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Você RH - Ed. 74 - Junho2021

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W

Salário a combinar Efeito da pandemia Compliance moral


você rh • vocerh.abril.com.br

Esconder o valor salarial no recrutamento A síndrome de boreout transforma Por que apostar na diversidade tem
pode prejudicar a imagem da empresa o tédio em problema de saúde mais a ver com ética do que com lucro

Os caminhos
para a liderança
estratégica
JUNHO / JULHO 2021 • edição 74

O RH ganhou evidência na crise da covid-19


e agora é a hora de tornar a área realmente R$ 35,00
edição 74
conectada aos negócios. Aprenda a fazer isso JUN/JUL 2021

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SUMÁRIO ilustração da capa:
Davi Augusto

junho / julho 2021

Giovanna
Poladian,
diretora de
pessoas e cultura
da CTG: a área
de RH participa
das decisões
do negócio

Seções 24

8 | Da redação
os caminhos para a liderança estratégica
O RH ganhou mais evidência na crise da covid-19 e agora é
a hora de tornar a área realmente conectada ao negócio
9 | Feedback

BOLETIM 58 | melhores práticas 36 corporativa se reinventou


durante a pandemia
Programa de saúde da salário a combinar
10 | notas P&G diminuiu os índices Por que esconder
Evino cria curso online de presenteísmo o salário durante o
sobre vinhos para 50
recrutamento é prejudicial
280 funcionários 60 | LEIS & GESTÃO mais do que um papel
Quais os cuidados ao Contratos mais
14 | Macro contratar pessoas que 40 transparentes e
A mentalidade ideal moram em outros países? colaborativos podem
dos líderes para o
atuar com o coração humanizar as empresas
Theo van der Loo diz
trabalho híbrido 62 | na estante
que as lideranças têm
Livro discute por
um longo caminho na
18 | desafio do RH que vivemos numa 54
busca por diversidade
Regina Biondo, diretora de sociedade de castas
RH da Decathlon Brasil
quando o tédio se
66 | Na real 46 torna um problema
20 | olhar do Presidente Vicky Bloch explica quais Desânimo e engajamento
Otto von Sothen, CEO são os erros mais comuns além do jornal mural baixo podem ser sinais
do Grupo Tigre durante as demissões Como a comunicação da síndrome de boreout

foto: CELSO DON I junho / julho 2021 VOCÊ RH 4

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1249551-VOCE S_A-1_1-1.indd 5 07/06/2021 16:27:03
fa­le com
Fundada em 1950

VICTOR CIVITA ROBERTO CIVITA


(1907-1990) (1936-2013)
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de Você RH, sugestões e críticas:
você RH 74 (ISSN 244709500), ano 14, no 4, é uma publicação bimestral da Editora Abril. Edições anteriores: Ligue para 0800-7773022
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1249552-CLAUDIA-1_1-1.indd 7 07/06/2021 16:27:34
DA REDAÇÃO

Na cadeira
do copiloto
S
e há um saldo positivo desta pan- Como resolver esse problema? Para além de
demia de covid-19 para o RH é o desenvolver competências e ter um olhar am-
reconhecimento de seu trabalho: plo sobre a organização, um dos pontos mais
68% dos profissionais de recursos importantes para se tornar estratégico é criar
humanos se sentem mais valoriza- parcerias com quem decide. Como bem explica
dos depois da crise, segundo pes- Luiz Carlos Cabrera, professor na FGV Eaesp,
quisa feita pela consultoria Mercer é hora de a área assumir a cadeira de copiloto
e publicada com exclusividade nesta do CEO, que por muito tempo foi ocupada pelo
edição. Embora exista uma sensa- diretor financeiro, e auxiliar nas decisões es-
ção maior de protagonismo, ainda é muito co- tratégicas. Se o RH se apoderar desse lugar,
mum ouvir que a área precisa colocar a maior certamente ajudará a construir um ambiente de
parte de seus esforços em questões operacionais negócios com mais humanidade e propósito.
e não consegue se desvencilhar das demandas
do dia a dia para ter uma atuação efetivamen-
te estratégica. Essa realidade acaba criando
uma percepção de que o RH não está conectado
com as necessidades de líderes, funcionários e
acionistas. Não à toa, um levantamento feito
pela consultoria Gartner mostra que 71% dos
empregados dizem que o RH não entende do ELISA TOZZI
que eles realmente precisam ou o que querem. Editora

8 VOCÊ RH junho / julho 2021

VCRH74_Da redacao.indd 8 6/1/21 8:43 PM


FEEDBACK
vocerh@abril.com.br @revistavocerh revista-voce-rh revistavocerh revistavocerh

mentos de forma equilibrada por


não precisarem passar mais do
que algumas horas com o parceiro
ou a parceira. Para os que tinham
só vida profissional, viver isolado
não deve estar sendo nada fácil.
(Sobre a reportagem de capa, A
Epidemia da Solidão, ed. 73)
Cleiton de Castro

Que matéria sensacional! Para-


béns à revista por trazer à tona
essa “nova” doença, que está e
vai continuar atingindo milhões
de pessoas sem distinguir classe
social ou situação econômica.
(Sobre a reportagem de capa, A
Epidemia da Solidão, ed. 73)
Paulo Kendzerski

Precisamos distinguir o
Partindo da constatação de que, de certa forma, já fomos isolamento físico do isolamento
afetivo, aquele que traz a
modificados e de que não haverá uma volta ao “normal”, cabe sensação de solidão e a falta de
realmente um novo olhar para o desenvolvimento humano de relacionamentos significativos.
forma integral. Saúde mental, emocional, física e muito mais Ouvi recentemente de um colega,
durante uma experiência que
do que isso. Nunca o autoconhecimento foi tão importante. estávamos desenvolvendo, que
Deve ser uma “disciplina” a ser cursada pelos jovens. (Sobre a “estar perto é geografia, estar
reportagem de capa, A Epidemia da Solidão, ed. 73) próximo é escolha”. (Sobre
a reportagem de capa, A
Alexandre Marques Epidemia da Solidão, ed. 73)
Paulo Vinicius Souza

Que pauta importantíssima! Sim, iniciativa da publicação! Como O tema é relevante e a arte
precisamos mais do que nunca profissional de RH, me pergun- da capa está impressionante.
distinguir entre isolamento físico to: em meio a isso tudo, quem Excelente trabalho! (Sobre a
reportagem de capa, A Epi-
e afetivo, pois quando misturados está (e como está) cuidando das
demia da Solidão, ed. 73)
o impacto é muito maior. Fan- lideranças e do próprio RH? O
@renahangil
tástica a criação do Ministério que nos aguarda pós-pandemia?
da Solidão, pois esse assunto (Sobre a reportagem de capa, A
precisa ser tratado continuamen- Epidemia da Solidão, ed. 73) Acredito que o isolamento social
te. (Sobre a reportagem de capa, Katia Xavier Batista não é o único mal, e sim como as
A Epidemia da Solidão, ed. 73) pessoas lidam com ele e o que fa-
Evelyn Nunes zem nesse isolamento. Mas é fato
Infelizmente, muitas pessoas que não está fácil para ninguém.
tinham o trabalho como único mo- (Sobre a reportagem de capa, A
Matéria essencial para o momen- mento de convívio social. Alguns Epidemia da Solidão, ed. 73)
to que vivemos. Parabéns pela conseguiam viver seus relaciona- @techpararh

junho / julho 2021 VOCÊ RH 9

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boletim Notas

Escritório
da Evino, em
São Paulo:
curso online
tem formação
aprofundada
sobre o
universo
do vinho

Legião de degustadores
A
empresa de e-commerce Marinzeck, considerada um dos 50 os outros é opcional. Ao final das
de vinhos Evino quer po- nomes promissores para o futuro 35 aulas, os participantes passam
pularizar o conhecimento do vinho pela International Wine & por uma avaliação e, se aprovados,
sobre a bebida no Brasil. Spirits Competition e Wine & Spirits são certificados. “Dar uma forma-
E nada melhor do que fa- Education Trust. O conteúdo está ção assim abre possibilidades para
zer isso dentro de casa. A disponível para os 280 funcionários que as pessoas se desenvolvam e
companhia criou um curso e é obrigatório para os setores que promovam conhecimento sobre o
online de sete horas sobre o tema, lidam com clientes, como os de assunto”, diz Renata Fior, gerente
apresentado pela sommelière Jessica marketing, comercial e SAC — para de RH da Evino.

Liberdade com responsabilidade


Há 14 meses em home office, a Avast, plataforma de aplicativos para segurança digital, adotou horários to-
talmente flexíveis, permitindo que os empregados escolham se querem começar o expediente à tarde ou de
manhãzinha para desligar o notebook mais cedo. E, em janeiro de 2021, resolveu instituir o famoso anywhere
office, permitindo que o pessoal trabalhe de onde preferir. A medida já teve adesão de 42% do quadro. “É uma
combinação de confiança e um pedido para que os funcionários sejam sensíveis e se comportem com res-
ponsabilidade”, diz Rebbeca Grattan, diretora global de cultura e pessoas. “Já estamos há meses em regime
de home office e não tivemos nenhum problema de performance, continuamos uma companhia de sucesso.”

10 VOCÊ RH junho / julho 2021 f o t o s : d i v u l g aç ão / u n s p l a s h

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Noites em claro
A qualidade do sono dos brasileiros não está boa durante a pandemia, como revela uma pesquisa feita pela
startup Vigilantes do Sono em parceria com a HealthBit. O estudo, feito em empresas de diferentes setores,
descobriu que 45% dos trabalhadores apresentam sinais de insônia que demandam cuidado profissional.
O setor de logística é o mais afetado pelos insones: 54% dos profissionais do segmento sofrem com isso. E,
em geral, são os jovens de até 29 anos que dormem pior, já que 41% deles têm problemas relacionados ao
sono. “Eles estão sofrendo mais com ansiedade e depressão. Além disso, os jovens ficam 24 horas ligados
no celular e nas redes sociais, acessando até mesmo na cama — isso é muito ruim para o sono”, diz Lucas
Baraças, cofundador e CEO do Vigilantes do Sono. Não conseguir descansar é um problema sério: pessoas
com insônia clínica são 2,5 vezes mais propensas a ter sintomas de ansiedade e depressão.

Desligando o wi-fi
O home office reforçou as discussões sobre os direito
à desconexão. Afinal, em casa os funcionários estão a
um clique de alcance das empresas. No Reino Unido,
uma pesquisa feita pela Opinium a pedido do Pros-
pect Union, sindicato que representa profissionais do
setor de tecnologia e engenharia, indicou que 59%

Pé no acelerador dos trabalhadores apoiam uma política pública que


garanta um período livre de conexão com os emprega-
A Webmotors, portal de negócios automotivos, se viu dores. O levantamento também perguntou quais são
com uma questão que ocorre com várias empresas os pontos negativos do trabalho remoto, e a maioria
que começam a trabalhar a diversidade: embora dos entrevistados (35%) disse que sentiu piora na
tivesse 50% de mulheres no quadro de 180 pessoas, saúde mental — entre eles, 42% acreditam que isso
a maior parte delas ocupava cargos de entrada. O foi causado, em parte, pelo fato de não poderem se
mapeamento, feito em 2019, impulsionou as práticas desligar do trabalho em casa.
de inclusão — já que fortalecer a carreira feminina
era uma vontade da empresa que atua em um setor
Centro financeiro de
tão masculino como o automotivo. Para isso, em 2020 Londres: 59% dos britânicos
a companhia desenhou um calendário de eventos, apoiam lei que garanta o
direito à desconexão
criou um grupo de encontro de mulheres e trouxe
os homens para a discussão por meio da iniciativa
Eles por Elas, que aborda o papel masculino na
questão de gênero. As atitudes deram resultados:
o percentual de líderes mulheres cresceu de 20%
para 30% no ano passado. Em 2021, a empresa
quer chegar a 40% e investiu em um programa de
aceleração de carreira. “Diversidade não é moda.
Nosso objetivo é apoiar o desenvolvimento de mu-
lheres para que alcancem posições de liderança”,
diz Cibele Diniz, líder de RH da Webmotors.

junho / julho 2021 VOCÊ RH 11

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boletim Notas

Desânimo global
O engajamento diminuiu ao redor
do mundo neste ano. É isso que
revela um estudo da consultoria
ADP com mais de 27.000 pessoas
em 25 países, inclusive o Brasil.
No primeiro estudo sobre o tema,
feito em 2018, 17% dos profissio-
nais se consideravam engajados.
Em 2021, o índice caiu para 16%. Por
“engajamento”, a ADP considera o
estado mental que nos impulsiona
a dar nosso melhor no trabalho.
Falta de cuidado Para Mariana Guerra, VP de RH da
empresa na América Latina, esse
resultado pode ter a ver com a lide-
Depois de mais de um ano de pandemia, o uso de máscara e álcool
rança. “Quando o líder é totalmente
em gel deveria estar disseminado nas companhias do Brasil. Mas
engajado, 65% do seu time também
não é isso que acontece. De acordo com uma pesquisa feita pela
é. Em contrapartida, quando não
consultoria Heach Recursos Humanos com 400 companhias, 45%
é, só 0,04% da equipe é engaja-
não possuem uma política sobre a utilização de máscara no ambiente
da”, diz. O Brasil vai na contramão
de trabalho, 37% não fornecem itens de higienização das mãos e
do mundo e teve um aumento de
48% pretendem afrouxar as regras de prevenção depois da imuni-
quatro pontos percentuais saindo
zação dos funcionários. “Há uma politização da doença, que faz as
de 14% em engajamento em 2018
pessoas negligenciarem a covid-19. Para as empresas, pode haver
para 18% neste ano. “Atribuo isso à
complicações legais e estratégicas, já que um ambiente vulnerável
questão da confiança: um trabalhador
compromete não só a vida das pessoas mas o próprio negócio, que
tem 12 vezes mais probabilidade
pode ter que lidar com afastamentos longos e múltiplos”, diz Elcio
de ser totalmente engajado se ele
Paulo Teixeira, CEO da Heach Recursos Humanos.
confia em seu líder. No Brasil, há
um movimento das empresas em
se humanizar e isso reforça os vín-

Pedágio caro culos”, diz Mariana.

Exaustos das longas jornadas, analistas em início de carreira no


banco Goldman Sachs divulgaram anonimamente um conjunto de
slides que descreve a rotina de trabalho de 100 horas semanais, o
padrão na companhia. Segundo o jornal The New York Times, um dos
funcionários escreveu que está “em um lugar realmente sombrio”.
Os slides fizeram barulho e chegaram até a chefia, que se dividiu
entre a empatia e o deboche — houve quem dissesse que esse é um
pedágio que se paga para ganhar um bom salário. Como resposta
oficial, o CEO David Solomon enviou uma mensagem a todos os
empregados prometendo que a política de folga aos sábados será Mariana Guerra, VP de recursos
humanos da ADP: líderes influenciam
cumprida e que haverá contratações de mais profissionais júnior. no engajamento dos times

12 VOCÊ RH junho / julho 2021 f o t o s : G e t t y I m ag e s / d i v u l g aç ão

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Divã em alto-mar Navio da Subsea
7: empresa leva
Cuidar de funcionários que passam psicólogos para
temporadas isolados em embar- atender dentro
das embarcações
cações já é, por si só, uma tarefa
complexa, que fica ainda mais
delicada na covid-19. É isso que
está vivendo a Subsea 7, empresa
de engenharia e construção de
submarinos que presta serviços
para a indústria de energia. Mas
a companhia foi além de estabe-
lecer protocolos de prevenção ao
coronavírus, como a quarentena de
14 dias antes da embarcação dos
funcionários, e criou um programa
de saúde mental para quem fica em
alto-mar. Ao lado da consultoria
House of Feelings, a multinacio-
nal leva psicólogos para ministrar
palestras e prestar atendimento dentro dos navios. “A experiência tem sido excelente. Quanto mais informação
e suporte, mais as pessoas podem agir de forma protagonista e com menos preconceito sobre saúde mental”,
diz a gerente de RH Alessandra Nogueira. O projeto já soma mais de 1.400 horas de atendimento psicológico.

O peso da pandemia
Como a crise da covid-19 afetou a vida dos profissionais de RH? Foi para responder a essa pergunta que a Mercer,
consultoria global de recursos humanos, saúde e previdência, aplicou uma pesquisa com 470 participantes bra-
sileiros. Os resultados mostram que quem atua na área está vivenciando grandes desafios durante a pandemia.
Para 65% dos respondentes, por exemplo, o número de horas trabalhadas aumentou muito ou consideravel-
mente. “Toda a operação e as atividades do RH foram impactadas, já que seu cliente principal são as pessoas”,
diz Rafael Ricarte, líder de produtos de carreira da Mercer Brasil. Ele também atribui esse resultado a equipes e
orçamentos menores, necessidade de a área de gestão de pessoas encabeçar a transformação digital e de liderar
temas como comunicação, gestão de benefícios e cuidados com a saúde mental. Conheça mais descobertas.

68% 50% 45% 43% 32% 23%

se sentem mais enfrentaram acreditam que o Já executam acharam difícil afirmam que a
valorizados dificuldades maior desafio é um plano de se adaptar ao área que mais
depois da em quebrar conscientizar as transformação home office nos apoiou o RH na
pandemia paradigmas de RH pessoas digital primeiros meses crise foi a de TI

junho / julho 2021 VOCÊ RH 13

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boletim macro - Gartner*

Mesclar trabalho presencial

Lí de res
e remoto é a tendência dos
próximos anos e isso exige
o desenvolvimento de novas
habilidades de liderança

camaleões
A
pandemia de covid-19 tornou
o home office uma realidade
e, para o futuro, a expectativa
é que as companhias adotem
o modelo híbrido, com funcio-
nários em casa e no escritório.
Essa nova realidade é a adoção da “flexi-
bilidade radical”, quando a compa-
nhia deixa de se importar com
o local, os horários e a quanti-
dade diária de tempo dedicado
ao emprego. As transforma-
ções quebram os paradig-
mas da liderança — e
cabe ao RH cultivar a
mentalidade correta
para que os gestores
fiquem aptos a en-
frentar os desafios
do novo mundo.

14 VOCÊ14 junho
RHVOCÊ RH/junho
julho/2021
julho 2021 i lu s t r aç ão : H i r o s h i Wata n a b e / G e t t y I m ag e s

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Outras dimensões
O trabalho remoto transformou as relações entre Flexibilidade Propósito
empregados e empresas, estabelecendo um novo radical compartilhado
pacto trabalhista. As companhias precisam ficar
atentas a três pontos: flexibilidade radical, propósito
compartilhado e conexões mais profundas

Conexões mais
profundas

Diagnóstico precoce
Para que os gestores efetivamente apoiem a transformação para o modelo híbrido de trabalho, é
preciso identificar qual é sua mentalidade. Embora entender como os líderes estão pensando não
seja algo tão óbvio, é papel do RH fazer esse diagnóstico e preparar os gestores — sempre tendo em
vista que o objetivo dessa etapa é não apenas detectar o problema mas propor soluções. O primeiro
passo para isso é segmentar as lideranças para entender quais gestores precisam de mais atenção.
Os quatro tipos de líderes são os seguintes.

Segmentação dos Líderes


1 Campeões: líderes com o
mindset e as habilidades
corretas para gerir uma
força de trabalho híbrida

2 Lutadores: líderes com a


Aberta

mentalidade correta, mas que


Mentalidade

Lutadores Campeões ainda precisam desenvolver


as competências
Fechada

3 Resistentes: líderes com as


competências necessárias,
mas com a mentalidade
Resistentes Retardatários fechada para mudanças

Competência 4 Retardatários: líderes que


não têm nem as habilidades
Imaturos Maduros nem a mentalidade do
trabalho híbrido

*E m p r e s a d e b e n c h m a r k i n g g l o b a l d e c a p i ta l h u m a n o. C o n tat o : v i t o r i o. b r e ta s @ g a r t n e r .c o m junho / julho 2021 VOCÊ RH 15

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boletim macro - Gartner*

Como identificar
Algumas perguntas que os líderes fazem ajudam a compreender suas inclinações

Mentalidade aberta Mentalidade fechada


Como o modelo híbrido pode trazer Quando nós vamos finalmente voltar ao escritório?
novas oportunidades para minha equipe?
Como eu posso gerenciar aquilo
Como eu posso ajudar meu time a ter autogestão? que não estou vendo?
Como podemos enfrentar os desafios O RH vai nos apoiar e nos guiar?
de produtividade nos locais de trabalho?
Como vamos preservar nossa cultura
Como auxiliar os funcionários a estabelecer se o home office se tornar permanente?
novos rituais e padrões no futuro híbrido?
Qual é a nova plataforma de que eu
Qual tecnologia pode ser usada preciso para lidar com as demandas atuais?
para melhorar a colaboração?
Quando eu vou superar os problemas
O que eu aprendi nos últimos meses? do trabalho remoto?

Lição de desapego
Os líderes de E devem se
modelo híbrido apropriar de...
precisam se
distanciar de...

clima e bem-estar
Cronogramas Resultados
Escritórios

Horários Cultura Gestão da


Tarefas e
de trabalho e valores mudança
atividades

16 VOCÊ16 junho
RHVOCÊ RH/junho
julho/2021
julho 2021 i lu s t r aç ão : H i r o s h i Wata n a b e / G e t t y I m ag e s

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Caixa de ferramentas
Conheça as habilidades essenciais para os líderes do modelo híbrido

1 Gerenciar a performance: nesse estilo


de trabalho, o que vale são as entregas, e
4 Cultivar um clima inclusivo na equipe:
os líderes precisam fazer com que todos os
não o monitoramento da presença física membros do time se sintam pertencentes,
dos funcionários em casa ou no escritório. independentemente do local onde trabalham.

2 Estimular o desenvolvimento: como os


trabalhadores não passam mais o tempo todo
5 Criar confiança e segurança psicológica:
embora a confiança sempre tenha sido um
reunidos em um só espaço, é papel do líder princípio, agora os gestores têm mais
garantir que as equipes estejam desenvolvendo responsabilidade em estabelecer esses laços com
as competências necessárias para impulsionar funcionários remotos. Esse pessoal tem uma
o desempenho atual e futuro. necessidade ainda maior de confiar nos líderes.

3 Comunicar-se de maneira efetiva: para que o


trabalho funcione, os gestores precisam se comunicar
6 Modelar a cultura do time: é necessário estar
aberto à tecnologia, que terá um papel importante no
com assertividade, usando diferentes canais. estabelecimento dos valores e padrões da equipe.

Poder de adaptação Nas mãos do RH


O modelo híbrido exige que os gestores A área de gestão de pessoas precisa
consigam adaptar suas habilidades às atentar aos pilares a seguir para auxiliar
diferentes necessidades do trabalho remoto no desenvolvimento do gestor híbrido
e do presencial. Os líderes que conseguem
fazer isso, normalmente, possuem os três Conscientização: os próprios líderes precisam
traços abaixo compreender como o contexto se transformou e como isso
os afeta pessoalmente. O RH deve auxiliar nesse processo
Flexibilidade: usar competências que
já possui para enfrentar novas situações Apoio dos pares: é interessante estimular que os
líderes compartilhem seus aprendizados e usem ideias dos
Autoconhecimento: saber como usar suas colegas para transformar o fluxo de trabalho
fortalezas e como gerenciar suas limitações
Feedback e accountability: colete feedbacks que
Abertura para feedback: absorver e crescer forneçam aos líderes orientações e dados para o trabalho e
rapidamente com o feedback e pedir feedback constantemente para que se sintam prontos a assumir novos desafios

*E m p r e s a d e b e n c h m a r k i n g g l o b a l d e c a p i ta l h u m a n o. C o n tat o : v i t o r i o. b r e ta s @ g a r t n e r .c o m junho / julho 2021 VOCÊ RH 17

VCRH74_Macro.indd 17 6/1/21 11:49 PM


boletim DESAFIO DO RH

Regina Biondo, diretora de RH


da Decathlon no Brasil: escuta
ativa para compreender quais
são os desejos e as dores
dos funcionários

Ouvidos
a postos O
que fazer quando a pandemia
acabar? A lista de desejos
costuma ser longa, mas
Regina Biondo já tem uma
ideia: aprender a surfar. Essa
vontade combina bem com a
empresa na qual a paulistana atua
desde maio de 2020, a varejista
Completando pouco mais de um ano à frente do de itens esportivos Decathlon
— conhecida por ter um time de
RH da Decathlon no Brasil, Regina Biondo aposta 100.000 funcionários espalhados
na escuta ativa para conduzir transformações pelo mundo que compartilham a
paixão pelo esporte. Aos 31 anos,
Elisa Tozzi

18 VOCÊ RH junho / julho 2021

VCRH74_Desafio do RH.indd 18 6/1/21 8:44 PM


Regina é louca por corridas e viu ano, da qual Regina fez parte: a não tinha a cara da Decathlon.
na companhia, que completa duas inauguração de um novo armazém. “Agora a ambientação é parecida
décadas de Brasil em 2021, um A decisão foi tomada porque o com a do escritório, e as culturas
alinhamento forte com seus valores local do antigo CD (Embu das estão unificadas. É possível que
pessoais. “O que me encantou e Artes, a cerca de 30 quilômetros as pessoas do administrativo
me encanta até hoje é a força da da cidade de São Paulo) não fazia trabalhem dentro do CD”, diz
cultura da Decathlon, que investe mais sentido para a empresa, que Regina. Com mais de 50.000
em autonomia verdadeira para se mudou para a também paulista metros quadrados, o galpão abriga
as pessoas desenvolverem seu Barueri, região conhecida por ter restaurante, área de descanso,
trabalho para além da caixinha em fácil acesso a rodovias. Como uma sala de treinamentos e uma
que estão”, diz a executiva. mudança desse tipo sempre gera quadra poliesportiva que ainda
Antes de iniciar na companhia, apreensões e impactos, Regina, sua não pôde ser inaugurada devido à
Regina passou por organizações equipe e a liderança conversaram pandemia. Outra transformação é
como Kantar Ibope Media e Bloomin’ com os funcionários que seriam o aumento do uso da tecnologia:
Brands International, dona dos afetados. O objetivo era entender há poucos processos manuais para
restaurantes Outback e Abbraccio. seus anseios e colher sugestões — ser executados. “Isso garante mais
Formada em psicologia e traçando uma delas foi implantar uma linha bem-estar e dá aos profissionais a
uma carreira de RH desde o estágio, que transporta empregados do possibilidade de desenvolver novas
ela foi contratada para liderar o RH antigo endereço para o novo local. competências ligadas à automação”,
da Decathlon durante a primeira Além do fator logístico, outra afirma a diretora.
onda da crise da covid-19, com motivação para a mudança do Entusiasta do tema da
grande parte da equipe trabalhando armazém foi o alinhamento diversidade, Regina está conduzindo
remotamente. “A empresa tinha cultural, já que antes o espaço ações para aumentar a inclusão
lançado um programa que dentro da companhia. O primeiro
estabelecia o home office três passo é aplicar um censo para
vezes por semana, então estávamos compreender como está a
preparados para isso. Conheci a composição da força de trabalho
equipe virtualmente e consegui viver e a percepção do pessoal sobre
alguns momentos presenciais na a maneira como a Decathlon
loja e no centro de distribuição”, diz trata o tema. “Nosso objetivo é
Regina, que acredita em um futuro
híbrido. “Havia a fantasia de que
Havia a fantasia representar a sociedade da qual
queremos fazer parte”, afirma
não trabalharíamos bem no modelo
remoto, e isso foi desmentido pela de que não Regina. O projeto também vai contar
com a participação voluntária

trabalharíamos
pandemia. Mas precisamos do olho dos empregados em grupos de
no olho, do cafezinho.” discussão. “Não queremos ações
de cima para baixo; nosso objetivo
O desafio
Sem demitir durante a crise, a
bem no modelo é ouvir as pessoas, entender
quais são os principais problemas
Decathlon está atualmente com
cerca de 2.000 funcionários no
remoto, e isso foi e sensibilizar as lideranças.”
E a companhia já possui um
Brasil, divididos entre lojas,
corporativo e centro de distribuição desmentido pela compromisso global: alcançar
50% de mulheres em cargos de

pandemia
(CD). E foi para este último que gestão até 2022. “Temos um avanço
surgiu uma grande novidade neste importante a fazer.”

f o t o : G i ova n n i Tá r ta r o / D i v u l g aç ão junho / julho 2021 VOCÊ RH 19

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boletim olhar do presidente

Fortes
Na contramão da maioria dos
setores, a construção civil
cresceu durante a pandemia.
Otto von Sothen, CEO do

e unidos
Grupo Tigre, mostra quais são
os desafios deste momento
Elisa Tozzi

C
om 5.300 funcionários, o Grupo Tigre está completando 80 anos em 2021. Nessas oito décadas
de história, a empresa familiar de Santa Catarina conhecida por seus tubos e conexões ampliou
a atuação para louças sanitárias e tratamento de água — além de se internacionalizar. Presente
em 40 países, a empresa, que ficou mais forte depois da compra da americana Dura Plastic, está
consolidando sua atuação nos Estados Unidos. Quem está à frente dessa operação é Otto von Sothen, que
há oito anos ocupa a posição de CEO na Tigre. Em entrevista para VOCÊ RH, o executivo explica que o bom
momento do setor de construção civil durante a pandemia veio depois de anos difíceis para o segmento —
e que isso o preparou para enfrentar qualquer crise.

Como tem sido o período de produção, e a demanda acelerou dutiva — porque essa é uma decisão
pandemia para a Tigre? brutalmente. Foi algo único, porque que leva de dois a três anos para ser
Nossa história não foi diferente da o mundo todo estava vivendo a mes- implantada e que exige investimen-
maioria das empresas. Depois do ma coisa: pessoas em home office tos na casa dos milhões de dólares.
susto inicial, criamos um comitê querendo reformar a casa. Tivemos Isso fez com que a capacidade
de crise porque precisávamos de um ano desafiador, mas positivo em produtiva batesse no teto no terceiro
uma velocidade de respostas e de termos de resultados. Mantivemos trimestre de 2020. E é uma inflação
mudanças de rumo rápidas, às no time um espírito de sobrevi- em dólar, o que gera um impacto
vezes instantâneas. E todo o time de vência, e isso reforçou os laços. grande no Brasil, por causa da des-
liderança entrou nessa conversa. valorização do câmbio. Na prática,
Nos primeiros dois meses da pan- Embora o segmento de cons- teríamos que dobrar o custo — o que
demia em 2020, paramos por duas trução civil esteja com mais é um absurdo. Por mais que um con-
semanas. Estávamos preocupados demanda, o índice de inflação sumidor entenda, ele não consegue
com contaminação e com falta de é o maior em 28 anos, segundo internalizar e arcar com isso. Esse
mão de obra, além de precisar criar a FGV. Por que isso ocorreu? cenário não significa que tenhamos
protocolos muito rígidos para quem Antes da pandemia o setor estava subido a margem; ao contrário, esta-
trabalha nas fábricas. Em junho ocioso. Globalmente os fabricantes mos tentando repassar aos poucos.
e julho, ganhamos velocidade de não investiram em capacidade pro- É uma situação bem complicada

20 VOCÊ RH junho / julho 2021 f o t o : d i v u l g aç ão

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Temos que
demonstrar
a realidade e,
ao mesmo tempo,
transmitir
esperança
e otimismo

junho / julho 2021 VOCÊ RH 21

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boletim olhar do presidente

para o consumidor final, mas a para sempre deixar claro que nossos comprar a casa própria. Entre 2014
demanda por mais conforto em casa produtos não são descartáveis. Não e 2018, a construção civil desa-
não vai arrefecer no curto prazo. havia nada de errado nisso. Mas, bou, tivemos que fechar fábricas e
quando diversificamos para metais, enfrentar anos desafiadores. Isso
O que mudou na sua rotina conduzimos grupos focais com os começou a mudar em 2018-2019
com a crise da covid-19? consumidores para ver como eles e cresceu em 2020. Nesse um ano
Gosto de visitar clientes, de ir para a enxergavam a Tigre. Dali veio a e meio, estamos com crescimen-
fábrica, e senti falta disso. A solução percepção de que conduzimos água, to muito acima do PIB. Fomos do
foi fazer lives, o que tem um lado independentemente do material. inferno para o céu, mas não pode-
bom: dá para falar com 500, 600 Isso acendeu uma luz em nós: mos esquecer o que passamos.
pessoas de uma vez só. Isso com- conduzimos água e ajudamos no
pensou o meu medo de estar longe tratamento. Aí mudou o foco. No O que aconteceu durante os anos de
do pessoal. Existe um conceito de programa de desenvolvimento de crise do setor de construção civil?
que eu gosto muito, que não é meu, liderança, esse mote foi usado para O mais bacana é que não perdemos
mas da Betania Tanure [consultora criar o novo propósito, e veio a defi- líderes, praticamente nenhum saiu
de desenvolvimento empresarial nição de transformar a qualidade de da empresa. Isso é fruto de uma
e de liderança], que é o de “líder vida pela água. Essa causa conecta comunhão de espírito, das coisas
agridoce”: temos que demonstrar muito, já que no Brasil metade serem muito claras para todos.
a realidade e, ao mesmo tempo, da população vive sem esgoto. Arregaçamos as mangas juntos e
transmitir esperança e otimismo. passamos por uma tempestade.
Em 2021, a Tigre completa 80 anos Agora estamos num momento
A empresa anunciou que vai e você oito anos de empresa. Quais oposto, mas sempre tivemos muito
dar um dia de folga para to- foram suas lições nessa jornada? espírito de união nas fases difíceis
dos os funcionários. O que Passamos por anos muito difíceis, e confiança dos acionistas, que
o motivou a fazer isso? porque a construção civil se move entenderam o momento e ficaram
Nossa pesquisa pulso de clima reve- de acordo com o PIB do país, já que próximos de nós. Pelo tempo que
lou que o time estava esgotado. En- envolve decisões importantes para a crise durou, o desafio foi muito
tão surgiu a ideia, junto com o RH, de as pessoas, como fazer reformas e mais intenso do que o da covid-19.
dar um dia de descanso para todos. Acredito que isso nos preparou.
Estamos cientes de que as pessoas
estão mais cansadas do que nunca, Como você encara a liderança hoje?
por isso o RH tem incentivado fazer Fala-se muito sobre o fim da era do
pausas, brecar reuniões na hora do CEO protagonista, e isso é algo que
almoço. São coisas sem custo, mas já fazíamos na Tigre. Aqui a decisão
que ajudam a recarregar a bateria e As pessoas não é individual. Dá um pouco de
que possuem alto valor emocional. trabalho porque demanda o esforço
se sentem de conversar com todo mundo, mas
A Tigre passou por uma trans- tem um poder de alinhamento gran-
formação cultural há alguns agradecidas de. Outro ponto é se mostrar como
anos, trazendo a água para o um líder que tem fragilidades. Essa
centro do propósito corporati- quando percebem característica foi exacerbada nesse
vo. Como foi esse processo? ano e meio. As pessoas se sentem
Nossa visão era muito industrial, que os líderes agradecidas quando percebem que
acreditávamos que éramos produto- os líderes, assim como elas, também
res de plástico, com muito cuidado também têm medo têm medo e não sabem de tudo.

22 VOCÊ RH junho / julho 2021

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Gestão

Os caminhos para a

l ide r a nç a
e s t r at é gic a
Com a pandemia, o RH ganhou ainda mais evidência e
agora é a hora de tornar a área realmente conectada
ao negócio. Aprenda como fazer isso

Caroline Marino

24 VOCÊ RH junho / julho 2021

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ILUSTRAÇÃO: davi augusto junho / julho 2021 VOCÊ RH 25

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N
Gestão

ão é de hoje que consulto- não deve ter responsabilidades operacionais, possui


res e gurus de administra- amplo conhecimento da empresa e da gestão de
ção debatem a importância talentos, e entende questões como a estrutura de
da mudança de postura custos e as métricas e KPIs que vão influenciar o
— da operacional à estra- bônus anual dos executivos. Além disso, sabe usar os
tégica — dos líderes de dados para informar, entender e convencer sobre os
RH. O tema já foi discutido problemas, e tem habilidades de parceria, influência
algumas vezes por causa e colaboração.
das constantes transfor- “Já falo isso há anos, mas é hora de a área assumir
mações no mundo do tra- a cadeira de copiloto do CEO, que por muito tempo
balho: do aumento das foi ocupada pelo diretor financeiro, e auxiliar nas
pressões de custos e das decisões estratégicas”, diz Luiz Carlos Cabrera,
tecnologias que surgem professor na FGV Eaesp e fundador da consultoria
todos os dias e modificam L.Cabrera. Segundo ele, o RH ganhou protagonismo
processos às novas expec- na pandemia e só há um caminho para iniciar essa
tativas dos profissionais, jornada: a atuação ao lado do presidente (leia mais
que buscam formas mais no quadro Mais perto do negócio, pág. 28). “Não
ágeis de atuar e empresas com mais propósito e li- há nenhum diretor de RH de sucesso que não tenha
berdade. Ainda em 2018, a consultoria global de uma excelente parceria com o CEO”, diz Cabrera.
gestão Gartner já mostrava que 60% dos CEOs es-
tavam repensando a função do RH, com a expecta- O valor para a competitividade
tiva de contar com um profissional mais estratégico O primeiro passo para mostrar o valor do trabalho
e capaz de gerar valor em todas as esferas da com- do RH para o principal executivo de uma companhia
panhia. é saber alinhar as práticas à competitividade. E isso
Em 2020, com a chegada da pandemia de covid-19, acontece em três estágios, segundo Cabrera. O pri-
a maior crise sanitária e humanitária dos últimos meiro é ter bons fundamentos de gestão de pessoas,
tempos, o tema voltou a ser discutido. Afinal, um dos como recrutamento e seleção modernos, boa avalia-
profissionais mais demandados foi o de recursos hu- ção de desempenho e política salarial atrativa, com
manos, principalmente por cuidar do elo mais fraco incentivos de curto, médio e longo prazos. O segundo
deste mundo pandêmico: as pessoas. “A covid-19 tem é ser orientado pela estratégia do negócio. “Mas
impacto direto na força de trabalho, e isso aumentou não basta apenas conhecer a estratégia; é preciso
a importância das funções de RH. Mas para isso é transformar os recursos humanos em um diferencial
preciso, primeiro, olhar os empregados como pes- de competitividade, que é o terceiro estágio”, diz o
soas e, assim, alinhar a gestão do capital humano à professor. Para isso, é necessário trabalhar o com-
estratégia”, diz Mark Whittle, vice-presidente de HR prometimento das pessoas, o que acontece por meio
research & advisory do Gartner. de trocas: não adianta pedir esforço sem fornecer
Não à toa, uma pesquisa feita pela consultoria um ambiente que reconheça verdadeiramente a
mostra que 89% das funções de recursos humanos
foram reestruturadas, estão em reestruturação ou

71%
em planejamento para ser reestruturadas nos pró-
ximos dois anos. Os dados mostram, por exemplo, dos funcionários
que 44% das companhias já têm ou pretendem ter o dizem que o RH não
cargo de HR COO (diretor de operações de recursos entende do que eles
humanos), responsável por gerenciar todas as ope- precisam nem o que
rações e transações da área, e um HRBP (business realmente querem
Fonte: Gartner

partner de RH), com foco na operação e no dia a dia


do negócio. De acordo com Mark, o líder estratégico

26 VOCÊ RH junho / julho 2021

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Caroline Carpenedo, diretora
global de RH e responsabilidade
social da Gerdau: conversas
diárias com o presidente e
representação do executivo
em reuniões e eventos

foto: Jonas Adriano / Art Imagem junho / julho 2021 VOCÊ RH 27

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Gestão

Mais perto
dedicação de todos. Nem exigir desenvolvimento
sem oferecer desafios constantes. Nem lealdade
sem contar qual é o caminho da empresa e aonde a
companhia quer chegar.
Caroline Carpenedo, diretora global de RH e

do negócio responsabilidade social da Gerdau, está sempre ao


lado do presidente Gustavo Werneck da Cunha e é
uma das líderes que o representam em eventos ou
reuniões. “Conversamos quase diariamente para
debater sobre como alavancar os resultados do
Conheça os pilares da negócio, como cuidar de nossas pessoas e como
liderança estratégica no RH garantir a vivência dos princípios”, afirma. Segundo
ela, o RH estratégico deve traduzir as aspirações da
companhia em sistemas, símbolos e comportamentos
para ajudar a empresa a evoluir. Caroline exemplifica
1. Perfil T
As companhias exigem profissionais especializados,
com a questão do ESG (sigla em inglês para meio
ambiente, social e governança), pilar importante para
que tenham solidez nas atividades que desempenham,
a Gerdau. “Com o intuito de trazer essa estratégia
mas capazes de desenvolver uma visão global. Segundo
Rafael Souto, presidente da Produtive, esse é o perfil T, ligada à sustentabilidade para os processos de RH,
que representa dois tipos de atuações. A linha vertical incluímos ESG no bônus dos executivos e estipula-
da letra é a área de atividade — como o RH. A linha mos a meta de ter 30% de mulheres em posições de
horizontal é o desenvolvimento holístico, ou seja, ter
conhecimentos sobre os demais setores do negócio, liderança”, explica. Além disso, todos os assuntos de
como finanças, estratégia, marketing e tecnologia. Isso gestão de talentos são tratados nos encontros com
quer dizer que o RH precisa ter habilidades que estão a diretoria, como o Comitê de Apoio ao Conselho
fora do escopo tradicional de gestão de pessoas.
de Administração e o Comitê Instituto Gerdau, dos
quais Caroline faz parte. “O cuidado com as pessoas

2. Design organizacional
Para ajudar o negócio e antecipar tendências, o RH
de dentro e de fora da empresa é discutido nessas
reuniões”, afirma. De acordo com ela, a parceria do
deve propor o desenho organizacional do futuro e RH com o CEO e com o conselho de administração
agir como um designer. Algumas perguntas podem tem o objetivo de garantir que a empresa esteja indo
ajudar nesse processo: como vamos operar no futuro? no caminho certo.
Qual é o melhor jeito de trabalhar? Teremos carreira
linear ou em nuvem? Vamos construir um ecossistema
Por isso, torna-se essencial o RH compreender
aberto e colaborativo? Qual será o melhor tipo de quais são as decisões estratégicas, os planos de
contrato? Além disso, o RH precisa auxiliar em toda a curto, médio e longo prazos, a cultura e os valores
estruturação de cargos para fornecer o desenho que
que regem a empresa e os talentos necessários para
melhor atenda às demandas da empresa.
conquistar os objetivos. Além de ter entendimento
sobre todos os stakeholders da companhia — dos

3. Proximidade com o CEO


Ser um parceiro estratégico que alerta — e aconselha
funcionários aos clientes e fornecedores — e saber,
de cor, como a empresa cuida de suas pessoas. Para
— sobre as principais questões da empresa, dando dar conta de tudo isso, a Gerdau integra as áreas de
ênfase aos assuntos de pessoas, é importante para pessoas e de sustentabilidade. “Em 2018, quando a
uma atuação estratégica. Segundo Vicky Bloch, por
empresa esboçou seu propósito, que é empoderar
estarmos em um momento de crise, o conselho de
administração está em um movimento muito mais de pessoas que constroem o futuro, olhamos também
controle do que de acolhimento. “Muitos CEOs não para qual seria nossa estratégia para a comunida-
entenderam que a vulnerabilidade é essencial hoje. É o
de”, diz Caroline. Segundo a executiva, a empresa
RH que deve mostrar isso, pois tem a compreensão do
negócio e a possibilidade de propor novas formas de decidiu fazer isso por meio do empreendedorismo.
trabalhar que gerem conforto a todos”, diz. Uma das ações é o Gerdau Transforma, programa

28 VOCÊ RH junho / julho 2021

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Giovanna Poladian,
diretora de pessoas e
cultura da CTG: a área de
RH é parceira nas decisões
complexas do negócio

foto: celso doni junho / julho 2021 VOCÊ RH 29

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Gestão

que ajuda pessoas em vulnerabilidade e informais com todo o time? É chamado para discutir a estra-
a gerar renda. Na pandemia, foi aberta uma turma tégia de expansão do negócio, ou é solicitado apenas
que recebe os familiares dos funcionários. para contratar pessoas depois do crescimento? “O
Esse olhar ampliado, para dentro e fora da or- profissional de gestão de pessoas que entende a es-
ganização, é crucial na busca por uma liderança tratégia se aprofunda nos temas, discute e participa
estratégica na gestão de pessoas. “A empresa precisa das decisões”, afirma Rafael.
da área na discussão do ambiente, da governança e Esse é o caso de Giovanna Poladian, diretora de
da sustentabilidade. São temas obrigatórios para o pessoas e cultura da CTG, empresa chinesa de ener-
RH”, afirma Vicky Bloch, sócia da Vicky Bloch As- gia, que sempre é chamada para tomadas de decisão
sociados, professora nos cursos de especialização importantes. A companhia, que chegou ao Brasil há
em RH da FGV-SP e da FIA e colunista de VOCÊ sete anos, tem passado por muitas transformações
RH. Isso quer dizer apoiar debates amplos como: a em razão das aquisições feitas ao longo desse tempo.
empresa está olhando de perto para a saúde mental E todas têm o RH como parceiro. Em 2020, por exem-
dos funcionários? O trato com os clientes e fornece- plo, o presidente da multinacional convidou Giovanna
dores é feito com lealdade? A comunidade ao redor é e o diretor da área de estratégia e performance para
assistida? Se a empresa fala em respeitar a dignidade debaterem a nova estrutura organizacional, que foi
em todas as relações, mas o fornecedor leva 90 dias implementada em março deste ano. A ideia foi ana-
para receber, por exemplo, há algo errado — e o RH lisar a organização de todas as áreas, olhando se as
deveria influenciar na solução. posições existentes eram suficientes para alcançar
os resultados esperados e se havia sinergia entre
Mais colaboração as funções. Outra contribuição da área está ligada
A ideia do RH estratégico é que a área colabore com à entrada da companhia no mercado de energias
o negócio de maneira efetiva, analisando dados e renováveis: o RH auxiliou o CEO a entender melhor
participando das principais decisões da empresa, o segmento. O mesmo está acontecendo no processo
como explica Rafael Souto, presidente da Produtive, de transformação cultural pelo qual a empresa pas-
consultoria de planejamento e transição de carreira. sa desde 2019. É o setor de gestão de pessoas, em
Para saber se o trabalho está nesse nível, vale ava- parceria com os departamentos de comunicação e
liar as agendas para as quais a área é chamada. O estratégia, que está tocando todo o processo. “Três
RH participa das discussões de lançamento de um passos são importantes para o RH ser realmente um
produto, ou só entra para indicar alguém da empresa parceiro de negócios: entender a fundo a estratégia,
para participar da campanha de divulgação? Pensa desenhar projetos para entregá-la e ouvir as pessoas,
só na parte prática do home office, ou implementa da liderança ao operacional”, afirma Giovanna. Para
ações diferentes de engajamento e lidera conversas isso, ela explica que cada etapa do projeto de cul-
tura foi dividida — e discutida — com todo o time.

62%
“Testamos os novos valores e propósito em grupos
focais, sempre perguntando como as pessoas se
sentiam em relação aos valores e se aquele propósito
as representava”, explica a executiva.
É por isso que o conceito de trabalho em equipe
não pode ficar restrito apenas às descrições das
vagas de emprego e precisa ser urgentemente abra-
çado pelos profissionais de RH. De acordo com Vicky
dos líderes de RH não acreditam que sua Bloch, é indispensável assumir a interdependência
função separa adequadamente a parte da área e ter a humildade de agir em conjunto. “Isso
estratégica da operacional significa admitir que sozinhos não chegamos a lugar
Fonte: Gartner algum”, afirma. Na visão de Ricardo Triana, diretor
executivo do Project Management Institute (PMI),

30 VOCÊ RH junho / julho 2021

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Onde estão O relatório Get Started:
Implementing the HR Operating
Model of the Future, elaborado

as travas?
por Mark Whittle, do Gartner,
mostra quais são os obstáculos
para a atuação do RH

Competências

1. 2. 3. 4.
Falta de uma Incompreensão Desconhecimento Dificuldade em
equipe de RH capaz do que é um de quais entender como
de criar mudanças “bom” impacto habilidades e melhorar a equipe
estratégicas estratégico competências são
necessárias para
causar impacto
estratégico

Projetos

1. 2. 3. 4.
A equipe de RH luta Não há Faltam recursos, A natureza ou
para equilibrar colaboração como pessoas o tamanho do
responsabilidades de maneira e verba, para negócio torna
operacionais e eficaz dentro da preencher a difícil separar o
estratégicas função, há silos equipe e investir estratégico do
operacionais em automação operacional
ou serviços
compartilhados

Transformações

1. 2. 3. 4.
É difícil mover Os acionistas não A equipe de RH não O time
recursos quando esperam que o RH está disposta a operacional de
as prioridades seja estratégico mudar RH vai entender
mudam e o veem apenas seu papel como um
como operacional rebaixamento

junho / julho 2021 VOCÊ RH 31

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Gestão

Patrícia Coimbra, vice-


presidente de capital
humano da SulAmérica:
conversas constantes
com os líderes para
balancear as ações
táticas e estratégicas

32 VOCÊ RH junho / julho 2021 foto: celso doni

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associação especializada em projetos, ninguém pode beçar essa mudança de mentalidade exige do RH
esquecer o fato de pertencer a uma comunidade. um amplo entendimento em questões sociológicas,
“É precio estar rodeado de bons profissionais, que culturais e antropológicas. “Sem o mergulho nesses
possam ajudar a implementar novos projetos e a temas e sem conhecimento do negócio, o RH não
equilibrar as demandas do dia a dia”, afirma. consegue ser estratégico”, afirma Vicky.
Claro que balancear o tático e o estratégico não
Olhar treinado é uma tarefa simples. A solução encontrada por Pa-
Ninguém se torna estratégico sem saber diferenciar trícia Coimbra, vice-presidente de capital humano,
o joio do trigo — essa é, aliás, uma habilidade funda- administrativo, sustentabilidade e marketing da
mental para liderar em alto nível. E a implementação SulAmérica, é conversar com a liderança e com o
do home office pode ser um exemplo disso. A ação CEO para entender onde a equipe deve aumentar o
pode parecer à primeira vista algo mais operacio- esforço: no estratégico, no tático, no operacional ou
nal, mas vem acompanhada de diversas questões em ações externas (relação com a comunidade, com
estratégicas: tecnologia, segurança de dados, gestão os clientes e os fornecedores). “Temos que olhar o
à distância e transformação cultural. “Muitos RHs que a organização precisa no momento para gerar
foram chamados à mesa de discussão, pois o trabalho resultado”, diz a executiva. A empresa tem, inclusive,
remoto exige mudanças profundas que têm a ver com uma estrutura de consultores do RH que ficam nas
rituais de engajamento, de lideranças e de produti- áreas para identificar como estão as entregas e quais
vidade”, diz Vicky. Segundo ela, foi preciso profundo são as dificuldades. “Nosso papel é ter certeza do que
conhecimento e compreensão sobre os impactos da é importante para as pessoas. Para isso, precisamos
emoção na rotina profissional das pessoas. Enca- conhecer profundamente a cultura, a estratégia e os

O relatório de Mark
como
Whittle, do Gartner,
também indica quais
são os passos para
elevar a atuação do RH melhorar
Estabelecer um pool de soluções de problemas
Atualizar as habilidades
• Definir a função do solucionador de problemas do RH
e fazer capacitações
• Identificar lacunas de habilidades e necessidades • Pedir a ajuda de uma consultoria ou de
um especialista em gerenciamento de projetos
• Criar um currículo e estabelecer
um processo de certificação • Determinar um método de priorização dos projetos

Criar uma equipe para os Criar funções estratégicas


projetos de gestão de pessoas • Desenhar papéis estratégicos para business partners
sem responsabilidades operacionais
• Implantar um time de RH para auxiliar
as áreas de apoio • Criar funções estratégicas para especialistas
• Incorporar o RH ágil na estrutura • Reinventar a colaboração entre business partners
organizacional existente e especialistas

junho / julho 2021 VOCÊ RH 33

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Gestão

Sergio Povoa, diretor


de RH da OLX Brasil:
atuação em conselhos de
administração amplia o
olhar para além do setor
de recursos humanos

34 VOCÊ RH junho / julho 2021 foto: celso doni

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2/3
ponto importante é a busca dos conselhos por mais
diversidade de perfis. “Essa meta é fundamental
dos líderes de porque permite que a organização se beneficie da
RH não podem pluralidade em suas tomadas de decisão”, explica
cancelar projetos a conselheira do IBGC.
ou realocar Um exemplo de profissional de gestão de pessoas
atuante em conselhos é Sergio Povoa, diretor de
recursos quando
RH da OLX Brasil. Atualmente, ele é conselheiro
a prioridade muda em uma empresa de beleza e mentor da Endeavor,
Fonte: Gartner
o que abriu caminho para que ele falasse com
muitas empresas e startups sobre o RH estratégico
e a importância de levar o tema de pessoas para
líderes, pois cada gestor tem um perfil”, diz Patrí- os boards. “Essa atuação vem da transformação
cia. Outro ponto importante nesse tipo de atuação de minha maneira de olhar o negócio. Quando
é usar a tecnologia a favor da área. “Por meio do comecei a enxergar a empresa de forma geral, sem
analytics conseguimos entender as dificuldades do a fragmentação da área de RH, as possibilidades
funcionário, se há problemas no auxílio-creche, por se abriram”, diz Sergio. Segundo ele, também foi
exemplo, ou na experiência de integração: assuntos importante estabelecer um relacionamento bem
diretamente ligados à produtividade e aos resultados próximo ao CEO e às lideranças. “O RH precisa ser
da companhia”, afirma a diretora da SulAmérica. o braço direito do presidente”, diz. É por isso que
Ela ainda participa do Comitê de Capital Humano, toda semana ele e outros gestores se reúnem com
integrado pelo presidente e demais vice-presidentes, o presidente da OLX para debaterem as questões
no qual são debatidos temas como programas de de negócio e traçar planos — um ótimo momento
diversidade e inclusão e bônus dos executivos, e do para o RH ligar os pontos.
Comitê de Sustentabilidade, que assessora direta- Mas isso só é feito com competência se o líder de
mente o conselho de administração e aborda assun- pessoas entende profundamente questões como
tos como mensuração de impacto social e ambiental processos produtivos, sistemas e serviços, comuni-
dos produtos e serviços da empresa. cação corporativa, mercado, sociedade e cuidados
com o capital humano. “Precisamos desenvolver
Cadeira cativa um olhar 360 graus. Olho para o curto prazo, mas
Embora ainda em baixa escala, tem sido mais sempre pensando no próximo passo”, explica Sergio.
comum o RH fazer parte dos conselhos de admi- “O que o conselho espera é essa visão de RH que
nistração. Existem, basicamente, dois tipos de conecte todos os pontos da empresa.”
atuação para o executivo de pessoas: comparecer Ter uma visão de futuro é mesmo essencial para
nas reuniões para apresentar temas estratégicos da uma atuação estratégica. Nesse sentido, aquele pro-
área ou atuar efetivamente como conselheiro. “No fissional de RH que não se sente capaz de responder
passado, víamos profissionais de RH integrando a uma pergunta simples, mas fundamental, como
conselhos somente após deixar a carreira executi- “quais habilidades minha empresa precisará ter da-
va. Hoje, observamos executivos atuantes na área qui a cinco anos para dar conta da estratégia?”, tem
participando de conselhos ou comitês de apoio ao uma atuação ainda sem foco no negócio, segundo
conselho”, diz Claudia Elisa Soares, conselheira de José Augusto Figueiredo, country head do Grupo
administração do Instituto Brasileiro de Governança Adecco.Esse pensamento sobre o amanhã deve estar
Corporativa (IBGC) e das empresas Even, Tupy, conectado à avaliação do momento presente da com-
Havan e Roldão Atacadista. “Isso trouxe uma dinâ- panhia: é um eterno equilíbrio entre o que já existe e
mica muito interessante ao mercado, já que todas o que precisa ser criado. Se o RH se apoderar disso,
as empresas veem a importância dos temas pessoas se tornará essencial para a construção de um futuro
e cultura entre seus desafios estratégicos.” Outro com mais relevância e humanidade nos negócios.

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Remuneração

36 VOCÊ RH junho / julho 2021 f o t o : C S A I m ag e s

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Salário a combinar
Muitas empresas não abrem os valores salariais durante o processo
seletivo. Embora seja uma prática padrão, isso pode prejudicar a imagem
da companhia, além de deixar o recrutamento mais caro e lento
B á r b a r a N ór

E
m 2015, uma ex-fun- em busca de um emprego em 2020 der os próprios funcionários para
cionária do Google preferiam vagas com pelo menos outras empresas, caso saibam
nos Estados Unidos, uma informação aproximada de que elas pagam melhor. A preo-
Erica Baker, seria a salário. Mas mais da metade dos cupação é, ainda, a segurança,
responsável por ini- funcionários entrevistados pelo levando-se em conta o contexto
ciar um movimento Glassdoor relatou não ter ideia de de países desiguais como o Brasil.
em massa em diver- qual era o salário quando se can- “Algumas empresas avaliam que
sas empresas do didatou para o último emprego. declarar valores dos cargos mais
mundo. Insatisfeita No Brasil, a situação se repete. bem pagos pode colocar em risco
com a falta de trans- Em abril, das 50.019 vagas anun- os profissionais”, diz Erica.
parência, ela criou ciadas na plataforma InfoJobs, por Outro medo seria o de atrair
uma planilha para que funcioná- exemplo, 42% vieram com a frase candidatos puramente interessa-
rios divulgassem seus salários na “salário a combinar”. O restante, dos no salário, e não na vaga em
empresa. A iniciativa gerou uma 58%, dividia-se entre vagas com si. A ideia é que não declarar o
série de outras planilhas preen- salário ou com faixa salarial. Se- valor pode chamar pessoas mais
chidas por funcionários de com- gundo Nathália Paes, responsável motivadas por outros fatores que
panhias como Microsoft, WeWork pelo desenvolvimento de negócios não o financeiro, como cultura e
e organizações de mídia, muitas do InfoJobs, a maioria das opor- propósito. É por isso que Maria
das quais continuam ativas até tunidades que abrem informação Sartori, diretora de recrutamen-
hoje — inclusive no Brasil. salarial costuma ser para níveis to da Robert Half, consultoria
O movimento denota um con- mais baixos, como júnior e pleno. especializada em recrutamento e
flito que ainda parece longe de se “Ocultar o salário ainda é prática seleção, costuma recomendar aos
resolver: de um lado, as pessoas recorrente em grande parte das clientes que não abram nem mes-
querem ter acesso a informações empresas, especialmente para mo a faixa salarial. Ainda que essa
de salário e remuneração. De cargos mais altos”, afirma. seja, de fato, a questão que Maria
outro, há relutância das empresas O que parece estar por trás Sartori mais ouve dos candidatos.
em abrir essas informações. E o disso é o medo, sob várias for- “Divulgar essa informação pode
problema segue atual. Em um mas. “Há o receio de colocar essa desestimular o profissional a se-
estudo do Glassdoor, site que per- informação nas mãos dos concor- guir no processo, mesmo antes de
mite que usuários avaliem anoni- rentes”, diz Erica Isomura, sócia e conhecer a vaga”, diz. “E, no final,
mamente empresas onde traba- consultora da Corall, consultoria é possível que ajustemos o valor
lham, oito em cada dez pessoas de RH. O risco é também o de per- de acordo com quem escolhemos.”

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Remuneração
Dois pesos, duas medidas Para os candidatos, o salário A solução para ter flexibilidade
Para os candidatos, a história não seria importante apenas pela em relação a candidatos de dife-
poderia ser outra. Em outra pes- questão financeira. “É comum que rentes níveis de senioridade, nes-
quisa do Glassdoor, de 2018, a determinadas posições técnicas se caso, seria divulgar uma faixa
principal reclamação dos candi- e de coordenação, por exemplo, salarial. No final, pode-se ajustar
datos em processos seletivos já possam ter salários que variam de o valor de acordo com a pessoa
era a falta de informações sobre 4.000 a 15.000 reais”, diz Denise escolhida. Tentar levar até o fim
benefícios e remuneração. Para Asnis, da Taqe, plataforma de do processo aqueles candidatos
58% deles, ter mais informações recrutamento e seleção digital. O cuja pretensão salarial é maior do
claras e abertas seria o principal valor pode ajudar a ter uma ideia que a empresa pretende oferecer,
fator de melhoria da experiência do próprio nível de senioridade de por outro lado, também pode dar
do processo seletivo. A falta de forma mais específica que o título errado. “Se você não deixa claro
transparência, na verdade, está do cargo. “O processo seletivo de- desde o início que não pode pagar
por trás dos principais problemas veria ser visto como uma relação muito próximo da pretensão do
nos processos seletivos. mais igual entre pares e deixando candidato, ele pode declinar no
Afinal, para os candidatos, o claro exatamente o que se espera final”, diz Nathália. “E ainda dei-
processo pode parecer um encon- para a vaga”, diz Denise. Outro xar de se candidatar para vagas
tro às cegas: a empresa sabe tudo argumento seria a igualdade: ter futuras porque ficou com uma má
a respeito deles, mas a recíproca o salário aberto nas vagas redu- imagem da empresa.”
não é verdadeira. “Tem muita ziria disparidades entre gêneros De fato, deixar os candidatos
coisa mudando para tornar as ou mesmo entre cargos iguais na no escuro durante o processo
empresas mais humanizadas e mesma empresa, por exemplo. seletivo pode pegar mal para a
transparentes, mas continuam empresa. “Não divulgar nem ao
contratando e remunerando co- Menos efetividade menos uma faixa salarial é muito
mo antes”, diz Marcelo Cardoso, As empresas podem sair per- ruim, porque as pessoas ficam
fundador da consultoria Chie. dendo com a prática para além realmente cegas”, diz Erica Iso-
Vagas pouco claras, com processos da insatisfação dos potenciais mura, da Corall. “E para o valor
confusos para os candidatos, são candidatos. “Ocultar o valor tem da marca isso é prejudicial.” Para
mais um sintoma desse problema, muitas consequências, até finan- ela, mesmo que as organizações
porque denotam um descaso com ceiras, para o RH”, diz Nathália não divulguem um salário exato,
as expectativas das pessoas na Paes, do InfoJobs. O principal o máximo de clareza possível é
outra ponta. “Não divulgar a re- motivo é que isso tornaria os pro- sempre o melhor. “Explicar bem
muneração, nesse caso, é só mais cessos seletivos mais ineficientes: como a empresa remunera pode
uma característica entre muitas não abrir o salário costuma atrair fazer diminuir aquela sensação
de processos que pensam nas pes- muito mais candidatos para a de leilão que muitos candidatos
soas como meros recursos”, diz. vaga, segundo ela. “Mas isso não têm”, afirma. “Afinal, queremos
Mesmo a questão da estratégia significa que eu tenha candida- que o processo seletivo seja uma
ou da privacidade dos salários tos aderentes — quantidade não escolha mútua.”
não seria um motivo forte o su- é qualidade.” É comum que no
ficiente, para Marcelo. “As me- final, quando o salário é aberto, Dou-lhe uma, dou-lhe duas
lhores empresas, aliás, têm como muitos desistam do processo, por O sentimento de participar de um
prática fazer pesquisa de salário não ser o valor que esperavam. O leilão, aliás, é uma das reclama-
justamente para pagar de forma resultado: o RH é obrigado a re- ções frequentes das pessoas em
coerente com o mercado”, diz. fazer todo o processo. “Isso custa plataformas como o LinkedIn ou o
“Então, na verdade, as empresas dinheiro e tempo do RH, além do Facebook. Ele vem, principalmen-
sempre sabem ou devem saber prejuízo pelo fato de uma posição te, quando as empresas colocam
quanto o concorrente paga.” ficar sem ser preenchida.” “salário a combinar” ou exigem a

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Só problema
pretensão salarial sem dar mais
informações em contrapartida.
A sensação transmitida é de que
a organização está procurando
quem ofereça mais por um salário
menor. “Quando faz isso, o proces- A maior parte dos erros no processo seletivo está
so fica impreciso e mostra falta
na falta de clareza. Saiba quais são os principais
de clareza e segurança do que a
empresa quer”, diz Erica.
Para fazer sentido, as práticas
de recrutamento e seleção mais Não dar feedback
transparentes devem vir alinha-
das com a cultura e os valores Esta é provavelmente a principal dor do candidato: muitas
da companhia. “A forma como a vezes, ele sequer fica sabendo se o processo seletivo já acabou.
empresa se porta em um recruta- Mesmo em etapas com grande número de concorrentes,
deve-se enviar pelo menos uma mensagem automática avisando que o
mento precisa ser coerente com
candidato não passou naquela fase. Já na etapa final, o feedback deve ser
o que ela é”, diz Denise, da Taqe. mais elaborado, mostrando qual competência pode ter faltado ou se foi
De nada adianta uma empresa problema de nervosismo, por exemplo.
querer se portar como uma or-
ganização aberta, transparente
e pouco hierárquica no processo
deixar de explicar quais são as etapas
seletivo se essa não é a realidade
A busca por um emprego sempre gera ansiedade e
interna. “O employer branding expectativa. Deixar claro quais são as etapas do processo
não pode ser só marketing”, afir- seletivo — e, mais importante, os prazos de cada uma — é
ma. Primeiro, porque atrair as uma medida simples, mas que ajuda a tornar a experiência dos
pessoas por algo que não se é candidatos mais tranquila e agradável.
pode resultar em alto turnover
e frustração. Segundo, porque Descrições sem clareza
a função da marca é justamente
mostrar qual é a cultura da em- Anúncios com informações genéricas não ajudam ninguém:
presa e o que ela valoriza. “Se for nem os candidatos saberão ao certo do que se trata a vaga,
uma companhia mais conservado- nem as empresas atrairão as pessoas de que precisam. Deve-se
explicitar o nível de responsabilidade daquele cargo, o papel
ra e processual, o melhor é deixar
dele no dia a dia e o perfil esperado. Nesse caso, é bom evitar o
isso claro e atrair as pessoas uso de jargões internos ou de RH.
certas, em vez de tentar vender
outra coisa”, diz Denise.
O receio dos profissionais Desrespeitar o tempo do candidato
em processos seletivos é o de
Atrasos nas entrevistas, mudanças abruptas de horário ou processos
estar sendo manipulados. Por muito morosos aumentam a ansiedade dos participantes e passam a
isso, trocam relatos nas redes imagem de descaso por parte da empresa.
sociais e não há como contro-
lar o que é dito a respeito das
empresas. Portanto, quanto
Vagas fantasmas
mais transparentes e abertas,
Manter vagas abertas depois de já terem sido preenchidas,
melhor. “A transparência é a seja para continuar captando currículos, seja por descuido, é
moeda do futuro”, diz Denise. uma prática que, além de pouco efetiva, só gera frustração dos
“Não vai ter volta.” candidatos em relação à empresa.

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Entrevista

Atuar com o

coração
Um dos executivos mais preocupados com a diversidade e a inclusão do Brasil,
Theo van der Loo acredita que a pauta ganhou fôlego, mas as empresas ainda
precisam percorrer um longo caminho para conquistar a igualdade
Elisa Tozzi

C
om uma trajetória de 40 anos na indústria farmacêutica, Theo van der Loo se tornou, em
2017, quando ocupava a cadeira de CEO da Bayer, uma das vozes mais importantes da
discussão sobre diversidade. Na época, escreveu um post de desabafo em seu LinkedIn
compartilhando a história de um profissional negro que teve de ouvir de um recrutador que
não seria entrevistado por causa de sua cor. Theo já liderava alguns projetos de inclusão
racial na Bayer, mas seu texto foi o estopim para que a discussão se ampliasse e ele abraçasse
a causa da diversidade como uma pauta pessoal. Atualmente ele faz parte do CEOs Legacy, da
Fundação Dom Cabral, grupo que amplia o poder de influência dos executivos para iniciativas
socialmente relevantes. Aposentado da Bayer desde 2018, Theo está à frente da NatuScience,
empresa que tem o objetivo de conectar pacientes à cannabis medicinal, além de ser consultor,
conselheiro e palestrante. Em entrevista para VOCÊ RH, ele faz um balanço da pauta da diversidade
nas organizações e traz um alerta: é preciso parar de racionalizar sobre o que está errado e começar
a fazer o que é moralmente correto — simplesmente porque é a coisa certa.

40 VOCÊ RH junho / julho 2021 foto: Celso Don i

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Entrevista

Em 2017, você fez uma postagem A pesquisa que vocês fizeram negras não pudessem ter uma
no seu LinkedIn pessoal que apontou que 65% das empresas boa educação por aqui, pois foram
trouxe à tona a discussão sobre o não têm estratégia de diversidade, incapacitadas desde a escravidão.
racismo no mercado de trabalho. então ainda falta. São poucas as Muitas vezes nós usamos a razão
Na época, compartilhou uma empresas que já têm resultados para justificar o que não é justo e
história de um profissional que para mostrar, mas o que está claro ficamos encontrando desculpas.
ouviu de um recrutador que é que há companhias em um bom
ele “não entrevistava negros”. caminho. Fora disso, existem dois Uma racionalização muito usada
De lá para cá, o que mudou? grupos: o que está convencido e não é a que diz que a diversidade
Comecei a pensar sobre esse faz muita coisa e o que ainda não gera lucro para as empresas.
tema em 2014, quando era CEO da está convencido. No geral, nesse Temos que atuar com o coração. Um
Bayer. Foi assim que eu aprendi o segundo grupo estão as empresas CEO não deveria usar a lucratividade
meu lugar de escuta. As pessoas familiares, mas há exceções. como o motivo para a inclusão,
negras, naquela época, reclamavam precisa fazê-la porque é justo. Esse
que sempre que falavam algo Fora do Brasil o assunto é o motivo. Claro que isso renderá
relacionado ao racismo os outros está mais avançado? mais dinheiro, porque haverá uma
contestavam alegando que era De forma geral, os Estados Unidos já oferta maior de talentos entre as
“mimimi”. Diziam que me apoiariam estão mais à frente na agenda racial, mulheres, as pessoas negras e as
se eu levantasse a questão, mas mas na Europa muitas empresas pessoas pobres. No Brasil, 79% da
que eles não poderiam fazer. não sabem bem como lidar com população não participa de forma
Eles nunca quiseram favor, só isso. Os negros de fato são minoria adequada do mercado de trabalho,
oportunidade para mostrar seu nos países europeus e, embora que tem um monopólio dos homens
potencial e a chance de ocupar recebam boa educação por estarem brancos, que representam apenas
posições. Hoje os negros tomam no sistema público educacional da 21% da população. Quanto mais
iniciativa para falar com a liderança. Europa, também são discriminados candidatos diversos você tem,
Houve mudanças, muito por na hora de procurar emprego. É o mais talentos encontra. Temos que
causa das mídias sociais. Antes, a racismo estrutural. E temos que parar de justificar a importância da
diversidade ficava focada em gênero separar as coisas: mesmo no Brasil, inclusão e focar o como fazer: o que
e, no começo, muito em mulheres não podemos falar que esse é um podemos aprender com as empresas
brancas. Agora já começamos problema apenas social. Foi o que já fizeram isso? O que deu
a falar sobre mulheres negras. racismo que fez com que as pessoas certo e o que deu errado? Também
é importante parar de criticar as
companhias que estão fazendo
algo. Precisamos deixá-las ter a
experiência e gerar aprendizado.

No ano passado, programas


de trainee e estágio exclusivos

As empresas gastam milhões em para negros anunciados pela


Bayer, Ambev e Magazine

compliance. o que precisamos


Luiza, entre outras, geraram
elogios e críticas. Qual é sua
opinião sobre esses projetos?

agora é de um compliance moral O modelo padrão dos programas


de trainee vai atrair mais brancos.

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Ninguém diz que só vai contratar oportunidades para promoções,
essas pessoas, é meio disfarçado, porque isso motiva os demais. As
mas o resultado é esse. Quando chances precisam ser reais: não
tiramos o filtro, é possível adianta ter apenas uma pessoa
encontrar os melhores talentos negra na liderança e chamá-la
negros. Muita gente nem se todas as vezes que quiser falar
inscrevia nos programas de trainee que a empresa é inclusiva. Porque
por medo de tentar e porque sabia aí vira algo como “negro de
que ia morrer na praia. Então, estimação”, o que não é bom.
é importante ter essa abertura
para que as pessoas participem
Um CEO não É possível se tornar uma

deveria usar a
e as empresas se conectem com empresa inclusiva sem ter
os melhores profissionais. Na uma política de diversidade?
Bayer, foram 25.000 inscritos As coisas não vão mudar

lucratividade
para 19 vagas de trainees. Existe naturalmente. É preciso ter verba
demanda. E todo esse processo e pessoas dedicadas ao tema.
da Bayer aconteceu depois que Se não houver dinheiro para
eu saí da empresa. Se, lá atrás,
eu tivesse sugerido algo assim,
achariam que eu estava maluco.
como o isso, é necessário pelo menos
implementar projetos pilotos. Faço
uma analogia com compliance:
Mas eu plantei a semente, e
isso me dá muita satisfação. motivo para as empresas gastam milhões ao
ano para assegurar que estão
seguindo as regras, que não há
Por que essas iniciativas
geram tanta polêmica?
a inclusão, desvios. O que precisamos agora é
de um compliance moral. No ESG,

precisa fazê-la
Muita gente não parou para pensar temos as letras que representam
de fato nessa questão, nem para se meio ambiente e governança —
colocar no lugar de escuta. Falam nenhuma empresa quer perder
de “meritocracia”, de “racismo
reverso”, de “sangue negro na
família”, parecem papagaios. A
porque é justo isso. Mas o “S”, de Social, é
relativo: pode representar doações,
voluntariado e diversidade. Temos
gente tem que ouvir mais e refletir. falar de mérito. Eu conheci várias que colocar na meta dos executivos
Uma vez um executivo me disse pessoas no Brasil com grandes os avanços de inclusão. Outro
que sua empresa era meritocrática histórias de resiliência e, se elas ponto importante nesse compliance
e eu perguntei: você tem certeza se viraram para chegar a uma moral é contratar fornecedores de
do mérito? Como garante que entrevista de emprego sendo filhas minorias. E não se deixar levar pelo
todo mundo na companhia tem de pais analfabetos, isso por si só cherry picking na diversidade, ou
o inglês fluente? Aplicou um já é um mérito enorme. Ninguém seja, escolher o tipo de inclusão que
teste e o comparou com o de uma quer fazer favor para ninguém. quer fazer. Já ouvi gente dizendo
pessoa negra? São desculpas. Só que dar uma oportunidade é que faria inclusão, mas só na
A meritocracia tem a ver com sempre correr um risco — com questão das mulheres. Ou que não
possuir as mesmas oportunidades, qualquer profissional. Já vi muita iria incluir os trans na discussão
a mesma educação. Se você está gente contratada por headhunter LGBT+. É uma postura de pegar só
na Holanda, onde todo mundo e que não era tão boa assim. Além o que é mais fácil de fazer. Mas isso
tem acesso a boas escolas, pode de contratar, precisamos criar está errado. Ou é tudo ou é nada.

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Entrevista

Existe uma linha tênue entre “coragem” deriva de “fazer com o


os cuidados verdadeiros com coração”, e é isso que as pessoas
a diversidade e as ações de devem perceber nas empresas. É fácil
marketing. Como perceber se notar as que estão se empenhando
uma empresa está realmente em mudar e as que não estão.
preocupada com a questão? A situação é irreversível e não
Quando eu comecei a falar sobre temos nada a perder na busca pela
a inclusão de pessoas negras diversidade — mesmo precisando
publicamente, muitos executivos ainda caminhar bastante.
me disseram que eu não deveria
fazer aquilo, que aquilo era coisa de Qual é a sua avaliação sobre
RH. Mas eu continuei porque tinha criar cotas de inclusão?
certeza de que era o certo. Não Sou a favor. Se o aumento não ocorre
nos damos conta, mas a palavra naturalmente, tem que ocorrer
de outras formas. Acredito que as
empresas precisam criar metas de
diversidade para evitar as cotas no
futuro. Se não fizerem isso, uma
hora a lei vai chegar e exigir que as
companhias cumpram as metas.
Eu me lembro de uma citação

O racismo da Lilia Schwarcz [historiadora e


antropóloga], que diz que não era a
favor das cotas no passado, mas que Theo van der Loo

reverso agora é, porque entende que temos


que desigualar um pouco para igualar
em 2019, quando
era CEO da Bayer:
estímulo a projeto
de inclusão de

não existe:
mais tarde. No Brasil, os brancos negros na empresa
tiveram uma vantagem de 338 anos.
Quando a escravidão acabou era

teríamos que
conveniente falar que somos todos
iguais sem pensar em como igualar
as oportunidades. É por isso que o

escravizar racismo reverso não existe: teríamos


que escravizar pessoas brancas
por 338 anos para que existisse.
linha da miséria, passando fome.
Um país que se diz cristão aceita

pessoas A pandemia de covid-19


isso? O problema é que o brasileiro
é indiferente e ignora muitas coisas
deixou ainda mais patentes em vez de se preocupar com essas

brancas por as desigualdades econômicas


que existem no Brasil. Isso
questões e cobrar do governo
medidas para que isso não aconteça.

338 anos para


está entrando na pauta de
discussão das pessoas? Existe uma preocupação das
A desigualdade que o Brasil enfrenta companhias com a desigualdade

que existisse se acentuou mais ainda com esta


crise. Nós sabemos que há gente na
social brasileira?
Quando as empresas têm

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acionistas, é mais complicado. alguém, demite um consumidor, para ver isso. Mas pode acontecer.
Com empresas que têm donos, e isso é ruim para todos. Se há Se alguém, hoje, inventasse a
existem caminhos e reflexões a prejuízo, obviamente a companhia escravidão, nós não aceitaríamos.
ser feitas. Uma coisa é ter prejuízo precisa corrigir. Mas uma empresa Então, por que aceitamos as
e ficar lutando para não fechar; familiar, por exemplo, pode decidir consequências daquilo que fizemos
outra coisa é ter menos lucro. Até se consegue viver com menos no passado? Temos que aceitar
que ponto os empresários estão lucros. Eu sou um sonhador. que ocorreu algo que fez mal
dispostos a lucrar menos para que Acredito que, no futuro, mesmo para a sociedade e que é preciso
o país alavanque socialmente? os investidores vão olhar para corrigir. É esse o pensamento que
Porque um esforço agora para não essas coisas e comprar as ações eu espero ver nos investidores.
demitir, por exemplo, se refletirá só se as empresas tratarem bem E por isso o compliance moral
lá na frente. Quando você demite as pessoas. Talvez eu não viva se mostra tão importante.

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Políticas & Práticas

Além do

jornal mural
Com funcionários
em home office e protocolos
de segurança para os
trabalhadores essenciais,
a comunicação corporativa
precisou se transformar —
e isso veio para ficar
B r u n o At h ay de

Lucas Rossi, gerente


de comunicação
interna e externa da
Ambev: pesquisas para
entender se o nível de
comunicados por e-mail
estava alto demais

46 VOCÊ RH junho / julho 2021 foto: celso don i

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H
Check-list
á um ano e três surpresa boa é que, exatamente
meses, a comuni- neste momento, a intervenção

da pandemia
cação nas corpora- junto com o RH e a comunicação,
ções começava a se transformou e trouxe bons
mudar. No lugar resultados”, explica Hamilton.
dos jornais murais Como deve ser a comunicação A preocupação com a saúde
pregados em diver- em tempos de crise da mental também se tornou uma
sas partes da com- covid-19, segundo Marcia constante nas empresas. É uma
Sales Longaretti, especialista
panhia e dos infor- em desenvolvimento humano questão cara, mas que precisou
mativos enviados sair do papel e foi levada para
por e-mail, novos as lives, as reuniões e as confe-
protocolos foram criados. Os es- rências. Mais do que contratar
pecialistas em recursos humanos Humanize serviços de apoio à saúde mental
e comunicação interna precisa- a mensagem dos funcionários, o tema foi incor-
ram repensar a forma de comuni- porado ao discurso corporativo.
Traga personalidade
car e engajar os profissionais que e se aproxime do Além disso, as fake news come-
público sendo mais
eram mandados para suas casas pessoal nos textos
çaram a ser discutidas dentro das
para se proteger da covid-19 — reuniões de liderança. Os líderes
Nunca deixe de
além de redobrar o cuidado com lado a clareza e precisavam (e precisam) evitar
a transparência
os comunicados para aqueles que, que seus colaboradores fossem
mesmo correndo risco, precisa- disseminadores e consumidores
vam continuar trabalhando pre- de notícias falsas. “Para evitar
sencialmente. Muitas empresas questões envolvendo a covid-19 isso, em vez de privilegiar a infor-
não estavam preparadas para a de seu público interno. mação que vinha só da liderança,
realidade de uma pandemia — e A associação vivenciou um a comunicação passou a cruzar as
a crise trouxe à tona algo que movimento curioso: o número de informações que vêm de todos os
poderia ser óbvio, mas não era: a associados aumentou 10% desde níveis”, afirma o diretor da Aberje.
necessidade de se comunicar bem o início da pandemia — hoje
com os empregados. são 729 empresas. Isso indica a Menos é mais
“Por mais que seja um momento busca das companhias por infor- Encontrar o tom e a quantidade
de milhões de perdas, houve tam- mações sobre como lidar com a correta de comunicação é um
bém o crescimento da relevância comunicação interna com seus grande desafio para as compa-
do comunicador dentro das com- funcionários em home office ou nhias. Afinal, os funcionários são
panhias”, diz Hamilton Santos, no regime híbrido de trabalho. bombardeados por informações
diretor-geral da Associação Bra- “Temos investido em formações de todos os lados — pela impren-
sileira de Comunicação Empre- online para ajudar os profissio- sa, pelos amigos e familiares e pe-
sarial (Aberje). A instituição fez nais. Criamos cursos com temas los diversos grupos de WhatsApp
uma pesquisa que mostra essa que se tornaram relevantes, como da própria empresa. Foi pensan-
necessidade de comunicação nas escuta ativa e diversidade”, diz do nisso que a Ambev, que tem
companhias. O relatório aponta Hamilton, que também observa 30.000 funcionários e um time de
que a comunicação interna (83%), o crescimento da relevância dos comunicação de cinco pessoas,
a gestão de crises e riscos (71%) e profissionais de comunicação, estudou a melhor maneira de se
os eventos (70%) são os processos que estão se tornando tão estra- aproximar dos empregados du-
que estão sendo mais impactados tégicos quanto os de recursos rante a pandemia.
pela pandemia. Além disso, 98% humanos. “O engajamento ficou Assim que ficou claro que era
das companhias têm desenvolvido mais difícil. As pessoas não es- preciso mudar os protocolos do
ações para conscientização das tão mais no mesmo lugar. Mas a trabalho presencial nas áreas

junho / julho 2021 VOCÊ RH 47

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Políticas & Práticas
fabris, de operações e comer-
cial, a direção criou um comitê Guilherme Almeida, gerente
de comunicação corporativa
e trouxe especialistas, inclusive da Edenred: perfil de
Instagram fechado para os
um médico, para ajudar a dar funcionários aumentou o
um panorama mais completo da senso de comunidade
situação, com muita clareza e
transparência. O e-mail continuou
sendo a ferramenta mais eficaz,
mas houve algumas mudanças.
“No começo, intensificamos o
envio dos comunicados. Mas aos
poucos, com muita pesquisa, per-
cebemos que era preciso diminuir
a frequência”, afirma Lucas Rossi,
gerente de comunicação interna e
externa da Ambev. “Outro ponto
que aprendemos foi a importância
de todos sermos transparentes,
principalmente a alta gestão.”
Como vários funcionários da
empresa — sobretudo os que
trabalham nas fábricas — não têm
acesso a e-mails, o jornal mural
continuou sendo um veículo de
destaque. “É muito importante
para dar o recado”, diz Lucas. Mas
os vídeos, enviados aos funcioná- dos. Mas as empresas perceberam red, dona da marca Ticket, que
rios por comunicados e postados que não basta apenas confiar no aproveitou a pandemia para criar
na intranet, ganharam mais es- algoritmo para que o trabalho de um Instagram fechado para os
paço, com os líderes mandando comunicação seja feito: é funda- funcionários, administrado pela
recados para os times e mantendo mental a intervenção humana. área de comunicação. Na rede
o clima de engajamento. Se, por um lado, os especialistas social, são postados vídeos com
Como há uma operação na Chi- afirmam que a mudança não foi mensagens da liderança, dicas
na, a Ambev conseguiu se ante- tão radical, por outro, a gestão da de saúde e atualizações sobre a
cipar e se preparar para poder mudança (uma das tendências da covid-19, entre outros assuntos
oferecer aos colaboradores o su- comunicação interna) precisou de interesse dos funcionários. O
porte necessário. “A comunicação ser feita de maneira eficaz. Os perfil, lançado em abril de 2020, já
interna é mutável. Intensificamos gestores perderam o medo dos tem mais de 200.000 visualizações
a questão da atividade física, por meios digitais e passaram inclu- e mais de 1.100 seguidores.
exemplo, e outras ações estão sive a apostar em influenciadores “A TV corporativa não fazia
sendo testadas e aprimoradas”, internos, algo que engatinhava em mais sentido, pois praticamente
explica Lucas. alguns lugares ou nem era uma 100% da nossa força de trabalho
possibilidade em tantos outros. “A foi para casa para trabalhar em
Digitalização crença no influenciador interno é home office”, diz Guilherme Al-
As ferramentas digitais, como uma novidade”, afirma Hamilton, meida, gerente de comunicação
LinkedIn, TikTok, Instagram e diretor da Aberje. corporativa. “O impacto foi muito
Facebook, estão nas mãos de to- Essa tem sido a aposta da Eden- grande, pois, da noite para o dia,

48 VOCÊ RH junho / julho 2021 f o t o : c e l so d oni

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Fique
os colaboradores ficaram sem espaços virtuais passaram a ser
intranet, sem display de vídeo protagonistas do cultivo de cone-
nem alerta no desktop. No come- xões. Só que, para isso dar certo,
ço, o que restou foi o e-mail e a o discurso deve mudar. “Não dá

atento
newsletter”, pontuou Guilherme. mais para começar uma reunião
Por isso, foi preciso criar novas falando de metas e de entregas.
formas de se comunicar, e as É preciso conversar, saber como
redes sociais se tornaram estra- a equipe está e abrir para o diá-
Saiba quais são as tendências
tégicas. “Chegamos à conclusão para a comunicação corporativa, logo”, afirma Cynthia.
de que, como o nosso colaborador de acordo com Cynthia Provedel, Mas como humanizar a comu-
teria mais liberdade em casa para professora na Escola Aberje nicação num momento de tanta
olhar o celular, o melhor seria vulnerabilidade? Para Marcia
apostar em uma mídia social. Sales Longaretti, especialista
Daí veio a ideia do Instagram”, em desenvolvimento humano,
diz o gerente.
Com o novo formato, a comu- 1 Digitalização da
comunicação interna
é necessário readaptar a fala.
“O problema começou porque
nicação passou a ter três ferra- ninguém estava acostumado a
Intensificação

2
mentas: uma plataforma global na comunicação trabalhar dentro de casa. Se tinha
com a liderança
e online da Edenred, e-mail e o quebra-gelo na hora do café ou
Instagram. “O investimento inicial do almoço, agora não há mais
foi pequeno. Apostamos mui- esse momento. As pessoas fica-
to em sorteios, gifs, enquetes e
imagens”, diz Guilherme. Organi-
3 Mensuração
de resultados ram muito perdidas. E aí vem a
questão principal: como eu me co-
camente, a página foi crescendo Presença e importância munico com meu funcionário?” A
no número de seguidores. Até os
amigos dos funcionários queriam 4 dos influenciadores
internos
resposta é criar uma comunicação
mais humana, prestando atenção
seguir a página, mas ela é fecha- no tom e usando uma linguagem
Crescimento da relevância
da e restrita aos profissionais da
Edenred, que são 2.200 no Brasil. 5 da experiência do
funcionário
próxima. “Todos os gestores pre-
cisam entender que as empresas
A pandemia e o home office têm funcionários que adoeceram,
também trouxeram a valorização Necessidade de um que perderam seus parentes. E,
do influenciador interno, aquele
funcionário que ajuda a levar a
6 gerente de fluxo
de comunicação em algumas companhias, aquele
funcionário perdeu a batalha para
mensagem para os outros, enga- Convivência digital a covid-19”, diz Marcia.
jando e ajudando a espalhar a no-
tícia. “Alguns posts têm até 10.000
7 mais humana no
trabalho remoto
Para além da grande tragédia
deste século, a verdade é que a
comentários”, diz Guilherme. pandemia forçou as empresas a

Discurso humanizado 8 Nova segmentação


de canais
aprender a se comunicar melhor
com seus funcionários — não
Pode parecer um contrassen- importa se por Instagram, jornal
so, mas para Cynthia Provedel, Fortalecimento mural ou Workplace. O importan-
especialista em comunicação
interna e professora na Escola
9 da cultura
organizacional te é que todos estão buscando
uma nova maneira de conversar,
Aberje, o senso de comunidade de cobrar e de engajar. E nunca
se fortaleceu na pandemia. “As
pessoas estão fugindo da solidão.
10 Destaque para a
gestão da mudança
foi tão fundamental o papel do
comunicador, trabalhando ao lado
Ninguém precisa se isolar.” E os do RH e das lideranças.

junho / julho 2021 VOCÊ RH 49

VCRH74_Comunicacao.indd 49 6/1/21 8:39 PM


Tendência

Mais do que
um papel
Um modo novo de pensar a criação de
contratos, mais transparente e colaborativo,
pode humanizar as empresas e ajudar a
estruturar negócios de impacto positivo

O
Marcia Di Domenico

momento de assinar por humanização na gestão de


um contrato quase pessoas e a preocupação em se
sempre é de apre- alinharem ao capitalismo cons-
ensão, pelo menos ciente, intensificadas pela pande-
para quem não tem mia, apontam para uma maneira
intimidade com o diferente de pensar a finalidade
meio jurídico. As dos contratos e como eles são
páginas e páginas firmados. É nesse contexto que
repletas de texto, ganha espaço a discussão sobre
linguagem rebus- os chamados contratos conscien-
cada e cláusulas tes, uma abordagem focada na
que soam ameaçadoras geram relação e nos valores partilhados
insegurança, desconfiança e pelos envolvidos em um acordo.
tensão em quem tenta entender “Eles partem da ideia de que cada
o acordo antes de assiná-lo e pessoa é única, com seus desejos,
engavetá-lo, como ocorre em princípios e ambiguidades, e ser-
grande parte das vezes. Quando vem ao objetivo de construir uma
se trata de contratos de trabalho relação forte e duradoura com a
ou de prestação de serviço, a outra parte”, explica a advogada
falta de clareza e entendimento Fernanda Guerra, facilitadora
do que é esperado de cada parte de diálogos e cofundadora da
naquela parceria colabora para Ser Consultoria. “Os contratos
uma relação que já começa dese- conscientes, também conhecidos Helena Nabuco, designer:
quilibrada e, por isso, frágil. como relacionais, integrativos não afeita a conflitos,
antes de aderir aos
Mas as transformações por que ou baseados em valor, surgem contratos conscientes
ela sofria com problemas
o mundo do trabalho vem passan- da demanda crescente por negó- como falta de pagamento
do, com a busca das empresas cios com propósito, que pensam

50 VOCÊ RH junho / julho 2021 foto: celso don i

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além do lucro e reconhecem os quadrinhos, os comic contracts,
indivíduos como o que sustenta para facilitar o entendimento dos
relacionamentos e negócios.” direitos e responsabilidades de
É na esfera empresarial que o trabalhadores de fazendas agríco-
formato vem sendo mais ampla- las na África do Sul, muitos deles
mente aplicado — na elaboração analfabetos ou falantes de outras
de contratos sociais, de prestação línguas. Na Europa, advogados
de serviço, acordos societários e também usaram o formato para
de criação de startups, por exem- preparar acordos de aluguel para
plo. Mas também é adequado para imigrantes e refugiados.
a formalização de acordos nup-
ciais e de divórcio, testamentos Mudança de olhar
e contratos imobiliários, entre O primeiro passo é entender que
outros que possam se beneficiar estamos falando de uma mudança
da criação de um vínculo real de de paradigma, uma nova visão de
confiança entre as partes. como e por que estabelecer con-
O termo “contratos conscien- tratos — de adversarial e puniti-
tes” foi proposto pelas advogadas vista, como na Justiça tradicional,
norte-americanas J. Kim Wright para colaborativa, baseada no
e Linda Alvarez, pioneiras no que de fato é importante para os
movimento que leva uma visão indivíduos implicados no acordo.
integrativa e pacífica do direito Mais do que um documento para
a profissionais do mundo inteiro. ser assinado pelas “partes” envol-
Elas são referência no desenvol- vidas — termo jurídico que, aliás,
vimento desse modelo e criaram se evita usar nessa abordagem,
a certificação da metodologia pois ela entende que um relacio-
— Fernanda Guerra é a primeira namento é feito de pessoas —, um
advogada na América Latina a contrato consciente pressupõe
obtê-la, o que a habilita a preparar um processo que tem, como re-
outros advogados. sultado final, a elaboração de um
“Modelo” de contrato é apenas documento físico. Assim como um
modo de dizer, pois um aspecto- contrato comum, ele tem valor
-chave dessa abordagem é fugir legal e pode ser levado à Justiça
de qualquer padronização (leia em caso de descumprimento dos
quadro Uma nova visão). Para termos e falta de consenso para
começar, esqueça os termos em uma resolução extrajudicial.
latim, a linguagem ininteligível Tudo começa com sessões de
e os textos longos em cláusulas conversa, conduzidas por um ad-
e parágrafos. Clareza e trans- vogado normalmente habilitado
parência são o mais importante. em técnicas como facilitação de
Aliás, um contrato consciente diálogo, mediação de conflitos
não precisa sequer usar muitas e comunicação não violenta. O
palavras. Uma amostra disso objetivo dos encontros é discutir
são os documentos criados pelo com o máximo de profundidade
advogado sul-africano Robert de os princípios, as expectativas, os
Rooy, que teve a ideia de elaborar limites e os objetivos de cada um
documentos legais em formato de com aquele acordo. No caso de um

junho / julho 2021 VOCÊ RH 51

VCRH74_Contratos conscientes.indd 51 6/1/21 8:42 PM


Tendência
contrato de prestação de serviço,
por exemplo, é nessa ocasião que
se fala do escopo do trabalho a
ser realizado e de questões prá-
ticas como carga horária, prazos
e remuneração, mas também de
assuntos mais existenciais e de
visão de mundo, para deixar claro
o porquê de fazer aquele trabalho
e alinhar expectativas.
Isso porque, por falta de diálo-
go, às vezes não nos damos conta
de como pensamos diferente de
quem somos tão próximos. “É no
não dito que os conflitos nascem,
as relações adoecem e os acor-
dos são desfeitos”, diz Marcello
Rodante, advogado e mediador,
pós-graduado em estudos de paz
e transformação de conflitos. Tarso Oliveira, CEO da
Ele comenta que nessa fase do startup Troca: o contrato
de sociedade de sua
processo, em que as diferenças empresa reflete os valores
vêm à tona, pode acontecer, por pessoais e corporativos

exemplo, de amigos ou um casal


que pensa em abrir um negócio
junto acabarem desistindo da dela própria, uma forma sensível maneira de diminuir o risco de
empreitada, pela saúde da relação que encontrou de se apresentar, tomadas de decisão impulsivas ou
e do negócio. expor o que espera daquela par- improvisadas sob estresse e uma
Depois de pouco mais de um ceria e, ao mesmo tempo, já exibir referência de como agir enquanto
ano atuando como freelancer, a parte de seu portfólio. “O ofício se busca uma solução. Não há
designer Helena Nabuco sentiu de criação é abstrato e subjetivo; regras: pode ser uma conversa,
que o trabalho estava ficando pre- é preciso que haja conexão entre um café, uma massagem, uma
judicado por causa da dificuldade os envolvidos no projeto para que viagem. Ou até um baile de salsa,
que ela tinha de colocar limites saia bem-feito. Ter um contrato opção fora do comum de Tarso
na relação com as empresas que com a minha personalidade me Oliveira, CEO da startup Troca,
a contratavam. Entre as dores de trouxe segurança, o que faz com do Rio de Janeiro, que funciona
cabeça que enfrentou, houve pa- que o trabalho já comece com como uma plataforma de gestão
gamentos não recebidos por servi- outra vibração”, diz. de diversidade em empresas.
ços entregues, pedidos de refação Quando seu negócio começou
da noite para o dia e pouca mar- À procura de harmonia a crescer, Tarso quis estruturar
gem para negociação de prazos. Outro ponto-chave desse modelo a sociedade com a esposa tendo
“Como não gosto do confronto, de contrato é a chamada cláusula transparência e cuidado com a
acabava deixando para lá e per- de harmonia, um combinado entre relação dos dois. Em cerca de três
dendo dinheiro, mesmo sabendo as partes sobre o que fazer dian- meses de conversas, chegaram
que estava com a razão”, diz. Foi te de um impasse ou desafio de à formalização do contrato, que
então que optou por um acordo modo a evitar briga, rompimento acabou impactando o trabalho
consciente ilustrado com artes ou judicialização. É também uma de funcionários e investidores,

52 VOCÊ RH junho / julho 2021 f o t o : D I V U L G AÇ ÃO

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uma nova visão
Entenda a diferença entre os
tipos de contratos em cinco
aspectos fundamentais

Tradicionais Conscientes
Baseados em controle Baseados em valores e confiança
Ao tentarem antecipar tudo o que pode dar errado Colocam os envolvidos do mesmo lado na mesa
naquela relação, a fim de evitar que ocorra e, se (e não como opositores), definindo juntos os
acontecer, saber a quem responsabilizar, criam um princípios da relação e deixando claro o que
vínculo de desconfiança entre os envolvidos esperar um do outro e o que fazer quando
surgirem impasses
Padronizados
Não há espaços para singularidades, Customizados e flexíveis
todos os contratos são iguais Não precisam seguir um modelo padrão

Competitivos Colaborativos
As cláusulas são feitas com base em comando e controle Criam uma relação de ganha-ganha
entre as pessoas
Escritos pensando em disputa futura
Pressupõem a outra parte como uma oponente contra a Escritos para o dia a dia
qual é preciso se proteger; são construídos pensando na São documentos vivos, que funcionam como
punição em caso de descumprimento de algum termo um norte para a relação em questão

Linguagem jurídica Linguagem simplificada


O jargão jurídico, por si só é visto como um obstáculo Não usam “juridiquês” e podem incorporar
ao acesso à justiça, pois serve apenas à leitura de ilustrações, infográficos e até recursos
advogados e juízes, não à do cliente audiovisuais para garantir o entendimento

além dos sócios, especialmente uma cláusula de harmonia: “Se de pessoas para criar ambientes
em relação a exercício de empatia, todo mundo brigar, vamos dançar menos tóxicos e mais colabora-
respeito aos limites dos outros salsa”, decidiu o empreendedor. tivos”, afirma Jacqueline Resch,
e modo de fazer cobranças. “O consultora e sócia diretora da
processo de construir o contrato Vantagem competitiva Resch RH. “As pessoas querem
vai muito além do documento Não é novidade que organizações se ver representadas e poder
em papel; não é algo para ser preocupadas com o bem-estar e ser genuinamente quem são no
engavetado, mas internalizado e o desenvolvimento dos profissio- trabalho. Acolher a diversidade
colocado em prática no dia a dia. nais são mais lucrativas, melhores e investir em relações mais hori-
Aprendi muito sobre ser vulne- em atrair e manter talentos e têm zontais e equilibradas é cuidar da
rável, saber lidar com conflitos níveis mais altos de engajamento. saúde mental e da felicidade dos
e saná-los”, diz. Apaixonado por “Empresas são feitas de gente e trabalhadores, temas urgentes
dança, ele não precisou pensar muitas estão repensando seus e que têm relação direta com a
muito no momento de definir modelos de negócios e gestão prosperidade dos negócios.”

junho / julho 2021 VOCÊ RH 53

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Comportamento

Quando o tédio se
Falta de
comprometimento,
desânimo e baixa
autoestima podem
ser sintomas
da síndrome de
boreout, que
tem crescido
na pandemia
Hanna Oliveira

H
oras se arrastando, existência, num ciclo de desânimo atribui erroneamente um caráter
impressão de que e baixa autoestima. moral à questão, já que, socialmen-
o momento pre- Esse quadro descreve sinais de te, esse estado de espírito é visto
sente é uma repe- um problema grave para funcio- até como pecado. Mas o assunto é
tição eterna dos nários e empresas: a síndrome de muito mais complexo. No fundo,
acontecimentos do boreout, palavra que empresta tem a ver com a perda de entusias-
dia anterior, falta o termo em inglês boring para mo pelas atividades. “O sentimento
de vontade para descrever uma sensação de tédio que se tem é de falta de conexão
exercer tarefas generalizado, que tem o potencial com o trabalho e com a empresa”,
que antes eram de ser tão perigosa para a saúde afirma Efigenia.
prazerosas, des- mental quanto a síndrome de
cumprimento de prazos, mesmo burnout. “É o infarto da alma”, Trazer para perto
com sensação de tempo sobrando, diz Efigenia Vieira, psicanalista, Existe um comportamento que,
necessidade de refazer várias headhunter e CEO da consultoria embora altamente nocivo, ainda
vezes o mesmo trabalho, impres- Upside Executive Search. Sem é comum nas empresas: afastar-
são de que ninguém — nem si enxergar um sentido no trabalho -se de quem está com problemas
próprio — valoriza suas realiza- e com a percepção de que a em- de motivação ou desempenho.
ções. Sentimentos como esses presa não o valoriza, o profissional Ainda é recorrente ver líderes
estão afetando muitos profissio- fica envergonhado e entra em um que preferem jogar o funcionário
nais pelo mundo que, isolados em impasse: emite alertas de ajuda para escanteio e sobrecarregar
suas casas na pandemia, se sen- que acabam sendo, muitas vezes, outra pessoa da equipe (ou a si
tem também à parte da própria percebidos como preguiça. Isso próprio) a descobrir o que está

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torna um problema

acontecendo e encontrar uma disso, começaram ser tratados funcionários se tornaram queri-
solução conjunta. com hostilidade”, diz Andrea. dos, amparados e passaram a tra-
Andrea Deis, professora nas Como consequência, os profis- zer bons resultados”, diz Andrea.
áreas de desenvolvimento huma- sionais perderam totalmente a Aos gestores e empresas, fica
no e liderança na pós-graduação confiança e ficaram inseguros, o aviso: é preciso manter o olhar
da Universidade Presbiteriana com medo de se abrir. A con- atento e acolhedor. “O líder tem
Mackenzie e de gestão de pesso- sultora entrou na empresa para que treinar a observação; essa é
as no MBA da Fundação Getulio resolver esse impasse e melhorar uma das melhores ferramentas”,
Vargas, presenciou em uma de o moral do time, que estava aba- explica Edwiges Parra, psicóloga
suas consultorias uma situação lado. Para a liderança, a solução organizacional e especialista em
que exemplifica bem esse com- foi desenvolver a comunicação RH. Para que isso seja efetivo e a
portamento incorreto da gestão. empática. Para os empregados em chefia enxergue os possíveis si-
Dois funcionários de uma área questão, o resgate da autoestima nais de uma síndrome de boreout,
cometeram um erro que gerou veio por meio de escuta ativa dos é necessário ampliar a visão para
perdas financeiras para o setor de problemas e compartilhamento além dos números, resultados e
uma empresa e, por causa disso, a das qualidades de cada um — o dados tangíveis. Se o funcionário
chefia resolveu isolá-los e deixá- que foi feito depois de colher de- que costumava sempre cumprir
-los sem exercer suas atividades. poimentos positivos de amigos e entregas está procrastinando,
“Na falta do que fazer, gastavam familiares que mostraram por que qual será o motivo profundo por
as horas navegando pela internet, eles eram importantes. “Houve um trás desse comportamento? “Não
tomando café ou simplesmente aumento de 90% no sentimento cumprir um prazo ou gerar retra-
esperando o tempo passar. Além geral de toda a equipe, e os dois balho é o que o indivíduo mostra

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Comportamento
para o chefe — mas não é neces- burnout, o boreout não foi consi- pandemia. Áreas inteiras ficaram
sariamente porque ele não quer derado uma doença ocupacional. comprometidas, e as pessoas não
ajudar ou colaborar”, diz Andrea. Mas fato é que a crise da covid-19 sabiam explicar o porquê”, afirma
parece potencializar a questão. a professora do Mackenzie.
Fator pandemia “Tenho recebido mais solicitações Nessa conta, entram também
A síndrome de boreout não é de consultoria para problemas a diminuição do contato presen-
exatamente nova e ganhou no- desse tipo”, afirma Andrea. cial, a explosão das interações
toriedade com a publicação de E existem algumas explicações por telas que sobrecarregam
um livro sobre o tema em 2007, para o aumento na ocorrência. o cérebro e podem criar mal-
escrito pelos consultores suíços Uma delas está relacionada, no- -entendidos e o fim da divisão
Peter Werder e Philippe Rothlin, vamente, ao comportamento dos entre a casa e o trabalho — todos
que mapearam que pelo menos gestores. Muitos sentiram gran- são fatores que acabam geran-
15% dos funcionários sofreriam des dificuldades em se adaptar à do complicações para a saúde
com a falta de motivação ocasio- gestão remota e em se abrir para das pessoas. “Podem surgir de-
nada pelo tédio. Hoje não existe a vulnerabilidade da equipe e de pressão, insônia ou sonolência
um índice oficial que mapeie as si próprios. “As lideranças não demais, distúrbios alimentares,
pessoas nessa situação — ainda estavam preparadas para fazer urticárias na pele e desconforto
mais porque, diferentemente do monitoramento e controle na no corpo”, explica Andrea.

A arte de não Conheça o


niksen, uma

fazer nada
atitude holandesa
que traz
propósito para os
momentos de ócio

Assim como em diversos países, a cultura da Holanda é centrada no trabalho duro. Para contrabalancear esse
pensamento, os holandeses criaram o niksen, termo que significa, literalmente, “não fazer nada”. A ideia é
esvaziar completamente a cabeça e contemplar o mundo à sua volta. E os resultados são surpreendentes. Uma
pesquisa da Universidade de British Columbia revelou que sonhar acordado, uma das consequências imediatas
do niksen, aumenta a criatividade e a capacidade de resolver problemas. Segundo a jornalista e tradutora Olga
Mecking, que escreveu o livro Niksen — Abraçando a Arte Holandesa de Não Fazer Nada (Rocco, 25,90 reais),
quem quer se iniciar nesse estilo de vida pode incluir o ócio total no dia a dia. É só seguir as sugestões abaixo.

1 2 3 4 5
Sentar e apreciar Olhar Ir até a janela Observar as Olhar o
um café sem as ondas para assistir às próprias mãos ambiente à
compartilhar do mar pessoas passando ou partes de sua volta e se
esse momento com na rua ou apreciar seu corpo deixar apenas
outra tarefa a paisagem observar

56 VOCÊ RH junho / julho 2021

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Ambientes tóxicos
O boreout não aparece à toa.
Existem culturas organizacionais
que podem potencializar esse
problema. Ambientes em que há
ego, favoritismo e vaidade em
excesso e desvalorização natural
do trabalho de quem não está
entre os preferidos da chefia,
por exemplo, são perigosos. “Au-
mentam a tristeza e a sensação
de desvalorização”, diz Andrea.
A questão da diversidade não
fica de fora. Se a pessoa não se
vir representada na empresa,
por exemplo, pode ser que se
distancie.
Como a desconexão e o con-
sequente tédio com o trabalho
estão ligados à falta de vínculos,
as empresas também precisam
ficar atentas e zelar por cone-
xões produtivas e sinceras entre
pares, líderes e subordinados — Encontrando saídas lhe afligindo ajuda a aumentar a
e procurar acabar com os silos Uma síndrome como a de boreout visão do todo, a ganhar percepção
que possam existir entre áreas pode ser tão devastadora porque e a ter coragem”, diz Andrea.
ou pessoas. “Vínculos nunca são reverbera sobre um dos pilares Por si só, um hobby não tem
unilaterais; são uma via de mão da construção da identidade in- o poder curativo de um trata-
dupla”, afirma Dulce Critelli, dividual: o trabalho. “O eixo que mento aprofundado, e em casos
professora de filosofia na PUC organiza, unifica e movimenta a graves e longos de boreout a
de São Paulo e coordenadora do cultura e a sociedade atuais é o melhor solução é buscar ajuda
Existentia: Centro de Orientação trabalho”, diz Dulce. “A partir da profissional com psicólogo ou
e Estudos da Condição Humana. segunda metade do século 20, o psiquiatra.
Para as empresas, a
A pandemia, é claro, traz gran- trabalho aparece como algo que lição é criar ambientes em que
des desafios para criar elos fortes qualifica as pessoas.” Esse moti- os funcionários possam se abrir
e sustentáveis, mas, se a empresa vo também explica por que é tão sobre suas fragilidades e treinar
e os líderes se abrem para apoiar doloroso perder a conexão com as as lideranças para perceber como
os funcionários, a construção atividades profissionais. os sinais de falta de motivação
se torna possível mesmo em No entanto, estar 100% com a podem indicar algum problema
momentos complexos, como os cabeça no escritório — mesmo mais sério e profundo. Só assim
de home office ou de reestrutu- que seja esperando que a hora do as companhias conquistarão
ração do time. “É preciso fazer o expediente se encerre — não é seu grande objetivo que, nas
acolhimento, dar novos desafios saudável. Uma das maneiras de palavras da psicóloga Edwiges,
e sempre garantir que as poten- enfrentar esse período delicado é é “fazer com que as pessoas que
cialidades sejam cada vez mais encontrar atividades pessoais que entram nas organizações saiam
exaltadas e desenvolvidas”, afima tragam prazer e alegria, como um delas mais humanas e, também,
Edwiges Parra. hobby. “Distanciar-se do que está produtivas para a sociedade”.

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melhores práticas | Qualidade de vida

Revolução
Com programa global
de bem-estar, a P&G
conseguiu 6% de
desconto no plano
de saúde para os

na saúde
funcionários do Brasil
Hanna Oliveira

Fernando Akio,
gerente médico
da P&G: orientação
para os funcionários
usarem a
telemedicina
na pandemia

58 VOCÊ RH junho / julho 2021 F O T O : d i v u l g aç ão

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J
effrey Pfef fer, professor na exemplo, cabines de descanso nos

P&G
Universidade Stanford e au- escritórios. Para que os cuidados não
tor do livro Morrendo por um parassem durante a pandemia, já que
Salário (Alta Books, 59,90 reais), parte dos funcionários está em home
apontou que empresas chegam office, a saída foi criar uma programa-
a perder 300 bilhões de dólares ção online em tempo real, que conta
por ano com problemas de saúde de seus com sessões de alongamento de 10 mi-
Ano de fundação
funcionários. A P&G, multinacional dona
das marcas Pampers, Ariel e Gillette,
nutos a cada hora trabalhada. Além
disso, há aulas virtuais de diferentes
1837
costumava engordar essa conta. Presente atividades físicas das quais o pesso-
em três estados no Brasil, a companhia al pode participar quando quiser. E a Unidades no Brasil
tinha um problema sério: cada localidade empresa ainda tem, desde antes da
possuía orientações próprias de saúde,
o que prejudicava tanto os programas
crise da covid-19, um canal no You-
Tube com conteúdo de saúde aberto
4
no Amazonas, Rio de
quanto os indicadores. A empresa ameri- para todos. “Dá para fazer atividade Janeiro e em São Paulo
cana sabia que precisava melhorar esses física com a família ou com os amigos”,
indicadores, ainda mais porque pesquisas afirma Fernando. Na fábrica, em que o
conduzidas pela própria P&G, e que foram trabalho continua sendo presencial, há Número de
usadas em estudos acadêmicos, apon- um professor para orientar os horários funcionários
tavam que a cada dólar que investissem de pausa e a ginástica laboral. no Brasil
em saúde, as empresas em geral teriam
um retorno de 1,30 dólar.
Do ponto de vista do uso do plano
de saúde, uma ação que fez bastante 4.000
diferença nos gastos da P&G foi orien-
A solução tar os empregados a não procurar um
Faturamento
pronto-socorro se não estiverem com
Para resolver o problema, a P&G criou
em 2012 o programa Vibrant Living,
uma emergência médica, e sim buscar
os médicos ambulatoriais. Durante a
18,1 bilhões
de dólares no terceiro
projeto global de qualidade de vida que
pandemia, a orientação é priorizar a
padronizou as práticas — embora per- trimestre do ano fiscal 2021
telemedicina. “Se for um problema que
mitisse regionalizações. A partir daí a
precise de atendimento presencial, o
equipe de saúde brasileira foi treinada
médico indicará um local seguro contra
em diretrizes de cuidados que impactam de 50% e diminuiu o percentual de afas-
a covid-19. Mapeamos as unidades de
não apenas os trabalhadores mas seus tamentos pelo INSS para 1%. O índice
saúde com menos risco de transmissão”,
familiares e suas comunidades. No es- de presenteísmo — que ocorre quando
explica Fernando.
copo do projeto, além de cuidados com a pessoa está apenas de corpo presente
a saúde física e mental, há preocupação no trabalho, mas totalmente desconec-
em alinhar o que se diz com o que é, O resultado tada das atividades profissionais — era
de fato, vivenciado pelos profissionais Com quase dez anos, o Vibrant Living de 10% em 2015 e hoje chegou a uma
da multinacional. “Não adianta nossos trouxe boas notícias para a multinacio- média de 5%, bem abaixo do indicado
nutricionistas orientarem o consumo nal e para os empregados. Em 2021, os pela Organização Mundial da Saúde, que
de frutas e os funcionários não encon- funcionários receberam um desconto é entre 10% e 21%. Fernando também
trarem o alimento no refeitório. Tudo de 6% no plano de saúde, fruto da di- aponta outro indicador, que nem sempre
precisa estar conectado”, diz Fernando minuição do uso do benefício em anos é possível medir: o cuidado. “Quando a
Akio, gerente médico da P&G. Foi por anteriores. Além disso, a companhia empresa cuida de mim, eu tenho orgulho
isso que a companhia construiu, por conseguiu um desconto previdenciário da empresa”, diz o gerente médico.

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Leis & gestão | Trabalho remoto

Ao redor
do mundo
Com a popularização dos contratos de
teletrabalho, as empresas ganham a
possibilidade de contratar profissionais que
morem em qualquer lugar do globo. Para fazer
isso é preciso ficar atento a algumas regras
Hanna Oliveira

E
m junho de 2020, já na executar as atividades remotamente contratar profissionais que residem
pandemia, 8,6 milhões durante alguns dias da semana, em outros municípios, estados
de brasileiros estavam mas que mantém contrato e até países. “Várias empresas
trabalhando remotamente presencial, exige controle de descobriram que não precisariam
— um salto de quase jornada e local específico para o fazer um processo de expatriação,
5 milhões de pessoas em funcionário exercer as atividades. que é demorado e caro, e
comparação a 2018, de Já o teletrabalho dá ao funcionário começaram a adotar procedimentos
acordo com dados da Pesquisa o poder de escolha para cumprir diferentes”, afirma Beatriz Azevedo,
Nacional por Amostra de Domicílios o expediente de onde quiser e não advogada do escritório Fatto.
(PNAD), do Instituto Brasileiro permite que a atuação presencial Mas do ponto de vista legal
de Geografia e Estatística (IBGE). seja maior do que a remota. existem alguns cuidados que devem
Embora o levantamento não Com essa nova realidade, ser tomados ao contratar pessoas
indique se todos os respondentes companhias passam a criar de outros lugares do globo.
estavam usando meios eletrônicos modelos mais flexíveis que dão ao
para exercer suas atividades empregado a possibilidade de morar Amarras trabalhistas
profissionais, os números em locais mais distantes da sede A legislação trabalhista
mostram uma mudança no da empresa. Uma pesquisa feita brasileira tem especificidades
mercado, que parece ter perdido pela consultoria de recrutamento que acabam dificultando o
o medo do trabalho remoto. Talenses, por exemplo, revelou contrato de estrangeiros. Segundo
Importante salientar que, embora que 25% dos profissionais se Beatriz, não existe no Brasil,
informalmente home office tenha mudaram para cidades menores por exemplo, mobilização para
se tornado um sinônimo para durante a pandemia — e 79% os vistos de nômades digitais
teletrabalho, as duas práticas são dos que trocaram de casa não — o que facilita esse tipo de
diferentes em termos trabalhistas. precisaram de autorização do gestor contrato. Por aqui, a burocracia
O home office é uma política ou da empresa para isso. Assim, ainda impera. “Atualmente, um
interna que dá a possibilidade de começam a cair as barreiras para trabalhador estrangeiro precisaria

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necessariamente vir ao Brasil mais caro”, diz Patrícia Alves,
e fazer todo o procedimento
burocrático relacionado a visto
advogada do escritório Fatto.
Pontos
e registro na Polícia Federal”,
diz a advogada. Outro ponto que
demanda atenção está relacionado
O xadrez tributário
A questão tributária também tira
o sono das empresas. Afinal, se o
de atenção
Cinco aspectos que não
aos benefícios e às convenções funcionário mora em outro país, para podem ser deixados de lado
coletivas sindicais. “Há benefícios qual governo a companhia deve pagar por empresas que queiram
contar com funcionários que
locais, como o plano de saúde. imposto? Celso Costa, advogado do
morem em outros países
Estamos começando a caminhar escritório Machado Meyer, afirma
nessas questões”, diz Caroline que as resoluções para o tema vêm
Marchi, advogada trabalhista por meio de tratados assinados 1. Formalização
do escritório Machado Meyer. entre o Brasil e os países de destino Os contratos de teletrabalho
ou aditivos de contratos para
Mas existem saídas que facilitam desses funcionários, assim como profissionais que se mudarem do
a contratação de estrangeiros. Caso possíveis acordos previdenciários. A Brasil deverão ser formalizados
por escrito. Combinados no boca a
a empresa tenha atuação global, má notícia é que o Brasil não possui
boca costumam não ter validade
é possível assinar contratos com tratados ou acordos previdenciários em caso de processos judiciais.
profissionais no exterior por meio de com todas as nações do mundo.
filiais internacionais e indicar que o “Em países em que não há tratado, 2. Responsabilidades
serviço será prestado no Brasil. E, como os Estados Unidos, a lei Deixe claro de quem é a
responsabilidade por custos
para desatar o nó dos benefícios, em manda tributar 25% na fonte. Uma de mudança para a outra
vez de oferecê-los ao profissional, empresa brasileira precisa reter 25% localidade, se do empregador
ou do funcionário. É importante
vale a pena pensar em uma ajuda quando paga para um americano formalizar isso, mesmo que a
de custo diretamente no salário. ou para um brasileiro residente nos empresa não seja obrigada a arcar
com os valores.
E o que acontece quando um Estados Unidos”, diz o advogado.
brasileiro resolve se mudar para Como existem diferentes tratados
outro país? Nesse caso, vale a e acordos com cada país, é preciso
3. Sem surpresas
Explique qual é o regime sindical
legislação local. “Se os serviços analisar caso a caso. Algumas nações, do empregado, quais são seus
que ele presta são aproveitados como a Espanha, possuem com o benefícios e quais deles podem ser
trocados ou cancelados em caso
para dentro do Brasil, a legislação Brasil tanto o tratado fiscal quanto o de mudança do funcionário.
trabalhista aplicada é a daqui”, previdenciário. “Existe uma regra que
diz Caroline. O que a empresa diz que, se o trabalhador se mudar 4. Controle
deve fazer para se proteger e daqui para a Espanha, pagará nos Lembre-se de que no contrato
para que o funcionário não seja dois primeiros anos a previdência para de teletrabalho as empresas não
devem fazer controle das horas
considerado expatriado é criar o Brasil. Se ele não se mudar nesse dos funcionários — em nenhuma
um aditivo contratual que aponte período, os valores deverão passar localidade.

que a mudança de país partiu da a ser recolhidos para a Espanha”,


vontade do empregado, e não por explica Celso. Como as regras variam, 5. Exceções
O regime de teletrabalho exige que
uma imposição da companhia. é aconselhável consultar o fisco para o funcionário passe mais de 50%
Os aditivos contratuais usados eventuais dúvidas e, também, para do seu tempo fora da empresa.
Isso significa que reuniões ou
para essas situações, geralmente, proteção legal. “Se o fisco brasileiro
treinamentos presenciais podem
mudam o regime de trabalho para não concordar com o proposto, acontecer pontualmente — mas é
o teletrabalho. “Há legislação o empregado ou a empresa pode importante levar essa necessidade
em conta para profissionais que
própria para expatriados, o que entrar com uma ação judicial para morem em outro país.
deixa o contrato de trabalho discutir o tema”, diz o advogado.

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na estante

Cidadãos
de terceira
classe
No livro Casta, a jornalista
americana Isabel Wilkerson
explica como o mundo
foi construído excluindo
parcelas da população

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P
rimeira mulher negra a ganhar o prêmio Pulitzer de jornalismo, a americana Isabel
Wilkerson revela em seu último livro, Casta — As Origens do Nosso Mal-Estar, como
as sociedades foram moldadas com base na exclusão de partes da população. Para
mapear as origens da desigualdade, a autora faz uma grande análise histórica ao
comparar o racismo presente até hoje nos Estados Unidos, o nazismo da Alemanha
e a construção social de castas da Índia. E mostra que nem sempre percebemos que
estamos vivendo em um sistema assim. “Como meio de atribuir valor a setores inteiros
da espécie humana, a casta serve de parâmetro para cada um de nós, muitas vezes
para além de nossa consciência”, escreve a autora. Leia um trecho do livro a seguir.

trecho do livro
Pilar número cinco Henry Hammond, da Carolina condição em que Deus os criou
Hierarquia ocupacional: os do Sul, aos colegas senadores. “É inicialmente”.
jatis e a base de sustentação uma classe que requer apenas Hammond possuía várias fa-
Quando se constrói uma casa, a baixo nível de inteligência e bai- zendas e mais de 300 almas,
peça mais importante da estru- xa qualificação. Seus requisitos tendo adquirido essa fortuna ao
tura é a primeira viga de madeira são vigor, docilidade, fidelidade. se casar com a filha simples e
enterrada no solo para sustentar Essa classe vocês precisam ter ingênua de um fazendeiro rico
os alicerces. Essa peça se chama [...]. Constitui o próprio baldrame da Carolina do Sul. Tornou-se
baldrame, a caixaria que corre ao da sociedade.” governador do estado e uma figu-
longo da fundação de uma casa O senador enalteceu a argúcia ra importante no Sul pré-Guerra
e é a base que dá sustentação a do Sul, que “encontrou a seu al- Civil. Muito antes de fazer esse
todo o peso da estrutura acima cance uma raça adaptada a esse discurso, ele já se firmara como
dela. As vigas e os contrapisos, fim [...]. Nossos escravos são ne- um dos homens mais repulsivos
os forros e as janelas, as portas e gros, de outra raça, inferior. A que subiram ao Senado, sendo
o telhado, todos os componentes posição em que os colocamos é descrito por um estudioso como
que formam uma casa se erguem uma ascensão. Ao torná-los nos- “nada menos que um monstro”.
sobre o baldrame. Num sistema sos escravos, eles ascenderam da Sabe-se que estuprava reiterada-
de castas, essa base de susten-
tação é a casta inferior, sobre a
qual tudo se apoia.
Um político sulista expôs essa
doutrina central na plenária do Os afro-americanos, durante a maior
Senado americano em março de
1858. “Em todos os sistemas so- parte do tempo, foram relegados aos
ciais, precisa haver uma classe
para cumprir as tarefas servis, serviços mais sujos, degradantes
para fazer as lidas diárias da
vida”, disse o senador James e indesejáveis nos Estados Unidos
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na estante

mente pelo menos duas das mu- a escravização e já em anos bem sistema de castas. O legislativo
lheres que escravizara, e consta avançados do século 20, eles es- decretou que “nenhuma pessoa
que uma delas era sua filha com tavam basicamente restritos ao de cor deve seguir ou praticar
outra escrava. (...) papel de meeiros e serventes — a arte, o ofício ou o negócio de
Mas ele é mais conhecido pelo empregados domésticos, roça- artesão, mecânico ou lojista ou
discurso que sintetiza a hierar- dores, motoristas e faxineiros. O qualquer outro ofício, emprego
quia do Sul, cujo espírito se di- máximo a que podiam aspirar os ou negócio (exceto na agricultura
fundiu pelo resto do país, como que conseguiam estudar era dar ou como servente sob contrato de
uma estrutura erguida sobre um aulas, cuidar de doentes, atender trabalho) por sua própria conta
baldrame. Com isso, Hammond às necessidades de saúde ou se- ou em benefício próprio enquan-
definiu o quinto pilar de casta: pultar outras pessoas da casta to não obtiver uma licença do juiz
a divisão do trabalho segundo a subordinada. (...) do tribunal distrital, que valerá
posição do indivíduo na hierar- O estado da Carolina do Sul, por apenas um ano”. A licença
quia. Ele apontou, em primeiro logo após a Guerra Civil, proibiu tinha um custo deliberadamen-
lugar, a finalidade econômica de explicitamente que os negros te proibitivo de 100 dólares por
uma hierarquia, isto é, garantir realizassem qualquer trabalho ano, o equivalente a 1.500 dóla-
que as tarefas necessárias para o que não fosse doméstico ou agrí- res em 2018. Não se exigia essa
funcionamento de uma sociedade cola, estabelecendo seu lugar no taxa à casta dominante, cujos
sejam executadas, mesmo que integrantes, por não terem sido
contra a vontade, nesse caso das escravizados durante um quarto
pessoas que nasceram na laje de de milênio, tinham mais condi-

As indústrias
fundação desfavorecida. ções de pagar.
No sistema de castas indiano, A lei deixou nominalmente de

do Norte muitas
que constitui uma hierarquia vigorar no período conhecido
muito mais elaborada, era a sub- como Reconstrução, a década em

vezes contratavam
casta — ou jati — de nascimento que o Norte assumiu o controle
da pessoa que estabelecia a tare- da ex-Confederação, mas retor-

afro-americanos
fa a ser cumprida pelos membros nou em espírito e na prática após
da família, de limpadores de la- a retirada do Norte e a retomada

apenas como
trinas a sacerdotes nos templos. do poder pelos ex-escravizado-
Aqueles que haviam nascido em res, que estavam prontos para se

fura-greves, e
famílias que recolhiam dejetos, desforrar da derrota na Guerra
curtiam couro ou lidavam com Civil. Na Carolina do Norte, du-

os sindicatos
os mortos eram vistos como os rante a escravidão e depois na
membros mais baixos e mais ma- era da meação, os indivíduos da

os impediam de
culados da hierarquia, intocáveis casta inferior eram proibidos de
devido à necessária mas temida e vender ou comercializar qualquer

ingressar em
ingrata tarefa que supostamente espécie de produto, sob pena de
lhes cabia por nascimento. receber 39 chicotadas. Com isso,

ofícios reservados
De maneira análoga, os afro- bloqueou-se a principal via para
-americanos, durante a maior receberem por seu trabalho agrí-

aos brancos
parte do tempo, foram relegados cola, o que forçou sua dependên-
por definição aos serviços mais cia econômica em relação à casta
sujos, degradantes e indesejá- dominante. (...)
veis nos Estados Unidos. Após O Sul lhes fechou qualquer

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caminho para uma posição aci- dava embora antes mesmo que das do que as da Índia. Em 1890,
ma da que lhes fora designada. chegassem ao portão de entra- “85% dos homens negros e 96%
“Qualquer coisa que leve o preto da. Em Nova York e na Filadél- das mulheres negras estavam
a aspirar a algo acima do arado e fia, por muito tempo as pessoas empregados em apenas duas ca-
da panela, em suma, acima das negras não podiam tirar licença tegorias ocupacionais”, escreveu
funções de servente”, disse o go- nem mesmo para conduzir uma o sociólogo Stephen Steinberg, “a
vernador James K. Vardaman, do carroça. (...) agricultura e o serviço domés-
Mississippi, “será a pior coisa do Havia exceções — aqueles in- tico ou pessoal”. Quarenta anos
mundo para ele. Deus Todo-Pode- divíduos escravizados seletos, depois, quando veio a Depressão
roso o destinou ao trabalho servil. geralmente filhos de donos de e os afro-americanos se muda-
Ele não se presta a mais nada.” escravos, que eram autorizados ram para cidades do Norte, as
Os que conseguiram ir para o a trabalhar como carpinteiros, porcentagens de pessoas negras
Norte após a Guerra Civil e du- ferreiros ou em outros ofícios ne- na base da hierarquia de traba-
rante as ondas maiores da Gran- cessários em fazendas grandes, lho se mantiveram as mesmas,
de Migração, iniciada na Primei- como a de Thomas Jefferson em embora, naquela altura, quase
ra Guerra Mundial, descobriram Monticello. metade dos homens negros tra-
que podiam fugir do Sul, mas não Mesmo na Índia, onde há mi- balhasse em serviços braçais que
da casta. Ingressaram no Nor- lhares de castas dentro das cas- exigiam apenas força física. So-
te na base inferior, abaixo dos tas, dentro das quatro varnas mente 5% constavam como tra-
europeus meridionais e orien- principais, “nenhuma ocupação balhadores do setor terciário —
tais, que podiam nem ter ainda tem apenas uma casta designada muitos deles pastores religiosos,
aprendido o inglês, mas eram para ela”, escreveram os antro- professores e pequenos lojistas
admitidos nos sindicatos e em pólogos W. Lloyd Warner e Alli- com atendimento voltado para
bairros mais bem atendidos, que son Davies. “Embora em teoria outras pessoas negras.
não aceitavam cidadãos negros a casta exija uma especialização
que tinham desbravado a terra ocupacional, na prática mesmo
agreste e construído a riqueza a casta mais bem organizada de
do país. Embora não houvesse lei todas, a dos brâmanes, tem uma
federal restringindo atividades grande variedade de ocupações.”
profissionais com base na raça, O antropólogo e filósofo francês
estatutos no Sul e costumes ar- Célestin Bouglé escreveu que, no
raigados no Norte mantinham sistema de castas indiano, “po-
as pessoas da casta inferior em dem-se distinguir seis castas de
seu lugar. As indústrias do Norte mercadores, três de escribas, 40
muitas vezes contratavam afro- de camponeses, 24 de diaristas
-americanos apenas como fura- rurais, nove de pastores e caça-
-greves, e os sindicatos os im- dores, 14 de pescadores e ma-
pediam de ingressar em ofícios rinheiros, 12 de vários tipos de
reservados aos brancos. Os ins- artesãos, carpinteiros, ferreiros,
petores municipais se negavam ourives e oleiros, 13 de tecelões,
a assinar oficialmente o trabalho 13 de destiladores, 11 de serven-
de eletricistas negros. Uma fábri- tes domésticos”.
Casta
Autora: Izabel Wilkerson
ca em Milwaukee, ao perceber a Assim, as linhas de casta nos Editora: Zahar
aproximação de homens negros Estados Unidos podem ter sido Páginas: 464
à procura de serviço, já os man- ao mesmo tempo ainda mais rígi- Preço: 59,90 reais

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na real Por Vicky Bloch

Os erros persistentes das demissões

T
rês décadas atrás, demitir era algo quase inexis- Precisei apoiar diretamente processos de desligamento
tente nas empresas do Brasil. Eram raríssimos durante 18 anos, e posso afirmar que todos foram diferentes
os casos de demissão por desempenho ou por e exigiram ações específicas. O cenário, as necessidades, os
incompatibilidade de perfil. Da mesma forma, as vínculos com a organização, o mercado de trabalho: tudo
mudanças nas atividades de um cargo eram quase se transforma. E, por ser este um momento tão delicado,
nulas. E, quando alguém ficava “obsoleto”, criava- é preciso considerar essa atividade uma especialidade que
-se uma função de assessoria que justificasse a deve ser conduzida só por quem tem realmente um legítimo
permanência do funcionário de muito tempo na empresa. interesse no ser humano.
Quando fomos expostos à globalização, nossa gestão Não é de espantar que instrumentos como os planos de
estava despreparada para todas as mudanças que se im- demissão voluntária (PDVs) já não tenham adesão atual-
puseram à função dos gestores. Além disso, os profissio- mente como no passado. Qual seria hoje o atrativo para
nais passaram a ser cobrados por tomadas de decisão mais alguém deixar uma organização? Será que a pessoa se move
rápidas, mais autonomia e atuações inéditas na gestão de só pelo pacote em dinheiro (e, diga-se de passagem, cada
pessoas, como selecionar por competências, melhorar ava- vez menor), ou será que está em busca de um ambiente de
liações, pensar em novas formas de retenção. trabalho que comporte as novas demandas do mercado?
Também como consequência daquele momento, o tema Há quem possa dizer que eu estou sendo poética. Afinal, o
demissão passou a estar na vida de todos — os que decidiam que tem a empresa de responsabilidade sobre
sobre quem seria demitido e os que sairiam da empresa. o futuro ex-colaborador? No meu ponto
Assim, tivemos de aprender a demitir. Foi difícil, doloroso, de vista, tudo. É isso que eu chamo de
e houve muita incompetência. Como tudo que se faz pela responsabilidade social praticada na
primeira vez, cometem-se inadequações, erros e, pior, des- íntegra. Sem essa consciência, conti-
respeito com o semelhante. nuaremos um país hipócrita, em que
Surgiram ainda os aproveitadores, que tentaram — e as companhias fazem um discurso
continuam tentando — conquistar vantagens nesse mo- de responsabilidade social para fora,
mento doloroso. Desde tirar dinheiro de quem foi demitido, mas não praticam para a comunidade
prometendo o sonho de um emprego, até construir planos interna esses mesmos valores no
de demissão que só consideram os custos, e não as pessoas. momento mais crítico da vida
Esses pagaram caro, pois criaram problemas com todos os de seus funcionários.
públicos dessas empresas: os funcionários passaram a de-
sacreditar de seus contratadores, os sindicatos ficaram mais
aguerridos contra essas companhias e pessoas convidadas
a participar de processos de seleção rejeitaram o convite.
Grande confusão ainda se faz entre metodologias e ins-
trumentos utilizados para realizar demissões que, no fundo, Psicóloga, sócia da
têm o intuito de proteger os que seriam os culpados pelas Vicky Bloch Associados
consequências de processos malconduzidos. Não há erro e professora nos cursos
pior do que tomar decisões de encerramento de atividades, de especialização em
reduções de quadro e mudanças de processos que afetam RH da FGV-SP e da FIA
pessoas com base apenas em fatos passados.

66 VOCÊ RH junho / julho 2021 foto: l ea n dro fonseca

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