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Constelações culturais no Museu Virtual da Infância Ana Beatriz Bahia Universidade Federal de Santa Catarina, Museu da Infância Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC Palavras-chave: Infância; Museu Virtual; banco de dados. A comunicação versa sobre os subsídios teóricos e metodológicos do Museu Virtual da Infância, uma das ações do Museu da Infância (coordenado pelo Dr. Celdon Fritzen/UNESC, apoio GEDEST), instituição que visa coletar, documentar, preservar e disseminar a produção científica e artístico-cultural DA, SOBRE e PARA a infância, assim como, fornecer subsídios para os processos e as pesquisas que abordam ou tangenciam a Infância. Parte-se de três pressupostos básicos: a) as crianças são sujeitos implicados em um contexto espaço-temporal, que possuem modos singulares de vivenciar e significar o mundo, de se apropriar e produzir cultura (Philippe Ariés; Walter Benjamin); b) os museus se consolidam enquanto instituição social pela qualidade da comunicação que estabelece com seus públicos (HooperGreenhill); c) a extensão virtual de uma instituição não se efetiva apenas pela digitalização de dados, exige a releitura dos seus objetivos com a Cibercultura e a elaboração de ações apropriadas ao Ciberespaço (Pierre Lévy). Para tanto, usa-se o modelo de museu virtual proposto por Bart Marable, estruturado em três camadas de acesso à informação (pesquisa, exposição e experiência) que oferecem aos visitantes múltiplos modos de visualização e de interação com uma mesma base de dados. A camada de pesquisa, primeira etapa de desenvolvimento (financiado pelo CNPq, sob coordenação da Dra. Ma. Isabel Leite), voltado aos pesquisadores do tema, que estará on-line até 2008, contará com o banco de dados do acervo, munido de filtros de busca, que permitirão o cruzamento de informações acerca do autor, do contexto de produção, da materialidade e das temáticas do objeto, além de comentários do autor e/ou do usuário (no caso do acervo DA infância, comentários das crianças) acerca das formas de construção e/ou de uso do objeto. O acervo Museu Virtual da Infância não contará apenas com as peças do Museu da Infância, mas com o de outras instituições e pessoas colaboradoras que estão participando da construção desse “planetário” de culturas DA, SOBRE e PARA a infância, mediante a doação de reproduções digitais de objetos referentes ao tema, assim como, das informações solicitadas para sua inclusão no banco de dados. É dessa forma que o Museu Virtual da Infância pretende constituir-se como espaço promotor do conhecimento, com recursos que permitam aos pesquisadores construir “constelações” de culturas infantis a partir dos dados ali veiculados. A noção de museu como depósito de objetos estranhos às novas gerações não condiz com o campo museal atual. Isso fica mais evidente nos museus que têm a criança como público privilegiado, ou naqueles que tomam a infância como tema norteador. É esse o caso do Museu da Infância (http://www.museudainfancia.unesc.net) cujas metas são coletar, documentar, preservar e disseminar as produções científica e artístico-cultural DA, SOBRE e PARA a infância, assim como fornecer subsídios aos processos e às pesquisas que abordam ou tangenciam esse tema. O museu foi concebido em 2005, por professores do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), junto ao Grupo de Pesquisa, Ensino e Extensão em Educação Estética (http://www.gedest.unesc.net). Proposto como projeto de extensão, coordenado pelo Prof. Dr. Celdon Fritzen, juntamente da Profª Drª Maria Isabel Leite e do Prof. Dr. Gladir Cabral, contou ainda com a colaboração de alunos de graduação e de pós-graduação da instituição, além de pesquisadores convidados externos – como é o meu caso. 1 Desde 2006, ali se realizam exposições, oficinas com grupos escolares e atividades para educadores, eventos abertos às comunidades intra e extra-universitária. Ainda, em parceria com o Núcleo de Arte Educação do Museu de Arte de Santa Catarina (NAE-MASC) e com o Centro de Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (CED-UFSC), promove mensalmente o ciclo “Museu, Educação e Cultura em debate”. Todas essas ações são realizadas por entendermos que um museu consolida-se como instituição educativa, nem tanto pelo tipo e pela quantidade de peças que resguarda, mas pela qualidade da comunicação estabelecida com seus públicos e, por sua vez, pelo entendimento que traz acerca do tema agregador do seu acervo – no nosso caso, as culturas infantis. Das culturas infantis Os estudos de Philippe Ariés (1981) mostraram o quão gradual e parcial foi o reconhecimento dos signos da infância: do olhar reticente à criança, no início da Idade Moderna, à idealização desta no Romantismo. O século XIX terminou com práticas que isolavam a criança do “mundo dos adultos”, ora introduzindo-as num regime educacional disciplinar de internato, ora resguardando-as das mazelas da vida em sociedade a fim de favorecer um tipo de aprendizagem que não violentasse sua “natureza” infantil – como intentou i fazer o preceptor de Emílio . Por mais distintas que sejam essas duas abordagens, em ambas a criança era mantida à parte do cotidiano dos adultos. Ou seja, viveu-se na modernidade a substituição da medieval indiferença à infância por uma “muralha” que distinguia infância e maturidade, assim como os contextos privados (ligados à criança e ao lar) e os públicos (dos quais a criança era excluída). Tal distinção foi criticada durante o século XX, em especial a partir das reflexões tecidas por Walter Benjamin (1984). Afirmava-se, assim, que as produções culturais vivenciadas pelas crianças não são expressão de um modo de vida autônomo, mas “um mudo diálogo simbólico entre ela [a criança] e o povo [cidadão adulto]” (p. 70 – grifo no original). Desde então, a criança não é mais percebida como retrato da pura natureza humana; passa a sujeito histórico que possui modos singulares de vivenciar e de significar o mundo, de se apropriar e de produzir cultura. Sujeito de contextos e de referenciais diversificados e entrelaçados aos dos adultos. Passar do diálogo mudo à voz ecoante e ultrapassar o processo de reconhecimento dos signos da infância rumo à promoção de uma comunicação efetiva entre crianças e adultos são motes norteadores do Museu da Infância. Por isso, sua ação não se resume a colecionar desenhos, brinquedos, livros, filmes e tudo mais relacionado à criança. Na verdade, objetiva favorecer significações múltiplas do acervo e promover a produção de novos enunciados científicos e artístico-culturais, ou seja, fazer-nos apreender de forma crítica e contextualizada uma multiplicidade de culturas infantis. Do museu comunicativo 2 Assim como o processo do conhecer não se traduz na imagem caricatural da aula expositiva como transmissão de saberes instituídos, tampouco se reduz a isso, a comunicação em museus não deve ser entendida como monólogo autoritário. O discurso museal nunca é sumário; é repleto de pontos polêmicos e de paradoxos que suscitam diálogos com o público. Tal abertura discursiva já está no caráter polissêmico dos objetos que resguarda, e é potencializada em função da diversidade e da coerência do acervo, assim como do modo como este é oferecido ao público. O fator comunicativo é constitutivo da própria postura que o visitante terá dentro do museu, no processo de significação do acervo, transitando das “respostas iguais” valoradas em ambiente escolar às apropriações autorais. Defendendo a atitude autoral do visitante, Maria Isabel Leite (2005, p. 46) destaca que: Cada passeio, cada visita [em museu], cada experiência suscita no contemplador sensações e indagações únicas; desperta desejos, abre portas para novas buscas – e isso não poderia ser desperdiçado, encolhido. É o ponto central do transbordamento, tanto de crianças quanto dos educadores. Deslocados da obrigatoriedade e da estrutura burocrática do ensino formal, os museus propiciam experiências que são, simultaneamente, lúdicas e educativas; tais vivências levantam e difundem paixões, fagulhas que inflamam o conhecer. O papel do educador não deixa de estar presente; porém, distribuído nas estratégias de comunicação realizadas pelos de meios de massa (como catálogos, exposições e museus portáteis) e por meio de relações interpessoais (oficinas e outras atividades nas quais a fala do mediador configura-se em função da reação dos receptores). Essas estratégias estruturam a experiência do visitante, tendo o poder de atraí-lo ou de repeli-lo, de estimular um posicionamento intelectivo ou venerativo em relação aos objetos, de problematizar ou de mistificar o próprio museu. Por tudo isso, Eilean Hooper-Greenhill (1998) defende que a ação comunicativa é a força que dá forma ao projeto político (educativo) da instituição museal contemporânea. Balizado pelas idéias de infância plural e de museu comunicativo, desde 2006 o Museu da Infância iniciou um mergulho progressivo no universo da telemática. Primeiramente, elaborou um sítio para veiculação na web de informações acerca do museu, divulgando a agenda de suas atividades presenciais e os projetos que desenvolve. Posteriormente, estendeu seu campo de ação ao ciberespaço, tomando a rede mundial de computadores não apenas como instrumento informacional, como também tecnologia que promove a interconectividade entre computadores, programas, instituições, pessoas e dados, engendrando um novo espaço sociocultural, comunitário, que extrapola os territórios e as convenções temporais antes definidas (Leão, 2004). Para tanto, desde 2007, trabalha na estruturação e no desenvolvimento de um museu virtual propriamente dito, dentro do projeto “Culturas infantis: processos de apropriação e produção” – coordenado pela Profª Drª Maria Isabel Leite, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico 3 (CNPq), por meio do edital 50/2006, de seleção pública de projetos de pesquisa nas áreas de Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas. Dos museus virtuais Nos anos 90, os museus povoavam a web com sítios informativos. Logo vieram as simulações do museu-prédio feitas com programas gráficos 3D, nas quais o internauta tinha a ilusão de se deslocar pelas salas expositivas do museu, tendo a planta-baixa do prédio como navegador. Essa transcrição direta do espaço arquitetônico do museu para o meio digital não satisfez aqueles que defendem a idéia de um museu virtual não se realizar pela mera digitalização e veiculação do acervo na web. A comunicação museal estabelecida por meio da Internet não deve ser tomada como remédio para aqueles que não podem ir ao museu-prédio; e sim, como oferta de outras formas de construção de conhecimento – muitas das quais, inviáveis de serem realizadas presencialmente. Entendemos que a expressão “museu virtual” designa as iniciativas que buscam reinventar os modos de o museu operar – independentemente de incluírem ou não simulações do seu espaço físico –, de realizar seus objetivos institucionais, tendo em vista as especificidades do ciberespaço. O termo virtual é utilizado no cotidiano para qualificar aquilo que não faz parte da vida “real” por não pertencer ao mundo palpável. Todavia, pela definição filosófica da palavra – por ii Gilles Deleuze e por Félix Guattari (1997), remontando à definição de potência por Aristóteles virtual é real: a realidade é composta tanto pelo que possui forma, que está colocado em ato, quanto por aquilo que está em potência, que é virtual. Apesar de intangível, o virtual não está dissociado do mundo atual, pois é o informe que está prestes a tomar forma, a realizar-se enquanto ato – como a árvore que está em potência na semente, ou o fogo, no palito de fósforo. A atualização não esgota a potência do virtual; porém, garante que este siga existindo – o que seria da árvore sem a semente, ou dos conceitos (entendidos por Deleuze e por Guattari como virtualidades) sem os enunciados filosóficos que os atualizam? O processo de atualização nunca é mecânico – a forma da árvore é resultado tanto das informações contidas na semente, quanto do ambiente no qual ela cresceu e das interferências que geram processos de seleções natural e artificial que podem acarretar modificações na própria semente. Assim, o virtual e o atual não são dimensões estanques e isoladas da realidade; na verdade, retroalimentam-se. Ou seja, é necessário encarar o virtual não apenas como real, como também algo necessário e indissociável do atual. A conceituação do virtual, acima sintetizada, ajuda-nos a entender o que motiva o uso desse termo para designar produções culturais diversas, como os jogos ópticos dos artistas cinéticos de meados do século XX, ou a recente Second Life (http://secondlife.com), um sistema computacional que traz informações referentes à vida em sociedade em potência, que só ganha forma na medida em que os usuários ali interagem. Em ambos os casos, o autor cria um dispositivo, uma obra em reserva, cuja forma não está prefigurada, pois será o resultado do trabalho voluntário de um interator. Com isso, não queremos diminuir o caráter ativo da 4 experiência cultural com produtos desenvolvidos por meios tradicionais (como o livro impresso e a peça de teatro), atividade sobre a qual tão bem teorizou Roland Barthes (2004) designando o leitor como co-autor da obra saboreada pela leitura. O termo virtual designa um tipo de produção cultural que exterioriza a dimensão autoral dos processos de significação dos textos culturais, tornando compartilhada e objetiva uma prática que já se costuma realizar, mas de modo privado e oculto. Como produzir uma virtualidade que realize os objetivos do Museu da Infância? Como exteriorizar a experiência museal enquanto apropriação autoral do patrimônio cultural? Uma resposta geral não é difícil de ser dada: alçamos o virtual quando problematizamos aquilo que está posto em ato, ou duvidamos das certezas advindas de determinadas práticas e conceitos (Lévy, 1996). Para virtualizar uma empresa, por exemplo, precisamos reinventar seu planejamento estratégico, reler seus objetivos para além das estratégias até então utilizadas e criar ações apropriadas ao novo ambiente no qual vai atuar. A dificuldade do processo de virtualização vem à tona ao atentarmos para as especificidades de cada caso, ao tão custoso processo de estranhar aquilo que nos é familiar e encarar o desafio de construir planos de ação para um ambiente e com tecnologias que nos surpreendem a todo o momento. A virtualização de uma instituição não implica em ruptura radical com tudo que já foi formado. Até porque, como defende Lev Manovich (2006), é característica constitutiva dos objetos das novas mídias a existência de duas “peles”. Uma delas é a camada cultural – proveniente da transcodificação de “velhos” meios, categorias e conceitos (como enciclopédia, narrativa e museu) – que preserva/atualiza as formas de organização cultural antes desenvolvidas e que permite que as novas interfaces façam sentido para os usuários. A outra é a camada informática, referente à ontologia, à epistemologia e à pragmática do computador, responsável pela atualização dos meios anteriores. O autor, em um minucioso estudo dos objetos computacionais gerados em 1980 e em 90, período da expansão das tecnologias de silício, aponta a importância dessa camada cultural na absorção (e não do “impacto”, como se costumou chamar) dos computadores em nosso cotidiano. Se não fosse desse modo, as tecnologias à base de silício não teriam recebido tão vasta e rápida aceitação pública. O que se mostra necessário é a flexibilização do corpo institucional, de modo a permitir o profícuo cruzamento entre o museu e a cibercultura. Em especial, é necessário, antes mesmo de se ocupar com a digitalização do acervo e com o desenho da interface gráfica, relativizar as práticas comunicativas já sedimentadas, ponderando o quão comprometidas elas estão com a dinâmica própria da vida em cidade, com a materialidade do espaço arquitetônico que contém o acervo e com a incumbência institucional de preservar a materialidade dos objetos. Tais questões deixam de ser pilares ao pensarmos em museu virtual, espaço a estar aberto ininterruptamente, no qual será possível dirigir-se, ao mesmo tempo, a pessoas de todos os cantos do mundo desde um único local (endereço), no qual o internauta poderá visitar simultaneamente com outros museus, estabelecendo relações entre dados e abordagens 5 museológicas, e com capacidade de receber uma quantidade de visitantes exponencialmente maior do que aquela dos que adentram seu espaço físico. Sequer as dificuldades de construção de uma comunicação efetiva que os museusprédio enfrentam correspondem às de um museu virtual. E é claro que outras limitações existem, em especial, as relativas aos processos de inclusão digital: hoje, menos de um quinto iii da população mundial tem acesso à Internet , e a velocidade das inovações tecnológicas costuma ser maior do que a capacidade dos museus em acompanhá-las. O que devemos ter claro é que a edificação de um museu virtual não depende apenas do acesso aos recursos tecnológicos de ponta, mas também de um corpo de profissionais disposto a questionar alguns dos paradigmas constitutivos dos museus, como a supremacia do objeto original (nãoreproduzido) e da contemplação presencial. Reprodução e mediação no acesso aos bens culturais é um tema que, apesar de continuar sendo palco de polêmica, não é recente. Reporta-nos a Walter Benjamin (2000), na década de 30, lembrando que a reprodução de objetos únicos não iniciou com a fotografia, e que o intuito de dar acesso massivo aos bens culturais já estava no projeto dos museus oitocentistas. A diferença destacada por Benjamin está nas técnicas industriais, as quais trouxeram a possibilidade de reprodução em quantidade indefinida, acarretando a perda do valor ritual (da aura) da obra de arte e o ganho de uma atualidade ao objeto do passado histórico. Mais do que lamentar as perdas, o autor entreviu na fotografia (e no cinema) a diminuição do poder da figura do produtor cultural (do artista) e a geração de “um conjunto de novas atitudes” no público. Por essa mesma via, André Malraux (2000), em 1940, defendeu o uso da reprodução fotográfica como modo de renovação das formas de apreensão do saber cultural, de superação das limitações que o museu impõe ao nosso imaginário - como a dificuldade de aproximar peças que se encontram fisicamente distantes, ou de realizar insistentes visitas a uma mesma obra, ou ainda o acesso àquilo que pertence a colecionadores particulares. Por meio das reproduções podemos construir museus à margem dos institucionais – que o autor intitulou Musée Imaginaire –, que funcionem como a leitura dos dramas, à margem da sua representação, ou como a audição dos discos, à margem do concerto. O acesso mediado pela reprodução não leva ao esquecimento das qualidades singulares da peça original; ao contrário, promove tanto o desejo de conhecê-la quanto aponta possibilidades múltiplas de apropriação do saber que ali é colocado em jogo. Assim como as gravações das orquestras em estúdio não esvaziaram os concertos, ou como o cinema não colocou fim ao teatro, é equivocado crer que o advento do museu virtual represente perigo à existência dos museus presenciais. Não se trata de buscar a substituição da relação presencial com o objeto museal, mas de agregar modos de experiência cultural gerados desde o ciberespaço – como vimos no premiado jogo on-line Bosch Universe, desenvolvido pelo V2_Lab e Ra.nj digital entertainment, para a exposição "Hieronymus Bosch 1450-1516: Only Opportunity to See So Many Works Together", realizada em 2001, pelo iv Museum Boijmans/Roterdam . É desse modo que os museus virtuais tornar-se-ão tão 6 relevantes para o internauta do século XXI quanto foram os museus monumentais para os citadinos do século XIX. O projeto Museu Virtual da Infância As ações a serem realizadas na “sede” on-line do Museu da Infância (que, por enquanto, não possui endereço eletrônico) não se distinguirão das presenciais apenas pelas estratégias comunicativas utilizadas, mas pela amplitude dos conteúdos manuseados. O desenvolvimento desse museu virtual traduz a constante motivação da equipe do Museu da Infância para interagir com outras instituições que abordam a temática “infância” e buscar uma melhor comunicação com as próprias crianças. Por isso, pretende abrigar digitalmente não apenas as peças do seu acervo físico (reproduções em código numérico, acompanhadas dos dados documentais), como também as coleções de instituições parceiras e os objetos doados virtualmente por colaboradores independentes. Além de veicular e de dar condições de apropriação do universo de signos da infância que ali será configurado, o museu oferecerá recursos interativos, em diferentes linguagens (como a verbal, a visual e a musical), a fim de propiciar as produções cultural e científica a partir das peças do acervo. Tomamos como referência o modelo de museu virtual proposto por Bart Marable, em 2004, que explora a capacidade da tecnologia computacional de prover perspectivas múltiplas de um mesmo conjunto de informações. O autor propõe oferecer ao visitante do museu virtual três entradas, correspondendo a níveis de aprofundamento do conteúdo disponível. Eis cada nível: a) Pesquisa, ou nível de arquivamento do acervo, pensado para especialistas que dominem termos e nomes específicos da área; estruturado como sistema computacional de armazenamento e de gerenciamento de dados (vulgo banco de dados) e que dá acesso ao nível máximo de informações veiculadas pelo museu; b) Exposição, semelhante àquilo que costumamos ver nos museus-prédio; voltado ao público em geral, destacando as informações interpretativas e educativas produzidas acerca do acervo. Neste, o banco de dados é implícito (pois pode ser acessado como possibilidade de aprofundamento das informações) e uma narrativa é explicitada; c) Experiência, que se distingue do nível anterior por propiciar a imersão, na qual o visitante vê-se envolvido por artifícios estéticos e lúdicos, propiciando a vivência de momentos de interação e de fruição. Apesar de o primeiro patamar ser destinado aos pesquisadores, como os três níveis são interconectados, o máximo de profundidade de informação acerca de uma peça do acervo pode ser acessado mesmo por aquele que entrou pelo terceiro nível, pensado para o público que busca atividades de entretenimento. Trata-se, assim, de uma estrutura densa; porém, maleável às motivações, às intenções e às digressões de cada visitante. A extensão do percurso e a qualidade do envolvimento com os conteúdos ali ofertados serão definidas pelo próprio internauta no transcorrer de sua visita. Por isso, o resgate de dados a ser realizado não dependerá apenas do sistema computacional que estamos implementando, mas do sempre diferencial processo cognitivo de cada usuário. 7 O modelo de Marable mostra-se adequado ao Museu da Infância, principalmente por permitir elaborar ações que extrapolem os perfis tradicionais de público (famílias, profissionais, escolares), oferecendo um trânsito fluido por seus conteúdos, sem segregar crianças e adultos, pesquisadores e curiosos. Iniciamos o desenvolvimento do Museu Virtual da Infância pelo nível de banco de dados. Partimos da segmentação do acervo já existente – bens culturais DA, PARA e SOBRE v a criança – e desenvolvemos fichas de documentação específicas para cada segmento. Estas nos permitiram documentar as informações intrínsecas e extrínsecas acerca dos objetos do acervo e serviram de base para a modelagem dos objetos do banco de dados e para a construção dos filtros de busca. A diferenciação estabelecida entre as fichas não limitará as buscas pelo acervo como um todo, pois todas possuem uma estrutura comum: dados do autor e contextuais do objeto, características materiais do objeto e temáticas referidas no objeto (ver tabela 1). Acervo DA criança Dados do autor Dados do objeto contextuais materiais temáticos Outros Acervo PARA a criança Acervo SOBRE a criança gênero; idade; ano escolar; escola que freqüenta e cidade/estado/país de moradia (atual e anteriores). nome, gênero, profissão, datas de nascimento e de morte, cidade/estado/país de moradia (atual e anteriores). nome, gênero, profissão, datas de nascimento e de morte, cidade/estado/país de moradia (atual e anteriores). título; tipo de produçãovi; contexto de produção com data, cidade/estado/país e local (de educação formal, informal ou não-formal); fator externo que motivou a produçãovii; propósito da produção (didática, artísticocultural ou lúdica). título; número de identificação do produto; tiragem; tipo de produção; dados da obra de referência (no caso de adaptação infantil); contexto de produção, com data, cidade/estado/país e processo (artesanal ou industrial); propósito da produção (desenvolvimento de material didático, artístico-cultural ou lúdico). título; número de identificação do produto; tiragem; tipo de produção; contexto de produção, com data, cidade/estado/país e processo (artesanal ou industrial); propósito da produção (desenvolvimento de material didático, artístico-cultural ou lúdico). suporte/meio; materiais e instrumentos utilizados; dimensões/duração e formato. suporte/meio; dimensões/duração. suporte/meio; dimensões/duração. palavras-chave referentes aos temas abordados. descrição temática*. descrição temática*. comentários do autor*; histórico do processo de musealização do objeto*. história do objeto*; histórico do processo de musealização do objeto*. história do objeto*; histórico do processo de musealização do objeto*. * tópicos que permitem a inclusão de textos descritivos; nos demais, a informação é incluída em formulários (como em dias do mês e nomes de países) ou assinalando palavras-chave (como em tipo de produção, material e temática). Tabela 1: estrutura das fichas de documentação do acervo do Museu Virtual da Infância 8 Essa estrutura foi elaborada com o intuito de arquitetar um “planetário” de signos da infância. É um sistema que, por um lado, permite traduzir em código numérico e sistematizar um montante de dados acerca dos objetos do acervo, construindo uma base consistente para a edificação das demais camadas do museu virtual; por outro, busca ser eficiente e flexível para resgatar os dados, aportando o visitante às condições necessárias para configurar múltiplas leituras das culturas infantis. O fato de o Museu da Infância abrir mão da seqüencialidade característica das salas expositivas não o exime daquilo que lhe é inexorável – a dimensão ideológica subliminar à constituição e à veiculação pública de um acervo. Todavia, ao não oferecer um desencadeamento temático, um começo e um fim predefinidos para a visualização do acervo, o banco de dados do Museu Virtual da Infância solicitará aos seus visitantes a tecedura de composições próprias, fazendo-os desempenhar um papel semelhante ao que já assumem como usuários da Internet, na qual nada lhes é mostrado de imediato, e tudo está igualmente disponível a um clic de distância, aguardando suas solicitações, seleções e co-relações. É por conta desse posicionamento autoral que a Internet não está sendo palco de uma cultura global pasteurizada, mas aportando um mosaico dinâmico de referências culturais diversas que ali coexistentes e inter-relacionam-se. Assim também pretende ser o Museu Virtual da Infância, não repisando as figurações estereotipadas da criança, mas impelindo os seus visitantes a atuarem como co-editores de constelações de culturas infantis. Referências bibliográficas Ariés, P. (1981). 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Recuperado em 12 dezembro, 2006, de http://www.archimuse.com/mw2004/papers/marable/marable.html i Faz-se aqui referência ao jovem personagem Emílio,da obra de Jean J. Rousseau. Segundo o dicionário de filosofia de N. Abbagnano, virtual equivale à Potência, definida por Aristóteles nos livros Terceiro (parte VI), Quinto (parte XII) e Nono da Metafísica. É apresentada em oposição ao ato que, por sua vez, define-se pela realidade realizada ou que está se realizando. iii Segundo estatística apresentada pelo Internet World Stats (http://www.internetworldstats.com/stats.htm), com dados de setembro de 2007, apenas 18,9% da população mundial têm acesso à rede de computadores interligados. A porcentagem varia entre os continentes, tendo a América do Norte como topo (70,2% da população são usuários), seguida da Oceania/Austrália (55,2%) e da Europa (41,7%), no qual Portugal apresenta uns dos melhores índices: 73,8% da população portuguesa têm acesso à rede. Nessa escala, a África fica com a menor proporção (4,7%); todavia, as pesquisas indicam que essa discrepância está diminuindo. Segundo relatório apresentado por Cláudio Nazareno, Elizabeth Bocchino, Fábio Luis Mendes e José de Sousa Paz Filho (Coordenação de Publicações da Câmara/Brasília, 2006), o aumento percentual de usuários da rede no continente norte-americano é cada vez menor em relação ao latino-americano, por exemplo. Esse mesmo relatório apontou que, em 2002, cerca de 10,3% da população brasileira tinham acesso à rede e, em 2005, esse número cresceu para 13,9%. Segundo o Internet World Stats, em 2007, 20,1% dos brasileiros tinham acesso à rede. iv Esse jogo é objeto de estudo da tese de doutoramento que estou realizando, com defesa prevista para julho de 2008. v Entendendo por produção da infância desenhos, pinturas, esculturas, partituras, trabalhos escolares e demais bens culturais realizados por crianças; produção sobre a infância, a científica e a artístico-cultural, cujo eixo central é a diversidade de enfoques sobre a criança; produção para infância, artístico-cultural destinada ao público infantil, como jogos, brinquedos, músicas, literatura, filmes, entre outros. vi Entre os tipos de produção estão história em quadrinhos, história escrita, narrativa oral, poesia, partitura, canto, música, palco/ cenário, fantasia/máscara, fantoche/marionete, filmagem, animação (em desenho ou com massinha), jogo eletrônico, jogo (não-eletrônico), brinquedo eletrônico, brinquedo (não-eletrônico), fotografia, maquete, móbile, escultura/modelagem, colagem, desenho, gravura, monotipia, pintura, bordado/costura, exercício de cópia, entre outros. vii Entre os fatores de motivação do acervo da infância destacamos as datas comemorativas, os exercícios e as avaliações escolares, filme assistido, história ou música ouvida, passeio realizado e atividade lúdica vivida. ii 10