O Nobre Caminho Óctuplo
Um Guia para o Despertar
por
Ṭhānissaro Bhikkhu
(Geoffrey DeGraff)
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Tradução: Katatto Bhikkhu
Revisão de texto: Carla Schiavetto, Carla
Barroso Carneiro
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dir e itos autor ais r e se r vados 2017 ṭhānissar o
bhikkhu
Esta obra está licenciada baixo à Licença AtribuiçãoNãoComercial 3.0 de Creative Commons Unported. Se
considera “comercial” qualquer tipo de venda, seja com ganho
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pe r guntas
As perguntas relacionadas a este livro podem ser enviadas para:
The Abbot, Metta Forest Monastery, PO Box 1409, Valley
Center, CA 92082, EUA
r e c ur sos adic ionais
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língua inglesa, visite os site dhammatalks.org.
c ópia impr e ssa
Uma cópia impressa deste livro está disponivel em forma gratuita
mediante pedido à Sociedade Vipassana de Meditação. Procure
no site sociedadevipassana.org.br
4
Introdução
A programação diária no monastério Metta Forest inclui uma sessão de
perguntas em grupo, durante a qual praticantes leigos e visitantes tem a
oportunidade de fazer perguntas no final da tarde. No período da noite, há uma
sessão de cânticos seguida de uma hora de meditação.
As palestras de Dhamma incluídas neste volume foram dadas durante essas
sessões de meditação à noite e, em muitos casos, cobrem tanto as questões
levantadas verbalmente na sessão de perguntas e respostas quanto aquelas
implícitas nessas perguntas. Muitas vezes essas questões cobrem diversos tópicos
de diferentes níveis da prática. Isso explica a amplitude de temas abordados em
cada palestra.
Editei as palestras com a intenção de torná-las mais legíveis, tentando
preservar um pouco do sabor da palavra falada. Em alguns casos adicionei
passagens ou reorganizei as palestras a fim de tornar as discusões de tópicos
específicos mais coerentes e completas, mas na maior parte dos casos mantive a
edição ao mínimo. Não espere portanto, textos super polidos.
Os ouvintes dessas palestras conheciam as instruções de meditação incluídas
no “Método 2” do livro Keeping the Breath in Mind de Ajaan Lee
Dhammadharo; bem como meu texto, “Uma meditação guiada”, do livro
Estratégia Nobre. Se você não estiver familiarizado com essas instruções, seria
aconselhável lê-las antes de ler as palestras deste livro. Também seria
aconselhável ler as instruções de meditação no livro A Cada Respiração para se
ter uma base extra. Palestras de Dhamma adicionais em Inglês estão disponíveis
em www.dhammatalks.org.Para ouvir a meditação guiada em Português acesse
o link www.dhammatalks.org/pt_txt_index.html.
Ṭhānissaro Bhikkhu
METTA FOREST MONASTERY
OUTUBRO DE 2017
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As Perguntas do Sofrimento
11 de setembro de 2015
O Buddha disse que, quando nos deparamos com o sofrimento na vida,
tendemos a ter duas reações. Uma delas é a confusão — ou seja, ficamos
confusos e não entendemos por que existe o sofrimento ou até mesmo não
sabemos o que é o sofrimento; sabemos apenas que não gostamos dele. Não
temos a menor ideia de onde ele veio ou do que podemos fazer com ele. Isso
leva à segunda reação, que é a busca. O Buddha verbaliza essa busca com as
seguintes palavras: “Existe alguém que conheça uma forma de pôr fim a esse
sofrimento”?
É na busca que entramos em apuros, em parte por causa dessa confusão. Em
outras palavras, realmente não sabemos a resposta à nossa pergunta e não
sabemos quem está qualificado para nos dar uma boa resposta. Assim,
começamos a procurar e encontramos todo tipo de conselho. É como ter uma
doença cardíaca: todos acham que sabem o que uma pessoa cardíaca deve e o que
não deve comer, e não hesitam em dar sua opinião. E eu aprendi desde que eu
tive um problema de coração que só há uma coisa em que todos concordam: que
água faz bem para mim. Todo o resto tem seus prós e contras. E isso é apenas
para uma coisa simples como um peso no coração físico.
Pense, não em termos do coração físico, mas em termos do coração mental
— no budismo, a mente e o coração são basicamente tratados como a mesma
coisa. Para os problemas da mente, as pessoas oferecem soluções ainda mais
contraditórias. Mas é muito raro que as pessoas realmente apontem para aquela
primeira pergunta: o que é o sofrimento? Como você pode colocar um fim nesse
sofrimento? Elas vão encontrar outras perguntas, vão dizer que para lidar com
esse aspecto da personalidade você tem que acreditar nisso ou acreditar naquilo,
que você tem que entrar em um relacionamento correto com este ser ou com
este princípio cósmico, ou sei lá o quê. Poucas respostas apontam para o
problema original, que é: existe sofrimento. Temos que entender o que é o
sofrimento: olhar diretamente para ele e dizer, bem, este é o problema, e o que
vamos fazer a respeito? Essa é a abordagem que o Buddha oferece.
Às vezes se ouve que a primeira nobre verdade é “a vida é sofrimento”, mas
o Buddha nunca disse isso. Ele dá uma longa lista de coisas que são consideradas
sofrimento. Há o nascimento, envelhecimento, adoecimento, morte, separação
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daquilo que você ama, estar junto daquilo que você não ama, não conseguir o
que você deseja, e, em seguida, uma longa lista de emoções infelizes:
desesperança, dor, aflição, angústia, tristeza. Todas estas coisas são sofrimento.
Mas o Buddha realmente não dá uma definição ao sofrimento. É um conjunto de
coisas, diferentes casos de sofrimento. A finalidade desse conjunto é permitir
que você possa identificar em você mesmo o que o Buddha está falando.
Provavelmente, você pode reconhecer o seu sofrimento em algum ponto dessa
lista. Você sabe que ele está falando sobre algo que é familiar para você.
Além disso, o Buddha diz algo realmente interessante. Cinco agregados-deapego: essa é a essência do sofrimento. Isso não soa tão familiar. Se você andar
pelas ruas perguntando às pessoas: “Como estão seus agregados”? Elas vão
pensar: “Você está falando sobre o cascalho da minha calçada”? Não é um termo
com que as pessoas estejam familiarizadas. Mas é algo que estamos fazendo o
tempo todo. O Buddha define cada agregado em termos de uma ação, e são
ações que estamos fazendo o tempo todo.
Forma (rūpa), diz ele, se desgasta. Sensações sentem. Percepções percebem.
Fabricações fabricam pensamentos e consciência está ciente. São atividades. E
nos apegamos a elas, o que significa que tentamos obter delas nosso sustento.
Tentamos nos alimentar dessas coisas. É por isso que sofremos.
Como nos alimentamos de sensações? Ora, desejamos sensações agradáveis.
Assim, agarramos qualquer sensação que venha e tentamos espremer dela o
máximo de prazer possível, assim como se espremêssemos o mel de um favo.
Você devora o mel todinho. Algumas sensações oferecem prazer, mas quando
nos acostumamos a nos agarrar às sensações quando elas surgem, agarramos as
dolorosas também. Quando você tenta espremer o prazer da dor, você sofre.
Ou, se você tentar espremer prazer dos prazeres antigos, você sofre porque eles
já não lhe oferecem o mel. Em vez disso, o que eles oferecem pode ser muito
amargo.
Em relação às percepções, tendemos a nos identificar com nossas
perspectivas sobre as coisas. “Isso tem que ser isso e aquilo tem que ser aquilo”.
E podemos construir várias identidades em torno dessas perspectivas. É aqui que
a grande maioria se engana. Há uma crença de que, se você acreditar em algo, se
você vir algo de certa forma, então você será melhor que os outros. E mesmo
que nos ensinamentos do Buddha exista a Perspectiva Correta e a percepção
correta, e agarremos essas coisas propositalmente para seguir o caminho nobre,
ainda assim essas percepções não nos tornam melhores do que ninguém. Elas
nos ajudam a lidar com o problema original: o problema do sofrimento.
Formações de pensamentos, consciência: quando todo o resto parece nos
deixar, nos agarramos ao ato de consciência, pensando: “Eu sou o eu que sabe”.
Você deve ser o saber. Esse parece ser o fio da meada que amarra tudo junto. E,
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no entanto, quando olhamos para atos de consciência, notamos que vêm e vão.
Nossa consciência das coisas que estavam acontecendo há cinco minutos, onde é
que está agora? É uma memória. Não é mais a consciência. É uma percepção.
Aquela consciência particular já se foi. E, no entanto, tentamos construir uma
identidade a partir desses atos momentâneos. É como construir um prédio
enorme e pesado sobre uma fundação muito frágil.
A abordagem do Buddha para pôr fim ao sofrimento é a de usar essas
atividades de forma hábil e não a de parar de realizá-las. Aprendemos como
executá-las mais habilmente, especialmente o ato da fabricação. Isso, diz ele,
encontra-se em cada um dos agregados. Temos um potencial vindo do karma
passado — um potencial para uma determinada sensação, um potencial para uma
percepção e assim por diante — pegamos esses potenciais e os moldamos,
criando uma experiência real, um agregado real. Há um elemento de intenção em
cada um dos agregados, o que significa que podemos fazer coisas com eles, à
medida que podemos alterar nossas intenções.
Não podemos simplesmente aceitar o que vem. Temos que perceber que
estamos moldando essas coisas no momento em que elas vêm. Apenas aceitar as
coisas, ficar de bem com qualquer coisa e ser não reativo, segundo o Buddha, é o
nível mais baixo de equanimidade. Ele chama isso de “equanimidade mundana”,
quando você recém aprendeu a ser paciente, resistente e tenta não ser reativo
enquanto as coisas vêm e vão. Essas coisas podem ser sons agradáveis ou sons
desagradáveis, campos visuais agradáveis ou campos visuais desagradáveis.
Então, tentar manter a mente não reativa é o nível mais baixo da equanimidade.
O nível mais alto de equanimidade é quando trazemos a mente para a
concentração. É onde começamos a ver que há um elemento de intenção, mesmo
em nossas sensações. Basta ficar com a sua respiração por um tempo. Fique com
ela continuamente e você verá que a respiração se suaviza, fica mais confortável.
Isso mostra que não estamos lidando apenas com algo totalmente dado. Estamos
lidando com potenciais que estamos moldando. Nesse caso, formamos uma
sensação pelo ato da vigilância constante.
Então, quando damos instruções de meditação, estamos dando instruções de
como moldar as coisas de uma forma mais hábil. Você pega todos estes
agregados e os transforma em um caminho, que é muito diferente de apenas
aceitar o que vem. As Perspectivas que mantemos ao fazermos isso são
instruções de como fazê-lo com habilidade.
Lembre-se: você está aqui para resolver o problema do seu sofrimento. As
Perspectivas não têm nenhuma outra finalidade. Não estamos tentando ganhar
das outras pessoas ou mostrar que somos melhores ou mais espertos do que elas.
Estamos seguindo o caminho porque estamos sofrendo. Ficaremos felizes em
compartilhar o que aprendemos com as outras pessoas, mas há momentos em
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que elas não estão receptivas. Elas têm outras preocupações, outras questões.
Nesse caso, temos que abandoná-las, porque você ainda tem o seu problema:
parte da mente que está se alimentando de algo de uma forma inábil. Você tem
que descobrir onde é que está isso e ver o que pode fazer para acabar com esse
problema, pois este é um problema que ninguém mais pode resolver por você.
Quando o Buddha fala sobre as causas do sofrimento, ele dá uma explicação
curta, que são os três tipos de desejo. E sua resposta longa é o co-surgimento
dependente. Mas em ambos os casos, as causas do sofrimento são internas.
O sofrimento é algo que você sente. Outras pessoas podem ser solidárias
com você. Podem ver que você está sofrendo com alguma coisa, mas não podem
realmente sentir o seu sofrimento. E você pode verificar que as ações que causam
esse sofrimento estão nesse mesmo nível de consciência, o nível de consciência
que você não compartilha com ninguém. Não é que você não deseje
compartilhar. É simplesmente porque você não consegue. Você não consegue
exteriorizar sua experiência de sofrimento e compartilhá-la com outras pessoas.
Você pode contar, falar para elas, mas o sentimento real, a sensação real, é algo
que só você pode saber como é.
E, felizmente, o problema também pode ser resolvido internamente. Esses
mesmos agregados-de-apego, que são o sofrimento e o anseio que causa o apego
a essas ações, também podem ser combatidos com ações que você desenvolve
internamente. Em outras palavras, podemos usar outros agregados: percepções
diferentes; formações de pensamentos diferentes. Você aprende a sentir, a
perceber a respiração continuamente. Você direciona seus pensamentos para a
respiração. Você avalia a respiração — isso é a fabricação — de modo a
conseguir criar uma sensação de bem-estar. A respiração fica suave, sedosa,
difundida por todo o corpo. Ela energiza e nutre o corpo. A noção interna do
corpo (como você sente o corpo por dentro) muda porque você mudou sua
intenção. Você desenvolveu novas habilidades de como lidar com essas coisas,
aqui e agora.
O que você fez foi pegar essas coisas que são o sofrimento, coisas que, se
você agarrar de uma forma errada levam ao sofrimento, e fez algo novo com elas.
Você as transformou em um caminho. E, novamente, você não faz isso para ser
melhor do que ninguém, mas simplesmente porque você deseja uma resposta
para essa pergunta: “Quem sabe uma maneira de pôr fim ao sofrimento”? O
Buddha tem essa resposta para você.
Quando você tentar, descobrirá que funciona. E ao fazê-lo, curará também o
problema da confusão, de estar confuso. Você começa a ver que é por isso que
há sofrimento e é assim que você pode mudar as coisas a partir de dentro — por
meio da mudança de suas intenções; mudar aquilo em que está prestando
atenção, mudar suas percepções. Onde uma vez havia sofrimento, agora há uma
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sensação de bem-estar.
Quanto mais você permanecer com isso, mais profunda será a sensação de
bem-estar crescente. Quanto mais preciso você for, mais será capaz de detectar
níveis sutis de sofrimento ou stress que você não detectava antes, (que você nem
mesmo consideraria sofrimento, mas sim stress), e mais você poderá acabar com
esse stress, o que resultará em um senso de tranquilidade ainda mais profundo.
Há um senso de perturbação na mente. Você deve olhar para isso. O que ainda
está perturbando a mente? O que ainda está fazendo a mente oscilar, fazendo-a
sentir-se sobrecarregada? Ao buscar resposta a essas perguntas, a noção de estar
confuso vai embora. Chega um ponto em que você não precisa de ninguém de
fora para lhe dar a resposta. Você sabe a resposta. Existe uma maneira de acabar
com o sofrimento, e ela está bem aqui.
Há uma dimensão aqui que está além do alcance de qualquer tipo de
sofrimento. Só quando você encontrar essa dimensão é que perceberá que
encontrou algo surpreendente e que o Buddha sabia do que estava falando: há
um fim para o sofrimento e esse é o caminho. E é assim que se faz. Você também
entende o que foi todo o sofrimento. As quatro nobres verdades se tornam todas
claras. E você passa a entender por que elas são chamadas de “Perspectiva
Correta”. Elas formam a Perspectiva que é Correta para resolver aquele
problema original.
Então, quando surgem perguntas na sua mente, lembre-se de que as
perguntas que realmente são importantes são aquelas relacionadas a esta
pergunta: o que fazer para pôr fim ao sofrimento? O que é o sofrimento? Qual é
sua causa? O que podemos fazer para colocar um fim ao sofrimento? Aquela
pergunta original se propaga e se torna o contexto para as quatro nobres
verdades. Essas são as perguntas que realmente valem a pena tentar responder.
Mas, novamente, temos que chegar a esse modo de avaliação, de
questionamento, por nós mesmos. Embora seja verdade que todo mundo queira
a felicidade, a maioria das pessoas também tem outras prioridades. Dirão que,
antes de cuidar do problema da felicidade, você tem que cuidar deste problema
político ou daquele problema social. Há uma limitação em relação ao que você
pode fazer para ajudar as pessoas a enxergar que a explicação do Buddha e o seu
senso de prioridades são realmente úteis. Há um limite no tempo que você pode
gastar com as opiniões dos outros.
Você tem que focar no que você está fazendo para colocar um fim ao seu
sofrimento, porque ninguém mais pode fazer isso por você. E isso se torna mais
difícil à medida que você envelhece. Então, faça o que puder agora. Não deixe o
tempo passar sem ganhar nenhum resultado.
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Uma visão geral do Caminho
7 de julho de 2011
O nobre caminho óctuplo forma a estrutura de todos os ensinamentos do
Buddha. Foi o primeiro tópico que ele mencionou no seu primeiro sermão e o
último tópico mencionado no seu último.
Pouco depois de seu despertar, quando deu ensinamentos aos Cinco Irmãos
pela primeira vez, ele começou dizendo-lhes que o caminho óctuplo era o
verdadeiro caminho para o despertar, que evita as ciladas dos extremos de ceder
ao desejo dos prazeres sensuais e da autotortura. Em seguida, ele explicou o
primeiro fator do caminho — a Perspectiva Correta — e, no final de sua
explicação, Kondañña, o mais velho dos cinco, atingiu o primeiro nível do
despertar — comprovando que aquele era realmente um caminho eficaz.
Pouco antes da morte do Buddha, Subhadda, o errante da floresta,
perguntou-lhe: “É somente nos ensinamentos do Buddha que existem pessoas
despertas ou em outros ensinamentos também há pessoas despertas”? No início,
o Buddha colocou a questão de lado. Ele disse: “Ponha isso de lado e te ensinarei
o Dhamma”. Mas, em seguida, depois de ensinar o Dhamma, ele disse que
apenas encontraremos pessoas despertas nos ensinamentos que incluam os oito
fatores do caminho nobre. E só nos ensinamentos do Buddha são ensinados os
oito fatores. Então, quando ele coloca essa pergunta de lado, o faz simplesmente
por uma questão de etiqueta. Na verdade, ele responde àquela pergunta, dizendo
que este caminho é O Caminho: não simplesmente um caminho eficaz, mas sim
O Caminho eficaz.
Gostamos de ouvir que existem muitas maneiras diferentes, caminhos
diferentes que levam ao topo da montanha. Isso nos dá a opção de escolher
aquilo que gostamos sem medo de fazer uma escolha errada. Mas se você já
esteve em uma montanha, sabe que nem todas as trilhas levam ao topo. Algumas
dessas trilhas o levam para um lugar diferente — para baixo da montanha ou
para a borda de um penhasco. Por isso, como o Buddha já havia estado no topo,
ele volta para dizer que esse é o único caminho até lá. Assim, ele deseja que
possamos dar alguma credibilidade às suas palavras. Na verdade, ele diz que um
dos sinais de que você de fato atingiu o primeiro nível do despertar é que você
percebe que não há outro caminho. Esse é o caminho.
Então considere os fatores. Os dois primeiros são a Perspectiva Correta e a
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Resolução Correta, que se enquadram na categoria do discernimento. Há
também a Fala Correta, Ação Correta, Modo de Vida Correto, que se
enquadram na categoria da virtude. E, em seguida, Esforço Correto, a
Mindfulness Correta e a Concentração Correta, que se enquadram na categoria
da concentração. É importante lembrar que cada um desses fatores é parte de um
caminho. Um caminho que supostamente vai a algum lugar. Sua finalidade é
estratégica. Não praticamos o caminho com a finalidade de chegar à Perspectiva
Correta ou para chegar a quaisquer dos outros fatores. Utilizamos a Perspectiva
Correta como um fator no caminho para nos levar à libertação — ou talvez seja
melhor dizer que chegamos à libertação, porque muito de “nós” não será levado
à libertação. Grande parte de nós ficará para trás, pelo caminho, como bagagem
desnecessária.
A Perspectiva Correta inicia com a convicção no princípio da ação, que suas
ações vêm de suas escolhas e fazem a diferença: agindo com intenções hábeis,
você vai se deparar com resultados agradáveis; agindo com intenções inábeis,
você vai se deparar com resultados desagradáveis. O Buddha tem que começar
aqui com o princípio da ação, porque havia muitos ensinamentos em seu tempo
que negavam o papel da ação. Alguns diziam que as ações eram ilusórias e não
existiam. Outros diziam que as ações podem até existir, mas não têm de fato
efeito sobre qualquer coisa. Outra escola de pensamento dizia que tudo o que
fazemos já é predeterminado; sendo assim, você realmente não tem nenhuma
escolha.
Se você estiver procurando um caminho de prática que conduz ao fim do
sofrimento, você não pode adotar nenhuma dessas perspectivas, porque elas
transformam toda a ideia de um caminho em algo sem sentido. Toda a ideia de
que seus esforços poderiam trazer um fim ao sofrimento se tornaria sem sentido.
Portanto, o Buddha nunca aprovou o ensinamento de que as coisas estavam
totalmente predeterminadas pelo passado. Se você realmente quiser se esforçar
para acabar com o sofrimento, você tem que aceitar o princípio de que os seus
esforços, suas ações, realmente têm consequências. Algumas pessoas gostam da
ideia do determinismo, o que as permite se safarem, — pelo menos desde que
estejam relativamente bem. Mas quando estão sofrendo, se você lhes der uma
opção: “Gostaria de ter a opção de não sofrer”? Elas provavelmente diriam que
sim. Nesse momento, elas gostariam de ter o poder de escolha.
O ponto importante é que o simples poder de escolha não é suficiente. Você
tem que desenvolver habilidades junto com o poder da escolha. E o nível
seguinte de Perspectiva Correta trata exatamente disso: ver as coisas em termos
das quatro nobres verdades — o stress, a sua causa, sua cessação e o caminho
para a sua cessação; e desenvolver as habilidades apropriadas para cada uma
delas: o stress deve ser compreendido, a sua causa, abandonada, a sua cessação,
12
realizada, e o caminho para a sua cessação, desenvolvido. Isso significa que todos
os fatores do caminho são habilidades que você precisa desenvolver para dar
origem ao objetivo que você definiu para si mesmo.
Após a Perspectiva Correta, vem a Resolução Correta. Você percebe que
ações inábeis causarão problemas, então você faz a resolução de não ser
capturado por pensamentos de sensualidade, hostilidade ou de nocividade,
porque você sabe que, se alimentar esses pensamentos, eles o conduzirão ao
caminho do sofrimento.
Então você olha para suas reais ações, que é onde a Fala Correta, Ação
Correta e o Modo de Vida Correto entram em cena. Até que ponto suas
palavras, seus atos e seus meios de ganhar a vida causam danos a outras pessoas?
Até que ponto eles causam dano a você mesmo? O Buddha faz com que você
use essa reflexão como uma forma de desenvolver honestidade. Para ele, a
honestidade é a principal virtude. Se você não puder admitir para si mesmo que
as coisas que diz ou faz, ou que a forma que você ganha o seu sustento está
causando dano, você terá enormes pontos cegos em sua mente.
Então, esses fatores do caminho forçam a qualidade da honestidade em você.
Se você quiser seguir o caminho e se quiser alcançar o fim do sofrimento, você
tem que olhar muito honestamente para a forma como está vivendo e realizar
mudanças em áreas que em que está causando problemas.
Todos esses fatores, operando juntos, tornam a meditação mais fácil.
Observe que esforço, mindfulness, e concentração fazem parte da última
categoria do caminho, a categoria da concentração. O Buddha nunca falou sobre
a mindfulness como um tipo de prática e a concentração como outro.
Recentemente, eu estava lendo um autor que disse que, como mindfulness e
concentração são dois fatores diferentes no caminho, eles têm que ser
radicalmente diferentes; caso contrário, o Buddha não os teria divido em dois
fatores diferentes. O problema é que o autor as apresentou como sendo tão
diferentes a ponto de serem contrárias: mindfulness seria um estado mental
aberto, de aceitação e não reativo, enquanto a concentração seria estreita,
envolvendo uma enorme força de vontade. É difícil ver como essas duas
denominações poderiam estar juntas. Na verdade, ele disse que a prática da
Mindfulness Correta, por um lado, e do Esforço Correto e Concentração
Correta, por outro, são dois caminhos separados, dando-lhe um caminho
sêxtuplo ou outro sétuplo para escolher. Mas essa não é a forma como o Buddha
os ensina. Tal como acontece com todos os elementos do caminho, ele distingue
um do outro, mas também mostra como eles se misturam. Assim como o
discernimento vai sombreando a virtude, a virtude vai sombreando a
concentração e a Mindfulness Correta e a Concentração Correta vão
sombreando uma na outra.
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Para começar, ambos pertencem a uma única categoria: concentração. E
como o Buddha descreveu a relação entre eles, os quatro estabelecimentos da
mindfulness são os temas da concentração. Esses estabelecimentos não são
apenas objetos; são conjuntos de atividades. Você está empenhado com ardor,
vigilante e com mindfulness, focado no corpo em si mesmo, nas sensações, na
mente ou nas qualidades mentais em si mesmas, deixando de lado a ganância e a
aflição em relação ao mundo: essa é a prática da Mindfulness Correta. Incluído
nessa prática está o Esforço Correto, a qualidade do ardor/empenho, na qual
você gera o desejo, foca a sua intenção e permanece persistente na tentativa de
impedir que as qualidades inábeis surjam, ou para abandonar qualidades inábeis
que tenham surgido, para fazer com que as qualidades hábeis apareçam e, em
seguida, para manter as qualidades hábeis uma vez que tenham surgido: é dessa
forma que o Esforço Correto está incluído na Mindfulness Correta.
A Mindfulness Correta, então, está incluída na Concentração Correta
quando a mente for capaz de ficar com esse conjunto de atividades até que se
acalme, abandonando todas as qualidades mentais inábeis, todos os pensamentos
de sensualidade. Sensualidade aqui não significa os objetos de seu desejo, mas
sim o seu desejo ou obsessão pelos próprios desejos. É um problema da mente.
Realmente gostamos de fantasiar sobre os prazeres sensuais, e eles podem
colocar a mente em chamas. Mas se você tiver mindfulness suficiente para
abandonar esse tipo de obsessão, a mente pode se acalmar e se estabilizar em
estados fortes de concentração, em que você realmente mantém o foco apenas no
seu objeto da mindfulness, na atividade da mindfulness.
Digamos que você está focado na respiração, ajustando a respiração de várias
maneiras para torná-la um bom lugar para ficar. Você pode ficar realmente
absorto nisso. Isso leva você por todo o percurso através dos quatro níveis de
jhāna, que constituem a Concentração Correta.
Esses são os fatores do caminho, a estrutura principal para o que estamos
fazendo aqui.
Então, quando você olha para sua vida e olha para a sua mente, até que
ponto ela realmente está no caminho e até que ponto você está permitindo-lhe
vagar para fora, para o matagal? Quais qualidades devem ser desenvolvidas?
Quais qualidades devem ser abandonadas? Essa é a parte que o Buddha chama
de costumes dos nobres, que são os valores das pessoas nobres: você aprende a
deleitar-se em abandonar tudo o que tem que abandonar e aprende a deleitar-se
em desenvolver tudo aquilo que precisa ser desenvolvido. O caminho envolve
uma boa medida de abandono. A Resolução Correta implica abandonar
pensamentos inábeis. Fala Correta, Ação Correta, Modo de Vida Correto e
Esforço Correto envolvem o abandono de atividades inábeis, de estados mentais
inábeis. A Mindfulness Correta implica o abandono da ganância e da aflição em
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relação ao mundo. Geralmente, as coisas que você precisa desenvolver tendem a
ser a Perspectiva Correta e a Concentração Correta, juntamente com quaisquer
qualidades hábeis que você possa gerenciar, particularmente aquelas que o
ajudam a ver onde você está causando stress e sofrimento e que ajudam a parar
de gerá-los.
Muito frequentemente, estamos pensando em outras coisas. Temos outras
preocupações. E é bem ali que a ignorância se encontra. A ignorância não é
apenas uma questão de não saber das coisas. Você sabe sobre das coisas, mas está
olhando para elas de forma errada, com as prioridades erradas. E, como suas
prioridades estão erradas, elas lhe induzem a fazer coisas erradas.
Você tem que desenvolver o mesmo senso das prioridades que o Buddha
teve. O grande problema da vida é que você está causando sofrimento, mesmo
que você não queira. Muitas vezes, você está causando sofrimento em áreas que
você prefere negar. É por isso que a qualidade de honestidade e veracidade são
tão importantes: para que você possa olhar diretamente para suas ações reais e
seus resultados reais. Dessa forma, você aprende a ser sensível a qualquer stress
que você esteja criando.
Essa é uma das razões pelas quais precisamos fazer com que a mente entre
em concentração: para que possamos aumentar nossa sensibilidade quanto
àquilo que pode ser considerado stress. Há coisas que você costumava aceitar
como normais, mas começa a pensar: “Isso é realmente um fardo para a mente”.
Sentir esse fardo, sentir que ele não é necessário, é a forma de começar a ganhar
alguma liberdade.
O Buddha disse uma vez que, de todos os elementos do caminho, a
Concentração Correta é o principal, e os outros são seus acessórios.
Concentração Correta é a que temos que trabalhar mais, para fazer com que a
mente fique apenas com um objeto, para aprender não só as técnicas de como
fazer isso, mas também o senso de valores para lembrá-lo de por que isso é
realmente importante. Sem essa habilidade, você perde todo o resto. Você pode
saber sobre todos os outros elementos do caminho, pode ler tudo sobre a
Perspectiva Correta, mas você pode ficar sem entender nada a respeito.
Recentemente eu estava lendo um livro de um professor de Estudos Budistas e
foi incrível: o autor dedicou toda sua carreira ao estudo do Cânone Pāli e, ainda
assim, o livro todo continha ideias muito equivocadas. Ele podia citar todas as
passagens, mas ele perdeu totalmente o ponto da questão.Portanto, não é apenas
uma questão de conhecer os fatores. Você tem que dar prioridade a eles e
dominá-los como habilidades. O Buddha fala sobre os diferentes níveis de
discernimento. Para começar, há o discernimento que vem de escutar ou ler e o
discernimento que vem de pensar sobre as coisas. E, embora seja importante
dominar esses níveis de discernimento, o nível que é de fato importante é o nível
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do discernimento que vem de realmente desenvolver qualidades hábeis na
mente. É aí que você começa a praticar de verdade.
E enquanto você trabalha nesses fatores do caminho, eles fazem o trabalho
deles em sua mente. Ela se torna mais sensível, mais vigilante para o que está
fazendo, mais aberta à possibilidade de que o sofrimento que você está
enfrentando na vida não seja algo provocado pelos outros ou por circunstâncias
fora de seu controle. O sofrimento essencial que está pesando na mente é algo
que você vem criando por meio de suas próprias ações e você pode aprender a
deter. Isso é o que significa abandonar. Você percebe que existe algo que você
vem fazendo e repetindo, uma vez após a outra, mas não precisa fazê-lo. Então,
você para.
A maneira de fazer com que você pare, é ver que essas formas de agir
realmente não valem a pena. Seja qual for o prazer que você ganhe com essas
ações, não é nada comparado à dor que você está causando. Você tem que ver
esse fato em ação, enquanto está acontecendo, se quiser ser capaz de largar esse
hábito específico. E muitas vezes os hábitos que temos que largar são aqueles de
que realmente gostamos. Somente deixando a mente muito mais sensível é que
você será capaz de enxergar através desse gostar, para ver através da cegueira e da
ignorância que está subjacente a esse gostar, de modo a estar disposto a
abandoná-lo.
É por isso que estamos aqui sentados com os olhos fechados, com o foco na
respiração. Não estamos lendo os textos do começo ao fim e tentando aprender
tudo o que pudermos sobre o que eles têm a dizer. Estamos aqui olhando para a
nossa própria respiração para ver o que nossas ações têm a dizer, quando vista
do ponto de vista de uma mente que está centrada, calma, clara, estável aqui no
momento presente. Esse é o ponto a partir do qual podemos desenvolver um
sentido mais refinado sobre onde existe sofrimento e de qual ação ele provém
Assim, quando realmente enxergarmos sua origem, poderemos abandoná-lo.
Nós poderemos parar.
É dessa forma que você pode desenvolver um sentimento de desencanto e
despaixão pelas ações que o encantavam e apaixonavam. Seu encantamento e a
paixão o mantiveram fazendo essas coisas, então quando você não tem mais
paixão por elas, elas cessam. E os resultados provenientes dessas coisas cessam
também no momento presente. As coisas que costumavam pesar na mente vão
todas embora. Como disse o Buddha, nesse ponto elas não deixam sequer um
rastro. Essas coisas podem ter sido um peso para sua mente por sabe-se lá
quanto tempo, mas quando desaparecem, desaparecem mesmo. Elas não deixam
cicatrizes. Elas não deixam marcas. Você é que simplesmente tem feito isso a
você mesmo repetidamente. De repente você percebe que pode parar e vai
preferir parar. É isso aí. A mente está libertada. Os ensinamentos do Buddha
16
apontam para essa liberdade. Todo o resto são meios usados nessa direção.
Portanto, tente se certificar de estar usando os ensinamentos para os fins que
foram intencionados. Dessa forma, você tira o máximo proveito deles e cumpre
com as intenções do Buddha de ensiná-los. Existe aquela passagem nos textos,
indicada no fim da vida do Buddha, onde devas estavam adorando-o com flores,
incenso e música. O Buddha explicou aos monges que esse não é o caminho para
realmente prestar homenagem ao Buddha. Você presta homenagem ao Buddha,
praticando o Dhamma de acordo com o Dhamma, o que significa que você
aprende a olhar para campos visuais, sons, cheiros, sabores, sensações tácteis e
ideias com a finalidade de dar origem ao desencanto. Você olha para a sua
inconstância. Você olha para o stress que está envolvido na tentativa de
encontrar a felicidade nesses processos. E você aprende a vê-los como não-eu.
Segundo ele, é assim que você presta uma verdadeira homenagem ao Buddha.
O que isso tem a ver com o caminho óctuplo? O que isso tem a ver com as
quatro nobres verdades? O Problema é a maneira com que você normalmente
pega o material que vem de seus sentidos e os transforma em sofrimento. Você
usa o caminho óctuplo para aprender a olhar para esses processos, para ver como
você molda a matéria-prima dos sentidos em sofrimento e para aprender a
desfazer esses hábitos. Por termos apego a esses hábitos, temos que aprender a
ver o que estamos realmente fazendo para que possamos desenvolver despaixão
por esses hábitos. Os fatores do caminho são essenciais para o fortalecimento do
fator da Concentração Correta, pois permitem que a mente esteja
suficientemente estável, calma e sensível para ver o que está acontecendo.
Portanto, trabalhe duro na concentração. Muitas pessoas perguntam: “Qual
é o mínimo de concentração que eu preciso desenvolver”? E a resposta é: o
máximo que você puder, porque é a Concentração Correta que coloca a mente
em uma posição que lhe permite realmente ver. A partir dessa posição, você
pode continuar a desenvolver os outros elementos do caminho, para que todos
eles se integrem. É assim que você ganha a libertação que o Buddha quis para
você.
Afinal, é por isso que o Buddha colocou tanto esforço por muitos éons em
sua busca para o despertar, e não para que devas fizessem serenatas e
espalhassem flores e incenso pelo céu. Ele quis encontrar a habilidade que
colocasse um fim ao sofrimento. Ele quis ser capaz de compartilhar o que
descobriu com os outros, de modo que eles realmente se sentissem inspirados a
colocar os ensinamentos em prática e pudessem obter os mesmos resultados.
Isso foi o que o inspirou por todos esses éons.
Portanto, tente usar esse pensamento para ter a mesma inspiração
17
O Entendimento Correto sobre A Perspectiva Correta
26 de fevereiro de 2016
Há apenas dois princípios que o Buddha disse ser categóricos; ou seja, eles
são verdadeiros em todas as situações. Um deles é o princípio de que os
pensamentos, palavras e ações hábeis devem ser desenvolvidas, e os
pensamentos, palavras e ações inábeis devem ser abandonadas. O outro
princípio são as quatro nobres verdades.
Porém, você pode perceber que as três características não estão nessa lista.
Na verdade, a palavra “três características” nunca é aplicada pelo Buddha nos
ensinamentos da inconstância, stress e não-eu. Ele as chama de percepções. Em
alguns casos, as três características também são chamadas de contemplações, o
que significa que são maneiras de olhar para as coisas. Quando você tenta
mapear essas percepções ou contemplações sobre as quatro nobres verdades, é
melhor pensar nelas como ferramentas que auxiliam nos deveres apropriados
para as quatro nobres verdades: para desenvolver o caminho, para desenvolver
despaixão pelo sofrimento e para abandonar a sua causa. Em outras palavras, elas
foram feitas para servir a um propósito. Por não se qualificarem como
categóricas, elas são úteis apenas em determinados momentos e determinadas
situações. É importante manter esse ponto em mente.
Os Ajaans da floresta ilustram este ponto em seus ensinamentos. Em
algumas passagens eles descrevem como as coisas não são apenas inconstantes,
mas também são constantes; não são só estressantes, mas também agradáveis;
não são somente não-eu, mas são também eu. Pense sobre o desafio que Ajaan
Mahā Boowa propôs uma vez. Ele disse: “Tente provar que o Buddha está
errado”. Nesse caso, isso significa tentar ver se existem coisas que são
constantes. E, de certa forma, existem. Como Ajaan Lee apontou, seu lábio
inferior nunca se transformou em seu lábio superior. Seu braço nunca se
transformou em sua perna. Os elementos são sempre os mesmos. Solidez sempre
foi solidez e nunca se transformou em outra coisa. Portanto, há esse aspecto
constante das coisas. Ou, como Ajaan Chah aponta, a maneira em que as coisas
mudam é muito constante. Então, você poderia se fixar no fato de que as coisas
são constantes. Você poderia se fixar na maneira pela qual elas são inconstantes.
A pergunta é o que acontece quando você não fica fixado, mas, em vez disso,
simplesmente usa essas percepções quando são adequadas?
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O mesmo ocorre com prazer e a dor. O próprio Buddha diz que os cinco
agregados não são apenas dolorosos, não são totalmente estressantes. Eles
também têm seu lado agradável. Se não oferecessem nenhum prazer, ninguém
estaria apegado a eles. Ao mesmo tempo, há também numerosas passagens no
Cânone que falam sobre a necessidade de desenvolver um senso do eu hábil. E
há passagens que falam sobre o não-eu. Ajaan Lee também fala sobre ver o lado
das coisas que é inconstante, stress e não-eu, e o lado que é constante, agradável
e sob seu controle.
Mas o ponto é que você tem que aprender a abrir mão de ambos os lados se
deseja atingir algo não fabricado. Alguém uma vez perguntou a Ajaan Mahā
Boowa se nirvana é eu ou não-eu, e ele respondeu que nirvana é nirvana. Em
outras palavras, você tem que contemplar o não-eu a fim de chegar lá; porém,
quando você chega, é algo completamente diferente.
Tudo isso se refere a dois pontos principais que são importantes na prática.
Um deles é que quando os Ajaans falam sobre verdades convencionais, eles não
as contrastam com verdades absolutas e definitivas. Em outras palavras, eles não
dizem, por exemplo, que existe Lionel ou Isabella ou Than Isaac ou seja lá quem
for, e que eles são apenas uma verdade convencional contrastando com os
agregados deles, que, por sua vez, são uma verdade absoluta. Em vez disso, os
Ajaans contrastam verdades convencionais com a libertação, o que significa que,
mesmo falando de todos aqui em termos de agregados, ainda seria uma
convenção. Portanto, essas são convenções. Elas estão ai para serem utilizadas.
Quando as usamos corretamente, elas levam a algo que não são palavras, mas
precisamos usar as palavras para chegar lá. Precisamos usar as verdades.
Este é um ponto importante: que não estamos aqui para chegar à Perspectiva
Correta; estamos aqui para utilizar a Perspectiva Correta para ir além dela. Isso
significa que precisamos ter o entendimento correto sobre a Perspectiva Correta,
em outras palavras, precisamos perceber que a Perspectiva Correta não é o
objetivo. É parte do caminho.
O outro ponto diz respeito ao vipassanuppakilesa: as corrupções do insight.
Elas podem acontecer muito facilmente quando você está meditando —
especialmente quando você está meditando sozinho longe de um professor — e
se depara com algum tipo de experiência que realmente o impressiona por sua
verdade ou pelo seu poder, e você se fixa nisso, dizendo: “Isso deve ser verdade.
Isso deve estar certo”. Bem, não estamos aqui para chegar à verdadeira verdade
ou àquilo que seja correto sobre ser correto. Usamos as verdades e usamos o que
é correto para ir além delas. Mas se você simplesmente se fixar nelas, você fará
mau uso delas, no ato.
Portanto, uma das razões pelas quais os Ajaans falam sobre ir além do certo
e do errado, sobre ir além do verdadeiro e do falso, é que quando você se fixa no
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verdadeiro e o no falso eles podem realmente causar-lhe muitos problemas. Eles
podem atrapalhar qualquer outro progresso no nobre caminho, especialmente se
você acreditar ter atingido alguma realização nobre, simplesmente porque viu a
verdade de algum ensinamento.
Então, lembre-se de que essas verdades estão aqui para serem usadas. Elas
estão aqui para desempenhar uma função. Elas desempenham seu dever e, em
seguida, as colocamos de lado. Como ferramentas para trabalhar com madeira:
Você as usa quando está construindo uma cadeira ou uma mesa, mas quando
você termina o trabalho, você as coloca de lado. Dessa forma, você tem a
Perspectiva Correta sobre a Perspectiva Correta. O entendimento correto sobre
a Perspectiva Correta. Você usa o que é correto sobre o caminho. E o caminho é
correto porque funciona. Mas é um caminho.
Estamos trabalhando no desenvolvimento da despaixão, de modo que
quando você descobrir uma verdade, pergunte-se: “Qual é a utilidade dessa
verdade? Como ela pode ajudar a induzir a despaixão? Como ela pode ser
inútil? Como ela pode dar um efeito negativo em sua mente”? Isso é o que você
sempre deve olhar. Qual é o efeito que essa verdade tem na sua mente? Se você
enxergar que ela dá origem à paixão, deve tratá-la da mesma maneira que você
trata qualquer prazer ou dor.
O Buddha disse que existem certos prazeres que são totalmente inofensivos
e outros prazeres que podem ser ruins para você, então você tem que abandonar
os prazeres que são prejudiciais. O mesmo se aplica às dores e às verdades: há
algumas verdades que são prejudiciais para a sua prática agora. Por exemplo, se
você estiver tentando desenvolver a concentração agora, este não é o momento
de pensar sobre a inconstância e o stress de sua concentração. Você pode aplicar
percepções de inconstância e stress às distrações que o puxam para longe, mas
para a concentração você deve focar nesta pergunta: “O que você pode tornar
constante aqui? Que sensações do corpo você pode desenvolver que sejam
constantes, mesmo enquanto a respiração flui para dentro e enquanto a
respiração flui para fora? Como você pode torná-la prazerosa e agradável?
Como você pode tê-la sob seu controle”? Essa é uma área em que você não
aplica as três percepções.
O mesmo ocorre quando você pensa sobre karma. Há momentos em que
certas verdades devem ser usadas e outros em que não devem. Há um sutta em
que alguém de outra religião faz uma pergunta a um jovem monge: “Qual é o
resultado da ação, na perspectiva do Buddha”? E o jovem monge diz: “O
resultado da ação é a dor”. Porém, esse andarilho já tinha ouvido o suficiente
sobre os ensinamentos do Buddha para perceber que isso não soava bem, então
disse: “Eu nunca ouvi isso antes. Seria melhor se você fosse verificar isso com o
Buddha”. Então, o jovem monge volta e verifica com o Buddha, e o Buddha diz:
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“Seu tolo. Você deu uma resposta categórica a uma pergunta que exigia uma
resposta analítica”. Em seguida, Udayin, (que é um encrenqueiro frequente em
muitos dos suttas) diz: “Bem, talvez ele estava pensando sobre o fato de que as
ações dão origem a sensações e as sensações são estressantes”. Então, o Buddha
diz: “Este não é o contexto apropriado para isso”. Quando falamos sobre a ação,
estamos falando daquilo que é hábil e daquilo que é inábil. Você deve induzir as
pessoas a fazer ações hábeis, então você aponta para a verdade de que as ações
hábeis levam ao prazer relativo.
Portanto, há um momento e um lugar certo para as verdades particulares, e
este é um aspecto importante dos ensinamentos. Não estamos aqui para nos
fixarmos a uma verdade, além de segurá-la suficientemente firme, enquanto a
usamos. Você tem que olhar para a sua performance, ver como ela atua, porque
você pode descrever o mundo de várias formas. Mas qual é a melhor descrição
que será útil para dar origem à despaixão? Há um sutta onde um grupo de
monges está indo para o exterior (para uma parte da Índia, que pertencia ao País
Médio da Índia) e, antes de saírem, o Buddha lhes diz: “Primeiro, tomem a sua
licença de Sariputta”. Então eles se despedem de Sariputta, e ele diz: “Há pessoas
inteligentes nesse lugar para onde vocês estão indo, e, se lhes perguntarem: 'O
que o seu mestre ensina'? O que vocês irão dizer”? Os monges responderam:
“Realmente gostaríamos de ouvir o que o senhor diria”. Então, Sariputta diz que
a primeira coisa a ser dita é: “Nosso professor ensina a despaixão”.
Observe que ele não menciona as três características, ou o vazio, ou a
compaixão, ou mesmo as quatro nobres verdades. Ele começa com a despaixão.
Agora, como outro sutta diz, a despaixão é o Dhamma mais elevado. Esse é o
propósito de todos os outros ensinamentos. Mesmo quando o Buddha dá o
questionário sobre as três percepções: isto é constante ou inconstante? Bem, é
inconstante. Se é algo inconstante, isso é estressante e agradável? Bem, é
estressante. Se for inconstante e estressante, merece ser chamado de eu? Não.
Agora, esse é um juízo de valor. Você está tentando desenvolver despaixão por
meio desse questionário, por meio de avaliar essas coisas. Essa é a finalidade
visada. É suposto que estas percepções devem desempenhar uma função, fazer
algo com o seu senso do que vale a pena segurar e o que não vale.
É aqui que você deve usar seus poderes de julgamento e avaliação. Quando
se deparar com algo em sua meditação que o leve a pensar: “Isto é realmente
verdadeiro”, você tem que perguntar a si mesmo: “Verdadeiro para qual
finalidade”? E qual o efeito, na sua mente, se você mantiver essa verdade
específica em mente? Se você vir que está tendo um efeito ruim, você diz a si
mesmo: “Isso não é verdade neste momento”. É aí que você tem que deixar de
lado essa verdade e qualquer pensamento sobre essa questão. Em última análise,
todas as verdades terão que ser colocadas de lado, mas você deseja obter o
21
melhor uso delas, (se elas forem úteis) antes de abrir mão delas. Trate essas
verdades como ferramentas, como meios para um fim, e, assim, você estará
seguro.
22
A Perspectiva Correta
22 de novembro de 2007
O discurso que acabamos de recitar — “Colocando a Roda do Dhamma em
Movimento” — começa com todo o nobre caminho óctuplo e, em seguida,
discute os detalhes da Perspectiva Correta passando pelas quatro nobres
verdades. Bastou-lhe ouvir esse discurso sobre a Perspectiva Correta e um dos
cinco irmãos teve sua primeira prova do sem-morte ou, como se diz no texto, ele
teve a experiência do “surgimento do Olho do Dhamma”.
Por isso, a Perspectiva Correta é importante. Como uma análise do caminho
diz, três qualidades circulam em torno de cada fator do caminho. Uma delas é a
Perspectiva Correta. A segunda é o Esforço Correto. A terceira é a Mindfulness
Correta. Portanto, tente se certificar de que essas três qualidades estão
circulando em torno de sua prática neste exato momento.
Há basicamente quatro verdades cobertas pela Perspectiva Correta. A
primeira é a verdade do sofrimento ou stress; dukkha é o termo em Pāli. Às
vezes nos ensinam que a primeira verdade diz que “a vida é sofrimento” ou que
“tudo é sofrimento”, mas esse não é o caso. Basicamente, o Buddha disse que
“existe sofrimento”. É uma das quatro coisas que você encontrará na vida e à
qual deve estar atento. Você pode até argumentar contra a ideia de que a vida é
sofrimento, mas não tem como você argumentar contra a ideia de que existe
sofrimento. Você o vê por todos os lados. Você também o vê dentro de você. O
Buddha está simplesmente pedindo que você leve essa questão a sério.
Levar o sofrimento a sério significa que você deve aprender a compreendêlo. Para fazer isso, você tem que se colocar em uma posição onde você possa vêlo, possa ver como ele vem, como ele vai, o que vem e vai junto com ele. O que
vai e vem junto com ele é essencialmente o que a palavra samudaya —
normalmente traduzido como “causa” ou “originação” — significa. Você deve
enxergar que, cada vez que há sofrimento real na mente, ele está acompanhado
pelo anseio — qualquer um dos três tipos de anseio: o anseio pela sensualidade,
o anseio de devenir (tornar-se ou vir a ser), e o anseio de não devenir.
O anseio pela sensualidade é fácil de explicar: trata-se do desejo de ter
desejos sensuais. Essa é uma das partes mais interessantes da análise: o apego
sensual não é tanto as ‘coisas que existem’; estamos mais apegados aos nossos
planos sobre as coisas que existem, pela nossa trama sobre as coisas que existem,
23
para campos visuais agradáveis, sons, cheiros, sabores, sensações tácteis.
Gastamos muito mais tempo planejando e trabalhando em direção a essas coisas
do que, na verdade, experienciando-as.
Muitas vezes, o sabor é muito efêmero. Pense no alimento que comemos.
Exatamente por quanto tempo esse gosto bom realmente fica na sua boca? Olhe
para aquela pequena explosão de sabor e depois pense em quanto trabalho é
preciso para comprar a comida, preparar a comida, para a limpeza após a
refeição. Claro que não fazemos tudo isso apenas pelo gosto; nós o fazemos para
manter o corpo vivo. Mas há uma enorme quantidade de energia gasta nessa
ideia: “Vamos fazer algo realmente saboroso”, — e, depois, o sabor se vai.
Estamos, na verdade, mais apegados aos nossos planos por essas coisas, aos
nossos desejos por essas coisas, do que estamos pelas coisas em si. É fácil
substituir o desejo de um prazer sensual pelo desejo de outro prazer sensual. É
difícil largar completamente o nosso desejo pelo desejo sensual. Essa é uma das
causas do sofrimento.
Outra causa é o anseio de devenir. Você quer se tornar algo para assumir
uma identidade particular, dentro de um mundo particular de experiência.
Escolhemos os nossos mundos: o contexto em que vemos a nós mesmos, o
contexto em que agimos e exercemos uma influência. Essas duas coisas estão
entrelaçadas: o mundo em que temos um eu mais o senso-do-eu que funciona
dentro desse mundo. Às vezes, o mundo está no nível sensual. Às vezes está no
nível de forma, como quando estamos meditando e habitando totalmente a
forma do corpo. Às vezes está no nível sem forma — alguma abstração, qualquer
experiência sem forma, qualquer coisa sem uma forma, como quando
experienciamos espaço em nossa meditação, ou uma sensação de “saber” sem
forma. Mais uma vez, nós tendemos a ir de um desses estados de devenir para
outro, e depois para outro, e para outro ainda. Isso é o que constitui o vaguear.
Nós vamos de um bhava, um estado de devenir, para outro. Esses são os locais
que a mente se foca. E sofremos porque nenhum desses locais pode durar;
nenhuma dessas posições pode durar. Seja lá o que for que agarramos como um
eu, ele simplesmente continua se derretendo. O mundo à nossa volta
simplesmente continua derretendo.
Depois, há o desejo por não devenir, o desejo de destruir qualquer coisa que
você tenha, qualquer coisa com qual você se identifique. Ou o desejo de destruir
o mundo à sua volta. Ele é desagradável. Horrendo. Você não gosta dele. Você
quer se livrar dele, o que pode ser tanto um impulso destrutivo externo ou um
impulso destrutivo interno. Paradoxalmente, este tipo de anseio também leva ao
devenir. Por que isso acontece? Porque ao assumir a identidade do Destruidor,
você está assumindo mais uma identidade. Ao deleitar-se com a ideia de
destruição, você está regando um senso de identidade; você está regando um
24
senso de devenir.
A analogia do Buddha é a de uma semente plantada no solo. A semente é a
sua consciência. O chão é o seu Karma do passado e do presente que está se
manifestando agora. Então, existe o deleite de fazer algo com essas coisas, ou de
criar algo com elas ou de destruí-las. Tudo isso pode ser considerado uma causa
de sofrimento. Pode parecer bastante abstrato, mas assim que você começa a
conhecer a mente, você começa a sentir o movimento quando ela vai para uma
dessas direções ou para outra: em direção ao devenir ou não-devenir. De certa
forma, estamos atados duplamente: o desejo de se livrar do devenir é em si uma
forma de criar o devenir, mas é aqui que vemos como o Buddha era um
estrategista genial.
Ele diz que você vai além do devenir não por destruir o devenir, mas por
aprender a criar novas formas de devenir que são mais hábeis, em particular o
“devenir” da concentração, fazendo com que a mente se acalme e fique em um
ponto único. Se você tiver uma localização, ao menos desenvolva uma
localização estável e sólida dentro da forma do corpo, pois essa é uma maneira
inofensiva de dar origem à felicidade. Então, quando puder ver as coisas
claramente a partir dessa localização, você pode simplesmente permitir que os
processos do devenir sejam abandonados.
Às vezes você ouve falar dos perigos de ficar preso na concentração. Mas se
você olhar nos textos, o Buddha os menciona apenas em casos muito raros. Ele
cita os perigos de deliciar-se com o estado de equanimidade ou de não querer ir
além de um estado particular de concentração, mas esses perigos são bastante
inofensivos, insignificantes em comparação com os perigos de ficar preso na
sensualidade.
O Buddha deu discursos muito longos sobre todo o sofrimento e o conflito
que vêm do desejo sensual. Você tem que se esforçar bastante para obter o que
deseja e, muitas vezes, seus esforços não dão frutos. Ou, mesmo quando dão
frutos em áreas que você deseja, na verdade essas coisas não ficarão com você.
Como o Buddha diz: às vezes o fogo os queima, a água das enchentes os carrega
para longe, ladrões ou reis fogem com eles (eu gosto disso: comparar ladrões
com reis) ou herdeiros odiosos fogem com essas coisas adquiridas. É por causa
do desejo sensual que existem conflitos dentro da família, conflitos entre nações.
É por isso que há guerras. Eu não acho que alguém já tenha entrado em uma
guerra pelo apego ao jhāna, pelo apego à concentração. Mas matamos,
roubamos, fazemos sexo ilícito, mentimos um para o outro, desfrutamos das
substâncias intoxicantes, tudo por causa do desejo sensual; nada disso acontece
por causa de nosso apego ao jhāna. O único perigo de estar preso em jhāna é
que, enquanto estiver preso, você não atinja o despertar.
Assim, o jhāna é uma forma de felicidade relativamente inofensiva. Ele nos
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nutre ao longo do caminho e, ao mesmo tempo, é uma forma muito transparente
de devenir. Ele é um estado de devenir transparente porque temos que fazê-lo
cuidadosamente e temos que prestar atenção em nós mesmos enquanto
praticamos. Aí é que entra a mindfulness. Esse é um dos elementos da definição
canônica de mindfulness: ser muito meticuloso. Quanto mais meticuloso você
for, melhor você se lembrará das coisas. Você precisa ser muito meticuloso para
manter algo em mente a fim de manter sua concentração. Essa é uma das funções
da Mindfulness Correta. Uma vez que você entre em um estado mental hábil, a
mindfulness permite que você continue se lembrando de ficar lá. Se você for
meticuloso ao fazer isso, começará a ver com mais clareza exatamente o que deve
ocorrer para que a mente se acalme. É por isso que jhāna é uma forma
transparente de devenir: enquanto você o observa, você começa a entender como
funciona o devenir. Você pode começar a identificar que parte da prática é
baseada em karma passado, que parte é baseada em Karma novo, que parte é
baseada na sua consciência presente e todas as outras coisas que vão junto com
ela e que parte da prática é alimentada pela sensação de deleite.
Portanto, o truque aqui é que, quando você aprende a fazer isso, o Buddha
diz que você aprende a ver as coisas simplesmente como elas vieram à existência.
Em outras palavras, você só olha para o karma passado que está sendo oferecido
para você agora. Nossa reação instintiva é criar algo a partir dele, fazer algo com
ele. Mas vê-lo simplesmente como ele vem à existência, sem tentar criar algo a
partir dele, sem tentar destruí-lo, sem sequer deleitar-se na equanimidade de
observá-lo, isso é difícil.
É muito fácil entrar em um estado de equanimidade e apenas assistir a essas
coisas, mas é preciso muito insight para perceber que a própria equanimidade é
um tipo de ação. É uma maneira de criar algo a partir de sua experiência, algo
com que você pode deliciar-se. Portanto, não criar nada a partir da
equanimidade é mais profundo do que apenas a equanimidade. O Buddha diz
que você tem que aprender a não criar nada a partir de nada, mesmo a partir de
estados fortes de concentração. Quando você puder fazer isso, você poderá abrir
a porta para o sem-morte.
Então, ao invés de apenas operar com o desejo de livrarmo-nos das coisas,
primeiramente desenvolvemos um tipo diferente de desejo: o desejo de aprender
a criar algo realmente hábil a partir das coisas — o que inclui aprender a
desenvolver desejos hábeis antes de finalmente abandoná-los. Esse é um modelo
básico no caminho do Buddha. A quarta nobre verdade é abandonar estados
inábeis e fazer com que estados hábeis surjam na mente para que você possa
entender o que provoca o surgimento de um estado. Então você começa a ficar
mais sensível à parte exata do momento presente que é dada e à parte que está
sendo acrescentada. Em geral, somos muito ignorantes sobre o que estamos
26
acrescentando às coisas. No entanto, até mesmo a nossa experiência normal do
espaço e do tempo é algo que já foi acrescentado.
Os agregados da forma, sensação, percepção, fabricação e consciência
sensorial entram de uma forma potencial e, em seguida, com base naquilo que
nos interesse, naquilo que queremos criar, naquilo que queremos destruir,
criamos, na verdade, a nossa experiência do presente, que provém desses
diversos potenciais. Então, precisamos aprofundar muito nossa experiência do
momento presente para ver o que é apenas um potencial sem quaisquer
acréscimos, nem mesmo da equanimidade. Isso exige que tenhamos a mente
realmente calma, muito vigilante e realmente interessada no que está fazendo.
É assim que a Perspectiva Correta paira em torno da meditação. O Esforço
Correto e a Mindfulness Correta pairam junto dela. Você tenta dar origem ao
que é hábil, não importa qual seja a situação: isso é o Esforço Correto. A
Mindfulness Correta significa estar atento para dar origem ao que é hábil,
abandonar o que é inábil e, uma vez que você tenha incorporado aquilo que é
hábil, ter mindfulness para ficar com ele. Tudo isso é muito proativo, mas é
proativo de uma forma transparente.
É por isso que, quando você começa a aprofundar-se na Perspectiva
Correta, você percebe que ela abrange todo o caminho. Não é apenas uma
questão de entender alguma coisa de forma abstrata. Trata-se de aprender a ver
as coisas sob uma nova luz e, em seguida, agir de forma adequada sobre aquilo
que você já viu. Não se trata apenas de uma teoria, mas sim de um guia para a
ação.
Ajaan Lee compara o processo de estarmos aqui sentados fazendo com que a
mente se acalme e se aquiete a criar uma galinha que põe ovos. Os ovos
representam o devenir. Você come alguns dos ovos para manter-se alimentado e
abre os outros ovos para ver do que são feitos, para ver quais são suas partes. Ou
você observa como eles se desenvolvem. A analogia termina aqui, mas
finalmente você chega ao ponto onde não precisa mais dos ovos, quer para a
nutrição ou para o propósito de sua investigação.
E é aí que você deixa o caminho de lado. Mesmo a Perspectiva Correta é
deixada de lado. Nesse ponto, você experimenta a nobre verdade da cessação:
total liberdade do anseio e, como resultado, a total liberdade do sofrimento e
stress. Mas, até que isso aconteça, você deve certificar-se de que a Perspectiva
Correta esteja sempre lá, pairando em torno de sua meditação para mantê-la no
rumo certo e para se certificar de que aquilo que você está fazendo é
transparente para você. É assim que o processo de devenir na concentração leva
a algo que vai além do devenir, onde não há qualquer sofrimento.
E, como disse o Buddha, esse é o fim do problema.
27
A Resolução Correta
12 de novembro de 2007
Quanto mais habilidoso que você for na sua busca pela felicidade, mais leve
será sua caminhada sobre esta Terra, porque você perceberá que a felicidade,
para ser verdadeira e duradoura, deve ser inofensiva, algo que não tire nada de
ninguém. O que significa que ela tem que vir de dentro.
Então, isso é o que estamos fazendo quando meditamos: estamos à procura
de uma felicidade inofensiva. Essa é uma forma muito importante de ser
bondoso com os outros. Às vezes, a meditação é acusada de ser uma atividade
egoísta, pois parece que você está cuidando apenas de si mesmo. Porém, as
pessoas que sabem cuidar de si mesmas são um fardo a menos para os outros. É
por isso que essas habilidades são uma expressão de bondade.
Há uma passagem em que o Buddha diz que a Resolução Correta, um dos
elementos do caminho, adquire a sua representação mais elevada na prática da
Concentração Correta. Em outras palavras, você tem que refletir sobre o fato de
que sua busca pela felicidade terá que depender de suas próprias ações e não
convêm a você prejudicar qualquer outra pessoa durante a sua busca. Então,
você reflete sobre quais as resoluções que podem vir a ser prejudiciais, pois suas
ações vêm de suas resoluções. Algumas delas envolvem o desejo de literalmente
cometer violência contra os outros ou de ser hostil com as pessoas. Algumas
resoluções envolvem estarmos apegados a desejos sensuais — afinal, como o
Buddha disse uma vez, mesmo se chovesse moedas de ouro, não teríamos o
suficiente para os nossos desejos sensuais. Se procurarmos pela felicidade ali, não
haverá fim. E quantas chuvas de moedas de ouro você já viu? Quantas chuvas
precisaríamos para satisfazer a cada pessoa, cada animal na Terra? Se não existir
um senso de satisfação, estaremos sujeitos a entrar em conflito uns com os
outros por causa das poucas moedas que existem. A felicidade verdadeira não
poderá, de maneira alguma, ser encontrada dessa forma.
Então, você tenta aprender a gradualmente se livrar da dependência dos
desejos sensuais. E a melhor maneira de fazer isso é encontrar uma sensação de
prazer internamente. É por isso que o Buddha ensinou a Concentração Correta.
Não é apenas focar em sua mente, mas você foca de uma forma que dê origem a
uma sensação prazerosa, uma sensação de arrebatamento. Dessa forma, você
satisfaz sua necessidade imediata de prazer e, ao mesmo tempo, desenvolve
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clareza mental. Quando o nosso prazer depende de prejudicar outros seres,
tendemos a ter grandes pontos cegos em relação ao dano que estamos causando.
Podemos pensar em várias maneiras de justificar o mal que causamos aos outros
seres ou a outras pessoas em nossa busca pelo prazer. Ao fazer isso, construímos
grandes áreas de negação e ignorância em nossas mentes. Mas quando o seu
prazer depende de coisas que não causam nenhum dano, você pode ter mais
clareza sobre onde há mal no mundo, onde há conflito, porque a sua felicidade
não depende daquele dano ou conflito.
Portanto, o que você tem aqui é uma felicidade livre de culpa e também
muito clara: a felicidade ideal para ser parte do caminho. Então, foque na
respiração de uma forma que seja confortável. Focar na respiração é chamado de
pensamento direcionado. Aprender a torná-la confortável é chamado de
avaliação. Esses são os dois fatores que ajudam a construir a concentração. O
terceiro é a unicidade de preocupação: você realmente foca na respiração e tenta
ficar com ela e nada mais.
Estas são as três coisas que você foca em desenvolver.
Observe como você sente a respiração nas diferentes partes do corpo. Aqui
não estamos falando apenas sobre o ar entrando e saindo dos pulmões, mas
também sobre todo o fluxo de energia, o movimento sutil do corpo, da forma
como a respiração entra e como a respiração sai. Tente perceber: você fica tenso
quando inspira? Existe alguma tensão que você segura quando expira? Você
pode respirar de uma forma que não acumule tensão? Você pode respirar de
uma forma que não prenda a tensão?
Primeiro, você deve começar em um ponto no corpo onde seja fácil ter uma
noção da respiração entrando, da respiração saindo, ou uma noção do
movimento do corpo enquanto você inspira e enquanto expira. Aprenda a se
relacionar com esse ponto para conseguir manter a atenção nele, mas sem se
contrair em torno dele, de modo que exista uma sensação de abertura e
arrebatamento naquele local — completude no sentido de que o sangue pode
fluir naturalmente, sem ser comprimido e desviado. Essa é uma habilidade. Para
a grande maioria, quando nos concentramos em alguma parte do corpo,
tencionamos essa área a fim de manter uma sensação na qual possamos
permanecer focados. Mas aqui você tenta manter um senso de abertura e
permanecer ali.
Aprenda a ficar com esse senso de abertura e completude, de modo que você
possa mantê-los até o fim de toda a inspiração e expiração. Quando puder
manter isso, mova-se para outras partes do corpo. Você pode fazer isso
sistematicamente. Você pode começar, por exemplo, no umbigo, ou na base da
garganta, ou na parte de trás do pescoço. Se começar no umbigo, vá por cima,
pela frente do corpo e, em seguida, das costas para baixo, até as pernas. Depois, a
29
partir da parte de trás do pescoço, vá para os ombros, para baixo, e para os
braços. Ou, se começar na parte de trás do pescoço, você pode primeiramente
descer pela parte de trás, pelas costas, pelas pernas, dos ombros até os braços,
depois, passar para frente do tronco, dividindo o corpo em seções, para ver se há
qualquer seção onde você tenda a segurar a tensão com a expiração ou a
inspiração. Treine para respirar de tal maneira que não exista nenhuma
contenção, para que tudo possa fluir sem problemas. A respiração flui sem
problemas, o sangue flui sem problemas e há uma sensação de facilidade do
começo ao fim de todo o processo da respiração.
Nesse ponto, algumas pessoas começam a ter uma sensação de flutuação,
mas tente não “flutuar” para fora. Você pode flutuar e estar leve, mas permaneça
no lugar. Se houver uma sensação de leveza e flutuabilidade, permaneça com essa
sensação de leveza, mas fique onde está. Você aprendeu a respirar de tal forma
que todo o corpo se sente à vontade durante toda a inspiração e toda expiração.
Tente manter essa sensação de consciência de todo o corpo e deixe que o prazer
se irradie através do corpo. Aprenda a manter essa sensação, aprenda a ficar com
ela. Se você perder o foco quando ampliar a consciência para o corpo inteiro,
volte para a inspeção do corpo ponto a ponto, seção por seção e, em seguida,
tente se estabelecer novamente com todo o corpo. Você pode encontrar-se indo
e voltando nesse ciclo por um tempo até que se sinta confortável e estável ao
ficar com o corpo inteiro. Mesmo que haja uma sensação de prazer e leveza,
haverá também uma solidez no seu foco. Em outras palavras, ele é estável, não se
move facilmente.
Nesse estágio, você tenta manter um senso de estar focado principalmente
em um ponto no corpo, mas ciente do corpo inteiro. É como olhar para uma
pintura. Seus olhos podem se focalizar em um ponto da pintura, mas você pode
ver a pintura por inteiro, mesmo que esteja focalizado em um ponto só.
E aqui está: a Resolução Correta, a intenção de manter-se com a meditação.
Você não está prejudicando ninguém; você não sente nenhuma hostilidade por
ninguém. Você não precisa pensar em prazeres sensuais. Essa é a personificação
do pensamento correto. E essas sensações de prazer e felicidade formam o
caminho. Elas são seu alimento no caminho. Os textos descrevem os diferentes
aspectos do caminho como sendo os diferentes aspectos de uma fortaleza. A
mindfulness é como o guardião da entrada; a sabedoria é como ter as paredes
lisas para que ninguém possa escalar e pôr você em perigo. E a Concentração
Correta é como o alimento que você tem armazenado para manter-se nutrido.
Dessa forma, enquanto você desenvolve a habilidade na busca pela felicidade,
percebe que precisa de menos coisas externas. Existe uma necessidade menor de
competir com os outros pelas coisas exteriores. Suas fomes e vícios perdem
muito de sua força e de sua intensidade, porque você tem uma boa fonte
30
alternativa de prazer aqui.
É assim que transitamos levemente pela Terra. Estamos encontrando nossa
felicidade interior e uma sensação prazerosa e de leveza interior; por isso,
necessitamos cada vez menos de prazeres externos. Portanto, dedique o tempo e
a energia necessária para desenvolver essa habilidade, pois ela irá servi-lo bem
durante toda a vida.
31
A Fala Correta
26 de novembro de 2007
Você provavelmente já percebeu que, enquanto está aqui sentado meditando
— pensando na respiração, avaliando a respiração — você está falando consigo
mesmo. Você está lembrando: “Agora fique aqui”, comentando sobre a
respiração e tentando pensar em maneiras de melhorar a respiração, em onde
focar, no que acha interessante, no que acha útil. Essa conversa interna é, na
verdade, uma parte importante da meditação. É chamada de fabricação verbal:
trata-se da maneira como a mente conversa consigo mesma. O que você está
tentando fazer enquanto medita, é, na verdade, aprender a fazer com que essa
tagarelice, que geralmente é um problema, seja parte do caminho, um elemento
de sua concentração que ajude a mente a se acalmar com interesse; com uma
sensação de conforto, uma sensação de bem-estar.
Então, assim que o bem-estar ficar mais e mais firmemente estabelecido e a
mente ficar mais centrada, você poderá abrir mão de grande parte dessa conversa
interna, pois ela já terá cumprido sua finalidade. Terá realmente cumprido a sua
finalidade. E é aí que a mente pode realmente se acalmar.
Uma das maneiras de você aprender a ser hábil na sua conversa interna é ser
hábil na sua conversa externa. É por isso que a Fala Correta é um fator do
caminho. A maneira como falamos com nós mesmos tem muito a ver com a
maneira como ouvimos outras pessoas falar e com a maneira como falamos com
elas.
Assim, se a maioria das conversas gravadas na sua mente forem conversas
inábeis, você perceberá que você se engajará na conversa inábil na sua meditação
também. As pessoas estão expostas a uma grande quantidade de negatividade.
Você pode se deparar com essa negatividade ao meditar, e então terá que
aprender novos hábitos. E você não aprende novos hábitos simplesmente
parando e não falando absolutamente nada. Você na verdade aprende novos
hábitos se envolvendo com outras pessoas que pratiquem a Fala Correta.
Por isso é bom pensar da definição do Buddha de Fala Correta. Existem
quatro tipos de conversa que você deve evitar: a mentira, a fala grosseira, a fala
divisora e a conversa sem propósito. Cada uma é definida pela intenção por trás
dela. Mentir é falar com a intenção de adulterar a verdade. A fala grosseira é
aquilo que você diz com a intenção de ferir os sentimentos de alguém. A fala
32
divisora é gerada com a intenção de quebrar ou impedir amizades. E a fala sem
propósito é basicamente a fala sem nenhuma intenção clara, um tagarelar só para
ter algo a dizer. Você deve aprender como evitar essas formas de conversa e
também aprender algumas das sutilezas da Fala Correta pois, em alguns casos,
não é muito claro.
No entanto, aquilo que é considerado mentira está bem definido. Você
nunca deve adulterar a verdade para ninguém. É por isso que esse é um dos
preceitos, ou seja, uma regra que você estabelece para si mesmo e, em seguida,
tenta seguir em todas as situações. É claro que sua engenhosidade e seu
discernimento serão testados ao fazer isso, porque haverá momentos em que as
pessoas farão perguntas e você sabe que dar uma resposta verdadeira trará
problemas. O próprio Buddha disse que ele não contaria a verdade em situações
em que isso causasse ganância, raiva e delusão. Mas não significa que ele
mentiria, simplesmente que evitaria esses tópicos.
Então, você tem que descobrir maneiras hábeis de evitar certas questões sem
deixar que a outra pessoa saiba que você está evitando-as. Suponha que alguém
venha a você e diga: “Você viu o meu marido com outra mulher”? E você viu,
mas não quer se envolver. Então, você tem que descobrir uma maneira de mudar
de assunto. Direcione a pergunta para a mulher e diga: “Por quê? Você suspeita
algo do seu marido”? E faça com que ela fale. Dessa forma, você pode evitar
responder à pergunta. Esse é um caso especial, mas, ainda assim, mesmo em
casos especiais, você não pode adulterar a verdade. É por isso que esse princípio
é um preceito.
Uma das razões pelas quais as outras formas de fala incorreta não são
expressas como preceitos é porque elas não são tão absolutas como no caso de
mentir.
Há momentos, por exemplo, em que a fala grosseira é necessária. O Buddha
faz uma analogia: é como ter um filho, um bebê que ainda não sabe o que deve
ou não comer e que colocou um pedaço de vidro afiado em sua boca. Você tem
que fazer tudo o que puder para tirar o vidro para fora, mesmo que os meios
usados provoquem sangramento, pois se o bebê engolir o vidro, o dano será
ainda maior. No caso do Buddha, ele disse coisas duras sobre Devadatta, cara a
cara: primeiro, na esperança de que Devadatta pudesse recuperar a razão, e
depois para advertir todos os outros monges ao redor de que Devadatta tinha
realmente saído do caminho.
Alguém certa vez o abordou sobre isso, perguntando-lhe: “Será que o
Buddha seria capaz de dizer algo grosseiro para alguém”? Essa foi concebida
como uma pergunta embaraçosa, a ideia é que, se o Buddha dissesse que Não,
então eles diriam: “E sobre o que o senhor disse para o Devadatta? Foi
grosseiro. Feriu os sentimentos de Devadatta”. E se o Buddha dissesse que Sim,
33
que ele diria coisas grosseiras para outras pessoas, então eles diriam: “Bem, qual
é a diferença entre o senhor e outras pessoas comuns”? Então, os inimigos do
Buddha colocaram essa questão para ele, mas ele respondeu que a pergunta não
merecia uma resposta categórica, mas, ao invés disso, merecia uma resposta
analítica. Há momentos em que, ao decidir o que dizer, ele perguntaria, em
primeiro lugar: “Isso é verdade”? Se não fosse verdade, ele não diria nada. Em
segundo lugar: “Isso é benéfico”? E se fosse um daqueles raros casos em que
dizer algo grosseiro seria benéfico, então a próxima pergunta seria: “Este é o
momento certo e lugar certo para dizer isso”? Somente se ele pudesse dizer Sim
a todas essas três perguntas ele falaria essas coisas.
Esse princípio se aplica à fala grosseira e também à fala divisora, porque às
vezes você vê que um de seus amigos de repente está desenvolvendo uma
amizade com alguém que você sabe que é abusivo, que você sabe que é corrupto,
que você sabe que prejudicará o seu amigo e você tem que encontrar a maneira
certa para proteger o seu amigo. Então, novamente, você pode acabar dizendo
algo que pode soar divisor, mas é com uma intenção compassiva.
Quanto à fala sem propósito, há momentos em que uma simples conversa
que use um pouco de graxa social é necessária, para azeitar uma situação
específica, como no trabalho, quando você quer que todos trabalhem juntos sem
problemas. Mas sua motivação tem que estar muito clara para você, o que
significa que aquela já não é apenas uma fala sem propósito. Tem que ficar claro
para você o ponto em que ela começa a se tornar totalmente inútil, sem sentido,
onde o trabalho começa a ficar todo “engraxado”. Você tem que desenvolver um
senso de quanto você dizer para que as pessoas se sintam à vontade, e, em
seguida, parar. Isto requer verdadeiro discernimento e é por essa razão que não
há nenhum preceito contra esse tipo específico de fala incorreta. Você tem que
ser sensível ao que a situação requer.
Depois de entender as sutilezas da Fala Correta, você pode começar a aplicar
os mesmos princípios na sua mente. Primeiro, você nunca mente para si mesmo.
Agora, enquanto meditar, você pode encontrar-se mentindo para si mesmo de
maneiras sutis. Você tem que se flagrar fazendo isso. Jogue a luz de sua
consciência nessas mentiras, realce-as para si mesmo. Diga a si mesmo: “Olha,
isso simplesmente não é verdade”. A mente tende a colocar-se todos os tipos de
paredes de negação. Essa é uma das razões pelas quais as pessoas têm dificuldade
em ver as suas intenções, porque estão acostumadas a mentir para si mesmas
sobre suas intenções. Pouquíssimas pessoas gostam de admitir que estão
operando baseadas em suas intenções corruptas. Ou, mesmo que saibam que o
que estão fazendo não está certo, elas tentam justificar-se de uma forma ou de
outra. E, como um meditador, você não pode se envolver de forma alguma nesse
tipo de justificação, porque essa é precisamente a ignorância que o manterá
34
preso ao sofrimento.
Quanto à fala grosseira, você não deve gritar com você mesmo de uma
forma que o deixe desencorajado no caminho, mas há outros momentos em que
você tem que ser duro consigo mesmo. Quando você se pega cedendo a hábitos
inábeis repetidas vezes, chega uma hora que tem que dizer: “Olha aqui, isso é
tolice; isso é burrice”. Use qualquer linguagem que funcione para que você capte
a mensagem.
O mesmo serve para a fala divisora: se você está se tornando amigo de suas
corrupções, tem que apontar as más qualidades delas. Lembre-se do que a
ganância fez com você no passado, do que a luxúria fez por você no passado; a
raiva, delusão, todas as qualidades mentais inábeis. Você deve se separar delas.
E quanto à fala sem propósito, você tenta transformá-la na fala com
propósito. Em outras palavras, você tem que incentivar-se, dizer coisas boas
sobre si mesmo, lembrar-se de todas as coisas boas que você fez no passado. Isso
se transforma em algo que na realidade é um tipo intencional de meditação.
Silanussati, lembrar todas as vezes que você evitou fazer coisas danosas;
caganussati, lembrar todas as vezes que você foi generoso, não só com as coisas
materiais, mas também com a sua boa vontade, sua compaixão, seu perdão. Em
outras palavras, existem momentos em que você tem que aprender a colocar-se
de bom humor. Caso contrário, a meditação fica seca, atravancada, como um
motor que ficou sem óleo.
O que isso significa é que as três perguntas que você aplica à sua fala
também são aplicadas aos seus pensamentos. Primeiramente, é verdade? Se isso
não é verdade, não pense nisso. Segundo, é benéfico? Caso contrário, não pense
nisso. E, em terceiro lugar, se for benéfico, este é o momento certo para esse tipo
de pensamento? É este o momento de punir a mente com dureza ou este é o
momento de incentivar e consolar a mente? É este o momento de romper os
laços de sua amizade com a ganância, raiva e delusão? Qual é a maneira mais
eficaz de fazer isso? Porque, às vezes, se você o fizer de uma forma ineficaz, a
mente ficará mais defensiva. Ajaan Fuang tinha uma regra: se alguém ficasse
realmente deludido em sua meditação e se você não fosse o professor dessa
pessoa, você não falaria com ela sobre isso. Não adianta tentar criticá-la ou
apontar as falácias em sua meditação, porque isso apenas irá torná-las ainda mais
defensiva. Há muito orgulho que se acumula nesse tipo de situação.
Portanto, essas são áreas que você deixa de lado. Mas, com você mesmo,
você deve ser muito mais franco sobre onde sua amizade com suas várias ideias e
apegos estão realmente levando você. Mas aprenda como fazê-lo de forma que
você mostre estar agindo a favor dos melhores interesses da sua mente, de
coração.
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Portanto, há uma habilidade para a Fala Correta, tanto dentro como fora.
Existem sutilezas. Quando você aprende essas sutilezas, as fabricações verbais
do seu pensamento direcionado e da avaliação realmente se tornam parte da sua
concentração. Como diz no sutta da mindfulness baseada na respiração, há
momentos em que você precisa alegrar a mente. Há momentos em que você
precisa libertar a mente de seus apegos. Aprenda a respirar de tal forma que o
ajude a fazer isso. Aprenda a falar com a mente de tal maneira que ajude você a
fazer isso também, até o ponto em que você terá dito o que precisava ser dito e
então você poderá se calar.
Dessa forma, a Fala Correta interna e a Fala Correta externa se tornam
ambas parte do caminho.
36
A Ação Correta
28 de novembro de 2007
Hoje eu estava conversando com alguém que disse de passagem que sentar
em meditação quando a mente está uma bagunçada é um desperdício de tempo.
E, claro, isso não é verdade. No mínimo, meditar quando a mente está confusa
lhe dá a oportunidade de ver como é uma mente confusa. Talvez, com o passar
do tempo, você se canse e queira fazer algo a respeito.
Eu percebi que uma forma de dar início à sua prática, geralmente, é
determinar certa quantidade de tempo para meditar todos os dias e realmente
seguir o plano à risca. Você pode notar que no início sua meditação é péssima, e
você não gosta dela. Mas, se você seguir à risca, com esse determinado período
de tempo todos os dias, chegará um ponto em que você dirá: “Olha, já que eu
estou sentado aqui, então que ao menos eu faça isso direito”. Às vezes você tem
que encurralar a mente dessa forma para ela começar a entrar na linha.
Outra consideração é o fato de que, naturalmente, enquanto você está
sentado aqui com os olhos fechados, você não está fazendo mal a ninguém. Você
não está se envolvendo com a fala incorreta, você não está se envolvendo em
ações incorretas ou no modo de vida incorreto, e isso não é pouca coisa. Então,
pelo menos, mesmo quando sua mente estiver uma bagunça na meditação, você
estará protegido de ações prejudiciais.
Os ensinamentos sobre a Ação Correta são raramente mencionados nas
palestras dadas aqui no monastério, porque enquanto estamos aqui sentados,
ninguém está matando ninguém, ninguém está roubando, ninguém está se
envolvendo em relações sexuais ilícitas, a não ser que você esteja fazendo isso em
sua mente. Mas de vez em quando é importante parar para pensar por que a
Ação Correta é parte do caminho.
Para começar, ela surge a partir da Perspectiva Correta e da Resolução
Correta. Você percebe que suas ações são importantes em pensamento, palavra e
ação. Você não deve fazer nada que seja prejudicial, quer para si ou para outras
pessoas. Os três tipos de ação incorreta são as três coisas que o Buddha
selecionou como sempre sendo prejudiciais. E, ao contrário da Fala Correta, as
três formas de ação incorreta têm um preceito correspondente nos cinco
preceitos. Em outras palavras, elas são uma prática básica para todos. Você não
mata ninguém, não mata qualquer animal que seja visível ao olho nu. Você não
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rouba nada. Você não pratica sexo ilícito. Ponto.
Essas são as promessas que você faz para si mesmo. Elas são “corretas” no
sentido de que são hábeis. Se você não causa danos a si mesmo, não causará
danos às outras pessoas. Elas se beneficiam e você se beneficia. Dessa forma,
meditar fica muito mais fácil. Muitos pensamentos inábeis são eliminados
quando você percebe: “Eu simplesmente não posso fazer isso. Eu não posso me
envolver nesse tipo de ação, então por que pensar nisso”?
Isso ajuda a colocar um muro. Muitas vezes pensamos em um muro como
uma restrição, mas neste caso ele é uma proteção. Ele o protege de
racionalizações. Caso contrário, a mente encontraria muitas justificativas para
tais ações.
Uma das razões pelas quais os preceitos são tão curtos e bem definidos é que
eles são especialmente importantes para lembrar quando você começa a
encontrar razões para quebrá-los. Quando sua vida está em perigo ou quando a
vida de seus entes queridos está em perigo, você tem que se lembrar: “Não
matar”. Porque é curto, é fácil de lembrar. Então, você faz o que pode para sair
da situação de perigo, menos matar. E assim por diante.
Essas formas de ação incorreta também estão relacionadas com os
impedimentos. Como o Buddha apontou, quando um obstáculo é
particularmente forte — quando há o desejo de se envolver na paixão sensual ou
quando você está tendo pensamentos de hostilidade, inquietação e ansiedade —
você pode não reconhecer que esses pensamentos são inábeis. Esse é um dos
principais problemas com os impedimentos: eles o cegam; eles fazem você ver as
coisas do modo deles. Porém, seguir os preceitos faz lembrar que esses estados
mentais realmente são inábeis, em qualquer situação, em qualquer local. Então,
isso impede que você vá adiante. É uma bandeira vermelha, que diz: “Não, esse
tipo de comportamento está fora de cogitação”.
Ao mesmo tempo, você pode pensar na Ação Correta como um conjunto de
normas para a sua meditação, assim como acontece com a Fala Correta. Em um
nível, como mencionei, ela se refere aos impedimentos. Você pensa: “Ok, não
matar”. Isso se relaciona diretamente com o impedimento da hostilidade. “Não
roubar. Não praticar sexo ilícito”. Isso, dependendo de sua motivação para
roubar, por exemplo, poderia ser motivada pela hostilidade ou pelo desejo
sensual. Você pode roubar simplesmente porque realmente quer, mas há
momentos em que você pode roubar porque está com raiva de alguém e quer
privá-lo de alguma coisa: isso é o roubo por meio da hostilidade. O mesmo
acontece com o sexo ilícito: ele pode ser motivado tanto pela hostilidade quanto
pelo desejo sensual.
Essa questão então o deixa focado nos dois grandes impedimentos, para
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lembrá-lo de que você não deve ir na direção deles, pois se quiser trazer a mente
a um bom estado firme de concentração, então, como dizem os textos, você tem
que estar isolado da paixão sensual, estar afastado das qualidades mentais
inábeis. O desejo sensual e a hostilidade são as duas grandes qualidades inábeis.
Elas são formas de resolução incorreta.
E, mais ainda, Ajaan Lee pega os ensinamentos sobre a Fala Correta e Ação
Correta e os usa como símbolos de outras coisas que ocorrem na mente também
quando você está meditando. Matar, por exemplo: você não quer matar a sua
bondade. De onde vem a sua bondade? Ela vem de ser cauteloso. Como disse o
Buddha, quando você é displicente, é como se estivesse morto. Você está
matando a si mesmo; está matando a bondade da mente. Se você diz: “Ah, eu
não tenho que fazer muita coisa; tudo está perfeitamente bem como está; eu não
tenho que empreender nenhum esforço no caminho”: isso o mata ali mesmo,
mata a prática. Então, você tem que garantir que não matará a sua prática, que
você não matará a sua bondade. Você tem que ter cautela em todos os
momentos. Isto significa ter um noção forte de que o que está fazendo agora é
importante e que você não sabe quanto tempo terá para fazer coisas hábeis;
assim, você tem que desenvolver muitos hábitos hábeis, o mais que puder, o que
significa que você tem que desenvolvê-los agora.
O Buddha certa vez falou que a mindfulness baseada na morte é uma forma
útil de meditação a ser desenvolvida pelos monges. Alguns monges falaram
sobre como desenvolveram esse tipo de meditação. Um deles disse: “Eu penso
todos os dias: ‘que eu viva pelo menos mais um dia para poder praticar os
ensinamentos do Buddha; eu serei capaz de tirar muito proveito disso’”. Outro
monge disse: “Eu penso a cada meio dia, ‘que eu viva outro meio dia’”, e assim
por diante, até que ele chegou a dois monges. Um deles disse: “Eu penso: ‘que
eu viva para inspirar e expirar mais uma vez.’” Outro monge disse: “Enquanto
estou comendo, que eu possa viver a quantidade de tempo que leva para comer
um bocado de comida, e, sendo assim, nessa quantidade de tempo, eu tentarei
praticar da forma mais hábil que puder e eu assim obterei bons resultados”. E o
Buddha disse: “Apenas os últimos dois monges podem realmente ser
considerados cautelosos”. Então, você está aqui, meditando. Você tem a chance
de, ao menos, com esta respiração, enquanto ela entra e sai, desenvolver algo
hábil. E então você faz o mesmo com a próxima respiração, e também com a
seguinte. É assim que você evita matar a sua meditação e a sua bondade.
Em relação a roubar, Ajaan Lee diz que, no nível da prática de concentração,
isso significa roubar os assuntos das outras pessoas, pensando que essa ou aquela
pessoa não são boas. Ele diz: “Você nunca realmente pediu a permissão delas
para pensar sobre seus maus hábitos, por isso é como roubar suas coisas”. E que
tipo de material que você está roubando? Você está roubando o lixo delas. Se
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você for roubar as coisas das outras pessoas, pelo menos roube seus objetos de
valor. Pense sobre seus pontos positivos de uma forma que lhe dê alguma
energia para imitar boas qualidades em si mesmo. Lembre-se da analogia que o
Buddha dá, de uma pessoa que vem atravessando o deserto, cansado, tremendo
de calor, sedento e encontrando um pouco de água na pegada de uma vaca. Ele
percebe: “Aqui estou eu, cansado, sedento e trêmulo. Preciso daquela água. Mas,
se eu tentar pegá-la com a mão, ela vai ficar toda enlameada”. Então ele se
ajoelha e fica de quatro, e, com muito cuidado, suga a água direto da pegada de
vaca.
Sua necessidade da bondade que vem das outras pessoas tem essa
intensidade. Se você só conseguir enxergar aquilo que os outros têm de negativo,
perderá a motivação de tratá-los com habilidade. Você irá dizer: “Bem, todo
mundo está trapaceando, então eu também vou trapacear”. Esse é um
pensamento muito comum que se vê em toda a sociedade. E, mais uma vez, isso
mata a sua bondade.
Então, você não deve roubar as manias ruins das outras pessoas. Pense nas
boas manias que elas têm. Pense nos grandes Ajaans, como Upasika Kee: pessoas
que doaram suas vidas à prática e fizeram muito para o mundo como resultado.
Você pode fazer isso também. Não há nada de sobre-humano neles. Quando
você pensar sobre os bons hábitos dessas pessoas, talvez possa pensar sobre
como elas poderiam ter resolvido os problemas que você está enfrentando agora.
Isso lhe dará energia. E, novamente, assim como diz Ajaan Lee, se for roubar
alguma coisa, roube os objetos de valor. Não roube o lixo dos outros.
Porém, seu objetivo é chegar ao ponto onde você terá seu próprio motor de
arranque. Você poderá então parar de roubar, já que saberá maximizar seus
próprios recursos internos. E quais são seus recursos internos? Você tem as
quatro propriedades do corpo bem aqui. Você tem a respiração; você pode
desenvolvê-la. Você tem bons estados mentais. Desenvolva-os. Desenvolva seus
próprios recursos. Você descobrirá que você tem toda a riqueza interior de que
precisa, de maneira que você não precisa roubar nada de ninguém, nem de bom
nem de ruim.
Quanto ao preceito contra a sensualidade ilícita, esta se refere a desejos
sensuais. Você não deve nem chegar perto deles enquanto estiver aqui sentado
meditando. Lembre-se de que toda a paixão sensual, todo o desejo sensual, vem
com um preço. O Buddha tem uma longa lista de analogias das desvantagens da
sensualidade. Ele diz que é como um cão roendo um osso que não tem carne:
todo esse esforço e nenhuma nutrição. É como uma pessoa que carrega uma
tocha contra o vento: a chama da tocha a queimará se ela não jogar a tocha no
chão. É como usar coisas emprestadas e se exibir com elas: os prazeres sensuais
que você recebe das outras pessoas podem ser tirados de você a qualquer
40
momento. Outra analogia é a de um homem que está pendurando em uma
árvore, colhendo frutas, quando alguém vem e diz: “Eu quero os frutos, mas não
posso subir na árvore, mas tenho o meu machado para cortá-la”. Se o primeiro
homem não descer rapidamente da árvore, ele se machucará para valer. Em
outras palavras, alguém pode vir e tomar as fontes de seus prazeres sensuais com
muita facilidade, de forma que o machuque. Então, você está se colocando em
uma posição perigosa quando cede aos prazeres da sensualidade.
Às vezes você ouve sobre os perigos de jhāna, que você ficará preso em
jhāna e será tão maravilhoso e fascinante que você nunca conquistará o
despertar. Você pode encontrar algumas passagens do Cânone Pāli que ilustram
esse ponto, mas eles são muito, muito poucos. O perigo de ficar preso na
concentração é muito pequeno quando comparado aos perigos de ficar preso na
sensualidade. Como o Buddha disse, é por isso que temos guerras, é por isso que
temos brigas, é por isso que as pessoas se matam de trabalhar. É por isso que elas
roubam e enganam, pelo seu desejo da sensualidade. Eu não conheço ninguém
que esteja violando os cinco preceitos por estar apegado ao prazer de jhāna.
Então, jhāna é um lugar seguro; a sensualidade é um lugar perigoso para
ficar. Sempre mantenha isso em mente. Dessa forma, você toma os princípios da
Ação Correta e os traz para dentro, de modo a ter como base a sua própria
riqueza interior. Não há nenhuma necessidade de roubar nada de ninguém, não
há necessidade de colocar-se em perigos ao tentar encontrar sua felicidade
exteriormente. E, tendo essa cautela, você mantém viva sua bondade. Esse é o
bem mais importante que você pode ter.
41
O Modo de Vida Correto
21 de dezembro de 2007
Muitas vezes, somos impacientes com a prática. Queremos ir direto para o
insight, direto para a solução de todos os nossos problemas, para que possamos,
em seguida, voltar para casa e continuar com nossa vida. Mas antes você tem que
colocar a mente em boa forma para que você possa ganhar algum insight. Você
tem que alimentá-la bem: e é disso do que se trata a concentração. Como o
Buddha disse uma vez, se você não tiver, pelo menos, o prazer e o
arrebatamento que pode vir do primeiro jhāna, você sempre estará tentado pela
sensualidade. Mesmo se você entender as desvantagens dos prazeres sensuais e
dos desejos sensuais, se você não tiver essa forma alternativa de encontrar a
felicidade, você voltará para seus hábitos antigos. Não importa quanto Dhamma
você já tenha lido ou quão preciso seja seu entendimento sobre as complexidades
dos ensinamentos do Buddha. Quando chegar a hora de se alimentar, você
voltará a se alimentar da mesma carcaça morta de que vem se alimentando
durante toda sua vida.
É como uma analogia de Ajaan Chah: os ocidentais, ele disse uma vez, são
como urubus. Quando voam, voam em um nível alto, mas quando se alimentam,
o nível é baixo. Essa é uma daquelas citações que você normalmente não
encontra nos livros de Ajaan Chah, mas que nos toca bem no fundo. No
ocidente, temos a tendência de fazer vista grossa à nossa necessidade de
desenvolver uma base sólida fornecida pela concentração. O próprio Buddha
comparou a felicidade, o prazer e a equanimidade que vem da concentração, à
alimentação. Sua analogia era a de uma fortaleza na borda de uma fronteira,
sendo que as diferentes qualidades do caminho correspondem aos diferentes
aspectos da fortaleza. O discernimento: é como uma parede escorregadia que o
inimigo não pode escalar. Aprender: é como uma variedade de armas para lutar
contra o inimigo. Mindfulness: é como o guardião de entrada que se lembra
quem deixar entrar e quem não deixar. E jhāna, disse ele, é como estoque de
alimentos.
O primeiro jhāna é como água e grama. Quando você trabalha até chegar ao
quarto jhāna, você terá mel, manteiga e manteiga clarificada. Essas são maneiras
de nutrir a mente e alimentar Modo de Vida Correto da mente. Mesmo que você
não esteja ganhando quaisquer níveis mais elevados de discernimento, pelo
42
menos estará encontrando prazer em um lugar inofensivo. Isso é considerado
Modo de Vida Correto no caminho. Quanto maior o prazer, maior a sensação
de bem-estar e estabilidade que você pode desenvolver interiormente. Então, a
sua pegada cármica no resto do mundo será mais leve e você estará causando
menos danos pela forma com que você procura o seu sustento, tanto físico
quanto mental.
Então, enquanto você estiver praticando a concentração, estará
desenvolvendo vários elementos do caminho de uma vez só. Terá a Resolução
Correta, a resolução de renunciar à sensualidade, de encontrar um prazer que
não esteja envolvido com paixão sensual; a Mindfulness Correta, que é o tema da
Concentração Correta; e o Modo de Vida Correto, que significa cuidar de suas
necessidades de uma forma hábil.
O Modo de Vida Correto é o primo pobre do caminho óctuplo. Esse é o
fator que o Buddha praticamente quase não define. Ele simplesmente diz que o
discípulo dos nobres evita o modo de vida incorreto e ganha seu sustento por
meio de maneiras corretas, o que não nos diz muito.
Parte disto pode ter sido simplesmente uma questão de etiqueta. Há apenas
uma passagem no Cânone onde o Buddha faz uma declaração geral condenando
certas atividades profissionais como incorretas. Ele enumera cinco: o comércio
de veneno, comércio de armas, comércio de entorpecentes, o comércio de carne
e a comercialização de seres humanos, dizendo que o discípulo dos nobres evita
se envolver nessas atividades. Você não monta um negócio para vender álcool,
veneno, armas, carne ou escravos. Fora esse exemplo, o Buddha é muito
circunspecto ao falar sobre as ocupações das outras pessoas.
Existem dois casos em que pessoas com profissões questionáveis vem falar
com ele. Um é um ator; o outro, um soldado profissional. Eles dizem
praticamente a mesma coisa: “Nossos professores é que nos ensinaram a ser
atores”, diz o ator, “alegando que, se você passar a vida entretendo as pessoas
com suas imitações da realidade, fazendo-as rir, você irá atingir o reino celestial
dos risos após a morte. O que o Mestre Gotama tem a dizer sobre isso”?
Algo similar ocorre com o soldado. O soldado diz: “Eu fui ensinado que, se
alguém morrer no campo de batalha, ele irá para o reino celestial dos heróis. O
que o Mestre Gotama tem a dizer sobre isso”? Novamente, o Buddha se recusa a
responder duas vezes. Quando pressionado pela terceira vez, ele finalmente diz:
“Quando você está no meio da batalha, fazendo surgir o desejo pela morte de
outros seres, pensando: ‘Que esses seres sofram, que sejam prejudicados, que
sejam mortos,’ se você morrer nessa hora com esse estado mental, irá para o
inferno dos heróis que morreram em batalha”. Assim como o ator, o soldado
começa a chorar, e o Buddha diz: “Está vendo? É por isso que eu não queria
responder à sua pergunta”. E o soldado, como o ator, diz: “Não, eu não estou
43
chorando por causa do que o senhor disse. Eu só estou chorando porque fui
enganado pelos meus professores por todo esse tempo”.
A etiqueta do Buddha aqui é interessante. Ele não partiu para uma cruzada
contra atores, soldados profissionais, publicitários, banqueiros ou o que quer
que seja. Ele só condenava uma determinada profissão se fosse pressionado.
Caso contrário, ele pedia para a pessoa refletir por si mesma sobre seus meios de
subsistência. Trata-se de prejudicar outros seres? Será que isso envolve mentir?
Será que isso envolve estados mentais inábeis? Se a resposta for sim, então talvez
a pessoa devesse procurar outra ocupação — o que, naturalmente, pode levar
algum tempo. Essa pode ter sido uma das razões pela qual o Buddha utiliza essa
etiqueta, afinal muitas pessoas estão presas em sua ocupação. Demora um pouco
para elas se desembaraçarem daquela atividade caso percebam que ela é inábil.
O Modo de Vida Correto tem também outro aspecto, que é olhar para a sua
atitude em relação àquilo que consumimos. Esta é uma das razões pelas quais
recitamos os cânticos dos requisitos todas as noites, refletindo sobre nosso uso
dos requisitos durante o dia. Por que você usa os requisitos? Na verdade, o
cântico seve para refletir, caso você já não tenha refletido enquanto usava os
requisitos. O ideal é que você reflita enquanto estiver comendo: “Por que você
está comendo agora? Quando você veste sua roupa, por que você está vestindo
essas roupas? Quando você arruma a sua casa ou sua Kuti, por que você as
arruma dessa maneira? Quando você toma um remédio, por que está tomando
este medicamento especifico neste momento? Qual é a sua motivação”?
O cântico o lembra da motivação ideal: use roupas para se proteger dos
elementos, para encobrir as partes do corpo que causam vergonha. Não coma
para ganhar massa, nem para diversão ou pelo sabor da comida. Afinal, aqueles
que forneceram o alimento que você está comendo, ou seja, os agricultores que
trabalharam e os animais que deram as suas vidas, não estavam se divertindo
quando fizeram isso. Você come simplesmente para que possa continuar a
praticar, para eliminar as dores da fome, e, ao mesmo tempo, não se empanturrar
até que haja um desconforto por comer demais. Você não está comendo apenas
pelo sabor dos alimentos; você está comendo para a nutrição do corpo, para
poder praticar com facilidade. O uso de abrigo deve ser simplesmente para se
proteger contra os elementos e para fornecer um lugar onde você possa ficar
sossegado, encontrar um pouco de privacidade, para que possa praticar. E
quanto aos remédios, você os usa para eliminar a dor e se manter livre de
doenças, isso é tudo.
Quando você pensa sobre essas coisas, você se força a olhar para as ondas
vibratórias que você manda quando você escolhe do que se alimentar, o que
vestir, onde morar: qual é o seu impacto no mundo? O fato de que você está
vivo e respirando significa que você tem muitas necessidades e essas necessidades
44
podem ser atendidas apenas na dependência dos outros. Como você pode
depender deles sem lhes prejudicar ou causar dores desnecessárias?
Essa reflexão se conecta com um dos princípios importantes chamados de
costumes dos nobres, que é o contentamento com seus bens materiais. Quando
você pensa dessa maneira, percebe que passa a comprar menos, usar menos, pois
está procurando sua felicidade em outro lugar. Isto é, você está olhando
internamente. É aí que entra a concentração. E é por isso que a concentração é
um elemento importante no Modo de Vida Correto. Ela lhe fornece o mel, a
manteiga, o grão, e os outros alimentos de que você precisa para a felicidade
verdadeira da mente, bem lá no fundo. Ao mesmo tempo, essa felicidade lhe
fornece uma boa base para os insights que virão assim que você começar a olhar
para as várias maneiras pelas quais você continua a se envolver no nascimento.
Porque, mais uma vez, o fato de você continuar nascendo (continuar vindo ao
mundo) coloca um fardo sobre os outros seres, é um fardo para o mundo.
Os insights necessários para interromper esse processo podem ser bastante
duros. Como disse o Buddha, quando você se alimentar, pense sobre a história
do casal que estava atravessando o deserto com um bebê, seu único filho. Eles
não tinham percorrido nem metade do caminho e ficaram totalmente sem
comida. Eles perceberam que, se eles não comessem alguma coisa, os três
morreriam. Então, eles decidiram matar o filho e fazer carne seca dele: carne seca
de bebê. Dessa forma, pelo menos dois deles iriam sobreviver e, em seguida,
poderiam formar uma família quando chegassem do outro lado do deserto.
Agora, o Buddha perguntou, qual seria a atitude deles em relação à carne
seca de bebê enquanto a estivessem comendo? Estariam comendo para se
divertir? Não, eles estariam pensando com tristeza no que tiveram que fazer
nessas circunstâncias horríveis. É assim, disse o Buddha, é como você deve
considerar o alimento físico: como a carne seca de um bebê, e não como algo que
você come por alegria ou pelo sabor, mas simplesmente para se manter vivo,
percebendo que sua necessidade de se alimentar causa sofrimento, causa dor.
Essa é uma contemplação dura, uma das muitas contemplações duras dos
ensinamentos do Buddha. A única maneira pela qual a mente pode se
autodefender desse tipo de contemplação é se você tiver uma forte sensação de
bem-estar que vem de nutrir a mente com a Concentração Correta. Caso
contrário, se você não tiver uma boa base sólida como a da Concentração
Correta, os insights que podem vir da meditação, poderão ser desorientadores e
desestabilizadores.
Então, você continua tentando trabalhar nessas habilidades como base para a
sua prática. Apreciar a simples qualidade de acalmar a mente, de encontrar uma
sensação de prazer simplesmente pela maneira com que você respira; ganhando
uma sensação de bem-estar, arrebatamento e equanimidade quando você
45
precisar. Dessa forma, você nutrirá a mente com alimento de boa qualidade. Esta
é a acepção mais elevada do Modo de Vida Correto. O Modo de Vida Correto
coloca você em uma posição onde, enquanto você ainda estiver vivo, desta vez,
você será um peso leve no mundo ao seu redor. E você estará desenvolvendo a
habilidade para que não tenha que voltar e ser um peso para mundo novamente.
É por isso que os ensinamentos do Buddha não são egoístas. Você não passa por
eles e os deixa para trás para em seguida retomar a sua vida. Eles são uma
maneira de viver de forma que você cause o mínimo de dano para os outros, e,
finalmente, que você possa encontrar uma felicidade que lhe liberte de ter que
voltar e causar danos, várias e várias vezes. Eles são um ato de bondade, tanto
para você quanto para todo o mundo ao seu redor.
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O Esforço Correto
11 de Junho de 2008
Meditação no idioma tailandês é fazer um esforço: tham khwaam phian. E o
mais importante, é claro, é fazer com que o Esforço seja Correto. A força bruta
não trará o nirvana de supetão. Como Ajaan Fuang disse uma vez, se você
pudesse chegar ao nirvana simplesmente por meio do esforço, todos nós já
estaríamos lá agora. Você tem que fazer um esforço que seja um Esforço
Correto. Trata-se de um elemento de sabedoria e discernimento.
Existem várias maneiras de aplicar discernimento ao Esforço Correto.
Somos provavelmente mais familiarizados com a simples questão da quantidade.
Há aquela famosa história sobre o Venerável Sona, que foi tão delicadamente
criado, que dizem que tinha pelos nas solas dos pés. Depois de ter se tornado
monge, ele estava fazendo a meditação andando por muitas horas e seus pés
começaram a sangrar. Ele ficou desencorajado e disse: “Eu já investi tanto
esforço e ainda não atingi o despertar. Talvez eu devesse largar o manto, voltar a
ser leigo e fazer mérito”. O Buddha, leu sua mente, levitou e, ao aparecer bem na
frente dele, lhe perguntou: “Quando você era leigo e estava tocando o alaúde, se
você afinasse as cordas muito apertadas, como soava”? Na verdade não soava
muito bem. “E se elas estivessem muito frouxas”? Também não soavam bem. “E
se você as afinasse com exatidão, no ponto certo”? Aí é que a música soava
corretamente afinada.Então o Buddha disse: “É a mesma coisa com a sua
meditação. Você sintoniza o seu esforço de acordo com a quantidade que é
capaz de fazer”. Por exemplo, quando você afina o alaúde, primeiro afine a
primeira corda e todas as outras cordas são afinadas de acordo com ela. Da
mesma forma, você afina o seu esforço e depois afina o restante das suas
faculdades — sua convicção, sua mindfulness, sua concentração e discernimento
— com a quantidade de esforço que é capaz de realizar. E assim a meditação irá
bem.
Portanto, neste caso, o discernimento envolve ver o quanto você é realmente
capaz de investir, enxergar quando você está se cobrando demais e quando não
está se cobrando suficientemente. E como você sabe disso? Bem, você tenta se
esforçar de uma forma que parece muito difícil e enxergar o que acontece ao
longo do tempo, porque temos uma tendência de sermos preguiçosos. Todos
queremos pertencer ao grupo da prática fácil e resultados rápidos. Mas as
47
pessoas com prática fácil e resultados rápidos, praticamente já se foram todas
para o nirvana. Somos os únicos que sobraram. Então, você se esforça até o
ponto em que você achar que está se cobrando demasiadamente. Você pode
perceber a partir de sua própria experiência: a mente fica exausta; você tem
dificuldade para se concentrar. Então você reduz um pouco a intensidade. Você
não volta para o outro extremo e diz que o esforço é ruim. Você simplesmente
afina o seu esforço com mais primor.Mas a quantidade de esforço também
depende do problema específico com que você se depara. Há outra passagem em
que o Buddha diz que algumas corrupções desaparecerão simplesmente ao serem
observadas. Você não tem que analisá-las, não tem que colocar muito esforço.
Simplesmente por perceber que “esta é uma corrupção” e perceber que não deve
ir para o lado dela, ela vai embora. Outras corrupções, porém, exigem o que o
Buddha chama de exercer uma fabricação. “Fabricação” aqui tem muitos
aspectos: fabricação verbal, mental e física. Fabricação física é a respiração. Em
outras palavras, quando você vê a ganância, a raiva ou a delusão se originando na
mente, pergunte-se: “Como está a respiração agora”? Veja se você pode alterar o
estado da mente alterando a maneira como você respira.
Isso, é claro, envolverá a fabricação verbal: o pensamento direcionado e a
avaliação. Em vez de tagarelar para si mesmo sobre o quanto você quer alguma
coisa, sobre o quanto está irritado sobre algo, você começa a conversar consigo
mesmo sobre a respiração. Pergunte a si mesmo: “Como está a respiração agora?
Que sensação ela causa? O que causaria uma sensação melhor”? Uma vez que
você tenha algo que cause uma sensação confortável, que tal espalhá-lo ao redor
do corpo? E como você espalha a respiração confortável por todo o corpo? Esse
é também um elemento do Esforço Correto. Se você puxar com muita força,
você destruirá o conforto inicial. Se você não fizer perguntas, se não se
interessar, nada acontecerá. Então, novamente, você tem que encontrar a
quantidade certa de esforço para lidar com a respiração.E então, finalmente,
existe a fabricação mental, que abrange sensações e percepções. Nesse caso, uma
vez que você tenha uma sensação útil de conforto ou de prazer vinda da
respiração, você a usa. Você não fica apenas lá sentado aproveitando essas
sensações. Você vê o que pode ser feito com elas. E, mais uma vez, espalhe a
respiração ao redor, deixando-a permear todo o corpo, dando a mente algo para
fazer. Porque é muito fácil, quando a mente fica em um lugar agradável, que ela
comece a se apagar, indo para a concentração deludida onde tudo é muito
agradável, mas nada é muito claro. Você está quieto, mas quando sai da
quietude, não sabe dizer onde estava. Você estava com a respiração? Bem, não.
Você estava dormindo? Não. Acordado? Não. Portanto, a fim de evitar esse
estado, você tem que dar à mente algo para fazer com a sensação de conforto.
Essa é uma das partes mais radicais dos ensinamentos do Buddha. Conforto não
48
é um objetivo por si mesmo. É algo que você pode usar como uma ferramenta.E,
em seguida, use suas percepções, os rótulos que você tem para coisas, para
descobrir como tirar o máximo proveito do conforto que obteve e também para
analisar as corrupções que estavam causando tantos problemas. Você pode usar
suas percepções de muitas maneiras. Se estiver com raiva de alguém, lembre-se
da famosa imagem do Buddha de uma pessoa que está cansada, com sede e com
calor, cruzando um deserto, precisando de água; ao encontrar uma pequena poça
de água em uma pegada de vaca ela está disposta a ficar de joelhos e sugar a água
com as mãos, porque essa pessoa realmente precisa dessa água. Da mesma forma,
quando você está com raiva de alguém, você tem que perceber que está cansado,
sedento, trêmulo e com calor. Em outras palavras, a bondade de seu coração
ainda não está forte. Ele precisa de alimento. E focar nos pontos ruins das
pessoas não nutrirá a bondade do seu coração: irá deixá-lo ainda mais acalorado
e mais sedento. Você precisa focar nos pontos positivos da outra pessoa, mesmo
que isso signifique ficar de quatro e com suas mãos sugar a água de dentro de
uma pegada de vaca. Mantenha essa percepção em mente. Essa é uma maneira de
usar a percepção a fim de se colocar no estado mental correto para lidar com
qualquer corrupção mental.
Isso se chama fazer uso de uma fabricação. Então, novamente, você tem que
usar seu discernimento para ver quando certo problema da mente desaparecerá
simplesmente ao ser observada e quando você terá que fazer um esforço com os
três tipos de fabricações.
O discernimento também desempenha outras funções no Esforço Correto.
Na fórmula clássica, o Buddha diz que você “gera o desejo, desperta a sua
persistência, e mantém a sua intenção” pelas quatro tarefas. Mas mesmo antes de
assumir as quatro tarefas do Esforço Correto, observe a atitude que você deve
trazer para elas. Você tem que gerar desejo. Você tem que querer fazê-lo. E o seu
desejo tem que ser sábio e criterioso. É fácil ver que existem pessoas que têm um
desejo muito forte pelo despertar, e, para essas pessoas, o desejo realmente
obstrui o caminho para o despertar, ou seus desejos se tornam neuróticos. Elas
estão tentando apagar sua identidade. É daí que vem a ideia de que aqueles que
entraram na corrente (sotāpanna) aniquilaram sua personalidade. Há pessoas que
odeiam suas personalidades, então querem se livrar delas e acham que essa
passagem demonstra a aprovação do Buddha dessa atitude. É um desejo
neurótico que é fácil de satirizar, fácil de achar engraçado. E ele realmente é
prejudicial à prática. Porém, satirizar, tirar sarro de todo desejo, também não é
útil. Você tem que perceber que existe o desejo saudável. O desejo pelo
despertar é muito melhor do que os desejos pelos quais a maioria das pessoas
aspira mas, novamente, você tem que aprender como atuar com esse desejo
habilmente, com sabedoria.
49
Em outras palavras, você percebe que o despertar vem de causas, então você
foca seu desejo nas causas de uma forma que ajude a dar origem a elas. Se a
prática exige mais mindfulness, você trabalha para ter mais mindfulness. Você
tenta estimular o desejo hábil de ter mindfulness. Para desenvolver a
concentração, estimule um desejo hábil de se concentrar. O termo “hábil” aqui é
importante. Olhe para a meditação como uma habilidade, e não como algo em
que você se forçará com um esforço cego.
Mas note quais habilidades são necessárias para fazer com que a mente
permaneça calma. Uma vez que ela esteja tranquila e você se levantar da
meditação, como pode manter essa calma? É como equilibrar uma tigela de óleo
sobre sua cabeça. Você tem que ter muito cuidado para não perder o equilíbrio,
para não se distrair. Como você faz isso? Transforme a meditação em um jogo,
um desafio, e tente descobrir o que pode fazer para enfrentar esse desafio. Dessa
forma, o desejo se tornará um desejo saudável. O desejo saudável assume essa
enorme tarefa de atingir o despertar e a divide em pedaços gerenciáveis. Você
trabalha em todas as várias habilidades de que você necessita como meditador,
tentando descobrir como fazer com que a mente se estabilize, como quando está
com raiva, como conseguir estabilizá-la quando está preguiçosa, como dar-lhe
energia quando está deprimida, como torná-la mais estável quando está ficando
muito frenética. Todas essas são as habilidades necessárias que têm que ser
trabalhadas.
Portanto, o seu desejo de despertar tem que estar focado nas etapas que
levam a esse resultado. Perceba que existem etapas que você pode seguir pouco a
pouco, e elas levam a algo que é mais do que a soma das etapas. Algumas pessoas
dizem: “Bem, focar no caminho dessa forma é uma distração do sem-morte, que
está por todo o seu redor”. Mas não se trata de uma distração. O Buddha
ensinou o caminho com um propósito: ele não ensinou o caminho como uma
distração. Ele diz que este é o caminho para o destino desejado. Devido à
complexidade da mente, é possível trabalhar em um caminho fabricado que leve
você para algo não fabricado. Então você gera o desejo; em outras palavras, você
desenvolve a atitude correta em relação ao esforço. Isto requer sabedoria
também.
Daí, então, existem as tarefas específicas: abandonar quaisquer qualidades
inábeis que já tenham surgido, evitar que as qualidades inábeis que não tenham
se manifestado apareçam, dar origem a qualidades mentais hábeis e, então,
quando qualidades mentais hábeis tiverem surgido, mantê-las. Essas são os
quatro tipos diferentes de esforço. Você tem que analisar a situação em sua
mente: o que precisa ser feito agora? Você tem que se concentrar em livrar-se do
lado inábil ou você deve se concentrar mais em desenvolver o lado mais hábil?
Você deve aprender a ler a sua mente para que possa entender que tipo de
50
Esforço Correto será apropriado em uma determinada situação.
Então, é tudo uma questão da sua atitude em relação ao esforço: o tipo de
esforço que tem que ser aplicado e a quantidade certa a ser aplicada — a
quantidade é baseada, primeiro, no nível de energia que você tem agora e,
segundo, no problema específico que você está enfrentando, ou seja, ver se ele
requer um grande esforço ou se requer um esforço que se resuma a apenas
observar.
Quando você junta todas essas habilidades, elas constituem o Esforço
Correto. Então, quando você estiver se esforçando, quando você estiver “tham
khwaam phiando”, perceba que o esforço aqui é, em grande parte, uma questão
de discernimento, compreensão, vontade e desejo de fazer todo o esforço que
seja necessário. Porque às vezes é preciso muito esforço, muita paciência para
superar um problema específico da mente. Sua mente perde o equilíbrio. Você
tenta ir para a respiração e parece que não há nada ali. Se você imediatamente
ficar perturbado, então você terá um problema. Mas você diz: “A respiração tem
que estar aqui. Se não houvesse respiração, eu estaria morto”. Ou, se você puder
detectar a respiração, mas não estiver confortável, esteja disposto a sentar-se
com ela por um tempo, como você faria com uma criança irritável, de modo que
sua paciência finalmente ajude a fazer com que a respiração se acalme.
Assim, qualquer que seja o esforço necessário — o esforço de ficar sentado
bem quieto e ter muita paciência, ou para apontar para qualquer direção
específica — você tem que estar disposto a empregar esse esforço necessário.
Você tem que desenvolver o seu discernimento para descobrir aquilo que é
necessário em um determinado momento e motivar-se para fazê-lo. Não existe
nenhuma sabedoria genérica que abrangerá todas as situações. A palavra para a
sabedoria, pañña, significa na verdade discernimento, a capacidade de detectar
diferenças. Há ocasiões em que você aceita as coisas como elas são, caso não
possa fazer nada para mudá-las; outras vezes você percebe: “Eu tenho que
lutar”. E aceitar as coisas como elas são, por vezes, pode significar perceber que
você tem o poder de fazer uma mudança, o poder de fazer a diferença na mente,
que naquele momento você tem a oportunidade de fazer isso. É nessa situação
que você realmente deve lutar e fazer um esforço tremendo. Aprenda a aceitar
isso também.
Quando todos esses fatores estão operando juntos, temos o tipo de esforço
que é parte do caminho. Na verdade, ele é um elemento tão importante do
caminho que o Buddha disse que as quatro aplicações corretas, que são a
fórmula básica para o Esforço Correto, podem representar o caminho como um
todo.
Portanto, tente não ter uma atitude simples e tola em relação ao Esforço
Correto. Trata-se de uma questão complexa. Porém, não tão complexa que você
51
não possa descobri-la. É simplesmente uma questão de tempo e de usar seus
poderes de observação. O Buddha certa vez disse que, se você quiser conhecer
uma pessoa, realmente conhecer a virtude dessa pessoa, você tem que passar
muito tempo com ela e ser realmente observador. E o mesmo princípio se aplica
à sua mente. Você tem que dar prioridade máxima a observar a mente e ficar
bastante com ela, porque é preciso tempo e esforço para determinar o que é
realmente necessário. Mas é tempo e esforço bem gasto.
52
A Mindfulness Correta
25 de dezembro de 2007
O termo “mindfulness” por si mesmo, é algo neutro. Ela é algo que pode ter
bons ou maus usos, pois significa apenas manter algo em mente. Você pode ter
em mente o fato de que quer colocar um fim ao sofrimento, ou pode ter em
mente a decisão de roubar um banco. Em ambos os casos, você terá mindfulness.
Dependendo da tarefa a que é aplicada, a mindfulness é correta ou incorreta. Do
ponto de vista de pôr fim ao sofrimento, você pode estar mantendo as coisas
corretas ou as coisas incorretas em mente.
Assim, enquanto estivermos praticando, devemos garantir que a nossa
mindfulness seja a Mindfulness Correta. Há dois pontos no Cânone onde o
Buddha define a Mindfulness Correta. A definição mais conhecida é em termos
dos quatro satipaṭṭhānas: os quatro estabelecimentos da mindfulness. Na
verdade, existem dois grandes discursos sobre o tema. Mas também é bom ter
em mente que existe outra definição da Mindfulness Correta que é muito mais
simples. É simplesmente manter em mente o fato de que você quer desenvolver
as qualidades hábeis do caminho e abandonar os seus opostos. Em outras
palavras, você mantém em mente o fato de que deve desenvolver a Perspectiva
Correta e abandonar a perspectiva incorreta, que deve desenvolver a Resolução
Correta e abandonar a resolução incorreta, e assim por diante. Significa que você
não está apenas observando qualquer coisa que venha à tona, sem preferências.
Você está mantendo em mente o fato de que há qualidades hábeis que você deve
desenvolver e qualidades inábeis que você deve abandonar.
Quando você mantém esse fato em mente e depois o aplica ao que estiver
fazendo, isso é a Mindfulness Correta combinada com o Esforço Correto. E é
importante manter este contexto em mente. Às vezes as pessoas interpretam os
ensinamentos sobre os estabelecimentos da mindfulness fora do seu contexto,
dizendo que o Esforço Correto e Concentração Correta são um tipo de prática,
ao passo que a Mindfulness Correta é algo totalmente diferente. Mas a
Mindfulness Correta na verdade conduz à Concentração Correta e baseia-se no
Esforço Correto, o esforço de desenvolver coisas hábeis, o desejo de desenvolver
as qualidades hábeis da mente e abandonar as qualidades inábeis. Você tem que
manter isso em mente. Para manter isso em mente de forma eficaz, você tem que
estabelecer a mindfulness a fim de criar um contexto que conduzirá à
53
Concentração Correta.
Então, enquanto estamos praticando a mindfulness, lembre-se do contexto.
Tentamos desenvolver uma compreensão mais hábil daquilo que é hábil na
mente e daquilo que não é, junto com o desejo de desenvolver o que é hábil e
abandonar o que é inábil. E mantemos isso em mente. A melhor maneira de
lembrar-se de alguma coisa é ter uma boa estrutura sólida ou uma boa base, um
bom quadro de referência. É aí que entram os estabelecimentos da mindfulness.
Às vezes você vê estes estabelecimentos listados simplesmente como corpo,
sensações, mente e qualidades mentais. Eles, por si mesmos, são quadros de
referência que você usa quando se estabelece a mindfulness. Porém, o verdadeiro
estabelecimento da mindfulness é muito mais do que isso, é um processo
complexo. Para começar, com o primeiro quadro de referência, você tenta
manter o foco no corpo em si, empenhado com ardor, vigilante e com
mindfulness, colocando de lado a ganância e a aflição em relação ao mundo: todo
esse processo é o primeiro estabelecimento da mindfulness que estamos
trabalhando aqui enquanto focamos na respiração. É um processo centrado no
corpo, e é bom entender cada aspecto desse processo.
Manter o foco é denominado anupassana. Você escolhe algo para observar e,
em seguida, você se fixa nisso; nesse caso, no corpo em si. Em outras palavras,
você não está olhando para o corpo como parte do mundo, ou em como ele
pode ser definido dentro do contexto do mundo: se é bonito ou feio, se é forte o
suficiente para desempenhar os trabalhos que você precisa realizar no mundo.
Você está simplesmente com o corpo em si mesmo, na condição que ele tem.
Com ardor, vigilância e mindfulness: o ardor é aquilo que conduz o
processo do Esforço Correto para a prática da Mindfulness Correta. Você
realmente deve fazer isso com habilidade, afinal você sabe muito bem o que
pode acontecer se não desenvolver essas habilidades. Vigilante significa que você
está vendo o que está fazendo, prestando bastante atenção ao que está fazendo e
aos resultados que está recebendo. E, claro, você está com a mindfulness,
lembrando-se de manter o foco no corpo.
Colocar de lado a ganância e a aflição em relação ao mundo: significa que,
em qualquer momento em que você quiser mudar o seu quadro de referência de
volta para mundo, você tenta lembrar-sede que não, você não quer nada do
mundo por enquanto. Você não permitirá que as questões do mundo o abalem.
Você ficará aqui com o seu quadro de referência original, ou seja, o corpo em si
mesmo e, em seguida, tentará levar esse quadro de referência a todas as suas
atividades. Em vez de pular para outros quadros de referência, você fica com
este, com o sentido do corpo. Tente manter o corpo em mente o tempo todo:
enquanto você estiver sentado aqui observando a respiração, assim como no
momento em que se levantar e for andar por aí. E esteja vigilante para ver como
54
a energia da respiração é sentida dentro e ao redor do corpo. Em relação a
qualquer outra coisa que possa surgir — um pensamento, uma sensação ou uma
interação com outra pessoa — tente ver como isso afeta o corpo, como isso afeta
a respiração.
É assim que você fortalece o seu quadro de referência e o transforma em um
objeto de concentração. Quando estiver falando com alguém, observe como seu
corpo está reagindo durante a conversa. Quando estiver trabalhando, observe
como seu corpo reage, como a respiração reage durante o trabalho. Sempre
remeta as coisas à respiração. Dessa forma, o quadro de referência torna-se
realmente estabelecido. E você começa a ter insights que não veria de outra
forma. Isso porque estabelecer o corpo aqui como seu quadro de referência
ajuda a manter a mente aqui para dentro, sem fluir para fora. Luang Puu Dune
disse uma vez que a mente fluindo para fora, para seus objetos, é sofrimento.
Então, para desaprender o hábito de fluir para fora e causar sofrimento, você
deve manter sua consciência centrada interiormente.
Naturalmente, o que vai acontecer é que sua consciência continuará fluindo
para fora, mas talvez depois de um tempo você seja capaz de vê-la fluir para fora
sem que você flua junto com ela. É como se um estado mental estivesse fluindo
para fora, enquanto o observador fica aqui com o corpo. Quando você não sai
com esse estado mental, ele para. Ele sai até um pedaço, vacila e morre.
Esse é um insight importante: a percepção de que você pode observar
estados da mente sem se emaranhar neles.
É aí que você pode começar a usar outros quadros de referência. Ajaan Lee
diz que, quando você fica com a respiração, você ali tem os quatro quadros de
referência. Você tem a respiração, que é um aspecto do corpo. Depois, há a
sensação associada com a respiração. Também há o estado mental que está
tentando manter a concentração. E depois existem as várias qualidades mentais,
que podem ser ou impedimentos que estão interferindo com a sua concentração
ou os fatores para o despertar que estão lhe ajudando no decorrer do caminho.
Você deve fazer uso de todos esses quatro quadros. Porém, o corpo é o básico.
Ficar com o corpo ajuda a observar a mente, as sensações e as qualidades mentais
sem ser sugado por elas.
É por isso que a meditação começa com a respiração. É por isso que, quando
Buddha deu instruções sobre como desenvolver a concentração de uma forma
que traga à fruição todos os quatro estabelecimentos da mindfulness, ele disse
para ficarmos com a respiração. Enquanto você fica com a respiração, você se
concentra na respiração de maneira que lide com sensações, que lide com a
mente, que lide com qualidades mentais, mas você nunca realmente deixa a
respiração. Em vez disso, você se treina para observar as coisas juntamente com
a respiração.
55
Assim, dentre os vários lugares em que você pode estabelecer a mindfulness,
a respiração é o mais importante, o mais crucial, aquele em que você realmente
deve trabalhar mais.
Há uma passagem nos textos onde o Buddha diz que você pode focar no
corpo tanto internamente ou externamente ou fazer ambos, focar internamente e
externamente. Isso se encaixa em uma sequência padrão que vemos muitas vezes
nos ensinamentos: que quando você olha para si mesmo, você também deve se
lembrar que é verdadeiro em relação ao funcionamento interno de sua mente, ou
do seu corpo, também será verdadeiro em relação ao corpo e à mente de todo
mundo. Isso ajuda a colocar as coisas em perspectiva. Quando você está tendo
problemas com seus impedimentos, lembre-se que você não é o único. Outras
pessoas têm problemas com os impedimentos também. Quando você tem dor no
corpo, lembre-se de que todas as pessoas têm dores no corpo também.
Isso segue a série de eventos da noite em que o Buddha atingiu o despertar.
Ele começou com o conhecimento sobre seu próprio passado, suas próprias
histórias. E se você acha que você está carregando um monte de histórias, pense
em alguém que poderia se lembrar muitos éons no passado, todas as histórias
que poderia ter carregado com ele. Mas ele não ficou carregando-as por aí. Ele
só as observou. Ele as observou e fez algumas perguntas: “Será que esta verdade,
a verdade do renascimento, aplica-se apenas a mim ou também a outras pessoas?
Qual é o princípio que determina como se vai de uma vida para a próxima”?
Então, na segunda vigília da noite, ele inclinou sua mente para a morte e o
renascimento de todos os seres, vendo as pessoas morrendo e renascendo em
todos os vários níveis do cosmos. E, vendo esse quadro abrangente desta forma,
ele viu um padrão de eventos maior: que a natureza de suas ações é o que
determina onde você renasce. Ações hábeis realizadas sob a influência da
Perspectiva Correta levam a um bom renascimento. Ações inábeis realizadas sob
a influência de visões errôneas levam a um mau renascimento. Esse é o princípio
geral.
Observe que o Buddha começou consigo mesmo, em seguida focou-se nos
outros seres antes de finalmente chegar ao terceiro insight, que foi conquistado
ao focar diretamente no momento presente em si. Olhar através de uma
perspectiva abrangente antes de focar no presente pode parecer um desvio, mas é
necessário para colocar as coisas em perspectiva. Caso contrário, enquanto você
estiver aqui sentado meditando e enfrentando seus problemas, parecerá que você
é a única pessoa sentada aqui com dor ou distração. Ajuda lembrar que todo
mundo passa por isso. Não importa o quão ruim a dor, houve pessoas que se
sentaram com dores piores e ainda assim conseguiram superá-las. Não importa o
quão obsessiva seja a distração, houve pessoas que se desembaraçaram de
distrações ainda piores. Então, essas contemplações — do seu corpo e dos
56
corpos das outras pessoas, da sua mente e das mentes das outras pessoas —
parecem ser planejadas a fim de colocar as coisas em perspectiva, como uma
ajuda para colocar de lado a ganância e a aflição em relação ao mundo.
Tudo isso tem o propósito de colocar a mente em uma posição onde ela
esteja pronta para se acalmar. A mindfulness e a vigilância protegem a mente e
proporcionam uma boa base. A qualidade do ardor/empenho é o que ajuda a
torná-la mais habilidosa. E quando você refletir sobre a universalidade do
sofrimento, essa reflexão lhe dará a motivação certa para a prática. Todas essas
qualidades em conjunto o deixarão pronto para se acalmar e ficar realmente
firme com a respiração.
É disso do que se trata a Mindfulness Correta. Não é simplesmente uma
questão de observar o que surge e desaparece e apenas deixá-lo surgir e
desaparecer. Mindfulness não é tanto uma questão de permitir, mas mais ainda
guiar a mente em uma direção hábil, para a Concentração Correta. Portanto,
quando você estiver observando as coisas surgindo e desaparecendo no corpo ou
na mente, não é apenas uma questão de ser um observador passivo ou de se ter
“presença mental” ou de “estar no presente”. Há um propósito para sua atenção,
por isso ela não é uma atenção “desprovida de qualidades”, “nua e crua” ou
“plena”. Você deve observar essas coisas para compreendê-las. Você deve
entendê-las para que possa obter algum domínio sobre elas, de modo que você
possa direcionar os estados mentais e as questões que surjam no corpo na
direção da Concentração Correta.
A plena atenção é, na verdade, a equanimidade. Para se obter os melhores
resultados com a prática, deve-se usar o discernimento juntamente com a
equanimidade para poder julgar quando devemos ser equânimes ou quando
devemos ser mais proativos, ou seja, discernir quando o uso da equanimidade é
hábil ou quando é inábil. Por exemplo, se há dores no corpo, o que você pode
fazer e como você pode se relacionar com as dores para que elas não acabem
com a sua concentração? Como você pode respirar de uma forma que ajude a
propagação do prazer por todo o corpo? Quais atitudes você pode desenvolver
em relação ao que está acontecendo no corpo e na mente para lhe ajudar a
atravessar momentos difíceis da prática? Estas são as coisas que você deve
manter em mente.
Assim, a Mindfulness Correta não é apenas uma questão de ter o lugar certo
onde focar a sua atenção; é também uma questão de ter a atitude certa,
lembrando qual é a atitude correta: a atitude que vem do Esforço Correto — ter
o desejo de fazer as coisas com habilidade e abrir mão de hábitos inábeis.
Quando essa atitude está no comando, a sua mindfulness se torna a Mindfulness
Correta, o tipo de mindfulness que une todos os elementos do caminho.
57
O Segundo Quadro de Referência
21 de setembro de 2009
Enquanto você está aqui sentado com essa aglomeração de sensações,
existem muitos outros tipos de sensações em que você pode focar. Há dores em
algumas partes do seu corpo, sensações agradáveis em outras partes e ainda
sensações neutras indefinidas em outros lugares. Não é que você tenha apenas
uma sensação em um dado momento. Não é o caso de que não exista nada além
de dor. Como Ajaan Lee disse uma vez, se seu corpo estivesse totalmente
envolvido em dor sem absolutamente nenhum prazer, você morreria. Você está
vivo, então existe prazer em algum lugar. Persista na investigação. Procure pelo
prazer.
No início, pode não parecer tão impressionante, mas já existem sensações
agradáveis em diferentes partes do corpo. A mente tem uma tendência de focarse nas dores porque é para isso que serve nosso sistema de alerta precoce: para
descobrir onde há dor e para fazer algo a respeito. Mas você pode cortar essa
chave e focar onde está o prazer.
É como aquele antigo livro, Desenhando com o Lado Direito do Cérebro,
onde o autor ensina a não desenhar o olho, o nariz, a boca, ou outras
características reconhecíveis do rosto que você esteja tentando desenhar. Em vez
disso, você se concentra em desenhar o espaço, digamos, entre o olho e o nariz,
o espaço entre o nariz e a boca. O desenho acaba tendo uma semelhança muito
maior, porque você está focando-se nas coisas em que
normalmente não foca.
O mesmo ocorre com os prazeres e as dores do corpo. Em vez de reclamar
sobre os locais onde existe rigidez, dor ou uma sensação de bloqueio no corpo,
foque nas áreas onde as coisas estão indo bem. Novamente, Ajaan Lee: ele diz
que é como entrar em uma casa onde você sabe que algumas das tábuas estão
podres, então você não pisa nelas. Você pisa onde as tábuas estão seguras, firmes.
Ou quando você está comendo uma manga, você não come as partes podres.
Você come as partes que estão boas. E você as aproveita da melhor forma
possível. Isso significa que você foca no prazer de uma forma que ajude a mantêlo e que permita que ele cresça. Quando se sentir agradável, você pode espalhálho por todo o corpo. Como diz o Buddha, você tenta preencher o corpo com a
sensação de prazer, com uma sensação de completude que cresce à medida que
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você foca na respiração.
Tudo isso faz parte do segundo quadro de referência: as sensações por si
mesmas como seu quadro de referência. Se você ler sobre o tema no
Mahasatipatthana Sutta, é possível entendê-lo como simplesmente uma
instrução para ficar com qualquer sensação que surja, simplesmente porque
existe uma lista dos diferentes tipos de sensações em que você poderia focar:
sensações agradáveis, sensações dolorosas e sensações neutras; prazer da carne,
— ou seja, prazeres físicos ou mentais, relativos à sensualidade; prazer nãocarnal — relacionado à prática de concentração; — dor da carne, dor não-carnal
e assim por diante. A forma como essas coisas estão simplesmente listadas dão a
impressão de que você somente observa essas sensações conforme elas surgem e
desaparecem, sem se envolver com elas, sem tentar estimular sensações hábeis ou
abandonar aquelas inábeis.
Mas se você ler o Mahasatipatthana Sutta no contexto certo, você perceberá
que o Buddha não está dizendo que você deva focar em algo
indiscriminadamente. Há um sutta onde ele pergunta: “Como você desenvolve
os quatro estabelecimentos da mindfulness? Você os desenvolve, desenvolvendo
o nobre caminho óctuplo”. Isso inclui tudo, desde a Perspectiva Correta até o
Esforço Correto e a Concentração Correta. A Mindfulness Correta baseia-se em
Esforço Correto e é uma continuação natural dele; a mindfulness leva em direção
à Concentração Correta. O próprio Mahasatipatthana Sutta fala sobre o ardor
como uma das qualidades que você traz a esta prática. O sutta em si não explica
o ardor — e essa é uma das razões por que ele não é um tratamento abrangente
na prática da mindfulness, mas outras passagens no Cânone mostram que o
ardor significa Esforço Correto, gerando o desejo de fazer o que é hábil e
abandonar o que é inábil. Portanto, nesse contexto, algumas maneiras de focar
no prazer são inábeis e algumas outras são hábeis.
Em alguns outros suttas onde o Buddha discute sensações, ele recomenda
explicitamente formas de responder a diferentes tipos de sensações. Por
exemplo, com sensações físicas: quando surgem os prazeres da carne, fique
atento à tendência de ficar obcecado com a paixão que existe por eles. Quando
surgem as dores da carne, fique atento a tendência de ficar obcecado com a
irritação que existe em relação a elas. Se você estiver tentando encontrar uma boa
base para uma felicidade interna firme, você deve desenvolver os prazeres nãocarnais, ou seja, o prazer que vem da concentração.
Então, aprenda a ganhar algum controle sobre as sensações. Agora, isso
pode soar estranho. Como você pode controlar suas sensações? Às vezes temos
uma noção de que nossas sensações são quem realmente somos e que são algo
pré-condicionado. Mas essa não é a forma como o Buddha as explica. Ele diz
que em cada sensação há um elemento de fabricação, ou seja, um elemento de
59
intenção. Isso se aplica tanto às sensações físicas quanto às sensações mentais.
Convêm aprender a ver onde está esse elemento de intenção e como se envolver
com ele de forma hábil.
Ele diz que, para termos uma sensação, fabricamos essas sensações. Pegamos
um potencial para uma sensação e, por meio de nossa intenção de ter uma
sensação, a transformamos em uma experiência real de sensação. Você pode não
pensar que gostaríamos de fabricar a dor, mas não somos hábeis em nossas
fabricações, e esse é o resultado final que às vezes obtemos. Queremos sensações
de prazer, mas muitas vezes acabamos criando dor. Porém, existem certas
precondições: existem doenças em seu corpo e dores que vêm do seu karma
antigo: você não pode fazer muito a respeito. Mas, como diz Ajaan Lee, não é
que seu corpo esteja totalmente dolorido. Você tem a opção: onde você quer
focar a sua atenção? O que você quer maximizar? Você quer maximizar a dor ou
maximizar o prazer?
O que estamos fazendo enquanto estamos sentados aqui meditando é
aprender a desenvolver as habilidades para maximizar os tipos hábeis de prazer,
as formas hábeis de abordar o prazer. Existem ainda formas hábeis de aflição. O
Buddha fala sobre a dor da vida doméstica e a dor da renúncia. Aflição da vida
domestica é quando você não está recebendo as sensações físicas que deseja: você
não vê os campos visuais que gostaria de ver ou não ouve os sons que gostaria de
ouvir, não sente os cheiros, não saboreia os gostos, não obtém o contato físico
que você gostaria de sentir. Então você fica chateado. Para a grande maioria, a
forma de lidar com esse tipo de sofrimento é tentar encontrar as coisas que
queremos, ou seja, substituir a dor da vida doméstica pela alegria da vida
doméstica. Isso acontece quando você obtém os campos visuais, sons, cheiro,
sabores, sensações tácteis e ideias de que gosta.
Mas o Buddha diz que o melhor percurso é abandonar a dor da vida
doméstica depositando sua confiança na dor da renúncia. A dor renunciante é
quando você pensa sobre o fato de que ainda não atingiu o despertar. Você
realmente gostaria de atingir a paz, a felicidade e a liberdade que vêm com o
despertar, e, esse fato o incomoda. Esse tipo de dor realmente leva a algum lugar.
É como a tensão que se cria quando se puxa para trás o arco para atirar uma
flecha. É isso que permite que a flecha voe. Esse tipo de dor lhe foca no que você
realmente gostaria de fazer e o foca no fato de que existe um caminho para o
despertar.
Então, ao invés de apenas perder tempo com a tristeza e a alegria que vêm de
perder e depois ganhar, perder e depois ganhar e então perder novamente os
prazeres dos sentidos, você foca no desenvolvimento dos elementos do caminho.
E note: o Buddha diz para abandonar a dor da vida doméstica e depositar sua
confiança na dor renunciante. E então ele continua a dizer: abandone a dor
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renunciante para passar a depender da alegria renunciante, que ocorre quando
você finalmente alcança um pouco dessa liberdade, um pouco dessa felicidade e
um pouco dessa paz por meio da prática.
Mas como você abandona uma sensação? Quando o Buddha fala sobre
abandonar ou abrir mão, não é que sua mente tenha uma mão que esteja
segurando as coisas. Você está envolvido em atividades habituais, maneiras
habituais de reagir, maneiras habituais de pensar, modos habituais de respirar,
maneiras habituais de perceber as coisas, maneiras habituais de formar sensações.
E, enquanto você continuar a repetir esses ciclos habituais, você estará agarrado
a essas atividades. Abrir mão significa parar. Você percebe que esses hábitos
antigos não estão lhe dando aquilo que você deseja, então você simplesmente
para. Ou você aprende a parar. Nem sempre é automático, mas esse é o seu
objetivo: aprender a ver onde a sua maneira habitual de fabricar sua experiência
está causando stress e dor, percebendo que você pode desenvolver algumas
habilidades alternativas que não produzem essa dor e, em seguida, focar-se mais
e mais nessas habilidades. Como disse anteriormente, há um elemento de
fabricação, um elemento de intenção em todas as nossas sensações, e é nisso que
você deve focar.
Existe a fabricação corporal, a maneira como você respira; a fabricação
verbal, a forma como você direciona seus pensamentos para um tópico, como
por exemplo uma sensação, e, em seguida, avalia essa sensação: é uma sensação
potencialmente hábil? Talvez não? O que você fará com ela? Depois há a
fabricação mental, que consiste nas próprias sensações mais as percepções que
você mantém em mente. Essas são todas as coisas que você pode aprender a
manipular, aprender a moldar. Você tem as matérias-primas. Às vezes, as
matérias-primas são um pouco recalcitrantes, mas há coisas que você pode fazer
com elas.
Assim, mesmo que exista dor ou fraqueza no corpo, você não tem que ficar
obcecado com essa dor ou essa fraqueza. Você foca em seus pontos fortes; você
pode focar onde seus prazeres se encontram. Foque em diferentes maneiras de
respirar: que tipo de respiração que lhe dá mais força? Que tipo de respiração
lhe dá mais prazer? Experimente. Aprenda sobre essas coisas. Quais maneiras de
pensar sobre a respiração e avaliar a respiração lhe dão mais prazer? Qual a
percepção da respiração que lhe dá mais prazer, mais força? Tudo isso são coisas
que você pode manipular, com que você pode brincar. Basta saber que você não
é apenas uma vítima azarada de suas dores e isso lhe ajudará a ficar no rumo
certo.
Às vezes, uma percepção útil é ver a dor como algo se afastando de você.
Pense em estar sentado na parte de trás de uma daquelas vans ou kombi antigas,
onde os assentos traseiros estão voltados para trás. Você está sentado lá olhando
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a estrada recuando para longe de você, enquanto você está, na verdade, indo na
direção atrás das suas costas. Assim, quando a dor vem, não é que ela vem, na
verdade, ao seu encontro. A dor está indo, indo, indo, indo, indo embora. Você
está observando enquanto ela vai, vai, vai, vai embora. Outra dor pode vir a
substituí-la, mas é apenas outra dor que você observará indo, indo, indo.
Mantenha essa percepção em mente, de que você não está em posição de receber
muitas dessas coisas, e será muito mais fácil lidar com a dor, porque você vê que
cada momento de dor se vai, se vai, se vai, se vai, se vai. Enquanto você focar
nisso, você se sentirá menos como uma vítima, um alvo; você terá mais uma
sensação de estar no comando das suas escolhas.
Participei de um experimento de psicologia anos atrás, quando estava na
faculdade. Eles tinham computadores que geravam números aleatórios e, se o
seu número aparecesse para um experimento específico, você tinha que
participar. Era como se todos os alunos fossem uma espécie de cobaia para o
Departamento de Psicologia da faculdade. Durante meus quatro anos de
estudante na faculdade, meu nome apareceu apenas uma vez. Mas depois,
quando voltei da Tailândia após ter passado um tempo lá, a organização que me
enviou me deu mais um ano de bolsa de estudos aqui nos Estados Unidos. No
decorrer daquele ano, fui selecionado para experimentos duas vezes. Ambos os
experimentos foram relacionadas com a meditação, o que foi útil, porque eu já
estava meditando.
O experimento foi o seguinte: o voluntário colocaria sua mão em um balde
de água gelada cheio de gelo. Em seguida, lhe diriam para imaginar que o frio em
sua mão, neste caso, minha mão direita, poderia de alguma forma ser conduzido
para o lado esquerdo, e, o calor na mão esquerda poderia ser conduzido de volta
para a mão direita. Eles diriam: “Basta visualizar isso acontecendo, e, em
seguida, ver por quanto tempo você consegue manter a sua mão no balde”. Isso
é o que me foi dito. Então eu sentei lá com a minha mão no balde por cinco
minutos. O experimentador finalmente disse: “Tudo bem, você já pode parar.
Você já está quebrando o recorde”.
Havia três grupos, e felizmente, eu estava no grupo onde foram oferecidas
instruções de ajuda para lidar com a dor. Eles disseram para o primeiro grupo:
“Ponha sua mão na água gelada e a tire assim ficar desagradável, assim que você
não puder suportar por mais tempo”. Para o segundo grupo foi dito: “Coloque
sua mão no balde e tente mantê-la lá o máximo que você puder”. O terceiro
grupo recebeu a instrução que eu recebi. Eles me deram algo para fazer com a
dor, usando uma percepção, usando a respiração e uma noção da energia da
respiração. Eles não explicaram dessa forma, mas é assim que funcionava. E dito
e feito, as pessoas no terceiro grupo conseguiram manter suas mãos na água
gelada por muito mais tempo do que os outros dois grupos.
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Então, basta ter essa percepção de que você desempenha uma função sobre
quanta dor existirá e quanto sofrimento haverá: isso lhe dará a confiança
necessária para enfrentar muitas dores que, do caso contrário, você não poderia
suportar.
É disso que se trata a mindfulness baseada em sensações: aprender a ver o
elemento intencional na sensação em que você está focando e aprender a mudar
o elemento intencional para que você não sofra tanto, de modo que você possa
abandonar formas inábeis de lidar com as sensações e substituí-las por outras
mais hábeis. Em vez de ficar alternando entre a dor da vida doméstica e alegria
da vida doméstica, ou aflição de dono (a) de casa e alegria de dono (a) de casa,
você passa para a dor renunciante que, como eu disse, é como puxar para trás o
arco que atira a flecha em direção à alegria renunciante. E é o que lhe permite
dar origem não só ao prazer físico, mas também ao prazer mental, a
tranquilidade mental. Mesmo quando houver dores que você não possa mudar,
você ainda poderá ter uma sensação de prazer mental em volta dessas dores.
Quando falamos do segundo quadro de referência, ou seja, das sensações por si
mesmas, é disso que estamos falando.
Então, sempre tenha em mente o fato de que você tem algum controle sobre
tudo isso, que lhe convém encontrar onde está esse controle e que lhe convêm
maximizá-lo para objetivos que sejam hábeis. É assim que trazemos o ardor para
a prática da mindfulness.
E é assim que a mindfulness faz parte do caminho, porque a mindfulness não
é apenas uma questão de trazer a atenção “desprovida de qualidades”, “nua e
crua” ou “plena” para as coisas. É uma questão de manter algo em mente. Nesse
caso, você está mantendo em mente o fato de que há um elemento intencional
em suas sensações e você pode fazer algo a respeito. Você não deve esquecer-se
disso. Você tem que manter isso em mente o tempo todo, ter mindfulness sobre
esse assunto. Quando você combina isso com o ardor e a vigilância, você fica
mais e mais próximo ao ponto onde desenvolverá a alegria renunciante, vendo os
resultados de sua prática, vendo que o Buddha realmente sabia do que estava
falando: que podemos encontrar uma paz, uma liberdade e uma felicidade que
são sem-morte. Essas coisas não são apenas coisas escritas nos livros ou palavras
ditas em palestras de Dhamma. Essas são coisas que você realmente pode
encontrar interiormente.
63
O Terceiro Quadro de Referência
15 de outubro de 2009
Uma das habilidades importantes que temos que aprender a desenvolver
como meditadores é como ler a nossa própria mente. Isso entra no terceiro
quadro de referência, ficar de olho na mente em si mesma. Ficar de olho aqui
não significa somente observar a mente, mas também descobrir o que ela precisa.
Essa é a parte que tende a ficar de fora.
Em outras palavras, quando a mente sente um desejo por algo, quando sente
raiva de alguma coisa, quando está deludida sobre as coisas, quando está
contraída, você não simplesmente a deixa como está. Você se pergunta: “O que é
que está faltando”? Isso vem da explicação do Buddha sobre meditação focada
na respiração. Como você sabe, essas instruções vêm em dezesseis etapas
divididas em quatro tétrades, ou conjuntos de quatro. A terceira tétrade (que
corresponde ao terceiro quadro de referência, a mente em si mesma), começa
dizendo para você estar sensível à mente enquanto inspira e expira. Então, você
se treina para alegrar a mente, para equilibrar e para libertar a mente, enquanto
inspira e expira. Esse é o lado ativo. É o que você faz em resposta à observação
da mente e após ver o que está lá.
É possível trabalhar com a mente de muitas maneiras diferentes. Uma delas é
trabalhar por meio do corpo. Quando a mente está cansada, ela precisa ser
energizada. É aqui que a respiração é muito útil. Que maneira de respirar é
energizante? O que causa uma sensação realmente satisfatória enquanto a
respiração entra, enquanto a respiração sai, curando o corpo e, por meio do
corpo, curando a mente? Essa é uma habilidade importante. Ela requer que você
aprenda a ler a respiração e observar como ela tem um efeito sobre a mente.
Isso retoma um pouco o segundo quadro de referência, no qual você está
ciente do processo de fabricação mental. Entre as fabricações mentais estão as
sensações e as percepções. Isto aponta para o fato de que a sensação pode ter um
impacto sobre a mente. Se você puder produzir uma sensação de prazer, uma
sensação de bem-estar, uma sensação de completude corporal, isso tudo pode ter
um efeito calmante ou energizante na mente.
Há tópicos ou percepções que também energizam e alegram em que você
pode pensar, de maneira que também energizam e alegram, diz o Buddha. Você
pode pensar nas ocasiões em que você foi generoso e virtuoso. Quando você
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relembra uma ocasião em que foi generoso por livre e espontânea vontade, isso
alegrará a mente. Isso trará uma sensação muito agradável e substancial. Por isso
que é tão importante que a generosidade não seja forçada. Eu estava lendo um
tempo atrás um monge, dizendo que, para o budismo ser uma boa religião
mundial, ele deveria começar a ter algumas boas instituições mundiais de
caridade. Ele estava criticando pessoas que meditam, dizendo que elas são
egoístas e preocupadas consigo mesmas. Há uma noção muito forte de
“obrigação” nessa declaração.
É interessante que o Buddha nunca forçou que as pessoas dissessem “você
deve fazer isso” em relação à generosidade. O Rei Pasenadi uma vez veio até o
Buddha e perguntou-lhe: “Onde um presente deve ser dado”? E o Buddha
respondeu: “Onde quer que você se sinta inspirado”. Ele, na verdade, elaborou
uma regra para os monges: se alguém lhes perguntasse onde um presente deve
ser dado, eles não poderiam dizer, por exemplo: “Dê para mim”. Eles não
poderiam dizer: “Dê a essa pessoa”. Eles não poderiam dizer: “Dê a esta
instituição de caridade”. O que eles estavam autorizados a dizer é: “Dê onde
quer que você se sinta inspirado, ou então, onde você sinta que seu presente seria
bem utilizado ou, por fim, onde ele poderia durar um longo tempo”. O objetivo
de tudo isso é proteger o ato da generosidade, de modo que ele seja um ato que
nutra aquele que o realize. Não é sendo coagido por um sentimento de
obrigação que você se sentirá bem ao ser generoso. Você se sentirá bem ao ser
generoso quando você der de sua própria vontade. Quando precisamos levantar
o astral da mente, esse é o tipo de ato de generosidade que permite olhar para
trás e dizer: “Ah, sim, por minha própria vontade, eu fiz isso”. E isso é
energizante.
O mesmo ocorre com os preceitos. O Buddha fala sobre os preceitos como
um presente, algo que você dá a todos. É por isso que os preceitos têm que ser
regras sem exceções. Você decide que você não matará ninguém, nada, sob
nenhuma circunstância. Você não roubará nada de ninguém. Você não se
envolverá em relações sexuais ilícitas com ninguém. Você não mentirá para
ninguém. Você não usará substâncias tóxicas, de nenhum tipo. Quando você se
atém a essa determinação ilimitada, o Buddha diz que você está dando segurança
ilimitada a todos os seres. Quando você dá segurança ilimitada a todos os seres,
você terá uma parte dessa segurança ilimitada para você mesmo. E a reflexão de
que você não está prejudicando ninguém em suas ações é algo que nutre.
Levanta o astral da mente.
Então, essas são algumas das ferramentas que são úteis para alegrar a mente,
satisfazer a mente ou levantar o astral da mente quando você sente que ela
necessita de algo que lhe dê nutrimento.
Outro passo na meditação da respiração é equilibrar a mente. Isto serve para
65
quando a mente está realmente viajando por toda a parte. O que pode trazê-la
para o presente? O que pode dar a ela um lastro para ficar aqui? Novamente, a
maneira em que você respira pode fazer isso. Se você encontrar uma sensação de
completude na respiração, tente maximizar isso. Como você pode respirar de
forma a manter uma sensação de completude durante toda a inspiração e toda a
expiração? Às vezes, há uma tendência forçar a saída do ar, e com isso você tem
que sugá-lo de volta, o que acaba com o sentido de completude. Ao invés disso,
que tal manter uma sensação de completude durante toda a inspiração, toda a
expiração e entre elas também? Se você tiver alguma sensação de aperto,
simplesmente pare. Veja por quanto tempo você consegue manter essa sensação
de completude. E isso se torna algo bastante fascinante.
Porém, se a mente não puder resistir e acabar escapulindo para pensar sobre
isso ou aquilo, se ela está sempre dando uma desculpa para pensar sobre as
coisas, você pode dizer a si mesmo: “E se eu morrer hoje à noite”? E, com isso,
você percebe que todos esses planos, todas essas coisas que com você se
preocupa, não teriam nenhum sentido. Então, por que se preocupar com eles?
Ou, mesmo se você não morrer esta noite, chegará um momento em que essas
coisas não significarão mais nada. Imagine-se já morto e olhando para trás, para
esta vida, e ponderando: “Estou feliz pelo fato de que me preocupei com x por
duas horas naquela noite, quando eu poderia estar meditando”? Pensar assim o
ajudará a ter uma sensação de distanciamento dos pensamentos que o
perturbam.
Uma das alunas de Ajaan Fuang (uma mulher idosa que começou a meditar
no final da vida, mas que foi uma meditadora dedicada), uma vez me disse que
ela estava sentada em meditação uma noite e veio uma voz em sua cabeça
dizendo: “Você morrerá esta noite”. Ela teve a presença de espírito de dizer:
“Bem, se eu tenho que morrer, então que eu morra meditando”. Então, ela se
sentou com a sensação de que seu corpo estava caindo aos pedaços, que todos os
diferentes processos estavam operando com objetivos opostos. Ela procurou
encontrar onde poderia haver uma sensação de conforto na respiração, mas não
havia lugar na respiração, não havia nenhum lugar em nenhuma parte do corpo
onde ela poderia ter uma sensação de prazer. Ela disse que era como uma casa
pegando fogo: não havia lugar onde se pudesse ficar.
Mas então ela pensou no elemento do espaço. O espaço não é afetado pela
turbulência dos outros elementos. Então, ela focou em apenas pensar espaço,
espaço, espaço e desenvolveu uma noção de espaço. Uma maneira de fazer isso é
pensar sobre os átomos em seu corpo. Os átomos têm muito espaço entre eles.
Então, foque nesse espaço e pense nele se espalhando pelo corpo inteiro e além
do corpo. Ela manteve essa percepção. Então, mais tarde, ela saiu dessa
percepção e descobriu que tudo no seu corpo estava de volta ao normal. Ela não
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morreu. Mas ela aprendeu algo importante: quando as coisas ficam muito ruins,
você pode ir para a noção de espaço e ficar lá com uma sensação de
equanimidade e prazer.
Então, quando você observar a mente pulando como pipoca, ou até mesmo
quando a conexão com o objeto de meditação estiver frouxa, pergunte a si
mesmo: “O que é necessário aqui? Como você pode conectar-se ao objeto de
meditação para que tudo esteja bem ajustado e seguro”? Mais uma vez, isto
requer não apenas ler sua mente, mas também descobrir o que você pode fazer
para trazê-la de volta ao equilíbrio.
Isso também está ligado à terceira técnica que o Buddha recomenda, libertar
a mente. “Libertar” aqui tem muitos significados. Pode significar libertar a
mente das qualidades inábeis para que você possa trazê-la para a concentração
básica. Em outras palavras, você liberta-a dos impedimentos, de qualquer
preocupação ou perturbação que ela possa ter. E, ao entrar em concentração,
como você pode libertá-la dos níveis mais grosseiros da concentração e levá-la
aos níveis mais refinados?
É aqui que você começa a ganhar habilidade no uso do discernimento na
meditação, para sentir “onde há algum stress desnecessário no estado mental que
eu tenho aqui? O que posso fazer para me desprender do que está causando o
stress”? Se a mente estiver cheia de corrupções, cheia de impedimentos, você
pode usar a contemplação da morte para trazer as coisas de volta ao foco. Ou
pode usar qualquer que seja a técnica que você tenha encontrado para combater
o desejo sensual, a hostilidade e todos os outros impedimentos: é uma maneira
de libertá-la.
Ou quando você está sentado aqui contemplando a respiração, avaliando a
respiração, chega um ponto em que, como diz Ajaan Fuang, é como colocar
água em uma jarra: chega um ponto em que a jarra está cheia, e por mais que
você continue colocando água, ela não tem como ficar mais cheia. Em outras
palavras, quando você percebe que avaliou a respiração, que a tornou agradável e
confortável, chega um ponto em que ela não ficará mais confortável do que está.
Há uma sensação de completude, de estar cheio, uma sensação de prazer, que
não ficará melhor se você continuar avaliando. Então você se permite entrar
nessa sensação de completude para se tornar um com a respiração. Você não tem
que avaliá-la, de forma alguma. Basta ficar com a sensação da respiração como
ela estiver. Assim que você abandonar o pensamento e a avaliação, você fica
muito mais confortável com a respiração, fica um com a respiração. Assim, ao
libertar a mente, você também está tornando-a mais firme.
Ainda haverá uma sensação de arrebatamento, mas depois de um tempo o
arrebatamento se torna cansativo. Então, você tenta se concentrar em um nível
mais refinado da energia da respiração para ir além do arrebatamento. Mas não
67
tenha muita pressa de se livrar do arrebatamento. Afinal, existe uma finalidade,
que é a de energizá-lo, nutri-lo quando você precisar. Mas quando começar a
ficar cansativo, está na hora de focar em um nível mais refinado da respiração, de
modo que você não esteja mais envolvido no arrebatamento. Esse é outro nível
de libertação.
Então, quando você conectar todas as diferentes correntes de energia da
respiração no corpo de modo que uma alimente a outra, uma nutra a outra, você
finalmente alcançará o ponto onde realmente não precisa de nenhum tipo de
respiração, inspirar ou expirar. Esse é outro nível de libertação.
Ao fazer isso, o Buddha diz que você está desenvolvendo o terceiro
estabelecimento da mindfulness baseada no terceiro quadro de referência.
Portanto, não é apenas uma questão de notar qualquer coisa que esteja na
mente ou de permanecer com aquilo. Você se treina para descobrir: “Do que a
mente precisa? Como posso trazê-la para um melhor equilíbrio? Como posso
ajudar no que ela precisa”? Afinal, o Buddha disse que o estabelecimento da
mindfulness é desenvolvido por meio do desenvolvimento do caminho nobre,
que inclui todos os elementos do caminho: da Perspectiva Correta até a
Concentração Correta.
Portanto, não se trata apenas de assistir passivamente observar ou ter uma
consciência nua e crua, uma consciência não-reativa. Você está tentando
desenvolver cada elemento do caminho e, ao fazê-lo, sua mindfulness se torna
mais forte. Afinal de contas, você usa a mindfulness para estar ciente de quê?
Você usa a mindfulness para estar ciente do corpo por si mesmo, sensações,
estados mentais, qualidades mentais por si mesmas, mas você também está ciente
das tarefas que fazem parte do caminho, em particular o caminho de abandonar
tudo aquilo que seja inábil e desenvolver tudo o que seja hábil. Você também
mantém isso em mente.
Isto significa aprender a tirar proveito de qualquer ferramenta que você
tenha como meditador. Você tem que ter muitas ferramentas. Se você fosse um
carpinteiro e tivesse apenas um martelo, você nunca teria êxito em construir
nada. Se fosse um cozinheiro que soubesse apenas fritar, mas não soubesse
ferver, assar, não soubesse cozinhar usando qualquer uma das outras técnicas,
você seria um cozinheiro muito limitado. E o mesmo serve para um meditador:
você tem que ter muitas técnicas, muitas abordagens para lidar com a mente,
porque a mente tem muitas, muitas condições, muitos sintomas. Você obtém a
libertação dessas coisas não por apenas se sentar lá e assisti-las, mas por
desenvolver os fatores do caminho, incluindo a Concentração Correta,
aprendendo a ler sua mente e, em seguida, fornecer o que lhe falta.
Então, lembre-se de que há muitas habilidades que você pode desenvolver. E
68
quando você as desenvolver, não se esqueça delas. O fato de ter atingido certo
nível de concentração não quer dizer que você nunca voltará aos níveis iniciais.
Se, quando aprender como trazer a mente à equanimidade você ficar apenas com
a equanimidade, estará perdendo muitas coisas de que precisa. As coisas
começam a se esgotar. A mente pode ficar esgotada; o corpo pode ficar
malnutrido em termos de energia da respiração. Então, você volta e pega um
pouco de arrebatamento, um pouco de tranquilidade, um pouco de prazer para
se incentivar.
A mesma senhora, na primeira vez em que a conheci, veio para o Wat
Dhammasatit na primeira vez que me ordenei monge. Uma noite, enquanto ela
estava sentada ali meditando com o grupo, Ajaan Fuang (que muitas vezes falava
com os meditadores enquanto eles estavam meditando), disse: “Ei, você está
focando muito tempo na respiração fresca e sutil. Se você fizer isso o tempo
todo, não será bom para você”. Até então, ela estava feliz porque era capaz de
chegar a esse nível sutil de respiração, mas ele disse: “Olha, às vezes você precisa
voltar um pouco e dar ao corpo uma respiração mais forte, porque o corpo
precisa disso. Ele precisa ser nutrido de maneiras diferentes em momentos
diferentes”. Essa é uma parte importante do uso do discernimento na sua
meditação: não simplesmente permanecer naquilo que você considere o estágio
mais alto que você pode alcançar, mas perceber que as diferentes fases têm suas
utilidades, que os níveis diferentes de concentração têm suas utilidades.
Portanto, tenha em mente o fato de que você tem uma caixa de ferramentas
completa. Tente não se esquecer de suas ferramentas quando precisar delas.
69
O Quarto Quadro de Referência
29 de Março de 2009
Ajaan Lee muitas vezes afirmou que, quando você está focado na respiração,
você não tem apenas o primeiro quadro de referência. Você tem ali os quatro
quadros. A respiração é o corpo por si mesmo. Esse é o primeiro quadro de
referência. As sensações de prazer e dor que você encontra ao prestar atenção na
respiração são consideradas sensações por si mesmas. Esse é o segundo. Quanto
ao estado mental que você está tentando desenvolver, você percebe se ele está
corrompido ou não. Ou, quando você for ainda mais além nesse terceiro quadro
de referência, você começa a perceber quando a mente está concentrada e
quando não está; quando está expandida e ampliada ou quando não está; se está
liberta ou não e se ela já obteve algum sucesso, ou seja, se já teve bons resultados
no passado ou não.
E depois há o quarto quadro de referência, os dhammas. Frequentemente
não sabemos como usar ou como manusear esse quarto quadro de referência,
porque ele parece ser apenas uma lista de ensinamentos de Dhamma. Mas é
muito mais do que isso. É uma lista de contextos diferentes para ter em mente
para lidar com problemas que surgem no decorrer da sua prática. Você pode
olhar para as coisas em termos dos cinco impedimentos, dos cinco agregados,
dos seis meios dos sentidos, dos sete fatores para o despertar ou das quatro
nobres verdades. Cada lista fornece um contexto útil para olhar para o que está
realmente acontecendo em diferentes aspectos da prática. E não apenas olhar:
eles também lhe dão orientação sobre o que fazer. Não se trata de exercícios de
não-julgamento ou plena consciência, porque cada membro da lista carrega um
dever específico. Uma vez que você descobrir o que está acontecendo em termos
de um contexto em particular, saberá como agir. Você sabe o que fazer de uma
forma proativa.
Por exemplo, enquanto estamos vivendo no dia-dia, uma das principais
questões na prática é a contenção dos sentidos. Nessa área, a estrutura dos seis
meios dos sentidos é uma boa opção. Como disse o Buddha, neste contexto,
quando você olhar, tente observar: onde está o grilhão quando se olha para algo?
Se você estiver ouvindo, onde está o grilhão na escuta? E grilhão aqui, é definido
como um sentimento de paixão e prazer em relação ao que você está olhando, ou
70
pelo motivo de você estar olhando. Nem sempre é o caso de que uma sensação
de prazer vem somente depois que você notou algo super agradável. Às vezes
você tem uma ideia muito clara do que você deseja procurar, antes de começar a
procurar: você quer se irritar com alguma coisa, você quer ficar atraído por
alguma coisa, então você vai atrás de encrenca.
Isso é especialmente verdadeiro com pensamentos. Observe, quando um
pensamento surge: “Qual é o encanto deste pensamento? Por que eu caio nesse
tipo particular de pensar”? Uma vez que você tiver enxergado o encanto, então
olhe para as desvantagens. Quais são as desvantagens de dar atenção a esse tipo
de pensamento? Se você deixasse certo pensamento reinar na sua mente, onde ele
iria levá-lo? Se você notar um grilhão (em outras palavras, você realmente está
deliciando-se com algo até o ponto em que isso o afasta de seu centro), não fique
apenas sentado, dizendo: “Ah, eu estou preso” e deixe por isso mesmo. Você
tem que fazer algo para cortar o grilhão, porque esses grilhões são a causa do
sofrimento, o que significa que o seu dever em relação a eles é abandoná-los
assim que notá-los. Claro, o grande problema aqui é que muitas vezes
desfrutamos de nossos grilhões. Na verdade, os criamos com o propósito de
desfrutá-los. Então temos que fazer algo que normalmente não gostamos de
fazer: olhar para o nosso deleite e ver onde ele está causando problemas. O
prazer pode parecer agradável e divertido agora, mas aonde é que irá levá-lo
mais adiante?
Esse é um contexto que você pode usar durante o dia e durante a sua
meditação também. Você está sentado aqui, focando na respiração e, de repente,
sua mente escapole para algo que você viu na semana passada, algo que você leu
ontem ou algo sobre o dia de amanhã que você está antecipando. Olhe para o
grilhão. Onde está a noção de paixão? Onde está a sensação de deleite nesse
pensamento específico? O que você pode fazer para enxergar através dele para se
desvencilhar desse deleite? Como o Buddha observou, a melhor coisa a fazer é
desprender-se dessas formas inábeis de pensar e incentivar formas inofensivas de
pensar para substituí-las. Desse ponto, você direciona a mente para entrar em
concentração.
É aqui que os dois contextos, tanto os dos impedimentos quanto o dos
fatores para o despertar, tornam-se úteis. Quando você sentar e tentar
concentrar a mente, é útil tentar descobrir exatamente: “O que está acontecendo
aqui? Qual impedimento está me infernizando agora”? Uma vez que você for
capaz de classificar alguma perturbação como o desejo sensual, hostilidade,
torpor e letargia, agitação e ansiedade ou incerteza, então você saberá o que fazer
com isso. E, às vezes, apenas reconhecer aquilo como um problema lhe ajudará a
ultrapassar essa barreira.
Isso ocorre porque uma das características dos impedimentos é que eles o
71
enganam. Quando o desejo surge, geralmente sua mente já está no lado do
desejo. Você não vê isso como um problema. A coisa que você deseja realmente
é algo desejável. Quando você sente hostilidade contra alguém, essa pessoa é
realmente horrível. Quando a mente está entorpecida, bem, realmente é hora de
descansar um pouco. É hora de dormir. A mente está ficando muito cansada. E
assim por diante. Você tem que aprender a ver essas atitudes como reais
impedimentos, como verdadeiros obstáculos em seu caminho, não se deixar
enganar e não passar para o lado deles. Pergunte a si mesmo: “Qual é o
empecilho que isso está me causando”? Bem, por um lado, isso está lhe
impedindo de aprender sobre os potenciais da concentração. Você se senta aqui,
remoendo suas velhas maneiras de pensar, mas assim, você nunca sairá da sua
velha lenga-lenga.
Lemos sobre os Ajaans, sobre as pessoas do Cânone que atingiram estados
fortes de concentração. Podemos ler as descrições da concentração. Mas o que é
a realidade da concentração? Ao que essas palavras correspondem exatamente?
Se você gastar todo o seu tempo brincando com os impedimentos, você nunca
saberá. A única maneira de adquirir conhecimento direto dessas coisas é trazer
um pouco de atenção apropriada ao impedimento, enxergar que ele é uma das
causas do sofrimento. Tente olhar para onde está o stress, olhe para onde está a
limitação, para ver de que forma os impedimentos esgotam sua energia. E, em
seguida, procure por formas de abandoná-los.
Quando você fizer isso, estará desenvolvendo os três primeiros fatores para
o despertar: a mindfulness, análise de qualidades e a persistência. Mindfulness é o
que o ajuda a se lembrar de olhar para o que é hábil e inábil; a análise das
qualidades (que é alimentada pela atenção apropriada) é o que possibilita que
você reconheça qualidades hábeis e inábeis que possam surgir; e persistência é o
que leva à frente o desejo de abandonar o que é inábil e de desenvolver o que é
hábil. A análise de qualidades, na verdade, o ajuda de muitas maneiras. Ela não
só reconhece o que é hábil e inábil, mas também ajuda você a descobrir como
talhar um estado inábil da mente, como um impedimento, por exemplo, e como
desenvolver no lugar deles os fatores para o despertar. Como um conjunto, estes
sete fatores para o despertar são um bom contexto para descobrir como usar o
discernimento para fazer a mente se acalmar. Particularmente, você olha para ver
se esses fatores estão equilibrados. Se não estiverem, como trazê-los ao
equilíbrio?
Há um sutta que compara esse ato de equilíbrio com o ato de fazer com que
uma chama queime em um nível de intensidade exatamente apropriado. Em
outras palavras, você está tentando desenvolver o fogo da concentração, o fogo
do jhāna, uma chama constante de consciência centrada. Às vezes parece que ele
está prestes a se apagar, porque o seu nível de energia é muito baixo. Nesses
72
casos, você não deve enfatizar qualidades como serenidade, concentração ou
equanimidade. Você deve enfatizar qualidades mais ativas para que a mente
possa se movimentar novamente. Analise as coisas em termos do que é hábil e
inábil e, em seguida, empregue qualquer esforço que seja necessário para se livrar
das qualidades inábeis e desenvolver as hábeis. Ao tornar esta função mais ativa,
você pode desenvolver um forte sentimento de arrebatamento e frescor
conforme as qualidades hábeis se fortalecem. Isso energizará a mente. Se, por
outro lado, sua mente estiver muito ativa e inquieta, aí você tenta acalmá-la. Vá
para a tranquilidade. Faça com que a mente se foque em acalmar a respiração,
dissolvendo tensões do corpo, até que a mente se torne mais firme na
concentração e possa entrar em um estado de serenidade e equilíbrio.
Então, novamente, estes quadros de referência dos cinco impedimentos e dos
sete fatores para o despertar não são apenas diretrizes para a plena atenção. Eles
são contextos que lhe dizem o que fazer se você se deparar com um tipo
específico de estado mental enquanto estiver tentando levar a mente a uma
concentração forte. Eles ajudam a lhe dar uma noção de qual é o seu dever e
onde você pode encontrar a saída de um estado desequilibrado ou inábil. Ou, se
você achar que você está equilibrado e que a mente está indo bem, então seu
dever é manter esse estado. Você não pode simplesmente dizer: “Ah, isso é que é
a concentração” e simplesmente desistir dela com medo de se apegar. Você tenta
mantê-la e tenta entender aquilo que a causa, para que você seja capaz de mantêla. É nesse ponto que você tenta trazer a força de vontade.
Uns anos atrás, eu estava conversando com um grupo de pessoas que
estavam treinando para se tornarem professores de vipassana. Eu estava
mencionando justamente esse aspecto de tentar manter a mente firme e um deles
disse: “Bem, parece que você está falando sobre o uso de força de vontade, mas
sei que isso não pode ser o que você quer dizer”. E eu disse: “Isso é
precisamente o que eu quero dizer”. O elemento de intenção é a força de
vontade, e é algo que você tem que usar na prática. Mas você não pode usar
apenas a força de vontade para fazer as coisas. Você também tem que usar seu
entendimento de causa e efeito para usar a força de vontade de forma hábil. É
para isso que servem as categorias do quarto quadro de referência. Eles estão lá
para ajudar a lhe dar orientação, quando surgir na mente um estado específico.
Eles ilustram o que você tem que fazer se realmente quiser encontrar a felicidade
verdadeira. Em outras palavras, eles não são apenas instruções sobre como
responder às situações. Eles também são instruções sobre como assumir um
papel proativo que serve para dar origem ao caminho nobre.
Isto é ainda mais claro nas categorias das quatro nobres verdades. Você
analisa as coisas primeiramente em termos da primeira nobre verdade (os cinco
agregados) para compreender onde está o stress, onde está o sofrimento, onde e
73
como você está se agarrando a essas coisas. Você deve aprender, em especial, a
identificar cada um dos agregados — forma, sensação, percepção, fabricação e
consciência sensorial — como eventos, como atividades, para ver o que os
estimula a entrar em ação e ver como eles cessam. Então, você tenta perceber
como está se agarrando a eles, como continua a repeti-los compulsivamente. Daí
você separa as partes que formam o seu apego. Se algo está perturbando sua
concentração, separe-o em termos dos quatro tipos de apego: “Onde está o
apego? Que tipo de apego é esse? É o apego sensual? É o apego em termos de
hábitos e práticas? Apego às Perspectivas? Ideias do que você é ou do que
pertence a você”? Tente compreendê-lo, afinal esse é o dever em relação à
primeira nobre verdade.
Uma vez que você tenha compreendido o sofrimento ou o stress, você deve
ser capaz de ver onde está a sua causa. O que está fazendo com que você se
apegue? Onde está o desejo? Tente flagrar isso acontecendo. Quando você pegálo no flagra, o dever é abandonar isso, deixar de fazer isso. No que se diz
respeito a qualquer um dos aspectos do caminho que podem ajudá-lo a ver essas
coisas, você desenvolve os oito fatores do caminho, especialmente a
Concentração Correta. É aqui que você começa a ser proativo.
Quando você já dominar a concentração, o contexto dos cinco agregados
volta a ser útil mais uma vez. Quando todos os elementos do caminho estão em
um bom estado de equilíbrio, você começa a analisar a concentração em termos
dos cinco agregados, para poder enxergar onde ela também é estressante. Até
mesmo a equanimidade do quarto jhāna tem o seu elemento de stress. Você tem
que olhar para esse elemento do stress para poder desenvolver a despaixão em
todas as direções.
É por isso que, quando você já dominar concentração, é útil desmembrar
esses estados de concentração dessa maneira. Onde as sensações desempenham
um papel naquele caso? Onde está a percepção? Onde estão as fabricações de
pensamento? Onde está a consciência disso? Qual o aspecto ao qual você está se
apegando? Você pode ver as desvantagens desse apego? Aqui, é útil olhar em
termos das três percepções da inconstância, do stress e do não-eu ou de qualquer
das percepções que ajudam a desenvolver um sentimento de despaixão, de
desapego. Você olha para a inconstância. Uma vez que você perceba a
inconstância, você olha para ver que isso é estressante. Quando você vê o stress,
você percebe que ele não pode ser uma felicidade que você gostaria de
reivindicar como sua. Ou você aprende a enxergar os agregados que compõe a
sua concentração como o vazio, uma doença, uma ferida. Deve haver algo
melhor.
Essa abordagem, esta maneira de pensar, é o que finalmente possibilita que
você ultrapasse todos os seus apegos e o leva para algo realmente firme, algo não
74
fabricado. Nesse ponto, você pode até mesmo colocar essas percepções
estratégicas de lado, afinal elas já fizeram seu trabalho. Você realizou esses
deveres hábeis para chegar a algo que não exige nenhum dever. Como Ajaan
Mun disse uma vez, nibānna não carrega nenhum dever para a mente. Cada uma
das quatro nobres verdades implica um dever, mas nibānna é algo além das
quatro nobres verdades, algo fora do contexto dos quatro quadros de referência
e dos seus respectivos deveres. Nibānna não é de forma alguma uma atividade.
Portanto, é útil olhar para esse quarto quadro de referência como uma série
de diretrizes para a ação, como diretrizes para o seu ardor/empenho. Quando
surgir um problema, descubra qual é o contexto que será útil para analisar em
que ponto da prática você está e para direcionar a prática na direção que você
deseja. Aprenda a ver o que está acontecendo em sua mente em termos desses
contextos, para que você possa descobrir o que fazer e qual é o dever nessa
situação. Isso ajuda você a se afastar dos seus mundos de pensamentos e permite
que você os desmembre nos seus elementos: os eventos e atividades que os
unem. Isso, por sua vez, lhe dará uma ideia muito melhor do que fazer com eles,
em vez se apegar a eles e sofrer, que é o que você tem feito até então.
É assim que você desmonta esta grande massa de sofrimento da mente. Se
você aprender a separá-la, realmente verá que não é uma montanha de rocha
sólida. É apenas uma pilha de brita. E cada pequeno pedaço de pedra não é tão
pesado. Você pode lidar com isso muito mais facilmente, como sendo um
pedaço de brita, do que como sendo parte de uma massa sólida de pedra.
Portanto, tente familiarizar-se com esses diferentes contextos e você terá
muito mais ferramentas para lidar com os problemas da mente.
75
A Concentração Correta
27 de dezembro de 2007
Eu não sei se vocês notaram que, quando recitamos o cântico do sutta “A
Análise do Caminho”, como fizemos na noite passada, a seção mais longa é a
que descreve a Concentração Correta. É a única seção que fala sobre os estágios
da prática. Essa seção lhe dá um mapa bastante detalhado dos diferentes
elementos de cada fase. A questão é: como nos relacionamos com o mapa? É
tentador dizer: “Bem, há esse ingrediente, há aquele ingrediente”, e então você
mistura todos os diferentes ingredientes na esperança de obter um estado de
jhāna”.
Mas realmente não funciona dessa maneira. É como dizer que durião* tem
um pouco de gosto de alho, um pouco de cebola, um pouco de pudim de leite.
Ele tem um pouco de cianeto, um pouco de vitamina E. Daí você junta todas
essas coisas pensando que obterá o durião, mas o que obtém é uma gororoba
incomestível. Se quiser o durião, você tem que plantar a semente. Aqui, a
semente é o tema da meditação. O tema, como disse o Buddha, são os quatro
estabelecimentos da mindfulness. Por exemplo, manter-se focado no corpo em
si, ardente, vigilante e com mindfulness, deixando de lado a ganância e a aflição
em relação ao mundo: esse é o processo em que você deve focar. Uma vez que
você plante e continue regando a semente, a árvore crescerá. Quando estiver
madura, ela começará a dar frutos. Se você tiver plantado a semente certa, obterá
o fruto certo. Assim, você não tem que criar o fruto. Você apenas tem que ter
muito cuidado para plantar a semente correta e cuidar dela.
Então, foque na respiração por si mesma. Enquanto você está focando na
respiração, coloque de lado quaisquer paixões sensuais. Na descrição do jhāna
aparece a expressão: “isolado da sensualidade”. Algumas pessoas interpretam
isso como estar totalmente desconectado de qualquer informação dos sentidos
físicos. Alguns interpretam isso como estar afastado dos prazeres sensuais, de
modo que você tenha que meditar em um lugar que é desagradável ou um lugar
que é muito chato. Mas nenhuma destas interpretações é o que o Buddha quer
dizer. Sensualidade, para ele, é a sua paixão por seus pensamentos e fazer planos
em relação a eles, até o ponto em que você ama estar obcecado por essas coisas.
Estar isolado da sensualidade não significa que você esteja tentando bloquear
qualquer contato com os sentidos de fora ou que esteja tentando colocar-se em
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um lugar maçante e chato. Você está tentando desenvolver um isolamento que
seja mais interno: ou seja, se você enxergar qualquer paixão sensual chegando,
você a dribla. Você a coloca de lado.
A análise das diferentes partes do corpo pode ser utilizada. Se houver
alguma coisa no corpo que faça com que você sinta luxúria, você pode pensar
sobre todas as outras coisas nojentas bem ali ao lado, próximas ao que lhe deixa
atraído no corpo. Se você estiver sentindo alguma cobiça por comida, pense
sobre todo o processo de obtenção de alimentos e o processo de se alimentar.
Pense em exatamente quanto trabalho é necessário para preparar a comida, o
quão curto é o tempo em que o gosto bom fica na boca, e, em seguida, como é a
experiência de ter a comida passando através do sistema digestivo e saindo do
outro lado. Em outras palavras, aqui você estará usando uma maneira de pensar
para proteger-se, para afastá-lo de pensamentos inábeis e, em particular, da
paixão sensual.
Outra maneira de ganhar isolamento da sensualidade é habitar totalmente
seu senso do corpo. Isto é o que rūpa, ou forma, significa quando você está em
jhāna: o senso do corpo como se sente por dentro. Você sente o interior das suas
mãos, o interior dos seus pés, o interior de tudo. A mente não está vivendo no
mundo, com seus pensamentos sobre campos visuais, sons, cheiros, sabores ou
coisas que vêm e tocam o corpo. Você deve de estar no nível da forma: o corpo
por si mesmo como ele está presente para você a partir de dentro, aqui e agora. E
como você está alerta e com mindfulness, você está empenhado com ardor: você
deve usar seu estado de alerta e de mindfulness de uma forma mais hábil.
Em outras palavras, observe como você sente a respiração e pergunte-se:
“Eu poderia me estabelecer com este tipo de sensação da respiração e passar
muito tempo com ela”? Caso contrário, o que você pode fazer para mudá-la? É
aqui onde entra a avaliação. A imagem clássica para o primeiro jhāna é a de um
banhista permeando água através de um pó de banho e transformando-o em uma
espécie de massa umedecida. Das diferentes imagens usadas para os jhānas, essa
é a única que envolve um agente consciente deliberadamente fazendo algo e
avaliando os resultados. Você está encontrando uma sensação de prazer e
completude com a respiração e então trabalha deliberadamente com essa
sensação pelo corpo como um todo e, ao mesmo tempo, avalia os resultados.
Ao fazer isso, você aprende muito sobre este senso de rūpa (ou forma do
corpo) e sobre como a energia se move através e em torno dele. Você aprende
como a energia pode se mover de uma maneira confortável e, se você forçá-la de
maneira errada, ela pode se tornar muito desconfortável. Você tem que observar
e aprender o que funciona e o que não funciona. Dessa forma, você não só estará
desenvolvendo um bom lugar para estar no presente, mas também estará
aprendendo como os diferentes agregados interagem (tais como o agregado da
77
sensação e o agregado da forma); e também como a sua percepção tem um efeito
sobre essas coisas. Você verá como você vem para a meditação com percepções
específicas em mente, com uma ideia particular sobre como a mente foca em si
mesma, de como a respiração funciona, de como a energia em uma parte do
corpo se relaciona à energia de outra parte do corpo. Ao meditar, você tem a
chance de testar essas percepções. Se elas não estiverem funcionando, tente
outras percepções.
Tudo isso é avaliação. Quando você tiver o ponto focal correto e o avaliar
corretamente, além de manter um tópico específico em mente da forma mais
contínua possível, você terá todos os fatores causais necessários para entrar na
Concentração Correta. Então, você não tem que pensar em outra coisa. Você
não tem que se perguntar: “Será que eu preciso acrescentar um pouco mais de
arrebatamento, um pouco mais prazer”? Se você tiver as causas corretas, os
resultados virão por conta própria. O arrebatamento e a felicidade são os
resultados. Se você não estiver obtendo os resultados corretos, foque novamente
nas causas, que são o pensamento direcionado, avaliação e unicidade de
ocupação mental. Quando esses fatores estiverem corretos, o prazer virá como
uma sensação de facilidade, enquanto que o arrebatamento pode vir de várias
formas. Em alguns casos ele é simplesmente uma sensação de frescor, de leveza
ou completude corporal. Outras vezes é algo mais intenso: uma sensação de
vibração que atravessa o corpo, ou um arrepiar dos pelos. Mais uma vez, a sua
principal preocupação é permanecer com as causas. Você não deve recriar o
fruto, pintá-lo, espremê-lo ou puxá-lo. Foque nas causas e o fruto amadurecerá
por conta própria.
Então aparece sempre a pergunta: “Como você sabe que atingiu o primeiro
jhāna”? No começo, realmente não tem como saber. Ele não vem com uma
placa dizendo: “Agora você está entrando no jhāna, com uma população de um
habitante”. Quando você encontrar a mente em um estado que for muito bom,
muito confortável, com uma sensação de estar em um lar aconchegante, então,
quando você deixar esse estado, coloque um post-it nele: “Isso pode ser algo
importante”. Em outras palavras, você atribui um rótulo àquele estado, mas ao
mesmo tempo percebe que você ainda não está muito familiarizado com o
território, o que significa que não deve se adiantar e já esculpir o rótulo em
mármore.
O único nível de jhāna com um poste de sinalização realmente definitivo é o
quarto, que é onde a inspiração e a expiração param. Há uma noção de
consciência preenchendo o corpo e é tudo muito quieto, parado. A mente está
calma e parada, o corpo está quieto e parado e tudo está perfeitamente
equilibrado. Todos os canais de energia da respiração do corpo estão
conectados, então eles se autoalimentam. Não há necessidade de inspirar e
78
expirar, por isso não há nenhum ar entrando e saindo. Você não está suprimindo
a respiração. Você simplesmente não sente a necessidade de respirar. Nesse
ponto, você sabe que atingiu o quarto jhāna e pode colocar um post-it mais
confiante ali. Em seguida, você pode olhar para as várias fases por que passou e
talvez você tenha que reorganizar um pouco as notas. Ou você percebe que você
deu mais de quatro passos para entrar ali. Há passagens do Cânone que falam
sobre cinco estágios na prática de jhāna, outros falam sobre três. Portanto, é
possível que o seu caminho até o quarto jhāna não tenha o mesmo número de
passos que o de outras pessoas.
Eu percebi que, quando Ajaan Fuang estava ensinando seus alunos, as
pessoas relatavam experiências diferentes na meditação, até que chegassem a um
ponto onde tudo estava muito quieto no corpo. A inspiração e a expiração
finalmente paravam. A energia da respiração preenchia o corpo, a consciência
permeava o corpo, tudo parecia muito conectado, equilibrado e muito brilhante:
não necessariamente com uma luz, mas com uma noção de verdadeira clareza.
Então, desse ponto em diante, todos pareciam passar pelas mesmas etapas.
Mas o processo de chegar até este ponto será algo muito individual. O
importante é você encontrar um tópico de meditação de que realmente goste. É
preciso haver um elemento de prazer aqui, pois você está tentando desenvolver
um estado de devenir (um estado saudável de devenir), uma alternativa para os
estados não saudáveis e inábeis de devenir em que você estava envolvido antes. E
um componente importante do devenir é o deleite. Com a Concentração
Correta, você tem que desenvolver um forte senso de prazer e bem-estar. Essa é
a única maneira de se afastar da tentação de continuar caindo de volta no prazer
sensual que alimenta os seus deleites sensuais antigos.
O Buddha disse uma vez que, mesmo que você tenha um entendimento
correto sobre as desvantagens da sensualidade, se não tiver acesso ao tipo de
prazer e arrebatamento que o jhāna pode fornecer, estará sempre tentado a
voltar aos prazeres sensuais. Então, o mero insight, por si só, não é suficiente
para afastá-lo dessas tentações. Você precisa de algo mais, algo mais forte e
visceral para fornecer à mente uma sensação de bem-estar. É o que a
Concentração Correta oferece.
Há um belo sutta em que o Buddha fala sobre um elefante que quer ir até
um rio e banhar-se sozinho. Quando ele vive com uma manada de elefantes e vai
até o rio, as elefantas e os elefantes bebê ficam trombando contra ele. Ele quer
beber água limpa e, claro, os outros enlamearam o rio inteiro. Então, ele decide
seguir sozinho. Como ele está vivendo sozinho, quando ele vai até o rio, a água
está clara. Ninguém está se esbarrando nele enquanto ele toma banho. Ele sai da
água, quebra um galho de árvore e se coça com esse galho. Ele encontra
satisfação. Ele alivia a sua coceira.
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O Buddha disse que é a mesma coisa quando você pratica a Concentração
Correta. Você ganha uma sensação de isolamento. O prazer, o arrebatamento, o
senso de equanimidade são como coçar-se com um galho. É uma sensação
agradável, que alivia sua coceira. E isso é uma parte importante da prática. Sem
essa sensação de prazer e bem-estar, tudo fica muito seco, muito árido. Ao
mesmo tempo, uma vez que a mente esteja satisfeita assim, você começa a ver as
atividades da mente bem claramente. Você começa a ver o corpo bem
claramente, porque você está bem aqui. Está aqui com muita consistência.
Vigilante. Com mindfulness.
Então você começa a ver o seu corpo e a sua mente em termos dos agregados
em ação. Você vê forma, isto é, a forma que você está habitando. Você vê
sensações, as sensações que vêm das diferentes formas da energia da respiração
que se movem através do corpo. Você vê suas percepções em ação, suas
fabricações em ação. Por exemplo, quando você passa do primeiro para o
segundo jhāna, você deixa a fabricação verbal e sua relação com a respiração
muda. Unicidade de ocupação mental é um fator em todos os níveis de jhāna,
mas quando você entra no segundo jhāna, o Buddha usa um novo termo: a
unificação. Na unificação, sente-se como se sua consciência e a respiração se
tornassem um. Você não se sente como se estivesse sentado do lado de fora da
respiração operando nela por meio do corpo; você está imerso em um lago com
uma fonte ascendente de água fresca que permeia e preenche todo o lago. Você é,
na verdade, um com a respiração. Você não tem que ajustá-la mais; não tem que
avaliá-la mais. As coisas começam a se fundir, a se integrar, com uma noção de
unicidade. Essa unicidade permanece como um fator de sua concentração por
todo o caminho até a dimensão da infinitude da consciência. Isto é o que
acontece quando você abre mão das fabricações verbais, do pensamento
direcionado e da avaliação. Quando você chega ao terceiro jhāna, você abre mão
de um aspecto da fabricação mental — a noção de arrebatamento — porque essa
sensação passa a ser sentida como algo grosseiro. Quando você chega ao quarto
jhāna, você abdica da fabricação corporal. Ou seja, a inspiração e a expiração
realmente param.
Há duas maneiras de observar a mente durante a prática de jhāna. Uma é
quando se está em um determinado estado de jhāna. Na verdade, você pode
observar cada estado enquanto está nele, até chegar à dimensão do nada. É como
estar usando uma luva. Sua mão pode estar totalmente dentro da luva,
parcialmente dentro da luva ou totalmente fora dela. Quando estiver plenamente
nos jhānas mais elevados, você não conseguirá observá-los; mas quando você
estiver parcialmente neles, conseguirá. Você traz a mente um pouco acima da sua
absorção completa, mas não totalmente, de forma a poder observar o que está
acontecendo naquele estado em específico. Outra forma de observar é, enquanto
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passa de um nível para o outro, enxergar as diferentes formações, as diferentes
percepções se desvanecendo.
Então, você começa a ver exatamente o que o Buddha estava falando quando
falava sobre os cinco agregados. Você os enxerga em ação, afinal, eles são ações.
Você vê as distinções entre eles.
Você também pode ver como eles interagem, o que significa que você não
está apenas habitando um local que tenha sombra agradável e um galho para
você esfregar em qualquer parte que estiver coçando. Você também está em um
lugar ideal para observar o que está acontecendo aqui no presente em termos dos
agregados. Isso permite que você comece a ver as coisas por si mesmas, como
elas vêm a ser, aqui e agora.
É por isso que a Concentração Correta é o coração, o cerne do caminho. É o
primeiro elemento do caminho que o Buddha descobriu. Você provavelmente
conhece a história. Ele foi ao extremo da aflição autoinfligida por meio das
várias austeridades impostas por si mesmo e, depois de seis anos, percebeu que
isso não estava funcionando. Apesar de todo o seu investimento nesse caminho,
ele teve o bom senso e a humildade de perceber que deveria haver outra maneira.
Então, nesse momento, ele se recordou do tempo em que era criança e, sentado
sob uma árvore, entrou no primeiro jhāna. A pergunta surgiu em sua mente:
“Poderia ser este o caminho”? E uma consciência veio até sua mente: “Sim, este
é o caminho”. Assim, a Concentração Correta foi o primeiro fator que ele
descobriu como sendo parte do caminho. Daquele ponto em diante, enquanto
ele trabalhava com a concentração, ele começou a perceber que a concentração
precisava do apoio dos oito fatores. Mas a Concentração Correta é o centro; é
dela que você não pode prescindir. E o tempo gasto no desenvolvimento da
Concentração Correta é um tempo muito bem gasto, tanto porque é um bom
lugar para ficar e porque é um lugar ideal para começar a ver o processo do
devenir em termos dos cinco agregados.
Então, mantenha guardada no fundo da mente a noção de que é isso o que
você quer da prática, de que é nessa direção que você está indo. Essa é a sua meta
provisória no caminho. Mas, como em todos os aspectos do caminho, você tem
que combinar o seu desejo por um objetivo particular com a compreensão dos
passos que o levarão até lá. Como o Cânone diz, o desejo pelo despertar é uma
coisa boa. Mas é uma coisa boa apenas quando você foca nos passos que o
levarão até lá. E o mesmo princípio se aplica ao jhāna. Você tem em mente que
esse é o lugar para onde você está indo, mas não pode ficar obcecado com o que
está escrito no mapa. Você tem que ficar mais obcecado com as causas que o
levarão até lá. Você isola a mente da sensualidade. E como você faz isso?
Focando-se nos quatro estabelecimentos da mindfulness.
O Buddha diz que esse é o seu território na condição de meditador. Se você
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andar fora de seu território, é como uma codorna que sai de um campo arado
onde ela poderia se esconder de um falcão. De repente, ela se encontra em um
campo aberto para onde o falcão desce rapidamente e a captura. Enquanto o
falcão a carrega, ela lamenta sua má sorte: “Ah, eu não deveria ter deixado o meu
campo de segurança. Se eu não tivesse feito isso, esse falcão não teria sido páreo
para mim”! O falcão diz: “Ok, eu deixarei você voltar para lá, mas mesmo lá
você não escapará de mim”. Ele solta a codorna. A codorna fica em cima de uma
pedra que o arado soltou e grita para o falcão, “Ok, venha me pegar, seu falcão.
Venha me pegar, seu falcão”. E o falcão, sem se gabar, apenas dobra suas asas e
mergulha em um vôo descendente. A codorna vê que o falcão está vindo em sua
direção com toda velocidade e assim pula atrás da pedra. O falcão se choca
contra a pedra e morre.
Essa é a analogia que serve para quando você se perder em paixões sensuais:
você está lá fora, onde o falcão pode lhe pegar. Mas quando você está aqui no
corpo — empenhado com ardor, vigilante e com mindfulness — você está no seu
território seguro. Basta manter-se habitando o corpo ao longo de todo o dia. Se
você está em jhāna ou não, não importa. Contanto que você tenha essa sensação
de habitar totalmente o corpo, de estar em contato com a energia da respiração
no corpo, você está no lugar certo, está no seu território apropriado. Quanto ao
mapa das diferentes etapas, mantenha-o guardado no fundo da mente. Se você
olhar para o mapa enquanto estiver dirigindo, você sairá da estrada. Use o mapa
depois que você sair da meditação para refletir sobre o que você experienciou,
sobre o que aconteceu no decorrer da meditação. Ao longo do tempo, você terá
seu próprio mapa, um mapa mais completo das diferentes fases que a mente
atravessa, das diferentes maneiras em que ela se acalma, dos diferentes tipos de
concentração que você pode atingir. Mas tudo isso se origina de uma boa noção
de causa e efeito.
É por isso que o Buddha colocou a Perspectiva Correta logo no início do
caminho: vendo a prática da meditação como um tipo de karma, como algo que
você faz para obter os resultados que deseja, se dando conta de que os resultados
têm que vir de causas. Se você se concentrar nas causas, mantendo guardada no
fundo da mente uma noção de onde você quer ir, as causas o levarão até lá.
Nesse caso, isso não é feito focando-se na sua memória do que foi afirmado nos
textos sobre jhāna. Isso é feito ao focar-se na respiração, ao passar a conhecer a
respiração por avaliá-la, ajustá-la, acalmá-la. É aí que você verá a Concentração
Correta.
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Os Usos da Concentração Correta
2 de dezembro de 2014
É preciso uma boa quantidade de esforço para que a mente possa entrar na
Concentração Correta. Tanto que, na grande maioria dos casos, não queremos
ouvir que ainda há mais a ser feito. Preferimos parar por aqui e descansar. Mas
embora seja verdade que a Concentração Correta é o último elemento do
caminho, não significa que ela por si só conclui o trabalho. Você tem que trazer
os outros elementos do caminho para se apoiarem nela, para levar as coisas até o
final.
Quando o Buddha fala sobre a Concentração Correta e seus sete requisitos,
parte do significado de “requisito” é que você tem que desenvolver os sete
primeiros elementos do caminho, como a Perspectiva Correta e a Resolução
Correta, para que a mente possa entrar na Concentração Correta. Mas isso
também significa que, uma vez que você tenha alcançado a Concentração
Correta, você continua aplicando os sete fatores a ela: em especial, para
continuar a desenvolver a mindfulness e a vigilância, juntamente com a
Perspectiva Correta que põe fim a todas as suas corrupções e que leva você para
a meta final.
Lembre-se de que, quando o Buddha deu o seu primeiro discurso do
Dhamma, ele só falou em detalhes sobre a Perspectiva Correta. Ele mencionou
os oito elementos do caminho, mas depois se concentrou apenas no primeiro
fator: a Perspectiva Correta sobre o sofrimento, sua causa, sua cessação e o
caminho para a sua cessação. Isso foi o suficiente para que o Venerável Añña
Kondañña experimentasse o olho do Dhamma, o primeiro nível do despertar.
Podemos supor que Añña Kondañña, a partir da Perspectiva Correta, também
tenha desenvolvido os outros elementos do caminho, pois, afinal, o Buddha
disse que você não pode alcançar o primeiro nível do despertar sem desenvolver
todos os oito fatores. Mas o caso de Anna Kondañña mostra como a Perspectiva
Correta pode ser crucial.
Algo similar aconteceu com o Venerável Sariputta. Ele ouviu um verso curto
que resumiu a Perspectiva Correta nos seus termos mais básicos (aquilo que tem
uma causa terminará quando a causa se encerrar) e lá estava ele: ele experienciou
a dimensão sem-morte. Não somos tão ágeis no pensamento nem tão afiados
como qualquer um desses dois veneráveis, então temos que realizar muito mais
83
trabalho para conseguir que a mente entre na Concentração Correta e, em
seguida, aplicar os outros fatores nessa concentração para se obter os mesmos
resultados. É por isso que temos que aprender como usar a concentração para
concluir o trabalho.
O Buddha fala sobre os quatro usos apropriados da concentração ou, em
seus termos, os quatro desenvolvimentos da concentração. Algumas pessoas
interpretam que isso significa que você tem que desenvolver quatro tipos
diferentes de concentração, sendo que jhāna seria apenas um dos quatro. Porém,
quando você olha para as passagens do Cânone onde o Buddha fala sobre
trabalhar além da concentração, em cada caso é uma questão de trazer a mente
para qualquer um dos quatro jhānas e depois trabalhar a partir dali.
A primeira utilidade para a concentração é usá-la como uma morada
agradável. Em outras palavras, você entra em jhāna e você fica lá. Você se
estabelece. Muitas vezes, nesse ponto, quando sabemos que há passos além da
concentração, ficamos impacientes e dizemos: “Bem, agora que fizemos com que
a mente a se acalme, qual é o próximo passo”? Aqui, é importante que você diga
a si mesmo: “Este é o próximo passo. Apenas continue fazendo o que você está
fazendo para que você fique realmente familiarizado”.
Uma das razões para ficar onde está é que você pode nutrir a mente ao fazer
isso. A mente muitas vezes vem para a prática em um estado muito esgotado e
precisa ser acalmada, suavizada. Ela precisa ser fortalecida. Lembre-se que a
concentração, como disse o Buddha, é como o alimento. Então alimente bem sua
mente, porque você precisa desse alimento para ajudá-lo a aderir à prática como
um todo. Sua capacidade de tocar em uma sensação de bem-estar interiormente é
o que torna mais fácil a seguir os preceitos, mais fácil extirpar-se de apegos
sensuais, mais fácil fazer o que for necessário.
Então, como o Buddha diz muitas vezes: acomode-se e ceda ao prazer ou à
equanimidade de um determinado estado de concentração. Aprenda a desfrutálo. Você verá que isso é algo que com você pode realmente deleitar-se. E você
deve tentar perceber essa sensação de deleite, pois ela desempenhará um papel
importante mais tarde, quando você usar a concentração para desenvolver o
discernimento. Enquanto isso, você pode usar o deleite para ficar craque na sua
concentração. Como Ajaan Fuang dizia, você tem que ser muito louco pela
meditação, para ser capaz de fazê-la bem. Você tem que estar intrigado com seus
detalhes complexos. Sempre que encontrar qualquer entrave no seu caminho,
diga a si mesmo: “Eu quero descobrir uma maneira de contornar este
obstáculo”. Trate isso como seu esporte, seja como alguém realmente devotado a
um esporte, que quer descobrir e dominar todos os probleminhas e desafios, e
que os acha realmente envolventes. Você deve desenvolver o mesmo tipo de
envolvimento com a sua concentração.
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A segunda utilidade da concentração é para o desenvolvimento de poderes
paranormais. Entre as quatro utilidades, essa é opcional. Você não pode
determinar antecipadamente se desenvolverá este ou aquele poder. Essas coisas
podem vir ou não. Como diz o Buddha, elas vêm depois que a mente é colocada
em concentração. Haverá uma abertura para um poder em particular. Pode ser a
capacidade de recordar suas vidas anteriores ou de ler a mente das outras
pessoas. Ou essa abertura pode nunca chegar. Muitos dos Ajaans da floresta são
famosos por essas habilidades, ao passo que alguns deles parecem ter tido muito
pouco desses fenômenos. Como Ajaan Fuang diz, Ajaan Lee teve todos eles,
exceto a capacidade de levitar. Isso teve muito a ver com o seu karma: o karma
foi o que determinou se a abertura veio ou não. O importante é que, se a
abertura vier para você, você tem que se perguntar: “Qual é o melhor uso disso?
Você usará esse poder para desenvolver estados inábeis na mente, tais como
orgulho e a presunção, ou você irá usá-lo para desenvolver a despaixão?
É aqui que entram as outras duas utilidades da concentração. A primeira é
usar a concentração para desenvolver a mindfulness e a vigilância, para ver como
fenômenos físicos e mentais surgem e desaparecem. A mente concentrada é
realmente um bom lugar para ver o surgimento e o desaparecimento enquanto
acontecem. Às vezes isso acontece enquanto você está estabilizado, fixo em um
só lugar. Às vezes se trata de simplesmente mudar de um nível de concentração
para outro. Você observa: “Ah, alguma coisa mudou aqui”. A respiração mudou.
Sua percepção mudou. Uma sensação mudou, do arrebatamento para um prazer
mais tranquilo, ou do prazer para a equanimidade.
Enquanto você faz com que a mente entre e saia da concentração, tente
notar essas mudanças, porque essa habilidade permite que você note como as
percepções e as sensações têm um impacto na noção do seu corpo e da sua
mente. Elas determinam como você sente a respiração, como sente o corpo,
como se sente em relação ao contexto do mundo. Portanto, é de seu interesse ser
capaz de notar quando essas sensações vêm e quando elas vão e que tipo de
percepção ou sensação substituiu a anterior. Então, você começa a notar outras
coisas sobre as percepções e as sensações: quando uma percepção em particular
está em sua mente, que nível de stress ou perturbação acompanha essa percepção
na sua mente? Ou no seu corpo? Quando uma sensação particular de prazer
vem na mente, é algo bom ou ruim para a mente?
Quando o Buddha fala sobre o que ele chama da entrada no vazio, você
começa com um estado mental normal: por exemplo, a mente que deixou do
vilarejo e que foi para a floresta e se estabelece com a percepção de “floresta” —
assim como estamos fazendo agora. Estamos sentados aqui, rodeados do
chaparral, rodeados de silêncio. Você pode relembrar de quando estava em casa,
com sua família e seus amigos. A mente estava muito mais perturbada. Agora
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você está aqui, longe de tudo isso. Qual é a diferença? Se você quisesse, poderia
trazer à tona as questões e problemas relacionados à sua família. Você poderia
remoer essas coisas novamente como um cão roendo um osso, mas você decide
não fazê-lo. Você pode manter outra percepção em mente: a de que você está
aqui, longe dessas coisas. Essas questões não pesam tanto na sua mente como
antes e, como resultado, sua mente está muito mais leve. Bem ali você pode ver a
diferença entre a percepção que diz que você está entre essas pessoas e que os
problemas delas têm importância, comparada com a percepção de que você está
longe dessas pessoas e os problemas não são tão importantes. Essas percepções
têm um impacto diferente no nível de perturbação na sua mente.
Portanto, percepções não apenas aparecem e desaparecem como linhas
desenhadas na água. Elas têm um impacto. Você deve ser capaz de ver isso para
poder ter uma noção de quais percepções são hábeis e quais são inábeis, por
meio da observação das suas idas e vindas e, do aumento e diminuição do stress
que resulta dessas idas e vindas. Isso, segundo o Buddha, é o que ajuda a cultivar
a mindfulness e a vigilância.O uso final da concentração vai mais a fundo ainda:
você usa a concentração para dar um fim nos afluentes mentais da sensualidade,
devenir e ignorância. Para isso, você tem que ver a originação e extinção dos
cinco agregados: forma, sensações e percepções, fabricações e consciência
sensorial. Superficialmente isso pode parecer o mesmo que desenvolver a
mindfulness e a vigilância, mas a palavra “originação” aqui aponta para algo
diferente. Aponta não para o fato de que as coisas vêm e vão, mas pelo fato de
que elas vêm por uma razão. Isso é o significado de “originação”, e a originação
dos agregados é o deleite que você tem por eles. É por causa do deleite na forma,
por exemplo, que desejamos a forma, queremos ter essa experiência do corpo; é
por isso que tomamos esses potenciais de forma que vêm do nosso karma
passado e os transformamos em uma verdadeira experiência de forma. Caímos
em qualquer potencial que exista para intensificar aquela experiência e verificála. Transformamos isso em uma experiência real. O mesmo vale para as
sensações: queremos sensações. E percepções: queremos percepções. Queremos
ser capazes de rotular e identificar as coisas. Existe certo deleite em tudo isso. O
deleite é o que nos impulsiona a fabricar isso tudo repetitivamente. Isso se aplica
a todos os agregados. Nós os moldamos em experiências reais porque nos
deleitamos com eles, assim como nos deleitamos com o processo de moldar e
fabricar que usamos para transformá-los em algo.
Onde você vê isso mais claramente? No seu estado de concentração. É a
mesma concentração, o mesmo jhāna que você vem praticando, mas agora você
a olha de um ângulo diferente, com um propósito diferente. Você esta tentando
descobrir como você fabrica esse estado para que possa encontrar algo que é
ainda melhor do que o jhāna, algo que ofereça uma felicidade que não precise
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ser fabricada. Então você aplica percepções — como as percepções da
inconstância, stress e não-eu — que desenterram o deleite que você encontra nos
vários agregados conforme eles constituem a concentração: a forma do corpo; a
sensação de prazer e equanimidade; as percepções que o mantêm com a
respiração ou com o espaço, ou com qualquer que seja o objeto; qualquer que
seja a fabricação verbal em torno disso, comentando sobre a concentração; e a
consciência de tudo isso. Você aplica as percepções da inconstância, stress e nãoeu para questionar o deleite que você tem pelos agregados que está fabricando
para obter jhāna. Eles realmente valem a pena?
Agora, se a sua concentração não for forte o suficiente, então quando você
usar esta análise a sua concentração irá se desmoronar e você estará de volta a
um estado mental comum. Ou você pode entrar em outro nível de concentração.
Mas se a sua concentração for forte o suficiente, as coisas desmoronam de uma
maneira diferente. Você percebe: “Deve haver algo mais do que esses estados
fabricados”. A mente, em seguida, volta-se na direção de não criar nada de novo.
Você não quer ficar onde está, mas também não quer ir a qualquer outro lugar,
porque isso também seria fabricado. Você vê que qualquer atividade ou lugar
que você crie para a mente ficar apenas acaba contendo mais desses agregados.
Que tal algo que não seja criado? Isso é possível? Se as coisas se encaixarem de
maneira correta, se houver uma abertura, você descobre que Sim, é possível.
Tudo que é fabricado desmorona e desaparece. O Buddha estava certo.
Realmente existe uma felicidade incondicional não fabricada.
Dos diferentes usos para a concentração, esse último é o mais importante,
pois é aquele que realmente pega esse último elemento do caminho e o leva para
a meta final. Esse foi o motivo pelo qual o Buddha usou esta imagem de um
“caminho”: ele leva a algo além do caminho. Um objetivo que é diferente do
caminho. Não acredite nas pessoas que dizem que o caminho é a meta final, ou
que o caminho leva à Perspectiva Correta. Quando eles dizem isso, é um sinal de
que não tiveram a experiência do objetivo final. Não praticamos com o objetivo
de ter a Perspectiva Correta, com o objetivo de ter a Concentração Correta ou
para não ter um objetivo. Fabricamos e usamos essas coisas como passos em
direção a um objetivo que está além delas: a dimensão sem-morte, a total
liberdade de fabricações, do sofrimento e do stress. Isso é o que faz todas as
outras coisas no caminho, todo o esforço empregado em fabricar e dominar
todos os fatores, valerem a pena.
O Buddha não fala muito sobre a meta final. Afinal de contas, não é algo
que você possa criar, então não há nenhum propósito em descrever muito, pois
senão você poderia tentar pegar a descrição e cloná-la, o que não funciona. Ele
fala sobre o objetivo apenas o suficiente para fazer com que você entenda que é
algo que vale a pena perseguir: a felicidade suprema, a liberdade absoluta,
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totalmente fora de qualquer localização física ou mental no espaço ou no tempo.
Como ele diz, se você mantiver uma percepção de que o objetivo pode ser
acompanhado por qualquer tipo de sofrimento ou arrependimento, deixe dessa
percepção. Não dê ouvidos a isso. A dimensão sem-morte é totalmente
satisfatória e termina com todas as suas fomes. Uma vez que suas fomes estejam
satisfeitas, isso também resolverá todos os seus outros problemas.
É nesta direção que este caminho está indo. E é o caminho certo. A
Perspectiva Correta é a Perspectiva Correta; Resolução Correta é a Resolução
Correta e assim por diante com todos os fatores restantes do caminho. Eles são
corretos, não porque o Buddha disse que eles são corretos, mas porque eles
realmente funcionam. Da mesma forma, suponhamos que você queira leite: o
caminho correto para obter o leite é apertar o úbere da vaca. Isso lhe dará os
resultados desejados. Se você tentar obter leite apertando o chifre da vaca, está
errado, porque não funciona. Certo e errado são realmente duas coisas
diferentes, porque dão resultados diferentes.
E o caminho é realmente nobre, porque ele lhe levará a um objetivo que é
nobre: algo não tocado por envelhecimento, adoecimento ou morte. Como disse
o Buddha, há dois tipos de busca. Existe a busca pela felicidade em coisas que
podem envelhecer, adoecer e morrer. Essa é a busca ignóbil. E também existe a
busca nobre pelas coisas que estão além do envelhecimento, adoecimento e
morte. Como o objetivo é nobre, ele torna a busca nobre. O caminho que
conduz até lá também é nobre.
Quando você coloca todos os fatores juntos corretamente, você se torna
uma pessoa nobre. Mas nesse ponto você realmente não se importa se você é
uma pessoa nobre ou não, porque você já encontrou algo que é até mais valioso
do que tentar descobrir quem você é, ou o que você é, ou como você se classifica
em relação às outras pessoas. Ajaan Suwat fez um bom comentário sobre isso.
Ele disse que toda a questão do eu e não-eu se torna totalmente irrelevante
quando o objetivo for alcançado. Você usa a percepção de si mesmo como uma
habilidade para fabricar o caminho para encontrar a felicidade. Você usa a
percepção de não-eu para desenvolver a despaixão necessária para remover
qualquer desejo de manter-se fabricando experiências, de modo que possa haver
uma abertura para o não-fabricado. Mas, uma vez que houver uma abertura para
essa dimensão sem-morte, você abre mão de todas as percepções e ali está a
felicidade suprema. Nesse ponto, você não se preocupa se há ou não um eu ou
um não-eu tendo essa experiência. E isso é tudo de que você precisa.
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Glossário
Ajaan (em Tailandês): Professor; mentor.
Bhava: Devenir, tornar-se. O ato de assumir uma identidade em um mundo
específico de experiência. O devenir pode ocorrer em um nível macro, como
quando se assume uma nova identidade física e mental após a morte, ou em um
nível micro, dentro da mente. Existem três níveis de devenir: nos níveis de
sensualidade, no nível da forma e no nível sem forma.
Consciência: A palavra “consciência” pode ser utilizada das seguintes
maneiras:
1) Consciência (cetas), “awareness” em inglês: Ato mental de
consciência “elementar/básica” que está ciente e alerta aos fenômenos
mentais.
2) Consciência sensorial (viññāṇa khandha), “consciousness
aggregate” ou “sensory consciousness” em inglês: Referente a consciência
dos seis sentidos. Por exemplo, quando campos visuais fazem contato
com os olhos, ou quando pensamentos ocorrem na mente, a consciência
deles surge simultaneamente. Quando o objeto deixa de fazer contato
com os sentidos, a consciência que o reconheceu também
desaparece simultaneamente.
3) Consciência sem superfície (viññāṇa
anidassanaṁ), “Consciousness without surface” em inglês: É uma
consciência que se pode vir a experienciar quando ocorre a cessação dos
seis sentidos e o desaparecimento de seus objetos.
Corrupções Mentais (kilesas): as corrupções são forças psicológicas e
emocionais negativas existentes na mente e no coração de todos os seres vivos.
Essas forças corrompem nossas intenções e afetam a maneira com que pensamos,
falamos e agimos. Essas corrupções são divididas em três categorias básicas:
ganância, raiva e delusão. A pessoa que atingir a Libertação Total estará livre
dessas corrupções por completo.
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Despaixão (virāga): Geralmente encontramos a palavra virāga sendo
traduzida como desapego, provavelmente devido ao fato de a palavra despaixão
ainda não ser uma palavra oficial na língua portuguesa. Quando usamos a
palavra paixão — rāga— estamos falando sobre a força que move os seres vivos
a fabricar suas experiências a partir da matéria bruta proveniente de seu karma
passado. A despaixão vem do insight que acontece quando enxergamos que a
felicidade que vem das fabricações nunca poderá realmente satisfazer a “fome”
que a mente sente pela felicidade verdadeira. Quando a mente sente despaixão
por todas as fabricações, o processo de fabricação para — porque a força
motivadora por trás dessas fabricações cessou — e a felicidade transcendental da
dimensão não-fabricada pode aparecer.
Podemos distinguir o desapego da despaixão dizendo que ele acontece em
vários níveis mundanos. Por exemplo, geralmente abrimos mão de alguma coisa
porque agarramos outra coisa que achamos melhor — mais prazeroso — ou
porque ela nos beneficia mais, ou por uma simples questão de sobrevivência,
adaptação e autoproteção. Todos já tivemos alguma experiência de desapego em
nossas vidas, mas nos referimos à paixão como sendo algo subjacente ao apego,
algo ainda mais sutil e entranhado na mente e em nossos corações. Ela é a causa
do sofrimento e é a razão pela qual não atingimos o incondicional.
Agora, o que isso quer dizer na prática? Podemos usar nossos apegos hábeis
para aprender e praticar o nobre caminho óctuplo e abandonarmos quaisquer
que sejam nossos hábitos inábeis, ou seja, tentamos instigar um senso de
desapego por eles. Assim, podemos entender que usaremos nossos apegos e
desapegos como táticas para levar à despaixão.
Por isso, escolhemos usar a palavra despaixão em vez de desapego para
traduzir a palavra em Pāli virāga.
Deva: Literalmente, “brilhante”. Um habitante dos reinos terrestres e
celestes mais elevados do que o reino humano.
Dhamma: (1) Evento; ação. (2) Um fenômeno em si. (3) Qualidade mental.
(4) Doutrina, ensino. (5) Nibānna (embora haja passagens no Cânon Pāli
descrevendo nibānna como o abandono de todos os dhammas). Em sânscrito:
dharma.
Durião: Fruto de uma grande árvore bombacácea (Durio zibethinus) —
também chamada de durião — de flores hermafroditas, alvas, com cálice
campanulado, frutos oblongos, grandes, esverdeados e espinescentes, de odor
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nauseabundo, com sementes envoltas em polpa alva e macia, comestíveis.
Insight (vipassana), “Visão-Clara Liberadora” ou “enxergar claramente”:
Significa claro discernimento intuitivo relacionado com os fenômenos mentais e
físicos quando eles surgem e desaparecem, vendo-os como são de acordo com as
Quatro Nobres Verdades e de acordo com as percepções de inconstância, stress e
do não-eu.
Jhāna: Absorção mental. Um estado de forte concentração focada em uma
única sensação ou noção mental. Em sânscrito: dhyana. Os quatro jhānas
contam como Concentração Correta quando feito junto com a Mindfulness
Correta e tendo o objeto de meditação correto em mente, ou seja, a respiração.
Karma: Ato intencional. Em Sânscrito: karma.
Khandha: Agregado; amontoado; pilha. Os agregados são os blocos de
construção básicos de experiência descritível, bem como os blocos de construção
a partir do qual é construído de uma noção do “eu”. Há cinco ao todo: forma,
sensação, percepção, fabricações de pensamentos e consciência sensorial. Em
sânscrito: skandha.
Kuti: Uma cabana ou casebre pequeno e simplório. Habitação de um monge
ou meditador.
Luang Puu (em Tailandês): Avô Venerável; um título para um monge idoso
e muito respeitado.
Mindfulness (sati): É a habilidade de manter algo em mente, constantemente,
sem interrupções. É uma função da memória operativa, apta a evocar para a
mente e manter presente as instruções e intenções que serão úteis no caminho
para a libertação total.
Não-eu (anatta), ou “Not-self” em inglês: é extremamente importante que o
leitor não pense equivocadamente que o Buddha ensinou que “não existe um
ser” ou que “não há um eu”. Pelo contrário, ele sempre se negava a responder
perguntas sobre este assunto por considerá-las mal formadas e sempre
recomendava não se empenhar em investigar: “Se existe um eu ou não”. Este
termo, assim como “inconstância” (anicca) e “sofrimento” (dukkha), era
ensinado pelo Buddha como uma ferramenta mental e como uma “percepção”
(anupassana) a ser exercitada com o objetivo de produzir certo resultado — o
desapego e a despaixão na mente.
91
Nibānna: Literalmente, o “desprendimento” da mente da paixão, aversão e
delusão, e de todo o ciclo de morte e renascimento. Como este termo também
denota a extinção de um fogo, ele carrega a conotação de acalmar, esfriar, um
estado de paz. Em sânscrito: nirvana.
Pāli: O nome do Cânone mais antigo existente dos ensinamentos do
Buddha. Pāli significa primeiramente o Cânone, e, em segundo, a linguagem que
adotou o significado proveniente do Cânone.
Sutta: Discurso. Em sânscrito: sutra.
Upasika: Discípula leiga.
Vipassana: Insight. “Visão-Clara Liberadora” ou “enxergar claramente”:
Significa claro discernimento intuitivo relacionado com os fenômenos mentais e
físicos quando eles surgem e desaparecem, vendo-os como são de acordo com as
Quatro Nobres Verdades e as percepções de inconstância, stress e do não-eu.
Se algo nessa tradução é impreciso ou enganador, peço perdão ao autor e ao
leitor por ter permanecido inadvertidamente em seu caminho. Quanto ao que
quer que seja preciso, espero que o leitor faça o melhor uso dele, traduzindo-o
em alguns passos adiante, no coração, de modo a alcançar a verdade que ele
aponta.
O tradutor
sabbe satta sada hontu
avera sukha-jivino
katam puñña-phalam mayham
sabbe bhagi bhavantu te
Que todos os seres vivos vivam felizes,
sempre livres de animosidade.
Que todos eles compartilhem das bençãos
vindas do bem que eu fiz.
92
Table of Contents
Página do título
Direitos autorais
Introdução
As Perguntas do Sofrimento
Uma visão geral do Caminho
O Entendimento Correto sobre A Perspectiva Correta
A Perspectiva Correta
A Resolução Correta
A Fala Correta
A Ação Correta
O Modo de Vida Correto
O Esforço Correto
A Mindfulness Correta
O Segundo Quadro de Referência
O Terceiro Quadro de Referência
O Quarto Quadro de Referência
A Concentração Correta
Os Usos da Concentração Correta
Glossário
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