Universidade Anhembi Morumbi
JAQUELINE DE OLIVEIRA
NARRATIVA TRANSMÍDIA LATINO-AMERICANA: UM
ESTUDO SOBRE PRODUÇÕES TRANSMÍDIA DA AMÉRICA
LATINA, ESPECIFICIDADES E AFINIDADES
São Paulo
2019
JAQUELINE DE OLIVEIRA
NARRATIVA TRANSMÍDIA LATINO-AMERICANA: UM
ESTUDO SOBRE PRODUÇÕES TRANSMÍDIA DA AMÉRICA
LATINA, ESPECIFICIDADES E AFINIDADES
Dissertação de Mestrado apresentada à Banca
Examinadora, como exigência para a obtenção do
título de Mestra do Programa de Pós-Graduação em
Comunicação,
área
de
concentração
em
Comunicação
Audiovisual
da
Universidade
Anhembi Morumbi, sob a orientação do Prof.
Dr.Vicente Gosciola.
São Paulo
2019
JAQUELINE DE OLIVEIRA
NARRATIVA TRANSMÍDIA LATINO-AMERICANA: UM
ESTUDO SOBRE PRODUÇÕES TRANSMÍDIA DA AMÉRICA
LATINA, ESPECIFICIDADES E AFINIDADES
Dissertação de Mestrado apresentada à Banca
Examinadora, como exigência para a obtenção do
título de Mestra do Programa de Pós-Graduação em
Comunicação,
área
de
concentração
em
Comunicação
Audiovisual
da
Universidade
Anhembi Morumbi, sob a orientação do Prof. Dr.
Vicente Gosciola.
Aprovado em
/
/
Prof. Dr. Vicente Gosciola
Prof. Dr. David de Oliveira Lemes
Profa. Dra. Maria Ignês Carlos Magno
DEDICATÓRIA
Toda luta é cansativa e demorada, toda
memória é derrota e conquista, toda vida
cresce e alcança. Esse alcance, eu devo aos
que estiveram comigo de verdade.
AGRADECIMENTOS
Agradeço à Universidade Anhembi Morumbi pela bolsa de estudos com base no mérito, seus
excelentes professores e principalmente ao meu orientador, o Professor Doutor Vicente
Gosciola, por acreditar em minha capacidade e estar presente durante toda essa minha
trajetória acadêmica. Agradeço especialmente aos entrevistados: Fernando Irigaray, Paula
Sachetta, Laura Piaggio e Juan Guillermo Prado que tão prontamente me concederam seu
valioso tempo para me contar um pouco sobre suas produções. Agradeço a Deus pela força
diária, saúde e vontade de seguir em frente, pois sem fé, jamais chegaria até aqui. A minha
família, especialmente meus pais e minhas irmãs, que tão pacientemente me apoiaram e me
deram suporte para que eu pudesse me ausentar, fosse para participar em congressos ou em
casa mergulhada nos estudos. Aos colegas de trabalho, pela flexibilidade e auxílio sempre que
necessário, aos queridos colegas da Associação EraTransmidia, em especial ao Rodrigo
Arnaut e Rodrigo Terra, que confiaram a mim a tarefa de traduzir a transmídia latinoamericana em nossos encontros e eventos pelo Brasil. As minhas queridas amigas e amigos
quesempre me incentivaram de alguma forma, fosse com palavras de apoio ou com
demonstrações de carinho (não preciso citá-los, pois sabem de quem estou falando). Aos meus
cães, Gamby e Caramela, minhas únicas companhias madrugada à dentro. E a todos que
encontrei pelo caminho, pois, por mais que esse trabalho tenha sido feito por mim, sem a
presença de pessoas e criaturas tão especiais em minha vida, ele jamais teria se tornado algo
concreto.
RESUMO
O objetivo deste estudo é destacar o uso da narrativa transmídia em projetos audiovisuais
latino-americanos, e que, a partir desse formato de produção, alcançaram repercussões
positivas em suas respectivas sociedades. Os projetos escolhidos como objeto de estudos são
de quatro países: Mujeres en Venta (Argentina, 2015), Precisamos Falar do Assédio (Brasil,
2015), Cuentos de Viejos (Colômbia, 2013) e Puzzle Negro (Chile, 2014). Trata-se de um
estudo teórico dos meios de comunicação e processos interativos da narrativa transmídia, bem
como das especificidades em seus contextos sociais, sob a ótica de autores relacionados à
convergência digital, a sociedade em rede, a cultura de participação e aos avanços
tecnológicos ligados às novas narrativas audiovisuais. Partindo desse estudo, a transmídia é
apontada como uma importante ferramenta de expansão e prolongamento de uma narrativa,
gerando novos formatos de produção e mobilidade de conteúdo. Nesse sentido, é abordado
como diferentes países promovem e envolvem seu público por meio de projetos audiovisuais
que usam formatos analógicos e digitais para transmissão e visualização de conteúdo
destinado a segmentos de entretenimento e de interesse social distintos. Além da análise
teórica, foi realizada uma entrevista semi-estruturada com cada produtor dos projetos aqui
apresentados, com o intuito de ampliar o estudo e comparar as respectivas produções visando
encontrar possíveis afinidades entre si. O resultado adquirido é uma ampla gama de detalhes
sob aspectos sociais e culturais do processo de produção audiovisual latino-americano diante
do cenário atual pautado pela velocidade dos meios de comunicação e do surgimento das
novas mídias.
Palavras-Chave:
Audiovisual; Narrativa Transmídia; Sociedade em Rede; Cultura Participativa; América
Latina
ABSTRACT
The purpose of this study is to highlight the use of transmedia narrative in Latin American
audiovisual projects, and that, from this production format, have had positive repercussions in
their respective societies. The projects chosen as object of studies are of four countries:
Mujeres en Venta (Argentina, 2015), We Need to Talk about Harassment (Brazil, 2015),
Cuentos de Viejos (Colombia, 2013) and Puzzle Negro (Chile, 2014). It is a theoretical study
of the media and interactive processes of the transmedia narrative, as well as of the
specificities in their social contexts, from the perspective of authors related to digital
convergence, network society, participation culture and technological advances linked to new
audiovisual narratives. Starting from this study, the transmedia is pointed out as an important
tool of expansion and extension of a narrative, generating new formats of production and
mobility of content. In this sense, it is approached how different countries promote and
involve their audience through audiovisual projects that use analog and digital formats for
transmission and visualization of content destined to different segments of entertainment and
social interest. In addition to the theoretical analysis, a semi-structured interview was
conducted with each producer of the projects presented here, in order to broaden the study and
compare the respective productions in order to find possible affinities among them. The result
is a wide range of details under social and cultural aspects of the Latin American audiovisual
production process, given the current scenario the speed of the media and the emergence of
new media.
Key Words:
Audio-visual; Transmedia Narrative; Network in Society; Participatory Culture; Latin
America
LISTA DE FIGURAS
Figura 01 – Expansão de conteúdo para múltiplas plataformas de mídia.................................26
Figura 02 – Videogame.............................................................................................................28
Figura 03 – O desenho animado...............................................................................................28
Figura 04 – O desenho animado...............................................................................................29
Figura 05 – Videogame.............................................................................................................29
Figura 06 – Universo narrativo de Star Wars...........................................................................32
Figura 07 – Desdobramentos Multiplataformas da Animação.................................................34
Figura 08 – Universo Multiplataforma da Animação...............................................................34
Figura 09 – Mundo da história..................................................................................................36
Figura 10 – Franquia de filmes, Piratas do Caribe..................................................................40
Figura 11 – Primeiro esquema de mídias e conexões do Projeto..............................................50
Figura 12 – Histórias em Quadrinhos.......................................................................................52
Figura 13 – Vídeo que mostra as Impressões em Realidade Aumentada.................................53
Figura 14 – Captura de Tela do Vídeo sobre as divulgações em led........................................54
Figura 15 – Captura de Tela da Campanha de led feita no Shopping Mall..............................55
Figura 16 – Captura de Tela do Mapa Colaborativo.................................................................56
Figura 17 – Captura de Tela do Documentário para TV...........................................................57
Figura 18 – Capa do Livro........................................................................................................58
Figura 19 – Captura de Tela dos Microvídeos para TV............................................................58
Figura 20 – Captura de Tela do Movisodeo..............................................................................59
Figura 21 – Galeria de Fotos.....................................................................................................60
Figura 22 – Captura de tela da conta de Mujeres en Venta no Twitter.....................................61
Figura 23 – Captura de Tela da conta de Mujeres en Venta no Facebook...............................61
Figura 24 – Cronograma de uso das Multiplataformas de Mídia do projetoMujeres en
Venta.........................................................................................................................................62
Figura 25 – Universo Multiplataforma de Mujeres en Venta...................................................64
Figura 26 – Captura de Tela do Vídeo de Chamada feito para as Redes Sociais e TV............66
Figura 27 – Captura de Tela dovídeo chamada feito para as Redes Sociais e TV com os locais
de gravação...............................................................................................................................67
Figura 28 – Captura de tela da Reportagem feita durante a execução do projeto na cidade de
São Paulo ..................................................................................................................................67
Figura 29 – Captura de tela do Instagram do projeto................................................................68
Figura 30 – Mulheres perguntando sobre o projeto..................................................................68
Figura 31 – Van-estúdio ...........................................................................................................69
Figura 32 –Máscaras do projeto, Precisamos Falar do Assédio..............................................70
Figura 33 – Captura de tela do Site, Precisamos Falar do Assédio..........................................71
Figura 34 – Captura de tela da área Fale! do menu de serviços do site do projeto...................72
Figura 35 – Imagem de divulgação do projeto.........................................................................74
Figura 36 – Captura de tela do site de Cuentos de Viejos.........................................................76
Figura 37– Captura de tela da página Envía una historia........................................................77
Figura 38 – Captura de tela do menu ¿Te acuerdes de...?, que separa as histórias por
temas.........................................................................................................................................78
Figura 39 – Página do Facebook do projeto.............................................................................79
Figura 40 – Captura de tela do Instagram do projeto................................................................80
Figura 41 – Captura de tela do menu de serviços do site que disponibiliza um resumo de todos
os capítulos de cada temporada................................................................................................80
Figura 42 – Arte de promoção da série....................................................................................86
Figura 43 – Imagem da tela principal do jogo para computador..............................................87
Figura 44 – Captura de tela da página do Facebook do projeto................................................87
Figura 45 – Captura de tela do Twitter do projeto....................................................................88
Figura 46– Captura de tela do Instagram do projeto................................................................88
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Tipos de Participação..............................................................................................94
Tabela 2 – Uso de Plataformas de Mídias Online e Offline......................................................94
Tabela 3 – Tipos de Participação..............................................................................................95
Tabela 4 – Uso de Plataformas de Mídias Online e Offline......................................................95
Tabela 5 – Tipos de Participação..............................................................................................96
Tabela 6 – Uso de Plataformas de Mídias Online e Offline......................................................96
Tabela 7 – Tipos de Participação..............................................................................................97
Tabela 8 – Uso de Plataformas de Mídias Online e Offline......................................................97
Tabela 9 – Estudo Comparativo................................................................................................98
SUMÁRIO
1. TRANSMÍDIA: conceito e aplicabilidade prática ........................................................... 24
1.1 Do Conceito .................................................................................................................... 25
1.2 Da aplicabilidade prática................................................................................................. 37
1.3 A sociedade em rede e a cultura participativa ............................................................... 42
2. A TRANSMÍDIA NA AMÉRICA LATINA: um estudo dos projetos audiovisuais da
Argentina, Brasil, Chile e Colômbia ..................................................................................... 48
3.1 Argentina ..................................................................................................................... 49
3.1.1 Mujeres en Venta ..................................................................................................... 49
3.1.1.1 Dificuldades e desafios.......................................................................................... 63
3.2 Brasil ........................................................................................................................... 65
3.2.1 Precisamos Falar do Assédio.................................................................................... 65
3.4.1.1 Dificuldades e desafios.......................................................................................... 73
3.3 Colômbia ..................................................................................................................... 75
3.3.1 Cuentos de Viejos..................................................................................................... 75
3.3.1.1 Dificuldades e desafios.......................................................................................... 81
3.4 Chile ............................................................................................................................ 84
3.4.1 Puzzle Negro ............................................................................................................ 84
3.4.1.1 Dificuldades e desafios.......................................................................................... 91
3. ASPECTOS SOCIAIS E CULTURAIS DAS PRODUÇÕES LATINOAMERICANAS: especificidades e afinidades ...................................................................... 92
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 101
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 103
APÊNDICE A – Metodologia utilizada nas Entrevistas ....................................................... 108
APÊNDICE B – Transcrição da Entrevista com o Diretor da obra, Mujeres en Venta,
Fernando Irigaray ................................................................................................................... 110
APÊNDICE C – Transcrição da Entrevista com a Diretora de Precisamos Falar do Assédio,
Paula Sacchetta ....................................................................................................................... 119
APÊNDICE D – Transcrição da Entrevista com a roteirista transmídia de Cuento de Viejos,
Laura Piaggio .......................................................................................................................... 127
APÊNDICE E – Transcrição da Entrevista com o produtor de Puzzle Negro, Juan Guilhermo
Prado.......................................................................................................................................133
ANEXOS ............................................................................................................................... 140
23
INTRODUÇÃO
Os avanços tecnológicos presentes na era da informação (séc. XX e XXI) proporcionaram à
sociedade inúmeras possibilidades de compartilhamento de informação e engajamento, bem
como as ferramentas digitais que potencializaram e expandiram o modo de produção e
distribuição de conteúdos audiovisuais, como ocorre com o cinema. O advento da internet
como um todo, propicia maior participação e pluralidade nessa sociedade contemporânea que
se torna cada vez mais independente dos meios de comunicação de massa e de grandes
conglomerados de mídia, principalmente da indústria audiovisual, redemocratizando seu
processo de interação e articulação entre diversos grupos e comunidades, ampliando novos
modelos de negócios e modificando a estética de consumo do mercado atual. A partir desse
período, surge o chamado hipermodernismo (LIPOVESTKY, 2009), classificado como a
quarta fase da história do cinema, ao mesmo tempo em que a convergência dos meios digitais
se destaca englobando informação, tecnologia e consumo.
Essa “convergência deve ser compreendida principalmente como um processo tecnológico
que une múltiplas funções dentro dos mesmos aparelhos.” (JENKINS, 2009, p. 29-30). Com
acesso a um maior volume de informação e conteúdo, onde o espectador tem a opção de
interagir com esses conteúdos que não se limitam somente ao cinema e à televisão, mas que
abrangem as redes web vistas hoje como principal ferramenta de produção, distribuição e
compartilhamento de conteúdos audiovisuais. Do ponto de vista do consumo desses produtos,
a convergência dos meios digitais propaga-se cada vez mais através do uso de múltiplas
plataformas de mídia. Desse modo, o conceito de convergência também destaca “à
cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento migratório da audiência
dos meios de comunicação, que são capazes de ir a qualquer parte em busca de experiências
de entretenimento que desejam” (JENKINS, 2009, p. 29).
Partindo dessa evolução da comunicação digital, sobretudo na comunicação audiovisual, o
presente estudo visa abordar em seu primeiro capítulo como surgiu o conceito de narrativa
transmídia perpassando por diferentes autores e estudiosos relacionados às produções
multiplataformas (KINDER, 1991 e LAURUEL, 2000), a convergência digital (JENKINS,
2009), a sociedade em rede (CASTELLS, 1999), a cultura de participação (SHIRKY, 2010),
aos avanços tecnológicos ligados às novas narrativas audiovisuais (MURRAY, 2003) e no
segundo capítulo, o desenvolvimento e uso da “bíblia transmídia” (HAYES, 2011;
PRATTEN, 2011 e BERNARDO, 2011) criada para produtores e focada na experiência do
usuário.
24
Trata-se não só de trazer exemplos de produções transmidiáticas conhecidas na indústria do
audiovisual como os grandes sucessos de bilheteria norte americanos, mas, de destacar no
terceiro capítulo como os países latino-americanos estão desenvolvendo esse tipo de
produção. Se, dentro de seu contexto social e cultural, há mercado, incentivo ou anseio de
suas respectivas sociedades de consumir esse formato de produção. Desse modo, para aferir
essa questão na América Latina,foram escolhidos os seguintes projetos audiovisuais com base
na repercussão que tiveram em seus países: Mujeres en Venta (Argentina, 2015), Precisamos
Falar do Assédio (Brasil, 2015), Cuentos de Viejos (Colômbia, 2013) e Puzzle Negro (Chile,
2014). Para tanto, foi desenvolvido um estudo teórico conceitual do que se entende por
narrativa transmídia, bem como é realizado o processo de produção de cada nacionalidade,
desde seu planejamento a sua execução, distribuição e interação da audiência. O objetivo da
pesquisa, é apontar suas características sob diferentes contextos sociais e culturais (MARTINBARBERO, 2003), bem como possíveis afinidades entre si respeitando o estudo conceitual e
prático presente corpo de trabalho deste estudo.
25
1. TRANSMÍDIA: conceito e aplicabilidade prática
1.1 Do Conceito
Toda e qualquer estrutura narrativa pode ser “sustentada pela linguagem articulada, oral ou
escrita, pela imagem fixa ou móvel, pelo gesto ou pela mistura ordenada de todas estas
substâncias” (BARTHES, 2011, p.19). Para Barthes, a narrativa é uma hierarquia de
instâncias que não apenas se desenvolvem durante uma história, mas que se conectam a um
fio condutor. O autor deixa claro que:
Compreender uma narrativa não é somente seguir o esvaziamento da
história, é também reconhecer nela “estágios”, projetar os encadeamentos,
horizontais do “fio” narrativo sobre um eixo implicitamente vertical; ler
(escutar) uma narrativa não é somente passar de uma palavra à outra, é
também passar de um o nível a outro. (BARTHES, 2011, p.27).
A narrativa, de modo geral, está presente nos diferentes formatos de se contar uma história,
seja ela por meio da literatura, rádio, cinema, televisão ou pela rede de internet. A partir da
afirmação de Barthes, pode-se observar o quanto a literatura contribui para o
desencadeamento de universos narrativos, independente da plataforma de mídia utilizada
(online ou offline). No entanto, os avanços tecnológicos dos meios de comunicação nos
séculos XIX, XX e XXI proporcionaram à sociedade moderna inúmeras possibilidades de
compartilhamento e propagação de conteúdos diversos. De acordo com Thompson (1998,
p.144-145), esse avanço é atribuído a três desenvolvimentos que, interligados, foram de suma
importância para a comunicação sendo: (i) o uso do sistema de transmissão a cabo, que possui
um alcance muito maior de transmissão de informações eletronicamente codificadas; (ii) o
uso de satélites para comunicação de longa distância e (iii) o crescente uso de métodos
digitais no processamento, armazenamento e recuperação da informação. Para Thompson:
A digitalização da informação combinada, com o desenvolvimento das
tecnologias eletrônicas relacionadas (microprocessadores etc.), aumentou
grandemente a capacidade de armazenar e transmitir informações e criou a
base para a convergência das tecnologias de informação e comunicação,
permitindo que as informações sejam convertidas facilmente para diferentes
meios de comunicação. (THOMPSON, 1998, p.145).
Em meio à era da informação e da convergência digital, surgem novas possibilidades de
produzir e desenvolver histórias por meio do uso da transmedia storytelling ou narrativa
transmídia, conceito que consiste em contar uma história dividida em narrativas simultâneas
26
em diferentes plataformas de mídia, sendo que cada uma de suas frentes oferece um conteúdo
exclusivo sobre a história principal conforme representado na figura 1.
Figura 1 Expansão de conteúdo para múltiplas plataformas de mídia
Fonte: Site Digaaí1
Apesar de haver uma conceituação específica para a transmedia storytelling, ainda é possível
perceber uma confusão entre os termos transmídia e crossmedia. É importante destacar que se
trata de termos e utilizações distintas, onde a crossmedia é a experiência de distribuição de
serviços em múltiplas plataformas de mídia, sendo apenas a replicação de um determinado
produto comunicacional, sem que haja alteração em seu conteúdo. Deste modo, não é muito
difícil ver por aí, produções crossmedia sendo “vendidas” como transmídia. Esta última, no
entanto, para a comunicação e produção audiovisual, é de uma importante ferramenta de
desdobramento e prolongamento de universos narrativos a serem criados, bem como para os
já produzidos.
Os primeiros estudos sobre a narrativa transmídia nessa área, foram realizados por
pesquisadores, artistas e profissionais norte-americanos – começando por Marsha Kinder
(1991) e popularizado, posteriormente, por Henry Jenkins (2003). Para compreender o
processo histórico desse conceito, é necessário, primeiro, conhecer sua origem no campo do
audiovisual, assim como os principais projetos que se tornaram fenômenos mundiais
1
Disponível em: <https://www.digai.com.br/2015/08/marcas-e-era-transmidia/>. Acesso em: 17 ago. 2018.
27
promovendo novos conceitos e possibilidades de extensão e expansão de determinado
universo narrativo. Jenkins explica que:
O pessoal da indústria usa o termo extensão para se referir à tentativa de
expandir mercados potenciais por meio do movimento de conteúdos por
diferentes sistemas de distribuição; “sinergia”, para se referir às
oportunidades econômicas representadas pela capacidade de construir e
controlar todas essas manifestações; “franquias” para se referir ao empenho
coordenado em imprimir uma marca e um mercado a conteúdos ficcionais,
sob essas condições. Extensão, sinergia e franquia estão forçando a indústria
midiática a aceitar a convergência. (JENKINS, 2009, p. 47).
Com esta definição de extensão, podemos relacionar os licenciamentos que determinada obra
ou produto pode gerar ao mercado, diferente do contexto de expansão (JENKINS, 2009), que
está atrelado ao compromisso do público em colaborar com a expansão de um conteúdo por
meio das redes sociais – logo, um marketing positivo feito de forma voluntária por redes de
fãs e consumidores de determinada marca ou produto.
Gallego vai além dos interesses comerciais expostos por Jenkins e define o conceito de
expansão como um movimento de relação social.
O conceito de expansão é articulado com a força das relações sociais, não se
concentra apenas no envio de conteúdo, mas em ser capaz de transmitir uma
mensagem própria que diz algo sobre o perfil do usuário. Este mecanismo de
promoção gera níveis mais altos de credibilidade em comparação com os
espaços tradicionais de publicidade, pois tem o apoio de confiança no outro.
(GALLEGO, 2011, p. 16).
Como ferramenta de expansão narrativa, o termo transmídia aparece em 1991 no livro Play in
with power in movies, television, and videogames: from muppet babies to teenage mutant
ninja turtles, da autora Marsha Kinder, que aborda essa expansão como um “super sistema de
intertextualidade transmídia” (KINDER, 1991, p. 3) construído em torno de duas obras de
animação infantojuvenis (Muppet Babies2 e Teenage Mutant Ninja Turtles3) transmitidas na
TV estadunidense durante as décadas de 80 e 90. Para Kinder:
“Muppet Babies é uma série de desenhos animados estadunidense, originalmente transmitida pela CBS em
1984 e encerrada em 1991”. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Muppet_Babies>. Acesso em: 20 jul.
2018.
3
“Teenage Mutant Ninja Turtles é uma animação produzida por Murakami-Wolf-Senso, tendo estreado em
1987”. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/As_Tartarugas_Ninja_(desenho_de_1987)>. Acesso em:
22 jul. 2018.
2
28
Esse processo pós-modernista de reprodução do tema e de sua dinâmica de
fortalecimento comercial está sendo intensificado e acelerado no videogame
doméstico e em supersistemas comerciais transmídia construídos em torno
de figuras como: Teenage Mutant Ninja Turtles [...]. Nessas redes em
expansão de sinergia, conectividade, coletividade, reestruturação, novas
ordens mundiais (e outras palavras-chave pós-modernistas), crianças,
empresas e países estão aprendendo que a intertextualidade transmídia é uma
poderosa estratégia de sobrevivência. (KINDER, 1991, p. 38).
A partir da reflexão de Kinder, compreende-se que o uso da transmídia é visto como uma
importante ferramenta de extensão narrativa e de possibilidades no que tange à relação entre
os conteúdos que a TV apresenta a sua audiência. Assim sendo, a transmídia permite propor
engajamento e interação com o espectador, além da extensão comercial (licenciamentos e
franquias), como ocorreu em Tartarugas Ninjas (figuras 2 e 3) e os Muppets (figuras 4 e 5).
Figura 2. Videogame
Fonte: Site Nintendo4
Figura 3. O desenho animado
Fonte: Site Amazon.com5
Ambos os projetos geraram extensões e expansões narrativas de seus universos ficcionais,
fazendo com que suas obras permanecessem atuantes até as gerações de hoje. Tal fenômeno
gerou interesse e expectativas nas áreas da comunicação e do entretenimento. De modo geral,
a internet e o avanço das tecnologias móveis, trouxeram novas possibilidades de se criar
conteúdos audiovisuais para outros formatos de distribuição e utilização, sobretudo, com
relação ao público consumidor, que deseja seu conteúdo onde estiver e no dispositivo de
mídia que tiver a mão.
4
Disponível em: <https://www.nintendo.pt/Jogos/Nintendo-3DS/Teenage-Mutant-Ninja-Turtles-912219.htm>l.
Acesso em: 17 ago. 2018.
5
Disponível em: <https://www.amazon.com/Teenage-Mutant-Turtles-Cartoon-Opening/dp/B015ZDS4AY>.
Acesso em: 17 ago. 2018.
29
Figura 4. O desenho animado
Fonte: Site Anos 806
Figura 5. Videogame
Fonte: SiteAPK Pure.com7
A convergência dos meios de comunicação deve ser compreendida como um fluxo de
informação que passa por diversas plataformas de mídia a que, atualmente, nossa sociedade
está ligada, afetando, inclusive, nossas práticas sociais de interação.
É fato que tal integração demanda maior produção de conteúdo e de
plataformas, o que já poderia ser um impeditivo, entretanto, como as
tecnologias digitais de comunicação se popularizam, especialmente o acesso
à web de banda larga e sem fio, o público está cada vez mais nômade, não só
fisicamente como também transita livremente pelas mais diversas telas
(GOSCIOLA, 2015).
Na era da informação globalizada, Brenda Laurel aponta a necessidade de inovação no que se
espera de um conteúdo pós-convergente, fundamental aos produtores de obras
multiplataformas. Em seu artigo Creating Core Content in a Post-Convergence World
(LAUREL, 2000, p. 3-4), ela explana algumas orientações que contemplam o uso da narrativa
transmídia deixando o modelo tradicional de produção de lado para dar espaço aos novos
modelos de negócios como:
● pensar em “transmídia”: desistir do modelo antigo e criar uma propriedade raiz em
um determinado meio de exibição, como um filme, reutilizando-o, em seguida, para
criar propriedades secundárias em outras mídias;
6
7
Disponível em: <http://www.anos80.net/desenhos/muppet-babies/>. Acesso em: 17 ago. 2018.
Disponível em: <https://apkpure.com/br/muppet-babies-kermit-adventure/com>. Acesso em: 17 ago. 2018.
30
● criar ambientes: no coração do conteúdo principal não é uma história, mas um
ambiente que irá apoiar muitas histórias, personagens e padrões de jogo;
● desenvolver narrativas fundamentais: parte do conteúdo principal é a narrativa
fundacional. Isso pode ser um mito ou um conjunto de histórias, uma história ou uma
cronologia;
● providenciar rituais: o ritual é um tipo de forma social em que uma narrativa
projetada pode se desdobrar harmoniosamente (e simultaneamente) dentro do
contexto maior de um ambiente interativo, no qual a maioria das ações é
improvisação;
● incentivar a formação da comunidade: criar situações e condições sociais que
estimulem a formação de comunidades. Os fãs devem ser habilitados e incentivados a
se comunicar e interagir uns com os outros de várias maneiras possíveis;
● faça autores de audiências: as audiências são capazes de ser autoras de histórias que
podem ser publicadas em várias mídias;
● apoie a criação da identidade pessoal: a participação do público em seu mundo é
essencial para o seu sucesso. A audiência quer ser reconhecida e ter identidade no
contexto do seu mundo;
● crie tratamentos e cenários para vários dispositivos e contextos: o conteúdo principal
assumirá a forma de desenhos, descrições e narrativas. Para testar sua resiliência em
um mundo pós-convergência, crie cenários ou tratamentos que originem o conteúdo
principal em variados contextos situados em diferentes dispositivos.
Ao se referir ao mundo pós-convergência, Laurel não só explica a importância de pensar a
transmídia desde o início de um projeto, como afirma a primordialidade de se deixar o método
tradicional de produção de lado para dar espaço a novos modelos expansíveis e interativos,
observando a necessidade da audiência como prerrogativa básica para o seu sucesso. Tal
necessidade está diretamente ligada à interação da audiência com a produção apresentada. Um
exemplo dessa interação pós-convergente são as experiências vividas pelos usuários de jogos
de realidade virtual (RV)8 – que podem ser individuais ou em grupo –, compreendidas por
Adam Nash como:
[...] uma fase de desempenho virtual não linear, digital, em rede, de tal forma
que é possível afirmar que, quando um usuário está interagindo com um
desses trabalhos, constitui uma forma de desempenho ao vivo entre o artista
8
É uma tecnologia de interface entre um usuário e um sistema operacional através de recursos gráficos 3D ou
imagens 360º cujo objetivo é criar a sensação de presença em um ambiente virtual diferente do real. Disponível
em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Realidade_virtual>. Acesso em: 04 jan. 2019.
31
e o usuário porque está acontecendo no tempo real do usuário (ou seja, ao
vivo), é exclusivo da interação entre o usuário e o trabalho apresentado [...]
(NASH, 2010, p. 73).
Os mundos virtuais apresentam uma matriz complexa de relações interdependentes entre
elementos de mídia, como som, visão, rede, tempo, interatividade e tecnologias anteriores. As
realidades virtual, aumentada (RA)9 ou mista (RM)10 podem ser ferramentas complementares
à expansão e imersão de um determinado universo narrativo que usa como base a transmedia
storytelling, que “surge como uma nova estética decorrente da convergência das mídias”
(JENKINS, 2009, p.49). Por meio dela, é possível ampliar o conceito de produção sem focar
apenas em um modelo de distribuição e consumo. Em síntese, uma ferramenta que possibilita
inúmeras formas de se desenvolver uma história, seja ela de ficção ou não ficção.
Para que a construção do universo narrativo transmídia se propague, é necessário um amplo
engajamento e participação ativa da audiência, que se protagoniza nas plataformas digitais
(redes sociais e demais sistemas virtuais de interação), importantes ferramentas de
comunicação e compartilhamento de informação. Esse processo fica evidente nas grandes
franquias de filmes conhecidas, como Guerra nas Estrelas (Star Wars, George Lucas, 1977) e
O Senhor dos Anéis (Lord of the Rings, Peter Jackson, 2001), entre outros. Nesse contexto,
atualmente, destacam-se os projetos do Universo Marvel11, conhecidos mundialmente por
criar sua própria mitologia.
Todos esses projetos possuem algo em comum: originaram-se da literatura (livros e
quadrinhos) e se expandiram em múltiplos formatos de mídia (TV, webséries, animação,
jogos de realidade virtual, realidade aumentada, documentários, videogames e outros),
resultando no fenômeno atual, ultrapassando fronteiras e prolongando seu ciclo de vida. São
produtos que fazem legiões de fãs pelo mundo todo, fãs que colaboram de modo direto e
indireto com sua consolidação e perpetuação em diferentes formatos de exibição e modos de
consumo por meio de, fandoms (comunidades de fãs) e fanfictions (conteúdo de ficção criado
por fãs). Na figura 6, é possível observar como se deu a extensão narrativa da franquia Star
9
É a integração de elementos ou informações virtuais a visualizações do mundo real através de uma câmera e
com o uso de sensores de movimento como giroscópio e acelerômetro.
Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Realidade_aumentada>. Acesso em: 04 jan. 2019.
10
É a tecnologia que une características da realidade virtual com a realidade aumentada. Esta insere objetos
virtuais no mundo real e permite a interação do usuário com os objetos, produzindo novos ambientes nos quais
itens físicos e virtuais coexistem e interagem em tempo real.
Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Realidade_mista>. Acesso em: 04 jan. 2019.
11
“O Universo Marvel é retratado como existente dentro de um "multiverso" composto por milhares de universos
separados, todas as quais são as criações da Marvel Comics.”
Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Universo_Marvel>. Acesso em: 02 fev. 2018.
32
Wars desde sua concepção, enquanto mídia offline (livros e quadrinhos), aos diferentes
produtos audiovisuais convergentes em mídias online, como as franquias de filmes, séries,
webséries e games.
Figura 6. Universo narrativo de Star Wars
Fonte: Pinterest12
A transmidialidade desses universos narrativos proporcionou a sua audiência a chance de
vivenciar cada história de modo único, interativo e imersivo por meio de diversas mídias,
principalmente os meios digitais. Segundo Murray (2003, p.100-153), a narrativa em um
ambiente digital oferece ao usuário a possibilidade de experienciar três categorias estéticas, as
quais fazem com que o sujeito obtenha maior interação com a história:
1. imersão: a experiência de ser transportado para um lugar simulado. Trata-se de um
termo metafórico, derivado da experiência física de estar submerso na água. Esse tipo
de experiência pode ser realizado por diversos dispositivos tecnológicos, entre eles os
de AR (Augmented Reality ou Realidade Aumentada) e VR (Virtual Reality ou
Realidade Virtual);
2. agência: capacidade de realizar ações significativas e ver os resultados de nossas
decisões e escolhas que vai além da participação e da atividade. Murray reforça a
12
Disponível em: <https://www.pinterest.co.uk/pin/398779741997027805/>. Acesso em: 17 ago. 2018.
33
interatividade, que não está cunhada apenas no ato de jogar um jogo ou dar cliques no
computador, mas de fazer parte daquela agência narrativa;
3. transformação: o poder da transformação em ambientes narrativos digitais, onde
programas “metamórficos” dão, a cada usuário, possibilidades de adquirir a máscara
(identidade) que quiser.
Com a crescente disponibilização de diversos produtos audiovisuais, atualmente, é o consumidor
quem demanda a necessidade de receber um produto personalizado e interativo, algo que
possibilite sua participação no processo de construção, seja por meio de séries de TV,
franquias de filmes, reality shows,13 videogames e, até mesmo, propagandas publicitárias.
Para Jenkins, que popularizou o termo transmídia em seu livro Cultura da Convergência
(2009), “essa convergência não ocorre por meio de aparelhos, por mais sofisticados que
venham a ser [...] ocorre dentro dos cérebros de consumidores individuais e em suas
interações sociais com outros” (JENKINS, 2009, p.30). Entretanto, para que essa interação
aconteça, é necessário que o produtor de conteúdo ofereça meios flexíveis de visualização e
possibilidades de extensão e expansão da narrativa a ser apresentada, criando uma relação de
engajamento, imersão e fidelização com sua audiência.
As possibilidades da transmídia estão presentes em diferentes tipos de produções como, por
exemplo, as séries brasileiras de animação infantil e infantojuvenil, O Diário de Mika
(Elizabeth Mendes, 2015) e Zica e os Camaleões (Ari Nicolosi, 2014). Conforme as figuras 7 e
8, ambas foram pensadas, desde a concepção, para serem projetos multiplataforma, focando
no engajamento por meio das redes sociais, aproximando seu público de seu universo
narrativo. O projeto infantil, O Diário de Mika reflete a necessidade atual de unir conteúdo
infantil a novas tecnologias – na história, a personagem principal usa seu tablet para adquirir
conhecimento e novas experiências educativas, bem como as crianças do mundo real, que já
nascem inseridas nesse contexto de convergência digital.
Esse fenômeno das narrativas transmidiáticas está vinculado ao surgimento das chamadas,
novas mídias, como o vídeo e o cinema digital, os sites da web, os ambientes e mundos
virtuais, os games de computador e de consoles computadorizados, as instalações interativas
mediadas por computador, as animações com imagens reais e sintéticas, os domínios da
multimídia, os dispositivos móveis e as demais interfaces humano-computador.
13
Programa televisual, baseado na vida real.
34
Figura 7. Desdobramento Multiplataforma da Animação
Fonte: Supertoons14
No caso da série infantojuvenil Zica e os Camaleões, sua audiência está diretamente
vivenciando o universo narrativo da personagem por meio de múltiplas experiências
construídas especificamente para cada plataforma de mídia. Por meio dessa expansão
multiplataforma, as tramas podem ser apresentadas a partir de diversos pontos de vista, com
histórias paralelas, possibilidades de interferência no enredo por parte da audiência com
opções de continuidade ou descontinuidade da narrativa.
Figura 8. Universo Multiplataforma da Animação
Fonte: conteúdos diversos15
14
15
Disponível em: <http://supertoons.com.br/homologacao/>. Acesso em: 07 jan. 2019.
Disponível em: <https://www.conteudosdiversos.com.br/zica-e-os-camaleoes>. Acesso em: 07 jan. 2019
35
Para os estudiosos, Sobrinho e Acir:
A produção seriada no Brasil ainda não alcança o grau de convergência que
é verificado no contexto norte-americano. Pelo que se pode verificar, a
realidade efetiva da transmidiação no âmbito narrativo pertence a lugares
que detêm tecnologia, e, em termos de negócios, essa “nova ficção” é
encabeçada por grandes corporações que estendem seus produtos em escala
planetária. (SOBRINHO e ACIR, 2011, p.85).
Apesar de não obter o mesmo alcance global ou investimento que a maioria das produções
norte-americanas, além do Brasil, outros países latino-americanos – como Argentina,
Colômbia e Chile – vêm se dedicando às produções transmidiáticas, de modo a retratar sua
realidade social e resgatar sua história e tradições por meio do engajamento junto à sociedade,
explorando novos recursos midiáticos e as inúmeras possibilidades das redes web. Para
Carolina Di Palma, líder de projetos de convergência do canal infantil argentino Pakapaka16:
[...] a multimidialidade e as novas narrativas transmídia também devem ser
entendidas como novos potenciais técnicos que contribuem para a autonomia
das novas gerações. Hoje, existe a possibilidade de combinar diferentes
idiomas ao mesmo tempo ou seguir uma história de telas diferentes. Para
assistir a um programa de TV, receba um comentário em um tweet e, a partir
daí, encontre um vídeo caseiro ou uma obra literária. Assim, a experiência é
enriquecida de acordo com as escolhas de cada usuário, aprendiz ou jogador.
(PALMA, 2017, p.78).
Todo esse processo de engajamento e compartilhamento de conteúdo está atrelado ao
universo narrativo criado com esse fim. O storyworld (mundo da história) precisa fazer
sentido, mas, sobretudo, gerar interesse e manter, de modo sustentável, sua expansão
narrativa. Tal expansão não acontece sozinha e não é uma responsabilidade só do produtor de
conteúdo, do roteirista, mas de toda equipe envolvida no projeto. Todo conteúdo criativo
depende de uma série de fatores, porém sua audiência é quem vai assegurar sua durabilidade.
Cada história de um projeto transmídia deve ser percebida pela audiência
como uma parte cuidadosa e devidamente separada e não como um pedaço
cortado a esmo, isto é, a separação das partes da história completa não pode
ser feita de modo arbitrário ou aleatório, o ideal é que seja estudada de modo
a manter íntegra aquela parte até os seus últimos fragmentos narrativos que
assim a caracterizam (GOSCIOLA, 2014, p. 9).
16
Disponível em: <http://www.pakapaka.gob.ar/>. Acesso em: 23 jan. 2019.
36
Em sua afirmação, Gosciola aponta que esses fragmentos narrativos precisam fazer sentido
tanto para quem os cria quanto para quem os recebe. Logo, a audiência, que deixou de ser
simples receptora de conteúdos prontos, passa a interagir e protagonizar parte desses
conteúdos, deixando de ser um consumidor passivo para se tornar um consumidor ativo e cada
vez mais exigente. Contudo, há uma larga diferença entre as histórias que são auto fechadas –
arranjos lineares de eventos que chegam ao fim – e histórias que possibilitem a extensão de
seu “mundo narrativo”. Tornando possível a visualização dos universos narrativos
desenvolvidos em uma determinada história (vide figura 9) e sua expansão para diversas
plataformas de mídias.
Figura 9. Mundo da história
Fonte: Bíblia Transmídia Sebrae17
Scolari define a transmedia storytelling como:
[...] uma estrutura narrativa particular que se expande por meio de diferentes
linguagens (verbal, icônico etc.) e mídias (cinema, quadrinhos, televisão,
videogames etc.). [...] não é apenas um adaptação de uma mídia para outra.
A história que os quadrinhos contam não é a mesma que foi contada na
televisão ou no cinema; as diferentes mídias participam e contribuem para a
construção do mundo narrativo transmídia. Esta dispersão textual é uma das
mais importantes fontes de complexidade na cultura popular contemporânea.
(SCOLARI, 2009, p.2).
17
Disponível em:
<http://www.bibliotecas.sebrae.com.br/chronus/ARQUIVOS_CHRONUS/bds/bds.nsf/d6db450eafbf1ac5264e2d
4ca08bcfa7/$File/5901.pdf>. Acesso em: 17 ago. 2018.
37
Essa complexidade mencionada por Scolari trouxe a necessidade de informação capaz de
interligar o conceito teórico de produção transmídia a sua aplicação prática, fazendo com que
profissionais e estudiosos da área de comunicação audiovisual criassem manuais que os
auxiliassem no desenvolvimento de produções transmidiáticas, desde a concepção do universo
narrativo (storyworld) até as estratégias de distribuição (pós-produção e comunicação) e
engajamento da audiência por meio do uso de diversas plataformas de mídia e redes sociais de
comunicação e interação.
1.2 Da aplicabilidade prática
Um projeto transmídia é basicamente composto pelos seguintes elementos: storyworld (o
universo narrativo); diferentes plataformas de mídia (online e offline); e experiências
(engajamento). Para que uma obra seja de fato transmídia, não basta compreender seu
conceito, é necessário saber aplicá-lo na prática. Deste modo, além dos teóricos que cunharam
o termo transmídia e seu conceito, o presente estudo destaca alguns profissionais e também
estudiosos como: Gary P. Hayes (2011), Nuno Bernardo (2011), Jeff Gomez (2013) e Robert
Pratten (2015) que, além de aplicar o conceito da narrativa transmídia em suas produções,
desenvolveram guias práticos para produtores, com o passo a passo de como criar a chamada
“Bíblia Transmídia” de um determinado projeto audiovisual.
A Bíblia Transmídia é o documento responsável pelo desenho e planejamento do universo
multiplataforma de projeto transmídia, desde a concepção da história até sua distribuição e
engajamento com o público. Seu uso permite que decisões sejam tomadas sobre o endereço da
história e os meios em que ela pode ser implantada. Gallego descreve a bíblia transmídia
como algo que:
Não se concentra apenas em uma coleção enciclopédica; sua aplicação
maximiza os interesses de uma franquia, tornando visíveis as oportunidades
de diálogo entre os criadores do trabalho e seus públicos; essencial para uma
metodologia de implementação transmídia. (GALLEGO, 2011, p. 49).
O fotógrafo e produtor australiano Gary P. Hayes foi pioneiro no desenvolvimento de um
manual para produtores ao criar sua própria bíblia transmídia. No livro How to write a
transmedia production bible: A template for multiplatform producers, publicado em 2011, ele
propõe um modelo de trabalho dividido em cinco instâncias: (i) tratamento, (ii) especificações
funcionais, (iii) especificações de design, (iv) especificações tecnológicas, (v) negócios e
marketing.
38
De acordo com Hayes (2011), a bíblia transmídia é, acima de tudo, um documento que
contém os elementos da narrativa e o design chave sobre propriedades intelectuais, regras de
engajamento, recursos e técnicas utilizadas através de múltiplas plataformas de mídia, além de
uma visão geral do plano de marketing e de negócios. Seu principal objetivo é proporcionar
uma visão focada nas histórias e revelar os principais pontos da narrativa e arcos de serviço
em uma linguagem simples. O foco deve estar na descrição de uma história e de uma
experiência envolvente.
Para produções que pretendem adotar a transmídia, Hayes destaca principalmente as
especificações funcionais, que são as descrições detalhadas da experiência do usuário e dos
elementos de interface que constroem uma estrutura mais rígida em torno da história ou
serviço.Entre seus principais apontamentos para essa construção estão alguns itens
relacionados ao planejamento multiplataforma, como:
1. webisode18: conteúdo de áudio ou vídeo exibido como um arquivo fictício ou série
social. Muitas vezes chamado de podcasts,19videocasts20 ou movisodes;·.
2. hub da comunidade: um site de serviço conectado dedicado ao crescimento e
gerenciamento de uma comunidade de interesse em torno de uma propriedade;
3. jogos casuais: fácil de pegar, mergulhar e jogar, de jogador individual para multiplayer
massivo;
4. instalação física: qualquer projeto que esteja enraizado ou focado em uma construção
interativa física fixa, como um quiosque interativo ou uma instalação de som. A
interação é, muitas vezes, baseada em eventos, como a projeção de vídeo mapping21
em festivais;
5. social film ou social TV: um projeto híbrido que combina mídias sociais e elementos
de vídeo lineares conectados;
“São episódios de uma série distribuídos para Web.”
Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Webis%C3%B3dio>. Acesso em: 23 jul. 2018.
19
“É uma forma de publicação de ficheiros multimídia (áudio, vídeo, foto, PPS e etc.) na Internet, através de
um feed RSS, que permite aos utilizadores acompanhar a sua atualização.”
Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Podcasting>. Acesso em: 22 jul. 2018.
20
“Videocast abreviado de Video podcast é um método de distribuição de vídeos pela Internet ou por uma rede
de computadores que utiliza as ferramentas desenvolvidas no podcast para criar uma lista de vídeos em forma
de streaming e que se atualiza automaticamente, conforme novos vídeos são inseridos em uma página da
internet.” Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Vodcast>. Acesso em: 22 jul. 2018.
21
Técnica que consiste na projeção de vídeo em objetos ou superfícies irregulares, tais como estruturas de
grandes dimensões, fachadas de edifícios e estátuas.
Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Video_mapping>. Acesso em: 24 fev. 2019.
18
39
6. jogos: jogos que colocam, especificamente, o usuário no mundo real com cenários
para cumprir uma série de objetivos, ou que usam mecanismos de jogo, mas com uma
intenção educativa subjacente;
7. serviço baseado em localização: contando histórias, executando serviços ou jogos em
áreas definidas, geo armazenadas e relativamente grandes, camadas e elementos sobre
o mundo real usando sistemas GPS ou marcadores;
8. social media storytelling: usando uma gama de redes sociais existentes como canais
para fornecer narrativa fictícia ou factual;
9. games - 3D worlds: formatos de jogos orientados por objetivos com alta produção,
valores e narrativas estendidas;
10. mundos virtuais sociais: um espaço virtual compartilhado onde a intenção chave é
permitir que os usuários se socializem e criem suas próprias histórias (um tema em
comum);
11. sites unidirecionais: uma categoria óbvia; com um simples folheto estático no site que
pode ser usado comercialmente ou como parte de um site fictício da narrativa;
Hayes ainda destaca que:
Embora a terminologia varie em toda a indústria digital, é fundamental que a
bíblia de produção para o serviço descreva exatamente "o que é" a partir de
uma funcional perspectiva de formulário. Esta seção também cobrirá
quaisquer recursos ou variações especiais dos componentes principais, bem
como quaisquer combinações únicas de elementos (HAYES, 2011, p.6).
Diante das orientações de Hayes, entende-se que todo projeto transmídia deve ser realizado
em conjunto com uma equipe multidisciplinar, isto é, diferentes formações e especializações
técnicas – além de ter como premissa conhecer bem as novas tecnologias de mídia, bem como
a linguagem de conteúdo multiplataforma, a fim de ampliar a criação de novos conteúdos
interativos. Jeff Gomez, CEO da Starlight Runner Entertainment22, primeira empresa
especializada em criação e adaptação para conteúdo transmídia no mundo, define a
transmedia storytelling como:
[...] um processo de transmissão de mensagens, temas ou linhas de história
para o grande público através do uso engenhoso e bem planejado de
múltiplas plataformas de mídia. É, ao mesmo tempo, uma técnica e uma
22
Disponível em: <https://starlightrunner.com>. Acesso em: 22 jul. 2018.
40
filosofia da comunicação e extensão de marca que enriquece e amplia o ciclo
de vida de conteúdos criativos. (GOMEZ, 2013).
Na visão de Gomez, as narrativas multiplataformas e interativas permitem que as pessoas,
anteriormente sem voz ativa, possam ser ouvidas. A transmídia permite, além da interação
entre produtor e audiência, a extensão da narrativa criando, novas histórias e prolongando a
vida do produto inicial. Em seu artigo, Pirates Of The Caribbean – Brand Essence, Creative
Guidelines & Transmedia Extension,23 Gomez expõe como se deu o processo de
transmidialização do blockbuster, Piratas no Caribe (Pirates of the Caribbean, Gory
Verbinski e Rob Marshall, 2003), filme inspirado num brinquedo temático do parque da
Disney.
Na época, a Disney havia subestimado as possibilidades de licenciamento do projeto, e, em
2005, o então diretor de criação, Oren Aviv, contratou a Starlight Runner para fazer uma
análise da marca, organizar e explicar o mundo da história do projeto trabalhando em todas as
divisões da Disney e afiliados globais com o intuito de maximizar as oportunidades em torno
das sequências do filme (figura 10). O projeto, que duraria cinco anos para ser finalizado,
definiria o padrão de futuros lançamentos de projetos multiplataformas da Disney. Segundo
Gomez, dentre as principais dificuldades encontradas durante a execução desse projeto, o
mais difícil foi conseguir alinhar a comunicação a respeito do universo narrativo da franquia e
suas possibilidades de expansão, que não eram compreendidas pelos detentores do projeto em
si.
Figura 10. Franquia de filmes, Piratas do Caribe
Fonte: Site Formiga Elétrica24
23
Disponível em: <https://starlightrunner.com/portfolio-items/pirates-of-the-caribbean-brand-essence-creativeguidelines-transmedia-extension/>. Acesso em: 23 jul. 2018.
24
Disponível em: <https://formigaeletrica.com.br/cinema/artigos/ranking-piratas-do-caribe/>. Acesso em: 18
ago. 2018.
41
Pensando na gestão de conteúdo multiplataforma, o storyteller (contador de histórias)
multiplataformas e, também, um dos pioneiros em gestão de projetos transmídia, o inglês
Robert Pratten criou e desenvolveu um software para integração de histórias em várias mídias.
Denominado Conducttr25, é utilizado para organizar todas as tarefas de desenvolvimento,
implementação, teste e monitoramento da execução de um determinado projeto. Em 2011,
Pratten lançou o livro, Getting Startedin Transmedia Storytelling, um guia prático para o
desenvolvimento de entretenimento interplataformas. Para Pratten:
[...] transmedia storytelling significa contar uma história através de vários
meios de comunicação e, de preferência, embora nem sempre aconteça, com
um grau de participação, interação ou colaboração do público. (PRATTEN,
2011, p.11).
Pratten também reforça que a interação com a audiência é crucial para um conteúdo que
pretende atingir o maior número de pessoas por meio do uso de diversas plataformas de
mídias.
Na mesma linha de Hayes e Pratten, o produtor e diretor brasileiro Nuno Bernardo escreveu
dois livros sobre produção transmídia: The Producer’s Guide to Transmedia, publicado em
2011, e, posteriormente, em 2014, Transmedia 2.0, ambos com o objetivo de demonstrar aos
produtores e aspirantes a produtores transmídia o “como fazer” na prática, sempre seguindo
alguns princípios conceituais estratégicos e técnicos, sobretudo o de manter o engajamento
com a audiência, principal responsável pelo prolongamento de um projeto transmídia.
Os guias apresentados por estes profissionais podem ser aplicados a qualquer projeto, porém,
é necessário observar e estudar as necessidades de cada história a ser contada, respeitando seu
contexto social e cultural. Nesse sentido, é importante que cada produção desenvolva sua
bíblia, seu planejamento de produção conforme suas especificidades. Observando esse
contexto no Chile, a Faculdade de Comunicações da PUC26, por meio do programa Acción
Audiovisual, desenvolveu, com a participação de diferentes pesquisadores e profissionais do
mercado, um guia para produções multiplataformas intitulado Guía para la Producción y
Distribuición de Contenidos Transmedia para Multiples Plataformas (2012). Trata-se de uma
ferramenta de informação estratégica e metodológica com o intuito de contribuir com
empresas audiovisuais de conteúdo chileno, incorporando-as aos novos modelos de negócios
com maior competitividade de mercado.
25
Disponível em: <https://www.conducttr.com/>. Acesso em: 22 jul. 2018.
Disponível em: <https://www.uc.cl/>. Acesso em: 23 jan. 2019.
26
42
O que há em comum entre os guias práticos apresentados aqui e as orientações conceituais
explanadas por Kinder, Laurel e Jenkins é que, sem a participação do público, usuário,
consumidor ou audiência, não há interação e, tão pouco, possibilidades de expansão narrativa.
Em suma, a narrativa transmídia pode ser aplicada a inúmeros projetos audiovisuais de
diferentes gêneros e vertentes, inclusive como uma importante ferramenta de marketing
digital, mas, para que sua aplicação obtenha sucesso, é necessário que seu planejamento esteja
alinhado com o entendimento de que, em tempos de convergência e de pós-convergência,
quem, de fato, determina se o projeto gera o interesse e o consumo esperado é a audiência.
1.3 A sociedade em rede e a cultura participativa
Segundo O’Relly (2005), são sete os princípios básicos da web 2.0: 1) a World Wide Web
como plataforma de trabalho; 2) o reforço da ideia de inteligência coletiva; 3) a gestão de base
de dados como competência primária; 4) a constante atualização gratuita dos dados e dos
serviços disponíveis na rede; 5) a utilização de modelos de programação rápidos e a busca da
simplicidade; 6) software não limitado a um único dispositivo; 7) o valor agregado das
experiências dos internautas. Portanto, esse quadro tecnológico traz consigo o surgimento de
outro sujeito que potencialmente pode participar de modo ativo na construção da significação
em rede.
A internet e a expansão das novas tecnologias a partir da web - definida por Hakim Bey, em
seu livro, Zona Autônoma Temporária – TAZ (1985) como uma estrutura aberta, alternada e
horizontal de troca de informações, em oposição à internet, que seria hierarquizada e elitizada
(a totalidade de todas as transferências de informações e de dados) –, contribuíram
relevantemente para que movimentos sociais antes sem voz desenvolvessem seus próprios
veículos e ferramentas de comunicação independente. Shirky (2010) destaca esse avanço
como algo fundamental para a participação social.
Num histórico piscar de olhos, passamos de um mundo com dois modelos
diferentes de mídias - transmissões públicas por profissionais e conversas
privadas entre pares de pessoas - para um mundo no qual se mesclam a
comunicação social pública e a privada, em que a produção profissional e a
amadora se confundem e em que a participação pública voluntária passou de
inexistente para fundamental. Esse foi um grande negócio, mesmo quando as
redes digitais eram utilizadas apenas por uma elite de cidadãos abastados,
mas agora está se tornando um negócio muito maior, já que a população
conectada se espalhou globalmente e cruzou a marca de bilhões. (SHIRKY,
2010, p. 186).
43
As pessoas, de modo geral, se reúnem em grupos e, por meio desses grupos, criam redes que
conversam entre si, compartilhando e, trocando conteúdos afins. Esse conceito de
sociabilidade é [...] “a capacidade humana de estabelecer redes, através das quais as unidades
de atividades, individuais ou coletivas, fazem circular as informações que exprimem seus
interesses, gostos, paixões, opiniões [...]”. (BAECHLER, p. 65-66). A pluralidade da
sociedade em rede como um todo se desvincula cada vez mais dos meios de comunicação de
massa e seus grandes conglomerados de mídia para se tornar mais independente e
participativa.
A comunicação de massa baseia-se em redes horizontais de comunicação
interativa que, geralmente, são difíceis de controlar por parte de governos ou
empresas. [...] a comunicação digital é multimodal e permite a referência
constante a um hipertexto global de informações, cujos componentes podem
ser remixados pelo ator comunicativo [...] a auto comunicação de massa
fornece a plataforma tecnológica para a construção da autonomia do ator
social, seja ele individual ou coletivo, em relação às instituições da
sociedade. (CASTELLS, 2013, p.15).
Deste modo, entende-se que O’Relly, Bey, Baechler e Castells pretendem dizer, em seus
estudos e análises do comportamento social a partir do surgimento das novas tecnologias, que
a figura participativa do usuário sempre será de suma importância no período em que
vivemos. Pois, é a partir dessa participação da sociedade diretamente conectada aos meios que
surge a redemocratização de seu processo de interação e articulação entre diversos grupos ou
comunidades, ampliando novos modelos de trabalho e modificando a estética de consumo de
conteúdos em geral. Atualmente, pressupõe-se que estar conectado e participando ativamente
de algo virtual é, também, um modo de se engajar socialmente. Nos casos mais específicos de
caráter social, é um modo moderno de se exercer a cidadania e ocupar novos espaços urbanos.
A convergência digital fornece a base estrutural que é necessária a qualquer movimento
participativo. Castells descreve a sociedade em rede como, “uma sociedade caracterizada pela
primazia da morfologia social sobre a ação social.” (CASTELLS, 1999, p.497). Para ele:
É constituída por redes de informação que processam, armazenam e
transmitem informação sem restrições de distância, tempo ou volume. Esta
nova forma de se entender o desenvolvimento da sociedade se baseia no
fenômeno da globalização e do crescente desenvolvimento da internet como
um todo (CASTELLS, 1999, p.91-99).
Uma sociedade conectada faz um grande intercâmbio de ideias e conhecimento,
possibilitando a criação e compartilhamento de novos conteúdos. Todas as áreas do mundo
44
globalizado, de alguma maneira estão atreladas a essa convergência, que traz novas
possibilidades e novos formatos de consumo. Trata-se de consumidores de conteúdo
distribuídos em diferentes seguimentos. Logo, as redes, de maneira geral, constituem nossa
visão de mundo e estão, cada vez mais, pautando nossas ações, ainda que direcionadas, em alguns
aspectos, pela lógica capitalista destacada por Castells (1999).
Ao descrever o conceito de cultura participativa em seu livro Cultura da Convergência,
Henry Jenkins (2009) diz que a convergência dos meios de comunicação em múltiplas
plataformas vai além da tecnologia, pois, para que isto aconteça, é preciso uma transformação
cultural na cabeça dos consumidores. Cabe ao consumidor construir a própria história e a
fragmentar de acordo com seu cotidiano.
A expressão cultura participativa contrasta com noções mais antigas sobre a
passividade dos espectadores dos meios de comunicação. Em vez de falar
sobre produtores e consumidores de mídia como ocupantes de papéis
separados, podemos agora considerá-los como participantes interagindo de
acordo com um novo conjunto de regras, que nenhum de nós entende por
completo. (JENKINS, 2009, p. 30).
Jenkins destaca, ainda, que cada consumidor recebe a informação de forma individual e
participa de acordo com sua cultura emergente. Por isso, um conteúdo midiático pode ser
compartilhado de acordo com a cultura, a comunidade e o modo de participação do indivíduo,
independente da sua posição geográfica, graças à mudança do processo de comunicação, que
sai da distribuição para a circulação. Este modelo aumenta a participação do público, que já
não é mais visto apenas como um consumidor, mas como personagem que pode moldar
compartilhar e remixar o conteúdo publicado pela mídia. Entretanto, não se deve atrelar a
força da cultura participativa somente ao advento da internet, mas também à convergência das
mídias digitais, que possibilitou esse movimento de mudanças na estrutura midiática atual.
Observando esses movimentos, mesmo quando vivenciamos, nas redes sociais, o
compartilhamento de spoilers27 sobre séries ou filmes por fãs, de modo individual ou em
grupos, eles estão contribuindo diretamente para a visualização dessas informações e
viabilizando sua promoção “gratuita”.
A cultura participativa pode ser vista como um reflexo dessa sociedade de rede, definida
também como sociedade da informação (CASTELLS, 1999). Tais características fomentam
27
Do inglês para (aquele que estraga) define revelações de fatos importantes da trama de obras como filmes,
televisão, livros e jogos, que, na maioria das vezes, prejudicam ou arruínam a apreciação de tais obras pela
primeira vez.
45
não somente o consumo como principal retrato dos tempos hipermodernos (CHARLES e
LIPOVETSKY, 2004). A digitalização da interação social faz-se integralmente presente no
cotidiano da sociedade contemporânea e invade a grande tela misturando ficção e realidade,
no entanto, tal formato de entretenimento parece satisfazer um público cada vez mais carente.
[...] indivíduos hipermodernos mais informados e mais desestruturados, mais
adultos e mais instáveis, menos ideológicos e mais tributários das modas,
mais abertos e mais influenciáveis, mais críticos e mais superficiais, mais
céticos e menos profundos. (CHARLES e LIPOVETSKY, 2004, p.27-28).
No livro Cultura da Conexão, escrito por Jenkins, Ford e Green (2014), relata-se que a cultura
da participação evolui, tal qual os cidadãos, e, assim, começam a surgir novos
comportamentos e ações na rede devido ao marketing, ciências políticas, estudos culturais,
educação, antropologia e digitais. A publicação apresenta cinco novos aspectos: (i)
observações versus participação periférica; (ii) resistência versus participação; (iii) audiência
versus público; (iv) participação versus colaboração; (v) ouvir versus escutar. Jenkins chama
de observações versus participação periférica, o fato de muitos consumidores interagirem
observando o que acontece na rede e não criando o seu conteúdo. Esse é um público adulto, e
sua forma de contribuir é compartilhando e curtindo conteúdos. O grupo resistência versus
participação são aqueles resistentes à indústria midiática convencional, com receio das ações
participativas dos cidadãos, com medo dos possíveis resultados a serem alcançados. Para
explicar a audiência versus público, Jenkins usa os termos fãs e fandoms.
Os fãs são indivíduos isolados, que compartilham e criam grupos de discussão sobre um
determinado assunto de seu interesse; e os fandoms são grupos de pessoas que fazem, de um
determinado assunto, um coletivo. A participação versus colaboração é uma relação mais
complexa, cria novas oportunidade e ferramentas, quebra a regra e está mais próxima do setor
corporativo devido a sua atuação. É visível que as grandes produtoras de cinema observam
com grande interesse as atividades dessas comunidades de participação, dando-lhes mais
destaque e voz, adequando-se a esse fenômeno trazido pela evolução tecnológica e
comunicacional, no qual a sociedade, de um modo ou de outro, busca ser incluída.
A participação é vista como uma parte normal da operação de mídia, e os
debates atuais giram em torno das condições dessa participação. Assim como
o estudo da cultura dos fãs nos ajudou a compreender as inovações que
ocorrem às margens da indústria midiática, podemos também interpretar as
estruturas das comunidades de fãs como a indicação de um novo modo de
pensar sobre a cidadania e colaboração. (JENKINS, 2009, p. 314)
46
Essa colaboração à qual Jenkins se refere está diretamente relacionada às possibilidades de
engajamento que determinado projeto audiovisual disponibiliza a essa nova modalidade de
espectadores, que estão cada vez mais interatores.
O nome “interator” evoca na raiz de seu significado, a ideia de um “ator”
que “interage” com algo. Como é um termo muitas vezes ligado a um
cenário de tecnologia, a ideia de interator pode parecer – em um primeiro
momento – unicamente ligada ao universo dos jogos eletrônicos. Mas
devemos pensar em todas as possibilidades interativas em múltiplas
plataformas digitais. (MASTROCOLA, 2012).
Logo, essa interação está presente nos projetos multiplataformas dos quais a narrativa
transmídia faz parte, possibilitando a sua audiência uma experiência ampla e imersiva, não se
limitando às tramas lineares tradicionais.
Interatividade, ao contrário da proposta da mídia tradicional, incentiva o
usuário a se mover, interagir e se comunicar. Mas, acima de tudo, a
interatividade é capaz de possibilitar a geração de uma nova e diversificada
resposta em relação à intenção de produção. (PALMA, 2017, p. 78).
Logo, essa interatividade aparece na existência de múltiplos sistemas de retorno dinâmico,
imediato e global. Em uma modalidade, básica ela pode assumir a forma de pesquisas online,
avaliação de conteúdo, comentários ou votos. No entanto, existem modelos mais complexos
de participação do público, como a elaboração do enredo de uma série televisiva; a seleção de
uma determinada câmera durante a transmissão de eventos esportivos; ou um jogo de futebol
em um videogame, onde as opções de cada jogador são múltiplas. Pensando nessa
abrangência de público, muitos produtores, artistas e estudiosos estão aplicando, na prática, o
conceito transmídia para obtenção de engajamento em seus projetos, que podem objetivar
tanto o entretenimento (séries de animação, campeonatos esportivos filmes ou webséries)
quanto o acesso à informação (documentários de não ficção e reportagens), ou mesmo o
retrato de determinada sociedade a partir de seu contexto ou realidade vivida em um dado
momento da história.
[...] a todo o circuito cultural em que o consumidor produtivo se engaja é
preciso descobrir o perfil social destes consumidores, identificar a frequência
e a motivação dos consumidores em participar da produção midiática, levar
em consideração tanto as estratégias persuasivas das corporações de mídia
em cooptar ou censurar as práticas produtivas dos consumidores, quanto as
possíveis táticas de apropriação e dissenso dos consumidores em relação aos
produtos comerciais são apenas algumas das preocupações mais básicas que
47
devem ajudar a organizar estudos de casos específicos, contextualizados, que
levem em consideração todas as particularidades das mídias envolvidas e do
próprio envolvimento dos consumidores com estes veículos. (MAZETTI,
2009, p. 12).
Cada cultura retrata sua sociedade de modo que sua mensagem consiga ser passada e
experienciada a contento. O presente estudo passa não só pela conceituação histórica do uso
da narrativa transmídia no audiovisual e sua aplicabilidade prática, explanando exemplos
massivos e mais conhecidos de produções diversas, mas também busca expor as
particularidades de cada sociedade, destacando as produções latino-americanas que se
adaptaram a essa transformação do audiovisual contemporâneo, apresentando seu modo de
fazer transmídia a partir de suas especificidades culturais e sociais.
48
2. A TRANSMÍDIA NA AMÉRICA LATINA: um estudo dos projetos audiovisuais da
Argentina, Brasil, Chile e Colômbia
Diferente das grandes produções hollywoodianas, cujo foco é mais voltado para a indústria, os
países latino-americanos têm se destacado por suas produções ligadas diretamente aos
contextos sociais em que se encontram, visto que, entre países como a Argentina, Brasil,
Colômbia e Chile, as situações são bem parecidas no que tange a temas de interesse comum –
violência, meio ambiente, política, economia e outros. Logo, trata-se de uma sociedade que
busca por auto representação.
A melodramatização da vida cotidiana nas formas ficcionais de
representação permitiu gerar uma espécie de perfil narrativo apropriado do
México para a Argentina, através da Colômbia, Peru, Brasil, entre outros,
mas que, em seu processo de transição para um cenário globalizado, é
permeada por arquétipos que devem ser inseridos em outras áreas,
permitindo até mesmo o entrosamento da "América Latina" em busca da
integração em novos mercados. (GUZMÁN, RAMÍREZ e LONDOÑO,
2015, p. 130-131)
.
Diante das possibilidades que a convergência dos meios de comunicação e as novas
tecnologias nos trazem, torna-se cada vez mais necessário o desejo desses países contarem
suas histórias, ainda que seu principal objetivo não seja o de ultrapassar as fronteiras
internacionais ou comerciais. Mas, contudo, engajar o meio em que vivem, fazendo com que
seus cidadãos ocupem o seu lugar no meio físico (real) ou virtual (rede), tornando-se parte de
um todo.
O lugar da cultura na sociedade muda quando a mediação da tecnologia de
comunicação deixa de ser apenas instrumental para engrossar, densificar e
tornar-se estrutural: o que a tecnologia mobiliza e catalisa hoje não é tanto a
novidade de alguns dispositivos, mas novos modos de percepção e da
linguagem, novas sensibilidades e escritos. (MARTIN-BARBERO, 2003, p.
25).
Barbero destaca os novos modelos de percepção e linguagem no formato atual de
comunicação. A narrativa transmídia inclui a interação entre quem produz o conteúdo e quem
o recebe, logo, entende-se que é preciso repensar os modelos de produção tradicional para dar
espaço a novas experiências. Nesse sentido, o presente estudo traz quatro projetos distintos,
produzidos em países específicos, que encontraram, no uso da transmídia, um modo inovador
de contar histórias a suas respectivas sociedades, fazendo com que elas participassem e
ocupassem a posição de protagonista das mesmas.
49
2.1 Argentina
2.1.1 Mujeres en Venta
Produzido em 2015, Mujeres en Venta (em português, Mulheres à Venda)28 é um
documentário transmídia de não ficção (Documedia – Jornalismo Social Multimídia da
Universidade Nacional do Rosário, Argentina)29 que visa expor histórias narradas por
mulheres vítimas de tráfico para exploração sexual. A construção da narrativa é embasada a
partir da legislação argentina, que identifica, no crime de tráfico de pessoas, a captura das
vítimas, sua transferência de um local para outro e exploração, o processo de resgate e
reintegração das vítimas à família e à vida social. Segundo Anahí Lovato, roteirista transmídia
do projeto:
A produção de conteúdo no campo da não ficção, em geral, e do jornalismo,
em particular, nos convida a pensar criativamente nossas histórias e sua
distribuição a partir do uso de vários idiomas, canais e telas conectadas
disponíveis no ambiente para (re) criar e ressignificar nossas práticas de
mídia para a experimentação e inovação narrativa. (LOVATO, 2015, p.61).
Para o projeto Mujeres en Venta, Anahí destaca o uso do guia do produtor australiano Gary P.
Hayes (How to write a transmedia production bible: A template for multiplatform producers)
como base estrutural do desenho de produção transmídia, porém respeitando o contexto e
realidade do projeto. Em entrevista30 concedida para este estudo, o produtor e diretor
Fernando Irigaray deixa claro como o projeto foi pensado para múltiplas plataformas de
mídia:
[...] nós temos outro perfil que é muito mais de narrativa espacial, que tem a
ver mais com a ideia de entender a ecologia dos meios, onde se reúne todos
os meios incluindo digitais e analógicos, os quais se cruzam e de como se
conectam as interfaces [...] (IRIGARAY, 2019, p. 111).
Pensando nesta concepção de espaço e território, Irigaray aponta a necessidade de intercalar
interfaces digitais e analógicas, promovendo a expansão narrativa a partir da peça principal.
Deste modo, o projeto utiliza tanto as mídias tradicionais como as digitais, também
conhecidas como “novas mídias”. O universo transmídia dessas histórias (storyworld) aparece
em uma experiência real vivenciada pelas protagonistas. O projeto tem sua narrativa
expandida por várias plataformas, entre elas um webdocumentário (documentário multimídia
28
Tradução livre.
Disponível em: <http://www.documedia.com.ar/mujeres/universotransmedia.html>. Acesso em: 24 jan. 2019.
30
Transcrição da entrevista na íntegra no Apêndice B.
29
50
interativo), no qual a audiência é estimulada a participar da tarefa de difundir e relatar fatos ou
pistas que possam estar ligadas ao tráfico de seres humanos para fins de exploração sexual.
Na figura 11, é possível aferir como se apresentou o esquema de mídias e conexões temáticas
desenhadas por Anahí Lovato.
Figura. 11 Primeiro Esquema de mídias e conexões do Projeto, Mujeres en Venta
Fonte: LOVATO, 2015, p. 42
No artigo Del Periodismo Multimedia al Periodismo Transmedia: Guiones para pensar
nuevas narrativas, de Anahí Lovato, ela explana de modo detalhado como se deu o processo
de produção de cada peça criada em Mujeres en Venta a partir do universo principal.
● Webdoc (documentário interativo): a história está organizada em cinco capítulos
(Captura, Rotas do Tráfico, Exploração, Resgate e Envolvimento), através dos quais o
público pode aprender com as histórias das vítimas do tráfico, juntamente com
51
testemunhos de especialistas, militantes, funcionários e membros de organizações que
lutam pela erradicação desse tipo crime. O webdoc também convida sua audiência a
participar da tarefa de disseminar e denunciar fatos que possam estar ligados ao tráfico
de pessoas para fins de exploração sexual.
Durante o mês de maio de 2015, quatro vídeos de cinco minutos foram transmitidos no Canal
3 de Rosário, Argentina. O primeiro micro documentário para TV é intitulado, Vítimas e se
concentra na apresentação das histórias de mulheres que passaram por exploração sexual em
redes de tráfico. Prostíbulos é o título do segundo micro. Ele aborda as características dos
locais onde as vítimas foram submetidas a esse tipo de crime. O terceiro micro, chamado de
Redes, procura mostrar o funcionamento das organizações criminosas distribuídas no país.
Finalmente, Proxenetas, a quarta peça desta série, mostra claramente a relação de poder e
violência de gênero exercida pelos exploradores, os clientes e seus cúmplices.
● Série em Quadrinhos (impressa e digital)31: a história de Sofia é interessante porque
é baseada em algo que aconteceu. O roteiro recupera as informações da sentença
judicial de um caso julgado em Rosário no ano de 2012. De acordo com Irigaray,
houve uma quarta vítima que foi raptada no limite entre a Argentina e o Uruguai. Ela
foi levada para trabalhar como prostituta em um bordel na província de Bueno Aires e
depois encontrada, já na cidade de Rosário muito assustada sendo colocada sob
medida protetiva das autoridades. Logo, não poderia ser filmada ou fotografada,
inviabilizando sua participação no documentário. Desse modo, o que dava para fazer
era um relato escrito como uma crônica. Tomando como exemplo os quadrinhos
jornalísticos utilizados em Barcelona durante a guerra civil espanhola, a série de cinco
capítulos que conta a história de Sofia é considerada, por seus produtores, um modo
interessante de usar o documentário gráfico.
Foi pensada mais como uma experiência experimental em um formato com o
qual não tínhamos muita intimidade. Porém, pensamos em um formato que
teria muito mais impacto, então usamos para que fosse publicada no jornal
da cidade, no diário de domingo onde, os leitores têm idade de trinta e cinco,
quarenta ou cinquenta anos. (IRIGARAY, 2019, p. 114)
31
Disponível em: <www.documedia.com.ar/mujeres/universotransmedia.html>. Acesso em: 14 jan. 2019.
52
A série "Mujeres en Venta | Jornalismo em vinhetas" foi publicada com a edição semanal de
El Eslabón. O primeiro capítulo em papel acompanhou a edição de, 07 de março. Os
quadrinhos também estão disponíveis em formato digital, para ler e baixar nessa seção.
Figura 12. Histórias em Quadrinhos
Fonte: Documedia
● Realidade Aumentada: partindo para uma ação de marketing nos territórios,
cruzando a mídia tradicional com a digital, foram feitas algumas ações em vias
públicas da cidade, como o uso de cartazes com função interativa através de realidade
aumentada, assumindo a territorialidade como uma instância possível para a narrativa
central. Essas publicações escondiam uma mensagem em realidade aumentada em que
os transeuntes podiam descobrir mais sobre ela baixando um aplicativo em seus
dispositivos móveis.
53
Figura 13. Captura de tela do vídeo que mostra as impressões gráficas em Realidade Aumentada
Fonte: Documedia
A campanha realizada nas ruas incluiu 75 cartazes do documentário transmídia distribuídos
em toda a cidade de Rosário. A proposta dos cartazes visava envolver os cidadãos na luta
contra o tráfico. Além disso, uma peça de vídeo foi criada usando técnicas de motion
graphics32.
● Led em via pública: no âmbito do documentário transmídia, diferentes mensagens
foram produzidas para diferentes contextos. Neste sentido, para a campanha territorial,
foram desenvolvidos vídeos curtos criados para serem projetados em telas de
ledindoor e outdoor. Uma das telas escolhidas está localizada na esquina da Avenida
Pellegrini com a Avenida Paraguai – o cruzamento de duas ruas movimentadas, com
grande fluxo de carros, pedestres e linhas de transporte urbano – em Rosário.
32
Traduzido do inglês, os gráficos em movimento são pedaços de imagens ou animações digitais que criam a
ilusão de movimento ou rotação e geralmente são combinados com áudio para uso em projetos de
multimídia. Disponível em: <https://en.wikipedia.org/wiki/Motion_graphics>. Acesso em: 24 fev. 2019.
54
Figura 14. Captura de tela do vídeo sobre as divulgações em Led
Fonte: Documedia
A peça também foi projetada em telas de led internas, localizadas nos corredores de compras
do Alto Rosario. Aproveitando o contexto de consumo próprio do shopping, a mensagem do
vídeo apontava para o fato de que as redes de tráfico e seus “clientes” consideravam as
mulheres como mercadoria. Irigaray aponta que “a proposta foi interessante porque passamos
a ideia da venda da mulher a partir do QR Code33 como se fosse um leitor de código de
barras, como em um mercado. Algo que deixou o público impressionado.” (IRIGARAY,
2019, p. 106). O objetivo da proposta era induzir o público a procurar saber mais sobre a
história, algo que, de fato, aconteceu.
33
Sigla do inglês Quick Response (reposta rápida em português) é um código de barras bidimensional que pode
ser facilmente escaneado usando a maioria dos telefones celulares equipados com câmera. Disponível em:
<https://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%B3digo_QR>. Acesso em: 27 fev. 2019.
55
Figura 15. Captura de tela da campanha de led feita no Shopping Mall da cidade de Rosário
Fonte: Documedia
● Locuções de rádio e TV: as locuções para rádio e televisão foram projetadas com o
objetivo de criar consciência em torno do problema do tráfico de pessoas para fins de
exploração sexual, contribuir para a prevenção do crime e incentivar as pessoas a
relatarem situações ligadas ao tráfico. Estas são pequenas peças de comunicação
emitidas pela Rádio Universidade, estações FM da cidade de Rosário e Canal 3 de
Rosário – um canal aéreo da cidade de Rosário que, graças aos seus repetidores, atinge
a população do sul de Santa Fé, ao norte da Província de Buenos Aires, parte de
Córdoba e Entre Rios, logo, uma ampla área de alcance na Argentina.
● Mapa interativo: um mapa colaborativo aberto, em atualização permanente, onde
todos os usuários podem adicionar dados em relação ao crime de tráfico de pessoas
com fins de exploração sexual. A proposta é de visualizar as informações do mapa
sobre mulheres desaparecidas, mulheres resgatadas e lugares – como bordéis e outros
estabelecimentos – que trabalham com a exploração sexual. Embora a adesão do
público não tenha sido significativa, é útil como um recurso de mapeamento da
Argentina, pois mostra casos que ocorreram em decorrência de certas relações ou
suspeitos. Com essa ideia de ferramenta aberta, “só recebemos uma única denúncia
que não deu muito certo e não funcionou. Às vezes, por questões narrativas das
56
plataformas, é necessário saber bem sobre o tema que se está trabalhando [...]”.
(IRIGARAY, 2019, p. 108).
Figura 16. Captura da página, Mujeres en Venta e como colaborar com o mapa interativo 34
Fonte: Documedia
● Documentário para TV: é um documentário de 26 minutos que foi transmitido no
Canal 3 da cidade de Rosário. Intitulado Histórias Silenciosas, foi onde o público
pôde conhecer cada uma das protagonistas da história narrada em primeira pessoa, em
uma proposta carregada de emoções. De acordo com Irigaray, essa disponibilização na
TV foi importante porque, nos meios locais da cidade de Rosário, não haveria outro
modo de se ter acesso a esse projeto se não pela exibição na televisão.
34
Disponível em: <https://mujeresenventa.crowdmap.com/>. Acesso em: 24 já. 2019
57
Figura 17. Captura de tela do Documentário para TV
Fonte: Documedia
● Livro multiplataforma: publicação onde foram compiladas as experiências de
organizações governamentais e não governamentais que trabalham na assistência,
resgate e reintegração social das vítimas de tráfico de pessoas para fins de exploração
sexual em todo o país.
Com base no trabalho coletivo, o livro ¿Qué pasa después? Aportes y desafíos para la
construcción de derechos de víctimas de trata y explotación sexual (2015) reúne as vozes de
diferentes atores envolvidos no campo da assistência às vítimas do tráfico de pessoas para fins
de exploração sexual. Os textos nele organizados foram escritos por funcionários
especializados de diferentes órgãos do Estado, profissionais e membros de Organizações Não
Governamentais (ONGs), atores políticos e judiciais. A multiplicidade de vozes se reflete na
heterogeneidade dos registros narrativos, que procuram desenvolver contribuições com base
em caminhos concretos, em direitos de construção violados neste relevo, destacando os
desafios em curto prazo que toda sociedade deve assumir a fim de ganhar espaço para a
construção de horizontes de possibilidade para as vítimas resgatadas.
58
Figura 18. Capa do Livro
Fonte: Documedia
Figura 19. Captura de Teça dos Microvídeos para TV
Fonte: Documedia
59
Movisodeos: são vídeos curtos, com duração de até 3 minutos, projetados para serem
consumidos em um dispositivo móvel, a qualquer hora e em qualquer lugar. A série
consiste em cinco vídeos que abordam questões como: as formas de fraude e recrutamento
de vítimas (movisodio 01: Enganadas); o julgamento de Marita Veróne e a luta de Susana
Trimarco (movisodio 02: 13 anos sem Marita); o debate entre posições abolicionistas e
reguladoras sobre a prostituição (movisodio 03: Os rostos do problema); a exploração
sexual narrada em primeira pessoa (movisodio 04: Exploradas) o problema da
reintegração social das mulheres resgatadas (movisodio 05: Voltando pra casa) e o lugar
da educação sexual na luta contra o tráfico (movisodeo 05:). Os moviodios estrearam em
série, no YouTube e através das redes sociais do projeto.
Figura 20. Captura de tela do Movisodeo
Fonte: Documedia
●
Fotografias: foi feito um registro documental da produção de conteúdos que
compõem o universo transmídia de Mujeres en Venta. A galeria de fotos é atualizada à
medida que as linhas narrativas da história do Documedia se desdobram em seus
diferentes suportes e plataformas.
60
Figura 21. Galeria de Fotos dos bastidores do projeto
Fonte: Documedia
● Mídias sociais: a estratégia de rede social foi projetada para estabelecer ligações entre
a mídia e a narrativa, chamar a comunidade para ação, compartilhar informações sobre
o tráfico na Argentina e distribuir conteúdo projetado especificamente para o Twitter
(@mujeressales) e Facebook (facebook.com/documedia.unr). Esse conjunto de mídias
foi solicitado em um cronograma de produção. Uma série também foi adicionada às
narrativas online e offline para apresentações em conferências, fóruns e workshops
para os quais a equipe era convidada.
[...] usamos as redes sociais, mas trabalhamos os conteúdos do tema como
uma espécie de militância social, o que nos trouxe várias participações em
lugares como Barcelona, escolas com adultos e crianças, públicos variados
que variavam entre, quinhentas, mil e dez pessoas. Porém, havíamos
programado, para o primeiro ano do projeto, ir a 30 lugares, mas acabamos
indo a 50 entre escolas, indústrias, organizações e empresas. Logo, se por
um lado trabalhamos com as redes sociais, por outro trabalhamos com um
micro público muito específico, nos fazendo retomar a ideia de cinema de
bairro, apresentando a produção e falando sobre o tema. Isso foi o que
ampliou e deu espessura ao conteúdo. [...] (IRIGARAY, 2019, p.112)
Além dessas redes, o YouTube também foi utilizado para distribuição e visualização dos
moviodeos. Para Lovato, é importante destacar que:
Em produções de Comunicação Multimídia, as redes sociais sempre
constituem o momento zero da narrativa. São os primeiros canais de
distribuição de conteúdo e cumprem, também, a função fundamental de
permitir a participação de usuários e o estabelecimento de ligações entre as
diferentes linhas narrativas. (LOVATO, 2015, p. 49).
61
Esse conjunto de mídias foi solicitado em um cronograma (figura 24) de produção, que
começou a ser executado em fevereiro de 2015.
Figura 22. Captura de Tela da conta de Mujeres en Venta no Twitter
Fonte: Twitter35
Figura 23. Captura de Tela da conta de Mujeres en Venta no Facebook
Fonte: Facebook36
35
36
Disponível em: <https://twitter.com/mujeresenventa?lang=es>. Acesso em: 24 fev. 2019.
Disponível em: <https://www.facebook.com/documedia.unr>. Acesso em: 24 fev. 2019.
62
Figura 24. Cronograma de uso das Multiplataformas de Mídia do projeto Mujeres en Venta
Fonte: LOVATO, 2015, p. 50
Cada uma das partes sincronizadas exigiu o desenvolvimento de um planejamento específico,
adaptado às características de cada meio. Para cada instância foi necessário pensar em
imagens, sons, diálogos, infográficos, desenhos animados e transições. Em relação às formas
de interação propostas à audiência de Mujeres en Venta,a produção decidiu incluir espaços
para públicos com diferentes graus de comprometimento com a narrativa.
No documentário transmídia, o engajamento do público pode ir da exploração e descoberta
através do compromisso de disseminar as histórias e multiplicar a circulação de mensagens
para participação ativa (exemplo, a denúncia) a contribuição da informação (colaboração)
para o enredo. Lovato ressalta, ainda, que, no salto do documentário multimídia em direção ao
documentário transmídia, houve a necessidade de reinventar metodologias para pensar e
produzir narrativas jornalísticas, já que a investigação ainda era o pilar fundamental do
processo. Porém, esse esforço os obrigou a pensar criativamente, olhar para a história no geral
e no particular, escrever (e reescrever) permanentemente – trabalhando em equipes e
documentos colaborativos (aberto e editável por todos os membros da equipe), desenhando
mapas, diagramas, tours, telas –, bem como a dar lugar à improvisação e colocar o ouvido na
audiência. Além da importância do tema, o projeto obteve uma boa repercussão social na
Argentina, porém, houve alguns desafios para a equipe, que foram enfrentados e reconhecidos
63
como aprendizado. Questionado sobre o porquê de fazer um projeto transmídia, Irigaray
afirma que o alcance de possibilidades desse tipo de produção é imensurável.
2.1.1.1 Dificuldades e desafios
Sobre o processo de execução do projeto foi necessário adaptar cada mídia a um contexto e
uso específico, superando algumas dificuldades de orçamento. Irigaray é enfático ao dizer
que, na Argentina, produzir transmídia não é algo fácil – o que se deve, especialmente, à falta
de linearidade da produção e à insuficiência de subsídios, atribuída, por sua vez, ao alto custo
demandado quando se produz uma obra transmidiática. Inclusive, ele aponta que os valores
ofertados pelos organismos que oferecem fundos para produções transmídia são menores do
que para fazer um programa de televisão – sem levar em conta que, quando se trata de desse
tipo de narrativa, há de se investir mais em multiplataformas. Segundo o diretor, no caso de
projetos muito longos, como esse, não é possível negociar todo o financiamento de uma vez, o
jeito é produzir por partes, por peças ou ações.
É muito raro conseguir fechar tudo, é preciso aprender a produzir por partes.
É uma questão de aprendizagem, esta questão da produção [...]. É necessário,
também, saber como planejar o storyboard, as etapas para o desenho e para
concepção da história. Essa combinatória é o que vai te ajudar a conseguir
financiamento para a produção. (IRIGARAY, 2019, p. 116).
Apesar de algumas dificuldades, o projeto contou com o apoio da Universidade Nacional do
Rosário, que é pioneira em narrativa transmídia de não ficção na Argentina. A mesma possui
um fundo da rede universitária para produções audiovisuais – usado, inclusive, na produção
do documentário para TV. O projeto ganhou, ainda, um prêmio em dinheiro do Fundo
Canadense para Iniciativas Locais37, além de outros prêmios de reconhecimento nacional e
internacional.
A obra toda levou dois anos para ser executada, sendo um ano dedicado ao desenvolvimento
do universo narrativo e suas expansões, mais um ano voltado para a execução e distribuição.
De acordo com Irigaray, o valor gasto foi de, aproximadamente, quarenta e cinco mil dólares.
Depois de Mujeres en Venta, a equipe de Documedia segue trabalhando nessa linha de
projetos, agora, desenvolvendo experiências imersivas com o uso de realidade virtual,
aumentada e outras tecnologias, sempre cruzando as interfaces digitais e analógicas,
proporcionando reflexões sociais e a ocupação de espaços e territórios urbanos.
37
Disponível em: <https://international.gc.ca/world-monde/country-pays/brazil-bresil/index.aspx?lang=eng>.
Acesso em: 21 jan. 2019.
64
Figura 25. Universo Multiplataforma de Mujeres en Venta
Fonte: Docmedia
65
2.2 Brasil
2.2.1 Precisamos Falar do Assédio
No Brasil, o uso da narrativa transmídia como recurso em produções audiovisuais ainda é
tímido e vai avançando à medida que os grandes e médios produtores entendem sua
importância em tempos de convergência e conectividade digital. Diferentemente do mercado
internacional, sobretudo norte-americano, onde o recurso é aplicado principalmente nas
franquias de filmes, o mercado nacional brasileiro tem apostado em produções seriadas, como
novelas, séries de ficção ou em séries de animação infantil. Porém, essa aplicabilidade é mais
recorrente em produtoras independentes, como a O2 Filmes38, que produziu, junto a Globo
Filmes39, a série Cidade dos Homens (Guel Arraes, 2002). Outro exemplo é Mira Filmes40,
responsável pela produção do documentário de não ficção Precisamos Falar do Assédio
(Carmem Maia, Gustavo Rosa de Moura e Paula Saccheta, 2016), que destaca o uso da
transmídia em uma abordagem de cunho social e informativo.
Precisamos Falar de Assédio é um documentário de não ficção que originou um longametragem e um website41. O projeto surgiu da repercussão, nas redes sociais, de uma
campanha sob as hashtags #meuprimeiroassedio, #meuamigosecreto e #agoraequesaoelas,
utilizadas, durante o mês de março, em comemoração ao dia internacional da mulher.
Conhecida como “primavera feminista”42, a movimentação das redes chamou a atenção das
produtoras do projeto, que acharam importante fazer um documentário que “registrasse essas
histórias e, mais que isso, que as tirasse das redes e ocupasse os espaços da cidade com o
tema” (Paula Sacchetta, 2016)43.
Durante o período da Semana da Mulher (de 7 a 14 de março de 2015), uma van-estúdio
(figura 26) visitou nove lugares em São Paulo (Largo Treze - Santo Amaro, Praça do Patriarca
- Centro, Cidade Tiradentes, Mooca e Av. Paulista) e no Rio de Janeiro (Morro do Vidigal,
Parque Madureira, Praça do Lido - Copacabana e Praça Sáenz Peña - Tijuca), passando pelo
centro das duas cidades, áreas nobres e periferias coletando depoimentos de mulheres vítimas
de assédio sexual. Dentro da van, as mulheres ficavam sozinhas para falar, sem qualquer tipo
38
Disponível em: <http://www.o2filmes.com/>. Acesso em: 12 jan. 2019.
Disponível em: <https://globofilmes.globo.com/>. Acesso em: 12 jan. 2019.
40
Disponível em: <http://mirafilmes.net/>. Acesso em: 12 jan. 2019.
41
Disponível em: <https://precisamosfalardoassedio.com/>. Acesso em: 12 jan. 2019.
42
Disponível em: <http://agemt.org/contraponto/2018/06/18/a-primavera-feminista-do-seculo-xxi/>. Acesso em:
25 jan. 2019.
43
Disponível em: https://precisamosfalardoassedio.com/>. Acesso em: 25 jan.2019.
39
66
de entrevistador ou interlocutor – a ideia era que se sentissem à vontade e contassem o que
quisessem. Sobre a captação dos depoimentos, Sacchetta44 diz que:
[...] era um documentário de dispositivo, é um documentário em que
decidimos respeitar as regras daquele espaço enquanto ela dava seu
depoimento. Ela estava sozinha dentro da van e ninguém estava vendo ou
ouvindo o que ela falava. Tinha uma pessoa da equipe vendo a imagem dela
pelo computador pra ver foco, e outro menino da equipe vendo as ondas de
som pra saber se estava funcionando, mas sem ouvir. Então, não sabíamos,
porque tinha esse momento íntimo, catártico de desabafo e etc. E daí eu só
fui ter contato com esse material na ilha de edição depois. (SACCHETTA,
2019, p.121).
Para chamar as pessoas a participarem voluntariamente do projeto, foi feita uma campanha de
marketing utilizando todas as mídias, desde as tradicionais às digitais, como chamada de
vídeo na TV durante a semana da mulher, o que levou alguns canais de TV a irem ao local do
projeto no Dia Internacional da Mulher (08 de março); trailers em cinemas, como no CineBelas Artes, por vários dias, dizendo onde a van estaria estacionada; anúncio em revistas,
jornal impresso e redes sociais do projeto (Facebook e Instagram).
Figura. 26. Captura de tela da vídeo chamada feita para as Redes Sociais e TV
Fonte: Facebook do Projeto45
44
Transcrição da Entrevista no Apêndice-B deste trabalho.
Disponível em: <https://www.facebook.com/precisamosfalardoassedio/videos/943403499070649/>. Acesso
em: 26 jan. 2019.
45
67
Figura. 27. Captura de tela da vídeo chamada feita para as Redes Sociais e TV com os locais de gravação
Fonte: Facebook do Projeto
Figura 28. Captura de tela da Reportagem feita durante a execução do projeto na cidade de São Paulo
Fonte: G146
46
Disponível em: <http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2016/03/van-recebe-depoimentos-de-mulheres-vitimasde-assedio-em-5-pontos-de-sp.html>. Acesso em: 25 jan. 2019.
68
Figura 29. Captura de tela do Instagram do projeto
Fonte: Instagram47
Figura 30. Mulheres perguntando sobre o projeto
Fonte: Site A mulher do Piolho48
47
Disponível em: <https://www.instagram.com/falardoassedio/?hl=pt-br>. Acesso em: 26 jan. 2019.
Disponível em: <https://amulherdopiolho.com.br/documentario-de-paula-sacchetta-revela-as-mulheres-portras-das-estatisticas-de-violencia-sexual-8b2b894b5925>. Acesso em: 09 fev. 2019.
48
69
A captura dos depoimentos foi feita em uma van-estúdio porque, de acordo com a produção
do projeto, era uma forma de qualquer mulher, em qualquer lugar, poder registrar seu
depoimento. A van permanecia estacionada, sempre em locais de grande circulação de
pessoas como terminal de ônibus ou de estação de metrô. Desse modo, a presença dessas
mulheres se deu de forma espontânea. As depoentes que preferiam não se identificar podiam
usar uma das quatro máscaras disponíveis, que representavam os motivos pelos quais elas não
queriam aparecer: medo, vergonha, raiva ou tristeza. Além disso, as suas vozes eram
distorcidas para não haver identificação.
Figura 26. Van-estúdio
Fonte: Paula Sacchetta/Divulgação49
49
Disponível em:<https://amulherdopiolho.com.br/documentario-de-paula-sacchetta-revela-as-mulheres-por-trasdas-estatisticas-de-violencia-sexual-8b2b894b5925>. Acesso em: 26 jan. 2019.
<https://artebrasileiros.com.br/page/33/?q=propaganda-gratis-tuum.com.br&n=6809&p=Revista>. Acesso em:
12 jan. 2019.
70
Figura 27. Máscaras do projeto, Precisamos Falar do Assédio
Fonte: Francisco Orlandi Neto50
Ao todo, 140 mulheres de 14 a 85 anos quiseram contar suas histórias, que vão desde cantadas
feitas por desconhecidos no transporte público ou na rua, até estupros cometidos por parentes
dentro da própria casa quando ainda eram crianças. O resultado é um volume com mais de
treze horas de material bruto. Vinte e seis depoimentos foram utilizados no longa-metragem
de 80 minutos, mas todos eles foram reunidos em um website, onde é possível assistir ao
relato de cada mulher na íntegra, sem cortes ou edição. Cada depoimento está relacionado a
filtros específicos, como tipo de assédio, quem assediou, onde aconteceu e quando aconteceu.
Durante a coleta de depoimentos na rua, foi aferido que o número51 das pessoas que entraram
na fila da van foi dez vezes maior: cerca 10.080, desse total, 70% eram crianças ou
adolescentes. E de acordo com 24,1% dessas crianças, os agressores foram os próprios pais ou
padrastos. Outros 32,2% contaram ter sofrido as violências de amigos ou conhecidos da
família.
50
Disponível em: <http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2016/03/van-recebe-depoimentos-de-mulheres-vitimasde-assedio-em-5-pontos-de-sp.html>. Acesso em: 12 jan. 2019.
51
Disponível em: <https://amulherdopiolho.com.br/documentario-de-paula-sacchetta-revela-as-mulheres-portras-das-estatisticas-de-violencia-sexual-8b2b894b5925>. Acesso em: 26 jan. 2019.
71
Figura 28. Captura de tela do site, Precisamos Falar do Assédio
Fonte: Mira Filmes
Segundo a diretora, Paula Sacchetta, a princípio, o projeto não tinha sido planejado para ser
transmídia, mas, devido ao grande número de participação durante a coleta dos depoimentos
nas ruas de São Paulo e Rio de Janeiro, o material, que superava o necessário para produção
do longa-metragem, dava espaço para uma extensão do produto principal, que surgiu com um
site interativo. Sem o uso de qualquer manual ou bíblia transmídia, tudo se deu de forma
muito experimental (SACCHETTA, 2019):
A ideia era só fazer um filme, pois a gente pensa muito com essa cabeça de
documentarista, voltada mais para cinema [...]. Com o fim de sete dias de
filmagem, já tínhamos cento e quarenta depoimentos, treze horas de material
bruto. Quando se faz uma campanha dessas, que fala para as mulheres
falarem, eu meio que me senti responsável, pois, falo para essas mulheres
que precisamos falar do assédio, elas falam e, então, vou escolher vinte e
poucas pra fazer um filme de oitenta minutos e vou fazer o que com o resto,
guardar num HD na produtora? Então, o projeto transmídia nasceu muito
mais daí, dessa necessidade de dar vazão, de fazer um novo produto que não
fosse só um filme [...] (SACCHETTA, 2019, p.122).
No mesmo site (ver figura 29), quem tiver e quiser contar sua história, também poderá gravar
e enviar seu depoimento. Depois de aprovado pela equipe de produção, ele ficará disponível
ao lado de outros relatos que foram gravados por meio da plataforma.
72
Figura 29. Captura de tela da área Fale! do menu de serviços do site do projeto
Fonte: Site52 do projeto,Precisamos Falar do Assédio
Uma das preocupações de Sacchetta com relação ao site era que ele não fosse muito duro ou
estático, mas que fosse algo dinâmico, em movimento, que gerasse o interesse do público não
somente em conhecer a plataforma, mas também em interagir com ela, enviando seu
depoimento, se assim desejasse, fazendo parte do projeto. Logo, trata-se de uma obra viva,
que permanece ativa. Graças a essa ação, Precisamos Falar do Assédio foi selecionado para o
maior festival de documentários do mundo, o IDFA (Internacional Documentary Film
Festival Amsterdam)53, que possui uma categoria para filmes transmidiáticos. Sobre essa
experiência, Sacchetta diz que foi uma surpresa inesperada, “você começar a ocupar esses
espaços, que normalmente são mais caretas e conservadores e tal, com projetos assim, e eles
estarem abertos a isso, é um sinal de que as coisas estão mudando e evoluindo”.
(SACCHETTA, 2019, p.120).
Um ponto importante dessa experiência transmídia – além de sua relevância social, que
caracterizava o momento em que o Brasil vivenciava na época – foi o retorno que o projeto
proporcionou a quem colaborou com sua produção, que, no caso, foram as vinte e seis
52
Disponível em: <https://precisamosfalardoassedio.com/#fale>. Acesso em: 26 jan. 2019.
Disponível em: <https://www.idfa.nl/en/info/over-idfa>. Acesso em: 22 jan. 2019.
53
73
mulheres que aparecem no longa de oitenta minutos. Sacchetta conta que, antes de finalizar a
pós-produção do longa, chamou todas as participantes para uma exibição do tipo cabine.
Eu fiquei em pânico nesse dia, porque eu passei seis meses editando o filme,
nós filmamos em março e era setembro e pensei: elas vão assistir e não vão
querer mais aparecer no filme. Bom, mesmo assim, eu sentia que devia isso
a elas, então, fizemos essa exibição na produtora pra elas e, depois do filme,
uma delas falou: “Obrigada!”. E, então, começou a conversa mais bonita que
eu já tive, até hoje, sobre esse filme. Uma delas falou assim: “Sabe aquela
teoria de criação do mundo, o big bang ali, que é uma explosão?”, “Sei”, eu
respondi. “Então, antes de dar o meu depoimento nesse filme, eu era tipo
uma poeirinha voando solta pelo espaço e, quando eu me choquei com essas
outras mulheres que estão aqui na sala, não que eu me choquei e virei mais
poeirinha ainda, a gente se chocou e criou um mundo novo, muito grande e
muito forte.” [...] Então, assim, eu acho que, só para ilustrar, que, quando eu
passo o filme, ou entro em uma sala, e ele está passando, eu penso:
“Socorro!” É uma sensação de tortura esse filme, e porque estou fazendo as
pessoas passarem por isso, mas, se eu não acreditasse no sentido dele ou
na possibilidade de mudança dele, ele não existiria. (SACCHETTA, 2019,
p.123).
O projeto ganhou vários prêmios no Brasil, passou por vários festivais e mostras nacionais e
internacionais, com exibição no Canal Brasil54(TV a cabo), nos serviços sob demanda do
canal Net Now55 e Videcamp56, além de contar com distribuição internacional da Women
Make Moovies57 (organização social feminista sem fins lucrativos, com sede em Nova York,
que é a principal distribuidora do mundo de filmes independentes realizados por e sobre as
mulheres). Também foi exibido no canal SBS58, da TV aberta da Austrália, que conta com
uma audiência média de 13 milhões de pessoas por mês. Precisamos Falar do Assédio não
possui outras extensões narrativas além do site, mas, de acordo com Sacchetta inspira futuros
projetos na mesma linha, como um novo documentário sobre masculinidade. Além disso, a
experiência transmídia possibilitou um novo formato de distribuição e consumo, gerando a
possibilidade de atingir mais pessoas e em qualquer lugar do mundo.
2.4.1.1 Dificuldades e desafios
A maior dificuldade, segundo Paula Sacchetta, foi alcançar uma identidade com movimento
para o site do projeto, pois a falta de conhecimento técnico em design de web dificultou um
pouco o processo de criação junto a um programador contratado para esse fim. Além de
54
Disponível em: <https://globosatplay.globo.com/canal-brasil/>. Acesso em: 12 jan. 2019.
Disponível em: <https://www.nowonline.com.br/>. Acesso em: 12 jan. 2019.
56
Disponível em: <https://www.videocamp.com/pt>. Acesso em: 22 jan. 2019.
57
Disponível em: <http://www.wmm.com/index.asp>. Acesso em: 12 jan. 2019.
58
Disponível em: <https://www.sbs.com.au/>. Acesso em: 12 jan. 2019.
55
74
entender a linguagem, o formato e que possibilidades eram viáveis de se transformar no
projeto, para ela, quem produz precisa “pensar na questão de produzir um conteúdo e querer
que ele seja conhecido e não guardado na gaveta”. Logo, para a diretora, não basta criar,
produzir e ter uma janela de distribuição tradicional – como, por exemplo, o cinema –, pois as
novas mídias digitais estão aí e devem ser usadas, sobretudo, para fomentar e disseminar
conteúdos relevantes como esse. Outro ponto importante é que o público do filme é
majoritariamente feminino, porém trata-se de um tema que afeta a todos. Em função da coleta
de depoimentos ter sido direcionada a mulheres vítimas de assédio sexual, pode haver a
impressão de que a obra foque tal público, Sacchetta, no entanto, ressalta que adoraria exibir
seu filme para uma plateia de cinco mil homens.
Figura 30. Imagem de Divulgação do projeto
Fonte: Site do projeto
75
2.3 Colômbia
2.3.1 Cuentos de Viejos
Cuentos de Viejos (ou, em tradução livre, Contos de Velhos) é uma série documental animada
criada para o canal público de TV Señal Colômbia59, em uma coprodução com as produtoras
HierroAnimación (Carlos Smith e Anna Ferrer)60e Piaggiodematei (Marcelo Dematei, Laura
Piaggio).61
A origem do projeto foi uma exposição de retratos animados, uma ação mais artística que
audiovisual realizada em 2011. Porém, quando seus produtores decidiram desenvolver uma
série, logo pensaram em transmídia. Segundo Laura Piaggio 62, coordenadora de plataforma
webfoi decidido o uso da transmídia pelas seguintes razões:
O documentário animado era um formato raro na época, e o público podia
ser incomum para um formato animado, então queríamos agregar valor ao
projeto da série. Anna Ferrer, na época produtora da Hierro, ouvira que as
emissoras de televisão poderiam se interessar por essa nova maneira de
pensar sobre projetos, incluindo janelas digitais e participativas. Eu era uma
especialista em audiovisual digital e interativo, então, pensamos que
tínhamos as habilidades para ter sucesso. Para melhorá-lo, nós nos
inscrevemos para o Pixel Lab, um laboratório de desenvolvimento de mídia
cruzada para o Power To The Pixel63, no Reino Unido. (PIAGGIO, 2019,
p.127).
Durante o desenvolvimento do projeto, não havia muita clareza sobre o uso de bíblia
transmídia, sendo assim sua execução foi efetuada de maneira orgânica e intuitiva. A série
trata de pequenas histórias cotidianas que são contadas por avôs e avós para seus netos e que
acontecem, muitas vezes, em eventos ou cenários históricos monumentais, como, por
exemplo, durante a Segunda Guerra Mundial, a Guerra Civil Espanhola ou a violência
bipartidária na Colômbia.
Para a realização do projeto, seria necessária a participação da audiência colombiana que, em
sua maioria, prefere a TV a outro meio de visualização de conteúdos. Interessado em
contribuir para uma atração televisiva, o público abraçou a proposta e usou a web para enviar
mensagens com suas anedotas.De acordo com Piaggio (2019), os dados móveis da Colômbia
– durante o período de produção da primeira temporada da série (2013) – eram insuficientes
59
Disponível em: <https://www.senalcolombia.tv/>. Acesso em: 26 jan. 2019.
Disponível em: <https://www.hierro.tv/>. Acesso em: 26 jan. 2019.
61
Disponível em: <http://piaggiodematei.com/en/home-2/>. Acesso em: 26 jan. 2019.
62
Transcrição da Entrevista na íntegra no Apêndice- D deste trabalho.
63
Disponível em: <http://www.creativeeuropeuk.eu/pixel-lab-cross-media-workshop>. Acesso em: 26 jan. 2019.
60
76
para o compartilhamento de vídeos, então a única opção era ir, pessoalmente, até onde as
pessoas estavam, levando uma equipe de filmagem para registrar essas histórias,
especialmente nas cidades menores da Colômbia.
Figura 31. Captura de tela do site de, Cuentos de Viejos64
Fonte: Site do projeto
A partir desses encontros físicos entre idosos e crianças, Piaggio e sua equipe perceberam o
potencial educacional do projeto, desenvolvendo ferramentas para trabalhar nas salas de aula
e, durante a terceira temporada, levaram a experiência para bibliotecas públicas em diferentes
regiões da Colômbia.
O aplicativo surgiu como uma necessidade, na terceira temporada (já
estávamos em 2016), de facilitar o envio de vídeos gravados com o mesmo
aparelho. Muitas pessoas tiveram problemas para baixar o vídeo para o
computador para enviá-lo na web, então um aplicativo que gravaria a
entrevista e a enviaria diretamente para os nossos servidores era um
facilitador. (PIAGGIO, 2019, p.128).
Os vídeos das entrevistas realizadas pela equipe de pesquisa passaram a fazer parte da
plataforma online, em fragmentos de até três minutos de duração. Devido à natureza
colaborativa da web, muitas das histórias publicadas são enviadas pelos próprios usuários. A
64
Disponível em: <http://cuentosdeviejos.com/>. Acesso em: 26 jan. 2019.
77
partir da web, a mídia e as informações são fornecidas para que os usuários gravem (com
câmeras ou dispositivos móveis) anedotas de infância contadas por pessoas mais velhas. Após
o processo de moderação efetuado pela produção, é possível compartilhar os vídeos na
plataforma. Todo esse conteúdo colaborativo é relacionado e agrupado por assunto, afinidade
ou área geográfica. Algumas histórias compartilhadas pelos usuários na plataforma são
transformadas em animações para a série de TV.
Figura 32. Captura de tela da página, Envía una historia
Fonte: Site de Cuentos de Viejos
Os temas são escolhidos por sua relevância originalidade e riqueza narrativa proporcionada
pelo protagonista, além da presença de um arco dramático apropriado e do seu potencial
plástico e estético. Existem pelo menos três elementos que fazem parte do projeto, como (i)
séries de TV,(ii) uma produção de animação de características muito particulares, realizadas
com o uso de diferentes técnicas de animação, que define um novo conjunto de personagens
para cada história e (iii) a premissa de criar um design de arte diferente para cada episódio.
Cuentos de Viejos não é uma série concebida como um produto audiovisual adequado para
qualquer mercado, mas faz parte de um projeto transmídia desenvolvido em torno da intenção
de provocar uma experiência. Uma rica e complexa experiência colaborativa, ligada à história
local e às pessoas que a vivenciaram e narraram; a quem a ouve, descobre e registra, ao
78
mesmo tempo, valores de relevância global, como é a reivindicação do diálogo
intergeracional; e ao envolvimento da comunidade na construção da memória coletiva. Desse
modo, segundo Piaggio (2019), cada plataforma foi projetada para sua função e seu público
específico:
●
a web foi para enviar e compartilhar histórias, então, foi uma ação pensada
especialmente para os mais jovens (filhos e netos), como ferramenta de participação;
●
o aplicativo foi projetado para os mais novos de todos (netos), isto é, adolescentes ou
jovens. Como ferramenta para gravar histórias (gravar entrevistas e enviá-las);
●
os eventos propõem uma experiência intergeracional (netos e avós) entre os dois
extremos do público, o mais velho e o mais novo;
●
a televisão era o formato mais geral (para todos os públicos), embora, na prática, os
jovens conhecessem o projeto online pela boca de quem estava assistindo à TV. A
série tem alguns dos picos de audiência mais altos da emissora pública, Señal
Colômbia, embora seja importante ter em mente que o público do canal é muito
limitado, especialmente nas grandes cidades.
Figura 33. Captura de tela do menu, ¿Te acuerdes de... ? que separa as histórias por temas
Fonte: Site do projeto
79
A série traz a inclusão de diversos discursos no diálogo digital e apresenta o uso das
ferramentas de gravação e armazenamento digital para a pesquisa como exercício pedagógico
dos pontos fortes que são identificados no projeto. Todos eles contribuem para essa percepção
geral de que se trata de uma obra valorizada como relevante e inovadora em fóruns
internacionais.
Por outro lado, a partir de nossa experiência e contato com e-mails e
comentários do público em si, tem gerado, sem dúvida, experiências
significativas e memoráveis, intrafamiliar, pessoal e que aprendemos com os
pais que tiveram primeiras histórias traumáticas do seu passado para seus
filhos e famílias, e eles tinham escondido, mas não esquecido (geralmente
relacionado com a violência política e social); netos e crianças que queriam
homenagear os mais velhos compartilhando histórias que tinham ouvido
milhares de vezes. (PIAGGIO, 2019, p.129)
Além do envio dos vídeos, outra forma para a audiência contribuir era comentando e votando
em histórias a fim de escolher aquelas que seriam levadas para a TV. Participações
espontâneas também eram feitas através de e-mails ou comentários nas redes sociais, onde as
pessoas, simplesmente, queriam compartilhar sua opinião sobre uma determinada história ou
sobre a série.O projeto gerou a extensão de mais dois produtos: um longa baseado nas
histórias de três mulheres e um produto editorial com conteúdo expandido. A ação nas redes
sociais se deu por meio do Facebook, Instagram, YouTube, além do site, que foi a principal
plataforma de interação e colaboração com o projeto.
Figura 34. Página do Facebook do Projeto
Fonte: Facebook65
65
Disponível em: <https://www.facebook.com/OldFolksTales/>. Acesso em: 28 jan. 2019.
80
Figura 35. Captura de tela do Instagram do projeto
Fonte: Instagram66
Figura 36. Captura de tela do menu de serviços do site que disponibiliza um resumo de todos os capítulos de
cada temporada
Fonte: Site do Projeto
66
Disponível em: <https://www.instagram.com/explore/tags/cuentosdeviejos/>. Acesso em: 26 jan. 2019.
81
2.3.1.1 Dificuldades e desafios
De acordo com Piaggio, as principais dificuldades surgiram em consequência do
financiamento insuficiente para uma melhor cobertura de produção do projeto todo. O
financiamento foi fornecido pelo canal Señal Colômbia e pelos próprios produtores, que o
assumiram em todos os períodos de pesquisa e de produção audiovisual. Para a estreia póstemporada da série, a sustentabilidade do projeto para as plataformas digitais também foi
custeada pelos produtores a fim de completar tudo que fora planejado. O fardo foi tão pesado
que, em certos períodos, a verba sofreu reduções, prejudicando no longo prazo.
Nós fizemos isso pela fé e amor pelo projeto, mas acabou por ser muito
pesado e fonte de conflito, especialmente quando, ao longo dos anos, o
fundo do mercado de coprodução da Senãl Colômbia não aumentou
conforme o aumento do custo do projeto e da incapacidade de os produtores
para adicionar outras fontes de financiamento ao projeto. Sem dúvida, isso
prejudicou o potencial de crescimento ou a possibilidade de investimento em
novas formas de exploração do conteúdo gerado. (PIAGGIO, 2019, p. 131)
Piaggio também pontua algumas dificuldades específicas como:
●
a conectividade média dentro da Colômbia era demasiado baixa para o envio de
vídeos, e muitas pessoas precisavam de apoio personalizado para encontrar soluções
individuais para a sua dificuldade em enviar ou compartilhar seu conteúdos, o que
resultou em algumas colaborações perdidas;
●
as pessoas detestam os formulários porque são entediantes, mas, às vezes, é a única
maneira de obter as informações necessárias para cumprir os requisitos legais e para
gerenciar o conteúdo com segurança. Com o aplicativo, esse problema foi
parcialmente resolvido, mas a falta de financiamento impossibilitou uma atualização
completa em todas as plataformas digitais, o que possibilitaria que fossem
sincronizadas entre si;
●
isso leva a outra dificuldade, que é a duração do projeto (lançado em 2013, até hoje).
Atualizar a plataforma web tornou-se imprescindível, mas a dificuldade na obtenção
de novos fundos específicos para isso se mantinha. O canal queria uma nova
temporada, no entanto, não se comprometia com financiamento do redesenho e
atualização da web e do aplicativo, só que as plataformas digitais exigem atualizações
periódicas que, às vezes, são quase tão caras quanto à produção original;
82
●
embora o canal entendesse a situação, estava pressionando para encontrar soluções
intermediárias que, mesmo não sendo satisfatórias para sustentar a qualidade do
projeto em todas as plataformas, resultassem em uma exigência financeira para os
produtores;
●
por fim, faltava promoção e marketing para apoiar a participação da audiência e,
principalmente, o desenvolvimento de experiências locais, que exigia mais apoio e
ações específicas. “Pessoalmente, o que mais me arrependo é que isso nos impediu de
desenvolver peças que nos possibilitassem explorar comercialmente o conteúdo
gerado e, assim, resolver a falta crônica de financiamento e lucratividade”. (PIAGGIO,
2019, p. 132).
Apesar das dificuldades encontradas durante o processo de produção de Cuentos de Viejos, o
projeto está em sua quarta temporada e ganhou inúmeros prêmios nacionais e internacionais,
sendo reconhecido por sua relevância social e cultural para o povo colombiano e gerando
participações de outros países. Piaggio conta que, logo após esse projeto, fizeram outro que é
só animação, Mostros Afechantes67 (2018), de características similares, embora com outra
estrutura. Sobre produzir uma série transmídia, Piaggio deixa claro que:
Pessoalmente, acho que os projetos transmídia têm seu mercado e seu lugar
no mundo da comunicação. Nem todos os projetos devem ser transmídia ou
precisam disso, a maioria usa estruturas transmídia mais do que o necessário,
como ferramentas de promoção, mas não como elementos relevantes da
experiência e da narrativa. É um campo útil para a pesquisa e
desenvolvimento de conteúdo, e uma maneira de atingir públicos globais que
de outra forma, seriam minoritários, mas o esforço de produção é, muitas
vezes, desvalorizado, e você pode ter sucesso como produtor ou sofrer com
um monte de projetos transmídia mal gerenciados. (PIAGGIO, 2019, p. 133)
Sobre o mercado audiovisual na Colômbia, Piaggio, que tem sua produtora sediada na
Espanha, em Barcelona, diz que a receptividade de novas propostas de conteúdos é muito
maior na Colômbia do que em Catalunha, por exemplo, onde o público é mais conservador.
Conforme sua percepção e vivência na indústria audiovisual latino-americana, a Colômbia
tem um mercado maior e muito mais competitivo, e, mesmo para as TVs públicas, a audiência
é um fato relevante. Cuentos de Viejos fez parte de um período em que o canal de TV Señal
Colombia estava redesenhando sua identidade, abrindo para coproduções e para uma posição
própria internacional, se apresentando como um canal público inovador, sendo um bom lugar
67
Disponível em: <https://mostrosafechantes.com/capivirus/>. Acesso em: 26 jan. 2019.
83
para contar histórias. A Colômbia tem se posicionado na indústria audiovisual internacional,
com base em um plano sistemático de apoio ao cinema, à TV e aos formatos digitais, o que
lhe deu o seu lugar.
Acho que eles fizeram isso muito bem e em pouco tempo. Há talento, e eles
conseguiram repatriar jovens bem formados ou capitalizar o talento
colombiano que está no exterior. Alguns jovens produtores poderiam fazer
suas primeiras produções, mesmo em formatos digitais como videogames ou
interativos, o problema é a sustentabilidade quando você faz seu piloto, seu
primeiro videogame, como você sustenta a produção, como você obtém
lucratividade? (PIAGGIO, 2019, p.134).
Em suma, na visão de Piaggio, há oportunidade para produção latino-americana, o desafio
maior é o financiamento contínuo de um projeto audiovisual, ainda que originado em uma
plataforma digital, pois há investimento no piloto, mas não em sua extensão ou expansão,
fazendo com que não haja espaço para um crescimento sustentável. No caso da Colômbia, há
incentivos para pequenas e médias empresas de produção, inclusive para a participação em
mercados internacionais e festivais, onde se pode mostrar seu trabalho e procurar parceiros.
Vale ressaltar, ainda, o suporte das TVs regionais, que compram conteúdo dos produtores a
um preço decente (para a América Latina) apoiando os produtores locais (TeleMedellín68,
Telepacífico69, entre outros canais), criando uma rede que dá emprego mais estável em um
setor que tem uma instabilidade crônica. Outro fato importante mencionado por Piaggio é o
trabalho de treinamento, com o governo apoiando a formação internacional de profissionais
ou estudantes colombianos na área da comunicação audiovisual.
68
69
Disponível em: <https://telemedellin.tv/>. Acesso em: 26 jan. 2019.
Disponível em: <https://telepacifico.com/>. Acesso em: 26 jan. 2019.
84
2.4 Chile
2.4.1 Puzzle Negro
Inicialmente, as webséries eram criadas como complemento para as narrativas televisivas ou
para extensão do universo narrativo de determinada peça em casos de produções
transmidiáticas. A primeira referência sobre o conceito de websérie surgiu com os
pesquisadores espanhóis, Nuria Romero e Fernando Centellas; para eles:
As séries da web renovam estratégias narrativas que já foram consolidadas
há algum tempo na televisão. Mas elas incorporam recursos on-line, como a
participação ativa do público no progresso da história e a facilidade que este
meio interativo permite para a geração de comunidades virtuais - algo que é
fundamental para consolidar o universo ficcional da série. [...] O formato da
série web é frequentemente usado no YouTube por muitos usuários que não
poderiam oferecer suas ideias na televisão convencional e fornecer uma
maneira de deixar o público vê-los. (ROMERO e LORET, 2008).
Além da websérie, a extensão de um universo narrativo pode se dar por meio de games,
quadrinhos e documentários. A possibilidade de interação da audiência com o produto que lhe
é oferecido é o que diferencia a TV da internet, denominada por Jenkins como cultura
participativa que:
[...] contrasta com noções mais antigas sobre a passividade dos espectadores
dos meios de comunicação. Em vez de falar sobre produtores e
consumidores de mídia, como ocupantes de papéis separados, podem agora
considerá-los como participantes interagindo de acordo com um novo
conjunto de regras, que nenhum de nós entende por completo. (JENKINS,
2009, p. 30)
Apesar da transição da TV para web, não se pode dizer que as produções audiovisuais
perderam qualidade ou são totalmente diferentes do que é oferecido televisualmente, uma vez
que o processo de serialização é o mesmo, oferecendo diferentes gêneros e formatos de
produtos em plataformas digitais diversas e trazendo novas possibilidades de consumo. Para
o produtor e roteirista de webséries, Guto Aeraphe:
(...) as webséries nada mais são do que a fórmula clássica das séries
televisivas aplicadas ao universo multiplataforma da internet. E, sem dúvida,
o público que consome este tipo de produto é o mesmo que consome a
tradicional dramaturgia de forma seriada na TV. Talvez, a grande diferença
esteja no comportamento fragmentado do público e não no público em si, já
que em sua maioria, quer algo além da passividade da tela do televisor. Ele
quer interagir, participar ativamente do universo proposto. (AERAPHE,
2013, p. 18).
85
Para expor como a estética de produções seriadas não se distanciou das formas clássicas
aplicadas à TV e, até mesmo, ao cinema, o presente estudo apresenta a série policial chilena
Puzzle Negro – que, em sua tradução livre, quer dizer quebra-cabeça negro – cuja narrativa
segue a linha do romance negro sob a estética do film noire70. Todorov descreve o romance
negro como:
(...) um romance que funde duas histórias ou, por outras palavras, suprime a
primeira e dá vida a segunda. Não é mais um crime anterior ao momento da
narrativa que se conta, a narrativa coincide com a ação. Nenhum romance
negro é apresentado sob a forma de memórias: não há ponto de chegada a
partir do qual o narrador abranja os acontecimentos passados, não sabemos
se ele chegará vivo ao fim da história. A prospecção substitui a retrospecção.
(TODOROV, 2006, p. 98).
Normalmente, toda trama policial acontece em dois momentos, o do crime e o da investigação
do caso. Sabe-se que cada episódio possui começo, meio e fim; logo, são independentes, sem
que haja a necessidade de o espectador assisti-los sequencialmente. A vantagem desse tipo de
estrutura narrativa é que o espectador não precisa esperar até o próximo episódio para saber o
final da história. Ao transportar esse conteúdo para web, se ganha mais audiência, uma vez
que sua disponibilização pode ser acessada de qualquer plataforma de mídia, facilitando o seu
acesso e interação.
Puzzle Negro é a primeira websérie transmídia de ficção do Chile. Foi produzida entre 2011 e
2013 e exibida em 2014, em seu canal no YouTube71, com seis capítulos de quinze minutos
cada. A história central acompanha o trabalho do detetive Dantés, que investiga crimes e
assassinatos, sempre contando com a ajuda de seus colegas, que são apresentados ao logo
de cada episódio. Os casos se baseiam em tramas que envolvem a resolução de enigmas e
temas, como intrigas, paixão, vingança e morte. De acordo com o produtor e diretor da série,
Juan Guilhermo Prado72:
Puzzle Negro, inicialmente, era um programa de entrevistas sobre os
bastidores de uma novela policial, porém, nós tínhamos essa narrativa e
começamos a desenvolver uma estrutura um pouco mais transmídia. E esse
processo foi super interessante, o desenvolvimento de uma série policial e
como chegar a um sentido que pudesse abarcar todo o conteúdo de novela
negra chilena. (PRADO, 2019, p.129)
70
Expressão francesa para filmes em preto-e-branco em alto contraste, sob influência da cinematografia do
expressionismo alemão.
71
Disponível em: <https://www.youtube.com/user/seriepuzzlenegro>. Acesso em: 21 jan. 2018.
72
Transcrição da entrevista disponível no Apêndice – E deste trabalho.
86
O desenvolvimento do projeto contou com o uso de algumas literaturas sobre transmídia, mas
todo o processo foi bem experimental. O objetivo era construir um universo narrativo a partir
da peça principal, que integra animação, live action73, histórias de ficção e entrevistas com
renomados escritores de novela policial chilena. O grande desafio, segundo Prado, foi planejar
sua distribuição e difusão. O lançamento foi multiplataforma, pois, ao mesmo tempo em que
entrou no ar no YouTube, ela foi exibida no canal nacional de TV pública, CNTV74 (exNovaSur), muito utilizado por escolas – inclusive como objeto pedagógico nas salas de aula.
Figura 38. Arte de promoção da série
Fonte: Site do projeto75
Além da websérie, a produção transmidiática se estende para um jogo online76 de detetive,
onde os jogadores podem ajudar o detetive a resolver os casos que lhe foram atribuídos. No
estilo free run (corrida livre), o jogo possui até três etapas, conforme as habilidades do
jogador. Outra característica é sua abordagem educacional, que ensina a sua audiência os
arquétipos da novela criminal chilena.
Puzzle Negro possui uma página própria na internet e nas redes sociais (Facebook e Twitter),
onde, além de expor todo seu universo narrativo a cada capítulo disponibilizado em seu canal
no YouTube, interagia diretamente com sua audiência, publicando novidades sobre os
bastidores da websérie, atores e o lançamento dos capítulos conforme eram disponibilizados.
73
Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Live-action>. Acesso em: 28 jan. 2019.
A CNTV Infantil (antiga Novasur) é o único programa audiovisual diário para crianças de natureza pública e
educativa no Chile. Disponível em: <https://infantil.cntv.cl/>. Acesso em: 27 jan. 2019.
75
Disponível em: <http://www.puzzlenegro.cl/#/portfolio>. Acesso em: 27 jan. 2019.
76
Jogo disponível no endereço eletrônico: <http://www.puzzlenegro.cl/pzngame/>. Acesso em: 21 jan. 2019.
74
87
Esses meios servem, sobretudo, uma forma mais rápida de ter acesso ao retorno da audiência
que, de imediato, expressa opiniões sobre cada história e seus personagens.
Figura 39. Imagem da tela principal do jogo para computador
Fonte: Site do projeto
Figura 40. Captura de tela da página do Facebook do projeto
Fonte: Facebook77
77
Disponível em:<https://www.facebook.com/Puzzle-Negro-419528654848346/>. Acesso em: 27 jan. 2019.
88
Figura 41. Captura de tela do Twitter do projeto
Fonte: Twitter78
Figura 42. Captura de tela do Instagram do projeto
Fonte: Instagram79
78
Disponível em: <https://twitter.com/PuzzleNegro>. Disponível em: 27 jan. 2019.
Disponível em: <https://www.instagram.com/puzzle_negro/>. Acesso em: 27 jan. 2019.
79
89
A interação com a audiência realizada nas redes sociais apresentava, a cada episódio, um post
específico convidando os seguidores a assistir e comentar sobre a série. Além do movimento
do público nas redes, houve participação nas escolas e faculdades, em que os alunos geravam
histórias para a websérie através dos exercícios que faziam em sala de aula. A série Puzzle
Negro foi concebida, inicialmente, para ser consumida via streaming, na webe seu jogo
online, para ser jogado via computador. O projeto, no entanto, obteve espaço na TV, fazendo
o caminho contrário de exibição de conteúdo, onde tradicionalmente começa pela TV e depois
se estende a outras plataformas de mídia. Esse tipo de processo possibilita novos meios e
formatos de produção a quem almeja trabalhar sem as restrições dos canais tradicionais de
televisão – originalmente, mais fechados, não permitindo experimentos –, fazendo surgir o
que Aeraphe chama de “web espectador”:
Agora o web espectador não tem mais a fidelidade que tinha antes com as
séries. Em um passado recente, quando havia o lançamento de um episódio,
era praticamente um evento esperado tão ansiosamente quanto o nascimento
de um filho. Hoje, ele nem se preocupa com isso, já que, no outro dia, ele vai
poder ver pela internet em algum dispositivo (de forma legal ou não) e ainda
com comentários e revéis de seus amigos nas redes sociais. (AERAPHE,
2013, p. 30-31).
Aeraphe aborda, ainda, a “ramificação da narrativa”, que é “fazer com que seus web
espectadores conquistem, de alguma forma, posições hierárquicas superiores entre sua rede de
relacionamento, por merecimento.” (AERAPHE, 2013, p. 31). Aeraphe compartilha que
engajamento e interação são necessários para o sucesso de uma websérie. Tal modelo de
produção resulta em uma aproximação maior entre produtor e audiência, promovendo, em
tempo real, as reações obtidas sobre a peça exibida. Em Puzzle Negro, para premiar jogadores
do game, foi realizada uma ação que engajou oito mil pessoas simultaneamente. De acordo
com Prado, os melhores ganhavam troféus e comentavam sobre o que estava bom ou o que
poderia melhorar no desenvolvimento do jogo.
A websérie, além do game, gerou um longa-metragem que, segundo Prado, seria a
continuação de um capítulo que não está na websérie, logo, seria uma outra história baseada
na peça central, como um “bônus” para a audiência. O longa participou de alguns festivais,
inclusive ganhando uma menção no Chile. Atualmente, Prado e sua equipe planejam fazer
algo em realidade virtual e realidade aumentada, dando continuidade ao projeto com novas
extensões narrativas. O projeto como um todo resgata, no país, o valor da novela policial
chilena, chamando atenção para a literatura e seus escritores de destaque.
90
Questionado sobre continuar a fazer produções transmidiáticas, Prado é seguro em afirmar
que sim, pois, de acordo com ele, sua produtora aprendeu a trabalhar em um formato que
possibilita aos consumidores uma interação maior com o produto apresentado.
[...] temos trabalhado com clientes, empresas com os quais temos
desenvolvido várias campanhas transmídia. E o que tem sido interessante, é
que por conta destas campanhas, no geral, os próprios consumidores têm
desenvolvido suas próprias extensões dos universos dessas campanhas. [...]
através dessas campanhas, o usuário é quem tem gerado conteúdo como
videoclipes, posts, frases, canções, pinturas, esculturas, entre outras coisas.
(PRADO, 2019, p. 138).
Puzzle Negro é inovadora porque traz diferentes possibilidades a uma narrativa, levando em
conta a necessidade de exaltar a cultura chilena por meio da literatura e das novelas policiais.
De um modo inovador, deu um formato específico à websérie, que estava disponível
gratuitamente em seu canal no YouTube, estabelecendo diálogo entre o produtor e a
audiência.
De acordo com um levantamento feito pela Universidade de Comunicações da PUC do
Chile80 sobre a produção de webséries, ainda não é possível falar sobre uma indústria de
webséries porque as produções de baixo custo predominam. Muitas vezes, elas são
financiadas pelos próprios cineastas, não repercutindo na geração de empregos nem
participando de festivais. Eles, por sua vez, são, geralmente, pessoas físicas ou pequenos
produtores que procuram experimentar ideias e estilos que um formato mais convencional não
lhes permitiria. Com poucas exceções, a pequena renda que ganham não permite desenvolver
segundas temporadas. Nesse mesmo estudo, um levantamento das webséries chilenas
realizado entre 2011 e 2016 destaca que a maior parte das obras foram financiadas com
fundos privados. Dentro desta modalidade de financiamento, tanto a colocação do produto
como o conteúdo da marca aparecem como o mais atraente para os anunciantes e mais eficaz
para alcançar o público.
Isso também implica que os cineastas devem desenvolver novas estratégias sob a lógica da
publicidade que não seja invasiva para o espectador. Com a colaboração de grupos no
Facebook de audiovisuais chilenos, como os filmes Grillos ou o intercâmbio de trabalhos
audiovisuais, foi realizado um levantamento de informações sobre a produção de webséries
chilenas durante o período de 2011 e 2016, totalizando em 57 webséries. Diante desse cenário,
80
Disponível em: <http://comunicaciones.uc.cl/wp-content/uploads/comunicaciones/2017/12/VI-Panorama-delAudiovisual-Chileno-ilovepdf-compressed-2.pdf>. Acesso em: 29 jan. 2019.
91
é possível perceber que a produção de novos formatos digitais de conteúdo audiovisual está
crescendo, ainda que timidamente. Atualmente, Prado trabalha em outra websérie transmídia
em formato documentário, que conta a história da música chilena. Segundo ele, o projeto já
alcançou cento e quarenta mil visualizações e tem recebido um retorno positivo da audiência
por meios dos comentários. Porém, como em muitos países da América Latina, no Chile, a
produção audiovisual também tem seus desafios e dificuldades.
2.4.1.1 Dificuldades e desafios
A princípio, de acordo com Prado, uma das dificuldades no desenvolvimento de Puzzle Negro
foi pensar o projeto de forma global e transmídia. Isso foi um pouco mais complexo e além de
representar uma estética, conseguir o financiamento necessário para sua produção. Outro
fator apontado pelo diretor é que, no Chile, é mais difícil conseguir incentivos para produção
audiovisual.
Há incentivos do governo, porém há uma indústria televisiva que apoia a
difusão da imagem local. No Chile, não existem canais públicos como no
Brasil ou como na Argentina e Uruguai. O Chile é um país muito capitalista,
então não há muitos espaços de difusão para produção audiovisual chilena.
Existem fundos, mas não difusão. (PRADO, 2019, p.138)
Prado conta que o projeto levou cerca de três anos para ser concluído, começou a ser
produzido em 2011 e só em 2014 foi finalizado e distribuído para exibição. Segundo o
produtor, foi um projeto que gerou boa recepção pela audiência chilena e que pode ser
retomado utilizando outras ferramentas de mídia como, por exemplo, as ferramentas de
imersão em realidade virtual e aumentada.
92
3. ASPECTOS SOCIAIS E CULTURAIS
AMERICANAS: especificidades e afinidades
DAS
PRODUÇÕES
LATINO-
Durante as décadas de 70 e 80, a América Latina esteve sob forte influência das produções
norte-americanas: já nas décadas de 90 a 2000, as produções nacionais e regionais foram
crescendo devido ao fator “afinidade cultural”, no qual se destacavam a língua espanhola e a
essência da cultura latina. (LOZANNO, 2005). Boa parte dessas produções era dedicada às
telenovelas. Com o advento da internet e da convergência digital dos meios de comunicação,
as fronteiras econômicas e sociais foram quebradas e produções de diversos gêneros e
naturezas puderam ser compartilhadas em âmbitos nacional e internacionalmente.
Hoje, o cidadão audiovisual tem o controle, já que dispõe de muito mais
opções para escolher e podendo, até mesmo, elaborar sua própria
programação, a despeito dos horários estabelecidos pela mídia. Isto, que
supõe um fenômeno democratizador dos conteúdos, fez com que produtores
tivessem que adaptar-se, mudando desde seu modelo de produção até a
atitude que mantinham com seus consumidores. De onde só havia apenas
alguns canais onde as telenovelas reinavam como gênero cultural televisivo
latino, agora está começando a difundir reality shows, documentários e
espaços de estilo de vida, que estão criando modelos sociais
transfronteiriços, especialmente entre os mais jovens. Aos quatro
tradicionais “fortes” mercados do Brasil, México, Colômbia e Argentina
estão se juntando, graças a este novo desenvolvimento, mercados menores
como Peru ou Chile que, à sua maneira, já começaram a produzir vários
formatos “exportáveis”. (TUBIO, 2014)
Em sua totalidade, são considerados países latino-americanos a Argentina, a Bolívia, o Brasil,
o Chile, a Colômbia, a Costa Rica, Cuba, o Equador, El Salvador, Guatemala, o Haiti,
Honduras, o México, Nicarágua, Panamá, o Paraguai, Peru, a República Dominicana, Uruguai
e, ainda, a Venezuela. No entanto, o objetivo deste estudo é focar nas produções pensadas
para multiplataformas de mídia, levando em consideração as afinidades em relação ao formato
de projeto escolhido por cada nacionalidade (argentina, brasileira, chilena e colombiana),
acessibilidade ao projeto e seus produtores (para realização de entrevistas) e sua relevância
para a sociedade em que são veiculados. Desse modo, o que está sendo aferido aqui é: o
universo narrativo em questão, os meios de participação que cada projeto oferece a sua
audiência, a expansão narrativa da peça central e a aplicabilidade prática da narrativa
transmídia por meio do uso de ferramentas de comunicação digital e analógica.
A exposição será feita por meio de uma tabela que consolida todo esse processo de expansão
e tipo de participação por projeto, seguindo o modelo utilizado por Anahí Lovato em seu
93
artigo,Periodismo Transmedia: Hacia un modelo de producción basado en experiencias de no
ficción (2015), onde ela demonstra o conjunto de peças criadas a partir do universo do
documedia Mujeres en Venta.
Esse conjunto de peças criadas para a história transmídia foi projetado com
uma premissa: a participação dos usuários constitui o coração da experiência
transmídia. Ao longo do enredo, os usuários têm uma participação ativa: a
partir de formas de interatividade seletiva às formas comunicativas,
expansão e transformação do universo narrativo. (IRIGARAY, 2015, p.168)
Lovato desenvolveu esse modelo de mapeamento a partir do que Robert Pratten (2015)
estabelece em quatro eixos como prerrogativa para experiência do usuário em uma produção
transmídia: (i) a história (define sua importância na experiência e grau de controle autoral que
os produtores mantêm sobre projeto), (ii) co-criação (a relevância das contribuições da
audiência na história), (iii) o mundo real (a presença de locais na história) e (iv) do jogo (o
componente lúdico da proposta).
Além do modelo desenvolvido por Lovato, integram-se no presente estudo, os dados
consolidados das produções, com o intuito de explanar e comparar as especificidades de cada
projeto e suas possíveis afinidades a partir das tabelas que apontam a interação, participação e
expansão narrativa de cada um. Porém, diferentemente do modelo adotado por Lovato, em
que a participação ativa pode ser seletiva (o público que escolhe se irá participar ou não),
classificaremos como ativa (participativa e colaborativa).
Destacando que: participativa, é quando o público participa da obra contribuindo para sua
expansão, compartilhando e impulsionando seu consumo nas redes sociais ou em
comunidades de fãs; e colaborativa, quando o público contribui diretamente com a produção
produzindo conteúdo ou protagonizando a produção, como ocorre nos documentários de não
ficção; e passiva (com e sem interação), quando há mídias passíveis de interação ou não como
os cartazes de realidade aumentada, onde o público pode apenas observar a mídia, ou interagir
com ela baixando o aplicativo para que consiga ver a imagem em RA. O intuito dessa
classificação é deixar o mais claro possível o papel de cada mídia e seu uso nos diferentes
projetos apresentados.
94
3.1 Especificidades de cada projeto
3.1.2 Mujeres en venta (Argentina, 2015)
Tabela 1. Tipos de Participação
Mídia
Interação
Redes Sociais
Ativa (Participativa e Colaborativa)
Realidade Aumentada
Passiva e Ativa
Led interior e exterior
Passiva e Ativa
Movisodeos/Webséries
Passiva (com interação)
Micros para TV
Passiva (sem interação)
Quadrinhos
Passiva (sem interação)
Documentário para TV
Passiva (sem interação)
Mapa Colaborativo (Geolocalização)
Ativa (Participativa e Colaborativa)
Livro
Participativa e Colaborativa
Apresentações (físicas)
Ativa (Participativa)
Fonte: Autora
Tabela 2. Uso de Plataformas de Mídias Online e Offline
ONLINE
Redes Sociais (Facebook, YouTube,
Twitter)
Realidade Aumentada
OFFLINE
Realidade Aumentada
Led interior e exterior (Ruas e Shoppings)
Site do Projeto
Micros para TV (disponíveis online)
Micros para TV (Canais de TV de Rosario)
Documentário para TV (disponíveis
online)
Quadrinhos (disponíveis online)
Documentário para TV (Canais de TV de
Rosario)
Quadrinhos (Jornal El Eslabón)
Movisodeos/Webséries
Apresentações (físicas)
Quadrinhos
Rádio
Mapa Colaborativo
Livro (disponível online)
Fonte: Autora
Livro (impresso)
95
3.1.2.3 Precisamos Falar do Assédio (Brasil, 2016)
Tabela 3. Tipos de Participação
Mídia
Site
Apresentações Físicas
TV
Cinema (Longa-metragem)
Redes Sociais
VideoCamp
Apresentações Físicas
Interação
Ativa (Participativa e Colaborativa)
Ativa (Participativa)
Passiva (sem interação)
Passiva (com interação e sem interação)
Ativa (Participativa)
Passiva
Ativa (Participativa)
Fonte: Autora
Tabela 4. Uso de Plataformas de Mídias Online e Offline
ONLINE
Site do Projeto
OFFLINE
Revistas e Jornais
Apresentações Físicas
Redes Sociais (Facebook e Instagram)
Cinema
Via Streaming (Net Now) e VideoCamp
TV (Canal Brasil) e TV Australiana (Canal
SBS)
Fonte: Autora
96
3.1.2.3.4 Cuentos de Viejos (Colômbia, 2018)
Tabela 5. Tipos de Participação
Mídia
Site
Apresentações Físicas
Série para TV
Cinema (Longa-metragem)
Aplicativo
Interação
Ativa (Participativa e Colaborativa)
Ativa (Participativa e Colaborativa)
Passiva (sem interação)
Passiva (sem interação)
Ativa (Participativa e Colaborativa)
Fonte: Autora
Tabela 6. Uso de Plataformas de Mídias Online e Offline
ONLINE
OFFLINE
Site do Projeto
Redes Sociais (Facebook, Instagram e
YouTube)
Aplicativo de vídeo (dentro do site)
Apresentações Físicas (Escolas e
Bibliotecas)
Cinema (Longa-metragem)
TV (Canal Señal Colombia)
Fonte: Autora
97
3.1.2.3.4.5 Puzzle Negro (Chile, 2014)
Tabela 7. Tipos de Participação
Puzzle Negro
Mídia
Site
Apresentações Físicas
TV
Cinema (Longa-metragem)
Videogame
Redes Sociais
Interação
Ativa (Participativa e Colaborativa)
Ativa (Participativa e Colaborativa)
Passiva (sem interação)
Passiva (sem interação)
Ativa (Participativa e Colaborativa)
Ativa (Participativa e Colaborativa)
Fonte: Autora
Tabela 8. Uso de Plataformas de Mídias Online e Offline
ONLINE
OFFLINE
Site
TV (Canal Novas)
Videogame
Apresentações Físicas (Escolas)
Redes Sociais (Twitter, Facebook,
Instagram e YouTube)
Cinema (Longa-metragem)
Fonte: Autora
98
3.2 Afinidades
Tabela 9. Estudo Comparativo
Projeto
Universo
Formato
Narrativo
Expansão
Online
Offline
10
10
08
06
03
04
05
02
03
06
03
02
Narrativa
Mujeres en
Tráfico de
Documentário
Venta
Mulheres
de não ficção
Precisamos
Assédio
Documentário
Falar de
Sexual de
de não ficção
Assédio
Mulheres
Série de
Cuentos de
Viejos
Diálogo
Animação
Intergeracional
documental
de não ficção
Puzzle Negro
Novela chilena
Websérie de
policial negra
ficção
Fonte: Autora
Conforme consolidado na tabela 9, os quatro projetos trabalharam os elementos
indispensáveis em uma produção transmídia: (i) uma história envolvente (storyworld); (ii) sua
distribuição em múltiplas plataformas de mídias (expansão narrativa), sendo que, em cada
mídia, se conta uma história específica; e (iii) promoção da participação (engajamento) de sua
audiência. O que essas produções têm em comum, além da utilização da transmídia, é a
relevância temática que cada uma possui em seu país de origem, respeitando o contexto social
e cultural de cada um.
No caso de Mujeres en Venta (Argentina) e Precisamos Falar do Assédio (Brasil), além de
serem documentários de não ficção, há a questão da violência contra a mulher abordada em
períodos em que ambos os países questionavam nas redes sociais a falta de informação,
prevenção e cuidado com as mulheres de seus respectivos territórios. Enquanto, na Argentina
(2015), o documentário estreava na TV no mesmo momento em que a sociedade local saía às
99
ruas para se pronunciar contra a violência de gênero por meio da hashtag #NiUnaMenos,
utilizada nas redes sociais, no Brasil (2016), se produzia, durante a semana da mulher, o
documentário que surgiu a partir da hashtag, #PrimeiroAssedio. Logo, os dois projetos
encontram na narrativa documental uma forma de expor o drama que suas sociedades viviam
naquele momento.
Em sua forma de estabelecer asserções sobre o mundo, o documentário
caracteriza-se pela presença de procedimentos que o singularizam com
relação ao campo ficcional. O documentário, antes de tudo, é definido pela
intenção de seu autor de fazer um documentário (intenção social, manifesta
na indexação da obra, conforme percebida pelo espectador). (RAMOS, p. 22,
2008).
Para além do documentário, essas produções trazem, na expansão por meio de múltiplas
plataformas de mídia, a possibilidade de o público mergulhar nesse universo e compreender
melhor as causas que resultaram na situação retratada nos dois projetos. Porém, em Mujeres
en Venta, o número de expansões criadas para várias mídias a partir da peça principal é
superior às que foram criadas em, Precisamos Falar do Assédio. No entanto, o que se deve
destacar é que a produção argentina foi planejada, desde o início, para ser transmídia; já a
produção brasileira, só em um segundo momento, dada à necessidade da produção durante seu
andamento. Assim como em Cuento de Viejos e Puzzle Negro, cujo processo de produção
transmídia foi mais experimental e intuitivo.
Para Gumbrecht (1998), a presentificação a partir dos meios midiáticos modulam a produção
cultural. Desse modo, a cultura deixa de ser uma construção do indivíduo para ser uma
construção social. Essa construção pode ser explanada nos mais diversos meios e formatos
estéticos e artísticos, como ocorre com a produção audiovisual e seus diferentes gêneros e
formatos. Por meio da narrativa transmídia, é possível criar um universo de possibilidades
para produção a partir de sua extensão narrativa, onde o espectador pode escolher uma obra
literária, mas não necessariamente assistir ao filme produzido sobre aquela história, ou acessar
o videogame criado com base na obra seriada para TV ou para internet e vice e versa.
Cada narrativa complementar, apesar de fragmentada em múltiplos formatos de mídia, está
atrelada a uma mesma ambiência. “Enquanto na cultura de sentido busca-se uma
representação capaz de nos permitir manipular sem tocar as coisas, na cultura de presença
valoriza-se o retorno às coisas em si mesmas” (Gumbretch, 2008).
Nesse sentido, dentre os quatro projetos apresentados, Puzzle Negro é o único que traz um
videogamecomo um meio de engajar sua audiência e promover a websérie. Como o diretor
100
Fernando Irigaray (2019), de Mujeres en Venta, afirmou na entrevista, é preciso conhecer bem
seu tema e usar aquilo que, de fato, faz sentido para o universo narrativo, e não “usar por
usar”.
O que é interessante e comum a todos os projetos é a participação presencial dos produtores
diante da audiência. Mesmo com diversas possibilidades de interação através das múltiplas
plataformas de mídia, todos participaram de apresentações físicas, abertas e com debate sobre
o tema abordado em suas obras, gerando o que Castells (2009) aponta como ocupação de
espaços urbanos não somente virtualmente, mas fisicamente também. Trata-se não só dessa
ocupação nos territórios, mas também do conceito pedagógico como disse, Laura Piaggio de
(Cuentos de Viejos) sobre essa experiência.
Com relação ao uso das mídias online e offline, com exceção de Mujeres en Venta, que usou
mais as digitais, o uso das mídias offline (quadrinhos, livro, jornais, revistas e cartazes) foi
algo recorrente fazendo a interface entre o analógico e o digital possibilitando opções de
acesso ao público de cada projeto.
Embora o uso da bíblia transmídia tenha sido adotado por dois países (Argentina e Chile), há
de se observar que as quatro produções fizeram um trabalho de qualidade, superando os
desafios econômicos e territoriais de seus países. Outra característica em comum é o modo
quase que autoral e independente com que cada projeto foi produzido, mesmo que com o
aporte de produtoras, canais de TV, fundos internacionais e universidades. É possível aferir
que, em todas as produções apresentadas, há uma preocupação com a formação e informação
do cidadão com relação a determinado assunto; os quatro projetos contam histórias sejam elas
de ficção e não ficção.
A história do assédio sexual é contada por mulheres que passaram por esse tipo de situação
em algum momento de suas vidas; a história dos mais velhos, que é passada de geração para
geração, é contada pelo próprio vovô ou vovó; a história das mulheres sequestradas para
tráfico sexual é contada por aquelas que conseguiram se salvar; e as novelas policiais chilenas
dos livros são contadas por seus escritores por meio de uma websérie. Desse modo, a
transmedia storytelling aplicada aqui, cumpriu o seu papel: informar e envolver sua audiência
de várias formas e dispositivos de mídia possíveis.
101
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme a tecnologia avança, novos dispositivos de mídia são integrados ao cotidiano da
sociedade como um todo, sejam eles para entretenimento, educação ou trabalho. A
convergência dos meios digitais apenas ampliou de modo significativo as possibilidades de
comunicação e expansão de determinada experiência cotidiana. No caso das produções
audiovisuais, a narrativa transmídia trouxe maior visibilidade e tempo de vida a projetos
diversos, tornando a audiência parte integrante desse processo. Como reforçado por Jenkins
(2009), essa convergência não se dá apenas por meio de dispositivos tecnológicos, mas ocorre
quando as pessoas assumem o controle das mídias. Logo, o modo de interagir muda de acordo
com nossas necessidades e possibilidades de interação retrata o período em que vivemos: uma
sociedade cada vez mais conectada. Entretanto, mesmo diante de tantos aparatos para
interação e imersão – representando o mundo real ou o virtual –, as mídias digitais, ou “novas
mídias”, não se sobrepõem às ditas “velhas mídias”, pelo contrário, elas se complementam, de
modo que uma integre a outra, proporcionando uma interface entre as mídias digitais e
analógicas (Irigaray, 2019).
Seja online ou offline, todo conteúdo deve ser envolvente e criar significado na vida do
espectador. Pois, não se trata somente de contar histórias, mas de como mostrar essas histórias
e criar uma experiência. Essa necessidade da sociedade contemporânea de poder acessar
múltiplas plataformas de mídia e querer se sentir parte inerente do conteúdo ali apresentado
faz com que os meios de comunicação atuais procurem oferecer mais do que era oferecido
antes do advento da internet e da convergência digital. Sob a ótica de diferentes autores,
estudiosos e profissionais, os estudos teóricos e práticos sobre a narrativa transmídia
apresentados aqui ressaltam um retrato do momento em que vivemos. A transmídia
proporciona não só a extensão de um universo narrativo, mas uma maior interação entre
produtor e consumidor de conteúdo, trabalhando, momentaneamente, o engajamento social e
a expansão de sua distribuição nas redes web como um todo.
Desse modo, os resultados podem ser muito mais criativos e úteis à sociedade, em diferentes
nacionalidades como ocorre com as produções audiovisuais latino-americanas, que, por meio
de seus diferentes projetos, atuaram de modo significativo e efetivo em seus países de origem.
Como pudemos observar, a Argentina (Mujeres en Venta, 2015) está mais à frente nesse
modelo de produção documental, denominado por seus produtores de documedia; já a
Colômbia foi inovadora no conceito de animação documental (Cuentos de Viejos, 2018),
102
assim como o Chile (Puzzle Negro, 2014), resgatando a novela policial negra através de uma
websérie e um game para computador; e, no Brasil (Precisamos Falar do Assédio, 2016), o
desafio ficou por conta do modo pioneiro da participação e protagonismo do público como
peça central do projeto. Cada um desses países representa um movimento social e cultural de
seu tempo, exercendo, de modo direto ou indireto, o conceito de cidadania na era da conexão,
constituindo de acordo com Castells (2009), a nova morfologia social de nossas sociedades.
A partir desse estudo, é possível observar que a América Latina vive um processo que está na
contramão da cultura mercadológica de grandes produções hollywoodianas. Pois, suas
produções não visam o lucro demasiado, mas sim, representar por meio do audiovisual as
necessidades de seu povo. Há de se levar em consideração também, as barreiras relacionadas
às limitações financeiras para produções multiplataformas e o nível de conhecimento desse
tipo de proposta pela sociedade local que face ao esforço desses produtores, existe uma
demanda de uma ação mais pedagógica voltada ao diálogo com a sociedade. O interessante
desse tipo de proposta, é o protagonismo que a população exerce participando e colaborando
ativamente com o êxito desses projetos. Muito além do resultado financeiro, está o
aprendizado e a experiência imersiva que cada produção transmídia devolve conectando
produtores e consumidores de diferentes tipos conteúdos.
103
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Brasil: Mira Filmes, 2016. Disponível em: <https://precisamosfalardoassedio.com/#projeto>.
Acesso em: 12 abr. 2018.
108
APÊNDICE A – Metodologia utilizada nas Entrevistas
1. A entrevista foi concebida para ser de forma semi-estruturada, onde foram pré-formatadas
dez perguntas sobre a temática abordada no trabalho, bem como os objetos de estudos
utilizados na mesma. Durante cada entrevista, a depender do modo como foi efetuada, uma ou
outra pergunta pode ter sido reformulada ou incluída. Além disso, dada a utilização de
projetos estrangeiros de língua espanhola no presente estudo, as perguntas foram traduzidas
para o espanhol. Porém, todas as respostas das entrevistas internacionais foram traduzidas
para o português.
2. Meios e Dispositivos de Mídia utilizados
As entrevistas foram realizadas de acordo com as especificidades e necessidades de cada
entrevistado, pois, foram disponibilizados diferentes meios e formatos de comunicação.
Como: chamada de vídeo via aplicativo Skype para o Diretor e Produtor, Fernando Irigaray;
chamada de áudio via aplicativo WhatsApp para o Diretor e Produtor, Guilhermo Prado; chat
de bate-papo do Facebook via Messenger para Designer Multimídia, Laura Piaggio; e
pessoalmente vide gravador do celular com a Diretora, Paula Sachetta. As entrevistas com
áudio foram gravadas por meio do aplicativo de gravação do celular pessoal da entrevistadora
e transcritas.
3. Da transcrição
Para transcrição de voz, foi utilizado o método apresentado no quadro de Marcuschi (1986),
sendo que, no presente trabalho, se aplica apenas o item 14, referente ao uso de reticências
“no início e no final de uma transcrição indica que se está transcrevendo apenas um trecho”.
(1986, p.10-13). A transcrição foi editada de modo a focar nas perguntas efetuadas,
eliminando possíveis redundâncias, repetições e possíveis erros ou vícios de linguagem.
Quanto à identificação entre entrevistadora e entrevistado, usam-se as letras iniciais do nome
e sobrenome em maiúscula, conforme sugerido por Marcushi.
109
4. Perguntas para entrevista em Português:
1. O projeto foi concebido desde o início para ser transmídia? Por quê?
2. Algum tipo de bíblia transmídia foi usada? Como era?
3. O que foi levado em conta para a escolha das plataformas de mídia e por quê?
4. O projeto foi pensado de acordo com as características do público?
5. Foi possível perceber se o projeto gerou alguma influência ou relevância para a sociedade?
6. Como foi a participação, colaboração e comprometimento do público com o projeto? Quais
foram motivadas pelo projeto e quais surgiram espontaneamente?
7. Houve continuidade ou desdobramento do projeto?
8. O que foi adquirido com essa experiência transmídia?
9. Quais foram as principais dificuldades?
10. Você faria outro projeto nessa linha? Existe um em andamento?
4.1 Perguntas para entrevista em Espanhol:
1. ¿El proyecto fue concebido desde el principio para ser transmedia? ¿Por qué?
2. ¿Se utilizó algún tipo de biblia transmedia? ¿Como era?
3. ¿Qué se ha tenido en cuenta para la elección de las plataformas de medios y por qué?
4. ¿El proyecto fue pensado de acuerdo con las características de la audiencia?
5. ¿Fue posible percibir si el proyecto generó alguna influencia o relevancia para la sociedad?
6. ¿Cómo se dio la participación, la colaboración y el compromiso de la audiencia con el
proyecto? ¿Cuáles fueron motivadas por el proyecto y cuáles surgieron espontáneamente?
7. ¿Hubo continuidad o desdoblamiento del proyecto?
8. ¿Qué se ha adquirido con esta experiencia de transmedia?
9. ¿Quáles fueron las principales dificultades?
10. ¿Usted haría otro proyecto en esa línea? ¿Hay alguno en marcha?
110
APÊNDICE B – Transcrição da Entrevista com o Diretor da obra, Mujeres en Venta,
Fernando Irigaray
JO: Eu vi que o projeto Mujeres en Venta já é pensado em transmídia desde o começo,
sim?
FY: Sim, foi. Quando pensamos em Mujeres en Venta, seu começo, como disse Renira
Gambarato81, que foi proativo, pensado desde o início pra ser transmídia. Não como a
produção anterior, Hombre Bestia82, o primeiro audiovisual que transformamos em uma
produção transmídia.
JO: Sim e por que foi pensado uma produção transmídia para um documentário?
FY: Bom, por que foi pensado assim? Porque queríamos, realmente, trabalhar com essa
temática, desenvolvendo-a para narrativa transmídia. Já por agora, todas as produções que
estamos fazendo fazem parte desse tipo de projeto. Quando nós fizemos a produção anterior,
foi o primeiro projeto de narrativa transmídia na América Latina. Obviamente estamos
pesquisando sobre como fazer um bom produto para uma série televisiva e, depois, decidimos
pesquisar e desenvolver sobre uma boa narrativa transmídia … obviamente, podemos alcançar
inúmeras possibilidades de produção … .
JO: Bem, eu li em um artigo de Anahí Lovato, que escreveu sobre Produções Transmídia
de não Ficção Transmídia83, que vocês usaram a bíblia transmídia de Gary P. Hayes,
sim? Como foi isso?
FY: Sim, bem ... desculpa ... Como?
JO: Vocês usaram apenas essa bíblia, ou outro guia? Como foi esse uso para vocês, pois
Gary Hayes é australiano, não? É uma realidade muito diferente da latino-americana,
então, como foram para adaptar o conteúdo às regras e direções para o trabalho na
Argentina?
FY: Anahí, que é a roteirista de todas as produções que já fizemos e com quem tenho a sorte
de compartilhar propostas e projetos … usamos o básico como parâmetro … usamos Hayes,
81
Professora Associada em Estudos de Mídia e Comunicação na Universidade de Jönköping, na Suécia.
Disponível em:<https://www.linkedin.com/in/reniragambarato/>. Acesso em: 20 jan. 2019.
82
Documentário transmídia. Disponível em: <http://dcmteam.com.ar/3/transmedia/16/Tras-los-pasos-de-ElHombre-Bestia--Documental-Transmedia>. Acesso em: 19 jan. 2019.
83
Disponível
em:
<http://www.unrinteractiva.com.ar/2016/03/producciones_transmedia_de_no_ficcion/>.
Acesso em: 19 jan. 2019.
111
um texto de Pratten, um livro do Chile, onde formamos um guia sobre produções de narrativa
transmídia. Em função disso e mais alguns outros projetos em que estamos trabalhando,
Anahí usou um planejamento muito interessante para o desenho de produção transmídia ...
Com respeito às experiências do que seria uma produção da Austrália, do que seja de Pratten,
na Grã-Bretanha tem a ver com produções industriais, fundamentalmente, porque nós fazemos
um projeto dependendo da estrutura em que trabalhamos … Há alguns anos que Denis Renó 84
fala de narrativas territoriais; nós falamos de território expandido; nas academias, sobre os
meios espaciais utilizando a casa e os recursos para produção transmídia, que tem a ver com
essas interfaces digitais, com os meios tradicionais e o intercâmbio entre as interfaces físicas e
virtuais. Digamos que, nesse espaço e exercício que se cruzam os meios, é onde estamos
trabalhando e pesquisando. Então, obviamente cai um monte de questões interessantes, como,
por exemplo, as produções industriais em que Pratten nos apresentou quando tivemos a
oportunidade de conhecê-lo. Há dois anos, nos mostrou o Conducttr85 … utilizado para
produções transmídia. … Porém, não serviu para nossa produção transmídia, por quê? Porque
obviamente foi pensado para produções de milhões de usuários e, fundamentalmente, com o
trabalho nas redes sociais, se fariam produções centradas em interfaces digitais,
especificamente trabalhando desde as redes e parametrizando o envio a distintos momentos,
em distintas redes, distintos conteúdos com auto resposta, todas, ferramentas fantásticas. Mas,
nós temos outro perfil, que é muito mais de narrativa espacial, que tem a ver mais com a ideia
de entender digamos ... uma ecologia de meios em que se reúnem todos os meios, incluindo
os digitais, muitos recursos e meios analógicos que se cruzam e de como se conectam as
interfaces. … São ferramentas que se usam, mas temos que observar a pergunta inicial que
você fez e porque decidimos que coisas nos serviam ou que coisas não nos serviram ... como
um pequeno aporte, um pequeno recurso que tivemos para trabalhar em uma concepção
diferente, utilizando outros recursos das redes digitais sobre como trabalhar na América
Latina.
JO: Bom, creio que tenha sido um grande desafio, não?
FY: Sim, foi um grande desafio.
84
Jornalista, fotógrafo e documentarista, é livre-docente em Ecologia dos Meios e Narrativas Imagéticas.
Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/328070797982072>. Acesso em: 19 jan. 2019.
85
Sistema criado para potencializar o engajamento do público com plataformas digitais. Disponível em:
<https://www.conducttr.com/>. Acesso em: 19 jan. 2019.
112
JO: O que foi levado em conta para escolha das plataformas de mídia, e por quê? Eu vi
que vocês usaram muitas, como Facebook, Twiter, plataformas online e offline, mas
como foi essa escolha?
FY: Bom, obviamente trabalhamos com esta concepção de espaço e território, então relações
que tinham a ver com os meios tradicionais como, por exemplo, trabalhamos, aqui, com a
obra central ... e aí saímos deparando diversas ações, por exemplo, que teriam a ver com os
espaços, como os temas para os outdoors publicitários pela cidade; fazendo justamente esta
relação entre a interface gráfica analógica com a interface digital. … Isso porque sabíamos de
antemão que não daria resultados, porque havia muitos obstáculos para superarmos. Mas,
sabendo disso, o interessante é que em nossa pesquisa, sabíamos que não atingiríamos um por
cento das pessoas durante uma campanha de marketing. Sabíamos que seríamos os primeiros
a fazer isso nos meios tradicionais, como jornais e rádios em Rosário, porém… as peças
publicitárias não iriam funcionar … Todas as informações estavam nas impressões
publicitárias. Obviamente, que uma peça no metrô de Paris, com uma informação que
descubra outro tipo de pesquisa, seria interessante, mas a peça foi pensada com o propósito
duplo de fazer as pessoas investigarem, induzir a partir de um lugar privado a fazer uma
campanha de um público que utiliza diversos discursos. ... Quem sabe o uso de outros meios,
mas que sem dinheiro não teríamos como fazer. Bom, todas essas ações foram a partir dessas
peças; depois, colocamos peças nas avenidas, dentro do shopping mall para engajar o público.
A proposta foi interessante porque passamos a ideia da venda da mulher a partir do QR
Code86 como se fosse um leitor de código de barras, como em um mercado. Algo que deixou
o público impressionado. Depois de um mês dessa ação, pois se paga o uso desse espaço, e
não podíamos mais focar nessa ação. Mas induzimos o público a procurar saber da história. ...
Enfim, fizemos o engajamento nos dispositivos móveis, no livro interativo e,, também, alguns
organismos políticos e organizações sociais que nos pediram o material impresso com o
intuito de usá-los como campanha preventiva. ... Obviamente, usamos as redes sociais, mas
trabalhamos os conteúdos do tema como uma espécie de militância social, o que nos trouxe
várias participações em lugares como Barcelona, escolas com adultos e crianças, públicos
variados que tinham de quinhentas pessoas, com mil e com dez. Todavia, havíamos
programado, para o primeiro ano do projeto, ir a 30 lugares, mas acabamos indo a 50 entre
86
Do inglês, Quick Response,( reposta rápida em português) é um código de barras bidimensional que pode ser
facilmente escaneado usando a maioria dos telefones celulares equipados com câmera. Esse código é convertido
em texto (interativo), um endereço URI, um número de telefone, uma localização georreferenciada, um e-mail,
um contato ou um SMS. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%B3digo_QR>. Acesso em: 19
jan. 2019.
113
escolas, indústrias, organizações e empresas. Logo, se por um lado trabalhamos com as redes,
por outro trabalhamos com um micro público muito específico, nos fazendo retomar a ideia de
cinema de bairro ... apresentando a produção e falando sobre o tema. Isso foi o que ampliou e
deu espessura ao conteúdo.
JO: Eu vi que foi um projeto de grande repercussão social, porque fala do tráfico de
mulheres para exploração sexual, mas o projeto, de algum modo, foi pensando com as
características da audiência, como os cidadãos de Rosário, Argentina. Foi pensando isso
ou não?
FY: Sim ... Esse projeto foi o nosso quinto projeto transmídia. Participamos de festivais e até
recebemos um prêmio na Espanha, inclusive, concorrendo com países como o Brasil. Isso nos
deu impulso, mas não o dinheiro para nossa produção. E sem dinheiro, como fazer as coisas,
não é mesmo? … tínhamos um tema que produzia várias ramificações ... tivemos a
possibilidade de viajar para vários lugares da Argentina porque conseguimos alguns fundos,
além do prêmio que ganhamos fora da Argentina. ...
JO: Foi possível perceber se o projeto gerou alguma influência ou relevância para
sociedade?
FY: Sim, o projeto foi muito trabalhado no público argentino, sobretudo de Rosário, nós
trabalhamos em uma pesquisa sobre o tipo de audiência e tipo de redes. ... Tudo foi pensado
em conjunto. E obviamente, como tudo, teve algo que foi interessante: nós tínhamos um caso
de outra vítima, que saiu em um quadrinho, que aconteceu assim: uma menina menor de
idade, onde não usamos seu nome verdadeiro, no quadrinho usamos Sofia, que foi raptada no
limite entre a Argentina e o Uruguai, onde foi sequestrada e levada para trabalhar num bordel
na província de Bueno Aires. Esse momento aconteceu porque a vítima foi encontrada na
cidade de Rosário, mas, por medida protetiva das autoridades (pois, a vítima estava muito
assustada), não podíamos filmá-la ou tirar uma foto sua. E, sem imagem, não poderíamos usar
no documentário. Então, só dava para escrever algo e fazer um relato escrito, como uma
crônica. Então retomamos uma ideia que tem a ver com os quadrinhos jornalístico, que se
fazia antigamente em Barcelona, durante a primeira guerra civil da Espanha. ... Na América
Latina, principalmente na Argentina. Foi um modo interessante de usar o documentário
gráfico. Logo, uma série documental feita em quadrinhos com publicação periódica, ou se
editava como em um livro. ... Foi pensado mais como uma experiência experimental, em um
formato com o qual não tínhamos muita intimidade. Porém, pensamos em um formato que
114
teria muito mais impacto, então usamos para que fosse publicada no jornal da cidade, no
diário de domingo, onde os leitores têm idade de 35 a 40 ou 50 anos. ... O que fizemos foi
tirar um suprimento bem pequeno em um jornal político cultural que sai nos sábados e que
possui aproximadamente dez, quinze mil pessoas que o lê. ... Então, começamos a trabalhar
com alguns materiais, o qual escolhemos um que foi fundamental, sobre mulheres pioneiras.
Muitas mulheres, depois que saiam da cadeia, eram levadas pelo tráfico, pois muitas das
vítimas passam por um processo muito complicado de inclusão na vida social ... Nunca
pensamos em trabalhar com o público carcerário na cadeia de Santa Fé ... A maior
repercussão desse projeto foi trabalhando o boca a boca com instituições e organizações de
área educativas, pois, na educação, não entendem muito o que é um projeto transmídia, então
pedem permissão para assistir ou utilizar o nosso material, por isso nosso material está em
creative commons87, para que vocês utilizem. Por isso fazemos assim, para que todos utilizem
e também por seu impacto nos micro territórios.
JO: Como se deu a participação, a colaboração e o compromisso da audiência com o
projeto? Eu vi o mapa interativo, vocês têm a quantidade de quantas pessoas têm
participado disso ou colaborado com as denúncias de tráfico?
FY: Justamente, nós sempre utilizamos essa parte como uma peça que foi mal pensada e que
seu impacto foi zero. Pois é o típico impacto informativo, mas que não gera participação.
Assim como aconteceu no uso das interfaces digitais, o qual sabíamos que muita gente não ia
participar, onde a estratégia de marketing direto que foi mais curta, pensando apenas que o
projeto era fantástico. Isso foi um erro de conhecimento sobre a implicância e impacto que o
tema tem para as mulheres. ... Mujeres en Venta é um movimento que luta pelas mulheres,
assim como outros da América Latina e na Argentina, como o que foi com Nem Uma a
Menos(2016). ... Sobre violência contra mulher, sobre temas específicos que tinham a ver com
maus-tratos e violência. Então, nos demos conta disso e, assim, aprendemos que, até esse
momento em que acontecia o projeto, que as denúncias eram muito vagas e que não tinham
relações com o tráfico, mas que eram sobre abusos sexuais e violência de gênero. Porém, foi
uma boa ferramenta de mapeamento da Argentina, porque mostravam todos os casos que
haviam sido causados por certas relações ou suspeitos. Com essa ideia de ferramenta aberta,
só recebemos uma única denúncia, que não deu muito certo e não funcionou. Às vezes por
questões narrativas das plataformas, é necessário saber bem sobre o tema que se está
87
Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Creative_Commons>. Acesso em: 23 jan. 2019.
115
trabalhando, como em nossa pesquisa ... precisava ver se a narrativa combinava com aquela
plataforma e não usar por usar. Porque pode gerar resultados com outra história, outra
narrativa, enfim, outro tema. Então, com esses meios pudemos aprender o que funcionava e o
que não funcionava. ... É preciso saber o que, como, onde e porque isso funciona com esse
tema e não em outro. Logo, não é algo fácil.
JO: Então esse projeto não tem nenhuma mídia espontânea ou uma ferramenta de
participação que surgiu depois que o projeto já estava em curso?
FY: Bom, aqui, as participações exteriores foram poucas, mas a estratégia de marketing durou
cerca de dois anos. ... pois, fizemos um intercâmbio com alguns lugares, compartilhamos o
projeto, mas a participação foi bem baixa. ... Então foi impressionante a participação das
pessoas pessoalmente, assim trabalhamos difundindo e discutindo sobre ele. ... Logo, fizemos
um trabalho bem personalizado nos territórios com especialista no tema de tráfico e
documentaristas que contam histórias em alguns espaços para dar visibilidade à obra.
JO: Houve continuidade ou desdobramento do projeto? Sim, eu vi muitos formatos para
multiplataformas, que tem movisodeos, podcasts, doc para TV, quadrinhos, algo mais?
FY: Desde o começo foi planejado, como já falamos, para ser uma narrativa transmídia
usando várias mídias, obviamente que alguns formatos planejados foram mudando durante o
projeto. ... Na realidade, era um universo que estava planejado muito antes e que discutimos
mais sobre as participações que aconteceram nos territórios e que, durante essas participações,
foram surgindo outras coisas, isso foi o que tivemos mais de participação, não tanto como
fandom, houve participação, mas não muito ampla, pois mais peças não foram desenvolvidas
porque não tínhamos dinheiro. Mas o livro do projeto sim, foi a última peça que saiu desse
projeto. Que está em vias de ser impresso. ...
JO: Então é um projeto que está vivo ainda, que continua? Esta é a mágica da
transmídia?
FY: Sim, essa é a ideia, de que se mantém vivo, o ciclo de vida de uma mesma produção e
que sigo o experimento, mesmo depois de terminado um projeto. Pois temos o livro,
apresentamos o documentário na televisão e, agora, este ano, faz parte da grade de
programação da TV: o doc para TV, Histórias Silenciadas. … Também é preciso ter um
pouco de sorte, pois com pouco dinheiro conseguimos passar o projeto na TV. Como os
microepisódios que passaram, os quatro, na TV e, em seguida, o documentário... Nos meios
116
locais, quase não existem outros meios para ver esse projeto, a não ser pela TV. Então, dada a
importância e solicitação da própria população, o documentário passou em outros canais de
TV da Argentina. … Os movimentos internacionais também ajudaram muito. como o
movimento Nem Uma a Menos....
JO: Você falou um pouco sobre o que adquiriu com essa experiência, creio que tenha
aprendido com os erros e acertos, não? Pode falar um pouco sobre isso, da experiência
transmídia e das principais dificuldades?
FY: As dificuldades, provavelmente, as dificuldades financeiras, a gente que quer fazer
transmídia não tem dinheiro, porque é muito caro, inclusive, é bastante gracioso os
organismos que oferecem fundos para produções transmídia, pois são menores do que para
fazer um programa de televisão. Como fazer a transmídia se, a meu ver, tem que ter muito
mais plataformas. ... Então é difícil, e se já é difícil conseguir dinheiro para algo que já é
fechado, imagina para algo que é flexível, que as pessoas podem opinar e participar e que vai
precisar investir um pouco mais. Também aprendemos que o projeto é muito longo e que se
não pode financiar o projeto inteiro, tem que fazer por partes, por peças, por ações. Por
exemplo: vamos conseguir financiamento para os quadrinhos, para o documentário de TV e
assim por diante. É muito raro conseguir fechar tudo, é preciso aprender a produzir por partes,
é muito raro conseguir o financiamento completo. É uma questão de aprendizagem esta
questão da produção. É necessário também como planejar o storyboard, como planejar as
etapas para o desenho e para concepção da história. Essa combinatória é o que vai te ajudar a
conseguir financiamento para a produção … … Aí que fomos aprendendo, não só como
contar, mas também como conseguir dinheiro para contar e fazer histórias. … Inclusive,
quando nos demos conta, já tínhamos desenvolvido várias histórias para narrativa transmídia,
havíamos alcançado, feito e planejado quando nos chamaram para fazer um museu transmídia
e aprendemos tudo sobre narrativa transmídia para um museu. Então, estudamos e soubemos
como usar interfaces com o museu. Foi um aprendizado muito bom. Logo, a transmídia nos
trás muitas possibilidades.
JO: Você faria outro projeto nessa linha?
FY: Você diz, nessa linha transmídia, ou na linha de histórias sociais como Mujeres en
Venta?
117
JO: Eu creio que os dois, social, mas como um todo, a narrativa transmídia, mesmo que
seja para outro projeto diferente
FY: Depois deste, seguimos trabalhando com três ou quatro projetos, seguimos com
documentários... museu, agora estamos em plena execução de uma série que se chama De
Bairro Somos88, que é sobre os clubes de futebol de Rosário, e aí incluímos outros elementos,
fizemos uma Festival Transmídia, trabalhamos com um álbum de figurinhas produzidas com
o clubes, onde as crianças podem fazer um intercâmbio com elas, que se conectam às
plataformas digitais, como realidade aumentada, aplicativos de celular, enfim muitas coisas.
Logo, em breve, após as férias, trabalharemos sobre uma intervenção histórica social em
Rosário, que era contra a ditadura militar e que tem a ver com a universidade. Estamos
coletando depoimentos e desenvolvendo um caça tesouros que é relacionado com a cidade,
promovendo a participação das pessoas com pistas e outras coisas mais. ... Temos vários
projetos assim, em andamento. ...
JO: Quanto tempo leva para fazer um projeto como esse?
FY: Muito tempo, Mujeres en Venta levou um ano de produção … onde foi gerando o
universo narrativo, e outro ano para execução e divulgação, logo, durou uns dois anos. ...
JO: Uma curiosidade, na Argentina as produções transmídias são feitas com a
participação das universidades e o mercado ou indústria comercial de trabalho, há uma
parceria entre os dois?
FY: Na Argentina, não há um mercado de trabalho em transmídia porque é muito caro, quase
o mesmo que no Brasil, embora, no Brasil, a Globo esteja fazendo parte desta produção, mas,
aqui, os grandes meios ainda não. Uma parte tentou, mas não tem demanda ou subsídios para
essa linha de produção. Pois, aqui, a demanda é mais para cinema, regional e mais televisivas.
Logo, para desenvolvimento transmídia tem a obra derivada e, quando o Estado investe,
adquire os direitos da obra. ... A universidade é pioneira em produção de narrativa transmídia
de não ficção na Argentina. Algumas coisas conseguimos fazer com que a Universidade
pagasse, mais outras não porque ela não pode. Nesse projeto, conseguimos um fundo com o
Canadá por conta de um prêmio que ganhamos por lá. A obra toda custou, 45 mil dólares.
Não foi fácil conseguir esse dinheiro. ...
88
Disponível em: <http://www.dcmteam.com.ar/3/transmedia/49/De-Barrio-Somos>. Acesso em: 26 jan. 2019.
118
JO: Então basicamente, vocês fizeram esse projeto com a ajuda da universidade e com
fundos de organizações ?
FY: A universidade não pode pagar a equipe, mas pôde disponibilizar a estrutura. O que
fizemos foi buscar financiamento para produção. Contratar mais gente porque precisava, ... e
conseguimos isso a partir de pequenos aportes para que conseguíssemos produzir. ...
JO: Aqui no Brasil, nós temos um fundo do governo para fazer algumas produções, mas
tem que passar por um processo de eleição, tem algo parecido na Argentina?
FY: A universidade tem um fundo para produção audiovisual que também utilizamos, e
depois fomos conseguir financiamento em outros lugares. O doc para TV foi feito com um
fundo da rede universitária para produções audiovisuais. Na Argentina, hoje, não é um
momento ideal para conseguir financiamento para projetos audiovisuais, imagino que o
mesmo ocorra no Brasil.
119
APÊNDICE C – Transcrição da Entrevista com a Diretora de Precisamos Falar do
Assédio, Paula Sacchetta
JO: O projeto foi concebido desde o início para ser transmídia?
PS: Pra ser honesta, isso aconteceu depois, pois a ideia era só fazer um filme, pois pensamos
muito com essa cabeça de documentarista, voltada mais para o cinema. O que aconteceu foi
que, quando colocamos a van na rua pra fazer um filme, eu pensei: se no fim de uma semana
a gente tivesse, trinta, cinquenta depoimentos estaria ótimo porque assim, dá pra fazer um
filme. Com o fim de sete dias de filmagem, já tínhamos cento e quarenta depoimentos em
treze horas de material bruto. Quando se faz uma campanha dessas, que fala para as mulheres
falarem de sua experiência, eu me senti responsável, pois se digo para essas mulheres que
precisamos falar do assédio, e elas falam, vou escolher vinte e poucas pra fazer um filme de
oitenta minutos e vou fazer o que com o resto dos depoimentos, guardar num HD na
produtora? Então, o projeto transmídia nasceu muito mais daí, dessa necessidade de dar
vazão, de fazer um novo produto que não fosse só um filme, porque um filme, beleza, roda
em festival de cinema, roda na TV e etc. Mas ele é limitado de tempo, né? Então, se você
pensar que um longa tem entre setenta minutos e duas horas e pouco, e que um longa muito
longo desse filme com esse tema ia ser demais, pensamos em um projeto transmídia que fosse
filme mais o site, que daria conta disso, de dar um lugar pra todo esse material que era tão
importante e não menos importante do que o filme.
JO: E aí você tem o documentário, que foi um tempo mais curto, para entender o
projeto, tem o longa-metragem e tem o documentário que foi pro site, quer dizer, os
micro depoimentos, né?
PS: Não assim, tem o site e tem o filme de oitenta minutos e que tem vinte e seis
depoimentos, dos cento e quarenta que coletamos. E dentro do filme, esses vinte e seis
depoimentos são editados para o filme. O site tem os cento e quarenta depoimentos na íntegra.
Então, assim, dentro da van tinha um relógio onde as meninas poderiam falar até cinco
minutos, mas várias mulheres ignoraram, então, tem depoimentos de cinco minutos, dezesseis
minutos, vinte e tantos minutos. Então, no site, estão todos na íntegra sem cortes.
120
JO: Vocês utilizaram, para fazer esse projeto, alguma bíblia transmídia, algum guia, ou
foi mais pela intuição que rolou na hora?
PS: Foi mais por intuição, eu acho que têm vários e vários sites que eu gosto muito, super
interativos assim. Acho que tínhamos a necessidade de que esse não fosse careta, super duro,
estático, né? Que ele pudesse ser uma coisa viva, então tem também uma parte, além desses,
cento e quarenta depoimentos na íntegra, que estão lá, tem outra sessão que se chama, Mais
Depoimentos, onde qualquer mulher de qualquer parte do mundo pode entrar e gravar seu
depoimento. Então, tem mais depoimentos que continuamos recebendo até hoje, entendeu?
Esse projeto é de dois mil e dezesseis e, em dois mil e dezenove, continuamos recebendo.
Então, tem essa coisa, eu acho, de continuar, de não parar, de dizer: bom, fizemos um filme,
tchau, um beijo, sabe? Acho que o projeto transmídia, assim, do jeito que pensamos, ele era
pra isso, pra dar força, pra dizer que agora que começamos a falar sobre isso, a gente não vai
parar mais, sabe? E daí, o que eu acho interessante mencionar é que tem vários festivais do
mundo do cinema que são super importantes, um dos mais importantes festivais de
documentário do mundo é o IDFA (International Documentary Film Festival Amsterdam) 89, e
o IDFA tem uma sessão para projetos transmídia, então o meu filme foi para o IDFA, não
como um filme, mas como um projeto transmídia. Você começar a ocupar esses espaços, que
normalmente são mais caretas e conservadores e tal, com projetos assim, e eles estarem
abertos a isso, é um sinal de que as coisas estão mudando e evoluindo.
JO: O que foi levado em conta para escolha das plataformas de mídia e por quê? Tem o
site, que é a mídia principal, mas tem as redes sociais também, que vocês utilizaram, foi
utilizada alguma outra além do Facebook do projeto?
PS: Não, a gente … antes do filme, antes da coleta de depoimentos, a gente utilizou todo tipo
de mídias tradicionais possíveis pra convidar as pessoas a darem depoimentos. ... Então, saiu
trailer no Cine Belas Artes por vários dias, dizendo onde a van estaria estacionada e etc. Tinha
as chamadas nos cinemas, porque fizemos algumas parcerias com alguns cinemas, tinha
anúncio em revistas, em jornal impresso, saiu na TV durante a semana. Como filmamos na
semana da mulher, saiu na TV, pois, no dia oito de março, as redes de TVs foram lá. Então,
assim, para campanha do projeto, para a chamada, a coleta de depoimentos, a gente usou
todos os tipos possíveis e, daí, claro, muito Facebook e Instagram, né? Naquela época o
89
Disponível em: <https://www.idfa.nl/en/info/over-idfa>. Acesso em: 22 jan. 2019.
121
Facebook bombava muito mais do que Instagram e, hoje, é bem o contrário, a gente sabe e
tem visto muito isso. Então usamos de tudo um pouco.
JO: E vocês aproveitaram também, a hashtag do meu primeiro assédio, que impulsionou
bastante, né?
PS: Exatamente. O filme, ele nasce disso, né? Não existiria a ideia desse filme se não
existisse a rede social. Foi uma necessidade minha de fazer esse tema quando eu percebi que
nós estávamos falando, pela primeira vez, coisas das quais a gente não falava. Isso aconteceu
por conta de uma hashtag na internet, #meuprimeiroassedio. Por causa daquela história da
Valentina, do Master Chefe Júnior, e etc.
JO: Daí o projeto foi pensado de acordo com as características do público, vocês
chegaram a fazer esse levantamento antes de fazer o documentário ou foi
mais impulsionado pelo período em que estávamos vivendo mesmo?
PS: Não, na verdade, pensamos que, quando você coloca uma van na rua, a alma de
um documentário e, a princípio, claro que existem exceções, é a pesquisa de personagens.
Assim, eu tenho uma boa história, mas não basta ter uma boa história. Eu tenho que ter uma
pessoa que fale bem, que conte aquela história pra gente ter margem de cobertura. Quando
você decide fazer um documentário, formalmente, esteticamente, do jeito que a gente decidiu,
que era muito bruto, muito cru, que era só o fundo preto com o rosto das mulheres assim, e
você põe uma van na rua e você não está lá dentro com essas mulheres entrevistando fazendo
perguntas, vendo como ela fala, se ela fala bem ou se fala mal, é uma caixinha de surpresas.
Então, assim, imagina, eu fiquei sete dias colhendo esses depoimentos, a menina entrava na
van de um jeito e saia vermelha chorando, eu não tinha ideia do que ela tinha falado. Porque
era um documentário de dispositivo, é um documentário em que decidimos respeitar as regras
daquele espaço enquanto ela dava seu depoimento, então ela estava sozinha dentro da van e
ninguém estava vendo ou ouvindo o que ela falava. Tinha uma pessoa da equipe vendo a
imagem dela pelo computador pra ver foco, e outro menino da equipe vendo as ondas de som
pra saber se estava funcionando, mas sem ouvir. Então, não sabíamos, porque tinha esse
momento íntimo, catártico de desabafo e etc. E daí eu só fui ter contato com esse material na
ilha de edição, depois.
122
JO: Então, foi bem experimental
PS: É, foi bem experimental, nesse sentido de pouco controle, no sentido de direcionar seu
material. Só que, daí, a direção vem na hora da edição. Então, a edição foi feita assim,
geralmente, num filme, você dá um roteiro, uma escaleta de montagem e tal, e a pessoa vai lá
e monta. Foi um processo de edição em que eu fiquei do lado do montador cem por cento do
tempo. Tipo, coloca esse, aquele e etc. … Eu assisti todos, sabe? Geralmente, você não assiste
o material bruto; normalmente, você tem um roteiro ... nesse filme não foi assim, acho que
esse direcionamento do qual você me pergunta se deu mais na edição entendeu?
JO: Entendi, mas o público é basicamente feminino, foi feito para mulheres, o filme? Ou
vocês não pensaram com esse corte?
PS: Na verdade, não, na verdade, era para falar sobre assédio e tocar o máximo de pessoas
possíveis. Eu, sinceramente, quando vou fazer exibição, eu acho uma pena que a plateia seja,
majoritariamente, quase sempre, feminina. Porque eu acho que vai ter uma hora que não
vamos mais só falar de nós para nós. Você, Jaqueline, vai assistir esse filme, você sabe, você
já viu uma amiga, algumas daquelas coisas você já viveu ou conhece alguém que já tenha
passado por isso, você sente na pele, sente no corpo, você sente porque já viu, você conhece.
Então, pra nós tem uma coisa de você se enxergar ali, se reconhecer ali e tomar força e
coragem a partir daquilo, mas, meu sonho é poder passar esse filme para uma plateia de cinco
mil homens, tipo: amigo, assiste isso aqui. Então, o público não foi direcionado para ser
feminino. … A ideia não era essa (...)
JO: É bom ouvir isso de você, porque quando a gente vê, indiretamente, o projeto, a
gente pensa que ele foi direcionado só para mulheres, foi feito na semana da mulher,
então o público é só feminino.
PS:É, a coleta era, o tema era, mas o público não.
JO: Sim, o público em geral, para dar um recado mesmo, né?
PS: Sim, isso mesmo.
123
JO: Foi possível perceber, aí na sua percepção mesmo, se o projeto gerou alguma
influência ou relevância para a sociedade? A gente entende, né, eu vejo que sim, mas
quero saber a sua percepção com relação a isso.
PS: É, teve um pouco de tudo, né? Acho que isso é uma coisa difícil de medir, sobre o que
aconteceu de fato na realidade de mudança. Mas eu acho que, se eu não acreditar nisso, eu
não faço mais filmes né. … Porque meus filmes, bom acabei de produzir uma série de TV
sobre o sistema carcerário, esse filme sobre violência contra mulher... eu acho que eu acredito
no documentário como uma arma de transformação do mundo sabe, com uma visão quase
que romântica dele, sabe? Então, eu só vou trabalhar com temas que me toquem; quando eu
começo a filmar alguma coisa, meus amigos até brincam: “Nossa! Lá vem a Paula filmar mais
um dos temas leves dela.” E é isso, não consigo fazer diferente. Então, assim, eu acho que,
pra responder essa pergunta, eu posso contar da exibição para as mulheres que estavam no
documentário. Quando o filme estava pronto, quando a gente terminou, que estava pronto
entre aspas, tipo o corte falou: bom, essas são as mulheres que estão no filme, esse é o filme
pronto e agora vai para pós-produção, a gente trata cor e som e etc. Eu pensei: agora a gente
tem uma autorização de uso e imagem dessas mulheres, eu posso usar esses depoimentos
porque elas assinaram, mas, eticamente, eu achava que elas precisavam assistir a esse filme
antes dele cair no mundo, né. Então, legalmente, eu estava muito segura, mas eu pensava ...eu
quero que elas vejam isso e vejam como se sentem vendo isso. ... Então, antes de finalizar o
filme, eu chamei uma projeção na produtora só para as mulheres que apareciam nele. E eu
fiquei em pânico nesse dia, porque eu passei: seis meses editando o filme, nós filmamos em
março e era setembro, e pensei: elas vão assistir e não vão querer mais aparecer no filme.
Bom, mesmo assim, eu sentia que devia isso a elas, então, fizemos essa exibição na produtora
pra elas e, depois do filme, uma delas falou: “Obrigada!”. E, então, começou a conversa mais
bonita que eu já tive, até hoje, sobre esse filme. Uma delas falou assim: “Sabe aquela teoria de
criação do mundo, o big bang ali, que é uma explosão?”, “Sei”, eu respondi. “Então, antes de
dar o meu depoimento nesse filme, eu era tipo uma poeirinha voando solta pelo espaço e,
quando eu me choquei com essas outras mulheres que estão aqui na sala, não que eu me
choquei e virei mais poeirinha ainda, a gente se chocou e criou um mundo novo, muito grande
e muito forte. Outra falou assim, “é eu estou do lado do avesso nessa tela, estou com as
vísceras expostas e só tenho coragem de estar porque elas estão também”. Então, assim, eu
acho que, só para ilustrar, que, quando eu passo o filme, ou entro em uma sala, e ele está
passando, eu penso: “Socorro”!” É uma sensação de tortura esse filme, e porque estou
fazendo as pessoas passarem por isso, mas, se eu não acreditasse no sentido dele ou
124
na possibilidade de mudança dele, ele não existiria. Essa fala delas é muito isso, e, em cada
uma pega de um jeito, ele tem gatilhos que, para umas podem ser bem ruins e para outras que
vão olhar e se cuidar, olhar para própria dor, várias delas foram fazer terapia, procurar
psiquiatras, psicólogos e etc. Foram procurar delegacia da mulher pra acionar judicialmente
seus agressores. O filme está sendo usado em escolas, sabe, pra educar jovens; outro dia eu o
passei em uma escola e um menino pegou o microfone e começou a chorar e falou de tudo, se
reconhecendo como homem no mundo, então, assim, é muito sutil e subjetivo, não dá pra
medir. Mas, eu acho que é uma sementinha plantada e assim, estamos num estado de mundo
que está provado que não deu certo, né? Então vamos começar de novo e quanto mais pegar
homens, meninos o mais cedo possível, mulheres, jovens, acho melhor, para tentar fazermos
alguma diferença.
JO: E como foi a participação, colaboração e comprometimento dessas pessoas, né, do
público do projeto com os envios dos vídeos, como foi essa participação?
PS: Online, você diz?
JO: Sim, tanto online, quanto a participação física, aonde as pessoas iam lá na van de
forma voluntária prestar seu depoimento?
PS: Os depoimentos que nós recebemos pelo site foram só pro site, desde sempre; isso foi à
parte do filme, e eles chegaram depois que participamos com o filme no festival de Brasília.
JO: E foi de forma espontânea, ou vocês já tinham pensado nisso antes?
PS: A gente tinha pensado nisso durante o desenvolvimento do site, onde a gente já previa a
ferramenta para receber depoimentos. Essa parte sim, só que o site só foi lançado com o filme.
Então, os depoimentos que recebemos pelo site, jamais iriam para o filme, já que os
depoimentos para o filme foram gravados na semana da mulher. Eu acho que recebemos
muito menos do que eu imaginava, do que poderíamos receber. Porque acho que tem a coisa
do set de filmagem, né, a van estava na rua, tinha fila e tinha esse negócio de um evento, de
um acontecimento, de fazer parte de algo. De olhar aquela van parada, de ver aquela caixa
preta, figura, né, aquele confessionário. Então acho que é muito mais fácil falar no contexto
da van do que você chegar, sozinha, na sua casa à noite, ligar e a webcam e olhar sozinha e
mandar um depoimento pelo site. Então, recebemos muito menos do que achei que
receberíamos. Agora, pra mim foi muito impressionante os depoimentos ali na van, como
essas mulheres chegavam até a van e o que as incentivava a ir falar aquilo. Tinham meninas
125
que passavam reto e, depois, perguntava sobre o que era, tinha gente que falava que voltava
depois do almoço e nunca mais voltava. Teve uma menina, a antepenúltima, que está de
máscara azul, e ela fala que foi estuprada em uma festa, que ela tinha treze anos, e o cara não
aceitou que ela gostava de meninas, essa menina foi assim: era o último dia coleta de
depoimentos na van, ela saiu do metrô, passou reto pela van, voltou e, como era o último dia
aqui em São Paulo antes de a gente filmar no Rio, tinha fila na Avenida Paulista, então se
você decidisse a dar agora o seu depoimento, você iria ficar uns quarenta minutos na fila,
porque eram cinco minutos pra cada, sempre tinha umas oitos pessoas. Ela passou, voltou, me
perguntou o que era, foi para o fim da fila, ficou soluçando a fila inteira, deu o depoimento e,
quando eu fui assistir o depoimento dela na ilha de edição, ela fala que nunca tinha falado
daquilo, que ela fala ali pela primeira vez, que ela não falou daquilo para o psicólogo dela,
para o psiquiatra dela, nem pra mãe dela. Então, é muito louco o que fez essa moça ver uma
van estacionada no meio da Avenida Paulista, a oportunidade de falar daquilo pela primeira
vez, então, acho que as disponibilidades de como cada uma chegou ali foi interessante. Uma
também chegou com tudo, tinha uma fila gigante, eu abri a porta pra tirar uma e ela furou a
fila entrou na van e eu disse: calma, tem uma fila, deixa eu te explicar o projeto, e ela disse:
não, não, não precisa me explicar nada eu já vi na TV e vim dar meu depoimento, ela tinha
um BO na mão. Então, foi muito interessante a disponibilidade emocional que teve.
JO: Vocês já expuseram os vídeos que chegaram pelo site?
PS: Sim, estão todos online, está lá ativo.
JO: Ah, tá, isso é se houve continuidade ou desdobramentos do projeto, porque às vezes
um universo gera outros conteúdos e desdobramentos
PS: Acho que tem milhares, né? Agora, estou pensando em fazer um sobre masculinidades.
JO: E o que você adquiriu dessa experiência transmídia?
PS: Acho que a gente, que é do cinema e tal, ainda temos uma visão muito careta de
distribuição, sabe, eu fico pensando assim no meu filme, está bom, ele rodou no festival de
Brasília, vários festivais importantes, mas ficam muito na patotinha do cinema, né, então o
site existir, ele agora está naquela plataforma Videocamp90, sabe, então, qualquer pessoa de
qualquer lugar do mundo pode pedir o filme para baixar e fazer uma exibição, essas
90
Disponível em: <https://www.videocamp.com/pt>. Acesso em: 22 jan. 2019.
126
possibilidades, as pessoas chegam no filme através disso, e acho que temos que olhar cada vez
mais pra isso. Além de estar no Net Now91, no Canal Brasil92 de TV, enfim, nem todos
acessam isso. ... Temos que pensar na questão de produzir um conteúdo e querer que ele seja
conhecido e não guardado na gaveta. ...
JO: Com relação às dificuldades, quais foram?
PS: Acho que, fora o site, que deu muito trabalho devido à linguagem de programação, pedir
ao desenvolvedor que o deixasse interativo, enfim, isso foi bem desgastante por eu não ter
esse conhecimento mais técnico e também de entender a linguagem, o formato e que vontades
eram viáveis de transformar no projeto.
JO: Você faria outro projeto transmídia e se tem algum em andamento?
PS: Não, por enquanto não, mas, provavelmente, faria novamente como um produto que
potencializa o filme. Acho que vale pensar sobre isso, no Lab do IDFA de Amsterdam, que é
sobre isso, adoraria ir com outro projeto pensando nesse tipo de coisa né. … O filme em que
estou trabalhando agora, ainda não começamos a filmar, que é sobre sexo na terceira idade, a
gente vai primeiro filmar um curta … e, depois, vai filmar de fato, em cinco continentes,
então, acho que é isso, temos que apostar nesses outros formatos pra jogar isso no mundo ....
Não tenho um novo projeto transmídia, mas acho que é algo que temos que manter em vista,
pois sempre acabamos com muito material gravado, já que é preciso ter muito material para
fazer uma série de TV, um filme e fica tudo gravado no HD depois; imagina, eu filmei uma
série de TV, são oito episódios de vinte e seis minutos, a gente filmou trinta e seis diárias de
doze horas, então tem muito material, e as pessoas só vão ver oito vezes de vinte e seis
minutos. ...
91
92
Disponível em: <https://www.net.com.br/now>. Acesso em: 22 jan. 2019.
Disponível em: <https://globosatplay.globo.com/canal-brasil/>. Acesso em: 26 jan. 2019
127
APÊNDICE D – Transcrição da Entrevista com a roteirista transmídia de Cuento de
Viejos, Laura Piaggio
JO: O projeto foi concebido, desde o início, para ser transmídia? Por quê?
LP: A origem do projeto foi uma exposição de retratos animados, um projeto mais artístico
do que audiovisual. Quando decidimos instituir como uma série, pensamos que é transmídia
desde o início. Você tem que ter a conta que era 2011 e havia poucos antecedentes. Na
verdade, foi falado de crossmedia, a palavra transmídia foi estabelecida, algo além da
indústria. Mas a resposta seria sim. Nós pensamos que transmídia desde o primeiro momento,
decidimos instituí-lo como um projeto audiovisual. E nós o fizemos pelas razões: o
documentário animado era um formato raro na época, e o público podia ser incomum para um
formato animado, então queríamos agregar valor ao projeto da série. Anna Ferrer, na época
produtora de Hierro, ouvira que as emissoras de televisão poderiam se interessar por essa
nova maneira de pensar sobre projetos, incluindo janelas digitais e participativas. Eu era um
especialista em audiovisual digital e interativo, então pensamos que tínhamos as habilidades
para ter sucesso. Para melhorá-lo, nós nos inscrevemos para o Pixel Lab, um laboratório de
desenvolvimento de mídia cruzada para o Power to the Pixel, no Reino Unido.
JO: Algum tipo de bíblia transmídia foi usada? Como era?
LP: Naquela época, não éramos tão claros sobre as bíblias transmídia, era um
desenvolvimento muito intuitivo e orgânico. O trabalho no laboratório nos ajudou a trabalhar
em toda a questão do público, participação e financiamento. Não tivemos experiência em
audiovisual profissional e mais experiência em animação experimental e comunicação digital.
Nós estávamos aprendendo como nós fomos. Nós construímos a bíblia enquanto préproduzimos a primeira temporada!
JO: O que foi levado em conta para a escolha das plataformas de mídia e por quê?
LP: Sempre pensamos nas plataformas e não nas funções que elas cumprem, nem tanto pelas
plataformas em si. A série é para TV, por um lado, porque era a única maneira de financiá-la
(pelo menos naquela época) e porque o público (família) na Colômbia ainda está na TV. Foi à
forma em que o produto teve mais visibilidade nesse contexto. A parte participativa, nós
fizemos na web, porque naquela época (2013), as aplicações não eram relevantes, e menos
massivas na Colômbia. Os dados móveis eram muito poucos para compartilhar vídeos. Não
foi uma opção. A única opção era uma teia. Finalmente, percebemos o potencial dos eventos
128
físicos, indo registrar as histórias, especialmente nas cidades menores da Colômbia, onde os
links estão mais próximos. E o potencial educacional do material que foi gerado. O encontro
entre jovens e idosos foi uma experiência poderosa e, depois, fizemos as ferramentas para
trabalhar nas salas de aula; e na terceira temporada, conseguimos levar a experiência para
bibliotecas públicas em diferentes regiões da Colômbia.
O aplicativo surgiu como uma necessidade, na terceira temporada (já estávamos em 2016), de
facilitar o envio de vídeos gravados com o mesmo aparelho. Muitas pessoas tiveram
problemas para baixar o vídeo para o computador para enviá-lo na web, então, um aplicativo
que gravaria a entrevista e a enviaria diretamente para os nossos servidores era um facilitador.
JO: O projeto foi pensado de acordo com as características do público?
LP: Sim e não. Ou seja, sempre pensamos que o público de Cuentos era um público familiar,
ou seja, todo público. De fato, vimos que, na verdade, o público mais fiel da série na TV era
um jovem adulto, poderíamos dizer que eles eram os "filhos do velho" das histórias. Como o
projeto era para um público familiar, e o objetivo era o diálogo intergeracional, cada
plataforma foi projetada para sua função e seu público específico:
- a web foi para enviar e compartilhar histórias, então, foi pensado mais para os mais jovens
(filhos e netos), como ferramenta de participação;
- o aplicativo foi projetado, para o mais novo de todos (netos), isto é, adolescentes ou jovens.
Como ferramenta para gravar histórias (gravar entrevistas e enviá-las);
- os eventos propõem uma experiência intergeracional (netos e avós) entre os dois extremos
do público, o mais velho e o mais novo;
- a televisão era o formato mais geral (para todos os públicos), embora, na prática, os mais
jovens conhecessem o projeto on-line, pelo ouvido da boca, do que assistindo à TV. A série
tem alguns dos picos de audiência, mais altos de Señal Colombia, embora seja importante ter
em mente que o público do canal é muito limitado, especialmente nas grandes cidades.
JO: Foi possível perceber se o projeto gerou alguma influência ou relevância para a
sociedade?
LP: Seria um pouco pretensioso afirmar que o projeto gerou mudança social ou algo assim,
no entanto, o impacto que teve tanto a nível americano e europeu colombiano e latina, reflete
que aborda claramente uma questão de relevância social. A recuperação da memória oral, a
conservação da memória do século XX, a promoção do diálogo intergeracional, a inclusão de
diversos discursos no diálogo digital e o uso de ferramentas de gravação e armazenamento
129
digital para a pesquisa como exercício pedagógico dos pontos fortes que identificamos no
projeto. Todos eles contribuem para essa percepção geral de que é um projeto que foi
valorizado como relevante e inovador em fóruns internacionais. Por outro lado, a partir de
nossa experiência e contato com e-mails e comentários do público em si, tem gerado, sem
dúvida, experiências significativas e memoráveis, intrafamiliar, pessoal e que aprendemos
com os pais que tiveram primeiras histórias traumáticas do seu passado para seus filhos e
famílias, e eles tinham escondido mas não esquecido (geralmente relacionado com a violência
política e social); netos e crianças que queriam homenagear os mais velhos compartilhando
histórias que tinham ouvido milhares de vezes ... que aprendemos com os avós para contar sua
história, todas as pessoas; virou em homenagem à sua memória, como foi o caso de San Juan
del Cesar, onde o filho do vencedor do pedido de histórias, enviou a história, mas também
organizou workshops na escola onde leciona, e apresentou a experiência em diversas feiras
regionais. Quando fomos com as câmeras para gravar a entrevista para fazer o capítulo
animado, toda a família recebeu a equipe, desfilou pelas ruas da vila e tocou ballenato para
nós. Ali, ficou evidente que alguns dos anciãos da cidade ainda tinham um lugar relevante na
comunidade como "guardiões da cultura local". Nós também tivemos casos de histórias muito
bonitas, contadas por avós de cidades maiores, onde ficou evidente que eles estavam mais
sozinhos pessoalmente, e ao compartilhar sua história, eles fizeram isso sem ter uma família
para contar, mas viram o projeto como um espaço para compartilhá-lo.
JO: Como foi a participação, colaboração e comprometimento do público com o
projeto? Quais foram motivados pelo projeto e quais surgiram espontaneamente?
LP: Depois de tantos anos, é difícil lembrar de todas as circunstâncias. Eu poderia sintetizar
assim: o projeto foi projetado para que houvesse participação, mas pensando em um cenário
pessimista. Estávamos cientes de que pedir-lhe para enviar peças de vídeo em 2013, na
Colômbia vagamente ligado, já era tecnicamente muito exigente e arriscado. Por outro lado,
eram peças de vídeo em que o conteúdo era para ser relevante, não casual ou espontâneo, que
a dificuldade aumentou, portanto, pensamos no projeto para que os conteúdos compartilhados
fossem valorizados, mas não indispensáveis para o sucesso da proposta. Ou seja, as
temporadas da série de animação nunca foram inteiramente compostas de histórias enviadas,
embora sua presença estivesse aumentando a cada temporada, à medida que as histórias
compartilhadas na web aumentavam (e tínhamos mais para escolher).
130
Também incluímos outras formas de participação, como votação e comentários, que eram
menos exigentes, e também tinham o seu lugar ao escolher as histórias que passariam da web
para a TV.
As oficinas foi a forma de participação menos massiva, mas mais flexível, porque, por um
lado, houve oficinas organizadas e financiados a rede de bibliotecas públicas, para o qual
havia uma muito intensa, mas limitado a certo número de participação assentos pela cidade e
biblioteca mas, por outro lado, os materiais carregados na web permitem que os professores
organizem a experiência em sala de aula, livre de toda a nossa interferência. Se
compartilharmos os resultados, nós os publicamos, mas sabemos de professores que fizeram o
workshop e nunca publicaram as histórias abertamente, mas eles viveram a experiência.
Duração durante os anos do projeto, também tivemos vários contatos espontâneas de pessoas
que foram inspirados por propostas de diversas formas de participação, embora sejam
contribuições difíceis de veicular, não são feitas na forma prevista no projeto. Uma vez que a
estrutura do projeto foi definida, mudar as formas de participação, ou abri-las a novos
critérios, geralmente não contribuía para o total do projeto, mas, sim, tornava sua identidade
imprecisa. Sem mencionar que algumas dessas propostas foram realmente pedidos de
emprego. Outras formas de participação espontânea foram os e-mails ou comentários nas
redes sociais, onde eles simplesmente queriam compartilhar sua opinião sobre uma
determinada história ou sobre a série.
Enquanto o envio das histórias pode ser feito a qualquer momento, a realidade é que a
moderação da web e processamento do material enviado é um trabalho exigente, que não foi
financiado em vez de produtores, de modo que, em um ponto, decidiu abrir chamadas
disseminação e moderação pontuais e de trabalho durante períodos de tempo limitados em
cada estação.
JO: Houve continuidade ou desdobramento do projeto?
LP: Temos dois projetos relacionados à Cuentos: um longa, baseado nas histórias de três (ou
quatro) mulheres que conhecemos produzindo histórias de Histórias; e um produto editorial
com conteúdo expandido. O problema é que a produção de Cuentos nunca nos deixou
benefícios como produtores, então, o desenvolvimento e a produção desses derivados devem
ser feitos com financiamento específico ou com contribuições próprias, o que atrasou o
processo, mas não descartamos.
131
JO: O que foi adquirido com essa experiência transmídia?
LP: Acho que detalhei algumas das aprendizagens ao responder outras perguntas. Como
produtor, adquiri alguns, especialmente no que diz respeito ao financiamento necessário não
apenas para a produção, mas também para a manutenção do projeto. Ou seja, as condições de
sustentabilidade do projeto para viabilizá-lo no médio prazo. Também aprendendo o que tem
a ver com a gestão de equipamentos, coprodução e gestão e controle de fundos de
coprodução, mas estes são para mim. Desde o papel de autor (coautor) de projetos transmídia,
as principais reflexões têm a ver com a gestão dos conteúdos fornecidos pelo utilizador: é
necessário quebrar as formas de participação para detectar dificuldades ou ambiguidades que
podem dificultar a participação ou diminuir a participação válida ou relevante; por outro lado,
acho importante dar um papel relevante ... na proporção da dificuldade / tempo / relevância
que isso tem para o usuário.
Não evite recursos para o design da interface do usuário e para a pesquisa e prototipagem de
plataformas específicas para otimizar, simplificar e torná-las atualizáveis e escalonáveis. Isso
pode ser caro, mas é importante que seu parceiro / coprodutor / financiador o entenda e
compartilhe os critérios.
Finalmente, para manter o esquema coerente, para fortalecer a identidade e para garantir que
ela seja diluída em uma infinidade de plataformas, para ser claro sobre os objetivos de cada
meio e seu público. Se houver algo que sobrou ou não estiver funcionando, remova-o
rapidamente. Manter a estrutura simples e consistente é muito importante. Como as plantas,
você tem que eliminar os surtos que "vão embora" e tirar energia e recursos.
JO: Quais foram as principais dificuldades?
LP: Pode-se dizer que as maiores dificuldades surgiram da falta de financiamento ou, melhor,
de financiamento insuficiente. O financiamento para o projeto foi fornecido pelo Señal
Colombia e os próprios produtores, que realizou, em todos os períodos de pesquisa e
produção audiovisual, mas, para a estreia pós-temporada da série, a sustentabilidade do
projeto no palco plataformas digitais, financiamento foi fornecido pelos produtores
completamente, terminando resultado um fardo pesado demais para segurar corretamente, o
que, em certos períodos, teve que ser reduzido ao mínimo e prejudicando o projeto em longo
prazo. Nós fizemos isso pela fé e amor para o projeto, mas acabou por ser muito pesado e
fonte de conflito, especialmente quando, ao longo dos anos, os fundos do mercado de
coprodução do canal, Señal Colombia não aumentou na proporção do aumento do custo do
projeto e da incapacidade de os produtores para adicionar outras fontes de financiamento ao
132
projeto. Sem dúvida, isso prejudicou o potencial de crescimento ou a possibilidade de
reinvestimento em novas formas de exploração do conteúdo gerado.
Se falarmos de dificuldades específicas, podem incluir:
- na primeira temporada, vimos que a conectividade média dentro da Colômbia era demasiado
baixo para enviar vídeo, e muitas pessoas precisavam de apoio personalizado para encontrar
soluções individuais para a sua dificuldade para enviar o vídeo, eu queria partilhar, estávamos
resolvendo isso, mas perdemos algumas colaborações ao longo do caminho. Para facilitar este
passo, abrimos a possibilidade de enviar vídeos através de outros – que não sejam a forma
web – canais, mas isso significa que era o único que nos garantiu usuários "guia" para
completar todos os dados necessários para publicar e questionar o conteúdo enviado. Isso fez
com que às vezes, nos enviassem vídeos por outros meios (wetransfer, link para o YouTube,
etc.) e não poderíamos publicá-los por falta de dados, expressa autorização etc. Adicionado
que, nem sempre, poderíamos entrar em contato novamente com o usuário para corrigir as
informações ausentes. As pessoas detestam os formulários porque são entediantes, mas às
vezes são a única maneira de garantir que obtenhamos as informações necessárias e
cumpramos os requisitos legais para podermos gerenciar o conteúdo com segurança. Com o
aplicativo, resolvemos parcialmente esse problema, mas, depois, nos deparamos com a falta
de financiamento para fazer uma atualização completa de todas as plataformas digitais para
que todas elas fossem sincronizadas.
- isso leva a outra dificuldade é que a duração do projeto (lançado em 2013, até hoje) atualizar
a plataforma web tornou-se necessário; sem a obtenção de novos fundos específicos para isso
(o canal queria uma nova temporada, mas não financiado redesenho da web e do aplicativo),
mas as plataformas digitais exigem atualizações periódicas que, às vezes, são quase tão caras
quanto à produção original. Embora o canal entendesse a situação, estava pressionando para
encontrar soluções intermediárias, que não fossem satisfatórias para sustentar a qualidade do
projeto em todas as plataformas, mas que resultassem em uma exigência financeira para os
produtores. Por fim, faltavam promoção e marketing para apoiar a participação e,
principalmente, o desenvolvimento de experiências locais, o que exigiria mais apoio e ações
específicas. Pessoalmente, o que mais me arrependo é que isso nos impediu de desenvolver
peças que nos possibilitariam explorar comercialmente o conteúdo gerado e, assim, resolver a
falta crônica de financiamento e lucratividade.
133
JO: Você faria outro projeto nessa linha? Existe um em andamento?
LP: De fato, desenvolvemos outro projeto chamado Mostros Afechantes, de características
similares (embora outra estrutura). Nós produzimos uma mini temporada piloto, mas
decidimos não continuar até que não garantíssemos um financiamento suficientemente sólido
para fazê-lo sem descapitalizar os produtores ou desvalorizar a qualidade do projeto.
Pessoalmente, acho que os projetos transmídia têm seu mercado e seu lugar no mundo da
comunicação. Nem todos os projetos devem ser transmídia, ou precisam disso, e a maioria usa
estruturas transmídia mais como ferramenta de promoção, mas não como elementos
relevantes da experiência e da narrativa. É um campo útil para a pesquisa e desenvolvimento
de conteúdo e uma maneira de atingir públicos globais que, de outra forma, seriam
minoritários; mas o esforço de produção é, muitas vezes, desvalorizado, e você pode morrer
de sucesso como produtor com um par de projetos transmídia mal gerenciados.
JO: Na verdade, sem financiamento, é muito difícil. Apesar de estar localizado em
Barcelona, você produziu algo para a Colômbia, eu gostaria de saber como é o mercado
colombiano de produções experimentais ou narrativa transmídia com base na sua
percepção com esse projeto?
LP: Por um lado, em 2012, encontramos mais receptividade na Colômbia do que na
Catalunha ou na Espanha para o nosso projeto. Se fôssemos franceses, provavelmente teria
acontecido lá, mas não somos. A Espanha é um mercado bastante conservador e, embora haja
mais dinheiro do que na Colômbia, onde o mercado é maior e muito mais competitivo, e
mesmo para as TVs públicas, o público é um fato relevante. No entanto, naquela época, Señal
Colômbia estava projetando sua identidade, queria abrir para coproduções e da própria
posição internacional como um canal público inovador, foi uma boa oportunidade para
histórias, que ficou com um forte compromisso com o canal, o que levaria o risco , e ele viu
isso como uma ferramenta que permitiu falar de memória histórica para reconciliação no
momento em que o processo de paz começou a ser falado; nesses anos, algumas coisas
mudaram.
Devo dizer que, precisamente nesses anos, vimos à Colômbia se posicionar na indústria
audiovisual internacional, com base em um plano sistemático de apoio ao cinema, à TV, aos
formatos digitais, que lhe deu o seu lugar. Acho que eles fizeram isso muito bem e em pouco
tempo. Há talento, e eles conseguiram repatriar jovens bem formados ou capitalizar o talento
colombiano que está no exterior; e que alguns jovens produtores poderiam fazer suas
134
primeiras produções, mesmo em formatos digitais como videogames ou interativos, o
problema é a sustentabilidade quando você faz seu piloto, seu primeiro videogame ... como
você sustenta a produção, como você obtém lucratividade ... Eles também fizeram bem é
apoiar empresas (especialmente médias e pequenas) para estar em mercados internacionais e
festivais mostrando seu trabalho e procurando parceiros. Isso tem sido fantástico, e é um
problema crônico em outros países da América Latina. É caro viajar para a Europa ou para os
EUA, e as empresas não podem pagar, mesmo que tenham projetos de qualidade. A Câmara
de Comércio de Bogotá ou as regiões fizeram um bom trabalho com isso.
Também, o papel das TVs regionais, que compram conteúdo dos produtores a um preço
decente (para a América Latina) e apoiam os produtores locais (Telemedelina, Telepacífico,
TV de Bogotá...). tudo o que faz rede e cria um setor que dá emprego mais estável a um setor
que tem uma instabilidade crônica.
O problema é que toda essa rede que eles construíram (com coisas boas e coisas para
melhorar) ainda é muito frágil, e é importante para preservar e construir o consenso
(independentemente dos governos para subir ou cair), para não desmontado e fortalecer a veia
como um motor de crescimento econômico e de valor cultural, É impressionante ver como ele
mudou a imagem da Colômbia para o mercado internacional, pelo menos no sector
audiovisual, em tão pouco tempo. Agora, os produtores colombianos e seus profissionais e
seus projetos são ouvidos e valorizados, e são valorizados como possíveis parceiros de
coprodução. Eles têm uma moeda mais ou menos estável e um sistema de suporte que é mais
ou menos previsível, o que é muito importante. É por isso que é vital que os apoios e as
chamadas não sejam descontinuados, que os valores não diminuam que se tornem mais
competitivos se, mas que não diminuam, ou seja, eliminados. Como uma coisa para melhorar,
acho que, às vezes, há muito apoio para pilotos ou primeiras produções e falta de apoio para o
apoio ou crescimento de projetos, além dos primeiros passos. E isso é importante para
alcançar sustentabilidade e lucratividade. Ah! e eu esqueci de algo importante, também tem
havido muito trabalho em treinamento, o estado ou as câmeras têm apoiado a formação
internacional de profissionais ou estudantes colombianos, e que também acho que é muito
importante.
135
APÊNDICE E – Transcrição da Entrevista com o produtor de Puzzle Negro, Juan
Guilhermo Prado
JO: A primeira pergunta é se o projeto foi concebido para ser transmídia e por quê?
JP: Puzzle Negro, inicialmente, era um programa de entrevistas sobre os bastidores de uma
novela policial, porém, nós tínhamos essa narrativa e começamos a desenvolver uma estrutura
um pouco mais transmídia. E esse processo foi super interessante e o desenvolvimento de
uma série policial ...e como chegar a um sentido que pudesse abarcar todo o conteúdo de
novela negra chilena.
JO: O que me chamou a atenção é que é uma série bem diferente, que fala de uma
novela ou de romance policial. E pensando, em transmídia, foi utilizado algum tipo de
bíblia transmídia, algum guia para estruturar a narrativa o planejamento, como se deu
esse processo, esse fluxo de trabalho?
JP: Claro que foi desenvolvida com uma bíblia, mas de uma maneira muito experimental.
Estudamos outros projetos transmídias, multiplataformas que há neste momento e, aos poucos
fomos, estruturando a narrativa, principalmente, e como nos concentramos em como montar a
história e desenvolver seu universo através da animação, quadrinhos e live action. Junto,
também, com o depoimento documental dos escritores, que participavam da trama como
suspeitos. ... Vimos isso como um potencial de gênero, de algo mais experimental e bem
impressionista. Quanto ao planejamento, a que você se refere? A antes de filmar ou ao
processo de distribuição?
JO: O planejamento se refere aos dois: antes e durante e após a produção. E,
aproveitando isso que você falou sobre utilizar várias maneiras de uso em uma websérie,
como – live action, quadrinhos e animação –, o que você levou em conta para escolha das
plataformas de meios que são utilizados para distribuição da websérie. Porque, eu vi que
vocês têm um canal no YouTube – onde tem todos os capítulos da websérie – e um
Facebook que fala diretamente com a audiência para que assistam a série e ajudar o
Detetive Dantés ...para desvendar os casos que tem em cada capítulo da websérie. Bom,
pensando nisso, o que você e sua equipe pensou para escolha das plataformas de mídia
para o engajamento da audiência e por que pensaram nessas plataformas?
JP: Nós, claro, com este projeto enfrentamos esse desafio de seu planejamento de distribuição
e difusão de uma série multiplataforma. Seu lançamento foi multiplataforma, pois, ao mesmo
136
tempo em que sai no YouTube, ele saiu no canal nacional Nova Sur, que é como um canal
que é muito utilizado por escolas, então a série foi utilizada como objeto pedagógicos nas
salas de aula. Bom, essa foi à distribuição para televisão, também temos a plataforma online
que contém os capítulos e no YouTube ...e, também ocupamos um pouco, opções de escolhas
para histórias que devem continuar usando tags. Dentro dessa estrutura, como você percebeu,
utilizamos o Facebook, Twitter, YouTube e outras plataformas que se mesclam para difundir
o videogame. ... E fizemos também, um longa-metragem, que participou de alguns festivais, o
qual ganhou uma menção no festival do Chile. ...
JO: Antes de pensar o projeto, ele foi pensado de acordo com as características da
audiência? Como é a audiência chilena?
JP: Sim, foi pensado na audiência de jovens estudantes de escolas e faculdades com ciclo de
formação média, com idade entre 14, 16 e 17 anos.
JO: Foi possível perceber se o projeto gerou alguma influência ou relevância para a
sociedade no Chile?
JP: Bom, como te disse, Puzzle Negro foi distribuído em um canal de educação, mas, assim
como influência relativa à transmídia, pela quantidade de visitas e pelas pessoas que nos
contataram de diferentes meios para falar disso. Mas, quanto à relevância para a sociedade,
reproduzimos o valor da novela policial chilena.
JO: E como se deu a participação, a colaboração e o compromisso da audiência com o
projeto? Teve alguma participação da audiência ou não?
JP: Houve participação, sobretudo nas escolas e faculdades em que eles, os alunos, geravam
histórias através dos exercícios que faziam em sala de aula.
JO: Ah sim, mas nada por meio digital que tenha contribuído com a escrita dos capítulos
da websérie?
JP: Não tanto, não muito.
JO: O jogo que foi feito para computador, teve alguma participação ou foi desenvolvido
apenas pela produção da série?
JP: Não, mas conseguimos engajar muitos jogadores em várias plataformas, eles não geravam
conteúdo, mas participaram, foram quase oito mil jogadores que jogaram oito mil vezes o
137
jogo para ganharem troféus, além dos comentários dos jogadores sobre o jogo. Se haviam
gostado ou o que se poderia melhorar.
JO: Além, do videogame, não teve outros desdobramentos do projeto, expansão
narrativa?
JP: Não, pois para o que imaginamos foi as redes sociais, o videogame e o longa-metragem,
websérie para internet e televisão.
JO: Ah sim, mas para a televisão, é a mesma série que tem na internet, ou são outras
histórias?
JP: São segmentadas, a websérie que distribuímos na televisão vai até o capítulo cinco e,
quando fizemos o longa-metragem, fizemos sobre o que seria o capítulo seis, que era um
capítulo oculto.
JO: Ah sim, como um bônus?
JP: Como um bônus, claro. Chamamos o longa-metragem como a raiz desse bônus.
JO: E fora isso, vocês fizeram algo como o making of da produção ou não?
JP: Não fizemos making of porque tivemos muito pouco orçamento.
JO: Sim, ok! Bom, então você já me respondeu se o projeto teria alguma continuidade,
pois o projeto Puzzle Negro já encerrou, correto?
JP: Bom, tem disponibilidade de desdobramento em realidade virtual. Mas, no momento,
estamos avaliando.
JO: Somente em realidade virtual, aumentada ou mista?
JP: Bom, atualmente estamos desenvolvendo projetos de realidade aumentada e de realidade
virtual, de realidade mista, não.
JO: Sim, ok! E o que você adquiriu com esta experiência transmídia, Juan?
JP: Bom para Cine Um93, foi uma experiência muito enriquecedora porque podemos
desenvolver para diferentes clientes, projetos transmídia que satisfaçam suas necessidades.
93
Disponível em: <https://www.cine1.cl/>. Acesso em: 22 jan. 2019.
138
JO: Esse foi o seu primeiro projeto transmídia?
JP: Sim, esse foi o meu primeiro projeto transmídia. Depois fizemos outro projetinho
transmídia, onde há muitos atos de transmídia. É um documentário que fala da história da
música chilena, que se chama Cassete94.... Está no YouTube e já teve mais de cento e
quarenta mil reproduções. ... E à parte, temos trabalhado com clientes, empresas com os quais
temos desenvolvido várias campanhas transmídia. E o que tem sido interessante, é que, por
conta destas essas campanhas, no geral os próprios consumidores desenvolvem suas próprias
extensões dos universos dessas campanhas.
JO: Sim, a transmídia traz muitas possibilidades, não?
JP: Mas o que tem sido relevante, é que, através dessas campanhas, o usuário é quem tem
gerado conteúdo, como videoclipes, posts, frases, cações, pinturas, esculturas e outras coisas.
JO:E quais foram as principais dificuldades nesse primeiro projeto transmídia, Juan?
Teria alguma?
JP: A principal dificuldade foi pensar o projeto de forma global e transmídia. Isso foi um
pouco mais complexo. Também representar uma estética e conseguir financiamento.
JO: Sim, financiamento. É muito difícil no Chile conseguir financiamento para as
produções? Há algum incentivo do governo ou não?
JP: Há incentivos do governo, porém há uma indústria televisiva que apoia a difusão da
imagem local. No Chile, não existem canais públicos como no Brasil, ou como na Argentina e
Uruguai. O Chile é um país muito capitalista, então, não há muitos espaços de difusão para
produção audiovisual chilena. ... Existem fundos, mas não difusão. ...
JO: Sim, assim fica mais difícil então...
JP: Sim, sim, muito difícil.
JO: Quanto tempo durou o projeto Puzzle Negro?
JP: Puzzle Negro foi um projeto longo, começou em dois mil, e onze e encerramos em dois
mil e catorze.
94
Disponível em: <https://www.cine1.cl/portfolio-item/cassette/>. Acesso em: 22 jan. 2019.
139
JO: Uns três anos então. Juan, você faria outro projeto nessa linha de Puzzle Negro,
outro projeto transmídia?
JP: Sim, gosto muito do tema de gênero policial e transmídia, sempre. Mas, no momento,
estou trabalhando em outros projetos.
JO: Mas, você sentiu que as pessoas – a audiência do Chile – gostaram desse projeto que
foi tão diferente dos habituais?
JP: Sim, se você quiser, posso te enviar alguns links que têm recortes da imprensa e coisas
assim.
JO: Ah, sim, eu vi o press kit do projeto, mas não houve mais atualizações, creio que por
conta do encerramento do projeto, certo?
JP: Claro, claro.
140
ANEXOS
ANEXO A – Termo de Consentimento de Livre Esclarecido de Participação de Pesquisa de
Fernando Irigaray
ANEXO B – Termo de Consentimento de Livre Esclarecido de Participação de Pesquisa de
Paula Sacchetta
ANEXO C – Termo de Consentimento de Livre Esclarecido de Participação de Pesquisa de
Laura Piaggio
ANEXO D – Termo de Consentimento de Livre Esclarecido de Participação de Pesquisa de
Juan Guilhermo Prado
141
TÉRMINO DE CONSENTIMIENTO LIBRE Y ESCLARECIDO
PARTICIPACIÓN DE INVESTIGACIÓN
Curso: Maestría del Programa de Postgrado en Comunicación Audiovisual de La
Universidad Anhembi Morumbi, São Paulo - Brasil
Título de la Disertación: La Transmedia en el Audiovisual Latinoamericano: um estúdio
sobre los aspectos sociales y culturales de las producciones latinoamericanas, afinidades y
especificidades
Investigadora: Jaqueline de Oliveira
Orientador: Prof. Dr.Vicente Gosciola
Objetivos de la investigación: estudiar el concepto de narrativa transmedia y sua
plicabilidad en diferentes tipos de proyectos audiovisuales multiplataformas, como
documentales de no ficción, series de animación para TV y web series producidas em cuatro
países latinoamericanos (Argentina, Brasil, Chile y Colombia).
Procedimiento: entrevista presencial, o por audio, o vídeo, o e-mail, o chat com
productores, directores o guionistas que hayan utilizado la transmedia en sus proyectos
audiovisuales.
Resaltamos que los resultados de este estúdio serán divulgados em el medio científico, em el
formato de artículos y de una disertación de maestría. Se deriva la necesidad de la
identificación de algunos datos del de ponente participante de la investigación. Sin embargo,
su privacidad está garantida encuanto a los datos que considere confidenciales.
Datos del deponente participante en la investigación
Nombre completo: Fernando Guillermo Irigaray
Número de documento personal (RG o Pasaporte): Pas. 17773198N
Declaro estar plenamente informado y esclarecido sobre los objetivos, método, riesgos y
benefícios de esta investigación y estoy de acuerdo en participar.
Firma:
Rosario, 19/01/2019
142
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO DE
PARTICIPAÇÃO DE PESQUISA
Curso: Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Audiovisual da
Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, Brasil
Título da Dissertação: A Transmídia no Audiovisual Latino Americano: um estudo sobre os
aspectos sociais e culturais das produções latino-americanas, afinidades e especificidades
Pesquisadora: Jaqueline de Oliveira
Orientador: Prof. Dr.Vicente Gosciola
Objetivos da pesquisa: estudar o conceito de narrativa transmídia e sua aplicabilidade em
diferentes tipos de projetos audiovisuais multiplataformas, como: documentários de nãoficção, séries de animação para TV e web séries produzidos em quatro países latinoamericanos (Argentina, Brasil,Chile e Colômbia).
Procedimento: entrevista presencial, ou por áudio, ou vídeo, ou e-mail, ou chat com
produtores, diretores ou roteiristas que tenham utilizado a transmídia em seus projetos
audiovisuais.
Ressaltamos que os resultados deste estudo serão divulgados no meio científico, no formato
de artigos e de uma dissertação de mestrado. Decorre daí a necessidade da identificação de
alguns dados da depoente participante da pesquisa. Todavia, sua privacidade está garantida
quanto aos dados que considere confidenciais.
Dados da/o Depoente Participante da Pesquisa
Nome Completo: Paula Sacchetta
Número do Documento Pessoal (RG ou Passaporte): 44.858.162-0
Declaro estar plenamente informado e esclarecida sobre os objetivos, método, riscos e
benefícios desta pesquisa e de acordo em participar.
Assinatura:_
São Paulo, 23 de janeiro de 2019.
143
TÉRMINO DE CONSENTIMIENTO LIBRE Y ESCLARECIDO DE
PARTICIPACIÓN DE INVESTIGACIÓN
Curso: Maestría del Programa de Postgrado en Comunicación Audiovisual de La
Universidad Anhembi Morumbi, São Paulo - Brasil
Título de la Disertación: La Transmedia en el Audiovisual Latinoamericano: um estúdio
sobre los aspectos sociales y culturales de las producciones latinoamericanas, afinidades y
especificidades
Investigadora: Jaqueline de Oliveira
Orientador: Prof. Dr.Vicente Gosciola
Objetivos de la investigación: estudiar el concepto de narrativa transmedia y sua
plicabilidad en diferentes tipos de proyectos audiovisuales multiplataformas, como
documentales de no ficción, series de animación para TV y web series producidas em
cuatro países latinoamericanos (Argentina, Brasil, Chile y Colombia).
Procedimiento: entrevista presencial, o por audio, o vídeo, o e-mail, o chat com
productores, directores o guionistas que hayan utilizado la transmedia en sus proyectos
audiovisuales.
Resaltamos que los resultados de este estúdio serán divulgados em el medio científico, em
el formato de artículos y de una disertación de maestría. Se deriva la necesidad de la
identificación de algunos datos del de ponente participante de la investigación. Sin
embargo, su privacidad está garantida encuanto a los datos que considere confidenciales.
Datos del deponente participante em la investigación
Nombre completo: Juan Guillermo Prado
Número de documento personal (RG o Pasaporte): 13.688.671-1
Declaro estar plenamente informado y esclarecido sobre los objetivos, método, riesgos y
benefícios de esta investigación y estoy de acuerdo em participar.
Firma:
Santiago, Chile , 11/ Febrero /2019
144
TÉRMINO DE CONSENTIMIENTO LIBRE Y ESCLARECIDO DE
PARTICIPACIÓN DE INVESTIGACIÓN
Curso: Maestría del Programa de Postgrado en Comunicación Audiovisual de La
Universidad Anhembi Morumbi, São Paulo - Brasil
Título de la Disertación: La Transmedia en el Audiovisual Latinoamericano: um estúdio
sobre los aspectos sociales y culturales de las producciones latinoamericanas, afinidades
y especificidades
Investigadora: Jaqueline de Oliveira
Orientador: Prof. Dr.Vicente Gosciola
Objetivos de la investigación: estudiar el concepto de narrativa transmedia y sua
plicabilidad en diferentes tipos de proyectos audiovisuales multiplataformas, como
documentales de no ficción, series de animación para TV y web series producidas em
cuatro países latinoamericanos (Argentina, Brasil, Chile y Colombia).
Procedimiento: entrevista presencial, o por audio, o vídeo, o e-mail, o chat com
productores, directores o guionistas que hayan utilizado la transmedia en sus proyectos
audiovisuales.
Resaltamos que los resultados de este estúdio serán divulgados em el medio científico,
em el formato de artículos y de una disertación de maestría. Se deriva la necesidad de la
identificación de algunos datos del de ponente participante de la investigación. Sin
embargo, su privacidad está garantida encuanto a los datos que considere confidenciales.
Datos del deponente participante em la investigación
Nombre completo: María Laura Piaggio Fonterosa
Número de documento personal (Pasaporte): PAF312331
Declaro estar plenamente informada y esclarecida sobre los objetivos, método, riesgos y
benefícios de esta investigación y estoy de acuerdo em participar.
Firma:
Ushuaia, Argentina/ 06/02/2019
(ciudad)