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Introdução À Enologia

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ENOLOGIA

Lucas Dal Magro


Introdução à enologia
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Identificar os conceitos básicos de enologia.


 Descrever os componentes da uva.
 Reconhecer os principais componentes do vinho e sua importância
sensorial.

Introdução
O processo de vinificação existe há milhares de anos e é considerado
uma ciência. A videira, planta que dá origem à uva, tem boa adaptação
em áreas geográficas entre os paralelos 30° e 50° de ambos hemisférios,
e provavelmente foi cultivada pela primeira vez na região do Cáucaso,
onde fica o atual país da Geórgia, antes do período neolítico. Foi a partir
desse local que a prática de prensar uvas para produzir vinho se espalhou
pela Europa e daí para todo o mundo. Regiões tradicionais na produção
de vinhos impõem normas rígidas à sua fabricação, observadas para
garantir o padrão e o caráter local do produto final.
Neste capítulo, você vai aprender sobre os termos empregados no
mundo do vinho e sobre o surgimento das normas de certificação de
qualidade. Também verá quais são os componentes presentes na uva e
a importância de cada um para o perfil sensorial da bebida final.

Termos usados no mundo do vinho


Ao iniciarmos nossos estudos sobre o vinho, é natural nos depararmos com
termos específicos da área. Para melhor navegarmos pelo tema, antes de
mais nada é importante definirmos que bebida é essa e quais suas classifica-
ções. Segundo a Lei nº 7.678, de 1988 (BRASIL, 1988, documento on-line),
em seu artigo 3º, que dispõe sobre a produção, circulação e comercializa-
ção do vinho e de derivados da uva no Brasil, vinho “[...] é a bebida obtida
2 Introdução à enologia

pela fermentação alcoólica do mosto simples de uva sã, fresca e madura”.


De acordo com a Instrução Normativa N°14 de 8 de fevereiro de 2018 (BRASIL,
2018), a bebida ainda pode ser classificada de acordo com a classe, cor e teor
de açúcar, conforme o Quadro 1.

Quadro 1. Classificação dos vinhos de acordo com a legislação brasileira

Classe Cor Teor de açúcar

Mesa — teor alcoólico entre 8,6 e 14% Branco Nature

Fino — teor alcoólico entre 8,6 e Extra brut


14%, produzido exclusivamente
com uvas Vitis vinifera

Nobre — teor alcoólico de 14,1 a Brut


16%, produzido exclusivamente
com uvas Vitis vinifera

Leve — teor alcoólico de 7 a 8,5% Tinto Seco, sec ou dry

Frisante — teor alcoólico de 7 a 14% e Meio doce, meio


pressão na garrafa de 1,1 a 2 atmosferas seco ou demi-sec

Espumante — teor alcoólico de 10 Suave


a 13% e mínimo de 4 atmosferas
de pressão na garrafa

Gaseificado — teor alcoólico Rosado, rosé Doce


de 7 a 14% e pressão na garrafa ou clarete
de 2,1 a 3,9 atmosferas

Licoroso — teor alcoólico entre 14 e 18%

Composto — teor alcoólico


entre 14 e 20%

Fonte: Adaptado de Brasil (2018).

As informações do Quadro 1 podem ser encontradas nos rótulos de vinhos


produzidos no Brasil; portanto, é essencial compreender o significado de
cada uma delas. No país, todos os vinhos são classificados como vinho de
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mesa; entretanto, ainda podem ser subclassificados como vinho de mesa de


americanas (quando produzido com uvas de origem americana) ou vinho
de mesa de vinífera ou fino (quando produzido com uvas Vitis vinifera)
(BRASIL, 2018).
O prefixo eno é um elemento que vem do grego oinos e expressa a ideia
de vinho. Enologia, por exemplo, é uma palavra formada pelo prefixo eno e
pelo sufixo logia, que significa estudo, e é definida como a arte de produzir
vinho, remetendo aos conhecimentos científicos envolvidos na produção
vinícola. O enólogo, portanto, é o profissional formado em enologia, que,
segundo a Classificação Brasileira de Ocupações (MTECBO, [2019]), é
responsável por controlar os processos de elaboração de vinhos e por co-
ordenar atividades de viticultura. É ele quem supervisiona a qualidade de
insumos e matérias-primas, as ações para o cumprimento de normas legais
e as atividades de divulgação e de pesquisa, além de prestar suporte técnico
a clientes internos e externos.
Outro termo comum no ramo é enófilo; neste caso, o prefixo eno é
seguido do sufixo também grego filo, ou seja, “que gosta”, “que ama”, “que
é amigo”. Sendo assim, o enófilo é definido como a pessoa que gosta/ama
vinho. Existem os enófilos mais avançados e os diletantes; alguns são tão
apreciadores da bebida que acabam se tornando reconhecidos como forma-
dores de opinião ou até mesmo consultores em vinhos, mas a maioria tem
um interesse despretensioso.
Por sua vez, a palavra sommelier tem origem na França, e é outro termo
usual no mundo do vinho. De acordo com a revista Italian Food (ENÓLOGO...,
2018), a origem do termo remonta ao período medieval, quando, durante o
deslocamento dos nobres pela Europa, uma comitiva na retaguarda era respon-
sável pelo transporte de alimentos, bebidas e utensílios (como talheres, panelas,
entre outros). Tais mercadorias eram colocadas dentro de fardos, somme em
francês, e os animais que as transportavam eram chamados de sommiers. Ao
longo da evolução linguística natural, os oficiais encarregados da condução
desses animais de carga passaram a ser chamados, inicialmente, de sommerliers.
Com o tempo, a palavra adquiriu outro significado, e a partir de 1812 passou a
ser usada para indicar profissionais especializados em bebidas alcoólicas em
restaurante. Atualmente, o profissional sommelier é responsável pela gestão,
manejo, promoção e indicação de vinhos, podendo atuar em vinícolas, bares,
importadores, mas principalmente em restaurantes.
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As certificações de qualidade para produção de vinhos tiveram início na França, com


o Barão Le Roy Boiseaumarié, proprietário do Châteauneuf-du-Pape, no vale do rio
Ródano (Rhône, em francês), que decidiu utilizar no seu vinhedo somente uvas que
se adaptassem à região, interditando a plantação de outras cepas mal adaptadas,
produções de alto rendimento e fertilizações excessivas nos vinhedos. O Barão tam-
bém fixou o grau alcoólico que o vinho deveria ter e a produção máxima de uva por
hectare. Após quase uma década de luta para que os vinicultores da região adotassem
o mesmo sistema, em 1936 a região obteve o reconhecimento legal da denominação
de origem Côtes du Rhône, atualmente sob responsabilidade do Institut National de
l'Origine et de la qualité (Inao). A partir daí, instalou-se o sistema de denominações
em outras regiões, como Champagne, Arbois, Vale do Loire, Bordeaux, Borgonha e
Beaujolais. O modelo de denominação de origem adotado pela França serviu como
base para determinar normas de qualidade para produção de vinho em toda a União
Europeia (BORGES, 2015).

Atualmente, a União Europeia é a maior economia vinícola do mundo,


sendo que todos os seus países-membros produzem vinho até certo ponto,
com suas próprias tradições e classificações (EUROPEAN COMISSION, 2019
documento on-line). Os vinhos da região são classificados em duas categorias,
Denominação de Origem Protegida (DOP) e Indicação Geográfica Protegida
(IGP), que protegem a reputação dos vinhos e alimentos regionais, promovem
a atividade rural e agrícola, ajudam os produtores a obter um preço premium
por seus produtos e ajudam a eliminar a concorrência desleal e enganosa por
parte de produtos não originais, que podem ser de qualidade inferior ou de
sabor diferente (Figura 1) (ARFINI, 2019).
A DOP refere-se ao nome de uma área, local específico ou, em casos
excepcionais, o nome de um país, usado como designação para certo produto
agrícola ou alimento proveniente dessa área, cuja qualidade ou propriedade
seja determinada como significativa ou exclusiva do ambiente geográfico,
incluindo fatores naturais e humanos e de produção, processamento e prepa-
ração (THE EUROPEAN UNION, 2013). Em outras palavras, para receber o
status de DOP, o produto deve ser tradicional e totalmente fabricado dentro
da região específica e, assim, adquirir propriedades únicas. A categoria é
denominada Appellation d'Origine Protégée (AOP) em francês, Denominazione
di Origine Protetta (DOP) em italiano e Denominación de Origen Protegida
(DOP) em espanhol.
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Segundo a União Europeia (THE EUROPEAN UNION, 2013, documento


on-line) para IGP é o nome de uma área, um local específico ou, em casos
excepcionais, o nome de um país, usado como descrição de um produto agrícola
ou de um alimento proveniente de uma área, local ou país que possui uma
qualidade específica, ou outra propriedade característica, atribuível à sua
origem geográfica, cuja produção, processamento ou preparação ocorra dentro
da área geográfica determinada. Para receber o status de IGP, todo o produto
deve ser fabricado ou parcialmente fabricado dentro da região específica e,
assim, adquirir propriedades únicas. A categoria é denominada Indication
Géographique Protégée (IGP) em francês, Indicazione Geografica Protetta
(IGP) em italiano e Indicación Geográfica Protegida (IGP) em espanhol.
Cada país da União Europeia tem suas próprias categorias de qualidade que
correspondem à IGP. Os mais significativos são:

 França: Vin de Pays (VDP).


 Itália: Indicazione Geografica Tipica (IGT).
 Espanha: Vino de la Tierra (VT).
 Portugal: Vinho Regional (VR).
 Alemanha: Landwein.
 Áustria: Landwein.

Embora as regras de produção da IGP não sejam tão rigorosas quanto as


aplicadas aos vinhos DOP, existem exemplos famosos de vinhos IGP que exi-
gem mais respeito (e preços mais altos), como o caso dos vinhos Supertoscanos.
Desde a implementação das certificações, a ciência teve um papel im-
portante na determinação das normas de qualidade, mediante a formação de
centros de pesquisas que passaram a estudar o comportamento das vinhas e
os processos de fermentação e maturação. Com isso, o consumo de vinho se
tornou um fenômeno mundial. A noção de terroir está atrelada a esta evolu-
ção, e em 2010 foi definido pela Organização Mundial da Vinha e do Vinho
(OIV, 2010, documento on-line) como um conceito que “[...] se refere a uma
área em que se desenvolve o conhecimento coletivo das interações entre o
ambiente físico e biológico identificável e as práticas vitivinícolas aplicadas,
fornecendo características distintivas para os produtos oriundos dessa área.
Terroir inclui solo específico, topografia, clima, características da paisagem
e características da biodiversidade”.
6 Introdução à enologia

Componentes da uva
A uva é o fruto obtido pelo cultivo das videiras. Atualmente, são conhecidas
mais de 10 mil variedades espalhadas por quase toda a superfície do planeta,
cada qual adaptada às condições de clima e solo das diferentes regiões (FER-
RARI, 2010).
O cultivo das uvas está diretamente relacionado à interação de diversos
fatores, como aspectos climáticos (temperatura, pluviosidade, incidência de luz,
entre outros), aspectos químicos e físicos do solo, características genéticas de
diferentes cultivares e os tratos culturais empregados ao longo do ciclo vegetativo,
abrangendo o sistema de condução, poda seca, pode verde, raleio, tratamentos
sanitários e colheita. Todos esses fatores possuem grande influência no processo
de maturação e, consequentemente, na composição química, fenólica e aromática
das uvas e dos vinhos (RIBÉREAU-GAYON et al., 2006).
Em relação às características genéticas, a produção de uva pode ser dividida
em dois grandes grupos de maior interesse. O primeiro grupo abrange as uvas
finas ou europeias, obtidas pelo cultivo das videiras Vitis vinifera, destinadas
principalmente à produção de vinhos finos de destaque mundial pela quali-
dade. Dentre as principais variedades deste grupo, pode-se destacar as uvas
Merlot, Cabernet Franc, Cabernet Sauvignon, Pinot Noir, Tannat, Malbec,
Chardonnay, Sauvignon Blanc, Malvasia, dentre outras. O segundo grupo está
relacionado às uvas comuns ou americanas, obtidas pelo cultivo das videiras
Vitis labrusca e híbridas, destinadas principalmente à a produção de vinhos
de mesa e sucos, destacando-se pela qualidade de aromas e sabores conferidos
aos seus sucos. Dentre as principais variedades deste grupo, podemos citar as
uvas Concord, Isabel, Bordô, Niágara, BRS Cora, BRS Rúbea, Lorena, dentre
outras (GIOVANNINI; MANFROI, 2009).
A uva é a matéria-prima para a produção de vinhos e suas características
genéticas e seu grau de maturação são os principais fatores decisivos para
determinar a qualidade do vinho. O crescimento e desenvolvimento das
uvas estão relacionados a diversos fenômenos fisiológicos e bioquímicos
complexos, responsáveis pela evolução dos compostos da baga, como açú-
cares, ácidos, taninos, antocianinas, vitaminas, minerais, aromas, entre
outros (FLANZY, 2003).

Partes do cacho de uva


O cacho de uva pode ser dividido em sua parte herbácea, chamada de engaço,
e sua parte carnosa, chamada de baga ou grão, a qual se conecta ao engaço
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pelo pedicelo e pincel. Uvas com adequado estado sanitário e grau de matu-
ração apresentam de 2 a 5% de engaço e de 95 a 98% de baga, dependendo
da variedade da uva e seu estado (AQUARONE et al., 2001).
O engaço é constituído por pedúnculo e ramificações ou pedicelos, que
proporcionam o transporte de água e nutrientes às bagas. A estrutura do cacho
depende do comprimento dos pedicelos: se forem longos e finos, as uvas
são espalhadas, se forem curtos, os cachos são compactos e as bagas ficam
juntas. O engaço é rico em matéria lenhosa, resinas, minerais e água e sua
composição química é semelhante à das folhas, contendo poucos carboidratos
e média concentração de ácidos, presentes na forma de sais, devido à elevada
composição em cátions, com destaque para o potássico. O engaço também
é rico em taninos, os quais podem conferir sabor herbáceo e adstringência,
causando sensações desagradáveis ao vinho. Dessa forma, é preferível realizar
um processo de separação do engaço das bagas, chamado de desengace e rea-
lizado pela desengaçadeira, antes de iniciar a fermentação alcoólica do mosto.
Já a baga da uva é formada por três partes distintas: a semente, que cor-
responde de 0 a 6 % da baga, a polpa, representando a maior parte da baga e
variando entre 75 a 85% do total, e a casca ou película, que forma um envoltório
para a polpa e as sementes, constituindo de 8 a 20 % da baga (RIBÉREAU-
-GAYON et al., 2006).
O número de sementes nas bagas pode variar de um a quatro, dependendo
do tipo de fecundação. Além disso, existem uvas sem sementes, destinadas
à produção de uvas passas ou para consumo in natura, sendo denominadas
uvas apirênicas. As sementes são compostas por água, carboidratos, taninos,
substâncias nitrogenadas, ácidos voláteis, resinas, minerais e ácidos graxos.
Das sementes, pode ser extraído um óleo, composto essencialmente por ácidos
oleico e linoleico, que correspondem a 15–20 % do peso total das sementes.
Esta é a parte da baga mais rica em substâncias nitrogenadas (cerca de 6 %)
e em polifenóis, contendo entre 20 e 55 % do total da baga (RIBÉREAU-
-GAYON et al., 2006).
A casca, por sua vez, tem a função de proteger a baga e pode ser dividida
em três camadas: a externa (epiderme), a epiderme intermediária e a camada
interna (hipoderme). Além disso, a casca é recoberta por uma camada de cera
(pruína), cuja função é proteger contra os efeitos ambientais, evitando também
a penetração de microrganismos causadores da deterioração do fruto. Na
pruína, também são encontradas algumas leveduras, chamadas de leveduras
indígenas, que fazem parte da flora microbiana da uva e do local de cultivo,
sendo capazes de iniciar a fermentação alcoólica espontaneamente (SILVA;
LAGO-VANZELA; BAFFI, 2015).
8 Introdução à enologia

Na casca, são acumuladas diversas substâncias responsáveis pelas caracte-


rísticas de cor, aroma e sabor das uvas e dos vinhos. Nas células da epiderme
e nas primeiras camadas da epiderme intermediária, são encontrados os
seguintes compostos fenólicos: ácidos benzoicos, ácidos cinâmicos, flavonóis
e taninos. Nas camadas celulares hipodérmicas, é encontrada a maior parte das
antocianinas, exclusivamente em uvas tintas. Excepcionalmente, em algumas
variedades tintórias as células adjacentes da polpa podem ser coloridas. A casca
muda de cor durante o período de amadurecimento. Nas variedades brancas,
a coloração muda de verde a amarelada; já nas uvas tintas, a cor muda de
verde a azul-violáceo. A casca de uva madura também contém quantidades
consideráveis de substâncias aromáticas e precursoras de aroma. Em certas
variedades, como nas uvas Moscatel, a casca pode conter mais da metade dos
terpenóis livres da baga (RIBÉREAU-GAYON et al., 2006).
Dessa forma, todos os métodos que aumentam o contato da casca com
o líquido podem ser de extrema importância para extração de cor, sabor e
aromas, dependendo da variedade, grau de maturação e estado sanitários das
uvas (FLANZY, 2003).
A polpa é a principal parte da uva e o conteúdo vacuolar das suas células
contém o mosto. A polpa é rica em água, que responde por 65–85% de sua
matéria. Os açúcares são os constituintes primários — essencialmente glicose
e frutose, variando de 12 a 25% —, seguidos pelo conteúdo em ácidos orgâni-
cos, que varia de 6 a 14%, substâncias minerais, de 2,5 a 3,5%, e compostos
nitrogenados, variando de 0,5 a 1% (AQUARONE et al., 2001).

Composição da baga
A composição química da baga está em constante evolução durante o período de
maturação, o que acaba influenciando no acúmulo de açúcares, na diminuição
de ácidos e na formação de taninos, antocianinas e aromas, consequentemente
afetando a maturação fisiológica da uva.
A maturação da uva costuma se refletir em mudança de cor, o que permite
encontrar a composição ideal para a produção de vinhos de qualidade. Entre
os índices mais acompanhados para definir a maturação e o ponto de colheita
das uvas estão os teores de açúcares e de ácidos orgânicos presentes nas bagas.
A partir desses dados, é obtida a maturação tecnológica das uvas. No entanto,
essas análises por si só às vezes não expressam o ponto ideal de maturação
das uvas, fazendo-se necessário à avaliação dos teores de compostos fenólicos
(taninos) e antocianinas nas cascas, responsáveis pelo sabor, aromas e colo-
ração, obtendo-se assim o índice de maturação fenólica (SARTORI, 2011).
Introdução à enologia 9

Tradicionalmente, os processos bioquímicos de maturação são resumidos pela


transformação de uma uva verde, dura e ácida em uma fruta macia e colorida,
rica em açúcar e aromas.
Dentre os principais compostos encontrados na uva podemos citar os
açúcares, produto principal da fotossíntese, processo de grande importância
biológica que possibilita o aproveitamento de gás carbônico e de luz solar para
a síntese de carboidratos. Inicialmente, os açúcares transportados às bagas são
rapidamente metabolizados para o desenvolvimento do fruto, em particular
para o crescimento e maturação das sementes. No transcorrer da maturação,
a partir da mudança de cor das bagas, os açucares vão gradativamente se
acumulando nas uvas (JACKSON, 2008).
Os principais açúcares encontrados na uva são a glicose e a frutose, cujos
teores flutuam dependendo da variedade, sanidade e grau de maturação.
O conteúdo de açúcar das uvas pode ser facilmente medido em Brix por meio
da utilização de um refratômetro, sendo os açúcares aproximadamente 90%
deste índice (GUERRA, 2002).
Para a produção de vinhos, os açúcares devem ser extraídos com o mosto,
desempenhando um papel essencial na vinificação, pois são substratos para as
leveduras que convertem este açúcar em álcool durante a fermentação alcoólica.
As uvas contêm ainda pequena quantidade de açúcares não fermentescíveis
(arabinose, ramnose e xilose), que permanecem no vinho após a fermentação,
sendo chamados de açúcares residuais (JACKSON, 2008).
Outro critério bastante utilizado para definir a maturação e a data de
colheita das uvas é o conteúdo de ácidos orgânicos. Considerando-se a grande
importância desses parâmetros para a qualidade e equilíbrio dos vinhos, os
teores de açucares e ácidos podem ser medidos em conjunto, obtendo, dessa
forma, uma relação açúcar/acidez, critério mais confiável na determinação
da qualidade geral da uva, que pode variar conforme as características de
vinho buscado.
O desenvolvimento dos ácidos orgânicos na uva é dependente da atividade
fotossintética, das práticas de manejo, das características ambientais e da
genética da variedade. Dentre os principais ácidos encontrados nas uvas,
destacam-se os ácidos tartárico e málico. Ao contrário do que ocorre com os
açúcares, o teor dos ácidos vai diminuindo à medida que a uva amadurece.
Sua redução está relacionada com a taxa de respiração, que varia em função
da temperatura do ambiente de cultivo. Essa variação é mais observada no
conteúdo de ácido málico, que se reduz drasticamente a partir da mudança de
cor das bagas. Já o conteúdo de ácido tartárico se reduz bem menos (WINK-
LER et al., 1974).
10 Introdução à enologia

O ácido cítrico também está presente na composição orgânica das uvas, mas numa
fração bem menos significativa que os outros dois ácidos. Além disso, outros ácidos
orgânicos podem ser encontrados em pequenas quantidades na polpa de uvas ma-
duras, com destaque para ácido pirúvico, ácido fumárico, ácido galacturônico, ácido
xiquímico, ácido α-cetoglutárico, entre outros. O ácido fosfórico é o ânion inorgânico
preponderante. Os ácidos estão presentes em concentrações significativas nas uvas,
contribuindo para as propriedades organolépticas, melhorando o potencial de en-
velhecimento e conferindo maior estabilidade microbiológica aos vinhos (RIBÉREAU-
-GAYON et al., 2006).

Em relação à concentração de minerais, a baga da uva é particularmente


rica em cátions. O potássio é o principal cátion encontrado, sendo muito mais
abundante que o cálcio, o magnésio e o sódio. Outros elementos estão presentes
em concentrações muito baixas, como o ferro, zinco e cobre (FLANZY, 2003).
O potássio está essencialmente localizado nos vacúolos das células da polpa e
da casca. Esses elementos elevam o pH dos mostos e dos vinhos pela combinação
com ácidos, transformando-os em sais, que podem vir a precipitar em baixas
temperaturas, como acontece na estabilização tartárica dos vinhos. Em teoria, a
soma dos ácidos e cátions determina o pH (RIBÉREAU-GAYON et al., 2006).
O amolecimento da uva durante a maturação é o resultado de alterações na
composição dos polissacarídeos estruturais da baga. No início do desenvolvi-
mento da uva, as paredes celulares são compostas principalmente por celulose.
Já o período de mudança de cor das bagas é caracterizado por considerável
síntese de pectina, a tal ponto que este se torna o polissacarídeo majoritário
em algumas variedades. As pectinas estão localizadas na lamela média, atu-
ando como uma “cola” entre as células vegetais. Ao longo da maturação, o
amolecimento das bagas é acompanhado por uma solubilização da pectina,
catalisada por diversas enzimas pectinases presentes nas células vegetais. Esse
fenômeno resulta em um aumento da fração péctica solúvel que é encontrada
posteriormente no mosto. Essa fração também contém pequenas quantidades
de proteínas insolúveis.
Os compostos fenólicos constituem uma classe de metabólitos secundários
das plantas. As condições ambientais de estresse, como infecções, ferimen-
tos, radiações UV, dentre outras, favorecem a formação desses compostos
(NACZK; SHAHIDI, 2004). Na casca e nas sementes das uvas, são encon-
tradas as maiores concentrações desses compostos. Os compostos fenólicos
Introdução à enologia 11

presentes nas uvas dividem-se em dois grandes grupos: os não flavonoides


e os flavonoides. Este último grupo apresenta estrutura química C6 –C3–C6,
enquanto os não flavonoides apresentam estrutura química derivadas de
C6 –C1 (compostos hidroxibenzoicos), C6 –C3 (compostos hidroxicinâmicos) e
C6 –C2–C6 (trans-resveratrol e cis-resveratrol) (CABRITA; RICARDO-DA-
-SILVA; LAUREANO, 2003).
Os não flavonoides compreendem os ácidos fenólicos que estão presentes
nos vacúolos celulares da casca e da polpa e são facilmente extraídos por
prensagem. O principal ácido hidroxibenzoico encontrado nas uvas é o ácido
gálico, presente na película da baga. Já em relação aos ácidos hidroxicinâmicos,
os principais compostos encontrados são os ácidos caféico, cumárico, ferúlico
e caftárico, encontrados na película e na polpa da baga, sendo os principais
compostos fenólicos de variedades brancas. Entre os estilbenos, o resveratrol é
o mais conhecido. A síntese desse composto na uva é realizada principalmente
na casca, onde é produzido como uma fitoalexina em resposta a infecções e
a estresse causado pelo meio ambiente (CABRITA; RICARDO-DA-SILVA;
LAUREANO, 2003; GUERRA, 2005).
Dentro do grupo dos flavonoides, destacam-se os flavonóis, os flavanóis
e as antocianinas, pois estão diretamente ligados à qualidade sensorial, sendo
responsáveis pela cor, sabor, corpo, adstringência e longevidade dos vinhos.
As antocianinas encontram-se principalmente nas cascas e são responsáveis
pela coloração vermelha, azul e roxa das uvas e dos vinhos tintos. As principais
encontradas em uvas são: malvidina, cianidina, peonidina, delfinidina e petuni-
dina, comumente nas formas glicosiladas e esterificadas por diferentes ácidos
orgânicos. Os flavanóis são encontrados em maior quantidade nas sementes e
engaços. Os principais são as catequinas e as epicatequinas, e seus polímeros,
procianidinas e taninos, de extrema importância organoléptica, sendo respon-
sáveis pelo sabor e adstringência do vinho. Já os flavonóis encontram-se nas
cascas das variedades brancas e tintas na forma de glicosídeos ou ácidos gli-
curônicos, apresentando cor amarelada. Dentre os flavonóis, pode-se destacar
a quercetina, a miricetina e o campferol (CABRITA; RICARDO-DA-SILVA;
LAUREANO, 2003; GUERRA, 2005).
Os compostos aromáticos das uvas também são componentes essenciais
à qualidade sensorial dos vinhos. Existem uvas centenas de compostos volá-
teis, presentes em diferentes concentrações, que refletem as características
particulares de cada variedade. Além disso, a complexidade aromática das
uvas sofre alterações durante a maturação, a qual é afetada por diversos
fatores, como as características do vinhedo, clima, solo e práticas de manejo
(ROCHA et al., 2010).
12 Introdução à enologia

A casca é considerada a principal fonte de substâncias aromáticas, mas a


polpa também contém concentrações significativas desses compostos. A polpa é
caracterizada pelo acúmulo de uma variedade diversificada de álcoois, aldeídos
e ésteres que fazem parte dos aromas das uvas. Em certas variedades, como
a Moscatel, o mosto pode conter até dois terços dos precursores de terpenos,
compostos aromáticos primários das uvas. Terpenos são encontrados na sua
forma livre (volátil) ou na forma de precursor aromático (glicosídeos não
voláteis), podendo ser hidrolisados para sua forma livre durante a elaboração
de vinhos. Os monoterpenos são a base da expressão aromática (floral) de
algumas variedades de vinhos. Outras classes são os C13-norisoprenoides,
que expressam características florais e frutadas, as metoxipirazinas, que
conferem caráter vegetal e herbáceo, e os compostos sulfurados, que estão
relacionados aos aromas desagradáveis. Além destes, os álcoois superiores e
ésteres também contribuem significativamente para a constituição dos aromas
nos vinhos (RIBÉREAU-GAYON et al., 2006).

Componentes do vinho
O vinho é uma das bebidas alcoólicas mais consumidas e antigas do mundo.
A grande diversidade de vinhos e uvas encontradas atualmente revela anos
de trabalho e evolução dessa bebida. A história do vinho possui grande im-
portância histórica, retratando um produto que acompanhou grande parte da
evolução econômica e sociocultural de várias civilizações ocidentais e orientais.
A origem do vinho é imprecisa. Alguns historiadores acreditam que o
vinho possa ter surgido em períodos pré-históricos, desenvolvido por um
hominídeo que habitou o planeta antes do advento do Homo sapiens. O certo
é que a produção de vinho só ganhou força quando o homem deixou de ser
nômade para se tornar sedentário, desenvolvendo os primeiros traços de civi-
lização e agricultura. Os indícios mais fortes do cultivo de videiras indicam
a Geórgia como o local onde provavelmente se produziu vinho pela primeira
vez. Neste local, foram encontradas sementes datadas entre 7.000 a.C. e 5.000
a.C. No entanto, os primeiros equipamento vitivinícolas foram encontrados
na Armênia, datados de 4.000 a.C (JOHNSON, 2005).
Seja como for, a origem do vinho com raízes bem traçadas começa com
os egípcios, que foram os primeiros a registrar em pinturas e documentos o
processo da vinificação e o uso da bebida em celebrações. Eles foram seguidos
pelos fenícios, comerciantes marítimos, responsáveis pela propagação do vinho
na Europa mediterrânea, África Central e reinos asiáticos. Posteriormente,
Introdução à enologia 13

com a expansão do Império Romano, a cultura do vinho foi difunda por


toda a Europa, levando a vitivinicultura para muitas das regiões atualmente
famosas pela tradição e qualidade dos vinhos elaborados, como Itália, França
e Espanha (JOHNSON, 2005).

Em termos químicos, o surgimento do vinho se deu por um processo natural, realizado


por microrganismos presentes no próprio fruto. Quando as uvas são esmagadas,
leveduras encontradas na parte externa na baga entram em contato com o mosto
ou suco das uvas, dando lugar ao que hoje conhecemos como fermentação alcoólica.
As leveduras utilizam os açucares do mosto da uva como fonte de energia para seu
crescimento e reprodução, gerando principalmente etanol, gás carbônico e calor, além
de outros compostos secundários em quantidades variadas, caracterizando o vinho
como uma matriz de composição complexa (FLANZY, 2003).

O vinho é uma solução hidroalcoólica ácida, cuja base de composição é


água e álcool (etanol), além de diversas moléculas orgânicas e alguns íons
inorgânicos, que são responsáveis pelos aspectos visual, aromático e gustativo
dos vinhos. Entre as principais substâncias que compõem o vinho estão os
álcoois, açúcares, ácidos orgânicos, compostos fenólicos, sais minerais e
orgânicos, proteínas, substâncias nitrogenadas, compostos voláteis e aromá-
ticos, variando suas concentrações em função do tipo de vinho, da variedade
de uva, do terroir, dos métodos de cultivos, das técnicas de elaboração, entre
outros (RIBÉREAU-GAYON et al., 2006).
A concentração e diversidade desses compostos expressam as características
particulares dos vinhos, que podem ser determinadas por análises químicas ou
pela percepção dos atributos organolépticos a partir de uma avaliação sensorial.

Açúcares
A concentração de açúcares nas uvas é uma das mais importantes característi-
cas para o processo de vinificação, visto seu papel decisivo na transformação
do mosto em vinho. Durante a fermentação alcoólica, glicose e frutose são
fermentadas por leveduras que produzem etanol, dióxido de carbono, glicerol,
entre outros compostos secundários. As leveduras apresentam preferência
14 Introdução à enologia

para metabolização da glicose, resultando em uma predominância de frutose


durante as últimas fases da fermentação. No entanto, a frutose é fermentada
sem maiores problemas, mesmo em condições de estresse, com altos níveis
de etanol e baixa disponibilidade de nitrogênio (TRONCHONI et al., 2009).
Os açúcares que permanecem no vinho após a fermentação são chamados
de açúcares residuais, constituídos basicamente por pentoses como ramnose,
arabinose e xilose (açúcares não fermentescíveis) (JACKSON, 2008). Esses
compostos podem participar de diferentes reações durante a fermentação e
envelhecimento dos vinhos e contribuem para as propriedades sensoriais, como
corpo, aroma e doçura. O sabor doce é percebido com maior intensidade na
ponta da língua. No entanto, a sensação advém não apenas dos açúcares residu-
ais, mas também pelos componentes aromáticos, álcool e glicerol, substâncias
que atuam sobre a mucosa da boca e proporcionam uma sensação tátil de maciez
e untuosidade. Além desses açúcares, alguns carboidratos provenientes da
casca da uva podem ser encontrados nos vinhos devido à ação hidrolítica de
enzimas, como as pectinases e as celulases, o que resulta em maior turbidez
da bebida final (MORENO-ARRIBAS; POLO, 2009).

Álcool
Depois da água, o etanol é o composto quantitativamente de maior importân-
cia para os vinhos. A substância é produzida pela fermentação dos açúcares
da uva por meio da ação de leveduras. Por isso, a quantidade de álcool nos
vinhos está diretamente relacionada à concentração de açúcares na uva, que,
por sua vez, é fortemente influenciada pelas condições climáticas da região de
cultivo, pelas características genéticas da variedade e pelo grau de maturação
das uvas (FLANZY, 2003).
A quantidade de etanol nos vinhos é expressa pela graduação alcoólica,
que representa a porcentagem de álcool no volume total de vinho. O teor de
etanol pode influenciar diversas propriedades químicas, físicas e sensoriais dos
vinhos, com efeitos sobre as características de sabor, acidez, aroma e textura,
conferindo maior corpo e viscosidade (MORENO-ARRIBAS; POLO, 2009).
Os vinhos com teor alcoólico elevado podem apresentar na boca uma sensação
de calor e um sabor adocicado, podendo ter equilíbrio com o conteúdo de
polifenóis e ácidos dos vinhos.
Além do etanol, podem ser encontrados outros tipos de álcoois nos vinhos,
como o glicerol, produzido durante a fermentação alcoólica pela rota metabólica
glicerol-pirúvica das leveduras. Esse composto contribui para as características
sensoriais do vinho, agregando viscosidade e corpo e diminuindo a sensação
Introdução à enologia 15

de adstringência dos taninos. Também podem ser encontrados diversos álcoois


superiores, os quais desempenham um importante papel nas características
aromáticas dos vinhos. Esses compostos são formados pelas leveduras, a partir
do metabolismo de aminoácidos do mosto. Além destes, o metanol também
pode ser encontrado em baixas concentrações. Produto tóxico para a saúde
humana, pode ser originado a partir da degradação de substâncias pécticas
pela ação de enzimas (RIBÉREAU-GAYON et al., 2006).

Acidez total
A acidez total dos vinhos advém dos ácidos orgânicos da uva e dos ácidos
desenvolvidos durante os processos fermentativos. Os principais ácidos encon-
trados são tartárico, lático, málico, succínico, cítrico e acético, com destaque
para o primeiro deles. A uva é uma das principais fontes desse composto,
visto que a videira é uma das raras plantas com capacidade de sintetizar esse
ácido em quantidade elevada (FLANZY, 2003).
Em relação aos ácidos originados do processo fermentativo, o ácido acético
é o principal constituinte da acidez volátil. Níveis elevados deste ácido podem
estar relacionados a contaminações por bactérias acéticas. Já o ácido lático é
produzido durante a fermentação malolática, a partir da degradação do ácido
málico pelas bactérias láticas, conferindo ao vinho maior maciez (ZOTOU;
LOUKOU; KARAVA, 2004).
A acidez está diretamente ligada à característica de frescor dos vinhos,
sendo mais evidente em vinhos brancos e espumantes. Além disso, a acidez
contribui para conservar o vinho ao longo do seu processo de envelhecimento,
mantendo mais vivo suas características organolépticas e conferindo maior
estabilidade microbiológica, por meio da diminuição do pH (RIBÉREAU-
-GAYON et al., 2006).
A acidez dos vinhos é percebida nas porções laterais da língua, provocando
sensação de refrescância e salivação. O equilíbrio de acidez é uma característica
essencial para a qualidade dos vinhos. Seu excesso pode realçar sensações de
aspereza, falta de corpo e adstringência dos vinhos, enquanto sua escassez
reduz sua harmonia (SANTOS; SANTANA, 2014).

Compostos fenólicos
As uvas são ricas em compostos fenólicos, cuja principal concentração ocorre
na casca. Assim, a composição fenólica dos vinhos está diretamente ligada
a condições ambientais, variedade da uva, grau de maturação e práticas eno-
16 Introdução à enologia

lógicas empregadas, como a duração do processo de maceração, controle da


fermentação e armazenamento dos vinhos (GUERRA, 2005).
Para que tais compostos estejam presentes composição do vinho, é indis-
pensável haver uma etapa de maceração, na qual o líquido obtido das uvas fica
em contato com as cascas por algum tempo, o que definirá as características
do futuro vinho. A maceração é uma das principais etapas da vinificação
em tinto; dependendo da maturação das uvas, essa etapa pode perdurar por
mais de um mês, buscando uma extração exaustiva desses compostos. Para
os vinhos brancos, esse contato com a casca é muito menor, podendo durar
somente algumas horas (GIOVANNINI; MANFROI, 2009).
Os constituintes fenólicos dos vinhos têm grande importância na enologia,
desempenhando um papel crucial na cor, no sabor, no aroma e também na
capacidade de envelhecimento dos produtos, além de contribuírem como fonte
de compostos bioativos com propriedades benéficas à saúde dos consumidores
(CABRITA; RICARDO-DA-SILVA; LAUREANO, 2003).
Entre os principais compostos fenólicos dos vinhos, destacam-se as anto-
cianinas (vinhos tintos) e os taninos, que são responsáveis pelas características
de cor, estrutura, corpo e adstringência do produto final, além de estarem
diretamente ligados ao seu potencial de envelhecimento. Durante a conservação
e o envelhecimento dos vinhos, ocorrem diversas reações que aprimoram suas
características sensoriais pela elevada concentração de compostos fenólicos.
A condensação dos taninos forma polímeros menos adstringentes, melhorando
os aspectos gustativos. Além disso, a polimerização de taninos/antocianinas
ajuda a melhorar a estabilidade cromática dos vinhos tintos, proporcionando
maiores tempos de guarda (FLANZY, 2003).

A sensação de adstringência e corpo está diretamente ligada à composição dos taninos:


quando essas substâncias estão presentes no vinho em baixo grau de polimerização,
a bebida apresenta sensação de adstringência, devido à combinação desses taninos
com as proteínas da saliva, que perde o poder lubrificante, gerando a sensação de
boca seca. Já quando os taninos se encontram na sua forma polimérica, a sensação de
adstringência diminui, produzindo vinhos encorpados e volumosos, dando a sensação
de que poderiam ser mastigados (RIBÉREAU-GAYON et al., 2006).
Introdução à enologia 17

Compostos aromáticos
O aroma dos vinhos é complexo devido à grande diversidade de compostos
presentes em sua matriz. Já foram identificadas cerca de mil substâncias voláteis
com origem nas mais diversas reações bioquímicas, biológicas e tecnológicas
que envolvem a produção de uvas e vinhos (FLANZY, 2000).
O aroma é um dos parâmetros mais importantes para avaliar a qualidade
de cada vinho, uma vez que este atributo possui relação direta com sua
aceitação pelos consumidores. Portanto, na produção de vinhos, buscam-
-se uvas e técnicas de vinificação que tendem a valorizar esse aspecto
específico.
A presença de compostos voláteis é determinada por alguns fatores, tais
como terroir, variedade da uva, grau de maturação da colheita, condições de
fermentação, fatores biológicos (levedura e outros componentes da microflora
enológica), técnicas de produção, amadurecimento e envelhecimento. Para
melhor compreender o comportamento desses compostos no vinho, eles podem
ser classificados em relação à sua origem.
Os aromas primários são caracterizados pelos aromas varietais e pré-
-fermentativos dos vinhos, provenientes quase que exclusivamente da uva. Eles
conferem à bebida uma identidade que reflete as características da variedade,
bem como do local de cultivo e das práticas utilizadas pelos viticultores. Vários
compostos aromáticos fazem parte dessa classe de aromas, como os terpenos
(Moscatel), C13–norisoprenoides (Pinot Noir), tióis (Chardonnay), metoxipi-
razinas (Cabernet Sauvignon) e os fenóis voláteis (Cabernet Franc), podendo
também estar presentes no perfil aromático de muitas outras variedades de
uvas (RIBÉREAU-GAYON et al., 2006).
Os aromas secundários são caracterizados como aromas fermentati-
vos, com origem na ação das leveduras e bactérias durante as etapas de
fermentação alcoólica e maloláctica. Compostos aromáticos como álcoois,
ésteres, ácidos, aldeídos e cetonas são formados durante esses processos.
Para a obtenção desses aromas, as fermentações devem ser conduzidas em
condições adequadas, a fim de gerar compostos que sejam benéficos para a
qualidade olfativa do vinho. Os ésteres englobam uma das principais classes
aromáticas dos vinhos e são responsáveis por conferir aromas frutados
(RIBÉREAU-GAYON et al., 2006).
Já aromas terciários, também chamados de aromas pós-fermentativos, são
oriundos dos processos de amadurecimento e envelhecimento dos vinhos.
18 Introdução à enologia

A produção e extração desses compostos está associada principalmente à


passagem do vinho por barrica de carvalho, envelhecimento sobre borras
e oxidações. Dentre os principais compostos voláteis agregados pelo car-
valho ao vinho destacam-se lactonas, furfural, aldeídos fenólicos (vanilina
e siringaldeído) e fenóis voláteis (eugenol, guaiacol e vinilfenóis), que
desempenham um papel importante na qualidade organoléptica da bebida,
conferindo aromas que lembram coco, baunilha, café, chocolate, espe-
ciarias, alcaçuz, pimenta, cravo, entre outros (GONZÁLEZ-CENTENO;
CHIRA; TEISSEDRE, 2016).

Minerais
O teor de mineral do vinho reflete a sua origem, sofrendo interferências
da região de cultivo, das práticas de manejo do solo e da planta — como
adubação e tratamentos fitossanitários —, do porta-enxerto e da variedade
de uva. Além disso, também interferem na composição mineral do vinho
o emprego de insumos com determinados minerais em sua composição, o
contato do vinho com matérias e equipamentos ao longo de sua elaboração
e as práticas que aumentam a extração desses compostos da casca, visto sua
riqueza em elementos minerais (GALGANO et al., 2008).
Quando consumido em quantidades moderadas diárias, o vinho pode
fornecer elementos essenciais ao organismo humano, como K, Mg, Ca, Co,
Fe, Cu, F, I, Mn, Ni, Mo, Zn (LARA et al., 2005). O potássio e o cálcio são
os minerais presentes em maior concentração, participando diretamente da
formação de sais de tartarato e bitartarato, que tendem a precipitar quando
expostos a uma condição de baixa temperatura, formando cristais e reduzindo
os teores de minerais e de acidez dos vinhos. Outros elementos, como cobre,
ferro, alumínio e zinco, também contribuem para a formação de precipi-
tados, causando efeitos nas características de cor, aroma e sabor do vinho
(RIBÉREAU-GAYON et al., 2006).
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