Universidade Federal da Grande Dourados
DOI: 10.30612/rmufgd.v10i20.14349
Resposta Governamental Brasileira À Crise Migratória Venezuelana: A
Contribuição Do Exército Brasileiro Na “Operação Acolhida”
Brazilian Government Response To The Venezuelan Migratory Crisis: The
Contribution Of The Brazilian Army In The “Operation Acolhida”
Respuesta Del Gobierno Brasileño A La Crisis Migratoria Venezolana: La
Contribución Del Ejército Brasileño A La “Operación Acolhida”
El papel de Brasil en la Cooperación Internacional para el Desarrollo:
percepciones sobre la "Era Lula
Josias Marcos de Resende Silva
Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME)
Rio de Janeiro - RJ, Brasil
dojosias@gmail.com
TacillaE-mail:
da Costa
e Sá Siqueira Santos
Orcid: http://orcid.org/0000-0003-3939-7925
Professora Adjunta do Bacharelado de
Relações Internacionais, Instituto de
Thiago da
Rocha
Gomes
Humanidades
e Letras
da Passos
Universidade
da
Escola de Comando
e
Estado-Maior
do
Exército
(ECEME)
Integração Internacional da Lusofonia AfroRio de Janeiro
- RJ,
Brasil
Brasileira
(UNILAB)
E-mail:
infagomes@yahoo.com.br
São Francisco
do Conde, Bahia, Brasil
Orcid:
0000-0003-0128-2049
E-mail: tacillasiqueira@unilab.edu.br
Orcid:
0000-0002-5768-8649
Resumo: Ao longo da história, governos nacionais e organizações internacionais têm
contado
com o apoio logístico
fornecido pelas Forças Armadas para responder às recorrentes situações de emergência humanitária. Na América do
Sul, a Venezuela enfrenta uma drástica crise econômica e política, resultando em um fluxo intenso de população
vulnerável para os países vizinhos, incluindo o Brasil. Particularmente no estado de Roraima, a migração de venezuelanos
Resumo:
início dos
anoscom
2000,
sob aimpactos
liderançanos
do sistemas
Presidente
o Brasil
se projetou
internacionalmente,
ocasionou
umaNo
situação
caótica,
graves
deLula,
saúde,
educação
e na segurança
pública. Com o
com
grande
força,
pleiteando
um
lugar
de
liderança
no
chamado
Eixo
Sul.
O
programa
proposto
pela
objetivo de evitar o colapso do estado de Roraima e prover a ajuda humanitária aos migrantes, o governocoalizão
brasileiro
peloLogística
Partido Humanitária
dos Trabalhadores
(PT) –Acolhida).
responsável
pela forma,
eleiçãoesse
de Lula
– previa
atuação
mais
criou encabeçada
a Força-Tarefa
(Operação
Dessa
estudo
visauma
analisar
a Operação
assertiva, com o exercício de uma política externa relacionada a uma política de desenvolvimento nacional. A
Acolhida, com enfoque nas ações do Exército Brasileiro, como uma resposta governamental do país à crise migratória
expansão da cooperação internacional brasileira, nessa perspectiva, refletia o avanço do seu poder econômico
venezuelana. Metodologicamente, este artigo é composto por um estudo de caso qualitativo sobre a Operação Acolhida,
e político no mundo, e a construção feita pelo país na busca de ocupar outro lugar no cenário internacional que
cujos métodos de coleta de dados utilizados foram a pesquisa bibliográfica e a pesquisa documental. Nesse sentido,
tinha como uma das suas bases a atuação no âmbito da cooperação internacional para o desenvolvimento, em
fontesespecial,
bibliográficas
campos
da logística
militar eobjetiva,
da logística
humanitária
forneceram
o marco teórico
paranaeste
na suanos
vertente
Sul-Sul.
Este trabalho,
portanto,
um transitar
pela participação
do Brasil
trabalho.
Por
sua
vez,
documentos
e
websites
oficiais
do
governo
brasileiro
viabilizaram
a
obtenção
de
dados e
cooperação internacional, buscando compreender e analisar criticamente a atuação oficial brasileira no âmbito
informações
necessárias
para a realização
análise presenteem
noespecial
estudo de
Como resultado,
foi possível
constatar
da Cooperação
Internacional
para o da
Desenvolvimento,
nacaso.
sua vertente
Sul-Sul, durante
o governo
que ado
Operação
Acolhida
presidente
Lula. propicia uma resposta multidisciplinar e integrada do Estado brasileiro à crise migratória
venezuelana. Além disso, foi possível identificar as principais capacidades militares empregadas pelo Exército Brasileiro
Palavras-chave:
Cooperação
Internacional;
Cooperação Sul-Sul; Brasil.
no âmbito
dessa relevante
operação
logística humanitária.
Palavras-chave: Resposta Governamental Brasileira; Operação Acolhida; Capacidades Militares;
Universidade Federal da Grande Dourados
Abstract: Throughout history, national governments and international organizations have relied on the
logistical support provided by the Armed Forces to respond to recurring humanitarian emergencies. In
South America, Venezuela faces a major economic and political crisis, which resulted in an intense flow of
vulnerable population to neighboring countries including Brazil. Particularly in the state of Roraima, the
Venezuelan migration resulted in a chaotic situation, with severe impacts on public health, public education,
and public security systems. Aiming at avoiding the collapse of the state of Roraima and providing
humanitarian assistance to Venezuelan migrants, the Brazilian government created the Humanitarian
Logistics Task Force (Operation Acolhida). Thus, this study aims to analyze Operation Acolhida, focusing on
the Brazilian Army actions, as a country’s government response to the Venezuelan migration crisis.
Methodologically, this article is composed of a qualitative case study on Operation Acolhida. The data
collection methods used were bibliographic and documental research. In this sense, bibliographical sources
in the fields of military logistics and humanitarian logistics provided the theoretical framework for this work.
Moreover, official documents and websites of the Brazilian government provided the necessary data and
information for the analysis in this case study. As a result, it was possible to verify that Operation Acolhida
offers a multidisciplinary and integrated response by the Brazilian state to the Venezuelan migration crisis.
Furthermore, it was possible to identify the main military capabilities employed by the Brazilian Army in the
scope of this relevant humanitarian logistics operation.
Keywords: Brazilian Government Response; Operation “Acolhida”; Military Capabilities.
Resumen: A lo largo de la historia, los gobiernos nacionales y los organismos internacionales han contado con el
apoyo logístico brindado por las Fuerzas Armadas para responder a las recurrentes emergencias humanitarias. En
América del Sur, Venezuela se enfrenta a una drástica crisis económica y política, lo que resulta en una intensa
afluencia de población vulnerable a los países vecinos, incluido Brasil. Particularmente en el estado de Roraima, la
migración de venezolanos ha creado una situación caótica, con graves impactos en los sistemas de salud, educación
y seguridad pública. Con el objetivo de prevenir el colapso del estado de Roraima y brindar ayuda humanitaria a
los migrantes, el gobierno brasileño creó la Fuerza de Tarea de Logística Humanitaria (Operación “Acolhida”). Así,
este estudio tiene como objetivo analizar la Operación “Acolhida”, centrándose en las acciones del Ejército
brasileño, como una respuesta del gobierno a la crisis migratoria venezolana. Metodológicamente, este artículo
está compuesto por un estudio de caso cualitativo sobre la Operación “Acolhida”, cuyos métodos de recolección
de datos utilizados fueron la investigación bibliográfica y la investigación documental. En este sentido, las fuentes
bibliográficas en los campos de la logística militar y la logística humanitaria proporcionaron el marco teórico para
este trabajo. A su vez, documentos oficiales y sitios web del gobierno brasileño permitieron obtener los datos e
información necesarios para realizar el análisis presente en el estudio de caso. Como resultado, se pudo constatar
que la Operación Bienvenida brinda una respuesta multidisciplinaria e integrada por parte del Estado brasileño a
la crisis migratoria venezolana. Además, fue posible identificar las principales capacidades militares empleadas por
el Ejército Brasileño en el ámbito de esta relevante operación logística humanitaria.
Palabras clave: Respuesta del Gobierno Brasileño; Operación “Acolhida”; Capacidades militares.
Recebido em
12/03/2021
Aceito em
05/06/2021
Universidade Federal da Grande Dourados
INTRODUÇÃO1
A logística surgiu no meio militar durante a antiguidade, correspondendo ao estudo da
necessidade de se deslocar tropas, equipamentos e suprimentos ao campo de batalha. Na literatura,
o termo foi usado pela primeira vez no decorrer da Guerra Civil Americana (1861-1865). Um século
mais tarde, a partir da segunda metade do século XX, os pesquisadores passaram a dividir a logística
em dois setores distintos: o empresarial e o militar (RUTNER; AVILES; COX, 2012, p. 96).
Em meio aos conflitos contemporâneos, a resposta militar de um país deve ocorrer de forma
veloz e dinâmica. Isso se reflete no tempo bastante reduzido (ou mesmo inexistente) para a condução
da mobilização e do esforço de guerra nacional. Dessa maneira, as Forças Armadas recorrem
normalmente a capacidades que já tenham sido geradas em tempos de paz (MARKOWSKI; HALL;
WYLIE, 2010, p. 164). Situação semelhante ocorre no espectro das crises humanitárias, sejam essas
causadas por desastres naturais, conflito armado ou instabilidade política e econômica.
Nos últimos anos, a turbulência econômica e política na Venezuela tem ocasionado uma
calamidade humanitária no âmbito da América do Sul. Nesse sentido, encontra-se em curso um
movimento populacional de grandes proporções rumo aos demais países da região. Em um curto
período de tempo, entre os meses de fevereiro e agosto de 2018, uma quantidade superior a 70.000
venezuelanos ultrapassou a fronteira brasileira na cidade de Pacaraima, o que representou um fluxo
médio de aproximadamente 400 migrantes diariamente (OLIVEIRA, 2019, p. 106). Nesse mesmo ano,
o número de venezuelanos atingiu cerca de 10% do total da população do estado de Roraima
(DOMINGUES, 2018, p. 18). Como consequência, houve uma sobrecarga dos sistemas de saúde,
educação, e segurança pública locais.
Cabe ressaltar que a dinâmica migratória entre Brasil e Venezuela possui distintas fases. A
primeira, entre as décadas de 1970 e 1990, caracterizou-se pela saída de brasileiros em virtude da
decadência do garimpo em Roraima e da estabilidade econômica do país caribenho. A segunda, entre
1990 e os anos 2000, foi marcada pelo êxodo de garimpeiros para o lado venezuelano devido aos
processos de demarcação das terras indígenas Yanomami. A terceira fase teve início nos anos 2000 e
durou até o ano de 2014, sendo caracterizada pelas atividades de fronteira, seja pela realização do
1
Este trabalho está inserido nas atividades do projeto Defesa Nacional, Fronteiras e Migrações: Estudos sobre Ajuda Humanitária e
Segurança Integrada (Edital PROCAD-Defesa 2019) com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES) e do Ministério da Defesa.
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comércio entre as cidades de Pacaraima e de Santa Elena de Uairén, seja pelo contrabando de
produtos para o lado brasileiro, principalmente de combustível. A partir de 2014, alterou-se o quadro
da dinâmica migratória, com o intenso fluxo de venezuelanos para o Brasil (SILVA; ABRAHÃO, 2019, p.
256).
Entre as principais causas da atual crise venezuelana, destacam-se a dependência da economia
petroleira e a instabilidade causada pelo atrito entre os atores políticos do país (PEDROSO, 2020, p.
20). Além disso, a falta de itens básicos de subsistência e a incapacidade estatal de resolver os
problemas internos contribuem para o agravamento do quadro socioeconômico na Venezuela (SILVA;
ABRAHÃO, 2019, p. 276).
Em fevereiro de 2018, no intuito de oferecer uma resposta efetiva à crise migratória que
atingiu o estado de Roraima, o governo brasileiro criou a Força-Tarefa Logística Humanitária (Operação
Acolhida). No âmbito dessa operação de ajuda humanitária, as Forças Armadas receberam a missão
de prestar o apoio logístico em áreas como infraestrutura, transporte, saúde e administração (BRASIL,
2021b). Com uma participação de destaque na Operação Acolhida, o Exército Brasileiro tem tido a
oportunidade de desenvolver uma série de ações e tarefas que materializam capacidades militares
presentes na Força desde os tempos de paz. Tomando por base essa situação, como tem sido a reação
do governo brasileiro à crise migratória venezuelana propiciada pela Força-Tarefa Logística
Humanitária (Operação Acolhida)?
O principal objetivo do presente artigo é analisar a Operação Acolhida, com enfoque nas ações
do Exército Brasileiro, como uma resposta governamental do país à crise migratória venezuelana.
Tendo em vista atingir o objetivo proposto, essa pesquisa examina inicialmente as características e a
aplicabilidade da logística humanitária por parte das Forças Armadas, bem como o desenvolvimento
de capacidades militares como parte do planejamento estratégico de longo prazo. Em seguida, esse
estudo discorre sobre as causas e os impactos causados pela crise migratória venezuelana no estado
de Roraima, particularmente nas áreas da saúde, educação e segurança pública. Por fim, a Força-Tarefa
Logística Humanitária é examinada, identificando seus principais efeitos sobre a crise, assim como as
capacidades militares desenvolvidas por essa operação no âmbito do Exército Brasileiro.
Dessa forma, o presente artigo apresenta relevância no sentido em que busca analisar a
resposta brasileira, particularmente de sua Força Terrestre, à maior crise migratória das últimas
décadas ocorrida no subcontinente sul-americano. Além disso, inserido em um cenário de fricção e
tensão regional, esse trabalho analisa o ciclo do processo relativo ao planejamento estratégico do
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Exército Brasileiro, o qual resulta na geração das capacidades militares necessárias para o
desenvolvimento dessa operação logística humanitária de grande envergadura.
Metodologicamente, essa pesquisa é constituída por um estudo de caso sobre a Operação
Acolhida. Segundo Yin (2001, p. 31), o estudo de caso é uma investigação empírica que investiga um
fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real. O autor também explica que,
normalmente, essa estratégia de pesquisa aplica-se quando os limites entre o fenômeno e o contexto
no qual ele se encontra inserido não estão claramente definidos. Assim, este artigo buscou investigar
a Operação Acolhida em seu ambiente operacional, sem deixar de considerar o contexto da crise
migratória venezuelana presente no estado de Roraima.
Além disso, utilizou-se nesse estudo de caso a abordagem qualitativa, a qual possibilita a
investigação das informações e tópicos disponíveis com profundidade, visando a criação de um retrato
holístico da situação (BUI, 2014, p. 15). Logo, a abordagem adotada permitiu a compreensão do
problema causado pela crise venezuelana no estado de Roraima de forma ampla e inserida em uma
conjuntura de calamidade humanitária. Ademais, a abordagem qualitativa viabilizou o entrelaçamento
de conceitos, ideias e percepções no campo da logística humanitária e da geração de capacidades
militares, importantes para o correto entendimento da Operação Acolhida.
Como método para coleta de dados, esse estudo utilizou a pesquisa bibliográfica e pesquisa
documental. O recorte temporal foi delimitado pelos anos de 2014 e 2020, período no qual o estado
de Roraima passou a sofrer os reflexos da crise venezuelana. Com relação às fontes bibliográficas
utilizadas, priorizou-se autores internacionais proeminentes no campo da logística militar e da logística
humanitária, além de artigos científicos e técnicos relacionados à Operação Acolhida. No que diz
respeito à pesquisa documental, as principais fontes que embasaram este artigo foram decretos
federais, diretrizes ministeriais, relatórios legislativos e de organizações não-governamentais (ONG),
manuais militares e websites governamentais.
O PAPEL DAS FORÇAS ARMADAS NA LOGÍSTICA HUMANITÁRIA
Desde eventos históricos como as Guerras Napoleônicas e as Guerras Mundiais, até as
situações de conflito mais recentes como na Iugoslávia, em Ruanda ou no Sudão, os governos nacionais
geralmente demandam o apoio logístico de suas Forças Armadas para a distribuição de comida,
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remédios e combustíveis, bem como para contribuir com os sistemas civis de transporte e
comunicações (HEASLIP; SHARIF; ALTHONAYAN, 2012, p. 377).
Dessa maneira, o emprego de Forças Armadas em operações de ajuda humanitária, seja em
razão de conflitos armados, de desastres naturais ou de grave instabilidade política e econômica, não
constitui um fenômeno recente. De fato, forças militares nacionais e internacionais frequentemente
desempenham um papel de protagonismo no contexto das crises humanitárias, utilizando para isso
sua capacidade logística e sua estrutura organizacional. Por essa razão, nas últimas décadas diversos
países desenvolveram uma doutrina própria de ajuda humanitária (HEASLIP; BARBER, 2014, p. 61).
Considerando-se a evolução doutrinária e a participação recorrente das Forças Armadas nesse
tipo de operação, torna-se necessário compreender o significado da logística humanitária
desempenhada pelos militares no caso de catástrofes. Nesse sentido, Scarpin e Silva (2014, p. 103)
definem a logística humanitária como o processo de planejamento, implementação e controle
eficiente do fluxo e do armazenamento de bens e materiais, de sua origem até a área de consumo,
com o objetivo de diminuir o sofrimento de indivíduos e famílias em situação de vulnerabilidade. Nesse
processo logístico, a gestão apropriada da informação também é essencial, podendo afetar
diretamente o sucesso da operação.
Especificamente no que diz respeito à participação das Forças Armadas em operações de ajuda
humanitária, Heaslip e Barber (2014, p. 67) destacam a capacidade dessas instituições em resolver
problemas gerados em situações de emergência. Nesse cenário, os autores apontam para uma série
de fatores que facilitam o papel destacado dos militares. Entre os mais importantes, destaca-se que os
oficiais das Forças Armadas possuem uma clara compreensão sobre os níveis de planejamento
estratégico, operacional e tático, o que possibilita uma resposta abrangente com efeitos no curto,
médio e longo prazo. Além disso, as Forças Armadas normalmente possuem acesso a vultosos fundos
discricionários de seus respectivos países, o que facilita a distribuição da ajuda humanitária de forma
oportuna e eficiente (HEASLIP; BARBER, 2014, p. 71).
Entretanto, a eficiência da ajuda humanitária pode ser prejudicada pela falta de entendimento
entre os diversos atores envolvidos em uma emergência complexa. Nesse contexto, Heaslip e Barber
(2014, p. 61) ressaltam o desafio de se obter um engajamento civil-militar efetivo para ações
humanitárias em situações de conflitos armados, o que acontece principalmente em virtude de
militares e agentes humanitários civis abordarem o problema com perspectivas distintas. Por outro
lado, nos casos de desastres naturais, essas diferenças tendem a diminuir. Divergências à parte, o
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Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) compreende que a colaboração entre organizações
humanitárias e militares é fundamental nas situações de crise, uma vez que somente as Forças
Armadas são capazes de criar as condições de segurança necessárias para a entrega desse tipo de ajuda
à população vulnerável.
Portanto, em operações humanitárias, a coordenação civil-militar está normalmente
relacionada ao apoio militar aos civis, que pode ocorrer de duas maneiras distintas: a realização da
segurança e o fornecimento de ativos militares (HEASLIP; SHARIF; ALTHONAYAN, 2012, p. 378). A
realização de segurança geralmente inclui tarefas como escolta de pessoal e comboios humanitários,
proteção de refugiados e deslocados internos, imposição de um acordo de paz e restabelecimento da
lei e da ordem. Por outro lado, o fornecimento de ativos militares compreende desde habilidades e
conhecimentos específicos, especialmente nas áreas de pronto-atendimento e engenharia, até
equipamentos típicos das Forças Armadas como os caminhões e helicópteros necessários para o
estabelecimento da logística.
Tendo em vista responder a contingências militares, incluindo operações humanitárias, as
Forças Armadas de um país devem desenvolver capacidades militares específicas desde os tempos de
paz. Essas capacidades inserem-se no planejamento estratégico nacional de defesa, trazendo impactos
de longo prazo. Em termos logísticos, o nível estratégico possui o propósito de estruturar e manter as
Forças Armadas em funcionamento, assim como organizar a infraestrutura nacional de defesa. Essa
infraestrutura inclui a indústria, a tecnologia, os meios de armazenamento, o controle e o transporte
dos produtos de defesa (KRESS, 2002, p. 21)
Segundo Markowski, Hall e Wylie (2010, p. 12), as capacidades militares compreendem ações
como a aquisição de ativos e o know-how necessário para executar todas as atividades demandadas
por governos nacionais em situações de crise. Entretanto, determinar quais as capacidades militares
serão necessárias em uma situação de contingência é uma tarefa bastante complexa. Por essa razão,
as capacidades militares são desenvolvidas de acordo com o estudo de possíveis cenários. Assim, para
cada situação de contingência identificada, as Forças Armadas de um país devem adquirir as
capacidades militares adequadas às possíveis respostas (MARKOWSKI; HALL; WYLIE, 2010, p. 15).
Além disso, é necessário levar em consideração a dinâmica existente no mundo
contemporâneo, uma vez que a aquisição e a manutenção de capacidades militares também sofrem
os efeitos da globalização. Nessa nova conjuntura, a compreensão da organização transnacional da
cadeia de suprimentos ou supply chain ganha relevância. Segundo Russell (2007, p. 58), a supply chain
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funciona como “uma sequência de organizações e atividades sequencialmente conectadas (da mãe
Terra ao consumidor final) envolvidas na criação e na colocação de um produto em disponibilidade”.
Dessa forma, a supply chain representa uma verdadeira cadeia de valor, no sentido em que cada
componente dessa cadeia (produtores, fornecedores, transportadores, etc.) agrega valor ao produto
final.
Uma outra evolução em termos de manutenção de capacidades militares ocorre por meio da
logística baseada em performance2 (PBL). Estratégia bastante útil para a logística militar, na PBL o
consumidor paga ao fornecedor para que um produto ou sistema seja mantido em um nível de
performance combinado. Assim, enquanto o fornecedor recebe a garantia de um contrato estável e
de longo prazo (normalmente associado ao ciclo de vida do produto em questão), o consumidor é
beneficiado pela alta performance do mesmo com um relativo baixo custo (RANDALL, 2010, p. 213).
Historicamente, uma das primeiras demonstrações da PBL ocorreu no ano de 1998 nos Estados
Unidos da América (EUA), quando a Lockheed Martin3 negociou com o Departamento de Defesa (DoD)
norte-americano um contrato de longo prazo para a manutenção da performance das aeronaves F117 Nighthawk (MIRZAHOSSEINIAN; PIPLANI, 2011, p. 256). Particularmente no caso da defesa, é
interessante ressaltar que a aplicação da PBL depende da vontade de líderes políticos e militares em
transferir responsabilidades em áreas sensíveis à indústria privada. Ademais, é necessário que o
parque industrial seja capaz de arcar com os termos e condições previstos nesses contratos (GLAS;
HOFMANN; ESSIG, 2015, p. 103).
CAUSAS E IMPACTOS DA MIGRAÇÃO VENEZUELANA NO BRASIL
As implicações decorrentes da migração de venezuelanos para o Brasil foram percebidas de
maneira distinta entre as diferentes unidades da federação (UF). Como principal porta de entrada para
esses estrangeiros, Roraima é a UF mais afetada no país. Portanto, para que se tenha uma
compreensão mais profunda da crise humanitária causada pela migração venezuelana, bem como dos
motivos que levaram o Estado Brasileiro a implementar a Operação Acolhida, faz-se necessário
compreender as causas e os reflexos da crise nesse estado.
2
3
Performance-based logistics.
Empresa norte-americana fabricante de produtos aeroespaciais.
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Figura 1 – Mapa de Roraima
Fonte: BRASIL (2021a).
Com relação às causas da crise venezuelana, verifica-se que algumas condições estruturais
existentes no país contribuíram significativamente para a situação atual. Na área econômica, a receita
do petróleo criou uma elite rentista, improdutiva e especuladora, incapaz de diversificar a atividade
produtiva. Por esse motivo, o setor agrário do país não se desenvolveu ao longo do século XX. Nas
primeiras décadas do século XXI, com a turbulência interna vivida na Venezuela, a falta de soberania
alimentar gerou um quadro de desabastecimento de itens básicos de subsistência (PEDROSO, 2020, p.
20).
No tocante ao campo político, Pedroso (2020, p. 21) enfatiza a cisão entre o governo Chavez,
a partir de 1999, e os atores políticos tradicionais, apoiados pela antiga burocracia estatal, setores
empresariais e meios de comunicação. Nesse sentido, Silva e Abrahão (2019, p. 276) destacam que os
acentuados atritos políticos expuseram a fragilidade do Estado venezuelano no que se refere à
capacidade de resolução de problemas internos dentro de um contexto democrático e de respeito aos
direitos humanos e fundamentais.
As causas econômicas e políticas que deram origem à migração podem ser corroboradas pelo
estudo dos formulários de solicitação de refúgio, nos quais os venezuelanos descreveram os motivos
que os levaram a abandonar seu país. Após a análise de 1.620 formulários encaminhados ao governo
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brasileiro no ano de 2017, constatou-se que a migração ocorreu em decorrência das seguintes causas:
51% devido à crise econômica; 21% pela falta de alimentos; 13% devido à crise política; 5% por violação
de direitos humanos; 4% por insegurança; 2% pela perseguição por motivação política; 1% pelo
desabastecimento de medicamentos para tratamento continuado; 1% motivados pelo estudo; 1% por
terem se casado com brasileiros e 1% por outros motivos ou ausência de registro (SILVA; ABRAHÃO,
2019, p. 267).
O aumento do fluxo de venezuelanos representou um grande impacto em Roraima,
particularmente pelo seu relativo isolamento e por sua baixa projeção populacional. É importante
destacar que a população roraimense estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), em 2019, era de apenas 605.761 habitantes (IBGE, 2021). Além disso, o fato dessa unidade da
federação ser a única que não está conectada ao Sistema Interligado Nacional (SIN) de energia elétrica
também reforça sua condição de isolamento. Nesse cenário, a presença de elevado número de
imigrantes gerou um aumento de concorrência entre os estrangeiros e os nacionais na busca por
serviços públicos e empregos.
Franchi (2019, p. 6) explica que a grande concentração de venezuelanos em Roraima ocorre
devido à sua proximidade com o país vizinho. Após ultrapassar a fronteira brasileira, o fluxo de
migrantes estende-se principalmente ao longo do eixo rodoviário Pacaraima-Manaus (BR-174), tendo
como principal destino a capital Boa Vista. Com cerca de apenas 330 mil habitantes, a capital
roraimense mostrou-se incapaz de absorver e integrar a crescente população de origem estrangeira,
especialmente em virtude do atrofiado mercado local de trabalho e de questões legais do Estado
brasileiro. Nesse escopo, ressalta-se a dificuldade para que os migrantes exerçam atividades
profissionais de nível superior, uma vez que os diplomas de universidades venezuelanas não são
automaticamente reconhecidos no Brasil (FRANCHI, 2019, p. 8).
Em meio a essa crise migratória sem precedentes, Roraima sofreu importantes impactos nas
áreas de saúde, educação e segurança pública. Inicialmente, com relação aos impactos sofridos pelo
sistema público de saúde, ressalta-se que o mesmo já se encontrava em situação de fragilidade desde
o período anterior ao influxo de venezuelanos. De acordo com dados do Tribunal de Contas da União,
em relatório produzido no ano de 2013, o estado se posicionava como o terceiro mais precário do
Brasil em quantidade de leitos hospitalares por habitantes, possuindo uma proporção de 1,72 para
cada 1.000 habitantes (BARRETO et al., 2018, p. 33).
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A partir de 2014, o incremento no número de migrantes teve como consequência um sensível
aumento no número de consultas médicas, resultando na sobrecarga do sistema de saúde. Além disso,
médicos locais passaram a relatar eventuais riscos de epidemias e o reaparecimento de doenças
erradicadas do Brasil (CERÁVOLO, 2019, p. 62). Assim, um sistema que já era considerado precário
entrou em situação de colapso ao ter sua demanda ampliada para atender aos estrangeiros. A
gravidade desse impacto pode ser observada abaixo:
Quadro 1 – Atendimentos a venezuelanos no Hospital Geral de Roraima4 entre 2014 e 2016
Natureza do atendimento
2014
Pronto Atendimento
324
Internações
72
Total
396
Fonte: os autores, adaptado de RORAIMA (2016).
2016
1240
176
1416
Variação percentual
+ 382,71%
+ 244,44%
+ 357,57%
Os números apresentados no quadro 1 permitem compreender o aumento drástico do
atendimento médico aos venezuelanos em Roraima entre os anos de 2014, quando a crise no país
vizinho começou a se agravar, e 2016, quando essa mesma crise já havia atingido um ponto crítico. Os
demais quadros a seguir complementam esses dados, comparando a proporção entre os atendimentos
de saúde e a incidência de doenças graves referentes à população venezuelana e brasileira no estado.
Quadro 2 – Casos de malária notificados no Brasil e em Roraima entre 1 Jan e 2 Out 2016
Participação de casos
Estado
Total de casos
oriundos da Venezuela sobre
o total em RR
Brasil
3638
---Roraima
2517*
1947**
77,37 %
* O total de casos de malária em Roraima representou 69% dos 3638 casos notificados no Brasil no
período.
** Do total de casos de malária provenientes da Venezuela, 1150 foram notificados em Pacaraima e
692 em Boa Vista.
Fonte: os autores, adaptado de RORAIMA (2016).
Casos oriundos da
Venezuela
4
O Hospital Geral de Roraima localiza-se na capital Boa Vista e é o maior hospital do Estado.
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Quadro 3 – Patologias diagnosticadas em Pacaraima entre 01 Jan e 02 Out de 2016
Patologia
Total de casos
Casos ocorridos em
venezuelanos
Leishmaniose
71
Tegumentar
Americana
HIV/AIDS
8
Fonte: os autores, adaptado de RORAIMA (2016).
Participação de casos em
venezuelanos sobre o total
48
68,75 %
8
100%
Quadro 4 - Atenção básica a saúde realizada pelo SUS em Pacaraima entre Jan e Ago 2016
Tipo de atendimento
Total
Clínica geral
3842
Pré-natal
288
Imunizações
657
Fonte: os autores, adaptado de RORAIMA (2016).
Atendimento a
venezuelanos
612
150
347
Percentual de venezuelanos
sobre o total
15,92%
52,08%
52,81%
Os dados de saúde apresentados nos quadros 2, 3 e 4, relativos ao ano de 2016, auxiliam no
dimensionamento da crise causada pelo atendimento aos venezuelanos no estado de Roraima e,
particularmente, na cidade fronteiriça de Pacaraima. Nesse aspecto, os migrantes passaram a
representar a maioria dos casos de doenças infecciosas graves como HIV/AIDS e malária. Além disso,
especificamente em Pacaraima, os venezuelanos passaram a fazer largo uso de atendimento pré-natal
e de imunizações, superando o número de brasileiros atendidos.
Quanto às questões relacionadas à vigilância epidemiológica, o retorno de casos de sarampo
à Roraima também contribuiu para a deterioração do quadro sanitário local. Em fevereiro de 2018, na
capital Boa Vista, foi diagnosticado o primeiro caso de retorno da doença. Antes do final daquele
mesmo ano já haviam sido notificados 554 casos, dos quais 345 foram confirmados, incluindo 2 óbitos.
Esse cenário resultou na perda da certificação de país livre de sarampo pela Organização PanAmericana da Saúde (OPAS) e em um alerta para a possibilidade do alastramento da epidemia para o
restante do Brasil (BARRETO et al, 2019, p. 341).
Um segundo impacto mais relevante da crise migratória venezuelana pôde ser constatado
no sistema educacional de Roraima. Isso ocorreu porque, em sua maioria, o fluxo migratório é
composto por núcleos familiares. Como essas famílias adentram o Brasil em situação de
vulnerabilidade social, a única opção das crianças venezuelanas é frequentar a rede de ensino público.
Revista Monções, Dourados, MS, V.10, Nº20, jul. / dez. 2021, 2316-8323
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No ano de 2019, de um total de 72.471 estudantes matriculados na rede pública do estado de Roraima,
4.516 eram oriundas daquele país, configurando 6,23% do total (BRASIL, 2019a).
Especificamente no município de Pacaraima, o impacto dos migrantes na rede de ensino foi
ainda mais acentuado. No ano de 2016, o percentual de estrangeiros matriculados na rede pública já
atingia expressivos 10,14% de um total de 1.744 alunos. Três anos mais tarde, em 2019, o município
já havia aumentado sua capacidade para 2.775 alunos. Desse total, 917 eram de origem estrangeira, o
que representava significativos 33,04% do total de matrículas. Essa excessiva ampliação da demanda
por educação comprometeu a estrutura de ensino local, tendo como consequência a falta de insumos,
de professores e de recursos financeiros. Ademais, nesse mesmo ano, 860 crianças e adolescentes não
conseguiram se matricular na rede pública por falta de vagas e perderam o ano letivo (BRASIL, 2019a).
Por fim, um terceiro impacto importante em decorrência da crise venezuelana pôde ser
observado na segurança pública. Nesse escopo, é possível analisar as mortes violentas intencionais
(MVI), cujo valor se obtém com a soma dos crimes violentos letais intencionais (CVLI) e das mortes
decorrentes de intervenção policial (dentro e fora de serviço). Nesse aspecto, as MVI evoluíram de
forma irregular no Brasil entre os anos de 2015 e 2018. Até 2017, as taxas relacionadas à violência,
principalmente no que tange aos homicídios, apresentaram incremento constante, chegando ao ano
de 2017 com o recorde histórico de 64.078 MVI5, correspondendo a uma taxa de 30,9 homicídios por
100 mil habitantes. No ano de 2018, o número de MVI no país reduziu para 57.318 (FBSP, 2019).
No estado de Roraima, o aumento do número absoluto das MVI, entre 2015 e 2017, foi ainda
maior do que no restante do país, tendência que não foi acompanhada por outros estados da região
Norte. Além disso, em 2018, enquanto o número de MVI no Brasil apresentou uma queda de 10,59%,
Roraima constatou um aumento de 81,99%. Esses números são demonstrados pelo quadro abaixo:
Quadro 5 - Mortes Violentas Intencionais (MVI) entre 2015 e 2018
Local
2015
2016
Brasil
58459
61597
Roraima
102
212
Amazonas
1447
1189
Região Norte
6752
7422
Fonte: os autores, adaptado de FBSP (2019).
5
2017
64078
211
1285
7872
2018
57358
384
1225
8022
Inclui a soma dos seguintes indicadores: homicídio doloso, latrocínio e lesão corporal seguida de morte.
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Dessa maneira, o quadro 5 demonstra uma tendência de aumento em MVI para o estado de
Roraima acima das médias regional e nacional. A título de comparação, enquanto o estado vizinho do
Amazonas teve uma redução no número de MVI de 15,35% entre 2015 e 2018, em Roraima esse índice
subiu 376,47%. Em números proporcionais, a taxa de MVI em Roraima atingiu 66,6 por cem mil
habitantes no ano de 2018, sendo a mais alta do Brasil e representando mais do que o dobro da média
nacional no mesmo período (FBSP, 2019, p. 15).
Ainda sob o ponto de vista da segurança pública, é possível verificar que os migrantes
venezuelanos já constituem uma parcela importante da população carcerária local. Em maio de 2019,
as unidades prisionais do estado contavam com 3.386 internos em regime de reclusão, sendo 216 de
origem venezuelana, o que representava 6,37% do total (BRASIL, 2019a).
No tocante aos apenados venezuelanos, particularmente em Roraima, a crise humanitária
se liga diretamente à crise do sistema prisional brasileiro. Na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo
(PAMC), a qual abriga mais de 1200 encarcerados e foi palco do massacre que resultou na morte
de 33 presos no ano de 2017, há o recrutamento de presos venezuelanos pela facção criminosa
Primeiro Comando da Capital (PCC). Esse fato foi constatado no ano de 2020 pela operação
Triumphus 6, da Polícia Federal, em parceria com o Ministério Público de Estado de Roraima (MPRR).
No desenrolar da operação, que prendeu 19 estrangeiros, o MPRR verificou que cerca de 700
venezuelanos já haviam sido aliciados por alguma facção criminosa em Roraima, atuando dentro e
fora das prisões. De acordo com os dados levantados, os estrangeiros teriam sido recrutados entre
os anos de 2014 e 2018 (CARVALHO, 2018; FOLHA BV, 2020).
Por fim, entre fevereiro e abril de 2019, foram contabilizados mais de 60 desertores
venezuelanos nos pontos triagem e acolhimento em Roraima. Esse universo é composto
principalmente por graduados e oficiais de postos mais baixos das Forças Armadas Venezuelanas
(BOADLE, 2019). De Carvalho (2020) explica que a entrada desses desertores no Brasil representa risco,
tanto por seu treinamento militar, como por suas conexões com integrantes das Forças Armadas que
permanecem em solo venezuelano. Logo, a presença desses ex-militares em solo brasileiro pode
agravar a crise política e diplomática existente entre o Brasil e a Venezuela.
Portanto, é possível verificar que os impactos causados pelos migrantes venezuelanos
possuem o potencial de desestabilizar o estado de Roraima, bem como agravar a crise regional na
6
Força-Tarefa formada pela Polícia Federal, Polícias Civil e Militar do estado de Roraima, além das Secretarias
de Justiça e de Segurança Pública de Roraima.
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América do Sul. Por essa razão, tornou-se imperativo que o Estado brasileiro tomasse todas as medidas
necessárias para estabilizar a região, incluindo o emprego de suas Forças Armadas.
A PARTICIPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA OPERAÇÃO ACOLHIDA
Tendo em vista os impactos socioeconômicos causados pela crise migratória em Roraima,
casos de violência da população local contra os venezuelanos, particularmente na capital Boa Vista e
na cidade fronteiriça de Pacaraima, passaram a ser registrados com maior frequência no início do ano
de 2018. Cabe destacar que a migração alterou a dinâmica nessas cidades, com aumento perceptível
de pessoas morando nas ruas, invasão de espaços públicos e prostituição (OLIVEIRA, 2019, p. 25).
Nesse contexto, Simões (2018, p. 392) atribui os casos de xenofobia ocorridos em Roraima à
mudança no perfil dos migrantes venezuelanos que adentravam o Brasil. Entre o ano de 2015 e a
primeira metade do ano de 2017, o migrante caracterizava-se por ser, em sua maioria, homem solteiro,
jovem e com boa escolaridade. A partir da segunda metade de 2017, o perfil sociodemográfico já era
totalmente distinto, tendo em vista a própria decadência das condições socioeconômicas do país
vizinho. Dessa forma, o quadro de deterioração dos serviços públicos, associado aos incidentes de
brasileiros contra os migrantes, apontaram para a necessidade de ampliação da presença militar na
fronteira.
Em 15 de fevereiro de 2018, por meio do Decreto Presidencial no 9.285, o governo brasileiro
reconheceu a situação de vulnerabilidade resultante do intenso fluxo de venezuelanos para o estado
de Roraima (BRASIL, 2018a). Em seguida, a Diretriz Ministerial no 03/2018 determinou a criação da
Força-Tarefa Logística Humanitária (Operação Acolhida), com o objetivo de prestar ajuda humanitária
nessa mesma unidade da federação (BRASIL, 2018b).
De acordo com sua concepção, a Operação Acolhida realiza o trabalho de recepção,
identificação e acolhimento de refugiados e migrantes venezuelanos que adentram o Brasil pela
fronteira com o estado de Roraima. Nesse contexto, as Forças Armadas brasileiras são responsáveis
por fornecerem o apoio logístico à operação nas áreas de saúde, transporte, infraestrutura e
administração. Agências da Organização das Nações Unidas (ONU), entidades da sociedade civil como
as organizações não-governamentais (ONGs) e instituições religiosas também colaboram no esforço
humanitário no norte do Brasil (BRASIL, 2021b).
Oliveira (2019, p. 99) enfatiza que a Operação Acolhida é, simultaneamente, uma operação
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humanitária, conjunta e interagências. Ela é humanitária porque tem como principal objetivo acolher
e assistir migrantes venezuelanos em situação de vulnerabilidade. Por outro lado, ela é conjunta
porque envolve efetivos militares das três Forças: Exército, Marinha e Força Aérea. Por fim, a ForçaTarefa Logística Humanitária é interagências em decorrência da interação das Forças Armadas com as
diversas agências governamentais, internacionais, religiosas e humanitárias que se fazem presentes na
operação.
Teixeira, Coradini e Costa (2019, p. 94) ressaltam a grande envergadura da Operação Acolhida
por meio da identificação dos principais atores que colaboram com o trabalho das Forças Armadas no
local. São eles: o Governos Federal; o Governo Estadual; os governos municipais; a Polícia Federal; o
Corpo de Bombeiros; o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU); a Fundação Nacional de
Saúde (FUNASA); e a Organização das Nações Unidas (ONU), por meio da atuação do Alto Comissariado
das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), da Organização Internacional para as Migrações (OIM) e
do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). A operação conta ainda com o apoio de
organizações não-governamentais e instituições religiosas, tais como a Fraternidade Internacional, a
Fraternidade Sem Fronteira, os Mórmons, o Rotary Club, as Cáritas, a Associação Voluntários para o
Serviço Internacional e o Conselho Norueguês de Refugiados.
Quanto ao seu planejamento, a Operação Acolhida é baseada em três pilares: o ordenamento
da fronteira, o abrigamento e a interiorização. O ordenamento da fronteira compreende a recepção,
a identificação e o controle dos migrantes venezuelanos que adentram diariamente em território
brasileiro. O abrigamento engloba o fornecimento de abrigo temporário, de alimentação e de
assistência médica. Finalmente, a interiorização corresponde ao processo de distribuição dos
migrantes venezuelanos nas diversas regiões do Brasil, com o intuito de integrar os estrangeiros à
população local (OLIVEIRA, 2019, p. 100).
De uma forma mais detalhada, o ordenamento da fronteira visa o primeiro atendimento aos
refugiados e tem início no município de Pacaraima, na fronteira do Brasil com a Venezuela. A estrutura
conta com um uma força multidisciplinar composta por servidores federais, civis e militares, além de
funcionários de organismos internacionais e colaboradores de entidades da sociedade civil. Existe
ainda um posto de atendimento avançado para atenção médica de emergência. Nesse local, os
migrantes recebem os cuidados médicos necessários e são imunizados. Os venezuelanos, então,
recebem orientação sobre as condições em que serão acolhidos no Brasil, são identificados, recebem
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o cadastro de regularização migratória e outros documentos brasileiros como o cadastro de pessoas
físicas (CPF) e carteira de trabalho e previdência social (CTPS) (BRASIL, 2021b).
Em seguida, o acolhimento se processa principalmente na cidade de Boa Vista, onde
encontram-se atualmente em funcionamento 11 abrigos para a recepção dos migrantes. Nesta fase,
os venezuelanos são alojados em abrigos tipificados, com hospedagem distinta para famílias,
indivíduos solteiros e indígenas. A gestão dos abrigos é compartilhada entre o Ministério da Cidadania,
as Forças Armadas e o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados. Enquanto o Ministério
da Cidadania e o ACNUR se encarregam da coordenação do acolhimento e da assistência aos
migrantes, as Forças Armadas são responsáveis pela logística humanitária, incluindo o atendimento de
saúde (BRASIL, 2021b).
Figura 2 – Ordenamento da fronteira e abrigamento de migrantes venezuelanos em Roraima
Fonte: os autores, adaptado de Brasil (2019b) e Oliveira (2019).
Por fim, a interiorização é uma estratégia que visa realocar migrantes venezuelanos para
outros estados brasileiros. Essa ação se apoia na capacidade do Governo Federal e de instituições
parceiras. Além de buscar reduzir a pressão sobre os serviços públicos de Roraima, a interiorização
tem por objetivo proporcionar melhores condições socioeconômicas para os migrantes. De acordo
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com a diretrizes adotadas pelo governo brasileiro, apenas os venezuelanos regularizados, que
passaram por avaliação clínica e se submeteram a imunização, podem ser interiorizados. É importante
ressaltar que os venezuelanos devem ser voluntários para participar de tal processo (BRASIL, 2021b).
Figura 3 – Fluxograma do atendimento aos migrantes venezuelanos em Pacaraima
Fonte: os autores, adaptado de BRASIL (2019b).
Figura 4 – Fluxograma do atendimento aos migrantes venezuelanos em Boa Vista
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Fonte: os autores, adaptado de Brasil (2019b), Oliveira (2019) e Brasil (2021b).
Figura 5 – Interiorização de migrantes venezuelanos até maio de 2021.
Fonte: os autores, adaptado de Brasil (2021b).
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Diversas lições foram aprendidas com o decorrer da operação. Uma delas foi a necessidade de
disponibilizar novos cardápios para a alimentação dos migrantes, em razão da cultura alimentar
diferenciada daquele povo. Um dado interessante é que os próprios venezuelanos apresentaram as
sugestões de cardápio. Outra lição foi a necessidade de aquisição de alimentos para a nutrição infantil,
visto que a cadeia de suprimento das Forças Armadas não considerava essa carência. Tais situações
exigiram entendimento e flexibilidade por parte dos militares e por parte, por exemplo, da AdvocaciaGeral da União, um dos órgãos que controla a aquisição de bens e insumos no âmbito da administração
pública federal (ARAÚJO; SPARTA, 2020, p. 74031).
De uma maneira geral, os resultados associados à Operação Acolhida são significativos. Em
fevereiro de 2021, mais de 890 mil migrantes e refugiados venezuelanos haviam sido recepcionados e
atendidos na fronteira com o Brasil, dos quais cerca de 265 mil haviam protocolado a solicitação de
regularização migratória. Além disso, nessa mesma data, 48 mil indivíduos já se encontravam
interiorizados em outros estados da federação, recebendo o suporte básico para integrarem-se à
sociedade local. Nesse sentido, destaca-se o ano de 2019, quando aproximadamente 21 mil
venezuelanos foram interiorizados no âmbito da Operação Acolhida (SIMÕES; FRANCHI, 2020, p. 2;
BRASIL, 2021b).
A manutenção dos migrantes que permanecem no estado de Roraima também exige um
esforço logístico de grandes proporções. Mensalmente, cerca de 6.000 venezuelanos são beneficiados
com a ocupação de abrigos, com o recebimento das três etapas diárias de refeições (café da manhã,
almoço e jantar) e com atendimento de saúde (SIMÕES; FRANCHI, 2020, p. 2). Por tudo isso, Ribeiro
(2020, p. 83) ressalta a resposta brasileira proporcionada pela Operação Acolhida como um modelo de
governança migratória no contexto de situações de assistência humanitária emergencial, destacando
ainda seu funcionamento de acordo com os protocolos estabelecidos pela ONU.
Em 2020, a Força-Tarefa Logística Humanitária passou a enfrentar mais um relevante desafio
representado pela pandemia causada pela COVID-19. Instituído em 18 de fevereiro de 2020, o Plano
Emergencial de Contingenciamento para a COVID-19 (PECCovid-19) orienta os esforços
governamentais em Roraima e tem como objetivo impedir o contágio dos estrangeiros venezuelanos
e dos próprios participantes da operação (CERÁVOLO; PEREIRA; FRANCHI, 2020). Assim, o PECCovid19 fundamenta-se na tríade monitorar, isolar e tratar, englobando medidas preventivas e proativas
com foco em Boa Vista e Pacaraima, além de todo o trajeto de interiorização para os diferentes estados
brasileiros (MORAES; PAIM; FRANCHI, 2020).
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Durante a pandemia, os integrantes da Força-Tarefa Logística Humanitária reforçaram as
medidas de higienização e adotaram a verificação das condições sanitárias dos migrantes durante
todas as fases da operação. Houve também a desconcentração de indivíduos nos diversos abrigos e a
adoção de áreas de proteção e cuidado. Ademais, o Exército Brasileiro desdobrou um Hospital de
Campanha na região, o qual possui duas enfermarias com oito leitos cada e que permite a internação
hospitalar, podendo ser utilizado para o caso de isolamento em função de contaminação da população
vulnerável (ARAÚJO; SPARTA, 2020, p. 74034).
No âmbito do planejamento estratégico das Forças Armadas, a resposta à crise humanitária
por intermédio da Operação Acolhida resultou na realização de uma série de ações e tarefas que
materializam o emprego de capacidades militares relacionadas à logística humanitária. Todas essas
atividades refletem capacidades militares pré-existentes ou desenvolvidas ao longo da operação, de
forma a potencializar a resposta governamental à crise migratória. Especialmente no que concerne ao
Exército Brasileiro, o qual detém o maior efetivo empregado e possui o comando militar da operação,
as principais capacidades militares desenvolvidas e empregadas podem ser resumidas conforme o
quadro abaixo:
Quadro 6 – Capacidades Militares Terrestres desenvolvidas na Operação Acolhida
CAPACIDADE
MILITAR TERRESTE
(CMT)
CAPACIDADE
OPERATIVA
(CO)
CO 10: Proteção
Integrada
CMT 03: Apoio a
Órgãos
Governamentais
CO 11:
Atribuições
Subsidiárias
CO 12: Emprego
em apoio à
Política Externa
em tempo de
paz
AÇÕES/TAREFAS EXECUTADAS
- Proteção da sociedade roraimense, colaborando com os
órgãos de segurança pública na garantia da lei e da ordem
em Pacaraima e Boa Vista.
- Cooperação com órgãos federais, estaduais e municipais
visando o bem-estar social em todo o estado de Roraima
(incluindo a disponibilização de médicos militares no
Hospital de Pacaraima).
- Capacidade de empregar a força militar em uma operação
de ajuda humanitária, concentrando meios na fronteira com
países lindeiros e garantindo os interesses nacionais em
sintonia com a política externa.
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CMT 05:
Sustentação
Logística
CO 20: Apoio
Logístico para
Forças
Desdobradas
CO 21:
Infraestrutura
da Área de
Operações
CO 22: Gestão e
Coordenação
Logística
CO 23: Saúde
nas Operações
- Sustentação da tropa desdobrada na operação, assim
como apoio em alimentação e abrigo para os migrantes
venezuelanos.
- Instalação da infraestrutura para as bases da Operação
Acolhida em Boa Vista e Pacaraima, bem como a construção
e/ou renovação de dez abrigos humanitários em ambos os
locais (apoio do 6º Batalhão de Engenharia de Construção).
- Planejamento, monitoramento e controle do apoio
logístico relacionado à tropa desdobrada na operação.
- Estabelecimento de instalações de saúde como o Posto de
Atendimento Avançado voltado aos migrantes recémchegados e o Hospital de Campanha direcionado ao
tratamento da COVID-19.
CO 24: Gestão
- Execução dos recursos financeiros provenientes do
de Recursos
governo federal no âmbito da Operação Acolhida.
Financeiros
CO 25:
- Operação desenvolvida em conjunto com a Força Aérea
Interoperabilida
Brasileira e a Marinha do Brasil.
de Conjunta
CMT 06:
Interoperabilidade
CO 27:
- Operação desenvolvida em parceria com órgãos de
Interoperabilida segurança pública, ONGs, agências governamentais e
de interagência internacionais, entre outros.
CO 28: Proteção - Proteção à própria tropa e aos migrantes, especialmente
ao Pessoal
os residentes temporários nos abrigos humanitários.
CMT 07: Proteção
CO 29: Proteção - Proteção de material e instalações, em especial as bases
Física
militares e os abrigos humanitários.
Fonte: os autores, adaptado de Silva (2020).
O quadro acima sintetiza a resposta governamental propiciada pelas Forças Armadas, com
foco especial no Exército Brasileiro, à emergência humanitária no estado de Roraima. Nesse sentido,
ele descreve as ações e tarefas executadas, bem como as capacidades operativas e capacidades
militares terrestres desenvolvidas por ocasião da Operação Acolhida. Cabe destacar que a realização
de um conjunto de ações e tarefas, dentro de um determinado domínio, caracteriza a obtenção de
uma capacidade operativa. Por sua vez, capacidades operativas combinadas geram uma capacidade
militar, elemento essencial no escopo do planejamento estratégico (BRASIL, 2015).
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Devido à amplitude e complexidade da atual crise humanitária, as ações e tarefas realizadas
extrapolam a área logística, correspondendo a 12 diferentes capacidades operativas. Além disso, essas
capacidades operativas mobilizam 4 capacidades militares terrestres de um total de 9 constantes no
planejamento estratégico do Exército Brasileiro, o que demonstra a prioridade, a versatilidade e o
empenho dos militares em prol da Operação Acolhida.
Por fim, ressalta-se a intensa cooperação entre as Forças Armadas e os diversos atores civis
governamentais, internacionais e ONGs, caracterizada pelas ações e tarefas desenvolvidas no escopo
da CMT 03 (apoio a órgãos governamentais). Portanto, verifica-se que, sob a liderança operacional das
Forças Armadas, a Operação Acolhida pode ser considerada uma robusta resposta multidisciplinar e
integrada do Estado brasileiro à maior crise migratória regional das últimas décadas.
CONCLUSÃO
Tendo concluído a presente pesquisa, é possível afirmar que as Forças Armadas são atores
imprescindíveis em situações de crise humanitária, sejam essas causadas por desastres naturais ou
decorrentes de ambientes conflituosos e/ou turbulentos. Nessas ocasiões, as Forças Armadas utilizam
primordialmente sua estrutura logística para assistir à população vulnerável, em cooperação com
agências e atores humanitários, governamentais e internacionais, além de outros membros diversos
da sociedade civil.
No cenário sul-americano, a crise migratória venezuelana causou um colapso socioeconômico
no estado de Roraima, particularmente no que diz respeito aos sistemas públicos de saúde, de
educação e de segurança pública. Nesse contexto, a pressão causada pelos migrantes venezuelanos
possui a capacidade de agravar ainda mais a tensão política e diplomática existente entre os governos
do Brasil e da Venezuela, o que poderia resultar em uma desestabilização regional no subcontinente.
Esse cenário instável exigiu uma resposta governamental de vulto, consolidada pela criação da ForçaTarefa Logística Humanitária (Operação Acolhida), sob a liderança operacional das Forças Armadas
brasileiras. Com foco no estado brasileiro de Roraima, os militares são responsáveis por prestar apoio
logístico ao esforço nacional em proveito dos migrantes venezuelanos em situação de vulnerabilidade.
Como resultado, esse estudo comprova que a Operação Acolhida constitui uma resposta
multidisciplinar e integrada do Estado brasileiro à crise migratória venezuelana, a qual tem evitado a
desestabilização do estado de Roraima. Além disso, a Operação Acolhida tem contribuído com o
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desenvolvimento e com o emprego de uma série de capacidades militares, elemento central no
planejamento estratégico das Forças Armadas. Nesse sentido, a complexidade referente à logística
humanitária no estado de Roraima tem exigido das Forças Armadas, particularmente do Exército
Brasileiro, capacidades que transcendem a área logística e de ajuda humanitária, demandando
esforços também nos campos de apoio a órgãos governamentais, interoperabilidade e proteção.
Por fim, esse artigo não esgota os conhecimentos sobre as respostas governamentais
brasileiras à crise migratória venezuelana. Nesse aspecto, essa pesquisa limitou-se a estudar com
profundidade a Operação Acolhida, com foco no emprego do Exército Brasileiro. Dessa forma, novas
pesquisas sobre as demais agências e atores envolvidos na crise migratória em Roraima podem servir
como complemento a esse trabalho.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Laércio Eduardo de; SPARTA, Danielle Morais Bourguignon. Força-Tarefa Logística
Humanitária “Operação Acolhida”: a atuação do Exército Brasileiro. Brazilian Journal of Development,
v.
6,
n.
9,
p.
74024-74043,
2020.
Disponível
em:
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