História Constitucional Brasileira
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História Constitucional Brasileira - Danilo Pereira Lima
DA ELOQUÊNCIA BARROCA
AO SILÊNCIO IMPERIAL:
A REFLEXÃO POLÍTICA SOBRE A LIBERDADE INDÍGENA DE ANTÔNIO VIEIRA À CONSTITUIÇÃO DE 1824
Fábio Fidelis de Oliveira
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo busca analisar, como elemento central, a problemática dos fundamentos políticos relacionados à liberdade indígena tomando para devida análise o contexto de atuação do Padre António Vieira em território brasileiro, o período pombalino e, sequencialmente, os debates políticos que levaram à materialização da Constituição Imperial de 1824.
Aqui, as raízes de discrepâncias entre a proatividade do inaciano e o silêncio do texto constitucional outorgado por Pedro I quanto ao enquadramento político do elemento indígena serão investigadas. Será, portanto, levada em consideração a articulação das ideias jurídico-políticas gestadas tento no clima acadêmico lusitano do período quanto nos enfrentamentos práticos que as relações de poder estabeleceram na sucessão temporal apontada.
Cabe, em primeiro plano, a identificação das matrizes de pensamento manejadas por Vieira junto às ideias próprias à formação jesuíta do período e o legado experiencial deixado pelos companheiros que o antecederam na definição dos rumos missionários brasileiros no estabelecimento de uma clara postura evangelizadora e política sobre o elemento indígena.
Em uma segunda etapa, a análise sobre o entendimento pombalino do tema terá lugar para, sequencialmente, conectar-se com a sondagem das movimentações políticas que culminaram com a assembleia constituinte de 1823. Apesar da dissolução dos esforços parlamentares pela ação do Imperador, o estudo do tratamento que a questão indígena mereceu por parte do clima
legislativo imediatamente anterior à ação de Pedro I pode fornecer alguns elementos esclarecedores sobre o mutismo do texto constitucional diante do tema.
Aqui, na panorâmica da história das ideias, as possibilidades analíticas recairão da sondagem bibliográfica hábil na reconstrução dos caminhos percorridos por tradições políticas ressignificadas, ampliadas ou, por vezes, esquecidas.
A análise de todo um passado reflexivo experimentado em Portugal e Espanha a respeito da dimensão jurídica dos contatos com os povos indígenas pode ser posta como instrumento útil de sondagem das influências mentais atuantes nos conhecimentos adquiridos por Vieira em sua formação jesuíta. Além disso, seu permanente diálogo com os círculos administrativos da coroa portuguesa no governo geral do Brasil e, mais diretamente, junto ao próprio monarca, também interagem com o estudo das ideias por ele sustentadas diante dos expedientes práticos da defesa dos indígenas.
Nesse universo, os debates empreendidos no campo da história das ideias jurídicas, desde muito, abordam o problema dos enfrentamentos que a Escola Peninsular do Direito das Gentes veio a experimentar quanto às vontades imperialistas cultivadas pelos poderes políticos dos respectivos reinos ibéricos. Aqui, antes do surgimento da reflexão jus-racionalista nascida das revoluções burguesas, toda a progressão de um pensamento jurídico-político medieval projetava-se na modernidade tomando por base as estruturas de direito natural refletidas pela renovação escolástica.
Immanuel Wallerstein[ 1 ], em um olhar que inspira o enquadramento analítico aqui disposto, tratou do chamado universalismo europeu
, destinando interessante capítulo de um de seus escritos às origens das percepções modernas sobre o fundamento de valores universais e as perspectivas jurídicas de intervenção na realidade política de povos considerados como bárbaros.
Os debates entre Batolomé de Las Casas e de Juan Ginés de Sepúlveda quanto à questão da liberdade natural dos indígenas foram tomados por Wallerstein como ponto de reflexão sobre o surgimento de uma verdadeira estrutura alternativa aos clássicos Direitos Humanos
de clara genealogia iluminista.
De fato, o que pode ser ressaltado da citada controvérsia
é um intenso enfrentamento sobre uma postura universalista eurocêntrica, pois Las Casas
[...] condenava explicitamente as teses estabelecidas por Sepúlveda no que diz respeito à consideração dos índios como bárbaros que mereciam o jugo da Espanha, nação legitimada para impedir o alastramento do mal
por parte dos idólatras"[ 2 ].
A partir daí, a adaptação da tese aristotélico-tomista[ 3 ], no sentido protetivo aos naturais habitantes do Novo Mundo, construiria a nota predominante do caminho acadêmico percorrido entre os séculos XVI e XVII, apesar da clara discrepância quanto à vivência prática colonial.
Portanto, sem desconsiderar as dimensões questionadoras às formulações teóricas hispânicas, próprias ao século XVI, levantadas por autores como Todorov[ 4 ], estas linhas buscarão um enfoque crítico também aberto à sondagem das contribuições que o pensamento ibérico veio a empreender, no sentido propriamente protetivo às relações políticas indígenas.
Assim, buscando fugir de possíveis tenências anacrônicas presentes na observação das formulações que a tradição peninsular desenvolveu, o norte analítico de uma coerente investigação lançada ao campo da história das ideias jurídicas procurará pesar cada uma dessas mesmas formulações diante dos cânones culturais cultivados nas ambiências acadêmicas relacionadas.
Noutro ponto, o mesmo enquadramento acima referido pode ser direcionado aos expedientes políticos que levaram à tentativa de substituição do paradigma jusnaturalista no campo do ensino superior nas universidades ibéricas. A aurora do jus-racionalismo também estaria destinada a enfrentar o problema da diversidade humana e a questão indígena adentraria, em seu incômodo percurso, por séculos tocados pelos ventos liberais inspiradores dos primeiros textos constitucionais.
Neste ponto, já se faz legítima a pontuação da problemática destinada ao traçado investigativo deste trabalho em alguns questionamentos norteadores: Seria possível alguma correlação entre as luzes e sombras presentes no repertório estilístico e prático de um Padre Antônio Vieira e o apontamento civilizador
proposto por José Bonifácio de Andrada e Silva à Assembleia Constituinte de 1823? E depois, o que levaria um Império várias vezes representado pela imagem idílica de um indígena ter por primeira carta constitucional um documento tão desatento aos povos que inspiraram até as vestes majestáticas do soberano?
2 ANTÔNIO VIEIRA: A ELOQUÊNCIA BARROCA
Uma das grandes vozes que atuaram no Brasil do século XVII na tentativa de defender o contingente populacional indígena das sequenciais investidas escravizadoras dos setores coloniais foi, sem dúvida, o padre Antônio Vieira. Como membro da ordem religiosa umbilicalmente ligada ao tema, o religioso seria o fiel depositário dos iniciais esforços jesuítas que, desde os primeiros momentos da colonização, buscaram interagir com as lideranças políticas da metrópole para garantir o sucesso de sua empreitada missionária.
Sua patente atuação religiosa não se esquivava de, intensamente, advogar junto às forças políticas portuguesas, a produção de legislações favoráveis aos setores ligados aos reforços políticos e econômicos para a exaltação do império lusitano. Pode ser tomado como exemplo os insistentes apelos quanto ao retorno dos judeus à Portugal com o claro (e prático) objetivo de, novamente, oxigenarem a economia do país.
Assim, sempre preocupado com sucesso das forças temporais que o apoiavam, designo no qual depositava suas esperanças de realizações espirituais, é que Vieira soube utilizar um perfil mais pragmático, não deixando de defender a liberdade do contingente populacional eleito como um dos objetos principais de sua catequese: os índios.
Aqui, a possibilidade de o jesuíta ter utilizado expedientes adaptativos quanto à clássica doutrina do Direito das Gentes
, por ele aprendida, emerge como um dos variados focos de atuação que sua personalidade enseja. De fato, existem inegáveis elementos sinalizadores de que a ciência jurídica
vinculada à tradição ibérica, desenvolvida desde a quinhentista renovação escolástica, tornou-se presente no entorno da produção literária de Vieira.
Em se tratando das primeiras etapas coloniais do Brasil, a comunidade jesuíta, muito embora guiada pelos expedientes de evangelização, veio a assumir o protagonismo de intermediação entre as instancia estatais e as lideranças tribais. É exatamente aqui que Vieira, sob o signo do barroco, reequaciona o legado da renovação escolástica demarcada em sua formação como membro da ordem inaciana diante das especificidades coloniais nascidas dos enfrentamentos práticos por ele vivenciados.
Ao apresentar uma atuação absolutamente ativa na circulação que mantinha nos vários quadrantes do Império Português, Vieira representa uma personalidade ímpar pois, além de esgrimir diretamente com os colonos diante dos pretendidos abusos contra os indígenas manteve, ao longo da vida, um acesso direto às autoridades centrais tanto políticas (o próprio Rei de Portugal) quanto eclesiásticas (a Cúria Romana).
As viagens entre o Brasil, Roma e Lisboa, sem contar com a interessante circulação em países protestantes como verdadeiro espião político em favor da Coroa Lusitana, demarcaram a trajetória de um complexo personagem que, por fim, surge aos nossos olhos em amplas nuances.
Vieira fez uso da palavra oral e escrita como exímio artífice cultural na produção de obras tradutoras de uma tradição político-religiosa que, conforme aqui demonstraremos, encontrou a clara necessidade de manejo das ideias jurídico-políticas presentes no repertório herdado do século XVI e ainda vivo em plenas colorações barrocas.
Diante de uma figura de complexa envergadura, variados ângulos de sua personalidade singular mereceram devida abordagem. Aqui, deve ser destacado o trabalho de Reinaldo Vainfas que, ao seu modo, buscou correlacionar o perfil de um religioso combativo (e, paradoxalmente, conservador em algumas de suas ideias) com a análise dos grandes temas políticos surgidos em território europeu e brasileiro[ 5 ].
Contudo, as pioneiras obras que mais apontaram para os desdobramentos das atividades evangelizadoras do jesuíta no Brasil também se fazem úteis para o esclarecimento sobre as demais angulações por ele apresentadas. Deste universo emergem autores como Serafim Leite[ 6 ] e João Lúcio de Azevedo[ 7 ].
Já contribuições como as de John Hemming[ 8 ] e Alfredo Bosi[ 9 ] buscaram tratar o jesuíta no rol estudos mais amplos, seja no amplo quadro de vicissitudes experimentadas pela população indígena ao longo dos dois primeiros séculos de interação com colonos europeus, como é o caso do primeiro autor, ou num debate sobre a problemática cultural e política no trato com índios, negros e judeus, em se tratando do segundo.
Pedro Calafate, em obra destinada a percorrer as ideias políticas do século XVII, em Portugal, situou a contribuição de Padre Vieira junto ao tema da natureza e finalidade do poder político, a razão de estado cristã (crítica aos postulados de Maquiavel), o direito de resistência ativa e, como ponto político distintivo do olhar do jesuíta, as suas reflexões sobre a ideia de um império universal[ 10 ]. No mesmo sentido, o trabalho coordenado por José Eduardo Franco apresentou a reunião de várias contribuições analíticas sobre os desdobramentos históricos, políticos, jurídicos, econômicos e religiosos[ 11 ].
Já Alcir Pécora, destinando os seus esforços reflexivos unicamente ao personagem histórico em comento enxergou os vínculos de unidade entre vetores formadores da trajetória de Vieira pela sacralização da atuação retórica e dos elementos políticos e jurídicos incidentes.
Conforme sinaliza Pécora[ 12 ], a sondagem da obra de Vieira pode levar em consideração uma verdadeira unidade político-teológica de seu discurso. Através desta percepção o sentido religioso sustentado pelo jesuíta era impregnado de um específico pragmatismo de interação com os expedientes políticos em uma linha unificadora entre o conteúdo dos seus sermões, epístolas, pareceres e sua obra magna, a Chave dos Profetas (Clavis Profetarum)[ 13 ].
Torna-se interessante um enfoque teórico que leve em consideração o agir político-religioso na apropriação e uso das ideias que alicerçavam o chamado Direito das Gentes
, ou seja, o repertório jurídico ainda atuante no ambiente ibérico do século XVII em desdobramento da tradição acadêmica nascida ainda no período inicial dos contatos com os habitantes autóctones da América.
Procurando fugir de enquadramentos marcados por determinados ufanismos em que autores espanhóis procuravam indicar o pioneirismo nacional no campo da formação das primeiras linhas de um direito internacional, os atuais focos de investigação sobre a escolástica renovada na Espanha e Portugal nos séculos XVI e XVII primam pela investigação das progressões do inicial foco universitário salmantino nas ambiências acadêmicas portuguesas através de teóricos estabelecidos em Coimbra e Évora.
É aqui que estão inseridos trabalhos como aquele dirigido por Pedro Calafate[ 14 ] na prospecção de textos nos arquivos especializados e suas necessárias traduções dos originais latinos se destacam como uma relevante coletânea norteadora de investigações genealógicas no campo das ideias formadoras, segundo a denominação por ele adotada, da Escola Ibérica da Paz.
Importante verificar que já na primeira manifestação escrita de reflexão do direito europeu em território brasileiro, a questão central a ser analisada dizia respeito à defesa da liberdade dos índios. Padre Manuel da Nóbrega, aquele que seria o primeiro geral dos jesuítas da província do Brasil, empreendeu significativo debate sobre os limites da escravização indígena ao redigir um parecer que ficaria conhecido como a questão de consciência
onde o tema foi devidamente debatido na utilização dos referenciais jurídicos portugueses presentes tanto na legislação subsidiária romanística quanto nas estruturas doutrinárias cultivadas em ambiência universitária.
Naquele período, Nóbrega integrava parte da elite lusitana com acesso ao ensino superior recentemente transferido para a Universidade de Coimbra. O estudo do direito, dividido entre a faculdade de cânones e a faculdade de leis, teve em Nóbrega um dos mais destacados estudantes. Assim, ao entrar na ordem jesuíta, levaria o antigo canonista toda uma bagagem de estudos jurídicos espraiados em uma que, décadas anteriores, tivera início nas universidades espanholas em um amplo movimento conhecido como Segunda Escolástica Peninsular
ou, no destaque para a sua vocação jus-internacionalista, Escola Ibérica da Paz
.
Diante dos enfrentamentos coloniais, Nóbrega deixaria como legado aos futuros inacianos um projeto de atuação que buscava a proteção dos indígenas através de uma política de aldeamentos chefiados por lideranças jesuítas. Fora essa a deliberação, no plano prático, aliada ao permanente combate aos abusos da escravização indígena e a luta para, por deliberação do direito positivo, extinguir qualquer possibilidade de sua ocorrência.
Essa luta em duplo flanco perduraria até o século XVII, onde o aprofundamento dos focos coloniais e a reivindicação sequencial de utilização de mão de obra autóctone demarcariam conflitos entre a população indígena mais diretamente ligada às regiões em que o elemento português crescia e se estabelecia.
Secundando à ascendência de atuação religiosa, os jesuítas mantinham, como foco de sua formação, elementos ligados à reflexão humanista que os habilitava ao conhecimento das ideias jurídicas cultivadas na ambiência lusitana. Mesmo aqueles futuros membros que, já na realidade setecentista, tinham suas ideias forjadas nas casas de formação existentes no Brasil, as claras marcas das reflexões teológicas, políticas e jurídicas ibérias os acompanhariam.
A cristianização de Aristóteles pelas mãos de Tomás de Aquino seria o pleno norte fundamentador das ideias cultivadas jus-filosoficamente sob a égide barroca. Neste horizonte é que surgiria António Vieira, sendo chamado para esgrimir no território das ideias jurídicas e no domínio da legislação indigenista por várias vezes.
3 A RENOVAÇÃO ESCOLÁSTICA NO SÉCULO XVI E XVII
De fato, o movimento doutrinário inspirador de várias construções legais (embora inconstantes) logrou influenciar os atores do cenário colonial que, em seus campos práticos, buscavam afastar a nefasta influência dos colonos na escravização dos povos indígenas.
O direito do período, absolutamente aberto à ênfase teológica, buscava relacionar os elementos pertencentes à reflexão jusnaturalista manifestando a percepção de um verdadeiro lastro superior ligado à concepção do justo. Assim, ordens jurídicas superiores eram identificadas pelas retomadas teóricas ao pensamento do Aquinate (Lei Divina, Eterna e Natural) e integravam-se em um todo organizado a funcionar como padrão de justiça superior com o qual deveria ser medido qualquer dispositivo de direito positivo.
Como resumo do ponto de vista doutrinário sustentado por teólogos e juristas medievais e renascentistas situados nos domínios intelectivos das universidades peninsulares, em franca renovação escolástica, fica a percepção que, em Deus, residiria a fonte última da justiça. Assim, entendia-se que, da esfera divina, seria derivado todo o padrão de conduta na busca pelo equitativo, o bom e o justo.
Tal irradiação normativa se aplicaria tanto no sentido de retidão a ser alcançada individualmente, como também a observação do enquadramento de cada um ao seu status jurídico particular, segundo os ditames de uma justiça distributiva.
Aqui, segundo o dizer de António Pedro Barbas Homem:
[...] ao situar metodologicamente a justiça como conteúdo do direito natural, os tratadistas cristãos medievais e modernos procuravam estender o conjunto de garantias que a ordem jurídica estabelece para o direto natural ao justo humano[ 15 ].
No aspecto metodológico, tendo o Direito das Gentes[ 16 ] um traço de contato, em sua estrutura, com a própria esfera do Direito Natural, não estaria também descartado o fato de que os pactos existentes entre as comunidades políticas, necessariamente, deveriam observância às próprias estipulações jusnaturalistas que, sobrepostas ao padrão de justiça, irradiavam coerência para todas o ordenamento humano que viessem a ser estabelecido.
Assim pensavam os tratadistas peninsulares formuladores das primeiras preocupações internacionalistas, principiando pelo fundador da renovação escolástica salmantina no século XVI, Francisco de Vitória, e findando com uma plêiade de autores debruçados em seu legado analítico sobre os choques políticos e culturais experimentados pelo horizonte da expansão marítima europeia.
Caberia ao mestre salmantino, sem se afastar de sua cátedra teológica, a utilização mais direta dos textos de Tomás de Aquino, adaptando o legado jusnaturalista pré-cristão à análise dos escritos do doutor angélico
. Noutro flanco, o professor dominicano acabaria por reutilizar os dispositivos de Direito Romano presentes nas preocupações ligadas ao "jus gentium para dissertar, na ambiência dos contatos ibéricos com os povos americanos, sobre um verdadeiro
jus inter gentes", ou seja, direitos e deveres estabelecidos entre os povos naquilo que hoje, inconfundivelmente, chamaríamos de Direito Internacional.
Na formação da chamada Escola Ibérica da Paz, teóricos pertencentes à ordem dominicana estariam dedicados ao aprofundamento das perspectivas traçadas por Francisco de Vitória, desdobrando o pensamento do mestre junto às faculdades de teologia, filosofia e direito (tanto em sua ramificação canonista quanto naquela dedicada ao estudo do legado jus-romanista)[ 17 ].
O pensamento teológico, como recorda Paulo Merêa em um de seus apontamentos de caráter histórico-jurídico, não se restringia à literatura produzida pelos intelectuais estritamente ligados à esta esfera de especulação. Das cátedras de teologia emergiam, com naturalidade, as problemáticas jurídicas (com conexões morais e políticas) que ali eram devidamente enquadradas[ 18 ]. É neste cenário que uma interessante intercessão entre os cursos de Teologia, Cânones e Leis seria estabelecido com a circulação de ordens religiosas protagonistas da Contrarreforma Católica em ambiência universitária.
Na segunda etapa de desenvolvimento desta escola, o protagonismo das universidades portuguesas de Coimbra e Évora garantiria a perpetuidade da tradição pelas mãos de docentes ligados à ordem jesuíta. Professores como Martín de Ledesma, Azpilcueta Navarro, Manuel da Nóbrega, Francisco Suárez (ligados ao ambiente coimbrão) e Luís de Molina (atuando como lente na Universidade de Évora) aliaram suas construções doutrinárias ao protagonismo exercido pela Companhia de Jesus na linha de frente dos esforços colonizadores no Novo Mundo
.
Através dos postulados teóricos os docentes jesuítas, de suas cátedras, insistentemente defenderiam o traçar de limites éticos e jurídicos para o expansionismo europeu em contato com novos grupamentos populacionais politicamente autônomos.
É aqui que a temática da guerra justa
, extremamente ligada à justificação da escravização dos inimigos vencidos, emerge como preocupação ligada à liberdade experimentada por povos no gozo dos seus direitos naturais.
A ressignificação dos dispositivos de Direito Romano atento ao tema passaria por uma série de estipulações que, bastas vezes, não se acanhariam em demonstrar a proposital criação de situações factuais, por parte dos europeus, para o enquadramento das tribos indígenas passiveis de legítima escravização.
O resgate das nuances estabelecidas por eventuais adaptações teóricas de uma tradição, de maneira geral, ainda pouco aprofundada em investigações jurídicas brasileiras, torna-se imperiosa tanto pela participação direta de nosso país na gênese moderna do problema quanto no aproveitamento de uma rica fundamentação pré-iluminista para o aclaramento das questões do presente.
Noutro setor, o debate sobre a autonomia dos povos indígenas em muito pode ganhar diante da análise de cada luta, teórica e prática, nascida dos primeiros contatos culturais estabelecidos em nosso território. A aplicação direta da teoria da liberdade natural nas batalhas pelo controle jurídico e moral da colonização europeia na América também enseja farto material de comparação quanto à defesa nascida da formulação dos clássicos direitos do homem.
A progressão das ideias forjadas pelas grandes revoluções burguesas quanto à dignidade humana pode ser devidamente cotejada com um caminho ibérico que, ao reconfigurar a própria tradição medieval, não investiu em uma rota individualista quando à formulação de dimensões jurídicas a serem defendidas como universais. De fato, uma teoria estabelecida na ambiência de países europeus periféricos (como Portugal e Espanha) pode ensejar contribuições críticas ao ponto de vista hegemônico[ 19 ].
Hoje, falar de autonomia política dos povos indígenas é também discutir as reconfigurações constitucionais de Estados da América do Sul que optaram, nas últimas décadas a se definirem como plurinacionais. Aqui o debate de fundo cultural permanece como alicerce para a compreensão de uma digna participação dos povos autóctones na vida nacional sem abdicação dos crescentes níveis de autonomia administrativa, política e, em alguns casos, na reconstrução prática das instâncias jurídicas consuetudinárias ancestrais[ 20 ].
Em todos esses temas, as repercussões jurídicas do encontro
entre comunidades culturalmente diversas demonstram a atualização da questão que, naturalmente, tende a ganhar profundidade com um retorno analítico crítico às origens.
Neste passo, textos dos continuadores do mestre salmantino, atuantes nos desdobramentos da questão do século XVI para XVII tanto em ambiente espanhol quanto nas universidades de Coimbra e Évora também são imprescindíveis, por tratarem de pontos que vão desde a guerra e da paz até escritos sobre a justiça, o poder e a escravatura. Autores como Luís de Molina, Pedro Simões, António de São Domingos, Fernando Pérez, Martín de Azpilcueta Navarro, Martín de Ledesma, Fernão Rebelo e Francisco Suárez perfazem uma excepcional coletânea que nos informa sobre os desdobramentos da renovação escolástica até a fase de protagonismo de pensadores jesuítas[ 21 ].
Da mesma forma, a bibliografia espanhola que buscou destacar os pioneiros da fundação do chamado primeiro direito internacional
serve de norte para a justa apreciação do repasse intelectual estabelecidas desde Francisco de Vitória[ 22 ]. Já em termos de uma produção anglo-saxã e germânica, autores como Lewis Hanke[ 23 ] e Georg Cavallar[ 24 ], respectivamente, situaram a continuidade de militância intelectual por uma ética colonial e a inserção desses temas na panorâmica dos temas ligados à teoria jus-internacionalista.
Ainda neste tópico, trabalhos que atuam na sondagem da contribuição dos teóricos ibéricos salmantinos demonstrando a influência dos temas tratados na área teológica para a concepção dos direitos subjetivos modernos, como o de Giuseppe Tosi, apresentam-se como importante referencial analítico para a observação da origem de certas questões ainda acentuadas, no século posterior, pelas ideias jesuítas[ 25 ].
No tópico dos autores em língua portuguesa, o Martim de Albuquerque, o pesquisador que dedicou toda uma trajetória de pesquisa para a investigação jurídica e política do Renascimento Português buscou utilizar o dístico de Escola Peninsular
em suas abordagens sobre o movimento no sentido de ressaltar a unidade de pensamento estabelecido tanto nos reinos de Portugal quanto na Espanha[ 26 ].
Ainda no campo da história do direito, mesmo modo, Mario Júlio de Almeida Costa[ 27 ], dando destaque ao fato de que também participavam do movimento relevantes pensadores fixados em Portugal ou efetivamente portugueses a fazer circular questões comuns entre os dois países, julgou não parecer excessivo, portanto, falar-se numa Escola Peninsular de Direito Natural. Que teria repercussões na Europa transpirenaica
.
Em trabalho mais recente, Ana Caldeira Fouto enfocou âmbito da renovação escolástica do período na busca por conexões com os problemas correlatos àqueles enfrentados pela contemporânea teoria dos direitos fundamentais[ 28 ].
Embora tradicionalmente presente nos debates jurídicos estabelecidos pela tradição ocidental é apenas no século XVI que a questão da servidão natural e da possibilidade de escravização de determinados povos será retomada como distinta ênfase em razão do contato com um outro
até então absolutamente desconhecido. O impacto do encontro com todo o contingente populacional estabelecido nos territórios americanos, em suas específicas e distintas colorações culturais, não deve ser desconsiderado como marco para o surgimento de uma nova consciência tanto do que seria a próprio europeu e a Europa quanto no aristotélico-tomista adaptado à nova realidade.
Nesse sentido, desempenhou marcada atuação a chamada Escola de Salamanca
, dístico que indica o relevante sistema de teólogos que orbitavam, sem sombra de dúvida, ao entorno do frei dominicano Francisco de Vitória. O mestre espanhol conseguiria, do seu reduto teológico, influenciar várias áreas do conhecimento universitário e tocaria a esfera jurídica nas suas formulações de contenção aos desmandos imperialistas.
Pelo menos em suas advertências Vitória observaria a distinção entre títulos legítimos e ilegítimos relacionados à circulação europeia no meio de comunidades políticas indígenas por ele vistas como absolutamente legítimas. Contudo, para além da legitimidade havia, nessas considerações, a condenação de eventuais abusos infringidos pela Espanha aos naturais da América[ 29 ].
Neste ponto, a repercussão dessas ideias para os passos iniciais de uma tradição ibérica sobre os problemas coloniais é identificada nos postulados sustentados por Domingo de Soto, Covarrúbias e Martín Ledesma e Martín de Azpilcueta Navarro. Estes dois últimos ao serem transferidos para a universidade portuguesa transplantariam as reflexões vitorianas em suas malas. Em Coimbra, Martín de Azpilcueta seria uma das primeiras referências teóricas evocadas nos territórios americanos para a compreensão das novas realidades enfrentadas.
Além de discorrer, no curso de cânones, sobre os problemas da guerra justa
, no ano de 1548 falava Navarro de uma imprecisão constante no posicionamento de antigos teóricos lusitanos que, por seu subsequente uso, teria sido responsável pelo aval aos muitos desmandos perpetrados no Novo Mundo[ 30 ].
Depois de fazer menção a todo um cortejo de autores sintetizou o doutor, refletindo sobre os direitos naturais dos povos americanos que embora algum povo não tenha chefe nem rei mediante providência humana, contudo recebeu da natureza naturante que é Deus, o poder de se dirigir e governar e iluminar
[ 31 ].
Outro grande professor de Coimbra, deslocado do ambiente espanhol para o português do mesmo modo que o Doutor Navarro, ou seja, na época de sua transferência por Dom João III, foi Martín de Ledesma. No ano de 1560 escreveria em sua Secunda Quartae sobre uma devida ética colonizadora declarando que pagãos e gentios não poderiam ser privados de seus domínios por alegação de serem infiéis[ 32 ].
Mais adiante, seria a vez de Fracisco Suárez redigir as suas elaborações sobre a questão da guerra justa em duas etapas distintas, uma em Roma e outra no cenário universitário à beira do rio Mondego. Aqui, se faz necessária a abordagem de sua passagem pelo Colégio Romano (período em que redigiu o seu De Bello), entre os anos de 1580 e 1585, como também aquela em que se daria a elaboração do De Legibus (a escrita na qual elabora raciocínios sobre a guerra no amplo contexto de sua visão sobre o Jus Gentium) tem sua ocorrência entre 1601 e 1603.
Apesar de não apresentar inovações no tocante ao tratamento que o pensamento ibérico direcionava a temática da guerra é necessário reconhecer em Suárez, além da produção sistematizadora dos posicionamentos presentes em todo o contingente da Segunda Escolástica, pontuações nas quais entrevemos o valor civilizatório com o qual enxergava o cristianismo, sendo esse enquadrado muito mais como um veículo de dignificação humana do que encerrado nos estritos limites de um mero proselitismo religioso.
Também neste capítulo, Luís de Molina, no professor no curso de teologia da Universidade de Évora, local acadêmico já estabelecido sob os auspícios diretos da Companhia de Jesus trabalhou com os conceitos de guerra e a escravidão), marcando fortemente a produção intelectual alentejana. Poderíamos ainda, em comento sobre Évora, nos referir às obras de autores como Pedro Simões, António de São Domingos, Fernando Pérez e, por fim Fernão Rebelo.
Apenas como exemplificação, é em Rebelo que encontramos uma obra (Opus de Obligationibus Justitiae, Religionis Et Caritates), publicada em 1608 que retoma temáticas empreendidas por Molina fazendo menção à interação da realidade portuguesa, japonesa e africana ante os problemas da escravização por guerra justa
. Em sequência apresenta a abertura do debate com a introdução de dados que nos remetem, mais especificamente, à realidade da África[ 33 ].
Condenados estariam, portanto, todos os possíveis participantes uma rede de comércio porventura baseada no apresamento e redução à realidade escrava por condições injustas. Essa percepção e o apontamento da fome como causa ensejadora do intento referido bem sintetizam as intensas conexões com os casuísmos que aqui apresentamos. A reflexão acadêmica eborense não discrepava das pontuações intelectuais de origem coimbrã.
No Brasil, enquanto na Europa se dava a passagem do protagonismo acadêmico sobre as problemáticas coloniais dos dominicanos para os jesuítas, é que o pioneirismo da atuação do Padre Manuel da Nóbrega, como agente de defesa da liberdade dos índios no campo das ideias propriamente jurídicas, se destacaria e, nas décadas seguintes, seria fielmente utilizado por seus predecessores.
Cumprindo a determinação emanada pela Mesa da Consciência e Ordens, o tribunal régio português encarregado das preocupações de fundo moral que poderiam tisnar o corpo sutil e místico da coroa portuguesa, o Padre Nóbrega responderia ainda que tardiamente no ano de 1567. Assim, em uma réplica ao entendimento do Padre Quirício Caxa, um companheiro jesuíta que presidiu, na sua ausência, a junta destinada à observação do que requisitava a Mesa
, combateu ponto por ponto as considerações de seu colega[ 34 ].
A questão estabelecida pela Mesa era a seguinte: Pode alguém ser reduzido à condição de escravo em razão de grande necessidade? Pode um pai entregar um filho à essa mesma situação à luz da ordem jurídica vigente? Quais os limites?
Nóbrega evocou uma variada gama de autores reconhecidos nas áreas jurídicas e canônicas para contrapor toda a tese sustentada por Caxa que, por seu pensamento, entendia possível a escravização em casos de grande necessidade e não só de extrema.
Ora, se a especificação do direito romano apenas procedia na dita permissão jurídica quando da extrema necessidade fosse assinalada, entendia Nóbrega que produzir uma interpretação claramente extensiva desses limites redundaria em flagrante injustiça.
Todo esse quadro teórico foi diligentemente construído também em observação ao próprio conceito da justiça das guerras empreendidas e que, como produto de tamanhos esforços, poderia fazer escravos junto ao contingente vencido.
Nóbrega chegou a dissertar sobre a possibilidade de coações e enganos exercidos pelos portugueses junto aos índigenas feitos prisioneiros e sequencialmente vendidos. Por fim, esboçou o claro entendimento de que sobre o problema relacionado aos índios da Bahia deveria ser considerada injusta a escravização na medida em que os cristãos tivessem diretamente contribuído através de expedientes tão problemáticos.
Chama atenção a denúncia estabelecida pelo jesuíta português quanto às situações criadas para justificar a escravização, sobretudo aquela que entendia ver no empreendimento bélico uma justa resposta às características das próprias tribos indígenas.
Aqui, indeléveis traços de uma fidelidade ao pensamento elaborado pela primeira etapa da renovação escolástica salmantina podem ser identificados. Sentimos os mesmos influxos que motivaram Francisco de Vitória ou Domingo de Soto na elaboração de seus entendimentos. Domingo de Soto é, inclusive, bastante citado pelo Padre Nóbrega, realidade que denota a projeção das ideias salmantinas em uma escrita empreendida, de fato, em território americano.
Os reflexos futuros de toda a atividade do Padre Manuel da Nóbrega, se não expetrimentados imediatamente, tornaram-se presentes na legislação de 20 de março de 1570, quando Dom Sebastião, referindo-se ao conhecimento das modalidades ilícitas de escravização dos Gentios do Brasil e destacando os problemas de consciência
relacionados com essas práticas, estabeleceu que só poderiam ser cativos os ditos gentios em caso de guerra justa e, mesmo assim, contando com o aval do rei ou do governador, e por ocasião do ataque antropofágico direcionado aos demais índios ou mesmo os portugueses.
No século XVII, o Padre Antônio Vieira seguiria os mesmos passos de Nóbrega e teria, por várias vezes, que lutar com palavras e escritos contra a permanente vontade dos colonos em se lançarem na empreitada de captura indígena de maneira indiscriminada e, segundo os padrões teóricos mais arrojados do período, eminentemente injusta.
4 NOS CONFLITOS MISSIONÁRIOS
Chegamos assim, nesse percurso, à etapa de demarcação das conexões entre as ideias doutrinárias vistas sob o enfoque acima delineado e a produção bibliográfica de Vieira em que a questão indígena se apresenta relevante. Diante disso, textos como o Sermão do Espírito Santo
fornecem um interessante caminho em que o jesuíta nos deixa significativas pistas sobre os mecanismos de evangelização, por ele assumidos, tendo em vista os enfrentamentos culturais que o próprio passado do cristianismo tendia a ensinar.
Assim, em verdadeira comparação com as necessidades adaptativas da cultura hebraica para a helênica ou romana, é que Vieira compreendeu a metáfora presente nas escrituras em que o apóstolo Pedro observa a voz do Espírito Santo
. Na transcrição latina utilizada por Vieira, a voz divina declara: "Oscide Petre, occide et manduca (Eis Pedro, matai e comei)"[ 35 ].
Ora, seria aquele um chamado para que Pedro comesse de todos os animais dispostos em uma ampla toalha na imagem por ele espiritualmente
percebida, ou seja, abandonasse as rigorosas regras hebraicas relacionadas aos alimentos puros e impuro e buscasse adaptar-se. Assim, segundo o escrito neotestamentário cristão, um diálogo entre horizontes cultuais para o sucesso da transmissão da mensagem religiosa surgiria como uma necessidade imperiosa.
Além disto, conforme destacou Vieira sobre o episódio, matar e comer o outro
seria, em verdade, a condição necessária para a prática evangelizadora. Tal questão expõe, claramente, a analogia com a assimilação constante na própria antropofagia adotada por tribos brasileiras: assimilar o outro para que suas virtudes guerreiras sejam repassadas.
Mas, para Vieira, a mecânica de assimilação cultural passaria pela formação de algo inovador. A junção de características formadoras de um produto cultural único. Neste ponto, tomando da própria percepção do jesuíta é que, justamente, torna-se possível investigar a técnica por ele mesmo empreendida nas atuações práticas em território brasileiro que, por fim, garantiram a construção de textos em que a reflexão jurídica pontuou sua defesa à liberdade indígena.
A metáfora da deglutição, do ato de comer, utilizada por Marcílio Franca e Maria Francisco Carneiro comparece, com bastante adequação, para o entendimento da deixa
assinalada pelo próprio Vieira. Para a lente de observação que aproxima o jurídico
ao universo das questões alimentares o próprio direito, longe de ser algo sólido e uniforme, poderia ser melhor enquadrado como:
[...] um certo caldo, com sua mobilidade e inconsistência própria das sopas, dos guisados, dos fundidos. Sobretudo hoje em dia, o Direito escorre e avança para tomar a quase totalidade da vida quotidiana, adentrando áreas impensáveis até há pouco [...] Assim, o Direito teria um aspecto muito próximo dos pesados cozidos rústicos, feitos nos grandes caldeirões e abertos a múltiplas influências culturais. O Direito, portanto, estaria mais afeito à complexidade gastronômico-cultural da feijoada brasileira, do cozido português, do callos a la madrileña espanhol, do cassoulet francês, do ossobuco italiano, todos eles pratos de assamblage ou de sincretismo[ 36 ].
A utilização destas imagens aproximativas se espraia, naturalmente, para as questões próprias à epistemologia do direito. A ciência jurídica que, no universo doutrinário a ser tomado como objeto de investigação da pesquisa, identifica-se com a tradição ibérica que desagua no quadro mental em que Vieira circula e interage diante das grandes referencias do Direito das Gentes
.
Essa tradição, quando derramada em campo prático pode ser digno objeto de investigação no que diz respeito à sua adaptação às necessidades políticas e práticas que, em Vieira, integravam uma ação unificada a ser realizada muito mais no mundo presente do que em uma instância vindoura.
De todo este monumental "Corpus"[ 37 ] ganha destaque o já referido Chave dos Profetas
por ser considerado, pelo próprio Vieira, como uma livro de fecho, em que toda a unidade do seu pensamento pode ser entrevista. Aqui, como escrito antecipador dos temas retomados neste último livro deve ser citado do História do Futuro
[ 38 ], narrativa em que explicita sua visão político-teológica que muito pode contribuir para a decifração dos caminhos jurídicos eleitos na atuação do jesuíta.
Da mesma forma não devem ser esquecidos os sermões (Sobretudo o sermão do Espírito Santo[ 39 ] e o sermão da Epifania[ 40 ]). Estes textos em muito podem esclarecer por representarem importantes manifestações da unidade do pensamento de Viera que, naturalmente, se espraiou sobre realidades teológicas, políticas