Você RH - Ed. 74 - Junho2021
Você RH - Ed. 74 - Junho2021
Você RH - Ed. 74 - Junho2021
Esconder o valor salarial no recrutamento A síndrome de boreout transforma Por que apostar na diversidade tem
pode prejudicar a imagem da empresa o tédio em problema de saúde mais a ver com ética do que com lucro
Os caminhos
para a liderança
estratégica
JUNHO / JULHO 2021 • edição 74
Giovanna
Poladian,
diretora de
pessoas e cultura
da CTG: a área
de RH participa
das decisões
do negócio
Seções 24
8 | Da redação
os caminhos para a liderança estratégica
O RH ganhou mais evidência na crise da covid-19 e agora é
a hora de tornar a área realmente conectada ao negócio
9 | Feedback
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Na cadeira
do copiloto
S
e há um saldo positivo desta pan- Como resolver esse problema? Para além de
demia de covid-19 para o RH é o desenvolver competências e ter um olhar am-
reconhecimento de seu trabalho: plo sobre a organização, um dos pontos mais
68% dos profissionais de recursos importantes para se tornar estratégico é criar
humanos se sentem mais valoriza- parcerias com quem decide. Como bem explica
dos depois da crise, segundo pes- Luiz Carlos Cabrera, professor na FGV Eaesp,
quisa feita pela consultoria Mercer é hora de a área assumir a cadeira de copiloto
e publicada com exclusividade nesta do CEO, que por muito tempo foi ocupada pelo
edição. Embora exista uma sensa- diretor financeiro, e auxiliar nas decisões es-
ção maior de protagonismo, ainda é muito co- tratégicas. Se o RH se apoderar desse lugar,
mum ouvir que a área precisa colocar a maior certamente ajudará a construir um ambiente de
parte de seus esforços em questões operacionais negócios com mais humanidade e propósito.
e não consegue se desvencilhar das demandas
do dia a dia para ter uma atuação efetivamen-
te estratégica. Essa realidade acaba criando
uma percepção de que o RH não está conectado
com as necessidades de líderes, funcionários e
acionistas. Não à toa, um levantamento feito
pela consultoria Gartner mostra que 71% dos
empregados dizem que o RH não entende do ELISA TOZZI
que eles realmente precisam ou o que querem. Editora
Precisamos distinguir o
Partindo da constatação de que, de certa forma, já fomos isolamento físico do isolamento
afetivo, aquele que traz a
modificados e de que não haverá uma volta ao “normal”, cabe sensação de solidão e a falta de
realmente um novo olhar para o desenvolvimento humano de relacionamentos significativos.
forma integral. Saúde mental, emocional, física e muito mais Ouvi recentemente de um colega,
durante uma experiência que
do que isso. Nunca o autoconhecimento foi tão importante. estávamos desenvolvendo, que
Deve ser uma “disciplina” a ser cursada pelos jovens. (Sobre a “estar perto é geografia, estar
reportagem de capa, A Epidemia da Solidão, ed. 73) próximo é escolha”. (Sobre
a reportagem de capa, A
Alexandre Marques Epidemia da Solidão, ed. 73)
Paulo Vinicius Souza
Que pauta importantíssima! Sim, iniciativa da publicação! Como O tema é relevante e a arte
precisamos mais do que nunca profissional de RH, me pergun- da capa está impressionante.
distinguir entre isolamento físico to: em meio a isso tudo, quem Excelente trabalho! (Sobre a
reportagem de capa, A Epi-
e afetivo, pois quando misturados está (e como está) cuidando das
demia da Solidão, ed. 73)
o impacto é muito maior. Fan- lideranças e do próprio RH? O
@renahangil
tástica a criação do Ministério que nos aguarda pós-pandemia?
da Solidão, pois esse assunto (Sobre a reportagem de capa, A
precisa ser tratado continuamen- Epidemia da Solidão, ed. 73) Acredito que o isolamento social
te. (Sobre a reportagem de capa, Katia Xavier Batista não é o único mal, e sim como as
A Epidemia da Solidão, ed. 73) pessoas lidam com ele e o que fa-
Evelyn Nunes zem nesse isolamento. Mas é fato
Infelizmente, muitas pessoas que não está fácil para ninguém.
tinham o trabalho como único mo- (Sobre a reportagem de capa, A
Matéria essencial para o momen- mento de convívio social. Alguns Epidemia da Solidão, ed. 73)
to que vivemos. Parabéns pela conseguiam viver seus relaciona- @techpararh
Escritório
da Evino, em
São Paulo:
curso online
tem formação
aprofundada
sobre o
universo
do vinho
Legião de degustadores
A
empresa de e-commerce Marinzeck, considerada um dos 50 os outros é opcional. Ao final das
de vinhos Evino quer po- nomes promissores para o futuro 35 aulas, os participantes passam
pularizar o conhecimento do vinho pela International Wine & por uma avaliação e, se aprovados,
sobre a bebida no Brasil. Spirits Competition e Wine & Spirits são certificados. “Dar uma forma-
E nada melhor do que fa- Education Trust. O conteúdo está ção assim abre possibilidades para
zer isso dentro de casa. A disponível para os 280 funcionários que as pessoas se desenvolvam e
companhia criou um curso e é obrigatório para os setores que promovam conhecimento sobre o
online de sete horas sobre o tema, lidam com clientes, como os de assunto”, diz Renata Fior, gerente
apresentado pela sommelière Jessica marketing, comercial e SAC — para de RH da Evino.
Desligando o wi-fi
O home office reforçou as discussões sobre os direito
à desconexão. Afinal, em casa os funcionários estão a
um clique de alcance das empresas. No Reino Unido,
uma pesquisa feita pela Opinium a pedido do Pros-
pect Union, sindicato que representa profissionais do
setor de tecnologia e engenharia, indicou que 59%
Desânimo global
O engajamento diminuiu ao redor
do mundo neste ano. É isso que
revela um estudo da consultoria
ADP com mais de 27.000 pessoas
em 25 países, inclusive o Brasil.
No primeiro estudo sobre o tema,
feito em 2018, 17% dos profissio-
nais se consideravam engajados.
Em 2021, o índice caiu para 16%. Por
“engajamento”, a ADP considera o
estado mental que nos impulsiona
a dar nosso melhor no trabalho.
Falta de cuidado Para Mariana Guerra, VP de RH da
empresa na América Latina, esse
resultado pode ter a ver com a lide-
Depois de mais de um ano de pandemia, o uso de máscara e álcool
rança. “Quando o líder é totalmente
em gel deveria estar disseminado nas companhias do Brasil. Mas
engajado, 65% do seu time também
não é isso que acontece. De acordo com uma pesquisa feita pela
é. Em contrapartida, quando não
consultoria Heach Recursos Humanos com 400 companhias, 45%
é, só 0,04% da equipe é engaja-
não possuem uma política sobre a utilização de máscara no ambiente
da”, diz. O Brasil vai na contramão
de trabalho, 37% não fornecem itens de higienização das mãos e
do mundo e teve um aumento de
48% pretendem afrouxar as regras de prevenção depois da imuni-
quatro pontos percentuais saindo
zação dos funcionários. “Há uma politização da doença, que faz as
de 14% em engajamento em 2018
pessoas negligenciarem a covid-19. Para as empresas, pode haver
para 18% neste ano. “Atribuo isso à
complicações legais e estratégicas, já que um ambiente vulnerável
questão da confiança: um trabalhador
compromete não só a vida das pessoas mas o próprio negócio, que
tem 12 vezes mais probabilidade
pode ter que lidar com afastamentos longos e múltiplos”, diz Elcio
de ser totalmente engajado se ele
Paulo Teixeira, CEO da Heach Recursos Humanos.
confia em seu líder. No Brasil, há
um movimento das empresas em
se humanizar e isso reforça os vín-
O peso da pandemia
Como a crise da covid-19 afetou a vida dos profissionais de RH? Foi para responder a essa pergunta que a Mercer,
consultoria global de recursos humanos, saúde e previdência, aplicou uma pesquisa com 470 participantes bra-
sileiros. Os resultados mostram que quem atua na área está vivenciando grandes desafios durante a pandemia.
Para 65% dos respondentes, por exemplo, o número de horas trabalhadas aumentou muito ou consideravel-
mente. “Toda a operação e as atividades do RH foram impactadas, já que seu cliente principal são as pessoas”,
diz Rafael Ricarte, líder de produtos de carreira da Mercer Brasil. Ele também atribui esse resultado a equipes e
orçamentos menores, necessidade de a área de gestão de pessoas encabeçar a transformação digital e de liderar
temas como comunicação, gestão de benefícios e cuidados com a saúde mental. Conheça mais descobertas.
se sentem mais enfrentaram acreditam que o Já executam acharam difícil afirmam que a
valorizados dificuldades maior desafio é um plano de se adaptar ao área que mais
depois da em quebrar conscientizar as transformação home office nos apoiou o RH na
pandemia paradigmas de RH pessoas digital primeiros meses crise foi a de TI
Lí de res
e remoto é a tendência dos
próximos anos e isso exige
o desenvolvimento de novas
habilidades de liderança
camaleões
A
pandemia de covid-19 tornou
o home office uma realidade
e, para o futuro, a expectativa
é que as companhias adotem
o modelo híbrido, com funcio-
nários em casa e no escritório.
Essa nova realidade é a adoção da “flexi-
bilidade radical”, quando a compa-
nhia deixa de se importar com
o local, os horários e a quanti-
dade diária de tempo dedicado
ao emprego. As transforma-
ções quebram os paradig-
mas da liderança — e
cabe ao RH cultivar a
mentalidade correta
para que os gestores
fiquem aptos a en-
frentar os desafios
do novo mundo.
14 VOCÊ14 junho
RHVOCÊ RH/junho
julho/2021
julho 2021 i lu s t r aç ão : H i r o s h i Wata n a b e / G e t t y I m ag e s
Conexões mais
profundas
Diagnóstico precoce
Para que os gestores efetivamente apoiem a transformação para o modelo híbrido de trabalho, é
preciso identificar qual é sua mentalidade. Embora entender como os líderes estão pensando não
seja algo tão óbvio, é papel do RH fazer esse diagnóstico e preparar os gestores — sempre tendo em
vista que o objetivo dessa etapa é não apenas detectar o problema mas propor soluções. O primeiro
passo para isso é segmentar as lideranças para entender quais gestores precisam de mais atenção.
Os quatro tipos de líderes são os seguintes.
Como identificar
Algumas perguntas que os líderes fazem ajudam a compreender suas inclinações
Lição de desapego
Os líderes de E devem se
modelo híbrido apropriar de...
precisam se
distanciar de...
clima e bem-estar
Cronogramas Resultados
Escritórios
16 VOCÊ16 junho
RHVOCÊ RH/junho
julho/2021
julho 2021 i lu s t r aç ão : H i r o s h i Wata n a b e / G e t t y I m ag e s
Ouvidos
a postos O
que fazer quando a pandemia
acabar? A lista de desejos
costuma ser longa, mas
Regina Biondo já tem uma
ideia: aprender a surfar. Essa
vontade combina bem com a
empresa na qual a paulistana atua
desde maio de 2020, a varejista
Completando pouco mais de um ano à frente do de itens esportivos Decathlon
— conhecida por ter um time de
RH da Decathlon no Brasil, Regina Biondo aposta 100.000 funcionários espalhados
na escuta ativa para conduzir transformações pelo mundo que compartilham a
paixão pelo esporte. Aos 31 anos,
Elisa Tozzi
trabalharíamos
pandemia. Mas precisamos do olho dos empregados em grupos de
no olho, do cafezinho.” discussão. “Não queremos ações
de cima para baixo; nosso objetivo
O desafio
Sem demitir durante a crise, a
bem no modelo é ouvir as pessoas, entender
quais são os principais problemas
Decathlon está atualmente com
cerca de 2.000 funcionários no
remoto, e isso foi e sensibilizar as lideranças.”
E a companhia já possui um
Brasil, divididos entre lojas,
corporativo e centro de distribuição desmentido pela compromisso global: alcançar
50% de mulheres em cargos de
pandemia
(CD). E foi para este último que gestão até 2022. “Temos um avanço
surgiu uma grande novidade neste importante a fazer.”
Fortes
Na contramão da maioria dos
setores, a construção civil
cresceu durante a pandemia.
Otto von Sothen, CEO do
e unidos
Grupo Tigre, mostra quais são
os desafios deste momento
Elisa Tozzi
C
om 5.300 funcionários, o Grupo Tigre está completando 80 anos em 2021. Nessas oito décadas
de história, a empresa familiar de Santa Catarina conhecida por seus tubos e conexões ampliou
a atuação para louças sanitárias e tratamento de água — além de se internacionalizar. Presente
em 40 países, a empresa, que ficou mais forte depois da compra da americana Dura Plastic, está
consolidando sua atuação nos Estados Unidos. Quem está à frente dessa operação é Otto von Sothen, que
há oito anos ocupa a posição de CEO na Tigre. Em entrevista para VOCÊ RH, o executivo explica que o bom
momento do setor de construção civil durante a pandemia veio depois de anos difíceis para o segmento —
e que isso o preparou para enfrentar qualquer crise.
Como tem sido o período de produção, e a demanda acelerou dutiva — porque essa é uma decisão
pandemia para a Tigre? brutalmente. Foi algo único, porque que leva de dois a três anos para ser
Nossa história não foi diferente da o mundo todo estava vivendo a mes- implantada e que exige investimen-
maioria das empresas. Depois do ma coisa: pessoas em home office tos na casa dos milhões de dólares.
susto inicial, criamos um comitê querendo reformar a casa. Tivemos Isso fez com que a capacidade
de crise porque precisávamos de um ano desafiador, mas positivo em produtiva batesse no teto no terceiro
uma velocidade de respostas e de termos de resultados. Mantivemos trimestre de 2020. E é uma inflação
mudanças de rumo rápidas, às no time um espírito de sobrevi- em dólar, o que gera um impacto
vezes instantâneas. E todo o time de vência, e isso reforçou os laços. grande no Brasil, por causa da des-
liderança entrou nessa conversa. valorização do câmbio. Na prática,
Nos primeiros dois meses da pan- Embora o segmento de cons- teríamos que dobrar o custo — o que
demia em 2020, paramos por duas trução civil esteja com mais é um absurdo. Por mais que um con-
semanas. Estávamos preocupados demanda, o índice de inflação sumidor entenda, ele não consegue
com contaminação e com falta de é o maior em 28 anos, segundo internalizar e arcar com isso. Esse
mão de obra, além de precisar criar a FGV. Por que isso ocorreu? cenário não significa que tenhamos
protocolos muito rígidos para quem Antes da pandemia o setor estava subido a margem; ao contrário, esta-
trabalha nas fábricas. Em junho ocioso. Globalmente os fabricantes mos tentando repassar aos poucos.
e julho, ganhamos velocidade de não investiram em capacidade pro- É uma situação bem complicada
para o consumidor final, mas a para sempre deixar claro que nossos comprar a casa própria. Entre 2014
demanda por mais conforto em casa produtos não são descartáveis. Não e 2018, a construção civil desa-
não vai arrefecer no curto prazo. havia nada de errado nisso. Mas, bou, tivemos que fechar fábricas e
quando diversificamos para metais, enfrentar anos desafiadores. Isso
O que mudou na sua rotina conduzimos grupos focais com os começou a mudar em 2018-2019
com a crise da covid-19? consumidores para ver como eles e cresceu em 2020. Nesse um ano
Gosto de visitar clientes, de ir para a enxergavam a Tigre. Dali veio a e meio, estamos com crescimen-
fábrica, e senti falta disso. A solução percepção de que conduzimos água, to muito acima do PIB. Fomos do
foi fazer lives, o que tem um lado independentemente do material. inferno para o céu, mas não pode-
bom: dá para falar com 500, 600 Isso acendeu uma luz em nós: mos esquecer o que passamos.
pessoas de uma vez só. Isso com- conduzimos água e ajudamos no
pensou o meu medo de estar longe tratamento. Aí mudou o foco. No O que aconteceu durante os anos de
do pessoal. Existe um conceito de programa de desenvolvimento de crise do setor de construção civil?
que eu gosto muito, que não é meu, liderança, esse mote foi usado para O mais bacana é que não perdemos
mas da Betania Tanure [consultora criar o novo propósito, e veio a defi- líderes, praticamente nenhum saiu
de desenvolvimento empresarial nição de transformar a qualidade de da empresa. Isso é fruto de uma
e de liderança], que é o de “líder vida pela água. Essa causa conecta comunhão de espírito, das coisas
agridoce”: temos que demonstrar muito, já que no Brasil metade serem muito claras para todos.
a realidade e, ao mesmo tempo, da população vive sem esgoto. Arregaçamos as mangas juntos e
transmitir esperança e otimismo. passamos por uma tempestade.
Em 2021, a Tigre completa 80 anos Agora estamos num momento
A empresa anunciou que vai e você oito anos de empresa. Quais oposto, mas sempre tivemos muito
dar um dia de folga para to- foram suas lições nessa jornada? espírito de união nas fases difíceis
dos os funcionários. O que Passamos por anos muito difíceis, e confiança dos acionistas, que
o motivou a fazer isso? porque a construção civil se move entenderam o momento e ficaram
Nossa pesquisa pulso de clima reve- de acordo com o PIB do país, já que próximos de nós. Pelo tempo que
lou que o time estava esgotado. En- envolve decisões importantes para a crise durou, o desafio foi muito
tão surgiu a ideia, junto com o RH, de as pessoas, como fazer reformas e mais intenso do que o da covid-19.
dar um dia de descanso para todos. Acredito que isso nos preparou.
Estamos cientes de que as pessoas
estão mais cansadas do que nunca, Como você encara a liderança hoje?
por isso o RH tem incentivado fazer Fala-se muito sobre o fim da era do
pausas, brecar reuniões na hora do CEO protagonista, e isso é algo que
almoço. São coisas sem custo, mas já fazíamos na Tigre. Aqui a decisão
que ajudam a recarregar a bateria e As pessoas não é individual. Dá um pouco de
que possuem alto valor emocional. trabalho porque demanda o esforço
se sentem de conversar com todo mundo, mas
A Tigre passou por uma trans- tem um poder de alinhamento gran-
formação cultural há alguns agradecidas de. Outro ponto é se mostrar como
anos, trazendo a água para o um líder que tem fragilidades. Essa
centro do propósito corporati- quando percebem característica foi exacerbada nesse
vo. Como foi esse processo? ano e meio. As pessoas se sentem
Nossa visão era muito industrial, que os líderes agradecidas quando percebem que
acreditávamos que éramos produto- os líderes, assim como elas, também
res de plástico, com muito cuidado também têm medo têm medo e não sabem de tudo.
Os caminhos para a
l ide r a nç a
e s t r at é gic a
Com a pandemia, o RH ganhou ainda mais evidência e
agora é a hora de tornar a área realmente conectada
ao negócio. Aprenda como fazer isso
Caroline Marino
71%
em planejamento para ser reestruturadas nos pró-
ximos dois anos. Os dados mostram, por exemplo, dos funcionários
que 44% das companhias já têm ou pretendem ter o dizem que o RH não
cargo de HR COO (diretor de operações de recursos entende do que eles
humanos), responsável por gerenciar todas as ope- precisam nem o que
rações e transações da área, e um HRBP (business realmente querem
Fonte: Gartner
Mais perto
dedicação de todos. Nem exigir desenvolvimento
sem oferecer desafios constantes. Nem lealdade
sem contar qual é o caminho da empresa e aonde a
companhia quer chegar.
Caroline Carpenedo, diretora global de RH e
2. Design organizacional
Para ajudar o negócio e antecipar tendências, o RH
de dentro e de fora da empresa é discutido nessas
reuniões”, afirma. De acordo com ela, a parceria do
deve propor o desenho organizacional do futuro e RH com o CEO e com o conselho de administração
agir como um designer. Algumas perguntas podem tem o objetivo de garantir que a empresa esteja indo
ajudar nesse processo: como vamos operar no futuro? no caminho certo.
Qual é o melhor jeito de trabalhar? Teremos carreira
linear ou em nuvem? Vamos construir um ecossistema
Por isso, torna-se essencial o RH compreender
aberto e colaborativo? Qual será o melhor tipo de quais são as decisões estratégicas, os planos de
contrato? Além disso, o RH precisa auxiliar em toda a curto, médio e longo prazos, a cultura e os valores
estruturação de cargos para fornecer o desenho que
que regem a empresa e os talentos necessários para
melhor atenda às demandas da empresa.
conquistar os objetivos. Além de ter entendimento
sobre todos os stakeholders da companhia — dos
que ajuda pessoas em vulnerabilidade e informais com todo o time? É chamado para discutir a estra-
a gerar renda. Na pandemia, foi aberta uma turma tégia de expansão do negócio, ou é solicitado apenas
que recebe os familiares dos funcionários. para contratar pessoas depois do crescimento? “O
Esse olhar ampliado, para dentro e fora da or- profissional de gestão de pessoas que entende a es-
ganização, é crucial na busca por uma liderança tratégia se aprofunda nos temas, discute e participa
estratégica na gestão de pessoas. “A empresa precisa das decisões”, afirma Rafael.
da área na discussão do ambiente, da governança e Esse é o caso de Giovanna Poladian, diretora de
da sustentabilidade. São temas obrigatórios para o pessoas e cultura da CTG, empresa chinesa de ener-
RH”, afirma Vicky Bloch, sócia da Vicky Bloch As- gia, que sempre é chamada para tomadas de decisão
sociados, professora nos cursos de especialização importantes. A companhia, que chegou ao Brasil há
em RH da FGV-SP e da FIA e colunista de VOCÊ sete anos, tem passado por muitas transformações
RH. Isso quer dizer apoiar debates amplos como: a em razão das aquisições feitas ao longo desse tempo.
empresa está olhando de perto para a saúde mental E todas têm o RH como parceiro. Em 2020, por exem-
dos funcionários? O trato com os clientes e fornece- plo, o presidente da multinacional convidou Giovanna
dores é feito com lealdade? A comunidade ao redor é e o diretor da área de estratégia e performance para
assistida? Se a empresa fala em respeitar a dignidade debaterem a nova estrutura organizacional, que foi
em todas as relações, mas o fornecedor leva 90 dias implementada em março deste ano. A ideia foi ana-
para receber, por exemplo, há algo errado — e o RH lisar a organização de todas as áreas, olhando se as
deveria influenciar na solução. posições existentes eram suficientes para alcançar
os resultados esperados e se havia sinergia entre
Mais colaboração as funções. Outra contribuição da área está ligada
A ideia do RH estratégico é que a área colabore com à entrada da companhia no mercado de energias
o negócio de maneira efetiva, analisando dados e renováveis: o RH auxiliou o CEO a entender melhor
participando das principais decisões da empresa, o segmento. O mesmo está acontecendo no processo
como explica Rafael Souto, presidente da Produtive, de transformação cultural pelo qual a empresa pas-
consultoria de planejamento e transição de carreira. sa desde 2019. É o setor de gestão de pessoas, em
Para saber se o trabalho está nesse nível, vale ava- parceria com os departamentos de comunicação e
liar as agendas para as quais a área é chamada. O estratégia, que está tocando todo o processo. “Três
RH participa das discussões de lançamento de um passos são importantes para o RH ser realmente um
produto, ou só entra para indicar alguém da empresa parceiro de negócios: entender a fundo a estratégia,
para participar da campanha de divulgação? Pensa desenhar projetos para entregá-la e ouvir as pessoas,
só na parte prática do home office, ou implementa da liderança ao operacional”, afirma Giovanna. Para
ações diferentes de engajamento e lidera conversas isso, ela explica que cada etapa do projeto de cul-
tura foi dividida — e discutida — com todo o time.
62%
“Testamos os novos valores e propósito em grupos
focais, sempre perguntando como as pessoas se
sentiam em relação aos valores e se aquele propósito
as representava”, explica a executiva.
É por isso que o conceito de trabalho em equipe
não pode ficar restrito apenas às descrições das
vagas de emprego e precisa ser urgentemente abra-
çado pelos profissionais de RH. De acordo com Vicky
dos líderes de RH não acreditam que sua Bloch, é indispensável assumir a interdependência
função separa adequadamente a parte da área e ter a humildade de agir em conjunto. “Isso
estratégica da operacional significa admitir que sozinhos não chegamos a lugar
Fonte: Gartner algum”, afirma. Na visão de Ricardo Triana, diretor
executivo do Project Management Institute (PMI),
as travas?
por Mark Whittle, do Gartner,
mostra quais são os obstáculos
para a atuação do RH
Competências
1. 2. 3. 4.
Falta de uma Incompreensão Desconhecimento Dificuldade em
equipe de RH capaz do que é um de quais entender como
de criar mudanças “bom” impacto habilidades e melhorar a equipe
estratégicas estratégico competências são
necessárias para
causar impacto
estratégico
Projetos
1. 2. 3. 4.
A equipe de RH luta Não há Faltam recursos, A natureza ou
para equilibrar colaboração como pessoas o tamanho do
responsabilidades de maneira e verba, para negócio torna
operacionais e eficaz dentro da preencher a difícil separar o
estratégicas função, há silos equipe e investir estratégico do
operacionais em automação operacional
ou serviços
compartilhados
Transformações
1. 2. 3. 4.
É difícil mover Os acionistas não A equipe de RH não O time
recursos quando esperam que o RH está disposta a operacional de
as prioridades seja estratégico mudar RH vai entender
mudam e o veem apenas seu papel como um
como operacional rebaixamento
O relatório de Mark
como
Whittle, do Gartner,
também indica quais
são os passos para
elevar a atuação do RH melhorar
Estabelecer um pool de soluções de problemas
Atualizar as habilidades
• Definir a função do solucionador de problemas do RH
e fazer capacitações
• Identificar lacunas de habilidades e necessidades • Pedir a ajuda de uma consultoria ou de
um especialista em gerenciamento de projetos
• Criar um currículo e estabelecer
um processo de certificação • Determinar um método de priorização dos projetos
E
m 2015, uma ex-fun- em busca de um emprego em 2020 der os próprios funcionários para
cionária do Google preferiam vagas com pelo menos outras empresas, caso saibam
nos Estados Unidos, uma informação aproximada de que elas pagam melhor. A preo-
Erica Baker, seria a salário. Mas mais da metade dos cupação é, ainda, a segurança,
responsável por ini- funcionários entrevistados pelo levando-se em conta o contexto
ciar um movimento Glassdoor relatou não ter ideia de de países desiguais como o Brasil.
em massa em diver- qual era o salário quando se can- “Algumas empresas avaliam que
sas empresas do didatou para o último emprego. declarar valores dos cargos mais
mundo. Insatisfeita No Brasil, a situação se repete. bem pagos pode colocar em risco
com a falta de trans- Em abril, das 50.019 vagas anun- os profissionais”, diz Erica.
parência, ela criou ciadas na plataforma InfoJobs, por Outro medo seria o de atrair
uma planilha para que funcioná- exemplo, 42% vieram com a frase candidatos puramente interessa-
rios divulgassem seus salários na “salário a combinar”. O restante, dos no salário, e não na vaga em
empresa. A iniciativa gerou uma 58%, dividia-se entre vagas com si. A ideia é que não declarar o
série de outras planilhas preen- salário ou com faixa salarial. Se- valor pode chamar pessoas mais
chidas por funcionários de com- gundo Nathália Paes, responsável motivadas por outros fatores que
panhias como Microsoft, WeWork pelo desenvolvimento de negócios não o financeiro, como cultura e
e organizações de mídia, muitas do InfoJobs, a maioria das opor- propósito. É por isso que Maria
das quais continuam ativas até tunidades que abrem informação Sartori, diretora de recrutamen-
hoje — inclusive no Brasil. salarial costuma ser para níveis to da Robert Half, consultoria
O movimento denota um con- mais baixos, como júnior e pleno. especializada em recrutamento e
flito que ainda parece longe de se “Ocultar o salário ainda é prática seleção, costuma recomendar aos
resolver: de um lado, as pessoas recorrente em grande parte das clientes que não abram nem mes-
querem ter acesso a informações empresas, especialmente para mo a faixa salarial. Ainda que essa
de salário e remuneração. De cargos mais altos”, afirma. seja, de fato, a questão que Maria
outro, há relutância das empresas O que parece estar por trás Sartori mais ouve dos candidatos.
em abrir essas informações. E o disso é o medo, sob várias for- “Divulgar essa informação pode
problema segue atual. Em um mas. “Há o receio de colocar essa desestimular o profissional a se-
estudo do Glassdoor, site que per- informação nas mãos dos concor- guir no processo, mesmo antes de
mite que usuários avaliem anoni- rentes”, diz Erica Isomura, sócia e conhecer a vaga”, diz. “E, no final,
mamente empresas onde traba- consultora da Corall, consultoria é possível que ajustemos o valor
lham, oito em cada dez pessoas de RH. O risco é também o de per- de acordo com quem escolhemos.”
Atuar com o
coração
Um dos executivos mais preocupados com a diversidade e a inclusão do Brasil,
Theo van der Loo acredita que a pauta ganhou fôlego, mas as empresas ainda
precisam percorrer um longo caminho para conquistar a igualdade
Elisa Tozzi
C
om uma trajetória de 40 anos na indústria farmacêutica, Theo van der Loo se tornou, em
2017, quando ocupava a cadeira de CEO da Bayer, uma das vozes mais importantes da
discussão sobre diversidade. Na época, escreveu um post de desabafo em seu LinkedIn
compartilhando a história de um profissional negro que teve de ouvir de um recrutador que
não seria entrevistado por causa de sua cor. Theo já liderava alguns projetos de inclusão
racial na Bayer, mas seu texto foi o estopim para que a discussão se ampliasse e ele abraçasse
a causa da diversidade como uma pauta pessoal. Atualmente ele faz parte do CEOs Legacy, da
Fundação Dom Cabral, grupo que amplia o poder de influência dos executivos para iniciativas
socialmente relevantes. Aposentado da Bayer desde 2018, Theo está à frente da NatuScience,
empresa que tem o objetivo de conectar pacientes à cannabis medicinal, além de ser consultor,
conselheiro e palestrante. Em entrevista para VOCÊ RH, ele faz um balanço da pauta da diversidade
nas organizações e traz um alerta: é preciso parar de racionalizar sobre o que está errado e começar
a fazer o que é moralmente correto — simplesmente porque é a coisa certa.
Em 2017, você fez uma postagem A pesquisa que vocês fizeram negras não pudessem ter uma
no seu LinkedIn pessoal que apontou que 65% das empresas boa educação por aqui, pois foram
trouxe à tona a discussão sobre o não têm estratégia de diversidade, incapacitadas desde a escravidão.
racismo no mercado de trabalho. então ainda falta. São poucas as Muitas vezes nós usamos a razão
Na época, compartilhou uma empresas que já têm resultados para justificar o que não é justo e
história de um profissional que para mostrar, mas o que está claro ficamos encontrando desculpas.
ouviu de um recrutador que é que há companhias em um bom
ele “não entrevistava negros”. caminho. Fora disso, existem dois Uma racionalização muito usada
De lá para cá, o que mudou? grupos: o que está convencido e não é a que diz que a diversidade
Comecei a pensar sobre esse faz muita coisa e o que ainda não gera lucro para as empresas.
tema em 2014, quando era CEO da está convencido. No geral, nesse Temos que atuar com o coração. Um
Bayer. Foi assim que eu aprendi o segundo grupo estão as empresas CEO não deveria usar a lucratividade
meu lugar de escuta. As pessoas familiares, mas há exceções. como o motivo para a inclusão,
negras, naquela época, reclamavam precisa fazê-la porque é justo. Esse
que sempre que falavam algo Fora do Brasil o assunto é o motivo. Claro que isso renderá
relacionado ao racismo os outros está mais avançado? mais dinheiro, porque haverá uma
contestavam alegando que era De forma geral, os Estados Unidos já oferta maior de talentos entre as
“mimimi”. Diziam que me apoiariam estão mais à frente na agenda racial, mulheres, as pessoas negras e as
se eu levantasse a questão, mas mas na Europa muitas empresas pessoas pobres. No Brasil, 79% da
que eles não poderiam fazer. não sabem bem como lidar com população não participa de forma
Eles nunca quiseram favor, só isso. Os negros de fato são minoria adequada do mercado de trabalho,
oportunidade para mostrar seu nos países europeus e, embora que tem um monopólio dos homens
potencial e a chance de ocupar recebam boa educação por estarem brancos, que representam apenas
posições. Hoje os negros tomam no sistema público educacional da 21% da população. Quanto mais
iniciativa para falar com a liderança. Europa, também são discriminados candidatos diversos você tem,
Houve mudanças, muito por na hora de procurar emprego. É o mais talentos encontra. Temos que
causa das mídias sociais. Antes, a racismo estrutural. E temos que parar de justificar a importância da
diversidade ficava focada em gênero separar as coisas: mesmo no Brasil, inclusão e focar o como fazer: o que
e, no começo, muito em mulheres não podemos falar que esse é um podemos aprender com as empresas
brancas. Agora já começamos problema apenas social. Foi o que já fizeram isso? O que deu
a falar sobre mulheres negras. racismo que fez com que as pessoas certo e o que deu errado? Também
é importante parar de criticar as
companhias que estão fazendo
algo. Precisamos deixá-las ter a
experiência e gerar aprendizado.
deveria usar a
e as empresas se conectem com empresa inclusiva sem ter
os melhores profissionais. Na uma política de diversidade?
Bayer, foram 25.000 inscritos As coisas não vão mudar
lucratividade
para 19 vagas de trainees. Existe naturalmente. É preciso ter verba
demanda. E todo esse processo e pessoas dedicadas ao tema.
da Bayer aconteceu depois que Se não houver dinheiro para
eu saí da empresa. Se, lá atrás,
eu tivesse sugerido algo assim,
achariam que eu estava maluco.
como o isso, é necessário pelo menos
implementar projetos pilotos. Faço
uma analogia com compliance:
Mas eu plantei a semente, e
isso me dá muita satisfação. motivo para as empresas gastam milhões ao
ano para assegurar que estão
seguindo as regras, que não há
Por que essas iniciativas
geram tanta polêmica?
a inclusão, desvios. O que precisamos agora é
de um compliance moral. No ESG,
precisa fazê-la
Muita gente não parou para pensar temos as letras que representam
de fato nessa questão, nem para se meio ambiente e governança —
colocar no lugar de escuta. Falam nenhuma empresa quer perder
de “meritocracia”, de “racismo
reverso”, de “sangue negro na
família”, parecem papagaios. A
porque é justo isso. Mas o “S”, de Social, é
relativo: pode representar doações,
voluntariado e diversidade. Temos
gente tem que ouvir mais e refletir. falar de mérito. Eu conheci várias que colocar na meta dos executivos
Uma vez um executivo me disse pessoas no Brasil com grandes os avanços de inclusão. Outro
que sua empresa era meritocrática histórias de resiliência e, se elas ponto importante nesse compliance
e eu perguntei: você tem certeza se viraram para chegar a uma moral é contratar fornecedores de
do mérito? Como garante que entrevista de emprego sendo filhas minorias. E não se deixar levar pelo
todo mundo na companhia tem de pais analfabetos, isso por si só cherry picking na diversidade, ou
o inglês fluente? Aplicou um já é um mérito enorme. Ninguém seja, escolher o tipo de inclusão que
teste e o comparou com o de uma quer fazer favor para ninguém. quer fazer. Já ouvi gente dizendo
pessoa negra? São desculpas. Só que dar uma oportunidade é que faria inclusão, mas só na
A meritocracia tem a ver com sempre correr um risco — com questão das mulheres. Ou que não
possuir as mesmas oportunidades, qualquer profissional. Já vi muita iria incluir os trans na discussão
a mesma educação. Se você está gente contratada por headhunter LGBT+. É uma postura de pegar só
na Holanda, onde todo mundo e que não era tão boa assim. Além o que é mais fácil de fazer. Mas isso
tem acesso a boas escolas, pode de contratar, precisamos criar está errado. Ou é tudo ou é nada.
não existe:
mais tarde. No Brasil, os brancos negros na empresa
tiveram uma vantagem de 338 anos.
Quando a escravidão acabou era
teríamos que
conveniente falar que somos todos
iguais sem pensar em como igualar
as oportunidades. É por isso que o
Além do
jornal mural
Com funcionários
em home office e protocolos
de segurança para os
trabalhadores essenciais,
a comunicação corporativa
precisou se transformar —
e isso veio para ficar
B r u n o At h ay de
da pandemia
cação nas corpora- junto com o RH e a comunicação,
ções começava a se transformou e trouxe bons
mudar. No lugar resultados”, explica Hamilton.
dos jornais murais Como deve ser a comunicação A preocupação com a saúde
pregados em diver- em tempos de crise da mental também se tornou uma
sas partes da com- covid-19, segundo Marcia constante nas empresas. É uma
Sales Longaretti, especialista
panhia e dos infor- em desenvolvimento humano questão cara, mas que precisou
mativos enviados sair do papel e foi levada para
por e-mail, novos as lives, as reuniões e as confe-
protocolos foram criados. Os es- rências. Mais do que contratar
pecialistas em recursos humanos Humanize serviços de apoio à saúde mental
e comunicação interna precisa- a mensagem dos funcionários, o tema foi incor-
ram repensar a forma de comuni- porado ao discurso corporativo.
Traga personalidade
car e engajar os profissionais que e se aproxime do Além disso, as fake news come-
público sendo mais
eram mandados para suas casas pessoal nos textos
çaram a ser discutidas dentro das
para se proteger da covid-19 — reuniões de liderança. Os líderes
Nunca deixe de
além de redobrar o cuidado com lado a clareza e precisavam (e precisam) evitar
a transparência
os comunicados para aqueles que, que seus colaboradores fossem
mesmo correndo risco, precisa- disseminadores e consumidores
vam continuar trabalhando pre- de notícias falsas. “Para evitar
sencialmente. Muitas empresas questões envolvendo a covid-19 isso, em vez de privilegiar a infor-
não estavam preparadas para a de seu público interno. mação que vinha só da liderança,
realidade de uma pandemia — e A associação vivenciou um a comunicação passou a cruzar as
a crise trouxe à tona algo que movimento curioso: o número de informações que vêm de todos os
poderia ser óbvio, mas não era: a associados aumentou 10% desde níveis”, afirma o diretor da Aberje.
necessidade de se comunicar bem o início da pandemia — hoje
com os empregados. são 729 empresas. Isso indica a Menos é mais
“Por mais que seja um momento busca das companhias por infor- Encontrar o tom e a quantidade
de milhões de perdas, houve tam- mações sobre como lidar com a correta de comunicação é um
bém o crescimento da relevância comunicação interna com seus grande desafio para as compa-
do comunicador dentro das com- funcionários em home office ou nhias. Afinal, os funcionários são
panhias”, diz Hamilton Santos, no regime híbrido de trabalho. bombardeados por informações
diretor-geral da Associação Bra- “Temos investido em formações de todos os lados — pela impren-
sileira de Comunicação Empre- online para ajudar os profissio- sa, pelos amigos e familiares e pe-
sarial (Aberje). A instituição fez nais. Criamos cursos com temas los diversos grupos de WhatsApp
uma pesquisa que mostra essa que se tornaram relevantes, como da própria empresa. Foi pensan-
necessidade de comunicação nas escuta ativa e diversidade”, diz do nisso que a Ambev, que tem
companhias. O relatório aponta Hamilton, que também observa 30.000 funcionários e um time de
que a comunicação interna (83%), o crescimento da relevância dos comunicação de cinco pessoas,
a gestão de crises e riscos (71%) e profissionais de comunicação, estudou a melhor maneira de se
os eventos (70%) são os processos que estão se tornando tão estra- aproximar dos empregados du-
que estão sendo mais impactados tégicos quanto os de recursos rante a pandemia.
pela pandemia. Além disso, 98% humanos. “O engajamento ficou Assim que ficou claro que era
das companhias têm desenvolvido mais difícil. As pessoas não es- preciso mudar os protocolos do
ações para conscientização das tão mais no mesmo lugar. Mas a trabalho presencial nas áreas
atento
newsletter”, pontuou Guilherme. mais para começar uma reunião
Por isso, foi preciso criar novas falando de metas e de entregas.
formas de se comunicar, e as É preciso conversar, saber como
redes sociais se tornaram estra- a equipe está e abrir para o diá-
Saiba quais são as tendências
tégicas. “Chegamos à conclusão para a comunicação corporativa, logo”, afirma Cynthia.
de que, como o nosso colaborador de acordo com Cynthia Provedel, Mas como humanizar a comu-
teria mais liberdade em casa para professora na Escola Aberje nicação num momento de tanta
olhar o celular, o melhor seria vulnerabilidade? Para Marcia
apostar em uma mídia social. Sales Longaretti, especialista
Daí veio a ideia do Instagram”, em desenvolvimento humano,
diz o gerente.
Com o novo formato, a comu- 1 Digitalização da
comunicação interna
é necessário readaptar a fala.
“O problema começou porque
nicação passou a ter três ferra- ninguém estava acostumado a
Intensificação
2
mentas: uma plataforma global na comunicação trabalhar dentro de casa. Se tinha
com a liderança
e online da Edenred, e-mail e o quebra-gelo na hora do café ou
Instagram. “O investimento inicial do almoço, agora não há mais
foi pequeno. Apostamos mui- esse momento. As pessoas fica-
to em sorteios, gifs, enquetes e
imagens”, diz Guilherme. Organi-
3 Mensuração
de resultados ram muito perdidas. E aí vem a
questão principal: como eu me co-
camente, a página foi crescendo Presença e importância munico com meu funcionário?” A
no número de seguidores. Até os
amigos dos funcionários queriam 4 dos influenciadores
internos
resposta é criar uma comunicação
mais humana, prestando atenção
seguir a página, mas ela é fecha- no tom e usando uma linguagem
Crescimento da relevância
da e restrita aos profissionais da
Edenred, que são 2.200 no Brasil. 5 da experiência do
funcionário
próxima. “Todos os gestores pre-
cisam entender que as empresas
A pandemia e o home office têm funcionários que adoeceram,
também trouxeram a valorização Necessidade de um que perderam seus parentes. E,
do influenciador interno, aquele
funcionário que ajuda a levar a
6 gerente de fluxo
de comunicação em algumas companhias, aquele
funcionário perdeu a batalha para
mensagem para os outros, enga- Convivência digital a covid-19”, diz Marcia.
jando e ajudando a espalhar a no-
tícia. “Alguns posts têm até 10.000
7 mais humana no
trabalho remoto
Para além da grande tragédia
deste século, a verdade é que a
comentários”, diz Guilherme. pandemia forçou as empresas a
Mais do que
um papel
Um modo novo de pensar a criação de
contratos, mais transparente e colaborativo,
pode humanizar as empresas e ajudar a
estruturar negócios de impacto positivo
O
Marcia Di Domenico
Tradicionais Conscientes
Baseados em controle Baseados em valores e confiança
Ao tentarem antecipar tudo o que pode dar errado Colocam os envolvidos do mesmo lado na mesa
naquela relação, a fim de evitar que ocorra e, se (e não como opositores), definindo juntos os
acontecer, saber a quem responsabilizar, criam um princípios da relação e deixando claro o que
vínculo de desconfiança entre os envolvidos esperar um do outro e o que fazer quando
surgirem impasses
Padronizados
Não há espaços para singularidades, Customizados e flexíveis
todos os contratos são iguais Não precisam seguir um modelo padrão
Competitivos Colaborativos
As cláusulas são feitas com base em comando e controle Criam uma relação de ganha-ganha
entre as pessoas
Escritos pensando em disputa futura
Pressupõem a outra parte como uma oponente contra a Escritos para o dia a dia
qual é preciso se proteger; são construídos pensando na São documentos vivos, que funcionam como
punição em caso de descumprimento de algum termo um norte para a relação em questão
além dos sócios, especialmente uma cláusula de harmonia: “Se de pessoas para criar ambientes
em relação a exercício de empatia, todo mundo brigar, vamos dançar menos tóxicos e mais colabora-
respeito aos limites dos outros salsa”, decidiu o empreendedor. tivos”, afirma Jacqueline Resch,
e modo de fazer cobranças. “O consultora e sócia diretora da
processo de construir o contrato Vantagem competitiva Resch RH. “As pessoas querem
vai muito além do documento Não é novidade que organizações se ver representadas e poder
em papel; não é algo para ser preocupadas com o bem-estar e ser genuinamente quem são no
engavetado, mas internalizado e o desenvolvimento dos profissio- trabalho. Acolher a diversidade
colocado em prática no dia a dia. nais são mais lucrativas, melhores e investir em relações mais hori-
Aprendi muito sobre ser vulne- em atrair e manter talentos e têm zontais e equilibradas é cuidar da
rável, saber lidar com conflitos níveis mais altos de engajamento. saúde mental e da felicidade dos
e saná-los”, diz. Apaixonado por “Empresas são feitas de gente e trabalhadores, temas urgentes
dança, ele não precisou pensar muitas estão repensando seus e que têm relação direta com a
muito no momento de definir modelos de negócios e gestão prosperidade dos negócios.”
Quando o tédio se
Falta de
comprometimento,
desânimo e baixa
autoestima podem
ser sintomas
da síndrome de
boreout, que
tem crescido
na pandemia
Hanna Oliveira
H
oras se arrastando, existência, num ciclo de desânimo atribui erroneamente um caráter
impressão de que e baixa autoestima. moral à questão, já que, socialmen-
o momento pre- Esse quadro descreve sinais de te, esse estado de espírito é visto
sente é uma repe- um problema grave para funcio- até como pecado. Mas o assunto é
tição eterna dos nários e empresas: a síndrome de muito mais complexo. No fundo,
acontecimentos do boreout, palavra que empresta tem a ver com a perda de entusias-
dia anterior, falta o termo em inglês boring para mo pelas atividades. “O sentimento
de vontade para descrever uma sensação de tédio que se tem é de falta de conexão
exercer tarefas generalizado, que tem o potencial com o trabalho e com a empresa”,
que antes eram de ser tão perigosa para a saúde afirma Efigenia.
prazerosas, des- mental quanto a síndrome de
cumprimento de prazos, mesmo burnout. “É o infarto da alma”, Trazer para perto
com sensação de tempo sobrando, diz Efigenia Vieira, psicanalista, Existe um comportamento que,
necessidade de refazer várias headhunter e CEO da consultoria embora altamente nocivo, ainda
vezes o mesmo trabalho, impres- Upside Executive Search. Sem é comum nas empresas: afastar-
são de que ninguém — nem si enxergar um sentido no trabalho -se de quem está com problemas
próprio — valoriza suas realiza- e com a percepção de que a em- de motivação ou desempenho.
ções. Sentimentos como esses presa não o valoriza, o profissional Ainda é recorrente ver líderes
estão afetando muitos profissio- fica envergonhado e entra em um que preferem jogar o funcionário
nais pelo mundo que, isolados em impasse: emite alertas de ajuda para escanteio e sobrecarregar
suas casas na pandemia, se sen- que acabam sendo, muitas vezes, outra pessoa da equipe (ou a si
tem também à parte da própria percebidos como preguiça. Isso próprio) a descobrir o que está
acontecendo e encontrar uma disso, começaram ser tratados funcionários se tornaram queri-
solução conjunta. com hostilidade”, diz Andrea. dos, amparados e passaram a tra-
Andrea Deis, professora nas Como consequência, os profis- zer bons resultados”, diz Andrea.
áreas de desenvolvimento huma- sionais perderam totalmente a Aos gestores e empresas, fica
no e liderança na pós-graduação confiança e ficaram inseguros, o aviso: é preciso manter o olhar
da Universidade Presbiteriana com medo de se abrir. A con- atento e acolhedor. “O líder tem
Mackenzie e de gestão de pesso- sultora entrou na empresa para que treinar a observação; essa é
as no MBA da Fundação Getulio resolver esse impasse e melhorar uma das melhores ferramentas”,
Vargas, presenciou em uma de o moral do time, que estava aba- explica Edwiges Parra, psicóloga
suas consultorias uma situação lado. Para a liderança, a solução organizacional e especialista em
que exemplifica bem esse com- foi desenvolver a comunicação RH. Para que isso seja efetivo e a
portamento incorreto da gestão. empática. Para os empregados em chefia enxergue os possíveis si-
Dois funcionários de uma área questão, o resgate da autoestima nais de uma síndrome de boreout,
cometeram um erro que gerou veio por meio de escuta ativa dos é necessário ampliar a visão para
perdas financeiras para o setor de problemas e compartilhamento além dos números, resultados e
uma empresa e, por causa disso, a das qualidades de cada um — o dados tangíveis. Se o funcionário
chefia resolveu isolá-los e deixá- que foi feito depois de colher de- que costumava sempre cumprir
-los sem exercer suas atividades. poimentos positivos de amigos e entregas está procrastinando,
“Na falta do que fazer, gastavam familiares que mostraram por que qual será o motivo profundo por
as horas navegando pela internet, eles eram importantes. “Houve um trás desse comportamento? “Não
tomando café ou simplesmente aumento de 90% no sentimento cumprir um prazo ou gerar retra-
esperando o tempo passar. Além geral de toda a equipe, e os dois balho é o que o indivíduo mostra
fazer nada
atitude holandesa
que traz
propósito para os
momentos de ócio
Assim como em diversos países, a cultura da Holanda é centrada no trabalho duro. Para contrabalancear esse
pensamento, os holandeses criaram o niksen, termo que significa, literalmente, “não fazer nada”. A ideia é
esvaziar completamente a cabeça e contemplar o mundo à sua volta. E os resultados são surpreendentes. Uma
pesquisa da Universidade de British Columbia revelou que sonhar acordado, uma das consequências imediatas
do niksen, aumenta a criatividade e a capacidade de resolver problemas. Segundo a jornalista e tradutora Olga
Mecking, que escreveu o livro Niksen — Abraçando a Arte Holandesa de Não Fazer Nada (Rocco, 25,90 reais),
quem quer se iniciar nesse estilo de vida pode incluir o ócio total no dia a dia. É só seguir as sugestões abaixo.
1 2 3 4 5
Sentar e apreciar Olhar Ir até a janela Observar as Olhar o
um café sem as ondas para assistir às próprias mãos ambiente à
compartilhar do mar pessoas passando ou partes de sua volta e se
esse momento com na rua ou apreciar seu corpo deixar apenas
outra tarefa a paisagem observar
Revolução
Com programa global
de bem-estar, a P&G
conseguiu 6% de
desconto no plano
de saúde para os
na saúde
funcionários do Brasil
Hanna Oliveira
Fernando Akio,
gerente médico
da P&G: orientação
para os funcionários
usarem a
telemedicina
na pandemia
P&G
Universidade Stanford e au- escritórios. Para que os cuidados não
tor do livro Morrendo por um parassem durante a pandemia, já que
Salário (Alta Books, 59,90 reais), parte dos funcionários está em home
apontou que empresas chegam office, a saída foi criar uma programa-
a perder 300 bilhões de dólares ção online em tempo real, que conta
por ano com problemas de saúde de seus com sessões de alongamento de 10 mi-
Ano de fundação
funcionários. A P&G, multinacional dona
das marcas Pampers, Ariel e Gillette,
nutos a cada hora trabalhada. Além
disso, há aulas virtuais de diferentes
1837
costumava engordar essa conta. Presente atividades físicas das quais o pesso-
em três estados no Brasil, a companhia al pode participar quando quiser. E a Unidades no Brasil
tinha um problema sério: cada localidade empresa ainda tem, desde antes da
possuía orientações próprias de saúde,
o que prejudicava tanto os programas
crise da covid-19, um canal no You-
Tube com conteúdo de saúde aberto
4
no Amazonas, Rio de
quanto os indicadores. A empresa ameri- para todos. “Dá para fazer atividade Janeiro e em São Paulo
cana sabia que precisava melhorar esses física com a família ou com os amigos”,
indicadores, ainda mais porque pesquisas afirma Fernando. Na fábrica, em que o
conduzidas pela própria P&G, e que foram trabalho continua sendo presencial, há Número de
usadas em estudos acadêmicos, apon- um professor para orientar os horários funcionários
tavam que a cada dólar que investissem de pausa e a ginástica laboral. no Brasil
em saúde, as empresas em geral teriam
um retorno de 1,30 dólar.
Do ponto de vista do uso do plano
de saúde, uma ação que fez bastante 4.000
diferença nos gastos da P&G foi orien-
A solução tar os empregados a não procurar um
Faturamento
pronto-socorro se não estiverem com
Para resolver o problema, a P&G criou
em 2012 o programa Vibrant Living,
uma emergência médica, e sim buscar
os médicos ambulatoriais. Durante a
18,1 bilhões
de dólares no terceiro
projeto global de qualidade de vida que
pandemia, a orientação é priorizar a
padronizou as práticas — embora per- trimestre do ano fiscal 2021
telemedicina. “Se for um problema que
mitisse regionalizações. A partir daí a
precise de atendimento presencial, o
equipe de saúde brasileira foi treinada
médico indicará um local seguro contra
em diretrizes de cuidados que impactam de 50% e diminuiu o percentual de afas-
a covid-19. Mapeamos as unidades de
não apenas os trabalhadores mas seus tamentos pelo INSS para 1%. O índice
saúde com menos risco de transmissão”,
familiares e suas comunidades. No es- de presenteísmo — que ocorre quando
explica Fernando.
copo do projeto, além de cuidados com a pessoa está apenas de corpo presente
a saúde física e mental, há preocupação no trabalho, mas totalmente desconec-
em alinhar o que se diz com o que é, O resultado tada das atividades profissionais — era
de fato, vivenciado pelos profissionais Com quase dez anos, o Vibrant Living de 10% em 2015 e hoje chegou a uma
da multinacional. “Não adianta nossos trouxe boas notícias para a multinacio- média de 5%, bem abaixo do indicado
nutricionistas orientarem o consumo nal e para os empregados. Em 2021, os pela Organização Mundial da Saúde, que
de frutas e os funcionários não encon- funcionários receberam um desconto é entre 10% e 21%. Fernando também
trarem o alimento no refeitório. Tudo de 6% no plano de saúde, fruto da di- aponta outro indicador, que nem sempre
precisa estar conectado”, diz Fernando minuição do uso do benefício em anos é possível medir: o cuidado. “Quando a
Akio, gerente médico da P&G. Foi por anteriores. Além disso, a companhia empresa cuida de mim, eu tenho orgulho
isso que a companhia construiu, por conseguiu um desconto previdenciário da empresa”, diz o gerente médico.
Ao redor
do mundo
Com a popularização dos contratos de
teletrabalho, as empresas ganham a
possibilidade de contratar profissionais que
morem em qualquer lugar do globo. Para fazer
isso é preciso ficar atento a algumas regras
Hanna Oliveira
E
m junho de 2020, já na executar as atividades remotamente contratar profissionais que residem
pandemia, 8,6 milhões durante alguns dias da semana, em outros municípios, estados
de brasileiros estavam mas que mantém contrato e até países. “Várias empresas
trabalhando remotamente presencial, exige controle de descobriram que não precisariam
— um salto de quase jornada e local específico para o fazer um processo de expatriação,
5 milhões de pessoas em funcionário exercer as atividades. que é demorado e caro, e
comparação a 2018, de Já o teletrabalho dá ao funcionário começaram a adotar procedimentos
acordo com dados da Pesquisa o poder de escolha para cumprir diferentes”, afirma Beatriz Azevedo,
Nacional por Amostra de Domicílios o expediente de onde quiser e não advogada do escritório Fatto.
(PNAD), do Instituto Brasileiro permite que a atuação presencial Mas do ponto de vista legal
de Geografia e Estatística (IBGE). seja maior do que a remota. existem alguns cuidados que devem
Embora o levantamento não Com essa nova realidade, ser tomados ao contratar pessoas
indique se todos os respondentes companhias passam a criar de outros lugares do globo.
estavam usando meios eletrônicos modelos mais flexíveis que dão ao
para exercer suas atividades empregado a possibilidade de morar Amarras trabalhistas
profissionais, os números em locais mais distantes da sede A legislação trabalhista
mostram uma mudança no da empresa. Uma pesquisa feita brasileira tem especificidades
mercado, que parece ter perdido pela consultoria de recrutamento que acabam dificultando o
o medo do trabalho remoto. Talenses, por exemplo, revelou contrato de estrangeiros. Segundo
Importante salientar que, embora que 25% dos profissionais se Beatriz, não existe no Brasil,
informalmente home office tenha mudaram para cidades menores por exemplo, mobilização para
se tornado um sinônimo para durante a pandemia — e 79% os vistos de nômades digitais
teletrabalho, as duas práticas são dos que trocaram de casa não — o que facilita esse tipo de
diferentes em termos trabalhistas. precisaram de autorização do gestor contrato. Por aqui, a burocracia
O home office é uma política ou da empresa para isso. Assim, ainda impera. “Atualmente, um
interna que dá a possibilidade de começam a cair as barreiras para trabalhador estrangeiro precisaria
Cidadãos
de terceira
classe
No livro Casta, a jornalista
americana Isabel Wilkerson
explica como o mundo
foi construído excluindo
parcelas da população
trecho do livro
Pilar número cinco Henry Hammond, da Carolina condição em que Deus os criou
Hierarquia ocupacional: os do Sul, aos colegas senadores. “É inicialmente”.
jatis e a base de sustentação uma classe que requer apenas Hammond possuía várias fa-
Quando se constrói uma casa, a baixo nível de inteligência e bai- zendas e mais de 300 almas,
peça mais importante da estru- xa qualificação. Seus requisitos tendo adquirido essa fortuna ao
tura é a primeira viga de madeira são vigor, docilidade, fidelidade. se casar com a filha simples e
enterrada no solo para sustentar Essa classe vocês precisam ter ingênua de um fazendeiro rico
os alicerces. Essa peça se chama [...]. Constitui o próprio baldrame da Carolina do Sul. Tornou-se
baldrame, a caixaria que corre ao da sociedade.” governador do estado e uma figu-
longo da fundação de uma casa O senador enalteceu a argúcia ra importante no Sul pré-Guerra
e é a base que dá sustentação a do Sul, que “encontrou a seu al- Civil. Muito antes de fazer esse
todo o peso da estrutura acima cance uma raça adaptada a esse discurso, ele já se firmara como
dela. As vigas e os contrapisos, fim [...]. Nossos escravos são ne- um dos homens mais repulsivos
os forros e as janelas, as portas e gros, de outra raça, inferior. A que subiram ao Senado, sendo
o telhado, todos os componentes posição em que os colocamos é descrito por um estudioso como
que formam uma casa se erguem uma ascensão. Ao torná-los nos- “nada menos que um monstro”.
sobre o baldrame. Num sistema sos escravos, eles ascenderam da Sabe-se que estuprava reiterada-
de castas, essa base de susten-
tação é a casta inferior, sobre a
qual tudo se apoia.
Um político sulista expôs essa
doutrina central na plenária do Os afro-americanos, durante a maior
Senado americano em março de
1858. “Em todos os sistemas so- parte do tempo, foram relegados aos
ciais, precisa haver uma classe
para cumprir as tarefas servis, serviços mais sujos, degradantes
para fazer as lidas diárias da
vida”, disse o senador James e indesejáveis nos Estados Unidos
junho / julho 2021 VOCÊ RH 63
mente pelo menos duas das mu- a escravização e já em anos bem sistema de castas. O legislativo
lheres que escravizara, e consta avançados do século 20, eles es- decretou que “nenhuma pessoa
que uma delas era sua filha com tavam basicamente restritos ao de cor deve seguir ou praticar
outra escrava. (...) papel de meeiros e serventes — a arte, o ofício ou o negócio de
Mas ele é mais conhecido pelo empregados domésticos, roça- artesão, mecânico ou lojista ou
discurso que sintetiza a hierar- dores, motoristas e faxineiros. O qualquer outro ofício, emprego
quia do Sul, cujo espírito se di- máximo a que podiam aspirar os ou negócio (exceto na agricultura
fundiu pelo resto do país, como que conseguiam estudar era dar ou como servente sob contrato de
uma estrutura erguida sobre um aulas, cuidar de doentes, atender trabalho) por sua própria conta
baldrame. Com isso, Hammond às necessidades de saúde ou se- ou em benefício próprio enquan-
definiu o quinto pilar de casta: pultar outras pessoas da casta to não obtiver uma licença do juiz
a divisão do trabalho segundo a subordinada. (...) do tribunal distrital, que valerá
posição do indivíduo na hierar- O estado da Carolina do Sul, por apenas um ano”. A licença
quia. Ele apontou, em primeiro logo após a Guerra Civil, proibiu tinha um custo deliberadamen-
lugar, a finalidade econômica de explicitamente que os negros te proibitivo de 100 dólares por
uma hierarquia, isto é, garantir realizassem qualquer trabalho ano, o equivalente a 1.500 dóla-
que as tarefas necessárias para o que não fosse doméstico ou agrí- res em 2018. Não se exigia essa
funcionamento de uma sociedade cola, estabelecendo seu lugar no taxa à casta dominante, cujos
sejam executadas, mesmo que integrantes, por não terem sido
contra a vontade, nesse caso das escravizados durante um quarto
pessoas que nasceram na laje de de milênio, tinham mais condi-
As indústrias
fundação desfavorecida. ções de pagar.
No sistema de castas indiano, A lei deixou nominalmente de
do Norte muitas
que constitui uma hierarquia vigorar no período conhecido
muito mais elaborada, era a sub- como Reconstrução, a década em
vezes contratavam
casta — ou jati — de nascimento que o Norte assumiu o controle
da pessoa que estabelecia a tare- da ex-Confederação, mas retor-
afro-americanos
fa a ser cumprida pelos membros nou em espírito e na prática após
da família, de limpadores de la- a retirada do Norte e a retomada
apenas como
trinas a sacerdotes nos templos. do poder pelos ex-escravizado-
Aqueles que haviam nascido em res, que estavam prontos para se
fura-greves, e
famílias que recolhiam dejetos, desforrar da derrota na Guerra
curtiam couro ou lidavam com Civil. Na Carolina do Norte, du-
os sindicatos
os mortos eram vistos como os rante a escravidão e depois na
membros mais baixos e mais ma- era da meação, os indivíduos da
os impediam de
culados da hierarquia, intocáveis casta inferior eram proibidos de
devido à necessária mas temida e vender ou comercializar qualquer
ingressar em
ingrata tarefa que supostamente espécie de produto, sob pena de
lhes cabia por nascimento. receber 39 chicotadas. Com isso,
ofícios reservados
De maneira análoga, os afro- bloqueou-se a principal via para
-americanos, durante a maior receberem por seu trabalho agrí-
aos brancos
parte do tempo, foram relegados cola, o que forçou sua dependên-
por definição aos serviços mais cia econômica em relação à casta
sujos, degradantes e indesejá- dominante. (...)
veis nos Estados Unidos. Após O Sul lhes fechou qualquer
T
rês décadas atrás, demitir era algo quase inexis- Precisei apoiar diretamente processos de desligamento
tente nas empresas do Brasil. Eram raríssimos durante 18 anos, e posso afirmar que todos foram diferentes
os casos de demissão por desempenho ou por e exigiram ações específicas. O cenário, as necessidades, os
incompatibilidade de perfil. Da mesma forma, as vínculos com a organização, o mercado de trabalho: tudo
mudanças nas atividades de um cargo eram quase se transforma. E, por ser este um momento tão delicado,
nulas. E, quando alguém ficava “obsoleto”, criava- é preciso considerar essa atividade uma especialidade que
-se uma função de assessoria que justificasse a deve ser conduzida só por quem tem realmente um legítimo
permanência do funcionário de muito tempo na empresa. interesse no ser humano.
Quando fomos expostos à globalização, nossa gestão Não é de espantar que instrumentos como os planos de
estava despreparada para todas as mudanças que se im- demissão voluntária (PDVs) já não tenham adesão atual-
puseram à função dos gestores. Além disso, os profissio- mente como no passado. Qual seria hoje o atrativo para
nais passaram a ser cobrados por tomadas de decisão mais alguém deixar uma organização? Será que a pessoa se move
rápidas, mais autonomia e atuações inéditas na gestão de só pelo pacote em dinheiro (e, diga-se de passagem, cada
pessoas, como selecionar por competências, melhorar ava- vez menor), ou será que está em busca de um ambiente de
liações, pensar em novas formas de retenção. trabalho que comporte as novas demandas do mercado?
Também como consequência daquele momento, o tema Há quem possa dizer que eu estou sendo poética. Afinal, o
demissão passou a estar na vida de todos — os que decidiam que tem a empresa de responsabilidade sobre
sobre quem seria demitido e os que sairiam da empresa. o futuro ex-colaborador? No meu ponto
Assim, tivemos de aprender a demitir. Foi difícil, doloroso, de vista, tudo. É isso que eu chamo de
e houve muita incompetência. Como tudo que se faz pela responsabilidade social praticada na
primeira vez, cometem-se inadequações, erros e, pior, des- íntegra. Sem essa consciência, conti-
respeito com o semelhante. nuaremos um país hipócrita, em que
Surgiram ainda os aproveitadores, que tentaram — e as companhias fazem um discurso
continuam tentando — conquistar vantagens nesse mo- de responsabilidade social para fora,
mento doloroso. Desde tirar dinheiro de quem foi demitido, mas não praticam para a comunidade
prometendo o sonho de um emprego, até construir planos interna esses mesmos valores no
de demissão que só consideram os custos, e não as pessoas. momento mais crítico da vida
Esses pagaram caro, pois criaram problemas com todos os de seus funcionários.
públicos dessas empresas: os funcionários passaram a de-
sacreditar de seus contratadores, os sindicatos ficaram mais
aguerridos contra essas companhias e pessoas convidadas
a participar de processos de seleção rejeitaram o convite.
Grande confusão ainda se faz entre metodologias e ins-
trumentos utilizados para realizar demissões que, no fundo, Psicóloga, sócia da
têm o intuito de proteger os que seriam os culpados pelas Vicky Bloch Associados
consequências de processos malconduzidos. Não há erro e professora nos cursos
pior do que tomar decisões de encerramento de atividades, de especialização em
reduções de quadro e mudanças de processos que afetam RH da FGV-SP e da FIA
pessoas com base apenas em fatos passados.