O Cônsul Infiltrado
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Sobre este e-book
Em 2 de novembro de 1972, três jovens comunistas entraram no consulado francês de Saragoça e causaram um incêndio que acabou com a vida de Roger Tur, cônsul honorário da França. Anos mais tarde, em uma divulgação dos arquivos da CIA, soube-se que durante a guerra o cônsul espionou os nazistas e entregou seus relatórios aos americanos.
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O Cônsul Infiltrado - Esteban Navarro Soriano
O Cônsul Infiltrado
Esteban Navarro Soriano
––––––––
Traduzido por Valquíria Pereira Bosqueti
O Cônsul Infiltrado
Escrito por Esteban Navarro Soriano
Copyright © 2023 Esteban Navarro Soriano
Todos os direitos reservados
Distribuído por Babelcube, Inc.
www.babelcube.com
Traduzido por Valquíria Pereira Bosqueti
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O Cônsul Infiltrado
Esteban Navarro
Índice
Créditos
Sinopse
Dedicatória
Citação
Aviso
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Epílogo do autor
Anexo 1
Anexo 2
Anexo 3
Agradecimentos
Nota do autor
Mais romances
O Cônsul Infiltrado
© Esteban Navarro Soriano. Julho de 2019
Edição Kindle por Esteban Navarro
www.estebannavarro.es
esteban.orravan@gmail.com
Capa: Pixabay License
É estritamente proibido, sem a autorização por escrito do titular dos direitos autorais, sob penas estabelecidas por lei, a reprodução parcial ou total desta obra por qualquer meio ou procedimento, incluindo xerox e processamento de computadores e sua distribuição por aluguel ou empréstimo público de cópias.
Em 2 de novembro de 1972, três jovens comunistas entraram no consulado francês de Saragoça e causaram um incêndio que acabou com a vida de Roger Tur, cônsul honorário da França.
Anos mais tarde, em uma divulgação dos arquivos da CIA, soube-se que durante a guerra o cônsul espionou os nazistas e entregou seus relatórios aos americanos.
Para Ester, graças a ela, escrevo.
Para Raúl, quando jovem, gostaria de ter sido como ele.
A morte do cônsul Roger Tur foi um assassinato estúpido.
Maurice Schumann
(Ministro das Relações Exteriores da França em 1972)
A corte marcial provou que não tínhamos intenção de matar ninguém. Não tenho nada do que me arrepender.
Luis Javier Sagarra de Moor
(Membro do Grupo Foice e Martelo)
Se alguém diz que me deu informações secretas, ele cometeu o crime, não eu.
Margaretha Geertruida Zelle
(Mata Hari)
Aviso
Os lugares deste livro são inspirados, com grande liberdade, em lugares reais. Personagens e fatos narrados também são inspirados em eventos reais ou que podem ter sido reais, mas com a mesma liberdade em sua reconstituição. O seguinte relato deve ser considerado em todo o caso e de qualquer forma, como sendo fruto da minha imaginação e não se deve atribuir atos ou palavras reais a qualquer pessoa que exista ou tenha existido de verdade. Os fatos que inspiram este romance podem não ter acontecido assim, mas é assim que os vejo e é assim que os contarei.
Esteban Navarro
PRÓLOGO DO CÔNSUL HONORÁRIO DA FRANÇA
Engenhosidade, coragem e humanidade
Não tive a oportunidade de conversar com Roger Tur, cônsul honorário da França em Saragoça de 1934 a 1972, devido à barreira do tempo. Mas soube de aspectos biográficos por quem conversou com ele. Dessa forma, me dei conta de que sua vida em Saragoça merece ser estudada e lembrada.
Esteban Navarro fez isso. Seu romance O cônsul infiltrado presta um justo tributo à monsieur Tur, cuja morte em novembro de 1972 foi um dos episódios mais trágicos do falecido franquismo em Saragoça.
Os fatos que acabaram com sua vida eram claros; sabemos deles com razoável certeza. Os fatos comprovados da sentença proferida, tida como verdadeira
. O romance começa precisamente assim, pelo fim da vida de Tur, por aquele estúpido assassinato cometido por alguns garotos na flor da idade, vítimas do franquismo e da alienação ideológica.
Se a morte de Roger Tur foi alvo de investigação e julgamento, pelo qual os autores tinham a defesa dos advogados saragoçanos, a vida do cônsul francês foi, no entanto, desconhecida para nós.
O livro tem o mérito de nos levar até a Saragoça de dois diferentes períodos do século XX: os anos 40 e o início dos 70. O autor descreve com sucesso lugares, lojas, ruas e praças, hábitos e ambientes.
Roger Tur viveu como qualquer saragoçano. Empresário notável, dirigiu uma pequena fábrica de melaço e alcaçuz e cumpriu suas obrigações como qualquer saragoçano. A partir de 1934 foi contratado para representar a França na cidade e facilitar a vida administrativa de seus compatriotas. E foi o que fez. A atividade empresarial e a função consular garantiram-lhe notoriedade social, mas proporcional, razoável, discreta. No entanto...
Antes de ler O cônsul infiltrado já circulava, por causa do meu trabalho consular, algum episódio notável de Tur no início da guerra civil. Naquele verão de 1936, com engenhosidade, habilidade e humanidade exemplar, ele foi capaz de exercer suas funções e ajudar àqueles perseguidos por sua ideologia, sem temer o perigo ao qual se expunha. Roger tinha semelhanças, mutatis mutandis[1], com outros diplomatas espanhóis na Segunda Guerra Mundial: engenhosidade, coragem e humanidade numa época de fanatismo ideológico e vigilância policial.
Não é estranho que uma personalidade como a dele tenha ouvido o velho chamado para defender sua pátria: Aux armes, citoyens![2], após a invasão alemã. Roger lutou contra o nazismo com o que tinha em mãos. Era esperto, tinha coragem e humanidade de sobra. Seu campo de batalha foi Saragoça. Seu posto de combate, o Consulado Honorário. E Esteban Navarro se encarregou de nos contar, de uma maneira agradável e emocionante, como ele lutou sua guerra particular.
Roger teve o problema da solidão. As relações com sua hierarquia na embaixada, ou com o Consulado Geral, mostraram-se complexas, assim como o Regime de Vichy. Não podia pedir ao seu embaixador ou ao cônsul-geral instruções, ordens, orientações específicas ou conselhos. Lutou sozinho, em Saragoça, ouvindo e reportando.
Esteban Navarro soube narrar perfeitamente a vida e o trágico fim de Roger Tur. Ele era como qualquer saragoçano, de nacionalidade francesa, que durante os anos mais conturbados do século XX soube ser uma voz ativa fazendo jus ao grito de Saragoça não se rende!
Raphaël Emmanuel Ledesma Gelas
Cônsul Honorário da França em Saragoça
Capítulo 1
Quinta-feira, 2 de novembro de 1972.
Às dez e meia da manhã, a rua La Salle está como sempre está de tranquila assim como qualquer outro dia da semana. As lojas abriram há pouco mais de uma hora e várias pessoas perambulam pelas calçadas. Um Seat 127, vermelho, anda devagar. Atrás, a uma distância muito curta, quase tocando os para-choques, passa um Citroën GS, champanhe. Os dois juntos e à mesma velocidade, passam por um Renault 12, azul-escuro estacionado em frente ao número 7, onde um homem apressado, protegido por um casaco de lã e um chapéu estilo russo com abas nas orelhas, está descarregando algumas caixas do maleiro. Ao lado, no portão número 5, um homem de terno escuro e gravata combinando varre a soleira da porta enquanto assobia uma música que ouviu recentemente na televisão. É bom a calçada estar limpa, pois o fim de semana se aproxima e de sexta a domingo não haverá ninguém para limpar as portarias. Em frente, vários homens conversam em um boteco enquanto fumam sem parar. De vez em quando ouve-se uma gargalhada que ressoa no asfalto como uma lembrança feliz que não para de esmorecer. A rua inteira cheira à presunto, rolinhos de vitela, queijo, croquetes de peixe e pimentão recheado.
A poucos metros de distância, três jovens caminham por uma rua lateral. Há pouco, saltaram de um Seat 850, amarelo, que um de seus ocupantes havia alugado naquela mesma manhã sob um nome falso. O veículo foi deixado estacionado nas proximidades de onde estão, perto da escola La Salle. É um bom carro, foi o que o jovem que o alugou disse. Seus 843 centímetros cúbicos, daí o nome 850, são suficientes para levá-los até aquela rua, mas não os necessários se tiverem que fugir da polícia. Andam com pressa e com a cara descoberta, com as mãos dentro dos bolsos das calças.
Os três se reuniram naquela mesma manhã, às oito e meia, no bar Picón, localizado na avenida Tenor Fleta, número 3. Luis Javier Sagarra de Moor foi o primeiro a chegar e, enquanto esperava por seus companheiros, acendeu um cigarro Pall Mall de um maço que seu pai lhe havia dado, pego diretamente do consulado americano, onde tinha um amigo lá dentro que lhe fornecia tabaco e álcool importados. Álvaro Noguera Calvet apareceu cinco minutos depois. Disse ao garçom que não queria beber nada e pegou um charuto do maço que Sagarra tinha deixado na mesa; acendeu-o com um nervosismo que não era típico dele. Os dois se observaram através da densa cortina de fumaça que subia até desaparecer em um teto sujo e gorduroso. O terceiro, José Antonio Mellado Romero, está tão inquieto que os espera na porta do bar; nem sequer tem disposição para entrar. Acaba de chegar e simplesmente afunda o pescoço entre os ombros, enquanto aperta o casaco contra o corpo. De uma das janelas que dão para a rua, ele os cumprimenta, levantando a mão para que o vejam. Os três, agora se dão conta dele, exalam uma tensão incomum. Quarenta e oito horas antes, quando planejaram o que iriam fazer essa manhã, viram tudo sob uma perspectiva melhor do que agora, o que não parece mais ser um plano tão viável. Incentivam-se a continuar e a não se arrepender.
— E o carro? — Noguera pergunta a Sagarra.
— Na porta — responde, levantando a cabeça para ver se de dentro do bar pode vê-lo, mas nenhuma das janelas tem vista para o local onde o carro está.
— Suponho que colocou gasolina?
— Sim, claro.
— Alugou em seu nome?
— Acha que sou burro? Usei um nome falso, é claro.
— Que nome usou?
— E eu é que sei! Não me lembro mais.
— Poderia ter alugado um Seat 124, que é mais chique e corre muito, caso tenhamos que fugir — sugere Noguera. — Um 124 não é pouco para a polícia.
— Se tivermos que fugir, é melhor que o façamos a pé. — responde Sagarra. — Ou acha que somos delinquentes sortudos? Se eu for pego, me pegarão morto, garanto.
— Deixem de conversa mole — reclama Mellado, enquanto bate no chão para acabar com o frio ou a inquietação — e vamos embora agora.
Andam às pressas com a tensão estampada no rosto. Os três usam calças tergal[3] e protegem-se do frio com casacos abotoados até em cima. O ar é tão congelante que eles têm dificuldade em respirar. Um deles, o que anda no meio, talvez o mais velho dos três, segura em seus lábios roxos um cigarro amarelo cuja fumaça desaparece em um céu acinzentado que anuncia a chegada iminente de um frio intenso. É um
Bisonte[4] sem piteira, que há algumas semanas foi substituído pelo 3 Carabelas[5] de maço vermelho. É o que são nesse instante, três caravelas[6].
O jovem à direita finca os olhos em um pôster do filme que vão exibir nesse fim de semana no cinema Palafox. É Ritual de Guerra, de Clint Eastwood. Pensa que bom seria se fosse como ele. Alheio ao medo, indiferente à dor e ao sofrimento. Decidido como um atirador do extremo oeste que entra em um bar segurando um revólver Colt e desavergonhadamente intimida os moradores.
O da esquerda fixa os olhos no pôster anunciando a terceira semana de exibição no Teatro Fleta do filme mais premiado da história do cinema: Ben-Hur. Lê, que terá dois ingressos essa tarde, um às sete e quinze e outro às nove. Mas, por algum estranho pressentimento, sabe que essa tarde, especificamente, não poderá ir ver esse filme nem qualquer outro.
Os três param em frente ao número 3 da rua La Salle. Trocam olhares de cumplicidade tratando de confirmar que o que planejaram a semana toda finalmente será feito. Não há dúvida em seus olhos. Não há hesitação, mas medo sim. Aos vinte anos, eles não têm a sabedoria necessária para repensar o que farão, mas em seus olhos há um medo incomum, o medo do fracasso. Já o tinham planejado horas antes, no bar Picón, mas até então era só um murmúrio, um ponto fraco no plano apressado e agora é uma certeza. Estão lá, e não há mais tempo nem motivos para desfazer o dito cujo. Os três se olham. Em seus olhos, veem que há segurança ou a ilusão de uma segurança que só poderão confirmar assim que tudo sair bem.
Preparados? — pergunta Sagarra.
Preparados. — respondem em uníssono.
Ainda têm alguns segundos para lembrar como há apenas três dias se reuniram em uma casa que os pais de Luis Javier Sagarra têm em Garrapinillos. Ele não é o líder, mas é o que tem as ideias mais embasadas. Luta por convicção e quando alguém está convencido de algo, não há como estar errado. Os outros o conhecem pelo apelido: Fidel Guevara
. Fidel pelo Castro. Guevara pelo Che.
Muito antes, já tinham conversado bastante sobre a façanha que iriam perpetrar. Assim sendo, reuniam-se na pousada Venta de los Caballos, situada na estrada de Madri; outras vezes iam à Casa Agustín, no bairro saragoçano de Delicias. Ainda não sabiam o quê, mas sabiam o como e o porquê. Concordaram que teria que ser uma ação rápida, eficaz e sensacionalista. A imprensa, assim esperam, espalhará a notícia. Deve ser um golpe tão contundente e engenhoso que nos círculos universitários, em Saragoça, no restante das associações comunistas e em todo o país, irão divulgá-la como um grande avanço nas reivindicações.
Nessas conversas, decidiram invadir o consulado francês da rua La Salle. Seria uma ação simples: entrariam pela porta principal, que não é vigiada, e ameaçariam o zelador e a secretária. Seria algo rápido: concluir seu plano e sair pela porta, dispersando-se depois. Por dias não se falaria de outra coisa. Eles não têm nada contra o cônsul, nem contra os funcionários do consulado, mas desse jeito querem enviar uma mensagem à França, pelo apoio que dá ao governo de Franco na luta para acabar com os movimentos que ocorrem em Bayona. Uma mensagem vermelha
. Uma mensagem de medo para que os francezecos entendam bem o aviso. O plano é simples: entrarão no consulado, perguntarão quem é o cônsul e derramarão sobre ele a lata de tinta acrílica vermelha, da marca Titanlux, que haviam comprado na tarde anterior na farmácia Alfonso, no Coso. Para escapar, criarão confusão e não há nada que cause mais desordem do que um incêndio. Então, no posto de gasolina de Los Enlaces tinham enchido um galão de três litros de gasolina. Surpresa, tinta, gasolina e medo são os ingredientes que fariam da sua façanha um sucesso garantido.
— Sairá tudo bem, — repetem os três. — Tudo sairá tal e como planejamos.
Capítulo 2
Os três ficam de pé, pregados em frente ao portão do prédio do consulado, diante da indiferença de pedestres e veículos que transitam em ambos os sentidos. É como se uma bigorna invisível de um ferreiro tivesse prendido seus pés e não os deixassem seguir em frente. Há muito tumulto na rua. Movimento de pessoas que entram e saem da escola La Salle do outro lado da rua. Barulho vindo de um bar. Dois zeladores conversan enquanto fumam. Um terceiro volta a varrer a portaria enquanto assobia uma música-chiclete de um comercial de TV. Mas, e isso é o que mais os surpreendem, não há ninguém na porta do consulado, porque ninguém os espera.
O do meio, Luis Javier Sagarra de Moor, joga o charuto na calçada, sob o olhar atento e impassível do porteiro do imóvel ao lado, que nessa hora junta um monte de bitucas com sua vassoura. Sagarra leva uma sacola esportiva na mão esquerda, que havia pego na sexta-feira anterior na loja Galerías Primero, da rua San Jorge, por 349 pesetas. Dentro dela, há o galão de gasolina de três litros e a lata de tinta vermelha de meio quilo; o vermelho é a cor comunista por excelência. O que ficou pensativo à sua esquerda é José Antonio Mellado Romero e também leva uma sacola, onde esconde dois pedaços de cabo elétrico revestidos de plástico branco de dois metros de comprimento cada um. Álvaro Noguera Calvet, o da direita, só