, e apoiar o seu desenvolvimento motivacional e
capacidade para autorregular-se”.
É relevante ressaltar, que a relação professor-aluno é o
cerne do processo de aprendizagem em nível universitário, pelo
fato de estabelecer o elo da construção do conhecimento ao
comprometimento. E quando isto ocorre verdadeiramente as aulas
passam a ser mais vivas e interessantes e o ensino é mais eficaz.
As metodologias por mais promissoras que sejam, por si
só não são capazes de transformar o mundo ou a educação, muito
menos promover a motivação autônoma dos alunos. Para que as
metodologias ativas se tornem efetivas, primeiramente é preciso
que professores e alunos as assimile e as compreenda, pois são
muitas as condições dos professores, dos alunos e também do
cotidiano escolar que podem dificultar ou impedir sua finalidade.
4.2. Desafios e perspectivas
Conforme demonstrado, anteriormente neste estudo, que
o docente no ensino superior necessita rever sua prática
pedagógica e realizar nelas, mudanças para que os alunos se
comprometam mais com o aprendizado. Ser professor
universitário é um desafio, principalmente porque implica dividir
469
com os alunos o processo ensino aprendizagem, alterando assim a
disposição tradicional “professor ensina” “aluno aprende”.
Dentre os condicionantes da sala de aula e intervenção
pedagógica no curso superior, o ensino precisa acontecer de modo
genérico e comum ao mesmo tempo, gerando desenvolvimento
integral dos temas traçados, e as linhas investigativas estarem
relacionadas com os quatro pilares da educação (aprender a
conhecer, a fazer, a conviver e a ser) indicados no Relatório de
Jacques Delors, realizado pela Comissão Internacional sobre
Educação para o século XXI, elaborado no ano de 1996 em que
especialistas em educação de diferentes países traçaram
orientações sobre a educação mundial, para a harmonia social e
formação de sujeitos capazes de se adaptarem às transformações
sociais (DELORS, 2003).
Na constatação de Freire e Horton (2003, p. 107/108):
“[...] para encorajar as pessoas a agirem, o desafio tem que ser um
desafio radical. Não pode ser uma pequena reforma simplista que
os reformadores acham que irão ajudá-los”. E prossegue
observando que: “É preciso que seja algo que eles saibam por
excelência própria que seria, possivelmente, capaz de trazer
mudanças”. E conclui que se as pessoas puderem “ver alguma coisa
desafiante, algo que, a seu ver, mudaria realmente as coisas para
eles, e se eles puderem ver um caminho no qual fosse possível
caminhar na direção de seu objetivo” então algo poderia ser feito.
O Relatório Delors (2003, p. 96) traz perspectivas para a
educação: “[...] apresenta soluções inovadoras e as mais modernas
práticas de sala de aula”, supera a abordagem tradicional e oferece
a ideia de que no seu trabalho o professor deve estra pronto para
470
agir em diferentes circunstâncias e possuir atributos como
competência e capacidade rápida de adaptação as mais diferentes
situações e pessoas, que é o “aprender a fazer”, melhorando e
aperfeiçoando seu desempenho. “Trata-se, frequentemente, mais
de uma qualificação social do que de uma qualificação
profissional”.
O grande desafio e perspectiva do professor é oferecer um
desempenho pedagógico verdadeiramente superior, trabalhando o
hoje para o futuro e o bem-estar da população. Exercendo seu papel
com responsabilidade e como cidadãos preocupados com o que
está por vir, pois vivemos numa era que a dinâmica social leva o
ensino a uma constante transformação e para acompanhá-lo, é
preciso que o docente inova seu papel com a consciência, que para
Delors (2003, p. 104): “[...]os saberes penetram e enriquecem os
outros”.
5. Metodologias ativas no ensino jurídico
A formação docente universitária brasileira não é
regulamentada como um curso específico, conforme acontece no
ensino básico, assim sendo as IES deveriam desenvolver programas
de preparação de seus professores para o exercício da docência,
aprimorando metodologias através de uma revisão crítica. Pelo
fato de muitos deles possuírem vasta experiência jurídica, mas
estarem despreparados cientificamente para o ensino
aprendizagem quando estão em sala de aula.
A docência jurídica quando despreparada, sem formação
pedagógica e sem qualidade no ensino de graduação com aulas
471
improvisadas necessita de inovações no campo da didática
melhorando sua competência profissional e metodológicas de
ensino, com novas posturas técnicas e efetivas de ensino com
reflexão desafiadora de seu papel.
Para Freire e Horton (2003, p. 107/108): “[...]o desafio
tem que ser um desafio radical (...) que eles saibam por excelência
própria que seria, possivelmente, capaz de trazer mudanças”. Para
lecionar disciplinas jurídicas é preciso trabalhas teóricometodologicamente com boa formação pedagógica organizada em
processo teórico-científico e técnica de professor competente para
ensinar. Para Martinez (2015 online): “A ausência de exigências
qualitativas para a profissão de professor de Direito favoreceu a lei
do mercado do “ensino livre”, permitindo a fácil expansão
quantitativa do ensino jurídico no aspecto da oferta de mão-deobra docente”.
No ensino jurídico as metodologias precisam
acompanhar os objetivos pretendidos. Deste modo para que
tenhamos estudantes proativos, precisamos adotar metodologias
cada vez mais envolventes e complexas. Levando-se em conta que
as metodologias são pontos de partida para reflexão, integração e
reelaboração de novas práticas.
Teóricos como Dewey (1950), Freire (2003), Perrenoud
(2000); entre outros, destacam o valor de superar a educação
tradicional e repensar o ensino. Assim sendo o professor do ensino
jurídico deve desenvolver sua autocrítica, avaliar o seu processo de
ensino refletindo sobre si mesmo, e conhecer profundamente a
singularidade de seu trabalho na sala de aula para como isso
elaborar estratégias de atos mais adequados.
472
5.1. Metodologias tradicionais
De acordo com Almeida (2015, online) “O método
tradicional de ensino surgiu no século XVIII, a partir do
Iluminismo. Tinha como principal objetivo expandir o acesso ao
conhecimento. Esse método possui um modelo firmado e certa
resistência para aceitar inovações”. E as escolas que adotam este
método, entendem que o aluno ao se formar terá uma bagagem
crítica e criativa. Durante o curso o professor mantém distância de
seu aluno, sendo este somente um ser passivo, cumprindo apenas
o que lhe é instruído. Para ele: “Os métodos tradicionais têm como
objetivo a transmissão de conteúdo definidos, onde a variedade e a
quantidade de noções, conceitos e informações prevaleçam sobre a
formação do pensamento reflexivo”.
Nos métodos tradicionais o professor fica engessado
numa realidade ilimitada, não permitindo que o professor seja
reflexivo e foque em aulas participativas e acolhedoras, o que leva
o aluno ao fracasso, já que o mesmo também não será crítico e
reflexivo, se tornando apenas mecanizado, isto é, apenas repete o
que o professor lhe transmitiu. O professor precisa estar aberto às
indagações dos alunos, pois esta é a finalidade da pedagogia, pois
esta, por tradição é reconhecida como a arte e a ciência de ensinar.
O professor que reflete sobre sua prática pedagógica e
aplica métodos inovadores da didática do ensino superior, como
por exemplo, pesquisas que abrangem o meio social desenvolve
uma maior capacidade crítica e reflexiva em seus alunos. A
abertura intelectual é significativa na troca de experiência e cultura
473
entre professor e estudante, já que as práticas e conversas reflexivas
colaboram para a compreensão e troca de conhecimento.
Numa perspectiva geral, entende-se que os professores do
ensino superior necessitam desenvolver competências
profissionais, para que seus alunos tenham melhor formação
crítica. E para que isto ocorra, primeiramente devem ser
substituídas as formas tradicionais de ensino atualmente utilizadas,
pelas metodologias ativas de ensino-aprendizagem como recurso
didático na prática docente diária, nos casos em que o docente
domina o tema da aula, contudo não encontra meios de abordá-lo
facilitando a aprendizagem.
Bergmann e Sams (2016) entenderam que quando
lecionavam no modelo tradicional, grande parte da atenção era
voltada para os alunos mais brilhantes e com maior facilidade de
compreensão do conteúdo, e os demais alunos só participavam
como ouvinte. E que com a metodologia da sala de aula invertida,
é possível que o professor realize atendimentos individuais e
colaborativos àqueles estudantes que possuam dificuldades de
aprendizagem.
Para provocar a evolução, o desenvolvimento e o
amadurecimento na gestão da educação superior no Brasil, e ir
além do rigor técnico científico permitindo o diálogo espontâneo,
também uma metodologia de conduta de projeto que Boutinet
(2002) associado à pesquisa, à extensão e à responsabilidade social.
Unindo os recursos do professor e do aluno, ambos se
empenhando numa ação de mudança.
O método de projetos agrega atividades de ensino,
pesquisa e extensão e objetiva lutar contra o artificialismo da escola
474
e a aproximando da realidade da vida. Em busca de premissas
voltadas para a educação, um modelo inspirador de um projeto
técnico e humano que assenta na inovação radical e com potencial
significância, que a nova epistemologia conduz a elaboração de
modelos de projetos com objeto social, inspirado em projeto
técnico e humano. Para Boutinet (2002, p.148/149): “Trata-se de
situá-lo em sua evolução finalizada, através do ou dos projetos que
ele estabelece para si. Não se trata mais de analisar um sistema, mas
de concebê-lo”.
O caráter profissional da formação do docente, de acordo
com Boutinet (2002), deve ser norteado por quatro premissas
básicas de condutas para a construção e condução dos projetos do
curso e da aula e sobre quais conhecimentos e atitudes empreender.
Para o autor os pressupostos de uma metodologia de projeto são:
Unicidade da elaboração e da realização; a singularidade de uma
situação a ser ordenada; a gestão da complexidade e da incerteza e
A exploração da oportunidade em um ambiente aberto. E neste
último caso requer um novo olhar para esse ambiente: “Há algo a
fazer, algo a ordenar, mudar aquilo que poderá ser feito, ordenado
ou mudado por uma ação deliberada que deve ser antecipada o
melhor possível”. (BOUTINET, 2002, p. 236).
5.2. Metodologia ativa da sala de aula invertida
A tecnologia da informação e da comunicação através da
internet, quando unidas às atividades realizadas na sala de aula
oferece um ensino híbrido, ou seja, uma modalidade chamada de
blendedlearning, em que o aluno utiliza recursos online
475
interagindo com outros alunos e com o professor. A metodologia
da sala de aula invertida ou FlippedClassroom deriva do
blendedlearning.
Este enfoque híbrido de ensino apresentado pelo
educador americano Salman Khan, foi desenvolvida no Brasil por
Jonathan Bergmann e Aaron Sams em 2007, com o objetivo de
solucionar o problema de estudantes faltosos nas aulas e que
perdiam o conteúdo ministrado pelo professor, ficando atrasados
com relação ao restante da classe. Daí estes dois professores
resolveram gravar a parte expositiva de suas aulas, para ajudar estes
alunos e também para não repetir diversas vezes a mesma
explicação.
Os educadores e estudantes de Estados Unidos ficaram
animados com os vídeos realizados por Bergmann e Sams e com o
seu novo formato de ensinar e aprender. “Basicamente, o conceito
de sala de aula invertida é o seguinte: o que tradicionalmente é feito
em sala de aula, agora é executado em casa, e o que
tradicionalmente é feito como trabalho de casa, agora é realizado
em sala de aula”. (BERGMANN; SAMS, 2016, p. 11).
Através deste modelo de aula, os conteúdos são realizados
fora da sala de aula, os alunos estudam por meio de vídeo aula,
leituras de materiais anteriormente disponibilizados pelo
professor, e o tempo na sala de aula é usado para realizar atividades
mais práticas, como por exemplo resolução de problemas, debates
em grupo, projetos, laboratórios, entre outros. E assim, os alunos
praticam o que aprendeu com a assistência e supervisão do
professor que atua também como tutor e orientador.
476
É importante mencionar que, este tipo de metodologia
ativa não se limita apenas a gravar e disponibilizar vídeos, ela
também proporciona que o aluno seja responsável pela autonomia
de seu aprendizado e dento do seu ritmo. E o professor com a
responsabilidade de levar aos estudantes as informações
adquiridas, diferente do ensino tradicional, devido a seu maior
aproveitamento do tempo de aula e também porque a metodologia
da sala de aula invertida aos estudantes destes novos tempos,
parece ser mais adequada.
A metodologia da sala de aula invertida pode ser usada no
ensino médio ao superior em todas as áreas curriculares. A
professora Jennifer Douglas, Westside High School, nos EUA
relata que: “Lecionar sob o modelo tradicional era exaustivo. Eu me
sentia como se tivesse de “representar um papel”, o que exigia
energia, entusiasmo e esforço constantes” Segundo a professora:
“Quando experimentei o modelo da inversão, senti-me livre.
Consegui entrar em aula para observar o trabalho dos alunos”. Ela
ainda ressalta que: “trabalhando com os estudantes que enfrentam
dificuldades; lidando com problemas de alunos que eu nunca tratei
antes; e realmente passando a conhecer os estudantes. Apenas o
ônus da aprendizagem mudou de mãos”. (JENNIFER DOUGLAS
apud BERGMANN; SAMS, 2016, p. 15).
Com este modelo de metodologia é proposto uma
inversão da aprendizagem e o ensino fica personalizado,
observando possíveis deficiências ou dificuldades de aprendizado
do estudante e assim ampliar seu rendimento. Já que a aula gira em
torno do aluno, eles têm o compromisso de fazer perguntas mais
477
adequadas, pois o professor está presente para dar o feedback
especializado, amparar o aluno e esclarecer dúvidas.
Para os autores, na sala de aula invertida ocorre um
trabalho em conjunto, onde os alunos tiram dúvidas uns com os
outros e dependem menos dos professores. Complementando sua
linha de raciocínio eles afirmam que: “Ao perambularmos pela sala
de aula, nós testemunhamos a criação de seus próprios grupos de
colaboração. “Eles passam a se ajudar, em vez de dependerem
exclusivamente do professor como único disseminador do
conhecimento”. (BERGMANN; SAMS, 2016, p. 24).
Esta inovação metodológica da sala de aula invertida se
vale da tecnologia para um melhor desenvolvimento da aula, por
ser um método diferente do tradicional, ainda pouco difundido no
Brasil, mas com grande destaque nas escolas e universidades no
exterior. Esta metodologia não inverte apenas a estrutura do
processo de aprendizagem, ela também muda os papeis dos
discentes e docentes, de tal modo que o professor tenha mais
interação com seus alunos conhecendo-os melhor, e eles por sua
vez, passam de meros ouvintes à participantes responsáveis por sua
aprendizagem.
5.3. A precarização do docente superior
As dificuldades mais salientes e que precisam ser
superadas pela classe docente, no processo de alienação de seus
trabalhos, são várias, dentre elas encontra-se a crescente demanda
de professores do ensino superior, a criação indiscriminada de
cursos de licenciatura e bacharelado, aliada a desvalorização social,
478
salarial e acadêmica da profissão. Além do forte desprestígio que
muitas vezes é marcado por sentimentos como o de inferioridade,
mediocridade e incapacidade que muito contribui.
É necessária uma redefinição de critérios do trabalho do
profissional docente, com base na compreensão de que os
professores têm direito à condições adequadas de uma política que
os privilegie com salários dignos autonomia profissional, com
planejamento e reflexão sistematizada da prática adequada para a
realização de suas aulas. Para assim efetivamente iniciar o processo
de construção da identidade docente.
A representação social da profissão ligada às atividades da
educação nas instituições de ensino, está com sua identidade
comprometida, pelo fato também da mercantilização da educação
superior neste país às custas do trabalho docente que continua
sendo marcado pela flexibilização de contratos trabalhistas
precários e informais à margem da lei, criando um número de
professores
em
sua
grande
maioria
despreparados
academicamente. Estes são fundamentos históricos da
precarização do trabalho docente superior. (BOSI, 2007).
Para Diniz Pereira (2011, online) a bem da verdade, a
crise da identidade do profissional docente, passou a ser percebida,
quando o professor perdeu a respeitabilidade diante da “[...]
complexidade dos desafios do fazer pedagógico e da descoberta do
prazer proporcionado pelas relações pessoais que a dinâmica de
sala de aula oportuniza”.
A grande maioria dos docentes do ensino superior se
sentem improdutivos, sem justa recompensa monetária, com
autonomia intelectual perdida, sem capacitação e preparação.
479
Mudar este cenário é condição necessária e urgente para esta
categoria de profissionais.
5.4. Aplicação de metodologias ativas no ensino jurídico
A formação dos profissionais docentes da área jurídica
tem sido com base no uso de metodologias conservadoras e
tradicionais, sem grande especialização e eficiência técnica. O que
torna o ensino-aprendizagem corrompido e limitado a reprodução
do conhecimento pelo professor que atua como transmissor de
conteúdo, enquanto os estudantes os retêm e repetem os mesmos
sem nenhuma crítica e reflexão. Em virtude disto, e também pelo
fato de as relações estarem se tornando mais dinâmicas, tem-se
percebido a necessidade de mudanças urgentes no ensino do
Direito, visando reconstruir seu papel social.
De fato, a graduação jurídica dura somente alguns anos
ao passo que a atividade profissional pode continuar por décadas e
com ela as informações recebidas e aptidões transformadas muito
rápido, e em virtude disso faz-se necessário refletir sobre uma
metodologia capaz de ampliar o ensino para o tornar mais prático
e libertador na compreensão e formação do jurista e com isso este
“aprender a aprender”, como mostrado nos quatro pilares para
educação do Relatório Delors (2003).
Na maioria dos cursos de Direito as diretrizes curriculares
sugerem a avaliação como atividade permanente do ensinoaprendizagem e esta acompanha os avanços dos universitários e
suas dificuldades. Avaliar a aprendizagem utilizando a prova como
ferramenta normativa somente para dar a nota e constatar o que o
480
aluno aprendeu ou não e seguir adiante não é correto. É preciso
entender que a avaliação não serve apenas para medir o
conhecimento que o aluno adquiriu. Para Feltran (2002, p. 75):
“Circunscrita ao foco pedagógico e da formação profissional, a
avaliação deve atingir as ações do professor em sala de aula, no
tocante aos métodos pedagógicos e às sequências das ações
pedagógicas, bem como ao desempenho escolar do estudante”.
A avaliação deve ser utilizada de maneira ampla,
provocando reflexões críticas sobre sua prática, seus progressos,
resistências e dificuldades. A avaliação deve ser inovadora,
fundamentando-se na colaboração de nova formação através de
um trabalho planejado e executado com a participação de todos os
envolvidos. Feltran (2002, p. 75) explica que: “A avaliação, definida
como instrumento de aprendizado, coloca-se em posição nova,
apresentando-se com pressupostos e características intimamente
ligadas aos objetivos educacionais e à missão da universidade”.
Nesse sentido, a graduação jurídica contemporânea,
carece de formar estudantes capazes de se auto gerenciar e
autogovernar, de tal modo que possibilite a integral atenção a seus
estudos, e o ensino ter mais qualidade e eficiência. Contudo, para
que isso ocorra efetivamente, as abordagens pedagógicas devem ser
aplicadas mais progressivamente no ensino-aprendizagem no
campo do Direito para construir profissionais com maior
capacidade ética, política e técnica sobretudo dotados de
conhecimento, raciocínio, critica, responsabilidade e em especial
de sensibilidade para as questões sociais e capacidade de intervir
em contextos incertos e complexos.
481
As duas espécies de aprendizagem significativa são: a
existência de um conteúdo expressivo e a atitude favorável para a
aprendizagem; neste último caso é a postura do aluno e sua
estrutura cognitiva. É por isto que na aprendizagem mecânica não
há como estabelecer afinidades entre o que é novo e o que já foi
aprendido. Com efeito, a aprendizagem significativa está
estruturada na continuidade.
Paulo Freire (1999) chama de “método anti-humanista do
educador pragmático neoliberal”, para ele trata-se de “treinador,
exercitador de destreza e transferidor de saberes” o que torna o
ensino insensível e técnico e o aluno acomodado.
A nova metodologia ativa da Sala de Aula Invertida, tem
potencialidade para revolucionar o futuro da educação jurídica
brasileira, porque torna o processo de aprendizagem mais
completo e eficaz, porque coloca o aluno como protagonista do
processo ensino aprendizagem. Ao estudarem, anteriormente, um
tema específico, os alunos ficam mais preparados para o debate e
argumentação posterior na sala de aula. Isto inverte a transmissão
do conhecimento, que no ensino tradicional o estudante, mero
sujeito passivo de escutar o professor, realizar as atividades e em
casa estudar para a prova. (BERGMANN; SAMS, 2016).
O mestre Perrenoud (2000, p. 14) em sua obra “Dez
Novas Competência para Ensinar” explora exaustivamente as
competências imprescindíveis ao trabalho do professor. O autor
propõe aos docentes desenvolverem as seguintes competências:
Organizar e dirigir situações de aprendizagem. Administrar a
progressão das aprendizagens. Conceber e fazer evoluir os
dispositivos de diferenciação. Envolver os alunos em suas
482
aprendizagens e em seu trabalho. Trabalhar em equipe. Participar
da administração da escola. Informar e envolver os pais. Utilizar
novas tecnologias. Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da
profissão. Administrar sua própria formação contínua. Para o
autor isto significa “educar para a cidadania”.
É importante que o professor conheça os conteúdos com
fluência satisfatória para uma melhor abordagem e transposição do
ensino aprendizagem. Considerando que os alunos de curso
superior possuem características diferenciadas de informação,
capacidade, empenho e situação socioeconômica. Portanto, cabe
ao docente a tarefa de administrar esta heterogeneidade atendendo
às diferenças e as transformando num tratamento homogêneo na
sala de aula. Perrenoud (2000, p. 151) recomenda: “saber analisar
as relações intersubjetivas é uma dimensão importante da prática
reflexiva”.
Cabe ao professor do ensino superior, em especial àquele
da graduação jurídica, promover reflexões continuadas e análise de
suas práticas, de sua relação professor-aluno, aproveitado dos
diálogos e debates sobre temas pertinentes enriquecidos numa
visão interdisciplinar. Também se faz útil a realização de uma
autoanalise e auto avaliação para saber quais carências persistem e
com isso reeducar-se.
6. Considerações finais
Pelo exposto, fica claro que a utilização das metodologias
ativas no ensino superior, como recurso didático para a formação
crítica do aluno universitário, consiste numa prática pedagógica
483
com participação democrática e aprendizagem significativa.
Através da aplicação das metodologias ativas aliadas a práticas
reflexivas e empenho do docente é possível haver autonomia e
diálogo diante dos conflitos naturais do ensino universitário.
Vimos através deste estudo que o conhecimento das
metodologias ativas, em muito auxilia os professores e significa
contribuir com seus trabalhos, pois o uso delas demonstram
grande eficácia no processo de ensino aprendizagem, ao realçar a
possibilidade de integração entre aluno e professor, e isto é
significativo, considerando que a participação coletiva e
democrática é fundamental na atual conjuntura que vivemos.
Podemos destacar ainda que metodologias ativas de
ensino- aprendizagem, incluindo a da Sala de Aula Invertida têm
potencial para revolucionar o futuro da educação, por suas
contribuições e benefícios cada vez mais usados por professores
mundo afora. E que ao serem aplicadas no curso de Direito,
delimitam um marco conceitual eficiente, para o docente projetar,
analisar e avaliar a compreensão do aluno, despertando nele a
vontade de aprender e continuar aprendendo o que é essencial para
o sucesso da relação ensino aprendizagem.
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