4-Texto Do Artigo-33-1-10-20190521
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RESUMO
É comum que as análises do texto Bíblico, pelo menos as mais tradicionais, nos tire do texto para compreendê-lo.
Diferente dessas análises tradicionais, a análise narrativa da Bíblia tem como objetivo a aproximação ao texto.
Este artigo apresenta uma introdução à teoria da análise narrativa da Bíblia por meio da sua história e do seu como,
apontando a relação entre autor, leitor, narrador e obra, bem como coloca de forma resumida os principais pontos
da metodologia da análise narrativa, sendo estes: narrador, leitor, enredo, personagens, focalizações, tempo e
enquadramento. Seu objetivo é o de apontar a análise narrativa da Bíblia como uma metodologia de aproximação
do leitor ao texto, com intenção de que essa seja uma contribuição à leitura da Bíblia.
Palavras-Chaves: Narrativa. Análise. Bíblia. Leitura. Aproximação
ABSTRACT
It is common for analyzes of the biblical text, at least the most traditional, to draw us from the text to understand
it. Unlike these traditional analyzes, the narrative analysis of the Bible aims to approximate the text. This article
presents an introduction to the theory of narrative analysis of the Bible through its history and its how, pointing
out the relation between author, reader, narrator and work, as well as summarizes the main points of the
methodology of narrative analysis, being these: narrator, reader, plot, characters, focus, time and framing. Its
purpose is to point to the narrative analysis of the Bible as a methodology to bring the reader closer to the text,
with the intention of making a contribution to the reading of the Bible.
Keywords: Narrative. Analysis. Bible. Reading. Approximation
INTRODUÇÃO
A leitura da Bíblia é, ou pelo menos deveria ser, uma das principais práticas da
espiritualidade cristã, é o que aponta Peterson (2004, p.11). Todavia, as metodologias utilizadas
para leitura e interpretação da Bíblia muitas vezes tendem a nos afastar do próprio texto para
podermos, assim, compreendê-lo. A análise narrativa, por sua vez, tem como objetivo nos
colocar dentro da narrativa bíblica para percebermos os elementos, pistas, personagens e formas
utilizadas pelo autor para compreender melhor o sentido do texto.
TEORIA DA ANÁLISE NARRATIVA
O QUE É UMA NARRATIVA
“Desde que o mundo é mundo, o homem sempre esteve ao lado de suas narrativas, ao
redor do fogo, por meio da escrita rupestre entremeada de sons guturais e até a elaboração da
linguagem” (BEDRAN, 2012, p.25). “. A narrativa é o gênero literário que se estrutura sobre
uma história. A narrativa tem como traços fundamentais : a construção de um mundo, sendo
este o mundo da narrativa, onde se encontra códigos e regras de funcionamento, é o “universo”
criado pelo narrador para a construção da história; a relação de causalidade, são as ações
ligadas que trazem um sentido a narração, diferenciando-a do simples descrição; como terceiro
¹ Graduado em Teologia, pela Faculdade Latino-americana, 2018, Arujá, SP. E-mail: cirilogn@gmail.com
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e último traço o tempo, as narrativas acontecem dentro de um tempo, a cronologia das ações é
o que as diferencia do discurso. (MARGUERAT e BOURQUIN, 2009, p.28; VITÓRIO, 2016,
p.15-18)
Narrar é, portanto, contar uma história que faça sentido, dentro de um mundo, por meio
de ações que construam uma relação de causalidade e tudo isso dentro de um tempo. É contar
respeitando uma estrutura de narração. (MARGUERAT e BOURQUIN, 2009, p.28; VITÓRIO,
2016, p.15-18)
COMO SURGIU A ANÁLISE NARRATIVA DA BÍBLIA
A ideia de uma análise sistemática das características da narrativa bíblica surge, pela
primeira vez, em 1981, com Robert Alter no livro: A arte da narrativa bíblica, exercendo assim
uma grande influência na exegese bíblica. Alter não era um teólogo, mas um literato judeu que
se propôs a analisar a Bíblia Hebraica com ferramentas da literatura voltadas às narrativas.
Apesar de nos anos seguintes outros estudos na área surgirem, a sua obra foi o pontapé inicial
ao método de estudos da Bíblia através da narrativa. (MARGUERAT e BOURQUIN, 2009,
p.19)
O QUE BUSCA A ANÁLISE NARRATIVA DA BÍBLIA
Para que se entenda de forma mais clara o que é e qual a proposta da análise da
narrativa bíblica, Marguerat e Bourquin explicam os dois principais caminhos de análise que
eram utilizados na época e que perduram até os dias de hoje. São estes: a análise histórico-
crítica e a análise semiótica ou estrutural. Os autores apresentam em sua obra as diferenças e
peculiaridades desses três caminhos de análise bíblica, a histórico-crítica, análise semiótica e a
análise narrativa. Usaremos a reformulação do esquema de Jakobson proposta por Robert M.
Fowler. (FOWLER, 1991, p. 54-55, apud MARGUERAT e BOURQUIN, 2009, p.15) para
melhor compreensão das diferenças e peculiaridades desses caminhos.
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comunica ao leitor. Alter (2007, p.126) diz que “tudo que é relatado é essencial para a história,
mas certas pistas especiais são sugeridas pelo ritmo com que se descrevem as ações”. Seu
principal objetivo é analisar a estrutura e as “pistas” utilizadas pelo narrador para que a
comunicação chegue ao leitor. Seu olhar é sobre a linha AUTOR> OBRA> LEITOR,
considerando o efeito da narrativa sobre o leitor ou leitora. (ALTER, 2007; MARGUERAT e
BOURQUIN, 2009, p.18)
NARRADOR, AUTOR REAL E IMPLÍCITO
Uma das principais características de uma narrativa é a “voz” que guia a história, a ela
é dada o nome de narrador. Como nos aponta Vitório (2016, p.17), o narrador é aquele a quem
cabe “...se decidir pelo modo como os fatos serão apresentados, montar o conjunto do enredo e
pensar a correlação interna dos fatos.” Será ele que construirá o caminho da narrativa, podendo
ou não se fazer presente nela. Nas narrativas bíblicas o narrador, tradicionalmente, se esconde
atrás de suas palavras, porém isso não o impede de estar presente através da estratégia narrativa
no desenvolver da história. (MARGUERAT e BOURQUIN, 2009, p.21-27; VITÓRIO, 2016,
p.27-39)
Ainda sobre o narrador Vitório (2016, p. 56) nos traz cinco características que estão
presentes nessa voz que guia a história. Ele é onipotente, pois tem o poder de criar o que quiser
para a construção da narrativa; onisciente, pois sabe tudo o que pode acontecer, no caso da
narrativa bíblica, este tem ciência até mesmo sobre os pensamentos de Deus; presciente, pois
até mesmo o futuro é conhecido por ele; onipresente, sendo capaz de narrar a partir de qualquer
lugar e tempo; e por último confiável, pois no mundo da narrativa o leitor parte do princípio de
ser conduzido pelo narrador, sem que esse precise explicar a origem do seu saber, ainda que o
narrador possa “jogar” com a confiabilidade durante a narração. (VITÓRIO, 2016, p.55-57)
Um cuidado a ser tomado é não confundir o narrador com o autor real e nem mesmo
com o autor implícito. Como já mencionamos, o narrador é a “voz” que guia a narrativa,
enquanto o autor real nos é desconhecido. O autor implícito por sua vez, é o sujeito da estratégia:
Assim como o autor real, implícito e narrador, precisamos diferenciar o leitor real, o
leitor implícito e o narratário. O leitor real é aquele que, de fato, tem o texto na mão, somos eu
e você diante do texto, enquanto que o implícito é aquele que imaginamos a partir da narração,
podemos ter algumas pistas dele pelas estratégias usadas pelo narrador e, enfim, o narratário é
a figura para qual o narrador se dirige por meio da narrativa.
Figura 2
labirinto de possibilidades onde o narrador está junto, conduzindo o leitor pelo caminho.
(MARGUERAT e BOURQUIN, 2009, p.147-167)
A experiência da leitura é a forma como a interpretação da leitura do texto é capaz de
gerar experiências de vida, a narrativa é capaz de nos impelir a ações, transformações e
ressignificações na forma de pensar e agir. (MARGUERAT e BOURQUIN, 2009, p.147-167)
PERSONAGENS
Os personagens são criados pelo narrador para trazer vida ao enredo, são eles os
responsáveis por fazer a história acontecer. Marguerat e Bourquin (2009 p.77) apresentam três
tipos de classificação de personagens levando em consideração: o (1) número, a (2) intensidade
da presença e os (3) traços constitutivos.
A classificação por número se dá entre singular ou coletiva, podendo ser um único
personagem ou um coletivo (exemplo: multidão). Já sobre a intensidade da presença temos
os personagens protagonistas, são aqueles que desenvolvem um papel ativo na narrativa; os
figurantes, são aqueles que compõem a narrativa; e temos também os personagens cordão
(encontra às vezes entre os extremos do protagonista e do figurante), responsáveis por serem
um ponto de partida, uma conexão ou uma pequena participação na história. É E. M. Forster
(FORSTER, 1993, p.77-87, apud MARGUERAT e BOURQUIN, 2009, p.78) quem propõe a
divisão no que diz respeito aos traços constitutivos, está se dá entre personagens planos e
personagens redondos. Os personagens planos são aqueles marcados por um único traço,
geralmente aqueles que suas ações, falas e posturas mantém um padrão. Já os personagens
redondos são marcados por seus diversos traços e assumem com frequência o papel de
protagonista na narrativa, “mudam” a medida que a história se desenrola, surpreendendo o leitor
com a sua forma de pensar e agir, é aberto a transformações.
É comum a identificação do leitor com os personagens, todavia isso não se dá sempre
em total liberdade, o narrador pode utilizar de estratégias que influenciam o leitor no julgamento
e na forma como ele se sente em relação a determinado personagem. M.A Powell (1990, p.56-
57 apud MARGUERAT E BOURQUIN, 2009, p.86) aponta três sentimentos pelos quais o
narrador, por meio de estratégias, pode gerar no leitor. Seriam eles a empatia, que acontece
quando o leitor se identifica ou se comove por algum personagem, seja por conta de um
problema que ele passa, uma característica ou pelo o que ele representa; o sentimento de
simpatia, que vem a partir de uma identificação, mas não tão intensa quanto a empatia; o
sentimento de antipatia, quando o personagem é ou faz algo contrário ao sistema de valores do
leitor ou até mesmo quando ele é a oposição ao personagem que o leitor tem empatia. Sobre os
personagens:
Sua índole pode ser revelada pelo relato das ações, da aparência, dos gestos,
da postura e da roupa que usam. por intermédio dos comentários de outros
personagens; pelo discurso direto, pelo monólogo narrado ou pelo monólogo
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temporais que observamos de um modo geral nas narrativas (três anos de vida
de do herói resumidas em duas frases de um romance, ou em poucos planos
de uma montagem “frequentativa” de cinema, etc.), mas fundamentalmente
ela nos convida a constatar que uma das funções da narrativa é monetizar um
tempo num outro tempo. (METZ, 1968, p.27 apud GENETTE, 2017, p.91).
Entende-se por velocidade a relação entre uma medida temporal e uma medida
espacial (tantos metros por segundo, tantos segundos por metro): a velocidade
da narrativa se definirá através da relação entre uma duração, a da história,
medida em segundos minutos, horas, dias, meses e anos e um comprimento: o
do texto, medido em linhas e em páginas. (GENETTE, 2017, p.123).
Será nessa equação do quanto se demora narrando um tempo, que conseguiremos
definir a velocidade da narração. O narrador pode utilizar-se de uma pausa descritiva, tido como
um tempo nulo na duração da história; uma cena, correspondendo a velocidade onde a narrativa
e a história contada caminham de forma igual; um sumário: quando um período relativamente
longo é contado de forma mais acelerada; e por último a elipse, quando existe um período de
silêncio ou omissão de acontecimentos em um determinado espaço de tempo. É o máximo da
velocidade. (MARGUERAT E BOURQUIN, 2009, p.108-113)
Sobre a ordem o narrador pode se utilizar tanto analepse, que seria uma volta ao
passado, um fato, informação, uma memória trazida do passado para a narrativa presente,
quanto da prolepse, que seria a projeção do futuro. Essa quebra da cronologia é chamada de
anacronia e servem para ajudar na organização e na construção do significado de uma narrativa.
(MARGUERAT E BOURQUIN, 2009, p.113-114)
ENQUADRAMENTO
Sobre o enquadramento é necessário saber que este se dá pelo “conjunto de dados que
constituem as circunstâncias da história contada. Pode se revestir de um valor factual e/ou de
um teor metafórico, seus componentes são: o tempo, o lugar, o meio social.” (MARGUERAT
e BOURQUIN, 2009 p.97-98). O enquadramento temporal é aplicado somente a história
contada, o tempo interno da história, diferente do tempo em que se conta, como foi apresentado
anteriormente. No enquadramento temporal, as referências são cronológicas, nos aponta o
momento onde as ações aconteceram, sobre a sua duração ou sobre o espaços de tempo como
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dia, noite, primavera, onde as ações se situam. (MARGUERAT e BOURQUIN, 2009, p.99-
101)
Sobre o lugar, o enquadramento é a posição geográfica que a narrativa se coloca,
dentro e fora de algum lugar, na Judeia ou na Samaria. É importante notar os movimentos de
transição entre os enquadramentos, os movimentos de saída ou chegada em algum lugar.
(MARGUERAT e BOURQUIN, 2009, p.101-103)
Já o enquadramento social, diferente do tempo e lugar, é mais complexo e nem sempre
é claro, podendo ser percebido através do que representa um personagem ou lugar (ex: sinagoga,
fariseu, saduceu). Em algumas situações, o enquadramento terá valor factual, em outros
metafórico, faz parte da estratégia do narrador e cabe ao leitor fazer as associações e avaliações
necessárias para perceber e colocar a narrativa em determinado enquadramento.
(MARGUERAT e BOURQUIN, 2009, p.103-105)
A APROXIMAÇÃO DO LEITOR AO TEXTO
Como vimos anteriormente, as principais formas de análise do texto bíblico são feitas
a partir de um olhar “fora” da narrativa, buscam a compreensão e tem seu foco na história por
trás do texto ou na linguagem utilizada, mas não necessariamente no conjunto e na construção
do texto. Mesters (2012, p.13-19.) na “parábola da porta”, nos conta a história de como a
cientificidade do estudo biblíco afastou o povo da leitura, criou um distanciamento entre o texto
e as pessoas, anulando a vida que o texto gera no povo. Como uma possibilidade de resposta a
esse distanciamento Leonel (2016), ao falar sobre a análise narrativa diz que:
não mais o “quem” ou “o que”, mas sim o “como” o texto foi construído pelo autor e como é
recebido pelo leitor. Nessa construção e relação entre o narrador criado pelo autor e o leitor a
atenção se volta às estratégias utilizadas pelo narrador e a colaboração do leitor, por meio do
enredo da narrativa, seus personagens, a focalização utilizada pelo narrador, o tempo e o
enquadramento.
A análise narrativa da Bíblia tem a capacidade de aproximar o leitor do texto, seja por
meio das identificações presentes através dos personagens, do ato comum ao ser humano de
narrar e da colaboração na leitura, com a capacidade de experimentar o sentido da interpretação.
A metodologia da análise, diferente de outras metodologias de leitura bíblica, nos leva sempre
ao texto da narrativa, nos fazendo aprofundar, como se essa metodologia nos abrisse uma porta
para o mundo contido na narração, como se colocasse em nós um óculos que nos aponta
detalhes, formas e estratégias que passam despercebidos em uma simples leitura, mas que ao
mesmo tempo não nos tira do texto para a busca do sentido.
REFERÊNCIAS
ALTER, Robert. A arte da narrativa bíblica. Trad. Vera Pereira. São Paulo: Companhia das
Letras, 2007.
BEDRAN, Bia. A arte de cantar e contar histórias: Narrativas orais e processos criativos.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012.
ECO, Umberto. Seis passeios pelos bosques da ficção. São Paulo: Companhia das letras, 1966.
GENETTE, Gérad. Figuras III. Trad. Ana Alencar. 1ed. São Paulo: Estação liberdade, 2017.
MESTERS, Carlos. Por Trás das Palavras: Um estudo sobre a porta de entrada no mundo da
Bíblia. 11.ed. Petrópolis: Vozes, 2012.
PETERSON, Coma este Livro: As sagradas escrituras como referência para uma sociedade
em crise. Trad. Josué Ribeiro. Niterói: Textus, 2004.
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VITÓRIO, Jaldemir. Análise narrativa de Bíblia: primeiros passos de um método. São Paulo:
Paulinas, 2016.
ZABATIERO, Júlio; LEONEL, João. Bíblia, literatura e linguagem. São Paulo: Paulus, 2011.