Curso de Apologética - Apendice1
Curso de Apologética - Apendice1
Curso de Apologética - Apendice1
Até um célebre religioso tentou demover o Santo de sua vocação, mas não o conseguiu
Num instante viu dom José desmoronarem-se todos os cálculos e ilusões de sua
vida. Não agüentava mais. Escureceram-se-lhe os olhos e, sem articular uma palavra,
retirou-se; mas não se deu por vencido. [...]
Tomou o carro e foi visitar poderosos seculares e distintos Sacerdotes, amigos de
Afonso. Alguns prometeram-lhe que tentariam dissuadir o advogado de sua apressada
resolução.
Até um célebre religioso pôs a serviço de dom José sua influência e seu renome.
O Comandante voltou para casa cheio de esperanças. Curto, porém, muito curto foi o seu
gozo. A todos os argumentos, fossem lá de quem fossem, Afonso respondia:
— Deus me chama... Não posso resistir-lhe...
Aquele que triunfara do filho, acabava de triunfar também do pai. Dom José cedia,
mas com uma condição: Afonso não iria para nenhum convento; continuaria vivendo com
sua família. Afonso, por sua vez, dirigido pelo padre Pagano, cedeu.
A 27 de outubro de 1723, o herdeiro dos Ligórios trocava suas luxuosas vestes de
nobre cavaleiro pela humilde veste clerical. O pai, embora houvesse consentido, durante
um ano inteiro, não quis ver o filho. Se, às vezes, o encontrava em seu caminho, soltava
gemidos de dor e afastava-se.
Anos mais tarde, ao passar diante de uma igreja, ouviu a voz do pregador. Crendo
ser a voz do filho, entrou, e, oculto no meio da multidão, sentiu-se pouco a pouco
comovido por aquela palavra insinuante e impregnada de sobrenatural unção. Ali mesmo
inclinou sua fronte altiva e chorou. Quando Afonso, naquela tarde, voltou para casa,
encontrou-se na porta com dom José que o esperava.
— Filho... meu filho — disse-lhe o ancião abraçando-o com ternura — meu filho,
ensinaste-me a conhecer a Deus... Graças pela vocação que te deu. Deus te abençoe! [...]
(Pe. José Montes CSSR, Afonso Maria de Ligório, o Cavaleiro de Deus, Vozes,
Petrópolis, 1962, pp. 24 a 26, 28, 37-38 / Imprimi potest: Pe. José Ribolla CSSR, Superior
Provincial, São Paulo, 2-8-1961).
Perseguições aos santos
Fabio Ciardi, Los fundadores hombres del Espíritu, Ediciones Paulinas, Madrid, 1983, pp. 250 a 253:
Contra Santo Inácio de Loyola, oito processos
As novidades que Santo Inácio traz à vida religiosa não são menos evidentes que
as de São Francisco, e também não podiam deixar de suscitar oposições. Basta notar os
oito processos que sofreu antes da fundação da Ordem (Inácio os enumera claramente a
D. João III, Rei de Portugal, em 15 de março de 1545).
Somente o último processo se refere diretamente a toda a nascente Companhia,
mas também os outros têm relação com ela; sem dúvida, não tanto no que diz respeito a
sua estrutura quanto, indiretamente, no que toca às idéias e modalidades operativas que
haverão de ser sua alma. O modo e o próprio fato de dar os Exercícios, o estilo de vida
que leva com os discípulos em Alcalá, Salamanca e Paris, assim como o conteúdo da
pregação que faz em Roma, tornam-no muitas vezes suspeito aos olhos da Inquisição,
seja de formar parte da seita dos Iluminados, seja de professar o luteranismo. [...]
Sem embargo, assim como Francisco encontrou um Giovanni Colonna que lhe
abriu o caminho, Inácio encontrou o Cardeal Gaspar Contarini, seu discípulo nos
Exercícios, que o compreende e aplana o caminho da aprovação. E, sobretudo, um
Pontífice que reconhece a origem carismática da obra. 'Spiritus Dei es hic', ou 'digitus
Dei est hic', teria dito Paulo III com uma frase que permaneceu célebre. [...] Com idêntica
força confirmará nos documentos oficiais o reconhecimento da inspiração do Espírito na
fundação da Companhia. Ademais, vê na nova Ordem a resposta para as necessidades de
reforma da Igreja. Também posteriormente, em múltiplos atos de estima e nos favores
que outorga à Companhia, o Papa mostra que reconhece seu carisma.
William Thomas Walsh, Santa Teresa de Ávila, Espasa-Calpe S.A., Madrid, 1960, 3ª ed., pp. 236 a 246:
O povo de Ávila não se teria sublevado tanto se se tivesse descoberto um inimigo
estrangeiro oculto dentro das muralhas da cidade.
Pensar que uma freira quisesse obter sua liberdade por meio de um pretexto
inconsistente e utilizá-la para organizar um mosteiro ridículo, que não era outra coisa
senão um esconderijo e um insulto para o (mosteiro) da Encarnação e todos os que com
ele eram relacionados, sem falar das pessoas da cidade que teriam que sustentar a ela e às
que haviam sido bobas para segui-la, era algo que ultrapassava as medidas. Aquela mulher
presunçosa, desleal, desobediente e despeitada fizera cair a desgraça de cheio sobre o
convento, sobre suas moradoras e sobre toda a ordem carmelitana. Tais eram as coisas
que corriam de boca em boca e que os parentes repetiam a partir do exterior às freiras de
dentro, e estas à Superiora. [...]
Ávila era uma (cidade) quase mais levítica do que católica, pois toda família de
verdadeira importância tinha um ou mais de seus membros em algum dos conventos que
ali existiam. Precisamente porque o povo gostava da religião e não a odiava, é que
perseguiam Teresa.
Não era apenas porque o convento teria que ser mantido por suas contribuições,
mas antes porque já havia um excessivo número deles pertencentes a todas as grandes
ordens; e para as muitas freiras e seus parentes em quase todas as casas da cidade, o abrir
um novo convento se lhes afigurava desnecessário, e até insultante. E aquele segredo com
que se levara a cabo (a fundação) fazia tudo parecer muito suspeito. [...] A classe das
pessoas mais ilustres e respeitáveis [...] era a que dirigia o ataque. [...]
Os regedores e letrados da cidade reuniram-se e designaram a Alonso Yera e
Perálvarez Serrano para que visitassem de parte deles o senhor Bispo para pô-lo ao
corrente do que pensava a cidade acerca do ultraje que se havia descoberto, e que, se fosse
o caso, se apelasse a Felipe II e ao Real Conselho de Castela. Em uma terceira reunião
[...] fizeram os planos necessários para congregar todos os chefes da opinião pública da
cidade em uma junta magna no Concelho, no dia seguinte; junta para a qual também foi
convidado o Bispo.
Foi uma imponente e solene assembléia a que se reuniu no Domingo após a Missa,
e a cidade não teria podido realizar, caso estivesse ameaçada por uma inundação, ou pela
peste, ou por uma invasão, uma demonstração de maior importância do que a promovida
por causa daquelas pobres cinco mulheres que só pediam que lhes deixassem rezar e
comer o pouco que podiam.
Tudo quanto em Ávila havia de antiga nobreza, de religioso estava representado
naquela colorida multidão. Nela tinha assento o licenciado Brizuela, representando e
atuando como provisor do Bispo, bem como os oficiais da cidade vestidos com seus
brilhantes trajes adornados de ouro. O Cabido da catedral estava representado pelos
Cónegos Pérez Soria e o Arquidiácono Sedano. O convento dominicano de São Tomás
enviou vários delegados, entre os quais o Prior Padre Pedro Serrano e o jovem teólogo
Padre Domingo Bánez. Em nome dos Franciscanos encontravam-se presentes o Padre-
guardião, Martin de Aguirre, e o Padre Hernando de Valderrábano; pelos Premonstraten-
ses, o Abade, Francisco Branco, e o pregador; pelos Beneditinos, o Abade dom Pedro de
Antoyano e um dos Frades; pelo colégio de São Gil (dos Jesuítas), o Padre Baltasar
Álvarez e o Padre Jerônimo Ripalda. Assistiram também o mestre Daza e outros
Sacerdotes letrados e cavaleiros leigos das melhores famílias da cidade de Ávila.
Uma vez sentados e em silêncio, o corregedor abriu a sessão. [...] Assim disse:
[...]
«É matéria para todos notória, a inovação surgida nesta cidade outro dia em forma
de um convento de Carmelitas Descalças. E o mero fato de constituir uma inovação basta
para fazer ver claramente o perigoso e detestável que é. A confusão que produz na coisa
pública, as inteligências que perturba, as línguas que desata, as murmurações que
fomenta, as desordens que engendra [...] tudo isto, quem o ignora? E, assim sendo,
considerando o que em geral acontece com toda inovação, torna-se a presente a mais
perigosa de todas, já que leva a máscara e o manto de uma piedade maior. Permitir que
se multipliquem os conventos e as Ordens religiosas não aumenta o bem comum |...] já
que, afinal de contas, o que é dado a um convento é subtraído ao resto da cidade. [...]
Quase todos aprovaram as razões do corregedor, sem sequer tomar o trabalho de examiná-
las... E ninguém se atrevia a defender a verdade
O corregedor manteve seus pontos de vista e inquiriu a opinião dos demais. Quase
todos aprovaram plenamente suas razões, sem sequer tomar o trabalho de examiná-las,
como diz a Crônica Carmelitana.
Outros, de idéias duvidosas ou contrárias, ficaram silenciosos, sem atrever-se a
defender publicamente a verdade; debilidade muito própria das comunidades em que o
interesse egoísta é freqüentemente anteposto ao bem público justamente por aqueles que
estão mais obrigados a defendê-lo, e que têm sobeja autoridade para fazê-lo.
Foi aumentando a indignação geral contra Santa Teresa, e apareceram outras acusações
igualmente sem consistência
Com um discurso atrás do outro, foi aumentando a indignação geral contra as
Carmelitas, e de maneira tão violenta que Teresa se surpreendeu, ao ouvi-lo dizer, de que
não tivessem ido todos, numa turba desenfreada, destroçar sua pequena morada.
Além da acusação geral de que havia prejudicado os outros seis conventos de
Ávila e, por meio deles, a toda a comunidade e em especial aos pobres, alegou-se que sua
fundação sobre a base da pobreza contradizia o espírito do Breve pontifício, que havia
permitido um dote, assim como que tal Breve não tinha sido apresentado à Sua Majestade
e ao Real Conselho de Castela para aprovação. Os homens práticos fizeram observar, por
seu lado, que a casa estava sujeita a um imposto que a cidade não devia perder. Argüiam
outros que se tinha causado um prejuízo material a toda a comunidade por algumas
ermidinhas que tinham começado a se erigir em cumprimento de sua ambição infantil, e
que um de tais retiros ia privar da luz do sol uma construção em arco debaixo da qual se
recolhiam as águas de vários mananciais para o uso público; pelo que a água ia gelar no
inverno e, por conseguinte, não seria possível utilizá-la. [...]
No conjunto, a reunião [...] foi a mais solene que se podia ter celebrado no mundo,
como se nela tivessem estado em jogo a perda ou a segurança da Espanha... Concordaram
todos em que seria um bem que desaparecesse o mosteiro.
Teresa escreveu mais tarde a tal respeito: 'Espantava-me do que o demônio fazia
contra umas mulherzinhas, e como lhes parecia a todos que era um grande dano para o
lugar apenas doze mulheres e a prioresa... e de vida tão estreita. [...]
Tem-se o testemunho dela mesma (Santa Teresa) de que o seu único defensor foi
um dominicano; e é coisa inteiramente certa que foi Frei Domingo Bánez, professor de
teologia no convento de São Tomás.
O Padre Bánez, destinado a ser um dos teólogos mais prestigiosos de seu século,
e a sustentar a célebre polêmica com os Padres jesuítas Molina e Suárez, sobre o livre-
arbítrio — discussão ainda de pé — era naquele tempo homem de trinta e quatro anos de
idade. [...]
No ano de 1561, fora enviado a Ávila, para ensinar teologia. Na sua Ordem gozava
da fama de ser um pensador tão profundo como arguto, e ao mesmo tempo humilde, afável
e de grande discrição, muito dado à oração e às mortificações. Ao assistir com os outros
Dominicanos à tal famosa junta, não conhecia ainda Teresa, mas [...] teve a coragem de
levantar-se sozinho para defendê-la, sem considerar que os restantes membros de sua
própria Ordem permaneciam discretamente calados. Disse:
«Talvez pareça temerário opor-me a tantas e tão graves pessoas e a raciocínios tão
bem expressos. Mas, se minha consciência me assegura e me obriga mais do que a de
outros a tomar parte numa discussão livre como esta, não posso deixar de declarar o que
ela me dita em favor do novo mosteiro das Carmelitas Descalças.
«Meu testemunho estará pelo menos isento de toda a paixão, pois até o momento
presente jamais falei com a fundadora e nunca a vi, nem tratei de sua fundação em nenhum
sentido.
«Admito que se trata de algo novo e, como tal, produziu os efeitos que toda
inovação costuma produzir nas multidões. Mas isso não é razão para que também os
produza nos conselhos graves e prudentes, já que nem toda inovação é repreensível. Por
acaso foram as outras Ordens religiosas fundadas de outra maneira? Por acaso as reformas
que vemos dia a dia e as que viram nossos antepassados não nasceram quando menos se
pensava? Por acaso a própria Igreja cristã não foi reformada pelo próprio Cristo? É bem
certo que nada dela, por excelente que fosse, poderia ser melhorado se todos nos
submetêssemos covardemente ao medo da inovação.
«O que se implanta para a maior glória de Deus e para a reforma dos costumes
não deve ser chamado de inovação ou invenção, mas renovação da virtude, que é sempre
velha. [...] A inovação que se opõe à virtude e ao melhor serviço de Deus, senhores, é
verdadeiramente repreensível. O convento das Carmelitas recentemente fundado é uma
restauração do que se tinha perdido, para o melhoramento dessa santa Ordem e a
edificação da gente cristã. E, assim sendo, deveria ser mais bem favorecido,
especialmente pelos chefes das cidades cristãs, a quem incumbe fomentar tais atos dignos
de louvor. Oxalá muitos possam imitá-lo! Oh! quanto louvor mereceria Ávila, e todos os
nossos reinos, e toda a Igreja, se seguíssemos os passos dessa heróica virgem! [...]
"Que é isto, senhores? São quatro pobres freiras a causa de tamanha perturbação em
Ávila?"
«Se homens vãos e viciosos não são considerados temerários, por mais que se
multipliquem, por que hão de ser tidos e perseguidos como tais aqueles que seguem a lei
da virtude? Repletas estão as cidades de gente perdida, fervilham as ruas de homens
ociosos, insolentes e atrevidos, de rapazes e moças entregues ao vício; e a nenhum deles
se lhe considera temerário, nem há quem se dê ao trabalho de remediá-lo; e apenas quatro
pequenas freiras metidas em um canto, a encomendar suas almas a Deus, hão de ser
consideradas como um grave prejuízo e uma carga intolerável para a coisa pública? E é
isto o que perturba e conturba a cidade? E há assembléias que o tomem em consideração?
Que é isto, senhores? Por que nos reunimos aqui? Que exército inimigo assedia esta
cidade? Que peste a consome? Que fome a aflige? Que ruína a ameaça? São quatro pobres
freiras descalças, silenciosas, virtuosas, a causa de tamanha perturbação em Ávila?
O que pensar de uma cidade que faz reunião tão solene para assunto de tão pouca monta?
«Seja-me permitido dizer que o prestígio de uma cidade tão importante parece
menor quando realiza uma reunião tão solene para assunto de tão pouca monta. [...]
«Este novo convento foi estabelecido com o conhecimento e o conselho do Bispo
e, o que é mais ainda, por um Breve especial da Sé Apostólica. De sorte que está
completamente fora da jurisdição secular. E, por fim, senhores e Padres, eu não posso de
nenhum modo concordar com que o mosteiro seja suprimido por ordem da cidade; mas,
se houver algo contra ele e se houvesse razão para suprimi-lo, o senhor Bispo, a quem
correspondeu estabelecê-lo, deve ser informado e consultado».
A voz do bom senso fez baixar um tanto os ânimos exaltados; mas não impediu que
prosseguissem as maquinações contra a Santa
Estas francas palavras tinham forçosamente que produzir efeito em uma reunião
de católicos sinceros, se bem que exaltados; e o fato foi que triunfou ali a razão contra os
preconceitos quase unânimes. A assembléia votou que se fizesse uma proposição pedindo
que fosse consumido o Santíssimo Sacramento em São José (o convento de Santa Teresa)
e se fechasse o local, consultando o Bispo antes de dar qualquer outro passo.
O Bispo se manteve do lado de Teresa. O mestre Daza, representando-o, na
segunda reunião magna, fez saber à cidade que o convento havia sido estabelecido pela
autoridade episcopal em conformidade com uma permissão do Papa, e que ele mesmo,
que proferia aquelas palavras, presidira à cerimônia de inauguração e dissera ali a
primeira Missa. Isso não satisfez aos chefes da oposição, e o Concelho da cidade enviou
a Madrid Alonso de Robledo, com o estipêndio de um ducado por dia, para que
apresentasse suas queixas ao Conselho Real. Partiu de Ávila no dia 12 de setembro e
esteve de volta dez dias depois. Imediatamente após sua chegada reuniu-se novamente o
Consistório e decidiu persistir na luta. Com tal escopo enviaram Diego de Villena a
Madrid, onde permaneceu cinqüenta dias, presumivelmente estudando as leis e expondo
razões para que se fizesse desativar o convento.
1
SEC t, I p. 123
que ela pudesse atirar tão rapidamente às chamas aquele admirável escrito «que nada
continha contra a nossa fé».2
Era conhecer muito mal quanto a Madre se alegrava em obedecer e a sua total
ausência de amor próprio de autor.
Todavia o texto foi salvo: uma das «metediças» tinha copiado o manuscrito, às
escondidas. Teresa julgava-o destruído e não pensou mais nele.
2
t. IV p. 54-55
3
MJ ct SEC t. VI, p. 243
4
MJ ct SEC t. VI, p. 432
5
LO t. VI c. XXX art. I.
atenção. Lançavam-se em rosto às pobres Religiosas a sua mesma pobreza: como não
tinham véus que chegassem para todas, quando se apresentavam na grade da comunhão,
passavam-nos umas às outras, o que foi interpretado pela noviça espia como «um
cerimonial».
Depois de terem comungado voltavam-se para a parede, para se recolherem, pois
que a grade da comunhão ficava num pátio onde o sol dardejava intensamente: outro rito
suspeito.
Afirmava-se que a Madre obrigava as Religiosas a confessarem-se com ela...
Teresa de Jesus recordava-se da noviça manhosa que caminhava em bicos de pés e
empurrava muitas vezes a porta, como por engano, quando ela conversava com uma ou
outra das suas filhas, segundo um costume querido a todas. E que mais se dizia ainda? As
Carmelitas reformadas — afirmava-se — ligavam-se umas às outras, de pés e punhos
atados, e flagelavam-se mutuamente... «Prouvera a Deus que não dissessem mais nada!»
acrescentava Maria de S. José.
Nesse dia os inquisidores saíram como tinham entrado, causando grande decepção
ao povo que contava ver sair com eles aquelas freiras vindas do Norte. Mas nem por isso
era menos grave a situação. Suspensão de processo apenas significava falta de provas
flagrantes e aquele tribunal esforçava-se sempre por alcançá-las.
6
CTA LXXXVII
7
CTA CLXXXIV
A Madre relata os factos com imensa vivacidade e frescura; vê-se que, apesar do
seu tormento, aquela mulher de espírito não podia deixar de se rir da cólera ridícula dum
homem grave:
«... Como se nada fosse com elas cinquenta e cinco Religiosas votaram em mim.
Cada vez que lhe entregavam um voto, o Provincial excomungava e amaldiçoava;
amarfanhava o bilhete, batia-lhe com o punho em cima e queimava-o. Há quinze dias que
estão excomungadas; nem sequer têm direito de entrar no coro, mesmo quando não se
está a celebrar o ofício divino; ninguém pode falar-lhes, nem os confessores nem os
próprios pais.
«O mais bonito do caso foi que no dia seguinte a estas eleições feitas a martelo —
elecciones machacadas — o Provincial voltou e ordenou-lhes que tornassem ao princípio.
Elas responderam que não havia razão para isso, pois que já tinham votado. Vendo isto
excomungou-as outra vez, chamou as restantes, em número de quarenta e quatro, mandou
eleger outra Prioresa e submeteu a escolha à confirmação de Tostado.
«Assim se fez, mas as outras mantêm-se e afirmam que só obedecerão àquela
Prioresa na qualidade de Vigária.
«Eis, em resumo, o que se passou. Todos estão pasmados com tão grave ofensa.
Pelo que me toca, não tenho o menor desejo de me ver em tal Babilónia...».8 [...]
Os confessores, a quem as excomungadas não tinham direito de falar, eram o P.
João da Cruz e o P. Germano de São Matias. [...]
Toda a cidade comentava com indignação:
...Levaram-nos para a cadeia como malfeitores...
...Vergastaram-nos por duas vezes e infligiram-lhes os piores tratamentos que se
possam imaginar...
...Maldonado arrastou o P. João para Toledo...
...O Prior dos Calçados, de Ávila, tomou à sua conta o P. Germano que cuspia
sangue: houve quem visse...
São ambos uns santos...
...O P. João deixou-se apanhar como um cordeiro...
...Pela manhã conseguiu escapar-lhes...
— Conseguiu escapar? Fugiu? Está salvo?
O coro do povinho tremia de respeito:
— Não fugiu para evitar o martírio; foi para voltar à casita, ao pé da Encarnação
e fazer desaparecer papéis a respeito da reforma. Fechou-se à chave e, enquanto os
Calçados lutavam contra a porta, engoliu ele os documentos que não podia destruir doutra
maneira.
Foi um frémito de angústia na cidade:
— E depois?...
— Depois entregou-se...
No próprio dia enviou uma carta ao Rei, ou antes veementes intimativas. [...]
Pela primeira vez ficava sem resposta uma carta da Madre Teresa de Jesus ao rei
de Espanha.
Filipe II calava-se, mas o demónio lutava.
Noite de Natal de 1577. Um golpe de vento infernal apagou a candeia que Teresa
de Jesus levava na mão quando descia uma escada para se dirigir à capela; faltou-lhe um
pé, caiu e partiu o braço esquerdo.
— Era bem pior o que o demónio queria fazer-me, disse ela.
8
CTA CXCVIII
E ofereceu os seus sofrimentos pela salvaguarda daquele «santinho que era Frei
João».
Fim da tempestade
No final do pontificado de Paulo IV, por volta de 1558, Filipe (São Filipe Néri)
teve que sofrer perseguição. Alguns acusavam-no de fomentar uma seita à parte, de criar
conventículos cuja independência expunha à heresia.
Na noite de 28 para 29 de agosto de 1558, em que se perseguiam os monges
apóstatas, Filipe foi importunado em sua residência.
Trataram-no de ambicioso, de fautor de novidades, durante uma investigação de
várias horas. Depois, teve que comparecer perante o tribunal da Inquisição, onde tinham
aberto um inquérito sobre seus procedimentos sob o estímulo do cardeal Rosário.
P. Pr. Victorino Osende, Santa Rosa de Lima, Pluma Fuente, Lima, 4a. ed., pp. 30, 31, 34, 38, 39 e 52:
Chama realmente a atenção como Rosa, sendo tão santa e favorecida pelo Céu,
pôde ser tão perseguida e maltratada por pessoas que eram sinceramente cristãs e que
estavam muito longe de ser inimigas, como sua própria mãe. A explicação é a que já
indicamos. Rosa não estava então canonizada, nem havia sido proclamada Patrona do
Novo Mundo. Era uma pobre e humilde donzela, que se esforçava por seguir as pegadas
do Divino Cordeiro, fugindo da vaidade e do mundo, e levando uma vida oculta e
escondida com Deus, em Jesus Cristo. Sua mãe nada compreendia dessas coisas, e estava
multo longe de vislumbrar o futuro que estava reservado a sua filha. Por isto, tudo o que
via de estranho e singular em sua vida, o atribuía a manias, ilusão ou fanatismo devoto; e
se porventura alguma vez, diante da realidade e da evidência dos fatos, caía em si e
reconhecia seu procedimento injusto, rapidamente a paixão e o mau humor que a
dominavam voltavam a cegar-lhe, e faziam ruir seus bons propósitos...
Rixas, desprezos, pancadas e maus tratos choviam a cada passo sobre a tímida e
inocente virgem, a quem nem sua delicadeza nem suas lágrimas podiam defender dos
furiosos ataques de sua Iracunda mãe. Quem ouvisse Maria de Oliva durante esses
acessos, a consideraria a mulher mais Infeliz do mundo por ter uma filha como Rosa. Esta
era, segundo a. mãe, uma hipócrita, farsante, que procurava enganar todo mundo com
embustes e encantamentos, uma beata perversa e dissimulada, que queria fazer-se passar
por santa, quando não era mais do que um monstro de orgulho que se obstinava era
prosseguir com seus caprichos, mofando-se de sua mãe e de todo mundo.....
Nem faltaram diretores desavisados e imprudentes, pouco versados nos caminhos
interiores da perfeição, que sem experiência dos princípios e da sólida virtude de Rosa,
censuravam sem maior exame sua conduta, atribuindo-a a causas muito distantes da
verdade e da Justiça. Levando adiante suas opiniões, arrojadamente tentavam persuadir a
Santa virgem que seu modo de viver estava fora das regras, que caminhava sem
segurança, seguindo unicamente o seu arbítrio e seus caprichos, nascidos do destempero
de seus humores e da debilidade de seu cérebro, em virtude de muitos jejuns e austerida-
des. Estas e outras opiniões expostas em público fomentavam sem dúvida os caprichos
de Maria de Oliva, tornando seu natural mais insuportável, e seriam suficientes para
desanimar a quem não tivesse o espírito de Rosa...
Santa Rosa sofreu a oposição e a perseguição mais rancorosa durante oito ou dez
anos, da parte do mundo, de sua família, e, o que é pior, de alguns maus ministros do
santuário, que é o último e mais poderoso recurso de que o demónio lança mão para fazer
vacilar as almas e torná-las infiéis a Deus e à sua vocação.
J. M. Texier, São Luís Maria Grignion de Montfort, Vozes, Petrópolis, 1948, pp. 44-45:
Os ímpios o tomavam como diabólico, chamando-o de Anticristo; os mundanos
consideravam-no extravagante, e os bons tinham-no como esquisito e fora do comum
J. M. Texier, São Luís Maria Grignion de Montfort, Vozes, Petrópolis, 1948, p. 188:
Georges Rigault, Saint Louis-Marie Grignion de Montfort, Les Traditions Françaises, Tourcoing, 1947,
pp. 9-10:
Por definição, um santo não pode ser um homem em tudo semelhante aos outros
homens. Ele não fica no plano da natureza, mas tende à perfeição do Pai celeste. Seu
incessante progresso em direção a Deus aumenta, dia após dia, a distância existente entre
ele e as almas tornadas pesadas, imobilizadas pela carne. O santo espanta a humanidade
média. Ele a escandaliza, enquanto não a eleva acima dos baixos horizontes.
O santo é um original; e ele o é tanto mais quanto sua época, seu ambiente, seus
auditórios estiverem mais longe do Céu. Ele o é porque tem mais futuro no espírito,
porque negligencia os hábitos, os preconceitos, as contingências para preceder seu século
no tempo, para levar seus irmãos a esse fim misterioso que seu olhar de profeta descobriu.
Mesmo quando se encontra entre verdadeiros cristãos, ele os surpreende ainda; ele se
apóia, por assim dizer, sobre eles, para se projetar para o alto com mais audácia. Tendo
partido de muito alto, ele avista logo os cumes; sem orgulho, mas sem medo, ele se
interroga diante de Deus: Quod non ascendam? (Até onde não me elevarei?). E ele
provoca vertigens em seus contemporâneos.
José Maria Alves, SDB, Sonho e Realidade, 2ª ed., 1948, Vila do Conde, pp. 218-223:
Em nome da lei..
Trecho de uma conversa de São João Bosco (1815-1888) com um sr. Selmi, ferrenho anti-
clerical que fora nomeado Diretor-Geral do Ensino, e, neste cargo, colocava obstáculos
à obra educadora de Dom Bosco (é o próprio Santo que relata a conversa, na qual
conseguiu dobrar a extrema hostilidade inicial de seu opositor):
Sr. Selmi — [...] devo dizer-lhe que detesto seus livros.
São João Bosco — Lamento por meus pobres livros. Mas, se o sr. se dignar
apontar-me suas falhas, corrigirei nas outras edições.
— Não é o sr. o autor da Vida de Domingos Sávio?
— Para servi-lo, sr. comendador.
— É um livro cheio de fanatismo. Meu filho o leu e de tal maneira enlouqueceu,
que a todo momento me está pedindo que o leve a conhecer Dom Bosco; e temo que isso
lhe transtorne o cérebro.
— Isso significa apenas que os fatos estão bem narrados e que os meninos os
compreendem. E essa era precisamente minha intenção. Mas, quanto ao linguajar, o estilo,
o sentido geral..., notou o sr. alguma coisa?
— Quanto a isso, não; pelo contrário, notei facilidade e popularidade no estilo.
Quanto a sua História da Itália, aconselharia que a revisasse antes de a reimprimir.
— Com muito gosto; se o sr. me fizer notar as modificações e correções, ficarei
muito grato.
— Ainda bem que o sr. não é obstinado [...].
J. Modesti, ''Os tempos difíceis de Dom Bosco" in "Boletim Salesiano", ano 46, n.° 5, set/out., Escolas
Profissionais Salesianas, São Paulo, 1985, pp. 24 a 26:
No dia 23 de dezembro de 1887, um mês antes da sua morte, Dom Bosco recebe
a visita do arcebispo de Turim, seu grande amigo, cardeal Caetano Alimonda. Na
conversa, Dom Bosco desabafa: «Eminência, passei tempos difíceis, tempos difíceis...».
Certamente naquele momento, na visão panorâmica de moribundo, desfilaram
pela sua mente certas dificuldades que somente a têmpera de um Santo poderia suportar.
Um dos grandes amores de Dom Bosco foi sempre o Papa. Tocar em Dom Bosco
no seu amor pelo Vigário de Cristo era atingi-lo nas pupilas dos olhos. Ora, Deus permitiu
que este amor sofresse dúvidas da parte de alguns prelados romanos. Para comemorar o
18º centenário da vinda de São Pedro a Roma, as Leituras Católicas publicaram um seu
trabalho sobre o Príncipe dos Apóstolos. O opúsculo foi bem recebido pela crítica. Na
página 192, Dom Bosco afirma a respeito da presença de Pedro em Roma:
«Creio oportuno, entre parênteses, dar a todos aqueles que falam ou escrevem
deste assunto, o conselho de não considerá-lo como verdade de fé».
Dom Bosco mexeu em um vespeiro. Os tais prelados acharam que Dom Bosco
negava o primado do Sumo Pontífice. O opúsculo ia ser colocado no «índice dos livros
proibidos». Dom Bosco sofreu agonias devido a isso. Felizmente interveio o seu grande
amigo o Papa Pio IX, que impediu essa odiosa e injusta medida. Foi pedido a Dom Bosco
que nas novas edições se tirasse aquela afirmação.
Toda a vida do santo transcorreu nos dois pontificados de Pio IX e Leão XIII.
Vimos como Pio IX amava Dom Bosco. Quisera levá-lo para Roma; fazê-lo
membro da corte pontifícia como monsenhor. Naturalmente, Dom Bosco não aceitou,
pois seria a morte da sua obra. O Papa aprovou sua congregação contra mil e uma
objeções. Quando no fim de sua vida, fevereiro de 1878, quer ver Dom Bosco mais uma
vez, negam-lhe. Reclama: «Que é que eu fiz a Dom Bosco? Escrevi-lhe três cartas e ele
nem sequer respondeu». Dom Bosco, por sua vez, também queria saber por que suas
cartas ao Papa não obtinham resposta. A explicação é simples. A correspondência de
ambos era vigiada e censurada. As pessoas que em Turim perseguiam Dom Bosco tinham
conseguido cúmplices dentro dos muros do Vaticano. E assim Dom Bosco não pôde ver
pela última vez seu grande protetor e amigo, que ele considerava co-fundador da sua
congregação.
Ao subir ao trono pontifício, Leão XIII tinha algum preconceito contra São João Bosco;
posteriormente o tratará com um carinho maternal
O novo Papa, Leão XIII, subiu ao trono de São Pedro com algum preconceito
contra o nosso Santo. Tanto que por várias semanas Dom Bosco só pôde ver o Papa em
audiências públicas. Seus pedidos para uma audiência particular foram desconhecidos.
Duro para Dom Bosco, que, quando encarregado pelo Vaticano de resolver com o
governo italiano a questão da nomeação dos bispos, tivera entrada franca nos palácios
apostólicos, a qualquer hora do dia e da noite. A pouco e pouco o novo Papa vai
conhecendo o Santo e cada vez mais se convence de que se trata de um homem de Deus.
Avançando os anos, cresce a veneração do Vigário de Cristo pelo humilde padre
de Turim. Tanto que na última visita que Dom Bosco faz a Roma, no dia 13 de maio de
1887, o Papa o trata com um carinho maternal... Era o reconhecimento da santidade
daquele que exigirá que os seus sucessores, entre outras qualidades, tenham 'uma
indiscutível adesão à Santa Sé e a tudo o que a ela se referir'.
Dom Bosco fora ordenado sacerdote por D. Luiz Fransoni, arcebispo de Turim.
Este prelado dedicava muita afeição ao jovem sacerdote. Aprovou sua missão entre os
jovens; constituiu o Oratório como Paróquia pessoal dos meninos que o freqüentavam.
Visitava-o na sua humilde capela; aceitava convites para as festinhas que os meninos
organizavam; incumbia Dom Bosco de estudar certas teorias pedagógicas dadas na
Universidade. Mas, infelizmente, por questões políticas, o seu grande amigo foi exilado
para a França, onde faleceu.
Sucedeu-lhe um outro grande seu amigo, D. Alexandre Ricardi di Netro. Tudo
parecia sorrir para o nosso Santo, que iniciara a fundação da congregação salesiana. Mas
que desilusão. O prelado não o aceita como fundador da congregação; o quer submisso a
si com todos os seus. Dom Bosco sabe que isto é o fim da congregação. Não ordena
nenhum seminarista do Santo a não ser que seja aluno do Seminário diocesano. Dom
Bosco é obrigado a aceitar. No fim do curso de teologia, os dez que mandara, deixam as
fileiras da congregação. Dom Bosco reclama, é o fim da congregação; o arcebispo não
cede.
"Confiou demais nos homens mesmo com libré sagrada e se desenganou amargamente"
Nesse ínterim o prelado falece. Dom Bosco trabalha para que um grande amigo
seu e benfeitor seja o novo arcebispo e consegue. O Papa nomeia D. Lourenço Gastaldi.
Dom Bosco sorri e com ele a nascente congregação. Confiou demais nos homens mesmo
com libré sagrada e se desenganou amargamente. O Arcebispo era santo, culto,
apostólico; mas de um temperamento colérico. Precipitado em seus atos. Por dá cá aquela
palha toma... atitudes desnecessárias. Não admite o que julga ser diminuição de sua
autoridade. Disso surgem as maiores provações para o nosso Santo.
Na cúria turinense, alguns sopram aos ouvidos do arcebispo que Dom Bosco se
opunha à sua autoridade; que os seus seminaristas não estudavam o suficiente e tinham
pouco espírito religioso. Essas insinuações eram mandadas a Roma, enquanto Dom Bosco
procurava dar os retoques finais na sua congregação. Nesse comenos, saíram no prelo
quatro opúsculos contra o arcebispo (após a morte de Dom Bosco foram conhecidos três
dos autores). O Arcebispo pensa que foram impressos no Oratório. Chega a suspender
Dom Bosco das confissões (a pena mais grave para um sacerdote).
O conflito dura dez anos. Cada dia se torna mais grave, com grande alegria dos
anticlericais que sopram na fogueira. O Papa Leão XIII toma a questão em suas mãos.
Dita um acordo entre Dom Bosco e o arcebispo. Parece inculpar Dom Bosco. Há protestos
dentro e fora da congregação. Mas o Papa diz a um dos cardeais que protestava: «Sei o
que estou fazendo. Conto com a virtude desse homem de Deus. Dom Bosco, nós o
conhecemos, é um santo». [...]
A propósito da difamação
Crisogono de Jesus OCD, Vida de San Juan de la Cruz, in Vida y Obras de San Juan de la Cruz, BAC,
Madrid, 1964, pp. 310, 311, 312 e 313:
Alguém inicia um processo de difamação contra ele (São João da Cruz). E o padre
Diego Evangelista, o definidor de trinta e um anos, intemperante e rancoroso.
Comissionado pelo definitório para completar algumas informações do processo contra o
padre Gracián, quer envolver na mesma sorte o santico de Fray Juan, como o chamava
Madre Teresa (Santa Teresa de Jesus).....
O padre Diego Evangelista, a quem os contemporâneos chamam de «moço de
pouca prudência e colérico», não busca Informações; exige declarações de culpabilidade,
que necessita para desonrar seu Pai — tão aureolado já de virtudes e de milagres — e
expulsá-lo da Ordem. Por isso, sem dúvida, se dirige aos conventos de freiras. Espera
atemorizá-las e aturdi-las. Para isso emprega alternativamente oferecimentos e ameaças.
E quando não lhe vale nem uma coisa nem a outra — porque não lhe valem — falsificará
as declarações, escrevendo o que não disseram, dando um sentido mau as mais inocentes
ações. As freiras de Granada, as mais terríveis e infamemente acossadas pelo definidor,
pelo fato de terem sido tão queridas pelo perseguido, assustam-se e, em vista da perversa
interpretação que se dá ao que existe de mais santo, queimam uma gaveta cheia de
escritos, cartas e retratos de seu pai Frei João.
O que faz, enquanto isso, o Padre Doria, Vigário Geral (da Ordem)? Está
ignorante, em seu convento de Madri, ao que acontece na Andaluzia, quando todos estão
escandalizados com o alvoroço levantado pelo Padre Diego Evangelista, seu comissário?
... Tão benevolamente olham o Vigário Geral e os definidores a atuação do Padre Diego
que, em vez de penitenciá-lo, o mimam, levando-o à Itália, onde continua, mesmo depois
de morto Frei João (São João da Cruz) seu infame trabalho difamatório.
Estando ele (Frei Diego) em Sanlucar, chegou a notícia da morte de Frei João da
Cruz e enquanto as freiras, Maria de São Paulo especialmente, choram e lamentam o
desaparecimento do Santo, o padre Diego exclama: «Se não morresse, eu lhe tiraria o
hábito e não morreria na Ordem».
Pe. Bougaud, Vigário geral de Orleans, História da Beata Margarida Maria ou da Origem da devoção ao
Coração de Jesus. Livraria Internacional, Porto-Braga, 1879, pp. 228-229:
A roda de Margarida tudo eram dúvidas, suspeitas e contradições. Imaginemos o
que seria em 1675 aos olhos de suas irmãs, as religiosas de Paray, a nossa humilde
Margarida. Deus acabava de confiar-lhe uma admirável missão e honra inestimável,
fazendo-a confidente das angustias e sofrimentos de seu Sagrado Coração; mas tudo isto
as religiosas ignoravam. Nem o padre de la Colombière (o Beato Cláudio de la
Colombière, Jesuíta), nem a superiora e muito menos a Beata lhes haviam revelado o
segredo; sabiam somente o que viam; isto é, estar em oração tempo imenso; levantar-se
às dez horas, o que sem dúvida lhe era permitido pela superiora, mas desusado na
Visitação; atos que pareciam singulares, como trabalhar de joelhos e outros que as
pasmavam sem aclararem o seu espírito, como os seus desmaios que obrigavam as
religiosas a levarem-na em braços; e, o que ainda mais atraía a atenção, frequentes
conferências com a superiora, com o padre de la Colombière e outros confessores
extraordinários, conferências não muito do agrado de Margarida e cujo motivo elas
ignoravam; finalmente tudo quanto traz facilmente aos lábios palavras como estas: «Por
que não fará a nossa querida irmã como todas nós? Que desejo de singularizar-se!»
A isto acrescia um estado de êxtase singular e de que acima falamos, que
aumentava de dia em dia, tornando-a incapaz de qualquer ofício. Ocuparam-na na
enfermaria, mas sem muito proveito, apesar da sua bondade, zelo e dedicação a toda a
prova e de sua caridade, que muitas vezes a levava a praticar atos de heroísmo tal que só
o ouvi-los repugnaria aos nossos leitores. Também a haviam empregado na cozinha, mas
foi por pouco tempo, porque tudo lhe caía das mãos, e a admirável humildade com que
reparava estes seus desazos, não impedia que prejudicasse a ordem e regularidade que
devem reinar em uma comunidade. Tinham-lhe confiado educação das meninas, que
muito a amavam e lhe cortavam pedaços do hábito como a uma santa, mas o seu estado
de êxtase impedia-a de vigiar quanto era necessário. Pobre irmã! Em 1675, muito mais
que em 1672, a sua vida já não era na terra, era necessário deixá-la no seu céu!
Acresciam ainda as doenças, curas súbitas, recaídas repentinas, um estado que os
médicos não compreendiam e muito menos as religiosas. Como não se admirariam?
Como não diriam: Mas em tudo isto não terá grande parte a imaginação, um
temperamento mal regulado, e talvez alguma ilusão? Interrogavam-na, mas debalde,
porque não respondia coisa pelo menos satisfatória ou que desse à comunidade alguma
luz. De maneira que algumas chegavam a dizer que Soror Margarida Maria era uma
visionária. Acusavam-na de se ter apoderado do espírito da superiora e do padre de la
Colombière e de lhes fazer acreditar as suas alucinações. Algumas até foram mais longe;
Imaginando que Margarida estava possessa, quando a encontravam, lhe lançavam água
benta.
Conta uma biografia de Santo Afonso Maria de Ligório, a quem Pio IX conferiu o título
de Doutor da Igreja:
Pe. José Montes CSSR, Afonso de Ligório o Cavaleiro de Deus, Editora Vozes, Petrópolis, 1962,
pp. 35, 36, 40, 41 e 43:
Afonso (Santo Afonso de Ligório) ofereceu a Deus sua vida, resolvido a
empreender a fundação (da Congregação do Santíssimo Redentor), ainda que lhe fosse
mister sofrer toda sorte de contratempos. Com efeito, apenas dera os primeiros passos,
desencadeou-se contra ele a mais furiosa tempestade. O menos que lhe diziam sem
rebuços, era que se lançava numa extravagância .... que se deixava levar pelas alucinações
de uma visionária .... que os louvores lhe tinham feito perder o juízo e o orgulho e a
vanglória o cegavam.
O tio, dom Mateus Gizzio, reitor do seminário, repetia-lhe em todos os tons:
— Sois uma cabeça sem miolo; deixai-vos arrastar pela fantasia de uma freira;
não ouvis nenhum conselho; sois a burla e o escárnio da cidade.
A maior campanha movia-lhe o Colégio da Sagrada Família de Jesus, onde
Afonso fora pensionista e onde tanto trabalhara. Para o Padre Ripa e seu estabelecimento,
a decisão de Afonso e sua perda representava uma catástrofe. O antigo missionário dos
chineses esforçou-se em vão por dissuadi-lo; mostrou-lhe por todos os modos que sua
resolução era ridícula, um verdadeiro pecado seguir os conselhos de uma freira e
abandonar o bem que vinha fazendo no colégio. Não tendo conseguido virar a cabeça de
seu pensionista, dirigiu-se Ripa a Monsenhor Falcoia numa carta que raiava pelo
atrevimento e injúria. Ao mesmo tempo rompeu com os padres Pagano e Fiorilli e tal
modo amotinou a opinião pública contra esses dois sacerdotes que ambos rogaram a
Afonso tomasse por diretor & Monsenhor Falcoia e os deixasse em paz.
Ripa, esperto em manejar as armas e acostumado a ver-se sabe Deus em que
questões com os chineses, de tal maneira sublevou a opinião e moveu guerra a Afonso,
que este, todo perplexo, perguntava a si mesmo, se em verdade seus diretores não o
haviam induzido a uma aventura. Abandonado dos melhores amigos, dirigiu-se a Scala a
manifestar as hesitações a Sóror Maria Celeste (Venerável Maria Celeste Crostarosa).
— Dom Afonso, esta obra é de Deus. Haveis de ver os resultados.
Havia naquele mosteiro uma religiosa, anciã, que sofria de demência. Sóror Maria
Celeste, e suas co-irmãs, suplicaram a Deus que, se as visões fossem verdadeiras, e não
puro engano, fizesse um milagre, restituindo a razão à pobre freira. Afonso achava-se em
Nápoles, quando recebeu este recado: — Sóror Maria Madalena (a enferma) acaba de
recobrar a razão...
Em Nápoles, no entanto, as más línguas continuaram a denegrir-lhe a reputação.
Ripa e alguns amigos não descansavam. O menos que propalaram era: Afonso é um
iludido, vaidoso, orgulhoso, a vergonha e a desonra do clero napolitano. ...
Mas tinham-lhe revelado que a Congregação se fundaria, embora tivesse de passar
pela prova de fogo, isto é, arrostar dificuldades não só externas, mas, principalmente
internas. Estas dificuldades internas são características da obra Afonsina. Todas as
fundações têm esbarrado com inimigos externos. Tiveram suas desarmonias internas, é
certo; mas estas, na vida de fundador, têm sido quase sempre dificuldades que sobrevêm
a toda sociedade de homens. Na obra de Afonso, nós o veremos, não faltaram as tramas
exteriores, e cem vezes esteve a Congregação a ponto de soçobrar. Mas, se grandes foram
essas tormentas, incomparavelmente maiores foram as internas e ao Fundador, na hora de
sua agonia, não faltou um Judas...
Os inimigos tinham espalhado as notícias mais ridículas. Diziam que o Papa,
informado das pretensões de Afonso, proibira a Monsenhor Falcoia de ocupar-se dele e
da Fundação. Alguns pregadores apresentavam-no do alto da cátedra, como um exemplo
de erros e de quedas, que estão expostas as almas presumidas e orgulhosas. Os parentes
e amigos recebiam-no envergonhados. O tio, reitor do seminário, evitou encontrar-se com
ele. O padre Ripa cerrou-lhe as portas do colégio. Nas ruas apontavam-no com o dedo
como se fosse um louco.
Pe. José Montes CSSR, Afonso de Ligório o Cavaleiro de Deus, Editora Vozes, Petrópolis, 1962, p. 30:
Entretanto, aquele admirável apostolado ia terminar de um modo tragicômico. A
multidão que se aglomerava em torno do zeloso sacerdote (Santo Afonso Maria de
Ligorio), crescia, sem cessar. Numerosos eram, também, os clérigos e seculares
instruídos, que o ajudavam. A gente da cidade começava a desconfiar daqueles
ajuntamentos. Alguns se aproximavam, mais por curiosidade, ouviam a Afonso e
retiravam-se edificados. Outros, talvez com propósitos investigadores, andavam
suspeitando... política... heresia... Introduziram-se astutamente nas filas e descobriram
uma confirmação formidável de suas suspeitas... É que Afonso repreendia um operário
por se entregar a mortificações exageradas. E um cavalheiro, dom Pórpora, secundava o
sacerdote, acrescentando:
— Olha, filho, é preciso comer para viver. Se tua mulher te oferece umas
costeletas, come-as e bom proveito!
Não suspeitava o bom Pórpora, quanto iriam caminhar as suas costeletinhas.
Aquelas palavras, ouvidas de má tenção e interpretadas de maneira pior ainda,
correram por toda a cidade: "Seita das Costeletas". E começou a correr o boato de que
tudo aquilo, com aparências piedosas, terminava em escandalosas bacanais. Uma
denúncia após outra foi chegando ao prefeito da cidade. A polícia prendeu logo alguns
dos já famosos sectários, entre os quais Barbarese e Nardone. Interrogados, responderam
que se reuniam para ouvir o senhor de Ligório. Ao ouvir o nome do poderoso patrício
(Santo Afonso, da nobre e poderosa família dos Liguori, de Nápoles), a autoridade deu
imediatamente liberdade aos presos; mas, dirigindo-se ao Arcebispo, a mesma autoridade
conseguiu que as reuniões fossem suspensas.
São Bento
São Gregório Magno, Vida e milagres de São Bento, Editora Civilização, pp. 41-43:
O monge dissipado que voltou ao bom caminho
Num daqueles mosteiros que tinha construído nos arredores, havia um monge que
não conseguia permanecer recolhido, mas que, assim que os irmãos se inclinavam para
rezar, saía fora e dissipado se entretinha em coisas terrenas e passageiras. Havendo-o
advertido repetidas vezes o seu abade, foi conduzido ao homem de Deus, o qual por sua
vez o increpou duramente pela sua falta de tino. Retornando ao mosteiro, mal se lembrou
por dois dias da admoestação do servo de Deus; porque no terceiro, voltando ao seu antigo
nodo de proceder, começou a passear durante o tempo da oração. Sendo avisado o servo
de Deus pelo superior que constituíra naquele mosteiro, disse-lhe: «Eu mesmo irei e o
corrigirei pessoalmente».
E tendo ido o homem de Deus ao mosteiro, na hora estabelecida, concluída a
salmodia, aplicaram-se os irmãos à oração; e então viu que um demónio, em forma de
negrinho, arrastava para fora, puxando pela barra do hábito, o monge que não conseguia
permanecer na oração. Então disse em voz baixa ao superior do mosteiro, cujo nome era
Pompeiano, e ao servo de Deus Mauro: «Estais a ver quem é que arrasta para fora aquele
monge?» Ao que responderam eles negativamente. Rezemos, pois, disse-lhes, para que
também vós vejais atrás de quem esse monge está indo. Ao cabo de dois dias de oração,
o monge Mauro viu o negrinho; Pompeiano, porém, que era superior do mosteiro, não
conseguia vê-lo.
No dia seguinte, terminada a oração, saindo o homem de Deus do oratório,
surpreendeu o monge estando fora, e para o curar da cegueira de coração surrou-o
fortemente com a vara. Desde aquele dia não mais sofreu engano do demónio, e
permaneceu constante na oração. O antigo inimigo não se atreveu a dominar por mais
tempo a imaginação do monge, como se ele próprio tivesse recebido os golpes.
São Gregório Magno, Vida e milagres de São Bento, Editora Civilização, p. 113:
O monge libertado do demónio
Indo um dia o santo ao oratório de São João, localizado no mais alto do monte,
passou por ele o demónio, disfarçado sob a forma de um alveitar9 que levava consigo um
vaso de chifre e umas ataduras próprias do seu ofício. Como Bento lhe perguntasse aonde
ia, respondeu que ia levar um remédio para os irmãos. Foi-se então o venerável Pai à
oração e, concluída esta, logo voltou.
Mas o espírito maligno, pela sua parte, encontrara um monge ancião tirando água,
e imediatamente entrara nele, derrubando-o por terra e atormentando-o furiosamente.
Ao voltar da oração o homem de Deus, viu o que estava a ser torturado com tanta
crueldade, e aplicou-lhe uma única bofetada, saindo logo dele o espírito maligno e nunca
mais ousando voltar a ele.
José Maria Alves, SDB, Sonho e Realidade, 2ª ed., 1948, Vila do Conde, pp. 229-232:
Vexações diabólicas
Os salesianos tinham notado que a saúde de D. Bosco ia decaindo de dia para dia.
Viam-no pálido, magro, abatido e muito ensonado.
— Que tem, D. Bosco? Está doente?
— Precisaria de dormir. Há quatro ou cinco noites que não prego olho.
— Pois durma! Em lugar de fazer serão, deite-se mais cedo.
— Não é isso! Vontade de dormir não me falta; mas há quem me obrigue a passsr
a noite em claro.
— Quem?
— Olhai. Há já algumas noites que o mafarrico se diverte à custa do pobre D.
Bosco. Parece que não tem mais nada que fazer. Mal pego no sono, sinto nos ouvidos
uma voz cavernosa, sopra um vento impetuoso, e ele aí vem revistar-me, espalhar os
papéis, desordenar os livros.
Estava uma destas noites a rever as provas dum dos fascículos das «Leituras
Católicas», «O Poder das Trevas», e, tendo-as deixado em cima da mesa, pela manhã
encontrei-as no chão. Mais de uma vez tive que andar à procura delas, pois o maroto
escondia-mas.
À noite passada deu-lhe para acender a estufa e levantou tamanha labareda que ia
pegando fogo à casa. Os cobertores da minha cama — estava eu deitado — começaram a
escorregar para os pés. Nunca tal tinha acontecido. Dali a pouco estava já meio destapado.
9
Veterinário prático. O chifre que levava servia para com ele se derramarem os remédios na boca do
animal doente; e as ataduras referidas no texto serviam para se amarrarem três pés dos animais que
estavam a ser tratados.
Puxei pela roupa, sem ligar importância ao caso, mas dali a pouco a cena repete-se. Era o
patife a querer brincar comigo... Acendi a luz, levantei-me, procurei, revistei e... até olhei
debaixo da cama. Mas... que é dele?
Deitei-me novamente, abandonando-me à divina Providência. Com a luz acesa,
não havia novidade, mas na escuridão...
À porta do meu quarto rangia, dolente, e a impetuosidade do vento era tal, que
parecia a cada instante querer arrombá-la. Ruídos estranhos, como de rodas de carro
arrastando-se estridentes em cima do meu quarto, atordoavam-me, enquanto,
improvisamente, gritos agudíssimos, estonteantes, me faziam saltar. De repente abre-se a
porta, e um terrível monstro, de fauces escancaradas, avança para me devorar. Fiz o sinal
da cruz e o monstro desapareceu».