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Governacao Municipal NGUENHA

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Governao Municipal Democrtica em Moambique: Alguns Aspectos

Importantes para o Desenho e Implementao de Modelos do Oramento


Participativo

Eduardo Jossias Nguenha


enguenha@gmail.com
Cel.: +258 84 30 37 000

II Conferncia do IESE sobre Dinmicas da Pobreza e Padres de Acumulao em Moambique

Maputo 22 a 23 de Abril de 2009

RESUMO
O presente texto uma proposta de reflexo sobre as formas de governao municipal
participativa que se desenvolvem em Moambique desde 1999. Ao longo destes quase dez anos de
municipalizao diversas formas de participao tomaram espao mas a forma de participao mais
frequente a consulta comunitria. Duas experincias de planificao participativa notabilizaram-se: o
modelo de Dondo e o modelo da Cooperao Sua aplicado nos municpios de Cuamba, Montepuez, Ilha
de Moambique, Mocmboa da Praia e Metangula. Uma experincia muito recente do Oramento
Participativo foi estabelecida pelo Municpio de Maputo. Porm, muitas das experincias de governao
participativa carecem de institucionalizao, facto que as torna instveis e vulnerveis descontinuidades
ou arbitrariedades dos gestores pblicos.
Conclumos, portanto, que as actuais formas de governao participativa municipais so frgeis e
pouco profundas para uma governao local que se pretende mais democrtica e promotora de
desenvolvimento local. Por esse facto, simpatizamo-nos com a ideia de, semelhana do Municpio de
Maputo, mais municpios adoptarem modelos de Oramento Participativo. Para tanto, apresentamos
alguns elementos chave que podero ser considerados no desenho e na implementao do Oramento
Participativo. Alertamos porm que estes elementos so apenas para tomar em considerao e eles no
devem ser aplicados de forma indiscriminada pois cada realidade um caso diferente.

Eduardo Jossias Nguenha ps-graduado em Administrao Pblica e Licenciado em Economia.


Professor Estagirio de Finanas Pblicas no Departamento de Cincia Poltica e Administrao Pblica
da Faculdade de Letras e de Cincias Sociais da Universidade Eduardo Mondlane. Acumula mais de oito
anos de experincia de trabalho em descentralizao e gesto de Finanas Pblicas locais. actualmente
consultor no Municpio de Maputo. Foi assessor para programas de capacitao institucional da Agncia
Sua para Desenvolvimento e Cooperao (Programa de Apoio descentralizao e Municipalizao PADEM) e da Agncia Norte-americana para Desenvolvimento Internacional (Projecto de Governao
Democrtica - PROGOV). reas de interesse: Descentralizao, Desenvolvimento Local, Finanas
Pblicas e Oramento Participativo.

INTRODUO
Nas ltimas trs dcadas o mundo tem assistido mudanas significativas nos modelos de
democracia. A democracia representativa, atravs da qual os cidados escolhem os seus representantes
para conduzir os seus destinos vem sendo, de forma acelerada, substituda pela democracia participativa.
No entendimento de Santos e Avritzer (2002) a partir dos anos 90 a democracia representativa entrou em
crise, como resultado da patologia da participao, sobretudo em vista do aumento dramtico do
absentismo; e a patologia da representao, o facto dos cidados se considerarem cada vez menos
representados por aqueles que elegeram (Santos; Avritzer, 2002:42).
As primeiras manifestaes de estabelecimento da democracia participativa directa ocorrem nas
cidades brasileiras, particularmente nos finais da dcada oitenta. A partir de 1989 estabeleceram-se no
Brasil as primeiras prticas do Oramento Participativo. Com o Oramento Participativo a gesto das
cidades passou a ser partilhada entre a comunidade (eleitores) e os gestores pblicos (eleitos). A
planificao do desenvolvimento das cidades, a definio das linhas de aco e as actividades dos
governos passam a ser definidas em processo participativo. Correspondentemente, as comunidades locais
discutem o financiamento, acompanham e fiscalizam a execuo das actividades dos seus governos.
A experincia brasileira do Oramento Participativo rapidamente percorreu o mundo. No incio de
2000 parte significativa dos governos locais do resto do mundo ensaiam formas diversificadas de modelos
do Oramento Participativo. Organizaes de cooperao internacional constituem o principal veculo de
difuso das prticas do Oramento Participativo para fora do Brasil e sobretudo para os pases africanos e
asiticos, embora alguns pases europeus adoptem hoje tambm o Oramento Participativo.
A partir de 2000, floresceram em Moambique algumas experincias de planificao participativa
ao nvel municipal com apoio de organizaes de cooperao internacional. Quatro anos depois, pouco
mais de vinte municpios adoptavam alguma forma de participao comunitria. Provavelmente, por esse
facto, em 2004 o Governo produz legislao que uniformiza a organizao dos servios tcnicos
administrativos e estabelece as autoridades comunitrias ao nvel municipal e define formas de articulao
entre estas e os rgos municipais. Porm, a maioria das formas de participao que se desenvolvem ao
nvel municipal carecem de institucionalizao e de sustentabilidade, sendo instveis e vulnerveis
descontinuidades sobretudo nas alternncias da liderana poltica. Por outro lado, as formas de
participao at agora predominantes so a consulta e planificao participativa em nmero limitado de
municpios.

O presente trabalho traz ribalta uma reflexo das formas de governao municipal participativa e
sugere um salto qualitativo e arrojado para uma gesto pblica local poltica e socialmente mais inclusiva,
com os cidados mais autnomos nos processos de tomada de deciso. O Oramento Participativo a
forma mais ideal para esse objectivo. Os dados que permitiram a anlise foram recolhidos atravs de um
questionrio aplicado a trinta municpios, tendo respondido vinte e seis (60%) do universo. Retirando os
dez municpios recentemente criados, a amostra de municpios que responderam ao questionrio
representa a 79% do universo.
O presente texto est dividido em quatro partes, para alm desta introduo. A primeira parte
apresenta o quadro legal e institucional da governao em frica no qual Moambique se insere para fazer
ponte segunda parte do texto, a governao municipal democrtica em Moambique. Nesta, discutimos
o quadro legal e institucional, identificamos e analisamos a evoluo dos processos participativos. Seguese depois a terceira parte em que apresentamos argumentos porque o Oramento Participativo
considerada melhor forma de governao municipal participativa e de promoo do desenvolvimento local
e depois apresentamos alguns aspectos importantes para o desenho e implementao do modelo do
Oramento Participativo. Por fim, a concluso e as recomendaes.
Conclumos que as actuais formas de governao participativa municipais so frgeis e pouco
profundas para uma governao local que se pretende mais democrtica e promotora de desenvolvimento
local. Por esse facto, simpatizamo-nos com a ideia de os municpios deveriam acompanhar o movimento
do mundo e adoptarem modelos de Oramento Participativo.

FRICA E GOVERNAO DEMOCRTICA


Nos ltimos anos a frica tem avanado de forma objectiva na formalizao e institucionalizao
da participao dos cidados na governao. A Unio Africana (UA) e os seus variados rgos e
programas privilegiam a boa governao e o desenvolvimento sustentvel dos pases membros (Moyo,
2006). A Nova Parceria para o Desenvolvimento de frica (NEPAD), que representa o maior exemplo de
consenso dos pases africanos sobre a boa governao, focaliza as suas aces em seis reas de
interveno, sendo para este caso de destacar1 (a) a participao dos cidados na tomada de decises e
na gesto pblica; (b) a tica e anti-corrupo; e (c) a Oramentao, gesto financeira e accountability.
Na sua Carta sobre Democracia, Eleies e Governao (UA, 2007), os pases subscritores
comprometem-se a promover condies necessrias para fortalecer a participao efectiva dos cidados
nos processos democrticos, no desenvolvimento e na governao, bem como garantir a transparncia e
responsabilizao na gesto pblica.
Porquanto se pode depreender, a aposta dos lderes africanos em promover o crescimento e
desenvolvimento do continente est assente na boa governao e na participao. A relao entre o
desenvolvimento e a boa governao predominantemente discutida pelos estudiosos do assunto e,
embora existindo diferenas de pontos de vista sobre se a boa governao promove o desenvolvimento ou
ela existe quando h desenvolvimento, existe consenso que a boa governao como processo pelo qual
o poder exercido - essencial para o desenvolvimento e a capacidade do Estado fundamental para
institucionalizar mecanismos de sintonizao com a sua prpria sociedade com a qual deve
permanentemente definir, negociar e renegociar polticas, objectivos e metas (Moyo, 2006). Entende-se
tambm que um desenvolvimento sustentvel dos pases depende, na maioria dos casos que se
conhecem, do envolvimento dos cidados no processo de tomada de deciso, quer nos processos
polticos, quer nos econmicos e sociais.
par das convenes africanas, com estmulo da crescente tendncia de partilha de poder entre
as esferas de governos por meio da devoluo e/ou da delegao, desencadeia-se o surgimento de
associaes cujo objectivo fortalecer a democracia local e a capacidade de prestao de servios
pblicos, promover o desenvolvimento local e assim, melhorar as condies de vida dos cidados.
escala continental e mundial, tais associaes coligam-se para advogar junto dos governos nacionais e de
organismos internacionais pela democracia e descentralizao efectivas. Constituem exemplos de

As restantes reas de interveno da NEPAD so: (a) e-government e gesto de conhecimentos; (b) Desenvolvimento do
potencial humano dentro do sector pblico; e (c) Inovao/reengenharia no fornecimento de servios pblicos.

organizaes de governos locais de dimenso continental e mundial com esse objectivo, a united cities
and local governments (UCLG), o Forum dos Governos Locais da Commonwealth (Commonwealth Local
Government Forum - CLGF) e Forum de Autoridades Locais dos Pases da Lngua Portuguesa2.
No CLGF os governos locais dos pases da Commonwealth, incluindo Moambique na qualidade
de estado membro, estabeleceram como princpios de boas prticas para democracia local e boa
governao, dentre outras, a oportunidade de participao dos seus cidados nos processos de tomada
de deciso ao nvel local de forma inclusiva (CLGF, 2005). A UCLG3 elege a governao participativa
como uma das vinte e cinco recomendaes para enfrentar os desafios de desenvolvimento urbano
(UCLG, 2007). Entende-se que a equao do problema do rpido crescimento da populao urbana4 em
assentamentos informais e o consequente aumento da demanda de servios pblicos (electricidade, gua,
saneamento, educao e sade), face a elevadas restries oramentais, possvel com o envolvimento
dos cidados em todos os ciclos de gesto pblica. Por um lado, a participao dos cidados na
governao local assegura a correcta requalificao dos assentamentos informais das zonas urbanas, que
muitas das vezes no isenta de conflitos. Por outro, a participao dos cidados assegura a
sustentabilidade do planeamento urbano e das infra-estruturas pblicas na medida em que os cidados
participam em toda a cadeia desde o planeamento, o financiamento at gesto.
Relativamente questo dos assentamentos informais, a participao dos cidados nos
processos de requalificao de extrema relevncia e fortemente recomendada pela UN-HABITAT,
organismo das Naes Unidas responsvel pela promoo de vilas e cidades social e ambientalmente
sustentveis. O relatrio moambicano sobre a situao de assentamentos informais e estratgias de
interveno aponta como condies e princpios que guiam actividades de qualquer programa de
requalificao urbana, o envolvimento de residentes no processo desde o estgio de concepo
definio de prioridades e estratgias de implementao (CEDH, 2006, p.46), para um pas com cerca de
60% da populao urbana vivendo em assentamentos informais em lugares imprprios com risco de

A criao do Forum das Autoridades Locais dos pases da Lngua Portuguesa foi decidida entre 16 e 17 de Abril de 2008 no
encontro dos Governos Locais Lusfonos na capital brasileira, Braslia (www.cnm.org.br/governoslocaislusofonos/intro.asp)
acessado a 31 de Maro de 2009.
3 A UCLG foi fundada em Maio de 2004. Para alm de contar com a representao de 136 estados membros das Naes
Unidas, a UCLG tem a participao directa de mais de 1.000 cidades e governos locais e 112 associaes nacionais de
governos locais de todas as regies (frica, sia-pacfica, Europa, Euro-sia, Mdio Oriente, sia Ocidental, Amrica Latina e
Amrica do Norte). A UCLG a voz unida e de advocacia da democracia e da descentralizao nos governos locais membros.
O segundo presidente do Municpio de Maputo (2004-2008), Dr. Eneas da Conceio Comiche presidiu a Comisso de
Finanas Locais da organizao e co-presidiu a UCLG da regio de frica.
4 Segundo o police paper on local finance da UCLG (2007), de 1950 a 2005 a populao urbana mundial quadruplicou e at ao
ano 2030 poder passar de 3.2 bilhes para 5 bilhes (cerca de 60%). Porm, os governos locais enfrentam dificuldades de
mobilizao de recursos humanos e financeiros para atender a demanda de infra-estruturas de servios bsicos urbanos.
2

inundaes e, consequentemente, com falta de infra-estruturas bsicas e se existem com fraca integrao
estrutura urbana (ibid). A mesma fonte apresenta caso bem conseguido de requalificao de
assentamentos informais assente na participao no bairro Josina Machel na vila de Manica, na provncia
do mesmo nome. Situaes, normalmente de difcil soluo, como transferncia de famlias das zonas de
risco e de ajustamento de limites dos espaos privados para aumentar o tamanho das vias de acesso,
efectivaram-se sem custos ou a custos relativamente reduzidos queles que seriam necessrios para
indemnizaes na situao em que os planos so separadamente desenhados e implementados pelo
governo. Este facto demonstra a importncia da participao na governao das cidades e vilas dos
pases em desenvolvimento.
A governao participativa tambm importante ao nvel das infra-estruturas e, em fim ltimo, na
melhoria das condies de vida das pessoas. McCleery e Jahan (2005) numa pesquisa que procura
estabelecer ligao entre infra-estruturas pblicas, reduo da pobreza e governao, concluem que
existe uma forte relao biunvoca entre infra-estruturas (que permitem o fornecimento de servios
pblicos bsicos) e a governao. A boa governao, que implica gesto democrtica, leva ao sucesso de
programas de infra-estruturas e estas so importante veculo na melhoria da governao. Porquanto,
quando infra-estruturas tais como transportes, de fornecimento de energia, de gua esto disponveis, a
governao local tende a ser efectiva e eficiente. Porm, o inverso verdadeiro, sem participao efectiva
dos cidados na tomada de deciso sobre localizao, definio da natureza e desenho da infra-estrutura,
implementao, manuteno e sem recursos humanos e financeiros adequados, as infra-estruturas
pblicas no podem proporcionar melhor benefcio, nem podem ser sustentveis.
Quando se fala de espaos e mecanismos de participao na governao em frica,
incontornvel a referncia ao encorajamento e aos esforos de capacitao institucional do Instituto do
Banco Mundial, da UNDP, da UN-HABITAT, como se referiu anteriormente, e do Municipal Development
Partnership frica (MDP-frica). Esta ltima instituio, criada em 1991, actua na frica central e
ocidental, com escritrio em Cotonou, Benin; e na frica oriental e austral, com escritrio em Harare,
Zimbabwe. A MDP visa promover a capacitao institucional dos governos locais e apoiar o processo de
descentralizao em frica. Para a MDP-frica, a participao o meio para governos locais eficientes e
eficazes na proviso de servios e infra-estruturas bsicas5.

www.mdpafrica.org, acessado a 6 de Abril de 2009.

GOVERNAO MUNICIPAL DEMOCRTICA EM MOAMBIQUE


Quadro Legal e Institucional
As bases para uma governao local democrtica foram criadas desde a Constituio da
Repblica de 1994. Atravs da descentralizao - e da desconcentrao - princpio pelo qual assenta a
estruturao da Administrao Pblica moambicana, foram criadas as autarquias com objectivo de
organizar a participao dos cidados na soluo dos problemas prprios da sua comunidade e promover
o desenvolvimento local, o aprofundamento e a consolidao da democracia... (Moambique, 2004).
Atravs da Lei 10/97, de 31 de Maio e da Lei 3/2008, de 2 de Maio, foram criadas 43 municpios,
sendo vinte e trs de categoria de cidade (de A a D) e vinte de categoria de vila. Conforme espelha a
tabela 1, os quarenta e trs municpios distribuem-se da seguinte forma: 14 na regio norte, 16 na regio
centro e os restantes 13 na regio sul. Ao todo vivem em espaos municipalizados perto de 5.500.000
habitantes, representando quase 26% da populao de Moambique (INE, 2007).
Tabela 1: Distribuio dos Municpios por Macro-regies

Categoria de
Municipio
Cidade A
Cidade B
Cidade C
Cidade D
Vilas
Totais

Norte

Centro

Sul

Total

3
1
4
6
14

4
4
8
16

1
3
1
2
6
13

1
10
2
10
20
43

Fonte: Lei No 10/97, de 31 de Maio, que cria os primeiros 33 municpios de cidade e de vila; Lei No 3/2008, de 2 de Maio, que
cria 10 novos municpios de vila; Resoluo do Conselho de Ministros No 7/87, de 25 de Abril, que classifica as cidades em
quatro nveis; e Resoluo do Conselho de Ministro No 55/2007, de 16 de Outubro, que eleva a cidade da Matola a categoria B.

Da leitura do objectivo constitucional da criao das autarquias locais em Moambique identificamse trs elementos importantes: (a) a organizao dos cidados para facilitar o dilogo com o Estado ou
Governo, seu principal parceiro; (b) o aprofundamento e consolidao da democracia como principal meio
de alcanar (c) o desenvolvimento local, sendo este um fim.
Na perspectiva do primeiro elemento, a sociedade moambicana , do ponto de vista da
capacidade auto-organizativa, entendida como sendo fraca o que torna difcil a interaco e o dilogo com
o Estado, cabendo a este a iniciativa de organizar os seus cidados atravs das autarquias. A ideia da
fraqueza da sociedade civil moambicana foi recentemente reforada pelo relatrio de auto-avaliao de
8

Moambique atravs do Mecanismo Africano de Reviso de Pares da NEPAD segundo o qual a


qualidade da participao ainda questionvel uma vez que o processo [da construo e organizao da
sociedade civil] incipiente, o que se reflecte na fraca qualidade tcnica da interveno da sociedade civil
(Moambique, 2008, p.61). Uma sociedade desorganizada e desarticulada no s dificulta a interaco
com os governantes, como tambm obstrui o trilho do desenvolvimento. Efectivamente, a Lei 2/97, que
cria o quadro jurdico para implantao das autarquias locais, concede poderes ao ministro que
superintende a Administrao Local do Estado entenda-se para o caso, o ministro da Administrao
Estatal de coordenar as polticas de enquadramento das autoridades tradicionais e de formas de
organizao da comunidade a qual as autarquias locais podem auscultar opinies e sugestes sobre a
realizao de actividades para a satisfao de necessidades especficas das comunidades. Em 2004, o
ministro da Administrao Estatal emitiu o Diploma 80/2004, de 14 de Maio que aprova o Regulamento de
articulao dos rgos das autarquias locais com as autoridades comunitrias (chefes tradicionais,
secretrios de bairros e outros lderes legitimados pela respectiva comunidade). A lei 2/97 e o Diploma
80/2004 evocam a auscultao como forma facultativa (no obrigatria, pelo menos nos termos da lei) de
o governo interagir com as comunidades locais. Ora, como se discute mais adiante, a auscultao de
opinies est longe de ser uma forma efectiva de participao dos cidados na governao, tanto que em
nada compromete ao gestor pblico que vincule tais opinies nas suas decises.
Entende-se tambm que a criao das autarquias pretende reforar a democracia. De acordo com
Bailey (1999) a ideia por detrs desta tese de que os governos locais facilmente asseguram os
interesses locais atravs da promoo do pluralismo, da participao social e da escolha pblica. Os
cidados tm possibilidade de escolher os seus lderes, de participar nos processos de tomada de deciso
sobre aspectos comuns que afectam as suas vidas, monitorar as actividades do governo, exigir a
prestao de contas e premiar ou punir os seus lderes, por meio do voto. A participao cidad tende a
pressionar os governantes a serem mais transparentes e responsveis nas suas aces.
Uma sociedade organizada, com poderes e em ambiente suficientes para dialogar com seu
Estado ou governo, promove o desenvolvimento local. Literatura especializada e estudos sobre
descentralizao avanam argumentos e apresentam casos que relacionam positivamente a
descentralizao e o desenvolvimento. As autarquias so uma forma de governo prximo aos cidados. A
aproximao do governo aos cidados pode melhorar a eficincia alocativa dos recursos pblicos na
medida em que os recursos so canalizados para atender necessidades objectivas localmente
identificadas, e quando de forma participativa, melhor ainda. Nestes casos, podem aumentar os ndices de
9

confiana dos cidados aos gestores pblicos e facilitar a sua mobilizao para participar do
desenvolvimento local. Tambm se entende que governos prximos dos cidados sejam relativamente
mais capazes de mobilizar recursos (dos tributos cuja competncia tributria detm) primeiro pela
facilidade de adequao da estrutura tributrias s condies locais, segundo, pela facilidade de
fiscalizao dos factos geradores da obrigao tributria (Bahl, 1999; Bailey, 1999) e, por ltimo, a
facilidade relativa que os governos locais devem ter de encorajar e mobilizar os cidados atravs de
construo de confiana mtua. Resultados de um estudo realizado sobre uma amostra de 600 mil
pessoas em sessenta pases (Olowu, 2003) revelaram que entre governo local e governo nacional, os
cidados tm forte confiana do primeiro pelo facto de ser mais evidente a representatividade poltica e o
dilogo permanente entre os governos locais e os cidados do que estes com os governos nacionais.
Portanto, para o Estado moambicano est evidente que a comunidade um parceiro de
desenvolvimento, pois as autarquias apoiam-se na iniciativa [proactividade, empreendedorismo] e na
capacidade [intelectual, tcnica, habilidades, financeira, econmica] das populaes em colaborao com
as organizaes de participao dos cidados (Moambique, 20054). Retomando o relatrio do MARP
(2008), a participao formal dos cidados e comunidades auto-organizadas no desenvolvimento do pas
est condicionada ao registo para alm de que as organizaes da sociedade civil que formalmente
participam no processo de desenvolvimento fazem-no com qualidade questionvel.
Leitura dos Espaos e Mecanismos de Participao na Governao Municipal
A evoluo dos processos participativos na gesto municipal
Como anteriormente referimos, o poder local, que pressupe a existncia das autarquias locais, foi
institudo desde a Constituio de 1990. As primeiras eleies realizaram-se em 1997, em trinta e trs
municpios. De l para c realizaram-se trs eleies autrquicas, correspondendo a trs mandatos. O
primeiro de 1997 a 2002, o segundo de 2003 a 2008 e o terceiro, em curso, de 2009 a 2013. Identificamos
assim, trs fases sobre as quais possvel analisar os processos participativos na gesto municipal.
Fase 1 (1997 a 2002): estabelecimento e organizao administrativa dos municpios
Com excepo de duas experincias conhecidas e que constituem referncia, desconhecem-se
outras prticas de participao durante a primeira fase da existncia dos municpios. Nesta fase, grande
parte da dedicao do Governo e dos rgos autrquicos foi devotado (re)organizao da mquina
administrativa herdada do Estado (administraes dos extintos conselhos executivos) e da resoluo de
10

conflitos que se identificavam um pouco por todas as autarquias entre os rgos autrquicos. Os
municpios herdaram infra-estruturas obsoletas e pessoal sem formao acadmica nem perfil adequados
cerca de 95% dos funcionrios municipais possuam, at 2003, entre o nvel primrio e o nvel bsico e
os restantes 5% entre o mdio e o superior; e cerca de 72% dos funcionrios tinha idade superior a 36
anos (MAE, 2003a). Nestas condies, era prematuro falar-se em processos participativos na gesto
autrquica, sendo que o processo de tomada de deciso e de participao na elaborao dos programas e
planos anuais abrangia somente os mesmos e titulares dos rgos autrquicos sem que houvesse
contribuio efectiva das comunidades locais (ibid). Como reconhece o prprio Governo (MAE, 2003b,
p.15), o primeiro mandato das autarquias foi de aprendizagem para todos (agentes do Estado, municpios,
sector privado, associaes, sociedade civil e comunicao social), quer no que se refere ao processo de
autarcizao, quer em aspectos de organizao e funcionamento dos rgos autrquicos. Portanto, nos
primeiros cinco anos da existncia dos municpios, o trabalho voltado para organizao interna e a
inexperincia de todas as partes envolvidas e interessadas no processo de autarcizao no permitiram a
implantao de processos de governao participativos.
Entretanto, seis municpios implantaram e desenvolveram, nesta fase, processos de planificao
participativa que podem ser consideradas de referncia. O Municpio de Dondo, com apoio de da
Cooperao Austraca (Instituto Austraco Norte-Sul), desenvolveu e implantou em 1999 um modelo de
planificao participativa que tem sido uma referncia nacional e internacional e j com algumas
replicaes em alguns municpios nacionais (Roque e Tengler, 2000; Tengler, 2007). Os municpios de
Cuamba, Metangula, Ilha de Moambique, Montepuez e Mocmboa da Praia iniciaram um modelo de
planificao participativa desenvolvido com apoio da Cooperao Sua (Programa de Apoio
Descentralizao e Municipalizao) a partir de 2001 (Nguenha e Weimer, 2004). Os dois modelos tm
caractersticas diferentes, como se apresenta mais adiante.
Fase 2 (2003 2008): Harmonizao da organizao tcnico-administrativa e da articulao entre os
rgos autrquicos e autoridades comunitrias
Muito provavelmente pelo encorajamento de resultados das experincias das autarquias
anteriormente referidas, pelos resultados da planificao participativa ao nvel distrital atravs do
Programa de Planificao e Finanas Descentralizadas - com realce experincia de Nampula,
considerada como uma boa prtica (Moambique, 2007) - e pelo crescente interesse das organizaes
no governamentais nacionais e estrangeiras, bem como de organizaes de cooperao internacional,
11

em apoiar o desenvolvimento municipal (Vasconez e Ilal, 2008) com abordagens diversificadas, o Governo
de Moambique definiu as autoridades comunitrias e regulamentou as formas de articulao entre os
rgos municipais e aquelas (Diploma 80/2004, de 14 de Maio, do Ministrio da Administrao Estatal). A
regulamentao da articulao entre os rgos autrquicos e as autoridades comunitrias visa, acima de
tudo, harmonizar as diferentes e diversificadas prticas de participao que se iam estabelecendo com
forte apoio de organizao estrangeiras. As autoridades comunitrias, na letra deste diploma,
compreendem chefes tradicionais, os secretrios de bairro ou de aldeia e outros lderes legitimados, isto
, que exercem algum papel econmico, social, religioso ou cultural aceite pelo grupo a que pertencem
(ibid, artigo 1). Ainda em 2004, o Governo harmonizou a organizao e funcionamento dos servios
tcnicos e administrativos, tendo como um dos princpios o garante participao activa dos cidados
(Decreto 51/2004, de 1 de Dezembro, que aprova o Regulamento de Organizao e Funcionamento dos
Servios Tcnicos e Administrativos dos Municpios)6.
Na (nova) organizao e funcionamento harmonizados, os municpios so encorajados (ateno,
em tese no so obrigados) a desenvolver formas de articulao e participao das autoridades
comunitrias, sector privado e outras formas de organizao da sociedade civil. Porm, os municpios so
obrigados a criar condies para que os muncipes sejam permanentemente informados sobre as grandes
decises municipais em planos de expanso, arrecadao e aplicao de recursos financeiros e
realizao de programas de trabalho (ibid, artigo 27).
Esta nova produo legislativa municipal, se pretendeu harmonizar e incentivar uma governao
autrquica participativa, como na verdade vieram a multiplicar-se variadas iniciativas de envolvimento da
comunidade na vida municipal, importante referir que o envolvimento comunitrio vem assumindo uma
forma passiva, pois ele se limita canalizao de informao pelos rgos municipais comunidade e no
necessariamente a participao da comunidade local na tomada de decises. No perodo 2003-2008
(segunda fase na ordem desta anlise da evoluo do processo participativo), municpios de Vilankulo,
Monapo, Chimoio, Nacala e Guru, com apoio da USAID; municpios de Manica e Catandica, com apoio
da Cooperao Alem; municpios de Marromeu e da Beira, com influncia da experincia de Dondo e

Os rgos tcnicos administrativos estruturam-se em (a) unidades administrativas territoriais (para municpios de categoria A:
distritos que se subdividem em bairros municipais; para municpios de categoria B e C: postos administrativos que se
subdividem em bairros municipais; e para municpios de categoria D e vilas: localidades que se subdividem em bairros
municipais); (b) servios tcnicos e administrativos e (c) colectivos de consulta constitudos pelos quadros tcnicos com funes
de direco (directores, administradores, chefes de departamentos, de localidades, dependendo da categoria do municpio)
(ibid, artigos 12, 13 e 22).
6

12

com apoio da Cooperao Austraca iniciaram processos intermitentes de consulta comunitria e de


planificao participativa.
Portanto, esta segunda fase caracterizou-se (a) pela harmonizao da organizao tcnicoadministrativa dos municpios; (b) pela regulamentao da articulao entre os rgos autrquicos e as
autoridades comunitrias, cujo objectivo mais evidente era harmonizar as prticas participativas que se
multiplicavam, mais pela iniciativa de organizaes estrangeiras; e (c) pelo surgimento de de novas
prticas de participao, com realce ao estabelecimento do Oramento Participativo no Municpio de
Maputo.
, porm, importante salientar que experincias de participao que se evidenciaram at ao
momento contaram com conscincia e vontade poltica dos respectivos presidentes de conselhos
municipais. O caso do municpio de Dondo tem sido frequentemente referido como exemplo disso
(Vasconez e Ilal, 2008; Roque e Tengler, 2000; www.mdpafrica.org). O Oramento Participativo
recentemente estabelecido no Municpio de Maputo, contou com inestimvel vontade poltica do anterior
presidente (Municpio de Maputo, 2008).
Fase 3 (2009 2013): Consolidao do mecanismo de consulta comunitria ou Estabelecimento de
prticas de planificao e oramentao participativa.
Somos tentados a acreditar como sendo uma certeza que Moambique continuar a privilegiar o
envolvimento dos cidados na governao do pas, em geral, e dos governos locais, em particular.
Porquanto, a Constituio da Repblica e a legislao ordinria autrquica garantem a participao dos
cidados na vida poltica e confere-lhes responsabilidades de contribuir para o desenvolvimento local.
Para alm das condies legais favorveis participao dos cidados na governao local, a dinmica
das prticas da participao comunitria j iniciadas no Pas, a rpida tendncia de replicao de
metodologias de oramentao participativa dos pases da Amrica Latina, pelo mundo, incluindo os
pases ocidentais e os compromissos assumidos no mbito da Unio Africana e da UCLA, deixam-nos
optimistas que Moambique no pode escolher outra via para uma governao sustentvel que no seja
de consolidar e aprimorar os mecanismos de participao comunitria.
Assim, para o terceiro mandato dos municpios, vislumbramos duas possibilidades de aprofundamento e
consolidao da democracia, atravs da participao, como forma de promoo do desenvolvimento local. A
primeira possibilidade de os municpios consolidarem os mecanismos de consulta comunitria ao abrigo da lei e
com variados formatos, como sejam os fruns, os conselhos consultivos e, as recentemente adoptadas presidncias
abertas. Podero persistir e aumentarem de cobertura as formas recriadas de consulta no formato da experincia de

13

Dondo e as j iniciadas nos municpios de Montepuez e Cuamba, entre outros. No conceito rigoroso da governao
participativa, a consulta uma forma frgil de participao, pois os rgos autrquicos no partilham o poder de
deciso, os cidados limitam-se a emitir opinies sobre uma deciso j tomada ou na melhor das hipteses, no
sendo ainda tomada, os rgos municipais buscam parmetros em que circunscrevem decises por tomar. A
segunda alternativa, poder ser de governos municipais audaciosos e mais ousados que podero aproveitar a
recente metodologia do Oramento Participativo de Maputo para envolver os cidados na discusso de problemas,
identificao de necessidades e conceder poder de decidir as actividades e recursos oramentais. Esta segundo
possibilidade a nossa proposta.

Caractersticas das prticas participativas municipais


O conceito de participao utilizado para designar variadas formas de envolvimento dos
cidados nos processos de governao, independentemente do grau de profundidade com que os
cidados so envolvidos em tais processos. Os nveis de envolvimento dos cidados nos processos de
governao, vo desde a partilha de informaes que os governos detm, passando pela consulta at
partilha do poder decisrio (Babcock et al, 2008a). Podem considerar-se participativos governantes que
partilham com as suas comunidades informaes sobre as decises tomadas unilateralmente utilizando
diferentes meios (media ou reunies); assim tambm o so os que antes de tomar uma deciso (ou tendo
tomado h incertezas sobre a sua razoabilidade pelo que no a torna pblica antes) consultam aos
cidados; de igual modo, so participativos os governos que adoptam mecanismos de partilha do poder de
deciso sobre actividades e recursos atravs da planificao participativa e do oramento participativo.
A tabela 2 que se segue, sintetiza os resultados da pesquisa que efectuamos sobre a participao
nos municpios moambicanos. A participao na governao municipal fundamentalmente de carcter
informativo e consultivo. Os media so o principal veculo de canalizao de informaes relativas s
decises tomadas para a partilha com as comunidades locais. Com excepo dos dez municpios
constitudos em 2008, todas as restantes estabeleceram conselhos consultivos e/ou fruns de consulta. O
estabelecimento de conselhos consultivos que variavelmente integram autoridades comunitrias, por
vontade do presidente do municpio, cumpre o Decreto 51/2004, de 1 de Dezembro e o Diploma ministerial
80/2004, de 14 de Maio. Conselhos consultivos de pequenos municpios com populao abaixo de
100.000 habitantes, principalmente os de categoria D e Vilas, integram na sua estrutura posies
permanentes de autoridades comunitrias, contrariamente ao que ocorre nos municpios de categorias
superiores, eventualmente por estes j possurem estruturas tcnico-administrativas relativamente
complexas. As autoridades comunitrias existentes nos municpios com populao acima de 100.000
14

habitantes so convidados pelos respectivos presidentes dos municpios a participar das sesses do
conselho consultivo local. A frequncia de participao varia entre uma vez e trs vezes por ano, sendo
que quanto mais pequeno for o municpio mais a regularidade com que o presidente do municpio se
rene com as autoridades comunitrias.
Grande inconveniente das consultas comunitrias que embora atravs delas os cidados
tenham a possibilidade de expressarem as suas necessidades e at propostas de soluo, nem sempre as
decises que os gestores pblicos tomam tm como base tais propostas. Isto significa as consultas
comunitrias no asseguram uma participao efectiva dos cidados.
Entretanto, ao longo dos dez anos de autarcizao vinte e um municpios identificados
desenvolveram formas de participao que vo para alm de consulta comunitria, que chamamos de
colaborao comunitria. Esta compreende a participao da comunidade local na implementao de
planos e/ou actividades especficas de desenvolvimento local. Por exemplo, nos municpios de Quelimane,
Dondo, Marromeu e Manica identificamos experincias de participao nos programas de requalificao
dos assentamentos informais. A requalificao dos assentamentos informais consiste de abertura de
acessos e redefinio de limites de talhes, seguindo-se-lhes de atribuies de ttulos de direito de uso e
aproveitamento de terra aos residentes abrangidos. Este exerccio tem, normalmente, resultado na
necessidade de diminuio de tamanho de talhes dos residentes, de afastamento parcial ou total de
construes familiares e de abate de outras benfeitorias. A participao dos cidados no desenho, na
definio da estratgia de implementao e na prpria implementao dos planos o garante do sucesso
da requalificao dos assentamentos informais (CEDH, 2006). Outras formas inovativas de participao na
gesto municipal so colaborao do sector privado no financiamento de servios municipais de Marromeu
e parcerias pblico-privadas no Municpio de Maputo.
Pelo menos catorze municpios desenvolvem com continuidade e graus de sucesso dos
processos diferenciados modelos de planificao participativa. Consideramos de planificao
participativa o processo articulado entre os rgos municipais e comunidade local de identificao de
necessidades, de definio de solues e de plano de desenvolvimento ou operacionais segundo uma
metodologia previamente definida. Nesses processos, as comunidades locais, toma decises ao nvel da
definio de actividades e de sua implementao. A participao pode ser directa ou por representao.
Dois modelos de planificao participativa vm sendo aplicados em dez municpios. O primeiro o
modelo do Municpio de Dondo, com replicaes nos municpios de Manica, Catandica, Moatize, Maxixe e
Beira. O segundo o modelo da Cooperao Sua implementado nos municpios de Cuamba, Metangula,
15

Montepuez, Mocmboa da Praia e Ilha de Moambique, com replicaes nos municpios de Vilankulo,
Chimoio e Nacala. Os dois modelos so descritos no quadro 1.
Tabela 2: Prticas de Gesto Municipal Participativa por Tamanho de Municpios

Intervalo
populacional

100.000
100.001 - 200.000
200.001 - 300.000
300.001 - 400.000
400.001 - 500.000
500.001 - 600.000
600.001 - 700.000
700.001 - 800.000
800.001 - 900.000
> 900.000
No. de Municipios

Colaborao
comunitria no
Consultas
Partilha de
desenvolvimento
(fruns,
No.
Planificao
informao
local (PPP,
conselhos
Municip
participativa
atravs da
consultivos e facilitao na
ios
imprensa
outras formas) realizao de certas
actividades)
31
6
2
2
1
1
43

31
6
2
2
1
1
43

21
6
2
2
1
1
33

12
3
2
2
1
1
21

9
2
2
1
14

Apoio de
organizaes
Institucionaliz
estrangeiras no
Oramento ao dos
desenho e
participativo processos
implementao dos
participativos
processos
participativos
1
1

1
1
1
3

12
2
2
16

Fontes: Populao dos municpios de cidades capitais, incluindo Matola e Maxixe (INE, 2007); para os restantes municpios,
populao usada para o clculo de transferncias fiscais pelo Governo (DNO, 2008). Levantamento de dados pelo autor.

Um modelo de gesto municipal participativa inovador e at agora nico no pas foi identificado no
Municpio de Maputo. O municpio desenvolveu a metodologia do Oramento Participativo e implementa-o
desde o ano de 2008 (ver o quadro 1). O Oramento Participativo pode ser definido como sendo um
processo democrtico em que comunidade local, ainda que no necessariamente pr-organizada em
associaes ou outras formas, juntamente com os gestores pblicos locais decidem a forma de alocao
de parte de recursos pblicos (UN-Habitat e MDP, 2008). A diferena qualitativa entre a planificao
participativa e o oramento participativo que neste mais do que definir objectivos, actividades e metas,
os cidados participam na deciso sobre o financiamento das actividades definidas. O envolvimento dos
cidados na discusso do oramento pblico local promove a eficincia, a transparncia e a
responsabilizao tanto dos gestores pblicos assim como dos prprios cidados. O envolvimento das
comunidades na discusso dos recursos oramentais dos governos locais uma oportunidade de discutir
as responsabilidades que dos cidados tm de contribuir para o desenvolvimento local. Por esta razo,
entendemos que, ao estabelecer a metodologia do Oramento Participativo, o Municpio de Maputo deu
um passo muito importante no aprofundamento da democracia participativa para o desenvolvimento, ainda
que com todos os aprimoramentos necessrios a tal metodologia. Mais adiante, apresentamos a sugesto
16

da metodologia do Oramento Participativo e as vantagens da sua adopo, sem deixar de alertar sobre
algumas armadilhas deste valioso instrumento de governao democrtica.
Finalmente, constatamos que a maioria dos processos participativos existentes no est
institucionalizada e a sua criao e implementao tem grande apoio de organizaes estrangeiras que
garantem tambm parte significativa do financiamento do processo e dos planos de desenvolvimento.
Embora quase todos os municpios tenham se reestruturado luz do Decreto 51/2004, de 1 de
Dezembro e do Diploma ministerial 80/2004, de 14 de Maio, em muitos casos significou simplesmente a
criao de conselhos consultivos e reorganizao das autoridades comunitrias sem a criao de
unidades orgnicas internas com claras responsabilidades sobre a participao comunitria. Na ausncia
de tais unidades orgnicas de implementao dos processos participativos, todo o exerccio vem se
reduzindo a simples exerccio de reunies de consultas lideradas pelos presidentes dos municpios. A falta
de institucionalizao dos processos participativos torna os mesmos vulnerveis s aleatoriedades e a
fceis alteraes na alternncia dos presidentes municipais, sobretudo quando houver mudana de
partidos. No nosso levantamento, foi possvel identificar trs casos de processos participativos
institucionalizados: Dondo, Nacala e Maputo. Embora no Municpio de Maputo, a sua estrutura orgnica
no parea estar preparada para um processo participativo dimenso proposta, o facto de possuir uma
metodologia clara e aprovada pelo respectivo conselho, atribui ao processo um cunho de
institucionalizao. Nos municpios de Dondo e de Nacala, a competncia de liderar o processo da
planificao participativa atribuda ao Gabinete de Assuntos Comunitrios e Vereao de
Desenvolvimento Comunitrio, respectivamente.
O facto de grande parte das experincias de governao participativa ser financiada (Vasconez e
Ilal, 2008) e em alguns casos implementada (Nguenha e Weimer, 2004) por organizaes estrangeiras,
sobretudo na situao em que os processos no so institucionalizados, expe aquelas prticas ao risco
da insustentabilidade. Com o fim do projecto de apoio descentralizao financiado pelo Instituto
Austraco Norte Sul e do Projecto de Apoio aos Distritos e Municpio, tambm financiado pela Cooperao
Austraca, o modelo de planificao participao prosseguiu no Municpio de Dondo. Porm, com o final do
Projecto de Apoio Descentralizao e Municipalizao financiado pela Cooperao Sua - nos
Municpios de Cuamba, Metangula, Ilha de Moambique, Montepuez e Metangula, o ritmo do processo de
planificao participativa abrandou, tendo sido descontinuado na Ilha de Moambique e Mocmboa da
Praia em 2007 e 2008. O modelo de planificao participativa desses cinco municpios, para alm de no
ser institucionalizado, nos moldes em que anteriormente descrevemos, foi concebido, implementado e
17

financiado pela Cooperao Sua, sendo que os municpios beneficirios desempenharam papel passivo
no processo (bid). O Municpio de Montepuez est em processo de reanimao do modelo com algumas
adaptaes ao modelo de Dondo.
Quadro 1: Modelos de Planificao Participativa e do Oramento Participativo
Modelo de Planificao Participativa do Municpio de Dondo
O Municpio de Dondo desenvolveu em 1999 o modelo de planificao participativa com o apoio
institucional da Cooperao Sua. O desenho do modelo iniciou pela identificao e capacitao das organizaes
da sociedade civil local sobre aspectos legais e institucionais da descentralizao e municipalizao. Dessa
formao identificaram-me jovens que trabalharam na recolha de dados sociais, econmicos e culturais dos bairros
que mais tarde permitiriam a elaborao do plano quinquenal do primeiro mandato de governao municipal. Os
relatrios parciais dos bairros foram discutidos de forma directa com as comunidades. O momento da discusso dos
relatrios dos bairros foram criados os Ncleos de Desenvolvimento dos Bairros (NDB) constitudos por cidados
eleitos de forma directa pelos moradores dos respectivos bairros. Os NDB foram capacitados sobre o processo de
planificao participativa (ao mbito do conhecimento, da execuo e de coordenao do processo) e juntamente
com os lderes comunitrios harmonizaram os relatrios de levantamentos de necessidades dos bairros que foram
canalizados ao Conselho Municipal. A partir dos relatrios de levantamento das necessidades dos bairros, foi
elaborado o plano de desenvolvimento municipal (o plano quinquenal do Municpio). Os planos anuais passaram a
ser elaborados em funo do plano de desenvolvimento. Porm, anualmente, a cada NDB cabia a responsabilidade
de mobilizar a participao da comunidade local com a qual deveria actualizar o mapa de necessidades para efeitos
de elaborao dos planos operacionais.
Na actualizao dos mapas de necessidades, cada bairro escolheria 2 projectos, um dos quais a ser
realizado com a comparticipao da comunidade local (trabalho, materiais da comunidade) e o outro a ser
financiado por recursos do Municpio e externos. Na realizao de todos os projectos o NDB participa os processos
de concurso, de contratao e de fiscalizao dos projectos.
Mais tarde, luz do Decreto 51/2004, de 1 de Dezembro a estrutura administrativa do Municpio foi revista
e tambm revistos os nveis de planificao participativa. Assim, os nveis de participao passaram de dois para
quatro: Conselhos Comunitrios das Unidades Comunais; Conselhos Comunitrios de Desenvolvimento do Bairro,
Conselhos Comunitrios de Desenvolvimento da Localidade e Conselho de Desenvolvimento Municipal. Ao nvel da
estrutura orgnica do municpio, foi criado o Gabinete dos Assuntos Comunitrios, principal unidade de articulao
com as instncias de planificao participativa ao nvel comunitrio.
O apoio institucional da cooperao Austraca terminou e o processo continua de forma sustentvel. Mais
tarde, floresceram instncias essenciais para o processo de planificao participativa, por exemplo comits de
gesto de gua, activistas de educao cvica.
Hoje a experincia de planificao participativa de Donde para alm de ser uma referncia ao nvel
nacional e internacional, ela aponta como ganhos significativos:
- a elevao do conhecimento do processo e dos mecanismos de participao;
- elevao da conscincia das populaes sobre o seu papel no desenvolvimento local;
- apropriao do processo de planificao participativa;
- o mrito da sustentabilidade do processo baseado no envolvimento comunitrio e na criao de estrutura
orgnica apropriada para articulao do processo; e
- melhoramento dos servios pblicos e das condies de vida das populaes: construo de salas de
aula, biblioteca municipal, posto de sade, furos de gua, fontanrios, mercados, pontecas, latrinas melhoradas,
abertura de estradas e valas de drenagem, construo de um centro de capacitao de vivas.

18

Modelo dos Municpios de Cuamba, Metangula, Montepuez, Mocmboa da Praia e Ilha de Moambique, 2001 2007
Em 1999 a Cooperao Sua desenhou o Projecto de Apoio Descentralizao e Municipalizao
(PADEM) para, entre outros mbitos, apoiar institucionalmente os municpios nortenhos de Cuamba, Metangula, Ilha
de Moambique, Montepuez e Mocmboa da Praia. Em 2001 o PADEM acorda com os presidentes dos municpios
de Cuamba e de Montepuez a pilotagem de um modelo de planificao participativa a partir de 2002. Ainda em
2001, iniciou o levantamento de dados scio-econmicos dos bairros (populao, organizaes da sociedade civil,
estrutura administrativa dos bairros). Depois deste levantamento, foi realizado um seminrio de informao sobre a
nova metodologia de planificao municipal que iniciaria no ano seguinte.
A partir de 2002, os presidentes dos conselhos dos dois municpios e mais tarde dos restantes trs,
passaram anualmente a efectuar a planificao participativa. O processo decorre em dois nveis: ao nvel
comunitrio (uma sesso de planificao com a comunidade municipal) e ao nvel do conselho municipal (trabalho
interno de definio e elaborao de projectos).
O presidente do municpio enderea convites s autoridades comunitrias (lderes tradicionais, lderes
religiosos, representantes de partidos polticos, secretrios de bairros, membros do governo distrital, membros da
Assembleia Municipal) para uma nica sesso de planificao anual. Nesta sesso os participantes so solicitados a
identificar trs necessidades sobre as quais o conselho municipal define trs projectos. Os trs projectos anuais so
integrados no plano anual global do municpio, elaborado o oramento para a provao pela Assembleia Municipal.
O projecto PADEM financia integralmente os trs projectos definidos atravs da planificao participativa e as
restantes actividades do plano (definidas sem a participao da comunidade) so financiadas com recursos prprios
e pelas transferncias do Governo.
Uma auto-avaliao realizada pelo PADEM sobre a experincia de Cuamba e Montepuez revelam como
lies aprendidas: (i) que as comunidades demonstraram ter interesse em discutir problemas que lhes afectam com
os seus governantes independentemente do nvel de escolaridade e do estrato social; e (ii) a partir do momento em
que as pessoas se aperceberam das suas responsabilidades no processo de desenvolvimento local, elas mesmas
voluntariaram-se a comparticipar da implementao de projectos locais.
Porm, a mesma auto-avaliao alerta sobre alguns riscos e fraquezas do processo de planificao
participativa e do modelo adoptado, em particular:
- a falta da institucionalizao do processo que coloca em risco a continuidade do processo assim que
terminar o projecto;
- a juno da sociedade civil com representantes de partidos polticos e membros da Assembleia Municipal
numa mesma sesso inibe a participao activa dos cidados neutros e politiza as sesses;
- conflitos entre bairros na priorizao de aces e na afectao de recursos. Na verdade a alocao de
projectos e recursos no era em funo de bairros;
- participam mais nas sesses anuais de planificao participativa pessoas oriundas de bairros das zonas
de cimento ou seja prximas do local onde as sesses decorriam e a participao masculina foi sempre
mais expressiva que a feminina.
Oramento Participativo do Municpio de Maputo, 2004-2008
O manifesto eleitoral do candidato da FRELIMO para as eleies autrquicas de 2003 apresentou como
uma das linhas de desenvolvimento do municpio o envolvimento aprofundado dos cidados no processo de tomada
de deciso. Tal promessa tornou-se em realidade quando em 2004 o presidente Eneas Comiche, atravs de um
processo participativo mpar at ento na capital do pas transformou o manifestou eleitoral em programa de
desenvolvimento do municpio de Maputo (o PROMAPUTO). Um dos objectivos estratgicos do PROMAPUTO o
aprofundamento da governao autrquica participativa.
Dentre as vrias formas envolvimento dos cidados na governao que o Municpio de Maputo adoptou
(por exemplo a presidncia aberta que foi intensamente praticada no mandato de 2004-2008) destaca-se o
estabelecimento do Oramento Participativo. Esta experincia que nica no pas tem a vantagem enorme de
envolver as comunidades no processo de discusso no apenas de problemas e solues mas tambm de discutir
uma parte dos recursos municipais.
A metodologia do Oramento Participativo do Municpio de Maputo estabelece trs nveis de participao: o

19

bairro, o distrito municipal e o conselho municipal. O bairro a unidade de planificao e a partir dela que, atravs
da participao directa (debate e votao individual), so identificadas as necessidades de cada bairro. O municpio
possui 63 bairros que compem 7 distritos municipais. Do nvel de bairro, as necessidades identificadas so
encaminhadas ao nvel do distrito municipal por um grupo de delegados do Oramento Participativo que so eleitos
pelos residentes do bairro. Em cada bairro so eleitos dois delegados. Numa outra sesso ao nvel do distrito
municipal so analisadas as necessidades apresentadas por todos os bairros que constituem o distrito, identificados
e discutidos projectos concretos que devero privilegiar o benefcio de maior nmero possvel de muncipes, maior
impacto social e evitar a redundncia de projectos nas mesmas reas. A discusso de projectos de cada distrito
municipal acompanhada pela discusso de recursos oramentais disponveis para esse distrito. Os projectos
definidos em cada distrito municipal, em funo dos recursos disponveis, so encaminhados e apresentados ao
conselho municipal pelos delegados do Oramento Participativo de cada distrito municipal. Os delegados distritais
so eleitos entre os delegados eleitos nos bairros.
A metodologia do Oramento Participativo estabelece que anualmente o municpio alocar at o mximo
de 15% das receitas prprias e das transferncias do governo para o Oramento Participativo. No primeiro ano o
Municpio dedicou cerca de 12% daqueles recursos ao oramento Participativo. A distribuio dos recursos
oramentais por cada distrito municipal atende ao tamanho da populao, a rea, a carncia em infra-estruturas e
ao desempenho fiscal cada distrito. Pela natureza transversal e de integrao do Oramento Participativo, a
metodologia estabelece uma unidade de coordenao do Oramento Participativo dado que a estrutura orgnica
do municpio no apresenta (pelo menos de forma explcita) algum rgo de articulao da participao da
comunidade no processo de planificao, como se viu no anteriormente no exemplo de Dondo.
O resultado do primeiro trabalho do Oramento Participativo foi a definio de 14 projectos para construo
de sanitrios pblicos, fontanrios pblicos, furos de gua, campo de jogos polivalente, mercados municipais, centro
de apoio mulher e criana e reabilitao de estradas.

Fontes: Tengler (2007); Nguenha e Weimer (2004); Municpio de Maputo (2008).


ORAMENTO PARTICIPATIVO
Conceito, Origem e Expanso do Oramento Participativo
Tanto quanto se sabe dos textos bsicos de Economia e de Finanas Pblicas o oramento
(pblico) um plano que expressa, do ponto de vista financeiro, as intenes do Estado de realizar
actividades e as fontes de financiamento. Partindo do pressuposto de que em estados democrticos o
poder que os governos possuem delegado pelo povo, deduz-se que os oramentos pblicos devem
expressar as necessidades, a vontade e os interesses dos cidados, razo que justifica a definio
segundo a qual o oramento pblico expresso financeira da cidadania (Anglico, 1995).
Em estados democrticos e descentralizados, em que se entende que o poder decisrio
devolvido s esferas governativas mais prximas dos cidados, o oramento pblico torna-se, por
mltiplas razes, um instrumento de governao e de promoo do desenvolvimento local cada vez mais
importante. Por esse facto, tem sido defendida a ideia de que os governos locais deveriam envolver cada
vez mais os cidados nos processos de definio de objectivos, de metas, de actividades e de recursos
(MDP, 2007; UCLG, 2007, CLGF, 2005). Deste entendimento surge a ideia do Oramento Participativo.

20

No existe uma definio nica do Oramento Participativo, porm, h consenso entre autores de
que o Oramento Participativo um processo de tomada de decises partilhado entre as comunidades
locais e os governos locais sobre investimentos pblicos assente na identificao das necessidades, na
deciso de preferncias colectivas em funo dos recursos disponveis, bem como na implementao,
monitoria e avaliao dos oramentos (MDP, 2007; UN-Habitat e MPD, 2008). Para o Banco Mundial
(2008, p.11), o Oramento Participativo o processo atravs do qual cidados e/ou organizaes da
sociedade civil participam directamente em diferentes fases da preparao e monitoria dos oramentos
pblicos. Portanto, o Oramento Participativo um mecanismo de participao dos cidados no processo
de governao.
Existe consenso literrio de que o Oramento Participativo tem sua gnese no Brasil, tendo sido
argumento no qual se sustentaram partidos polticos da esquerda para conquistar o poder a partir dos
finais da dcada de 80 e incio da de 90.7 O objectivo principal de introduo do Oramento Participativo
foi de (AZEVEDO; GOMES, 2008): (i) democratizar a gesto pblica; (ii) ampliar o exerccio da cidadania;
e (iii) inverter as prioridades do governo. Estes objectivos seriam alcanados atravs da ampliao da
participao dos cidados na definio dos investimentos pblicos, da deliberao pblica e da
distribuio de recursos, prioritariamente para as reas mais carenciadas em infra-estruturas urbanas (ob
cit, p.67-68).
A evoluo da prtica do Oramento Participativo est a generalizar-se pelo mundo desde o seu
incio no Brasil. Depois do perodo de 1988 at 1997 em que se estabeleceram as primeiras prticas nos
municpios governados pelos partidos esquerdistas no Brasil, seguiu-se um processo de expanso e
consolidao pelo todo o pas e pela Amrica Latina no perodo de 1997 a 2000. Nestes ltimos oito anos,
Europa, sia e frica observam influncias do Oramento Participativo nos seus processos de planificao
(Nguenha e Cambraia, 2008). Em frica, pases que adoptam Oramento Participativo incluem entre
outros, frica do Sul, Tanznia, Moambique, Cabo Verde, Uganda.
Em Moambique, precisamente a partir de 1999, com influncia de programas financiados por
agncias de cooperao internacional (e em alguns casos implementados pelas mesmas agncias)
estabeleceram-se as primeiras prticas de planificao participativa municipal e, recentemente, como
referimos anteriormente, o surgiu a primeira prtica do Oramento participativo.

Estas iniciativas foram incentivadas pela Constituio de 1988 que reforou o poder dos municpios e reconheceu o direito de
participao dos cidados na gesto local (NEZ, 2006 aput AVRITZER, 2005, p.5; AZEVEDO; GOMES, 2008, p.67; FEDOZZI,
2000, p.50).

21

Planificao Participativa e Oramento Participativo


A planificao participativa e a oramentao participativa so processos diferentes. Embora
ambas trabalhem com e para a comunidade com o fim de melhorar as condies de vida locais, as
diferenas so assinalveis.
A planificao participativa um processo de reflexo, avaliao, definio e implementao
conjunta das melhores de opes de desenvolvimento local. Segundo Munzwa et al (2007, p. 45) a
planificao participativa tende a optimizar as solues do desenvolvimento a partir de um conjunto de
opes e define um caminho a trilhar para um futuro desejado e definido pela comunidade. O produto da
planificao um plano. Uma vez que o plano tiver sido elaborado, a sua implementao carece de
financiamento.
O financiamento relaciona-se com oramentao e os planos s funcionam com o financiamento.
A oramentao participativa , assim, um processo que, para alm de identificar as opes de
desenvolvimento local, centra-se no financiamento dessas opes. Desta forma, a oramentao
participativa d mpeto aos planos de desenvolvimento local. O produto da oramentao participativa o
Oramento Participativo. O oramento participativo d foco nos recursos, em particular os recursos
financeiros em termos da sua adequao para resolver as necessidades das comunidades (ibid).
Em resumo, a diferena entre a planificao participativa e a oramentao participativa que a
primeira centra-se na expresso de vontades ou preferncias colectivas sobre um futuro desejado e
caminhos de alcana-lo enquanto que a segunda centra-se na discusso do socialmente possvel, isto ,
da definio das necessidades ou preferncias em funo de recursos disponveis ou a dispor. Para
explicitarmos com mais clareza as diferenas existentes entre a planificao participativa e oramentao
participativa, apresentamos no quadro 2 as dimenses que nos permitem concluir que o Oramento
Participativo o instrumento em melhores condies de aprofundar a democracia participativa, melhorar a
governao e promover o desenvolvimento local.
Portanto, uma planificao participativa sem oramentao participativa pode ser considerada
meio caminho realizado. Realizar uma planificao participativa sem a respectiva oramentao
participativa significa o no envolvimento dos cidados em todo o processo de gesto participativa, o
mesmo que negar a participao dos cidados em todo o percurso ao futuro idealizado em conjunto
durante a planificao.

22

Quadro 2: Principais diferenas entre planificao participativa e oramento participativo


Dimenso de anlise

Planificao participativa

Oramento Participativo

Autonomia dos cidados em decidir


sobre actividades

Existe

Existe

Autonomia da comunidade local em


decidir sobre a aplicao dos
recursos pblicos

uma possibilidade limitada

Existe e efectiva

Papel redistributivo e de promoo


da justia social do oramento
pblico

Muito limitada. Depende da


viso e da boa vontade
poltica dos gestores pblicos

Efectivo

Existe

Existe

Limitados j que o
conhecimento dos cidados
limita-se s actividades e no
contempla os recursos

Elevados porque os cidados


discutiram necessidades,
actividades e recursos

Fiscalizao e monitoria da
implementao das
actividades/projectos pela
comunidade
Conscincia e compromisso dos
cidados em colaborar para o
desenvolvimento local
Fonte: Construo do autor.

Vrios estudos sobre Oramento Participativo apontam grandes contribuies desta prtica no
desenvolvimento da democracia participativa, com impactos positivos na democratizao do poder local e
na melhoria das condies de acesso aos servios bsicos pela maioria da populao carenciada
(Azevedo e Gomes, 2008; Oliveira, 2008; World Bank, 2008; Fedozzi, 2007; Wampler, 2007). Azevedo e
Gomes (2008), Oliveira (2008) e Nez (2006) apontam as seguintes vantagens do Oramento Participativo:
Mecanismo de incluso poltica e social dos cidados sem voz na governao. Entendese a incluso politica o processo de incorporao de escolhas publicas determinantes,
nomeadamente oramentais, de cidados tradicionalmente excludos da democracia
representativa devido sua condio econmica e social. A incluso poltica forte
quando os cidados podem decidir de forma autnoma as escolhas oramentais e dbil
quando a abordagem participativa limita-se consulta aos cidados. A incluso social
define-se como o melhoramento das condies de vida dos cidados com baixos
rendimentos atravs de uma redistribuio da riqueza e de um reforo do lao social.
Cria-se um espao de convivncia democrtica pautado pelo debate poltico e tomada de
decises sobre a alocao de recursos pblicos em prol do desenvolvimento local. Essa
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convivncia e partilha de poderes entre os gestores pblicos e comunidade local


legitimam a governao dos primeiros e aumenta confiana entre ambos.
Os cidados, de facto, passam de meros espectadores a agentes de transformao no
sentido em que o processo participativo vai clarificar o seu papel e as suas
responsabilidades no desenvolvimento local.
Porque todos, a comunidade local e os gestores pblicos ficam ao mesmo nvel de
conhecimento sobre os problemas, necessidades e recursos disponveis, fortalece-se a
solidariedade e cooperao entre os vrios grupos sociais participantes.
Alguns Aspectos Importantes para o Desenho e Implementao do Oramento Participativo
Ao longo do texto temos demonstrado simpatia e defendido que o Oramento Participativo o
melhor mecanismo de aprofundar a democracia participativa e promover o desenvolvimento local.
Referimos tambm que as experincias de participao actualmente existentes no pas, embora sendo um
passo importante no processo de incluso poltica e social das comunidades locais, elas apresentam dois
problemas. O primeiro problema a generalizao dos processos de consulta ao nvel municipal, sabido
que esta forma de participao no verdadeiramente uma forma de garantir que as necessidades,
interesses e opinies das comunidades locais sejam vinculativas s decises dos gestores pblicos. O
segundo problema a tendncia da no institucionalizao dos processos participativos permitindo que a
sua prtica seja da convenincia dos gestores do dia e no um direito que os cidados tm de,
formalmente, serem envolvidos nos processos de tomada de deciso.
Porm, como tambm referimos anteriormente, o terceiro mandato dos municpios poder ser
caracterizado ou por uma participao disfarada em consultas comunitrias e alguma expanso da
planificao participativa, ou ento por uma postura ousada e corajosa dos gestores pblicos municipais
de aproveitar as experincias que se expandem pelo mundo de autonomizao dos cidados na deciso
sobre a aplicao dos recursos oramentais, isto sobre o Oramento Participativo. Acreditando ser este
o caso, propomo-nos reflexo de alguns aspectos chaves para o desenho e implementao de modelos
do Oramento Participativo.
Para se elaborar um modelo do Oramento Participativo necessrio partir da ideia de que a
participao implica sempre relacionamento de duas realidades diferentes: a realidade representada pelo
governo local revestido de poder formar e que, admitindo ou no, h um medo de abrir a mo do poder
que possui para decidir sobre aspectos importantes como de gesto de recursos oramentais; por outro
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lado a realidade representada pela comunidade local carente e, muitas das vezes desconfiada de que a
sua pobreza consequncia de gesto indevida dos seus governantes. Pretende-se, assim, relacionar
dois mundos que se desconfiam. Portanto, para o desenho e implementao de modelos de Oramento
Participativo, propomos ateno aos elementos que se seguem.
Organizao dos cidados
Independentemente de estarem ou no organizados, os cidados podem participar da gesto
municipal. Obviamente que uma comunidade local organizada em grupos de interesse (por exemplo:
associao dos camponeses, associao dos carpinteiros, associao das mulheres domsticas,
associao dos portadores de deficincia, organizao dos jovens) facilita o dilogo com os rgos
municipais. O potencial risco que se conhece da participao baseada em grupos de interesse a
elitizao desses mesmos grupos e o conluio que pode existir entre os gestores pblicos e os
representantes daqueles grupos em detrimento dos interesses da colectividade. O modelo de Oramento
Participativo que se compadece com esta forma de organizao das comunidades o Oramento
Participativo Temtico.
Mas o Oramento Participativo permite, ou melhor, funciona bem em participao directa; quando
cada cidado pode participar dos encontros e pessoalmente expressar as suas necessidades e a sua
melhor deciso sobre aplicao de recursos pblicos. Neste caso, os cidados participam segundo a
organizao poltico-administrativa do seu municpio ou segundo uma agregao resultante de cortes
territoriais que visam captar indivduos ou reas com perfis socioeconmicos semelhantes. Este o caso
tpico do modelo do Oramento Participativo territorial, o mesmo modelo do Municpio de Maputo, e
massificado no Brasil. Quando a participao dos cidados na base da organizao polticoadministrativa do municpio h o risco enorme de criar tenso entre classes sociais diferentes residentes
no mesmo bairro. Como indivduos de classes sociais diferentes tm necessidades diferentes, discutir
prioridades da mesma forma com todas as classes desestimula a participao, sobretudo da classe social
mais elevada.

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Organizao e Arranjo Institucional do Municpio


(a) A formao da equipa de trabalho e a responsabilidade no desenho do modelo
Modelos de participao desenhados com base em consultorias ou por um grupo tcnico restrito e
privilegiado tendem a falhar, no por serem maus modelos mas muito provavelmente porque falta o
sentido de pertena e a socializao do processo por parte de segmentos institucionais importantes que
vo implementar a metodologia. Quanto possvel a utilizao de recursos humanos da instituio
recomendvel. reconhecida a fraca capacidade tcnica dos recursos humanos dos municpios
moambicanos, contudo, sempre que se recorra a recursos humanos externos os municpios devem
reforar a capacidade de controlo do processo da elaborao do modelo do Oramento Participativo,
atravs de constituio de um grupo de tcnicos que vo acompanhar o trabalho do consultor e garantir
que no processo das discusses participam todos os segmentos da instituio. O processo do desenho do
modelo do Oramento Participativo tem, tambm de ser participativo para ser sustentvel.
O modelo de Oramento Participativo altera toda a lgica de planificao e reduz o poder
discricionrio dos gestores pblicos em matrias de alocao de recurso, tambm o papel da Assembleia
Municipal fica de certo modo redefinido na medida em que as decises oramentais que a eles chegam
por via do Conselho Municipal no pode ser matria de questionamento uma vez que j decidida pelos
seus eleitores. Por essa razo, as duas esferas de poder (conselho e assembleia municipais) devem ser
profundamente envolvidas no processo de elaborao do modelo de Oramento Participativo, porque de
contrrio o processo pode enfrentar dificuldades de ordem poltica.
(b) Nveis e formas de participao e arranjo institucional
Segundo o Decreto 51/2004, de 1 de Dezembro a organizao poltico-administrativa dos
municpios compreende dois nveis, com designaes diferenciadas de acordo com a categoria do
municpio. Os municpios de nvel A (que somente Maputo) subdividem-se em distritos municipais e
estes em bairros municipais; os de nvel B e C dividem-se em postos administrativos e estes em bairros
municipais e, finalmente, os municpios de nvel D e de vilas, subdividem-se em localidades e estas em
bairros municipais. Esta estrutura pode ser utilizada para definir nveis de participao (bairro, localidade
ou posto administrativo ou distrito municipal) mas, como referimos anteriormente, importante ter-se o
cuidado de verificar se esses nveis possuem perfis socioeconmicos homogneos. De contrrio, tem de
se dividir o municpio em regies de planificao, juntando bairros com caractersticas semelhantes por

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exemplo, mas respeitando os nveis de organizao territorial imediatamente superiores, localidade,


postos administrativos e distritos municipais.
Ao nvel de participao mais inferior, seja o bairro ou conjunto de bairros ou ainda em grupos de
interesse, os cidados devem ter a possibilidade de participar directamente do processo. Da base para os
nveis seguintes, a participao tem de ser por meio de representao. Os representantes dos nveis de
participao devem ser democraticamente eleitos em nmero proporcional participao nas sesses do
Oramento Participativo.
A estrutura orgnica do municpio deve estar em condies de responder as demandas que se
criam com a nova metodologia de planificao e oramentao. Dado que o Oramento Participativo um
processo contnuo (e no uma aco que acontece pontualmente ao longo do ano) o municpio deve
idealizar um rgo que se ocupe desse processo que deve incluir, a articulao com os nveis inferiores de
organizao administrativa, desenvolver e implementar mecanismos de comunicao sustentveis,
realizar formaes e divulgar aces e resultados, para alm de implementar o longo processo
oramental. E mais, a metodologia do Oramento Participativo deve articular e interfacear com outros
planos de desenvolvimento municipal, mormente, os planos estratgicos e sectoriais. Dada esta dimenso
do Oramento Participativo, o rgo responsvel pela coordenao do Oramento Participativo tem de ter
relativa autonomia para interagir com todas as restantes unidades orgnicas e poder de decidir com
flexibilidade. Sendo tambm um instrumento de governao que permite contacto permanente com as
comunidades, o rgo responsvel pelo Oramento Participativo deve estar prximo do principal gestor
municipal, o presidente do municpio.
(c) O ciclo e as fases de implementao do Oramento Participativo
Grande parte das prticas do Oramento Participativo adopta nos primeiros anos ciclos
oramentais anuais e mais tarde bianuais. Pensar na frequncia do ciclo oramental importante porque o
Oramento Participativo envolve processos de deciso e de implementao longos. Ter um ciclo
oramental anual significa que num mesmo ano decorrem dois processos o que sobrecarrega recursos
(humanos, materiais e financeiros). Sendo bianual, significa que o municpio num ano dedica-se ao
processo decisrio e noutro implementao.
A implementao do modelo do Oramento Participativo pode ser em toda a dimenso do
municpio ou em partes do territrio do municpio ou ainda em alguns sectores especficos (por exemplo,
habitao, sade, educao). A implementao gradual aconselhvel no contexto de carncia de
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recursos e tambm tem a vantagem de evitar a extenso de erros e ineficincias do modelo, caso no seja
devidamente elaborado.
(d) A distribuio dos recursos oramentais
A adopo do modelo do Oramento Participativo pressupe a disposio do municpio colocar
uma parte dos recursos oramentais deciso popular. O tamanho da proporo do oramento colocada
deciso popular mede o nvel da vontade poltica dos gestores pblicos em ampliar o espao
democrtico. No existe portanto um percentual previamente definido como padro para os governos
locais colocarem ao debate popular. Casos comuns do Oramento Participativo colocam deciso das
comunidades locais propores de oramentos pblicos que variam entre 15% e 30%.
Definida a proporo do oramento que dedicada ao Oramento Participativo, devem ser
definidos critrios claros de atribuio de recursos por cada unidade de oramentao, seja regio, bairro,
distrito municipal, posto administrativo ou localidade municipal, dependendo do que o municpio tiver
definido como unidade de planificao e oramentao. comum a utilizao de ndices de pobreza ou de
carncia em infra-estruturas ou servios pblicos. Por exemplo alguns municpios brasileiros utilizam o
ndice de qualidade de vida urbana (IQVU) que mede a qualidade de vida do local urbano, contabilizando
para a unidade de planificao a oferta e o acesso aos servios pblicos ou o ndice de vulnerabilidade
social (IVS) que identifica as reas da cidade onde a populao mais vulnervel excluso social e os
aspectos nos quais a populao destas reas mais excluda (Nez, 2006). O Municpio de Maputo, por
exemplo adopta os critrios de tamanho da populao, carncia de infra-estruturas e o desempenho fiscal
de cada distrito municipal (ver o quadro 1).
importante destacar que a disposio dos recursos oramentais discusso popular o
principal aspecto diferenciador do Oramento Participativo s outras formas de participao.
(e) Fiscalizao da Implementao do Oramento Participativo
A participao da comunidade local deve ser garantida em todo o processo do ciclo do Oramento
Participativo. Atravs de variadas organizaes da comunidade ao nvel local, por exemplo comisses de
moradores ou atravs dos representantes da comunidade eleitos em cada nvel de participao, a
comunidade local deve conhecer as obras eleitas para um determinado perodo, o estado de concurso, as
empresas implementadoras e o custo dos projectos.

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CONCLUSO E RECOMENDAES
O nosso percurso sobre a governao municipal democrtica em Moambique permitiu-nos
constatar que existe ambiente legal e institucional favorvel para o exerccio de prticas participativas. Ao
longo destes dez anos de municipalizao diversas formas de participao tiveram espao mas a maioria
dos municpios demonstra preferncia pela consulta comunitria. Duas experincias de planificao
participativa notabilizaram-se: o modelo de Dondo e o modelo da Cooperao Sua aplicado nos
municpios de Cuamba, Montepuez, Ilha de Moambique, Mocmboa da Praia e Metangula. Uma
experincia muito recente do Oramento Participativo pertence ao Municpio de Maputo.
Muitas das experincias de governao participativa carecem de institucionalizao, facto que as
torna instveis e vulnerveis descontinuidades ou arbitrariedades dos gestores pblicos.
Defendemos que as actuais formas de governao participativa municipais so frgeis e pouco
profundas para uma governao local que se pretende mais democrtica e promotora de desenvolvimento
local. Por esse facto, simpatizamo-nos com a ideia de, semelhana do Municpio de Maputo, mais
municpios adoptarem modelos de Oramento Participativo. Para tanto, apresentamos alguns elementos
chaves que podero ser considerados no desenho e na implementao do Oramento Participativo.
Alertamos porm que estes elementos so apenas para tomar em considerao e eles no devem ser
aplicados de forma indiscriminada pois cada realidade um caso diferente.

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