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Vila Isabel, inventário da infância
Vila Isabel, inventário da infância
Vila Isabel, inventário da infância
E-book88 páginas1 hora

Vila Isabel, inventário da infância

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Sobre este e-book

Publicado em 1996 pela Relume-Dumará, "Vila Isabel, inventário da infância" saiu pela série Cantos do Rio. Para esta edição comemorativa, além do texto original, foram incluídas 13 crônicas escritas por Aldir Blanc sobre a sua Vila Isabel, cravada na Rua dos Artistas. Este Inventário do compositor, escritor e psiquiatra nada mais é do que uma espécie de álbum de recordações. Nele estão a lua cheia refletida na caixa d'água, as leituras que fazia de cima da goiabeira no quintal de casa, as brincadeiras de criança, os personagens de casa e da rua. Uma tentativa de reencontro com a infância, a memória acumulada, as alegrias e fracassos, os sonhos realizados — ou não.
A apresentação desta nova edição é de Luiz Antonio Simas. O historiador, também um cronista do Rio que pulsa na Zona Norte, garante que não sabe se é o menino Aldir Blanc que vive em Vila Isabel, ou se é a Vila Isabel que vive no Aldir. E conclui, para desespero dos leitores: "Aldir vive na Vila, a Vila vive no Aldir e o Rio de Janeiro, daqui a pouco, periga não viver em coisa nenhuma, pelo andar da carroça em que nos meteram". Antes que a carroça descambe barranco abaixo, ler Aldir Blanc e passear por sua Vila Isabel é fundamental.
Esta reedição do livro integra a coleção "Aldir 70" — composta também por "Rua dos Artistas e arredores", "O gabinete do doutor Blanc: sobre jazz, literatura e outros improvisos", "Porta de tinturaria" e "Direto do balcão".
IdiomaPortuguês
Data de lançamento18 de ago. de 2017
ISBN9788565679657
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    Vila Isabel, inventário da infância - Aldir Blanc

    Vila Isabel, inventário da infância

    Aldir Blanc

    ILUSTRAÇÃO [CAPA]

    Allan Sieber

    REVISÃO

    Fal Vitiello de Azevedo

    DESIGN E DESENVOLVIMENTO

    Mórula Editorial

    © 2017 MV Serviços e Editora

    Todos os direitos reservados.

    R. Teotonio Regadas, 26 – 904 – Lapa – Rio de Janeiro

    www.morula.com.br • contato@morula.com.br

    Para Isabel,

    que tem o nome da Vila.

    A memória é a base da personalidade individual, assim como a tradição o é da personalidade coletiva de um povo. Vive-se na recordação e pela recordação e nossa vida espiritual não é, no fundo, senão o esforço de nossa recordação por perseverar, por tornar-se esperança, o esforço de nosso passado por tornar-se porvir.

    MIGUEL DE UNAMUNO

    Reúna os fatos primeiro e... então você poderá distorcê-los à vontade.

    MARK TWAIN

    [ EM ENTREVISTA A RUDYARD KIPLING, EM 1889 ]

    Eis aqui Vila Isabel

    LUIZ ANTONIO SIMAS

    NOS SALAMALEQUES OFICIAIS DE HISTÓRIA (a disciplina, aquela que a turma escreve com agá maiúsculo), o empresário João Batista Viana Drummond pinta na área como um fervoroso adepto da causa da abolição da escravatura. Foi ele que comprou as terras da Imperial Quinta do Macaco e resolveu contratar o arquiteto Francisco Joaquim Bithencourt da Silva para urbanizar a região e transformá-la em um bairro em homenagem à princesa: Vila Isabel.

    Só para constar, a principal via do bairro, o Boulevard 28 de Setembro, homenageia a data da promulgação da Lei do Ventre Livre de 1871. Quando eu era moleque, este era o tipo de informação — ao lado da velocidade do voo de uma mosca — fornecida pela Rádio Relógio; que Deus a tenha.

    A Vila Isabel tem, pelo menos, três sólidos motivos para fazer parte da história do Rio de Janeiro e do Brasil. É a terra de Noel Rosa, lá foi criado o jogo do bicho e foi fundada a escola de samba que leva o bairro no nome.

    O jogo do bicho, como todo brasileiro deveria aprender ainda no maternal, surgiu em 1893, de uma forma tão singela como um passeio de pedalinho em Paquetá ou o nascimento do menino Jesus numa modesta estrebaria.

    O Barão de Drummond, o empresário do início deste arrazoado, eminência política do Império, era fundador e proprietário do Jardim Zoológico do Rio de Janeiro. A manutenção da bicharada era feita com uma generosa subvenção mensal do governo, suficiente, diziam as línguas ferinas, para alimentar toda a fauna amazônica por dez anos.

    Quando a República foi proclamada, o velho Barão perdeu o prestígio que tinha nos tempos da Monarquia, morta e enterrada pelas casacas dos generais. Perdeu, também, a mamata que lhe permitia alimentar o avestruz com caviar, dar champanhe francesa pra vaca e contratar manicure pro pavão. Mais perdido que zagueiro da seleção depois do terceiro gol da Alemanha na Copa do Mundo de 2014, o nosso Barão cogitou, em protesto, soltar os bichos na Rua do Ouvidor — o que, admitamos, seria espetacular — e fechar em definitivo o zoológico.

    Foi aí que um mexicano, Manuel Ismael Zevada, que sabe lá por que carga d´água morava no Rio e era fã do zoológico, sugeriu a criação de uma loteria que permitisse a manutenção do estabelecimento, baseada em certo jogo das flores mexicano. O Barão ficou entusiasmado com a ideia.

    O frequentador que comprasse um ingresso de mil réis para o zôo ganharia vinte mil réis se o animal desenhado no bilhete de entrada fosse o mesmo que seria exibido em um quadro horas depois. O Barão mandou pintar vinte e cinco animais e, a cada dia, um quadro subia com a imagem do bicho vitorioso.

    Em pouco tempo, o jogo do bicho tornou-se um hábito da cidade, como os passeios na Rua do Ouvidor, a parada no botequim e as regatas na Lagoa. Coisa séria. A República, que detestava o Barão, proibiu, depois de algum tempo, o jogo. Era tarde demais. Popularizado, o bicho espalhou-se pelas ruas, com milhares de apontadores vendendo ao povo os bilhetes com animais dadivosos. Daí para tornar-se uma mania nacional e dar origem a uma complexa teoria de interpretação dos sonhos de deixar Freud no chinelo foi um pulo.

    Já o GRES Unidos de Vila Isabel originou-se de um clube de futebol da região — o Vila Isabel Futebol Clube, que disputava os campeonatos de várzea com o uniforme azul e branco. O time deu origem a um bloco de carnaval que, no dia 04 de abril de 1946, transformou-se em escola de samba. A casa de um dos fundadores, Antônio Fernandes de Oliveira, o Seu China, funcionou também como primeira sede administrativa da escola, até o ano de 1958; aquele em que o escrete papou a Jules Rimet na Suécia

    Quanto a Noel Rosa, apelo para a máxima do meu avô: nem preciso dizer o que acho. Noel é conversa de botequim, futebol no rádio de pilha, conta pendurada, conversa fiada, sacanagem no portão, punheta de garoto, selo carniça nova, bola ou búlica, sete com tabela na caçapa do meio, festa da Penha, novena, quermesse, sessão de mesa branca com tia-avó recebendo espírito de médico do século XVIII, doce de Cosme e Damião na umbanda da esquina, baile nos infernos, flor e navalha, gol de letra e gol de mão, pomba da paz e galo de rinha. Estácio, Tijuca, Vila Isabel. Noel é fim de papo.

    Acontece que, além do bicho, da escola e do Noel, a Vila Isabel tem a Vila do Blanc; aquela que começa e continua na Rua dos Artistas. E não termina.

    Em certa ocasião conheci um estudante de antropologia meio maluco que, numa mesa no Bode Cheiroso, na Rua General Canabarro, quase às margens do Rio Maracanã, anunciou que estava disposto a se aventurar em um trabalho de campo nas trilhas profundas do Grande Sertão do Urucuia, lá pelas quebradas do Brejo

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