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O Antropólogo Engajado: reflexões sobre a participação em processos de democratização. José Pimentel Teixeira1 “A história das ideias procede através de um contínuo baralhar de cartas que nos deixa desorientados no jogo e sem a possibilidade de prevenir o próximo lance.” (N. Bobbio 1988: 144) Preâmbulo: Face ao ciclo eleitoral que se avizinha em Moçambique, às incidências acontecidas nas eleições no país nas últimas duas décadas, bem como face à aparente eclosão de nova guerra interna no país, ocorre-me recuperar passos da minha biografia profissional, directa e indirectamente ligados a processos de democratização em países provenientes de regimes autoritários e, em dois dos casos, de guerras civis. Intentando reflectir sobre a hipotética especificidade que a formação em antropologia imprime na participação nesse eixo de actividade e em como ela, se existente, poderá potenciar um olhar sobre a actualidade. Ou seja, existe, funciona na prática, esse “olhar distanciado” que nos é anunciado, até prometido, a sempre almejada superioridade binocular da corporação? E, em existindo, que efeitos promove nas percepções e práticas destas derivadas, quando inserido neste âmbito de actividade, eminentemente globalizado e, como tal, apelando a esse ponto de tomada de vista distanciado, abrangente? Esta reflexão ancora-se no meu contexto individual, o de antropólogo cidadão português inserido em actividades internacionais sob tutela do meu Estado, mas presumo que possa alargada para outros contextos nacionais. 1. O trabalho: as missões internacionais de observação eleitoral. Em meados da última década de XX trabalhei em dois processos eleitorais, fundacionais de regimes democráticos: em 1994 nas primeiras eleições na África do Sul após o fim do apartheid (Southall, 1994), e em 1996 nas primeiras eleições na Bósnia-Herzegovina após o desmembramento da Jugoslávia comunista e da guerra civil que (também) naquele país lhe sucedeu (Riley 1997). No primeiro caso integrei a missão de observação eleitoral da União Europeia (European Union 1994), Departamento de Arqueologia e Antropologia, Universidade Eduardo Mondlane (jpimteix@gmail.com). Este texto é quase um palimpsesto, pois trata-se de uma versão, muito modificada, de um outro, há anos encomendando para um número especial da revista portuguesa “Etnográfica” dedicado a experiências profissionais de antropólogos, mas que nunca foi publicado. 1 1 tendo permanecido três meses sediado em East London, e no segundo a missão de supervisão eleitoral da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (O.S.C.E. 1996), tendo estado um mês em Tesanj. Posteriormente, em 2003, integrei a missão de observação da União Europeia nas autárquicas moçambicanas, tendo acompanhado o processo no município de Montepuez (European Union 2003).2 Num registo diferente, mas que considero associável, no período entre 1997-2000 desempenhei as funções de adido cultural na embaixada portuguesa em Moçambique, período decorrido num complexo contexto político coincidindo com um ciclo eleitoral (as primeiras autárquicas em 1998, as segundas presidenciais e legislativas em 1999). Nesse contexto o trabalho presumia uma articulação com dinâmicas (mediáticas, desportivas, culturais e educacionais) entendidas e desejáveis como democratizadoras, articulação que decorria sob o epíteto da “cooperação” (ajuda pública ao desenvolvimento)3. E assumia, implícita e informalmente, uma dimensão de acompanhamento dos processos eleitorais então ocorridos (autárquicas de 1998, presidenciais e legislativas de 1999).4 Subsidiariamente, cruzo essas experiências com as obtidas em trabalhos subsequentes realizado enquanto “cooperante” – estatuto sob o qual exerci a docência universitária durante quatro anos durante a primeira década de XXI -, inserido em acções ligadas, ainda que em sentido lato, à promoção de modelos sociais democráticos desenvolvimentistas, e decorridas em interacção com direcções estatais e elites intelectuais, aquelas que sempre aparentam conduzir os países, e fundamentais produtoras de discursos públicos internos. Recorro à memória dessas actividades pois considero-as enriquecedoras para o entendimento sobre os processos de democratização e o modo como uma formação em antropologia pode ser accionada nessa análise. Os mandatos das missões de monitoria ou de observação eleitoral diferiam quanto à amplitude das acções requeridas aos seus agentes, mas essa é uma questão irrelevante no âmbito deste texto. 3 Para uma sinopse do âmbito dessa actividade, ainda que em linguagem tecnocrática e desprovida de visão política e de qualquer (auto)avaliação, sublinhando o carácter institucional da publicação, ver IPAD (2011: 342-377). 4 Num plano mais restrito, ligado às formalidades do acto eleitoral, durante as eleições presidenciais e legislativas de 1999 quadros diplomáticos de várias de embaixadas sitas em Maputo procederam a uma “observação eleitoral” informal, percorrendo as assembleias de voto sem estarem credenciados para isso. Avisadamente a embaixada portuguesa eximiu-se a essa iniciativa. Num plano mais amplo, durante esse período eleitoral recebi instruções do chefe da missão diplomática portuguesa, então o Embaixador António Valente, para acompanhar as movimentações da coligação da oposição (encabeçada pelo partido Renamo). Tendo alertado para o meu estatuto de adido cultural, em princípio excêntrico às dimensões políticas, fui confrontado com o argumento que valorizava a minha capacidade de interacção. Refiro esta consideração (elogiosa, naquele contexto) pois prende-se com a argumentação que persigo neste texto. 2 2 Após a II Guerra Mundial decorreram várias eleições sob observação e/ou monitoria internacional. Uma segunda série deste tipo de operações encetou-se com as eleições namibianas de 1989, e este tornou-se um eixo de actividade crescente devido à vaga internacional de democratizações, ocorrida desde inícios da década de 1990s, após o final da influência soviética (Brahm 2004; Berman, Eyoh e Kymlicka 2004). Processos que foram inicialmente coetâneos dos processos de liberalização económica e de reajustamento estrutural, ocorridos sob o desenho de instituições internacionais (Logan e Mengistaeb 1995; Mamdani 1995; Saine 1995). Desde então em vários países se desenvolveram processos eleitorais democratizadores, assim se originando missões de observação e monitoria eleitoral abrangendo essa vasta diversidade de contextos nacionais. Missões organizadas por instituições internacionais multilaterais, por organizações não-governamentais [ong’s] de várias origens nacionais e com diversas orientações de actividade, por estados actuando em modalidades de relacionamento bilateral (neste caso normalmente sob modalidades “oficiosas”, através de ong’s), decorridas sob regulamentações e termos de referência variados. Apesar dessa variedade as missões actuam sob modalidades tendencialmente homogéneas e segundo princípios e objectivos formalmente similares (União Europeia 2000; United Nations 2005; O.S.C.E 2010), e que tendem também a articular os seus trabalhos no terreno.5 Um complexo actuante que veio a desencadear, e fortalecer, o aparecimento de missões de observação eleitoral endógenas, ditas domésticas, tendencialmente realizadas por ong’s, usualmente definidas como organizações da “sociedade civil”, também elas muitas vezes articulando no terreno com as missões internacionais (O.S.C.E. 2003). Recordo que estas missões eleitorais têm o pressuposto de reforçarem acções indutivas de um ambiente fértil para sociedades que se querem abertas e livres, e ainda orientadas para o desenvolvimento. E, sob esses vectores, tendentes à equidade, pacificamente organizadas, e, ainda mais, respeitadoras das vizinhanças, ainda que se estas contextualmente adversárias. Paz e desenvolvimento são exactamente os corolários fundamentais que sustentam a generalizada visão positiva que a democratização, entendida instrumentalmente, colhe. Sendo vasto o universo das eleições decorridas com observação externa, e tão múltiplo o dos intervenientes institucionais, seus meios e seus objectivos reais (políticos), é óbvio que essa articulação efectiva em muito dependerá do contexto de cada eleição. 5 3 É ainda necessário referir, mesmo que tal possa parecer óbvio, que a democracia surge para o pessoal incluído nas missões internacionais como um valor em si, para além da sua dimensão instrumental, e assumido de modo enfático. 2. O contexto global do trabalho. Como entender os novos (ainda que alguns já não tanto assim) regimes democráticos surgidos desde finais de XX, globalmente apercebidos como positivos, sabendo-os quase sempre também induzidos por pressões estrangeiras, pois não brotando apenas da dinâmica interna (Berman, Eyoh & Kymlicka 2004)? Para mais tantos deles agora imersos em feixes de relações internacionais que brandem outras pressões, e apelam a outros modelos de organização política e económica (Alden 2007). E ainda integrando conflitualidades internas que constrangem as modalidades do liberalismo político e económico, esse modelo que foi “globalizado”. Na realidade, e numa análise retrospectiva, quantas vezes esses regimes foram impostos pela chamada “Comunidade Internacional”, caleidoscópio de acrónimos multilaterais e de rivalidades bilaterais. Durante anos essa “Comunidade Internacional” trocou a anuência das elites nacionais à instalação de regimes políticos democráticos e tecnocráticos, erigidos sobre os valores direitos humanos e boa governação6, pela distribuição da “ajuda [pública] ao desenvolvimento”. Sendo esta uma transacção que assenta na concepção da condicionalidade política (Alves 1996), pedra de toque que regulou as inter-relações políticas Norte-Sul, quantas vezes ditas de “cooperação”, uma nuance semântica tão polissémica.7 Articulando esse intercâmbio com ajustamento estrutural, ou seja, instalando um amplexo, dito desenvolvimentista, que intentou redefinir os perfis institucionais, políticos, jurídicos e económicos das sociedades abarcadas.8 Nestes processos exigiu-se às sociedades “neo-democratizadas” a aceitação de um conjunto de valores que compõem uma reforma política, administrativa e da estrutura económica, um novo modus vivendi que implica novos modi faciendi, modi operandi, modi acquirendi e, ainda, modi probandi. Intentando uma transformação económica e cultural, ancorada nos princípios do parlamentarismo multipartidário, do mercado livre e de dinamização (“empowerment”) das chamadas “sociedades civis”, “Good governance”, conceito que vem sendo designado, estapafurdiamente, como “boa governância”. Julgo que a integração no âmbito democrático de países oriundos do antigo “bloco de leste” assumiu dimensões estruturais semelhantes, ainda que o vocabulário para se lhe referir costume ser diferente. 8 Para o conteúdo de democracia ver Bobbio (1988). Para a tecnocracia e sua influência nas concepções societais, ver Habermas (1993). Sobre os efeitos do ajustamento estrutural ver Bernstein (1990). 6 7 4 tudo isto a ser potenciado, segundo o paradigma qua “criacionista”, pela “capacitação institucional” (State-building)9. Na expectativa, segundo o discurso dominante dos parceiros internacionais, financiadores e indutores destes itens referidos, de que todo este complexo, fruto de uma verdadeira engenharia social, resultará no desenvolvimento.10 Este sempre entendido como assente no referido modelo de constituição de “sociedades civis”, entendidas como locais de resolução de conflitos através da organização de instituições para-além-do-estado, uma almejada tessitura que denota uma visão irenista da sociedade. Sendo que esta concepção não pode ser apartada do modelo de relacionamento internacional assente na “cooperação” que vigorou nas últimas décadas, corporizada na disseminação das organizações não-governamentais, nisso se desenhando (como se utopia) uma “sociedade civil” internacionalizada. Este é um conjunto de generalidades bem sabidas, as quais recordo pois constituem o feixe de concepções e práticas transnacionais que enquadra a acção (e a reflexão?) dos agentes, quando inseridos nestas missões internacionais democratizadoras, como se a economia política deste trânsito de concepções societais. Um conjunto de factores passível de ser apreendido por esses mesmos agentes, pois a sua acção laboral decorre no eixo das influências destas tendências globais sobre os processos políticos locais (nacionais), estes a empiria vivenciada. Ou seja, este contexto de actuação exige entender (ou, para ser mais realista, deveria exigir) como essas influências e tendências exógenas são absorvidas pelos intervenientes locais nos processos políticos, tantas vezes sobreviventes das eras anteriores, não democráticas ou mesmo antidemocráticas, no fundo “apenas aqueles que são os melhores especialistas na sobrevivência”.11 Pois são esses objectivos globais, e são esses agentes locais e a forma como aqueles são por estes enquadrados, que se vão tornar o quadro de referência quotidiano dos integrantes deste tipo de missões. Este contexto abrangente dos actuais processos democratizadores (ditos desenvolvimentistas) são as bases da reflexão do antropólogo quando neste “terreno”, as formas de apreensão destes processos histórico-políticos. As quais se deverão basear numa visão acautelada, pois necessariamente subordinada à consideração das dinâmicas endógenas encontradas (ou a encontrar), mandamento É propositado este recuperar do paradigma do “state-building” para sua associação com o actual paradigma da “capacitação institucional”. No fundo trata-se da mesma questão... Implicitamente, mas esse exigiria um tratamento aprofundado, trata-se da uma versão estadocêntrica do anterior paradigma do “nation-building”. 10 Sobre o paradigma do “empowerment” (tardiamente mal traduzido como “empoderamento”) ver Craig e Mayo (1995). Para uma definição canónica de desenvolvimento ver Slim (1996). 11 K. Popper citado por Stark (1974). 9 5 que rege um pensamento que sempre requere alguma abordagem indutiva, como é a característica da antropologia. E complexo que talvez seja ainda mais útil para entender os contextos actuais, estes tão recentes, que se afiguram menos dependentes da recepção do modelo democrático liberal, e sua reprodução/manutenção. Pois é notório que, passadas décadas de globalização democratizadora, se desvanece a aparência da sua incontornabilidade, da dinâmica imparável da sua expansão internacional, minorada que está a efectiva influência real dos países seus divulgadores, recolocada que está a possibilidade expansionista de outros modelos de gestão estatal e societal, tanto pela afirmação política da modernidade política islâmica (Eisenstadt 1997) como pela acelerada extroversão chinesa (Alden 2007). 3. A hipótese da especificidade dos antropólogos. Neste âmbito surge a questão da hipotética especificidade do antropólogo quando integrado nestas missões democratizadoras. E em existindo essa especificidade, em que medida e de que modo se constitui? Como está presente na imagem que o profissional constrói de si mesmo, e naquela que os outros lhe desenham? Ou seja, como se reflecte no estatuto que exige e no que lhe é atribuído? Ora, e como em qualquer outro processo de actividade laboral, desenhar a marca de água do antropólogo exige o contorno da sua participação, e nisso o âmago da sua postura, assim entendendo que este é processual. Deste modo, para a reflexão que aqui intento, é necessário indagar a forma como se entende o porquê destes novos regimes democráticos. Neste sentido considero que a problemática real é a de reflectir sobre se um ethos profissional, produzido por uma socialização académica, suas leituras e interacções, em suma, o conjunto de todos os processos integrantes da apropriação do património metodológico, irá influenciar o entendimento sobre os contornos globais desta actividade laboral específica, e as formas de nela actuar. Considero ainda que nessa indagação será necessário, como hipótese, aduzir quais os efeitos produzidos pelas formas intelectuais e políticas (até de cariz ideológico) assumidas. Sendo que estas não devem ser “naturalizadas”, deixadas como fruto dos meros entendimentos pessoais, mas que são também estratégias pessoais, (auto)consideradas necessárias para a reclamação de pertença à corporação profissional. Pois numa profissão fortemente marcada pela marca “escolar”, pela 6 pertença a um contexto académico intelectual (Bourdieu 1998), é expectável que a participação em trabalhos (“aplicados”) deste contorno surja entendida como “poluente”, minorando o estatuto profissional futuro. Mais ainda porque são estas actividades eleitorais institucionalmente vinculados aos poderes estatais e às relações inter-estatais (mesmo quando albergadas sob a tutela das ong’s), o que reforça a dimensão “poluente” da actividade – para mais se forem sopesados os efeitos (ideológicos) que estruturam a actividade antropológica, tendencialmente intentando invisibilizar os vínculos (remuneratórios e estatutários, no fundo sedimentando uma segurança existencial em redes de dependência) entre o trabalho académico (produtor do referido estatuto “escolar”) à reprodução dos poderes estatais endógenos, numa estratégia de construção constantemente reafirmada da autonomia, quando não independência, do estatuto do antropólogo. Tudo isto exige considerar que no seio da corporação profissional antropológica existem formas de controlo, dir-se-iam até de policiamento interno, que incidem sobre as perspectivas políticas e modalidades de acção consideradas como legitimamente emanadas da posse do conhecimento antropológico. Ou seja, no âmbito corporativo do ethos presumido espera-se um pathos. Que é balizado, implicando concepções e práticas. Sem rodeios, e glosando o célebre título de Foucault, um pathos que é objecto de “vigilância e punição”. E recompensa. É esta a configuração que intento abordar. Ainda que procure reflectir de uma forma mais abrangente, centro-me na minha experiência individual. Portanto, ao indagar sobre uma hipotética especificidade do antropólogo neste terreno laboral, não intento uma abordagem etnográfica mas, quanto muito, uma postura “egográfica”, com corolários necessariamente subjectivos. Sem que isso impeça o recurso a ecos de (esparsos) contactos havidos com colegas no decorrer destes processos e uma tentativa de elaboração mais generalizada respeitante a esse universo. Arriscando o egocentrismo procurarei traçar o que a minha experiência pessoal me informa sobre a influência da antropologia no praticar desta actividade profissional. E ainda explicitar como a imagem pública do que a antropologia é e deve ser - produzida pelas práticas e discursos dos antropólogos mas também fruto das construções sociais12 sobre a divisão do trabalho científico, as quais acantonam o antropólogo sob determinados modos - surge presente nas práticas envolventes, sejam as dos antropólogos (e as minhas próprias) sejam as do que incluem as missões. Certo que a imagem pública do que a antropologia é ou deve ser não é monolítica mas há algumas tendências recorrentes que compõem a imagem pública sobre o que é o conteúdo da antropologia e o seu método de trabalho, as quais estão presentes em indivíduos (e grupos) oriundos de diversas sociedades. 12 7 4. “Há mais de uma maneira de se esfolar um gato”: o formalismo democrático no terreno e as cesuras no pessoal observador. Refiro as concepções globais que abrangem, e legitimam, as actividades das missões democratizadoras, assumindo-as como substrato ideológico dos seus participantes. Nesse sentido não é surpreendente nestes encontrar uma arreigada ligação a um formalismo democrático, entendido este como dotado de um duplo conteúdo, o do culto dos procedimentos eleitorais e a de uma crença indiscutida na superioridade democrática. Ligação que se traduz numa expectativa, até mesmo voluntarista, quanto à lisura dos procedimentos eleitorais e à do mais abrangente processualismo democrático. Algo que não obedece apenas a uma obediência aos “termos de referência” laborais aquando em missão eleitoral (ou face a actividades estritamente políticas), pois denota também, e talvez fundamentalmente, um elo afectivo-ideológico a esse enquadramento democrático. Sublinho que esse formalismo, arreigado, até abrasivo, é típico no seio destas missões internacionais, propalado ao nível das suas direcções político-diplomáticas, e assim reforçado nas mentes e intenções dos seus membros, burocratas internacionais, profissionais eleitorais ou meros eventuais13, nas quais inexiste - pelo menos durante as missões - o questionamento da justeza, necessidade e superioridade democrática, bem como dos procedimentos que lhes estão aparentemente ligados. Mas no âmago das missões encontram-se relações diversificadas com esse formalismo democrático. Dessa plasticidade face ao substrato ideológico que conclusões se podem retirar sobre o meio (“aparelho”) democratizador? A um primeiro nível, encontra-se um hiato entre a realidade processual eleitoral e a constante afirmação aposteriorística da legitimidade dos acontecimentos, pois que muitas vezes não são estes processos eleitorais verdadeiramente enunciados nos seus procedimentos. Na realidade, os minuciosos relatórios dos observadores no terreno de imediato são, nas suas denúncias fácticas, suplantados pelo pragmatismo dos dirigentes das missões, quantas vezes lestos numa latitude quanto a estes procedimentos, que o mundo corre "free and fair" (essa palavra de ordem que assegura às Esta vaga de democratizações observação eleitoral internacional criou um quadro de especialistas do ramo, uma profissionalização da actividade de “observação [ou monitorização] eleitoral”, fundamentalmente através da prática de recrutamento. Também funcionários públicos (diplomatas ou altos quadros) são presença recorrente. Há ainda que referir a presença de membros (profissionais ou recrutados) de ONG’s, normalmente ainda mais voluntariosos nas abordagens prescritivas, denunciadoras. Sendo que há trânsito entre este último contexto de recrutamento e a fixação no quadro regular das missões. 13 8 audiências, locais e principalmente internacionais, a justeza dos processos eleitorais e, como tal, a legitimidade das “novas” formulações políticas e concomitantes políticas económicas). Pois quantas vezes as missões de observação ainda decorrem e a correcção dos processos já está afirmada, em verdadeira contraposição com os intentos de controlo exercidos. Ilustro esta argumentação com o facto de que em todas as missões em que participei os resultados oficiosos das missões de observação terem sido anunciados durante os processos de contagem, apesar destes ainda inconcluídos e das recorrentes violações processuais, tanto no respeitante aos processos preparatórios (recenseamentos; preparação dos cadernos eleitorais [quando existentes]; liberdade de reunião, informação e actividade política; distanciamento de forças militares ou paramilitares, etc.) como nas votações e contagens. É fundamental recordar que são estes resultados oficiosos, expressos no momento eleitoral, que mais efeitos têm, seja nas opiniões públicas (endógenas e exógenas) como no seio das organizações estatais, partidárias e não-governamentais, e ainda na comunicação social, que integram os campos políticos em questão. E num segundo nível, é notório que esses factores, de aparência disruptiva porque não totalmente democráticos, são também eles menosprezados pelos longínquos líderes políticos dos países e das organizações multilaterais que dinamizam as missões no terreno, portanto em consonância com as direcções no terreno. Líderes esses que, no seu pragmatismo relativista, reduzem tais factores divergentes a ruídos excêntricos à gestação das novas ordens políticas requeridas. Como se meros epifenómenos, insignificantes se enquadrados no longo termo, este entendido como necessariamente democratizador, algo que demonstra a vigência de uma verdadeira filosofia da história, que se poderá entender como a expressão de um evolucionismo pan-democrático, um historicismo que alberga uma teleologia democrática. Este desfasamento entre as exigências ao trabalho empírico (os termos de referência) e as perspectivas dominantes do pessoal no terreno face às considerações finais elevadas a relatório, elaboradas pelas suas elites organizativas, denota uma ruptura (sociológica, política e de ideário) entre agentes observadores e seus dirigentes. Se para alguns agentes isso conduz a uma crítica interna às suas lideranças, a não ser expressa publicamente,14 isso surge sempre inserido em considerações da falta de fidelidade destas a um ideal democrático, como se deste deficitárias, que é remetida para Os observadores comprometem-se a sigilo. Um outro factor de coerção é a consciência de que a crítica pública inviabilizará futuras participações em missões similares, e acesso às concomitantes recompensas (financeiras e existenciais). 14 9 uma crítica mais abrangente ao “político” (a “real politik” dos aparelhos políticos dos países organizadores e das organizações internacionais) e seu pragmatismo, visto como corruptor do ideário saudável. Deste modo não se poderá considerar que esta diversidade interna no seio das missões democratizadoras (refiro-me literalmente às missões eleitorais mas alongo a reflexão para as integrantes no amplexo mais vasto das missões de “cooperação para o desenvolvimento”) implique um afastamento do pessoal de base, no “terreno”, do inscrito no molde formal da democraticidade política. Talvez funcione até em sentido contrário, uma fidelidade reforçada que se transforma em matriz identitária, profissional e mesmo existencial. Nisso até uma reclamação de superior legitimidade, derivada de uma empiria “democratizadora”, face às “retaguardas” profissionalizadas na política, submersas em tergiversações pouco democráticas. Esta cesura no entendimento entre o pessoal de base e as suas lideranças (em missão e nas sedescapitais), indicia ainda diferentes perspectivas sobre o conteúdo final das próprias missões e dos processos de constituição democrática. No fundo, sobre a própria democracia, suas constituintes e sua necessidade. Algo que não pode deixar de articular-se com os conteúdos sociológicos e intelectuais, e concomitantes adesões ideológicas, dos recrutados para estes trabalhos eventuais de observação das democratizações. O que indicia haver uma captação de pessoal fortemente empenhado num determinado conceito de democracia e de processualismo associado, e por isso mesmo com elevada propensão a alistar-se para este tipo de actividade.15 Surge notório que há uma grande amplitude, no âmbito das concepções em diferentes sociedades e mesmo no seus interiores, quanto ao que se consideram os conteúdos reais da vida democrática. A qual casa com a (flutuante) geometria das relações internacionais, e dos interesses estatais nelas expressos, que se expressam em diversas exigências colocadas aos países observados. Ora a consciência dessa amplitude, como a flexibilidade de abordagens que implica, não abundam no seio do pessoal observador de terreno, seja por centramento nas referidas questões processuais, seja pela brevidade das missões16, esta traduzida numa falta de disponibilidade para um conhecimento mais 15 Esta característica ideo-política dos recrutados, de aderentes a formas mais abrasivas de modalidades democráticas e dos seus processos de constituição, será uma das causas para o facto de concorrerem às missões, surgindo pois as dimensões de ideário elas próprias como estruturantes nas características sociológicas das missões. 16 As missões de observação são usualmente curtas. Realizei missões de longa duração (três meses) e de curta duração (quatro semanas e uma semana), e há observações ainda mais curtas. Conheci alguns observadores de 10 aprofundado das realidades observadas, tanto no domínio histórico como no das complexidades conjunturais. E, também, por ausência de metodologias de abordagem que permitam a apreensão rápida dos características societais em presença. Assim julgo ser na específica (e individual) apreensão do enquadramento global desta extroversão dos processos democráticos, da sua economia política, que se pode enraizar um progressivo distanciamento face ao formalismo democrático. Reavivando a memória do dito popular, este “Há mais de uma maneira de se esfolar um gato” que consagra, neste caso, a possibilidade da multiplicidade dos conteúdos dos processos democratizadores, e a sua cadência diferenciada. Esse é um processo que em mim reconheço. O qual, e coloco como hipótese, terá sido gerado no entroncamento da realidade contactada com a formação antropológica de base, enquanto dotadora de um particular aparato analítico. Estou pois aqui a discutir a questão central a que me propus. 5. Os binóculos antropológicos? O distanciamento ao processualismo democrático. Deste modo, a um nível mais abrangente e mais factual (o que não é um paradoxo), este (meu) afastamento ao formalismo democrático também brota pela consciência da tempo longo do processo democratizador, anterior e posterior aos processos eleitorais, consciência essa que alimenta a percepção das realidades no terreno, do feixe das tácticas em jogo, todas elas com as suas menos abertas características, porventura porque acima de tudo reais.17 O que implica graus de dúvida sobre a sua exiquibilidade no presente e, mais ainda, sobre a sua uniformidade. Assim sendo, e face a este conjunto de factores, a existência de uma auto-consciencialização (por via do “terreno”, da experiência empírica) induz à lassidão na relação ao tal formalismo democrático. Como acima referi isso tem implicações na adesão ao que é um verdadeiro culto dos procedimentos e, num segundo nível, relativamente à crença na urgência da democracia, inclusivamente à sua necessidade e seus corolários. Deste modo tudo aparenta que a posse de um ethos antropológico potencia as capacidades de intervenção nas missões democratizadoras, burilando as perspectivas analíticas, esfriando os pessimismos, congelando o (improfíquo) formalismo, menorizando a fidelização a uma demanda da verdadeiro longo prazo, nos postos durante um ano, mas esses são trabalhos muito raros e em processos particularmente complexos e iniciais. Será de referir a existência de veteranos nas missões, treinados para longas durações, cuja “genealogia” regressa ao processo cambodjano no início de 1990s. 17 Para uma caracterização detalhada de um poder democrático ver Popper (1991: 15-17). 11 realização local dos procedimentos e processos considerados necessários (a abordagem “by the book”) para a legitimação democrática. No fundo, incrementando de um modo que lhe é peculiar a compreensão dos processos históricos em causa. Através da disponibilização do tal “olhar distanciado”, dirigido para as realidades sociais exógenas mas também para os processos laborais (democratizadores) em que se está inserido. Tudo isso se congrega, e o já referido “Há mais de uma maneira de esfolar um gato”, significando que haverá vários caminhos para atingir a democracia, uma amplitude de processos, nisso uma refutação do dogmatismo, transporta também o abdicar de uma postura moralista sobre as dimensões democráticas. Algo que está também na raiz do pensamento democrático, desde o fundacional “por diversos meios se atinge um objectivo semelhante” que Montaigne (2005: 53-57) estabeleceu como princípio de uma modernidade não-dogmática. Encontro-me, antropólogo e cidadão democrata, num afastamento, relativo à pureza processual e à crença da necessidade e/ou urgência democrática. O qual não provém de um apriorismo relativista (ou até céptico), que questione a pertinência da democracia em sociedades outras,18 mas sim de uma visão sobre a economia política dos processos eleitorais observados. Com isso não refuto a desejável e potencial universalidade dos itens societais democráticos, mas sim aceito a diversidade destes itens, das suas formas de constituição e operacionalização, e das suas possibilidades históricas, e mais ainda, das suas probabilidades históricas actuais. Questionar os conteúdos e formatos do trabalho democratizador não implica entender a democracia como um exclusivo da história ocidental mas sim afirmá-la, na sua diversidade institucional e na multiplicidade das suas fontes intelectuais, como uma potencial recorrência histórica.19 Mas, por outro lado, esta afirmação não tem um sentido inverso, o de uma ingénua afirmação da universalidade da democracia, o que seria outra forma de lhe afirmar a inevitabilidade. Apenas reclama a inexistência de sistemas sociais que sejam impeditivos do estabelecimento democrático. Ou seja, o referido afastamento a uma “virtude”20 democrática não é teórico, proveniente das velhas questões referentes às relações e interpenetrações entre os sistemas políticos e restante sociedade, questões essas que regressam amiúde através daqueles que, entrincheirados num pobre Para uma crítica do relativismo ético ver Gellner (1992). Para a crítica da concepção que ancora e limita a liberdade política no contexto europeu ver Sen (2003: 242249). 20 No sentido de “potência”, bondade e possibilidade. 18 19 12 “culturalismo”, apontam a inexiquibilidade da instalação democrática em paragens menos ocidentais, pois vendo-as como dotadas de particularidades culturais inibitórias. E também não é esse afastamento produzido nas dúvidas sobre o estatuto pacificador da democracia política ou na constatação da impossibilidade na crença de uma sua relação linear com o desenvolvimento.21 Ainda que a estas considerando esperanças moralistas, negadas com veemência pela realidade, nem por isso tal estatuto mitiga uma opção democratizadora. 6. O microscópio antropológico? Olhar o agora através do passado. Com efeito, este distanciamento ao dogma democrático provém da uma percepção da história, e em particular da história que envolve a prática da antropologia. Pela qual se entende que o argumento “democracia” tem vindo a ocupar no discurso sobre as realidades “sub-desenvolvidas” o papel que a religião teve, quando o proselitismo cristão era entendido como forma de elevar selvagens à condição humana, e, posteriormente durante o período colonial, o papel que o mito do trabalho enquanto gerador do progresso assumiu, quando a pedagogia surgia como forma de elevar primitivos à civilização.22 Assim se poderá entender toda esta trajectória democratizadora como o mais recente episódio de um velho processo, do qual se conhecem os trâmites da exportação da Bíblia, do trabalho civilizador, e de vários outros etceteras, que fundamentalmente através das diásporas euro-ocidentais foram disseminadas pelos anteriores contextos coloniais, e de modo vincado através das missões evangelizadoras ou por via da concepção (até vista como ónus, muitas vezes) das “missões civilizadoras” institucionalmente conduzidas. A participação nestes processos democratizadores actuais implica assim uma pertença a estas novas missões, que trazem o parlamento e o mercado livre como produtos coloridos, caros e mágicos, prestigiantes, em suma, marcas de civilização. À imersão neste processo entendo-a sem o constrangimento do “complexo de culpa ocidental”23, pois consciente dos seus limites. Sem deixar de crer em valores cruciais, os democráticos, mas sem lhes atribuir qualquer sacralidade ou inevitabilidade. E, mesmo, sem os considerar salvíficos, face aos contextos trabalhados. Para a pluralidade de processos históricos democratizadores ver Dahrendorf (1993). Sen (2003), referência incontornável no mundo das organizações internacionais, defende o paradigma da democracia como desenvolvimentista, mas fá-lo no registo de tese, sem que o possamos, efectivamente, comprovar na empiria. Sobre o “autoritarismo industrial” ver Dahrendorf (1996). 22 Ver Augé (1978) e Leclerc (1973). 23 Para entender o sorriso ver Bruckner, na sua denúncia do “mal-estar ocidental” (1990). 21 13 Nisto não nego as virtudes democráticas, apenas matizo a adesão e refreio o afã com a sua institucionalização. Intentando a fuga à noção estreita que reduziu a exportação de modelos religiosos e socioeconómicos a meras ideologias legitimadoras de uma relação de exploração24, antes encarando-a como fruto de uma costumeira visão etnocêntrica que baliza as relações (de forças) entre povos e Estados, talvez inultrapassável.25 Assim, e desprezando uma concepção maniqueísta da história, deve-se encarar esta recente exportação democrática como um fruto das políticas de dominação inter-estatais mas também, tal como no passado, como impregnada de um poderoso conjunto de "boas intenções" dos cidadãos, vivificadas na imaginação social, autónomas dos interesses políticos directamente envolvidos, e passíveis de sentidos positivos. Deste modo surgindo como verdadeiras forças motrizes dos processos sociais, e não linearmente legíveis. Reflectir neste episódio actual das relações internacionais permite também abrir uma releitura da história. Ou seja, ser herdeiro de um processo de “imperialismo cognitivo”, e seu agente actual, disso ter consciência, não obriga ao mesmo tipo de adesão que ocupou os antepassados, mergulhados na crença da sua superioridade, dominadores aprisionados no seu “imperialismo cognitivo”, ainda que a este vivendo de múltiplas formas. E deste modo, nesta forma de adesão apartada, de participação profissional algo desencantada, encontro uma relativa superioridade binocular, aquela hipotética especificidade antropológica que é o assunto deste texto. 7. Que fazer com o corpo? Os modos no trabalho. Mas será que estas considerações reflexivas esgotam o específico do antropólogo? Talvez sejam insuficientes para esse delimitar, pois a capacidade para entender os processos históricos em causa não será monopólio dos membros da corporação, ainda que o seu património metodológico seja vantagem assinalável no entendimento do “terreno”, em particular no curto prazo, e como tal, pela prática comparativa, também do entendimento do “global”. Com efeito esta especificidade terá ainda de se alimentar de um segundo nível de questões, menos programáticas, mais pragmáticas: as referentes aos modos e contextos nos quais exerce a sua actividade. Por apetência própria, mas também por projecção alheia, fruto da sua imagem profissional, nas missões o antropólogo tende a ser colocado pelas suas organizações (quase sempre estrangeiras ao contexto abordado) junto das comunidades aldeãs, dos pequenos partidos, dos bairros degradados, 24 25 Sobre o conceito de ideologia ver Ricoeur (1991: cap. I). Deste modo reconhecendo o “imperialismo cognitivo” de Gellner (1992). 14 dos extremistas, das mulheres, da oposição não partidária, e outros núcleos societais de similares características quanto ao seu (des)“empoderamento”, dir-se-ia que os “subalternizados”, assim préconcebidos numa visão essencialista26. Como se a concepção exógena sobre o antropólogo, que a própria corporação dirime em proveito próprio, que o aceita como perito no diálogo compreensivo dos desapossados, assuma uma vigência indiscutida. Pelo que lhe compete assistir esses contextos, escutar seus receios e anseios, as suas problemáticas, cuja elocução é pressentida como mais difícil, pois pressupostos são os constrangimentos sociológicos ao discurso público que este tipo de grupos sociais “subalternizados” apresentam, bem como a tendencial informalização desses mesmos discursos. Como me parece óbvio, esta é uma dimensão que é reflexo da postura “escolar” da antropologia, um efeito da imagem social da disciplina. A isto associado espera-se ainda do praticante da antropologia um acesso privilegiado a outros contextos sociais não exactamente dominantes, artistas e intelectuais, grupos culturais, as talvez insurrectas universidades, seios dessas vozes que se esperam sempre como heterodoxas, potencialmente dissidentes, disruptivas, e que também elas se formalizam sob modos de aparência mais informal, no que não passa da cristalização de um arquétipo da figura do intelectual e artista de extracção ocidental, moldada no XIX europeu. Em suma, do antropólogo espera-se um especial entendimento das redes políticas existentes, em particular essas informais, a atenção às diferentes sensibilidades, ao pequeno, ao marginal, ao sussurro alternativo, ao locus longínquo do poder. Àquilo que maior dificuldade tem de ter voz pública, altissonante, nos momentos eleitorais, nos processos democratizadores. Há pois a crença na capacidade do antropólogo para apreender de um outro modo o meio circundante, para além do mainstream. Para isso dele se espera, e confia ele possuir, uma particular capacidade de integração, facilidade de comunicação e percepção, para o desenvolvimento das quais se valorizam os presumidos artefactos metodológicos do antropólogo, tanto por ele próprio como pelos colegas de missões, sempre espantados com o este chic do exótico profissional. Uma elegância que é também cuidadosamente cultivada ao associar a essa postura, aberta e integrada, uma refinada erudição da problematização do local, sob a aparência do mergulho culturalista e da apneia na história local, nisso convocando temáticas (conceitos e objectos) retiradas do património profissional, reduzidamente controlados por colegas com diferentes origens intelectuais. Para a tendência contemporânea de postular identidades de modo essencialista, e muito em particular no seio do pensamento póscolonial, ver Moore-Gilbert (1997: 185-203). 26 15 É neste quadro de acção provinda da exo-classificação e da auto-classificação, que funciona o arremedo do método de trabalho antropológico. É o patentear de uma particular disponibilidade para os traços mais marginais da interacção, um conjunto de práticas que se poderão resumir na polissémica expressão “sociabilidade”, seus aparentes temas e visíveis requebros, em suma, uma “convivencialidade” que encerra o pitoresco na encenação da feliz integração sempre conotada com o antropólogo. Mas será isto assim tão distante do verdadeiro método antropológico? Olhando para trás, vendo-o inaugurado e codificado por um expatriado anglófilo e seu rival, arrivista de hífen armado27, não poderão as suas bases ser vistas como a possidónia extensão de um mandamento crucial da aristocracia britânica, ao qual como a todos os mandamentos só se obedece quando convém: um cavalheiro sabe-se comportar em qualquer situação? Não terá sido a verdadeira novidade metodológica a extensão do âmbito em que se exigia o comportamento cavalheiresco.28 Quando a instituição de uma metodologia de observação directa de longo prazo (dita “observação participante”) implicou que toda a humanidade passou a ser passível de trato cavalheiresco, claro que apenas quando tornada, episodicamente, objecto de trabalho de campo? Talvez assim seja, daí os efeitos da “formatação” metodológica se imponham irreflectidamente. Cruzando alguns colegas nestas rotas laborais – alguns nas missões de observação eleitoral, bastantes outros inscritos no complexo da “indústria do desenvolvimento” - encontro a recorrência destes traços profissionais, que em mim próprio em tempos revi, feitos atitudes pessoais, incorporados como se naturais. Por apetência e por estratégia própria, os antropólogos encontram-se situados (e sitiados?) nesses contextos de actividade, o popular, o marginal, o desapossado. E, quase sempre, face ao poder instituído, aos governantes locais, às elites económicas, às autoridades religiosas quando aliadas ao Estado, surgem avessos os antropólogos, caracterizando (ou mesmo précaracterizando) os agentes desses contextos como populistas, miméticos ou, também, exploradores dos seus povos. Aversão esta sempre reduzindo, quando não recusando, qualquer integração com essas elites, ou seja, um diálogo compreensivo. Esta posição recorrente abre, decerto, caminho a Sobre as origens do método antropológico ver Kuper (1973) ou Leach (1984), ambos também abordando os aludidos Malinowski e Radcliffe-Brown. 28 Para o entender face às crenças alheias ver Wilde (1973). 27 16 uma sociologia dos antropólogos democratizadores/desenvolvimentistas, no traçar-lhes os percursos que desembocam na generalizada cristalização ideológica quantas vezes condenada ao desencanto.29 E apela ainda a uma antropologia dos antropólogos, a uma análise de como o ideal que constroem de si mesmos, e da sua ordem corporativa, imprime uma prática social, inclusive corporal, que se transforma face aqueles com os quais não sentem “afinidades electivas” (afectivas e ideológicas), pois nessa recusa à integração com as elites alheias se afirma, paradoxalmente, a negação da sua metodologia profissional, a qual, é sabido, deverá recusar qualquer exclusão contextual. Com efeito, quando face aos poderes vigentes são esquecidos os mais elementares traços do método, o respeito e interesse pelas normas dos grupos que os possuem, a verdadeira atenção pelas suas práticas e representações sociais, e brota a espontânea recusa, o juízo de valor epidérmico. E tudo isso implica, e de modo visível, uma extrema deselegância no trato e na postura, redundando amiúde na etnocêntrica recusa do convívio analítico. Nisto se reforça o envio dos antropólogos para os contextos atrás referidos, pois torna-se evidente que nas suas organizações se vai sublinhando o receio que da sua presença em contextos mais “refinados”, leia-se poderosos, advenha alguma poluição que manche as organizações empregadoras, por deficiência estética ou comportamental. Em resumo, encontram-se duas grandes causas para o lugar específico dos antropólogos: são estes colocados a trabalhar num determinado feixe de contextos sociais, subalternos, devido à expectativa que possam apreender os contextos populares, por via da sua metodologia, dita abrangente; mas também, e num sentido paradoxalmente oposto, devido à sua recusa na utilização do seu método quando junto aos círculos do poder, da "modernidade" local. Nisso se torna óbvio que as opções metodológicas e ideológicas nestas participações nos processos democratizadores ecoam uma adesão, até inconsciente, a um serôdio “primitivismo”, como se resida alguma virtude própria nos contextos longínquos ao poder, externos a essa “modernidade” político-cultural com que os poderes surgem. Se, episodicamente, cruzam estes contextos logo surge, por via de comportamentos explícitos (p.ex. verbalizando as invectivas) ou implícitos (p.ex. nas práticas de vestuário ou higiene) um défice do referido cavalheirismo, vera fonte da inexistência de integração analítica junto às elites. Ou seja, em última análise, é nas práticas do(s) corpo(s) que se assinalam as fronteiras que se estabelecem ao âmbito assumido do trabalho. 29 Para esse desencanto ver Said (1994: VI) 17 Assim se desenha a marca de água do antropólogo envolvido nestes processos democratizadores, processos que derivam das classificações externas, sobre o que é expectável na sua participação, e de auto-classificações, sobre o que consideram como aceitável e desejável nestas participações. Coloco como hipótese que esta última dimensão, de delimitação dos contextos sociais de intervenção (e interacção), se prende com o (auto)policiamento corporativo que acima referi, com as estratégias de obtenção e/ou manutenção de estatuto profissional. Assim ao ethos corporativo presume-se uma associação com um pathos particular, e neste se devem calcorrear caminhos longínquos do poder, poluente que é. Por maioria de razão quando se labuta sob o já poluente poder estatal (ou semi-estatal) próprio. A este (auto)policiamento, produtor de uma autocensura, haverá ainda que associar uma outra causa, ainda que secundária. Pois a generalizada assumpção de que os intelectuais se dedicam à crítica social casa, e principalmente em paragens pós-coloniais, com o complexo de culpa corporativo, que sempre invoca as associações (tão mistificadas) da antropologia com os antigos poderes coloniais. Nisso se potencia o criticismo sobre todo o poder considerado não “revolucionário” e a abluções às oposições em contenda, estratégia reflexivas que recorrem sistematicamente a uma dicotomia estruturante do pensamento político em voga, a de uma oposição “direita/esquerda” de conteúdos evidentemente eurocêntricos.30 Este cenário aliado à ingenuidade de "viver momentos históricos", aquando em períodos de exaltação social como o são eleições em contextos conturbados, vem transformando simpáticos colegas em histriónicos e engajados cidadãos, sempre esquecidos, por galicismo distraído, que ser engajado significa exactamente "indivíduo contratado para certos serviços" (Figueiredo 1939). E que é esse o verdadeiro da expressão “antropólogo engajado”. Concluo assim que há uma especificidade do antropólogo, que o potencia como participante nos processos democratizadores, dado ser o seu património metodológico favorável à apreensão da economia política destes. Mas considero que esta segunda dimensão, mais pragmática, sendo também específica da participação dos antropólogos neste tipo de trabalho, derivada das exoclassificações e das auto-representações e das auto-estratégias de reprodução de estatuto profissional, desvanece qualquer superioridade analítica, pois traduz-se na amputação dos universos a analisar. 30 Para uma discussão desta ver p.ex. Bobbio (1994). 18 Nisso implicando a cristalização de pressupostos sobre os contextos em causa, na cristalização de identidades e potencialidades dos intervenientes. Factores esses que maior relevância terão neste actual contexto histórico, em que me parece expectável um generalizado recuo dos processos democratizadores, em que fenece a capacidade pressionante do instrumento “condicionalidade política”. Momento histórico em que, como coloquei em epígrafe, será de regressarmos a Bobbio (1988), constatando a sempiterna surpreendente deriva das ideias dominantes. E com ela se se perspectivando uma muito maior plasticidade dos processos que intentam induzir modalidades de sociedades democratizáveis, num desígnio desenvolvimentista. Outras perspectivas serão necessárias, um maior burilar do olhar será apropriado. 8. Que Olhar? Que olhar, como olhar, sobre os processos políticos internacionais que se perspectivam, quando inseridos em processos políticos democratizadores (e nos seus associados desenvolvimentistas, tanto se implícita como se explicitamente)? Convirá suspender a auto-censura corporativa, processo difícil pois não apenas proveniente do referido (auto)policiamento, mas também brotada da socialização “escolar”. Mas será avisada uma maior consciência sociológica sobre a participação nestes processos. Como referi, será preciso regressar a uma compreensão do “engajamento” requerido nestas missões. É esse um estatuto mercenário? Não tanto, até porque lhe falta o quadro valorativo, a dignidade militar.31 Com essa auto-consciência, com esse assumir descomplexado das relações havidas com os estados empregadores (e desligando-se da retórica ideológica com que os seus mestres académicos mascaram a sua dependência profissional e existencial), poderá o antropólogo fazer valer o seu aparato metodológico para pontificar em missões deste timbre, muito em particular fazendo-se precioso para actuar em contextos exógenos por curtos períodos. Exige essa postura, auto-promotora, algum desassombro. Pois com todas estas reflexões poderá o antropólogo situar-se. Não apenas enquanto profissional da disciplina mas “apenas” se lhe associar a Para uma abordagem histórica ao seu conteúdo ver Mattoso (1985, vol. I: pp. 114-128). Para a configuração dos valores que lhe estão associados na modernidade nacional nos contextos europeus ver Kantorowickz (1999). 31 19 qualidade de cidadão dotado de algum Bom Senso. Algo não confundível com o mero senso comum, mas esse mesmo que Voltaire assumiu como garante epistemológico, “le bons sens, the good sense which, while it may not lead to absolute certainty, attains to a degree of verisimilitude or probability quite sufficient for human affairs, for public and private life” (Berlin 1979: 88). Como tal aceito-o como assumidamente enraizado, preconceituoso, até produtor de erros. E se à sua, até diletante, calma desagradam autoritarismos e populismos alheios – esses que afundam democracias e perigam o bemestar das populações -, mais ainda lhe é desconfortável a arrogância e fragilidade metodológica do colega engagé, que no seu preconceito ideológico nem se apercebe dos seus verdadeiros contratantes, e do papel que lhe é atribuído, e do como as suas práticas o especializam como o requerido lhe é. Assim sendo este Bom Senso retira o seu encanto, produtivo, de um lasso distanciamento face ao observado e face ao seu empregador. Na sua pacificação interna deve assim este antropólogo considerar-se a si mesmo como um caixeiro-viajante da democracia, assumindo a modéstia do seu estatuto, a latitude da sua crença, e os limites da sua liberdade. No fundo, e como qualquer caixeiroviajante sabe, através do seu Bom Senso, ele necessita de se adaptar ao meio onde trafica, tem que o penetrar, nele mergulhar, e, entendendo-o, nele lucrar, usar enfim de um verdadeiro cavalheirismo burguês, essa verdadeira actualização pós-imperial da sua metodologia identitária. Sabendo que “Être bourgeois, avoir l’esprit bourgeois, c’est se conformer. Penser selon les habitudes de son millieu, quel qu’il soit” (Meyer 1994: 85), qualquer que seja onde trabalhemos. E nunca carnavalizando radicalismos, paradoxais face ao seu verdadeiro estatuto profissional e cultural. Provirá esta capacidade laboral da socialização “escolar”, do nosso património metodológico? Duvido. Pelo que a mim diz respeito só posso afiançar que as minhas doses de Bom Senso e de Cavalheirismo provieram lá da casa familiar. E sobreviveram ao magister dixit. Assim sendo talvez se imponha um regresso aos antepassados. Sabendo que, nesse árduo caminho, se prossegue com o eterno dilema, até antropológico, como o explicitou Greene pela voz do seu Fowler: “I was reminded of Captain Trouin in the opium-house, “one has to take sides. If one is to remain human.” (Greene, 2004: 121) 20 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Alden, C., 2007. China in Africa. London: Zed Books Alves, M.I.P., 1996. As ONG na Política Comunitária de Cooperação para o Desenvolvimento. Lisboa: CIDAC Aron, R., 1997. Introduction à la Philosophie Politique. Démocratie et Révolution. Paris: Le Livre de Poche Appadurai, A., 2004. Dinâmicas Culturais da Globalização. Lisboa: Teorema Augé, M., 1978. Introdução. in M. Augé (org.), A Construção do Mundo (Religião, Representações, Ideologia). Lisboa: Edições 70 Berlin, I., 1979. 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