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Universidade Anhembi Morumbi JAQUELINE DE OLIVEIRA NARRATIVA TRANSMÍDIA LATINO-AMERICANA: UM ESTUDO SOBRE PRODUÇÕES TRANSMÍDIA DA AMÉRICA LATINA, ESPECIFICIDADES E AFINIDADES São Paulo 2019 JAQUELINE DE OLIVEIRA NARRATIVA TRANSMÍDIA LATINO-AMERICANA: UM ESTUDO SOBRE PRODUÇÕES TRANSMÍDIA DA AMÉRICA LATINA, ESPECIFICIDADES E AFINIDADES Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora, como exigência para a obtenção do título de Mestra do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, área de concentração em Comunicação Audiovisual da Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientação do Prof. Dr.Vicente Gosciola. São Paulo 2019 JAQUELINE DE OLIVEIRA NARRATIVA TRANSMÍDIA LATINO-AMERICANA: UM ESTUDO SOBRE PRODUÇÕES TRANSMÍDIA DA AMÉRICA LATINA, ESPECIFICIDADES E AFINIDADES Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora, como exigência para a obtenção do título de Mestra do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, área de concentração em Comunicação Audiovisual da Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientação do Prof. Dr. Vicente Gosciola. Aprovado em / / Prof. Dr. Vicente Gosciola Prof. Dr. David de Oliveira Lemes Profa. Dra. Maria Ignês Carlos Magno DEDICATÓRIA Toda luta é cansativa e demorada, toda memória é derrota e conquista, toda vida cresce e alcança. Esse alcance, eu devo aos que estiveram comigo de verdade. AGRADECIMENTOS Agradeço à Universidade Anhembi Morumbi pela bolsa de estudos com base no mérito, seus excelentes professores e principalmente ao meu orientador, o Professor Doutor Vicente Gosciola, por acreditar em minha capacidade e estar presente durante toda essa minha trajetória acadêmica. Agradeço especialmente aos entrevistados: Fernando Irigaray, Paula Sachetta, Laura Piaggio e Juan Guillermo Prado que tão prontamente me concederam seu valioso tempo para me contar um pouco sobre suas produções. Agradeço a Deus pela força diária, saúde e vontade de seguir em frente, pois sem fé, jamais chegaria até aqui. A minha família, especialmente meus pais e minhas irmãs, que tão pacientemente me apoiaram e me deram suporte para que eu pudesse me ausentar, fosse para participar em congressos ou em casa mergulhada nos estudos. Aos colegas de trabalho, pela flexibilidade e auxílio sempre que necessário, aos queridos colegas da Associação EraTransmidia, em especial ao Rodrigo Arnaut e Rodrigo Terra, que confiaram a mim a tarefa de traduzir a transmídia latinoamericana em nossos encontros e eventos pelo Brasil. As minhas queridas amigas e amigos quesempre me incentivaram de alguma forma, fosse com palavras de apoio ou com demonstrações de carinho (não preciso citá-los, pois sabem de quem estou falando). Aos meus cães, Gamby e Caramela, minhas únicas companhias madrugada à dentro. E a todos que encontrei pelo caminho, pois, por mais que esse trabalho tenha sido feito por mim, sem a presença de pessoas e criaturas tão especiais em minha vida, ele jamais teria se tornado algo concreto. RESUMO O objetivo deste estudo é destacar o uso da narrativa transmídia em projetos audiovisuais latino-americanos, e que, a partir desse formato de produção, alcançaram repercussões positivas em suas respectivas sociedades. Os projetos escolhidos como objeto de estudos são de quatro países: Mujeres en Venta (Argentina, 2015), Precisamos Falar do Assédio (Brasil, 2015), Cuentos de Viejos (Colômbia, 2013) e Puzzle Negro (Chile, 2014). Trata-se de um estudo teórico dos meios de comunicação e processos interativos da narrativa transmídia, bem como das especificidades em seus contextos sociais, sob a ótica de autores relacionados à convergência digital, a sociedade em rede, a cultura de participação e aos avanços tecnológicos ligados às novas narrativas audiovisuais. Partindo desse estudo, a transmídia é apontada como uma importante ferramenta de expansão e prolongamento de uma narrativa, gerando novos formatos de produção e mobilidade de conteúdo. Nesse sentido, é abordado como diferentes países promovem e envolvem seu público por meio de projetos audiovisuais que usam formatos analógicos e digitais para transmissão e visualização de conteúdo destinado a segmentos de entretenimento e de interesse social distintos. Além da análise teórica, foi realizada uma entrevista semi-estruturada com cada produtor dos projetos aqui apresentados, com o intuito de ampliar o estudo e comparar as respectivas produções visando encontrar possíveis afinidades entre si. O resultado adquirido é uma ampla gama de detalhes sob aspectos sociais e culturais do processo de produção audiovisual latino-americano diante do cenário atual pautado pela velocidade dos meios de comunicação e do surgimento das novas mídias. Palavras-Chave: Audiovisual; Narrativa Transmídia; Sociedade em Rede; Cultura Participativa; América Latina ABSTRACT The purpose of this study is to highlight the use of transmedia narrative in Latin American audiovisual projects, and that, from this production format, have had positive repercussions in their respective societies. The projects chosen as object of studies are of four countries: Mujeres en Venta (Argentina, 2015), We Need to Talk about Harassment (Brazil, 2015), Cuentos de Viejos (Colombia, 2013) and Puzzle Negro (Chile, 2014). It is a theoretical study of the media and interactive processes of the transmedia narrative, as well as of the specificities in their social contexts, from the perspective of authors related to digital convergence, network society, participation culture and technological advances linked to new audiovisual narratives. Starting from this study, the transmedia is pointed out as an important tool of expansion and extension of a narrative, generating new formats of production and mobility of content. In this sense, it is approached how different countries promote and involve their audience through audiovisual projects that use analog and digital formats for transmission and visualization of content destined to different segments of entertainment and social interest. In addition to the theoretical analysis, a semi-structured interview was conducted with each producer of the projects presented here, in order to broaden the study and compare the respective productions in order to find possible affinities among them. The result is a wide range of details under social and cultural aspects of the Latin American audiovisual production process, given the current scenario the speed of the media and the emergence of new media. Key Words: Audio-visual; Transmedia Narrative; Network in Society; Participatory Culture; Latin America LISTA DE FIGURAS Figura 01 – Expansão de conteúdo para múltiplas plataformas de mídia.................................26 Figura 02 – Videogame.............................................................................................................28 Figura 03 – O desenho animado...............................................................................................28 Figura 04 – O desenho animado...............................................................................................29 Figura 05 – Videogame.............................................................................................................29 Figura 06 – Universo narrativo de Star Wars...........................................................................32 Figura 07 – Desdobramentos Multiplataformas da Animação.................................................34 Figura 08 – Universo Multiplataforma da Animação...............................................................34 Figura 09 – Mundo da história..................................................................................................36 Figura 10 – Franquia de filmes, Piratas do Caribe..................................................................40 Figura 11 – Primeiro esquema de mídias e conexões do Projeto..............................................50 Figura 12 – Histórias em Quadrinhos.......................................................................................52 Figura 13 – Vídeo que mostra as Impressões em Realidade Aumentada.................................53 Figura 14 – Captura de Tela do Vídeo sobre as divulgações em led........................................54 Figura 15 – Captura de Tela da Campanha de led feita no Shopping Mall..............................55 Figura 16 – Captura de Tela do Mapa Colaborativo.................................................................56 Figura 17 – Captura de Tela do Documentário para TV...........................................................57 Figura 18 – Capa do Livro........................................................................................................58 Figura 19 – Captura de Tela dos Microvídeos para TV............................................................58 Figura 20 – Captura de Tela do Movisodeo..............................................................................59 Figura 21 – Galeria de Fotos.....................................................................................................60 Figura 22 – Captura de tela da conta de Mujeres en Venta no Twitter.....................................61 Figura 23 – Captura de Tela da conta de Mujeres en Venta no Facebook...............................61 Figura 24 – Cronograma de uso das Multiplataformas de Mídia do projetoMujeres en Venta.........................................................................................................................................62 Figura 25 – Universo Multiplataforma de Mujeres en Venta...................................................64 Figura 26 – Captura de Tela do Vídeo de Chamada feito para as Redes Sociais e TV............66 Figura 27 – Captura de Tela dovídeo chamada feito para as Redes Sociais e TV com os locais de gravação...............................................................................................................................67 Figura 28 – Captura de tela da Reportagem feita durante a execução do projeto na cidade de São Paulo ..................................................................................................................................67 Figura 29 – Captura de tela do Instagram do projeto................................................................68 Figura 30 – Mulheres perguntando sobre o projeto..................................................................68 Figura 31 – Van-estúdio ...........................................................................................................69 Figura 32 –Máscaras do projeto, Precisamos Falar do Assédio..............................................70 Figura 33 – Captura de tela do Site, Precisamos Falar do Assédio..........................................71 Figura 34 – Captura de tela da área Fale! do menu de serviços do site do projeto...................72 Figura 35 – Imagem de divulgação do projeto.........................................................................74 Figura 36 – Captura de tela do site de Cuentos de Viejos.........................................................76 Figura 37– Captura de tela da página Envía una historia........................................................77 Figura 38 – Captura de tela do menu ¿Te acuerdes de...?, que separa as histórias por temas.........................................................................................................................................78 Figura 39 – Página do Facebook do projeto.............................................................................79 Figura 40 – Captura de tela do Instagram do projeto................................................................80 Figura 41 – Captura de tela do menu de serviços do site que disponibiliza um resumo de todos os capítulos de cada temporada................................................................................................80 Figura 42 – Arte de promoção da série....................................................................................86 Figura 43 – Imagem da tela principal do jogo para computador..............................................87 Figura 44 – Captura de tela da página do Facebook do projeto................................................87 Figura 45 – Captura de tela do Twitter do projeto....................................................................88 Figura 46– Captura de tela do Instagram do projeto................................................................88 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Tipos de Participação..............................................................................................94 Tabela 2 – Uso de Plataformas de Mídias Online e Offline......................................................94 Tabela 3 – Tipos de Participação..............................................................................................95 Tabela 4 – Uso de Plataformas de Mídias Online e Offline......................................................95 Tabela 5 – Tipos de Participação..............................................................................................96 Tabela 6 – Uso de Plataformas de Mídias Online e Offline......................................................96 Tabela 7 – Tipos de Participação..............................................................................................97 Tabela 8 – Uso de Plataformas de Mídias Online e Offline......................................................97 Tabela 9 – Estudo Comparativo................................................................................................98 SUMÁRIO 1. TRANSMÍDIA: conceito e aplicabilidade prática ........................................................... 24 1.1 Do Conceito .................................................................................................................... 25 1.2 Da aplicabilidade prática................................................................................................. 37 1.3 A sociedade em rede e a cultura participativa ............................................................... 42 2. A TRANSMÍDIA NA AMÉRICA LATINA: um estudo dos projetos audiovisuais da Argentina, Brasil, Chile e Colômbia ..................................................................................... 48 3.1 Argentina ..................................................................................................................... 49 3.1.1 Mujeres en Venta ..................................................................................................... 49 3.1.1.1 Dificuldades e desafios.......................................................................................... 63 3.2 Brasil ........................................................................................................................... 65 3.2.1 Precisamos Falar do Assédio.................................................................................... 65 3.4.1.1 Dificuldades e desafios.......................................................................................... 73 3.3 Colômbia ..................................................................................................................... 75 3.3.1 Cuentos de Viejos..................................................................................................... 75 3.3.1.1 Dificuldades e desafios.......................................................................................... 81 3.4 Chile ............................................................................................................................ 84 3.4.1 Puzzle Negro ............................................................................................................ 84 3.4.1.1 Dificuldades e desafios.......................................................................................... 91 3. ASPECTOS SOCIAIS E CULTURAIS DAS PRODUÇÕES LATINOAMERICANAS: especificidades e afinidades ...................................................................... 92 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 101 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 103 APÊNDICE A – Metodologia utilizada nas Entrevistas ....................................................... 108 APÊNDICE B – Transcrição da Entrevista com o Diretor da obra, Mujeres en Venta, Fernando Irigaray ................................................................................................................... 110 APÊNDICE C – Transcrição da Entrevista com a Diretora de Precisamos Falar do Assédio, Paula Sacchetta ....................................................................................................................... 119 APÊNDICE D – Transcrição da Entrevista com a roteirista transmídia de Cuento de Viejos, Laura Piaggio .......................................................................................................................... 127 APÊNDICE E – Transcrição da Entrevista com o produtor de Puzzle Negro, Juan Guilhermo Prado.......................................................................................................................................133 ANEXOS ............................................................................................................................... 140 23 INTRODUÇÃO Os avanços tecnológicos presentes na era da informação (séc. XX e XXI) proporcionaram à sociedade inúmeras possibilidades de compartilhamento de informação e engajamento, bem como as ferramentas digitais que potencializaram e expandiram o modo de produção e distribuição de conteúdos audiovisuais, como ocorre com o cinema. O advento da internet como um todo, propicia maior participação e pluralidade nessa sociedade contemporânea que se torna cada vez mais independente dos meios de comunicação de massa e de grandes conglomerados de mídia, principalmente da indústria audiovisual, redemocratizando seu processo de interação e articulação entre diversos grupos e comunidades, ampliando novos modelos de negócios e modificando a estética de consumo do mercado atual. A partir desse período, surge o chamado hipermodernismo (LIPOVESTKY, 2009), classificado como a quarta fase da história do cinema, ao mesmo tempo em que a convergência dos meios digitais se destaca englobando informação, tecnologia e consumo. Essa “convergência deve ser compreendida principalmente como um processo tecnológico que une múltiplas funções dentro dos mesmos aparelhos.” (JENKINS, 2009, p. 29-30). Com acesso a um maior volume de informação e conteúdo, onde o espectador tem a opção de interagir com esses conteúdos que não se limitam somente ao cinema e à televisão, mas que abrangem as redes web vistas hoje como principal ferramenta de produção, distribuição e compartilhamento de conteúdos audiovisuais. Do ponto de vista do consumo desses produtos, a convergência dos meios digitais propaga-se cada vez mais através do uso de múltiplas plataformas de mídia. Desse modo, o conceito de convergência também destaca “à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento migratório da audiência dos meios de comunicação, que são capazes de ir a qualquer parte em busca de experiências de entretenimento que desejam” (JENKINS, 2009, p. 29). Partindo dessa evolução da comunicação digital, sobretudo na comunicação audiovisual, o presente estudo visa abordar em seu primeiro capítulo como surgiu o conceito de narrativa transmídia perpassando por diferentes autores e estudiosos relacionados às produções multiplataformas (KINDER, 1991 e LAURUEL, 2000), a convergência digital (JENKINS, 2009), a sociedade em rede (CASTELLS, 1999), a cultura de participação (SHIRKY, 2010), aos avanços tecnológicos ligados às novas narrativas audiovisuais (MURRAY, 2003) e no segundo capítulo, o desenvolvimento e uso da “bíblia transmídia” (HAYES, 2011; PRATTEN, 2011 e BERNARDO, 2011) criada para produtores e focada na experiência do usuário. 24 Trata-se não só de trazer exemplos de produções transmidiáticas conhecidas na indústria do audiovisual como os grandes sucessos de bilheteria norte americanos, mas, de destacar no terceiro capítulo como os países latino-americanos estão desenvolvendo esse tipo de produção. Se, dentro de seu contexto social e cultural, há mercado, incentivo ou anseio de suas respectivas sociedades de consumir esse formato de produção. Desse modo, para aferir essa questão na América Latina,foram escolhidos os seguintes projetos audiovisuais com base na repercussão que tiveram em seus países: Mujeres en Venta (Argentina, 2015), Precisamos Falar do Assédio (Brasil, 2015), Cuentos de Viejos (Colômbia, 2013) e Puzzle Negro (Chile, 2014). Para tanto, foi desenvolvido um estudo teórico conceitual do que se entende por narrativa transmídia, bem como é realizado o processo de produção de cada nacionalidade, desde seu planejamento a sua execução, distribuição e interação da audiência. O objetivo da pesquisa, é apontar suas características sob diferentes contextos sociais e culturais (MARTINBARBERO, 2003), bem como possíveis afinidades entre si respeitando o estudo conceitual e prático presente corpo de trabalho deste estudo. 25 1. TRANSMÍDIA: conceito e aplicabilidade prática 1.1 Do Conceito Toda e qualquer estrutura narrativa pode ser “sustentada pela linguagem articulada, oral ou escrita, pela imagem fixa ou móvel, pelo gesto ou pela mistura ordenada de todas estas substâncias” (BARTHES, 2011, p.19). Para Barthes, a narrativa é uma hierarquia de instâncias que não apenas se desenvolvem durante uma história, mas que se conectam a um fio condutor. O autor deixa claro que: Compreender uma narrativa não é somente seguir o esvaziamento da história, é também reconhecer nela “estágios”, projetar os encadeamentos, horizontais do “fio” narrativo sobre um eixo implicitamente vertical; ler (escutar) uma narrativa não é somente passar de uma palavra à outra, é também passar de um o nível a outro. (BARTHES, 2011, p.27). A narrativa, de modo geral, está presente nos diferentes formatos de se contar uma história, seja ela por meio da literatura, rádio, cinema, televisão ou pela rede de internet. A partir da afirmação de Barthes, pode-se observar o quanto a literatura contribui para o desencadeamento de universos narrativos, independente da plataforma de mídia utilizada (online ou offline). No entanto, os avanços tecnológicos dos meios de comunicação nos séculos XIX, XX e XXI proporcionaram à sociedade moderna inúmeras possibilidades de compartilhamento e propagação de conteúdos diversos. De acordo com Thompson (1998, p.144-145), esse avanço é atribuído a três desenvolvimentos que, interligados, foram de suma importância para a comunicação sendo: (i) o uso do sistema de transmissão a cabo, que possui um alcance muito maior de transmissão de informações eletronicamente codificadas; (ii) o uso de satélites para comunicação de longa distância e (iii) o crescente uso de métodos digitais no processamento, armazenamento e recuperação da informação. Para Thompson: A digitalização da informação combinada, com o desenvolvimento das tecnologias eletrônicas relacionadas (microprocessadores etc.), aumentou grandemente a capacidade de armazenar e transmitir informações e criou a base para a convergência das tecnologias de informação e comunicação, permitindo que as informações sejam convertidas facilmente para diferentes meios de comunicação. (THOMPSON, 1998, p.145). Em meio à era da informação e da convergência digital, surgem novas possibilidades de produzir e desenvolver histórias por meio do uso da transmedia storytelling ou narrativa transmídia, conceito que consiste em contar uma história dividida em narrativas simultâneas 26 em diferentes plataformas de mídia, sendo que cada uma de suas frentes oferece um conteúdo exclusivo sobre a história principal conforme representado na figura 1. Figura 1 Expansão de conteúdo para múltiplas plataformas de mídia Fonte: Site Digaaí1 Apesar de haver uma conceituação específica para a transmedia storytelling, ainda é possível perceber uma confusão entre os termos transmídia e crossmedia. É importante destacar que se trata de termos e utilizações distintas, onde a crossmedia é a experiência de distribuição de serviços em múltiplas plataformas de mídia, sendo apenas a replicação de um determinado produto comunicacional, sem que haja alteração em seu conteúdo. Deste modo, não é muito difícil ver por aí, produções crossmedia sendo “vendidas” como transmídia. Esta última, no entanto, para a comunicação e produção audiovisual, é de uma importante ferramenta de desdobramento e prolongamento de universos narrativos a serem criados, bem como para os já produzidos. Os primeiros estudos sobre a narrativa transmídia nessa área, foram realizados por pesquisadores, artistas e profissionais norte-americanos – começando por Marsha Kinder (1991) e popularizado, posteriormente, por Henry Jenkins (2003). Para compreender o processo histórico desse conceito, é necessário, primeiro, conhecer sua origem no campo do audiovisual, assim como os principais projetos que se tornaram fenômenos mundiais 1 Disponível em: <https://www.digai.com.br/2015/08/marcas-e-era-transmidia/>. Acesso em: 17 ago. 2018. 27 promovendo novos conceitos e possibilidades de extensão e expansão de determinado universo narrativo. Jenkins explica que: O pessoal da indústria usa o termo extensão para se referir à tentativa de expandir mercados potenciais por meio do movimento de conteúdos por diferentes sistemas de distribuição; “sinergia”, para se referir às oportunidades econômicas representadas pela capacidade de construir e controlar todas essas manifestações; “franquias” para se referir ao empenho coordenado em imprimir uma marca e um mercado a conteúdos ficcionais, sob essas condições. Extensão, sinergia e franquia estão forçando a indústria midiática a aceitar a convergência. (JENKINS, 2009, p. 47). Com esta definição de extensão, podemos relacionar os licenciamentos que determinada obra ou produto pode gerar ao mercado, diferente do contexto de expansão (JENKINS, 2009), que está atrelado ao compromisso do público em colaborar com a expansão de um conteúdo por meio das redes sociais – logo, um marketing positivo feito de forma voluntária por redes de fãs e consumidores de determinada marca ou produto. Gallego vai além dos interesses comerciais expostos por Jenkins e define o conceito de expansão como um movimento de relação social. O conceito de expansão é articulado com a força das relações sociais, não se concentra apenas no envio de conteúdo, mas em ser capaz de transmitir uma mensagem própria que diz algo sobre o perfil do usuário. Este mecanismo de promoção gera níveis mais altos de credibilidade em comparação com os espaços tradicionais de publicidade, pois tem o apoio de confiança no outro. (GALLEGO, 2011, p. 16). Como ferramenta de expansão narrativa, o termo transmídia aparece em 1991 no livro Play in with power in movies, television, and videogames: from muppet babies to teenage mutant ninja turtles, da autora Marsha Kinder, que aborda essa expansão como um “super sistema de intertextualidade transmídia” (KINDER, 1991, p. 3) construído em torno de duas obras de animação infantojuvenis (Muppet Babies2 e Teenage Mutant Ninja Turtles3) transmitidas na TV estadunidense durante as décadas de 80 e 90. Para Kinder: “Muppet Babies é uma série de desenhos animados estadunidense, originalmente transmitida pela CBS em 1984 e encerrada em 1991”. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Muppet_Babies>. Acesso em: 20 jul. 2018. 3 “Teenage Mutant Ninja Turtles é uma animação produzida por Murakami-Wolf-Senso, tendo estreado em 1987”. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/As_Tartarugas_Ninja_(desenho_de_1987)>. Acesso em: 22 jul. 2018. 2 28 Esse processo pós-modernista de reprodução do tema e de sua dinâmica de fortalecimento comercial está sendo intensificado e acelerado no videogame doméstico e em supersistemas comerciais transmídia construídos em torno de figuras como: Teenage Mutant Ninja Turtles [...]. Nessas redes em expansão de sinergia, conectividade, coletividade, reestruturação, novas ordens mundiais (e outras palavras-chave pós-modernistas), crianças, empresas e países estão aprendendo que a intertextualidade transmídia é uma poderosa estratégia de sobrevivência. (KINDER, 1991, p. 38). A partir da reflexão de Kinder, compreende-se que o uso da transmídia é visto como uma importante ferramenta de extensão narrativa e de possibilidades no que tange à relação entre os conteúdos que a TV apresenta a sua audiência. Assim sendo, a transmídia permite propor engajamento e interação com o espectador, além da extensão comercial (licenciamentos e franquias), como ocorreu em Tartarugas Ninjas (figuras 2 e 3) e os Muppets (figuras 4 e 5). Figura 2. Videogame Fonte: Site Nintendo4 Figura 3. O desenho animado Fonte: Site Amazon.com5 Ambos os projetos geraram extensões e expansões narrativas de seus universos ficcionais, fazendo com que suas obras permanecessem atuantes até as gerações de hoje. Tal fenômeno gerou interesse e expectativas nas áreas da comunicação e do entretenimento. De modo geral, a internet e o avanço das tecnologias móveis, trouxeram novas possibilidades de se criar conteúdos audiovisuais para outros formatos de distribuição e utilização, sobretudo, com relação ao público consumidor, que deseja seu conteúdo onde estiver e no dispositivo de mídia que tiver a mão. 4 Disponível em: <https://www.nintendo.pt/Jogos/Nintendo-3DS/Teenage-Mutant-Ninja-Turtles-912219.htm>l. Acesso em: 17 ago. 2018. 5 Disponível em: <https://www.amazon.com/Teenage-Mutant-Turtles-Cartoon-Opening/dp/B015ZDS4AY>. Acesso em: 17 ago. 2018. 29 Figura 4. O desenho animado Fonte: Site Anos 806 Figura 5. Videogame Fonte: SiteAPK Pure.com7 A convergência dos meios de comunicação deve ser compreendida como um fluxo de informação que passa por diversas plataformas de mídia a que, atualmente, nossa sociedade está ligada, afetando, inclusive, nossas práticas sociais de interação. É fato que tal integração demanda maior produção de conteúdo e de plataformas, o que já poderia ser um impeditivo, entretanto, como as tecnologias digitais de comunicação se popularizam, especialmente o acesso à web de banda larga e sem fio, o público está cada vez mais nômade, não só fisicamente como também transita livremente pelas mais diversas telas (GOSCIOLA, 2015). Na era da informação globalizada, Brenda Laurel aponta a necessidade de inovação no que se espera de um conteúdo pós-convergente, fundamental aos produtores de obras multiplataformas. Em seu artigo Creating Core Content in a Post-Convergence World (LAUREL, 2000, p. 3-4), ela explana algumas orientações que contemplam o uso da narrativa transmídia deixando o modelo tradicional de produção de lado para dar espaço aos novos modelos de negócios como: ● pensar em “transmídia”: desistir do modelo antigo e criar uma propriedade raiz em um determinado meio de exibição, como um filme, reutilizando-o, em seguida, para criar propriedades secundárias em outras mídias; 6 7 Disponível em: <http://www.anos80.net/desenhos/muppet-babies/>. Acesso em: 17 ago. 2018. Disponível em: <https://apkpure.com/br/muppet-babies-kermit-adventure/com>. Acesso em: 17 ago. 2018. 30 ● criar ambientes: no coração do conteúdo principal não é uma história, mas um ambiente que irá apoiar muitas histórias, personagens e padrões de jogo; ● desenvolver narrativas fundamentais: parte do conteúdo principal é a narrativa fundacional. Isso pode ser um mito ou um conjunto de histórias, uma história ou uma cronologia; ● providenciar rituais: o ritual é um tipo de forma social em que uma narrativa projetada pode se desdobrar harmoniosamente (e simultaneamente) dentro do contexto maior de um ambiente interativo, no qual a maioria das ações é improvisação; ● incentivar a formação da comunidade: criar situações e condições sociais que estimulem a formação de comunidades. Os fãs devem ser habilitados e incentivados a se comunicar e interagir uns com os outros de várias maneiras possíveis; ● faça autores de audiências: as audiências são capazes de ser autoras de histórias que podem ser publicadas em várias mídias; ● apoie a criação da identidade pessoal: a participação do público em seu mundo é essencial para o seu sucesso. A audiência quer ser reconhecida e ter identidade no contexto do seu mundo; ● crie tratamentos e cenários para vários dispositivos e contextos: o conteúdo principal assumirá a forma de desenhos, descrições e narrativas. Para testar sua resiliência em um mundo pós-convergência, crie cenários ou tratamentos que originem o conteúdo principal em variados contextos situados em diferentes dispositivos. Ao se referir ao mundo pós-convergência, Laurel não só explica a importância de pensar a transmídia desde o início de um projeto, como afirma a primordialidade de se deixar o método tradicional de produção de lado para dar espaço a novos modelos expansíveis e interativos, observando a necessidade da audiência como prerrogativa básica para o seu sucesso. Tal necessidade está diretamente ligada à interação da audiência com a produção apresentada. Um exemplo dessa interação pós-convergente são as experiências vividas pelos usuários de jogos de realidade virtual (RV)8 – que podem ser individuais ou em grupo –, compreendidas por Adam Nash como: [...] uma fase de desempenho virtual não linear, digital, em rede, de tal forma que é possível afirmar que, quando um usuário está interagindo com um desses trabalhos, constitui uma forma de desempenho ao vivo entre o artista 8 É uma tecnologia de interface entre um usuário e um sistema operacional através de recursos gráficos 3D ou imagens 360º cujo objetivo é criar a sensação de presença em um ambiente virtual diferente do real. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Realidade_virtual>. Acesso em: 04 jan. 2019. 31 e o usuário porque está acontecendo no tempo real do usuário (ou seja, ao vivo), é exclusivo da interação entre o usuário e o trabalho apresentado [...] (NASH, 2010, p. 73). Os mundos virtuais apresentam uma matriz complexa de relações interdependentes entre elementos de mídia, como som, visão, rede, tempo, interatividade e tecnologias anteriores. As realidades virtual, aumentada (RA)9 ou mista (RM)10 podem ser ferramentas complementares à expansão e imersão de um determinado universo narrativo que usa como base a transmedia storytelling, que “surge como uma nova estética decorrente da convergência das mídias” (JENKINS, 2009, p.49). Por meio dela, é possível ampliar o conceito de produção sem focar apenas em um modelo de distribuição e consumo. Em síntese, uma ferramenta que possibilita inúmeras formas de se desenvolver uma história, seja ela de ficção ou não ficção. Para que a construção do universo narrativo transmídia se propague, é necessário um amplo engajamento e participação ativa da audiência, que se protagoniza nas plataformas digitais (redes sociais e demais sistemas virtuais de interação), importantes ferramentas de comunicação e compartilhamento de informação. Esse processo fica evidente nas grandes franquias de filmes conhecidas, como Guerra nas Estrelas (Star Wars, George Lucas, 1977) e O Senhor dos Anéis (Lord of the Rings, Peter Jackson, 2001), entre outros. Nesse contexto, atualmente, destacam-se os projetos do Universo Marvel11, conhecidos mundialmente por criar sua própria mitologia. Todos esses projetos possuem algo em comum: originaram-se da literatura (livros e quadrinhos) e se expandiram em múltiplos formatos de mídia (TV, webséries, animação, jogos de realidade virtual, realidade aumentada, documentários, videogames e outros), resultando no fenômeno atual, ultrapassando fronteiras e prolongando seu ciclo de vida. São produtos que fazem legiões de fãs pelo mundo todo, fãs que colaboram de modo direto e indireto com sua consolidação e perpetuação em diferentes formatos de exibição e modos de consumo por meio de, fandoms (comunidades de fãs) e fanfictions (conteúdo de ficção criado por fãs). Na figura 6, é possível observar como se deu a extensão narrativa da franquia Star 9 É a integração de elementos ou informações virtuais a visualizações do mundo real através de uma câmera e com o uso de sensores de movimento como giroscópio e acelerômetro. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Realidade_aumentada>. Acesso em: 04 jan. 2019. 10 É a tecnologia que une características da realidade virtual com a realidade aumentada. Esta insere objetos virtuais no mundo real e permite a interação do usuário com os objetos, produzindo novos ambientes nos quais itens físicos e virtuais coexistem e interagem em tempo real. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Realidade_mista>. Acesso em: 04 jan. 2019. 11 “O Universo Marvel é retratado como existente dentro de um "multiverso" composto por milhares de universos separados, todas as quais são as criações da Marvel Comics.” Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Universo_Marvel>. Acesso em: 02 fev. 2018. 32 Wars desde sua concepção, enquanto mídia offline (livros e quadrinhos), aos diferentes produtos audiovisuais convergentes em mídias online, como as franquias de filmes, séries, webséries e games. Figura 6. Universo narrativo de Star Wars Fonte: Pinterest12 A transmidialidade desses universos narrativos proporcionou a sua audiência a chance de vivenciar cada história de modo único, interativo e imersivo por meio de diversas mídias, principalmente os meios digitais. Segundo Murray (2003, p.100-153), a narrativa em um ambiente digital oferece ao usuário a possibilidade de experienciar três categorias estéticas, as quais fazem com que o sujeito obtenha maior interação com a história: 1. imersão: a experiência de ser transportado para um lugar simulado. Trata-se de um termo metafórico, derivado da experiência física de estar submerso na água. Esse tipo de experiência pode ser realizado por diversos dispositivos tecnológicos, entre eles os de AR (Augmented Reality ou Realidade Aumentada) e VR (Virtual Reality ou Realidade Virtual); 2. agência: capacidade de realizar ações significativas e ver os resultados de nossas decisões e escolhas que vai além da participação e da atividade. Murray reforça a 12 Disponível em: <https://www.pinterest.co.uk/pin/398779741997027805/>. Acesso em: 17 ago. 2018. 33 interatividade, que não está cunhada apenas no ato de jogar um jogo ou dar cliques no computador, mas de fazer parte daquela agência narrativa; 3. transformação: o poder da transformação em ambientes narrativos digitais, onde programas “metamórficos” dão, a cada usuário, possibilidades de adquirir a máscara (identidade) que quiser. Com a crescente disponibilização de diversos produtos audiovisuais, atualmente, é o consumidor quem demanda a necessidade de receber um produto personalizado e interativo, algo que possibilite sua participação no processo de construção, seja por meio de séries de TV, franquias de filmes, reality shows,13 videogames e, até mesmo, propagandas publicitárias. Para Jenkins, que popularizou o termo transmídia em seu livro Cultura da Convergência (2009), “essa convergência não ocorre por meio de aparelhos, por mais sofisticados que venham a ser [...] ocorre dentro dos cérebros de consumidores individuais e em suas interações sociais com outros” (JENKINS, 2009, p.30). Entretanto, para que essa interação aconteça, é necessário que o produtor de conteúdo ofereça meios flexíveis de visualização e possibilidades de extensão e expansão da narrativa a ser apresentada, criando uma relação de engajamento, imersão e fidelização com sua audiência. As possibilidades da transmídia estão presentes em diferentes tipos de produções como, por exemplo, as séries brasileiras de animação infantil e infantojuvenil, O Diário de Mika (Elizabeth Mendes, 2015) e Zica e os Camaleões (Ari Nicolosi, 2014). Conforme as figuras 7 e 8, ambas foram pensadas, desde a concepção, para serem projetos multiplataforma, focando no engajamento por meio das redes sociais, aproximando seu público de seu universo narrativo. O projeto infantil, O Diário de Mika reflete a necessidade atual de unir conteúdo infantil a novas tecnologias – na história, a personagem principal usa seu tablet para adquirir conhecimento e novas experiências educativas, bem como as crianças do mundo real, que já nascem inseridas nesse contexto de convergência digital. Esse fenômeno das narrativas transmidiáticas está vinculado ao surgimento das chamadas, novas mídias, como o vídeo e o cinema digital, os sites da web, os ambientes e mundos virtuais, os games de computador e de consoles computadorizados, as instalações interativas mediadas por computador, as animações com imagens reais e sintéticas, os domínios da multimídia, os dispositivos móveis e as demais interfaces humano-computador. 13 Programa televisual, baseado na vida real. 34 Figura 7. Desdobramento Multiplataforma da Animação Fonte: Supertoons14 No caso da série infantojuvenil Zica e os Camaleões, sua audiência está diretamente vivenciando o universo narrativo da personagem por meio de múltiplas experiências construídas especificamente para cada plataforma de mídia. Por meio dessa expansão multiplataforma, as tramas podem ser apresentadas a partir de diversos pontos de vista, com histórias paralelas, possibilidades de interferência no enredo por parte da audiência com opções de continuidade ou descontinuidade da narrativa. Figura 8. Universo Multiplataforma da Animação Fonte: conteúdos diversos15 14 15 Disponível em: <http://supertoons.com.br/homologacao/>. Acesso em: 07 jan. 2019. Disponível em: <https://www.conteudosdiversos.com.br/zica-e-os-camaleoes>. Acesso em: 07 jan. 2019 35 Para os estudiosos, Sobrinho e Acir: A produção seriada no Brasil ainda não alcança o grau de convergência que é verificado no contexto norte-americano. Pelo que se pode verificar, a realidade efetiva da transmidiação no âmbito narrativo pertence a lugares que detêm tecnologia, e, em termos de negócios, essa “nova ficção” é encabeçada por grandes corporações que estendem seus produtos em escala planetária. (SOBRINHO e ACIR, 2011, p.85). Apesar de não obter o mesmo alcance global ou investimento que a maioria das produções norte-americanas, além do Brasil, outros países latino-americanos – como Argentina, Colômbia e Chile – vêm se dedicando às produções transmidiáticas, de modo a retratar sua realidade social e resgatar sua história e tradições por meio do engajamento junto à sociedade, explorando novos recursos midiáticos e as inúmeras possibilidades das redes web. Para Carolina Di Palma, líder de projetos de convergência do canal infantil argentino Pakapaka16: [...] a multimidialidade e as novas narrativas transmídia também devem ser entendidas como novos potenciais técnicos que contribuem para a autonomia das novas gerações. Hoje, existe a possibilidade de combinar diferentes idiomas ao mesmo tempo ou seguir uma história de telas diferentes. Para assistir a um programa de TV, receba um comentário em um tweet e, a partir daí, encontre um vídeo caseiro ou uma obra literária. Assim, a experiência é enriquecida de acordo com as escolhas de cada usuário, aprendiz ou jogador. (PALMA, 2017, p.78). Todo esse processo de engajamento e compartilhamento de conteúdo está atrelado ao universo narrativo criado com esse fim. O storyworld (mundo da história) precisa fazer sentido, mas, sobretudo, gerar interesse e manter, de modo sustentável, sua expansão narrativa. Tal expansão não acontece sozinha e não é uma responsabilidade só do produtor de conteúdo, do roteirista, mas de toda equipe envolvida no projeto. Todo conteúdo criativo depende de uma série de fatores, porém sua audiência é quem vai assegurar sua durabilidade. Cada história de um projeto transmídia deve ser percebida pela audiência como uma parte cuidadosa e devidamente separada e não como um pedaço cortado a esmo, isto é, a separação das partes da história completa não pode ser feita de modo arbitrário ou aleatório, o ideal é que seja estudada de modo a manter íntegra aquela parte até os seus últimos fragmentos narrativos que assim a caracterizam (GOSCIOLA, 2014, p. 9). 16 Disponível em: <http://www.pakapaka.gob.ar/>. Acesso em: 23 jan. 2019. 36 Em sua afirmação, Gosciola aponta que esses fragmentos narrativos precisam fazer sentido tanto para quem os cria quanto para quem os recebe. Logo, a audiência, que deixou de ser simples receptora de conteúdos prontos, passa a interagir e protagonizar parte desses conteúdos, deixando de ser um consumidor passivo para se tornar um consumidor ativo e cada vez mais exigente. Contudo, há uma larga diferença entre as histórias que são auto fechadas – arranjos lineares de eventos que chegam ao fim – e histórias que possibilitem a extensão de seu “mundo narrativo”. Tornando possível a visualização dos universos narrativos desenvolvidos em uma determinada história (vide figura 9) e sua expansão para diversas plataformas de mídias. Figura 9. Mundo da história Fonte: Bíblia Transmídia Sebrae17 Scolari define a transmedia storytelling como: [...] uma estrutura narrativa particular que se expande por meio de diferentes linguagens (verbal, icônico etc.) e mídias (cinema, quadrinhos, televisão, videogames etc.). [...] não é apenas um adaptação de uma mídia para outra. A história que os quadrinhos contam não é a mesma que foi contada na televisão ou no cinema; as diferentes mídias participam e contribuem para a construção do mundo narrativo transmídia. Esta dispersão textual é uma das mais importantes fontes de complexidade na cultura popular contemporânea. (SCOLARI, 2009, p.2). 17 Disponível em: <http://www.bibliotecas.sebrae.com.br/chronus/ARQUIVOS_CHRONUS/bds/bds.nsf/d6db450eafbf1ac5264e2d 4ca08bcfa7/$File/5901.pdf>. Acesso em: 17 ago. 2018. 37 Essa complexidade mencionada por Scolari trouxe a necessidade de informação capaz de interligar o conceito teórico de produção transmídia a sua aplicação prática, fazendo com que profissionais e estudiosos da área de comunicação audiovisual criassem manuais que os auxiliassem no desenvolvimento de produções transmidiáticas, desde a concepção do universo narrativo (storyworld) até as estratégias de distribuição (pós-produção e comunicação) e engajamento da audiência por meio do uso de diversas plataformas de mídia e redes sociais de comunicação e interação. 1.2 Da aplicabilidade prática Um projeto transmídia é basicamente composto pelos seguintes elementos: storyworld (o universo narrativo); diferentes plataformas de mídia (online e offline); e experiências (engajamento). Para que uma obra seja de fato transmídia, não basta compreender seu conceito, é necessário saber aplicá-lo na prática. Deste modo, além dos teóricos que cunharam o termo transmídia e seu conceito, o presente estudo destaca alguns profissionais e também estudiosos como: Gary P. Hayes (2011), Nuno Bernardo (2011), Jeff Gomez (2013) e Robert Pratten (2015) que, além de aplicar o conceito da narrativa transmídia em suas produções, desenvolveram guias práticos para produtores, com o passo a passo de como criar a chamada “Bíblia Transmídia” de um determinado projeto audiovisual. A Bíblia Transmídia é o documento responsável pelo desenho e planejamento do universo multiplataforma de projeto transmídia, desde a concepção da história até sua distribuição e engajamento com o público. Seu uso permite que decisões sejam tomadas sobre o endereço da história e os meios em que ela pode ser implantada. Gallego descreve a bíblia transmídia como algo que: Não se concentra apenas em uma coleção enciclopédica; sua aplicação maximiza os interesses de uma franquia, tornando visíveis as oportunidades de diálogo entre os criadores do trabalho e seus públicos; essencial para uma metodologia de implementação transmídia. (GALLEGO, 2011, p. 49). O fotógrafo e produtor australiano Gary P. Hayes foi pioneiro no desenvolvimento de um manual para produtores ao criar sua própria bíblia transmídia. No livro How to write a transmedia production bible: A template for multiplatform producers, publicado em 2011, ele propõe um modelo de trabalho dividido em cinco instâncias: (i) tratamento, (ii) especificações funcionais, (iii) especificações de design, (iv) especificações tecnológicas, (v) negócios e marketing. 38 De acordo com Hayes (2011), a bíblia transmídia é, acima de tudo, um documento que contém os elementos da narrativa e o design chave sobre propriedades intelectuais, regras de engajamento, recursos e técnicas utilizadas através de múltiplas plataformas de mídia, além de uma visão geral do plano de marketing e de negócios. Seu principal objetivo é proporcionar uma visão focada nas histórias e revelar os principais pontos da narrativa e arcos de serviço em uma linguagem simples. O foco deve estar na descrição de uma história e de uma experiência envolvente. Para produções que pretendem adotar a transmídia, Hayes destaca principalmente as especificações funcionais, que são as descrições detalhadas da experiência do usuário e dos elementos de interface que constroem uma estrutura mais rígida em torno da história ou serviço.Entre seus principais apontamentos para essa construção estão alguns itens relacionados ao planejamento multiplataforma, como: 1. webisode18: conteúdo de áudio ou vídeo exibido como um arquivo fictício ou série social. Muitas vezes chamado de podcasts,19videocasts20 ou movisodes;·. 2. hub da comunidade: um site de serviço conectado dedicado ao crescimento e gerenciamento de uma comunidade de interesse em torno de uma propriedade; 3. jogos casuais: fácil de pegar, mergulhar e jogar, de jogador individual para multiplayer massivo; 4. instalação física: qualquer projeto que esteja enraizado ou focado em uma construção interativa física fixa, como um quiosque interativo ou uma instalação de som. A interação é, muitas vezes, baseada em eventos, como a projeção de vídeo mapping21 em festivais; 5. social film ou social TV: um projeto híbrido que combina mídias sociais e elementos de vídeo lineares conectados; “São episódios de uma série distribuídos para Web.” Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Webis%C3%B3dio>. Acesso em: 23 jul. 2018. 19 “É uma forma de publicação de ficheiros multimídia (áudio, vídeo, foto, PPS e etc.) na Internet, através de um feed RSS, que permite aos utilizadores acompanhar a sua atualização.” Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Podcasting>. Acesso em: 22 jul. 2018. 20 “Videocast abreviado de Video podcast é um método de distribuição de vídeos pela Internet ou por uma rede de computadores que utiliza as ferramentas desenvolvidas no podcast para criar uma lista de vídeos em forma de streaming e que se atualiza automaticamente, conforme novos vídeos são inseridos em uma página da internet.” Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Vodcast>. Acesso em: 22 jul. 2018. 21 Técnica que consiste na projeção de vídeo em objetos ou superfícies irregulares, tais como estruturas de grandes dimensões, fachadas de edifícios e estátuas. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Video_mapping>. Acesso em: 24 fev. 2019. 18 39 6. jogos: jogos que colocam, especificamente, o usuário no mundo real com cenários para cumprir uma série de objetivos, ou que usam mecanismos de jogo, mas com uma intenção educativa subjacente; 7. serviço baseado em localização: contando histórias, executando serviços ou jogos em áreas definidas, geo armazenadas e relativamente grandes, camadas e elementos sobre o mundo real usando sistemas GPS ou marcadores; 8. social media storytelling: usando uma gama de redes sociais existentes como canais para fornecer narrativa fictícia ou factual; 9. games - 3D worlds: formatos de jogos orientados por objetivos com alta produção, valores e narrativas estendidas; 10. mundos virtuais sociais: um espaço virtual compartilhado onde a intenção chave é permitir que os usuários se socializem e criem suas próprias histórias (um tema em comum); 11. sites unidirecionais: uma categoria óbvia; com um simples folheto estático no site que pode ser usado comercialmente ou como parte de um site fictício da narrativa; Hayes ainda destaca que: Embora a terminologia varie em toda a indústria digital, é fundamental que a bíblia de produção para o serviço descreva exatamente "o que é" a partir de uma funcional perspectiva de formulário. Esta seção também cobrirá quaisquer recursos ou variações especiais dos componentes principais, bem como quaisquer combinações únicas de elementos (HAYES, 2011, p.6). Diante das orientações de Hayes, entende-se que todo projeto transmídia deve ser realizado em conjunto com uma equipe multidisciplinar, isto é, diferentes formações e especializações técnicas – além de ter como premissa conhecer bem as novas tecnologias de mídia, bem como a linguagem de conteúdo multiplataforma, a fim de ampliar a criação de novos conteúdos interativos. Jeff Gomez, CEO da Starlight Runner Entertainment22, primeira empresa especializada em criação e adaptação para conteúdo transmídia no mundo, define a transmedia storytelling como: [...] um processo de transmissão de mensagens, temas ou linhas de história para o grande público através do uso engenhoso e bem planejado de múltiplas plataformas de mídia. É, ao mesmo tempo, uma técnica e uma 22 Disponível em: <https://starlightrunner.com>. Acesso em: 22 jul. 2018. 40 filosofia da comunicação e extensão de marca que enriquece e amplia o ciclo de vida de conteúdos criativos. (GOMEZ, 2013). Na visão de Gomez, as narrativas multiplataformas e interativas permitem que as pessoas, anteriormente sem voz ativa, possam ser ouvidas. A transmídia permite, além da interação entre produtor e audiência, a extensão da narrativa criando, novas histórias e prolongando a vida do produto inicial. Em seu artigo, Pirates Of The Caribbean – Brand Essence, Creative Guidelines & Transmedia Extension,23 Gomez expõe como se deu o processo de transmidialização do blockbuster, Piratas no Caribe (Pirates of the Caribbean, Gory Verbinski e Rob Marshall, 2003), filme inspirado num brinquedo temático do parque da Disney. Na época, a Disney havia subestimado as possibilidades de licenciamento do projeto, e, em 2005, o então diretor de criação, Oren Aviv, contratou a Starlight Runner para fazer uma análise da marca, organizar e explicar o mundo da história do projeto trabalhando em todas as divisões da Disney e afiliados globais com o intuito de maximizar as oportunidades em torno das sequências do filme (figura 10). O projeto, que duraria cinco anos para ser finalizado, definiria o padrão de futuros lançamentos de projetos multiplataformas da Disney. Segundo Gomez, dentre as principais dificuldades encontradas durante a execução desse projeto, o mais difícil foi conseguir alinhar a comunicação a respeito do universo narrativo da franquia e suas possibilidades de expansão, que não eram compreendidas pelos detentores do projeto em si. Figura 10. Franquia de filmes, Piratas do Caribe Fonte: Site Formiga Elétrica24 23 Disponível em: <https://starlightrunner.com/portfolio-items/pirates-of-the-caribbean-brand-essence-creativeguidelines-transmedia-extension/>. Acesso em: 23 jul. 2018. 24 Disponível em: <https://formigaeletrica.com.br/cinema/artigos/ranking-piratas-do-caribe/>. Acesso em: 18 ago. 2018. 41 Pensando na gestão de conteúdo multiplataforma, o storyteller (contador de histórias) multiplataformas e, também, um dos pioneiros em gestão de projetos transmídia, o inglês Robert Pratten criou e desenvolveu um software para integração de histórias em várias mídias. Denominado Conducttr25, é utilizado para organizar todas as tarefas de desenvolvimento, implementação, teste e monitoramento da execução de um determinado projeto. Em 2011, Pratten lançou o livro, Getting Startedin Transmedia Storytelling, um guia prático para o desenvolvimento de entretenimento interplataformas. Para Pratten: [...] transmedia storytelling significa contar uma história através de vários meios de comunicação e, de preferência, embora nem sempre aconteça, com um grau de participação, interação ou colaboração do público. (PRATTEN, 2011, p.11). Pratten também reforça que a interação com a audiência é crucial para um conteúdo que pretende atingir o maior número de pessoas por meio do uso de diversas plataformas de mídias. Na mesma linha de Hayes e Pratten, o produtor e diretor brasileiro Nuno Bernardo escreveu dois livros sobre produção transmídia: The Producer’s Guide to Transmedia, publicado em 2011, e, posteriormente, em 2014, Transmedia 2.0, ambos com o objetivo de demonstrar aos produtores e aspirantes a produtores transmídia o “como fazer” na prática, sempre seguindo alguns princípios conceituais estratégicos e técnicos, sobretudo o de manter o engajamento com a audiência, principal responsável pelo prolongamento de um projeto transmídia. Os guias apresentados por estes profissionais podem ser aplicados a qualquer projeto, porém, é necessário observar e estudar as necessidades de cada história a ser contada, respeitando seu contexto social e cultural. Nesse sentido, é importante que cada produção desenvolva sua bíblia, seu planejamento de produção conforme suas especificidades. Observando esse contexto no Chile, a Faculdade de Comunicações da PUC26, por meio do programa Acción Audiovisual, desenvolveu, com a participação de diferentes pesquisadores e profissionais do mercado, um guia para produções multiplataformas intitulado Guía para la Producción y Distribuición de Contenidos Transmedia para Multiples Plataformas (2012). Trata-se de uma ferramenta de informação estratégica e metodológica com o intuito de contribuir com empresas audiovisuais de conteúdo chileno, incorporando-as aos novos modelos de negócios com maior competitividade de mercado. 25 Disponível em: <https://www.conducttr.com/>. Acesso em: 22 jul. 2018. Disponível em: <https://www.uc.cl/>. Acesso em: 23 jan. 2019. 26 42 O que há em comum entre os guias práticos apresentados aqui e as orientações conceituais explanadas por Kinder, Laurel e Jenkins é que, sem a participação do público, usuário, consumidor ou audiência, não há interação e, tão pouco, possibilidades de expansão narrativa. Em suma, a narrativa transmídia pode ser aplicada a inúmeros projetos audiovisuais de diferentes gêneros e vertentes, inclusive como uma importante ferramenta de marketing digital, mas, para que sua aplicação obtenha sucesso, é necessário que seu planejamento esteja alinhado com o entendimento de que, em tempos de convergência e de pós-convergência, quem, de fato, determina se o projeto gera o interesse e o consumo esperado é a audiência. 1.3 A sociedade em rede e a cultura participativa Segundo O’Relly (2005), são sete os princípios básicos da web 2.0: 1) a World Wide Web como plataforma de trabalho; 2) o reforço da ideia de inteligência coletiva; 3) a gestão de base de dados como competência primária; 4) a constante atualização gratuita dos dados e dos serviços disponíveis na rede; 5) a utilização de modelos de programação rápidos e a busca da simplicidade; 6) software não limitado a um único dispositivo; 7) o valor agregado das experiências dos internautas. Portanto, esse quadro tecnológico traz consigo o surgimento de outro sujeito que potencialmente pode participar de modo ativo na construção da significação em rede. A internet e a expansão das novas tecnologias a partir da web - definida por Hakim Bey, em seu livro, Zona Autônoma Temporária – TAZ (1985) como uma estrutura aberta, alternada e horizontal de troca de informações, em oposição à internet, que seria hierarquizada e elitizada (a totalidade de todas as transferências de informações e de dados) –, contribuíram relevantemente para que movimentos sociais antes sem voz desenvolvessem seus próprios veículos e ferramentas de comunicação independente. Shirky (2010) destaca esse avanço como algo fundamental para a participação social. Num histórico piscar de olhos, passamos de um mundo com dois modelos diferentes de mídias - transmissões públicas por profissionais e conversas privadas entre pares de pessoas - para um mundo no qual se mesclam a comunicação social pública e a privada, em que a produção profissional e a amadora se confundem e em que a participação pública voluntária passou de inexistente para fundamental. Esse foi um grande negócio, mesmo quando as redes digitais eram utilizadas apenas por uma elite de cidadãos abastados, mas agora está se tornando um negócio muito maior, já que a população conectada se espalhou globalmente e cruzou a marca de bilhões. (SHIRKY, 2010, p. 186). 43 As pessoas, de modo geral, se reúnem em grupos e, por meio desses grupos, criam redes que conversam entre si, compartilhando e, trocando conteúdos afins. Esse conceito de sociabilidade é [...] “a capacidade humana de estabelecer redes, através das quais as unidades de atividades, individuais ou coletivas, fazem circular as informações que exprimem seus interesses, gostos, paixões, opiniões [...]”. (BAECHLER, p. 65-66). A pluralidade da sociedade em rede como um todo se desvincula cada vez mais dos meios de comunicação de massa e seus grandes conglomerados de mídia para se tornar mais independente e participativa. A comunicação de massa baseia-se em redes horizontais de comunicação interativa que, geralmente, são difíceis de controlar por parte de governos ou empresas. [...] a comunicação digital é multimodal e permite a referência constante a um hipertexto global de informações, cujos componentes podem ser remixados pelo ator comunicativo [...] a auto comunicação de massa fornece a plataforma tecnológica para a construção da autonomia do ator social, seja ele individual ou coletivo, em relação às instituições da sociedade. (CASTELLS, 2013, p.15). Deste modo, entende-se que O’Relly, Bey, Baechler e Castells pretendem dizer, em seus estudos e análises do comportamento social a partir do surgimento das novas tecnologias, que a figura participativa do usuário sempre será de suma importância no período em que vivemos. Pois, é a partir dessa participação da sociedade diretamente conectada aos meios que surge a redemocratização de seu processo de interação e articulação entre diversos grupos ou comunidades, ampliando novos modelos de trabalho e modificando a estética de consumo de conteúdos em geral. Atualmente, pressupõe-se que estar conectado e participando ativamente de algo virtual é, também, um modo de se engajar socialmente. Nos casos mais específicos de caráter social, é um modo moderno de se exercer a cidadania e ocupar novos espaços urbanos. A convergência digital fornece a base estrutural que é necessária a qualquer movimento participativo. Castells descreve a sociedade em rede como, “uma sociedade caracterizada pela primazia da morfologia social sobre a ação social.” (CASTELLS, 1999, p.497). Para ele: É constituída por redes de informação que processam, armazenam e transmitem informação sem restrições de distância, tempo ou volume. Esta nova forma de se entender o desenvolvimento da sociedade se baseia no fenômeno da globalização e do crescente desenvolvimento da internet como um todo (CASTELLS, 1999, p.91-99). Uma sociedade conectada faz um grande intercâmbio de ideias e conhecimento, possibilitando a criação e compartilhamento de novos conteúdos. Todas as áreas do mundo 44 globalizado, de alguma maneira estão atreladas a essa convergência, que traz novas possibilidades e novos formatos de consumo. Trata-se de consumidores de conteúdo distribuídos em diferentes seguimentos. Logo, as redes, de maneira geral, constituem nossa visão de mundo e estão, cada vez mais, pautando nossas ações, ainda que direcionadas, em alguns aspectos, pela lógica capitalista destacada por Castells (1999). Ao descrever o conceito de cultura participativa em seu livro Cultura da Convergência, Henry Jenkins (2009) diz que a convergência dos meios de comunicação em múltiplas plataformas vai além da tecnologia, pois, para que isto aconteça, é preciso uma transformação cultural na cabeça dos consumidores. Cabe ao consumidor construir a própria história e a fragmentar de acordo com seu cotidiano. A expressão cultura participativa contrasta com noções mais antigas sobre a passividade dos espectadores dos meios de comunicação. Em vez de falar sobre produtores e consumidores de mídia como ocupantes de papéis separados, podemos agora considerá-los como participantes interagindo de acordo com um novo conjunto de regras, que nenhum de nós entende por completo. (JENKINS, 2009, p. 30). Jenkins destaca, ainda, que cada consumidor recebe a informação de forma individual e participa de acordo com sua cultura emergente. Por isso, um conteúdo midiático pode ser compartilhado de acordo com a cultura, a comunidade e o modo de participação do indivíduo, independente da sua posição geográfica, graças à mudança do processo de comunicação, que sai da distribuição para a circulação. Este modelo aumenta a participação do público, que já não é mais visto apenas como um consumidor, mas como personagem que pode moldar compartilhar e remixar o conteúdo publicado pela mídia. Entretanto, não se deve atrelar a força da cultura participativa somente ao advento da internet, mas também à convergência das mídias digitais, que possibilitou esse movimento de mudanças na estrutura midiática atual. Observando esses movimentos, mesmo quando vivenciamos, nas redes sociais, o compartilhamento de spoilers27 sobre séries ou filmes por fãs, de modo individual ou em grupos, eles estão contribuindo diretamente para a visualização dessas informações e viabilizando sua promoção “gratuita”. A cultura participativa pode ser vista como um reflexo dessa sociedade de rede, definida também como sociedade da informação (CASTELLS, 1999). Tais características fomentam 27 Do inglês para (aquele que estraga) define revelações de fatos importantes da trama de obras como filmes, televisão, livros e jogos, que, na maioria das vezes, prejudicam ou arruínam a apreciação de tais obras pela primeira vez. 45 não somente o consumo como principal retrato dos tempos hipermodernos (CHARLES e LIPOVETSKY, 2004). A digitalização da interação social faz-se integralmente presente no cotidiano da sociedade contemporânea e invade a grande tela misturando ficção e realidade, no entanto, tal formato de entretenimento parece satisfazer um público cada vez mais carente. [...] indivíduos hipermodernos mais informados e mais desestruturados, mais adultos e mais instáveis, menos ideológicos e mais tributários das modas, mais abertos e mais influenciáveis, mais críticos e mais superficiais, mais céticos e menos profundos. (CHARLES e LIPOVETSKY, 2004, p.27-28). No livro Cultura da Conexão, escrito por Jenkins, Ford e Green (2014), relata-se que a cultura da participação evolui, tal qual os cidadãos, e, assim, começam a surgir novos comportamentos e ações na rede devido ao marketing, ciências políticas, estudos culturais, educação, antropologia e digitais. A publicação apresenta cinco novos aspectos: (i) observações versus participação periférica; (ii) resistência versus participação; (iii) audiência versus público; (iv) participação versus colaboração; (v) ouvir versus escutar. Jenkins chama de observações versus participação periférica, o fato de muitos consumidores interagirem observando o que acontece na rede e não criando o seu conteúdo. Esse é um público adulto, e sua forma de contribuir é compartilhando e curtindo conteúdos. O grupo resistência versus participação são aqueles resistentes à indústria midiática convencional, com receio das ações participativas dos cidadãos, com medo dos possíveis resultados a serem alcançados. Para explicar a audiência versus público, Jenkins usa os termos fãs e fandoms. Os fãs são indivíduos isolados, que compartilham e criam grupos de discussão sobre um determinado assunto de seu interesse; e os fandoms são grupos de pessoas que fazem, de um determinado assunto, um coletivo. A participação versus colaboração é uma relação mais complexa, cria novas oportunidade e ferramentas, quebra a regra e está mais próxima do setor corporativo devido a sua atuação. É visível que as grandes produtoras de cinema observam com grande interesse as atividades dessas comunidades de participação, dando-lhes mais destaque e voz, adequando-se a esse fenômeno trazido pela evolução tecnológica e comunicacional, no qual a sociedade, de um modo ou de outro, busca ser incluída. A participação é vista como uma parte normal da operação de mídia, e os debates atuais giram em torno das condições dessa participação. Assim como o estudo da cultura dos fãs nos ajudou a compreender as inovações que ocorrem às margens da indústria midiática, podemos também interpretar as estruturas das comunidades de fãs como a indicação de um novo modo de pensar sobre a cidadania e colaboração. (JENKINS, 2009, p. 314) 46 Essa colaboração à qual Jenkins se refere está diretamente relacionada às possibilidades de engajamento que determinado projeto audiovisual disponibiliza a essa nova modalidade de espectadores, que estão cada vez mais interatores. O nome “interator” evoca na raiz de seu significado, a ideia de um “ator” que “interage” com algo. Como é um termo muitas vezes ligado a um cenário de tecnologia, a ideia de interator pode parecer – em um primeiro momento – unicamente ligada ao universo dos jogos eletrônicos. Mas devemos pensar em todas as possibilidades interativas em múltiplas plataformas digitais. (MASTROCOLA, 2012). Logo, essa interação está presente nos projetos multiplataformas dos quais a narrativa transmídia faz parte, possibilitando a sua audiência uma experiência ampla e imersiva, não se limitando às tramas lineares tradicionais. Interatividade, ao contrário da proposta da mídia tradicional, incentiva o usuário a se mover, interagir e se comunicar. Mas, acima de tudo, a interatividade é capaz de possibilitar a geração de uma nova e diversificada resposta em relação à intenção de produção. (PALMA, 2017, p. 78). Logo, essa interatividade aparece na existência de múltiplos sistemas de retorno dinâmico, imediato e global. Em uma modalidade, básica ela pode assumir a forma de pesquisas online, avaliação de conteúdo, comentários ou votos. No entanto, existem modelos mais complexos de participação do público, como a elaboração do enredo de uma série televisiva; a seleção de uma determinada câmera durante a transmissão de eventos esportivos; ou um jogo de futebol em um videogame, onde as opções de cada jogador são múltiplas. Pensando nessa abrangência de público, muitos produtores, artistas e estudiosos estão aplicando, na prática, o conceito transmídia para obtenção de engajamento em seus projetos, que podem objetivar tanto o entretenimento (séries de animação, campeonatos esportivos filmes ou webséries) quanto o acesso à informação (documentários de não ficção e reportagens), ou mesmo o retrato de determinada sociedade a partir de seu contexto ou realidade vivida em um dado momento da história. [...] a todo o circuito cultural em que o consumidor produtivo se engaja é preciso descobrir o perfil social destes consumidores, identificar a frequência e a motivação dos consumidores em participar da produção midiática, levar em consideração tanto as estratégias persuasivas das corporações de mídia em cooptar ou censurar as práticas produtivas dos consumidores, quanto as possíveis táticas de apropriação e dissenso dos consumidores em relação aos produtos comerciais são apenas algumas das preocupações mais básicas que 47 devem ajudar a organizar estudos de casos específicos, contextualizados, que levem em consideração todas as particularidades das mídias envolvidas e do próprio envolvimento dos consumidores com estes veículos. (MAZETTI, 2009, p. 12). Cada cultura retrata sua sociedade de modo que sua mensagem consiga ser passada e experienciada a contento. O presente estudo passa não só pela conceituação histórica do uso da narrativa transmídia no audiovisual e sua aplicabilidade prática, explanando exemplos massivos e mais conhecidos de produções diversas, mas também busca expor as particularidades de cada sociedade, destacando as produções latino-americanas que se adaptaram a essa transformação do audiovisual contemporâneo, apresentando seu modo de fazer transmídia a partir de suas especificidades culturais e sociais. 48 2. A TRANSMÍDIA NA AMÉRICA LATINA: um estudo dos projetos audiovisuais da Argentina, Brasil, Chile e Colômbia Diferente das grandes produções hollywoodianas, cujo foco é mais voltado para a indústria, os países latino-americanos têm se destacado por suas produções ligadas diretamente aos contextos sociais em que se encontram, visto que, entre países como a Argentina, Brasil, Colômbia e Chile, as situações são bem parecidas no que tange a temas de interesse comum – violência, meio ambiente, política, economia e outros. Logo, trata-se de uma sociedade que busca por auto representação. A melodramatização da vida cotidiana nas formas ficcionais de representação permitiu gerar uma espécie de perfil narrativo apropriado do México para a Argentina, através da Colômbia, Peru, Brasil, entre outros, mas que, em seu processo de transição para um cenário globalizado, é permeada por arquétipos que devem ser inseridos em outras áreas, permitindo até mesmo o entrosamento da "América Latina" em busca da integração em novos mercados. (GUZMÁN, RAMÍREZ e LONDOÑO, 2015, p. 130-131) . Diante das possibilidades que a convergência dos meios de comunicação e as novas tecnologias nos trazem, torna-se cada vez mais necessário o desejo desses países contarem suas histórias, ainda que seu principal objetivo não seja o de ultrapassar as fronteiras internacionais ou comerciais. Mas, contudo, engajar o meio em que vivem, fazendo com que seus cidadãos ocupem o seu lugar no meio físico (real) ou virtual (rede), tornando-se parte de um todo. O lugar da cultura na sociedade muda quando a mediação da tecnologia de comunicação deixa de ser apenas instrumental para engrossar, densificar e tornar-se estrutural: o que a tecnologia mobiliza e catalisa hoje não é tanto a novidade de alguns dispositivos, mas novos modos de percepção e da linguagem, novas sensibilidades e escritos. (MARTIN-BARBERO, 2003, p. 25). Barbero destaca os novos modelos de percepção e linguagem no formato atual de comunicação. A narrativa transmídia inclui a interação entre quem produz o conteúdo e quem o recebe, logo, entende-se que é preciso repensar os modelos de produção tradicional para dar espaço a novas experiências. Nesse sentido, o presente estudo traz quatro projetos distintos, produzidos em países específicos, que encontraram, no uso da transmídia, um modo inovador de contar histórias a suas respectivas sociedades, fazendo com que elas participassem e ocupassem a posição de protagonista das mesmas. 49 2.1 Argentina 2.1.1 Mujeres en Venta Produzido em 2015, Mujeres en Venta (em português, Mulheres à Venda)28 é um documentário transmídia de não ficção (Documedia – Jornalismo Social Multimídia da Universidade Nacional do Rosário, Argentina)29 que visa expor histórias narradas por mulheres vítimas de tráfico para exploração sexual. A construção da narrativa é embasada a partir da legislação argentina, que identifica, no crime de tráfico de pessoas, a captura das vítimas, sua transferência de um local para outro e exploração, o processo de resgate e reintegração das vítimas à família e à vida social. Segundo Anahí Lovato, roteirista transmídia do projeto: A produção de conteúdo no campo da não ficção, em geral, e do jornalismo, em particular, nos convida a pensar criativamente nossas histórias e sua distribuição a partir do uso de vários idiomas, canais e telas conectadas disponíveis no ambiente para (re) criar e ressignificar nossas práticas de mídia para a experimentação e inovação narrativa. (LOVATO, 2015, p.61). Para o projeto Mujeres en Venta, Anahí destaca o uso do guia do produtor australiano Gary P. Hayes (How to write a transmedia production bible: A template for multiplatform producers) como base estrutural do desenho de produção transmídia, porém respeitando o contexto e realidade do projeto. Em entrevista30 concedida para este estudo, o produtor e diretor Fernando Irigaray deixa claro como o projeto foi pensado para múltiplas plataformas de mídia: [...] nós temos outro perfil que é muito mais de narrativa espacial, que tem a ver mais com a ideia de entender a ecologia dos meios, onde se reúne todos os meios incluindo digitais e analógicos, os quais se cruzam e de como se conectam as interfaces [...] (IRIGARAY, 2019, p. 111). Pensando nesta concepção de espaço e território, Irigaray aponta a necessidade de intercalar interfaces digitais e analógicas, promovendo a expansão narrativa a partir da peça principal. Deste modo, o projeto utiliza tanto as mídias tradicionais como as digitais, também conhecidas como “novas mídias”. O universo transmídia dessas histórias (storyworld) aparece em uma experiência real vivenciada pelas protagonistas. O projeto tem sua narrativa expandida por várias plataformas, entre elas um webdocumentário (documentário multimídia 28 Tradução livre. Disponível em: <http://www.documedia.com.ar/mujeres/universotransmedia.html>. Acesso em: 24 jan. 2019. 30 Transcrição da entrevista na íntegra no Apêndice B. 29 50 interativo), no qual a audiência é estimulada a participar da tarefa de difundir e relatar fatos ou pistas que possam estar ligadas ao tráfico de seres humanos para fins de exploração sexual. Na figura 11, é possível aferir como se apresentou o esquema de mídias e conexões temáticas desenhadas por Anahí Lovato. Figura. 11 Primeiro Esquema de mídias e conexões do Projeto, Mujeres en Venta Fonte: LOVATO, 2015, p. 42 No artigo Del Periodismo Multimedia al Periodismo Transmedia: Guiones para pensar nuevas narrativas, de Anahí Lovato, ela explana de modo detalhado como se deu o processo de produção de cada peça criada em Mujeres en Venta a partir do universo principal. ● Webdoc (documentário interativo): a história está organizada em cinco capítulos (Captura, Rotas do Tráfico, Exploração, Resgate e Envolvimento), através dos quais o público pode aprender com as histórias das vítimas do tráfico, juntamente com 51 testemunhos de especialistas, militantes, funcionários e membros de organizações que lutam pela erradicação desse tipo crime. O webdoc também convida sua audiência a participar da tarefa de disseminar e denunciar fatos que possam estar ligados ao tráfico de pessoas para fins de exploração sexual. Durante o mês de maio de 2015, quatro vídeos de cinco minutos foram transmitidos no Canal 3 de Rosário, Argentina. O primeiro micro documentário para TV é intitulado, Vítimas e se concentra na apresentação das histórias de mulheres que passaram por exploração sexual em redes de tráfico. Prostíbulos é o título do segundo micro. Ele aborda as características dos locais onde as vítimas foram submetidas a esse tipo de crime. O terceiro micro, chamado de Redes, procura mostrar o funcionamento das organizações criminosas distribuídas no país. Finalmente, Proxenetas, a quarta peça desta série, mostra claramente a relação de poder e violência de gênero exercida pelos exploradores, os clientes e seus cúmplices. ● Série em Quadrinhos (impressa e digital)31: a história de Sofia é interessante porque é baseada em algo que aconteceu. O roteiro recupera as informações da sentença judicial de um caso julgado em Rosário no ano de 2012. De acordo com Irigaray, houve uma quarta vítima que foi raptada no limite entre a Argentina e o Uruguai. Ela foi levada para trabalhar como prostituta em um bordel na província de Bueno Aires e depois encontrada, já na cidade de Rosário muito assustada sendo colocada sob medida protetiva das autoridades. Logo, não poderia ser filmada ou fotografada, inviabilizando sua participação no documentário. Desse modo, o que dava para fazer era um relato escrito como uma crônica. Tomando como exemplo os quadrinhos jornalísticos utilizados em Barcelona durante a guerra civil espanhola, a série de cinco capítulos que conta a história de Sofia é considerada, por seus produtores, um modo interessante de usar o documentário gráfico. Foi pensada mais como uma experiência experimental em um formato com o qual não tínhamos muita intimidade. Porém, pensamos em um formato que teria muito mais impacto, então usamos para que fosse publicada no jornal da cidade, no diário de domingo onde, os leitores têm idade de trinta e cinco, quarenta ou cinquenta anos. (IRIGARAY, 2019, p. 114) 31 Disponível em: <www.documedia.com.ar/mujeres/universotransmedia.html>. Acesso em: 14 jan. 2019. 52 A série "Mujeres en Venta | Jornalismo em vinhetas" foi publicada com a edição semanal de El Eslabón. O primeiro capítulo em papel acompanhou a edição de, 07 de março. Os quadrinhos também estão disponíveis em formato digital, para ler e baixar nessa seção. Figura 12. Histórias em Quadrinhos Fonte: Documedia ● Realidade Aumentada: partindo para uma ação de marketing nos territórios, cruzando a mídia tradicional com a digital, foram feitas algumas ações em vias públicas da cidade, como o uso de cartazes com função interativa através de realidade aumentada, assumindo a territorialidade como uma instância possível para a narrativa central. Essas publicações escondiam uma mensagem em realidade aumentada em que os transeuntes podiam descobrir mais sobre ela baixando um aplicativo em seus dispositivos móveis. 53 Figura 13. Captura de tela do vídeo que mostra as impressões gráficas em Realidade Aumentada Fonte: Documedia A campanha realizada nas ruas incluiu 75 cartazes do documentário transmídia distribuídos em toda a cidade de Rosário. A proposta dos cartazes visava envolver os cidadãos na luta contra o tráfico. Além disso, uma peça de vídeo foi criada usando técnicas de motion graphics32. ● Led em via pública: no âmbito do documentário transmídia, diferentes mensagens foram produzidas para diferentes contextos. Neste sentido, para a campanha territorial, foram desenvolvidos vídeos curtos criados para serem projetados em telas de ledindoor e outdoor. Uma das telas escolhidas está localizada na esquina da Avenida Pellegrini com a Avenida Paraguai – o cruzamento de duas ruas movimentadas, com grande fluxo de carros, pedestres e linhas de transporte urbano – em Rosário. 32 Traduzido do inglês, os gráficos em movimento são pedaços de imagens ou animações digitais que criam a ilusão de movimento ou rotação e geralmente são combinados com áudio para uso em projetos de multimídia. Disponível em: <https://en.wikipedia.org/wiki/Motion_graphics>. Acesso em: 24 fev. 2019. 54 Figura 14. Captura de tela do vídeo sobre as divulgações em Led Fonte: Documedia A peça também foi projetada em telas de led internas, localizadas nos corredores de compras do Alto Rosario. Aproveitando o contexto de consumo próprio do shopping, a mensagem do vídeo apontava para o fato de que as redes de tráfico e seus “clientes” consideravam as mulheres como mercadoria. Irigaray aponta que “a proposta foi interessante porque passamos a ideia da venda da mulher a partir do QR Code33 como se fosse um leitor de código de barras, como em um mercado. Algo que deixou o público impressionado.” (IRIGARAY, 2019, p. 106). O objetivo da proposta era induzir o público a procurar saber mais sobre a história, algo que, de fato, aconteceu. 33 Sigla do inglês Quick Response (reposta rápida em português) é um código de barras bidimensional que pode ser facilmente escaneado usando a maioria dos telefones celulares equipados com câmera. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%B3digo_QR>. Acesso em: 27 fev. 2019. 55 Figura 15. Captura de tela da campanha de led feita no Shopping Mall da cidade de Rosário Fonte: Documedia ● Locuções de rádio e TV: as locuções para rádio e televisão foram projetadas com o objetivo de criar consciência em torno do problema do tráfico de pessoas para fins de exploração sexual, contribuir para a prevenção do crime e incentivar as pessoas a relatarem situações ligadas ao tráfico. Estas são pequenas peças de comunicação emitidas pela Rádio Universidade, estações FM da cidade de Rosário e Canal 3 de Rosário – um canal aéreo da cidade de Rosário que, graças aos seus repetidores, atinge a população do sul de Santa Fé, ao norte da Província de Buenos Aires, parte de Córdoba e Entre Rios, logo, uma ampla área de alcance na Argentina. ● Mapa interativo: um mapa colaborativo aberto, em atualização permanente, onde todos os usuários podem adicionar dados em relação ao crime de tráfico de pessoas com fins de exploração sexual. A proposta é de visualizar as informações do mapa sobre mulheres desaparecidas, mulheres resgatadas e lugares – como bordéis e outros estabelecimentos – que trabalham com a exploração sexual. Embora a adesão do público não tenha sido significativa, é útil como um recurso de mapeamento da Argentina, pois mostra casos que ocorreram em decorrência de certas relações ou suspeitos. Com essa ideia de ferramenta aberta, “só recebemos uma única denúncia que não deu muito certo e não funcionou. Às vezes, por questões narrativas das 56 plataformas, é necessário saber bem sobre o tema que se está trabalhando [...]”. (IRIGARAY, 2019, p. 108). Figura 16. Captura da página, Mujeres en Venta e como colaborar com o mapa interativo 34 Fonte: Documedia ● Documentário para TV: é um documentário de 26 minutos que foi transmitido no Canal 3 da cidade de Rosário. Intitulado Histórias Silenciosas, foi onde o público pôde conhecer cada uma das protagonistas da história narrada em primeira pessoa, em uma proposta carregada de emoções. De acordo com Irigaray, essa disponibilização na TV foi importante porque, nos meios locais da cidade de Rosário, não haveria outro modo de se ter acesso a esse projeto se não pela exibição na televisão. 34 Disponível em: <https://mujeresenventa.crowdmap.com/>. Acesso em: 24 já. 2019 57 Figura 17. Captura de tela do Documentário para TV Fonte: Documedia ● Livro multiplataforma: publicação onde foram compiladas as experiências de organizações governamentais e não governamentais que trabalham na assistência, resgate e reintegração social das vítimas de tráfico de pessoas para fins de exploração sexual em todo o país. Com base no trabalho coletivo, o livro ¿Qué pasa después? Aportes y desafíos para la construcción de derechos de víctimas de trata y explotación sexual (2015) reúne as vozes de diferentes atores envolvidos no campo da assistência às vítimas do tráfico de pessoas para fins de exploração sexual. Os textos nele organizados foram escritos por funcionários especializados de diferentes órgãos do Estado, profissionais e membros de Organizações Não Governamentais (ONGs), atores políticos e judiciais. A multiplicidade de vozes se reflete na heterogeneidade dos registros narrativos, que procuram desenvolver contribuições com base em caminhos concretos, em direitos de construção violados neste relevo, destacando os desafios em curto prazo que toda sociedade deve assumir a fim de ganhar espaço para a construção de horizontes de possibilidade para as vítimas resgatadas. 58 Figura 18. Capa do Livro Fonte: Documedia Figura 19. Captura de Teça dos Microvídeos para TV Fonte: Documedia 59 Movisodeos: são vídeos curtos, com duração de até 3 minutos, projetados para serem consumidos em um dispositivo móvel, a qualquer hora e em qualquer lugar. A série consiste em cinco vídeos que abordam questões como: as formas de fraude e recrutamento de vítimas (movisodio 01: Enganadas); o julgamento de Marita Veróne e a luta de Susana Trimarco (movisodio 02: 13 anos sem Marita); o debate entre posições abolicionistas e reguladoras sobre a prostituição (movisodio 03: Os rostos do problema); a exploração sexual narrada em primeira pessoa (movisodio 04: Exploradas) o problema da reintegração social das mulheres resgatadas (movisodio 05: Voltando pra casa) e o lugar da educação sexual na luta contra o tráfico (movisodeo 05:). Os moviodios estrearam em série, no YouTube e através das redes sociais do projeto. Figura 20. Captura de tela do Movisodeo Fonte: Documedia ● Fotografias: foi feito um registro documental da produção de conteúdos que compõem o universo transmídia de Mujeres en Venta. A galeria de fotos é atualizada à medida que as linhas narrativas da história do Documedia se desdobram em seus diferentes suportes e plataformas. 60 Figura 21. Galeria de Fotos dos bastidores do projeto Fonte: Documedia ● Mídias sociais: a estratégia de rede social foi projetada para estabelecer ligações entre a mídia e a narrativa, chamar a comunidade para ação, compartilhar informações sobre o tráfico na Argentina e distribuir conteúdo projetado especificamente para o Twitter (@mujeressales) e Facebook (facebook.com/documedia.unr). Esse conjunto de mídias foi solicitado em um cronograma de produção. Uma série também foi adicionada às narrativas online e offline para apresentações em conferências, fóruns e workshops para os quais a equipe era convidada. [...] usamos as redes sociais, mas trabalhamos os conteúdos do tema como uma espécie de militância social, o que nos trouxe várias participações em lugares como Barcelona, escolas com adultos e crianças, públicos variados que variavam entre, quinhentas, mil e dez pessoas. Porém, havíamos programado, para o primeiro ano do projeto, ir a 30 lugares, mas acabamos indo a 50 entre escolas, indústrias, organizações e empresas. Logo, se por um lado trabalhamos com as redes sociais, por outro trabalhamos com um micro público muito específico, nos fazendo retomar a ideia de cinema de bairro, apresentando a produção e falando sobre o tema. Isso foi o que ampliou e deu espessura ao conteúdo. [...] (IRIGARAY, 2019, p.112) Além dessas redes, o YouTube também foi utilizado para distribuição e visualização dos moviodeos. Para Lovato, é importante destacar que: Em produções de Comunicação Multimídia, as redes sociais sempre constituem o momento zero da narrativa. São os primeiros canais de distribuição de conteúdo e cumprem, também, a função fundamental de permitir a participação de usuários e o estabelecimento de ligações entre as diferentes linhas narrativas. (LOVATO, 2015, p. 49). 61 Esse conjunto de mídias foi solicitado em um cronograma (figura 24) de produção, que começou a ser executado em fevereiro de 2015. Figura 22. Captura de Tela da conta de Mujeres en Venta no Twitter Fonte: Twitter35 Figura 23. Captura de Tela da conta de Mujeres en Venta no Facebook Fonte: Facebook36 35 36 Disponível em: <https://twitter.com/mujeresenventa?lang=es>. Acesso em: 24 fev. 2019. Disponível em: <https://www.facebook.com/documedia.unr>. Acesso em: 24 fev. 2019. 62 Figura 24. Cronograma de uso das Multiplataformas de Mídia do projeto Mujeres en Venta Fonte: LOVATO, 2015, p. 50 Cada uma das partes sincronizadas exigiu o desenvolvimento de um planejamento específico, adaptado às características de cada meio. Para cada instância foi necessário pensar em imagens, sons, diálogos, infográficos, desenhos animados e transições. Em relação às formas de interação propostas à audiência de Mujeres en Venta,a produção decidiu incluir espaços para públicos com diferentes graus de comprometimento com a narrativa. No documentário transmídia, o engajamento do público pode ir da exploração e descoberta através do compromisso de disseminar as histórias e multiplicar a circulação de mensagens para participação ativa (exemplo, a denúncia) a contribuição da informação (colaboração) para o enredo. Lovato ressalta, ainda, que, no salto do documentário multimídia em direção ao documentário transmídia, houve a necessidade de reinventar metodologias para pensar e produzir narrativas jornalísticas, já que a investigação ainda era o pilar fundamental do processo. Porém, esse esforço os obrigou a pensar criativamente, olhar para a história no geral e no particular, escrever (e reescrever) permanentemente – trabalhando em equipes e documentos colaborativos (aberto e editável por todos os membros da equipe), desenhando mapas, diagramas, tours, telas –, bem como a dar lugar à improvisação e colocar o ouvido na audiência. Além da importância do tema, o projeto obteve uma boa repercussão social na Argentina, porém, houve alguns desafios para a equipe, que foram enfrentados e reconhecidos 63 como aprendizado. Questionado sobre o porquê de fazer um projeto transmídia, Irigaray afirma que o alcance de possibilidades desse tipo de produção é imensurável. 2.1.1.1 Dificuldades e desafios Sobre o processo de execução do projeto foi necessário adaptar cada mídia a um contexto e uso específico, superando algumas dificuldades de orçamento. Irigaray é enfático ao dizer que, na Argentina, produzir transmídia não é algo fácil – o que se deve, especialmente, à falta de linearidade da produção e à insuficiência de subsídios, atribuída, por sua vez, ao alto custo demandado quando se produz uma obra transmidiática. Inclusive, ele aponta que os valores ofertados pelos organismos que oferecem fundos para produções transmídia são menores do que para fazer um programa de televisão – sem levar em conta que, quando se trata de desse tipo de narrativa, há de se investir mais em multiplataformas. Segundo o diretor, no caso de projetos muito longos, como esse, não é possível negociar todo o financiamento de uma vez, o jeito é produzir por partes, por peças ou ações. É muito raro conseguir fechar tudo, é preciso aprender a produzir por partes. É uma questão de aprendizagem, esta questão da produção [...]. É necessário, também, saber como planejar o storyboard, as etapas para o desenho e para concepção da história. Essa combinatória é o que vai te ajudar a conseguir financiamento para a produção. (IRIGARAY, 2019, p. 116). Apesar de algumas dificuldades, o projeto contou com o apoio da Universidade Nacional do Rosário, que é pioneira em narrativa transmídia de não ficção na Argentina. A mesma possui um fundo da rede universitária para produções audiovisuais – usado, inclusive, na produção do documentário para TV. O projeto ganhou, ainda, um prêmio em dinheiro do Fundo Canadense para Iniciativas Locais37, além de outros prêmios de reconhecimento nacional e internacional. A obra toda levou dois anos para ser executada, sendo um ano dedicado ao desenvolvimento do universo narrativo e suas expansões, mais um ano voltado para a execução e distribuição. De acordo com Irigaray, o valor gasto foi de, aproximadamente, quarenta e cinco mil dólares. Depois de Mujeres en Venta, a equipe de Documedia segue trabalhando nessa linha de projetos, agora, desenvolvendo experiências imersivas com o uso de realidade virtual, aumentada e outras tecnologias, sempre cruzando as interfaces digitais e analógicas, proporcionando reflexões sociais e a ocupação de espaços e territórios urbanos. 37 Disponível em: <https://international.gc.ca/world-monde/country-pays/brazil-bresil/index.aspx?lang=eng>. Acesso em: 21 jan. 2019. 64 Figura 25. Universo Multiplataforma de Mujeres en Venta Fonte: Docmedia 65 2.2 Brasil 2.2.1 Precisamos Falar do Assédio No Brasil, o uso da narrativa transmídia como recurso em produções audiovisuais ainda é tímido e vai avançando à medida que os grandes e médios produtores entendem sua importância em tempos de convergência e conectividade digital. Diferentemente do mercado internacional, sobretudo norte-americano, onde o recurso é aplicado principalmente nas franquias de filmes, o mercado nacional brasileiro tem apostado em produções seriadas, como novelas, séries de ficção ou em séries de animação infantil. Porém, essa aplicabilidade é mais recorrente em produtoras independentes, como a O2 Filmes38, que produziu, junto a Globo Filmes39, a série Cidade dos Homens (Guel Arraes, 2002). Outro exemplo é Mira Filmes40, responsável pela produção do documentário de não ficção Precisamos Falar do Assédio (Carmem Maia, Gustavo Rosa de Moura e Paula Saccheta, 2016), que destaca o uso da transmídia em uma abordagem de cunho social e informativo. Precisamos Falar de Assédio é um documentário de não ficção que originou um longametragem e um website41. O projeto surgiu da repercussão, nas redes sociais, de uma campanha sob as hashtags #meuprimeiroassedio, #meuamigosecreto e #agoraequesaoelas, utilizadas, durante o mês de março, em comemoração ao dia internacional da mulher. Conhecida como “primavera feminista”42, a movimentação das redes chamou a atenção das produtoras do projeto, que acharam importante fazer um documentário que “registrasse essas histórias e, mais que isso, que as tirasse das redes e ocupasse os espaços da cidade com o tema” (Paula Sacchetta, 2016)43. Durante o período da Semana da Mulher (de 7 a 14 de março de 2015), uma van-estúdio (figura 26) visitou nove lugares em São Paulo (Largo Treze - Santo Amaro, Praça do Patriarca - Centro, Cidade Tiradentes, Mooca e Av. Paulista) e no Rio de Janeiro (Morro do Vidigal, Parque Madureira, Praça do Lido - Copacabana e Praça Sáenz Peña - Tijuca), passando pelo centro das duas cidades, áreas nobres e periferias coletando depoimentos de mulheres vítimas de assédio sexual. Dentro da van, as mulheres ficavam sozinhas para falar, sem qualquer tipo 38 Disponível em: <http://www.o2filmes.com/>. Acesso em: 12 jan. 2019. Disponível em: <https://globofilmes.globo.com/>. Acesso em: 12 jan. 2019. 40 Disponível em: <http://mirafilmes.net/>. Acesso em: 12 jan. 2019. 41 Disponível em: <https://precisamosfalardoassedio.com/>. Acesso em: 12 jan. 2019. 42 Disponível em: <http://agemt.org/contraponto/2018/06/18/a-primavera-feminista-do-seculo-xxi/>. Acesso em: 25 jan. 2019. 43 Disponível em: https://precisamosfalardoassedio.com/>. Acesso em: 25 jan.2019. 39 66 de entrevistador ou interlocutor – a ideia era que se sentissem à vontade e contassem o que quisessem. Sobre a captação dos depoimentos, Sacchetta44 diz que: [...] era um documentário de dispositivo, é um documentário em que decidimos respeitar as regras daquele espaço enquanto ela dava seu depoimento. Ela estava sozinha dentro da van e ninguém estava vendo ou ouvindo o que ela falava. Tinha uma pessoa da equipe vendo a imagem dela pelo computador pra ver foco, e outro menino da equipe vendo as ondas de som pra saber se estava funcionando, mas sem ouvir. Então, não sabíamos, porque tinha esse momento íntimo, catártico de desabafo e etc. E daí eu só fui ter contato com esse material na ilha de edição depois. (SACCHETTA, 2019, p.121). Para chamar as pessoas a participarem voluntariamente do projeto, foi feita uma campanha de marketing utilizando todas as mídias, desde as tradicionais às digitais, como chamada de vídeo na TV durante a semana da mulher, o que levou alguns canais de TV a irem ao local do projeto no Dia Internacional da Mulher (08 de março); trailers em cinemas, como no CineBelas Artes, por vários dias, dizendo onde a van estaria estacionada; anúncio em revistas, jornal impresso e redes sociais do projeto (Facebook e Instagram). Figura. 26. Captura de tela da vídeo chamada feita para as Redes Sociais e TV Fonte: Facebook do Projeto45 44 Transcrição da Entrevista no Apêndice-B deste trabalho. Disponível em: <https://www.facebook.com/precisamosfalardoassedio/videos/943403499070649/>. Acesso em: 26 jan. 2019. 45 67 Figura. 27. Captura de tela da vídeo chamada feita para as Redes Sociais e TV com os locais de gravação Fonte: Facebook do Projeto Figura 28. Captura de tela da Reportagem feita durante a execução do projeto na cidade de São Paulo Fonte: G146 46 Disponível em: <http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2016/03/van-recebe-depoimentos-de-mulheres-vitimasde-assedio-em-5-pontos-de-sp.html>. Acesso em: 25 jan. 2019. 68 Figura 29. Captura de tela do Instagram do projeto Fonte: Instagram47 Figura 30. Mulheres perguntando sobre o projeto Fonte: Site A mulher do Piolho48 47 Disponível em: <https://www.instagram.com/falardoassedio/?hl=pt-br>. Acesso em: 26 jan. 2019. Disponível em: <https://amulherdopiolho.com.br/documentario-de-paula-sacchetta-revela-as-mulheres-portras-das-estatisticas-de-violencia-sexual-8b2b894b5925>. Acesso em: 09 fev. 2019. 48 69 A captura dos depoimentos foi feita em uma van-estúdio porque, de acordo com a produção do projeto, era uma forma de qualquer mulher, em qualquer lugar, poder registrar seu depoimento. A van permanecia estacionada, sempre em locais de grande circulação de pessoas como terminal de ônibus ou de estação de metrô. Desse modo, a presença dessas mulheres se deu de forma espontânea. As depoentes que preferiam não se identificar podiam usar uma das quatro máscaras disponíveis, que representavam os motivos pelos quais elas não queriam aparecer: medo, vergonha, raiva ou tristeza. Além disso, as suas vozes eram distorcidas para não haver identificação. Figura 26. Van-estúdio Fonte: Paula Sacchetta/Divulgação49 49 Disponível em:<https://amulherdopiolho.com.br/documentario-de-paula-sacchetta-revela-as-mulheres-por-trasdas-estatisticas-de-violencia-sexual-8b2b894b5925>. Acesso em: 26 jan. 2019. <https://artebrasileiros.com.br/page/33/?q=propaganda-gratis-tuum.com.br&n=6809&p=Revista>. Acesso em: 12 jan. 2019. 70 Figura 27. Máscaras do projeto, Precisamos Falar do Assédio Fonte: Francisco Orlandi Neto50 Ao todo, 140 mulheres de 14 a 85 anos quiseram contar suas histórias, que vão desde cantadas feitas por desconhecidos no transporte público ou na rua, até estupros cometidos por parentes dentro da própria casa quando ainda eram crianças. O resultado é um volume com mais de treze horas de material bruto. Vinte e seis depoimentos foram utilizados no longa-metragem de 80 minutos, mas todos eles foram reunidos em um website, onde é possível assistir ao relato de cada mulher na íntegra, sem cortes ou edição. Cada depoimento está relacionado a filtros específicos, como tipo de assédio, quem assediou, onde aconteceu e quando aconteceu. Durante a coleta de depoimentos na rua, foi aferido que o número51 das pessoas que entraram na fila da van foi dez vezes maior: cerca 10.080, desse total, 70% eram crianças ou adolescentes. E de acordo com 24,1% dessas crianças, os agressores foram os próprios pais ou padrastos. Outros 32,2% contaram ter sofrido as violências de amigos ou conhecidos da família. 50 Disponível em: <http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2016/03/van-recebe-depoimentos-de-mulheres-vitimasde-assedio-em-5-pontos-de-sp.html>. Acesso em: 12 jan. 2019. 51 Disponível em: <https://amulherdopiolho.com.br/documentario-de-paula-sacchetta-revela-as-mulheres-portras-das-estatisticas-de-violencia-sexual-8b2b894b5925>. Acesso em: 26 jan. 2019. 71 Figura 28. Captura de tela do site, Precisamos Falar do Assédio Fonte: Mira Filmes Segundo a diretora, Paula Sacchetta, a princípio, o projeto não tinha sido planejado para ser transmídia, mas, devido ao grande número de participação durante a coleta dos depoimentos nas ruas de São Paulo e Rio de Janeiro, o material, que superava o necessário para produção do longa-metragem, dava espaço para uma extensão do produto principal, que surgiu com um site interativo. Sem o uso de qualquer manual ou bíblia transmídia, tudo se deu de forma muito experimental (SACCHETTA, 2019): A ideia era só fazer um filme, pois a gente pensa muito com essa cabeça de documentarista, voltada mais para cinema [...]. Com o fim de sete dias de filmagem, já tínhamos cento e quarenta depoimentos, treze horas de material bruto. Quando se faz uma campanha dessas, que fala para as mulheres falarem, eu meio que me senti responsável, pois, falo para essas mulheres que precisamos falar do assédio, elas falam e, então, vou escolher vinte e poucas pra fazer um filme de oitenta minutos e vou fazer o que com o resto, guardar num HD na produtora? Então, o projeto transmídia nasceu muito mais daí, dessa necessidade de dar vazão, de fazer um novo produto que não fosse só um filme [...] (SACCHETTA, 2019, p.122). No mesmo site (ver figura 29), quem tiver e quiser contar sua história, também poderá gravar e enviar seu depoimento. Depois de aprovado pela equipe de produção, ele ficará disponível ao lado de outros relatos que foram gravados por meio da plataforma. 72 Figura 29. Captura de tela da área Fale! do menu de serviços do site do projeto Fonte: Site52 do projeto,Precisamos Falar do Assédio Uma das preocupações de Sacchetta com relação ao site era que ele não fosse muito duro ou estático, mas que fosse algo dinâmico, em movimento, que gerasse o interesse do público não somente em conhecer a plataforma, mas também em interagir com ela, enviando seu depoimento, se assim desejasse, fazendo parte do projeto. Logo, trata-se de uma obra viva, que permanece ativa. Graças a essa ação, Precisamos Falar do Assédio foi selecionado para o maior festival de documentários do mundo, o IDFA (Internacional Documentary Film Festival Amsterdam)53, que possui uma categoria para filmes transmidiáticos. Sobre essa experiência, Sacchetta diz que foi uma surpresa inesperada, “você começar a ocupar esses espaços, que normalmente são mais caretas e conservadores e tal, com projetos assim, e eles estarem abertos a isso, é um sinal de que as coisas estão mudando e evoluindo”. (SACCHETTA, 2019, p.120). Um ponto importante dessa experiência transmídia – além de sua relevância social, que caracterizava o momento em que o Brasil vivenciava na época – foi o retorno que o projeto proporcionou a quem colaborou com sua produção, que, no caso, foram as vinte e seis 52 Disponível em: <https://precisamosfalardoassedio.com/#fale>. Acesso em: 26 jan. 2019. Disponível em: <https://www.idfa.nl/en/info/over-idfa>. Acesso em: 22 jan. 2019. 53 73 mulheres que aparecem no longa de oitenta minutos. Sacchetta conta que, antes de finalizar a pós-produção do longa, chamou todas as participantes para uma exibição do tipo cabine. Eu fiquei em pânico nesse dia, porque eu passei seis meses editando o filme, nós filmamos em março e era setembro e pensei: elas vão assistir e não vão querer mais aparecer no filme. Bom, mesmo assim, eu sentia que devia isso a elas, então, fizemos essa exibição na produtora pra elas e, depois do filme, uma delas falou: “Obrigada!”. E, então, começou a conversa mais bonita que eu já tive, até hoje, sobre esse filme. Uma delas falou assim: “Sabe aquela teoria de criação do mundo, o big bang ali, que é uma explosão?”, “Sei”, eu respondi. “Então, antes de dar o meu depoimento nesse filme, eu era tipo uma poeirinha voando solta pelo espaço e, quando eu me choquei com essas outras mulheres que estão aqui na sala, não que eu me choquei e virei mais poeirinha ainda, a gente se chocou e criou um mundo novo, muito grande e muito forte.” [...] Então, assim, eu acho que, só para ilustrar, que, quando eu passo o filme, ou entro em uma sala, e ele está passando, eu penso: “Socorro!” É uma sensação de tortura esse filme, e porque estou fazendo as pessoas passarem por isso, mas, se eu não acreditasse no sentido dele ou na possibilidade de mudança dele, ele não existiria. (SACCHETTA, 2019, p.123). O projeto ganhou vários prêmios no Brasil, passou por vários festivais e mostras nacionais e internacionais, com exibição no Canal Brasil54(TV a cabo), nos serviços sob demanda do canal Net Now55 e Videcamp56, além de contar com distribuição internacional da Women Make Moovies57 (organização social feminista sem fins lucrativos, com sede em Nova York, que é a principal distribuidora do mundo de filmes independentes realizados por e sobre as mulheres). Também foi exibido no canal SBS58, da TV aberta da Austrália, que conta com uma audiência média de 13 milhões de pessoas por mês. Precisamos Falar do Assédio não possui outras extensões narrativas além do site, mas, de acordo com Sacchetta inspira futuros projetos na mesma linha, como um novo documentário sobre masculinidade. Além disso, a experiência transmídia possibilitou um novo formato de distribuição e consumo, gerando a possibilidade de atingir mais pessoas e em qualquer lugar do mundo. 2.4.1.1 Dificuldades e desafios A maior dificuldade, segundo Paula Sacchetta, foi alcançar uma identidade com movimento para o site do projeto, pois a falta de conhecimento técnico em design de web dificultou um pouco o processo de criação junto a um programador contratado para esse fim. Além de 54 Disponível em: <https://globosatplay.globo.com/canal-brasil/>. Acesso em: 12 jan. 2019. Disponível em: <https://www.nowonline.com.br/>. Acesso em: 12 jan. 2019. 56 Disponível em: <https://www.videocamp.com/pt>. Acesso em: 22 jan. 2019. 57 Disponível em: <http://www.wmm.com/index.asp>. Acesso em: 12 jan. 2019. 58 Disponível em: <https://www.sbs.com.au/>. Acesso em: 12 jan. 2019. 55 74 entender a linguagem, o formato e que possibilidades eram viáveis de se transformar no projeto, para ela, quem produz precisa “pensar na questão de produzir um conteúdo e querer que ele seja conhecido e não guardado na gaveta”. Logo, para a diretora, não basta criar, produzir e ter uma janela de distribuição tradicional – como, por exemplo, o cinema –, pois as novas mídias digitais estão aí e devem ser usadas, sobretudo, para fomentar e disseminar conteúdos relevantes como esse. Outro ponto importante é que o público do filme é majoritariamente feminino, porém trata-se de um tema que afeta a todos. Em função da coleta de depoimentos ter sido direcionada a mulheres vítimas de assédio sexual, pode haver a impressão de que a obra foque tal público, Sacchetta, no entanto, ressalta que adoraria exibir seu filme para uma plateia de cinco mil homens. Figura 30. Imagem de Divulgação do projeto Fonte: Site do projeto 75 2.3 Colômbia 2.3.1 Cuentos de Viejos Cuentos de Viejos (ou, em tradução livre, Contos de Velhos) é uma série documental animada criada para o canal público de TV Señal Colômbia59, em uma coprodução com as produtoras HierroAnimación (Carlos Smith e Anna Ferrer)60e Piaggiodematei (Marcelo Dematei, Laura Piaggio).61 A origem do projeto foi uma exposição de retratos animados, uma ação mais artística que audiovisual realizada em 2011. Porém, quando seus produtores decidiram desenvolver uma série, logo pensaram em transmídia. Segundo Laura Piaggio 62, coordenadora de plataforma webfoi decidido o uso da transmídia pelas seguintes razões: O documentário animado era um formato raro na época, e o público podia ser incomum para um formato animado, então queríamos agregar valor ao projeto da série. Anna Ferrer, na época produtora da Hierro, ouvira que as emissoras de televisão poderiam se interessar por essa nova maneira de pensar sobre projetos, incluindo janelas digitais e participativas. Eu era uma especialista em audiovisual digital e interativo, então, pensamos que tínhamos as habilidades para ter sucesso. Para melhorá-lo, nós nos inscrevemos para o Pixel Lab, um laboratório de desenvolvimento de mídia cruzada para o Power To The Pixel63, no Reino Unido. (PIAGGIO, 2019, p.127). Durante o desenvolvimento do projeto, não havia muita clareza sobre o uso de bíblia transmídia, sendo assim sua execução foi efetuada de maneira orgânica e intuitiva. A série trata de pequenas histórias cotidianas que são contadas por avôs e avós para seus netos e que acontecem, muitas vezes, em eventos ou cenários históricos monumentais, como, por exemplo, durante a Segunda Guerra Mundial, a Guerra Civil Espanhola ou a violência bipartidária na Colômbia. Para a realização do projeto, seria necessária a participação da audiência colombiana que, em sua maioria, prefere a TV a outro meio de visualização de conteúdos. Interessado em contribuir para uma atração televisiva, o público abraçou a proposta e usou a web para enviar mensagens com suas anedotas.De acordo com Piaggio (2019), os dados móveis da Colômbia – durante o período de produção da primeira temporada da série (2013) – eram insuficientes 59 Disponível em: <https://www.senalcolombia.tv/>. Acesso em: 26 jan. 2019. Disponível em: <https://www.hierro.tv/>. Acesso em: 26 jan. 2019. 61 Disponível em: <http://piaggiodematei.com/en/home-2/>. Acesso em: 26 jan. 2019. 62 Transcrição da Entrevista na íntegra no Apêndice- D deste trabalho. 63 Disponível em: <http://www.creativeeuropeuk.eu/pixel-lab-cross-media-workshop>. Acesso em: 26 jan. 2019. 60 76 para o compartilhamento de vídeos, então a única opção era ir, pessoalmente, até onde as pessoas estavam, levando uma equipe de filmagem para registrar essas histórias, especialmente nas cidades menores da Colômbia. Figura 31. Captura de tela do site de, Cuentos de Viejos64 Fonte: Site do projeto A partir desses encontros físicos entre idosos e crianças, Piaggio e sua equipe perceberam o potencial educacional do projeto, desenvolvendo ferramentas para trabalhar nas salas de aula e, durante a terceira temporada, levaram a experiência para bibliotecas públicas em diferentes regiões da Colômbia. O aplicativo surgiu como uma necessidade, na terceira temporada (já estávamos em 2016), de facilitar o envio de vídeos gravados com o mesmo aparelho. Muitas pessoas tiveram problemas para baixar o vídeo para o computador para enviá-lo na web, então um aplicativo que gravaria a entrevista e a enviaria diretamente para os nossos servidores era um facilitador. (PIAGGIO, 2019, p.128). Os vídeos das entrevistas realizadas pela equipe de pesquisa passaram a fazer parte da plataforma online, em fragmentos de até três minutos de duração. Devido à natureza colaborativa da web, muitas das histórias publicadas são enviadas pelos próprios usuários. A 64 Disponível em: <http://cuentosdeviejos.com/>. Acesso em: 26 jan. 2019. 77 partir da web, a mídia e as informações são fornecidas para que os usuários gravem (com câmeras ou dispositivos móveis) anedotas de infância contadas por pessoas mais velhas. Após o processo de moderação efetuado pela produção, é possível compartilhar os vídeos na plataforma. Todo esse conteúdo colaborativo é relacionado e agrupado por assunto, afinidade ou área geográfica. Algumas histórias compartilhadas pelos usuários na plataforma são transformadas em animações para a série de TV. Figura 32. Captura de tela da página, Envía una historia Fonte: Site de Cuentos de Viejos Os temas são escolhidos por sua relevância originalidade e riqueza narrativa proporcionada pelo protagonista, além da presença de um arco dramático apropriado e do seu potencial plástico e estético. Existem pelo menos três elementos que fazem parte do projeto, como (i) séries de TV,(ii) uma produção de animação de características muito particulares, realizadas com o uso de diferentes técnicas de animação, que define um novo conjunto de personagens para cada história e (iii) a premissa de criar um design de arte diferente para cada episódio. Cuentos de Viejos não é uma série concebida como um produto audiovisual adequado para qualquer mercado, mas faz parte de um projeto transmídia desenvolvido em torno da intenção de provocar uma experiência. Uma rica e complexa experiência colaborativa, ligada à história local e às pessoas que a vivenciaram e narraram; a quem a ouve, descobre e registra, ao 78 mesmo tempo, valores de relevância global, como é a reivindicação do diálogo intergeracional; e ao envolvimento da comunidade na construção da memória coletiva. Desse modo, segundo Piaggio (2019), cada plataforma foi projetada para sua função e seu público específico: ● a web foi para enviar e compartilhar histórias, então, foi uma ação pensada especialmente para os mais jovens (filhos e netos), como ferramenta de participação; ● o aplicativo foi projetado para os mais novos de todos (netos), isto é, adolescentes ou jovens. Como ferramenta para gravar histórias (gravar entrevistas e enviá-las); ● os eventos propõem uma experiência intergeracional (netos e avós) entre os dois extremos do público, o mais velho e o mais novo; ● a televisão era o formato mais geral (para todos os públicos), embora, na prática, os jovens conhecessem o projeto online pela boca de quem estava assistindo à TV. A série tem alguns dos picos de audiência mais altos da emissora pública, Señal Colômbia, embora seja importante ter em mente que o público do canal é muito limitado, especialmente nas grandes cidades. Figura 33. Captura de tela do menu, ¿Te acuerdes de... ? que separa as histórias por temas Fonte: Site do projeto 79 A série traz a inclusão de diversos discursos no diálogo digital e apresenta o uso das ferramentas de gravação e armazenamento digital para a pesquisa como exercício pedagógico dos pontos fortes que são identificados no projeto. Todos eles contribuem para essa percepção geral de que se trata de uma obra valorizada como relevante e inovadora em fóruns internacionais. Por outro lado, a partir de nossa experiência e contato com e-mails e comentários do público em si, tem gerado, sem dúvida, experiências significativas e memoráveis, intrafamiliar, pessoal e que aprendemos com os pais que tiveram primeiras histórias traumáticas do seu passado para seus filhos e famílias, e eles tinham escondido, mas não esquecido (geralmente relacionado com a violência política e social); netos e crianças que queriam homenagear os mais velhos compartilhando histórias que tinham ouvido milhares de vezes. (PIAGGIO, 2019, p.129) Além do envio dos vídeos, outra forma para a audiência contribuir era comentando e votando em histórias a fim de escolher aquelas que seriam levadas para a TV. Participações espontâneas também eram feitas através de e-mails ou comentários nas redes sociais, onde as pessoas, simplesmente, queriam compartilhar sua opinião sobre uma determinada história ou sobre a série.O projeto gerou a extensão de mais dois produtos: um longa baseado nas histórias de três mulheres e um produto editorial com conteúdo expandido. A ação nas redes sociais se deu por meio do Facebook, Instagram, YouTube, além do site, que foi a principal plataforma de interação e colaboração com o projeto. Figura 34. Página do Facebook do Projeto Fonte: Facebook65 65 Disponível em: <https://www.facebook.com/OldFolksTales/>. Acesso em: 28 jan. 2019. 80 Figura 35. Captura de tela do Instagram do projeto Fonte: Instagram66 Figura 36. Captura de tela do menu de serviços do site que disponibiliza um resumo de todos os capítulos de cada temporada Fonte: Site do Projeto 66 Disponível em: <https://www.instagram.com/explore/tags/cuentosdeviejos/>. Acesso em: 26 jan. 2019. 81 2.3.1.1 Dificuldades e desafios De acordo com Piaggio, as principais dificuldades surgiram em consequência do financiamento insuficiente para uma melhor cobertura de produção do projeto todo. O financiamento foi fornecido pelo canal Señal Colômbia e pelos próprios produtores, que o assumiram em todos os períodos de pesquisa e de produção audiovisual. Para a estreia póstemporada da série, a sustentabilidade do projeto para as plataformas digitais também foi custeada pelos produtores a fim de completar tudo que fora planejado. O fardo foi tão pesado que, em certos períodos, a verba sofreu reduções, prejudicando no longo prazo. Nós fizemos isso pela fé e amor pelo projeto, mas acabou por ser muito pesado e fonte de conflito, especialmente quando, ao longo dos anos, o fundo do mercado de coprodução da Senãl Colômbia não aumentou conforme o aumento do custo do projeto e da incapacidade de os produtores para adicionar outras fontes de financiamento ao projeto. Sem dúvida, isso prejudicou o potencial de crescimento ou a possibilidade de investimento em novas formas de exploração do conteúdo gerado. (PIAGGIO, 2019, p. 131) Piaggio também pontua algumas dificuldades específicas como: ● a conectividade média dentro da Colômbia era demasiado baixa para o envio de vídeos, e muitas pessoas precisavam de apoio personalizado para encontrar soluções individuais para a sua dificuldade em enviar ou compartilhar seu conteúdos, o que resultou em algumas colaborações perdidas; ● as pessoas detestam os formulários porque são entediantes, mas, às vezes, é a única maneira de obter as informações necessárias para cumprir os requisitos legais e para gerenciar o conteúdo com segurança. Com o aplicativo, esse problema foi parcialmente resolvido, mas a falta de financiamento impossibilitou uma atualização completa em todas as plataformas digitais, o que possibilitaria que fossem sincronizadas entre si; ● isso leva a outra dificuldade, que é a duração do projeto (lançado em 2013, até hoje). Atualizar a plataforma web tornou-se imprescindível, mas a dificuldade na obtenção de novos fundos específicos para isso se mantinha. O canal queria uma nova temporada, no entanto, não se comprometia com financiamento do redesenho e atualização da web e do aplicativo, só que as plataformas digitais exigem atualizações periódicas que, às vezes, são quase tão caras quanto à produção original; 82 ● embora o canal entendesse a situação, estava pressionando para encontrar soluções intermediárias que, mesmo não sendo satisfatórias para sustentar a qualidade do projeto em todas as plataformas, resultassem em uma exigência financeira para os produtores; ● por fim, faltava promoção e marketing para apoiar a participação da audiência e, principalmente, o desenvolvimento de experiências locais, que exigia mais apoio e ações específicas. “Pessoalmente, o que mais me arrependo é que isso nos impediu de desenvolver peças que nos possibilitassem explorar comercialmente o conteúdo gerado e, assim, resolver a falta crônica de financiamento e lucratividade”. (PIAGGIO, 2019, p. 132). Apesar das dificuldades encontradas durante o processo de produção de Cuentos de Viejos, o projeto está em sua quarta temporada e ganhou inúmeros prêmios nacionais e internacionais, sendo reconhecido por sua relevância social e cultural para o povo colombiano e gerando participações de outros países. Piaggio conta que, logo após esse projeto, fizeram outro que é só animação, Mostros Afechantes67 (2018), de características similares, embora com outra estrutura. Sobre produzir uma série transmídia, Piaggio deixa claro que: Pessoalmente, acho que os projetos transmídia têm seu mercado e seu lugar no mundo da comunicação. Nem todos os projetos devem ser transmídia ou precisam disso, a maioria usa estruturas transmídia mais do que o necessário, como ferramentas de promoção, mas não como elementos relevantes da experiência e da narrativa. É um campo útil para a pesquisa e desenvolvimento de conteúdo, e uma maneira de atingir públicos globais que de outra forma, seriam minoritários, mas o esforço de produção é, muitas vezes, desvalorizado, e você pode ter sucesso como produtor ou sofrer com um monte de projetos transmídia mal gerenciados. (PIAGGIO, 2019, p. 133) Sobre o mercado audiovisual na Colômbia, Piaggio, que tem sua produtora sediada na Espanha, em Barcelona, diz que a receptividade de novas propostas de conteúdos é muito maior na Colômbia do que em Catalunha, por exemplo, onde o público é mais conservador. Conforme sua percepção e vivência na indústria audiovisual latino-americana, a Colômbia tem um mercado maior e muito mais competitivo, e, mesmo para as TVs públicas, a audiência é um fato relevante. Cuentos de Viejos fez parte de um período em que o canal de TV Señal Colombia estava redesenhando sua identidade, abrindo para coproduções e para uma posição própria internacional, se apresentando como um canal público inovador, sendo um bom lugar 67 Disponível em: <https://mostrosafechantes.com/capivirus/>. Acesso em: 26 jan. 2019. 83 para contar histórias. A Colômbia tem se posicionado na indústria audiovisual internacional, com base em um plano sistemático de apoio ao cinema, à TV e aos formatos digitais, o que lhe deu o seu lugar. Acho que eles fizeram isso muito bem e em pouco tempo. Há talento, e eles conseguiram repatriar jovens bem formados ou capitalizar o talento colombiano que está no exterior. Alguns jovens produtores poderiam fazer suas primeiras produções, mesmo em formatos digitais como videogames ou interativos, o problema é a sustentabilidade quando você faz seu piloto, seu primeiro videogame, como você sustenta a produção, como você obtém lucratividade? (PIAGGIO, 2019, p.134). Em suma, na visão de Piaggio, há oportunidade para produção latino-americana, o desafio maior é o financiamento contínuo de um projeto audiovisual, ainda que originado em uma plataforma digital, pois há investimento no piloto, mas não em sua extensão ou expansão, fazendo com que não haja espaço para um crescimento sustentável. No caso da Colômbia, há incentivos para pequenas e médias empresas de produção, inclusive para a participação em mercados internacionais e festivais, onde se pode mostrar seu trabalho e procurar parceiros. Vale ressaltar, ainda, o suporte das TVs regionais, que compram conteúdo dos produtores a um preço decente (para a América Latina) apoiando os produtores locais (TeleMedellín68, Telepacífico69, entre outros canais), criando uma rede que dá emprego mais estável em um setor que tem uma instabilidade crônica. Outro fato importante mencionado por Piaggio é o trabalho de treinamento, com o governo apoiando a formação internacional de profissionais ou estudantes colombianos na área da comunicação audiovisual. 68 69 Disponível em: <https://telemedellin.tv/>. Acesso em: 26 jan. 2019. Disponível em: <https://telepacifico.com/>. Acesso em: 26 jan. 2019. 84 2.4 Chile 2.4.1 Puzzle Negro Inicialmente, as webséries eram criadas como complemento para as narrativas televisivas ou para extensão do universo narrativo de determinada peça em casos de produções transmidiáticas. A primeira referência sobre o conceito de websérie surgiu com os pesquisadores espanhóis, Nuria Romero e Fernando Centellas; para eles: As séries da web renovam estratégias narrativas que já foram consolidadas há algum tempo na televisão. Mas elas incorporam recursos on-line, como a participação ativa do público no progresso da história e a facilidade que este meio interativo permite para a geração de comunidades virtuais - algo que é fundamental para consolidar o universo ficcional da série. [...] O formato da série web é frequentemente usado no YouTube por muitos usuários que não poderiam oferecer suas ideias na televisão convencional e fornecer uma maneira de deixar o público vê-los. (ROMERO e LORET, 2008). Além da websérie, a extensão de um universo narrativo pode se dar por meio de games, quadrinhos e documentários. A possibilidade de interação da audiência com o produto que lhe é oferecido é o que diferencia a TV da internet, denominada por Jenkins como cultura participativa que: [...] contrasta com noções mais antigas sobre a passividade dos espectadores dos meios de comunicação. Em vez de falar sobre produtores e consumidores de mídia, como ocupantes de papéis separados, podem agora considerá-los como participantes interagindo de acordo com um novo conjunto de regras, que nenhum de nós entende por completo. (JENKINS, 2009, p. 30) Apesar da transição da TV para web, não se pode dizer que as produções audiovisuais perderam qualidade ou são totalmente diferentes do que é oferecido televisualmente, uma vez que o processo de serialização é o mesmo, oferecendo diferentes gêneros e formatos de produtos em plataformas digitais diversas e trazendo novas possibilidades de consumo. Para o produtor e roteirista de webséries, Guto Aeraphe: (...) as webséries nada mais são do que a fórmula clássica das séries televisivas aplicadas ao universo multiplataforma da internet. E, sem dúvida, o público que consome este tipo de produto é o mesmo que consome a tradicional dramaturgia de forma seriada na TV. Talvez, a grande diferença esteja no comportamento fragmentado do público e não no público em si, já que em sua maioria, quer algo além da passividade da tela do televisor. Ele quer interagir, participar ativamente do universo proposto. (AERAPHE, 2013, p. 18). 85 Para expor como a estética de produções seriadas não se distanciou das formas clássicas aplicadas à TV e, até mesmo, ao cinema, o presente estudo apresenta a série policial chilena Puzzle Negro – que, em sua tradução livre, quer dizer quebra-cabeça negro – cuja narrativa segue a linha do romance negro sob a estética do film noire70. Todorov descreve o romance negro como: (...) um romance que funde duas histórias ou, por outras palavras, suprime a primeira e dá vida a segunda. Não é mais um crime anterior ao momento da narrativa que se conta, a narrativa coincide com a ação. Nenhum romance negro é apresentado sob a forma de memórias: não há ponto de chegada a partir do qual o narrador abranja os acontecimentos passados, não sabemos se ele chegará vivo ao fim da história. A prospecção substitui a retrospecção. (TODOROV, 2006, p. 98). Normalmente, toda trama policial acontece em dois momentos, o do crime e o da investigação do caso. Sabe-se que cada episódio possui começo, meio e fim; logo, são independentes, sem que haja a necessidade de o espectador assisti-los sequencialmente. A vantagem desse tipo de estrutura narrativa é que o espectador não precisa esperar até o próximo episódio para saber o final da história. Ao transportar esse conteúdo para web, se ganha mais audiência, uma vez que sua disponibilização pode ser acessada de qualquer plataforma de mídia, facilitando o seu acesso e interação. Puzzle Negro é a primeira websérie transmídia de ficção do Chile. Foi produzida entre 2011 e 2013 e exibida em 2014, em seu canal no YouTube71, com seis capítulos de quinze minutos cada. A história central acompanha o trabalho do detetive Dantés, que investiga crimes e assassinatos, sempre contando com a ajuda de seus colegas, que são apresentados ao logo de cada episódio. Os casos se baseiam em tramas que envolvem a resolução de enigmas e temas, como intrigas, paixão, vingança e morte. De acordo com o produtor e diretor da série, Juan Guilhermo Prado72: Puzzle Negro, inicialmente, era um programa de entrevistas sobre os bastidores de uma novela policial, porém, nós tínhamos essa narrativa e começamos a desenvolver uma estrutura um pouco mais transmídia. E esse processo foi super interessante, o desenvolvimento de uma série policial e como chegar a um sentido que pudesse abarcar todo o conteúdo de novela negra chilena. (PRADO, 2019, p.129) 70 Expressão francesa para filmes em preto-e-branco em alto contraste, sob influência da cinematografia do expressionismo alemão. 71 Disponível em: <https://www.youtube.com/user/seriepuzzlenegro>. Acesso em: 21 jan. 2018. 72 Transcrição da entrevista disponível no Apêndice – E deste trabalho. 86 O desenvolvimento do projeto contou com o uso de algumas literaturas sobre transmídia, mas todo o processo foi bem experimental. O objetivo era construir um universo narrativo a partir da peça principal, que integra animação, live action73, histórias de ficção e entrevistas com renomados escritores de novela policial chilena. O grande desafio, segundo Prado, foi planejar sua distribuição e difusão. O lançamento foi multiplataforma, pois, ao mesmo tempo em que entrou no ar no YouTube, ela foi exibida no canal nacional de TV pública, CNTV74 (exNovaSur), muito utilizado por escolas – inclusive como objeto pedagógico nas salas de aula. Figura 38. Arte de promoção da série Fonte: Site do projeto75 Além da websérie, a produção transmidiática se estende para um jogo online76 de detetive, onde os jogadores podem ajudar o detetive a resolver os casos que lhe foram atribuídos. No estilo free run (corrida livre), o jogo possui até três etapas, conforme as habilidades do jogador. Outra característica é sua abordagem educacional, que ensina a sua audiência os arquétipos da novela criminal chilena. Puzzle Negro possui uma página própria na internet e nas redes sociais (Facebook e Twitter), onde, além de expor todo seu universo narrativo a cada capítulo disponibilizado em seu canal no YouTube, interagia diretamente com sua audiência, publicando novidades sobre os bastidores da websérie, atores e o lançamento dos capítulos conforme eram disponibilizados. 73 Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Live-action>. Acesso em: 28 jan. 2019. A CNTV Infantil (antiga Novasur) é o único programa audiovisual diário para crianças de natureza pública e educativa no Chile. Disponível em: <https://infantil.cntv.cl/>. Acesso em: 27 jan. 2019. 75 Disponível em: <http://www.puzzlenegro.cl/#/portfolio>. Acesso em: 27 jan. 2019. 76 Jogo disponível no endereço eletrônico: <http://www.puzzlenegro.cl/pzngame/>. Acesso em: 21 jan. 2019. 74 87 Esses meios servem, sobretudo, uma forma mais rápida de ter acesso ao retorno da audiência que, de imediato, expressa opiniões sobre cada história e seus personagens. Figura 39. Imagem da tela principal do jogo para computador Fonte: Site do projeto Figura 40. Captura de tela da página do Facebook do projeto Fonte: Facebook77 77 Disponível em:<https://www.facebook.com/Puzzle-Negro-419528654848346/>. Acesso em: 27 jan. 2019. 88 Figura 41. Captura de tela do Twitter do projeto Fonte: Twitter78 Figura 42. Captura de tela do Instagram do projeto Fonte: Instagram79 78 Disponível em: <https://twitter.com/PuzzleNegro>. Disponível em: 27 jan. 2019. Disponível em: <https://www.instagram.com/puzzle_negro/>. Acesso em: 27 jan. 2019. 79 89 A interação com a audiência realizada nas redes sociais apresentava, a cada episódio, um post específico convidando os seguidores a assistir e comentar sobre a série. Além do movimento do público nas redes, houve participação nas escolas e faculdades, em que os alunos geravam histórias para a websérie através dos exercícios que faziam em sala de aula. A série Puzzle Negro foi concebida, inicialmente, para ser consumida via streaming, na webe seu jogo online, para ser jogado via computador. O projeto, no entanto, obteve espaço na TV, fazendo o caminho contrário de exibição de conteúdo, onde tradicionalmente começa pela TV e depois se estende a outras plataformas de mídia. Esse tipo de processo possibilita novos meios e formatos de produção a quem almeja trabalhar sem as restrições dos canais tradicionais de televisão – originalmente, mais fechados, não permitindo experimentos –, fazendo surgir o que Aeraphe chama de “web espectador”: Agora o web espectador não tem mais a fidelidade que tinha antes com as séries. Em um passado recente, quando havia o lançamento de um episódio, era praticamente um evento esperado tão ansiosamente quanto o nascimento de um filho. Hoje, ele nem se preocupa com isso, já que, no outro dia, ele vai poder ver pela internet em algum dispositivo (de forma legal ou não) e ainda com comentários e revéis de seus amigos nas redes sociais. (AERAPHE, 2013, p. 30-31). Aeraphe aborda, ainda, a “ramificação da narrativa”, que é “fazer com que seus web espectadores conquistem, de alguma forma, posições hierárquicas superiores entre sua rede de relacionamento, por merecimento.” (AERAPHE, 2013, p. 31). Aeraphe compartilha que engajamento e interação são necessários para o sucesso de uma websérie. Tal modelo de produção resulta em uma aproximação maior entre produtor e audiência, promovendo, em tempo real, as reações obtidas sobre a peça exibida. Em Puzzle Negro, para premiar jogadores do game, foi realizada uma ação que engajou oito mil pessoas simultaneamente. De acordo com Prado, os melhores ganhavam troféus e comentavam sobre o que estava bom ou o que poderia melhorar no desenvolvimento do jogo. A websérie, além do game, gerou um longa-metragem que, segundo Prado, seria a continuação de um capítulo que não está na websérie, logo, seria uma outra história baseada na peça central, como um “bônus” para a audiência. O longa participou de alguns festivais, inclusive ganhando uma menção no Chile. Atualmente, Prado e sua equipe planejam fazer algo em realidade virtual e realidade aumentada, dando continuidade ao projeto com novas extensões narrativas. O projeto como um todo resgata, no país, o valor da novela policial chilena, chamando atenção para a literatura e seus escritores de destaque. 90 Questionado sobre continuar a fazer produções transmidiáticas, Prado é seguro em afirmar que sim, pois, de acordo com ele, sua produtora aprendeu a trabalhar em um formato que possibilita aos consumidores uma interação maior com o produto apresentado. [...] temos trabalhado com clientes, empresas com os quais temos desenvolvido várias campanhas transmídia. E o que tem sido interessante, é que por conta destas campanhas, no geral, os próprios consumidores têm desenvolvido suas próprias extensões dos universos dessas campanhas. [...] através dessas campanhas, o usuário é quem tem gerado conteúdo como videoclipes, posts, frases, canções, pinturas, esculturas, entre outras coisas. (PRADO, 2019, p. 138). Puzzle Negro é inovadora porque traz diferentes possibilidades a uma narrativa, levando em conta a necessidade de exaltar a cultura chilena por meio da literatura e das novelas policiais. De um modo inovador, deu um formato específico à websérie, que estava disponível gratuitamente em seu canal no YouTube, estabelecendo diálogo entre o produtor e a audiência. De acordo com um levantamento feito pela Universidade de Comunicações da PUC do Chile80 sobre a produção de webséries, ainda não é possível falar sobre uma indústria de webséries porque as produções de baixo custo predominam. Muitas vezes, elas são financiadas pelos próprios cineastas, não repercutindo na geração de empregos nem participando de festivais. Eles, por sua vez, são, geralmente, pessoas físicas ou pequenos produtores que procuram experimentar ideias e estilos que um formato mais convencional não lhes permitiria. Com poucas exceções, a pequena renda que ganham não permite desenvolver segundas temporadas. Nesse mesmo estudo, um levantamento das webséries chilenas realizado entre 2011 e 2016 destaca que a maior parte das obras foram financiadas com fundos privados. Dentro desta modalidade de financiamento, tanto a colocação do produto como o conteúdo da marca aparecem como o mais atraente para os anunciantes e mais eficaz para alcançar o público. Isso também implica que os cineastas devem desenvolver novas estratégias sob a lógica da publicidade que não seja invasiva para o espectador. Com a colaboração de grupos no Facebook de audiovisuais chilenos, como os filmes Grillos ou o intercâmbio de trabalhos audiovisuais, foi realizado um levantamento de informações sobre a produção de webséries chilenas durante o período de 2011 e 2016, totalizando em 57 webséries. Diante desse cenário, 80 Disponível em: <http://comunicaciones.uc.cl/wp-content/uploads/comunicaciones/2017/12/VI-Panorama-delAudiovisual-Chileno-ilovepdf-compressed-2.pdf>. Acesso em: 29 jan. 2019. 91 é possível perceber que a produção de novos formatos digitais de conteúdo audiovisual está crescendo, ainda que timidamente. Atualmente, Prado trabalha em outra websérie transmídia em formato documentário, que conta a história da música chilena. Segundo ele, o projeto já alcançou cento e quarenta mil visualizações e tem recebido um retorno positivo da audiência por meios dos comentários. Porém, como em muitos países da América Latina, no Chile, a produção audiovisual também tem seus desafios e dificuldades. 2.4.1.1 Dificuldades e desafios A princípio, de acordo com Prado, uma das dificuldades no desenvolvimento de Puzzle Negro foi pensar o projeto de forma global e transmídia. Isso foi um pouco mais complexo e além de representar uma estética, conseguir o financiamento necessário para sua produção. Outro fator apontado pelo diretor é que, no Chile, é mais difícil conseguir incentivos para produção audiovisual. Há incentivos do governo, porém há uma indústria televisiva que apoia a difusão da imagem local. No Chile, não existem canais públicos como no Brasil ou como na Argentina e Uruguai. O Chile é um país muito capitalista, então não há muitos espaços de difusão para produção audiovisual chilena. Existem fundos, mas não difusão. (PRADO, 2019, p.138) Prado conta que o projeto levou cerca de três anos para ser concluído, começou a ser produzido em 2011 e só em 2014 foi finalizado e distribuído para exibição. Segundo o produtor, foi um projeto que gerou boa recepção pela audiência chilena e que pode ser retomado utilizando outras ferramentas de mídia como, por exemplo, as ferramentas de imersão em realidade virtual e aumentada. 92 3. ASPECTOS SOCIAIS E CULTURAIS AMERICANAS: especificidades e afinidades DAS PRODUÇÕES LATINO- Durante as décadas de 70 e 80, a América Latina esteve sob forte influência das produções norte-americanas: já nas décadas de 90 a 2000, as produções nacionais e regionais foram crescendo devido ao fator “afinidade cultural”, no qual se destacavam a língua espanhola e a essência da cultura latina. (LOZANNO, 2005). Boa parte dessas produções era dedicada às telenovelas. Com o advento da internet e da convergência digital dos meios de comunicação, as fronteiras econômicas e sociais foram quebradas e produções de diversos gêneros e naturezas puderam ser compartilhadas em âmbitos nacional e internacionalmente. Hoje, o cidadão audiovisual tem o controle, já que dispõe de muito mais opções para escolher e podendo, até mesmo, elaborar sua própria programação, a despeito dos horários estabelecidos pela mídia. Isto, que supõe um fenômeno democratizador dos conteúdos, fez com que produtores tivessem que adaptar-se, mudando desde seu modelo de produção até a atitude que mantinham com seus consumidores. De onde só havia apenas alguns canais onde as telenovelas reinavam como gênero cultural televisivo latino, agora está começando a difundir reality shows, documentários e espaços de estilo de vida, que estão criando modelos sociais transfronteiriços, especialmente entre os mais jovens. Aos quatro tradicionais “fortes” mercados do Brasil, México, Colômbia e Argentina estão se juntando, graças a este novo desenvolvimento, mercados menores como Peru ou Chile que, à sua maneira, já começaram a produzir vários formatos “exportáveis”. (TUBIO, 2014) Em sua totalidade, são considerados países latino-americanos a Argentina, a Bolívia, o Brasil, o Chile, a Colômbia, a Costa Rica, Cuba, o Equador, El Salvador, Guatemala, o Haiti, Honduras, o México, Nicarágua, Panamá, o Paraguai, Peru, a República Dominicana, Uruguai e, ainda, a Venezuela. No entanto, o objetivo deste estudo é focar nas produções pensadas para multiplataformas de mídia, levando em consideração as afinidades em relação ao formato de projeto escolhido por cada nacionalidade (argentina, brasileira, chilena e colombiana), acessibilidade ao projeto e seus produtores (para realização de entrevistas) e sua relevância para a sociedade em que são veiculados. Desse modo, o que está sendo aferido aqui é: o universo narrativo em questão, os meios de participação que cada projeto oferece a sua audiência, a expansão narrativa da peça central e a aplicabilidade prática da narrativa transmídia por meio do uso de ferramentas de comunicação digital e analógica. A exposição será feita por meio de uma tabela que consolida todo esse processo de expansão e tipo de participação por projeto, seguindo o modelo utilizado por Anahí Lovato em seu 93 artigo,Periodismo Transmedia: Hacia un modelo de producción basado en experiencias de no ficción (2015), onde ela demonstra o conjunto de peças criadas a partir do universo do documedia Mujeres en Venta. Esse conjunto de peças criadas para a história transmídia foi projetado com uma premissa: a participação dos usuários constitui o coração da experiência transmídia. Ao longo do enredo, os usuários têm uma participação ativa: a partir de formas de interatividade seletiva às formas comunicativas, expansão e transformação do universo narrativo. (IRIGARAY, 2015, p.168) Lovato desenvolveu esse modelo de mapeamento a partir do que Robert Pratten (2015) estabelece em quatro eixos como prerrogativa para experiência do usuário em uma produção transmídia: (i) a história (define sua importância na experiência e grau de controle autoral que os produtores mantêm sobre projeto), (ii) co-criação (a relevância das contribuições da audiência na história), (iii) o mundo real (a presença de locais na história) e (iv) do jogo (o componente lúdico da proposta). Além do modelo desenvolvido por Lovato, integram-se no presente estudo, os dados consolidados das produções, com o intuito de explanar e comparar as especificidades de cada projeto e suas possíveis afinidades a partir das tabelas que apontam a interação, participação e expansão narrativa de cada um. Porém, diferentemente do modelo adotado por Lovato, em que a participação ativa pode ser seletiva (o público que escolhe se irá participar ou não), classificaremos como ativa (participativa e colaborativa). Destacando que: participativa, é quando o público participa da obra contribuindo para sua expansão, compartilhando e impulsionando seu consumo nas redes sociais ou em comunidades de fãs; e colaborativa, quando o público contribui diretamente com a produção produzindo conteúdo ou protagonizando a produção, como ocorre nos documentários de não ficção; e passiva (com e sem interação), quando há mídias passíveis de interação ou não como os cartazes de realidade aumentada, onde o público pode apenas observar a mídia, ou interagir com ela baixando o aplicativo para que consiga ver a imagem em RA. O intuito dessa classificação é deixar o mais claro possível o papel de cada mídia e seu uso nos diferentes projetos apresentados. 94 3.1 Especificidades de cada projeto 3.1.2 Mujeres en venta (Argentina, 2015) Tabela 1. Tipos de Participação Mídia Interação Redes Sociais Ativa (Participativa e Colaborativa) Realidade Aumentada Passiva e Ativa Led interior e exterior Passiva e Ativa Movisodeos/Webséries Passiva (com interação) Micros para TV Passiva (sem interação) Quadrinhos Passiva (sem interação) Documentário para TV Passiva (sem interação) Mapa Colaborativo (Geolocalização) Ativa (Participativa e Colaborativa) Livro Participativa e Colaborativa Apresentações (físicas) Ativa (Participativa) Fonte: Autora Tabela 2. Uso de Plataformas de Mídias Online e Offline ONLINE Redes Sociais (Facebook, YouTube, Twitter) Realidade Aumentada OFFLINE Realidade Aumentada Led interior e exterior (Ruas e Shoppings) Site do Projeto Micros para TV (disponíveis online) Micros para TV (Canais de TV de Rosario) Documentário para TV (disponíveis online) Quadrinhos (disponíveis online) Documentário para TV (Canais de TV de Rosario) Quadrinhos (Jornal El Eslabón) Movisodeos/Webséries Apresentações (físicas) Quadrinhos Rádio Mapa Colaborativo Livro (disponível online) Fonte: Autora Livro (impresso) 95 3.1.2.3 Precisamos Falar do Assédio (Brasil, 2016) Tabela 3. Tipos de Participação Mídia Site Apresentações Físicas TV Cinema (Longa-metragem) Redes Sociais VideoCamp Apresentações Físicas Interação Ativa (Participativa e Colaborativa) Ativa (Participativa) Passiva (sem interação) Passiva (com interação e sem interação) Ativa (Participativa) Passiva Ativa (Participativa) Fonte: Autora Tabela 4. Uso de Plataformas de Mídias Online e Offline ONLINE Site do Projeto OFFLINE Revistas e Jornais Apresentações Físicas Redes Sociais (Facebook e Instagram) Cinema Via Streaming (Net Now) e VideoCamp TV (Canal Brasil) e TV Australiana (Canal SBS) Fonte: Autora 96 3.1.2.3.4 Cuentos de Viejos (Colômbia, 2018) Tabela 5. Tipos de Participação Mídia Site Apresentações Físicas Série para TV Cinema (Longa-metragem) Aplicativo Interação Ativa (Participativa e Colaborativa) Ativa (Participativa e Colaborativa) Passiva (sem interação) Passiva (sem interação) Ativa (Participativa e Colaborativa) Fonte: Autora Tabela 6. Uso de Plataformas de Mídias Online e Offline ONLINE OFFLINE Site do Projeto Redes Sociais (Facebook, Instagram e YouTube) Aplicativo de vídeo (dentro do site) Apresentações Físicas (Escolas e Bibliotecas) Cinema (Longa-metragem) TV (Canal Señal Colombia) Fonte: Autora 97 3.1.2.3.4.5 Puzzle Negro (Chile, 2014) Tabela 7. Tipos de Participação Puzzle Negro Mídia Site Apresentações Físicas TV Cinema (Longa-metragem) Videogame Redes Sociais Interação Ativa (Participativa e Colaborativa) Ativa (Participativa e Colaborativa) Passiva (sem interação) Passiva (sem interação) Ativa (Participativa e Colaborativa) Ativa (Participativa e Colaborativa) Fonte: Autora Tabela 8. Uso de Plataformas de Mídias Online e Offline ONLINE OFFLINE Site TV (Canal Novas) Videogame Apresentações Físicas (Escolas) Redes Sociais (Twitter, Facebook, Instagram e YouTube) Cinema (Longa-metragem) Fonte: Autora 98 3.2 Afinidades Tabela 9. Estudo Comparativo Projeto Universo Formato Narrativo Expansão Online Offline 10 10 08 06 03 04 05 02 03 06 03 02 Narrativa Mujeres en Tráfico de Documentário Venta Mulheres de não ficção Precisamos Assédio Documentário Falar de Sexual de de não ficção Assédio Mulheres Série de Cuentos de Viejos Diálogo Animação Intergeracional documental de não ficção Puzzle Negro Novela chilena Websérie de policial negra ficção Fonte: Autora Conforme consolidado na tabela 9, os quatro projetos trabalharam os elementos indispensáveis em uma produção transmídia: (i) uma história envolvente (storyworld); (ii) sua distribuição em múltiplas plataformas de mídias (expansão narrativa), sendo que, em cada mídia, se conta uma história específica; e (iii) promoção da participação (engajamento) de sua audiência. O que essas produções têm em comum, além da utilização da transmídia, é a relevância temática que cada uma possui em seu país de origem, respeitando o contexto social e cultural de cada um. No caso de Mujeres en Venta (Argentina) e Precisamos Falar do Assédio (Brasil), além de serem documentários de não ficção, há a questão da violência contra a mulher abordada em períodos em que ambos os países questionavam nas redes sociais a falta de informação, prevenção e cuidado com as mulheres de seus respectivos territórios. Enquanto, na Argentina (2015), o documentário estreava na TV no mesmo momento em que a sociedade local saía às 99 ruas para se pronunciar contra a violência de gênero por meio da hashtag #NiUnaMenos, utilizada nas redes sociais, no Brasil (2016), se produzia, durante a semana da mulher, o documentário que surgiu a partir da hashtag, #PrimeiroAssedio. Logo, os dois projetos encontram na narrativa documental uma forma de expor o drama que suas sociedades viviam naquele momento. Em sua forma de estabelecer asserções sobre o mundo, o documentário caracteriza-se pela presença de procedimentos que o singularizam com relação ao campo ficcional. O documentário, antes de tudo, é definido pela intenção de seu autor de fazer um documentário (intenção social, manifesta na indexação da obra, conforme percebida pelo espectador). (RAMOS, p. 22, 2008). Para além do documentário, essas produções trazem, na expansão por meio de múltiplas plataformas de mídia, a possibilidade de o público mergulhar nesse universo e compreender melhor as causas que resultaram na situação retratada nos dois projetos. Porém, em Mujeres en Venta, o número de expansões criadas para várias mídias a partir da peça principal é superior às que foram criadas em, Precisamos Falar do Assédio. No entanto, o que se deve destacar é que a produção argentina foi planejada, desde o início, para ser transmídia; já a produção brasileira, só em um segundo momento, dada à necessidade da produção durante seu andamento. Assim como em Cuento de Viejos e Puzzle Negro, cujo processo de produção transmídia foi mais experimental e intuitivo. Para Gumbrecht (1998), a presentificação a partir dos meios midiáticos modulam a produção cultural. Desse modo, a cultura deixa de ser uma construção do indivíduo para ser uma construção social. Essa construção pode ser explanada nos mais diversos meios e formatos estéticos e artísticos, como ocorre com a produção audiovisual e seus diferentes gêneros e formatos. Por meio da narrativa transmídia, é possível criar um universo de possibilidades para produção a partir de sua extensão narrativa, onde o espectador pode escolher uma obra literária, mas não necessariamente assistir ao filme produzido sobre aquela história, ou acessar o videogame criado com base na obra seriada para TV ou para internet e vice e versa. Cada narrativa complementar, apesar de fragmentada em múltiplos formatos de mídia, está atrelada a uma mesma ambiência. “Enquanto na cultura de sentido busca-se uma representação capaz de nos permitir manipular sem tocar as coisas, na cultura de presença valoriza-se o retorno às coisas em si mesmas” (Gumbretch, 2008). Nesse sentido, dentre os quatro projetos apresentados, Puzzle Negro é o único que traz um videogamecomo um meio de engajar sua audiência e promover a websérie. Como o diretor 100 Fernando Irigaray (2019), de Mujeres en Venta, afirmou na entrevista, é preciso conhecer bem seu tema e usar aquilo que, de fato, faz sentido para o universo narrativo, e não “usar por usar”. O que é interessante e comum a todos os projetos é a participação presencial dos produtores diante da audiência. Mesmo com diversas possibilidades de interação através das múltiplas plataformas de mídia, todos participaram de apresentações físicas, abertas e com debate sobre o tema abordado em suas obras, gerando o que Castells (2009) aponta como ocupação de espaços urbanos não somente virtualmente, mas fisicamente também. Trata-se não só dessa ocupação nos territórios, mas também do conceito pedagógico como disse, Laura Piaggio de (Cuentos de Viejos) sobre essa experiência. Com relação ao uso das mídias online e offline, com exceção de Mujeres en Venta, que usou mais as digitais, o uso das mídias offline (quadrinhos, livro, jornais, revistas e cartazes) foi algo recorrente fazendo a interface entre o analógico e o digital possibilitando opções de acesso ao público de cada projeto. Embora o uso da bíblia transmídia tenha sido adotado por dois países (Argentina e Chile), há de se observar que as quatro produções fizeram um trabalho de qualidade, superando os desafios econômicos e territoriais de seus países. Outra característica em comum é o modo quase que autoral e independente com que cada projeto foi produzido, mesmo que com o aporte de produtoras, canais de TV, fundos internacionais e universidades. É possível aferir que, em todas as produções apresentadas, há uma preocupação com a formação e informação do cidadão com relação a determinado assunto; os quatro projetos contam histórias sejam elas de ficção e não ficção. A história do assédio sexual é contada por mulheres que passaram por esse tipo de situação em algum momento de suas vidas; a história dos mais velhos, que é passada de geração para geração, é contada pelo próprio vovô ou vovó; a história das mulheres sequestradas para tráfico sexual é contada por aquelas que conseguiram se salvar; e as novelas policiais chilenas dos livros são contadas por seus escritores por meio de uma websérie. Desse modo, a transmedia storytelling aplicada aqui, cumpriu o seu papel: informar e envolver sua audiência de várias formas e dispositivos de mídia possíveis. 101 CONSIDERAÇÕES FINAIS Conforme a tecnologia avança, novos dispositivos de mídia são integrados ao cotidiano da sociedade como um todo, sejam eles para entretenimento, educação ou trabalho. A convergência dos meios digitais apenas ampliou de modo significativo as possibilidades de comunicação e expansão de determinada experiência cotidiana. No caso das produções audiovisuais, a narrativa transmídia trouxe maior visibilidade e tempo de vida a projetos diversos, tornando a audiência parte integrante desse processo. Como reforçado por Jenkins (2009), essa convergência não se dá apenas por meio de dispositivos tecnológicos, mas ocorre quando as pessoas assumem o controle das mídias. Logo, o modo de interagir muda de acordo com nossas necessidades e possibilidades de interação retrata o período em que vivemos: uma sociedade cada vez mais conectada. Entretanto, mesmo diante de tantos aparatos para interação e imersão – representando o mundo real ou o virtual –, as mídias digitais, ou “novas mídias”, não se sobrepõem às ditas “velhas mídias”, pelo contrário, elas se complementam, de modo que uma integre a outra, proporcionando uma interface entre as mídias digitais e analógicas (Irigaray, 2019). Seja online ou offline, todo conteúdo deve ser envolvente e criar significado na vida do espectador. Pois, não se trata somente de contar histórias, mas de como mostrar essas histórias e criar uma experiência. Essa necessidade da sociedade contemporânea de poder acessar múltiplas plataformas de mídia e querer se sentir parte inerente do conteúdo ali apresentado faz com que os meios de comunicação atuais procurem oferecer mais do que era oferecido antes do advento da internet e da convergência digital. Sob a ótica de diferentes autores, estudiosos e profissionais, os estudos teóricos e práticos sobre a narrativa transmídia apresentados aqui ressaltam um retrato do momento em que vivemos. A transmídia proporciona não só a extensão de um universo narrativo, mas uma maior interação entre produtor e consumidor de conteúdo, trabalhando, momentaneamente, o engajamento social e a expansão de sua distribuição nas redes web como um todo. Desse modo, os resultados podem ser muito mais criativos e úteis à sociedade, em diferentes nacionalidades como ocorre com as produções audiovisuais latino-americanas, que, por meio de seus diferentes projetos, atuaram de modo significativo e efetivo em seus países de origem. Como pudemos observar, a Argentina (Mujeres en Venta, 2015) está mais à frente nesse modelo de produção documental, denominado por seus produtores de documedia; já a Colômbia foi inovadora no conceito de animação documental (Cuentos de Viejos, 2018), 102 assim como o Chile (Puzzle Negro, 2014), resgatando a novela policial negra através de uma websérie e um game para computador; e, no Brasil (Precisamos Falar do Assédio, 2016), o desafio ficou por conta do modo pioneiro da participação e protagonismo do público como peça central do projeto. Cada um desses países representa um movimento social e cultural de seu tempo, exercendo, de modo direto ou indireto, o conceito de cidadania na era da conexão, constituindo de acordo com Castells (2009), a nova morfologia social de nossas sociedades. A partir desse estudo, é possível observar que a América Latina vive um processo que está na contramão da cultura mercadológica de grandes produções hollywoodianas. Pois, suas produções não visam o lucro demasiado, mas sim, representar por meio do audiovisual as necessidades de seu povo. Há de se levar em consideração também, as barreiras relacionadas às limitações financeiras para produções multiplataformas e o nível de conhecimento desse tipo de proposta pela sociedade local que face ao esforço desses produtores, existe uma demanda de uma ação mais pedagógica voltada ao diálogo com a sociedade. O interessante desse tipo de proposta, é o protagonismo que a população exerce participando e colaborando ativamente com o êxito desses projetos. Muito além do resultado financeiro, está o aprendizado e a experiência imersiva que cada produção transmídia devolve conectando produtores e consumidores de diferentes tipos conteúdos. 103 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ACUÑA, F. y CALOGUEREA, A.. Guía para la producción y distribución de contenidos transmedia para múltiples plataformas. Santiago de Chile: Pontificia, Universidad Católica de Chile, 2012. AERAPHE, Guto. Webséries: criação e desenvolvimento. Belo Horizonte, 2013. BARTHES, Roland. Análise estrutural da narrativa. Petrópolis: Vozes, 2011. BARROS, A. C. P. Comunicação e mídias digitais: novas formas de relacionamento mercadológico transmidiático. In: Anais do 6º Interprogramas de Mestrado da Faculdade Cásper Líbero. São Paulo, Faculdade Cásper Líbero, 5 e 6 de novembro de 2010. 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Acesso em: 12 abr. 2018. 108 APÊNDICE A – Metodologia utilizada nas Entrevistas 1. A entrevista foi concebida para ser de forma semi-estruturada, onde foram pré-formatadas dez perguntas sobre a temática abordada no trabalho, bem como os objetos de estudos utilizados na mesma. Durante cada entrevista, a depender do modo como foi efetuada, uma ou outra pergunta pode ter sido reformulada ou incluída. Além disso, dada a utilização de projetos estrangeiros de língua espanhola no presente estudo, as perguntas foram traduzidas para o espanhol. Porém, todas as respostas das entrevistas internacionais foram traduzidas para o português. 2. Meios e Dispositivos de Mídia utilizados As entrevistas foram realizadas de acordo com as especificidades e necessidades de cada entrevistado, pois, foram disponibilizados diferentes meios e formatos de comunicação. Como: chamada de vídeo via aplicativo Skype para o Diretor e Produtor, Fernando Irigaray; chamada de áudio via aplicativo WhatsApp para o Diretor e Produtor, Guilhermo Prado; chat de bate-papo do Facebook via Messenger para Designer Multimídia, Laura Piaggio; e pessoalmente vide gravador do celular com a Diretora, Paula Sachetta. As entrevistas com áudio foram gravadas por meio do aplicativo de gravação do celular pessoal da entrevistadora e transcritas. 3. Da transcrição Para transcrição de voz, foi utilizado o método apresentado no quadro de Marcuschi (1986), sendo que, no presente trabalho, se aplica apenas o item 14, referente ao uso de reticências “no início e no final de uma transcrição indica que se está transcrevendo apenas um trecho”. (1986, p.10-13). A transcrição foi editada de modo a focar nas perguntas efetuadas, eliminando possíveis redundâncias, repetições e possíveis erros ou vícios de linguagem. Quanto à identificação entre entrevistadora e entrevistado, usam-se as letras iniciais do nome e sobrenome em maiúscula, conforme sugerido por Marcushi. 109 4. Perguntas para entrevista em Português: 1. O projeto foi concebido desde o início para ser transmídia? Por quê? 2. Algum tipo de bíblia transmídia foi usada? Como era? 3. O que foi levado em conta para a escolha das plataformas de mídia e por quê? 4. O projeto foi pensado de acordo com as características do público? 5. Foi possível perceber se o projeto gerou alguma influência ou relevância para a sociedade? 6. Como foi a participação, colaboração e comprometimento do público com o projeto? Quais foram motivadas pelo projeto e quais surgiram espontaneamente? 7. Houve continuidade ou desdobramento do projeto? 8. O que foi adquirido com essa experiência transmídia? 9. Quais foram as principais dificuldades? 10. Você faria outro projeto nessa linha? Existe um em andamento? 4.1 Perguntas para entrevista em Espanhol: 1. ¿El proyecto fue concebido desde el principio para ser transmedia? ¿Por qué? 2. ¿Se utilizó algún tipo de biblia transmedia? ¿Como era? 3. ¿Qué se ha tenido en cuenta para la elección de las plataformas de medios y por qué? 4. ¿El proyecto fue pensado de acuerdo con las características de la audiencia? 5. ¿Fue posible percibir si el proyecto generó alguna influencia o relevancia para la sociedad? 6. ¿Cómo se dio la participación, la colaboración y el compromiso de la audiencia con el proyecto? ¿Cuáles fueron motivadas por el proyecto y cuáles surgieron espontáneamente? 7. ¿Hubo continuidad o desdoblamiento del proyecto? 8. ¿Qué se ha adquirido con esta experiencia de transmedia? 9. ¿Quáles fueron las principales dificultades? 10. ¿Usted haría otro proyecto en esa línea? ¿Hay alguno en marcha? 110 APÊNDICE B – Transcrição da Entrevista com o Diretor da obra, Mujeres en Venta, Fernando Irigaray JO: Eu vi que o projeto Mujeres en Venta já é pensado em transmídia desde o começo, sim? FY: Sim, foi. Quando pensamos em Mujeres en Venta, seu começo, como disse Renira Gambarato81, que foi proativo, pensado desde o início pra ser transmídia. Não como a produção anterior, Hombre Bestia82, o primeiro audiovisual que transformamos em uma produção transmídia. JO: Sim e por que foi pensado uma produção transmídia para um documentário? FY: Bom, por que foi pensado assim? Porque queríamos, realmente, trabalhar com essa temática, desenvolvendo-a para narrativa transmídia. Já por agora, todas as produções que estamos fazendo fazem parte desse tipo de projeto. Quando nós fizemos a produção anterior, foi o primeiro projeto de narrativa transmídia na América Latina. Obviamente estamos pesquisando sobre como fazer um bom produto para uma série televisiva e, depois, decidimos pesquisar e desenvolver sobre uma boa narrativa transmídia … obviamente, podemos alcançar inúmeras possibilidades de produção … . JO: Bem, eu li em um artigo de Anahí Lovato, que escreveu sobre Produções Transmídia de não Ficção Transmídia83, que vocês usaram a bíblia transmídia de Gary P. Hayes, sim? Como foi isso? FY: Sim, bem ... desculpa ... Como? JO: Vocês usaram apenas essa bíblia, ou outro guia? Como foi esse uso para vocês, pois Gary Hayes é australiano, não? É uma realidade muito diferente da latino-americana, então, como foram para adaptar o conteúdo às regras e direções para o trabalho na Argentina? FY: Anahí, que é a roteirista de todas as produções que já fizemos e com quem tenho a sorte de compartilhar propostas e projetos … usamos o básico como parâmetro … usamos Hayes, 81 Professora Associada em Estudos de Mídia e Comunicação na Universidade de Jönköping, na Suécia. Disponível em:<https://www.linkedin.com/in/reniragambarato/>. Acesso em: 20 jan. 2019. 82 Documentário transmídia. Disponível em: <http://dcmteam.com.ar/3/transmedia/16/Tras-los-pasos-de-ElHombre-Bestia--Documental-Transmedia>. Acesso em: 19 jan. 2019. 83 Disponível em: <http://www.unrinteractiva.com.ar/2016/03/producciones_transmedia_de_no_ficcion/>. Acesso em: 19 jan. 2019. 111 um texto de Pratten, um livro do Chile, onde formamos um guia sobre produções de narrativa transmídia. Em função disso e mais alguns outros projetos em que estamos trabalhando, Anahí usou um planejamento muito interessante para o desenho de produção transmídia ... Com respeito às experiências do que seria uma produção da Austrália, do que seja de Pratten, na Grã-Bretanha tem a ver com produções industriais, fundamentalmente, porque nós fazemos um projeto dependendo da estrutura em que trabalhamos … Há alguns anos que Denis Renó 84 fala de narrativas territoriais; nós falamos de território expandido; nas academias, sobre os meios espaciais utilizando a casa e os recursos para produção transmídia, que tem a ver com essas interfaces digitais, com os meios tradicionais e o intercâmbio entre as interfaces físicas e virtuais. Digamos que, nesse espaço e exercício que se cruzam os meios, é onde estamos trabalhando e pesquisando. Então, obviamente cai um monte de questões interessantes, como, por exemplo, as produções industriais em que Pratten nos apresentou quando tivemos a oportunidade de conhecê-lo. Há dois anos, nos mostrou o Conducttr85 … utilizado para produções transmídia. … Porém, não serviu para nossa produção transmídia, por quê? Porque obviamente foi pensado para produções de milhões de usuários e, fundamentalmente, com o trabalho nas redes sociais, se fariam produções centradas em interfaces digitais, especificamente trabalhando desde as redes e parametrizando o envio a distintos momentos, em distintas redes, distintos conteúdos com auto resposta, todas, ferramentas fantásticas. Mas, nós temos outro perfil, que é muito mais de narrativa espacial, que tem a ver mais com a ideia de entender digamos ... uma ecologia de meios em que se reúnem todos os meios, incluindo os digitais, muitos recursos e meios analógicos que se cruzam e de como se conectam as interfaces. … São ferramentas que se usam, mas temos que observar a pergunta inicial que você fez e porque decidimos que coisas nos serviam ou que coisas não nos serviram ... como um pequeno aporte, um pequeno recurso que tivemos para trabalhar em uma concepção diferente, utilizando outros recursos das redes digitais sobre como trabalhar na América Latina. JO: Bom, creio que tenha sido um grande desafio, não? FY: Sim, foi um grande desafio. 84 Jornalista, fotógrafo e documentarista, é livre-docente em Ecologia dos Meios e Narrativas Imagéticas. Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/328070797982072>. Acesso em: 19 jan. 2019. 85 Sistema criado para potencializar o engajamento do público com plataformas digitais. Disponível em: <https://www.conducttr.com/>. Acesso em: 19 jan. 2019. 112 JO: O que foi levado em conta para escolha das plataformas de mídia, e por quê? Eu vi que vocês usaram muitas, como Facebook, Twiter, plataformas online e offline, mas como foi essa escolha? FY: Bom, obviamente trabalhamos com esta concepção de espaço e território, então relações que tinham a ver com os meios tradicionais como, por exemplo, trabalhamos, aqui, com a obra central ... e aí saímos deparando diversas ações, por exemplo, que teriam a ver com os espaços, como os temas para os outdoors publicitários pela cidade; fazendo justamente esta relação entre a interface gráfica analógica com a interface digital. … Isso porque sabíamos de antemão que não daria resultados, porque havia muitos obstáculos para superarmos. Mas, sabendo disso, o interessante é que em nossa pesquisa, sabíamos que não atingiríamos um por cento das pessoas durante uma campanha de marketing. Sabíamos que seríamos os primeiros a fazer isso nos meios tradicionais, como jornais e rádios em Rosário, porém… as peças publicitárias não iriam funcionar … Todas as informações estavam nas impressões publicitárias. Obviamente, que uma peça no metrô de Paris, com uma informação que descubra outro tipo de pesquisa, seria interessante, mas a peça foi pensada com o propósito duplo de fazer as pessoas investigarem, induzir a partir de um lugar privado a fazer uma campanha de um público que utiliza diversos discursos. ... Quem sabe o uso de outros meios, mas que sem dinheiro não teríamos como fazer. Bom, todas essas ações foram a partir dessas peças; depois, colocamos peças nas avenidas, dentro do shopping mall para engajar o público. A proposta foi interessante porque passamos a ideia da venda da mulher a partir do QR Code86 como se fosse um leitor de código de barras, como em um mercado. Algo que deixou o público impressionado. Depois de um mês dessa ação, pois se paga o uso desse espaço, e não podíamos mais focar nessa ação. Mas induzimos o público a procurar saber da história. ... Enfim, fizemos o engajamento nos dispositivos móveis, no livro interativo e,, também, alguns organismos políticos e organizações sociais que nos pediram o material impresso com o intuito de usá-los como campanha preventiva. ... Obviamente, usamos as redes sociais, mas trabalhamos os conteúdos do tema como uma espécie de militância social, o que nos trouxe várias participações em lugares como Barcelona, escolas com adultos e crianças, públicos variados que tinham de quinhentas pessoas, com mil e com dez. Todavia, havíamos programado, para o primeiro ano do projeto, ir a 30 lugares, mas acabamos indo a 50 entre 86 Do inglês, Quick Response,( reposta rápida em português) é um código de barras bidimensional que pode ser facilmente escaneado usando a maioria dos telefones celulares equipados com câmera. Esse código é convertido em texto (interativo), um endereço URI, um número de telefone, uma localização georreferenciada, um e-mail, um contato ou um SMS. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%B3digo_QR>. Acesso em: 19 jan. 2019. 113 escolas, indústrias, organizações e empresas. Logo, se por um lado trabalhamos com as redes, por outro trabalhamos com um micro público muito específico, nos fazendo retomar a ideia de cinema de bairro ... apresentando a produção e falando sobre o tema. Isso foi o que ampliou e deu espessura ao conteúdo. JO: Eu vi que foi um projeto de grande repercussão social, porque fala do tráfico de mulheres para exploração sexual, mas o projeto, de algum modo, foi pensando com as características da audiência, como os cidadãos de Rosário, Argentina. Foi pensando isso ou não? FY: Sim ... Esse projeto foi o nosso quinto projeto transmídia. Participamos de festivais e até recebemos um prêmio na Espanha, inclusive, concorrendo com países como o Brasil. Isso nos deu impulso, mas não o dinheiro para nossa produção. E sem dinheiro, como fazer as coisas, não é mesmo? … tínhamos um tema que produzia várias ramificações ... tivemos a possibilidade de viajar para vários lugares da Argentina porque conseguimos alguns fundos, além do prêmio que ganhamos fora da Argentina. ... JO: Foi possível perceber se o projeto gerou alguma influência ou relevância para sociedade? FY: Sim, o projeto foi muito trabalhado no público argentino, sobretudo de Rosário, nós trabalhamos em uma pesquisa sobre o tipo de audiência e tipo de redes. ... Tudo foi pensado em conjunto. E obviamente, como tudo, teve algo que foi interessante: nós tínhamos um caso de outra vítima, que saiu em um quadrinho, que aconteceu assim: uma menina menor de idade, onde não usamos seu nome verdadeiro, no quadrinho usamos Sofia, que foi raptada no limite entre a Argentina e o Uruguai, onde foi sequestrada e levada para trabalhar num bordel na província de Bueno Aires. Esse momento aconteceu porque a vítima foi encontrada na cidade de Rosário, mas, por medida protetiva das autoridades (pois, a vítima estava muito assustada), não podíamos filmá-la ou tirar uma foto sua. E, sem imagem, não poderíamos usar no documentário. Então, só dava para escrever algo e fazer um relato escrito, como uma crônica. Então retomamos uma ideia que tem a ver com os quadrinhos jornalístico, que se fazia antigamente em Barcelona, durante a primeira guerra civil da Espanha. ... Na América Latina, principalmente na Argentina. Foi um modo interessante de usar o documentário gráfico. Logo, uma série documental feita em quadrinhos com publicação periódica, ou se editava como em um livro. ... Foi pensado mais como uma experiência experimental, em um formato com o qual não tínhamos muita intimidade. Porém, pensamos em um formato que 114 teria muito mais impacto, então usamos para que fosse publicada no jornal da cidade, no diário de domingo, onde os leitores têm idade de 35 a 40 ou 50 anos. ... O que fizemos foi tirar um suprimento bem pequeno em um jornal político cultural que sai nos sábados e que possui aproximadamente dez, quinze mil pessoas que o lê. ... Então, começamos a trabalhar com alguns materiais, o qual escolhemos um que foi fundamental, sobre mulheres pioneiras. Muitas mulheres, depois que saiam da cadeia, eram levadas pelo tráfico, pois muitas das vítimas passam por um processo muito complicado de inclusão na vida social ... Nunca pensamos em trabalhar com o público carcerário na cadeia de Santa Fé ... A maior repercussão desse projeto foi trabalhando o boca a boca com instituições e organizações de área educativas, pois, na educação, não entendem muito o que é um projeto transmídia, então pedem permissão para assistir ou utilizar o nosso material, por isso nosso material está em creative commons87, para que vocês utilizem. Por isso fazemos assim, para que todos utilizem e também por seu impacto nos micro territórios. JO: Como se deu a participação, a colaboração e o compromisso da audiência com o projeto? Eu vi o mapa interativo, vocês têm a quantidade de quantas pessoas têm participado disso ou colaborado com as denúncias de tráfico? FY: Justamente, nós sempre utilizamos essa parte como uma peça que foi mal pensada e que seu impacto foi zero. Pois é o típico impacto informativo, mas que não gera participação. Assim como aconteceu no uso das interfaces digitais, o qual sabíamos que muita gente não ia participar, onde a estratégia de marketing direto que foi mais curta, pensando apenas que o projeto era fantástico. Isso foi um erro de conhecimento sobre a implicância e impacto que o tema tem para as mulheres. ... Mujeres en Venta é um movimento que luta pelas mulheres, assim como outros da América Latina e na Argentina, como o que foi com Nem Uma a Menos(2016). ... Sobre violência contra mulher, sobre temas específicos que tinham a ver com maus-tratos e violência. Então, nos demos conta disso e, assim, aprendemos que, até esse momento em que acontecia o projeto, que as denúncias eram muito vagas e que não tinham relações com o tráfico, mas que eram sobre abusos sexuais e violência de gênero. Porém, foi uma boa ferramenta de mapeamento da Argentina, porque mostravam todos os casos que haviam sido causados por certas relações ou suspeitos. Com essa ideia de ferramenta aberta, só recebemos uma única denúncia, que não deu muito certo e não funcionou. Às vezes por questões narrativas das plataformas, é necessário saber bem sobre o tema que se está 87 Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Creative_Commons>. Acesso em: 23 jan. 2019. 115 trabalhando, como em nossa pesquisa ... precisava ver se a narrativa combinava com aquela plataforma e não usar por usar. Porque pode gerar resultados com outra história, outra narrativa, enfim, outro tema. Então, com esses meios pudemos aprender o que funcionava e o que não funcionava. ... É preciso saber o que, como, onde e porque isso funciona com esse tema e não em outro. Logo, não é algo fácil. JO: Então esse projeto não tem nenhuma mídia espontânea ou uma ferramenta de participação que surgiu depois que o projeto já estava em curso? FY: Bom, aqui, as participações exteriores foram poucas, mas a estratégia de marketing durou cerca de dois anos. ... pois, fizemos um intercâmbio com alguns lugares, compartilhamos o projeto, mas a participação foi bem baixa. ... Então foi impressionante a participação das pessoas pessoalmente, assim trabalhamos difundindo e discutindo sobre ele. ... Logo, fizemos um trabalho bem personalizado nos territórios com especialista no tema de tráfico e documentaristas que contam histórias em alguns espaços para dar visibilidade à obra. JO: Houve continuidade ou desdobramento do projeto? Sim, eu vi muitos formatos para multiplataformas, que tem movisodeos, podcasts, doc para TV, quadrinhos, algo mais? FY: Desde o começo foi planejado, como já falamos, para ser uma narrativa transmídia usando várias mídias, obviamente que alguns formatos planejados foram mudando durante o projeto. ... Na realidade, era um universo que estava planejado muito antes e que discutimos mais sobre as participações que aconteceram nos territórios e que, durante essas participações, foram surgindo outras coisas, isso foi o que tivemos mais de participação, não tanto como fandom, houve participação, mas não muito ampla, pois mais peças não foram desenvolvidas porque não tínhamos dinheiro. Mas o livro do projeto sim, foi a última peça que saiu desse projeto. Que está em vias de ser impresso. ... JO: Então é um projeto que está vivo ainda, que continua? Esta é a mágica da transmídia? FY: Sim, essa é a ideia, de que se mantém vivo, o ciclo de vida de uma mesma produção e que sigo o experimento, mesmo depois de terminado um projeto. Pois temos o livro, apresentamos o documentário na televisão e, agora, este ano, faz parte da grade de programação da TV: o doc para TV, Histórias Silenciadas. … Também é preciso ter um pouco de sorte, pois com pouco dinheiro conseguimos passar o projeto na TV. Como os microepisódios que passaram, os quatro, na TV e, em seguida, o documentário... Nos meios 116 locais, quase não existem outros meios para ver esse projeto, a não ser pela TV. Então, dada a importância e solicitação da própria população, o documentário passou em outros canais de TV da Argentina. … Os movimentos internacionais também ajudaram muito. como o movimento Nem Uma a Menos.... JO: Você falou um pouco sobre o que adquiriu com essa experiência, creio que tenha aprendido com os erros e acertos, não? Pode falar um pouco sobre isso, da experiência transmídia e das principais dificuldades? FY: As dificuldades, provavelmente, as dificuldades financeiras, a gente que quer fazer transmídia não tem dinheiro, porque é muito caro, inclusive, é bastante gracioso os organismos que oferecem fundos para produções transmídia, pois são menores do que para fazer um programa de televisão. Como fazer a transmídia se, a meu ver, tem que ter muito mais plataformas. ... Então é difícil, e se já é difícil conseguir dinheiro para algo que já é fechado, imagina para algo que é flexível, que as pessoas podem opinar e participar e que vai precisar investir um pouco mais. Também aprendemos que o projeto é muito longo e que se não pode financiar o projeto inteiro, tem que fazer por partes, por peças, por ações. Por exemplo: vamos conseguir financiamento para os quadrinhos, para o documentário de TV e assim por diante. É muito raro conseguir fechar tudo, é preciso aprender a produzir por partes, é muito raro conseguir o financiamento completo. É uma questão de aprendizagem esta questão da produção. É necessário também como planejar o storyboard, como planejar as etapas para o desenho e para concepção da história. Essa combinatória é o que vai te ajudar a conseguir financiamento para a produção … … Aí que fomos aprendendo, não só como contar, mas também como conseguir dinheiro para contar e fazer histórias. … Inclusive, quando nos demos conta, já tínhamos desenvolvido várias histórias para narrativa transmídia, havíamos alcançado, feito e planejado quando nos chamaram para fazer um museu transmídia e aprendemos tudo sobre narrativa transmídia para um museu. Então, estudamos e soubemos como usar interfaces com o museu. Foi um aprendizado muito bom. Logo, a transmídia nos trás muitas possibilidades. JO: Você faria outro projeto nessa linha? FY: Você diz, nessa linha transmídia, ou na linha de histórias sociais como Mujeres en Venta? 117 JO: Eu creio que os dois, social, mas como um todo, a narrativa transmídia, mesmo que seja para outro projeto diferente FY: Depois deste, seguimos trabalhando com três ou quatro projetos, seguimos com documentários... museu, agora estamos em plena execução de uma série que se chama De Bairro Somos88, que é sobre os clubes de futebol de Rosário, e aí incluímos outros elementos, fizemos uma Festival Transmídia, trabalhamos com um álbum de figurinhas produzidas com o clubes, onde as crianças podem fazer um intercâmbio com elas, que se conectam às plataformas digitais, como realidade aumentada, aplicativos de celular, enfim muitas coisas. Logo, em breve, após as férias, trabalharemos sobre uma intervenção histórica social em Rosário, que era contra a ditadura militar e que tem a ver com a universidade. Estamos coletando depoimentos e desenvolvendo um caça tesouros que é relacionado com a cidade, promovendo a participação das pessoas com pistas e outras coisas mais. ... Temos vários projetos assim, em andamento. ... JO: Quanto tempo leva para fazer um projeto como esse? FY: Muito tempo, Mujeres en Venta levou um ano de produção … onde foi gerando o universo narrativo, e outro ano para execução e divulgação, logo, durou uns dois anos. ... JO: Uma curiosidade, na Argentina as produções transmídias são feitas com a participação das universidades e o mercado ou indústria comercial de trabalho, há uma parceria entre os dois? FY: Na Argentina, não há um mercado de trabalho em transmídia porque é muito caro, quase o mesmo que no Brasil, embora, no Brasil, a Globo esteja fazendo parte desta produção, mas, aqui, os grandes meios ainda não. Uma parte tentou, mas não tem demanda ou subsídios para essa linha de produção. Pois, aqui, a demanda é mais para cinema, regional e mais televisivas. Logo, para desenvolvimento transmídia tem a obra derivada e, quando o Estado investe, adquire os direitos da obra. ... A universidade é pioneira em produção de narrativa transmídia de não ficção na Argentina. Algumas coisas conseguimos fazer com que a Universidade pagasse, mais outras não porque ela não pode. Nesse projeto, conseguimos um fundo com o Canadá por conta de um prêmio que ganhamos por lá. A obra toda custou, 45 mil dólares. Não foi fácil conseguir esse dinheiro. ... 88 Disponível em: <http://www.dcmteam.com.ar/3/transmedia/49/De-Barrio-Somos>. Acesso em: 26 jan. 2019. 118 JO: Então basicamente, vocês fizeram esse projeto com a ajuda da universidade e com fundos de organizações ? FY: A universidade não pode pagar a equipe, mas pôde disponibilizar a estrutura. O que fizemos foi buscar financiamento para produção. Contratar mais gente porque precisava, ... e conseguimos isso a partir de pequenos aportes para que conseguíssemos produzir. ... JO: Aqui no Brasil, nós temos um fundo do governo para fazer algumas produções, mas tem que passar por um processo de eleição, tem algo parecido na Argentina? FY: A universidade tem um fundo para produção audiovisual que também utilizamos, e depois fomos conseguir financiamento em outros lugares. O doc para TV foi feito com um fundo da rede universitária para produções audiovisuais. Na Argentina, hoje, não é um momento ideal para conseguir financiamento para projetos audiovisuais, imagino que o mesmo ocorra no Brasil. 119 APÊNDICE C – Transcrição da Entrevista com a Diretora de Precisamos Falar do Assédio, Paula Sacchetta JO: O projeto foi concebido desde o início para ser transmídia? PS: Pra ser honesta, isso aconteceu depois, pois a ideia era só fazer um filme, pois pensamos muito com essa cabeça de documentarista, voltada mais para o cinema. O que aconteceu foi que, quando colocamos a van na rua pra fazer um filme, eu pensei: se no fim de uma semana a gente tivesse, trinta, cinquenta depoimentos estaria ótimo porque assim, dá pra fazer um filme. Com o fim de sete dias de filmagem, já tínhamos cento e quarenta depoimentos em treze horas de material bruto. Quando se faz uma campanha dessas, que fala para as mulheres falarem de sua experiência, eu me senti responsável, pois se digo para essas mulheres que precisamos falar do assédio, e elas falam, vou escolher vinte e poucas pra fazer um filme de oitenta minutos e vou fazer o que com o resto dos depoimentos, guardar num HD na produtora? Então, o projeto transmídia nasceu muito mais daí, dessa necessidade de dar vazão, de fazer um novo produto que não fosse só um filme, porque um filme, beleza, roda em festival de cinema, roda na TV e etc. Mas ele é limitado de tempo, né? Então, se você pensar que um longa tem entre setenta minutos e duas horas e pouco, e que um longa muito longo desse filme com esse tema ia ser demais, pensamos em um projeto transmídia que fosse filme mais o site, que daria conta disso, de dar um lugar pra todo esse material que era tão importante e não menos importante do que o filme. JO: E aí você tem o documentário, que foi um tempo mais curto, para entender o projeto, tem o longa-metragem e tem o documentário que foi pro site, quer dizer, os micro depoimentos, né? PS: Não assim, tem o site e tem o filme de oitenta minutos e que tem vinte e seis depoimentos, dos cento e quarenta que coletamos. E dentro do filme, esses vinte e seis depoimentos são editados para o filme. O site tem os cento e quarenta depoimentos na íntegra. Então, assim, dentro da van tinha um relógio onde as meninas poderiam falar até cinco minutos, mas várias mulheres ignoraram, então, tem depoimentos de cinco minutos, dezesseis minutos, vinte e tantos minutos. Então, no site, estão todos na íntegra sem cortes. 120 JO: Vocês utilizaram, para fazer esse projeto, alguma bíblia transmídia, algum guia, ou foi mais pela intuição que rolou na hora? PS: Foi mais por intuição, eu acho que têm vários e vários sites que eu gosto muito, super interativos assim. Acho que tínhamos a necessidade de que esse não fosse careta, super duro, estático, né? Que ele pudesse ser uma coisa viva, então tem também uma parte, além desses, cento e quarenta depoimentos na íntegra, que estão lá, tem outra sessão que se chama, Mais Depoimentos, onde qualquer mulher de qualquer parte do mundo pode entrar e gravar seu depoimento. Então, tem mais depoimentos que continuamos recebendo até hoje, entendeu? Esse projeto é de dois mil e dezesseis e, em dois mil e dezenove, continuamos recebendo. Então, tem essa coisa, eu acho, de continuar, de não parar, de dizer: bom, fizemos um filme, tchau, um beijo, sabe? Acho que o projeto transmídia, assim, do jeito que pensamos, ele era pra isso, pra dar força, pra dizer que agora que começamos a falar sobre isso, a gente não vai parar mais, sabe? E daí, o que eu acho interessante mencionar é que tem vários festivais do mundo do cinema que são super importantes, um dos mais importantes festivais de documentário do mundo é o IDFA (International Documentary Film Festival Amsterdam) 89, e o IDFA tem uma sessão para projetos transmídia, então o meu filme foi para o IDFA, não como um filme, mas como um projeto transmídia. Você começar a ocupar esses espaços, que normalmente são mais caretas e conservadores e tal, com projetos assim, e eles estarem abertos a isso, é um sinal de que as coisas estão mudando e evoluindo. JO: O que foi levado em conta para escolha das plataformas de mídia e por quê? Tem o site, que é a mídia principal, mas tem as redes sociais também, que vocês utilizaram, foi utilizada alguma outra além do Facebook do projeto? PS: Não, a gente … antes do filme, antes da coleta de depoimentos, a gente utilizou todo tipo de mídias tradicionais possíveis pra convidar as pessoas a darem depoimentos. ... Então, saiu trailer no Cine Belas Artes por vários dias, dizendo onde a van estaria estacionada e etc. Tinha as chamadas nos cinemas, porque fizemos algumas parcerias com alguns cinemas, tinha anúncio em revistas, em jornal impresso, saiu na TV durante a semana. Como filmamos na semana da mulher, saiu na TV, pois, no dia oito de março, as redes de TVs foram lá. Então, assim, para campanha do projeto, para a chamada, a coleta de depoimentos, a gente usou todos os tipos possíveis e, daí, claro, muito Facebook e Instagram, né? Naquela época o 89 Disponível em: <https://www.idfa.nl/en/info/over-idfa>. Acesso em: 22 jan. 2019. 121 Facebook bombava muito mais do que Instagram e, hoje, é bem o contrário, a gente sabe e tem visto muito isso. Então usamos de tudo um pouco. JO: E vocês aproveitaram também, a hashtag do meu primeiro assédio, que impulsionou bastante, né? PS: Exatamente. O filme, ele nasce disso, né? Não existiria a ideia desse filme se não existisse a rede social. Foi uma necessidade minha de fazer esse tema quando eu percebi que nós estávamos falando, pela primeira vez, coisas das quais a gente não falava. Isso aconteceu por conta de uma hashtag na internet, #meuprimeiroassedio. Por causa daquela história da Valentina, do Master Chefe Júnior, e etc. JO: Daí o projeto foi pensado de acordo com as características do público, vocês chegaram a fazer esse levantamento antes de fazer o documentário ou foi mais impulsionado pelo período em que estávamos vivendo mesmo? PS: Não, na verdade, pensamos que, quando você coloca uma van na rua, a alma de um documentário e, a princípio, claro que existem exceções, é a pesquisa de personagens. Assim, eu tenho uma boa história, mas não basta ter uma boa história. Eu tenho que ter uma pessoa que fale bem, que conte aquela história pra gente ter margem de cobertura. Quando você decide fazer um documentário, formalmente, esteticamente, do jeito que a gente decidiu, que era muito bruto, muito cru, que era só o fundo preto com o rosto das mulheres assim, e você põe uma van na rua e você não está lá dentro com essas mulheres entrevistando fazendo perguntas, vendo como ela fala, se ela fala bem ou se fala mal, é uma caixinha de surpresas. Então, assim, imagina, eu fiquei sete dias colhendo esses depoimentos, a menina entrava na van de um jeito e saia vermelha chorando, eu não tinha ideia do que ela tinha falado. Porque era um documentário de dispositivo, é um documentário em que decidimos respeitar as regras daquele espaço enquanto ela dava seu depoimento, então ela estava sozinha dentro da van e ninguém estava vendo ou ouvindo o que ela falava. Tinha uma pessoa da equipe vendo a imagem dela pelo computador pra ver foco, e outro menino da equipe vendo as ondas de som pra saber se estava funcionando, mas sem ouvir. Então, não sabíamos, porque tinha esse momento íntimo, catártico de desabafo e etc. E daí eu só fui ter contato com esse material na ilha de edição, depois. 122 JO: Então, foi bem experimental PS: É, foi bem experimental, nesse sentido de pouco controle, no sentido de direcionar seu material. Só que, daí, a direção vem na hora da edição. Então, a edição foi feita assim, geralmente, num filme, você dá um roteiro, uma escaleta de montagem e tal, e a pessoa vai lá e monta. Foi um processo de edição em que eu fiquei do lado do montador cem por cento do tempo. Tipo, coloca esse, aquele e etc. … Eu assisti todos, sabe? Geralmente, você não assiste o material bruto; normalmente, você tem um roteiro ... nesse filme não foi assim, acho que esse direcionamento do qual você me pergunta se deu mais na edição entendeu? JO: Entendi, mas o público é basicamente feminino, foi feito para mulheres, o filme? Ou vocês não pensaram com esse corte? PS: Na verdade, não, na verdade, era para falar sobre assédio e tocar o máximo de pessoas possíveis. Eu, sinceramente, quando vou fazer exibição, eu acho uma pena que a plateia seja, majoritariamente, quase sempre, feminina. Porque eu acho que vai ter uma hora que não vamos mais só falar de nós para nós. Você, Jaqueline, vai assistir esse filme, você sabe, você já viu uma amiga, algumas daquelas coisas você já viveu ou conhece alguém que já tenha passado por isso, você sente na pele, sente no corpo, você sente porque já viu, você conhece. Então, pra nós tem uma coisa de você se enxergar ali, se reconhecer ali e tomar força e coragem a partir daquilo, mas, meu sonho é poder passar esse filme para uma plateia de cinco mil homens, tipo: amigo, assiste isso aqui. Então, o público não foi direcionado para ser feminino. … A ideia não era essa (...) JO: É bom ouvir isso de você, porque quando a gente vê, indiretamente, o projeto, a gente pensa que ele foi direcionado só para mulheres, foi feito na semana da mulher, então o público é só feminino. PS:É, a coleta era, o tema era, mas o público não. JO: Sim, o público em geral, para dar um recado mesmo, né? PS: Sim, isso mesmo. 123 JO: Foi possível perceber, aí na sua percepção mesmo, se o projeto gerou alguma influência ou relevância para a sociedade? A gente entende, né, eu vejo que sim, mas quero saber a sua percepção com relação a isso. PS: É, teve um pouco de tudo, né? Acho que isso é uma coisa difícil de medir, sobre o que aconteceu de fato na realidade de mudança. Mas eu acho que, se eu não acreditar nisso, eu não faço mais filmes né. … Porque meus filmes, bom acabei de produzir uma série de TV sobre o sistema carcerário, esse filme sobre violência contra mulher... eu acho que eu acredito no documentário como uma arma de transformação do mundo sabe, com uma visão quase que romântica dele, sabe? Então, eu só vou trabalhar com temas que me toquem; quando eu começo a filmar alguma coisa, meus amigos até brincam: “Nossa! Lá vem a Paula filmar mais um dos temas leves dela.” E é isso, não consigo fazer diferente. Então, assim, eu acho que, pra responder essa pergunta, eu posso contar da exibição para as mulheres que estavam no documentário. Quando o filme estava pronto, quando a gente terminou, que estava pronto entre aspas, tipo o corte falou: bom, essas são as mulheres que estão no filme, esse é o filme pronto e agora vai para pós-produção, a gente trata cor e som e etc. Eu pensei: agora a gente tem uma autorização de uso e imagem dessas mulheres, eu posso usar esses depoimentos porque elas assinaram, mas, eticamente, eu achava que elas precisavam assistir a esse filme antes dele cair no mundo, né. Então, legalmente, eu estava muito segura, mas eu pensava ...eu quero que elas vejam isso e vejam como se sentem vendo isso. ... Então, antes de finalizar o filme, eu chamei uma projeção na produtora só para as mulheres que apareciam nele. E eu fiquei em pânico nesse dia, porque eu passei: seis meses editando o filme, nós filmamos em março e era setembro, e pensei: elas vão assistir e não vão querer mais aparecer no filme. Bom, mesmo assim, eu sentia que devia isso a elas, então, fizemos essa exibição na produtora pra elas e, depois do filme, uma delas falou: “Obrigada!”. E, então, começou a conversa mais bonita que eu já tive, até hoje, sobre esse filme. Uma delas falou assim: “Sabe aquela teoria de criação do mundo, o big bang ali, que é uma explosão?”, “Sei”, eu respondi. “Então, antes de dar o meu depoimento nesse filme, eu era tipo uma poeirinha voando solta pelo espaço e, quando eu me choquei com essas outras mulheres que estão aqui na sala, não que eu me choquei e virei mais poeirinha ainda, a gente se chocou e criou um mundo novo, muito grande e muito forte. Outra falou assim, “é eu estou do lado do avesso nessa tela, estou com as vísceras expostas e só tenho coragem de estar porque elas estão também”. Então, assim, eu acho que, só para ilustrar, que, quando eu passo o filme, ou entro em uma sala, e ele está passando, eu penso: “Socorro”!” É uma sensação de tortura esse filme, e porque estou fazendo as pessoas passarem por isso, mas, se eu não acreditasse no sentido dele ou 124 na possibilidade de mudança dele, ele não existiria. Essa fala delas é muito isso, e, em cada uma pega de um jeito, ele tem gatilhos que, para umas podem ser bem ruins e para outras que vão olhar e se cuidar, olhar para própria dor, várias delas foram fazer terapia, procurar psiquiatras, psicólogos e etc. Foram procurar delegacia da mulher pra acionar judicialmente seus agressores. O filme está sendo usado em escolas, sabe, pra educar jovens; outro dia eu o passei em uma escola e um menino pegou o microfone e começou a chorar e falou de tudo, se reconhecendo como homem no mundo, então, assim, é muito sutil e subjetivo, não dá pra medir. Mas, eu acho que é uma sementinha plantada e assim, estamos num estado de mundo que está provado que não deu certo, né? Então vamos começar de novo e quanto mais pegar homens, meninos o mais cedo possível, mulheres, jovens, acho melhor, para tentar fazermos alguma diferença. JO: E como foi a participação, colaboração e comprometimento dessas pessoas, né, do público do projeto com os envios dos vídeos, como foi essa participação? PS: Online, você diz? JO: Sim, tanto online, quanto a participação física, aonde as pessoas iam lá na van de forma voluntária prestar seu depoimento? PS: Os depoimentos que nós recebemos pelo site foram só pro site, desde sempre; isso foi à parte do filme, e eles chegaram depois que participamos com o filme no festival de Brasília. JO: E foi de forma espontânea, ou vocês já tinham pensado nisso antes? PS: A gente tinha pensado nisso durante o desenvolvimento do site, onde a gente já previa a ferramenta para receber depoimentos. Essa parte sim, só que o site só foi lançado com o filme. Então, os depoimentos que recebemos pelo site, jamais iriam para o filme, já que os depoimentos para o filme foram gravados na semana da mulher. Eu acho que recebemos muito menos do que eu imaginava, do que poderíamos receber. Porque acho que tem a coisa do set de filmagem, né, a van estava na rua, tinha fila e tinha esse negócio de um evento, de um acontecimento, de fazer parte de algo. De olhar aquela van parada, de ver aquela caixa preta, figura, né, aquele confessionário. Então acho que é muito mais fácil falar no contexto da van do que você chegar, sozinha, na sua casa à noite, ligar e a webcam e olhar sozinha e mandar um depoimento pelo site. Então, recebemos muito menos do que achei que receberíamos. Agora, pra mim foi muito impressionante os depoimentos ali na van, como essas mulheres chegavam até a van e o que as incentivava a ir falar aquilo. Tinham meninas 125 que passavam reto e, depois, perguntava sobre o que era, tinha gente que falava que voltava depois do almoço e nunca mais voltava. Teve uma menina, a antepenúltima, que está de máscara azul, e ela fala que foi estuprada em uma festa, que ela tinha treze anos, e o cara não aceitou que ela gostava de meninas, essa menina foi assim: era o último dia coleta de depoimentos na van, ela saiu do metrô, passou reto pela van, voltou e, como era o último dia aqui em São Paulo antes de a gente filmar no Rio, tinha fila na Avenida Paulista, então se você decidisse a dar agora o seu depoimento, você iria ficar uns quarenta minutos na fila, porque eram cinco minutos pra cada, sempre tinha umas oitos pessoas. Ela passou, voltou, me perguntou o que era, foi para o fim da fila, ficou soluçando a fila inteira, deu o depoimento e, quando eu fui assistir o depoimento dela na ilha de edição, ela fala que nunca tinha falado daquilo, que ela fala ali pela primeira vez, que ela não falou daquilo para o psicólogo dela, para o psiquiatra dela, nem pra mãe dela. Então, é muito louco o que fez essa moça ver uma van estacionada no meio da Avenida Paulista, a oportunidade de falar daquilo pela primeira vez, então, acho que as disponibilidades de como cada uma chegou ali foi interessante. Uma também chegou com tudo, tinha uma fila gigante, eu abri a porta pra tirar uma e ela furou a fila entrou na van e eu disse: calma, tem uma fila, deixa eu te explicar o projeto, e ela disse: não, não, não precisa me explicar nada eu já vi na TV e vim dar meu depoimento, ela tinha um BO na mão. Então, foi muito interessante a disponibilidade emocional que teve. JO: Vocês já expuseram os vídeos que chegaram pelo site? PS: Sim, estão todos online, está lá ativo. JO: Ah, tá, isso é se houve continuidade ou desdobramentos do projeto, porque às vezes um universo gera outros conteúdos e desdobramentos PS: Acho que tem milhares, né? Agora, estou pensando em fazer um sobre masculinidades. JO: E o que você adquiriu dessa experiência transmídia? PS: Acho que a gente, que é do cinema e tal, ainda temos uma visão muito careta de distribuição, sabe, eu fico pensando assim no meu filme, está bom, ele rodou no festival de Brasília, vários festivais importantes, mas ficam muito na patotinha do cinema, né, então o site existir, ele agora está naquela plataforma Videocamp90, sabe, então, qualquer pessoa de qualquer lugar do mundo pode pedir o filme para baixar e fazer uma exibição, essas 90 Disponível em: <https://www.videocamp.com/pt>. Acesso em: 22 jan. 2019. 126 possibilidades, as pessoas chegam no filme através disso, e acho que temos que olhar cada vez mais pra isso. Além de estar no Net Now91, no Canal Brasil92 de TV, enfim, nem todos acessam isso. ... Temos que pensar na questão de produzir um conteúdo e querer que ele seja conhecido e não guardado na gaveta. ... JO: Com relação às dificuldades, quais foram? PS: Acho que, fora o site, que deu muito trabalho devido à linguagem de programação, pedir ao desenvolvedor que o deixasse interativo, enfim, isso foi bem desgastante por eu não ter esse conhecimento mais técnico e também de entender a linguagem, o formato e que vontades eram viáveis de transformar no projeto. JO: Você faria outro projeto transmídia e se tem algum em andamento? PS: Não, por enquanto não, mas, provavelmente, faria novamente como um produto que potencializa o filme. Acho que vale pensar sobre isso, no Lab do IDFA de Amsterdam, que é sobre isso, adoraria ir com outro projeto pensando nesse tipo de coisa né. … O filme em que estou trabalhando agora, ainda não começamos a filmar, que é sobre sexo na terceira idade, a gente vai primeiro filmar um curta … e, depois, vai filmar de fato, em cinco continentes, então, acho que é isso, temos que apostar nesses outros formatos pra jogar isso no mundo .... Não tenho um novo projeto transmídia, mas acho que é algo que temos que manter em vista, pois sempre acabamos com muito material gravado, já que é preciso ter muito material para fazer uma série de TV, um filme e fica tudo gravado no HD depois; imagina, eu filmei uma série de TV, são oito episódios de vinte e seis minutos, a gente filmou trinta e seis diárias de doze horas, então tem muito material, e as pessoas só vão ver oito vezes de vinte e seis minutos. ... 91 92 Disponível em: <https://www.net.com.br/now>. Acesso em: 22 jan. 2019. Disponível em: <https://globosatplay.globo.com/canal-brasil/>. Acesso em: 26 jan. 2019 127 APÊNDICE D – Transcrição da Entrevista com a roteirista transmídia de Cuento de Viejos, Laura Piaggio JO: O projeto foi concebido, desde o início, para ser transmídia? Por quê? LP: A origem do projeto foi uma exposição de retratos animados, um projeto mais artístico do que audiovisual. Quando decidimos instituir como uma série, pensamos que é transmídia desde o início. Você tem que ter a conta que era 2011 e havia poucos antecedentes. Na verdade, foi falado de crossmedia, a palavra transmídia foi estabelecida, algo além da indústria. Mas a resposta seria sim. Nós pensamos que transmídia desde o primeiro momento, decidimos instituí-lo como um projeto audiovisual. E nós o fizemos pelas razões: o documentário animado era um formato raro na época, e o público podia ser incomum para um formato animado, então queríamos agregar valor ao projeto da série. Anna Ferrer, na época produtora de Hierro, ouvira que as emissoras de televisão poderiam se interessar por essa nova maneira de pensar sobre projetos, incluindo janelas digitais e participativas. Eu era um especialista em audiovisual digital e interativo, então pensamos que tínhamos as habilidades para ter sucesso. Para melhorá-lo, nós nos inscrevemos para o Pixel Lab, um laboratório de desenvolvimento de mídia cruzada para o Power to the Pixel, no Reino Unido. JO: Algum tipo de bíblia transmídia foi usada? Como era? LP: Naquela época, não éramos tão claros sobre as bíblias transmídia, era um desenvolvimento muito intuitivo e orgânico. O trabalho no laboratório nos ajudou a trabalhar em toda a questão do público, participação e financiamento. Não tivemos experiência em audiovisual profissional e mais experiência em animação experimental e comunicação digital. Nós estávamos aprendendo como nós fomos. Nós construímos a bíblia enquanto préproduzimos a primeira temporada! JO: O que foi levado em conta para a escolha das plataformas de mídia e por quê? LP: Sempre pensamos nas plataformas e não nas funções que elas cumprem, nem tanto pelas plataformas em si. A série é para TV, por um lado, porque era a única maneira de financiá-la (pelo menos naquela época) e porque o público (família) na Colômbia ainda está na TV. Foi à forma em que o produto teve mais visibilidade nesse contexto. A parte participativa, nós fizemos na web, porque naquela época (2013), as aplicações não eram relevantes, e menos massivas na Colômbia. Os dados móveis eram muito poucos para compartilhar vídeos. Não foi uma opção. A única opção era uma teia. Finalmente, percebemos o potencial dos eventos 128 físicos, indo registrar as histórias, especialmente nas cidades menores da Colômbia, onde os links estão mais próximos. E o potencial educacional do material que foi gerado. O encontro entre jovens e idosos foi uma experiência poderosa e, depois, fizemos as ferramentas para trabalhar nas salas de aula; e na terceira temporada, conseguimos levar a experiência para bibliotecas públicas em diferentes regiões da Colômbia. O aplicativo surgiu como uma necessidade, na terceira temporada (já estávamos em 2016), de facilitar o envio de vídeos gravados com o mesmo aparelho. Muitas pessoas tiveram problemas para baixar o vídeo para o computador para enviá-lo na web, então, um aplicativo que gravaria a entrevista e a enviaria diretamente para os nossos servidores era um facilitador. JO: O projeto foi pensado de acordo com as características do público? LP: Sim e não. Ou seja, sempre pensamos que o público de Cuentos era um público familiar, ou seja, todo público. De fato, vimos que, na verdade, o público mais fiel da série na TV era um jovem adulto, poderíamos dizer que eles eram os "filhos do velho" das histórias. Como o projeto era para um público familiar, e o objetivo era o diálogo intergeracional, cada plataforma foi projetada para sua função e seu público específico: - a web foi para enviar e compartilhar histórias, então, foi pensado mais para os mais jovens (filhos e netos), como ferramenta de participação; - o aplicativo foi projetado, para o mais novo de todos (netos), isto é, adolescentes ou jovens. Como ferramenta para gravar histórias (gravar entrevistas e enviá-las); - os eventos propõem uma experiência intergeracional (netos e avós) entre os dois extremos do público, o mais velho e o mais novo; - a televisão era o formato mais geral (para todos os públicos), embora, na prática, os mais jovens conhecessem o projeto on-line, pelo ouvido da boca, do que assistindo à TV. A série tem alguns dos picos de audiência, mais altos de Señal Colombia, embora seja importante ter em mente que o público do canal é muito limitado, especialmente nas grandes cidades. JO: Foi possível perceber se o projeto gerou alguma influência ou relevância para a sociedade? LP: Seria um pouco pretensioso afirmar que o projeto gerou mudança social ou algo assim, no entanto, o impacto que teve tanto a nível americano e europeu colombiano e latina, reflete que aborda claramente uma questão de relevância social. A recuperação da memória oral, a conservação da memória do século XX, a promoção do diálogo intergeracional, a inclusão de diversos discursos no diálogo digital e o uso de ferramentas de gravação e armazenamento 129 digital para a pesquisa como exercício pedagógico dos pontos fortes que identificamos no projeto. Todos eles contribuem para essa percepção geral de que é um projeto que foi valorizado como relevante e inovador em fóruns internacionais. Por outro lado, a partir de nossa experiência e contato com e-mails e comentários do público em si, tem gerado, sem dúvida, experiências significativas e memoráveis, intrafamiliar, pessoal e que aprendemos com os pais que tiveram primeiras histórias traumáticas do seu passado para seus filhos e famílias, e eles tinham escondido mas não esquecido (geralmente relacionado com a violência política e social); netos e crianças que queriam homenagear os mais velhos compartilhando histórias que tinham ouvido milhares de vezes ... que aprendemos com os avós para contar sua história, todas as pessoas; virou em homenagem à sua memória, como foi o caso de San Juan del Cesar, onde o filho do vencedor do pedido de histórias, enviou a história, mas também organizou workshops na escola onde leciona, e apresentou a experiência em diversas feiras regionais. Quando fomos com as câmeras para gravar a entrevista para fazer o capítulo animado, toda a família recebeu a equipe, desfilou pelas ruas da vila e tocou ballenato para nós. Ali, ficou evidente que alguns dos anciãos da cidade ainda tinham um lugar relevante na comunidade como "guardiões da cultura local". Nós também tivemos casos de histórias muito bonitas, contadas por avós de cidades maiores, onde ficou evidente que eles estavam mais sozinhos pessoalmente, e ao compartilhar sua história, eles fizeram isso sem ter uma família para contar, mas viram o projeto como um espaço para compartilhá-lo. JO: Como foi a participação, colaboração e comprometimento do público com o projeto? Quais foram motivados pelo projeto e quais surgiram espontaneamente? LP: Depois de tantos anos, é difícil lembrar de todas as circunstâncias. Eu poderia sintetizar assim: o projeto foi projetado para que houvesse participação, mas pensando em um cenário pessimista. Estávamos cientes de que pedir-lhe para enviar peças de vídeo em 2013, na Colômbia vagamente ligado, já era tecnicamente muito exigente e arriscado. Por outro lado, eram peças de vídeo em que o conteúdo era para ser relevante, não casual ou espontâneo, que a dificuldade aumentou, portanto, pensamos no projeto para que os conteúdos compartilhados fossem valorizados, mas não indispensáveis para o sucesso da proposta. Ou seja, as temporadas da série de animação nunca foram inteiramente compostas de histórias enviadas, embora sua presença estivesse aumentando a cada temporada, à medida que as histórias compartilhadas na web aumentavam (e tínhamos mais para escolher). 130 Também incluímos outras formas de participação, como votação e comentários, que eram menos exigentes, e também tinham o seu lugar ao escolher as histórias que passariam da web para a TV. As oficinas foi a forma de participação menos massiva, mas mais flexível, porque, por um lado, houve oficinas organizadas e financiados a rede de bibliotecas públicas, para o qual havia uma muito intensa, mas limitado a certo número de participação assentos pela cidade e biblioteca mas, por outro lado, os materiais carregados na web permitem que os professores organizem a experiência em sala de aula, livre de toda a nossa interferência. Se compartilharmos os resultados, nós os publicamos, mas sabemos de professores que fizeram o workshop e nunca publicaram as histórias abertamente, mas eles viveram a experiência. Duração durante os anos do projeto, também tivemos vários contatos espontâneas de pessoas que foram inspirados por propostas de diversas formas de participação, embora sejam contribuições difíceis de veicular, não são feitas na forma prevista no projeto. Uma vez que a estrutura do projeto foi definida, mudar as formas de participação, ou abri-las a novos critérios, geralmente não contribuía para o total do projeto, mas, sim, tornava sua identidade imprecisa. Sem mencionar que algumas dessas propostas foram realmente pedidos de emprego. Outras formas de participação espontânea foram os e-mails ou comentários nas redes sociais, onde eles simplesmente queriam compartilhar sua opinião sobre uma determinada história ou sobre a série. Enquanto o envio das histórias pode ser feito a qualquer momento, a realidade é que a moderação da web e processamento do material enviado é um trabalho exigente, que não foi financiado em vez de produtores, de modo que, em um ponto, decidiu abrir chamadas disseminação e moderação pontuais e de trabalho durante períodos de tempo limitados em cada estação. JO: Houve continuidade ou desdobramento do projeto? LP: Temos dois projetos relacionados à Cuentos: um longa, baseado nas histórias de três (ou quatro) mulheres que conhecemos produzindo histórias de Histórias; e um produto editorial com conteúdo expandido. O problema é que a produção de Cuentos nunca nos deixou benefícios como produtores, então, o desenvolvimento e a produção desses derivados devem ser feitos com financiamento específico ou com contribuições próprias, o que atrasou o processo, mas não descartamos. 131 JO: O que foi adquirido com essa experiência transmídia? LP: Acho que detalhei algumas das aprendizagens ao responder outras perguntas. Como produtor, adquiri alguns, especialmente no que diz respeito ao financiamento necessário não apenas para a produção, mas também para a manutenção do projeto. Ou seja, as condições de sustentabilidade do projeto para viabilizá-lo no médio prazo. Também aprendendo o que tem a ver com a gestão de equipamentos, coprodução e gestão e controle de fundos de coprodução, mas estes são para mim. Desde o papel de autor (coautor) de projetos transmídia, as principais reflexões têm a ver com a gestão dos conteúdos fornecidos pelo utilizador: é necessário quebrar as formas de participação para detectar dificuldades ou ambiguidades que podem dificultar a participação ou diminuir a participação válida ou relevante; por outro lado, acho importante dar um papel relevante ... na proporção da dificuldade / tempo / relevância que isso tem para o usuário. Não evite recursos para o design da interface do usuário e para a pesquisa e prototipagem de plataformas específicas para otimizar, simplificar e torná-las atualizáveis e escalonáveis. Isso pode ser caro, mas é importante que seu parceiro / coprodutor / financiador o entenda e compartilhe os critérios. Finalmente, para manter o esquema coerente, para fortalecer a identidade e para garantir que ela seja diluída em uma infinidade de plataformas, para ser claro sobre os objetivos de cada meio e seu público. Se houver algo que sobrou ou não estiver funcionando, remova-o rapidamente. Manter a estrutura simples e consistente é muito importante. Como as plantas, você tem que eliminar os surtos que "vão embora" e tirar energia e recursos. JO: Quais foram as principais dificuldades? LP: Pode-se dizer que as maiores dificuldades surgiram da falta de financiamento ou, melhor, de financiamento insuficiente. O financiamento para o projeto foi fornecido pelo Señal Colombia e os próprios produtores, que realizou, em todos os períodos de pesquisa e produção audiovisual, mas, para a estreia pós-temporada da série, a sustentabilidade do projeto no palco plataformas digitais, financiamento foi fornecido pelos produtores completamente, terminando resultado um fardo pesado demais para segurar corretamente, o que, em certos períodos, teve que ser reduzido ao mínimo e prejudicando o projeto em longo prazo. Nós fizemos isso pela fé e amor para o projeto, mas acabou por ser muito pesado e fonte de conflito, especialmente quando, ao longo dos anos, os fundos do mercado de coprodução do canal, Señal Colombia não aumentou na proporção do aumento do custo do projeto e da incapacidade de os produtores para adicionar outras fontes de financiamento ao 132 projeto. Sem dúvida, isso prejudicou o potencial de crescimento ou a possibilidade de reinvestimento em novas formas de exploração do conteúdo gerado. Se falarmos de dificuldades específicas, podem incluir: - na primeira temporada, vimos que a conectividade média dentro da Colômbia era demasiado baixo para enviar vídeo, e muitas pessoas precisavam de apoio personalizado para encontrar soluções individuais para a sua dificuldade para enviar o vídeo, eu queria partilhar, estávamos resolvendo isso, mas perdemos algumas colaborações ao longo do caminho. Para facilitar este passo, abrimos a possibilidade de enviar vídeos através de outros – que não sejam a forma web – canais, mas isso significa que era o único que nos garantiu usuários "guia" para completar todos os dados necessários para publicar e questionar o conteúdo enviado. Isso fez com que às vezes, nos enviassem vídeos por outros meios (wetransfer, link para o YouTube, etc.) e não poderíamos publicá-los por falta de dados, expressa autorização etc. Adicionado que, nem sempre, poderíamos entrar em contato novamente com o usuário para corrigir as informações ausentes. As pessoas detestam os formulários porque são entediantes, mas às vezes são a única maneira de garantir que obtenhamos as informações necessárias e cumpramos os requisitos legais para podermos gerenciar o conteúdo com segurança. Com o aplicativo, resolvemos parcialmente esse problema, mas, depois, nos deparamos com a falta de financiamento para fazer uma atualização completa de todas as plataformas digitais para que todas elas fossem sincronizadas. - isso leva a outra dificuldade é que a duração do projeto (lançado em 2013, até hoje) atualizar a plataforma web tornou-se necessário; sem a obtenção de novos fundos específicos para isso (o canal queria uma nova temporada, mas não financiado redesenho da web e do aplicativo), mas as plataformas digitais exigem atualizações periódicas que, às vezes, são quase tão caras quanto à produção original. Embora o canal entendesse a situação, estava pressionando para encontrar soluções intermediárias, que não fossem satisfatórias para sustentar a qualidade do projeto em todas as plataformas, mas que resultassem em uma exigência financeira para os produtores. Por fim, faltavam promoção e marketing para apoiar a participação e, principalmente, o desenvolvimento de experiências locais, o que exigiria mais apoio e ações específicas. Pessoalmente, o que mais me arrependo é que isso nos impediu de desenvolver peças que nos possibilitariam explorar comercialmente o conteúdo gerado e, assim, resolver a falta crônica de financiamento e lucratividade. 133 JO: Você faria outro projeto nessa linha? Existe um em andamento? LP: De fato, desenvolvemos outro projeto chamado Mostros Afechantes, de características similares (embora outra estrutura). Nós produzimos uma mini temporada piloto, mas decidimos não continuar até que não garantíssemos um financiamento suficientemente sólido para fazê-lo sem descapitalizar os produtores ou desvalorizar a qualidade do projeto. Pessoalmente, acho que os projetos transmídia têm seu mercado e seu lugar no mundo da comunicação. Nem todos os projetos devem ser transmídia, ou precisam disso, e a maioria usa estruturas transmídia mais como ferramenta de promoção, mas não como elementos relevantes da experiência e da narrativa. É um campo útil para a pesquisa e desenvolvimento de conteúdo e uma maneira de atingir públicos globais que, de outra forma, seriam minoritários; mas o esforço de produção é, muitas vezes, desvalorizado, e você pode morrer de sucesso como produtor com um par de projetos transmídia mal gerenciados. JO: Na verdade, sem financiamento, é muito difícil. Apesar de estar localizado em Barcelona, você produziu algo para a Colômbia, eu gostaria de saber como é o mercado colombiano de produções experimentais ou narrativa transmídia com base na sua percepção com esse projeto? LP: Por um lado, em 2012, encontramos mais receptividade na Colômbia do que na Catalunha ou na Espanha para o nosso projeto. Se fôssemos franceses, provavelmente teria acontecido lá, mas não somos. A Espanha é um mercado bastante conservador e, embora haja mais dinheiro do que na Colômbia, onde o mercado é maior e muito mais competitivo, e mesmo para as TVs públicas, o público é um fato relevante. No entanto, naquela época, Señal Colômbia estava projetando sua identidade, queria abrir para coproduções e da própria posição internacional como um canal público inovador, foi uma boa oportunidade para histórias, que ficou com um forte compromisso com o canal, o que levaria o risco , e ele viu isso como uma ferramenta que permitiu falar de memória histórica para reconciliação no momento em que o processo de paz começou a ser falado; nesses anos, algumas coisas mudaram. Devo dizer que, precisamente nesses anos, vimos à Colômbia se posicionar na indústria audiovisual internacional, com base em um plano sistemático de apoio ao cinema, à TV, aos formatos digitais, que lhe deu o seu lugar. Acho que eles fizeram isso muito bem e em pouco tempo. Há talento, e eles conseguiram repatriar jovens bem formados ou capitalizar o talento colombiano que está no exterior; e que alguns jovens produtores poderiam fazer suas 134 primeiras produções, mesmo em formatos digitais como videogames ou interativos, o problema é a sustentabilidade quando você faz seu piloto, seu primeiro videogame ... como você sustenta a produção, como você obtém lucratividade ... Eles também fizeram bem é apoiar empresas (especialmente médias e pequenas) para estar em mercados internacionais e festivais mostrando seu trabalho e procurando parceiros. Isso tem sido fantástico, e é um problema crônico em outros países da América Latina. É caro viajar para a Europa ou para os EUA, e as empresas não podem pagar, mesmo que tenham projetos de qualidade. A Câmara de Comércio de Bogotá ou as regiões fizeram um bom trabalho com isso. Também, o papel das TVs regionais, que compram conteúdo dos produtores a um preço decente (para a América Latina) e apoiam os produtores locais (Telemedelina, Telepacífico, TV de Bogotá...). tudo o que faz rede e cria um setor que dá emprego mais estável a um setor que tem uma instabilidade crônica. O problema é que toda essa rede que eles construíram (com coisas boas e coisas para melhorar) ainda é muito frágil, e é importante para preservar e construir o consenso (independentemente dos governos para subir ou cair), para não desmontado e fortalecer a veia como um motor de crescimento econômico e de valor cultural, É impressionante ver como ele mudou a imagem da Colômbia para o mercado internacional, pelo menos no sector audiovisual, em tão pouco tempo. Agora, os produtores colombianos e seus profissionais e seus projetos são ouvidos e valorizados, e são valorizados como possíveis parceiros de coprodução. Eles têm uma moeda mais ou menos estável e um sistema de suporte que é mais ou menos previsível, o que é muito importante. É por isso que é vital que os apoios e as chamadas não sejam descontinuados, que os valores não diminuam que se tornem mais competitivos se, mas que não diminuam, ou seja, eliminados. Como uma coisa para melhorar, acho que, às vezes, há muito apoio para pilotos ou primeiras produções e falta de apoio para o apoio ou crescimento de projetos, além dos primeiros passos. E isso é importante para alcançar sustentabilidade e lucratividade. Ah! e eu esqueci de algo importante, também tem havido muito trabalho em treinamento, o estado ou as câmeras têm apoiado a formação internacional de profissionais ou estudantes colombianos, e que também acho que é muito importante. 135 APÊNDICE E – Transcrição da Entrevista com o produtor de Puzzle Negro, Juan Guilhermo Prado JO: A primeira pergunta é se o projeto foi concebido para ser transmídia e por quê? JP: Puzzle Negro, inicialmente, era um programa de entrevistas sobre os bastidores de uma novela policial, porém, nós tínhamos essa narrativa e começamos a desenvolver uma estrutura um pouco mais transmídia. E esse processo foi super interessante e o desenvolvimento de uma série policial ...e como chegar a um sentido que pudesse abarcar todo o conteúdo de novela negra chilena. JO: O que me chamou a atenção é que é uma série bem diferente, que fala de uma novela ou de romance policial. E pensando, em transmídia, foi utilizado algum tipo de bíblia transmídia, algum guia para estruturar a narrativa o planejamento, como se deu esse processo, esse fluxo de trabalho? JP: Claro que foi desenvolvida com uma bíblia, mas de uma maneira muito experimental. Estudamos outros projetos transmídias, multiplataformas que há neste momento e, aos poucos fomos, estruturando a narrativa, principalmente, e como nos concentramos em como montar a história e desenvolver seu universo através da animação, quadrinhos e live action. Junto, também, com o depoimento documental dos escritores, que participavam da trama como suspeitos. ... Vimos isso como um potencial de gênero, de algo mais experimental e bem impressionista. Quanto ao planejamento, a que você se refere? A antes de filmar ou ao processo de distribuição? JO: O planejamento se refere aos dois: antes e durante e após a produção. E, aproveitando isso que você falou sobre utilizar várias maneiras de uso em uma websérie, como – live action, quadrinhos e animação –, o que você levou em conta para escolha das plataformas de meios que são utilizados para distribuição da websérie. Porque, eu vi que vocês têm um canal no YouTube – onde tem todos os capítulos da websérie – e um Facebook que fala diretamente com a audiência para que assistam a série e ajudar o Detetive Dantés ...para desvendar os casos que tem em cada capítulo da websérie. Bom, pensando nisso, o que você e sua equipe pensou para escolha das plataformas de mídia para o engajamento da audiência e por que pensaram nessas plataformas? JP: Nós, claro, com este projeto enfrentamos esse desafio de seu planejamento de distribuição e difusão de uma série multiplataforma. Seu lançamento foi multiplataforma, pois, ao mesmo 136 tempo em que sai no YouTube, ele saiu no canal nacional Nova Sur, que é como um canal que é muito utilizado por escolas, então a série foi utilizada como objeto pedagógicos nas salas de aula. Bom, essa foi à distribuição para televisão, também temos a plataforma online que contém os capítulos e no YouTube ...e, também ocupamos um pouco, opções de escolhas para histórias que devem continuar usando tags. Dentro dessa estrutura, como você percebeu, utilizamos o Facebook, Twitter, YouTube e outras plataformas que se mesclam para difundir o videogame. ... E fizemos também, um longa-metragem, que participou de alguns festivais, o qual ganhou uma menção no festival do Chile. ... JO: Antes de pensar o projeto, ele foi pensado de acordo com as características da audiência? Como é a audiência chilena? JP: Sim, foi pensado na audiência de jovens estudantes de escolas e faculdades com ciclo de formação média, com idade entre 14, 16 e 17 anos. JO: Foi possível perceber se o projeto gerou alguma influência ou relevância para a sociedade no Chile? JP: Bom, como te disse, Puzzle Negro foi distribuído em um canal de educação, mas, assim como influência relativa à transmídia, pela quantidade de visitas e pelas pessoas que nos contataram de diferentes meios para falar disso. Mas, quanto à relevância para a sociedade, reproduzimos o valor da novela policial chilena. JO: E como se deu a participação, a colaboração e o compromisso da audiência com o projeto? Teve alguma participação da audiência ou não? JP: Houve participação, sobretudo nas escolas e faculdades em que eles, os alunos, geravam histórias através dos exercícios que faziam em sala de aula. JO: Ah sim, mas nada por meio digital que tenha contribuído com a escrita dos capítulos da websérie? JP: Não tanto, não muito. JO: O jogo que foi feito para computador, teve alguma participação ou foi desenvolvido apenas pela produção da série? JP: Não, mas conseguimos engajar muitos jogadores em várias plataformas, eles não geravam conteúdo, mas participaram, foram quase oito mil jogadores que jogaram oito mil vezes o 137 jogo para ganharem troféus, além dos comentários dos jogadores sobre o jogo. Se haviam gostado ou o que se poderia melhorar. JO: Além, do videogame, não teve outros desdobramentos do projeto, expansão narrativa? JP: Não, pois para o que imaginamos foi as redes sociais, o videogame e o longa-metragem, websérie para internet e televisão. JO: Ah sim, mas para a televisão, é a mesma série que tem na internet, ou são outras histórias? JP: São segmentadas, a websérie que distribuímos na televisão vai até o capítulo cinco e, quando fizemos o longa-metragem, fizemos sobre o que seria o capítulo seis, que era um capítulo oculto. JO: Ah sim, como um bônus? JP: Como um bônus, claro. Chamamos o longa-metragem como a raiz desse bônus. JO: E fora isso, vocês fizeram algo como o making of da produção ou não? JP: Não fizemos making of porque tivemos muito pouco orçamento. JO: Sim, ok! Bom, então você já me respondeu se o projeto teria alguma continuidade, pois o projeto Puzzle Negro já encerrou, correto? JP: Bom, tem disponibilidade de desdobramento em realidade virtual. Mas, no momento, estamos avaliando. JO: Somente em realidade virtual, aumentada ou mista? JP: Bom, atualmente estamos desenvolvendo projetos de realidade aumentada e de realidade virtual, de realidade mista, não. JO: Sim, ok! E o que você adquiriu com esta experiência transmídia, Juan? JP: Bom para Cine Um93, foi uma experiência muito enriquecedora porque podemos desenvolver para diferentes clientes, projetos transmídia que satisfaçam suas necessidades. 93 Disponível em: <https://www.cine1.cl/>. Acesso em: 22 jan. 2019. 138 JO: Esse foi o seu primeiro projeto transmídia? JP: Sim, esse foi o meu primeiro projeto transmídia. Depois fizemos outro projetinho transmídia, onde há muitos atos de transmídia. É um documentário que fala da história da música chilena, que se chama Cassete94.... Está no YouTube e já teve mais de cento e quarenta mil reproduções. ... E à parte, temos trabalhado com clientes, empresas com os quais temos desenvolvido várias campanhas transmídia. E o que tem sido interessante, é que, por conta destas essas campanhas, no geral os próprios consumidores desenvolvem suas próprias extensões dos universos dessas campanhas. JO: Sim, a transmídia traz muitas possibilidades, não? JP: Mas o que tem sido relevante, é que, através dessas campanhas, o usuário é quem tem gerado conteúdo, como videoclipes, posts, frases, cações, pinturas, esculturas e outras coisas. JO:E quais foram as principais dificuldades nesse primeiro projeto transmídia, Juan? Teria alguma? JP: A principal dificuldade foi pensar o projeto de forma global e transmídia. Isso foi um pouco mais complexo. Também representar uma estética e conseguir financiamento. JO: Sim, financiamento. É muito difícil no Chile conseguir financiamento para as produções? Há algum incentivo do governo ou não? JP: Há incentivos do governo, porém há uma indústria televisiva que apoia a difusão da imagem local. No Chile, não existem canais públicos como no Brasil, ou como na Argentina e Uruguai. O Chile é um país muito capitalista, então, não há muitos espaços de difusão para produção audiovisual chilena. ... Existem fundos, mas não difusão. ... JO: Sim, assim fica mais difícil então... JP: Sim, sim, muito difícil. JO: Quanto tempo durou o projeto Puzzle Negro? JP: Puzzle Negro foi um projeto longo, começou em dois mil, e onze e encerramos em dois mil e catorze. 94 Disponível em: <https://www.cine1.cl/portfolio-item/cassette/>. Acesso em: 22 jan. 2019. 139 JO: Uns três anos então. Juan, você faria outro projeto nessa linha de Puzzle Negro, outro projeto transmídia? JP: Sim, gosto muito do tema de gênero policial e transmídia, sempre. Mas, no momento, estou trabalhando em outros projetos. JO: Mas, você sentiu que as pessoas – a audiência do Chile – gostaram desse projeto que foi tão diferente dos habituais? JP: Sim, se você quiser, posso te enviar alguns links que têm recortes da imprensa e coisas assim. JO: Ah, sim, eu vi o press kit do projeto, mas não houve mais atualizações, creio que por conta do encerramento do projeto, certo? JP: Claro, claro. 140 ANEXOS ANEXO A – Termo de Consentimento de Livre Esclarecido de Participação de Pesquisa de Fernando Irigaray ANEXO B – Termo de Consentimento de Livre Esclarecido de Participação de Pesquisa de Paula Sacchetta ANEXO C – Termo de Consentimento de Livre Esclarecido de Participação de Pesquisa de Laura Piaggio ANEXO D – Termo de Consentimento de Livre Esclarecido de Participação de Pesquisa de Juan Guilhermo Prado 141 TÉRMINO DE CONSENTIMIENTO LIBRE Y ESCLARECIDO PARTICIPACIÓN DE INVESTIGACIÓN Curso: Maestría del Programa de Postgrado en Comunicación Audiovisual de La Universidad Anhembi Morumbi, São Paulo - Brasil Título de la Disertación: La Transmedia en el Audiovisual Latinoamericano: um estúdio sobre los aspectos sociales y culturales de las producciones latinoamericanas, afinidades y especificidades Investigadora: Jaqueline de Oliveira Orientador: Prof. Dr.Vicente Gosciola Objetivos de la investigación: estudiar el concepto de narrativa transmedia y sua plicabilidad en diferentes tipos de proyectos audiovisuales multiplataformas, como documentales de no ficción, series de animación para TV y web series producidas em cuatro países latinoamericanos (Argentina, Brasil, Chile y Colombia). Procedimiento: entrevista presencial, o por audio, o vídeo, o e-mail, o chat com productores, directores o guionistas que hayan utilizado la transmedia en sus proyectos audiovisuales. Resaltamos que los resultados de este estúdio serán divulgados em el medio científico, em el formato de artículos y de una disertación de maestría. Se deriva la necesidad de la identificación de algunos datos del de ponente participante de la investigación. Sin embargo, su privacidad está garantida encuanto a los datos que considere confidenciales. Datos del deponente participante en la investigación Nombre completo: Fernando Guillermo Irigaray Número de documento personal (RG o Pasaporte): Pas. 17773198N Declaro estar plenamente informado y esclarecido sobre los objetivos, método, riesgos y benefícios de esta investigación y estoy de acuerdo en participar. Firma: Rosario, 19/01/2019 142 TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO DE PARTICIPAÇÃO DE PESQUISA Curso: Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Audiovisual da Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, Brasil Título da Dissertação: A Transmídia no Audiovisual Latino Americano: um estudo sobre os aspectos sociais e culturais das produções latino-americanas, afinidades e especificidades Pesquisadora: Jaqueline de Oliveira Orientador: Prof. Dr.Vicente Gosciola Objetivos da pesquisa: estudar o conceito de narrativa transmídia e sua aplicabilidade em diferentes tipos de projetos audiovisuais multiplataformas, como: documentários de nãoficção, séries de animação para TV e web séries produzidos em quatro países latinoamericanos (Argentina, Brasil,Chile e Colômbia). Procedimento: entrevista presencial, ou por áudio, ou vídeo, ou e-mail, ou chat com produtores, diretores ou roteiristas que tenham utilizado a transmídia em seus projetos audiovisuais. Ressaltamos que os resultados deste estudo serão divulgados no meio científico, no formato de artigos e de uma dissertação de mestrado. Decorre daí a necessidade da identificação de alguns dados da depoente participante da pesquisa. Todavia, sua privacidade está garantida quanto aos dados que considere confidenciais. Dados da/o Depoente Participante da Pesquisa Nome Completo: Paula Sacchetta Número do Documento Pessoal (RG ou Passaporte): 44.858.162-0 Declaro estar plenamente informado e esclarecida sobre os objetivos, método, riscos e benefícios desta pesquisa e de acordo em participar. Assinatura:_ São Paulo, 23 de janeiro de 2019. 143 TÉRMINO DE CONSENTIMIENTO LIBRE Y ESCLARECIDO DE PARTICIPACIÓN DE INVESTIGACIÓN Curso: Maestría del Programa de Postgrado en Comunicación Audiovisual de La Universidad Anhembi Morumbi, São Paulo - Brasil Título de la Disertación: La Transmedia en el Audiovisual Latinoamericano: um estúdio sobre los aspectos sociales y culturales de las producciones latinoamericanas, afinidades y especificidades Investigadora: Jaqueline de Oliveira Orientador: Prof. Dr.Vicente Gosciola Objetivos de la investigación: estudiar el concepto de narrativa transmedia y sua plicabilidad en diferentes tipos de proyectos audiovisuales multiplataformas, como documentales de no ficción, series de animación para TV y web series producidas em cuatro países latinoamericanos (Argentina, Brasil, Chile y Colombia). Procedimiento: entrevista presencial, o por audio, o vídeo, o e-mail, o chat com productores, directores o guionistas que hayan utilizado la transmedia en sus proyectos audiovisuales. Resaltamos que los resultados de este estúdio serán divulgados em el medio científico, em el formato de artículos y de una disertación de maestría. Se deriva la necesidad de la identificación de algunos datos del de ponente participante de la investigación. Sin embargo, su privacidad está garantida encuanto a los datos que considere confidenciales. Datos del deponente participante em la investigación Nombre completo: Juan Guillermo Prado Número de documento personal (RG o Pasaporte): 13.688.671-1 Declaro estar plenamente informado y esclarecido sobre los objetivos, método, riesgos y benefícios de esta investigación y estoy de acuerdo em participar. Firma: Santiago, Chile , 11/ Febrero /2019 144 TÉRMINO DE CONSENTIMIENTO LIBRE Y ESCLARECIDO DE PARTICIPACIÓN DE INVESTIGACIÓN Curso: Maestría del Programa de Postgrado en Comunicación Audiovisual de La Universidad Anhembi Morumbi, São Paulo - Brasil Título de la Disertación: La Transmedia en el Audiovisual Latinoamericano: um estúdio sobre los aspectos sociales y culturales de las producciones latinoamericanas, afinidades y especificidades Investigadora: Jaqueline de Oliveira Orientador: Prof. Dr.Vicente Gosciola Objetivos de la investigación: estudiar el concepto de narrativa transmedia y sua plicabilidad en diferentes tipos de proyectos audiovisuales multiplataformas, como documentales de no ficción, series de animación para TV y web series producidas em cuatro países latinoamericanos (Argentina, Brasil, Chile y Colombia). Procedimiento: entrevista presencial, o por audio, o vídeo, o e-mail, o chat com productores, directores o guionistas que hayan utilizado la transmedia en sus proyectos audiovisuales. Resaltamos que los resultados de este estúdio serán divulgados em el medio científico, em el formato de artículos y de una disertación de maestría. Se deriva la necesidad de la identificación de algunos datos del de ponente participante de la investigación. Sin embargo, su privacidad está garantida encuanto a los datos que considere confidenciales. Datos del deponente participante em la investigación Nombre completo: María Laura Piaggio Fonterosa Número de documento personal (Pasaporte): PAF312331 Declaro estar plenamente informada y esclarecida sobre los objetivos, método, riesgos y benefícios de esta investigación y estoy de acuerdo em participar. Firma: Ushuaia, Argentina/ 06/02/2019 (ciudad)