Kátia Patrício Benevides Campos
Maria das Graças Oliveira
Crisliane Boito
(organizadoras)
Infância, arte e
produção cultural
1ª edição
Z Multi Editora
Estância Velha/RS
2021
Infância, arte e produção cultural
Organização: Kátia Patrício Benevides Campos,
Maria das Graças Oliveira e Crisliane Boito
Coordenação editorial: Sandra Hess
Diagramação: Cleber Zanovello Dariva
Capa: Cleber Zanovello Dariva sobre imagem Pixabay.com
Revisão gramatical: Flávio Adolfo Tietze
Impressão: Maxi Gráfica
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
I43
Infância, arte e produção cultural / Organização: Kátia Patrício Benevides
Campos, Maria das Graças Oliveira, Crisliane Boito. – Estância Velha: Z Multi
Editora, 2021.
194
; PDF)
196 p.: il.; 16x23cm. (16MB
(7Mb ; PDF)
ISBN 978-65-87449-38-8
Capítulos produzidos V Seminário Nacional de Educação Infantil
1. Educação Infantil. 2. Infância. 3. Arte. 4. Produção cultural. I. Título. II.
Campos, Kátia Patrício Benevides. III. Oliveira, Maria das Graças. IV. Boito,
Crisliane.
CDU 372
Bibliotecária responsável: Maria do Carmo Mitchell Neis – CRB 10/1309
Realização:
Apoio:
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SUMÁRIO
07
PREFÁCIO - Infância, arte e produção cultural
Aluizio Guimarães
17
Por uma pedagogia da infância através da arte
Ana Angélica Albano
33
Ainda temos o céu! Arte, infância e Educação Infantil
Luciana Esmeralda Ostetto
53
Lei 13006/2014 e sua proposta de regulamentação
Adriana Fresquet
79
Arte, sensibilidade, cultura e infância: centelhas de sentido
com a força de um relâmpago
Rosvita Kolb Bernardes; Ana Cristina Carvalho Pereira
95
Palavras e imagens que divertem, encantam e fazem
pensar: a arte literária na Educação Infantil
Fabíola Cordeiro de Vasconcelos; Maria Betania Barbosa da
Silva Lima; Wanessa Maciel Ferreira Lacerda
121
Educação audiovisual na infância: percursos criativopedagógicos entre escola e comunidade
Ana Bárbara Ramos; Felipe Leal Barquete
147
Educação Infantil e arte: crianças e docentes como
propositores de experiências educativas e artísticas
Rayffi Gumercindo Pereira de Souza; Kátia Patrício Benevides
Campos; Maria das Graças Oliveira
171
CONHEÇA OS AUTORES
183
POSFÁCIO - Uma produção coletiva situada numa tradição
Fernanda Leal
186
ÍNDICE REMISSIVO
Infância, arte e produção cultural
6
Infância, arte e produção cultural
PREFÁCIO
Infância, arte e
produção cultural
Aluizio Guimarães1
O terceiro toque de Moliére acaba de soar, algumas
pessoas ainda estão se acomodando em suas cadeiras para
que, daqui a pouquinho, comecem a sair deste mundo para
um outro, em que as cores, os sons, os prazeres e as dores
são ressignificados, representados e apresentados sob os
traços convergentes das artes cênicas. Em um lugar não
distante, embalados pelo cheiro da pipoca, um casal adentra
uma outra sala preta, senta-se e mergulha num outro mundo
que é, ao mesmo tempo, o seu, e, ao mesmo tempo, não
o é. Talvez em outro ponto do planeta, em uma galeria de
arte contemporânea, alguém se questione ao observar um
objeto comum sendo “adorado” como um objeto artístico...,
1
Teatrólogo, cineasta, músico e dramaturgo, Mestre em Computação, Comunicação e Artes,
é, também, arte-educador e Produtor Cultural da Universidade Federal de Campina Grande.
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Infância, arte e produção cultural
mas, não é? Conduzidos por um ritmo acelerado e envolvente,
alguns jovens dançam músicas arranjadas por algum algoritmo
quase que compositor... talvez alguns de nós até achemos que
não é música... é?
Não há um só segundo em que a arte não nos cerque. Nos
toque e nos afague... nos sensibilize, nos emocione, nos traga
alegria ou apenas adoce um pouco um amargo momento. A
arte é tão humana que distanciar-se dela seria desumanizarse, negar o belo seria abraçar-se com o que há de mais feio... a
vida seria tão triste se nem a tristeza de um aboio pudéssemos
ouvir... ou um blues tocado por uma cigar box guitar com seu
timbre peculiar e sua melodia simples, apoiada em apenas três
acordes.
Vivemos num mundo em que a produção artística tomou
uma proporção tão grande que se faz incomensurável. É
impossível dizer quanto se produz de arte, pois enquanto
o leitor aqui passeia seu olhar, alguns milhares de pessoas
reproduzem, a partir de seus olhares, o mundo que elas veem,
imaginam, desejam ou necessitam.
Arte enquanto bem de consumo, arte enquanto ato
de protesto, arte enquanto elemento resultante do olhar
industrial, arte enquanto lucro, ou a serviço de lavagem de
dinheiro... Os marginais na arte não necessariamente fazem
uma arte marginal! Mas este também é um mundo no mundo
das artes.
Ao mesmo tempo que alguém faz um poema haikai de uma
só linha, e com linhas, um outro alguém borda, num bastidor
de madeira, a silhueta do rosto de um grande amor não mais
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Infância, arte e produção cultural
presente... e o som do pandeiro, quase que como uma sinopse
de uma bateria, marca um ritmo base para um Jackson cantar
sincopado como quem brinca sem ser prisioneiro de regras. Ao
mesmo tempo em que tudo acontece, se tecem várias ligações
entre várias linguagens, numa época em que as fronteiras
não mais impõem o não passear pelo mundo... O hibridismo
está a cada momento mais imperativo àqueles que criam, as
inspirações não mais estão vindo de um curto raio ao redor da
comunidade do artista... O mundo está tão curto, nas esquinas
do sul da China produzem flautas Hulusi que tocam “Asa
Branca” de Luiz Gonzaga, numa noite de São João em uma casa
perto do açude de Bodocongó, em Campina Grande, enquanto
balões enfrentam a ignorância do homem que ignora a força
maior de sua própria cultura.
Neste mundo em que a produção artístico-cultural cresce
e se multiplica exponencialmente, podemo-nos deparar com
inúmeros fenômenos que nos trazem a necessidade de nos
debruçarmos por muitos e muitos anos para tentar entender
cada um; porém, aqui, focamos em apenas um destes que
costura cada um dos artigos que compõem INFÂNCIA, ARTE E
PRODUÇÃO CULTURAL: Como se educa para as artes? Qual o
papel da escola ao preparar nossas crianças para este mundo?
Como exercitar a sensibilidade? Como construir noções de
estética ou de criticidade? Qual o papel do professor? Nosso
currículo está preparando o professor para este desafio?
Aqui está um pouco mais do que um simples livro. As
organizadoras compuseram, a partir das partes elencadas, uma
narrativa em que num determinado momento o leitor poderá
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Infância, arte e produção cultural
se surpreender por se deparar com quase um livro manifesto,
pela urgência do assunto e pela necessária movimentação do
universo da educação com relação aos saberes que envolvem
esta temática. Parece um manifesto a favor da imaginação e da
liberdade... parece um convite para que possamos nos preparar
a “escutar as cores dos passarinhos”. Mas, ao mesmo tempo,
parece-me que o livro também toma a forma de um convite
para que se coloque em pauta a necessidade de um processo
de alfabetização artístico, em que não cabe mais compreender
as linguagens artísticas na escola como subsídio ao momento
de entretenimento, ou com atividades decorativas, como
tão bem expõe Ana Angélica Albano com seu texto “Por uma
pedagogia da infância através da Arte”.
Sob os maus ventos, nada auspiciosos, provocados por
este momento triste de pandemia, podemos nos deparar
com uma narrativa importante feita por Luciana Esmeralda
Ostetto, que através de seu texto “Ainda temos o céu! Arte,
infância e Educação Infantil” expõe, a partir de suas práticas,
o quanto precisamos avançar na educação estética, elevando
aquele que é fruto de seu olhar ao “M.A.R.A.V.I.L.H.A.M.E.N.
T.O”... Entendendo a beleza como algo que vai muito além do
decorativo, expondo que a beleza “é a nossa sobrevivência”.
Ainda neste navegar por esta obra, o leitor se deparará
com o assertivo texto de Adriana Fresquet, que nos apresenta
os possíveis desdobramentos decorrentes da Lei nº 13006 e
sua regulamentação. Sua análise discorre não apenas sobre
a “chegada” do cinema à escola, mas também da escola ao
cinema. E ainda dentro destes desdobramentos, a mesma
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Infância, arte e produção cultural
apresenta a importância de se constituir um Acervo Audiovisual
Escolar Livre e propõe o “componente curricular de educação
audiovisual para as licenciaturas e cursos de pedagogia”,
interferindo diretamente na formação dos professores.
Ao passar a página, como quem dobra uma esquina sem
saber o que virá, o leitor se deparará com um conjunto de
indagações que, com “a força de um relâmpago”, o guiará num
percurso-texto em que, a cada passo, suas perguntas passam
a ser de todos e suas respostas passam a nos alimentar de
necessários aprofundamentos. “Há espaço para o coração
e para o afeto na nossa formação na universidade? Para a
dimensão estética? Para uma ‘Estética da Existência’ ou um
espaço para pensar a vida como obra de arte?” Só em saber
que Rosvita Kob Bernardes e Ana Cristina Carvalho Pereira nos
provocam com este tipo de questionamento, isso ao mesmo
tempo afaga e cria espaço para mais uma série de perguntas
e buscas, que certamente nascerão a partir da leitura do seu
artigo “Arte, sensibilidade, cultura e infância: centelhas de
sentido com a força de um relâmpago”, e uma certeza de que
devemos buscar proporcionar na escola “espaços de ateliê”,
pois urge inaugurar um lugar para invenções, um “espaço de
pensamento”.
“Fraturando o cotidiano”, surgem Rayffi Gumercindo
Pereira de Souza, Kátia Patrício Benevides Campos e Maria das
Graças Oliveira (também uma das organizadoras deste livro,
em conjunto com Crisliane Boito) narrando algumas vivências
a partir das artes visuais na Educação Infantil que partiram
do universo do pintor Van Gogh e provocaram “impressões
11
Infância, arte e produção cultural
e encantamentos”, levando-os a “experiências estéticas”
que muito bem inspirarão os navegantes da educação a
compreender que “a docência e a arte parecem caminhos
sólidos, complexos, mas, sobretudo, produtores de felicidade
na escola e na vida”. No texto “Educação infantil e arte: crianças
e docentes como propositores de experiências educativas e
artísticas”, os autores nos provocam, nos convidam e nos levam
a entender que, na Educação Infantil, é “nítida a necessidade de
o professor colocar-se diante das crianças como um caminhante
que, de mãos dadas, seguirá junto delas, nem as levando, nem
sendo levado”.
Entendendo a literatura infantil e todas as possibilidades de
lê-la como algo “muito relevante para alimentar o imaginário
infantil”, Fabíola Cordeiro de Vasconcelos, Maria Betania
Barbosa da Silva Lima e Wanessa Maciel Ferreira Lacerda
apresentam, a partir do texto “Palavras e Imagens que divertem,
encantam e fazem pensar: a arte literária na Educação Infantil”,
a “necessidade do acesso das crianças a linguagens artísticas
que lhes provoquem os sentidos...”, dando um enfoque
especial à arte literária capaz de “fomentar o incremento das
capacidades infantis para inventar, imaginar e criar”.
E se aqui vejo um livro sobre aventura e manifesto, é
neste episódio escrito por Ana Bárbara Ramos e Felipe Leal
Barquete que nos são apresentadas, de forma reflexiva a partir
de um rico relato, as experiências da SEMENTE – Escola de
Educação Audiovisual, tão encantadora quanto necessária.
No texto “Educação audiovisual na infância: percursos
criativo-pedagógicos entre escola e comunidade”, os autores
12
Infância, arte e produção cultural
demonstram de forma encantadora que o “processo de
produção audiovisual faz aflorar a potência pedagógica de nos
deslocar da posição de espectadores passivos para a de sujeitos
do mundo, alguém capaz de olhar e de ouvir, de contemplar,
de indagar, de conhecer, de pensar, de aprender, de inventar o
mundo”.
Agora, na calmaria, após vivenciarmos um grand finale,
aplaudimos de pé aquela obra de tão bela dramaturgia,
enquanto as cortinas se fecham e a luz de plateia é acesa.
O letreiro já sobe, o filme se finda, e educadamente o casal
de namorados sai com seus vazios sacos de pipoca para jogar
no primeiro lixo que encontrarem.
Na galeria de artes, a obra de Duchamp finalmente é
compreendida, e o visitante sai com sua certeza de que aquele
objeto é, sim, uma obra de arte.
A música não acabou, ela continua tocando incansavelmente
por aquele conjunto de aplicativos, programas e algoritmos que
fazem música, pelo menos para quem a ouve e com ela dança.
Amanhã os teatros abrirão novamente, os cinemas de igual
forma, os museus, galerias e espaços alternativos também
se tornarão disponíveis, todos, até aquele espaço simbólico
da rave. Amanhã estes ambientes deverão ser ocupados por
artistas e por apreciadores de arte, das mais diversas linguagens
e suas inimagináveis possibilidades de hibridização... Este
amanhã começa hoje, e é com prazer que passeamos por este
livro de rápida e profunda leitura, ao entendermos que há, sim,
um convite para que embarquemos numa aventura, em que
será na Educação Infantil que deveremos começar a semear a
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Infância, arte e produção cultural
apreciação às artes. E é com um ameno tom de manifesto que
este livro nos lembra da urgência destas reflexões, do quanto
devemos pensar a arte no universo da escola, entendendo todos
os seus agentes como possíveis focos destas preocupações. A
escola deve irradiar uma pedagogia do sentir, exercitando a
sensibilidade, a criatividade e a diversidade, pois assim seremos
mais humanos no sentido mais poético desta humanização,
pois, como disse Tolstói, “Se faltasse ao homem a faculdade
de se contagiar pela arte, seríamos ainda mais selvagens e,
principalmente, ainda mais distantes e hostis”...
Então, o convite está feito, a aventura está lançada e o
manifesto é para que, através da arte, nos contaminemos com
o que há de melhor no ser humano, e que isso seja um processo
urgente de plantio e colheita a partir da Educação Infantil, solo
fértil e alimento para esperançosos dias melhores.
Ao ler o último parágrafo do prefácio, ela ouviu:
- O pipoqueiro ainda não foi embora. Vou comprar uma
pipoca doce para mim... você quer?
Ela acena com a cabeça dizendo que sim, passa a página e
começa a ler seu novo livro e vê, a cada artigo, que ele é bem
mais profundo e surpreendente do que indicara o prefácio.
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Infância, arte e produção cultural
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Infância, arte e produção cultural
Por uma pedagogia da
infância através da arte
Ana Angélica Albano
No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá onde a
Criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não funciona para
cor, mas para som.
Então, se a criança muda a função de um verbo, ele delira.
E pois.
Em poesia, que é a voz do poeta, que é a voz de fazer
nascimentos,
O verbo tem que pegar delírio.
Manoel de Barros
17
Infância, arte e produção cultural
Começo propondo que escutemos a cor dos passarinhos.
Pois este é o tom que quero dar a esta conversa: falar de
arte por meio da arte.
Vou tentar, se não for muita pretensão, fazer o verbo pegar
delírio.
Poderíamos pensar uma pedagogia da infância através da
arte?
O alquimista diria que sim, porque, como a infância, a arte
reclama o homem inteiro.
E Manoel de Barros acrescentaria:
a ciência pode classificar e nomear
os órgãos de um sabiá
mas não pode medir seus encantos.
A ciência não pode calcular quantos cavalos
de força
Existem nos cantos do sabiá.
Quem acumula muita informação perde o
condão de Advinhar: divinare.
Os sabiás divinam.
Proponho, então, que comecemos divinando... pensando a
arte como um modo de ver e dizer de si e do mundo. Um modo
de pensar por imagens, que é o modo de pensar da infância,
quando pensamento-sentimento-sensação-intuição ainda
operam integrados.
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Infância, arte e produção cultural
O rio que fazia uma volta atrás de nossa casa
era a imagem de um vidro mole que fazia uma
volta atrás de casa.
Passou um homem depois e disse:
Essa volta que o rio faz por trás de sua casa se
chama enseada.
Não era mais a imagem de uma cobra de vidro
que fazia uma volta atrás de casa.
Era uma enseada.
Acho que o nome empobreceu a imagem. (1)
Trazendo a poesia como eixo desta conversa, estou tentando
trazer o mundo das imagens com suas cobras de vidro mole
para o centro da discussão.
Manoel de Barros me faz pensar que uma pedagogia da
infância vai estar sempre condicionada à infância de cada
sujeito. Há os que escutam a cor dos passarinhos…
Trabalhando há anos com formação continuada de
educadores/as da primeira infância, observo que, em geral,
quando pensam em atividades artísticas na escola, estão
pensando em técnicas e receitas que os/as auxiliem no
planejamento das aulas. Buscam novidades, como se a
Escola fosse um espaço de consumo e não de produção de
conhecimento.
Como as aulas de arte estão, quase sempre, associadas
à decoração de festas ou a um tempo ocioso ocupado com
brincadeiras com lápis e papel, parece-lhes perfeitamente
19
Infância, arte e produção cultural
natural a expectativa por novas modas para entreter os alunos.
E, junto com a ideia de entretenimento, vem a sensação de
supérfluo:
Confesso que ao ler o módulo de Arte, imaginei:
taí um item que dispensaria... Pensando que
Educação Artística fosse um mero uso de
brincadeiras com pincéis e tintas e papéis e
canetinhas, para passar o tempo de forma
agradável – como se arte fosse uma coisa
banal, irresponsável, irrelevante.
Este comentário aparece, com frequência, no início dos
cursos, sendo que, ao final, as avaliações apontam para uma
mudança:
Meu trabalho com as crianças teve um
acréscimo, pois o curso me fez refletir. Gostei
de não ter tido formas prontas, embora
eu tenha ido atrás disso ao me inscrever,
procurando novas técnicas e receitas para
melhorar o trabalho…
Ajudou-me a ver de forma mais ampla e com
outros olhos as atividades das crianças, a
identificar o nível de cada uma, a mudar as
atividades em todos os aspectos e principalmente
a respeitar o resultado de cada um.
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Infância, arte e produção cultural
O curso foi proveitoso, pois possibilitou uma
revisão em relação a nossa postura diante
da Arte e da Educação Artística na Escola.
Ainda sentimos uma grande dificuldade em
propor atividades aos alunos, mas ao menos
possuímos uma outra visão do universo
artístico, antes misterioso.
O que possibilitou esta revisão?
Quando algo é considerado misterioso, significa que é
impossível de ser atingido, reservado; portanto, para aqueles
portadores de um dom especial. Como conciliar o inatingível
com o banal, o mistério com o supérfluo?
Na ausência de respostas, costumam optar pela exclusão: o
que não pode ser compreendido deve ser banido do currículo.
Ainda que possamos concordar com Mário de Andrade que
arte não se ensina (2), a linguagem das imagens é algo que pode
ser aprendido. E este aprendizado não pode ser considerado
banal, nem irrelevante, muito menos irresponsável. Penso que
esta descoberta leva a uma redefinição de alguns preconceitos
em relação à arte.
Tendo como apoio depoimentos recolhidos nos cursos,
procurarei sublinhar aspectos que se apresentaram mais
relevantes para uma maior compreensão da área.
Em primeiro lugar, considero importante o reconhecimento
da arte como linguagem, como uma forma de representação
e expressão, que opera por meio de cores, formas, linhas
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Infância, arte e produção cultural
e volumes, gestos e sons para criar imagens. Uma forma de
comunicação que serve para dizer o que as palavras não dizem.
Não deve, portanto, ser tratada como simples
entretenimento, mas como uma área do conhecimento com
conteúdos próprios, que precisam ser aprendidos para que
nos tornemos sujeitos falantes nas diferentes linguagens
artísticas.
Como qualquer aprendizado, requer um tempo, um
espaço e o respeito ao nível de desenvolvimento intelectual e
emocional de cada aluno, para que tenhamos uma noção clara
do tipo de trabalho que podemos propor em cada estágio. Isto
pode, também, evitar que caiamos na armadilha de julgar as
produções infantis a partir de critérios estéticos totalmente
incompreensíveis para as crianças.
Esta é uma tarefa que não depende de um dom ou talento
especial, mas que requer conhecimento, planejamento
adequado e constância. Não pode, portanto, ficar confinada a
dias de festa ou para quando sobra um tempo.
Para poderem expressar suas ideias e emoções com traços,
cores, formas, sons e movimentos, as crianças necessitam ter
experiências com materiais e procedimentos variados, para
que adquiram habilidades no uso de diferentes meios de
comunicação. Precisam de muito tempo e muitas oportunidades
para desenharem, pintarem, modelarem, construírem objetos,
dramatizarem estórias sonoras ou não, conquistando, assim,
um domínio sempre crescente sobre os instrumentos de
criação. Necessitam, também, de vivências significativas, que
serão o conteúdo de suas expressões.
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Infância, arte e produção cultural
A riqueza das imagens expressas nos desenhos, pinturas
e dramatizações, depende da quantidade e da qualidade das
experiências a que as crianças são submetidas.
Reg Butler diz que as oportunidades de criação de um
estudante de arte serão proporcionais à riqueza, à variedade e
à intensidade das experiências a que ele é submetido. Afirma,
também, que o importante não é apenas a diversidade, mas a
sequência das experiências. (3)
O que é verdadeiro para estudantes de arte também
é verdadeiro para crianças: elas precisam não só de um
grande espectro de experiências, mas também de uma
sequência coerente de atividades, de forma a possibilitar o
aprofundamento, tanto do conteúdo a ser aprendido, como da
forma de representação.
Se o professor estiver preocupado em oferecer sempre
uma novidade, sem se preocupar em relacionar as atividades,
o resultado poderá ser superficial e fragmentado. Mais
importante do que a variedade das informações é a possibilidade
de construir um conhecimento significativo.
Uma visita a um parque, por exemplo, pode desencadear
uma série de atividades relacionadas. O ponto de partida pode
ser a observação, seguida ou não, da coleta dos espécimes
que encontrarem. Esse material, quando levado para a
classe, pode resultar na classificação e seriação dos objetos
observados e ou coletados, possibilitar a discussão de suas
funções e atributos, desencadear pesquisas em livros, leitura
de poemas, histórias e vídeos sobre o assunto. Os desenhos,
pinturas, construções e estórias que resultarem desta série de
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Infância, arte e produção cultural
atividades traduzirão, com certeza, a riqueza das experiências
vividas.
Se, num segundo momento, tiverem a oportunidade de
observar como artistas expressaram os mesmos temas, em
diversos estilos e épocas, talvez possam estar mais atentos
à comparação dos diferentes modos de representação,
desenvolvendo, assim, um vocabulário expressivo mais amplo.
Porque o fazer artístico não se restringe a pintar um
quadro, compor uma música, encenar uma peça de teatro e
assim por diante. O fazer artístico é também se deter numa
pintura/desenho/colagem; é ouvir ou dançar uma música; é
assistir uma encenação teatral e assim por diante. Toda essa
relação de fruição é também fazer arte. É também exercício de
criação(4), de produção de conhecimento.
Estamos falando, portanto, de um processo de alfabetização,
que tem como objetivo tornar as crianças aptas a produzirem
e lerem produções visuais, cênicas e musicais. Quando
possibilitamos o acesso a uma multiplicidade de formas de
registro, por meio de diferentes instrumentos – desde o lápis,
o pincel, a câmera fotográfica, até o computador e o vídeo –,
ampliamos sua capacidade de interlocução com o mundo.
Qualquer assunto de interesse da classe pode gerar uma
sequência de atividades que amplie o repertório dos alunos.
Visitas a museus, a parques, ao bairro ou mesmo ao pátio da
escola podem ser desencadeadores de muitas experiências,
desde que o/a educador/a desenvolva uma observação e
uma escuta extremamente atenciosas aos diferentes olhares
e desejos das crianças. Quanto mais vivências significativas,
24
Infância, arte e produção cultural
maior será a riqueza das imagens produzidas.
O desenho, assim como a poesia, será, então, o resultado
de um certo olhar do sujeito sobre as coisas.
Em minhas aulas, nosso ateliê é a natureza,
uma horta medicinal ao lado de um pomar
em formação, ladeado por uma colmeia de
abelhas jataí (super inofensivas e delicadas),
dentro de um parque florestal maravilhoso.
Aí, cada um vai fazer o seu vaso, escolher sua
planta, plantá-la no seu vaso, enfeitá-la com o
papel colorido que quiser... Durante o trabalho,
vou orientando que o que estamos fazendo é
poético, que a poesia não é a palavra escrita
ou falada, que isso são gráficos e símbolos
para representarmos a poética que existe no
fato verdadeiro. E que a poesia é vida, é prazer,
é toda relação vivida desde que ela saiu de
casa… (Sebastião Vidal, poeta jardineiro)
É importante esta consciência de que as palavras, como as
cores, são apenas instrumentos que usamos para expressar o
que sentimos e pensamos. Quando conseguimos perceber a
analogia entre falar com as palavras ou com as cores, gestos ou
sons, fica mais fácil pensar porque a arte apresenta-se como
uma área privilegiada, a partir da qual podemos começar a
repensar as bases epistemológicas para uma pedagogia da
infância.
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Infância, arte e produção cultural
Repito: porque a arte reclama o homem inteiro, porque
opera a partir de imagens, envolvendo o pensamento,
sentimento, sensação e intuição.
Quando ampliamos o conceito de alfabetização para além
do verbal e entendemos que as crianças podem e devem ser
incentivadas a se expressarem também com linhas, cores,
gestos e sons, estamos ampliando, ao mesmo tempo, sua
capacidade de leitura do mundo. Alfabetização nas linguagens
artísticas não tem, consequentemente, nenhuma relação com
atividades decorativas, nem com entretenimento, mas com a
ampliação da capacidade de expressão pessoal e de leitura do
mundo. É atividade da maior seriedade, mesmo que aconteça,
e deva acontecer, dentro de um contexto lúdico.
Isto, porém, só será compreendido pelo sujeito que se
entregar à experiência, pois a função permanente da arte é
recriar para a experiência de cada indivíduo a plenitude daquilo
que ele não é, isto é, a experiência de toda a humanidade. A
magia da arte está em que, nesse processo de re-criação,
ele mostra a realidade como passível de ser transformada,
dominada e tornada brinquedo. (5)
Chegamos, então, ao cerne do problema: qual é o universo
imagético do professor/a? Qual é sua experiência com a arte
enquanto receptor/a? Qual é sua experiência com a criação?
Se a capacidade de criar é o que distingue a espécie humana
das outras espécies animais, esta condição, que nos distingue
como espécie, não nos concilia com um cotidiano em que
repetimos, incessantemente, as mesmas práticas pedagógicas,
esquecidos da emoção de produzir um conhecimento novo.
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Infância, arte e produção cultural
As obras de arte contam histórias de outras condições de
vida, de outras culturas, possibilitando-nos refletir, confrontar
e ultrapassar os limites do nosso cotidiano e, quem sabe,
...começar a recriá-lo?
E aqui se coloca a questão central: Como foi a educação
estética do educador/a?
Qual é o seu repertório referente a literatura, música,
pintura, cinema, poesia? Qual é a sua possibilidade de falar e
entender outras linguagens?
A razão pela qual a arte pode ser a base para repensarmos
uma pedagogia da infância está justamente na inteireza,
no modo como constrói conhecimentos. Porque não
compartimenta o sujeito, nem a forma de conhecer. Porque
possibilita conectarmo-nos com uma tradição, com o passado
e, ao mesmo tempo, abrirmo-nos para o desconhecido.
Thomas Moore (6) propõe que uma tela é um campo sobre
o qual podemos trabalhar nossa alma. A alma não sobrevive
conectada apenas às vivências cotidianas, mas necessita de
um contexto muito mais amplo. Precisa estar conectada com
uma tradição, com o passado. A família provê um pouco da
eternidade que a alma necessita.
Marsílio Ficino, na Renascença, dizia que, para prosperar,
a alma necessita de férias regularmente. Podemos pensar
em férias de forma superficial, mas ele se refere a algo muito
mais profundo. Ele diz que a alma necessita sair fora da vida
cotidiana, regularmente, todos os dias. Necessita sair fora
do mundo. Necessita ir para algum lugar desconhecido. Esta
é a experiência que a arte nos proporciona quando captura
27
Infância, arte e produção cultural
nossa atenção, porque nos faz parar e parar o mundo por
alguns minutos. Qualquer forma de arte que nos capture e nos
convide ao devaneio, estará nos prestando um grande serviço.
Estará nos proporcionando uma ocasião para a contemplação.
Perdemos a capacidade de contemplação enquanto cultura.
Não nos permitimos contemplar facilmente, pois parece-nos
que, enquanto contemplamos, não estamos realizando nada.
Um outro ponto a refletirmos sobre arte e alma, é que a
alma prospera no mistério. Gabriel Marcel mostrou, há muitos
anos, a diferença entre problema e mistério.
Parece-me que, atualmente, lidamos com todos os assuntos
da vida cultural como problemas, e não como mistérios. Um
problema está aí para ser resolvido, e o mistério para que
entremos nele inteiramente, para que nos iniciemos nele.
Neste sentido, mistério não significa um buraco negro, mas
uma possibilidade de iniciação, de transformação.
As crianças conectam-se facilmente com o mistério: se não
dá para rir, não dá para chorar, não dá para ter medo... não
tem graça a estória. A estória precisa capturar e transformar o
leitor/espectador. Instalar o estado de graça.
Chamando a arte para auxiliar-nos a repensar uma
pedagogia da infância, estou chamando eros para conversar
com logos. Estou chamando a pedagogia para dialogar com a
psicologia proposta por James Hillman, que vem tentando há
décadas estender a psicologia até o reino da arte, reconhecer a
psicologia como uma forma de arte em vez de ciência, medicina
ou educação porque a alma é totalmente imaginativa. A função
primária do ser humano é imaginar, não é ficar de pé, não é
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Infância, arte e produção cultural
fazer ferramentas ou fogo, não é construir comunidades ou
caçar ou plantar ou domesticar, mas imaginar todas estas
possibilidades. Estou trabalhando em direção a uma psicologia
da imagem, estou sugerindo uma psicologia que tenha como
ponto de partida os processos da imaginação. (7)
Penso que a Educação Infantil só irá se transformar,
quando os/as educadores/as se permitirem imaginar outras
formas de trabalhar com as crianças, quando se permitirem
imaginar outras formas de se relacionar com o conhecimento
e, portanto, com o mundo. E, nesse quesito, penso que a arte
pode ser de grande valia por ser, por natureza, revolução
permanente.
Fernando Pessoa propôs que :
O valor essencial da arte está em ela ser o
indício da passagem do homem pelo mundo, o
resumo de sua experiência emotiva, e como é
pela emoção e pelo pensamento que a emoção
provoca que o homem mais realmente vive na
terra, a sua verdadeira experiência, registra-a
ele nos fastos das suas emoções e não na
crônica do seu pensamento científico, ou dos
seus regentes e dos seus donos. (8)
Penso que a arte pode nos ajudar a refletir, com emoção,
sobre nossas práticas, ajudar-nos a rever posições, observarmonos melhor e observar mais atentamente nossas crianças.
29
Infância, arte e produção cultural
Porque a arte é o espelho onde nos vemos refletidos e
que, ao mesmo tempo, amplifica e reflete o mundo para que o
observemos melhor.
O mestre disse: a escrita não pode expressar
as palavras totalmente.
As palavras não podem
pensamentos totalmente.
expressar
os
Estamos, então, impossibilitados de ver os
pensamentos dos santos e dos sábios?
O mestre disse:
Os santos e os sábios estabeleceram as
imagens para dar completa expressão a seus
pensamentos... (9)
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Infância, arte e produção cultural
Referências Bibliográficas
(1) BARROS, Manoel de. Poesia Completa. São Paulo: LEYA, 2010.
(2) ANDRADE, Mário de. O Baile das Quatro Artes. São Paulo:
Livraria Martins Fontes, 1963. p. 11.
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Schocken Books, 1975. p. 40.
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Diadema: 1996, p. 145.
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1967. p. 252.
(6) MOORE, Thomas. The Liminal Zones of the Soul. In: GABLIK,
S. Conversations before the end of time. New York: Thames and
Hudson, 1995. p. 387-409.
(7) HILLMAN, James. O código do ser. Rio de Janeiro: Objetiva,
1996.
(8) PESSOA, Fernando. Obras em Prosa. Rio de Janeiro: Nova
Aguilar, 1982.
(9) I Ching – O livro das mutações. (Tradução: Richard Wilhelm
para o alemão e Gustavo C. A. Pinto para o português). São Paulo:
Pensamento, 1983.
31
Infância, arte e produção cultural
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Infância, arte e produção cultural
Ainda temos o céu!
Arte, infância e
Educação Infantil
Luciana Esmeralda Ostetto
Um convite, um seminário e uma pandemia no meio
O convite me foi feito, lá atrás, em 2019, quando nem
de longe imaginaríamos um cenário tão assustador e tão
degradante quanto o que estamos vivendo. Naquele tempo,
eu carregava a expectativa de conhecer a Paraíba, conhecer
pessoas, ampliar diálogos e compartilhar sensações, ideias,
saberes, fazeres, no calor da presença. Como seria agradável,
bonito, viajar, levar meu olhar e todos os sentidos a passear
por lá! Mas... uma pandemia se interpôs no caminho, que
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Infância, arte e produção cultural
não só destruiu a possibilidade da viagem esperada, como
trouxe consigo um lastro de frustração, de tristeza, de dor, de
medo.
Tendo chegado a data do seminário, vi-me com sentimentos
contraditórios: ao mesmo tempo sentia-me envolvida na
alegria de poder dialogar pelas janelas virtuais, único canal
viável para estar com as pessoas, sobretudo na distância
geográfica que nos separa; mas também era tomada por uma
tristeza profunda, que me conduzia a questionar se realmente
eu teria condições de participar. Minha vontade recôndita era,
para falar a verdade, ficar quietinha no meu isolamento, longe
da virtualidade.
Mergulhada no sentimento de impotência – e também de
raiva e de indignação pelo descaso com a vida, firmado pela
necropolítica em curso, orquestrada por um governo genocida
–, fui atravessada por perguntas que aumentavam meu
desconforto: Há algo mais a dizer, diante do absurdo instalado?
Faz sentido falar de arte e cultura em tempos pandêmicos,
quando a essencialidade da vida não é garantida? Quando
professores e professoras estão sendo submetidos a condições
aviltantes, estão sendo extremamente desrespeitados?
Mas o compromisso com o seminário já estava selado...
Respiro.
Buscando um fio de sentido que me reconectasse com
possibilidades, retomei lembranças de movimentos feitos
na quarentena, no início da pandemia, em 2020, pelo nosso
grupo de pesquisa, o Círculo de Estudo e Pesquisa Formação
de Professores Infância e Arte – FIAR. Essa lembrança, de um
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Infância, arte e produção cultural
movimento coletivo de reinvenção do cotidiano – e que se
chamou Fiar com o FIAR na quarentena –, foi a chama que
reacendeu o desejo de fala, que aqueceu a disposição para a
partilha, que me deu fios para compor narrativas e participar
do encontro. É com esse fio que começo.
Até chegar aqui...
Março de 2020. Crise sanitária instalada em decorrência
do novo coronavírus. Incertezas. Perplexidade. Semestre letivo
suspenso na universidade. Recolhimento à interioridade de si e
da casa. Tudo era novo. Uma novidade angustiante, dolorosa,
fatigosa, desesperadora até, porque atravessada pelo medo do
desconhecido vírus e sua letalidade. Mas era preciso não se
deixar desesperar. Aprendizagem: seguir em frente, afirmar a
vida, dia a dia. Caminho anunciado à mancheia: reinventar o
cotidiano. A disposição para aprender a navegar, a viajar, a viver
o encontro na virtualidade é imperativo! E fomos aprendendo
a continuar...
Retomando aos poucos as conexões interrompidas
bruscamente, passado o choque inicial, fomos fiando
possibilidades no coletivo, enfrentando os desafios,
questionando e entregando-nos à aprendizagem, para dentro e
para fora do grupo de pesquisa. Seria possível tecer encontros
de histórias, sentidos e sensibilidades no distanciamento da
virtualidade? Seria possível projetar e manter um espaço que
se constituísse como um território arejado, animado, ou seja,
cheio de vida? Apostamos que sim. Com calma, delicadeza e
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Infância, arte e produção cultural
vontade de aprender a fazer e a estar junto “pelas telas”, na
página do grupo no Facebook (@fiar.pesquisa), criamos a ação
Fiar com o FIAR na quarentena, na qual a cada dia publicávamos
uma proposta-fio que alinhavava convites à reflexão, a sentir, a
pensar, a fazer:
Segunda-feira: FIAR com... Museus;
Terça-feira: FIAR com... Educação e Arte;
Quarta-feira: FIAR com... Literatura;
Quinta-feira: FIAR com... Sons e Canções;
Sexta-feira: FIAR com... Propostas de Educação Antirracista.
Foi um movimento de abrir janelas para diálogos no
ambiente virtual e que, no percurso, indicou não só a pertinência
de se fazer formação e pesquisa, redimensionando-as pela
reinvenção de tempos e de espaços, mas também a urgência
em fazê-las.
Para criar um espaço-janela que convidasse ao cuidado de
si e do outro, que fosse encharcado de vida, a ocupação do
ambiente virtual precisou de uma curadoria, compreendida
como ação de selecionar e de organizar forma e conteúdo
da publicação, segundo critérios e objetivos pretendidos
(MARTINS, 2006). A prática da curadoria, experimentada
pelas componentes do FIAR, implicou desenvolver uma
concepção expositiva dos conteúdos e das imagens que seriam
disponibilizados na página oficial do grupo no Facebook. Assim,
envolveu investigação em duas direções: 1) sobre repertórios
artísticos, teóricos e imagéticos, que comporiam o conteúdo;
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Infância, arte e produção cultural
2) sobre a forma, sobre como os conteúdos seriam colocados
em exposição. Desse modo, a curadoria virtual que praticamos
moveu escolhas tendo no horizonte a provocação de diálogos,
convites a olhar, pensar, sentir, rememorar, narrar, intimamente
ligadas aos princípios do grupo de pesquisa, que tem seu foco
na formação estética.
Das propostas compartilhadas ao longo das publicações,
escolhi começar essa conversa com uma das propostas
partilhadas em maio de 2020, na ação Fiar com Educação e
Arte e na Pandemia.
Fotografia apresentada no V Seminário Nacional de Educação Infantil da UFCG.
Fonte: a autora (2021).
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Infância, arte e produção cultural
Uma proposta colocada como provocação ao deslocamento
– do corpo, do olhar, da disposição –, a partir da inegável
constatação de que, na quarentena que atravessávamos,
estávamos passando por momentos difíceis, envoltos em um
cenário desconhecido e assustador. Mas... contudo e além de
tudo, ainda tínhamos o céu, sua abertura ao infinito, que em
beleza, leveza, movimentos e mutações, convida à imaginação:
projetar-se. Com o arte-educador norte-americano Eisner
(2008), a publicação chamava atenção para o exercício de
exceder a capacidade de visão.
O nosso destino é mudar a visão social daquilo que
as escolas podem ser. Não vai ser uma caminhada
fácil, mas quando os mares parecem demasiado
traiçoeiros para viajar e as estrelas demasiado
distantes para tocar, devemos lembrar-nos da
observação de Robert Browning “o alcance de um
homem deve exceder a sua capacidade ou para que
serve um céu?”. (EISNER, 2008, p. 12).
E fazia um convite:
Vá até sua janela e olhe o céu.
Consegue fazer uma foto?
Quer compartilhar com a gente?
Vamos exceder nossa capacidade de ver-sentirprosseguir! (@fiar. pesquisa)
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Infância, arte e produção cultural
O convite foi aceito. E foram muitas as imagens
compartilhadas, revelando olhares e deslocamentos de quem
se colocou em movimento a partir do diálogo com os conteúdos
e as formas disponibilizados por nós.
Capturas de olhares para o céus.
Fotografias compartilhadas por seguidores na página @fiar.pesquisa (maio/2020).
Com a participação dos visitantes na página do FIAR no
Facebook, com a disposição revelada na produção da foto e
na partilha da imagem, ficou claro que a paisagem-céu vista
da janela de cada pessoa, também compunha a superfície
existencial do cotidiano. Ficou clara a oportunidade para
39
Infância, arte e produção cultural
aguçarmos os sentidos, ampliar nossa formação estética. Pois
educação estética não diz respeito apenas ao contato e/ou
conhecimento da arte.
Educação estética não é apenas aprender a ouvir
uma música, a cantar uma cantiga, a observar uma
pintura, a dançar, a fazer teatro, a ler literatura. [...]
o estético é aquilo que cada um é em sua superfície
existencial, porque o importante é o como são
desafiadas e afiadas as cordas do tempo e da
transformação inevitável. (GALEFFI, 2007, p. 104).
Dimensão estética, educação infantil: beleza, maravilhamento, experiência com o mundo
Da tradição filosófica clássica, encontraremos a estética
definida a partir do vocábulo grego aisthesis, “[...] que
significa sensação, sensibilidade, percepção pelos sentidos ou
conhecimento sensível-sensorial” (HERMANN, 2005, p. 25).
Mas os significados envolvidos na palavra estética podem
ir além de sensopercepção – ou percepção pelos sentidos.
Um autor que temos estudado no nosso grupo de pesquisa,
James Hillman, escava a raiz do vocábulo e relaciona aisthesis/
estética com a ação de inspirar, absorver ou conduzir o
mundo para dentro. Ele diz: “Primeiro significa aspirar ou
inspirar as apresentações literais das coisas profundamente.
A transfiguração da matéria acontece pelo maravilhamento”
(HILLMAN, 2010, p. 49).
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Infância, arte e produção cultural
M.A.R.A.V.I.L.H.A.M.E.N.T.O.
Eis uma marca da reação estética, que pode revelar-se pela
respiração entrecortada, pela expressão de espanto e surpresa
que toma nossos sentidos, quase como um susto que nos
paralisa, diante de algo que nos afetou. E exclamamos: “Ahhhh!
Uau! Nossa!” Sinal de que os sentidos foram afetados. Mais
que isso: de que fomos atraídos para a vida. Fomos tocados
pela beleza.
Nesse caso, beleza não é o mesmo que embelezamento,
preocupado com o bom gosto, o simples, o agradável, o
bonitinho; mas diz respeito a uma questão maior, e que vai
além da arte, de objetos de arte, de história da arte e da
estética como disciplina filosófica. Refere-se a reconhecer a
sensibilidade do cosmo, do mundo – que tem texturas, tons,
gostos, que é atraente, que nos convida (HILLMAN, 2010, p.
45). Nesse caso, a beleza é a nossa sobrevivência. Ou, como
diria o compositor Jorge Mautner, a quem tenho apreço em
citar: “Belezas são coisas acesas por dentro” (MAUTNER apud
OSTETTO, 2014).
Para reconhecer a presença da beleza, para deixar-se tocar
por ela, é preciso cultivar uma outra espécie de tempo, pausado,
acolhedor, receptivo; um tempo que acolhe o pensamento, mas
que passa pelo coração: a resposta estética, que reconhece a
beleza, que acende coisas por dentro, vem do coração.
O que isso significa? No seu ensaio “Anima mundi, o retorno
da alma ao mundo”, James Hillman (1993; 2010) diz que em
todas as coisas há alma e, portanto, tudo tem importância para
a vida psíquica. Com base no platonismo e no pensamento
41
Infância, arte e produção cultural
renascentista de Marsilio Ficino (1433-1499), ele relembra
que o mundo é almado, e, assim, coloca em xeque o sistema
recorrente que separa sujeitos animados e objetos inanimados.
As coisas ao nosso redor falam: em suas cores, texturas, formas,
atmosferas e expressões. Nós somos com o mundo!
Nessa direção, tomar a dimensão estética como um dos
princípios para as propostas pedagógicas na Educação Infantil,
como já anunciado pelas Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação Infantil (BRASIL, 2009), implica o exercício
de reconhecer (ou devolver) sentido às coisas comuns do
mundo, com propostas e movimentos curriculares que, em
seu conteúdo e sua forma, estejam voltados para reparar nas
miudezas – no que pareceria despropósito, restos, desperdício
(para lembrar o poeta Manoel de Barros, conhecido nosso) –,
voltados a perceber o extraordinário no ordinário, a (re)compor
forças e propósitos para (re)animar a vida.
Falar da dimensão estética, no sentido que aqui exponho,
é ponderar sobre uma educação com alma: que conduz
à inteireza, pela (re)conexão com a energia criadora-vital,
pelo (re)encantamento que percebe belezas no caminho
compartilhado com as crianças e, ao mesmo tempo, inventa
caminhos atravessados pela beleza.
Tomar a dimensão estética como um dos princípios da ação
docente e das propostas pedagógicas para/com as infâncias,
tem múltiplos significados, dos quais enumero alguns: ir
além de conteúdos/temas/atividades/propostas de teor
artístico, para tecer encontros: crianças e docentes em sua
integralidade, mente e corpo, emoção e razão, pensamento e
42
Infância, arte e produção cultural
sentimento, reflexão e ação; buscar outros itinerários, romper
hábito, cultivar a imaginação: o ato de imaginar o mundo é
que anima o mundo, como também já dissera Hillman (2010);
experimentar/criar práticas cordiais, ou seja, conectadas
pelo coração. Não o coração dos românticos, mas o coração
concebido pela antiga tradição filosófica de Florença: o coração
como o órgão responsável pela percepção e pela imaginação,
“centro da resposta estética” (HILLMAN, 2010, p. 94). Não
esqueçamos: imaginar e sentir são inseparáveis!
Seguindo nessa direção, o estético está em íntima
relação com os processos de percepção, de imaginação, de
interpretação, no mundo e com o mundo, por meio dos quais
a sensibilidade é alargada. Como diz a atelierista italiana Vea
Vecchi (2006, p. 15-16): “A dimensão estética pressupõe um
olhar que descobre, que admira, que se emociona. É o contrário
da indiferença, da negligência e do conformismo”.
De tal forma, pensar a dimensão da sensibilidade, a
dimensão estética, nas propostas pedagógicas, na Educação
Infantil e na formação docente, não tem a ver apenas com
ensinar arte, seja nos aspectos do fazer, do apreciar ou do
conhecer. Como venho ponderando, a partir do lugar de uma
pedagoga que dialoga com o campo de conhecimento da arte,
o estético não se reduz à cultura artística, transcende qualquer
conteúdo da arte. Vai além do ensinar a ouvir música, a cantar
uma cantiga, a observar uma pintura, a desenhar e pintar, a
dançar, a fazer teatro, a ler literatura. O estético, no sentido
que venho discutindo, está relacionado aos modos de ser e
estar no mundo/com o mundo, às maneiras como afetamos e
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Infância, arte e produção cultural
somos afetados pelo mundo – a natureza, a arte, a cultura, a
sociedade (OSTETTO, 2006; 2008; 2016; 2017; 2019).
Contemplar arte e cultura na Educação Infantil, como
parte dos princípios estéticos, implica a construção de um
pensar-fazer que se vai estruturando por meio de desafios, ao
contrário da simples proposição de trabalhinhos às crianças.
Propostas isoladas, oferecidas pelo professor para as crianças
executarem, sem espaço-tempo para criação; atividades
pobres na concepção e na forma, às quais a resposta já é
prevista, e o resultado é projetado como um padrão. Sem alma.
Sem coração. Sem estesia. Anestesiadas. Enquadradas. Como,
aliás, muitas “aulas remotas” do contexto pandêmico, cujo
espetáculo de horrores, de pobreza estética e de afronta ao ser
de poesia que é a criança, podemos testemunhar pelas redes
sociais. Quantos equívocos!
A regra e a repetição de modelos são estranhas ao processo
criador, à aprendizagem e ao desenvolvimento das linguagens
artísticas e expressivas, negam os princípios estéticos
recomendados como base para as propostas pedagógicas!
Arte e criança não podem ser aprisionadas em modelos, em
regras, reduzidas a um passo a passo que demonstra como
fazer... Esses procedimentos didáticos, tão comuns, são o que
tenho chamado de automatismos pedagógicos, realizados de
maneira mecânica, sem a pausa necessária para a reflexão, sem
ouvir e ver os movimentos das crianças, como autora, e para
onde está direcionada sua curiosidade, como processo. Pensar
a arte na Educação Infantil, pela via dos princípios estéticos,
é dar espaço-tempo para imaginação, fruição, liberdade de
44
Infância, arte e produção cultural
expressão, pesquisa, experiência. Dar espaço-tempo para a
criança e sua criação: sem fixar padrões e caminhos, abrindo e
apoiando percursos de experimentação, com todos os sentidos.
Trabalhar com a arte, a cultura, pelos princípios da ludicidade,
da criatividade, da sensibilidade estética, é abraçar a incerteza,
dialogar com diferentes materialidades, saborear o gosto do
mistério, investigar possibilidades, entregar-se à novidade e
não temer a aventura do desconhecido. De corpo inteiro.
Se nos orientamos pelos princípios estéticos, olharemos
pela janela para mirar o céu, o infinito, a abertura sem limites.
Daremos atenção ao instante que causa maravilhamento,
que solicita e movimenta todos os sentidos da criança no
envolvimento com as materialidades, objetos e espaços, tal
qual um pesquisador – CIENTISTA ou ARTISTA! Afinal, como
bem acentuou Augusto Rodrigues (2019, p. 30), “Sabemos que
a arte permite ao homem descobrir sua singularidade, não se
trata só da arte. É um trabalho simultâneo de ciência e arte,
que ora começa pela ciência e acaba em arte e vice-versa. O
processo começa e não tem fim. Essa é a beleza do processo. É
uma busca constante”.
De outro modo: É valorizar o processo. É focar na experiência
acontecendo. Os resultados também são importantes, mas
são secundários, importam menos. Isto porque, quando as
crianças estão entretidas manuseando, mexendo, construindo,
desconstruindo, rabiscando, pintando, melecando, não estão
criando necessariamente uma obra de arte, um produto visível,
mas, como coloca a artista e arte-educadora dinamarquesa
Anna Marie Holm (2007, p. 14), estão criando “algo próprio,
45
Infância, arte e produção cultural
que está além disso”. A principal transformação está
acontecendo internamente, no seu corpo, no seu pensamento.
É o processo desencadeado pela experimentação que provoca
o pensamento criativo. Quando a criança manipula, junta e
transforma materiais, ela também transforma e produz ideias,
sentimentos e significados simbólicos (OSTETTO, 2008).
Incorporar os princípios estéticos, da sensibilidade estética,
no cotidiano educativo, impõe deixar de lado concepções e
práticas já cristalizadas a respeito do que seja uma “atividade
pedagógica”, determinando tempo e lugar “para ensinar” (arte
ou outra área de conhecimento). Mas também não significa
deixar a criança a sua própria sorte, como quem pensa “ela deve
fazer do seu jeito, quando quiser” ... É mais que o processo. É
mais que o produto. É perceber que entre processo e produto
há um produtor-criador: A CRIANÇA, que pensa e faz, com o
corpo todo (OSTETTO, 2016).
As linguagens e a brincadeira do educador
No meio de toda esta história estamos nós, professoras
e professores, que, ao longo dos anos, escondemos nosso ser
brincante, nos esquecemos das brincadeiras, deixamos de
viajar na imaginação, paramos de inventar histórias. Não é bem
verdade que, adultos, já não brincamos? E lembro aqui de um
comentário do criador da Escola de Arte de Brasil:
O mundo está cheio de pessoas que, quando
crianças, ganharam inúmeros prêmios de canto,
desenho, dança etc. e que, uma vez adultos,
46
Infância, arte e produção cultural
acabam como certos burocratas, de sensibilidade
viciada, que não pressentem a existência de valores
artísticos e que nem sequer têm olhos para, da
janela de sua repartição, descobrirem a paisagem.
(RODRIGUES, 2019, p.42)
Para seguir alimentando processos criativos e criadores
com as crianças na Educação Infantil, é imprescindível que o
professor saia em busca, se aventure por caminhos dantes não
percorridos, ampliando sensibilidades e olhares no encontro
com o outro, com a cultura. É indispensável redescobrir
sentidos, sondar o que lhe encanta, o que lhe mobiliza, o que
lhe emociona. Identificar que fazeres e saberes foram deixando
ao longo do caminho, desde a criança que foi, ao adulto que é
hoje.
E por onde começar? A arte nos sinaliza. Eu me calo e desejo
que a poéticas das imagens e do poema reverberem em seus
corações, pensamentos, corpo inteiro, e fertilizem caminhos.
Agradeço a atenção. Que continuemos na resistência, na
luta, na esperança!
Saúde, arte, pão, vacina e educação para toda a gente!
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Infância, arte e produção cultural
Reprodução da pintura de René Magritte: A promessa (1950).
Daí se devia começar: o céu.
Janela sem parapeito, sem moldura, sem vidraça.
Uma abertura, nada além,
mas largamente aberta. (Wislawa Szymborska)
(Re)começos. Composição com fotografia e poesia de Szymborska (2016).
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Infância, arte e produção cultural
Referências Bibliográficas
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Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Diário
Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, n. 242, p. 18-19, 18 dez.
2009.
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GALEFFI, D. A. Educação estética como atitude sensível
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Aberto, Brasília, v. 21, n. 77, p. 97-111, jun. 2007.
HERMANN, N. Ética e estética: a relação quase esquecida. Porto
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HILLMAN, J. Cidade & Alma. São Paulo: Studio Nobel, 1993.
HILLMAN, J. O pensamento do coração e a alma do mundo.
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HOLM, A. M. Baby-art: os primeiros passos com a arte. São
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MARTINS, M. C. Curadoria educativa: inventando conversas.
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OSTETTO, L. E. A arte no itinerário da formação de professores:
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50
Infância, arte e produção cultural
52
Infância, arte e produção cultural
Lei 13006/2014 e
sua proposta de
regulamentação
Adriana Fresquet
No contexto atual, a principal política pública de
cinema e educação consiste na Lei 13006, sancionada em
26/06/2014. Outro acontecimento de análise fundamental
seria o acordo assinado em 2016 entre os Ministérios
de Cultura e de Educação e a Base Nacional Comum
Curricular (BNCC), onde ela não aparece como linguagem
artística obrigatória, mas sim incluída como habilidades
da Língua Portuguesa, Arte e Língua Estrangeira no Ensino
Fundamental, e da Área de Linguagens e suas Tecnologias
no Ensino Médio. Porém, neste texto nos referiremos
53
Infância, arte e produção cultural
apenas à Lei e sua proposta de regulamentação, entregue ao
Conselho Nacional de Educação em 2016.
Nesta introdução, vamos focar no projeto de lei que deu
lugar à Lei 13006/2014. Ele foi apresentado em 2008, pelo
senador Cristovam Buarque (PL 185/2008), inicialmente
acrescentando o parágrafo 8o ao artigo 26 da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional – Lei 9394, de 20/12/1996. A
proposta era que “a exibição de filmes de produção nacional
constituirá componente curricular complementar integrado
à proposta pedagógica da escola, sendo a sua exibição
obrigatória por no mínimo duas horas mensais.” Esse projeto
percorreu uma longa estrada, cercado de resistências,
que foram desaparecendo no final do caminho. Uma das
discussões mais intensas foi definir se a exibição de filmes
deveria ser parte do currículo complementar integrado
à proposta pedagógica da escola ou como conteúdo
programático da disciplina “Arte”. Nesta opção, a exibição
de filmes nacionais seria apenas um indicativo e não uma
obrigatoriedade. Em 05/06/2014, um substitutivo relatado
pelo senador Cyro Miranda, que modificava a matéria da Lei
nessa direção, foi rejeitado. Com os cumprimentos ao autor
do projeto de lei original, o senador Cristovam Buarque,
o projeto 185/2008 teve a seguinte redação: “A exibição
de filmes de produção nacional constituirá componente
curricular complementar integrado à proposta pedagógica
da escola, sendo a sua exibição obrigatória por no mínimo
duas horas mensais.” Finalmente, em 09/07/2014, a
presidenta Dilma Rousseff transformou o projeto na Lei
54
Infância, arte e produção cultural
13006, sancionada em 26/06/2014, sendo publicada no
Diário Oficial da União (DOU) ano CLI, número 121.
As informações disponíveis na página do Senador nos
levam a pensar que a proposta desta Lei foi motivada mais
pela necessidade de apoiar a indústria do cinema do que
pelo reconhecimento da potência do cinema como gesto
de conhecimento, atenção e cuidado ao mundo. O autor do
projeto de lei justificou sua proposição conferindo um lugar
especial à necessidade de apoiar a indústria cinematográfica
nacional. O parlamentar explicou que “a única forma de dar
liberdade à indústria cinematográfica é criar uma massa de
cinéfilos que invadam nossos cinemas, dando uma economia
de escala”. A parte mais pedagógica da justificativa indica que
A ausência de arte na escola, além de reduzir a
formação dos alunos, impede que eles, na vida
adulta, sejam usuários dos bens e serviços culturais;
tira deles um dos objetivos da educação, que é o
deslumbramento com as 'coisas belas'. O cinema
é a arte que mais facilidade apresenta para ser
levada aos alunos nas escolas. O Brasil precisa de
sala de cinema como meio para atender o gosto dos
brasileiros pela arte e ao mesmo tempo precisa usar
o cinema na escola como instrumento de formação
deste gosto.
E continuou: “os jovens que não tem acesso a obras
cinematográficas ficam privados de um dos objetivos
fundamentais da educação: o desenvolvimento do senso
55
Infância, arte e produção cultural
crítico”. Cabe destacar que ele não define que tipo de filmes
serão exibidos nas escolas, nem como eles serão escolhidos,
além de também não fazer referência a quem deverá custear
sua aquisição, infraestrutura e dispositivos para a execução
da Lei. Suas justificativas multiplicaram nossas perguntas, e
por isso decidi entrevistá-lo pessoalmente durante a RIO +
20. A entrevista, filmada em 2012, foi discutida no marco dos
encontros da Rede Latino-Americana de Educação, Cinema e
Audiovisual (REDE KINO), que desde 2008, no evento anual da
Mostra de Cinema de Ouro Preto, tem reservado a cada ano de
encontro uma mesa de debates destinada exclusivamente para
esclarecer, refletir, criticar e fazer propostas em torno da Lei.
Nesses encontros, pudemos identificar algumas proximidades
e certas distâncias com as intenções e justificativas existentes
na origem de sua proposição, cujos fundamentos não pareciam
tomar a escola como foco, ou pior, formulando uma crítica
impiedosa da escola como lugar obsoleto e entediante, no
qual o cinema deve emergir como possibilidade de atualização
tecnológica e de amenidade das rotinas escolares.
Em 2015, um ano depois de sancionada a Lei, foi criado um
Grupo de Trabalho com o propósito de elaborar uma proposta
para regulamentação e encaminhá-la para o Conselho Nacional
de Educação (CNE), cujas contribuições apresentaremos mais
adiante.
A proposta de regulamentação da Lei 13006/2014
Em 2015, com o reconhecimento da centralidade da
cultura nos processos formativos, o MinC criou a Secretaria de
56
Infância, arte e produção cultural
Educação e Formação Artística e Cultural – SEFAC, consolidando
e ampliando programas e ações já existentes pela parceria
com o MEC, para a formação e qualificação artística e cultural,
fomentando o diálogo entre as diversas práticas culturais
(populares e tradicionais) e a educação formal. Em relação
à Lei 13006/2014, a SEFAC criou um grupo, denominado GT
Cinema na Escola, constituído por ocasião da 14ª Mostra de
Cinema Infantil de Florianópolis, durante o Encontro Nacional
do Cinema Infantil, em que se reuniram na capital catarinense
o Secretário do Audiovisual, Paulo Roberto Vieira Ribeiro;
a Secretária de Formação Artística e Cultural, Juana Nunes
Pereira – ambos representando o Ministério da Cultura –; o
Diretor de Currículos e Educação Integral do MEC, Ítalo Dutra;
o Diretor da Agência Nacional de Cinema (ANCINE), Roberto
Lima; e representantes da sociedade civil: Cláudia Mogadouro
(Grupo Cinema Paradiso), Beth Carmona (Com Kids), Maria
Angélica Santos (Programa de Alfabetização Audiovisual, RS),
Luiza Lins (Mostra de Cinema Infantil Florianópolis, SC), Carolina
Barbosa Lima e Santos (Conselho Nacional de Cineclubes), Érika
Fernandez Vieira Barbosa (Ministério de Educação), Adriana
Fresquet (CINEAD/LECAV, Faculdade de Educação da UFRJ) e o
diretor e roteirista Federico Cardoso (Congresso Brasileiro de
Cinema).
Esse Grupo de Trabalho, de caráter interministerial, no
âmbito do Ministério da Cultura e do Ministério da Educação,
teve por objetivo elencar os principais tópicos a serem
estudados para que a Lei conseguisse chegar a todas as escolas
do Brasil de maneira orgânica e com sucesso. O GT ficou
57
Infância, arte e produção cultural
composto pelos subgrupos de “formação docente”, “acesso”
e “fomento”. O trabalho coletivo e integrado aconteceu nas
instalações da Secretaria de Educação e Formação Artística e
Cultural. Foram realizados três encontros presenciais, nos dias
27/08, 24/09 e 28/10/2015, e vários encontros virtuais. Desse
processo surgiu um denso texto, constituído por reflexões,
princípios e propostas a curto, médio e longo prazos, que foi
apresentado e entregue – depois de uma explicitação dos
seus principais pontos em uma reunião de aproximadamente
duas horas – ao CNE em 04/05/2016, nas mãos do conselheiro
Cesar Callegari, por Carla Dozzi e Vanessa Louise Batista, em
representação do Ministério de Cultura; e Luiza Lins e Adriana
Fresquet, em representação dos membros da sociedade civil.
Em 09/11 do mesmo ano, o GT CINEMA NA ESCOLA visitou
novamente o CNE, na expectativa de algum retorno sobre o
andamento do projeto, e obteve como resposta que a Proposta
de Regulamentação da Lei 13006/2014 ainda não tinha entrado
em pauta no CNE.
O texto da proposta, redigido pelas autoras do subgrupo
Formação Docente (FRESQUET, et al, 2016), foi inspirado na
Carta de Educação da Mostra de Ouro Preto de 2015, onde
os membros da Rede Kino se encontram presencialmente
a cada ano. Ao finalizar o evento, a Rede elabora uma carta
que expressa o estado da arte, as intenções, necessidades e
demandas para o ano próximo. Todas podem ser lidas no site
da Rede1. A publicação é introduzida pelas imagens da Lei
13006/2014, publicada no Diário Oficial da União do dia 26/06/,
e da portaria que nomeia o GT Cinema na Escola.
1
Disponível em: <https://www.redekino.com.br/memoria/>. Acessível em: 8 out. 2019.
58
Infância, arte e produção cultural
59
Infância, arte e produção cultural
60
Infância, arte e produção cultural
No texto se introduz parte do histórico do processo de
constituição do GT e, tomando a liberdade de parafraseá-lo, ele
propõe pensar a formação audiovisual como uma ampliação
da cultura escolar, não apenas como uma linguagem artística,
mas polissêmica, que abrange as diversas formas de leitura de
mundo, sensibiliza o intelecto e amplia as formas de produção
colaborativa de conhecimento, além de sugerir medidas a curto,
médio e longo prazos, atravessando os entes federados, no que
diz respeito aos processos de formação inicial e continuada
de professores, nos diferentes níveis de ensino, e de agentes
culturais. Explicita:
Partimos do entendimento de que a formação
docente não se esgota no âmbito da educação
formal, tendo em vista a alta complexidade de
todo o processo formativo, notadamente aqueles
que tensionam saberes e práticas de diferentes
campos do conhecimento. Assim sendo, apontamos
a necessidade da consolidação das parcerias
já existentes entre Universidades, escolas de
Educação Básica, cineclubes e toda uma variada
e extensa gama de instituições e iniciativas que
compõem este processo formativo, bem como,
do estabelecimento de novas redes de formação.
Afirmamos a perspectiva de se trabalhar com obras
audiovisuais na escola como experiências estéticas
portadoras de conhecimento próprio, em diálogo
com diferentes conhecimentos disciplinares, em
espaços e tempos diferenciados, que podem
61
Infância, arte e produção cultural
atravessar o horário de turno e/ou contraturno,
no formato de aula, cineclube, inclusive oficina
de produção audiovisual. O cinema na escola
coloca entre outras questões as visualidades
que temos e aquelas que pretendemos construir
com a educação escolar. Desejamos que esse
encontro com o cinema, que terá como cenário
fundamentalmente a escola, possa congregar na sua
realização prioritariamente aos professores, mas
também às autoridades escolares, coordenadores,
funcionários, estudantes, responsáveis envolvendo
aos bairros e comunidades onde estão inseridos o
planejamento e execução das tarefas necessárias
para seu andamento. A formação, dirigida
prioritariamente aos professores, estará aberta
a toda a comunidade escolar interessada em
participar. É preciso também pensar em formas
de valorizar e respeitar a organização do trabalho
dos professores e considerar a intensificação da
atividade docente a partir das novas demandas
exigidas para a escola na contemporaneidade.
Assim, a Lei 13006 deve ser cumprida dentro da
carga horária dos professores. A escola cumprirá
a lei quando todos os estudantes e professores
cumpram as 2 horas. (2016, pp. 181-182).
O grupo ainda cita as limitações do aparelhamento escolar,
divulgadas pelo INEP em 2014 (citadas acima neste artigo), e
alerta em relação a alguns riscos próprios de um tema tão caro
ao mercado:
62
Infância, arte e produção cultural
Entendemos que a aplicação da Lei e a presença
do cinema na escola não deve atender à exigências
e modos de produção que deem continuidade
às práticas impostas pelo mercado. Não se trata,
portanto, de uma política de formação de plateias.
Práticas de alteridade, formas de perceber e
inventar o mundo e a si mesmo, conhecimento
que se produz com a experiência, o cinema na
escola é uma ação essencialmente política. De
uma política fortemente marcada por princípios
educacionais e o reconhecimento de uma educação
compartilhada que compreende o processo e não
apenas seus resultados, que promove a autonomia
e o protagonismo dos estudantes e oferece mais
elementos e ferramentas para que os professores
possam potencializar suas práticas de ensino.
(2016, p. 282).
Em relação aos tipos de filmes que o grupo sugere circular
nas escolas, há uma observação bem específica que, inclusive,
se detalha mais quando são apresentados nos tempos de
previsão da execução em curto, meio e longo prazos, visando a
incluir outras imagens, diferentes das que o mercado nos obriga
a ver em qualquer espaço doméstico ou público, elevadores,
transportes, etc.
Propomos a circulação de um vasto universo de outras
imagens realizadas no país, que refletem também
nossa diversidade étnica, geográfica, cultural,
social, e não representam a força hegemônica
63
Infância, arte e produção cultural
e centralizadora dos grandes conglomerados
midiáticos e as agências de comunicação. Produções
independentes, amadoras, coletivas, financiadas
ou não pelo Estado, que certamente revelam
as contradições e contrastes do nosso povo,
reconhecendo nossas diferenças. Defendemos
então, para a aplicação da Lei, mecanismos e
soluções que não financiem a iniciativa privada
dos setores de produção, distribuição e exibição
de filmes e audiovisuais. Sugerimos formas
colaborativas de organizar o que já existe; de tornar
visível o que já é público; de enunciar os direitos
de todos ao acesso desses filmes já produzidos;
de garantir a integridade dos espaços já existentes
para que os encontros entre o cinema e a educação
sejam frutíferos. E, sobretudo, formas abertas e
múltiplas de autonomia para os professores e toda
a comunidade escolar, garantindo que a inclusão
do cinema brasileiro nas escolas seja orgânica e
responsável, atenta ao caráter ético, estético e
político do cinema e da educação brasileira. (2016,
pp. 282-283).
A seguir, o texto enfatiza a importância da criação e difusão
de cineclubes, em contexto escolar e como uma alternativa ao
que circula massiva e hegemonicamente na mídia. Enfatiza a necessidade do CNE levar em conta esta proposta na sua proposta
de regulamentação da Lei 13006 e destaca a fundamental
contribuição para a elaboração da mesma na Carta de Educação
de Ouro Preto de 2015 e no documento providenciado pelo
64
Infância, arte e produção cultural
CNC – Centro Nacional de Cineclubes Brasileiros, incluindo
os seguintes quadros, cujas imagens elencamos a seguir,
comentando passo a passo e desmembrando a apresentação
em forma de tabela (FRESQUET et al, 2016, pp. 184-189):
CURTO PRAZO
MÉDIO PRAZO
Induzir processos colaborativos entre
audiovisual e educação para a elaboração de uma matriz curricular comprometida ética e esteticamente com
a formação dos professores da rede
pública de educação básica no Brasil.
Fortalecer os processos colaborativos
entre audiovisual e educação para ampliação e aprofundamento das ações
de formação dos professores da rede
pública de educação básica no Brasil.
IDEM
Prever, para futuros editais, a exigência
de retorno de interesse público, depois
de um período de exploração comercial,
garantindo o direito de exibição nas
escolas de todos os filmes produzidos
com o recurso público, incluindo
ações de formação e conservação
do patrimônio do cinema nacional,
articulando atores de educação, de
produção e preservação, assim como
incluir tecnologias assistivas.
Incluir nos editais de produção de
filmes a exigência de retorno de interesse público, garantindo o direito
de exibição nas escolas de todos os
filmes produzidos com recurso público, incluindo ações de formação e
conservação do patrimônio de cinema
nacional, que articulem atores de educação, produção e preservação.
IDEM
Licenciamento pelo Ministério da
Cultura de obra pronta para a TV ESCOLA e outros veículos digitais educacionais de responsabilidade do Ministério da Educação.
IDEM
IDEM
Garantir cota de exibição de Obras em
exibição no circuito comercial.
IDEM
IDEM
LONGO PRAZO
Nesse primeiro quadro há uma ênfase clara em mancomunar
o esforço que vem das instâncias do audiovisual e da educação,
para fazer acontecer experiências de cinema na escola
comprometidas ética e esteticamente com a proposta curricular
e com a formação de professores. Outro aspecto essencial
consiste em definir um período de exploração comercial, para
que depois os filmes possam circular livremente pelas escolas.
Dado que a União financiava toda a produção do filme, espera-
65
Infância, arte e produção cultural
se que o Governo não tenha que pagar novamente para eles
circularem pelas instituições educativas, prevendo aspectos
de preservação e conservação dos mesmos. Faz-se um
reconhecimento legítimo da ação da TV Escola na divulgação
e difusão dos filmes nacionais, agente de comunicação que
consegue fazer chegar sua programação por sinal analógico
aos municípios que ainda não possuem sinal digital no Brasil.
CURTO PRAZO
MÉDIO PRAZO
Incentivo do MEC à inclusão das teorias de aprendizagem e dos processos
de ensino-aprendizagem relacionados à linguagem cinematográfica e à
prática cineclubista nos cursos de licenciatura e nos demais cursos de formação para profissionais da educação,
inclusive em nível de pós-graduação.
Reconhecer que a educação audiovisual
é prioritária para a transformação da
escola sintonizada com o mundo atual
na descoberta e produção colaborativa
de conhecimento. Para tanto,
recomendamos a formação inicial e
continuada para todos os níveis de
ensino, desde a educação infantil até a
pós-graduação.
IDEM
Fortalecer a implementação do Plano
Nacional de Educação nas suas 20
(vinte) Metas e da Base Nacional Comum da Educação.
IDEM
IDEM
Sugerimos que a Lei 13.006/2014 seja
objeto de ampla visibilidade, nos mais
diversos fóruns nacionais, regionais e
locais realizados pelo MEC e/ou pelo
Minc sobre o assunto, bem como pelas
Secretarias de Educação, outros Ministérios interessados, Universidades,
Institutos Federais de Educação, instituições da Sociedade Civil, Sistemas
Públicos e Privados de Ensino e Meios
de Comunicação, a fim de apresentar,
divulgar e problematizar a Lei e sua
consecutiva regulamentação.
Garantir que a Lei 13006/2014
continue sendo objeto de ampla
visibilidade, nos mais diversos
fóruns nacionais, regionais e locais,
bem como pelas Secretarias de
Educação, Ministérios, Universidades,
Instituições da Sociedade Civil,
Sistemas Públicos e Privados de Ensino
e Meios de Comunicação.
IDEM
LONGO PRAZO
Enfatiza-se a importância da formação inicial e continuada
de professores em todos os níveis de ensino, a implementação
do Plano Nacional de Educação e da Base Nacional Comum
Curricular – que analisaremos mais adiante –, alertando para
que esta Lei se faça conhecer nos diferentes fóruns do país.
66
Infância, arte e produção cultural
É necessário também incentivar o
trânsito entre a escola e as salas de
cinema, os museus de cinema, cinematecas e cineclubes, incorporando
a cultura cinematográfica e a influência
de seus agentes e a historicidade do
cinema.
Apoiar
e
multiplicar
projetos
colaborativos entre a escola e
as salas de cinema, os museus
de
cinema,
cinematecas
e
cineclubes, incorporando a cultura
cinematográfica, a influência de seus
agentes e a historicidade do cinema.
Mapear as iniciativas de formação
inicial e continuada existentes em universidades, faculdades, entidades de
educação não formal, cineclubes, etc.
através de uma chamada pública dos
Ministérios da Educação e da Cultura.
Atualizar o mapeamento das iniciativas de formação inicial e continuada
existentes em universidades, faculdades, entidades de educação não formal, cineclubes, etc. através de uma
chamada pública dos Ministérios da
Educação e da Cultura.
IDEM
IDEM
A proposta da Lei de levar o cinema às escolas não
significa simplesmente um movimento unidirecional, e sim
a possibilidade de também levar as escolas ao cinema, para
ter uma experiência de cinema mais acabada, com todas as
características de uma verdadera sala. Embora o Brasil possua 5.570 municípios, o País dispõe de apenas 3.3562 salas
de cinema, segundo publicação da Secretaria Especial de
Cultura. Outras informações relativas à distribuição de salas
por estados e de espectadores por salas podem ser acessados
no Anuário Estatístico do Cinema Brasileiro3 divulgado pela
ANCINE – Agência Nacional de Cinema. Se imaginássemos
que correspondesse a uma sala por município, já teríamos
descoberta boa parte do Brasil. Mas se a isso acrescentarmos
que, aproximadamente, um terço das salas do País está em São
Paulo4, podemos imaginar quanto mais assimétrica fica essa
Disponível
em:
<http://pnc.cultura.gov.br/2019/04/17/brasil-fecha-2018-com-maiornumero-de-salas-de-cinema-desde-1975/>. Acessado em: 12 fev. 2020.
3
Disponível em: <https://oca.ancine.gov.br/sites/default/files/repositorio/pdf/anuario_2018.
pdf>. Acessado em: 12 fev. 2020.
4
Disponível em: <https://g1.globo.com/pop-arte/cinema/noticia/sao-paulo-abriga-13-dassalas-de-cinema-do-pais.ghtml>. Acessado em: 12 fev. 2020.
2
67
Infância, arte e produção cultural
Criar um acervo audiovisual escolar
livre em que sejam privilegiados filmes
que garantam a diversidade geográfica
e a memória histórica do país, com
critérios mais culturais que comerciais,
considerando que a circulação destes
últimos já está assegurada pelo mercado. Nesse sentido, torna-se necessária
a preservação do patrimônio audiovisual brasileiro.
Ampliar o acervo audiovisual escolar
livre onde sejam privilegiados filmes
que garantam a diversidade geográfica
e garantindo a memória histórica do
país pela preservação fílmica.
Abrir uma chamada pública para
disponibilização gratuita de acervos
públicos e privados por realizadores,
artistas visuais, produtoras, acervos
públicos e privados, cinematecas e
demais órgãos, de forma a ampliar o
acervo audiovisual escolar livre.
Manter uma chamada pública permanentemente aberta para a disponibilização gratuita de acervos públicos
e privados por realizadores, artistas
visuais, produtoras, acervos públicos
e privados, cinematecas e demais
órgãos, de forma a ampliar o acervo
audiovisual escolar livre.
IDEM
IDEM
distribuição. A proposta continua com pistas para a efetivação
imediata de formas de colocar as escolas em contato com o
universo audiovisual brasileiro ao menor custo possível, para
iniciar:
O conceito de Acervo Audiovisual Escolar Livre pressupõe
um esforço de sistematização da contribuição da comunidade
que deseje disponibilizar filmes para circular nas escolas como
primeira medida para poder dar início ao regulamento da Lei
com conteúdo e, ao mesmo tempo, sensibilizar o Governo para
preservar seu patrimônio. Desde 2015, a Associação Brasileira
de Preservação Audiovisual entregou ao governo o Plano
Nacional de Preservação5, cuja última versão, ajustada em junho
de 2016, pode ser lida na página da ABPA. A escola se apresenta
como um cenário privilegiado para as obras audiovisuais
brasileiras habitarem, de diferentes modos. Aprendemos a ver
Disponível em: <http://www.abpreservacaoaudiovisual.org/site/abpa/plano-nacional-depreservacao.html>. Acessado em 13 fev. 2020.
5
68
Infância, arte e produção cultural
as imagens como ensina o poeta Manoel de Barros, quando
diz que “O olho vê, a lembrança revê e a imaginação transvê. É
preciso transver o mundo” (1996). Quando assistimos a filmes
na escola, tentamos fazê-lo atravessando esse movimento que
nos ensina o poeta. Primeiro vê-los, logo revê-los, tentando
lembrar tudo aquilo que não vimos na primeira vez, e na
terceira vez, tentamos imagi-nar outras possibilidades para
essas imagens. Desse modo, habituamo-nos a ver as imagens
de um modo menos acabado, menos determinado. Olhar para
elas como se ainda pudéssemos inventar algo a partir delas, ou
no seu lugar, o que Bergala (2002) denomina “análise criativa
dos filmes”. Habituando o olhar para o conhecimento do mundo
por descoberta e invenção, a partir das imagens do cinema, logo
o hábito contamina todas as formas de olhar para o mundo,
a realidade social, as relações humanas, os saberes escolares.
Tudo cai sob a suspeita de que é possível sua existência como
tal, mas também sería possível que tudo fosse diferente e
que cabe a cada um usar a imaginação atenta para mudar
o real, o que está dado. A escola como espaço de produção
de conhecimento precisa da memória e da imaginação para
alterar o mundo no ato de conhecê-lo. Lembrá-lo, sonhá-lo em
devaneios, até fazer que pareça cada vez mais com aquele de
sonhamos habitar.
Esta parte da tabela guarda íntima relação com a anterior,
já que especifica algum critério de seleção entre os materiais
disponíveis pela comunidade. Desse modo, prevê a formação
de uma equipe interdisciplinar e interministerial, visando a
garantir a participação de especialistas para identificar os
conteúdos mais valorizados para exibição na escola. Também
69
Infância, arte e produção cultural
CURTO PRAZO
MÉDIO PRAZO
LONGO PRAZO
Dado que o acervo audiovisual escolar livre
não terá limites de quantidade, sugerimos
a criação de um selo MEC/MINC, definido
por uma curadoria composta por membros
de ambos os ministérios e da sociedade
civil, que distinguirá, a cada ano, um grupo
de 100 filmes (entre longas, médias e curtas). Visamos que esses filmes sejam objeto
de produção de disponitivos pedagógicos
de formação, no que diz respeito à linguagem, história e conteúdos curriculares.
Duplicar o selo MEC/MINC, definido
por uma curadoria composta por
membros de ambos os ministérios
e da sociedade civil, para carimbar,
200 filmes (entre longas, médias e
curtas). Lembramos que os filmes
sejam objeto de produção de dispositivos pedagógicos de formação,
no que diz respeito à linguagem, à
história cinematográfica e a conteúdos curriculares.
Triplicar o selo MEC/MINC,
definido por uma curadoria
composta por membros
de ambos ministérios e da
sociedade civil para carimbar,
300 filmes (entre longas,
médias e curtas) ampliação
do conjunto de filmes do
cinema nacional para filmes
latino-americanos.
Como critério para receber o selo MEC/
MINC, os filmes deverão contemplar os mais
diversos gêneros (ficção, documentário,
musical,
experimental,
animação,
expandido), formatos (curta, média e
longa metragens) e épocas; as temáticas
deverão garantir as diferenças culturais de
cada região do país, a fim de se promover
um intercâmbio cultural por meio da
difusão audiovisual; deverão considerar
questões do campo, sócio-ambientais,
afro-brasileiras, indígenas, quilombolas, de
populações itinerantes, de comunidades
de cegos, surdos, gênero e sexualidade, da
infância e da juventude considerando todas
as diretrizes do PNDH, PLANO NACIONAL DE
DIREITOS HUMANOS. Todo o acervo fílmico
deverá incluir tecnologias assistivas.
IDEM
IDEM
CURTO PRAZO
MÉDIO PRAZO
LONGO PRAZO
Os profissionais da educação que receberam a formação descrita neste documento podem, a critérios dos entes
federados a que se vinculam, receber
progressão/pontuação funcional. E, no
caso das despesas dessa remuneração
ultrapassar a despesa desses entes
parceiros, o Ministério da Educação
poderá contemplar tal despesa no âmbito dos recursos oriundos do Fundo
do Desenvolvimento da Educação
Básica – FUNDEB.
IDEM
IDEM
Propomos que seja providenciada a infraestrutura adequada para a exibição
de filmes nas escolas, com qualidade
de imagem e som e condições de climatização, bem como o escurecimento do ambiente de forma a garantir as
condições mais próximas às de uma
sala de cinema. Idealmente, propomos
três modos de exibição dos filmes: na
própria escola, no formato de cinema
itinerante e na ida às salas de exibição
e nos cineclubes.
IDEM
IDEM
70
Infância, arte e produção cultural
visa à progressiva ampliação da seleção de filmes da plataforma
que, no terceiro ano, já incluiria filmes latino-americanos.
A primorosa distinção de critérios para que os filmes sejam
selecionados com o carimbo MEC/MinC, dá conta da extrema
diversidade de gêneros, estéticas e formatos que alcançaria a
cada centro educativo.
A tabela acrescenta critérios sobre os profissionais de
educação, chamando a atenção para levar em consideração
os temas de formação, progressão e pontuação funcional,
sugerindo também a origem dos fundos, o que expressa a
força da participação de funcionarios do MEC e do MinC em
dito trabalho.
Também é destacada a importância de gerar condições
de infraestrutura, climatização e acessibilidade para que a
exibição dos filmes alcance efetivamente a todas as pessoas da
escola e da comunidade, já que prevê cinema itinerante, salas
de exibição e cineclubes.
CURTO PRAZO
MÉDIO PRAZO
Criar uma Plataforma digital de exibição da plataforma virtual para exibição e download dos filmes, sem
fins comerciais. Afirmamos a necessidade de garantir o acesso aos filmes
de forma virtual, ação esta que pode
minimizar amplamente a produção de
cópias físicas, reduzindo o montante
dos recursos dispensados para a criação do Acervo com acessibilidade e
recursos assistivos.
Ampliar as possibilidades da Plataforma digital de exibição da plataforma virtual para exibição e download dos filmes, sem fins comerciais.
Afirmamos a necessidade de garantir
o acesso aos filmes de forma virtual, ação esta que pode minimizar a
produção de cópias físicas, reduzindo
o montante dos recursos dispensados
para a criação do Acervo com acessibilidade e recursos assistivos.
IDEM
Criar um Catálogo de filmes e fornecer cópias físicas em suporte DVD
para o contingente de escolas que não
possui internet ou banda larga, inviabilizando assim o acesso à plataforma
digital. Apesar de sua extrema fragilidade, o DVD ainda é, para muitas das
escolas, o principal modo de acesso
aos filmes. Esse catálogo irá compor o
acervo do Domínio Público.
Adaptar o catálogo de filmes em suporte DVD para o formato que esteja
funcionando na época, garantindo
sempre a presença de filmes a todas
as escolas que eventualmente ainda
não possuam internet ou banda larga,
ou cujo funcionamento ainda fique a
desejar.
IDEM
71
LONGO PRAZO
Infância, arte e produção cultural
A forma mais democrática de viabilizar o acesso aos filmes
brasileiros, efetivamente, seria através da criação de uma
plataforma, que seria ampliada progressivamente. Porém,
encontramos o problema dos municípios que ainda não têm
sinal de internet e, exclusivamente para esses casos, seriam
criadas cópias físicas em DVD, a fim de garantir o acesso a
toda e cada uma das escolas brasileiras. O grupo de filmes
selecionados se organizaria no formato de catálogo e ficaria
disponível no acervo de Domínio Público.
As escolas devem ter completo e
irrestrito poder na seleção e curadoria
dos filmes, a partir do Acervo
Audiovisual Escolar Livre, ainda que seja
necessário restringir o número de filmes
diante do imenso Acervo possível, desde
que garantida sua variedade e tempo
suficiente para o cumprimento da Lei ao
longo do ano letivo.
IDEM
IDEM
Ainda é importante salientar que a proposta de
regulamentação da Lei 13006/2014 garante a autonomia na
curadoria e uso dos filmes do Acervo Audiovisual Escolar Livre.
A proposta prevê a formação dos professores,
progressivamente. Sugere um início modesto, possível,
mais imediato, mapeando o que existe e otimizando sua
sincronização para garantir os primeiros passos de cooperação
acadêmica presencial e a distância na formação docente.
Gradualmente, prevê a participação de todas as instâncias
de formação universitárias, de educação básica e culturais,
72
Infância, arte e produção cultural
CURTO PRAZO
MÉDIO PRAZO
LONGO PRAZO
Incentivar a criação de cursos de formação integrando projetos com EaD,
através de mecanismos de transferências de recursos financeiros e tecnológicos dos ministérios parceiros às
instituições de ensino superior e centros de formação livres pertencentes
aos gestores públicos estaduais,
distrital e municipais, incentivando
ações de formação relacionadas ao
parágrafo 8º, Art. 26, a LDB – em todos
os níveis de titulação, inclusive cursos
livres para professores de educação
básica e agentes culturais. Em casos
de cursos que exigem suas ofertas
por instituições de educação legalmente constituídas, os gestores locais,
apoiados pelos Ministérios parceiros,
podem estabelecer convênios de cooperação acadêmica.
Uma vez identificadas as
iniciativas de formação existentes no país, promover
um processo de irradiação
das mesmas.
Incentivar
a
participação
das
universidades, faculdades, institutos
federais, secretarias de educação e de
cultura, enquanto centros de formação,
para dar suporte e assistência ao
desenvolvimento de atividades de cinema
e educação nas escolas em eventuais
parcerias com movimentos cineclubistas
locais, salas de cinema, pontos de
cultural, cinematecas, museus de imagem
e som e outras instituições culturais.
Criar
o
componente
curricular
de educação audiovisual para as
licenciaturas e cursos de pedagogia,
conforme a liberdade e pluraridade
pedagógicas previstas na Lei 93/94/96.
Criação de licenciaturas nos cursos de
cinema (hoje 92 reconhecidos pelo
MEC).
articuladas com o propósito de desenvolver atividades de
cinema e educação nas escolas em diálogo com cinematecas
e outras instituições ligadas ao audiovisual. Também aposta
na formação universitária, incluindo o componente curricular
de educação audiovisual para as licenciaturas e cursos de
pedagogia.
Nesse apartado, emerge a relevância de socializar as
produções audiovisuais em ambientes virtuais e em encontros
presenciais, comprometendo o Governo com a realização de
festivais, pesquisas e janelas de exibição desses materiais.
Incentivar a participação dos Institutos
Federais, enquanto pólos regionais
e instituição com amparo legal para
oferecer Licenciaturas, possam vir a
dar suporte e assistência oa desenvolvimento de atividades cineclubistas
nas escolas em parceria com os movimentos cineclubistas locais.
IDEM
IDEM
73
Infância, arte e produção cultural
No final, enfatiza a participação dos institutos federais como
polos para dar suporte ao desenvolvimento das atividades de
formação e exibição, assim como a previsão de editais para
a produção de games e aplicativos que relacionam filmes,
diretores e todo o universo audiovisual em torno do cinema,
como material curricular interativo, visando a todos os níveis
de educação básica. Não menos importante é considerar a
preocupação de fazer participar estudantes e professores na
produção dos games e aplicativos, assim como articular as
TVs digitais nos processos de ensino-aprendizagem. Inclui a
pertinência de propor atividades com cinema brasileiro nas
salas de RECAM. A sigla significa Reunião Especializada de
Autoridades Cinematográficas e Audiovisuais do Mercosul, e
está composta por trinta salas distribuidas em toda América
Latina, para divulgar e fazer conhecer cada vez mais os
conteúdos audiovisuais dos países que compõem o Mercosur.
A seguir, abordaremos detalhes de outra dimensão
fundamental das políticas públicas no que diz respeito ao
currículo escolar.
O que esperarmos?
Esperamos ainda pela inclusão dessa Proposta de
Regulamentação da Lei 13006/2014, na pauta do Conselho
Nacional de Educação. Esperamos por políticas públicas
que garantam condições, infraestrutura, climatização,
recursos tecnológicos, restauração e digitalização de acervos
audiovisuais nacionais, formação docente, articulação das
iniciativas de formação existentes com outras a serem
74
Infância, arte e produção cultural
criadas, entre outras possibilidades para sua imediata
execução. Esperamos pela democratização do acesso ao
cinema nacional. Hoje, torna-se urgente realizar o sonho de
ver o cinema brasileiro e latino-americano circulando pelas
escolas, promovendo processos de criação audiovisual, de
conhecimento escolar e de vida, a cada vez que se acende um
projetor. E ao acendê-lo, esperamos que esses “vagalumes
escolares”, com os que as crianças brincam cada vez que
escurecemos uma sala de aula, orientem a atenção de
todo mundo para algo comum, para poder assim produzir
deslocamentos do lugar e do tempo que habitamos para algo
mais próximo ao que sonhamos, mais justo e mais humano.
É preciso lembrar que esperamos também pela
Colocar em pauta a socialização das
experiências desenvolvidas por escolas a partir da implementação da Lei
13006/2014, em ambientes virtuais de
aprendizagem e em eventos presenciais organizados especificamente para
essa troca, integrando a participação
de todos os atores envolvidos: professores, estudantes, funcionários, membros da comunidade, representantes
governamentais, etc.
Constituição de Câmara permanente
entre sociedade civil e governo brasileiro para a realização de debates em
torno de questões referentes a “Cinema e Educação”, tais como o mapeamento de ações e elaboração de
metas e planejamentos para o desenvolvimento de festivais, grupos de pesquisa, bem como janela de exibição de
projetos e conteúdos. Composto por
60% dos membros da sociedade civil e
40% do governo.
IDEM
preservação e restauração de toda a filmografia nacional
que está por se perder, que morre a cada dia na abandonada
Cinemateca Brasileira e em todas os acervos cujos recursos
vão sendo cortados cotidianamente. Sem memória, ficamos
sem matéria prima para imaginar! Nossa imaginação está
75
Infância, arte e produção cultural
alimentada pela cultura visual, musical, audiovisual com que
convivemos. Hoje, é urgente introduzir e produzir filmes
que descontinuem o projeto colonial, patriarcal e a serviço
do mercado. Aprender a desobedecer a tudo aquilo que
nos obriga ao consumo permanente, à hiperconectividade,
ao permanente dar o conferir likes. Retomar as rédeas de
nossa atenção, memória e imaginação. Retomar o contato
com a natureza e estreitá-lo com a cultura. Necessitamos nos
aproximar desse patrimônio audiovisual que conhecemos
e desse outro, que fica cativo e anônimo, depois de passar
por rigorosos processos de seleção, produção e finalização,
pouco ou nada exibido nas salas de cinema, guardado em
cinematecas ou museus de imagem e som, oculto à sociedade
que o fez possível. Precisamos que todos esses filmes sejam
digitalizados em breve, para que efetivamente possam
fazer parte das miniaturas do mundo que nós, docentes,
colecionamos para levar entre nossas favoritas para as salas
de aula. Introduzir o mundo às novas gerações tem algo desse
compartilhar nossas coleções preferidas... Dar a ver filmes
é um convite a viajar pelo tempo e pelo espaço, pela nossa
subjetividade e pela alteridade, imaginando outros modos de
habitar este mundo e aprender com eles. Fazer filmes com
crianças e jovens é descobrir, denunciar, e até alterar algo do
mundo com a singularidade de um coletivo, de uma época e
um lugar. O formato virtual que inaugurou a educação remota
na pandemia lançou mais luz sobre a insubstituibilidade das
aulas presenciais e da força pedagógica do cinema em toda
prática de ensino-aprendizagem.
76
Infância, arte e produção cultural
Referências Bibliográficas
BERGALA, Alain. L’hipothèse cinéma. Petit traité de transmission
du cinema à l’école et ailleurs. Paris: Petit Bibliothèque des Cahiers
du Cinéma, 2002.
BARROS, Manoel. Livro sobre nada. Rio de Janeiro/São Paulo:
Record, 1996.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação: Lei nº 9.394/96
– 24 de dez. 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional. Brasília, 1998.
BRASIL. Lei 13.006/2014. Disponível em: http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L13006.htm. Acesso
em 25 de março de 2018.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular
– Documento preliminar. MEC. Brasília, DF, 2018. Disponível em:
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/documentos/
FRESQUET, Adriana et al. Proposta do Grupo de Trabalho Cinema
Escola sobre Formação Docente. In: D’ANGELO, Fernanda Hallak;
D’ANGELO, Raquel Hallak. CINEOP: 11ª Mostra de Cinema de
Ouro Preto – Cinema Patrimônio. 1. ed. Belo Horizonte: Universo
Produção, 2016, p. 179-189.
77
Infância, arte e produção cultural
78
Infância, arte e produção cultural
Arte, sensibilidade,
cultura e infância:
centelhas de sentido com
a força de um relâmpago
Rosvita Kolb Bernardes
Ana Cristina Carvalho Pereira
A obra Estamos no Escuro (2018), do artista Fábio Morais,
que traz termos ligados a conflitos sociais em diferentes
idiomas (…) nos convoca desde março de 2020 a pensar
sobre a nossa vida pandêmica.
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Infância, arte e produção cultural
Estamos no escuro, 2018.
Hoje, um ano depois, vislumbramos talvez algumas faíscas,
relâmpagos, lumezinhos flutuantes, luzes de lamparina do
tempo das nossas avós... Tateamos ora aqui, ora ali, os pontinhos
de luz das nossas histórias de vida, em busca dos encontros
com as crianças pequenas e com os adultos em contextos de
formação.
Ao nos debruçarmos sobre a escrita deste texto, voltam
com toda força os caminhos que temos construído com a Arte;
memória; vida e obra. São possibilidades imbricadas, processos
que envolvem pesquisa, observação e criação.
Neste trajeto, em meio a muitas reflexões, puxamos
fios da nossa formação como docentes artistas, trazendo
questionamentos que nos acompanham nesta caminhada:
Como pensar uma formação que permita o fruir com a vida?
Com a Arte? Com uma formação estética? Como pensar um
contexto de formação que dialoga, provoca pontes e partilhas
com a experiência com a Arte?
80
Infância, arte e produção cultural
Ao nos encontrarmos com o verso do Guimarães Rosa
(1969), que diz que “o vazio é meio de transporte para quem
tem o coração cheio”, perguntamos: Há espaço para o coração
e para o afeto na nossa formação na universidade? Para a
dimensão estética? Para uma “estética da existência” ou um
espaço para pensar a vida como obra de arte?
O que nos surpreende, em nossa sociedade, é que a Arte se
relaciona apenas com objetos, e não com indivíduos ou a vida;
e que também seja um domínio especializado, um domínio de
peritos, que são os artistas. Mas a vida de todo indivíduo não
poderia ser uma obra de arte? Por que uma mesa ou uma casa
são objetos de arte, mas nossas vidas não? (FOUCAULT, 19941,
p. 617)
Orientadas pela certeza de que é preciso fazer conhecer
a si mesmo, para conhecer o outro, e que o sujeito aprende a
partir da sua própria história ao narrá-la, encontramo-nos com
as histórias das crianças.
Elas nos contam muitas histórias. Histórias de dentro, de
fora, de formigas, de bichos, da chupeta que se perdeu, da
mãe que está sem trabalho, do tio que morreu, do irmãozinho
que nasceu. As crianças falam da chuva, do céu, do corpo,
das plantas. Como, também, falam da casa, do barracão em
que moram, dos cheiros, das brincadeiras que inventam, das
tristezas, dos medos, das coisas; falam das coisas do mundo,
das brincadeiras, que se transformam em experiências para
ressignificar o vivido. As histórias são narrativas inscritas no
seu corpo, na pele, na casa que habitam, na cidade onde
moram.
81
Infância, arte e produção cultural
Para a artista Stela Barbieri (2021), as narrativas carregam
potências vividas e inventadas. Para ela, cada vez que uma
história é narrada, ela traz outras narrativas que podem
ser encarnadas, entrelaçadas, encruzilhadas dentro de
nós, numa impregnação ancestral, da qual, muitas vezes,
desconhecemos a origem, pois está misturada em nós, ou
seja, na nossa história.
É bonito acompanhar o pensamento dessa artista, quando
ela destaca que é no envolvimento do dia a dia que a vida
se faz, e que as narrativas existem, na busca de sentidos que
impregnamos aos objetos à nossa volta, às histórias que
partilhamos, inventamos e criamos, aos livros que lemos, aos
desenhos, entre outras coisas.
Para compor a nossa escrita, escolhemos como fundamento
o conceito de mônadas, como proposto por Walter Benjamim
(1985), e a professora e pesquisadora Maria Galzerani Bovério:
“(…) nos ajuda a ampliar a compreensão sobre mônadas, quando
ela destaca que as mônadas ou miniaturas de significados são
centelhas de sentido, que podem ter a força de um relâmpago”
(BOVÉRIO, 2005, p. 62).
Selecionamos algumas histórias vividas por nós em tempos
e épocas diferentes, no encontro com as crianças, com os
adultos e com a Arte. Desejamos que as histórias aqui narradas
possam chegar a cada um de vocês como “centelhas de sentido
com a força de um relâmpago”.
Quais são as histórias que as crianças nos contam?
As crianças fazem e dizem muitas coisas. “Elas nos colocam
82
Infância, arte e produção cultural
o tempo inteiro em um constante estado de ateliê, que nos
provoca a falar do espaço, do tempo, do corpo, acolher o
imprevisto, experimentar, buscar o outro, promover a troca.”
(CINTRA e OLIVEIRA, 2020, p. 15)
É no Ateliê, como um espaço de experiências estéticas,
que trazemos as crianças protagonistas com os seus modos
específicos de significar o mundo e a Arte. É onde o tempo
da experimentação é fundamental para tornar os seus
pensamentos visíveis.
É um estado de alerta que acolhe as formigas, as lagartas, as
perguntas, como: “para onde vai o vento quando não venta?”,
ou “por que a sombra se estica atrás de nós?”; ou quando
dizem que o osso esconde o coração e a Arte serve para dar
forma às ideias.
É dentro deste clima de um processo de aprendizagem sem
fronteiras que coletamos e guardamos algumas histórias, como
a do osso que esconde o coração, do para que serve a Arte e
das cadeiras que mudam de lugar. Envolvidas em um estado de
atenção, na qual a vida pulsa em constante transformação, é
que trazemos estas histórias.
História I: O osso esconde o coração?
O osso esconde o coração foi uma observação feita por um
grupo de crianças durante uma roda de conversa no Ateliê de
Arte em uma escola pública, na região do Morro das Pedras, na
cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais.
Estávamos envolvidos com uma investigação sobre as linhas,
quando as crianças descobriram que o corpo pode ser feito de
83
Infância, arte e produção cultural
linhas. Elas descobriram um universo de possibilidades com a
linha e o corpo, o corpo da linha ou a linha do corpo. As crianças
trouxeram questões, comentários, fazendo medições de partes
do corpo e estudos anatômicos; descobriram ossos, nomes de
ossos e partes do corpo. Uma criança, ao observar a imagem de
um esqueleto humano, disse:
O osso esconde o coração!
Não tem coração
Cadê o coração?
O coração faz a gente ficar vivo.
O osso é que faz a gente ficar em pé.
A carne é que sustenta o nosso corpo.
A cabeça é maior que a nossa mão.
A nossa mão é que a gente pega tudo.
Os dedos do pé têm um metro pequeno.
O osso esconde o coração, e o corpo tem
sangue.
O que nos guia é a forma como nos relacionamos com as
crianças dentro do Ateliê de Arte. A partir das narrativas delas,
partimos de um pressuposto de que as crianças desenvolvem,
modificam as suas observações e evidenciam intencionalidades
a fim de compreender teorias, elaborar novas e, sobretudo,
compartilhar com outras crianças e adultos, os processos de
conhecimento que nascem de olhares curiosos e interessados
(FOCHI, 2016, p. 6).
84
Infância, arte e produção cultural
Para a artista Stela Barbieri (2021), quando as crianças
nos convidam a seguir com a Arte, elas criam faíscas entre
pensamentos, histórias, ideias, tintas, desenhos, papéis,
lápis, canetas, fios tecidos, imagens e gestos. Elas percorrem
caminhos diversos, que seguem pela costura do avesso pelos
fios fora do lugar, pelo remendo do buraco, do vazio, da pausa,
do canto de cada um. São cantos habitados, modelados, em
formato de casa, de ninho, concha, gavetas, pedras e quintal.
O poeta Manoel de Barros (2019) diz que as coisas que
não existem são mais pronunciadas pelas crianças, pois elas
inventam para as respostas mil imagens e tantas outras mil
perguntas para tantas outras mil imagens. Assim, as crianças
passam a desinventar o mundo, quando elas mesmo, não
sabendo os passos da dança, lançam-se ao risco de rodopiar,
girar e voar.
Afinal: “Estar num processo artístico significa não se fechar
a nada. Significa perguntar: que uso posso dar a isso tudo?”
(HOLM, 2005, p. 83). Ou como pergunta uma professora
inquieta da Educação Infantil, durante um curso de formação
de professores sobre Arte: “Como posso aprender a soltar a
linha da pipa e ser autora dos meus pés e mãos?”
História II: Para que serve a Arte?
Foi em um estado de atenção, em que a vida pulsa em
constante transformação, que fizemos as seguintes perguntas
para um grupo de crianças, entre 6 a 8 anos de idade, de uma
escola pública: O que é Arte para vocês? Vocês já viram uma
85
Infância, arte e produção cultural
obra de arte? Vocês acham que a Arte serve para alguma coisa?
Mobilizadas por essas perguntas, instauramos entre elas um
movimento de conversa, de troca, de um lugar para inventar.
Um estado de ateliê!
Arte? Como assim? Quem disse que Arte serve para alguma
coisa?
Para ajudar a alimentar as crianças nas suas reflexões
e investigações, oferecemos alguns livros de artistas
contemporâneos, objetos, papéis diversos e alguns materiais
de desenho. Algumas crianças deixaram-se levar pelas imagens
dos livros, umas começaram a desenhar e outras ficaram
andando e pulando pela sala.
“Olha como eu faço quando eu desenho com o meu corpo…
às vezes, eu olho para o vento e vejo uma dança. Uma dança?
Sim, quando tem vento as folhas se mexem e parecem uma
dança… eu sei dançar como o vento… olha... é como se eu
tivesse desenhando no espaço.
Eu encontro as nuvens, os cheiros e as cores. Mas isso é Arte?”
Elas olhavam os livros, conversavam sobre as imagens de
artistas contemporâneos que trabalham com materiais como
galhos, folhas, flores, pedras, também com a terra, o barro
e o vento. São artistas que se guiam pela terra, pela força da
natureza, para construir os seus trabalhos artísticos. Motivados
por esse encontro, as crianças comentaram:
86
Infância, arte e produção cultural
“É… Ontem eu deitei na grama do lado da minha casa e
fiquei olhando para o céu. Fiquei só olhando e pensando.
Olhando e pensando... até que chegou uma ideia de que o
céu é uma pintura de nuvens. Isso, eu pensei, o céu que é da
natureza, ele foi pintado pelas nuvens.”
Rapidamente outra criança que estava sentada do seu lado
completou dizendo:
“Quando eu subo em árvores no sítio do meu avô e olho lá
para baixo… vejo muitas folhas no chão. Muitas mesmo! Parece
um tapete de folhas!!!!!!
Então, a Arte vem da natureza? Até agora não entendi. De
onde vem a Arte? É tudo o que vejo e sinto e que está dentro
de mim?”
Elas seguiam sem parar:
“A Arte também pode não servir para nada. Pois tem dias
que eu olho e não vejo nada. Eu acho que ela não é de verdade.
Não sei… mas quando eu ouço uma música que eu gosto
muito, meu corpo não para de querer se mexer…”
“Mas o que é Arte então? É um pensamento?
Um pensamento que começa na cabeça e vai descendo,
descendo pelo braço, até chegar na mão? Aí o pensamento sai
pela mão, pelos pés, pela voz, pelo corpo todo e vira pintura,
desenho, música e dança.”
“É uma coisa que eu imagino, algo que acontece e que eu
87
Infância, arte e produção cultural
coloco para fora de mim. Acho que tudo isso faz parte da vida.
E a vida faz parte de nós. E é assim com a Arte também. Ela não
existe fora de nós.”
Foi em um estado de ateliê que se fez além do espaço físico,
que as crianças trouxeram o seu jeito de se relacionar, de olhar
para o mundo, para a Arte, para a Vida.
História III: Quando as cadeiras se movem
Fonte: Lia Menna Barreto, 1996.
Inspiradas na obra Jardim de Infância (1996), da artista Lia
Menna Barreto, que traz uma instalação de cadeiras quebradas,
colocadas em forma de círculo, nos lembramos das rodas de
conversa que fazem parte da rotina na Educação Infantil.
Ao olharmos para essa obra, muitas perguntas nos
88
Infância, arte e produção cultural
acompanharam: Por que essas cadeiras? Elas pertencem a
quem? Fizeram parte da infância da artista? Para onde essa
obra nos conduz? Uma infância quebrada? Frágil? Um corpo
ausente, desaparecido de si? Quais histórias foram narradas ou
foram caladas? Onde estão as crianças que sentaram nessas
cadeiras? Quais histórias elas contam? O que elas têm para
testemunhar e narrar?
Passamos a maior parte do nosso tempo sentados em
cadeiras. Cadeiras grandes, pequenas, algumas mais moles,
largas, e outras mais duras. Algumas acolhem o nosso corpo,
são confortáveis; outras causam dor e indisposição.
Mobilizadas pelo objeto que faz parte do mobiliário das
escolas infantis, organizamos algumas ações, reflexões e
intervenções para ressignificar tal objeto: cadeira, denominada
pela gramática da Língua Portuguesa como substantivo comum
de gênero feminino. Ela está presente no contexto de formação
tanto dos estudantes de licenciaturas quanto dos professores
da Educação Infantil.
Assim sendo, um discente narra que:
“Quando eu vi as cadeiras no corredor da Escola de Belas
Artes, eu fiquei com muita vontade de sentar nela… mesmo
não me cabendo mais… lembrei de muitas coisas... do meu
tempo de criança morando em Salvador… das histórias que a
professora nos contava...”
Já outra estudante narrou que, ao sentar na cadeira, lembrou
do seu desespero quando tinha que ir para o cantinho do pensar
89
Infância, arte e produção cultural
e era excluída das atividades da sala. Outros lembravam dos
encontros e das conversas, sentados em rodinhas para ouvir
histórias, ou quando as cadeiras se transformavam em casas,
cabanas, carros, camas e cozinhas.
Em outro momento, tivemos a oportunidade de dialogar
com uma exposição fotográfica, nomeada: Atravessamentos
Poéticos da Formação (2018), vinculada ao curso de formação
de professores da rede municipal de Belo Horizonte. A exposição
apresentava um conjunto de imagens que se desenvolvia a
partir de recortes das fotografias que constituíram o acervo
de registro do processo de formação no Curso de Extensão
Educação Infantil, Infâncias e Arte.
Eram exibidas imagens das professoras da Educação Infantil
durante suas experiências do ato de aprender através de
espaços de narrativas, constituídos por falas, gestos, imagens,
sons e movimentos, além da produção de novos sentidos, como
fruto das relações e dos atravessamentos no e com o corpo de
quem viveu a experiência sensível, tornando visível quando
e como se aprende o que é Arte. Imagens de momentos que
tinham como diferencial a ênfase na experiência estética,
deixando claro aos professores participantes que o curso tinha
como princípio fundador o ato de aprender-ensinar Arte por
meio do campo da experiência de criação.
Envolvidas, ainda, com o processo de formação dos estudantes
da Licenciatura, retomamos a nossa ação na galeria de Arte da
Escola de Belas Artes junto à exposição. Ação esta considerada
artística, na qual exploramos o papel e a potencialidade do
estado de ateliê que se instaurou na Galeria de Arte.
Quanto às cadeiras, a artista Stela Barbieri (2021) nos
90
Infância, arte e produção cultural
conduz com suas reflexões quando nos provoca a pensar que
um estado de ateliê é uma maneira de pensar, de estar e de
ser. É um espaço de pensamento, um lugar de invenções. Foi
nesse giro que os estudantes se moveram com as cadeiras,
transformando e experimentando a relação dos seus corpos
em contato com a materialidade-cadeira. Eles deslocaramse, ocupando diferentes formas e jeitos do espaço, dos
cantos, das paredes, do chão da galeria. Criaram a partir da
materialidade-cadeira, com tecidos e alguns objetos, formas,
esculturas, sobrepondo objetos, trazendo, assim, uma narrativa
entrelaçada com as suas histórias de infância, uma vez que
as memórias foram acordadas: “(...) ao sentar na cadeirinha
lembrei do dia que aprendi a fazer tricô na escola”.
Assim, finalizamos as ações na galeria de Arte com os
estudantes, convidando as professoras da Educação Infantil
para uma roda de conversa sobre a Arte na Educação Básica.
Sentamos todas em roda, na rodinha, cada uma ocupou uma
cadeira-memória da sua infância e lembramo-nos dos modos
de ensinar Arte na Educação Infantil.
Essas experiências permitiram aos estudantes olharem para
a Arte e repensarem as coisas existentes de modos diferentes;
desse modo, possibilitando a construção das diferenças
interpretativas para dar ao mundo significados. Um corpo
entendido como território do sensível, aquele que nos permite
ser, ocupar espaços, fazer parte do mundo, construir sentidos,
aprender, comunicar, dialogar e interagir numa totalidade
integrada.
Escolhemos construir espaços onde as narrativas estéticas,
corporais, autobiográficas, pudessem ser ouvidas, acolhidas
91
Infância, arte e produção cultural
e validadas como parte de um processo de formação,
reconhecendo o quão importantes são os saberes da
experiência. Pensamos que, pelo fio da memória e pelo ato
de narrar-se através das mãos, de corpo inteiro, provocamos
pontes, diálogos e partilhas, para que pudéssemos iniciar um
outro caminho com a Arte na escola, com o mundo, com a vida.
Um caminho que nos permite dizer que: o osso esconde
o coração, faz a gente ficar em pé, como também a Arte faz a
gente desenhar no espaço. É só imaginar.
Encontrar com as crianças na escola, com os estudantes
da licenciatura e com os professores da Educação Infantil,
nos convida a seguir com eles tateando pontinhos de luz,
lumezinhos flutuantes, piscando como pisca a cauda do
vagalume à procura dos seus. O nosso olhar segue ancorandose na chama, nas miniaturas como centelhas de sentido, que
têm a força de um relâmpago.
Fonte: Acervo pessoal das autoras.
92
Infância, arte e produção cultural
Referências Bibliográficas
BARBIERI. S. Espaço Binah de Arte. São Paulo, 2021.
BARRETO, L. M: https://lia-mennabarreto.blogspot.com/2007/11/
calor-queimas-luz-1996-galeria-thomas.html. Acesso em 17 set.
2021.
BARROS, M. Matéria de Poesia. Rio de Janeiro: Editora Alfaguara,
2019.
BERNARDES K. R. O osso esconde o coração. Belo Horizonte:
Projeto Educa, 2014.
BOVÉRIO, G. M. As imagens entrecruzadas de infância e de
produção de conhecimento histórico em Walter Benjamin.
Campinas: 2005.
FOCHI. P. Arquiteturas Fantásticas. São Paulo: Ateliê Carambola,
2016.
MORAIS, Fabio. http://fabio-morais.blogspot.com/2018/12/
estamos-no-escuro-2018.html. Acesso em 17 set. 2021.
ROSA, J. G. Tutaméia: terceiras histórias. Rio de Janeiro: Livraria
José Olympio, 1969.
93
Infância, arte e produção cultural
94
Infância, arte e produção cultural
Palavras e imagens que
divertem, encantam e
fazem pensar:
a arte literária na
Educação Infantil
Fabíola Cordeiro de Vasconcelos
Maria Betania Barbosa da Silva Lima
Wanessa Maciel Ferreira Lacerda
95
Infância, arte e produção cultural
Introdução
Compreender a criança como ser ativo que, a partir
de profícuas interações, apropria-se das características da
cultura em que se insere e age no intuito de transformá-la e
enriquecê-la, implica considerar as múltiplas linguagens em
seu desenvolvimento e educação. Permitindo atribuir sentidos
ao mundo e expressá-lo simbolicamente, tais linguagens
são cruciais às experiências infantis, daí precisarem ser
consideradas e valorizadas nas práticas pedagógicas voltadas à
infância, inclusive norteando-as.
Entre as linguagens fundantes das práticas realizadas na
Educação Infantil, ganham relevo as artísticas, através das quais
se desenvolvem capacidades para a compreensão sensível,
criativa e imaginativa do mundo. No universo das linguagens
artísticas, a literatura exerce papel importante no trabalho
educativo com as crianças, uma vez que, por meio do manejo
lúdico e artístico da linguagem verbal e das imagens, apresenta
simbolicamente o mundo e as experiências humanas, gerando
prazer, enriquecendo a fantasia e a imaginação, promovendo
outras possibilidades de compreender o mundo e de nele
situar-se.
Enfatizando a literatura infantil nas experiências das
crianças pequenas, neste artigo objetivamos refletir sobre a sua
importância para o desenvolvimento de práticas pedagógicas
que privilegiem as linguagens e, especificamente, a linguagem
literária no contexto da Educação Infantil. Com esse propósito,
iniciamos abordando brevemente as relações entre arte e
infância, apontando aspectos concernentes às ligações entre
96
Infância, arte e produção cultural
as linguagens artísticas e os processos de desenvolvimento
e educação das crianças pequenas. Na sequência, refletimos
sobre a literatura infantil, caracterizando-a como universo
artístico que, enquanto encanta, favorece o desenvolvimento
infantil em múltiplos âmbitos. Em seguida, reiterando as
compreensões da arte como ferramenta de encantamento e
humanização, e da literatura infantil como potente instrumento
para pensar e propor vivências significativas com o lúdico,
a imaginação, a criatividade e a sensibilidade na Educação
Infantil, tratamos de alguns caminhos possíveis à abordagem
dos livros e textos literários infantis nesse contexto.
Infância e arte: as linguagens artísticas nas vivências das
crianças pequenas
As crianças são sujeitos que progressivamente constituemse ao vivenciar ativamente, com os outros e o mundo,
relações intermediadas pelo lúdico e pelas diferentes formas
de linguagem que lhes permitem compreender, construir e
transformar culturas. Assim, situam-se histórica e culturalmente
de modo muito ativo, construindo, pelas interações, modos de
entender, vivenciar e modificar o seu entorno.
O papel ativo das crianças nos processos de apropriação
cultural é salientado por Corsino, quando afirma que, nas suas
vivências de interação, elas
não apenas recebem e se formam, mas também
criam e transformam – são constituídas na cultura
e também são produtoras de cultura. São sujeitos
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Infância, arte e produção cultural
ativos que participam e intervêm no que acontece
ao seu redor. Suas ações são também forma de
reelaboração e recriação do mundo. (CORSINO,
2012, p. 4-5)
Essa apropriação cultural ativa é permeada pelas múltiplas
linguagens envolvidas nas experiências infantis, as quais,
favorecendo interações verbais e não-verbais, viabilizam
relações mais complexas da criança com o mundo. Nessa
perspectiva, promovendo ricas experiências expressivas
e, também, de acesso à riqueza e à diversidade da cultura
humana, essas linguagens precisam estar presentes de
modo significativo na educação das crianças pequenas e
devem desempenhar papel central nas práticas educativas
direcionadas a elas.
Faz-se necessário, portanto, nos diferentes contextos de
educação dos pequenos, inclusive e principalmente na Educação
Infantil, investir nas múltiplas linguagens, promovendo-se
situações que privilegiem as experiências das crianças, desse
modo fomentando a ampliação do seu universo cultural e
estético, além de seu pleno desenvolvimento. Entre essas
linguagens, destacam-se aqui as artísticas e suas múltiplas
possibilidades de compreensão e revelação de ideias sobre o
mundo.
A arte, expressão criativa concretizada em diferentes
modalidades, exerce papel crucial na vida humana.
Comportando características individuais e socioculturais do
homem, favorece a manifestação e a interpretação de sua
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Infância, arte e produção cultural
subjetividade, além de permitir desvendar o mundo objetivo.
Dessa forma, as experiências estéticas desempenham uma
relevante função civilizadora e humanizadora, o que subsidia
Candido (2004) a defender o acesso à arte e a sua fruição como
um direito inalienável dos seres humanos.
Bastazin (2018), a esse respeito, salienta a relevância da
expressão artística para a vida humana, caracterizando-a
como forma de diferenciação do homem em relação às outras
espécies animais. Assim, enquanto há ações que cumprem
finalidades práticas e imediatas, há outras como cantar, dançar,
desenhar e brincar com os sons que também evidenciam uma
necessidade vital humana, implicando momentos lúdicos em
que se dá a manifestação de um prazer, de uma satisfação
pessoal e/ou social.
Considerando a importância dessas manifestações artísticas
para a existência e o fato de o artístico muitas vezes ser menos
valorizado como elemento crucial da experiência dos homens,
a autora alerta ser “tempo de enfrentarmos com determinação
que a arte não pode e não deve correr o risco de ser relegada
a uma importância menor, complementar e opcional no
processo de formação humana” (BASTAZIN, 2018, p. 72). Ao
contrário, precisa ser compreendida e tomada como central à
educação, à formação de seres capazes de significar o mundo e
as próprias vivências.
Nessa perspectiva, permitindo a transcendência do momento
imediato e, em decorrência, o processo de humanização dos
indivíduos e sua vinculação a uma coletividade, as experiências
estéticas, em todos os momentos da vida, são fundamentais
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Infância, arte e produção cultural
ao existir. Considerando-se que, desde que nascem, as crianças
convivem com manifestações artísticas em diferentes campos
– literatura, artes plásticas, dança e desenho, por exemplo –,
dialogando ativamente com elas e, também, criando-as a seu
modo, cabe defender que na infância tais experiências são
imprescindíveis.
Destaca-se, pois, a necessidade do acesso significativo
das crianças a linguagens artísticas que lhes provoquem os
sentidos e motivem a construção de imaginários caracterizados
pela riqueza de desejos, sensações e invenções (MATA, 2008
apud GOBBI; PINAZZA, 2014). Isto pode ocorrer, como propõe
Moura (2012), no interior de uma educação estética capaz de,
por meio de diferentes manifestações da arte, desenvolver
nas crianças a sensibilidade, a imaginação, a observação e a
compreensão do mundo. Nessa direção, como defende Faria
(2004), essa educação voltada aos aspectos estéticos impõe-se
na educação da pequena infância.
No que concerne especificamente à linguagem artística
manifestada pela literatura, ressalta-se aqui a sua função
lúdica, fundamental à abertura e ampliação das possibilidades
de a criança sonhar, expandir seu imaginário e fantasias, viver
suas emoções, enfim, de pensar poeticamente (MATA, 2014).
Fazendo uma interessante reflexão sobre as funções pragmática
e poética da palavra, esse autor ressalta a importância primordial
da ludicidade da linguagem, defendendo a necessidade de as
crianças se desenvolverem tendo a oportunidade de vivê-la
como fonte de prazer, brincadeira e afeto. Para ele, portanto,
é primordial que possam crescer tendo consciência dos muitos
100
Infância, arte e produção cultural
modos de usar a língua, compreendendo especialmente as
formas criadas pelos homens para “ir afinando um olhar
poético, metafórico e emocional sobre a própria vida e os seres
humanos” (MATA, 2014, p. 64), o que é próprio do universo
literário.
Desse modo, através da linguagem literária, oferecem-se à
criança experiências ricas e prazerosas com a língua, uma vez
que ao trabalhá-la poeticamente, a literatura provoca encanto
e alimenta a construção de olhares inéditos sobre o mundo.
As vivências com o literário na infância, por isso, devem
favorecer a configuração da subjetividade pela criança, além
de lhe permitir aprender a lidar com a carga metafórica das
palavras, ultrapassando o seu valor denotativo e pragmático.
Considerando isto, Mata ressalta a importância da linguagem
literária nas vivências da criança, defendendo que
Não deveríamos permitir que a infância carecesse
de oportunidades de se relacionar com a linguagem
de forma feliz, maravilhada, criativa, libertadora. [...]
[Deveríamos] propiciar o encontro e a imbricação
das crianças com as metáforas, as rimas, as
onomatopeias, os símbolos, os jogos de linguagem,
as polissemias..., pois isso lhes permitiria uma
relação mais aberta e complexa com o mundo.
(MATA, 2014, p. 67)
É, portanto, no sentido de fazer da literatura caminho
para a descoberta das maravilhas e surpresas da linguagem,
experimentando o prazer e o encantamento dela decorrentes,
101
Infância, arte e produção cultural
que se devem fomentar as vivências com a literatura infantil,
muito importantes ao desenvolvimento e educação das
crianças na Educação Infantil.
Literatura infantil: arte de palavras e imagens
Como uma das múltiplas linguagens a serem propiciadas
à criança, por meio das atividades realizadas no contexto da
Educação Infantil (BARBOSA; HORN, 2001), a literatura infantil,
forma de arte que encanta, diverte, sensibiliza e humaniza, tem
enorme relevância, enriquecendo sobremaneira as vivências
infantis nesse âmbito. Para Coelho (2000), antes de qualquer
coisa, ela também é literatura e, como tal, “provoca deleite e
traz um trabalho poético com as palavras, com as figuras de
linguagem e com as imagens” (PARREIRAS, 2009, p. 22), daí sua
importância para a criança.
Destinada aos bebês, crianças bem pequenas e crianças
pequenas, a literatura infantil abre espaço para a sua
imaginação, ludicidade e fruição, além de propiciar a ampliação
das suas experiências de vida. Assim, é muito relevante para
alimentar o imaginário infantil, auxiliando a criança a conhecerse melhor e a ampliar sua percepção do mundo. Para tanto,
precisa adequar-se às necessidades desse público, sendo
escrita num léxico próximo a ele e relacionando-se aos seus
interesses e realidade, requisitos imprescindíveis para que o
atraia e agrade.
A literatura infantil que respeita as crianças é a que lhes
permite ativamente atribuir sentidos ao que lê (CADEMARTORI,
102
Infância, arte e produção cultural
2010), condição que nos últimos anos vem sendo promovida
a contento por obras em que as características artísticas e
estéticas se destacam e sobressaem no sentido de propor
desafios interpretativos cada vez mais significativos. Nessa
perspectiva, a leitura de literatura tem se constituído, para as
crianças, como rica oportunidade de formação leitora a partir
da fruição e da vivência da arte e da beleza das interações entre
palavras e imagens que se dão no livro infantil. Nesse relevante
objeto cultural, veículo da arte, beleza, poesia, fantasia, de
um olhar sensível sobre a existência etc., a linguagem literária
se manifesta e concretiza para a criança, encantando-a e
atraindo-a.
Tratando da importância desse livro e de suas características
como artefato capaz de propiciar, por meio de elementos
verbais e visuais, a ampliação das experiências da criança
com a arte e a consequente expansão de sua sensibilidade e
cognição, Bastazin destaca a potencialidade desse objeto e as
realizações plurais pelas quais ela se manifesta na atualidade,
afirmando que o livro infantil
desenha a palavra e inscreve a imagem muito
menos como complemento e redundância e
muito mais como similaridades da forma de dizer.
É possível afirmar que, na contemporaneidade,
o livro propõe à criança uma dança com os olhos,
atualiza o mito das origens do verbo nas mais
diferentes performances da palavra. A cada obra,
uma experiência única estimula a percepção infantil
a criar imagens que se deslocam do sensível para o
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Infância, arte e produção cultural
cognitivo sem o compromisso de produzir verdades
ou significados preestabelecidos. Palavra e imagem
– enquanto objeto sonoro, visual, tátil – entram em
interação sem exigir necessariamente vínculos de
significados. Se, de um lado, elas podem relacionarse para ampliar um possível significado, de outro,
elas podem também dizer suas diferenças,
suscitando relações de complementaridade ou
mesmo oposição. A obra infantil se oferece como
experiência de ampliação de perspectivas, como
universo sem fronteiras, como imaginário aberto
às possibilidades de uma mente plástica em
permanente transformação. (BASTAZIN, 2018, p.
76 e 77)
Dando relevo à constituição do livro infantil a partir da interrelação profícua de palavras e imagens, a autora defende a
importância desse objeto para a criança, que nele encontra um
espaço aberto à liberdade e à imaginação, onde experiências
que envolvem a sensibilidade e o conhecimento favorecem
ampliar perspectivas e, em decorrência, promover mudanças
e evoluções significativas na mente e no desenvolvimento
infantis.
No que concerne à ilustração especificamente, esta
desempenha um papel crucial e apresenta importante caráter
artístico no livro infantil. Uma vez que suscita múltiplos
sentidos, colabora para contar as histórias e auxilia as crianças
a se aproximarem desse objeto, seduzindo-as para sua leitura
(SILVA, 2020). Refletindo sobre a qualidade da ilustração e o
104
Infância, arte e produção cultural
seu caráter artístico, Corsino (2010) aponta o fato dela partir
do verbal, mas extrapolá-lo ao sugerir e realizar uma leitura
peculiar do narrado. Para essa autora, uma boa ilustração é
aquela que propõe “atravessar o verbal em sua referencialidade
e estabelecer a partir dele uma leitura própria, propositiva e
criativa, em que forma e conteúdo, ética e estética ganhem a
dimensão artística” (CORSINO, 2010, p. 193).
Ao realçar a importância da ilustração na literatura infantil
e para a ampliação do imaginário da criança, Ramos (2011),
por sua vez, destaca a capacidade desta para apreender
rapidamente as imagens, uma vez que está em um momento
de seu desenvolvimento em que, por não ter sofrido ainda a
influência excessiva das consequências da racionalização, está
muito aberta às sensações e percepções das formas, cores
e texturas. Por isso, as imagens constituem o seus primeiro
interesse ao deparar-se com um livro ilustrado, daí a relevância
de serem foco da atenção dos que lhe apresentam esse objeto,
mediando sua leitura.
Tratar da literatura infantil e de suas características implica,
ainda, refletir sobre suas manifestações em textos narrativos
e poéticos. Entre os primeiros, cabe destacar as narrativas
curtas, as narrativas visuais, as lendas, as fábulas, entre outras
que, apresentando peculiaridades que as diferenciam da
poesia, aproximam-se por contarem histórias, respeitando
uma sequência temporal, e por serem capazes de mexer com
o imaginário das crianças, muito contribuindo à sua formação
leitora. Ao tecer diferenças entre esses dois universos da
literatura infantil, o poeta José Paulo Paes afirma:
105
Infância, arte e produção cultural
As narrativas em prosa, com personagens, peripécia
e desfechos, estimulam os mecanismos de
identificação imaginativa [...]. Já a poesia tende a
chamar a atenção da criança para as surpresas que
podem estar escondidas na língua que ela fala todos
os dias sem se dar conta delas. (PAES, 1996, p. 24)
A partir de sua concepção, cabe destacar dois aspectos
cruciais, intrinsecamente relacionados à literatura dirigida
aos pequenos, sobre os quais é necessário tecer algumas
considerações. O primeiro é a imaginação, fator que motiva a
construção ficcional e estética dos textos, além suscitar no leitor,
pela via da identificação com o retratado, novas possibilidades
criativas que implicam reconfigurações do já conhecido.
Arena (2010), recorrendo ao pensamento de Vygotsky,
rechaça o atrelamento da imaginação ao irreal e à fantasia,
portanto, destituindo-a de valor prático à vida, e ressalta,
em direção contrária, sua importância para a constituição de
capacidades tipicamente humanas e para a criação cultural
em suas múltiplas formas, o que inclui a literária. Nesse
sentido, salienta a relevância da literatura infantil para que a
criança, em contato com os enunciados da literatura, cheios
de concretude e vida, desenvolva sua imaginação, inventando,
criando, rompendo com o estabelecido para encontrar o ainda
não conhecido.
Com pensamento semelhante, também fundamentando-se
nas ideias vygotskianas, Corsino (2013) salienta a importância
das experiências vividas para o desenvolvimento da imaginação
106
Infância, arte e produção cultural
e para a atividade criadora. Assevera que a criação do novo
implica um processo de combinar diferentemente, em outras
configurações, o que já existe, ação que denota o papel ativo
e participativo do sujeito na apropriação e reelaboração da
cultura. Assim, criatividade e imaginação são tidas como
construções sociais (VYGOTSKY, 2009), frutos das trocas
culturais entre pares, por meio das quais as crianças tornam-se
capazes de elaborar as situações imaginárias de modo criativo,
através da combinação de elementos como gestos, padrões de
comportamento e enredos (OLIVEIRA et al., 2019).
O segundo aspecto ressaltado por Paes (1996) refere-se
à capacidade da literatura, e mais especificamente da poesia,
para promover o acesso significativo da criança à língua do seu
grupo cultural e às oportunidades de vivenciá-la em sua riqueza
e potencialidade. Para Corsino (2010, p. 184), “a literatura, mais
do que introduzir as crianças no mundo da escrita, ao tratar a
linguagem enquanto arte, traz as dimensões ética e estética
da língua”, desse modo desempenhando um importante papel
na formação desses sujeitos. Assim, precisa ser vivenciada e
explorada como um caminho de infinitas possibilidades e de
inserção nas riquezas da cultura humana.
No que se refere especificamente ao universo poético, ele
inclui textos em que as palavras agem como um brinquedo e, por
isso, dotadas de beleza, musicalidade e humor, caracterizam-se
por combinar formas, sons e significações, de modo a provocar
emoção e divertimento, atraindo as crianças e prendendo sua
atenção. A poesia é, pois, o brincar com as palavras, o que é
garantido por construções literárias em que aspectos como
107
Infância, arte e produção cultural
ritmo, recursos linguísticos e figuras de linguagem se destacam,
sobrepondo-se, muitas vezes, à significação (CORSINO, 2010),
o que causa surpresa nas crianças e lhes permite descobrir a
língua em novas nuances e perspectivas, como ressaltado por
Paes (1996).
O contato significativo com o universo artístico manifestado
na literatura infantil, em suas múltiplas formas, mostra-se, pois,
muito necessário às crianças, suas aprendizagens e chances
de inserir-se ativamente na cultura. Por isso, nas práticas da
Educação Infantil cabe privilegiá-lo, a fim de aproximá-las da
arte, da beleza, do sonho, da fantasia, do lúdico, enfim, dos
muitos aspectos que esse rico universo encerra.
Arte, encantamento, humanização: as vivências com a
literatura infantil junto às crianças
Considerar que o universo literário infantil ajuda a formar
sujeitos mais sensíveis, apreciadores do belo, desbravadores
de novos horizontes, leitores mais minuciosos e críticos de si
mesmos, do outro e do mundo que os cerca, é requisito a sua
abordagem nas instituições de Educação Infantil.
A literatura infantil, como outras modalidades artísticas,
promove uma experiência estética muito significativa para
a criança, fundamental aos seus processos de apreensão do
mundo e, consequentemente, ao seu desenvolvimento. Ao
tratar dessa experiência e de sua relação com a educação
envolvendo as artes na Educação Infantil, Kowalski (2012)
ressalta sua importância para que a criança amplie suas
108
Infância, arte e produção cultural
capacidades de atribuir significados ao mundo e de expressálos criativamente:
Na infância, expandir e consubstanciar processos
experienciados esteticamente para o saber dizer o
que se sente e o que se pensa de modo próprio,
único, criativamente, usando as linguagens
artísticas, vem ligar dois campos próximos, embora
diferentes: a educação estética e a educação
artística. A criança que tem à sua disposição
diferentes linguagens artísticas, diferentes canais de
expressão e comunicação e os usa de modo criativo
tem múltiplas possibilidades de pensar e, assim,
de construir a sua versão da circunstância sobre a
qual se debruça, atribuindo-lhe significados únicos.
(KOWALSKI, 2012, p. 47-48)
No que diz respeito à experiência estética relacionada
à literatura infantil, cabe destacar o poder que esta tem de
libertar o leitor do seu mundo real e de transportá-lo para
um mundo ficcional que o ajuda a repensar seu próprio
mundo e suas atitudes perante ele (SOUZA; NETO; GIROTTO,
2016). Nessa direção, favorecendo a diversão, o encanto e o
prazer, além de abrir espaço para a fantasia e a imaginação,
essa literatura, entre outros aspectos, auxilia no processo de
formação leitora da criança, na ampliação do seu vocabulário e
no conhecimento da língua escrita e de suas estruturas.
Além desses fatores, também cabe destacar a relevância
da linguagem literária para que a criança se relacione com
109
Infância, arte e produção cultural
outra manifestação da linguagem, diferente daquela que,
pragmaticamente, é usada no cotidiano. A linguagem poética
da literatura permite-lhe fantasiar e expandir sua compreensão
do mundo, como apregoa Mata:
Quando as crianças leem, ou escutam uma história
ou um poema, ou assistem a uma apresentação
teatral, entram em contato com mundos linguísticos
criados por outros, com ficções e imagens
idealizadas por outras mentes. Encontram-se com
manifestações da linguagem às quais, se não fosse
por essas experiências, dificilmente teriam acesso.
E não só por sua idade, mas porque, em parte, o
léxico da literatura ou do teatro ou da poesia não
pertence à linguagem cotidiana, mas sobretudo
porque mesmo que as palavras das narrativas
possam ser comuns e correntes, a linguagem
poética lhes confere outra luz, outra textura, outros
significado. Adquirem características poéticas,
encantam de forma irresistível, permitem olhares
inéditos sobre o mundo. A narração, o teatro, a
poesia... as transformam em palavras maravilhosas,
eufônicas, enigmáticas, evocadoras. (MATA, 2014,
p. 66) (grifos nossos)
A literatura, ao manejar esteticamente as palavras,
conferindo-lhes outras nuances, abre caminhos para que
possam encantar, emocionar e surpreender, ao mesmo
tempo mobilizando a construção de novas formas de, pela
linguagem, melhor compreender o mundo e expressá-lo.
110
Infância, arte e produção cultural
Assim, é importante que desde cedo as crianças tenham
oportunidades de experimentar a leitura literária como uma
vivência emocional transformadora, uma prática humanizadora
e desenvolvente (MELLO, 2016).
Dadas as características e possibilidades do literário para as
vivências de interação e aprendizagem das crianças pequenas,
é preciso que ler para e com elas aconteça cotidianamente nas
instituições de Educação Infantil. Para tanto, é imprescindível
a mediação de um leitor mais experiente que conceba a
literatura infantil como arte da palavra e da imagem, e favoreça
à criança o acesso a ela, além de experiências múltiplas com
essa linguagem artística.
Assim, o convívio significativo das crianças com obras
literárias infantis no cotidiano das creches e pré-escolas,
condição respaldada no aparato legal que rege o trabalho
nessas instituições (por exemplo, as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil e a Base Nacional Comum
Curricular para a Educação Infantil), precisa ser assegurado.
Nessa perspectiva, é relevante que os professores proponham
às crianças vivências instigantes e prazerosas com a literatura
infantil, as quais podem acontecer, por exemplo, nas rodas de
conversa, por meio da leitura feita pelo mediador com maior
experiência cultural, ou em situações em que as próprias
crianças, a partir do acesso aos livros, os escolhem e, a seu
modo, os leem para seus colegas e/ou professores.
Nessas situações, o livro configura-se como elemento
central, uma vez que, por seu intermédio, as crianças têm ricas
oportunidades de conviver com a arte da linguagem literária e,
111
Infância, arte e produção cultural
deleitando-se com a poesia de palavras e imagens integrantes
desse livro, acessam as riquezas da cultura humana, a partir
daí, aprendendo e se desenvolvendo. A esse respeito, Corsino
(2012) enfatiza a importância da leitura de histórias na Educação
Infantil, relacionando-a à ampliação do universo cultural das
crianças e à constituição de suas identidades e subjetividades.
Chama a atenção para a necessidade dessa leitura estar
embasada na materialidade do objeto-livro, aspecto que, além
de atrair o leitor, ajuda a fazer do texto literário um elemento
que provoca o imaginário das crianças, que abre
margem para elas fazerem suas interpretações,
pensarem sobre a vida e as interações,
estabelecerem relações das mais diversas. O que
as crianças aprendem com a literatura muitas
vezes não está explicitado na superfície do texto; é
troca de experiências, é a possibilidade de pensar,
de se pensar e de continuar o texto imaginando.
(CORSINO, 2012, p. 62)
Portanto, nas vivências que envolvem a partilha da leitura
do livro literário infantil, importantes aprendizados relativos
à imaginação, à leitura, às interações e ao pensamento
acontecem. Especificamente em relação às imagens, cada
vez mais fundamentais nas obras dirigidas ao leitor-criança,
é necessário que desde cedo busque-se fomentar nele a
capacidade de observá-las e lê-las, a fim de perceber suas
minúcias e refletir sobre os seus diferentes elementos,
interpretando-os como signos visuais. Assim, considerando
112
Infância, arte e produção cultural
a leitura da ilustração como parte integrante da leitura do
livro como um todo, é necessário ao mediador oportunizar às
crianças tempo e espaço para a observação do texto visual,
além de realizar perguntas e observações que as auxiliem a
melhor entender suas características e relações com o texto
das palavras (CORSINO, 2010).
Já quanto à linguagem verbal, cabe salientar a capacidade
da literatura e das palavras trabalhadas esteticamente para
potencializar a cognição, ao unir os universos emocional e
racional. Realçando a intrínseca relação da leitura de literatura
com a construção de vínculos emocionais entre adultos e
crianças, Mata (2014) afirma que, quando se lê um livro de
histórias para as crianças, um aspecto se sobressai antes de
qualquer coisa: o afeto. Por isso, defende ser preciso envolvêlas na linguagem poética que “alenta o conhecimento e a
compreensão da vida, amplia as alegrias e esperanças da
infância” (MATA, 2014, p. 70). Além disso, como realça o
estudioso, por meio de explicações, diálogos e estímulos à
interpretação e criação, essa linguagem mostra às crianças
que é possível ultrapassar o valor denotativo e pragmático das
palavras, vivenciando-as como fonte de encanto e liberdade.
A literatura, manifestação artística tão relevante às
crianças, abre profícuas oportunidades para que, na Educação
Infantil, ocorram ações voltadas a aproximá-las da linguagem
concretizada literariamente e dos livros. Com esse intuito, no
trabalho com bebês e crianças bem pequenas, são pertinentes
ações como favorecer a exploração do livro em seus aspectos
formais, além do seu manusear e folhear, aprendizados cruciais
113
Infância, arte e produção cultural
à compreensão dos significados do uso social desse objeto. Já
com o grupo de crianças pequenas, são relevantes atitudes
como explicitar o porquê da escolha de uma obra e instigar a
participação dos pequenos nos protocolos da leitura literária.
Nessa perspectiva, experiências constantes com o literário
na Educação Infantil são fundamentais às crianças, uma vez
que capazes de, pela vivência significativa da arte, promover
o encantamento, a diversão e o prazer, além de favorecer o
conhecimento da linguagem literária como meio “para criar e
recriar mundos, para imaginá-los e senti-los como uma bela
possibilidade” (MATA, 2014, p. 64), desse modo contribuindo
para a sua humanização.
Considerações finais
A arte, em suas múltiplas manifestações, mostra-se como
fator central à educação da primeira infância, dando suporte
à promoção de situações que viabilizem melhor compreender
as crianças, suas linguagens e capacidades para entender o
mundo e criar modos de representá-lo.
Como relevante linguagem artística, fundamentada numa
visão criativa e sensível do mundo, a literatura apresentase como universo favorecedor da aprendizagem e do
desenvolvimento das crianças no contexto da Educação Infantil,
por isso precisando ser tomada como elemento basilar das
práticas realizadas nesse âmbito.
Por meio dos textos literários infantis, apresentados
materialmente em livros quase sempre constituídos por
114
Infância, arte e produção cultural
texto escrito e ilustrações, nos quais recursos variados e cada
vez mais surpreendentes atraem e maravilham, a criança é
motivada a descobrir os encantos da linguagem poética e, por
seu intermédio, a construir outros modos de compreender o
mundo e de relacionar-se com ele, apropriando-se ativamente
de aspectos relevantes à cultura de seu grupo social.
Promover, no contexto da Educação Infantil, o acesso à arte
literária por intermédio do livro de literatura infantil, artefato
cultural importante cujo uso pressupõe ações que precisam
ser ensinadas e aprendidas, demanda a atuação crucial de um
leitor mediador experiente que, reconhecendo a relevância
das artes e, especificamente, da literatura para a criança, aja
no sentido de aproximá-la desse universo para que possa
desfrutar significativamente das inúmeras possibilidades que
ele suscita.
Desse modo, na Educação Infantil, faz-se muito necessário
propiciar experiências em que a literatura infantil seja tomada
como modalidade artística capaz de fomentar o incremento
das capacidades infantis para inventar, imaginar e criar.
Nessas experiências cheias de potencialidade, por unirem
fatores cognitivos, emocionais e sensoriais, a abordagem dos
elementos estéticos e artísticos das linguagens verbal e visual
do universo literário infantil pode constituir-se como fértil
terreno para que, pelos caminhos da ludicidade, da fantasia, da
beleza e do sonho, promovam-se nas crianças oportunidades
de encantar-se e de construir novos modos de pensar sobre o
mundo e de viver o artístico.
115
Infância, arte e produção cultural
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118
Infância, arte e produção cultural
120
Infância, arte e produção cultural
Educação audiovisual
na infância: percursos
criativo-pedagógicos entre
escola e comunidade
Ana Bárbara Ramos
Felipe Leal Barquete
Resumo
Nesse artigo, propomo-nos a apresentar uma perspectiva
sobre a Educação Audiovisual a partir das experiências da
Semente – Escola de Educação Audiovisual, em escolas e
comunidades da Paraíba. Ao problematizarmos o modo
como a linguagem audiovisual é usualmente posicionada nas
121
Infância, arte e produção cultural
práticas educativas em sala de aula – um recurso ilustrativo do
saber relacionado ao livro didático e mobilizado no modelo
da transmissão do conhecimento –, apresentamos uma
abordagem que a mobilize enquanto uma potência de criação
inscrita no âmbito das metodologias ativas vinculadas a uma
concepção de educação transformadora, com o objetivo de
fazer germinar comunidades de aprendizagem vinculadas ao
território educativo. Desse modo, faz-se necessário refletir de
forma mais aprofundada sobre a singularidade da linguagem
audiovisual e dos processos de criação de imagens e sons, a
relação pedagógica que ela estabelece com as práticas em
sala de aula e na comunidade, bem como as aproximações
metodológicas que potencializam tais práticas.
Abertura
“Isso veio para ficar”. Nos corredores das escolas, ou
nas salas do Zoom, é comum escutarmos essa frase das
professoras, afirmando a hipótese de que a presença da
tecnologia audiovisual na escola é um caminho sem volta.
Muitas instituições e redes de ensino já consideram assumir
o modelo híbrido como um modo de operação permanente,
daqui pra frente. Ao mesmo tempo, encontramo-nos diante
do risco de um retrocesso educacional de décadas forjado
pela combinação entre o inevitável fechamento das escolas,
a falta de acesso aos recursos tecnológicos pelos educandos
e a ampliação da evasão escolar. Estamos em 2021 em plena
pandemia da Covid-19, e a educação brasileira está em crise.
122
Infância, arte e produção cultural
As limitações impostas pela pandemia forçaram uma
convergência digital desigual e dramática na educação, de
modo que as telas traçaram uma linha de corte separando
quem teve acesso ao ensino remoto e quem ficou de fora,
limitando-se muitas vezes a um processo quase autoinstrucional
de aprendizagem com os materiais impressos enviados pela
escola. Em meio à impossibilidade de interagir presencialmente,
esse aspecto constituinte da educação – o encontro – ganhou
centralidade, e antes mesmo de nos preocuparmos com a
qualidade da aprendizagem das crianças, buscamos consolidar
modos de nos conectar com elas, modos de sustentar o vínculo
afetivo, e de possibilitar que elas constituíssem, mesmo que
precariamente, um experiência de escola para si. Além disso,
o corpo docente da maioria das escolas não estava preparado
metodologicamente para lidar com a dimensão pedagógica da
linguagem audiovisual. Esse quadro estimulou a migração da
dinâmica tradicional das aulas expositivas para as videoaulas,
configurando experiências de aprendizagem muitas vezes
frustrantes e desestimulantes para todos os envolvidos.
Por outro lado, os problemas da pandemia fortaleceram
a articulação de redes de apoio e cuidado entre escolas,
comunidades e grupos da sociedade civil, ampliando as
possibilidades de formação de professores, e colocando na
ordem do dia a necessidade de ampliar a organização e a
luta para garantir o direito e as condições estruturais para a
promoção da aprendizagem dos educandos nos tempos atuais,
entre elas o acesso às linguagens, tecnologias, metodologias e
práticas educativas contemporâneas nas escolas públicas.
123
Infância, arte e produção cultural
Para nós, que estamos no olho do furacão, é muito
difícil escrever sobre o momento atual. Reconhecemos que
nos encontramos em uma página da história suscetível às
transformações reestruturantes do campo da educação, e os
sentidos dessa transformação estão sendo disputados. Vivemos
um momento histórico marcado pela incorporação definitiva
das tecnologias educacionais no exercício da docência, pela
consolidação do formato da educação à distância (EAD),
por uma pressão social e política de desvalorização da
aprendizagem escolar em benefício da educação domiciliar, e
pela polarização ideopolítica resultante dos impactos do regime
comunicacional contemporâneo na afirmação das identidades
e no fortalecimento tanto do movimento de reivindicações
históricas por justiça social, quanto do reacionarismo
conservador. Como as escolas e nós, educadoras e educadores,
podemos nos posicionar nesse contexto social e cultural
turbulento e consolidar uma prática docente significativa, em
um cenário marcado pela ênfase na comunicação audiovisual?
Nesse artigo, nos propomos a tecer alguns afetos e reflexões
sobre a presença e a potência do audiovisual na educação, no
esforço de contribuir para dar um sentido regenerador para
o movimento histórico em que vivemos. Através dos relatos
sobre as experiências da Semente com professoras, educandos
e comunidades nos últimos anos, compartilharemos um
certo modo de compreender e mobilizar as possibilidades
pedagógicas da linguagem audiovisual na Educação Infantil,
com o objetivo de qualificar as experiências de sensibilização e
aprendizagem, fortalecer as comunidades, incluir territórios e
124
Infância, arte e produção cultural
culturas, e fomentar o protagonismo das crianças no processo
de investigar, conhecer e inventar mundos para si. Esse é um
texto sobre encontros possíveis e desejáveis para a educação
brasileira durante e após a pandemia.
As sementes, as flores, os frutos, as sementes…
Semente Cinematográfica foi o nome que escolhemos em
2014 para demarcar a nossa atuação no campo da educação.
Naquela época, nos dedicamos ao trabalho de evidenciar as
possibilidades pedagógicas que afloram quando a educação e
o cinema se encontram e germinam um no outro. Em relação
à concepção tradicional de educação, tal encontro provoca
deslocamentos importantes no processo de ensinar e aprender,
tanto no que se refere à forma como um determinado saber
é acessado, assimilado e elaborado, como também na relação
que é estabelecida entre professores e educandos, e entre a
escola e a comunidade.
A Semente foi plantada no encontro entre profissionais
do cinema e da educação, com experiências diversas ligadas
ao trabalho com o audiovisual dentro e fora da escola. Esse
encontro foi potencializado por uma sincronia muito feliz:
a sistematização de uma pedagogia voltada para a criação
cinematográfica nas escolas com ênfase na educação em
direitos humanos, realizada pelo projeto Inventar com a
Diferença1. Tal proposta, nomeada posteriormente como
Para saber mais sobre o Projeto Inventar com a Diferença, conheça os Cadernos do Inventar
(MIGLIORIN, 2016). O livro compartilha muitos dispositivos de criação audiovisual para colocar
em prática em sala de aula.
1
125
Infância, arte e produção cultural
Pedagogia do Dispositivo2, apresentou uma possibilidade de
trabalhar com a linguagem audiovisual na escola a partir de
jogos e brincadeiras com os recursos disponíveis, como celulares
e handycams. Além disso, as práticas com os dispositivos de
criação audiovisual estimulam o aprofundamento da relação
entre a escola e a comunidade, fomentam o encontro entre as
gerações e os saberes nos seus diferentes modos de existência,
fundando um território de criação e aprendizagem a partir da
motivação dos educandos.
Nos anos posteriores, a Semente incorporou outras
referências desse campo que floresceu bastante com o
fomento da Rede Kino3. Em 2016 desenvolvemos um projeto
piloto na EMEIF José Albino Pimentel, do Quilombo GurugiIpiranga (Conde/PB), chamado Escola Experimental de Cinema
(EEC), inspirado na experiência do CINEAD (UFRJ)4. Nesse
projeto, o que nos moveu foi a ideia de consolidar um lugar
de experimentação estética e pedagógica com a linguagem
audiovisual dentro da escola. Um lugar que oferecesse as
condições estruturais e a sistematização de processos e práticas
para impactar a cultura escolar de dentro para fora, contribuindo
assim para potencializar e qualificar as experiências de ensinar
e aprender. Para tanto, a EEC propunha atividades de formação
2
Para saber mais sobre a Pedagogia do Dispositivo, leia o artigo A pedagogia do dispositivo:
pistas para criação de imagens (FÓRUM NICARÁGUA, 2021).
3
A Rede Kino- Rede Latinoamericana de educação, cinema e audiovisual, reúne pesquisadoras,
professoras e projetos em encontros do Fórum da Rede durante a CineOP, a Mostra de Cinema
de Ouro Preto.
4
Escola de Cinema do Colégio de Aplicação da UFRJ (CAp-UFRJ), ligada ao Programa de
Extensão Cinema para Aprender e Desaprender (Cinead), onde estudantes do ensino médio e
fundamental estabelecem o primeiro contato com o cinema.
126
Infância, arte e produção cultural
de professores, práticas com os educandos, sessões de
cineclube, além da consolidação de um espaço físico com kit
de equipamentos, acervo de filmes e livros.
O projeto da EEC foi realizado com amplo apoio e
participação da comunidade, dos educandos, das professoras,
da coordenação, da direção da escola e da Secretaria de
Educação. Uma parte dos frutos desse trabalho, os filmes
realizados5, evidenciam os modos pelos quais a educação formal
pode ser beneficiada com a implementação da linguagem
audiovisual. Consideramos essa a experiência fundante do
modo de atuação da Semente nas escolas, uma abordagem que
estimula a criatividade dos educandos de forma integrada com
a cultura, com o território e com as demandas de aprendizagem
na sala de aula. Em outras palavras, consolidamos uma proposta
de implementar metodologias ativas com o audiovisual,
articuladas ao Projeto Político Pedagógico da escola e atenta
às necessidades das professoras e educandos, resultando em
experiências de ensinar e aprender potentes e significativas.
Nos anos seguintes, as experiências e amadurecimentos
vividos no Quilombo Gurugi-Ipiranga se ramificaram em
muitas direções. De um lado, aprofundamos nossa atuação
nas duas escolas da comunidade, contemplando educandos
da Educação Infantil e do Ensino Fundamental I e II. De outro,
expandimos nossa atuação no Estado da Paraíba, beneficiando
quatro territórios em parceria com seis instituições de ensino
5
Todos os filmes produzidos nas escolas pela Semente podem ser acessados no nosso canal do
Youtube. Disponível em: <https://www.youtube.com/channel/UC-1tVkqm_pszCfcSvOBLzgg>.
Acesso em: 9 Ago 2021.
127
Infância, arte e produção cultural
e organizações da sociedade civil. Nesse processo, as Escolas
Experimentais passaram a se chamar Escolas Vivas de Cinema,
em razão da proliferação de experiências, formatos de atuação
e metodologias desenvolvidas em cada contexto6.
Contribuímos com propostas articuladas com a educação
tradicional, a educação popular, a educação transformadora,
a educação patrimonial, a educação socioemocional, a
educação socioambiental, a pedagogia de projetos e as
práticas de alfabetização e letramento. Assim, com o apoio
de uma comunidade de educadoras e educadores, alargamos
as nossas bases teórico-metodológicas e possibilidades de
contextualização ao dialogar com diferentes perspectivas
pedagógicas, e aprendemos a nos conectar com aquilo que
move de fato o profissional da educação em suas práticas –
o encontro transformador, o afeto, o cuidado e a atenção ao
desenvolvimento integral dos educandos, independente da
metodologia aplicada.
Nos cursos de formação que realizamos nesse período,
constatamos que o imaginário de educadoras e educadores
em relação ao audiovisual antes da pandemia estava
majoritariamente ligado à indústria cultural e aos processos de
produção de filmes caros e complexos. É compreensível que seja
assim, em razão do modo como o audiovisual foi desenvolvido
e mobilizado historicamente na sociedade. Reconhecemos
que esse imaginário é uma das principais forças que obstrui
6
Esse trabalho foi realizado no projeto Cartografia de Imagens, apoiado pelo Programa Rumos
Itaú Cultural 2017-2018. Tanto os filmes quanto o livro do projeto podem ser acessados no
nosso site. Disponível em: <https://semente.educacaoaudiovisual.com.br/cartografia-deimagens>. Acesso em: 9 Ago 2021.
128
Infância, arte e produção cultural
o entendimento das possibilidades pedagógicas dessa
linguagem, e consequentemente gera uma indisposição para a
sua apropriação em sala de aula. Outro aspecto relevante desse
problema é a influência, na formação e prática da docência, do
que Paulo Freire nomeia como “educação bancária”, ou seja,
uma concepção de educação conteudista que organiza práticas
de ensino-aprendizagem baseadas na exposição e transmissão
do conhecimento do professor para um estudante passivo e
ignorante. Um conhecimento “pronto”, retirado do livro didático
e imposto sem necessariamente dialogar com o conhecimento
prévio nem com a realidade existencial do sujeito aprendente.
Ainda que o audiovisual tenha contribuído historicamente
para enriquecer as estratégias tradicionais de aprendizagem
enquanto um recurso ilustrativo dos conteúdos, o que os
tempos atuais apresentam são outras possibilidades de
interação com o mundo mediadas por ferramentas cada vez
mais acessíveis para a população, reconfigurando as dinâmicas
da sociabilidade humana no âmbito de uma cultura audiovisual
globalizada e interdependente. Nesse cenário em que os
processos de subjetivação de crianças, jovens e adultos são
atravessados pelo audiovisual e seus modos de produção,
recepção e compartilhamento de sensibilidades, narrativas e
visões de mundo, o campo da educação de modo geral, e a
escola de modo específico, podem contribuir decisivamente
para a consolidação de uma relação crítica e criativa com as
imagens e os sons, fomentando experiências democráticas,
colaborativas e comprometidas com o bem viver dos educandos
e suas comunidades.
129
Infância, arte e produção cultural
Na nossa trajetória, reconhecemos que a parceria com
escolas, organizações e educadoras nos processos de formação
e desenvolvimento metodológico foi fundamental para
estabelecer um diálogo multidisciplinar, com o objetivo de
lidar criativamente com os desafios concretos do chão de cada
escola e de cada comunidade, e nutriu um gradual afloramento
do que o professor Carlos Rodrigues Brandão nomeia como
uma vocação transformadora da educação7 no modo como
nos relacionamos com o mundo através do audiovisual. Nós
nos inspiramos na sensibilidade e no pensamento de Brandão
quando ele sugere alguns passos no caminho de uma outra
educação, dentre os quais a proposta de
[...] re-centrar o processo do ensino-aprendizagem
no “acontecer do aprender”, recolocá-lo no interior
da vida de equipes e na experiência pedagógica do
criar-entre-nós. Transformar a sala de aula e a turma
de alunos em uma comunidade aprendente. Uma
pequena e viva comunidade centrada no trabalho
da pessoa-com-os-outros, e não no esforço egoísta
do indivíduo-contra-os-outros, à margem da equipe,
da turma, da pequena e ativa comunidade que sabe
o que aprende... e que aprende o que constrói.
(BRANDÃO, 2019, p.21)
7
Em uma roda de conversa no lançamento da Semente - Escola de Educação Audiovisual, o
professor Brandão identificou e nomeou quatro vocações da educação, a saber: a educação
conservadora, a educação liberal, a educação transformadora e a educação emancipatória.
O registro do encontro está disponível no nosso podcast Educação Audiovisual na Prática.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=oNLwvSa6JA8>. Acesso em: 9 Ago 2021.
130
Infância, arte e produção cultural
Nesse horizonte, a motivação do educando é fundamental,
mas é a relação, a comunicação entre educando, educador,
comunidade e natureza que ganha centralidade em uma
experiência de aprendizagem multicultural, na qual o ato
criativo é um dos fatores constituintes do processo de
desenvolvimento cognitivo, afetivo e sócio-emocional, ético e
estético dos educandos.
Foi na crise da pandemia que a Semente rebrotou, e
passamos a atuar enquanto uma escola digital voltada para
a formação de professoras e professores. Acolhemos novos
integrantes e buscamos apoio nas professoras, que nos
ajudaram a entender como poderíamos contribuir no contexto
do ensino remoto e híbrido. Foi assim que assumimos mais
diretamente o conceito de “educação audiovisual”, ampliando
a nossa abordagem que nasceu com ênfase na relação entre
o cinema e a educação. Assim, passamos a dar mais relevo à
possibilidade de mobilizar diversos gestos, afetos e vivências
no mundo, através da linguagem audiovisual, conectando
o complexo corpo-mente-espírito do aprendente aos seres,
saberes, memórias emoções e objetos do mundo, sem fazer
convergir necessariamente para a criação de um filme, mas
sim para fomentar uma comunidade de aprendizagem viva
e criativa. Nessa trajetória de encontros, germinações e
florescimentos, passamos a reconhecer os horizontes teóricopráticos e as dinâmicas que favoreceram nossa caminhada,
com o objetivo de consolidar a educação audiovisual no chão e
nas telas da escola.
131
Infância, arte e produção cultural
Horizontes, encontros e vinculações
Na nossa abordagem da Educação Audiovisual,
reconhecemos que a sua principal potência pedagógica é a
possibilidade de promover encontros e conectar mundos:
encontros entre escola e território, educandos e comunidade,
filhos e avós, natureza e cidade, memória e conhecimento, corpo
e sentimento, pontes as mais diversas que se estabelecem por
força da singularidade da linguagem audiovisual e da dinâmica
de produção de imagens e sons.
Para que as lentes e microfones de uma câmera gravem
uma imagem ou um som, é necessário que exista uma intenção
humana, uma motivação, um movimento interno visando a criar
algo no e com o mundo, tendo como material a vida em si, o
real que se manifesta ao nosso redor. Esse aspecto constituinte
do processo de produção audiovisual faz aflorar a potência
pedagógica de nos deslocar da posição de espectadores
passivos para a de sujeitos no mundo, alguém capaz de olhar e
de ouvir, de contemplar, de indagar, de conhecer, de pensar, de
aprender, de inventar o mundo.
O ato de filmar é também uma exposição do mundo para
aquele que filma, e o mundo que se apresenta na imagem
pulsa na sua complexidade. Ele ainda não foi organizado em
saberes segmentados, rotulados e cristalizados. Daí a natureza
transversal da linguagem audiovisual, que possibilita infinitos
modos de abordagem e, por isso mesmo, favorece a formação
de uma atenção sobre um dado aspecto do real, criando
132
Infância, arte e produção cultural
condições para a leitura crítica da realidade, a articulação de
saberes e a elaboração de um olhar, um entendimento, uma
sensibilidade, uma narrativa.
Nesse aspecto, nós nos vinculamos ao entendimento de
Jan Masschelein e Marteen Simons, quando abordam as “[...]
operações radicais do que chamamos de formas pedagógicas e
que – sempre artificialmente – permitem que a aprendizagem
e a educação aconteçam” (MASSCHELEIN, SIMON, 2017, p.53).
Em linhas gerais, os autores afirmam que, ao posicionar o
indivíduo enquanto um “estudante”, a escola realiza operações
pedagógicas específicas, como a suspensão dos laços familiares,
comunitários e estatais pré-existentes, a suspensão da ordem
costumeira das coisas, dos seus usos e funções, e estabelece
um “tempo livre”, um “catalisador de começos”, em que as
diferentes gerações se reúnem e formam uma atenção para o
mundo apoiado em um “amor pedagógico”. Nas palavras dos
autores,
As formas pedagógicas se referem então, a
associações de pessoas e coisas em um arranjo como
um modo para lidar com, prestar atenção a, tomar
conta de algo- para entrar e ficar em sua companhia
- em que este cuidado acarreta estruturalmente em
uma exposição, uma vez que é confrontado com
alunos ou estudantes. (Ibidem, p. 54)
Ao ser compreendido e mobilizado na escola enquanto uma
linguagem com a potência intrínseca de mediar a sociabilidade
133
Infância, arte e produção cultural
humana, o audiovisual, nas suas formas de produção
contemporâneas, se integra organicamente no repertório
didático-pedagógico de escolas e professoras enquanto uma
possibilidade de promover experiências8 no mundo e, com
isso, expor o mundo à comunidade de aprendizagem para ser
problematizado, elaborado e reinventado, constituindo um
arranjo pedagógico vivo9, vinculado ao real.
Tal é a potência pedagógica da “linguagem criadora” do
audiovisual. A de (re)fundar a cultura e a comunidade no próprio
processo de vivenciá-la. Para além do “registro”, são muitos
os gestos que podem mobilizar o ato de filmar algo. A criança
pode revelar algo do seu mundo, pode contemplar aquilo que
se apresenta diante dela, pode brincar de colecionar aquilo que
encontra com a câmera; ela pode, também, querer saber por
que alguma coisa é assim desse jeito, e depois compartilhar
o que ficou sabendo. Ao estabelecer uma “distância” artificial
entre o sujeito e a realidade, o ato de filmar contribui para
promover a suspensão da condição de “estar no mundo” para
participar ativamente dele, ou seja, “estar com o mundo”. A
esse respeito, aproximamo-nos do pensamento do professor
Paulo Freire quando diz que
8
Em seu artigo Experiência e alteridade em educação, Jorge Larrosa (2011) reflete acerca da
singularidade da experiência e a relação que se estabelece entre alteridade, subjetividade
e saber. Consideramos essa uma contribuição teórica fundamental para pensarmos as
possibilidades pedagógicas do audiovisual.
9
Nesse aspecto, valorizamos as contribuições teóricas de Cezar Migliorin (2014) para pensar
os modos como o cinema contribui para instaurar arranjos pedagógicos e criativos na escola. O
autor evoca a imagem do mafuá para colocar em jogo o princípio da igualdade das inteligências
e competências, que possibilita que estudantes e professores criem juntos e com o mundo.
134
Infância, arte e produção cultural
[...] é como seres conscientes que mulheres e
homens estão não apenas no mundo, mas com
o mundo. Somente homens e mulheres, como
seres “abertos” são capazes de realizar a complexa
operação de, simultaneamente, transformando o
mundo através de sua ação, captar a realidade e
expressá-la por meio de sua linguagem criadora. E é
enquanto são capazes de tal operação, que implica
em “tomar distância” do mundo, objetivando-o, que
homens e mulheres se fazem seres com o mundo.
Sem essa objetivação, mediante a qual igualmente
se objetivam, estariam reduzidos a um puro estar
no mundo, sem conhecimento de si mesmos nem
do mundo." (FREIRE, 2001, p.53)
Para além dos limites físicos que demarcam o espaço de
uma comunidade, ou dos aspectos culturais que singularizam
um grupo social, cultivamos uma certa relação entre a escola
e o território educativo que seja fundada nos afetos dos
educandos e de toda a comunidade escolar. Em outras palavras,
é a partir da escuta daquilo que afeta as crianças e os adultos
que promovemos os movimentos de integração entre escola
e comunidade, e assim organizamos arranjos pedagógicos
provisórios e percursos criativos que vinculem a aprendizagem
escolar nas necessidades existenciais dos educandos, seja no
formato presencial ou remoto, nas modalidades disciplinar,
inter ou transdisciplinar.
Pelo exposto, reconhecemos que o modo como
compreendemos a Educação Audiovisual se distancia de uma
135
Infância, arte e produção cultural
abordagem que dê ênfase ao ensino da arte cinematográfica
de forma apartada dos demais aspectos do currículo escolar.
Pelo contrário, embora incorpore os processos criativos com o
audiovisual, as práticas que desenvolvemos no chão da escola
se alinham direta e/ou transversalmente com os principais
documentos normativos da educação infantil como, por
exemplo, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Infantil (DCNEI) e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
No caso das DCNEI, por exemplo, as vivências no território
a partir dos dispositivos de criação audiovisual articulam-se
com os dois eixos estruturantes do currículo propostos pelo
documento – a interação e a brincadeira – e contemplam
diversas experiências para além do contato com o cinema
e da utilização dos dispositivos tecnológicos, tais como a
promoção de “vivências éticas e estéticas com outras crianças
e grupos culturais, que alarguem seus padrões de referência
e de identidades no diálogo e conhecimento da diversidade”;
o incentivo da “curiosidade, a exploração, o encantamento, o
questionamento, a indagação e o conhecimento das crianças
em relação ao mundo físico e social, ao tempo e à natureza”;
e configuração e práticas que “propiciem a interação e o
conhecimento pelas crianças das manifestações e tradições
culturais brasileiras” (BRASIL, 2010, p. 25-27).
Já no caso da BNCC, as metodologias ativas com o
audiovisual se alinham ao entendimento de que a criança é
uma protagonista que não apenas interage, mas também cria
e modifica a cultura e a sociedade em que vive. Ao implicar as
crianças em experiências que mobilizam o contato consigo, com
136
Infância, arte e produção cultural
o outro e com o mundo, as práticas de ver e fazer imagens e sons
podem atravessar todas as competências gerais, bem como
consolidar os direitos de aprendizagem e desenvolvimento,
e favorecer a mediação de atividades ligadas aos campos de
experiências organizados pela Base.
Experiências no chão da escola e da comunidade
Faremos uma breve exposição de algumas práticas de
Educação Audiovisual desenvolvidas pela Semente na EMEIF
José Albino Pimentel que ajudam a ampliar o entendimento
de como trabalhar com o audiovisual na Educação Infantil.
Compartilharemos duas experiências que apresentam
perspectivas e possibilidades práticas que podem contribuir
com as educadoras e educadores da primeira infância
motivados a implementar o audiovisual em suas práticas
pedagógicas.
No curso das experiências da Escola Experimental de
Cinema da José Albino em 2017, acompanhamos duas turmas
de crianças, uma da professora Janaína da Costa e outra da
professora Verônica Martins. Acompanhamos 18 crianças
numa turma e 15 na outra, no período de um ano letivo. As
atividades dos ateliês de criação audiovisual foram realizadas
no espaço da EEC, uma sala de aula adaptada exclusivamente
para realização do projeto. A base metodológica dos ateliês
articulava o cineclube escolar e a pedagogia do dispositivo,
presentes em todas as etapas dos ateliês realizados com as
crianças em parceria com as professoras. Todos os encontros
137
Infância, arte e produção cultural
começavam e terminavam com uma roda de conversa que
servia para introduzir a programação do encontro, os acordos
da turma, os valores de convivência em grupo, a conversa sobre
os filmes exibidos e as definições dos dispositivos a serem
realizados. Os ateliês foram organizados em três etapas: 1)
iniciação/sensibilização ao cinema; 2) estruturação do percurso
criativo-pedagógico; e 3) realização dos filmes.
Na primeira etapa, reunimos práticas de sensibilização
à linguagem, levando em consideração as interações e
brincadeiras como forma de estimular a motivação e o
engajamento das crianças. Antes das crianças pegarem na
câmera, propomos experiências lúdicas com os brinquedos
ópticos, para vivenciarem como as imagens são construídas e
como o movimento acontece. A partir disso, outros dispositivos
introdutórios foram apresentando para elas noções de
enquadramento e aspectos formais constituintes de uma
imagem, como luz e sombra, escala de planos, figura e fundo,
cores e texturas. O dispositivo Cores e texturas, por exemplo,
evidencia como a prática de sensibilização pode introduzir
questões mais profundas para a turma, de modo transversal e
lúdico. De acordo com as regras dessa brincadeira, cada criança
deve observar atentamente seus amigos e, com a câmera na
mão, filmar o detalhe que mais lhe interessar, bem de perto
(mãos, pés, olhos e cabelos). Assim, produzimos um inventário
de cores e texturas delas mesmas. Esse tipo de prática dentro
de uma comunidade quilombola, como é o caso das crianças
desta escola, favorece que as crianças explorem a percepção
dos diferentes tipos de pele, cor e marcas do corpo. Dessa
138
Infância, arte e produção cultural
forma, elas podem vivenciar o respeito e o acolhimento às
diferenças, além de se relacionarem com a diversidade de uma
forma prática, direta.
Em todo processo dos ateliês, e para além deles, as práticas
cineclubistas estiveram presentes. Com elas, é possível ampliar
o repertório audiovisual das crianças, fomentar o diálogo e
o trabalho em grupo, e promover o contato com diferentes
sensibilidades e visões de mundo. O cineclube possibilita que a
escola reorganize seus tempos, espaços e relações constituídas,
revigorando os afetos e ampliando as estratégias para o
desenvolvimento de habilidades cognitivas e socioemocionais
dos educandos. Além disso, o cineclube escolar, enquanto
uma prática inclusiva e democrática, pode abrir as telas da
existência da/para a própria comunidade escolar, acolhendo
as produções audiovisuais – orientadas ou espontâneas – dos
educandos, tanto na escola como no território, ou no seu
ambiente doméstico.
No desenvolvimento de uma atividade cineclubista,
por exemplo, é possível aproximar os filmes exibidos das
experiências cotidianas das crianças, como uma forma de elas
se conectarem com seu contexto, com o mundo à sua volta. Foi
assim que, entre tantas sessões cineclubistas realizadas com
as crianças, exibimos o filme Disque Quilombola (2012). Além
de apresentar a realidade social de crianças negras do Espírito
Santo, muito próxima das crianças da Escola José Albino, o filme
nos serviu como um dispositivo para realizar o mapeamento
do território educativo do Gurugi-Ipiranga. A partir desse
mapeamento, nós conhecemos e pudemos nos aproximar da
139
Infância, arte e produção cultural
motivação das crianças, que, por sua vez, foram encorajadas a
realizarem práticas dentro e fora da escola.
Na etapa do trabalho em que vivenciamos a comunidade,
passamos a utilizar dispositivos que favorecem a investigação,
a relação das crianças com as pessoas e os lugares da
comunidade. Esse é um aspecto importante da metodologia
da Semente, na medida em que as práticas realizadas fora da
escola ajudam a definir um percurso, um trajeto que crianças
percorrem na sua própria cultura, e nesse movimento elas
também valorizam as pessoas da comunidade, sobretudo os
ancestrais, o que possibilita o acesso aos saberes e memórias
guardadas por essas pessoas. Esses saberes voltam para a
escola através das imagens e dos sons, são partilhadas para
todos no cineclube, e absorvidas em sala de aulas nas outras
atividades das professoras.
Um dos dispositivos que facilita o acesso às pessoas e às
suas memórias é o da Fotografia narrada, que consiste em
filmar alguém narrando uma fotografia que lhe é cara. É uma
forma muito simples e potente de se aproximar das pessoas, de
descobrir um pouco mais sobre sua vida. Uma variação desse
dispositivo é a História dos objetos, que tem também o mesmo
princípio do dispositivo anterior, mas o objetivo é filmar alguém
narrando a relação afetiva com algum objeto. Através desses
dispositivos, as crianças da José Albino se organizaram para
conhecer dois temas que surgiram no mapeamento realizado
por elas na sessão de cineclube: as brincadeiras antigas do
quilombo e as artesãs da comunidade.
A investigação sobre as brincadeiras antigas foi o motivo que
140
Infância, arte e produção cultural
levou o grupo de crianças a se relacionarem com Dona Teca,
uma antiga moradora da comunidade, guardiã das brincadeiras
antigas. As crianças foram recebidas na casa da moradora,
realizaram a Fotografia narrada, trocaram referências,
filmaram. Fizeram um mapeamento das brincadeiras antigas,
brincando. O próprio brincar virou um dispositivo novo, nascido
ali na hora. Elas também compartilharam com Dona Teca as
brincadeiras atuais. Tal experiência resultou no filme O grilo, o
morto vivo e o jacaré (2018).
Já o grupo da professora Verônica trabalhou com o
dispositivo História dos objetos com as mulheres do grupo
Mães de Barro, um grupo de artesãs da comunidade. Dentro
da sede, todas sentadas em roda, partilharam com as crianças
o ofício de artesãs, contado a partir de um objeto escolhido
pelas mulheres. As crianças, por sua vez, vivenciaram neste
dia uma experiência direta com o barro e criaram objetos que,
posteriormente, foram narrados por elas. O resultado dessa
experiência pode ser vista no filme Coração de barro (2018).
Nesses percursos criativo-pedagógicos, o saber, as práticas
e as histórias contadas por Dona Teca e pelas artesãs passaram
a integrar o imaginário das crianças, ampliando seu repertório
e incluindo referências positivas vinculadas à sua cultura,
o que contribuiu para o desenvolvimento da autoestima e o
reconhecimento da sua identidade quilombola.
Movimentos e transformações…
Como todo movimento histórico, as mudanças e
transformações afloram sem pedir licença, e o tempo presente
141
Infância, arte e produção cultural
revela o vetor resultante de uma complexidade de fatores,
acúmulos, derivações, acasos, saltos, combinações, sínteses,
rupturas, resgates e invenções que nos fizeram chegar onde
chegamos. Embora seja impossível ter clareza, neste momento,
sobre como será a educação brasileira pós-pandemia, podemos
esboçar algumas perspectivas ao observar os movimentos que
já existiam e atuavam na sociedade nos últimos anos.
Em linhas gerais, reconhecemos dois velhos conhecidos
nossos, movimentos aparentemente antagônicos que ganharam
contornos mais explícitos com a intensificação do processo de
transformação digital na educação nos últimos meses. Um
movimento flui na direção da individualização da aprendizagem
através do ensino à distância (EAD) e da educação domiciliar.
Nessa perspectiva, a educação, no seu sentido mais amplo e
complexo, cede espaço para um processo de aprendizagem
técnica e conteudista, favorecendo uma concepção tecnicista
ligada à formação de quadros para o mercado de trabalho.
O outro movimento se dedica a recompor o sentido de
comunidade, se esforça para incluir os desfavorecidos e para
fortalecer os vínculos afetivos entre professoras, educandos
e suas famílias, com o intuito de promover aprendizagens
contextualizadas e significativas.
Entre esses movimentos, as vocações da educação, como
sintetizada por Brandão, encontram o seu lugar. Diante de
um cenário marcado pela formação de bolhas informacionais
e ideológicas e pela insurgência de riscos concretos para a
democracia brasileira, nós afirmamos um modo de educar,
com a linguagem audiovisual, que crie condições para furar
142
Infância, arte e produção cultural
essas bolhas e reestabelecer pontes para o diálogo, apontando
caminhos benéficos para a sociedade e o planeta, com o apoio
das novas gerações.
As crises contemporâneas – sanitária, ambiental,
econômica, política, social e cultural – evidenciam a saturação
de um projeto civilizatório, marcadamente colonial, materialista
e intolerante com as diferenças. Um projeto que consolidou as
bases tecnológicas para um salto sem precedentes, no que se
refere à velocidade das transformações sociais. Acreditamos
que nós, educadoras e educadores, temos condições de
contribuir para que tais transformações sejam favoráveis para o
maior número de pessoas e povos. Podemos, assim, mobilizar
a tecnologia digital e a linguagem audiovisual para consolidar
uma proposta de educação intercultural, que resgate os
saberes ancestrais ligados ao cuidado da Terra e aos vínculos
comunitários, orientando, a partir dessa base, um novo ciclo
na nossa história, voltado para a regeneração dos nossos laços
afetivos com o outro e com o mundo.
143
Infância, arte e produção cultural
Referências Bibliográficas
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Alguns passos no caminho de uma
outra educação. In: BASSI, Flávio; FRANZIM, Raquel; LOVATO, Antônio
Sagrado; (Orgs.) Criatividade – Mudar a educação, transformar o
mundo. São Paulo: Ashoka / Instituto Alana, 2019. p. 18-27
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular.
Brasília: MEC, 2018.
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Brasília: MEC, SEB, 2010.
FÓRUM NICARÁGUA. A pedagogia do dispositivo: pistas para
criação de imagens. In: LEITA, Cesar; OMELCZUK, Fernanda; e
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poéticas. 1. ed. Macaé: Editora NUPEM, 2021.
FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade e outros escritos.
5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
LARROSA, Jorge; SKLIAR, Carlos (Org.). DAYRELL, Juarez;
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em educação. Revista Reflexão e Ação, Santa Cruz do Sul, v. 19,
n. 2, jul./dez. 2011. p. 04-27
MASSCHELEIN, Jan; SIMONS, Marteen. Experiências escolares:
uma tentativa de encontrar uma voz pedagógica. In. LARROSA,
Jorge (Org.) Elogio da Escola. Belo Horizonte: Autêntica Editora,
2017. p. 41-63
144
Infância, arte e produção cultural
MIGLIORIN, Cezar. et al. Cadernos do Inventar: cinema, educação
e direitos humanos. Niterói: Editora da UFF, 2014.
MIGLIORIN, Cezar. Deixem essas crianças em paz: o mafuá e o
cinema na escola. In: BARBOSA, Maria Carmen Silveira; SANTOS,
Maria Angélica dos (Org.). Escritos de Alfabetização Audiovisual.
Porto Alegre: Libretos, 2014. p. 152-162
145
Infância, arte e produção cultural
146
Infância, arte e produção cultural
Educação Infantil e arte:
crianças e docentes
como propositores de
experiências educativas
e artísticas
Rayffi Gumercindo Pereira de Souza
Kátia Patrício Benevides Campos
Maria das Graças Oliveira
147
Infância, arte e produção cultural
Introdução
Como temos pensado as crianças, a docência e a Educação
Infantil? Ao refletimos sobre arte na escola infantil, a partir
de quais parâmetros elaboramos nossas compreensões?
Essas questões nos ajudam a expor o que buscamos com este
texto: refletir sobre a potente articulação entre educação e
arte, tomando as crianças e os docentes como propositores
de experiências educativas e artísticas. Nesse caminho,
optamos por considerar a dimensão estética presente nas
práticas docentes vivenciadas por um professor com um grupo
de crianças de 4 anos de idade, na Unidade Acadêmica de
Educação Infantil - UAEI, da Universidade Federal de Campina
Grande - UFCG, durante o ano de 2019.
Para tanto, partimos do princípio formulado por Dewey
(1979), ao considerar como experiência educativa vivências
pedagógicas que, sendo significativas para nós, acabam por
nos tocar. Também temos como pressuposto sua compreensão
de que a arte, especialmente por sua dimensão humana,
se constitui como uma experiência que, permitindo-nos
aperfeiçoar nosso senso estético ao construir conhecimentos,
sobretudo diante da vida, nos possibilita ir além do visível,
criando invisíveis (DEWEY, 2010), isto é, inventando novos
possíveis e outros sentidos para além daquilo que já está posto.
Assim, nos referimos à arte como expressão do vivido,
dos sentimentos e das subjetividades, pois ao abarcar as
complexidades da nossa humanidade, ela nos põe ao desejo do
garimpo, do encontro de nós mesmos, da busca do mistério que
nos habita, das questões que nos tocam enquanto sujeitos da e
148
Infância, arte e produção cultural
na vida. Também tomamos a educação como lugar de vivacidade,
de troca de humanidades, e não como lugar cumulativo de práticas
pedagógicas que “[...] transformaram-se em rituais, em técnicas
de fazer, e perderam sua especificidade de fazer-se e refazer-se
pela interpretação dos sujeitos” (FRANCO, 2012, p. 166).
Nesse sentido, organizamos a estrutura desse texto em
três partes principais: na primeira, tecemos algumas reflexões
teóricas a respeito dos conceitos de criança, docência,
Educação Infantil e arte; na segunda, apresentamos o relato
de um projeto de trabalho vivenciado na Educação Infantil,
intitulado “Pinturagem com Van Gogh”, e também tecemos
alguns comentários e considerações a respeito do relato
partilhado; na terceira parte, expressamos nossas conclusões.
Educação Infantil e arte: as bonitezas do entrelaçar
crianças e docentes
Sabemos que, historicamente, as crianças nem sempre
foram ou são reconhecidas como sujeitos de direitos.
Apenas há algumas poucas décadas, estudiosos do campo da
Psicologia passaram a chamar a atenção para a necessidade
de reconhecermos as crianças como sujeitos concretos,
heterogêneos, que interagem com o mundo (VYGOTSKY;
LURIA; LEONTIEV, 2010). Posteriormente, pesquisas da área
da Sociologia da Infância vêm fomentando essa concepção,
reiterando que as crianças são sujeitos ativos, dinâmicos, que,
do jeito delas, estão enredadas nas tramas das estruturas
sociais, sendo afetadas, mas afetando também (SARMENTO;
149
Infância, arte e produção cultural
PINTO, 1997). Partindo dessas concepções, em nossas reflexões
tomamos a criança como um sujeito de vez e voz, que percebe
o mundo, interpreta-o e significa-o, produzindo culturas, isto é,
modos de ser e de viver específicos, a partir das relações que
estabelecem entre si e com os adultos (CORSARO, 2011).
Nessa direção, perguntamo-nos: Como temos concebido
a Educação Infantil? Como um espaço no qual as crianças
vivenciam suas múltiplas linguagens a partir das relações que
estabelecem, ou como um lugar de silenciamento e reproduções
descontextualizadas? Para Horn (2017), a Educação Infantil é
o ambiente educativo no qual as crianças possuem o direito
de vivenciar suas infâncias, isto é, seus modos de ser e estar
na vida. Nesse sentido, corroboramos com sua perspectiva
e destacamos que a escola infantil precisa constituir-se
como espaço de construção de conhecimentos com alegria,
ludicidade e significatividade.
Diante disso, como podemos pensar a docência ou as
possibilidades de composições docentes para a Educação
Infantil? Bourscheid e Barbosa (2020, p. 5) nos ajudam nessa
reflexão quando indicam que “[...] o professor é tudo aquilo
que vive, nas suas próprias experiências de infância, formação
acadêmica, práticas na escola, experiências familiares e
culturais”; isto é, os professores não são apenas profissionais
construídos pela academia ou na escola, mas na vida como um
todo. Dessa forma, ao pensarmos as especificidades da Educação
Infantil, corroboramos com Barbosa (2016, p. 136), quando
diz que “a docência na Educação Infantil não é uma docência
convencional, ela está em processo de formação”. A docência
150
Infância, arte e produção cultural
na Educação Infantil, quando permeada por uma postura que
considera a potência das crianças, prezando pela escuta sensível
e olhar atento para os interesses delas, acessa a oportunidade
de assumir a elaboração de intencionalidades pedagógicas que
se efetivam de formas significativas e envolventes.
Considerando a Educação Infantil como lugar de vida social,
no qual as crianças e professores constroem conhecimentos, a
partir de interações coletivas entre si, com materiais e espaços
diversos, visualizamos várias convergências dessa etapa
da Educação Básica com a arte, uma vez que tomamos esta
última como linguagem produtora e reveladora de sentidos
e significados. Sendo a escola infantil um lugar de educar e
cuidar, a partir de interações e brincadeiras (BRASIL, 2009),
concebemos que a arte não é um instrumento pelo qual se
deve chegar a experiências educativas, mas que ela é, em si
mesma, uma experiência, pois emerge daquilo que nos toca e
do nosso modo de tocar o mundo, oportunizando-nos “fraturar
o cotidiano” (MOSQUERA, 2019), isto é, “furar” aquilo que está
pré-determinado, produzindo novas possibilidades com outros
sentidos possíveis, às vezes inéditos.
Assim, no contexto da educação, o caminhar pela arte
pode se construir enveredado pela busca de significados que
ultrapassam a ideia de conhecimento estático. Na arte e pela
arte, a experiência nos atravessa, nos transporta para afetos e
encontros profundos e singulares que se dão pela completude
e incompletude do corpo que ultrapassa o racional. O que faz a
arte senão acalentar, embalar, provocar, dar sentidos, libertar?
Em arte, é possível descobrir, explorar, expressar e conhecer-se.
151
Infância, arte e produção cultural
Refletindo sobre a relação entre arte e educação, Barbosa
(2018) toma a educação como “[...] um processo de aprender
como inventarmos a nós mesmos” (p. 160). Corroboramos
com tal perspectiva, uma vez que ao construirmos caminhos
educativos na relação com o mundo que nos rodeia, essa relação
parte e retorna para nós mesmos, o que sugere invenções
e concretizações de sentidos por e em nós. A educação se dá
por meio das vivências, fruto de produções culturais diversas,
conforme cada cultura. Inclui linguagens, crenças e produções
simbólicas que constituem o ser humano, materializadas pelas
experiências coletivas e individuais (VYGOTSKY, 1991). Uma
dessas linguagens é a artística, como campo de manifestação
livre de expressão que “pressupõe a habilidade de atuar
estabelecendo relações entre significados e significantes, fato
esse que pode ocorrer através da brincadeira” (PONTES, 2001,
p. 67).
No âmbito da Educação Infantil, não há uma preocupação
com a formação das crianças como artistas que devem dominar
com autonomia as estruturas das linguagens, mas busca-se
oportunizar o acesso às linguagens com o desejo de colaborar
com “[...] a formação de leitores, usuários do simbolismo presente
nas representações de arte” (PONTES, 2001, p. 68). Desse modo,
as peculiaridades das representações em arte na escola infantil
constituem-se em propostas educativas que contribuem para
que as crianças possam usar, de modo significativo, um repertório
simbólico das linguagens artísticas durante suas relações na
escola, mas que repercutem também na vida.
Nessa perspectiva, vale lembrar que, assim como os adultos,
152
Infância, arte e produção cultural
as crianças também são sujeitos históricos produzidos pela
cultura e produtores dela; portanto, sujeitos de experiências.
Essa compreensão permite-nos pensar na responsabilidade
ética dos docentes da Educação Infantil que, ao reconhecerem
as crianças como sujeitos de cultura e de experiências,
visualizam-nas como parceiras nos processos educativos,
não apenas reproduzindo práticas, mas colaborando com a
proposição de situações significativas no cotidiano escolar.
No tópico a seguir, relatamos algumas propostas pedagógicas
que emergiram do encontro entre as partilhas e interesses
de um grupo de crianças da pré-escola e as intencionalidades
pedagógicas do professor dessa turma.
Contextualizando o projeto de trabalho
“Pinturagem com Van Gogh”
Professor, as cores de Van Gogh “parece”
com as cores das borboletas,
porque são misturadas”
(Flor1- Grupo 4/Manhã/UAEI/2019)
Durante o ano de 2019, atuei2 como professor substituto
do Grupo 43, no turno da manhã, na Unidade Acadêmica de
1
Flor é o pseudônimo que escolhemos para identificar a criança que expressou a fala indicada.
2
Este tópico do artigo está escrito na primeira pessoa do singular por se tratar do relato de
experiências vivenciadas por apenas um dos autores do texto.
3
Na Unidade Acadêmica de Educação Infantil, a organização das turmas se dá de acordo com a
idade das crianças. As matrículas são disponibilizadas a partir de dois anos; sendo assim, temos
os grupos 2, 3, 4 e 5.
153
Infância, arte e produção cultural
Educação Infantil- UAEI, pertencente à Universidade Federal de
Campina Grande- UFCG. Neste período, tive a oportunidade de
vivenciar diversas propostas pedagógicas com 14 crianças que,
à época, tinham quatro anos de idade. Muitas dessas propostas
foram decorrentes de trabalhos de projetos4 que emergiram
de questões, saberes e curiosidades apontadas pelos meninos
e meninas que compunham o grupo.
Um dos projetos que vivenciamos surgiu da partilha de um
livro intitulado Laura e Lucas descobrem Van Gogh (ZAMBUJAL;
ROMÃO, 2019), que foi apresentado a todos por uma das
crianças. De modo lúdico, esta obra conta a história de Van
Gogh, considerado um dos mais influentes artistas plásticos
na História da Arte Ocidental. Na figura abaixo, apresento a
imagem da capa do referido livro.
Figura 1: Imagem da capa do livro Laura e Lucas descobrem Van Gogh
Fonte: Folha de São Paulo
De acordo com Horn e Barbosa (2008), trabalhos de projeto colocam-se como um caminho
pedagógico que considera a interdisciplinaridade e a possibilidade de construção de
aprendizagens por meio de experiências coletivas e cooperativas que partem de interesses,
saberes e interrogações das próprias crianças.
4
154
Infância, arte e produção cultural
Ao perceber o entusiasmo da criança que trouxe o livro
de casa e compartilhou com as demais, passei a observar
que o grupo inteiro demonstrou interesse pela novidade,
que surgiu na sala de referência e que ficou exposta durante
algum tempo, ao alcance de todos, na minibiblioteca que
tínhamos na sala. Com o passar dos dias, continuei notando
que o livro era algo atrativo para as crianças, que elas não
apenas o folheavam, observando as palavras e as imagens,
mas que dialogavam entre si sobre o que viam nele.
Durante uma de nossas rodas de conversas diárias, uma
das crianças levantou a mão e disse que tinha algo para
contar. Foi quando afirmou a frase que aparece no início
deste tópico: “Professor, as cores de Van Gogh ‘parece’ com
as cores das borboletas, porque são misturadas”. Após ouvir
a perspicaz inferência exposta pela criança, que comparou
as cores das obras de Van Gogh às cores das borboletas,
aproveitei o ensejo e perguntei às demais se elas gostariam
de conhecer mais sobre esse artista. Todas levantaram a
mão, expressando o desejo de seguir por um caminho de
buscas e descobertas.
No dia seguinte, relemos o livro que conta a história de Van
Gogh, e essa releitura suscitou mais observações por parte
das crianças. Atentaram para a tristeza que o pintor sentiu ao
longo de sua vida, relataram até mesmo a ocasião em que ele
perdeu sua orelha, também enfatizaram o encantamento pela
maneira como o artista pintava suas telas. Ainda pontuaram
que ele misturava cores, que parecia gostar bastante das
cores amarela e laranja, pois estas apareciam em muitas das
155
Infância, arte e produção cultural
obras apresentadas no livro, mas que ele também utilizava
cores escuras – conforme elas próprias pronunciaram.
Ao “caminhar” com as crianças, no percurso que estávamos
a trilhar, parei e reconheci o valor dessas especificidades que
surgiram dos olhares atentos e sensíveis delas. Coloqueime como um professor parceiro que buscou responder
às curiosidades delas, também intencionando apresentar
sugestões e possibilidades de propostas pedagógicas que
pudessem contribuir com a ampliação de novos saberes, por
meio de situações significativas, interativas e brincantes. Nesse
movimento pedagógico, enquanto experiência, considero que,
ao ouvir as crianças, ouvi a mim mesmo, no desejo de continuar
uma feliz e potente aventura educativa e artística com elas.
Mesmo não sabendo aonde chegaríamos, o que nos importou
foi a caminhada coletiva guiada pela curiosidade e alegria do
conhecimento que chegava junto com as vivências coletivas.
Desdobramentos a partir dos desejos, curiosidades e
saberes das crianças
Pouco a pouco, os desejos das crianças e as intencionalidades
pedagógicas foram encontrando-se e firmando o que se
tornaria o projeto pedagógico intitulado “Pinturagem com Van
Gogh”. Para tanto, precisávamos elaborar um ponto de partida.
Diante disso, optei por apresentar imagens impressas em folhas
de papel tamanho A3, contendo diversas obras de Van Gogh,
como as apresentadas nas figuras a seguir:
156
Infância, arte e produção cultural
Figura 2:
“Autorretrato”, de 1889
Figura 3:
“Os Girassóis”, de 1888
Fonte: Revista Art-Ref
Fonte: Revista Art-Ref
Figura 4:
“Campo de Trigo com Corvos”, de 1890
Figura 5:
“A Vinha Encarnada”, de 1889
Fonte: Revista Art-Ref
Fonte: Revista Art-Ref
Ao observarem os detalhes das obras, as crianças
identificaram formas, figuras, objetos, elementos da natureza,
pessoas, cores, lançaram hipóteses e criaram diversas histórias,
inventando-as a partir do cenário exposto em cada pintura.
Faz-se importante destacar o quanto demonstraram ter sido
afetadas pelas pinturas de Van Gogh. Esse movimento relacional
entre as crianças e as obras de arte retoma algumas reflexões
de Duarte Júnior (2009), quando este aponta o conceito de
experiência estética, explicando que se refere ao modo como os
157
Infância, arte e produção cultural
sujeitos que fazem ou apreciam uma obra de arte se vinculam
a ela. Enfatiza que se trata de algo referente às peculiaridades
das sensações e elaborações sentidas e produzidas por cada
pessoa frente às obras, de um modo único.
Sendo assim, considerei que as apreciações, impressões
e encantamentos das crianças com as obras de Van Gogh
constituíram, de certo modo, experiências estéticas produzidas
por elas ao se depararem com cada imagem e seus detalhes.
Diante disso, também durante uma roda de conversa, indagueias sobre o que gostariam de fazer após conhecerem as obras
de arte que lhes expus. Algumas afirmaram que gostariam de
brincar de pintar, como Van Gogh pintava, misturando cores.
Assim, buscando corresponder à proposição das crianças,
passei a pensar, planejar e propor a elas algumas sugestões de
propostas pedagógicas, no intuito de aproximá-las ainda mais
das cores e do ato de pintar, por meio de variados instrumentos
e suportes. A seguir, relato algumas das propostas que
vivenciamos.
a) Misturanças de cores em folhas de castanhola
Uma das propostas acatadas pelas crianças foi intitulada
“Misturanças de cores em folhas de castanhola”. Durante essa
vivência, combinamos que o suporte no qual iriam imprimir
suas pinturas não seria um material convencional, mas
diferente do que habitualmente usávamos. Utilizaríamos folhas
de castanholas que haviam caído no parque da Unidade e iriam
ser jogadas na lixeira. Também acordamos que usaríamos tinta
158
Infância, arte e produção cultural
guache e que os instrumentos com os quais iriam pintar seriam
suas mãos e dedos. Nas figuras abaixo, são apresentados alguns
registros dessa experiência.
Figura 6: mistura de cores
em folhas de castanhola
Fonte: acervo pessoal do Professor
Rayffi Gumercindo
Figura 7: mistura de cores Figura 8: mistura de cores
em folhas de castanhola
em folhas de castanhola
Fonte: acervo pessoal do
Professor Rayffi Gumercindo
Fonte: acervo pessoal do
Professor Rayffi Gumercindo
Ao tocarem as folhas e tintas, as crianças não só brincaram
de misturar cores, mas puderam sentir texturas, aromas e
diferentes tonalidades. Também puderam observar os formatos,
tamanhos e pesos das folhas, elemento que nunca haviam
utilizado antes como suporte para pintura. O seu envolvimento
e criatividade durante a realização dessa proposta mais uma
vez reforçou o pensamento de Duarte Júnior (2009), uma
vez que cada criança interagiu com os materiais disponíveis,
expressando-se e produzindo sentidos de maneira singular;
portanto, produzindo sensos estéticos infantis.
b) Pintura com tinta em pó
Ao identificar o quanto as crianças se implicaram nessa
atividade, sugeri mais uma proposta: “Pintura com tinta em
pó”. Ao apresentar os detalhes da vivência, expliquei que havia
159
Infância, arte e produção cultural
pensado em brincar de produzir “tintas em pó”, utilizando
farinha de polvilho, água e tinta guache. Também pontuei
que teríamos o divertido desafio de pintar com essa “tinta em
pó”. As crianças aprovaram a proposta, o que nos possibilitou
vivenciarmos momentos de interação, criação e muita
sensibilidade. Nas figuras a seguir, apresento alguns registros
com imagens referentes a essa atividade.
Figura 9: Criação de
“tinta em pó”
Fonte: acervo pessoal do
Professor Rayffi Gumercindo
Figura 10: Pintura do chão Figura 11: Pintura de folhas
com “tinta em pó”
com “tinta em pó”
Fonte: acervo pessoal do
Professor Rayffi Gumercindo
Fonte: acervo pessoal do
Professor Rayffi Gumercindo
Na mistura, com o meu auxílio, das medidas de farinha de
polvilho, água e tinta guache, pude perceber a alegria e o prazer
expressados pelas crianças. Esse momento de brincadeira
constituiu-se simultaneamente em uma oportunidade de
estabelecimento de diálogos sobre as características dos
materiais utilizados, considerando a liquidez de uns e a solidez
de outros. Também ficou evidente o encantamento das
crianças pela transformação dos elementos que, reunidos, se
transformaram em um pó colorido, nossa tinta colorida.
Importante é destacar a dimensão criativa que perpassou
essa proposta, pois, após a produção do material, lancei para as
160
Infância, arte e produção cultural
crianças uma questão: Como faremos para pintar ou desenhar
com essa tinta? Muitas se colocaram, expondo comentários e
ideias. Destaco a ideia de uma delas ao dizer: “a gente precisa
de um lugar grande pra fazer desenhos grandes com a tinta em
pó”. Diante do comentário partilhado pela criança, sugeri que
fôssemos para o parque da Unidade, brincar de pintar a areia do
chão. As crianças concordaram com a proposição e foram além
dela, pois brincaram de pintar o chão, mas também de pintar
folhas de plantas, conforme apresentam as figuras 10 e 11.
c) Desenhança com Van Gogh
Ao perceber a permanência do interesse das crianças,
inspirei-me numa oficina denominada “Desenhança”, proposta
pela professora de artes visuais Guadalupe Rauch (2018),
que, inquietada pelo desejo de trabalhar mais a questão do
corpo na relação com o papel durante o ato de desenhar,
sugere uma experiência que alia desenho e dança. Nesse
sentido, partilhei minha inspiração com as crianças, que
logo se mostraram desejosas por pintar dançando, e depois
seguimos na organização do espaço da sala de referência.
Utilizamos 14 folhas de papel 60 quilos, fixadas no chão, com
as bordas coladas uma na outra, de maneira que as folhas se
tornaram uma única e imensa folha de papel onde todas as
crianças puderam desenhar livremente e, ao mesmo tempo,
coletivamente, enquanto ouviam músicas. Nas figuras a seguir,
aparecem registros da oficina intitulada “Desenhança com Van
Gogh”.
161
Infância, arte e produção cultural
Figura 12: mistura de
cores na Desenhança
Figura 13: interações
durante a Desenhança
Figura 14: diálogos durante
a Desenhança
Fonte: acervo pessoal do
Professor Rayffi Gumercindo
Fonte: acervo pessoal do
Professor Rayffi Gumercindo
Fonte: acervo pessoal do
Professor Rayffi Gumercindo
O desafio de misturar cores coletivamente, ouvindo música
e tendo a possibilidade de dançar e movimentar o corpo de
maneira livre, oportunizou às crianças a elaboração de diversas
formas de expressar-se, ao imprimirem rabiscos em formatos
de traçados uniformes e disformes, círculos abertos e fechados,
figurações, experimentações de desenhar utilizando as duas
mãos ao mesmo tempo ou vários lápis com cores diferentes
numa mesma mão, entre outras ações. Desenhar e dançar
se tornou um movimento criativo uno, no qual as crianças se
expressaram com o corpo inteiro, de modos únicos.
A “Desenhança com Van Gogh” nos possibilitou olhar para
os detalhes das cores, produzir misturas coloridas únicas,
com formas e estéticas singulares. Destaco a complexidade
dessa proposta, tendo em vista que, culturalmente, não nos
parece comum desenharmos de forma coletiva em suportes
amplos. Nesse sentido, realço um episódio no qual, em um
dado momento, uma criança que havia desenhado sua família
percebeu que outra, ao desenhar livremente, havia deixado
rabiscos em seu desenho. Foi um momento oportuno para
162
Infância, arte e produção cultural
dialogarmos sobre a importância de construir o hábito de nos
expressar artisticamente também com outras pessoas, e não
apenas sozinho ou sozinha, especialmente por entendermos
que a arte também nos ajuda a criar novos possíveis, não só
para as nossas vidas particulares, mas também para a nossa
vida social. Por meio da arte, podemos expressar sentidos,
sentimentos e significados coletivamente. Também se faz
possível criarmos novas ressignificações.
d) Oficina de releitura artística
Ainda apresento a “Oficina de releitura artística”. Refirome a uma oficina de arte que propus às crianças, na qual elas
realizaram releituras de algumas obras de Van Gogh. Para
isso, inicialmente conversamos sobre o que é uma oficina de
releitura de obras de arte. Depois, observamos as obras que
eu havia disposto para elas durante o início do projeto de
trabalho, e elas escolheram aquelas que gostariam de recriar.
Destaco, ainda, que a oficina foi realizada em dois momentos:
no primeiro, vivenciamos uma proposta intitulada “Colorindo
com Van Gogh”; no segundo, outra vivência denominada
“Nossos girassóis”.
Durante a proposta “Colorindo com Van Gogh”, utilizamos
cola e reaproveitamos pedaços de papel colorido que haviam
sido picotados durante outras atividades. Com esses pedaços
de papel, passamos a colorir obras de Van Gogh impressas em
preto e branco. Encantou-me a maneira como as crianças se
colocaram diante do desafio criativo de reinventar estéticas
163
Infância, arte e produção cultural
para obras de arte já existentes. Nesse primeiro momento
da oficina de releitura, elas puderam imprimir suas próprias
marcas nas obras. Vejamos:
Figura 15: Materiais para a Figura 16: releitura da obra Figura 17: releitura da obra
oficina de arte
“Autorretrato”
“Os Girassóis”
Fonte: acervo pessoal do
Professor Rayffi Gumercindo
Fonte: acervo pessoal do
Professor Rayffi Gumercindo
Fonte: acervo pessoal do
Professor Rayffi Gumercindo
No segundo momento, na vivência da proposta “Nossos
girassóis”, as crianças pintaram telas utilizando pincéis e tintas
guache. Ficaram aparentes o entusiasmo e o envolvimento
delas, também nessa ocasião. O desejo por realizar a releitura
da obra “Os Girassóis", de Van Gogh, foi imenso, especialmente
pelo fato dessa obra ter sido a que elas mais apreciaram. Para
a realização dessa releitura, dispus um vaso de vidro com flores
de girassol, para que elas pudessem se inspirar, conforme os
registros ao lado.
Esse conjunto de vivências educativas por meio da arte
com as crianças, durante o projeto de trabalho “Pinturagem
com Van Gogh”, revelou o quanto a arte e a educação podem
164
Infância, arte e produção cultural
Figura 18: materiais para a
oficina de arte
Figura 19: releitura da
obra “Os Girassóis”
Figura 20: “Nossos
Girassóis”
Fonte: acervo pessoal do
Professor Rayffi Gumercindo
Fonte: acervo pessoal do
Professor Rayffi Gumercindo
Fonte: acervo pessoal do
Professor Rayffi Gumercindo
e devem estar aliadas. É importante destacar que, nesse
movimento de integração entre campos de conhecimento, não
se pode compreender que a arte é mais ou menos importante
que a educação, ou vice-versa. Ambas possuem importâncias
distintas e igualmente necessárias para um processo educativo
interdisciplinar e respeitoso das crianças e de suas culturas. As
experiências relatadas também se constituíram em significativa
oportunidade para refletir sobre a arte como experiência que
pode abrir os sentidos e a percepção para o reconhecimento do
outro, quando há disponibilidade para deixar-se impressionar,
tocar, dando tempo para emergir tudo o que for preciso ser
descoberto (ALBANO, 2010).
Entretanto, o destaque central que podemos visualizar
ao longo das experiências relatadas é o movimento de, com
as crianças, caminhar e parar no percurso pedagógico. O
arquiteto, professor e pesquisador Francesco Careri, em sua
obra Caminhar e parar, elabora uma reflexão que consideramos
bastante pertinente. Ao elevar o ato de caminhar à categoria
de arte, convida-nos a refletir metaforicamente sobre a
vagareza que compõe o ato de expor artisticamente nossos
165
Infância, arte e produção cultural
sentimentos, opiniões e insatisfações. Figurativamente, ele
visualiza o caminhar e suas pausas como experiências que nos
ajudam a descobrir o andar como ferramenta de cognição e
criatividade. Amparando-me nisto, considero que todas as
vivências propostas no projeto de trabalho com as crianças, aqui
relatado, nasceram de um caminhar unificado entre as crianças
e eu. Um andar com muitas pausas, para que tivéssemos tempo
de olhar os olhares delas e pensar em intenções pedagógicas
com sentido.
Dessa forma, permiti-me ser guiado pela curiosidade
artística das crianças e traçar com elas o nosso percurso
de forma aberta e livre, ao mesmo tempo referendado pelo
conhecimento sobre a arte (BARBOSA, 2018) e a pedagogia
com crianças (HORN; BARBOSA, 2008), que busquei adquirir
no decorrer do processo de estudos pessoais para a elaboração
das experiências artísticas apresentadas.
Considerações finais
Ao chegar à escola, a criança traz consigo um conjunto de
conhecimentos e modos de pensar que foram alcançados a
partir de suas interações cotidianas. O que haverá de novo é
que, no espaço escolar, a construção de conhecimento passará
a acontecer a partir de uma sistematização pedagógica. Nesse
sentido, quando pensamos na Educação Infantil, parece-nos
nítida a necessidade de o professor colocar-se diante das
crianças como um caminhante que, de mãos dadas, seguirá
junto delas, nem as levando, nem sendo levado. Esse caminhar
166
Infância, arte e produção cultural
juntos é composto por uma responsabilidade ética e pedagógica
que requer uma escuta sensível dos saberes e informações
partilhados pelas crianças, verbalmente e não verbalmente.
Em seguida, torna-se potente elaborar situações significativas
que aglutinem os interesses das crianças aos seus direitos de
aprendizagens e desenvolvimento.
Neste texto, refletimos sobre a relação entre educação e
arte, e também relatamos um conjunto de vivências que foram
construídas e vivenciadas com as crianças. Buscamos, assim,
contribuir com as discussões que objetivam reconhecer que
não são apenas os professores que propõem experiências
educativas e artísticas, mas as crianças também. Assim, expomos
um duplo encontro: entre um professor e as crianças na
Educação Infantil, e destes todos com a arte. Assim, propomos
seguirmos refletindo sobre quais sentidos docentes temos nos
disposto a pensar e compor, bem como sobre quais caminhos
temos optado por seguir com as crianças. A docência e a arte
parecem-nos caminhos sólidos, complexos, mas, sobretudo,
produtores de felicidade na escola e na vida.
167
Infância, arte e produção cultural
Referências Bibliográficas
ALBANO, Ana Angélica. Arte e pedagogia: além dos territórios
demarcados. Caderno Cedes, Campinas, v. 30, n. 80, p. 26-39, janabr. 2010.
BARBOSA, Ana Mae. Arte/Educação contemporânea. In: GUIMARÃES,
Leda Maria; PEROTTO, Lilian Ucker. Licenciatura em artes visuais:
percursos. Goiânia: Gráfica da UFG, 2018.
BARBOSA, Ana Mae. Arte/educação contemporânea: consonâncias
internacionais. São Paulo: Cortez, 2006.
BARBOSA, Ana Mae. John Dewey e o ensino da arte no Brasil. São
Paulo: Cortez, 2015.
BARBOSA, Maria Carmen Silveira; HORN, Maria da Graça Souza.
Projetos pedagógicos na Educação Infantil. Porto Alegre: Artmed,
2008.
BOURSCHEID, Clarice de Campos; BARBOSA, Maria Carmen Silveira.
Por uma formação estético-poética de professores de crianças
pequenas: elementos para discussão. Florianópolis: Perspectiva, v.
38, n. 3, p. 01-17, jul-set. 2020.
CARERI, Francesco. Caminhar e parar. São Paulo: Gustavo Gili, 2017.
CORSARO, Willian A. Sociologia da infância. Porto Alegre: Artmed,
2011.
DEWEY, John. Arte como experiência. São Paulo: Martins Fontes,
2010.
DEWEY, John. Como pensamos: como se relaciona o pensamento
168
Infância, arte e produção cultural
reflexivo com o processo educativo, uma exposição. São Paulo:
Editora Nacional, 1979.
DUARTE JÚNIOR, João Francisco. O sentido dos sentidos: a educação
do sensível. 2000. (Tese) Doutorado em Educação. Universidade
Estadual de Campinas, Campinas.
FRANCO, Maria Amélia do Rosário Santoro. Pedagogia e prática
docente. São Paulo: Cortez, 2012.
HOLM, Anna Marie. A energia criativa natural. Pró-posições, v. 15,
n. 1 (43), jan-abr. 2004.
HORN, Maria da Graça Souza. Brincar e interagir nos espaços da
escola infantil. Porto Alegre: Penso, 2017.
MOSQUERA, Vicente Blanco; CIDRÁS, Salvador. Educar através da
arte: para uma escola imaxinada. Pontevedra: Kalandraka, 2019.
PONTES, Gilvânia Maurício Dias. Arte na educação da infância:
saberes e práticas da dimensão estética. 2013. (Tese) Doutorado em
Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.
PONTES, Gilvânia Maurício Dias. Arte na educação infantil: olhares e
intenções. 2001. (Dissertação) Mestrado em Educação. Programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte, Natal.
SARMENTO, Manuel Jacinto; PINTO, Manuel. As crianças, contextos
e identidades. Braga: Centro de estudos da criança, 1997.
VIGOTSKI, Lev Semenovich; LURIA, Alexander Romanovich; LEONTIEV,
Alex N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo:
Ícone, 2010.
VIGOTSKI, Lev. S. A Formação social da mente: desenvolvimento
169
Infância, arte e produção cultural
dos processos psicológicos superiores. Tradução: José Cipolla Neto,
Luis Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. 4. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1991.
ZAMBUJAL, Isabel; ROMÃO, Patrícia. Laura e Lucas descobrem Van
Gogh. São Paulo: Folha de São Paulo, 2019.
170
Conheça
os autores
Infância, arte e produção cultural
Ana Angélica Albano
Professora Livre Docente da Faculdade de Educação da UNICAMP.
Licenciada em Desenho e Plástica pela FAAP, doutora e mestre em Psicologia
pelo Instituto de Psicologia da USP. Foi diretora do Museu de Artes Visuais
da UNICAMP (2014 a 2017) e diretora associada (2012 a 2014). Professora
convidada da Facultad de Educación da Universidad de Cantábria, Santander,
Espanha (2012 a 2018). Investigadora do Centro Botín, Santander, Espanha.
Coordenou projetos culturais de Iniciação Artística nas Prefeituras de São
Paulo, Santo André e Diadema (de 1983 a 1997). Autora dos livros: “Conversas
com jovens professores de arte”, “O espaço do desenho: a educação do
educador” e “Tuneu, Tarsila e outros mestres...o aprendizado da arte como
rito de iniciação”.
Luciana Esmeralda Ostetto
É professora da Faculdade de Educação – Universidade Federal
Fluminense, onde atua na Graduação em Pedagogia e na Pós-graduação
172
Infância, arte e produção cultural
(Mestrado e Doutorado). Junto ao grupo de pesquisa que lidera – FIAR
(Círculo de estudo e pesquisa Formação de professores, Infância e Arte), vem
desenvolvendo pesquisa, ensino e extensão no campo da formação docente
para a Educação Infantil, tomando como principais temas: arte, formação
estética e narrativas autobiográficas, educação infantil e prática pedagógica.
Doutora em Educação pela UNICAMP, foi professora da Universidade Federal
de Santa Catarina (1995-2012).
Adriana Mabel Fresquet
Professora associada da Faculdade de Educação da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, é membro do Programa de Pós-Graduação em Educação
(FE/UFRJ). Coordena o grupo de pesquisa CINEAD/LECAV - Laboratório de
Educação, Cinema e Audiovisual, que articula atividades de pesquisa do
projeto Currículo e Linguagem Cinematográfica na Educação Básica com o
programa de extensão "Cinema para aprender e desaprender". Desenvolve
atividades conjuntas com a Cinemateca do Museu de Arte Moderna do
Rio de Janeiro (MAM-Rio), o Colégio de Aplicação e a Escola de Educação
Infantil da UFRJ e o Instituto de Pediatria e Puericultura Martagão Gesteira
(IPPMG/UFRJ) e a parte geriátrica do HU/UFRJ. Em 2012 foram criadas seis
Escolas de cinema CINEAD e cineclubes em escolas públicas de educação
básica municipais, estaduais e federais do Rio de Janeiro, estabelecendo uma
parceria com o Instituto Nacional de Educação de Surdos e o Instituto Benjamin
Constant. É membro fundadora da Rede KINO: Rede Latino-Americana de
Educação, Cinema e Audiovisual. Coordena a coleção Alteridade e Criação da
Editora Autêntica, inaugurada com os livros Cinema e Educação e Godard e a
173
Infância, arte e produção cultural
Educação e .Entre março de 2019 e 2020, realizou estudos de pós-doutorado
cartografando políticas e pedagogias do cinema e a educação na escola, com
a orientação da professora Inés Dussel no Departamento de Investigaciones
Educativas do Centro de Investigación y de Estudios Avanzados del Instituto
Politécnico Nacional - CINESTAV, México.
Rosvita Kolb Bernardes
Professora da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas
Gerais. Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP- 2011). Licenciada em Desenho e Plástica pelo Centro Universitário
Feevale (1979). Especialista em Arte-Educação pela USP (1987). Obteve o
título de Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (1991). Lecionou Arte no Ensino Fundamental de 1978 a 2013. Foi
professora do curso de Estilismo e Moda da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG) de 1993 a 2005. Lecionou no Ensino Superior privado em
diversas instituições. Entre 2006 e 2016, foi professora da Universidade do
Estado de Minas Gerais (UEMG) Escola Guignard, onde lecionou para cursos
de graduação e pós-graduação. É assessora das proposições curriculares
da educação infantil da Prefeitura de Belo Horizonte. Tem experiência na
área de ensino de Arte e Educação, atuando principalmente nos seguintes
temas: formação de professores, educação infantil e fundamental, educação
estética, narrativas de formação, abordagem autobiográfica, história de vida.
Cooperação com a Hochschule fur Musik und Theater Rostock, da Alemanha.
174
Infância, arte e produção cultural
Ana Cristina Carvalho Pereira
Professora Associada da Escola de Belas Artes da Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG) atuando no curso da Graduação de Licenciatura em
Dança e no Programa de Pós-Graduação em Artes.
É assessora das Proposições Curriculares da Educação Infantil da
Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. Co-autora da coleção Rumos da Arte,
publicada pela Editora SM, aprovada no Plano Nacional do Livro Didático para
o Ensino Fundamental II em 2019. É líder de pesquisa do Grupo Laboratório
GESTOLab (credenciado pelo CNPq), coordena os projetos de Extensão
Linguagem Corporal na Educação Infantil e Profissionalização da Dança. É
membro da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes
Cênicas (ABRACE). Artista de Dança.
Atua principalmente nos seguintes temas: formação de professor, ensino
de dança, linguagem corporal e educação infantil.
É doutora pela UFMG com foco em Processamento da Linguagem
(gesto e cognição, 2010), mestre em Educação Tecnológica pelo CEFET-MG
(Linguagem: gesto e Cognição, 2005), especialista em Arte Educação pela
PUC-MG (2003) e possui graduação em Pedagogia Licenciatura Plena pelo
Centro Universitário de Belo Horizonte UNI-BH (2001).
175
Infância, arte e produção cultural
Fabíola Cordeiro de Vasconcelos
Mestre em Psicologia Cognitiva pela Universidade Federal de Pernambuco
– UFPE e doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino
da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG, no qual desenvolve
pesquisa sobre o livro ilustrado infantil, sua materialidade e modos de narrar.
Professora vinculada à Unidade Acadêmica de Educação – UAEd, do Centro
de Humanidades da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG, no
curso de Pedagogia, entre outras, leciona a disciplina Literatura Infantil
e desenvolve atividades focadas em seu interesse pelo universo literário
dirigido às crianças.
Maria Betania Barbosa da Silva Lima
Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)
e Mestre em Educação pela Universidade Federal da Paraíba (PPGE/UFPB).
176
Infância, arte e produção cultural
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino da
Universidade Federal de Campina Grande (PPGLE/UFCG). Professora do
Ensino Básico, Técnico e Tecnológico, lotada na Unidade Acadêmica de
Educação Infantil da UFCG. Suas pesquisas e publicações concentram-se na
Educação Infantil com ênfase nas Práticas Pedagógicas, Letramento Literário
e Educação Inclusiva. É integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas Crianças,
Infâncias e Educação Infantil (GRÃO), e do Fórum do Agreste Paraibano de
Educação Infantil (FAPEI), vinculado ao Movimento Interfóruns de Educação
Infantil do Brasil (MIEIB).
Wanessa Maciel Ferreira Lacerda
Graduada em Licenciatura Plena em Pedagogia pela Universidade Federal
de Campina Grande - UFCG (2016). Mestra em Educação pelo Programa de
Pós-Graduação em Educação - PPGEd/UFCG (2019). Tem experiência na área
de Educação, com ênfase em Educação Infantil. Suas temáticas de estudos
principais vinculam-se à Educação Infantil do/no Campo, Crianças, Infâncias,
Práticas Pedagógicas, Literatura Infantil, dentre outros concernentes a área
mencionada. Foi professora substituta da Unidade Acadêmica de Educação
Infantil (UAEI/UFCG), de Junho/2019 até dezembro/2020. É integrante do
Fórum do Agreste Paraibano de Educação Infantil (FAPEI). Participou, como
pesquisadora, da pesquisa "Oferta da Educação Infantil no estado da Paraíba
em área urbana e rural: aspectos quantitativos e qualitativos" (Chamada
Universal MCTI/CNPq no. 14/2014), que foi concluída no ano de 2018. É
integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas Infâncias, Educação Infantil e
177
Infância, arte e produção cultural
Contextos Plurais (Grão), cadastrado no Diretório de Grupos de Pesquisa no
Brasil/CNPq. XI. Formadora do projeto de extensão "A Base Nacional Comum
Curricular e o Cotidiano das Instituições de Educação Infantil", realizado
no segundo semestre de 2019. Integra a Frente Nordeste Criança (Círculo
Violência e Direitos Humanos - Subcomitê 8 - Políticas Públicas) e participou
da elaboração/relatoria/revisão do Caderno de direitos "Retorno à creche
e à escola: Direitos das crianças, suas famílias e suas/seus educadoras/es gestoras/es, professoras/es e funcionárias/os", de 2020.
Ana Bárbara Ramos
De Olinda (PE), cineasta, produtora, educadora e gestora de projetos
especializados na área de cinema e educação. É mestre em Letras e graduada
em Comunicação Social pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), cursa
a especialização Educação Transformadora: Pedagogia, Fundamentos e
Práticas, na PUCRS. É membro da Associação dos Profissionais do Audiovisual
Negro (APAN) e da Redekino - Rede Latino-americana de Educação, Cinema e
Audiovisual.
Diretora e produtora dos curtas Desejo Citrullus (2003), Sweet Karolynne
(2009), Cabaceiras (2007), Borboletas azuis (2010), Oferenda (2011),
Sociedade do cloro (2015) e Meu quintal é maior que o mundo (2021). À
frente da Semente - Escola de Educação Audiovisual desde 2014, desenvolve
ações de impacto social nas áreas de educação, cinema e audiovisual, com
práticas educativas em escolas, promoção de cineclubes, mostras, festivais e
produção de curtas-metragens colaborativos.
178
Infância, arte e produção cultural
Felipe Leal Barquete
Educador, pesquisador e cineasta. Mestre em educação (UFPB/PB),
graduado em Imagem e Som (UFSCar/SP), com especialização em Educação
Transformadora - Pedagogia, fundamentos e práticas (PUC/RS). Desde
2005, trabalha na área de educação, cinema e audiovisual com a criação de
projetos de impacto social. É fundador e coordenador da Semente - Escola
de Educação Audiovisual, que promove cursos de formação de professores,
desenvolvimento de metodologias, projetos escolares, cineclubes, festivais
e seminários sobre o tema. É membro fundador do Núcleo de Educação
Transformadora da Paraíba e integrante da Rede Kino – Rede Latino-americana
de Educação, Cinema e Audiovisual.
Rayffi Gumercindo Pereira de Souza
Doutorando em Educação (UFPB). Mestre em Educação (UFCG/2020).
Graduado em Pedagogia (UFCG/2017). Possui experiência na área de
179
Infância, arte e produção cultural
Educação, com ênfase em Educação Infantil, manifestando interesse
principalmente pelas seguintes áreas de pesquisa: Educação Infantil, Educação
do Campo, Culturas Infantis, Gênero e Currículo na Educação Infantil e
Condição Docente. É vinculado ao Grupo de Estudos e Pesquisas Infâncias,
Educação Infantil e Contextos Plurais (GRÃO/UFCG), ao Grupo de Estudo e
Pesquisa Gênero, Educação, Diversidade e Inclusão (GEDI/UFPB) e ao Grupo
de Estudos e Pesquisas Homens, Masculinidades e Educação (HOME).
Maria das Graças Oliveira
Pedagoga, formada pela Universidade Estadual de Minas Gerais, tem
Mestrado em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
e Doutorado em Educação, pela UNICAMP. Fez Estágio Pós-doutoral no
Programa de Pós-Graduação do Centro de Educação da Universidade Federal
da Paraíba. É Professora Adjunta na Universidade Federal de Campina Grande.
Coordena pesquisas com ênfase em Educação Infantil, principalmente
nos seguintes temas: Educação Infantil, Docência com bebês, Currículo na
educação infantil, Materiais Pedagógicos nos berçários e Relação entre família
e creche pública.
180
Infância, arte e produção cultural
Kátia Patrício Benevides Campos
Profa. Associada da Universidade Federal de Campina Grande, atua no
Curso de Pedagogia e no Programa de Pós-Graduação em Educação/ UFCG,
na linha Práticas Educativas e Diversidade com os principais temas: Crianças,
infâncias, Educação Infantil, Inclusão, diferença, Deficiência Intelectual.
Atualmente cursa o Pós-Doutoramento no Programa de Pós-Graduação em
Educação/UFPB, doutorado em Educação pela Universidade do Estado do
Rio de Janeiro-UERJ. Atuou como professora da Rede Municipal de Campina
Grande por quinze anos.
Crisliane Boito
Mestra em Educação. Licenciada em Pedagogia e Especialista em
Educação Inclusiva. Atualmente é professora do Instituto Federal de Santa
181
Infância, arte e produção cultural
Catarina - IFSC, Campus Canoinhas. Foi docente na Unidade Acadêmica
de Educação Infantil da Universidade Federal de Campina Grande -UFCG.
Pesquisadora colaboradora do CLIQUE - Grupo de Pesquisa em Linguagens,
Currículo e Cotidiano de bebês e crianças pequenas/UFRGS, do GEIN - Grupo
de Estudos de Educação Infantil/UFRGS e do GRÃO - Grupo de Estudos e
Pesquisas Infâncias, Educação Infantil e Contextos Plurais. Seus temas de
estudo e pesquisa vinculam-se às temáticas das Infâncias, Práticas Pedagógicas,
Políticas e Pedagogias para a pequena Infância e Educação Especial Inclusiva.
182
Infância, arte e produção cultural
POSFÁCIO
Uma produção coletiva
situada numa tradição
Fernanda Leal1
Quando fui gentilmente convidada pelas organizadoras
dessa obra para escrever o seu Posfácio, fiquei pensando
no que poderia dizer no contexto de uma publicação tão
instigante, seja pelos títulos dos artigos, seja pela autoria
dos mesmos. Vieram-me à mente duas palavras que
rapidamente me acompanharam desde o convite: cultura e
tradição. Busquei inspiração para falar delas como palavras
fortes, que situam não só a obra, mas, sobretudo, o seu lugar
num processo mais longo, que implica em tempo, pessoas e
esforço institucional.
A obra INFÂNCIA, ARTE E PRODUÇÃO CULTURAL é
um dos resultados do V Seminário Nacional de Educação
1
Professora e pesquisadora da Unidade Acadêmica de Educação e do Programa de Pósgraduação em Educação da UFCG. Diretora do Centro de Humanidades/UFCG.
183
Infância, arte e produção cultural
Infantil, realizado pelas Unidades Acadêmicas de Educação
e de Educação Infantil da Universidade Federal de Campina
Grande, no ano de 2021, em plena pandemia ocasionada
pelo vírus SARS-Cov 2. Após uma década desde o primeiro
Seminário, os temas da arte e da produção cultural foram
aliados ao tema da infância, fazendo brotar uma experiência
coletiva que se materializou no V Seminário Nacional e nesta
produção literária. Antes, uma sequência de Seminários
buscaram, em suas quatro edições e dentre outros temas,
debater o currículo, as práticas, as políticas e as diversidades
no âmbito da Educação Infantil. O Seminário de 2021 trouxe
temáticas importantes, necessárias e talvez fundamentais
ao tempo histórico em que foi realizado. O número de
participantes inscritos numa edição completamente on-line
ultrapassou 3.000 pessoas. Uma participação viva, criativa
e interessada, que foi atuante em todas as atividades
realizadas e que deram corpo não apenas ao V Seminário,
mas sustentaram uma tradição e materializaram o que José
Paulo Paes define como cultura: "Cultura é tudo aquilo de
que a gente se lembra após ter esquecido o que leu. Revelase no modo de falar, de sentar-se, de comer, de ler um texto,
de olhar o mundo. É uma atitude que se aperfeiçoa no
contato com a arte”.
Como algo já apropriado em nosso modo de ser, daqueles
e daquelas que vêm realizando os Seminários de Educação
Infantil da UFCG, construímos, entre nós e com as pessoas
que compartilham conosco dessas realizações, uma atitude
184
Infância, arte e produção cultural
e um jeito de pensar as crianças, suas infâncias, sua educação
e muito do que lhes atravessam. Inventamos também uma
tradição, como aquilo que tem algo de repetitivo e, nesse
sentido, tem relação com o passado, mas, também, como o
que “se reporta ao futuro, ou melhor, indica como organizar
o mundo para o tempo futuro, que não é visto como algo
distante e separado; ele está diretamente ligado a uma linha
contínua que envolve o passado e o presente”, como nos
ensina Caroline Luvizotto.
É nesse diapasão que vejo tanto o V Seminário e as
discussões e ensinamentos que ele possibilitou como a
relação do mesmo com uma história que tem passado e
que se lança para o futuro no tempo presente. Tecendo
ou puxando o fio de Ariadne estão o sujeito criança e as
diversas questões que lhe atravessam no presente e que
têm sido colocadas por pesquisadores/as, docentes, artistas
e familiares implicados com ele.
Que essa cultura e tradição sejam permanentemente
alimentadas pelo firme desejo de, com as crianças,
pensarmos e lutarmos por um mundo mais ético, estético e
politicamente mais justo. Um vasto mundo no qual sujeitos,
sentidos e experiências possam se realizar no cotidiano,
como potência e como ato. Até o VI Seminário!
185
Infância, arte e produção cultural
Índice remissivo
A
A Vinha Encarnada 157
Acervo Audiovisual Escolar Livre 68, 72
Agência Nacional de Cinema (Ancine) 57, 67
Alfabetização 10, 24, 57, 128
Anna Marie Holm 45, 49, 85, 169
Anuário Estatístico do Cinema Brasileiro 67
Arte contemporânea 7
Artes cênicas 7, 175
Associação Brasileira de Preservação Audiovisual 68
Ateliê de Arte 83, 84
Augusto Rodrigues 45, 50
Autorretrato 157, 164
B
Base Nacional Comum Curricular (BNCC) 53, 66, 77, 111, 136, 137, 144
Bergala 69, 77
Bodocongó 9
C
Campo de Trigo com Corvos 157
Caroline Luvizotto 185
Cartografia de Imagens 128
Carlos Rodrigues Brandão 130, 142, 144
Centro Nacional de Cineclubes Brasileiros 59, 65
Cezar Migliorin 134, 145
cinema 10, 13, 27, 53, 55, 56, 57, 58, 62, 63, 64, 65, 67, 69, 70, 71, 73, 74, 76, 77, 125,
126, 128, 131, 134, 136, 137, 138, 144, 145
Cinemateca Brasileira 75
Círculo de Estudos e Pesquisas de Formação de Professores Infância e Arte 34, 173
Comunicação 22, 23, 64, 66, 109, 124, 131
Congresso Brasileiro de Cinema 57
Conselho Nacional de Cineclubes 57
Conselho Nacional de Educação (CNE) 54, 56, 58, 64, 74
186
Infância, arte e produção cultural
Covid-19 | SARS-Cov 2 122, 184
Cristovam Buarque (senador) 54
Curso de Extensão Educação Infantil, Infâncias e Arte 90
Cyro Miranda (senador) 54
D
dança 8, 13, 46, 50, 85, 86, 87, 99, 100, 103, 161, 162
desenho 23, 24, 25, 46, 82, 85, 86, 87, 100, 161, 163
Dewey 148, 168
Diário Oficial da União 49, 55, 58
Dilma Rousseff (presidenta) 54
Diretrizes Curriculares Nacionais 49, 50, 111, 136, 144
Diretrizes e Bases da Educação Nacional 54
Disque Quilombola 139
Domínio Público 71, 72
E
Educação à distância EAD 124, 142
Educação Audiovisual 11, 12, 66, 73, 121, 130, 131, 132, 135, 137
Educação Audiovisual na Prática 130
Educação Infantil 29, 40, 42, 43, 44, 47, 85, 88, 89, 90, 91, 92, 96, 97, 98, 102, 108, 111,
112, 113, 114, 115, 117, 124, 127, 137, 148, 149, 150, 152, 153, 166, 167, 184
Eisner 38, 49
EMEIF José Albino Pimentel 126, 137, 139, 140
Encontro Nacional do Cinema Infantil 57
entretenimento 10, 20, 22, 26
Eros 28
Escola de Arte de Brasil 46
Escola de Belas Artes 89, 90
Escola Experimental de Cinema EEC 126, 127, 137
Escolas Vivas de Cinema 128
Estética 9, 10, 11, 12, 27, 37, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 49, 50, 61, 65, 71, 80, 81, 83, 90,
91, 99, 100, 103, 105, 106, 107, 108, 109, 117, 126, 130, 148, 157, 158, 162, 163, 169
F
Fábio Morais 79, 93
Facebook 34, 36
187
Infância, arte e produção cultural
Fernando Pessoa 29
Florença 43
Francesco Careri 165
G
Gabriel Marcel 28
Grupo de Trabalho Cinema na Escola 57, 58, 77
Guadalupe Rauch 161
Guimarães Rosa 81
H
História da Arte Ocidental 154
Hulusi 9
I
Inep 62
J
James Hillman 28, 31, 40, 41, 43, 49
Jan Masscheilein 133, 144
Jardim de Infância 88
Jorge Larrosa 134
Jorge Mautner 41
José Paulo Paes 105, 106, 107, 108, 118, 184
L
Lei 13006/2014 53, 54, 57, 58, 62, 64, 72, 74, 77
Lia Menna Barreto 88, 93
linguagem 21, 53, 66, 66, 70, 96, 97, 100, 101, 102, 103, 107, 108, 109, 110, 111, 113, 114, 115,
116, 118, 121, 122, 123, 124, 126, 127, 129, 131, 132, 133, 134, 135, 138, 142, 143, 151, 169
literatura 12, 27, 36, 40, 43, 96, 97, 100, 101, 102, 103, 105, 106, 107, 108, 109, 110, 111,
112, 113, 114, 115, 116, 118
logos 28
Luiz Gonzaga 9
M
Manoel de Barros 17, 18, 19, 31, 42, 69, 77, 85
188
Infância, arte e produção cultural
Maria Galzerani Bovério 82
Mário de Andrade 21, 31
Marsílio Ficino 27, 42
Marteen Simons 133, 144
Ministério de Cultura 53, 56, 57, 58, 65, 67, 70, 71
Ministério de Educação 53, 57, 65, 67, 70, 71, 77, 117, 144
Moliére 7
mônadas 82
Morro das Pedras 83
Mostra de Cinema de Ouro Preto 56, 58, 77, 126
Mostra de Cinema Infantil de Florianópolis 57
música 8, 13, 24, 27, 40, 43, 87, 161, 162
O
Os Girassóis 157, 164, 165
P
pandemia 10, 33, 34, 37, 76, 122, 123, 124, 125, 128, 131, 142, 184
Paraíba 33, 121, 127, 147, 176, 177, 178, 179, 180
Paulo Freire 129, 134
Pedagogia da infância 10, 18, 19, 25, 27, 28, 117
Pedagogia do dispositivo 126, 137, 144
pintura 23, 40, 43, 48, 87, 157, 158, 159, 160
Plano Nacional de Educação 66
platonismo 41
Poema haikai 8
poesia 18, 19, 25, 27, 31, 44, 48, 93, 103, 105, 106, 107, 110, 112, 118
política pública de cinema e educação 53
Primeira infância 19, 114, 137
Produção artístico-cultural 9
Programa de Alfabetização Audiovisual 57
Programa Rumos Itaú Cultural 128
Q
quarentena 34, 35, 36, 38
Quilombo Gurugi Ipiranga 126, 127, 139
189
Infância, arte e produção cultural
R
Red Butler 23
Rede Latino-Americana de Educação, Cinema e Audiovisual (Rede Kino) 56, 58, 126
Renascença 27 | pensamento renascentista 42
René Magritte 48
Revista Art-Ref 157
Reunião Especializada de Autoridades Cinematográficas e Audiovisuais do Mercosul 74
S
Sebastião Vidal 25
Secretaria de Educação e Formação Artística e Cultural (Sefac) 57, 58
Secretaria Especial de Cinema 67
Secretaria Especial de Cultura 67
Semente - Escola de Educação Audiovisual 12, 121, 125, 126, 127, 128, 130, 131, 137, 140
Stela Barbieri 82, 85, 90
T
Tolstói 14
Thomas Moore 27, 31
TV Escola 65, 66
U
Unidade Acadêmica de Educação - UAEd 184
Unidade Acadêmica de Educação Infantil - UAEI 148, 153, 184
V
V Seminário Nacional de Educação Infantil 37, 183
Van Gogh 11, 149, 153, 154, 155, 156, 157, 158, 161, 162, 163, 164, 170
Vea Vecchi 43, 50
Vygotsky 106, 107, 118, 149, 152
W
Walter Benjamin 82, 93
Wislawa Zzymborska 48
Z
Zoom 122
190
Todo mundo tem uma
história para contar.