Introdução À Enologia
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Introdução À Enologia
Introdução
O processo de vinificação existe há milhares de anos e é considerado
uma ciência. A videira, planta que dá origem à uva, tem boa adaptação
em áreas geográficas entre os paralelos 30° e 50° de ambos hemisférios,
e provavelmente foi cultivada pela primeira vez na região do Cáucaso,
onde fica o atual país da Geórgia, antes do período neolítico. Foi a partir
desse local que a prática de prensar uvas para produzir vinho se espalhou
pela Europa e daí para todo o mundo. Regiões tradicionais na produção
de vinhos impõem normas rígidas à sua fabricação, observadas para
garantir o padrão e o caráter local do produto final.
Neste capítulo, você vai aprender sobre os termos empregados no
mundo do vinho e sobre o surgimento das normas de certificação de
qualidade. Também verá quais são os componentes presentes na uva e
a importância de cada um para o perfil sensorial da bebida final.
Componentes da uva
A uva é o fruto obtido pelo cultivo das videiras. Atualmente, são conhecidas
mais de 10 mil variedades espalhadas por quase toda a superfície do planeta,
cada qual adaptada às condições de clima e solo das diferentes regiões (FER-
RARI, 2010).
O cultivo das uvas está diretamente relacionado à interação de diversos
fatores, como aspectos climáticos (temperatura, pluviosidade, incidência de luz,
entre outros), aspectos químicos e físicos do solo, características genéticas de
diferentes cultivares e os tratos culturais empregados ao longo do ciclo vegetativo,
abrangendo o sistema de condução, poda seca, pode verde, raleio, tratamentos
sanitários e colheita. Todos esses fatores possuem grande influência no processo
de maturação e, consequentemente, na composição química, fenólica e aromática
das uvas e dos vinhos (RIBÉREAU-GAYON et al., 2006).
Em relação às características genéticas, a produção de uva pode ser dividida
em dois grandes grupos de maior interesse. O primeiro grupo abrange as uvas
finas ou europeias, obtidas pelo cultivo das videiras Vitis vinifera, destinadas
principalmente à produção de vinhos finos de destaque mundial pela quali-
dade. Dentre as principais variedades deste grupo, pode-se destacar as uvas
Merlot, Cabernet Franc, Cabernet Sauvignon, Pinot Noir, Tannat, Malbec,
Chardonnay, Sauvignon Blanc, Malvasia, dentre outras. O segundo grupo está
relacionado às uvas comuns ou americanas, obtidas pelo cultivo das videiras
Vitis labrusca e híbridas, destinadas principalmente à a produção de vinhos
de mesa e sucos, destacando-se pela qualidade de aromas e sabores conferidos
aos seus sucos. Dentre as principais variedades deste grupo, podemos citar as
uvas Concord, Isabel, Bordô, Niágara, BRS Cora, BRS Rúbea, Lorena, dentre
outras (GIOVANNINI; MANFROI, 2009).
A uva é a matéria-prima para a produção de vinhos e suas características
genéticas e seu grau de maturação são os principais fatores decisivos para
determinar a qualidade do vinho. O crescimento e desenvolvimento das
uvas estão relacionados a diversos fenômenos fisiológicos e bioquímicos
complexos, responsáveis pela evolução dos compostos da baga, como açú-
cares, ácidos, taninos, antocianinas, vitaminas, minerais, aromas, entre
outros (FLANZY, 2003).
pelo pedicelo e pincel. Uvas com adequado estado sanitário e grau de matu-
ração apresentam de 2 a 5% de engaço e de 95 a 98% de baga, dependendo
da variedade da uva e seu estado (AQUARONE et al., 2001).
O engaço é constituído por pedúnculo e ramificações ou pedicelos, que
proporcionam o transporte de água e nutrientes às bagas. A estrutura do cacho
depende do comprimento dos pedicelos: se forem longos e finos, as uvas
são espalhadas, se forem curtos, os cachos são compactos e as bagas ficam
juntas. O engaço é rico em matéria lenhosa, resinas, minerais e água e sua
composição química é semelhante à das folhas, contendo poucos carboidratos
e média concentração de ácidos, presentes na forma de sais, devido à elevada
composição em cátions, com destaque para o potássico. O engaço também
é rico em taninos, os quais podem conferir sabor herbáceo e adstringência,
causando sensações desagradáveis ao vinho. Dessa forma, é preferível realizar
um processo de separação do engaço das bagas, chamado de desengace e rea-
lizado pela desengaçadeira, antes de iniciar a fermentação alcoólica do mosto.
Já a baga da uva é formada por três partes distintas: a semente, que cor-
responde de 0 a 6 % da baga, a polpa, representando a maior parte da baga e
variando entre 75 a 85% do total, e a casca ou película, que forma um envoltório
para a polpa e as sementes, constituindo de 8 a 20 % da baga (RIBÉREAU-
-GAYON et al., 2006).
O número de sementes nas bagas pode variar de um a quatro, dependendo
do tipo de fecundação. Além disso, existem uvas sem sementes, destinadas
à produção de uvas passas ou para consumo in natura, sendo denominadas
uvas apirênicas. As sementes são compostas por água, carboidratos, taninos,
substâncias nitrogenadas, ácidos voláteis, resinas, minerais e ácidos graxos.
Das sementes, pode ser extraído um óleo, composto essencialmente por ácidos
oleico e linoleico, que correspondem a 15–20 % do peso total das sementes.
Esta é a parte da baga mais rica em substâncias nitrogenadas (cerca de 6 %)
e em polifenóis, contendo entre 20 e 55 % do total da baga (RIBÉREAU-
-GAYON et al., 2006).
A casca, por sua vez, tem a função de proteger a baga e pode ser dividida
em três camadas: a externa (epiderme), a epiderme intermediária e a camada
interna (hipoderme). Além disso, a casca é recoberta por uma camada de cera
(pruína), cuja função é proteger contra os efeitos ambientais, evitando também
a penetração de microrganismos causadores da deterioração do fruto. Na
pruína, também são encontradas algumas leveduras, chamadas de leveduras
indígenas, que fazem parte da flora microbiana da uva e do local de cultivo,
sendo capazes de iniciar a fermentação alcoólica espontaneamente (SILVA;
LAGO-VANZELA; BAFFI, 2015).
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Composição da baga
A composição química da baga está em constante evolução durante o período de
maturação, o que acaba influenciando no acúmulo de açúcares, na diminuição
de ácidos e na formação de taninos, antocianinas e aromas, consequentemente
afetando a maturação fisiológica da uva.
A maturação da uva costuma se refletir em mudança de cor, o que permite
encontrar a composição ideal para a produção de vinhos de qualidade. Entre
os índices mais acompanhados para definir a maturação e o ponto de colheita
das uvas estão os teores de açúcares e de ácidos orgânicos presentes nas bagas.
A partir desses dados, é obtida a maturação tecnológica das uvas. No entanto,
essas análises por si só às vezes não expressam o ponto ideal de maturação
das uvas, fazendo-se necessário à avaliação dos teores de compostos fenólicos
(taninos) e antocianinas nas cascas, responsáveis pelo sabor, aromas e colo-
ração, obtendo-se assim o índice de maturação fenólica (SARTORI, 2011).
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O ácido cítrico também está presente na composição orgânica das uvas, mas numa
fração bem menos significativa que os outros dois ácidos. Além disso, outros ácidos
orgânicos podem ser encontrados em pequenas quantidades na polpa de uvas ma-
duras, com destaque para ácido pirúvico, ácido fumárico, ácido galacturônico, ácido
xiquímico, ácido α-cetoglutárico, entre outros. O ácido fosfórico é o ânion inorgânico
preponderante. Os ácidos estão presentes em concentrações significativas nas uvas,
contribuindo para as propriedades organolépticas, melhorando o potencial de en-
velhecimento e conferindo maior estabilidade microbiológica aos vinhos (RIBÉREAU-
-GAYON et al., 2006).
Componentes do vinho
O vinho é uma das bebidas alcoólicas mais consumidas e antigas do mundo.
A grande diversidade de vinhos e uvas encontradas atualmente revela anos
de trabalho e evolução dessa bebida. A história do vinho possui grande im-
portância histórica, retratando um produto que acompanhou grande parte da
evolução econômica e sociocultural de várias civilizações ocidentais e orientais.
A origem do vinho é imprecisa. Alguns historiadores acreditam que o
vinho possa ter surgido em períodos pré-históricos, desenvolvido por um
hominídeo que habitou o planeta antes do advento do Homo sapiens. O certo
é que a produção de vinho só ganhou força quando o homem deixou de ser
nômade para se tornar sedentário, desenvolvendo os primeiros traços de civi-
lização e agricultura. Os indícios mais fortes do cultivo de videiras indicam
a Geórgia como o local onde provavelmente se produziu vinho pela primeira
vez. Neste local, foram encontradas sementes datadas entre 7.000 a.C. e 5.000
a.C. No entanto, os primeiros equipamento vitivinícolas foram encontrados
na Armênia, datados de 4.000 a.C (JOHNSON, 2005).
Seja como for, a origem do vinho com raízes bem traçadas começa com
os egípcios, que foram os primeiros a registrar em pinturas e documentos o
processo da vinificação e o uso da bebida em celebrações. Eles foram seguidos
pelos fenícios, comerciantes marítimos, responsáveis pela propagação do vinho
na Europa mediterrânea, África Central e reinos asiáticos. Posteriormente,
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Açúcares
A concentração de açúcares nas uvas é uma das mais importantes característi-
cas para o processo de vinificação, visto seu papel decisivo na transformação
do mosto em vinho. Durante a fermentação alcoólica, glicose e frutose são
fermentadas por leveduras que produzem etanol, dióxido de carbono, glicerol,
entre outros compostos secundários. As leveduras apresentam preferência
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Álcool
Depois da água, o etanol é o composto quantitativamente de maior importân-
cia para os vinhos. A substância é produzida pela fermentação dos açúcares
da uva por meio da ação de leveduras. Por isso, a quantidade de álcool nos
vinhos está diretamente relacionada à concentração de açúcares na uva, que,
por sua vez, é fortemente influenciada pelas condições climáticas da região de
cultivo, pelas características genéticas da variedade e pelo grau de maturação
das uvas (FLANZY, 2003).
A quantidade de etanol nos vinhos é expressa pela graduação alcoólica,
que representa a porcentagem de álcool no volume total de vinho. O teor de
etanol pode influenciar diversas propriedades químicas, físicas e sensoriais dos
vinhos, com efeitos sobre as características de sabor, acidez, aroma e textura,
conferindo maior corpo e viscosidade (MORENO-ARRIBAS; POLO, 2009).
Os vinhos com teor alcoólico elevado podem apresentar na boca uma sensação
de calor e um sabor adocicado, podendo ter equilíbrio com o conteúdo de
polifenóis e ácidos dos vinhos.
Além do etanol, podem ser encontrados outros tipos de álcoois nos vinhos,
como o glicerol, produzido durante a fermentação alcoólica pela rota metabólica
glicerol-pirúvica das leveduras. Esse composto contribui para as características
sensoriais do vinho, agregando viscosidade e corpo e diminuindo a sensação
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Acidez total
A acidez total dos vinhos advém dos ácidos orgânicos da uva e dos ácidos
desenvolvidos durante os processos fermentativos. Os principais ácidos encon-
trados são tartárico, lático, málico, succínico, cítrico e acético, com destaque
para o primeiro deles. A uva é uma das principais fontes desse composto,
visto que a videira é uma das raras plantas com capacidade de sintetizar esse
ácido em quantidade elevada (FLANZY, 2003).
Em relação aos ácidos originados do processo fermentativo, o ácido acético
é o principal constituinte da acidez volátil. Níveis elevados deste ácido podem
estar relacionados a contaminações por bactérias acéticas. Já o ácido lático é
produzido durante a fermentação malolática, a partir da degradação do ácido
málico pelas bactérias láticas, conferindo ao vinho maior maciez (ZOTOU;
LOUKOU; KARAVA, 2004).
A acidez está diretamente ligada à característica de frescor dos vinhos,
sendo mais evidente em vinhos brancos e espumantes. Além disso, a acidez
contribui para conservar o vinho ao longo do seu processo de envelhecimento,
mantendo mais vivo suas características organolépticas e conferindo maior
estabilidade microbiológica, por meio da diminuição do pH (RIBÉREAU-
-GAYON et al., 2006).
A acidez dos vinhos é percebida nas porções laterais da língua, provocando
sensação de refrescância e salivação. O equilíbrio de acidez é uma característica
essencial para a qualidade dos vinhos. Seu excesso pode realçar sensações de
aspereza, falta de corpo e adstringência dos vinhos, enquanto sua escassez
reduz sua harmonia (SANTOS; SANTANA, 2014).
Compostos fenólicos
As uvas são ricas em compostos fenólicos, cuja principal concentração ocorre
na casca. Assim, a composição fenólica dos vinhos está diretamente ligada
a condições ambientais, variedade da uva, grau de maturação e práticas eno-
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Compostos aromáticos
O aroma dos vinhos é complexo devido à grande diversidade de compostos
presentes em sua matriz. Já foram identificadas cerca de mil substâncias voláteis
com origem nas mais diversas reações bioquímicas, biológicas e tecnológicas
que envolvem a produção de uvas e vinhos (FLANZY, 2000).
O aroma é um dos parâmetros mais importantes para avaliar a qualidade
de cada vinho, uma vez que este atributo possui relação direta com sua
aceitação pelos consumidores. Portanto, na produção de vinhos, buscam-
-se uvas e técnicas de vinificação que tendem a valorizar esse aspecto
específico.
A presença de compostos voláteis é determinada por alguns fatores, tais
como terroir, variedade da uva, grau de maturação da colheita, condições de
fermentação, fatores biológicos (levedura e outros componentes da microflora
enológica), técnicas de produção, amadurecimento e envelhecimento. Para
melhor compreender o comportamento desses compostos no vinho, eles podem
ser classificados em relação à sua origem.
Os aromas primários são caracterizados pelos aromas varietais e pré-
-fermentativos dos vinhos, provenientes quase que exclusivamente da uva. Eles
conferem à bebida uma identidade que reflete as características da variedade,
bem como do local de cultivo e das práticas utilizadas pelos viticultores. Vários
compostos aromáticos fazem parte dessa classe de aromas, como os terpenos
(Moscatel), C13–norisoprenoides (Pinot Noir), tióis (Chardonnay), metoxipi-
razinas (Cabernet Sauvignon) e os fenóis voláteis (Cabernet Franc), podendo
também estar presentes no perfil aromático de muitas outras variedades de
uvas (RIBÉREAU-GAYON et al., 2006).
Os aromas secundários são caracterizados como aromas fermentati-
vos, com origem na ação das leveduras e bactérias durante as etapas de
fermentação alcoólica e maloláctica. Compostos aromáticos como álcoois,
ésteres, ácidos, aldeídos e cetonas são formados durante esses processos.
Para a obtenção desses aromas, as fermentações devem ser conduzidas em
condições adequadas, a fim de gerar compostos que sejam benéficos para a
qualidade olfativa do vinho. Os ésteres englobam uma das principais classes
aromáticas dos vinhos e são responsáveis por conferir aromas frutados
(RIBÉREAU-GAYON et al., 2006).
Já aromas terciários, também chamados de aromas pós-fermentativos, são
oriundos dos processos de amadurecimento e envelhecimento dos vinhos.
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Minerais
O teor de mineral do vinho reflete a sua origem, sofrendo interferências
da região de cultivo, das práticas de manejo do solo e da planta — como
adubação e tratamentos fitossanitários —, do porta-enxerto e da variedade
de uva. Além disso, também interferem na composição mineral do vinho
o emprego de insumos com determinados minerais em sua composição, o
contato do vinho com matérias e equipamentos ao longo de sua elaboração
e as práticas que aumentam a extração desses compostos da casca, visto sua
riqueza em elementos minerais (GALGANO et al., 2008).
Quando consumido em quantidades moderadas diárias, o vinho pode
fornecer elementos essenciais ao organismo humano, como K, Mg, Ca, Co,
Fe, Cu, F, I, Mn, Ni, Mo, Zn (LARA et al., 2005). O potássio e o cálcio são
os minerais presentes em maior concentração, participando diretamente da
formação de sais de tartarato e bitartarato, que tendem a precipitar quando
expostos a uma condição de baixa temperatura, formando cristais e reduzindo
os teores de minerais e de acidez dos vinhos. Outros elementos, como cobre,
ferro, alumínio e zinco, também contribuem para a formação de precipi-
tados, causando efeitos nas características de cor, aroma e sabor do vinho
(RIBÉREAU-GAYON et al., 2006).
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Leituras recomendadas
BRASIL. Lei no. 10.970, de 12 de novembro de 2004, que altera a Lei nº 7.678, de 8 de
novembro de 1988, que dispõe sobre a produção, circulação e comercialização do
vinho e derivados da uva e do vinho, e dá outras providências. Diário Oficial da União, 16
nov. 2004. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/
Lei/L10.970.htm. Acesso em: 5 dez. 2019.
FOODCHAIN ID. PDO PGU & TSG. [201–]. Disponível em: https://www.foodchainid.com/
certification/pt-br/pdo-pgi-tsg/. Acesso em: 5 dez. 2019.
ROMANO, R. G. et al. Ecoenogastronomia: sustentabilidade e resgate cultural na pro-
dução de vinhos na Serra Gaúcha, Brasil. Ágora, v. 21, n. 1, p. 93–105, 2019. Disponível
em: https://online.unisc.br/seer/index.php/agora/article/view/12895/8121. Acesso
em: 5 dez. 2019.
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