Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                
A GUERRA DOS TRINTA ANOS: IMAGENS DE UM PERÍODO DE TRANSIÇÃO Prof. Dr. Antônio Jackson de Souza Brandão1 RESUMO: Este ensaio procura traçar um panorama do século XVII durante a Guerra do Trinta Anos, cujo palco foi o Sacro Império Romano Germânico. Concomitante aos conflitos religiosos sangrentos, a Europa conheceu o significado das crises econômicas que se abateram no continente nesse momento de transição para o surgimento do Estado moderno. PALAVRAS-CHAVE: Guerra dos Trinta Anos, Reforma, Contrarreforma, crise social ABSTRACT: This essays looks for to trace a panorama of 17th century during the Thirty Years' War, whose stage was the Holy Roman Empire. Simultaneous to the bloody religious conflicts, the Europe knew the meaning of the economic crises that occurred in the continent at this moment of transition for the sprouting of the modern State. KEY WORDS: Thirty Years' War, Reformation, Counter-Reformation, social crisis Aspectos gerais Para se compreender o século XVII alemão é mister conhecer dois aspectos fundamentais dos séculos anteriores: sua estrutura política e religiosa. Politicamente, não havia uma nação alemã, pois essa era dividida em mais de trezentos estados semiautônomos e cada um deles governado por um príncipe, bispo ou conde, apesar da aparente unidade transmitida pelo Sacro Império Romano-Germânico, cujo imperador era eleito pelos príncipes mais poderosos – os Eleitores2; do ponto de vista religioso, a região foi o berço da Reforma, que mudaria o destino da Igreja Católica e da Europa, provocando uma série de conflitos e guerras. Martinho Lutero, o arauto da insatisfação que se alastrava por todos os recantos da Europa contra a instituição eclesiástica, soube aproveitar os preceitos e o desenvolvimento trazidos pelos ideais renascentistas que dominavam o século XVI. Paradoxalmente, poderíamos considerar que a Reforma foi tanto uma reação contra o 1 Antônio Jackson de Souza Brandão, escritor, poeta, mestre e doutor em Literatura alemã pela Universidade de São Paulo (USP), é docente no mestrado da Universidade de Santo Amaro (UNISA/SP), , email: jackbran@gmail.com. 2 O colégio Eleitoral ou Kurfürstentag era formado pelos três Arcebispos-Eleitores de Mogúncia, Tréveris e Colônia; o conde Palatino do Reno; o duque da Saxônia; e o eleitor de Brandemburgo, juntamente com o Rei da Boêmia. Renascimento como seu resultado, na medida em que se não fossem as inovações trazidas pelos Quinhentos, dificilmente haveria espaço para que as propostas reformistas lograssem êxito; por outro lado, muitos aspectos referentes à liberdade que foram alcançados no período também foram condenados pelos reformadores. Se, por um lado, Lutero teve a inclinação religiosa de tornar o cristianismo mais puro, não foi o que imaginaram muitos de seus protetores, entre eles príncipes poderosos que vislumbraram, no movimento, a oportunidade de se apropriarem dos bens eclesiásticos, como saída para contornarem a necessidade de dinheiro tanto para sustentar uma administração cada vez mais complexa, quanto para equipar seus exércitos, ou mesmo para adquirir objetos de luxo para a ostentação de sua posição. (GREEN, 1984) No entanto, aquilo que poderia ser apenas uma disputa de alguns príncipes com os prelados em seus territórios, assumiu grandes proporções, levando as grandes potências europeias a digladiarem-se, naquela que seria uma das mais brutais guerras conhecidas pela humanidade: a Guerra dos Trinta Anos, iniciada em 1618. O já fragmentado pseudoestado alemão, ou melhor, os limites do Sacro Império Romano-Germânico, tornou-se, devido a sua falta de unidade e de interesses políticos contrários aos Habsburgos, um palco onde se definiria a fase decisiva da luta entre católicos e protestantes. Desde seu início, porém, ficou claro que os motivos da beligerância iam muito além das questões religiosas e adentraram em questões seculares. Isso fica claro ao verem-se nações de credos diferentes que se preocupavam mais em buscar alianças para derrotar os Habsburgos, a Casa mais poderosa da Europa, do que, efetivamente, a expansão de sua fé. Pode-se exemplificar essa situação com Francisco I (1515-1547) da França que se aliou não só com os protestantes suecos e dinamarqueses, como também com os muçulmanos turcos (1543), a fim de derrotar o imperador Carlos V (1519-1558); ou, anos mais tarde, o todo-poderoso cardeal francês Richelieu (1585-1642), que compactuou com o rei protestante da Suécia, Gustavo Adolfo. Não é difícil compreender que, quando em 1648, o Tratado de Vestfália pôs termo à guerra, encerrou-se a era dos conflitos religiosos, instaurando-se a dos conflitos políticos (LIMA, 1922); além disso, sinalizou que a concepção medieval da Europa, há muito moribunda, chegara a ser termo, dando lugar ao aparecimento do Estado moderno. Desdobramentos da Guerra dos Trinta Anos É lugar-comum afirmar que os conflitos humanos, mormente as guerras, têm sua origem em fatos anteriores a sua eclosão. Conhecem-se bem as causas da Grande Guerra – a frágil política das alianças entre as potências europeias –, mas foi necessário o assassinato do Arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono austro-húngaro, em 1914, como estopim para seu início; ou, então, a invasão do exército alemão à Polônia, em 1939, − mesmo após a Anschluss da Áustria e de parte da Tchecoslováquia pelos nazistas – para que se desencadeassem as sucessivas declarações de guerra que levariam à Segunda Guerra Mundial. Somos, muitas vezes, levados a pensar que somente ambas foram os piores momentos em que grande parte da humanidade se digladiou em nível mundial, houve, entretanto, no século XVII, um momento em que as nações europeias participaram Figura 1 Destruição de imagens religiosas durante a Era Puritana, Londres (?), s/d de um conflito de dimensões até então desconhecidas e somente revividas no século XX. Tal conflito foi conhecido como Guerra dos Trinta Anos, que se estendeu de 1618 a 1648, e cujo palco foi a Europa central, no território compreendido pelo antigo Sacro Império Romano-Germânico. Assim, para se compreender o cerne desencadeador e o porquê da complexidade dos confrontos nesse período, faz-se necessário conhecer sua gênese. Exatamente cem anos antes do estopim da guerra, em 1517, Martinho Lutero afixara suas 95 teses em Wittenberg, inaugurando a era dos conflitos religiosos. Suas ideias logo conquistaram a simpatia de parte da nobreza alemã, pois o luteranismo tornara-se um seguro aliado do particularismo político dos príncipes alemães. O príncipe, estivesse ou não genuinamente convertido à verdade das ideias luteranas, fruía lucros terrenos da confiscação dos bens da Igreja, aumentava o seu controle sobre os negócios eclesiásticos e adquiria um maior grau de independência do imperador católico. (GREEN, 1984, p. 157) Lutero, ao ser condenado por heresia na Dieta de Worms, é acolhido por nobres alemães e lança os fundamentos de sua doutrina, que serão combatidos pelo imperador Carlos V, afinal o reformador acabou por fomentar também o particularismo dos príncipes, o que poderia diminuir a autoridade imperial e romper, com isso, a unidade do Império que o imperador pretendia tornar forte e centralizado. Sucederam-se e intensificaram-se, a partir daí, querelas militares, religiosas, políticas – como a rivalidade entre os Valois e Carlos V –, além de sociais como a Guerra dos Camponeses (fig. 3). As ideias de Lutero não atingiram apenas os príncipes que enxergavam nelas benefícios para si mesmos, mas chegaram também aos menos afortunados, representados pelos camponeses. Liderados por Thomas Münzer, esses viam no movimento reformista a oportunidade de quebrar a estrutura feudal e o vínculo que os ligava a seus senhores, nem que para isso tivessem de usar da força para conquistar terras da Igreja e da própria nobreza. Lutero, entretanto, condenou com veemência tal Figura 2 Panfleto da Reforma contra Lutero (As sete cabeças de Martinho Lutero), Leipzig, 1529 atitude, incitando os príncipes a esmagarem os insurretos, fato que ocorre em 1525 com a morte de Münzer, apesar de haver focos rebeldes que se estenderam até 1526. Apesar disso, os conflitos envolvendo os príncipes do Norte e o Imperador prosseguiram, quando se estabeleceu uma trégua, em 1555, a conhecida Paz de Augsburgo, quando se determinou que cada príncipe decidiria qual religião adotaria (cuius regio, eius religio): ou o luteranismo ou o catolicismo. Como o tratado não era para defender a tolerância, já que apenas consentiu na existência de duas religiões – nem o povo nem a Igreja teriam direito à escolha própria: ou se aceitava, ou se retiraria para outro lugar, deixando para trás tudo o que se construíra – estava claro que tal compromisso cedo ou tarde seria desafiado. O desafio, por sinal, foi constante nos séculos XVI e XVII, como ficou claro na geopolítica europeia com os constantes enfrentamentos entre suas potências, que visavam a uma maior participação territorial, econômica e política. Podem-se, inclusive, enumerar alguns exemplos: se, por um lado, a Espanha buscava manter-se como potência hegemônica no continente europeu, a França, por outro, procurava desestabilizar a atuação e o poder dos Habsburgos em seus dois ramos, o espanhol e o austríaco; se por um lado a Inglaterra buscava condições para sua futura dominação dos mares, por outro, as Províncias Unidas lutavam por sua independência da Espanha e do Império; enquanto Dinamarca e Suécia disputavam a hegemonia na região do Báltico, o Império Otomano visava avançar ainda mais em solo europeu, a fim de manter o controle e o comércio com o Oriente; havia ainda a busca, pela Igreja Católica póstridentina e contrarreformista, por sua reestruturação, quando se ratificaria a ruptura permanente entre a doutrina católica e a protestante, e a consequente luta para reconquistar o espaço perdido pela Reforma. Figura 3 Cena da Guerra dos Camponeses, na qual esses aprisionam um cavaleiro. Observa-se que os camponeses levam a bandeira do Bundschuh , literalmente “sapato amarrado”, símbolo empregado por eles em contraposição às botas, empregadas pelos nobres. Augsburg, 1532 Essa reconquista, no entanto, perpassa as paredes da Igreja e pode nos dar uma ideia clara da exaltação dos ânimos, bem como da realimentação do espírito belicoso entre muitos príncipes que foram árduos defensores ou dos ideais católicos – como Maximiliano I, da Baviera – ou dos protestantes − como Gustavo Adolfo, rei da Suécia. Cada um dos grupos não via com bons olhos o avanço do outro lado. Figura 4 Defenestração de Praga, ilustração do Theatrum Europaeum (Bd. 1), Mathäus Merian (o velho), 1662 Assim, enquanto o contrarreformismo avançava, o mesmo se dava com os reformados, cujos membros ganhavam posições nas Dietas, apesar de estarem divididos entre luteranos e calvinistas, o que, seguramente, os enfraquecia. Em maio de 1608, é fundada a União Evangélica que reunia os príncipes protestantes, aceitando-se a inclusão dos calvinistas após a Paz de Augsburgo. Um ano depois, é a vez dos católicos unirem forças na Liga Católica encabeçada por Maximiliano II, da Baviera. Em 1609, o imperador Rodolfo II havia fixado sua residência em Praga e, diante de uma iminente rebelião na Boêmia, concede aos protestantes3 a Carta de Majestade, garantindo-lhes a liberdade de praticarem sua religião. Em 1612, Matias I torna-se imperador e promete aos boêmios manter sua liberdade religiosa, apesar de demonstrar a vontade de impor a Contrarreforma na região. Os protestantes se opõem, na Dieta da Boêmia, e reivindicam junto ao imperador que mantenha a Carta de Majestade, no entanto o imperador dissolve-a, proibindo seu culto e encontros. 3 Tal concessão foi outorgada somente aos luteranos, não o foi para os calvinistas e irmãos boêmios, herdeiros dos hussitas do século anterior. Figura 5a Frederico V e o acampamento para recepcionar sua noiva vinda da Inglaterra, Elisabeth Stuart, em Nurembergue, gravura de Georg Keller, 1613 Enfurecidos, os protestantes dirigiram-se ao Palácio Hradschin e, após terem se atracados com os regentes imperiais, atiraram-nos pela janela, fato conhecido como a Defenestração de Praga (fig. 4), dando início à Revolta da Boêmia, marco inicial dos conflitos que culminaram com a Guerra dos Trinta Anos, que “afundou a Alemanha4 num mar de sangue e lágrimas.” (GEISS, 1987, p. 180) Os rebeldes instauraram um governo novo e formaram um exército. Entrementes, morreu o Imperador Matias I e elegeram, à revelia, Frederico V (fig. 5b), eleitor do Palatinado, como seu rei, mesmo sabendo que o trono caberia a Fernando da Estíria, sobrinho do imperador morto, e que se 4 Figura 5b Frederico V, ilustração do Theatrum Europaeum (Bd. 1), Mathäus Merian (o velho), 1662 Apesar de ainda não haver o que conhecemos hoje por Alemanha, mas a fragmentação de mais de 200 estados autônomos e semiautônomos, empregaremos o termo a título ilustrativo. tornou o novo imperador, Fernando II (fig 6). Este se lança contra os sublevados após receber apoio da coroa espanhola e do príncipe Maximiliano da Baviera, cujo apoio militar seria Figura 6 Coroação de Fernando II, em Frankfurt, em 1619, ilustração do Theatrum Europaeum (Bd. 1), Mathäus Merian (o velho), 1662 recompensado com o eleitorado palatino. Em novembro de 1620, as tropas católicas − da Liga e do Imperador −, sob o comando do general imperial Johann T’Serclaes de Tilly (fig. 7), invadiram a Boêmia e derrotaram os rebeldes na Montanha Branca a poucos quilômetros de Praga (fig. 8). Após a derrota, Frederico V foge para a Silésia e de lá para a Holanda. O imperador foi implacável com os sublevados: todos os cabeças do movimento foram executados, suas famílias desterradas, seus bens confiscados e distribuídos às famílias católicas Extinguiram-se que lhe praticamente eram todas leais. as liberdades dos boêmios: sua coroa passou a Figura 7 General imperial Jean T'Serclaes de Tilly, ilustração do Theatrum Europaeum (Bd. 1), Mathäus Merian (o velho), 1662 ser hereditária da Casa de Habsburgo; a religião católica foi imposta à força, fecharamse as igrejas protestantes; a língua alemã passou a ter o mesmo peso da tcheca; intensificou-se a germanização da região; a educação ficou a cargo dos jesuítas e destituíram-se, assim, os professores protestantes, entre os quais Comenius, considerado um dos maiores educadores do século XVII, que expôs, em uma carta a Samuel Hartlieb, amigo de Milton, a arbitrariedade com que se processou tal ato e quem foram os atingidos: Alle, die über Frömmigkeit, Sittlichkeit, Wissenschaftlich und Künste geschrieben haben, gleichviel ob Christ oder Mohammedaner, Jude oder Heide oder welcher Sekte sie immer angehört haben mögen, Pythagoräner, Akademiker, Peripatetiker, Stoiker, Essäer, Griechen, Römer, Alte oder Neue, Doktor oder Rabbi, jedwede Kirche, Synode, Kirchenversammlung: alle, sage ich, sollen zugelassen und gehört werden5. (JESSEN, 1966, p. 123) Figura 8 Batalha na Montanha Branca, próximo a Praga, ilustração do Theatrum Europaeum (Bd. 1), 1662 5 [Todos aqueles que têm escrito sobre piedade, moral, ciência e artes, sejam cristãos ou muçulmanos, judeus ou gentios, ou qualquer seita a que sempre pertenceram, pitagóricos, acadêmicos, peripatéticos, estoicos, essênios, gregos, romanos, velho ou novo, doutor ou rabino, qualquer igreja, sínodo, conselho eclesiástico: todos, eu digo, deveriam ser tolerados e ouvidos. Tradução nossa] Fernando II conseguiu debelar de forma eficaz a rebelião na Boêmia, e a Dieta de Regensburg concedeu a Maximiliano da Baviera a dignidade de Eleitor no lugar de Frederico V, além do Alto Palatinado. Entretanto, a política extremamente repressora do Imperador fez com que surgissem várias reações contra os Habsburgo em toda Europa, prolongando e extrapolando uma revolução que seria intestinal. Vários fatores foram decisivos para isso, como, por exemplo, o Figura 9 Cristiano IV, rei da Dinamarca, ilustração do Theatrum Europaeum (Bd. 2), Mathäus Merian (o velho), 1646 final da Trégua dos Doze Anos (1621) entre Holanda e Espanha (outro braço dos Habsburgo); o receio dos reis da Dinamarca e da Suécia (protestantes) de que o Imperador aproveitasse a situação para restaurar seu poder por toda a Alemanha e impor, à força, a fé católica; da mesma forma, os reis católicos também queriam assegurar sua hegemonia na Europa setentrional. Assim, Cristiano IV, rei da Dinamarca (fig. 9), e o conde Ernst von Mansfeld (fig. 10), mercenário que estava a serviço de Frederico, invadem o império e são seguidamente derrotados pelo general Tilly, que ocupa o ducado de Schleswig-Holstein, a Jutlândia, Mecklemburgo e a Pomerânia. Surge, nesse momento, uma figura importante no cenário da guerra: Albrecht Eusebius Wenzel von Wallenstein (fig. 11)6, quem derrota Mansfeld que recebia ajuda de 6 Figura 10 Ernst von Mansfeld, ilustração do Theatrum Europaeum (Bd. 1), Mathäus Merian (o velho), 1662 As tropas sob comando de Wallenstein foram recrutadas e equipadas por sua conta e risco , já que o mesmo havia enriquecido sobremaneira com o comércio de cereais que abastecia os exércitos do imperador. Jaime I, da Inglaterra. Após a vitória das tropas imperiais, é assinado o Tratado de Lübeck (1629), pelo qual a Dinamarca recebe novamente seus territórios para que não interferisse mais em assuntos do Império, e que abandonasse suas pretensões aos bispados de Bremen e de Verden. As sucessivas vitórias de Fernando II levaram-no a promulgar o Edito de Restituição – anulando a Paz de Augsburgo – que, além de obrigar a devolução das terras secularizadas pelos protestantes à Igreja Católica, destituía os calvinistas de seus cargos, o que pressupunha que tentaria impor o catolicismo a todo o Império. A execução do edito foi delegada a Wallenstein, que não o via com bons olhos, pois acreditou que perderia as regalias conquistadas com a guerra. Figura 11 Albrecht Wallenstein, de Anthonis van Dyck, por volta de 1636/1641 Essas, por sinal, irritavam profundamente muitos príncipes alemães, entre eles Maximiliano, que solicitavam ao imperador a saída do boêmio do comando das tropas. Apesar da relutância de Fernando II, este, finalmente, concedeu. Sua saída foi em parte uma demonstração do que fazia (e queria) a diplomacia francesa nos bastidores em sua busca pela desestruturação do Império por meio de intrigas entre os príncipes católicos e o Imperador, como a que se verificou na Dieta de Regensburg (1630), quando alguns príncipes foram contrários ao envio de tropas imperiais a Mântua que auxiliariam os espanhóis em detrimento dos franceses; ou a neutralidade de Maximiliano I, em relação aos franceses, que se mostraria, posteriormente, desastrosa à Baviera; ou ainda por meio de acordos beligerantes com outros países, visto que a França ainda não tinha condições de intervir diretamente no conflito. Assim, a política externa francesa consistia tanto em semear a discórdia dentro do Sacro Império quanto em outros países, como forma de alcançar sua supremacia na Europa. Isso ficaria evidente com Richelieu que apoiaria, financeiramente, Gustavo Adolfo, o rei da Suécia protestante. O sueco via, dessa forma, a possibilidade de dominar o Báltico, pois seu concorrente direto, a Dinamarca, havia sucumbido e assinara o Tratado de Lübeck (1629). Estabeleceu-se entre a França e a Suécia o Tratado de Bärwalde (1631), cuja duração seria de seis anos, segundo o qual os suecos receberiam dinheiro para enfrentar os Habsburgos, desde que respeitassem a religião católica nos territórios ocupados. A chegada de Gustavo Adolfo (fig. 12) aos limites do Sacro Império transformou, indiscutivelmente, a guerra num conflito europeu, pois representou a confluência do imperialismo báltico protestante e do receio francês às ambições dos Habsburgos; além disso, foi inconteste que o rei sueco tenha sido uma das maiores personagens da guerra, já que via também em sua expansão territorial e no aumento da área de influência sueca uma forma de proteção maior contra as agressões habsburga e polaca. “ ‘A Pomerânia e a costa báltica são os redutos exteriores da Suécia’, escreveu ele; ‘são suas garantias contra o imperador.’”(GREEN, 1984, p. 340) Além de Figura 12 Gustavo II Adolfo, rei da Suécia, ilustração do Theatrum Europaeum (Bd. 2), Mathäus Merian (o velho), 1646 querer restaurar os príncipes protestantes destituídos e defender as liberdades políticas religiosas no Sacro Império, devido a seu interesse pela causa protestante, queria levar adiante o imperialismo sueco. Não era de se estranhar que grande parte dos príncipes alemães fosse protestantes ou católicos, não confiava nos suecos. Para Gustavo Adolfo, que já possuía em seu curriculum três guerras − vencera a Polônia contra seu primo Sigismundo III (1621-1629), a Dinamarca (iniciada por seus pai Carlos IX e encerrada em 1613) e a Rússia (terminada em 1617) −, foi relativamente fácil invadir a Alemanha, conseguindo uma importante vitória sobre as tropas imperiais sob o comando de Tilly, em Breitenfeld (1631), o que alargou sobremaneira seus objetivos políticos e imperialistas. Diante disso, deixara de cumprir o pacto que fizera com os franceses, ao impor o luteranismo por onde passava. Em 1632, o general imperial Tilly morre cinco dias após ter sido ferido próximo a Rain am Lech, abrindo, destarte, o caminho ao rei sueco rumo a Munique. (JESSEN) Diante desse acontecimento, não restou outra alternativa a Fernando II que se reconciliar com a Liga e com Wallenstein, que derrota Gustavo Adolfo em Nurembergue − onde a penúria devido à escassez de víveres já era reinante. (ibidem) Junto com seu exército, o rei sueco dirige-se para o norte e, dessa vez, surpreende e derrota as tropas do general Gottfried Heinrich von Papenheim e as de Wallenstein. Entretanto, em meio a essa batalha, em Lützen, Gustavo Adolfo tombou (fig. 13) e seu exército, um dos mais Figura 13 Morte de Gustavo II Adolfo, em uma batalha próxima a Lützen, , ilustração do Theatrum Europaeum (Bd. 2), Mathäus Merian (o velho), 1646 disciplinados e bem preparados da guerra, transformou-se num corpo de mercenários, controlado em grande parte por Richelieu. (GREEN) Ambicioso, Wallenstein queria vingar-se do imperador que já o destituíra uma vez. Tal desejo aumentou ainda mais com sua derrota em Lützen, quando conspirava contra o imperador com o inimigo. Acusado de traição, é assassinado em Eger (fig 14), juntamente com um grande número de seus Friedländer 7, a mando do próprio Imperador. Vale a pena ler a carta do confessor do Imperador, o jesuíta Wilhelm Lamormaini, de 3 de março de 1634, na qual explicita algumas razões encontradas por Fernando II para destituí-lo novamente, além de condená-lo à morte por traição: Die geheimen Machinationen des Friedländers mündeten schlielich am 12. Januarii in eine Verschwörung. Er wollte den Kaiser verderben, das Haus Österreich auslöschen, die Königreiche und österreichichen Lande in seine eigene Hand bekommen und die Güter und Herrschaften der getreuen Diener des Kaisers unter seine Mitverschworenen verteilen8. (JESSEN, 1966, p. 354) 7 Soldados de Wallenstein. [As maquinações secretas dos Friedländer desaguaram finalmente em uma conspiração em 12 de janeiro. Ele [Wallenstein] queria arruinar o Imperador, extinguir a Casa dos Áustria, ter em suas mãos o reino e as terras austríacas, dividir os bens e o domínio sobre os serviçais entre seus conluios conspiradores. Tradução nossa] 8 Figura 14 Assassinato de Wallenstein, retirado de JESSEN, 1966, p. 345 Após a morte de Wallenstein, o comando das tropas imperiais passa para o conde Matthias Gallas que, juntamente com o cardeal-infante D. Fernando, irmão de Felipe IV da Espanha, e o rei da Hungria vão reconquistando posições ao norte. Impuseram uma grande derrota ao exército do duque protestante Bernardo do SaxeWeimar e, em 6 de novembro de 1634, vencem os suecos em Nördlingen. Os suecos deixam, aparentemente, de ser uma ameaça à estabilização do Império; diante disso, os protestantes, sem seus principais aliados, procuram encontrar uma solução pacífica para o conflito, o que culminou com o Tratado de Praga, quando se fizeram importantes concessões aos protestantes, modificando-se, inclusive, algumas resoluções do Edito de Restituição. Aquilo que parecia ser apenas uma negociação isolada entre o Imperador e o Eleitor do Saxe, estendeu-se a toda a coalizão protestante. No entanto, o que seria o prenúncio da paz, não o foi, pois segundo escreveu Richelieu (fig. 15): O Eleitor da Saxônia fez a sua paz, mas isso não terá sobre nós outro efeito além do de nos fazer redobrar de esforços para termos tudo a postos. (GREEN, 1984, p. 343) Se no início da Guerra dos Trinta Anos a França não agiu diretamente por não estar preparada, chegou agora sua vez de entrar diretamente no conflito para desestabilizar, em definitivo, o poder habsburgo. O fato preponderante para isso fora a derrota de seus aliados em Nördlingen. Assim, nove dias antes de ser assinado o Tratado de Praga entre o imperador e os líderes protestantes, sob comando do Eleitor da Saxônia, a França declara guerra à Espanha. Aunque sus recursos militares estaban relativamente subdesarrollados, Francia por lo menos entraba en la guerra de refresco. Por el contrario, España llevaba quince años combatiendo, y los combates habrían de durar otros veinticinco años y llegar hasta la propia Península. (KAMEN, 1984, p. 333) A França entra na guerra com tropas regulares ao lado dos suecos, segundo Richelieu, numa clara demonstração que a razão de estado deve prevalecer sobre a da confissão religiosa. Em 1636, os suecos vencem em Wittstock e avançam em direção à Morávia, chegando a Praga em 1645; os franceses, por seu turno, já dominam grande parte da Renânia e chegam à Baviera em 1646. Dessa forma, a Alemanha torna-se um campo de batalha dos exércitos francês e sueco, que espalham a peste e o medo; até o próprio Imperador teve de abandonar Praga. Apesar de tais conquistas, não houve batalhas Figura 15 Cardeal Richelieu, Armand-Jean, ilustração do Theatrum Europaeum (Bd. 2), 1646 decisivas nessa fase da guerra, com exceção de Rocroi, em 1643, quando os franceses impuseram uma grande derrota aos espanhóis, iniciando assim as discussões de paz. Estas se estenderam até 1648, com o Tratado de Vestfália, mas até se chegar a ele, houve longas negociações, pois as partes envolvidas não chegavam a um consenso, principalmente aqueles que mais se beneficiaram com os últimos anos da guerra: os franceses e os suecos. Dessa forma, a paz foi firmada em dois blocos: de um lado entre o Imperador (e seus aliados) e o rei da França; de outro entre o Imperador e a rainha da Suécia (ZEENDEN), isso explica o porquê de o tratado ter sido celebrado em duas cidades: Münster e Osnabrück. Além de territórios cedidos e perdidos entre as partes, o Tratado de Vestfália: a) revoga o Edito de Restituição, decidindo que as terras da Igreja ficariam nas mãos daqueles que as possuíssem em janeiro de 1624; b) praticamente manteve as cláusulas da Paz de Augsburgo, como o princípio cuius regio, eius et religio, no qual os príncipes impõem a religião a seus territórios, independentemente da vontade do povo; c) permitiu que os príncipes adquirissem maior autonomia em relação ao Imperador, apesar de estarem ainda sujeitos à lei imperial; d) ratificou a fragmentação da Alemanha em mais de duzentos estados, nos quais não havia uma consciência nacional; e) preparou o caminho para a política de engrandecimento da França, que passa a ser o Estado mais poderoso da Europa e terá na figura de seu rei, Luís XIV, o paradigma do soberano absoluto; f) assinalou o fim da concepção medieval europeia com o surgimento do Estado moderno. A Guerra dos Trinta Anos e a crise do século XVII A Guerra dos Trinta Anos, além de ter sido uma guerra religiosa e europeia, foi uma variante político-militar de uma crise geral que se abateu sobre o Velho Continente no século XVII. Constitui-se, dessa maneira, em uma forma extrema rumo à mudança sociopolítica da Alemanha e da Europa em direção à modernidade, mesmo que esse impulso modernizador tenha trazido com ele tamanho horror. (SCHILLING) Figura 16 Saqueando e queimando uma vila, A miséria da guerra, gravura de Jacques Callot, 1632 Como a história já demonstrou inúmeras vezes, quem mais sofre direta e indiretamente com os conflitos é a população. Veremos a repetição dessa máxima durante os trinta anos do conflito que dominou o cenário europeu na primeira metade do século XVII. Dados apontam para mais de 300.000 pessoas mortas nos campos de batalha, além de milhares de civis, em decorrência de doenças, da desnutrição, da ferocidade das tropas (fig. 16 e 17), dos grandes êxodos e deportações em massa. Entretanto, vale salientar que, apesar de haver muitos dados sobre as perdas humanas na Alemanha ao longo da guerra, nunca será possível precisar seu número, pois são muito contraditórios. Alguns dão conta que cerca de dois terços da população alemã pereceu, já que cinco sextos das aldeias do império foram destruídos (HUBERMANN); a Alemanha possuía, por volta de 1600, 15 milhões de habitantes, número que chegou perto dos 10 milhões em 1650. Provavelmente, seja possível afirmar que as maiores perdas foram no campo (fig. 18) − cuja população mais sofreu com as nefastas consequências da guerra. (MOHRMANN) −, oscilando entre 35% a 40%; na cidade − cuja proteção aparente era devida a suas inexpugnáveis muralhas −, entre 25% e 35%. (HENNIG) Vale salientar, porém, que nem todas as regiões do Império foram assoladas pela guerra concomitantemente: muitas foram poupadas; outras, em contrapartida, foram devastadas várias vezes. Figura 17 Árvores eram empregadas como forca coletiva, A miséria da guerra, de Jacques Callot, 1632 Será que somente a guerra, com sua brutalidade e inumanidade, poderia ter causado tamanha destruição no solo europeu e alemão? Houve fatores paralelos a tamanha miséria? Poder-se-ia justificar tal barbárie somente por contendas religiosas ou seriam também elas sociais, apesar de sua inter-relação? Maravall (1997, p. 74) afirma que não se pode identificar essa crise comum do século XVII como um fenômeno novo derivado da conflagração quase generalizada da Guerra dos Trinta Anos, porque começa muito antes, afeta esferas não ameaçadas pela guerra, foi mais grave nos países que não sofreram os estragos da soldadesca e seu processo de restabelecimento não acompanhou a linha de recuperação das perdas da guerra. A crise do século XVII não pode ser entendida [...] sem que se leve em conta o amplo contexto europeu no qual se desenvolve (...) Tampouco é possível entender essa crise se referindo apenas às dificuldades econômicas por mais graves que tenham sido (...). Vemo-nos diante de uma sucessão de conflitos banais, agravadas por crises econômicas num momento de transição, quando o capitalismo, que dera seus sinais vitais já no Renascimento, impulsionou os navegadores em busca de riqueza. Para piorar o quadro, vê-se diante de uma nobreza inepta, que visaria à riqueza e ao lucro fácil por meios da exploração da riqueza alheia. Dessa forma, a grande potência do século XVII, a Espanha, cuja Casa também dominava o Império, é a representação fidedigna do exposto acima, pois enquanto mercadores da Inglaterra, Holanda e França amontoavam fortunas enormes no comércio, os espanhóis haviam descoberto uma forma mais simples de aumentar as somas de dinheiro do tesouro: a exploração das minas de ouro e prata da América. (HUBERMANN) Figura 18 Pilhagem a uma grande fazenda, A miséria da guerra, de Jacques Callot, 1632 O afluxo dos metais à Europa resultou numa revolução de preços jamais vista: os preços das mercadorias em 1600 eram mais de duas vezes superiores aos que foram em 1500, e em 1700 estavam ainda mais altos – mais de três vezes e meia o que haviam sido quando a revolução dos preços teve início. (ibidem, p. 109) De repente, a Espanha viu-se assolada por uma inflação sem precedentes que, rapidamente, se espalhou por toda a Europa. As pessoas não tinham como comprar nada, sequer conseguiam entender o porquê daquela situação e buscavam culpar-se mutuamente, pois era-lhes incompreensível que tal fato tivesse origem internacional. (ibidem, p. 110) Em breve, grande parte da Europa viu-se ocupada por um sem-número de mendigos que ocupavam todos os grandes centros; Paris, por exemplo, na década de 1630, contava com um quarto de sua população constituída por eles. (ibidem, p. 107) Essa massa de indigentes, deslocados e cheios de rancor, surgiram das guerras, das epidemias, da opressão dos poderosos, da falta de trabalho à que obriga a crise da economia. No século XVII, eles se encontravam em todos os lados: são conhecidos na França, na Alemanha, em Flandres. (ibidem, p. 106) Figura 19 Estalagens eram usadas por soldados e depois pilhadas, A miséria da guerra, de Jacques Callot, 1632 Assim, essa crise encerrará uma grande dicotomia em solo europeu: apesar de ter sido uma época de profundo desenvolvimento econômico – vislumbrado na expansão colonial −, será uma época repleta de miseráveis; a burguesia que havia sido a corresponsável pelos descobrimentos, vê-se agora relegada a um segundo plano, enquanto a nobreza tenta de toda forma aumentar seu patrimônio, pois já reconquistara seu poder político, levando pequenos proprietários à penúria e obrigando-os a abandonar o campo, o que aumentava os deslocamentos das massas humanas em direção às cidades. (MARAVALL) Havia de um lado grupos que tentavam manter e aumentar seus privilégios e riquezas − e poderiam fazê-lo −, já que viam a crise os ameaçar; de outro, uma massa, aparentemente amorfa, açoitada por pestes, pobreza, fome e guerra (fig. 19). Aqueles, sabendo que os recursos da repressão física poderiam não conter esta, viam-se obrigados a buscar uma cultura coercitiva, para manter a massa dentro da ordem estabelecida socialmente. (ibidem) Dessa forma, buscaram-se meios de penetração nas consciências bem como o controle psicológico que favoreceriam o processo de integração, além de combater os rancores e a violência. A nobreza estaria assegurando assim sua superioridade sobre o conjunto. Utilizam-se todos os recursos ideológicos, artísticos e sociais para manterem-se as vontades sob controle. (ibidem) Figura 20 Soldados renegados eram punidos em praça pública, como o que está pendurado no pêndulo, ou como os quatro que estão do lado esquerdo, montados no burro espanhol, A miséria da guerra, de Jacques Callot, 1632 É possível verificar isso ao se deparar com características da arte barroca, pois esta acaba sendo um drama estamental: a submissão do indivíduo à moldura da ordem social; reprime-se, assim, toda a individualidade. Na França de Richelieu, aspectos tradicionais da estrutura de poder e da sociedade eram mantidos pela força, assim como a sujeição imposta ao povo e a dura repressão de seus protestos [...]. ‘Sempre foi o castigar razão de Estado’, escrevia C. de Bocángel, mas nunca como na monarquia do século XVII, sua razão de ser tão principal. (MARAVALL, 1997, p. 94) Isso fica claro nas relações dentro dos regimentos do exército, pois não havia mais a antiga camaradagem, mas uma constituição senhoril severa. Os próprios comandantes e seus oficiais utilizavam de extrema violência para com os soldados (fig. 20), que eram dominados por uma rígida disciplina e submetidos a castigos. (FLEMMING) Contra esse estado de tensão e mesmo diante de tamanho aparato, eclodiam levantes por toda Europa; parcela da população insurgia-se contra as autoridades locais, viam-se ondas de sedições e de revoltas que eram prontamente sujeitadas pelos exércitos reais e pelos nobres. Muitos desses, temerosos da perda de seu status quo e das nefastas proporções a que tais atos poderiam levar, sequer cumpriam sua única ou quase única carga, o serviço militar. Alguns nobres furtavam-se assim de suas obrigações, preferindo até contribuir com o rei ou mesmo alegando que não possuíam “fundos para custear os gastos da expedição”. (MARAVALL, 1997, p. 09) Mais uma vez, o ônus dessa situação recairia sobre os mais pobres, que iriam aos campos de batalha à força. Demonstra-se, assim, que as bases sociais em que estava alicerçada essa sociedade começariam a ruir em todas as camadas. Diante desse estado de infortúnios, surgem, por toda Europa, legiões de ladrões e salteadores. Existe inegavelmente uma relação entre Barroco e crise social. Encontramonos − não apenas na Espanha, mas em toda a Europa − diante de uma época que, em todas as esferas da vida coletiva, se vê arrastada por forças irracionais, o apelo à violência, a multiplicação de crimes, o relaxamento moral, as formas alucinantes de devoção etc. Todos esses aspectos são resultado da situação patética na qual se exterioriza a crise social subjacente e que se expressa nas manifestações da mentalidade geral da época. (ibidem, p. 115) Isso tornaria a Guerra dos Trinta Anos extremamente perversa, pois não havia mais limites para as ações humanas, o caos instaurara-se, como demonstram as relações entre os membros do exército, mormente os soldados. Estes eram os profissionais mais inseguros que havia no momento, não só por verem-se a todo momento diante da morte, mas também por terem de trabalhar meses, anos e, de repente, seu regimento não existir mais, vendo-se na rua com mulher e filhos. (FLEMMING) Não que a profissão fosse recompensada à altura dos inúmeros sacrifícios exigidos, porque não era, já que o soldo prometido mormente não era pago, quando o era; entretanto, poderiam ressarcir-se por meio de extorsões e pilhagens, pois essas eram permitidas. (ibidem) Assim, o despojo era um elemento do qual não poderiam abrir mão para a segurança existencial de si mesmos e de suas famílias. Em primeiro lugar estava a luta pela sobrevivência, não uma tendência criminosa latente, que os levava a roubar. Dessa forma, a população local ficava à mercê dos regimentos e dos exércitos que invadiam suas cidades, obrigando-a a toda sorte de maus-tratos e violações. Nos cinco a seis meses de inverno, por exemplo, os soldados aquartelavam-se nas casas dos moradores. Os que estavam a pé ficavam nas cidades, os a cavalo, no campo, usufruindo de tudo que o morador pudesse ou não oferecer. A exceção eram as casas de príncipes, nobres e sacerdotes. (LANGER) A exação compensatória pelo não recebimento dos soldos, imposta por meio da ocupação dos exércitos, era extremamente dura à população local. Além do aquartelamento, vinha outra solicitação − a contribuição imposta pelo comandante, atingindo tanto o campo quanto a cidade, que era o pagamento único e em prazo curto de uma alta soma de dinheiro. (ibidem) Encontramos, por exemplo, essa situação nos exércitos que travaram as inúmeras batalhas na Guerra dos Trinta Anos, cuja principal característica em relação às outras foi a casualidade. “Tudo nela foi casual: sua origem, seu desenvolvimento, seu alargamento, seu fim.” (FRIEDELL, 1969, p. 414) Pode-se demonstrar isso na própria formação de seus exércitos, cujos soldados ou eram obrigados a se alistar ou não tinham outra opção diante da miséria que se alastrava por todos os meios, sem contar os exércitos como o de Wallenstein, cujos soldados não tinham compromissos com povo algum, diferindo muito do de Gustavo Adolfo, cuja formação era de camponeses extremamente religiosos e nacionalistas. (FLEMMING) Referências bibliográficas BENJAMIM, Walter. Origem do drama barroco alemão. São Paulo: Brasiliense, 1984. BUβMANN, Klaus. SCHILLING, Heinz (Hg) 1648. Krieg und Frieden in Europa.(Ausstellungskatalog) Münster/Osnabrück, 1998. FLEMMING, Willi. Deutsche Kultur im Zeitalter des Barock. Potsdam: Akademische Verlagsgesellschafte Athenaion, 1937. FRIEDELL, Egon. Kulturgeschichte der Neuzeit: Die Krise der europäischen Seele von der schwarzen Pest bis zum ersten Weltkrieg. München: Beck, 1969. GEISS, Imanuel. Geschichte griffbereit. Band 5: Staaten: die nationale Dimension der Weltgeschichte: Hamburg, 1987. GREEN, Vivian H. Hooward. Renascimento e Reforma: a Europa entre 1450 e 1660. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1984. HENNIG, Friedrich-Wilhelm. Das vorindustrielle Deutschland 800 bis 1800. Paderborn, Ferdinand Schöningh, 1974. HUBERMANN, Leo. História da riqueza do homem. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1985. JESSEN, Hans. Der Dreiβigjährige Krieg im Augenzeugenberichten. Darmstadt:DBG, 1966. KAMEN, Henry. Una sociedad conflictiva: España, 1469-1714. Madrid: Alianza Editorial, 1984. KOERNER, Bernhard R. “Die Soldaten sind ganz arm, bloss, nackend, ausgemattet − Lebensverhältnisse und Organisationsstruktuk der militärischen Gesellschaft während des Dreiβigjährigen Krieges“.In BUβMANN, Klaus. SCHILLING, Heinz (Hg). 1648. Krieg und Frieden in Europa. (Ausstellungskatalog) Münster/Osnabrück, 1998. LANGER, Herbert. “Heeresfinanzierung, Produktion und Märkte für die Kriesgsführung.“ In BUβMANN, Klaus. SCHILLING, Heinz (Hg). 1648. Krieg und Frieden in Europa. (Ausstellungskatalog) Münster/Osnabrück, 1998. LIMA, Oliveira. História da civilização. São Paulo: Melhoramentos, 1922. MARAVALL, José Antonio. A cultura do Barroco: análise de uma estrutura histórica. São Paulo: Edusp, 1997 MARTINS, Wilson. Historia da inteligência brasileira: (1550-1794). São Paulo: Cultrix, 1978, v. 1, 585 p. MOHRMANN, Ruth E. “Alltag in Krieg und Frieden”. In BUβMANN, Klaus. SCHILLING, Heinz (Hg) 1648. Krieg und Frieden in Europa. (Ausstellungskatalog) Münster/Osnabrück, 1998. ZEENDEN, Ernst Walter. Das Zeitalter der Glaubenskämpfe: 1555-1648. München: Deutscher Taschenbuch Verlag, 1978.