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Governação Participativa em Moçambique

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Governação Participativa em Moçambique:

Dinâmicas do Envolvimento dos Cidadãos na Gestão Municipal em Xai-Xai

Participatory Governance in Mozambique: Dynamics of Citizens' Involvement in Municipal


Management in Xai-Xai

Albino Alves Simione

Doutorando em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professor na


Universidade São Tomás de Moçambique, Moçambique.

simialves@gmail.com

http://lattes.cnpq.br/3973302468007569

Ivan Beck Ckagnazaroff

Doutorado em Doctoral Programme Aston Business School - Aston University. Professor


associado do Departamento de Ciências Administrativas e do Cepead da Universidade Federal
de Minas Gerais, Brasil.

ivanbeck00@gmail.com

http://lattes.cnpq.br/6536172803067886

Resumo: Neste trabalho, refletimos sobre a institucionalização das instâncias de participação


social e envolvimento dos cidadãos na esfera municipal em Moçambique. O objetivo foi
analisar os mecanismos de governança participativa concebidos na gestão municipal e suas
implicações no processo de tomada de decisão das políticas públicas locais. O estudo é
relevante, pois permeia questões fundamentais referentes à democratização da administração
pública e à valorização da sociedade civil como um ator político relevante. Realizamos um
estudo de caso sobre as experiências adotadas no município de Xai-Xai. A pesquisa se
caracteriza como qualitativa, descritiva e interpretativa, desenvolvida por meio de documentos
e entrevistas submetidos à análise de seu conteúdo. Os resultados apontam a implementação
dos conselhos locais como a forma principal de participação cidadã estabelecida, contudo, os
diferentes dispositivos adotados apresentam falhas na estrutura de representação e no
funcionamento, que podem comprometer as virtualidades da interação social e o processo de
gestão democrática.

Palavras-Chave: Participação, Gestão Democrática, Conselhos Locais, Políticas Públicas.


Abstract: In this paper we discuss about the institutionalization of social participation scopes
and the citizens' involvement with the municipalities in Mozambique. The aim of this work is to
analyze the participatory governance mechanisms designed for the municipal management
and their implications in the decision-making process of local public policies. This study is
important because it delves into the fundamental issues of democratizing the public
administration and examines the civil society as a relevant political actor. We conducted a case
study regarding the experiences that were embraced in the city of Xai-Xai. The research is
characterized as qualitative, descriptive and interpretative. It was developed through
interviews and documents that were submitted to content analysis. The results show the
establishment of local councils as the main form of implemented citizen participation.
However, the set of distinctive practices that was adopted in Xai-Xai has flaws in its structure
of representation and in its functioning, which can compromise the social interaction and
democratic management process.

Keywords: Participation, Democratic Management, Local Councils, Public Policies.

                Texto completo em português: http://www.apgs.ufv.br

Full text in Portuguese: http://www.apgs.ufv.br

1 INTRODUÇÃO

Os discursos acerca da Governança Participativa (GP) surgiram em Moçambique nos finais da


década de 1990 e tornaram-se a marca principal da política e da administração pública no
início dos anos de 2000, período em que as principais experiências de participação pública
foram implementadas. Eles emergiram sucedendo basicamente três cenários que decorreram
de forma interligada e que marcaram o contexto político e econômico nacional nos anos
antecedentes.

Primeiro, surgiram como complemento das transformações políticas e econômicas intensas


que foram introduzidas pela Constituição da República de Moçambique (CRM) de 1990. A
constituição produziu uma reforma do Estado que modificou o sistema político de poder
popular socialista e o regime de governo de partido único dirigido pela Frente de Libertação de
Moçambique (FRELIMO), que haviam sido instaurados em 1975 quando do alcance da
independência nacional do regime colonial português.

A CRM de 1990 introduziu um novo sistema político, fundamentado nos princípios da


democracia pluripartidária, e alterou o modelo de planejamento centralizado da economia,
estabelecendo um sistema de livre concorrência. Além disso, a constituição introduziu várias
reformas no caráter centralizador da administração pública de então, com a descentralização
para os governos provinciais e distritais de maiores poderes decisórios e competências
próprias para a implementação das políticas públicas.
Segundo, emergiram com a estabilização política e social promovida pela assinatura do Acordo
Geral de Paz (AGP) de 1992, que pôs fim ao conflito armado iniciado em 1976, opondo o
Governo de Moçambique (dirigido pela FRELIMO) ao Movimento de Resistência Nacional
(RENAMO), uma força de oposição ao regime instituído na época e reivindicava a partilha do
poder político. O ambiente de paz vivenciado no país decorrente do fim do conflito
consequentemente permitiu a reorganização das estruturas do aparelho estatal e da sua
administração, possibilitando ampliar a presença da representação do Estado e de suas
instituições no território nacional.

A partir da segunda metade da década de noventa, influenciadas pelo processo de


reorganização administrativa que decorria, foram introduzidas no setor público moçambicano
novas formas de governança. O foco principal foi a introdução de modelos e mecanismos de
gestão fundamentados na gestão por resultados, no conceito de accountability e em arranjos
de participação da sociedade, visando à melhoria do desempenho dos serviços públicos e à
inclusão de cidadãos comuns e grupos de interesses como atores políticos importantes nas
decisões administrativas.

Terceiro, surgiram como resultado da emenda constitucional de 1996 e implementação da


descentralização do tipo municipalização. A emenda constitucional criou o Poder Local e
institucionalizou a descentralização na escala local municipal, possibilitando o exercício e
partilha do poder político. Ela alterou a estrutura político-administrativa do Estado, que passou
a ser constituída por três níveis de governo: os Órgãos Centrais (OC), representados pelos
ministérios e agências nacionais, os Órgãos Locais do Estado (OLE), representados pelos
governos provinciais e governos distritais, e os Órgãos do Poder Local (OPL), representados
pelos municípios.

Vale destacar que, no âmbito das transformações políticas e institucionais verificadas nesse
período, foi aprovada a Lei n° 2/1997, de 18 de fevereiro, por meio da qual foram criados no
país os primeiros 33 municípios, e desde 1998 são eleitos periodicamente os respectivos
governos municipais. Atualmente existem em Moçambique 53 municípios. Na organização
administrativa do país, os municípios correspondem às circunscrições dos territórios das
cidades e vilas.

Podemos afirmar em termos gerais que as ideias sobre a GP se tornaram predominantes no


contexto dos esforços de construção do Estado democrático, do fortalecimento da cidadania
ativa e da criação de mecanismos para a gestão democrática na escala local. Elas surgiram no
quadro do estabelecimento de um sistema democrático participativo orientado pelo ideal
político que se fundamenta na interação entre o poder público e a sociedade. Após a
implementação da Estratégia Global de Reforma do Sector Público (2001-2011), as propostas
da GP se tornaram num dos pressupostos básicos da promoção de práticas de inclusão
democrática no país.

A GP é definida segundo Speer (2012, p. 2379) como um conjunto de arranjos institucionais


que têm por objetivo facilitar a participação de cidadãos comuns no processo das políticas
públicas. Eles envolvem os cidadãos, por exemplo, na tomada de decisões sobre a distribuição
dos fundos públicos entre as comunidades e o desenho de políticas públicas, bem como a
avaliação e monitoramento dos gastos do governo.
As práticas de GP em Moçambique têm sido apresentadas com o objetivo de aperfeiçoar e
consolidar a democracia (Canhanga, 2009; Nguenha, 2009) e como um conjunto de princípios
e instrumentos de gestão (Forquilha & Orre, 2012; Nylen, 2014) cuja finalidade é fomentar, de
modo abrangente, a participação dos diferentes atores políticos e sociais na administração
pública. A ideia central é o estabelecimento, nos OPL (municípios) e OLE (distritos), de
mecanismos participativos embasados em novas estruturas de interação e relacionamento
entre o governo e a sociedade que possibilitem a melhoria da atuação da administração
pública e da prestação de serviços públicos.

Especificamente os OPL têm como objetivos organizar a participação dos cidadãos na solução
dos problemas próprios da sua comunidade e promover o desenvolvimento local. Eles buscam
ampliar a cidadania e conscientizar a sociedade para tomar parte nos assuntos políticos que se
sucedem nesse nível. Portanto, o processo de participação pública visa colocar o cidadão como
um ator indispensável na tomada de decisões acerca dos assuntos que são considerados serem
de seu interesse e permitir uma maior interdependência e articulação entre os diferentes
atores sociais, de tal modo que seja garantida uma maior democratização da administração
pública.

Sob essa nova conjuntura de gestão pública, espera-se que práticas como o dirigismo, o
centralismo decisório e o planejamento tecnocrático, que ignoram a aspiração dos indivíduos
pela participação, transformem-se e que os novos padrões de articulação social promovidos
pela GP sejam introduzidos como uma alternativa para aprimorar a gestão pública. No
entanto, em paralelo a esses mecanismos participativos, emergem alguns questionamentos
sob pelo menos duas perspectivas indispensáveis: quais as proposições teóricas que embasam
a GP? Como ocorre a implementação da GP em Moçambique? Qual a dinâmica sociopolítica e
administrativa que caracteriza a participação cidadã no contexto municipal?

Este trabalho visa contribuir para a literatura sobre a GP com uma reflexão sobre como tem
decorrido a implementação de seus princípios, mecanismos e instrumentos, apresentando a
sua contribuição na promoção do envolvimento da sociedade no governo em um país com
baixos índices de desenvolvimento. O problema de pesquisa tratado é: em que extensão as
iniciativas de GP adotadas em Moçambique incluem os atores da sociedade nos processos
decisórios das políticas públicas na escala municipal? O objetivo é analisar os mecanismos de
GP concebidos na gestão municipal e suas implicações no processo de tomada de decisão das
políticas públicas locais.

O artigo é constituído por cinco partes. Na próxima, apresentamos uma discussão acerca da GP
e os seus desenvolvimentos teóricos recentes na literatura internacional. Na terceira,
apresentamos os procedimentos metodológicos utilizados para a construção deste artigo e
realizamos uma breve descrição da situação socioeconômica da unidade pesquisa, que é o
município de Xai-Xai. Em seguida, na quarta, apresentamos os resultados e a discussão da
análise efetuada. Finalmente, na última parte, tecemos algumas considerações e avançamos
possíveis desdobramentos para pesquisas futuras.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Nesta seção realizamos uma revisão da literatura sobre a GP. Inicialmente efetuamos o
enquadramento geral dos estudos sobre a temática destacando quatro perspectivas teóricas
que se ocupam da análise dos processos participativos. Em seguida, apresentamos as
concepções e os princípios que embasam a ideia de GP como mecanismo de envolvimento da
sociedade no processo decisório das políticas públicas. Expomos mais adiante algumas críticas
que são feitas a essa abordagem, ressaltando as limitações que são apontadas à sua
aplicabilidade no processo de gestão pública.

2.1 A Governança Participativa

As discussões sobre as questões da GP tiveram sua origem a partir da segunda metade do


século XX e destacam-se na literatura internacional no âmbito do que se tem designado de
New Governace Paradigm (OSBORNE, 2006). Atualmente, a GP possui um enorme conjunto de
abordagens teóricas, sendo referenciada sobretudo nas análises que exploram as virtudes
positivas, inovações e limitações da introdução do modelo de participação social no processo
de gestão pública (Chhotray & Stoker 2009; Gaventa & Barrett, 2012; Farazmand, 2012). No
contexto nacional de Moçambique, existem trabalhos importantes que abordam o tema da
participação no nível distrital (Forquilha & Orre, 2012) e no âmbito das experiências da gestão
municipal (Nguenha, 2009; Canhanga, 2009).

Essencialmente, os trabalhos existentes, tanto os nacionais quanto os internacionais, abordam


a GP como um conjunto de princípios e instrumentos políticos e administrativos que
compreendemos estar enquadrados principalmente em quatro perspectivas de análise
importantes. A perspectiva da democrática participativa, como assinalam Brardhan (2002) e
Crook (2003), vê a GP como um mecanismo voltado para o reforço da democracia local por
meio do envolvimento da população na tomada de decisões sobre as políticas públicas e
ampliação da responsabilização política e administrativa dos governos locais. A perspectiva da
democracia deliberativa inspirada nas proposições de Habermas (1995) é pautada no diálogo
entre os atores estatais e a sociedade civil, por meio de espaços deliberativos. A GP é
entendida aqui, segundo Speer (2012), como formas deliberativas de tomada de decisão que
privilegiam cooperação, debate público e coletivo para a promoção do bem comum.

A perspectiva do empoderamento da sociedade, de acordo com Roberts (2004), trata a GP


como conjunto de princípios voltados à promoção e aplicação de estratégias para a
emancipação social, ampliação dos direitos de cidadania e o acesso individual e coletivo aos
espaços públicos. Ainda, a perspectiva da auto governança, segundo Osborne (2006), encara a
GP como um modelo de provisão de serviços públicos a partir do intercâmbio e envolvimento
do governo com vários atores dos setores privado lucrativo e voluntário e a criação de redes e
vínculos interorganizacionais. Limitaremos nossa reflexão neste trabalho às duas primeiras
perspectivas citadas acima.

A despeito dessas abordagens, cabe destacar que a GP é, conforme Pateman (2012), uma
corrente em favor da democracia deliberativa, incorporando dela tópicos considerados
emergentes, tais como grupos de interesses e redes de políticas que vem alterar de forma
significativa a concepção e a natureza da administração pública e da gestão das políticas
públicas. Ela seria uma forma de restabelecimento da legitimidade do sistema político pela
criação de novos canais de participação e interação inspirados nas teorias que apelam para o
conceito da good governance, que enfatiza o estabelecimento de condições de
governabilidade e a gestão compartilhada e interinstitucional envolvendo os setores público,
produtivo e voluntário.

A GP é definida segundo Smith (2009) como um arranjo institucional que tem como finalidade
possibilitar a integração do público nos processos decisórios sobre as políticas públicas
permitindo, desta feita, a democratização do sistema político, o qual é conduzido dentro de
um espírito de deliberação e contestação de ideias que favorecem os resultados e a qualidade
das políticas públicas. De acordo com Speer (2012), ela se refere a um conjunto de arranjos
institucionais que têm por objetivo facilitar a participação de cidadãos comuns no processo de
desenho de políticas públicas, bem como a avaliação e o monitoramento dos gastos do
governo.

No entender de Gaventa (2012), a GP é um mecanismo de inclusão da população nas


estruturas de tomada de decisão sobre as políticas públicas que permite incrementar e
fortalecer as capacidades de intervenção das camadas sociais mais desfavorecidas e superar as
estruturas políticas e de poder tradicionais. O que essas definições asseveram, como explica
Grindle (2007), é que na abordagem da GP os cidadãos eleitores ganham um novo tratamento
baseado no seu maior envolvimento nos espaços públicos e ambientes institucionais,
resultando, assim, numa expansão dos interesses coletivos e num maior exercício da
cidadania.

Portanto, ela estabelece instâncias de intervenção que vinculam a ação governamental com os
cidadãos por meio de relacionamentos nos espaços deliberativos que servem para envolver os
cidadãos, movimentos sociais e outros grupos de interesse no setor público, o que pode
garantir maior legitimidade às iniciativas governamentais. Nesse ponto de vista, a GP
englobaria tanto as visões que embasam a democracia participativa quanto as que defendem a
democracia deliberativa nos espaços públicos (fóruns locais, conselhos, consulta comunitária,
audiência pública, associações públicas, ente outros). Já a noção de democracia deliberativa
considera a inter-relação entre diferentes atores políticos e sociais, que, a partir de seus
valores e capacidades comunicativas, enfrentam o desafio do diálogo público com vistas à
construção de políticas públicas de um modo colaborativo.

A democracia participativa e a deliberativa possuem uma relação de articulação como modelos


de participação e representação. De acordo com Smith (2009), a primeira tem o seu enfoque
no alargamento da participação cidadã na gestão pública e processos de planejamento
associados às ações de formulação e fiscalização das políticas públicas por meio de vários
atores individuais ou coletivos em torno de interesses comuns. Ela implica também a ideia de
institucionalização de estruturas de representação pautadas em representantes escolhidos ou
eleitos pela própria sociedade civil e pelo governo.

A segunda implica, conforme Lüchmann (2006), que a deliberação incorpora a ideia de que as
escolhas políticas são legitimadas dentro de uma interação entre os agentes que possuem
direitos e liberdades iguais no exercício da cidadania, especialmente para influenciar as ações
governamentais. Portanto, a ação deliberativa considera a inclusão dos diferentes atores
sociais, a abertura do debate e a cooperação e o diálogo centrados na ampliação dos espaços
públicos e mecanismos de discussão coletiva passíveis de justificar e legitimar as decisões
tomadas.

Isso quer dizer que a criação de arranjos de GP configura uma forma de exercício coletivo do
poder político, que se realiza de acordo com Nabatchi e Amsler (2014) por meio do
engajamento direto no nível local de governo. Visto que a participação tende a ampliar a
presença de atores sociais de diversos tipos no âmbito da tomada de decisão das políticas
públicas, ela possibilitaria o aumento da cidadania por meio da inclusão de movimentos sociais
e atores socialmente excluídos, reduzindo dessa forma a tensão gerada pelo problema da
representação e da legitimidade políticas.

É dentro dessas concepções que Cornwall e Coelho (2007) explicam que em contextos
participativos a ação coletiva tende a ser possibilitada pelo interesse de abertura da
administração pública para a interação com novos atores da sociedade, mas também pela
capacidade de ação dos representantes da sociedade civil e pelo acesso à informação por
parte da população. Da mesma forma, em contextos deliberativos, a ação coletiva estaria
baseada na criação de estruturas de interação política em que os atores da sociedade são
percebidos pelo governo como importantes na discussão das políticas públicas, contribuindo
para fortalecer o interesse da coletividade e a legitimidade das iniciativas governamentais e
seus resultados.

Trata-se de uma desmonopolização dos processos decisórios pela realização de mudanças nas
formas tradicionais de administração, com a realização de transformações administrativas que
visam reduzir a intervenção técnica exclusiva da administração e o monopólio do poder
decisório dos burocratas e políticos para favorecer a intervenção coletiva e formação de redes
que ampliam o diálogo e a intervenção junto ao Estado. O fundamento central desses
argumentos, como destaca Gonzáles (2015), é que na abordagem participativa a interação
entre os cidadãos e o governo gera envolvimento efetivo nas etapas cruciais de tomada de
decisão das políticas públicas, elevando a confiança e a legitimidade.

Na mesma linha, Koch (2013) pontua que os arranjos institucionais engendrados pela GP
podem melhorar o papel político da sociedade civil e promovem a inclusão política,
favorecendo a formação de identidades coletivas que possibilitam uma efetiva partilha de
poder e de recursos que estão disponíveis. Esses espaços de participação têm um grande
potencial para gerar resultados positivos nas ações implementadas pela máquina pública, por
exemplo, consensos sobre os conteúdos da política pública local, orçamentos participativos,
prioridades de intervenção a considerar, entre outros aspectos.

No entanto apesar de a GP ser apresentada em certa literatura de uma forma positiva,


existem, contudo, limitações e dilemas das práticas decorrentes da complexidade da
participação cidadã (Roberts, 2004, p. 326). Tais complexidades referem-se à qualidade das
redes de atores que são formadas; aos interesses que envolvem os diferentes grupos que
participam dos processos de gestão; ao conflito nos processos decisórios e das escolhas de
prioridades; às condições estruturais e políticas da organização dos grupos; e à legitimidade
dos interesses políticos da sociedade civil que produzem um impacto nos resultados da
democracia.
Em determinadas realidades, ela pode não significar efetivamente a constituição de espaços
de deliberação que promovem a equidade, a formação de vínculos sociais inclusivos que
contribuem na prática para o desenvolvimento das políticas públicas. Baseados numa
perspectiva crítica dos resultados da GP em vários países, Gaventa e Barrett (2012) e Koch
(2013) afirmam que a participação produz resultados positivos, que são muitas vezes também
acompanhados de efeitos negativos.

A crítica central expressa que a capacidade da GP de engajar os cidadãos depende do acesso às


informações necessárias para participarem na vida democrática e assim ampliar o exercício
dos seus direitos. Por exemplo, a participação na gestão depende da capacidade de exigir a
prestação de contas e a responsabilidade efetiva dos governos locais, bem como do grau de
envolvimento dos indivíduos nos esquemas ou arranjos de GP (seja nas redes, conselhos ou
comités), ao mesmo tempo que implica o conhecimento de regras e a mobilização da
sociedade para a defesa dos seus interesses.

A GP precisa, assim como defendem Bryson, Quick, Slotterback e Crosby (2012), ser vista sob a
ótica da realidade institucional em que ela é aplicada e considerar dimensões que têm sido
pouco exploradas por diversos estudos, como a história dos lugares e o ambiente sócio-
espacial. É necessário dar atenção aos contextos em que os desenhos institucionais de GP são
aplicados e reconhecer a existência de singularidades dos “lugares”, portanto, que existem
dimensões políticas/práticas, políticas/valores e geográficas que podem operar como barreiras
ou oportunidades para o estabelecimento das instâncias democráticas de participação na
esfera pública.

Nessa ótica, em contextos específicos de países em desenvolvimento como Moçambique,


interessa analisar o contexto e a dinâmica que envolve os processos participativos. O estudo
desses aspectos possibilita ampliar a compreensão sobre os resultados produzidos pelos
arranjos de GP, mas permite compreender, também, como é encarada a ideia de envolvimento
dos cidadãos na gestão pública e a forma como acontece a interação social.

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Neste trabalho, empreendemos uma análise caracterizada como qualitativa, dado que o
problema de pesquisa demandou uma investigação de cunho descritivo e interpretativo
(Godoy, 2010). É um estudo de caso (Yin, 2005) selecionado pela sua pertinência teórica em
relação ao objetivo da pesquisa, e pela sua pertinência prática dado a possibilidade de se
aprender com as experiências referentes a GP nele evidenciadas.

A construção do estudo compreendeu duas etapas, nas quais utilizamos o método de Análise
de Conteúdo (AC) para os dados coletados. Segundo esclarece Bardin (2004), a AC permite
abranger as comunicações tanto verbais ou não-verbais quanto linguísticas, mas também
documentos, mediante procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das
informações obtidas, possibilitando a inferência de conhecimentos relativos às condições e
sentido das mensagens.

Na primeira etapa da pesquisa, realizamos inicialmente um levantamento de documentos


(legislação referente à gestão democrática no contexto moçambicano), relatórios (do
executivo do município de Xai-Xai) e atas (dos conselhos locais). A finalidade desse
procedimento foi, por um lado, identificar as diretrizes da GP que expressam a forma como a
participação da sociedade na gestão é concebida ou encarada pelo poder público em
Moçambique e, por outro, recolher relatos sobre o funcionamento dos espaços constituídos.

Na AC efetuada, seguimos a constituição do corpus da análise, que se baseou nas concepções


e padrões da proposta de GP no país. Para o efeito, utilizamos como critério de análise as
diretrizes que fundamentam a adoção dos arranjos de GP. Por meio desse procedimento
analítico essencialmente, identificamos os princípios que foram propostos para a criação de
instâncias de participação pública; os seus pressupostos; as bases teóricas sobre as quais
foram estabelecidos; o quadro institucional; e as condições administrativas que permeiam o
processo de estabelecimento das práticas de GP na esfera municipal. A análise contemplou
além disso a verificação do alinhamento dessas concepções em relação às proposições teóricas
apresentadas na literatura.

A segunda etapa consistiu na utilização da técnica de entrevistas para treze entrevistados


escolhidos intencionalmente e se baseou em um roteiro não estruturado. Os critérios
utilizados nessa escolha foram as posições que eles possuem e o papel que desempenham no
processo de promoção da participação pública no caso pesquisado. Os agentes públicos (o
autarca – o mesmo que prefeito, vereadores e técnicos dos diferentes setores do município
pesquisado) e representantes da sociedade civil (presidente e gestor de programas do fórum
das ONGs de Gaza) foram os atores entrevistados na pesquisa. Esses dois grupos de
respondentes foram selecionados porque se constituíram como os atores relevantes que
interagem no âmbito das arenas de participação pública no município de Xai-Xai e que
poderiam fornecer as informações necessárias para o alcance dos objetivos definidos para a
pesquisa.   

Conforme destaca Mattos (2006), essa técnica possibilita a obtenção de informações


relevantes e significativas que permitem o esclarecimento de situações, atitudes e
comportamentos em uma determinada complexidade social. As situações referentes a este
estudo foram consideradas a partir da ótica dos entrevistados relativamente às questões
sobre: quem participa nos arranjos estabelecidos; como é feita a seleção de membros que
integram tais instâncias; qual é a representação dentro desses arranjos; e qual o seu
contributo para as políticas públicas municipais.

A análise do caso pesquisado se restringiu especialmente a duas dimensões importantes da


GP, que, conforme apontam Salvador e Ramió (2011), podem ser observadas no processo de
constituição de mecanismos de participação social. A primeira dimensão refere-se à
institucionalização das instâncias de participação pública e está relacionada às formas pelas
quais é processada a inclusão dos cidadãos e grupos de interesse e à representatividade
dentro dessas instâncias. A segunda dimensão tem a ver com a dinâmica que caracteriza o
envolvimento dos cidadãos e se preocupa com os aspetos alusivos à ação, às assimetrias e às
posições ocupadas pelos atores dentro das instâncias de participação que são estabelecidas.

Através da AC, procedemos ao exame individual dos textos resultantes da transcrição das
entrevistas e buscamos descobrir neles conjuntos de significações com base em recortes e
agregação de frases e extratos das falas (consideradas pertinentes-significativas) dos
respondentes, em que são ressaltados ou descritos aspectos, elementos ou características que
traduzam o processo de participação pública implementado no município de Xai-Xai. Esses
conjuntos de significações se constituíram como os elementos do corpus da análise sobre o
qual classificamos as práticas de envolvimento dos cidadãos que foram adotadas. A partir
dessa classificação, realizamos a interpretação das experiências de participação pública
mediante um procedimento inferencial, conforme expressavam as formas pelas quais se dá GP
na realidade pesquisada.

3.1 Breve Caracterização Socioeconômica do Município de Xai-Xai

O Município de Xai-Xai é a capital e a cidade mais importante da Província de Gaza. Situa-se na


região sul e foi estabelecido em 1998 quando das primeiras eleições municipais em
Moçambique. Possui grande diversidade cultural e linguística, destacando-se, para além do
português (língua oficial), o Changana, que predomina como língua nacional mais utilizada.

A cidade é dividida em quatro unidades administrativas denominadas postos administrativos,


sendo elas o Posto Administrativo Sede, o Posto Administrativo da Praia de Xai-Xai, o Posto
Administrativo de Inhamissa e finalmente o Posto Administrativo de Patrice Lumumba. Os
postos administrativos estão subdivididos em doze bairros, sendo que 20% da população vive
nos bairros da zona central, e os restantes 80%, nas periferias.

De acordo com os dados do censo de 2007 (INE), a cidade possui 124.216 habitantes, que
representam uma distribuição irregular, constituída por uma pirâmide etária de base muito
larga, característica de uma sociedade onde predominam crianças e jovens (39% com menos
de 15 anos) e uma esperança de vida de 50 anos. A taxa anual de crescimento da população é
de 4%, e a mortalidade infantil é de 200/1000.

A agricultura é praticada na zona Peri Urbana por 70% da população como a atividade
econômica mais importante. Os restantes 30% da população estão envolvidos
majoritariamente no setor de serviços, distribuindo-se pelas atividades de comércio informal,
pequeno varejo, alojamento e restauração, mecânica-auto, prestação de serviços a empresas,
gráfica e artesanato (INE, 2007).

As grandes indústrias transformadoras da cidade (as fábricas de descasque e processamento


da castanha de caju, de descasque de arroz e de refrigerantes) encontram-se todas encerradas
existindo, contudo, uma considerável atividade na área de construção civil. A administração
pública emprega 4421 servidores públicos (DFP, 2015), apresentando-se como um dos
principais empregadores formais na cidade.

No que diz respeito à educação, 48% da população é alfabetizada e 71% frequentam ou já


frequentaram a escola, ainda que majoritariamente somente até aos níveis primário e
fundamental (Perfis Municipais, 2013). Relativamente às infraestruturas sociais, existe na
cidade uma rede de escolas, sendo 59 do nível primário, 11 do nível fundamental, 7 escolas do
nível médio, entre públicas e privadas. Destacam-se igualmente na área de educação técnico-
profissional 4 escolas, sendo 2 de nível médio, 1 de nível fundamental e 1 instituto de
magistério, respectivamente. A cidade conta com 2 universidades privadas.
Existem na cidade 5 unidades de saúde básicas e 1 hospital de nível provincial (o maior e de
referência para toda a província), bem como 3 postos de saúde privados. A cidade conta ainda
com uma rede de diversos centros comerciais, mercados e agências bancárias que respondem
às necessidades socioeconômicas da população. Dentre as vias de acesso na cidade, 90% são
constituídas majoritariamente por estradas de terra. Do total, 56% da população têm acesso a
água tratada e 46,2%, a energia elétrica. A percentagem de casas com saneamento é de 57,5%
(INE, 2007).

4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 

Nesta seção, apresentamos os resultados da pesquisa a partir de duas linhas principais: na


primeira, expomos a institucionalização das instâncias de participação social, em que
destacamos as diretrizes sobre o quadro institucional legal, suas concepções e pressupostos,
bem como as formas de constituição de tais instâncias participativas. Na segunda,
apresentamos as experiências de participação implementadas no município de Xai-Xai, que
envolvem o estabelecimento dos conselhos locais (CLs), da governação aberta e da articulação
entre gestores municipais e comunidade. Adiante fazemos uma discussão sobre esses
diferentes aspectos.

4.1 A Institucionalização da Governança Participativa em Moçambique

Observamos que, no contexto moçambicano, a GP foi estabelecida pelo governo por diretrizes
que preveem a articulação entre o Estado e as entidades da sociedade civil, por meio da cria-
ção e implementação de mecanismos de consulta e participação popular que estão voltados a
influenciar na elaboração da agenda e ações dos diferentes entes governamentais (municipais
e distritais). O Quadro 1 apresenta de forma resumida o enquadramento dado ao processo de
construção dessas instâncias de participação no país.

Quadro 1: Fundamentos do processo de participação

Diretrizes da Gestão Participativa

Descrição

O quadro institucional legal

- Constituição da República de Moçambique, no seu n° 2, do Artigo 263.

- Lei n° 2/1997, de 18 de fevereiro.


- Estratégia Global de Reforma do Setor Público (EGRSP, 2001-2011).

- Lei nº 8/2003, de 18 de maio.

- Decreto n° 11/2005, de 10 de junho.

- Diploma Interministerial nº 67/2009, de 17 de abril.

Esses instrumentos normativos têm como objetivo de fortalecer e articular os mecanismos e as


instâncias de gestão democrática e a atuação conjunta entre a administração pública
(governos locais) e a sociedade civil.

As concepções e pressupostos da GP

- Participação social como direito do cidadão e expressão de sua autonomia.

- Consolidação da democracia através da participação como método de governo.

- Promoção de mecanismos de mobilização da sociedade civil.

- Participação dos cidadãos em reuniões e discussões sobre assuntos públicos.

- Influência das ações dos governos locais pela apresentação de opinião.

- Equilibrar a relação entre a vontade política dos governantes e o interesse público.

- Participação popular na formulação, na execução, no monitoramento e na    

  avaliação de programas e políticas públicas.

- Direito à informação, à transparência e ao controle social nas ações públicas.

A constituição das instâncias de participação

 
- Participação da sociedade civil.

- Envolvimento de lideranças comunitárias.

- Vinculação dos membros das arenas às associações ou grupos de interesse.

- Representantes do poder público.

- Garantia da diversidade entre os representantes da sociedade civil.

- Critérios para os processos de escolha e indicação dos representantes das

   comunidades locais.

Fonte: Elaboração baseada nos documentos selecionados para o estudo

Em termos gerais, conforme mostra o quadro acima, as diretrizes que fundamentam a


proposta de GP buscam institucionalizar mecanismos que asseguram o exercício da cidadania e
a construção social. Nesse sentido, elas se baseiam na criação das instâncias de participação
que visam permitir a implementação e perpetuação de um modelo de gestão democrática
inspirado no estabelecimento de arranjos participativos nos quais é privilegiada a inclusão das
pessoas que são implicadas pelos desdobramentos dos processos decisórios sobre as políticas
públicas nas esferas municipal e distrital de governo.

4.1.1 As Instâncias de Participação no Contexto Municipal

Observamos que a abordagem político-participativa que tem sido implementada no contexto


da gestão do município de Xai-Xai configura uma mesclagem de práticas de participação social
e a convivência de três formas ou mecanismos de envolvimento da população nos assuntos
sobre as políticas públicas municipais, como ilustrado no Quadro 2.

Quadro 2: Caracterização da participação pública na gestão municipal

Mecanismos de Envolvimento dos Cidadãos

1. Conselhos Locais

2. Governação Aberta

3. Articulação Gestores

Municipais e Comunidade

 
Criação de práticas de participação que privilegiam a organização da população por meio de
conselhos locais (CLs) nos quatro postos administrativos municipais e um que representa a
cidade, que atuam como mecanismos para influenciar o processo de tomada de decisão sobre
os investimentos públicos e o financiamento dos projetos de desenvolvimento municipal.

Estabelecimento de mecanismos de interação social que envolvem a realização de encontros


periódicos (reuniões populares) de auscultação pública dos cidadãos munícipes e dirigidas pelo
autarca (prefeito) nos diferentes bairros que compõem os quatro postos administrativos
municipais, e têm como objetivo discutir os sobre os resultados do exercício da governação
municipal.

Utilização de reuniões públicas como mecanismo voltado para resolução de problemas nos
bairros, identificados juntamente com a população e os decorrentes da implementação dos
programas e planos de ação do executivo municipal, representando forma de
acompanhamento das ações governamentais e intervenção direta dos vereadores e
representantes dos vários setores e departamentos.

Fonte: Elaboração baseada nas entrevistas do estudo no município de Xai-Xai

A variedade de práticas participativas, conforme ilustrado acima, sugere que o poder público
municipal considera que elas podem contribuir para melhorar a sua articulação com a
sociedade e se enquadram na perspectiva de que o processo de envolvimento dos cidadãos
nas decisões administrativas não pode se restringir apenas a alguns grupos, devendo estar
aberto à ampla participação das pessoas nas decisões do governo. Podemos, assim, afirmar
que é uma abordagem que considera que participação democrática deve ser ampliada por
meio de múltiplas instâncias como forma de assegurar o exercício da cidadania e influência
sobre as políticas públicas locais.

4.2 Discussão: As Diretrizes da Gestão Participativa

Conforme apresentado no Quadro 1, as concepções sobre a participação em Moçambique


foram estabelecidas no n° 2 do artigo 263 da CRM, que expressa a garantia da participação
ativa dos cidadãos nas decisões da administração pública. Essas ideias foram desenvolvidas no
artigo 28 da Lei n° 2/1997, de 18 de fevereiro, referente ao modo de integração dos grupos
locais na tomada de decisões dos OPL (municípios). Com as devidas ressalvas, entendemos que
tais concepções estariam alinhadas às proposições teóricas das abordagens da democracia
participativa e da democracia deliberativa, na medida em que incorporam especialmente as
ideias que incentivam o envolvimento de diversos atores individuais ou coletivos para
influenciar as decisões sobre as políticas públicas governamentais e a deliberação baseada nos
espaços públicos por meio dos quais os diferentes atores sociais e políticos interagem,
coordenando seus pontos de vista na formação do interesse comum fundamentado na
vontade geral e no entendimento mútuo.

No entanto, compreendemos que os ideais dessa nova tendência na gestão pública


moçambicana foram aperfeiçoados no âmbito da implementação da Estratégia Global de
Reforma do Setor Público (EGRSP) na fase I (2001-2005) e na fase II (2006-2011) aprovada pelo
governo em 2001, que estabelecera a participação social na gestão como um dos pilares do
processo governativo e componente fundamental para a melhoria dos processos de tomada
de decisão e do desempenho da administração pública (Ciresp, 2001, p. 18).

Nessa perspectiva, as instâncias de participação comunitária, especificamente os CLs, foram


então institucionalizados pela Lei nº 8/2003, de 18 de maio, que estabelece a organização e
funcionamento dos OLE (distritos) e regulamentadas pelo Decreto n° 11/2005, de 10 de junho.
Este último estabeleceu a forma de integração das comunidades e dos líderes tradicionais (que
são as autoridades comunitárias que exercem um poder baseado nos costumes e práticas
políticas tradicionais e legitimado no seio das respectivas comunidades e são formalmente
reconhecidas pelo Estado) nos processos de gestão pública.

Importa esclarecer que, inicialmente, essas duas normas instituíram as bases para a criação
dos CLs no contexto dos OLE e não dos OPL e definiram que os seus órgãos “asseguram a
participação dos cidadãos, das comunidades locais, das associações e de outras formas de
organização, que tenham por objeto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões
que lhes disserem respeito”. Pretendeu-se a formalização das arenas participativas como
mecanismo de influência das ações dos governos locais pela apresentação de opinião e
formação da vontade geral acerca das políticas públicas. As primeiras experiências de criação
de CLs nos OLE surgiram em 2006, e sua missão era basicamente colaborar com a preparação
de projetos de desenvolvimento local comunitário.

Com a introdução do Diploma Interministerial nº 67/2009, de 17 de abril, foram delineados


formalmente os princípios e critérios para a constituição e estruturação formal dos CLs no
âmbito dos OLE. Os conselhos nos OLE possuem competências alargadas para atuarem em
desenvolvimento econômico, saúde, educação, agricultura, transportes, e policiamento
comunitário e são compostos por 20 membros na Localidade, que é a subunidade
administrativa territorial abaixo do Posto Administrativo, 40 membros no Posto
Administrativo, que é a unidade administrativa territorial do Município ou do Distrito, e 50
membros no distrito, que é a unidade administrativa territorial da Província.

A despeito desse diploma normativo e de a estrutura de composição dos conselhos neles


definidos terem sido originalmente instituídos para a criação dos CLs nos OLE, eles foram
também aplicados e adaptados na cidade de Xai-Xai, tendo-os como o referencial para a
constituição dos seus CLs municipais. Isso se deve à inexistência de instrumentos e diretrizes
que regulamentam a criação dos CLs ou de outras instâncias participativas que sejam
específicos à realidade municipal.
De forma geral, podemos afirmar que os CLs de Xai-Xai foram criados com base na ideia de
gestão democrática, que se fundamenta em diferentes mecanismos de eleição e
representação das organizações da sociedade civil. Na sua constituição, eles combinam em sua
configuração, por um lado, a participação direta da população nos bairros para elegerem seus
representantes e, por outro, a escolha de representantes nos postos administrativos
municipais que integram a seguir o CL da cidade. Eles foram adotados na cidade a partir do ano
de 2009.

Conforme já foi assinalado, o objetivo é coproduzir a ação pública local por meio da inserção
de representantes das comunidades nas decisões municipais. Vale destacar, no entanto, que a
implementação pelo governo central nos dez municípios capitais provinciais do Programa
Estratégico para a Redução da Pobreza Urbana (PERPU) voltado para o financiamento das
iniciativas empreendedoras de cidadãos munícipes ou de grupos associados está por trás do
estabelecimento dos CLs na cidade. Conforme já foi assinalado, o objetivo é coproduzir a ação
pública local pela inserção de representantes das comunidades nas decisões sobre

O PERPU faz parte da estratégia que associa a transferência de orçamento previamente


definido no nível central e alocado aos entes municipais para o financiamento de projetos
apresentados pelos cidadãos e considerados importantes para alavancar o desenvolvimento
local e reduzir a pobreza da população ao nível das grandes cidades moçambicanas. Os
repasses de verbas efetuados pelo governo central para os municípios no âmbito desse
programa são condicionados, portanto, à existência de CLs nos municípios contemplados.
Nesses termos, importa examinar como ocorrem as ações que se pretendem participativas no
contexto dos OPL em Xai-Xai e quais configurações apresentam as práticas de participação
cidadã que são implementadas, lembrando que esse município não deve ser tomado para a
generalidade da realidade.

4.2.1 A Dinâmica do Envolvimento dos Cidadãos no Município de Xai-Xai

No Quadro 2, mostramos que o processo de envolvimento dos cidadãos na gestão municipal é


realizado por meio de consultas comunitárias baseadas nos CLs que remetem-nos às iniciativas
de participação popular e à promoção do protagonismo da sociedade civil no âmbito do
Diploma Ministerial nº 67/2009, ao passo que as práticas de governação aberta e de
articulação entre gestores municipais e comunidade são na verdade iniciativas das autoridades
administrativas municipais (não formalmente regulamentadas) utilizadas como mecanismos
que auxiliam o exercício da atividade de gestão e da implementação das ações
governamentais. São todas de carácter consultivo, exercendo a responsabilidade de emitir
opiniões e apreciar determinados assuntos que são apresentados para o aconselhamento,
portanto não são de cunho deliberativo.

O estabelecimento dos CLs está amparado no dispositivo normativo citado acima, e a escolha
dos seus representantes segue regras específicas para cada grupo de atores ou segmento
representado. Contudo, alguns atores importantes, como as autoridades tradicionais e os
dirigentes das várias unidades territoriais administrativas do município, já estão previamente
inseridos (por determinação da legislação) na composição dos conselhos que são constituídos.
Nesses termos, o CL da cidade de Xai-Xai é composto por 50 membros ou conselheiros. Desse
número, 41 são personalidades provenientes dos fóruns comunitários que são constituídos nos
quatro postos administrativos existentes no município. Eles são escolhidos dentre os
representantes dos comitês e grupos sociais locais que integram esses fóruns ao nível dos
diferentes bairros da cidade que compõem cada uma dessas quatro unidades territoriais
administrativas do município.

Participam também como membros do conselho o autarca (o prefeito), que é ao mesmo


tempo o presidente do órgão e os 4 representantes do poder público municipal oriundos dos
postos administrativos que integram o CL na qualidade de dirigentes dessas unidades
territoriais. Integram igualmente o conselho 2 autoridades comunitárias, que são escolhidas e
legitimadas pela população de acordo com os costumes da organização social e política
tradicional da comunidade e formalmente reconhecidas pelo poder público. As restantes 2
personalidades que completam a composição do conselho são indicadas pelo executivo
municipal.

Portanto, de acordo com essa disposição, 34% são representantes da população que exercem
autoridade sobre as respectivas comunidades (os secretários de bairro); 4% são
individualidades que exercem poder no âmbito das instituições políticas tradicionais nas
comunidades (autoridades comunitárias, reconhecidas pelo governo municipal); 44% são
representantes de associações de comerciantes, agricultores, pecuaristas e de transportes
coletivos (sociedade civil); 6% são individualidades que exercem liderança religiosa na cidade
(autoridades religiosas) e, por fim, 12% são representantes designados pelo executivo
municipal (chefes de postos administrativos, diretores que exercem cargos governamentais e o
autarca).

O conselho é constituído por 64% de homens e 36% de mulheres, o que mostra uma
organização que respeita a cota de 30% estabelecida pela legislação que regulamenta a criação
das arenas de participação pública, como o mínimo a ser observado para a integração do
gênero nos CLs.

De acordo com os dados da pesquisa disponibilizados nas atas referentes ao ano de 2009
(período da constituição do conselho e inicio do 1° mandato), constatamos que a escolha dos
representantes do CLs decorreu em reuniões públicas e por indicação das autoridades
municipais. Nesse período, participaram na escolha dos membros dos CLs 1.784 cidadãos
munícipes, considerando as quatro reuniões constitutivas realizadas ao nível dos quatro postos
administrativos existentes. Consta que houve divulgação da realização dos encontros, não
sendo possível, no entanto, avaliar o grau, o alcance e os canais de publicização utilizados para
o efeito. Vale destacar que o número de participantes na escolha dos membros do conselho é
de um universo populacional de 124.216 habitantes da cidade.

Das reuniões realizadas nos postos administrativos municipais participaram 1.126 mulheres e
658 homens. Majoritariamente, 63% das mulheres participaram a título individual e não em
representação de algum grupo de interesse específico. Relativamente aos homens, apenas 7%
estavam associados a algum grupo de interesse. Destacamos, assim, que o reduzido grau de
associativismo e a baixa consciência e elevado desconhecimento da importância do exercício
da cidadania nos diferentes bairros onde esses atores são escolhidos funcionam como
restrições sociopolíticas relevantes à participação, podendo inclusive contribuir para
enfraquecer a representação política no âmbito dos dispositivos ou práticas adotadas.

As atas não mostram a participação de organizações institucionalizadas ou não


institucionalizadas e de grupos populares significativos que se fizeram presentes na escolha
dos membros dos conselhos, mas sim os cidadãos como indivíduos. Compreendemos que a
implementação de práticas de participação representa algo de certo modo difundido, porém
ainda assim pouco entendido pela população, o que pode explicar em parte o grande número
de cidadãos ausentes na criação dos CLs devido à ainda fraca compreensão da necessidade de
participação conjunta com o executivo municipal.

Doutro modo, os dados da pesquisa mostram que composição do CL da cidade exclui várias
organizações civis formais (entidades patronais, sindicatos, movimentos sociais, instituições
acadêmicas e organizações não-governamentais), que possuem alguma força (visto que estão
mais bem organizados e têm alguma informação e domínio sobre o processo das políticas
públicas em áreas específicas) para influenciar os assuntos que são discutidos por esses
conselhos de participação na cidade.

Esses atores sociais estão excluídos e impossibilitados de participar das interações políticas e
contribuir para construção de um espaço público formado por atores diversificados e,
portanto, mais democrático e favorável à ocorrência do diálogo norteado pelos princípios do
processo deliberativo. Observamos que esses atores institucionais não foram convidados a
participar da escolha dos membros do CL da cidade, apesar da divulgação efetuada. Vale
assinalar que existe no conselho uma representação expressiva de secretários de bairro e
alguns grupos sociais que estão mais em sintonia com o governo municipal e que, em
conjunto, perfazem 78% dos membros da arena de participação constituída.

Especificamente, os secretários de bairro, após serem eleitos pela população, passam a


desempenhar funções políticas e tarefas administrativas inerentes a essa posição, atribuídas
oficialmente pelo executivo municipal. Essa postura pode afetar a sua independência e
capacidade de expressar os interesses dos respectivos grupos sociais (dos bairros) que
representam.

Relativamente aos membros dos CLs provenientes dos grupos de interesse formados
majoritariamente por segmentos como comerciantes, agricultores, pecuaristas e
transportadores de coletivos, verificamos que a sua escolha não está embasada na
competência e qualificação.

De acordo com as entrevistas, tais escolhas derivam do fato de esses atores sociais possuírem
uma relativa cultura associativa e experiência política favorecidas pela posição que ocupam na
articulação com as autoridades governamentais no âmbito da implementação das respectivas
políticas públicas setoriais. Contudo, essa forma de representação pode revelar um fraco
engajamento desses grupos sociais na condução de propostas e ações que traduzam os
interesses das comunidades locais, assim privilegiando apenas a defesa de interesses dos
grupos representados.
Verificamos igualmente que esses grupos não estão vinculados às bases das outras partes da
sociedade civil de modo a assegurar uma efetiva prestação de contas aos representados.
Assim, compreendemos que esses aspectos mencionados anteriormente podem contribuir
para enfraquecer a formação do interesse coletivo e comprometer o aproveitamento dessas
arenas políticas para uma boa governança e a inserção da sociedade na elaboração e controle
das políticas locais.

De acordo com os dados da pesquisa, o perfil geral dos membros do conselho mostra que 38%
possuem o 12° ano de escolarização completa, sendo que, maior número dos membros, 52%
possuem o ensino primário e o fundamental. Dos membros do conselho, 78% possuem
atividades profissionais remuneradas, ou são aposentados, ou recebem subsídio do governo,
como é o caso das autoridades tradicionais. Existe igualmente um número considerável de
mulheres, no total de 18%, que são donas de seu próprio negócio.

A baixa qualificação de grande parte dos membros do conselho como ilustra o estudo pode
operar como um fator que limita a sua atuação e expressão de opiniões relevantes técnica e
qualitativamente. Em contrapartida, a maior parte dos representantes do governo municipal
no conselho possui o ensino superior, o que mostra a existência de diferenças significativas no
grau de informação e de capacitação técnica e política entre os diversos grupos de atores que
interagem dentro do conselho.

No estudo, constatamos que, das 18 reuniões realizadas (que constam dos cronogramas
analisados) pelo conselho, 100% das matérias ou temas da pauta dos trabalhos foram
propostos pelo executivo municipal. Das decisões tomadas pelo órgão, 97% foram baseadas no
argumento e conhecimento técnico dos membros do conselho indicados pelo poder público, o
que pressupõe desigualdades na discussão dos assuntos e uma fraca tematização das
inquietações e autonomia decisória por parte dos membros do conselho que representam a
sociedade civil. Observamos que a atuação dos atores não-governamentais no conselho tende
a dificultar a possibilidade de se captarem demandas e se pactuarem interesses específicos dos
grupos sociais com menos acesso na articulação com o executivo municipal.

Essas fragilidades que caracterizam a constituição dos CLs podem influenciar de forma ampla a
capacidade de sua articulação política. Segundo o relatado nas entrevistas com atores da
sociedade civil do fórum provincial das ONGs, o modelo de participação adotado não
possibilita uma participação abrangente. Como exemplo, eles citam o fato de nenhuma
entidade filiada a esse fórum que representa os grupos geralmente excluídos integrar os CLs e
de não serem convidados a participar das reuniões de consulta comunitária promovidas na
cidade de Xai-Xai.

Com as outras duas alternativas de participação implementadas, a governação aberta e a


articulação entre gestores municipais e comunidade foram estabelecidas em 2005 e se
distinguem dos CLs. A primeira funciona como uma atividade governamental caracterizada
pela auscultação dos munícipes e apresentação pública dos resultados da implementação dos
projetos da governação municipal e o grau de cumprimento das promessas feitas no período
eleitoral. Ela compreende a realização de reuniões abertas à participação da população nos
postos administrativos duas vezes em cada ano. A segunda refere-se à prática de mobilização
da população para integrar os canais de resolução dos problemas nos bairros, que se
fundamentam na articulação entre os gestores municipais e a comunidade, por meio da
realização de doze reuniões públicas por ano.

Conforme salientado nas entrevistas, esses dois mecanismos de envolvimento das


comunidades desempenham um papel preponderante no processo de administração do
município, na medida em que se configuram como espaços de equilíbrio da vontade dos
governantes e dos interesses da população. Segundo os dados dos relatórios de governação
municipal, entre 2009 e 2013 participaram nas reuniões públicas promovidas 18.264
munícipes.

Os processos de interação neles promovidos implicam o envolvimento comunitário na


identificação de prioridades pelos cidadãos munícipes e sua incorporação pelo executivo
municipal no momento da definição dos planos governamentais a serem implementados
futuramente. A estratégia de participação da população funciona na verdade como uma ação
que se pretende complementar ao planejamento tecnocrático realizado, uma vez que as
metodologias adotadas não remetem automaticamente a momentos de deliberação das
políticas públicas pelos cidadãos. Portanto, o que vem desses mecanismos pode ou não ser
utilizado pelos responsáveis pelo planejamento municipal.

De acordo com as entrevistas, a identificação dos problemas que afetam as comunidades e


definição de prioridades de ação até pode vir da base, mas a solução nunca vem da mesma
base em termos de gestão. Por exemplo, as decisões sobre construção de dois supermercados
em 2010 e 2013 no centro da cidade não teve em consideração a relevância e necessidade de
implantação desse tipo de equipamentos nos bairros com maior número de habitantes.

Notamos, dessa forma, que a formulação e implementação das políticas municipais é feita ao
nível do topo, sem envolver muitas vezes os grupos ou cidadãos nelas interessados ou
diretamente afetados. Na prática, as ações governamentais chegam já prontas para serem
introduzidas nas comunidades sem, contudo, terem sido discutidas a partir das fontes, isto é,
nem com a população, nem ao nível dos CLs. Por exemplo, as medidas importantes sobre a
distribuição de espaços para habitação na região de Macanwine-Oeste, que servia para a
prática da agricultura familiar bem como, a implantação de reguladores de trânsito na zona da
cidade baixa em 2012 e 2013, respectivamente, não foram submetidas a amplos processos de
discussão nesses espaços de interação social.

Constatamos pelas entrevistas que os mecanismos de articulação estabelecidos estão mais


ligados à necessidade de ampliação da legitimidade política do governo municipal e das suas
ações de resposta às demandas sociais. Isso mostra que a participação na definição de
prioridades realiza-se quando os agentes públicos interagem com as comunidades para buscar
subsídios técnicos e informações para fundamentar sua agenda de planejamento realizado nos
“gabinetes”. Portanto, essas práticas de envolvimento dos cidadãos na gestão municipal
servem mais para sustentar as propostas técnicas dos orçamentos a serem executados nas
atividades que não foram a priori definidas com as comunidades beneficiárias.

Enfim, podemos afirmar que as práticas de gestão participativa implementadas no contexto


municipal de Xai-Xai não proporcionam automaticamente a constituição de um processo de
políticas públicas que se revela aberto à ação deliberativa através da sociedade, dos cidadãos.
Os mecanismos de participação cidadã apresentados no Quadro 2 têm funcionado somente na
fase de auscultação pública, visto que as preocupações e informações trazidas ou identificadas
durante as auscultações aos munícipes surgem muitas vezes depois de o plano ter sido
aprovado (ao longo do exercício das atividades de governação). Como o sistema de
planejamento utilizado atualmente não permite incorporar todas essas preocupações, até
mesmo nos planos subsequentes, a sua resolução é feita sem uma participação visível da
população.

Além disso, constatamos que o discurso sobre a GP baseado na ideia de interação social e na
governação aberta tem sido utilizado essencialmente para legitimar as decisões técnicas
previamente tomadas pelo poder público. Assim, a constituição desses espaços enfrenta
obstáculos para se estabelecer como alternativas efetivas de opinião e sobretudo de ação, por
meio das quais os atores da sociedade civil se inserem na agenda do governo municipal,
apresentando demandas e interesses da população que sejam transformados em projetos de
políticas públicas a serem implementados.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O propósito deste trabalho foi discorrer sobre o processo de institucionalização da GP em


Moçambique. Focalizamos o processo de envolvimento dos cidadãos na esfera municipal,
considerando, para o efeito, as experiências implementadas no município de Xai-Xai.
Destacamos que o estabelecimento das instâncias de participação social foi impulsionado pela
aprovação da CRM de 1990, que legitimou a constituição de espaços que permitem a
integração e colaboração entre os diferentes atores individuais ou coletivos, possibilitando a
gestão compartilhada entre o governo e a sociedade.

Com a aprovação, nos anos de 2003 e 2005, de diretrizes que regulamentam a participação da
sociedade, tem sido possível o estabelecimento desde 2006 de mecanismos de envolvimento
dos cidadãos que têm contribuído, de certo modo, para a redução das práticas clientelistas e
patrimonialistas que foram prevalecentes no período em que a gestão das políticas públicas
respeitava o modelo de administração pública centralista. Espera-se que as instâncias de
participação pública deem um novo ímpeto ao exercício da cidadania ativa e fortalecimento da
democracia participativa.

As ações da GP em Xai-Xai foram iniciadas em 2009. O estudo realçou tratar-se de um processo


que se mostra ainda desafiador, na medida em que suscita a construção de uma sociedade civil
organizada e capaz de se articular em torno das questões políticas de interesse local e, dessa
forma, estabelecer-se como ator que influencia, contesta e interfere positivamente no
processo decisório. Ela demanda por parte do governo um comprometimento maior em
relação ao potencial de ação que esses espaços apresentam para contribuir para a boa
governança, devendo ser aprimorados por meio de maior capacitação de seus membros
integrantes como forma de reduzir as assimetrias informacionais e assegurar uma integração
de qualidade entre os atores que neles interagem.

Especialmente em relação aos CLs, que são a forma mais importante de participação, importa
que seja assegurada a abrangência e maior representatividade dos grupos sociais que não têm
acesso a essas arenas de participação. Isto é, na sua constituição, os CLs ainda apresentam
falhas, que se configuram como limitações que interferem nos esforços de materialização dos
ideais da democracia participativa e da democracia deliberativa.

Os CLs são, no geral, consultivos e propositivos. Apenas em alguns casos dispõem de poder e
capacidade fiscalizadora em relação a alguns programas previamente definidos pelo executivo
municipal, sobretudo os relacionados à construção de fontes de abastecimento de água e à
gestão da terra. Eles não possuem caráter deliberativo e fiscalizador sobre a implementação
das políticas públicas, atuando apenas como um mecanismo que auxilia a viabilização da
liberação de verbas, e não se encontram integrados em todo o ciclo de planejamento de Xai-
Xai.

Eles exercem uma relativa pressão sobre algumas ações e projetos dos municípios cuja
definição ou formulação contaram com a sua participação e envolvimento, mas isso acontece
frequentemente apenas com os projetos relacionados ao PERPU. Doutro modo, as reuniões
promovidas ao nível desses fóruns de consulta pública contam em sua maioria com a
participação de cidadãos a título individual e, muitas vezes, com um número reduzido de
participantes que representam as organizações civis formais, que possuem maior força para
influenciar os assuntos discutidos por esses conselhos de participação social. Em conjunto,
essas limitações operam como constrangimentos e podem comprometer a efetividade da
ambicionada gestão democrática.  

Para pesquisas futuras sobre a GP no contexto municipal moçambicano, torna-se interessante


analisar as questões relativas à institucionalização da participação cidadã e as suas ligações e
impacto nos resultados das políticas públicas. Finalmente, outro aspecto fundamental a ser
explorado se relaciona ao aprofundamento da discussão sobre a efetividade dos conselhos
locais e as implicações na eficácia da ação governamental no nível local, aliada ao problema da
accountability tanta política quanto administrativa e, portanto, devendo-se avaliar em que
medida a GP favorece as relações políticas e o conteúdo da ação pública na gestão municipal.

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