Governação Participativa em Moçambique
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ivanbeck00@gmail.com
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1 INTRODUÇÃO
Vale destacar que, no âmbito das transformações políticas e institucionais verificadas nesse
período, foi aprovada a Lei n° 2/1997, de 18 de fevereiro, por meio da qual foram criados no
país os primeiros 33 municípios, e desde 1998 são eleitos periodicamente os respectivos
governos municipais. Atualmente existem em Moçambique 53 municípios. Na organização
administrativa do país, os municípios correspondem às circunscrições dos territórios das
cidades e vilas.
Especificamente os OPL têm como objetivos organizar a participação dos cidadãos na solução
dos problemas próprios da sua comunidade e promover o desenvolvimento local. Eles buscam
ampliar a cidadania e conscientizar a sociedade para tomar parte nos assuntos políticos que se
sucedem nesse nível. Portanto, o processo de participação pública visa colocar o cidadão como
um ator indispensável na tomada de decisões acerca dos assuntos que são considerados serem
de seu interesse e permitir uma maior interdependência e articulação entre os diferentes
atores sociais, de tal modo que seja garantida uma maior democratização da administração
pública.
Sob essa nova conjuntura de gestão pública, espera-se que práticas como o dirigismo, o
centralismo decisório e o planejamento tecnocrático, que ignoram a aspiração dos indivíduos
pela participação, transformem-se e que os novos padrões de articulação social promovidos
pela GP sejam introduzidos como uma alternativa para aprimorar a gestão pública. No
entanto, em paralelo a esses mecanismos participativos, emergem alguns questionamentos
sob pelo menos duas perspectivas indispensáveis: quais as proposições teóricas que embasam
a GP? Como ocorre a implementação da GP em Moçambique? Qual a dinâmica sociopolítica e
administrativa que caracteriza a participação cidadã no contexto municipal?
Este trabalho visa contribuir para a literatura sobre a GP com uma reflexão sobre como tem
decorrido a implementação de seus princípios, mecanismos e instrumentos, apresentando a
sua contribuição na promoção do envolvimento da sociedade no governo em um país com
baixos índices de desenvolvimento. O problema de pesquisa tratado é: em que extensão as
iniciativas de GP adotadas em Moçambique incluem os atores da sociedade nos processos
decisórios das políticas públicas na escala municipal? O objetivo é analisar os mecanismos de
GP concebidos na gestão municipal e suas implicações no processo de tomada de decisão das
políticas públicas locais.
O artigo é constituído por cinco partes. Na próxima, apresentamos uma discussão acerca da GP
e os seus desenvolvimentos teóricos recentes na literatura internacional. Na terceira,
apresentamos os procedimentos metodológicos utilizados para a construção deste artigo e
realizamos uma breve descrição da situação socioeconômica da unidade pesquisa, que é o
município de Xai-Xai. Em seguida, na quarta, apresentamos os resultados e a discussão da
análise efetuada. Finalmente, na última parte, tecemos algumas considerações e avançamos
possíveis desdobramentos para pesquisas futuras.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Nesta seção realizamos uma revisão da literatura sobre a GP. Inicialmente efetuamos o
enquadramento geral dos estudos sobre a temática destacando quatro perspectivas teóricas
que se ocupam da análise dos processos participativos. Em seguida, apresentamos as
concepções e os princípios que embasam a ideia de GP como mecanismo de envolvimento da
sociedade no processo decisório das políticas públicas. Expomos mais adiante algumas críticas
que são feitas a essa abordagem, ressaltando as limitações que são apontadas à sua
aplicabilidade no processo de gestão pública.
A despeito dessas abordagens, cabe destacar que a GP é, conforme Pateman (2012), uma
corrente em favor da democracia deliberativa, incorporando dela tópicos considerados
emergentes, tais como grupos de interesses e redes de políticas que vem alterar de forma
significativa a concepção e a natureza da administração pública e da gestão das políticas
públicas. Ela seria uma forma de restabelecimento da legitimidade do sistema político pela
criação de novos canais de participação e interação inspirados nas teorias que apelam para o
conceito da good governance, que enfatiza o estabelecimento de condições de
governabilidade e a gestão compartilhada e interinstitucional envolvendo os setores público,
produtivo e voluntário.
A GP é definida segundo Smith (2009) como um arranjo institucional que tem como finalidade
possibilitar a integração do público nos processos decisórios sobre as políticas públicas
permitindo, desta feita, a democratização do sistema político, o qual é conduzido dentro de
um espírito de deliberação e contestação de ideias que favorecem os resultados e a qualidade
das políticas públicas. De acordo com Speer (2012), ela se refere a um conjunto de arranjos
institucionais que têm por objetivo facilitar a participação de cidadãos comuns no processo de
desenho de políticas públicas, bem como a avaliação e o monitoramento dos gastos do
governo.
Portanto, ela estabelece instâncias de intervenção que vinculam a ação governamental com os
cidadãos por meio de relacionamentos nos espaços deliberativos que servem para envolver os
cidadãos, movimentos sociais e outros grupos de interesse no setor público, o que pode
garantir maior legitimidade às iniciativas governamentais. Nesse ponto de vista, a GP
englobaria tanto as visões que embasam a democracia participativa quanto as que defendem a
democracia deliberativa nos espaços públicos (fóruns locais, conselhos, consulta comunitária,
audiência pública, associações públicas, ente outros). Já a noção de democracia deliberativa
considera a inter-relação entre diferentes atores políticos e sociais, que, a partir de seus
valores e capacidades comunicativas, enfrentam o desafio do diálogo público com vistas à
construção de políticas públicas de um modo colaborativo.
A segunda implica, conforme Lüchmann (2006), que a deliberação incorpora a ideia de que as
escolhas políticas são legitimadas dentro de uma interação entre os agentes que possuem
direitos e liberdades iguais no exercício da cidadania, especialmente para influenciar as ações
governamentais. Portanto, a ação deliberativa considera a inclusão dos diferentes atores
sociais, a abertura do debate e a cooperação e o diálogo centrados na ampliação dos espaços
públicos e mecanismos de discussão coletiva passíveis de justificar e legitimar as decisões
tomadas.
Isso quer dizer que a criação de arranjos de GP configura uma forma de exercício coletivo do
poder político, que se realiza de acordo com Nabatchi e Amsler (2014) por meio do
engajamento direto no nível local de governo. Visto que a participação tende a ampliar a
presença de atores sociais de diversos tipos no âmbito da tomada de decisão das políticas
públicas, ela possibilitaria o aumento da cidadania por meio da inclusão de movimentos sociais
e atores socialmente excluídos, reduzindo dessa forma a tensão gerada pelo problema da
representação e da legitimidade políticas.
É dentro dessas concepções que Cornwall e Coelho (2007) explicam que em contextos
participativos a ação coletiva tende a ser possibilitada pelo interesse de abertura da
administração pública para a interação com novos atores da sociedade, mas também pela
capacidade de ação dos representantes da sociedade civil e pelo acesso à informação por
parte da população. Da mesma forma, em contextos deliberativos, a ação coletiva estaria
baseada na criação de estruturas de interação política em que os atores da sociedade são
percebidos pelo governo como importantes na discussão das políticas públicas, contribuindo
para fortalecer o interesse da coletividade e a legitimidade das iniciativas governamentais e
seus resultados.
Trata-se de uma desmonopolização dos processos decisórios pela realização de mudanças nas
formas tradicionais de administração, com a realização de transformações administrativas que
visam reduzir a intervenção técnica exclusiva da administração e o monopólio do poder
decisório dos burocratas e políticos para favorecer a intervenção coletiva e formação de redes
que ampliam o diálogo e a intervenção junto ao Estado. O fundamento central desses
argumentos, como destaca Gonzáles (2015), é que na abordagem participativa a interação
entre os cidadãos e o governo gera envolvimento efetivo nas etapas cruciais de tomada de
decisão das políticas públicas, elevando a confiança e a legitimidade.
Na mesma linha, Koch (2013) pontua que os arranjos institucionais engendrados pela GP
podem melhorar o papel político da sociedade civil e promovem a inclusão política,
favorecendo a formação de identidades coletivas que possibilitam uma efetiva partilha de
poder e de recursos que estão disponíveis. Esses espaços de participação têm um grande
potencial para gerar resultados positivos nas ações implementadas pela máquina pública, por
exemplo, consensos sobre os conteúdos da política pública local, orçamentos participativos,
prioridades de intervenção a considerar, entre outros aspectos.
A GP precisa, assim como defendem Bryson, Quick, Slotterback e Crosby (2012), ser vista sob a
ótica da realidade institucional em que ela é aplicada e considerar dimensões que têm sido
pouco exploradas por diversos estudos, como a história dos lugares e o ambiente sócio-
espacial. É necessário dar atenção aos contextos em que os desenhos institucionais de GP são
aplicados e reconhecer a existência de singularidades dos “lugares”, portanto, que existem
dimensões políticas/práticas, políticas/valores e geográficas que podem operar como barreiras
ou oportunidades para o estabelecimento das instâncias democráticas de participação na
esfera pública.
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Neste trabalho, empreendemos uma análise caracterizada como qualitativa, dado que o
problema de pesquisa demandou uma investigação de cunho descritivo e interpretativo
(Godoy, 2010). É um estudo de caso (Yin, 2005) selecionado pela sua pertinência teórica em
relação ao objetivo da pesquisa, e pela sua pertinência prática dado a possibilidade de se
aprender com as experiências referentes a GP nele evidenciadas.
A construção do estudo compreendeu duas etapas, nas quais utilizamos o método de Análise
de Conteúdo (AC) para os dados coletados. Segundo esclarece Bardin (2004), a AC permite
abranger as comunicações tanto verbais ou não-verbais quanto linguísticas, mas também
documentos, mediante procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das
informações obtidas, possibilitando a inferência de conhecimentos relativos às condições e
sentido das mensagens.
Através da AC, procedemos ao exame individual dos textos resultantes da transcrição das
entrevistas e buscamos descobrir neles conjuntos de significações com base em recortes e
agregação de frases e extratos das falas (consideradas pertinentes-significativas) dos
respondentes, em que são ressaltados ou descritos aspectos, elementos ou características que
traduzam o processo de participação pública implementado no município de Xai-Xai. Esses
conjuntos de significações se constituíram como os elementos do corpus da análise sobre o
qual classificamos as práticas de envolvimento dos cidadãos que foram adotadas. A partir
dessa classificação, realizamos a interpretação das experiências de participação pública
mediante um procedimento inferencial, conforme expressavam as formas pelas quais se dá GP
na realidade pesquisada.
De acordo com os dados do censo de 2007 (INE), a cidade possui 124.216 habitantes, que
representam uma distribuição irregular, constituída por uma pirâmide etária de base muito
larga, característica de uma sociedade onde predominam crianças e jovens (39% com menos
de 15 anos) e uma esperança de vida de 50 anos. A taxa anual de crescimento da população é
de 4%, e a mortalidade infantil é de 200/1000.
A agricultura é praticada na zona Peri Urbana por 70% da população como a atividade
econômica mais importante. Os restantes 30% da população estão envolvidos
majoritariamente no setor de serviços, distribuindo-se pelas atividades de comércio informal,
pequeno varejo, alojamento e restauração, mecânica-auto, prestação de serviços a empresas,
gráfica e artesanato (INE, 2007).
Observamos que, no contexto moçambicano, a GP foi estabelecida pelo governo por diretrizes
que preveem a articulação entre o Estado e as entidades da sociedade civil, por meio da cria-
ção e implementação de mecanismos de consulta e participação popular que estão voltados a
influenciar na elaboração da agenda e ações dos diferentes entes governamentais (municipais
e distritais). O Quadro 1 apresenta de forma resumida o enquadramento dado ao processo de
construção dessas instâncias de participação no país.
Descrição
As concepções e pressupostos da GP
- Participação da sociedade civil.
comunidades locais.
1. Conselhos Locais
2. Governação Aberta
3. Articulação Gestores
Municipais e Comunidade
Criação de práticas de participação que privilegiam a organização da população por meio de
conselhos locais (CLs) nos quatro postos administrativos municipais e um que representa a
cidade, que atuam como mecanismos para influenciar o processo de tomada de decisão sobre
os investimentos públicos e o financiamento dos projetos de desenvolvimento municipal.
Utilização de reuniões públicas como mecanismo voltado para resolução de problemas nos
bairros, identificados juntamente com a população e os decorrentes da implementação dos
programas e planos de ação do executivo municipal, representando forma de
acompanhamento das ações governamentais e intervenção direta dos vereadores e
representantes dos vários setores e departamentos.
A variedade de práticas participativas, conforme ilustrado acima, sugere que o poder público
municipal considera que elas podem contribuir para melhorar a sua articulação com a
sociedade e se enquadram na perspectiva de que o processo de envolvimento dos cidadãos
nas decisões administrativas não pode se restringir apenas a alguns grupos, devendo estar
aberto à ampla participação das pessoas nas decisões do governo. Podemos, assim, afirmar
que é uma abordagem que considera que participação democrática deve ser ampliada por
meio de múltiplas instâncias como forma de assegurar o exercício da cidadania e influência
sobre as políticas públicas locais.
Importa esclarecer que, inicialmente, essas duas normas instituíram as bases para a criação
dos CLs no contexto dos OLE e não dos OPL e definiram que os seus órgãos “asseguram a
participação dos cidadãos, das comunidades locais, das associações e de outras formas de
organização, que tenham por objeto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões
que lhes disserem respeito”. Pretendeu-se a formalização das arenas participativas como
mecanismo de influência das ações dos governos locais pela apresentação de opinião e
formação da vontade geral acerca das políticas públicas. As primeiras experiências de criação
de CLs nos OLE surgiram em 2006, e sua missão era basicamente colaborar com a preparação
de projetos de desenvolvimento local comunitário.
Conforme já foi assinalado, o objetivo é coproduzir a ação pública local por meio da inserção
de representantes das comunidades nas decisões municipais. Vale destacar, no entanto, que a
implementação pelo governo central nos dez municípios capitais provinciais do Programa
Estratégico para a Redução da Pobreza Urbana (PERPU) voltado para o financiamento das
iniciativas empreendedoras de cidadãos munícipes ou de grupos associados está por trás do
estabelecimento dos CLs na cidade. Conforme já foi assinalado, o objetivo é coproduzir a ação
pública local pela inserção de representantes das comunidades nas decisões sobre
O estabelecimento dos CLs está amparado no dispositivo normativo citado acima, e a escolha
dos seus representantes segue regras específicas para cada grupo de atores ou segmento
representado. Contudo, alguns atores importantes, como as autoridades tradicionais e os
dirigentes das várias unidades territoriais administrativas do município, já estão previamente
inseridos (por determinação da legislação) na composição dos conselhos que são constituídos.
Nesses termos, o CL da cidade de Xai-Xai é composto por 50 membros ou conselheiros. Desse
número, 41 são personalidades provenientes dos fóruns comunitários que são constituídos nos
quatro postos administrativos existentes no município. Eles são escolhidos dentre os
representantes dos comitês e grupos sociais locais que integram esses fóruns ao nível dos
diferentes bairros da cidade que compõem cada uma dessas quatro unidades territoriais
administrativas do município.
Portanto, de acordo com essa disposição, 34% são representantes da população que exercem
autoridade sobre as respectivas comunidades (os secretários de bairro); 4% são
individualidades que exercem poder no âmbito das instituições políticas tradicionais nas
comunidades (autoridades comunitárias, reconhecidas pelo governo municipal); 44% são
representantes de associações de comerciantes, agricultores, pecuaristas e de transportes
coletivos (sociedade civil); 6% são individualidades que exercem liderança religiosa na cidade
(autoridades religiosas) e, por fim, 12% são representantes designados pelo executivo
municipal (chefes de postos administrativos, diretores que exercem cargos governamentais e o
autarca).
O conselho é constituído por 64% de homens e 36% de mulheres, o que mostra uma
organização que respeita a cota de 30% estabelecida pela legislação que regulamenta a criação
das arenas de participação pública, como o mínimo a ser observado para a integração do
gênero nos CLs.
De acordo com os dados da pesquisa disponibilizados nas atas referentes ao ano de 2009
(período da constituição do conselho e inicio do 1° mandato), constatamos que a escolha dos
representantes do CLs decorreu em reuniões públicas e por indicação das autoridades
municipais. Nesse período, participaram na escolha dos membros dos CLs 1.784 cidadãos
munícipes, considerando as quatro reuniões constitutivas realizadas ao nível dos quatro postos
administrativos existentes. Consta que houve divulgação da realização dos encontros, não
sendo possível, no entanto, avaliar o grau, o alcance e os canais de publicização utilizados para
o efeito. Vale destacar que o número de participantes na escolha dos membros do conselho é
de um universo populacional de 124.216 habitantes da cidade.
Das reuniões realizadas nos postos administrativos municipais participaram 1.126 mulheres e
658 homens. Majoritariamente, 63% das mulheres participaram a título individual e não em
representação de algum grupo de interesse específico. Relativamente aos homens, apenas 7%
estavam associados a algum grupo de interesse. Destacamos, assim, que o reduzido grau de
associativismo e a baixa consciência e elevado desconhecimento da importância do exercício
da cidadania nos diferentes bairros onde esses atores são escolhidos funcionam como
restrições sociopolíticas relevantes à participação, podendo inclusive contribuir para
enfraquecer a representação política no âmbito dos dispositivos ou práticas adotadas.
Doutro modo, os dados da pesquisa mostram que composição do CL da cidade exclui várias
organizações civis formais (entidades patronais, sindicatos, movimentos sociais, instituições
acadêmicas e organizações não-governamentais), que possuem alguma força (visto que estão
mais bem organizados e têm alguma informação e domínio sobre o processo das políticas
públicas em áreas específicas) para influenciar os assuntos que são discutidos por esses
conselhos de participação na cidade.
Esses atores sociais estão excluídos e impossibilitados de participar das interações políticas e
contribuir para construção de um espaço público formado por atores diversificados e,
portanto, mais democrático e favorável à ocorrência do diálogo norteado pelos princípios do
processo deliberativo. Observamos que esses atores institucionais não foram convidados a
participar da escolha dos membros do CL da cidade, apesar da divulgação efetuada. Vale
assinalar que existe no conselho uma representação expressiva de secretários de bairro e
alguns grupos sociais que estão mais em sintonia com o governo municipal e que, em
conjunto, perfazem 78% dos membros da arena de participação constituída.
Relativamente aos membros dos CLs provenientes dos grupos de interesse formados
majoritariamente por segmentos como comerciantes, agricultores, pecuaristas e
transportadores de coletivos, verificamos que a sua escolha não está embasada na
competência e qualificação.
De acordo com as entrevistas, tais escolhas derivam do fato de esses atores sociais possuírem
uma relativa cultura associativa e experiência política favorecidas pela posição que ocupam na
articulação com as autoridades governamentais no âmbito da implementação das respectivas
políticas públicas setoriais. Contudo, essa forma de representação pode revelar um fraco
engajamento desses grupos sociais na condução de propostas e ações que traduzam os
interesses das comunidades locais, assim privilegiando apenas a defesa de interesses dos
grupos representados.
Verificamos igualmente que esses grupos não estão vinculados às bases das outras partes da
sociedade civil de modo a assegurar uma efetiva prestação de contas aos representados.
Assim, compreendemos que esses aspectos mencionados anteriormente podem contribuir
para enfraquecer a formação do interesse coletivo e comprometer o aproveitamento dessas
arenas políticas para uma boa governança e a inserção da sociedade na elaboração e controle
das políticas locais.
De acordo com os dados da pesquisa, o perfil geral dos membros do conselho mostra que 38%
possuem o 12° ano de escolarização completa, sendo que, maior número dos membros, 52%
possuem o ensino primário e o fundamental. Dos membros do conselho, 78% possuem
atividades profissionais remuneradas, ou são aposentados, ou recebem subsídio do governo,
como é o caso das autoridades tradicionais. Existe igualmente um número considerável de
mulheres, no total de 18%, que são donas de seu próprio negócio.
A baixa qualificação de grande parte dos membros do conselho como ilustra o estudo pode
operar como um fator que limita a sua atuação e expressão de opiniões relevantes técnica e
qualitativamente. Em contrapartida, a maior parte dos representantes do governo municipal
no conselho possui o ensino superior, o que mostra a existência de diferenças significativas no
grau de informação e de capacitação técnica e política entre os diversos grupos de atores que
interagem dentro do conselho.
No estudo, constatamos que, das 18 reuniões realizadas (que constam dos cronogramas
analisados) pelo conselho, 100% das matérias ou temas da pauta dos trabalhos foram
propostos pelo executivo municipal. Das decisões tomadas pelo órgão, 97% foram baseadas no
argumento e conhecimento técnico dos membros do conselho indicados pelo poder público, o
que pressupõe desigualdades na discussão dos assuntos e uma fraca tematização das
inquietações e autonomia decisória por parte dos membros do conselho que representam a
sociedade civil. Observamos que a atuação dos atores não-governamentais no conselho tende
a dificultar a possibilidade de se captarem demandas e se pactuarem interesses específicos dos
grupos sociais com menos acesso na articulação com o executivo municipal.
Essas fragilidades que caracterizam a constituição dos CLs podem influenciar de forma ampla a
capacidade de sua articulação política. Segundo o relatado nas entrevistas com atores da
sociedade civil do fórum provincial das ONGs, o modelo de participação adotado não
possibilita uma participação abrangente. Como exemplo, eles citam o fato de nenhuma
entidade filiada a esse fórum que representa os grupos geralmente excluídos integrar os CLs e
de não serem convidados a participar das reuniões de consulta comunitária promovidas na
cidade de Xai-Xai.
Notamos, dessa forma, que a formulação e implementação das políticas municipais é feita ao
nível do topo, sem envolver muitas vezes os grupos ou cidadãos nelas interessados ou
diretamente afetados. Na prática, as ações governamentais chegam já prontas para serem
introduzidas nas comunidades sem, contudo, terem sido discutidas a partir das fontes, isto é,
nem com a população, nem ao nível dos CLs. Por exemplo, as medidas importantes sobre a
distribuição de espaços para habitação na região de Macanwine-Oeste, que servia para a
prática da agricultura familiar bem como, a implantação de reguladores de trânsito na zona da
cidade baixa em 2012 e 2013, respectivamente, não foram submetidas a amplos processos de
discussão nesses espaços de interação social.
Além disso, constatamos que o discurso sobre a GP baseado na ideia de interação social e na
governação aberta tem sido utilizado essencialmente para legitimar as decisões técnicas
previamente tomadas pelo poder público. Assim, a constituição desses espaços enfrenta
obstáculos para se estabelecer como alternativas efetivas de opinião e sobretudo de ação, por
meio das quais os atores da sociedade civil se inserem na agenda do governo municipal,
apresentando demandas e interesses da população que sejam transformados em projetos de
políticas públicas a serem implementados.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a aprovação, nos anos de 2003 e 2005, de diretrizes que regulamentam a participação da
sociedade, tem sido possível o estabelecimento desde 2006 de mecanismos de envolvimento
dos cidadãos que têm contribuído, de certo modo, para a redução das práticas clientelistas e
patrimonialistas que foram prevalecentes no período em que a gestão das políticas públicas
respeitava o modelo de administração pública centralista. Espera-se que as instâncias de
participação pública deem um novo ímpeto ao exercício da cidadania ativa e fortalecimento da
democracia participativa.
Especialmente em relação aos CLs, que são a forma mais importante de participação, importa
que seja assegurada a abrangência e maior representatividade dos grupos sociais que não têm
acesso a essas arenas de participação. Isto é, na sua constituição, os CLs ainda apresentam
falhas, que se configuram como limitações que interferem nos esforços de materialização dos
ideais da democracia participativa e da democracia deliberativa.
Os CLs são, no geral, consultivos e propositivos. Apenas em alguns casos dispõem de poder e
capacidade fiscalizadora em relação a alguns programas previamente definidos pelo executivo
municipal, sobretudo os relacionados à construção de fontes de abastecimento de água e à
gestão da terra. Eles não possuem caráter deliberativo e fiscalizador sobre a implementação
das políticas públicas, atuando apenas como um mecanismo que auxilia a viabilização da
liberação de verbas, e não se encontram integrados em todo o ciclo de planejamento de Xai-
Xai.
Eles exercem uma relativa pressão sobre algumas ações e projetos dos municípios cuja
definição ou formulação contaram com a sua participação e envolvimento, mas isso acontece
frequentemente apenas com os projetos relacionados ao PERPU. Doutro modo, as reuniões
promovidas ao nível desses fóruns de consulta pública contam em sua maioria com a
participação de cidadãos a título individual e, muitas vezes, com um número reduzido de
participantes que representam as organizações civis formais, que possuem maior força para
influenciar os assuntos discutidos por esses conselhos de participação social. Em conjunto,
essas limitações operam como constrangimentos e podem comprometer a efetividade da
ambicionada gestão democrática.
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