Colônia Maria Custódia
Colônia Maria Custódia
Colônia Maria Custódia
Juiz de Fora
2016
Sérgio Luiz Milagre Júnior
Juiz de Fora
2016
Sérgio Luiz Milagre Júnior
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Orientadora: Prof.ª Dr.ª Cláudia Maria Ribeiro Viscardi
Universidade Federal de Juiz de Fora
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Mônica Ribeiro de Oliveira
Universidade Federal de Juiz de Fora
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Deivy Ferreira Carneiro
Universidade Federal de Uberlândia
AGRADECIMENTOS
Não raras vezes escutei que o ofício do historiador é solitário. Sem dúvida, passei bons
momentos enfurnados nos arquivos em busca de leitura e tratamento das minhas fontes.
Todavia, mais interessantes ainda foram as discussões, orientações e desabafos durante estes
dois anos de trabalho com pessoas que não poderiam passar desapercebidas.
Inicio os meus agradecimentos pelos meus pais, Roselaine e Sérgio. Ela, que com suas
palavras doces me acalentou nos momentos mais difíceis, e ele, que trouxe no seu jeito
enérgico meus maiores exemplos. Obrigado por acreditarem em mim.
Aos meus avós, Tito, Terezinha e Nininha, historiadores de vida, que escarafuncham o
passado em suas memórias e trazem ensinamentos impossíveis de obter em qualquer livro.
Aos meus irmãos, Monise e Matheus, amigos que a vida me deu e que se não o tivesse
feito, buscaria com todas as forças para encontrá-los. Obrigado por possibilitarem momentos
em família que só quem possui irmãos é capaz de imaginar.
À Lorena, que teve presença singular desde minha graduação, discutindo a
documentação, fazendo críticas e corrigindo a redação. Sua participação, companheirismo,
dedicação e amor contribuíram, sem dúvida, para a realização da dissertação.
Aos meus amigos, que trouxeram momentos de acalento quando mais precisei. Em
especial, agradeço a Gabriel Renault, Lucas Toledo e Mateus Mendonça, cuja atenção nas
conversas trouxeram ensinamentos importantes na minha formação pessoal e profissional.
Aos laços que construí na PUC-MG. Luizinho, Wislan e Tabatha, obrigado por
transformarem aqueles quatro anos em um período de eternas lembranças.
Aos companheiros do Programa de Pós-Graduação em História da UFJF – 2014.
Sou especialmente grato à Professora Dr.ª Cláudia Maria Ribeiro Viscardi pela
orientação competente e tranquila, pela indicação da bibliografia, bem como pela leitura
cuidadosa de cada capítulo dessa dissertação, chamando minha atenção para equívocos que
meus olhos ainda não estavam aptos para observar.
Aos Professores Drs. Mônica Ribeiro de Oliveira e a Deivy Ferreira Carneiro, pelas
indicações na qualificação e presenças na banca final. Compartilhar seus conhecimentos
comigo contribuiu de sobremaneira para que este trabalho tomasse este rumo.
À Professora Dr.ª Carla Simone Chamon, que me apresentou este tema pela primeira
vez, dando início à minha jornada acadêmica.
Nós vos pedimos com insistência:
Nunca digam “isso é natural”!
Diante dos acontecimentos de cada dia,
Numa época em que corre o sangue
Em que o arbitrário tem força de lei,
Em que a humanidade se desumaniza,
Não digam nunca: “isso é natural”,
A fim de que nada passe por imutável.
Bertold Brecht
RESUMO
A Colônia Correcional Dois Rios, a primeira do Brasil, foi fundada no ano de 1894, com o
objetivo de corrigir, utilizando o trabalho, os vadios e vagabundos que fossem encontrados no
Rio de Janeiro. A criação dessa colônia tinha duas funções principais: o combate à ociosidade
dos mais pobres e a reforma das prisões. Em Minas Gerais, seguindo a mesma tendência,
criou-se a Colônia Correcional Agrícola do Bom Destino (1895). Obviamente, essa instituição
teve influências do projeto que lhe deu origem; todavia, ela possuiu traços bem específicos
quanto a sua formulação e sua construção, e analisar esses traços constitui justamente o
objetivo da presente dissertação. A mudança da Capital e a construção de uma nova cidade
que pudesse integrar o fragmentado território de Minas Gerais, assim como os projetos de
imigração e a credibilidade dada ao imigrante no combate ao atraso material e moral
proporcionado pelo trabalhador nacional, em um contexto de certa autonomia dos estados
perante o federalismo republicano, fizeram com que a reforma penal mineira tomasse
contornos que a distinguia na repressão/correção feita aos vadios. Dessa maneira, a presente
dissertação busca analisar as ideias penais em torno das instituições prisionais durante o
período republicano e, para isso, utilizará as mensagens dos governantes de Minas Gerais e
Anais da Assembleia para entendermos o posicionamento da elite mineira no combate à
vadiagem. No que se refere à Colônia, utilizaremos os registros de matrícula, gastos e
funcionários, assim como os relatórios apresentados por seu diretor. As legislações vigentes,
entre elas o Código Penal (1890) e Constituição (1891), também auxiliarão nessa investida.
The “Colônia Correcional Dois Rios”, the first in Brazil, was founded in 1894, with the aim
of correcting, using the work, vagrants and vagabonds who were found in Rio de Janeiro. The
creation of this colony had two main functions: the fight against idleness of the poorest and
prison reform. In Minas Gerais, following the same trend, he created the “Colônia Correcional
Agrícola do Bom Destino” (1895). Obviously, this institution had influences of the project
that gave rise to it; however, it had very specific traits as its design and construction, and
analyze these traits is precisely the objective of this dissertation. The change in the capital and
the construction of a new city that could integrate the fragmented state of Minas Gerais, as
well as immigration projects and the credibility given to the immigrant in combating delay
moral and material provided by the national worker, in a certain context autonomy of states to
the republican federalism, made mining penal reform took contours that distinguished the
repression / correction made to stray. Thus, this thesis seeks to analyze criminal ideas around
the prisons during the Republican period and, therefore, use the messages of the Minas Gerais
government and the Assembly Proceedings to understand the positioning of the mining elite
in combating truancy. In addition, we will review the police chief reports and how they were
proposed to build correctional facilities. As regards to Colônia Bom Destino, we will use the
registration records, expenses and staff, as well as reports submitted by its director. The
existing laws, including the Penal Code (1890) and the Constitution (1891), will also help in
this investee.
Figura 1 – Charge do jornal O Malho sobre a Colônia Correcional Dois Rios (RJ) ............. 18
Figura 2 – Colônia Correcional Dois Rios (Ilha Grande – RJ) ............................................. 71
Figura 3 – Colônia Correcional Ilha dos Porcos (SP) .......................................................... 72
Figura 4 – Croqui do Núcleo Colonial Maria Custódia ........................................................ 98
Figura 5 – Colônia Correcional Agrícola do Bom Destino (Sabará – MG) ........................ 104
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Distribuição das competências na jurisdição criminal com a Lei n.º 261 de
1841 .................................................................................................................. 42
Tabela 2 – Distribuição das competências na jurisdição criminal com a Lei 2.033 de
1871 .................................................................................................................. 42
Tabela 3 – A vadiagem ao longo do tempo ........................................................................... 56
Tabela 4 – Vencimentos dos funcionários da Colônia Correcional Agrícola ...................... 140
Tabela 5 – Alimentação dos presos na Colônia Correcional do Bom Destino .................... 149
Tabela 6 – Número de colonos por região .......................................................................... 154
Tabela 7 – Classificação dos detentos por cor (1896-1901) ................................................ 158
LISTA DE GRÁFICOS
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 13
1 INTRODUÇÃO
1
Criada pela lei mineira n.º 141 de 1895, regulamentada pelo decreto n.º 858 do mesmo ano e em pleno
funcionamento em 1896, vigorando até o ano de 1901.
2
Para os fins que se destinam ele trabalho, entendemos como assistência pública um vasto e abrangente leque de
ações, às quais se atribuía um caráter público – desde o cuidado à infância e à maternidade, até a velhice,
loucura, mendicidade e vadiagem – que envolvia um conjunto de instituições públicas e privadas, laicas e
religiosas – hospitais, asilos, orfanatos, colônias, hospícios – cujos limites de atuação eram tênues e permeáveis,
muitas vezes podendo ser confundidos com repressão.
14
na Capital Federal, trazendo, dentre outras mudanças, novas atribuições ao chefe de polícia,
delegados e subdelegados. Todavia, para o ministro de estado da justiça e negócios interiores,
Fernando Lobo, ainda não estaria completa a reforma policial, “pois se acentuava, de modo
cada vez mais imperioso, a urgente necessidade da criação de colônias correcionais, onde os
indivíduos, que procuram na mendicidade e no roubo os meios de subsistência, encontrem
acolhimento seguro e regenerador”.3
No mesmo sentido, o secretário dos negócios da justiça, no dia 25 de julho de 1892,
apresentou na Câmara dos Deputados um ofício no qual o chefe de polícia, criticando a
vadiagem como uma das causas para a progressão sempre crescente dos delitos contra a vida e
contra a propriedade dos cidadãos, “propunha a criação de uma colônia agrícola correcional
no território da Fazenda da Boa Vista, no município da Paraíba do Sul, estado do Rio de
Janeiro”.4
Foi com base nesses argumentos que a Comissão de Constituição, Legislação e Justiça
da Câmara, afirmou, no mês seguinte:
3
LOBO, Fernando. Relatório apresentado ao vice-presidente da República por Fernando Lobo ministro de
Estado da Justiça e Negócios Interiores. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1893, p. 35.
4
CONGRESSO NACIONAL. Anais da Câmara dos Deputados. 25 de Julho de 1892. Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional, 1892.
5
Idem.
6
BRASIL. Decreto Legislativo n.º 145, de 11 de julho de 1893. Coleção de Leis do Brasil - 1893. Vol. 1, pt I
(Publicação Original), p.15.
15
exemplo, essa questão foi trazida pelo deputado Bueno Brandão, autodidata nas questões
jurídicas e rábula de profissão, que submeteu à Assembleia Legislativa o projeto que ensejou
na Lei n.º 141, de 20 de julho de 18957, que criava colônias correcionais agrícolas.
Segundo o deputado Brandão, eram notáveis as vantagens advindas com
estabelecimentos de tal natureza, pois atuariam na prevenção dos crimes, evitando que os
vadios, pela sua ociosidade, e vagabundos, pela sua itinerância, pudessem se enveredar no
furto ou em outro delito mais grave. Além disso, alegava que esse projeto trazia semelhanças
com as reformas e limpezas urbanas, uma vez que tirariam das ruas os elementos nocivos
capazes de atrapalhar o movimento social rumo à civilização.8
Além dessa limpeza urbana, Brandão entendia que, com a correção pelo trabalho,
acabariam ressocializando o infrator, formando, como resultado, uma mão de obra, que antes
se mostrava ociosa, útil e produtiva para a sociedade. Tal correção pelo trabalho não foi
aleatória e acabou se pautando em uma racionalização das técnicas agropecuárias e
diversificação das culturas a fim de permitir alternativas à cafeicultura. A grande vantagem
nisso era a de que a polícia não precisaria mais lançar mão de uma investida arbitrária e
repressiva, pois estaria amparada por um regimento correcional capaz de auxiliar e balizar
suas ações.9
As colônias correcionais refletiram, por meio de uma ação contra os vadios, a
materialização de ideias sobre diversos tipos de modernização buscados com a República
brasileira. Correlacionavam, em uma mesma instituição, aspectos da reforma urbana (limpeza
das ruas, em especial da nova capital), penal (reforma das prisões, correção dos vadios e
policiamento menos violento, mais sutil e vigilante) e agrícola (formação de mão de obra para
a lavoura, afetada pela falta de braços e pela carência na modernização dos métodos e da
7
MINAS GERAIS. Lei n.º 141, de 20 de julho de 1895. Cria colônias correcionais agrícolas no estado. Coleção
das leis e decretos do estado de Minas Gerais - 1895. Minas Gerais, 1895. – Todas as leis e decretos referentes
à Colônia Correcional são encontrados no setor de Pesquisa e Documentação da Assembleia Legislativa de
Minas Gerais.
8
Em meados do século XIX e início do século XX, chegava ao Brasil, mediante reapropriações e
reinterpretações, um novo ideal com propostas que residiam na defesa da saúde pública. Convencionou-se
chamá-lo de “movimento higienista” (SOARES, 1990) ou “movimento sanitarista” (HOCHMAN, 1996), cujo
ponto principal era a valorização da população como um bem, como um capital, como um recurso principal da
nação, e que via nas cidades urbanizadas uma necessidade de mostrar o avanço da cultura higienizada. Nesse
sentido, embora reconheçamos que o movimento higienista (ou sanitarista) não era homogêneo e tampouco se
restringia à campanha policial contra cortiços e outras habitações insalubres, para o fim que se propõe esta
dissertação, cabe o entendimento de que aquela política buscava o estabelecimento de normas e hábitos corporais
para conservar e aprimorar a saúde coletiva e individual, bem como evitar a propagação de doenças e outros
males que podiam assolar, movimentos esses que estavam em consonância com o republicanismo da época.
9
BRANDÃO, Júlio Bueno. 12ª sessão ordinária de 10 de maio de 1894. Anais da Câmara dos Deputados.
Quarta legislatura. Imprensa Oficial de Minas: Ouro Preto, 1894, p. 48.
16
técnica laboral). As autoridades entendiam que essas interações seriam capazes de concretizar
as ideias de “ordem e progresso” trazidas com o novo regime político.
Todos esses pronunciamentos mostram faces do discurso referente à pobreza e às
formas de enfrentá-la, muitas das quais viam na mendicidade e na vadiagem os principais
transtornos. Dentro do Código Penal de 1890, diversas contravenções estavam previstas no
Livro III; porém, uma delas incomodava mais as autoridades brasileiras, justamente aquela
que tutelava o trabalho e reprimia os que não queriam praticá-lo: os vadios.
Para Martins (2011, p. 16), no sentido jurídico do termo, pobre era aquele “cuja
situação econômica não lhe permitia pagar as custas do processo e os honorários do
advogado, sem prejuízo do próprio sustento da família”. Todavia, continua o autor, os
acusados de crime de vadiagem geralmente estavam bem abaixo do nível de pobreza sobre o
qual a lei se referia.
O vadio era aquele “que não tinha domicílio certo, errante, vagabundo, ocioso,
tunante, inconstante, que não tinha modo de vida conhecido ou decente, nem ofício ou
profissão”.10 Em termos gerais, era o pobre, com situação econômica precária, que sobrevivia
à margem, valendo-se de uma economia informal, da mendicância e afins, modos esses vistos
como “indecentes” pelas elites políticas. Diferentemente dos indigentes (“pobres meritórios”),
que eram miseráveis por razões além de suas vontades, os vadios (“pobre não meritórios”) o
eram por sua escolha de não trabalhar. Aqueles, dignos de toda ajuda possível; a esses,
desmerecedores de assistência, só caberia a punição por sua preguiça (GEREMEK, 1995).
O crescimento demográfico, a complexidade da estrutura social, a lenta
industrialização, entre outros fatores, avolumaram a pauperização, que não podia mais ser
tratada apenas com esmola, configurando um problema ao qual o Estado não podia
permanecer indiferente. Desse modo, a partir do momento em que a pobreza, em especial a
“não meritória”, passou a ser vista como um problema pelas autoridades, diversas ações foram
implementadas para combatê-la. Partindo de iniciativas diversas, com proclamados objetivos
comuns – no sentido da ordem e do controle social, da higiene e saúde pública, da economia e
do atendimento ao mercado de trabalho, da ética e dos bons costumes, da limpeza e estética
com que se apresentava a cidade, da disciplina e da segurança públicas, das ideias
compassadas com a filantropia e o assistencialismo –, percebe-se que, enquanto a definição do
10
VALENTE, Antônio Lopes dos Santos. Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa. 1911, v. II, p.
1838).
17
que era ser pobre envolvia uma questão econômica, o combate a ela, não, fundamentando-se
em argumentos morais, étnicos e culturais diversos.11
Transformava-se uma “questão social” em “caso de polícia”, e a noção de “classes
perigosas” produzia o estigma sobre aqueles pobres despossuídos do trabalho, principalmente
os que apresentassem qualquer comportamento que expressasse rebeldia.12 Aos vadios, além
das penas tradicionais, foram implementadas algumas “medidas de segurança”. Elas
traduziam, em sua essência, a ideia de providência, precaução, cautela, característica especial
de cuidados de alguém para evitar determinado mal, e teriam a finalidade de reintegração
social de um indivíduo considerado perigoso para a sociedade, punindo-o não pelo que ele
fez, mas pelo que ele era, com uma natureza eminentemente preventiva. Em outras palavras,
fundamentava-se a punição não pela culpabilidade, mas pela periculosidade que esse
indivíduo emanava (juízo de probabilidade de que o agente pudesse delinquir).
Muitas vezes com o cunho pedagógico, político e social, essas penas eram cumpridas
em “instituições exemplares”13 capazes de transformar positivamente os detentos; vale dizer,
transformá-los em trabalhadores. Foi nesse sentido que “se combinavam, então, a assistência
aos necessitados incapazes (indigentes) e a repressão policial violenta contra os indivíduos
tidos como vagabundos”, que constituíram os primeiros ensaios às expressões multifacetadas
da questão social por parte do nascente estado capitalista no Brasil (LEITE, 2008, p. 214).
Certo é que a vigência da escravidão até os últimos anos do século XIX alterou
profundamente a política de combate à vadiagem, tendo como uma das consequências a tardia
implantação dessas “instituições exemplares” no território, tais como as colônias correcionais.
Todavia, com o nascer do novo século, poucos anos após a abolição e a proclamação da
República, fundou-se, nas mediações da recém-criada Belo Horizonte, a Colônia Correcional
Agrícola do Bom Destino, símbolo da renovação do combate aos indivíduos que insistiam em
viver do não trabalho, ameaçando a ordem pública pela possibilidade de cometerem crimes
para a subsistência pessoal.
11
Chalhoub (1986, p. 48) analisar o processo de construção de uma nova ideologia do trabalho na passagem do
século XIX para o XX. Para o autor, “era necessário que o conceito de trabalho ganhasse uma valorização
positiva, articulando-se então com conceitos vizinhos, como os de ‘ordem’ e ‘progresso’, para impulsionar o país
no sentido do ‘novo’, da ‘civilização’, isto é, no sentido da constituição de uma ordem social burguesa. O
conceito de trabalho se erige, então, no princípio regulador da sociedade, conceito este que aos poucos se reveste
de roupagem dignificadora e civilizadora”.
12
Por exemplo, na França, nos Estados Unidos, na Argentina e principalmente no Brasil “a maior parte dos
indivíduos encaminhados às penitenciárias configurava uma parcela da população deixada à margem dos direitos
sociais recém-adquiridos pelos cidadãos [...] as ‘classes perigosas’ foram perseguidas pelas instituições da ordem
e por ela confinadas” (SANTOS, 2009, p. 65).
13
Outras instituições exemplares podem ser pensadas, tais como os asilos para os inválidos, os liceus de artes e
ofícios, as sociedades de São Vicente de Paula e a Santa Casa.
18
Figura 1 – Charge do jornal O Malho sobre a Colônia Correcional Dois Rios (RJ)
A figura 1 foi retirada da revista “O Malho” no ano de 1903. Essa revista circulou
pelas ruas do Rio de Janeiro por mais de meio século e ficou famosa por suas charges e
caricaturas que ironizavam a política nacional. Em uma série de sátiras sobre o assunto, os
redatores mostravam com ironia os propósitos de recuperar e civilizar os malandros da cidade.
Segundo Santos (2009, p. 134), “a opinião pública, formada por segmentos médios da
população, considerava a criação de colônias correcionais como um desperdício, um hotel de
luxo para os malandros”, razão pela qual não refletiam os discursos que justificavam suas
criações.
Os discursos jurídicos e as práticas contra a parcela pobre da população, diferente do
que se previa, mostraram-se muitas vezes violentas e truculentas, embora amparadas na
tentativa de estabelecimento da ordem pública. Ocorre que essa busca incessante por uma
segurança infalível foi feita de maneira unilateral e sem qualquer participação dos próprios
afetados por essas ações, e não raro sobrepujou direitos individuais de liberdade e de não
trabalho, argumentando, para isso, um princípio utilitarista de bem comum, em que nenhum
indivíduo poderia se dar ao luxo de viver às custas do Estado sem nada produzir à sociedade.
Nesse sentido, ainda que desejável, a prática de correção e educação na Colônia se mostrou
distorcida do ideal pensado na legislação, razão pela qual teve uma efêmera duração de sete
anos.
***
14
Reconhecemos a impossibilidade em homogeneizar os diversos teóricos de caráter marxista em um único
“cesto”. Todavia, para os fins propostos, basta reconhecermos que, em que pese a existência ou não de uma
autonomia relativa diante das classes sociais, os marxistas reconhecem que o Estado apresenta um caráter
classista, intervindo com o objetivo de manter a dominação existentes e as relações de produção dadas. Nesse
sentido, dentro do que Marx chama de “acumulação primitiva”, o novo sistema que se configurava carecia de
trabalhadores, sim, mas que tivessem disciplina necessária para o trabalho assalariado.
20
Weber talvez seja o maior expoente dessa vertente. Para o autor, o estado se constitui
por “uma empresa com caráter de instituição política quando e na medida em que seu quadro
administrativo reivindica com êxito o monopólio legítimo da coação física para realizar as
ordens vigentes” (WEBER, 1999, p. 34). Nesses termos, destaca-se o fato de que o corpo
policial teve um papel fundamental nessa constituição, uma vez que era o órgão responsável
pela proteção dos direitos, repressão dos delinquentes e prevenção de novos delitos, ou seja,
era o braço direto do estado no uso do monopólio legítimo do uso da força definindo o liame
entre o que se considerava uma infração penal ou não. A legitimidade da violência, por sua
vez, baseava-se em padrões morais e éticos considerados adequados ou aceitáveis na
condução do governo, bem como nas leis, em uma força policial (interna) e na guerra
(externa) e em uma administração racional que lhe permitiria intervir em diversos domínios.
Norbert Elias (1994), seguindo alguns passos de Weber, afirmava que a formação do
Estado era uma lenta e contínua construção do monopólio da violência por meio de um
processo civilizador de centralização administrativa, fiscal, burocrática, política e afins. Esse
processo de monopolização chegou a tal proporção que alguns senhores rivais perceberam
que seria mais vantajoso renunciar ao uso da violência em prol de uma rede de proteção
baseada na corte e na burocratização da gestão administrativa e fiscal do nascente Estado.
Nesse sentido, por meio dessa organização interna das sociedades, pressionavam-se os
indivíduos a conviver pacificamente, e essa pressão agiu diretamente na transformação dos
seus comportamentos, criando o que Elias chamou de controle social.15 Para Brandão,
Vale destacar que, à medida que o processo civilizador evoluía, o nível de controle das
emoções crescia. Houve a transformação de alguns costumes, entre eles os de uso do garfo e
da faca à mesa, de mudanças de atitude em relação às funções corporais e aos sexos, de
hábitos, como os de assoar-se e de escarrar, também às mudanças em relação à agressividade,
dentre as quais se inseria as punições. Com essa tentativa de internalização e autocontrole das
15
Ressalta-se que Elias se preocupa em afirmar que o advento desta nova ordem não quer dizer que ela tenha
sido “planejada” por pessoas isoladas no passado. O sociólogo alemão refuta a ideia de que graduais medidas
conscientes, “racionais” e deliberadas tenham sido responsáveis por tal mudança.
21
É nessa toada que apresentamos, também, ainda que com ressalvas16, a teoria de
Foucault. Em especial na última parte de seu livro Vigiar e Punir, o autor trabalhou a questão
16
Foucault (2014) mostra que a prisão é banhada em um aparente paradoxo. Apesar de ter sido considerada um
fracasso desde o seu aparecimento, sempre mostrou uma renitente persistência. Assim, o autor questiona: “o
pretenso fracasso não faria então parte do funcionamento da prisão?” A partir daí, ele se empenha em demonstrar
como a prisão, ao reproduzir delinquentes em vez de recuperá-los, na verdade, produz uma espécie de mundo o
crime que, em oposição à boa sociedade, vai servir de álibi para a manutenção e o incremento da repressão que
mantém o sistema em funcionamento. Entendo, porém, que tal característica deve ser vista com ressalvas, uma
vez que essa visão tende a levar a instituição das prisões e correção dos delinquentes a um ponto de vista
exclusivamente do controle social e manutenção do poder, deixando de lado algumas variáveis que também
devem ser avaliadas, tais como a assistência pública que se desenvolvia à época, a preocupação com a pobreza e
a real tentativa de prevenção da criminalidade. Ademais, é preciso ter em mente que a análise de Foucault sobre
a questão ao poder é o resultado de investigações delimitadas e circunscritas ao contexto francês, que não podem
e não devem ser aplicadas indistintamente sobre novos objetos.
22
Nesse sentido, deixamos claro que a questão da discipinarização deve ser trabalhada
por um viés analítico, cuja análise perpasse os diversos ângulos sem que necessariamente um
resultado anule o outro. Por isso, salientamos que as “mecânicas do poder” não suplantam a
“ação” do sujeito histórico, especialmente no caso dos detentos. O ambiente prisional,
portanto, será tratado aqui como uma interação entre presos, funcionários, diretores e outros
atores, fazendo da Colônia Correcional uma instituição complexa, e não só como uma
engrenagem das elites para efetivar o controle social das massas indisciplinadas.
É por isso que nos valemos da ideia de “experiência”17 (histórica e cultural)
sistematizada em Thompson (1981), permitindo sair da armadilha do estruturalismo
althusseriano (e foucaultiano), que tendia a desconsiderar o papel dos sujeitos na história,
provocando uma desvinculação entre a superestrutura cultural e a estrutura econômica
material.18 Para o historiador inglês,
17
Não é objetivo do presente trabalho a abordagem do conceito de experiência em Thompson. São vários os
comentadores que discutem de maneiras diferentes tal termo. Para maiores detalhes, ver: NICOLAZZI (2004).
18
Mesmo reivindicando o lugar da “experiência” na história como saída para a “armadilha do estruturalismo”,
Thompson não estava proclamando uma espécie de “empiricismo”. Pelo contrário, o procedimento adequado
para o trabalho com materiais históricos, dizia Thompson, pressuporia um método que articulasse o diálogo
permanente entre teoria e prática, entre hipóteses e evidências, compondo uma espécie de “dialética do
conhecimento histórico” (SENA-JÚNIOR, 2004).
23
não como sujeitos autônomos, ‘indivíduos livres’, mas como pessoas que
experimentam suas situações e relações produtivas determinadas como
necessidades e interesses e como antagonismos, e em seguida ‘tratam’ essa
experiência em sua consciência e sua cultura [...] e em seguida [...] agem,
por sua vez, sobre a situação determinada. (THOMPSON, 1981, p. 182)
Embora sejam leituras bem diferentes, entendo que esses autores conseguem trazer
uma visão da sociedade burguesa nascente que é fundamental para entendermos a transição de
uma punição supliciante para outra pautada na correção. Não só controle social sobre os
vadios e vagabundos, mas uma prevenção criminal e assistência social desses indivíduos. Isso
porque a criação de colônias correcionais estava inserida em um processo muito mais amplo
de reformulação do poder policial, menos violento, mais disciplinar, vigilante e sutil, capaz de
associar à pena um caráter punitivo, correcional e assistencial. Eram ideias que transcendiam
a própria proposta da Colônia Correcional Agrícola do Bom Destino. Eram práticas que se
associavam com outras modernizações, urbanas, penais e agrícolas, por meio de uma
produção de consciência nacional que se materializava na máxima “ordem e progresso” com
vistas à transformação do indivíduo em prol da sociedade.
Nesse sentido, cabem as análises de Foucault (2014) sobre o exercício do poder, a
constituição dos saberes e a transição de uma punição do corpo para a alma, bem como o
processo de racionalização do estado apresentado por Elias (1994) e a experiência dos sujeitos
históricos de Thompson (1998). Relativizaremos a ideia de que a punição pelo trabalho era
exclusivamente uma nova forma de controle social para angariar braços para o mercado
capitalista nascente. Acreditamos que ela também trazia em si múltiplos significados, em
especial a preocupação do próprio Estado com a pobreza e as formas de enfrentá-la. Não
qualquer enfrentamento, mas um que conseguisse associar repressão e assistência em uma
mesma sanção; prevenção, repressão e correção em uma mesma instituição.
24
19
Na Inglaterra, as “workhouses” constituíram-se de casas de correção para vadios; as “poorhouses” destinavam-
se à assistência à mendicidade inapta. O combate à vadiagem implicou a mesma distinção na região da
Alemanha, entre ‘arbeithaus’ e ‘zuchthaus’. Na França, as casas de correção derivam do modelo institucional
dos “hospitaux généraux”, fundadas em Paris no ano de 1656. [...] Na Inglaterra, o ‘Bridewell’, fundado em
1555, em Londres, foi a primeira instituição criada para liberar as cidades de vagabundos e mendigos (NEDER,
2009, p. 86).
25
***
Conforme se percebe, esta dissertação tem como tema geral de pesquisa a história das
prisões. Seu interesse recai nas múltiplas implicações que essa instituição, pensada
inicialmente para conter os desviantes sociais, pode ter com outros elementos, tais como:
reformas urbanas e agrícolas, modernização, formação de mão de obra, processo civilizatório,
entre outros.
Nossas atividades sobre o assunto tiveram início quando atuei como bolsista de
Iniciação Científica (PIBIC/CNPq) no projeto “História da Escolarização do Ensino de
Ofícios em Minas Gerais 1850-1950”, realizado pelo Núcleo de Estudos de Memória, História
e Espaço (NEMHE), no CEFET-MG. Sob orientação da Prof.ª Dr.ª Carla Simone Chamon, a
proposta tinha como objetivo principal reconstruir a história da escolarização dos ofícios e
profissões industrial-manufatureiras em Minas Gerais, entre o século XIX e meados do XX.
Com isso, buscava-se compreender o processo de submissão dos saberes profissionais ao
imperativo escolar e as dimensões e implicações dessa escolarização para o trabalho. Entre os
exemplos desses estabelecimentos responsáveis pela escolarização de ofícios, destacavam-se
as escolas de aprendizes e artífices, os asilos para menores, as casas de misericórdia e, porque
não, as colônias correcionais. Foi então o primeiro contato com o meu objeto de estudo.
Finalizada a pesquisa, continuei os estudos no tema quando apresentei a monografia
de conclusão de curso de bacharel em História pela PUC-Minas, sob orientação da Prof.ª Júlia
Calvo e acompanhamento do Prof. Dr. Caio Boschi. À época, analisei como a Colônia
Correcional Agrícola do Bom Destino se apropriou do discurso disciplinar-pedagógico para
transformar os vadios em trabalhadores, inserindo-os em um espaço que não era só prisional,
mas, sim, educacional, mesmo que fora dos limites da escola. Concluiu-se que essa instituição
20
MINAS GERAIS. Lei n.º 141, de 20 de julho de 1895. Cria colônias correcionais agrícolas no estado. Coleção
das leis e decretos do estado de Minas Gerais - 1895. Minas Gerais, 1895.
26
Maia et al (2009, p. 21), por meio de uma compilação de textos no livro História das prisões
no Brasil, afirma que “a produção historiográfica brasileira sobre prisões ainda está em fase
de consolidação”, necessitando, assim, de maiores estudos.
A própria conceituação do termo “colônia correcional” é indeterminada. Entre os
trabalhos analisados (apresentados a seguir), diversas são as denominações apresentadas:
“prisões”, “penitenciárias”, “casas de correção”, “casas de correção e trabalho”, “colônias
correcionais agrícolas”, entre outras. Dessa forma, uma das aspirações do presente projeto é
delimitar melhor esses conceitos proferidos predominantemente pela elite governamental,
valorizando não os conceitos taxativos, mas as diversas discussões que permearam os
discursos sobre o tema.21 Conhecer a prisão é, portanto, compreender uma parte significativa
dos sistemas normativos da sociedade.
Sob a ótica brasileira, os principais estudos sobre o tema estão centrados no eixo Rio–
São Paulo22, destacando-se, entre eles, o trabalho de Fernando Salla (2006). Para ele, era tal a
importância econômica e política dessas regiões, que elas serviam, muitas vezes, como caixa
de ressonância para outros lugares, mesmo em meio aos cenários dantescos que as cadeias ao
longo do país exibiam. As Casas de Correção do Rio de Janeiro e São Paulo, na verdade,
continuaram a servir “de depósitos, melhor construídos e mais organizados, para um variado
leque de indivíduos que lá eram recolhidos, envolvendo não só os condenados propriamente à
pena de prisão com trabalho, mas também vadios, menores, órfãos, escravos e africanos
‘livres’”. (Idem, p. 66)
Especificamente no Rio de Janeiro, sobressaem-se os estudos de Araújo (2009) e
Sant’anna (2002), que, mesmo tratando de períodos anteriores ao estudado nesta dissertação,
abordam temas relacionados. Este, envolvendo as demandas e críticas feitas em torno da
implantação e do funcionamento do modelo de prisão moderna na cidade brasileira, em
particular, a carioca. Aquele, fornecendo uma história institucional e dos trabalhadores que
ergueram o primeiro complexo prisional do país. Em ambos, a conclusão é a de que, mesmo
com a reforma penitenciária, o cotidiano das prisões continuava representando um
autoritarismo e desleixo do governo em relação às classes pobres.
Alargando o campo de visibilidade, importa-nos a dissertação de mestrado de Silva
(1996), que aborda a Casa de Correção de Porto Alegre. O autor ressalta que a instituição foi
21
Para a análise desses conceitos, não se pretende, tal como apresentou Koselleck (2006), fazer uma “história
dos conceitos” ou “encontrar a raiz fundadora” das prisões. Almeja-se, tão somente, saber a partir de quando tais
conceitos passam a ser utilizados de forma rigorosa como indicadores de transformações políticas e sociais de
profundidade histórica.
22
Ver trabalhos de SALLA (2006), SANT’ANNA (2002), ARAÚJO (2009) e SANTOS (2006).
29
feita no momento da reforma prisional no Brasil, aos moldes europeus, inserindo-se nos
padrões das “nações civilizadas”, mas adaptando-se nos arquétipos do Velho Mundo para as
necessidades brasileiras do século XIX. Para ele, não havia mera cópia estrangeira, mas uma
tentativa de adaptação às especificidades locais.
Além dos trabalhos acima citados, foram defendidas outras duas dissertações sobre as
tentativas de mudanças do paradigma punitivo no século XIX, nas quais a prisão com pena de
trabalho tornou-se o espaço de excelência para tais estudos em Pernambuco
(ALBUQUERQUE-NETO, 2008) e na Bahia (TRINDADE, 2007).
No caso pernambucano, as discussões para a construção de uma prisão nos moldes
“civilizados” tiveram início em 1836, mas não avançaram muito. O autor concluiu que as
discussões feitas para a criação da penitenciária ocorreram durante a administração
conservadora e que, no período de governo liberal, pouco se mencionavam sobre tal
instituição, assim, a demanda das prisões e sua importância na malha do controle social
faziam parte da agenda conservadora.
Já Trindade (2007), ao analisar as disputas entre os diferentes grupos da elite baiana da
época em torno da instalação da Casa de Prisão com Trabalho (1833-1865), afirma que,
mesmo com a inauguração dessa instituição, muitas das práticas continuaram a reproduzir
ideais do antigo regime, desde a aglomeração de presos até tortura. Para a autora, apesar dessa
permanência, não lhe coube julgar o fracasso da reforma penitenciária na Bahia. Ao invés de
malogro, prefere abordar a questão como “uma adaptação aos interesses locais, como ocorreu
com todas as outras ideias e reformas liberais no Brasil oitocentista” (Idem, p. 157).
Dentre todas as referências, nota-se uma ausência de estudos sobre penitenciárias
mineiras. Silva (2006) foi a única autora que se comprometeu a aprofundar nos estudos sobre
as prisões no período. A autora analisou os discursos dos representantes políticos e jurídicos
sobre os vadios no período republicano e constatou que o resultado entre a suposta crise de
mão de obra em Minas Gerais e a recente abolição da escravidão levou ao processo de
estigmatização do livre (pobre) mineiro como sinônimo de vadio. Para ela,
O discurso sobre o vadio foi o objeto principal de sua pesquisa. Porém, ela
compreendeu que esse discurso e a prática repressiva a ele vinculado eram indissociáveis, ou
seja, ambos “serviam como base na construção da visão da sociedade mineira sobre o
conceito de vadio e as repercussões desses para a institucionalização de mecanismos de
controle social” (Idem, p. 5). É nesse sentido que a autora buscou, também, verificar o
funcionamento dos mecanismos de controle implantados, em Minas Gerais, entre 1890 e
1940. Especificamente, voltou sua atenção para o processo de criação de colônias correcionais
agrícolas, onde o vadio teria o trabalho como punição e a punição como trabalho. Mais do que
isso, a aceitação desses estabelecimentos reforçaria a ideia de que o progresso estaria no
espaço urbano, já o atraso e a preguiça, no espaço rural.23 Nas palavras da autora,
Nossa investigação, por sua vez, visa dar maior lucidez ao caminho já iniciado pelos
pesquisadores supracitados. Ao verificar o processo de construção do crime de vadiagem e
das formas de punição implantadas em Minas Gerais, notamos que um vasto campo de
pesquisa surgia, ainda pouco explorado pelos historiadores do período. Por conta disso,
conforme já mostramos, decidimos analisar especificamente a instituição, suas instalações,
seu cotidiano e funcionamento e contrastar isso à teoria pregada. Nosso intuito é perceber as
interfaces existentes nas propostas penais e práticas prisionais e como elas se relacionavam
com o mercado e mundo do trabalho na virada do século XIX para o XX.
A Colônia Correcional Agrícola do Bom Destino, para além dos aspectos econômicos
e sociais que justificaram sua criação, possuía interações mais complexas que geriram esse
processo de passagem para a modernidade prisional. Nem “controle social”, nem “uma classe
social em detrimento de outra”, entendemos que as colônias correcionais representavam um
23
Ela justifica isso pela expulsão dos vadios para o mundo rural. Eles eram mandados de centros urbanos, em
especial Belo Horizonte, Barbacena e Juiz de Fora, e enviados às zonas rurais onde foram instaladas as colônias.
No caso da Bom Destino, em Sabará.
31
24
Os autores ainda mostram que “parte da história penal do Império pode ser contada apontando para a pouca
aplicação efetiva da pena de prisão com trabalho e ao mesmo tempo para uma intensa utilização da pena de
galés, da prisão perpétua, especialmente para os escravos” (ALVAREZ, SALLA e SOUZA, 2003, p. 98). Para
isso, ver os trabalhos que tratam sobre as Casas de Correção: SALLA (2006), SILVA (1996), ARAÚJO (2009),
PESSOA (2000) e SANT’ANNA (2002).
32
***
Quanto às fontes, cabe destacar que os textos não são recipientes neutros de ideias e
fatos, pelo contrário, formam realidades estruturadas com finalidades próprias dependendo do
contexto. Destaca-se ainda que o historiador não é absolutamente neutro durante o trabalho
com as fontes, de forma que o passado, por meio da especificidade da documentação, traz ao
pesquisador vozes com as quais ele interage, colocando-o em contato com aspectos que
passam a integrar sua experiência, e com elementos vários que o reconstroem como sujeito na
investigação.
33
No caso das prisões, nossas fontes são predominantemente oficiais, e de outra forma
não poderia ser. Feitas para punir, mas também para reintegrar os delinquentes, as instituições
prisionais acabavam por excluí-los, fato também percebido na documentação analisada. Perrot
(1988) mostrou, por exemplo, que, por um lado, esses estabelecimentos recusavam dar a
palavra aos detentos, escondendo o escrito, quando não o destruindo, nos obscuros e
desordenados arquivos. Por outro lado, o analfabetismo acentuado da população carcerária
impossibilitava que eles pudessem deixar registros escritos de seu cotidiano.
Como consequência, tivemos de recorrer ao material disponível para a pesquisa, em
especial os relatórios dos chefes de polícia e do diretor da Colônia, bem como as discussões
legislativas sobre o tema, todos encontrados no Arquivo Público Mineiro, em Belo Horizonte.
Destacamos, porém, que não utilizamos esses discursos como se fossem socialmente eficazes.
Entendemos que, não raro, as informações contidas nem sempre se encaixavam com as
dinâmicas vividas ou, pelo menos, eram suavizadas em termos e expressões que minimizavam
o sofrimento das prisões, no que Goifman (1994, p. 28) chamou de “dialética entre a
transparência e a opacidade que articulava as relações de poder na prisão”.
A partir do conceito de representação de Chartier (1990), entendemos que o objeto
dela não é o real, mas refere-se às maneiras como os homens pensam, constroem, transpõem e
dão a ler a realidade. Assim, ao historiador pressupõe reconhecer as representações como
matrizes de discursos e práticas diferenciadas, perpassadas pelos interesses dos grupos que as
forjam. Nessa toada, ele também tem que assumir a tarefa de distinguir a realidade que
ressurge desses textos, fazendo a melhor leitura possível. Significa dizer que os agentes de
segurança nem sempre pautavam suas ações somente nos códigos penais e processuais penais,
razão pela qual a descrição da prática jurídica em textos forenses e científicos deve ser
analisada como um resultado de várias filtragens por fatores sociais, ideológicos e políticos.
Deve-se, por isso, perceber como se construiu uma ordem simbólica (os filtros) que
era apresentada pelos legisladores e juristas como vigente e legítima, assim como e de que
forma a realidade desviou dessa utopia legislativa.25 Precisa-se de uma abordagem mais
crítica da documentação para identificar o que foi omitido (o “não dito”), para que se
abandone a “frieza” das fontes oficiais em proveito de um contato mais próximo com o
mundo da delinquência. É importante ceder o lugar da história dos “vencedores” ao cotidiano
das prisões, pleno de cenários e acontecimentos (óbvio que isso será feito reconhecendo as
25
A carência de dados estatísticos e levantamentos sistemáticos e periódicos impede o conhecimento da efetiva
magnitude e extensão da impunidade nessa época. Por exemplo, crimes menores sequer eram investigados e,
quando eram, muitas vezes não se achavam os autores.
34
próprias limitações que as fontes nos oferecem para alcançar as interações sociais dos
colonos).
Se o cotidiano dos sujeitos-detentos dificilmente pode ser investigado apenas por meio
de regulamentos e mecanismo legais, o abandono sumário de tais parâmetros consiste também
em um equívoco, na medida em que permeiam de forma mais ou menos significativa as
relações entre a instituição e os presos. A prisão é, portanto, um palco de constante
negociação entre os regulamentos e os indivíduos, e por isso tentaremos extrair das fontes
mais do que a lógica que emerge dos fatos descritos, umas uma produção histórica por trás
dessa lógica. Seria uma grande ilusão achar que cada problema histórico fosse resolvido por
um único tipo de documento, específico para tal emprego. Mesmo não encontrando fontes que
demonstrem o código interno dos detentos, trataremos as fontes oficiais como um fato
histórico em si, um acontecimento que traz múltiplas relações de poder que o produziram, que
traz informações explícitas e outras implícitas, afinal, nada que chegou até nossa análise foi
arquivado inocentemente.
Para tal realização, o cruzamento de dados, portanto, é fundamental. Utilizaremos
outras fontes sobre a Colônia, tais como os livros de “Matrícula do Pessoal”, de “Receitas e
Despesas”, de “Caixa e de Créditos Referentes aos Presos Pobres”, bem como algumas
correspondências entre as autoridades, jornais e até mesmo cartas enviadas pelos presos com
pedido de indulto, todos também encontrados no Arquivo Público Mineiro. Fato é que, ao
afirmarmos a intenção de trabalhar as representações contidas nos discursos sobre a Colônia,
insistimos que pretendemos estudá-los articulados às condições históricas que os produziram.
Dizendo em outras palavras, estudaremos essas fontes enquanto prática discursiva e
buscaremos a sua relação com as práticas discursivas, vinculando a produção do discurso à
ação correspondente.
No segundo capítulo, denominado “A modernização penal nas discussões sobre as
colônias correcionais: os embates entre os defensores da ordem pública e os dos direitos
individuais”, trataremos dos principais argumentos que justificaram a criação de colônias
correcionais no Brasil. Prevenção da criminalidade, redução da violência, contenção de
crimes mais graves, relação com reformas urbanas e agrícolas, formação para mão de obra,
modernização penitenciária e policial e outros assuntos circundaram e influenciaram, de
alguma maneira, as propostas sobre os estabelecimentos correcionais. De certa forma, esse
projeto estava inserido dentro de uma reformulação do próprio serviço policial, que não
deveria ser mais pautado em arbitrariedades contra a liberdade individual dos cidadãos;
todavia, tampouco deveria deixar de conter os vadios, considerados por muitos como a “porta
35
26
A saber, tal definição bipartida foi adotada em outros códigos pelo mundo, tais como nos seguintes países:
Peru (1862), Suécia (1864), Dinamarca (1866), México (1871), Holanda (1881), Portugal (1886), Itália (1889)
entre outros. Especificamente no Código Penal Brasileiro, o art. 2º expunha que “a violação da lei penal consiste
em ação ou omissão; constitui crime ou contravenção”.
27
Eram denominados “crimes policiais” porque a ação policial tinha como atributo característico a prevenção
dos crimes mais graves e na luta pelos bens de interesse comum, ainda que para isso tivesse que limitar a
liberdade individual.
28
SIQUEIRA, Galdino. Direito Penal Brasileiro: segundo o Código Penal mandado executar pelo Decreto n.
847 de 1890 e leis que o modificaram ou complementaram, elucidados pela doutrina e jurisprudência (1872 –
fac-símile). Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2003, p. 50.
29
O Código Penal inaugurou uma divisão em sua disposição composta em Parte Geral e Parte Especial. Naquela,
eram descritos e explicitados os conceitos e as compreensões gerais sobre o direito penal, tais como aplicação da
lei, concurso de crimes, tentativa etc. Nessa, estavam presentes os crimes em espécie e as respectivas penas.
37
30
SIQUEIRA, Galdino. Direito Penal Brasileiro: segundo o Código Penal mandado executar pelo Decreto n.
847 de 1890 e leis que o modificaram ou complementaram, elucidados pela doutrina e jurisprudência (1872 –
fac-símile). Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2003, p. 55.
38
vadiagem, alegando que essa condenação era para os pobres, visto que os ricos, mesmo que
não trabalhassem, como apresentavam meio de subsistência, não eram penalizados.
No mesmo sentido, Santos informou que, no Brasil,
Na primeira metade do século XIX, duas leis marcaram a transição do sistema jurídico
penal colonial-português para uma administração da justiça que fosse efetivamente nacional:
40
1º) Tomar conhecimento das pessoas, que de novo vierem habitar no seu
Distrito, sendo desconhecidas, ou suspeitas; e conceder passaporte às
pessoas que requererem;
2º) Vigiar e providenciar, na forma das leis, sobretudo que pertence à
prevenção dos delitos e manutenção da segurança e tranquilidade públicas;
3º) Obrigar a assinar termo de bem viver aos vadios, mendigos, bêbados por
hábito, prostitutas, que perturbam o sossego público, aos turbulentos, que
por palavras, ou ações ofendem os bons costumes, a tranquilidade pública e
a paz das famílias;
4º) Obrigar a assinar termo de segurança aos legalmente suspeitos da
pretensão de cometer algum crime, podendo cominar neste caso, assim como
aos compreendidos no parágrafo antecedente, multa de até trinta mil réis,
prisão de até trinta dias, e três meses de Casa de Correão, ou oficinas
públicas;
5º) Proceder o Auto de Corpo de Delito, e formar a culpa dos delinquentes;
6º) Prender os culpados, no seu juízo ou em qualquer outro;
7º) Julgar: 1- as contravenções às posturas das Câmaras Municipais; 2- os
crimes a que não estejam impostas penas maiores que a multa de cem mil
réis, prisão, degredo ou desterro até seis meses com multa correspondente à
metade deste tempo, ou, sem ela, três meses de Casa de Correção, ou
oficinas públicas onde as houver;
8º) Conceder fiança, na forma das leis, aos réus que pronunciarem ou
prenderem.34
33
Os juízes de paz, eleitos entre o povo, só apreciavam os casos nos quais as penas eram leves, uma vez que os
mais graves eram de competência do conselho de jurados, presidido por juízes de direito.
34
BRASIL, Lei 261 de 3 de dezembro de 1841. Reformando o Código de Processo Criminal. Encontrado em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LIM/LIM261.htm. Acesso em 27 jan. 2016.
41
Percebe-se que o órgão policial passou a concentrar para si vários poderes, tendo
autonomia de desenvolver a persecução penal de alguns crimes praticamente sozinho. Podia
vigiar, obrigar a assinar os termos de bem viver e segurança, coletar provas, prender, se
necessário, conceder fiança e até mesmo julgar algumas contravenções. Era uma política
centralizadora e policializante, isso porque abandonou a persecução feita pelos juízes de paz
eleitos e a transferiu para os órgãos do Estado, especialmente para os chefes de polícia,
nomeados pelo Imperador. Esses, por sua vez, “seriam auxiliados por delegados para exercer
as funções dos juízes de paz, que passavam a ser de sua competência – daí a expressão
‘delegado de polícia’, vigente até hoje” (MENDES, 2008, p. 161).
Na segunda metade do século XIX, outra lei alterou a administração da justiça. A Lei
2.033 de 1871, fruto de uma proposta liberal, trouxe modificações significativas para o regime
policial, embora ainda mantivesse uma tendência conservadoramente centralizadora
(KOERNER, 1992, p. 95-96).35 A reforma Saião Lobato, como ficou conhecida, retirou da
Chefia de Polícia a jurisdição sobre julgamentos das contravenções das posturas municipais,
termos de segurança e de bem viver, atribuições que foram novamente transferidas para os
juízes de paz. Quanto aos crimes policiais, a competência também saiu das mãos das
autoridades policiais, dessa vez transmitidas aos juízes municipais. Assim, a alçada policial
voltou-se, exclusivamente, para a preparação do processo e fundamentação da propositura da
ação penal, sendo mantida sua autonomia nesses níveis.
À polícia, caberia proceder às diligências necessárias para verificação de crime,
produzindo tanto o inquérito quanto o exame de corpo delito36. Feito isso, deveria apresentar
aos representantes do Ministério Público que, se entendessem conveniente, ofereceriam uma
denúncia ao judiciário, cujo órgão era o único responsável pela apreciação das provas e
julgamento do caso, sem necessariamente ficar adstrito às evidências colhidas na fase pré-
processual. Ademais, à polícia seria dada a responsabilidade sobre as prisões preventivas.
Essas não eram necessariamente penas, mas medidas cautelares implementadas a fim de
garantir a ordem pública e econômica, bem como a assegurar a aplicação da lei penal e da
35
O autor ainda mostra que essa reforma estava inserida em uma estratégia mais ampla de abolição gradual da
escravidão (KORNER, 1992, p. 97). Para ele, “alguns elementos do próprio processo legislativo já indicam isso.
A reforma judiciária de 1871 foi a primeira (e única) alteração ampla da lei de 1841 e foi sancionada apenas oito
dias antes da Lei do Ventre Livre. Além disso, a distribuição dos votos na Câmara é idêntica nas duas leis, ou
seja, dos deputados presentes nas duas votações todos – exceto um, o Barão de Vila da Barra – votaram as duas
leis no mesmo sentido, aprovando o rejeitando ambas.”. Nesse sentido, mantiveram-se alguns mecanismos não
judiciais de controle sobre os trabalhadores livre e libertos.
36
Nessas diligências, a polícia investigaria as circunstâncias do crime, fazendo o exame do corpo de delito
direto, buscas e apreensão de instrumentos e documentos, inquirição de testemunhas, do réu e do ofendido e em
geral tudo o que fosse útil para esclarecimento do fato e das circunstâncias (KOERNER, 1992, p. 95).
42
devida investigação processual. Em outras palavras, era uma forma de garantir o cumprimento
da medida principal, ou seja, do processo penal de conhecimento. Começava-se a delinear a
justiça nos moldes que conhecemos hoje.37
As tabelas abaixo ilustram a comparação desses dois sistemas supracitados, trazendo
as competências dos policiais, juízes de paz e de direito nas posturas municipais, termos de
bem viver, crimes policiais e crimes comuns:
Tabela 1 – Distribuição das competências na jurisdição criminal com a Lei n.º 261 de 1841:
Posturas Municipais Termos de Segurança e Bem Crimes Policiais Crimes comuns
Viver
Processo Julgamento Processo Julgamento Processo Julgamento Formação de Pronúncia
Culpa
Polícia X X X X X X X X
Juiz de paz
Juiz municipal X X X X
Tabela 2 – Distribuição das competências na jurisdição criminal com a Lei 2.033 de 1871:
Posturas Municipais Termos de Segurança e Crimes Policiais Crimes Comuns
Bem Viver
Processo Julgamento Processo Julgamento Processo Julgamento Inquérito Formação Pronúncia
de Culpa
Polícia X X X
Juiz de paz X X
Juiz municipal X X X X
37
Em resumo, tais reformas levaram à institucionalização de um sistema de administração judicial misto. Nele,
confrontam-se o sistema inquisitorial, no qual a produção da prova é feita pela mesma pessoa que julga, gerando
uma passionalidade no julgamento, e o sistema acusatório, em que o gestor da prova é diverso do julgador. Nesse
sentido, o sistema misto possui duas fases, uma de formação de culpa, feita pela polícia, e outra de julgamento,
feito pelo poder judiciário.
43
Holloway (1997, p. 196-197) mostra, por exemplo, que, em 1875, do total de 1.778
prisões realizadas na corte, 1.414 foram feitas segundo uma classificação ampla, que incluía
vadiagem, desordem e embriaguez, cuja investigação dependia apenas das autoridades
policiais. Centenas de pessoas eram detidas por períodos curtos, sem acusações graves. Essa
autonomia investigativa da polícia podia incidir sobre qualquer pessoa e, não por
coincidência, afetou predominantemente a população economicamente carente.
Negros, desconhecidos, pobres, bêbados, vadios, prostitutas e qualquer outro que
“ameaçasse” a ordem pública estabelecida eram considerados suspeitos e poderiam ser
indiciados aos tribunais correcionais, responsáveis pelo julgamento desses indivíduos, sem
qualquer direito à contestação. Dessa maneira, reiteravam-se as perseguições discriminatórias
em um país marcado pela desproporção de renda, pela exclusão social e pela marginalização
de uma grande parcela da população livre, porém, pobre. Em outras palavras,
Vejamos a opinião do Chefe de Polícia, Alfredo Mello38, sobre o assunto. Para ele,
limitar o poder da polícia e, consequentemente, dá-lo aos juízes, sob a justificativa de uma
maior legalidade, iria causar uma demora na condenação que poderia ser prejudicial à ordem
pública. Isso porque a prevenção era a missão mais elevada, e os tribunais correcionais,
responsáveis pelo julgamento das contravenções policiais e termos de bem viver, eram
morosos, permissivos e protecionistas aos réus. Em suas palavras:
38
Alfredo Pinto Vieira de Mello foi um pernambucano nascido em 1863. Formou-se em Ciências Jurídicas e
Sociais na Faculdade de Direito da referida cidade, onde recebeu o grau de bacharel em 1886. Atuou como
Promotor Público na comarca de Baependi (MG), onde exerceu o cargo até ser nomeado Juiz de Direito da
comarca de Ouro Fino, no mesmo estado, em 1890. Da magistratura saiu para exercer o cargo de Chefe de
Polícia em Minas Gerais nos governos de Afonso Pena e Bias Fortes, no período de 1893 a 1896. No ano
seguinte foi Deputado Nacional, inclusive presidente da Comissão de Constituição e Justiça. Em 1906, a convite
de Afonso Pena, foi nomeado Chefe de Polícia da capital da República, cargo que exerceu até 1909. Terminou
sua carreira como Ministro do Supremo Tribunal Federal, no período de 1921 – 1923, data de seu falecimento.
44
Mais do que isso, ele entendia que a ação da polícia “não devia esperar ocorrer um
fato culpável, não devia conformar sempre seus atos à estrita justiça”. Pelo contrário, a ela
caberia atuar preventivamente, reprimindo os crimes antes que acontecessem, resguardando,
assim, a tranquilidade e a segurança. Outrossim, informa que, “utilizando-se da repressão
moderada, ela [a polícia] poderia realmente chegar ao ponto de modificar a liberdade humana,
o que se suportaria em virtude do bem maior”.40
Em resumo, segundo seus argumentos, se a polícia ficasse só com as responsabilidades
de produção de provas necessárias para a fundamentação da propositura da ação e preparação
do processo, sem poder exercer seu poder repressivo, poderia ensejar um aumento da
criminalidade. Dessa forma, uma “legião de vagabundos”, propensos a crimes mais graves,
continuariam certos da impunidade e manteriam sua carreira delitiva, podendo infringir,
inclusive, crimes mais graves.
Alfredo Mello ainda dizia que prender preventivamente não era condenar os
indivíduos; era, tão somente, garantir a ordem pública, afinal, muitos deles eram afeitos
criminosos. Entendia que a condenação, por óbvio, caberia ao judiciário, mas enquanto isso
não ocorria, não podiam deixar que a segurança e tranquilidade fossem ameaçadas por uma
onda de marginais que assolava as ruas brasileiras. Logo, citando Carrara, dizia que “o poder
de polícia e o poder penal nada tinham em comum, conquanto ambos fossem exercidos pela
autoridade proposta ao governo dos povos”, ou seja, o primeiro para garantir a ordem e
prevenir o crime e o segundo para condenar os infratores. Cada um tinha a sua função e, no
final das contas, “o poder da polícia não procedia senão de um princípio da utilidade”.41
Percebe-se, pois, que a prevenção era a palavra de ordem no discurso policial. A
expectativa antecipatória estava embutida no esforço em impedir condutas antissociais
enquadradas juridicamente como contravenções. Todavia, cabe ressaltar que, como bem disse
Sento-Sé (2011, p. 14), a prevenção criminal acabou sendo uma “ambição ilusória”, cujo teor
consistia em um conjunto de estratégias supostamente capazes de “prover a sociedade de
recursos de autoproteção, minimizando a incidência criminal e as práticas que, em tese,
39
MELLO, Alfredo Pinto Vieira. Relatório do Dr. Chefe de Polícia Alfredo Pinto Vieira de Mello. In: DINIZ,
Henrique Augusto de Oliveira. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do Estado de Minas Gerais pelo
Secretário dos Negócios do Interior Dr. Henrique Augusto de Oliveira Diniz, em 1896. Ouro Preto,
Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 1896, p. 13-14.
40
Idem.
41
Idem.
45
42
Idem.
43
Nascido em Salvador (1828), fez seus primeiros estudos na capital baiana. Graduou-se na Faculdade de
Ciências Jurídicas e Sociais de Olinda, em 1849. Foi juiz municipal e de órfãos no termo de Feira de Santana,
onde também atuou como delegado. Na década de 1860, após uma estreita relação com o partido conservador,
foi eleito deputado provincial até ser nomeado presidente da província do Paraná, exercendo o cargo até 1870.
No ano seguinte foi presidente da província de Minas Gerais, cargo que atuou durante apenas um ano, tendo
voltado para Bahia para exercer a magistratura. Durante o período republicano, foi Ministro da Justiça no
governo de Deodoro da Fonseca (1890-1891) e, quando este renunciou, Antônio Carvalho foi substituído por
José Higino Duarte Pereira. Terminou sua carreira como desembargador na Bahia, falecendo em 25 de janeiro de
1892.
46
aquela data. Para ele, “além dos vícios próprios aos grandes centros de população, abundava o
imigrante estragado e aventureiro, e até [...] a acumulação entre as classes menos abastadas
dos elementos das explosões contra os princípios conservadores da ordem”. Tudo isso sem
que a polícia pudesse fazer alguma coisa.44
Dizia ele que, obedecendo a essa legislação, a polícia “ficava impotente para cumprir
sua missão, que compreendia a vigilância, a rapidez das investigações e inquéritos e a
cooperação para a repressão do delito”. Ademais, afirmava que já preponderavam,
sobremaneira, “o aumento do número dos grandes crimes, o sobressalto geral pelos
incessantes atentados contra a propriedade, a vagabundagem, que se apresentava ostensiva, a
insolente atitude dos desordeiros, que se acumulavam, e o crescido número de menores
desempregados e viciosos”.45
Tais fatos precisavam ser combatidos; porém, os métodos que a polícia dispunha eram
limitados. Por isso, valendo-se da federalização advinda com a república e da possibilidade de
se aprovar uma lei mais repressiva para cada estado, algumas medidas foram propostas, e
ansiava ele pelas seguintes aprovações:
Dentre essas providências, destacamos duas percepções. Por um lado, de que os dois
primeiros itens indicavam a tentativa de resgatar os poderes repressivos e dissuasivos,
especialmente os de julgamento das contravenções e de prisão preventiva. Tais providências
se concentravam no reestabelecimento da ordem pública e na devolução à polícia das
atribuições ora cerceadas pela Lei de 1871. Como consequência, acreditavam que a
impunidade não mais estaria presente e a continuidade delitiva, reincidência e propensão a
44
CARVALHO, Antônio Luiz Afonso de. Relatório apresentado ao Presidente da República dos Estados
Unidos do Brasil pelo desembargador Antônio Luiz Afonso de Carvalho, Ministro de Estado dos Negócios
da Justiça. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 1891, p. 4-5.
45
Idem, p. 5.
46
Idem.
47
47
ABREU, Joaquim Maurício de. Mensagem enviada à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro
pelo presidente Dr. Joaquim Maurício de Abreu. Rio de Janeiro: Tipografia e Litografia de Carlos Gaspar da
Silva, 1895, p. 9-10.
48
CONGRESSO NACIONAL. Anais da Câmara dos Deputados. 25 de Julho de 1892. Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional, 1892.
48
O deputado França Carvalho foi o responsável pela redação do projeto que propunha a
criação das colônias correcionais. Acompanhavam-no na empreitada Chagas Lobato,
Francisco Glicério, Dutra Nicácio, Alcindo Guanabara e Felisperto Freire. Durante as
discussões, outros congressistas opinaram e trouxeram informações importantes que
analisaremos abaixo.
Grande parte da discussão foi pautada em dois pontos aparentemente antagônicos:
preservação da ordem pública e prevenção dos delitos, de um lado, e garantia da liberdade
individual, de outro. O deputado Chagas Lobato, por exemplo, mostrou-se indignado com a
falta de segurança presenciada nas ruas da capital fluminense. Para ele, ante aos riscos
vivenciados cotidianamente, a saída encontrada passava pelo fortalecimento da polícia. Para
isso, a criação de colônias correcionais era o melhor meio que se impunha, pois só assim as
amarras que a impediam de atuar com eficácia seriam desatadas. Em suas palavras,
Sua opinião foi refutada por outros parlamentares, conforme veremos, os quais
declararam que armar a polícia poderia motivar um cerceamento de liberdades individuais,
fortalecendo o executivo em detrimento do cidadão.50 Porém, encontrou respaldo em tantos
outros, entre eles, Francisco Glicério, também membro da comissão redatora.
Para Glicério, criticar o projeto de criação de colônias correcionais, tendo em vista as
garantias individuais, nada mais era do que atentar contra a civilização e a ordem pública.
Repreendendo especificamente a opinião de Badaró, que era advogado de profissão, afirmou
que cada vez lhe convencia o dito de um sábio economista (do qual não citou o nome): “os
49
LOBATO, Chagas. Congresso Nacional. Anais da Câmara dos Deputados. 28 de Setembro de 1892. Rio de
Janeiro: Imprensa Oficial, 1892, p. 668.
50
Veremos melhor essas alegações mais adiante.
49
maiores inimigos do crédito e da ordem pública são os advogados: litigam sobre tudo, não há
conveniência geral que não receba um choque da dialética jurídica e forense”.51
Continuando seu argumento, alegou que a Casa Legislativa não deveria impugnar o
projeto por questões individuais, afinal, “o interesse geral do sossego público que era a lei das
leis” (grifo nosso).52 Não satisfeito, ainda afirmou:
ora, o que o nobre deputado [Badaró] quer que se faça com os capoeiras,
com os gatunos e com a gente incorrigível da sociedade máxime da Capital
Federal? Mandar, como dantes se fazia, para o Mato Grosso, viciando o
exército brasileiro que é mantenedor da ordem pública? Todavia, se se pede
a criação de colônias correcionais, que é a solução científica para isso, vem o
nobre deputado e opõe-se a ele por amor platônico às garantias individuais.53
Não por coincidência, as causas para o aumento dos crimes tinham como denominador
comum a parcela da população livre, pobre e marginalizada. Em geral, aqueles que viviam em
cortiços, com roupas maltrapilhas, rodeados de bebidas e outros vícios, não tinham emprego
digno e viviam a vagar pela cidade. Como bem mostrou Chalhoub (1996, p. 22), havia uma
51
GLICÉRIO, Francisco. Sessão de 27 de agosto de 1892. CONGRESSO NACIONAL. Anais da Câmara dos
Deputados. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 1892, p. 596.
52
Idem.
53
Idem, p. 596-597 (grifo nosso).
54
ALBUQUERQUE, Luiz de Holanda Cavalcanti. Relatório do Chefe de Polícia ao presidente de província do
Rio de Janeiro. In: LIMA, Francisco Xavier Pinto. Relatório apresentado à Assembleia Legislativa Provincial
do Rio de Janeiro. Tipografia do Apóstolo: Rio de Janeiro, 1876, p. 42.
50
indefinição dos termos classes pobres e classes perigosas no Brasil, uma vez que “os pobres
carregavam os vícios, os vícios produziam os malfeitores, os malfeitores eram perigosos à
sociedade; juntando os extremos da cadeia, tínhamos a noção de que os pobres eram, por
definição, perigosos”.
Ao entender que esses indivíduos eram “propensos criminosos”, tirar-lhes a liberdade
individual e corrigi-los pela educação e pelo trabalho nada mais era do que uma forma de
garantir a ordem pública. Conforme mostrou João Galvão da Costa França, no ano de 1879,
quando atuou como chefe de polícia na Capital Federal,
Percebemos, portanto, uma crença de que existiam boas e más ações (umas
civilizadas, outras não, respectivamente), devendo estas últimas ser punidas. É nesse sentido
que parcela da população, representante dos órgãos estatais e de poder, rotulava as condutas
sobre as quais o direito penal deveria incidir. A construção de um saber sobre as noções de
“vadio” e “vagabundo” era feita por um agente classificador (polícia) que, pela atuação
policial na prática cotidiana, considerava o que deveria ou não ser punido. Havia, assim, uma
ideia de que o uso de práticas punitivas resolveria problemas sociais que tinham as mais
variadas causas.
Valemo-nos da teoria de Elias e Scotson (2000) para explicar essa situação. Nela, os
autores apresentam um estudo sobre a configuração social e as relações de interdependência
que se dispunham entre diferentes grupos a partir de uma pequena cidade ao sul da Inglaterra,
de nome fictício Wiston Paiva. Para os autores:
nessa pequena comunidade, deparava-se com o que parece ser uma constante
universal em qualquer figuração de estabelecidos-outsiders: o grupo
55
FRANÇA, João Galvão da Costa. Relatório do Chefe de Polícia ao presidente da província do Rio de Janeiro.
In: ANDRADE, Américo de Moura Marcondes. Relatório apresentado à Assembleia Legislativa Provincial
do Rio de Janeiro. Tipografia do Apóstolo: Rio de Janeiro, 1879, p. 16.
51
Assim, os outsiders eram vistos como uma ameaça à ordem estabelecida, não porque
tivessem qualquer intenção de perturbá-la, mas porque “seu comportamento levava os velhos
residentes a achar que qualquer contato estreito com eles rebaixaria seu próprio status, que os
arrastaria para baixo, para um status inferior” (Idem, p. 167). Ainda assim, eles deveriam ter
como norte o padrão estabelecido pelo establishment, afinal, era um modelo moral a ser
seguido.
Nesse sentido, os autores afirmam que analisar a configuração social não se trata de
elogiar nem de censurar os dois lados, tampouco saber qual deles estava errado e qual tinha
56
Enquanto o termo establishment é escrito no singular, representando um grupo com laços sociais que unem os
indivíduos nele presentes, os outsiders, ao contrário, existem sempre no plural, não constituindo propriamente
um grupo social.
52
razão. O ponto principal era entender quais características da comunidade ligavam os dois
grupos, de tal maneira que os membros de um deles (establishment) se sentiam impelidos a
tratar os de outro (outsiders) com desprezo, como pessoas menos educadas e de valor humano
inferior, se comparadas com eles, capazes até mesmo de legislar em seu desfavor (Idem, p.
24)57.
É importante destacar que, ao seguir na esteira desses autores, não buscamos esgotar
os aspectos estruturais da sociedade brasileira do século XIX que fundamentaram a
construção do crime de vadiagem. Afinal, nosso trabalho se propõe a analisar o
funcionamento das instituições destinadas a receber esses desviantes, e não o processo de
construção desse crime. Para os objetivos aqui elencados, basta-nos reconhecer que, ao que se
percebe, o preço para a participação na “boa sociedade” também era a submissão às normas
específicas do establishment, entre elas as que acatavam os hábitos burgueses de ser, vestir,
estar, portar e, principalmente, trabalhar. Aqueles que não observavam as normas e restrições
desse grupo acabavam sendo inseridos na alcunha de outsiders, que, no estudo em tela, eram
denominados vadios, vagabundos, ociosos, capoeiras, mendigos, marginais, classes perigosas
e demais indivíduos propensos ao crime. Dessa maneira, mais do que um “controle social”,
aos moldes do que informava Foucault em Vigiar e Punir, buscamos problematizar a
sociedade, com suas interações complexas e dinâmicas no enfrentamento a esse grupo de
indivíduos.
Segundo o que foi mostrado até aqui, verificamos que o sistema penal foi – e ainda é –
uma gestão diferencial das ilegalidades. Tornava umas mais visíveis para esconder outras.
Diante dos inúmeros delitos cometidos diariamente, só uns eram preferíveis (alvo de
repressão) para o sistema penal. Por óbvio que o perigo dessa dinâmica era justamente a
amplitude do conceito de vadio e a extensão que o projeto para reprimi-la podia alcançar.
Qualquer um podia ser enquadrado. Essa foi justamente a crítica feita pelos opositores do
projeto.
57
Por exemplo, para Wiston Paiva, “não havia diferenças de nacionalidade, ascendência étnica, “cor” ou “raça”
entre os residentes das duas áreas, e eles tampouco diferiam quanto a seu tipo de ocupação, sua renda e seu nível
educacional; as duas eram trabalhadoras”. A única diferença entre elas era que um grupo compunha-se pelos
antigos residentes, instalados há duas ou três gerações, e outro formado por recém-chegados. Certo é que o grupo
estabelecido utilizava-se da exclusão e estigmatização para manter o status quo, afirmando sua superioridade e
mantendo os outros (outsiders) em seu lugar. Eles se afirmavam como “grupo bom” ao mesmo tempo em que
delimitam o que era “grupo ruim”. (ELIAS e SCOTSON, 2000, p. 21).
53
58
BADARÓ. Sessão de 27 de agosto de 1892. CONGRESSO NACIONAL. Anais da Câmara dos Deputados.
Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 1892, p. 596.
59
Idem, p. 597.
60
Idem.
61
Norma penal em branco é aquela que precisa de uma complementação para que se possa compreender o
âmbito de aplicação de seu preceito incriminador. Entendo, pois, que essa complementação, muitas vezes, era
feita por um caráter ideológico e cultural, e não por uma lei específica nesse sentido.
54
indivíduo, em função de uma pretensa ordem pública desejada. Tal perspectiva foi
corroborada por outros parlamentares. Vejamos o que nos dizia João Vieira.
Para ele, o projeto, como estava escrito, não poderia de maneira alguma ter o voto da
Câmara, pois ameaçava a liberdade individual. Em suas palavras, reconhecia a importância do
projeto, mas não podia “convir em que fique ao arbítrio do poder executivo, por seus agentes,
o poder de mandar prender e recolher, sem processo e condenação penal, qualquer indivíduo a
esses estabelecimentos [colônias correcionais]”.62
Outrossim, argumentava ele que o Congresso Federal era o único competente para
legislar sobre matéria penal. A Câmara do Rio de Janeiro estava impossibilitada de modificar
o tipo penal da vadiagem, sob o risco de incorrer na formação de um “regime criminal
excepcional”, o que era totalmente inconstitucional. Qualquer legislação criada nesse sentido
seria atentar contra a liberdade individual do povo brasileiro, sobretudo porque já existiam
penas específicas sobre a vagabundagem, a ociosidade e a capoeiragem no Código Penal.
Manoel Caetano também era contra o projeto. Em suas palavras, “estas colônias
correcionais não tinham outro fim senão estabelecer uma pressão odiosa contra o cidadão”,
pois “no Código Penal moderno já se encontravam penas gradativas contra vagabundos e
todos os perturbadores da ordem pública”.63 O Congresso entendeu, porém, que as penas não
bastavam. Por isso, ele questionava:
62
VIEIRA, João. Sessão de 27 de agosto de 1892. CONGRESSO NACIONAL. Anais da Câmara dos
Deputados. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 1892, p. 597.
63
CAETANO, Manoel. Congresso Nacional. Anais da Câmara dos Deputados. 28 de Setembro de 1892. Rio
de Janeiro: Imprensa Oficial, 1892, p. 669.
64
Idem.
65
Idem.
55
Ao tratar sobre o aparato policial, dizia que “todos sabiam que a polícia era exercida
com um certo arbítrio e que os chefes de polícia, por mais bem intencionados que fossem,
praticavam arbítrios; ora, armados com esta lei opressora, onde não iriam eles?”.66 Como
resposta, afirmou que “a polícia que tivesse mais um pouco de trabalho com estes indivíduos
[...]; com sua aprovação não haveria interesse em investigar, visto que estariam armados de
uma lei que dá o direito de reter arbitrariamente a quem se presume criminoso”.67
Resume ele que, pelo projeto, “a liberdade do indivíduo ficará restringida; eles vão
ficar subordinados à nossa vontade; não, isso não pode ser o princípio republicano; o
princípio do projeto não é compatível com a liberdade, igualdade e fraternidade prometidas a
15 de novembro.”68 Afinal, conclui: “ela é um instrumento do bem? Não, ela é instrumento de
rancor, do ódio e do mal”.69
Como vimos, a principal crítica desses parlamentares se pautava na insegurança
jurídica que a aprovação do projeto que criava colônias correcionais poderia causar. Embora a
fundação de tais estabelecimentos fosse capaz de corrigir, pelo trabalho, os vadios,
vagabundos e capoeiras, ele também daria à polícia a possibilidade de prender
preventivamente qualquer indivíduo “suspeito” e colocá-lo nessas instituições.
Percebe-se, pois, que o problema não era tanto o estabelecimento correcional,
tampouco se questionava a falta de segurança vivenciada na Capital Federal. A desaprovação
ao projeto passava pela ampla autonomia policial no processo de enclausuramento desses
indivíduos, autonomia essa que vinha se mantendo desde o Código de Processo Penal de
1832, passando pela Reforma Saião Lobato (1871) e pelo Código Penal de 1890. Qualquer
atitude poderia ser vista como perturbadora da ordem pública. Qualquer cidadão poderia ser
considerado um vadio. Como bem mostrou Silva (2006, p. 29), “podemos admitir que as
influências da implantação de uma polícia moralizadora centrada no trabalho, bem como os
mecanismos de repressão a ele incorporados, estimularam uma perseguição incansável aos
setores menos favorecidos, no qual se inseria o vadio”.
No que se refere à amplitude do conceito legal de vadio, devemos delimitar algumas
questões. Preliminarmente, cabe ressaltar que o advento do capitalismo acarretou, entre outras
coisas, no crescimento da burguesia e, por consequência, modificou a própria materialidade
da riqueza, que passou a se constituir não somente por terras e seus derivados, mas abranger
também oficinas, indústrias, máquinas, mercadorias, produtos, serviços, etc. Nessa toada, uma
66
Idem.
67
Idem, p. 331.
68
Idem, p. 670.
69
Idem.
56
nova dimensão da criminalidade se formou, e “tanto no campo quanto nas cidades, o crime
contra a propriedade fazia surgir a necessidade do controle das práticas ilícitas” (PINTO,
2012, p. 26-27). Em resumo, as pessoas que não estavam bem localizadas na estrutura social70
representavam mais do que simples periculosidade, simbolizavam uma força de trabalho
ociosa, uma “potencialidade improdutiva que devia ser aproveitada” (Idem).
Foi nesse sentido que Martins (2011) mostrou uma virada do conceito de vadio ao
logo do século XIX, por meio de uma readequação dos termos de bem viver e uma
redefinição das ações neles incriminadas, com o sentido final de combate à pobreza e
manutenção da ordem pública. Em suas palavras,
Tal aspecto pode ser visto, por exemplo, se observado o processo de transformação
das penas do crime de vadiagem no decorrer do século XIX. Conforme disposto na tabela
abaixo, ao longo do tempo, elas passaram de um caráter supliciante, “prisões e açoites
públicos”, para “prisões com trabalho” até, finalmente, se estabelecerem como “reclusões em
colônias correcionais” criadas especificamente para corrigir esses indivíduos.
Ordenações - qualquer homem que não viver com o senhor, ou com amo; Prisão e Açoite
Filipinas Público
- nem tiver ofício, nem outro mister, em que trabalhe ou ganhe sua vida;
(Livro V,
LXVIII) - não andar negociando algum negócio seu ou alheio;
Código - aquele que não tomar uma ocupação honesta e útil de que possa 8 a 24 dias de
Criminal de subsistir, depois de advertido pelo Juiz de Paz, não tendo renda prisão com
70
No caso brasileiro, os brancos pobres, forros, pretos, mendigos, prostitutas, vadios e ociosos, bem como os
dependentes da assistência pública ou mesmo os foras da lei.
57
(Art. 295)
Código - aquele que deixar de exercer profissão, ofício ou qualquer mister em Prisão celular por
Penal de que ganhe a vida; 15 a 30 dias.
1890
- aquele que não possuir meios de subsistência; OBS: os maiores
(Art. 399) de 14 e menores
- aquele que não possuir domicílio certo em que habite, isto é, de de 21 anos serão
residência fixa ou não; recolhidos em
estabelecimentos
- aquele que se entregue à ocupação proibida por lei ou manifestamente disciplinares
ofensiva à moral e aos bons costumes; industriais.
- aquele que faz da vadiagem um modo de vida.
Decreto Lei - Os indivíduos de qualquer sexo e qualquer idade que, não estando 6 meses a 2 anos
n.º 145 de sujeitos ao poder paterno ou sob a direção de tutores ou curadores, sem em colônias
1893 meios de subsistência, por fortuna própria, ou profissão, arte, ofício, correcionais
ocupação legal e honesta em que ganhem a vida, vagarem pela cidade na criadas para esse
ociosidade; fim.
Observa-se também que, diante de tantas modificações, não havia uma certeza jurídica
quanto à definição do vadio, que se alterava ao sabor das mudanças legislativas e das
necessidades de cada contexto histórico. Melhor dizendo, tinha-se uma certeza jurídica, sim, a
de que, independente da época, qualquer um que fosse livre, pobre e estivesse a vagar na rua
poderia ser indiciado na infração de vadiagem.
Dentro do conceito legislativo de vadio, atentamo-nos para o fato de que não bastava,
simplesmente, trabalhar ou ter um ofício com o qual sobreviva. Mais importante que isso era
exercer uma ocupação que fosse honesta e útil, que não ofendesse a moral e os bons
costumes, bem como que fosse lícita e não vedada pelas leis. Nestes termos, o crime de
vadiagem trazia consigo ideias abstratas de uma conduta decente, proba, honrada e útil
perante a sociedade em que se vivia e com as pessoas com quem se relacionava.
Entendemos que tais aspectos atravessaram os anos e acabaram servindo de “critério
geral de moralidade” na definição do vadio, onde os agentes policiais tiveram um
protagonismo na identificação dos quesitos suficientes para encontrar, investigar e indiciar os
envolvidos nessa infração. Afinal, não podemos perder de vista que, conforme apresentado na
58
obra de Elias e Scotson (2000), o establishment fundava o seu poder justamente no fato de ser
um modelo moral para os outros como sinal de civilização, dignidade e, óbvio, honestidade,
onde aqueles que desviassem de tais preceitos logo seriam tidos como outsiders.
A subsistência foi outro ponto chave para entendermos a criminalização da vadiagem.
Fato é que os seres humanos bem nascidos, ricos de origem, dedicando-se ao ócio a vida toda,
por terem renda proveniente de herança, não eram punidos. Sem dúvida, não existia somente
um Rubião71, mas vários, agraciados com testamentos que lhes asseguravam uma boa
condição durante a vida. Os indigentes (ou “pobres meritórios”), pobres por razões alheias à
sua vontade, também não eram penalizados nas iras da contravenção da vadiagem, mas
tinham um tipo penal específico sobre a mendicância, caso insistissem em trabalhar mesmo
estando aptos a isso.
Conforme mostrou João Vieira, “o conteúdo da vadiagem era o parasitismo, que pode
ser social ou antissocial, sendo esse o punível; a vagabundagem, por si só, não é punível [...],
tanto é assim que o simples parasitismo dos ricos, dos doentes, dos inaptos, dos desocupados
sem culpa própria não pode ser punido”.72 Ocorre que, ser ocioso, sem possuir tal renda, era
uma infração penal pelo fato de que nada de útil esse contraventor podia trazer para a
sociedade.
O indivíduo apto que não trabalhava era visto como um fator de risco, pois suas
atitudes seriam propensas ao cometimento de crimes mais graves, afinal, de alguma forma ele
tinha que sobreviver. Conforme mostrou Reis (2006, p. 51), “a criminalidade tendia a ser
associada, em várias realidades históricas, à pobreza e à miséria, uma vez que a ausência de
bens materiais que garantam a sobrevivência mínima do indivíduo gerava a necessidade, para
esse indivíduo, de buscar esses bens, muitas vezes a qualquer custo”.
Além do indivíduo sem profissão ou com ocupação ofensiva à moral, outros elementos
estavam elencados no dispositivo: era o caso dos errantes e dos vagabundos sem domicílio,
ambos viventes da itinerância. Por óbvio que, isoladamente, esse aspecto não poderia ensejar
na criminalização de algum indivíduo, sob pena de cercear, de sobremaneira, a liberdade
individual. Todavia, não obstante de dúvidas, era um fator que auxiliava na comprovação dos
71
Vale transcrever um trecho de Quincas Borba, de Machado de Assis, em o personagem Rubião recebe a
herança do lunático Quincas Borba: “quanto o testamento foi aberto, Rubião quase caiu para trás. Adivinhais por
quê. Era nomeado herdeiro universal do testador. Não cinco, nem dez, nem vinte contos, mas tudo, o capital
inteiro, especificado nos bens, casas na corte, uma em Barbacena, escravos, apólices, ações do Banco do Brasil e
de outras instituições, joias, dinheiro amoedado, livros – tudo finalmente passava às mãos do Rubião, sem
desvios, sem deixas a nenhuma pessoa, nem esmolas, nem dívida”. ASSIS, Machado. Quincas Borba. Capitulo
XIV.
72
ARAÚJO, João Vieira de. O Código Penal interpretado. Ed. Fac-similar, Brasília: Senado Federal: STJ,
2004, p. 395.
59
outros elementos supracitados no tipo penal da vadiagem. Nesse sentido, Mello e Souza
(1982, p. 54) afirmou que a vagabundagem e a itinerância, definidas como ausência de
domicílio, “eram incômodas numa sociedade em que as relações pessoais ainda tinham muito
peso e para a qual o fato de o indivíduo não poder se ligar a ninguém e por ninguém poder ser
reconhecido eram sinais extremos de isolamento”.
Por fim, a Lei n.º 145 de 1893 trouxe outra inovação ao se referir aos agentes maiores
de 14 anos, isso porque os menores dessa idade, e maiores de nove, sem assistência e
vagantes, formavam a categoria dos menores abandonados. Embora diferenciados quanto à
idade, todos seriam punidos com a correção, afinal, tratavam-se de futuros criminosos,
propensos a crimes mais graves.73
Visto esse detalhamento do conceito legal de vadio, a questão que permanece é a de
que tais elementos impunham um tratamento de natureza nitidamente discriminatória. Com
isso, deixava-se penalmente desprotegidos aqueles que optaram levar a vida com contornos
mais frouxos, ou mesmo aqueles “malabaristas da subsistência”, conforme nos apresentou
Carvalho (2012)74. Punia-se duplamente parcela da população pobre que já fora condenada
pela exclusão social.
Percebemos, portanto, que a incriminação da vadiagem consagrava a desigualdade
social, a pretexto de se defenderem os bons costumes e uma suposta ordem social
estabelecida. Condenavam-se as pessoas pelo seu passado ou condição econômica. A
ociosidade não era entendida como falta de oportunidades de trabalho. Eram tratadas como
um mal a ser corrigido, um desvio de conduta advindo de maus hábitos, um “parasitismo
antissocial”, cuja origem tinha enderenço certo: as classes populares. Isso porque se concebia
que ocioso era aquele que, sendo apto para o trabalho, não trabalhava porque não queria. Em
outras palavras, definiam a pobreza por um caráter econômico, mas justificava-se seu
combate sob fundamentos morais, étnicos e culturais; era vista como algo a ser resolvido, não
como um problema social.
73
SIQUEIRA, Galdino. Direito Penal Brasileiro: segundo o Código Penal mandado executar pelo Decreto n.
847 de 1890 e leis que o modificaram ou complementaram, elucidados pela doutrina e jurisprudência (1872 –
fac-símile). Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2003, p. 922.
74
Segundo ela, o vocábulo “subsistência” está ligado a “ser, existir, existir na sua substância, subsistir”. Assim,
“subsistência em análise tem a sua peculiaridade de ser classificada pelo controle urbano como vidas-destoantes:
ressignificadas enquanto corpos rebeldes às tentativas de homogeneização do viver na cidade (exerciam outras
formas de falar, habitar, trabalhar, andar...). Já malabares é definido como “certos exercícios de agilidade e
destreza que se praticam como espetáculo, mantendo diversos objetos em equilíbrio instável, lançando-os para o
alto e recolhendo-os”. Por isso, afirma, “os malabaristas de que falo equilibravam-se na seguinte ambivalência:
entre o contínuo de sua presença e o descontínuo de sua condição de passagem; entre a irregularidade de seu
trabalho infixo e a regularidade de ter que apresentar agilidade e destreza para toda sorte de acasos”
(CARVALHO, 2012, p. 17-18).
60
Observa-se que, do ponto de vista da prática social, não havia diferenças significativas
entre conservadores e liberais, pois estes não objetivavam reformas democráticas. A diferença
específica entre essas propostas “parece estar no aspecto das técnicas de controle social”
(Idem). A liberal se vinculava à expansão da mediação judicial, enquanto a conservadora à
ampliação do poder discricionário da autoridade, que se justificaria pela manutenção da
segurança e ordem públicas. Assim, de qualquer forma “haveria a marginalização dos homens
livre em relação aos direitos civis: eles seriam controlados pela vigilância policial e a sua
incorporação se faria pelo mercado de trabalho ou pelos mecanismos tradicionais da troca de
favor” (Idem).
Fato é que a lei foi aprovada e sobre ela surgiram elogios da polícia, do judiciário e do
próprio governo. Tais autoridades viam nas colônias o ambiente certo para colocar não só os
reincidentes e contraventores, mas também mulheres e menores sem família. Conforme
mostrou no Jornal do Comércio, era hora de dar uma ocupação à classe pobre “que por falta
dela entregava-se à vadiagem e preparava-se para o crime [...] ocupar e moralizar as classes
pobres; enriquecer a sociedade com os produtos por elas apresentados”.75
O jornal A Imprensa também elogiava a aprovação os noticiar que:
75
JORNAL DO COMÉRCIO. A indústria. Ano XIV, n. 283, Rio de Janeiro, 3 de outubro de 1839.
61
Júlio Bueno Brandão nasceu em Ouro Fino, Minas Gerais. Autodidata, não cursou
nenhuma faculdade de direito, mas possuía avançados entendimentos das questões jurídicas,
atuando como rábula. Em 1879, assumiu o posto de juiz de direito no município de Jaguari.
De 1882 a 1883, foi juiz municipal em sua cidade natal e, em seguida, foi nomeado delegado.
Membro do Partido Liberal durante o período imperial, ainda em 1883 iniciou a
carreira política ao se eleger vereador e presidente da Câmara Municipal de Ouro fino por
duas legislaturas, até 1887. Já no período republicano, regime do qual era entusiasta, foi
escolhido pelo presidente Crispim Jacques Bias Fortes para assumir a intendência municipal,
cargo que ficou até 1891. Em 1893, candidatou-se pelo Partido Republicano Mineira (PRM) a
uma cadeira na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, sendo eleito e permanecendo como
deputado estadual até 1898.
Logo após, foi eleito e empossado no Senado por uma década, destacando na
elaboração da reforma da Lei Eleitoral. Em 1906, foi vice-presidente de Minas Gerais, ao lado
76
A IMPRENSA. Notícias diversas. Domingo, 9 de julho de 1899. Ano 2, n. 276, p. 1.
62
de João Pinheiro da Silva, substituindo-o após seu falecimento, em 1908. Ficou até 1909,
quando tomou posse Venceslau Brás, eleito para cumprir o restante do mandato.77
Foi Bueno Brandão, autodidata nas questões jurídicas, que submeteu à consideração
da Assembleia Legislativa o projeto de n.º 7, que tratava sobre a criação de colônias
correcionais no estado de Minas Gerais. Em seu discurso inaugural, mostrou um amplo
domínio no assunto, especialmente sobre o contexto internacional, ao justificar a necessidade
de aprovarem sua proposta. Afirmou que “eram conhecidas de todos os senhores deputados as
vantagens que alguns países da Europa, e mesmo da América do Norte, tinham obtido com a
criação de estabelecimentos dessa natureza”.78 Em outro momento disse, ainda, que era sua
intenção “transplantar para o estado as admiráveis criações das colônias correcionais e
orfanológicas que tão profícuos resultados têm dado em diversos países”.79
Que a pobreza, em especial a vadiagem dela decorrente, era um problema para as
autoridades do período, é certo. Todavia, demonstrou Brandão, que ela não afetava só os
centros urbanos. Nas palavras dele, “existia, em nosso estado, nos grandes centros populosos,
assim como nas pequenas povoações, e mesmo no campo, uma classe de indivíduos que, não
sendo precisamente criminosos, achava-se, contudo, sujeita a ação imediata da polícia
correcional”.
Mais do que uma ideia ampla da vadiagem e seu alcance em todos os pontos do
estado, a fala do deputado destacava outro ponto importante. Conforme foi visto, os vadios
“não era precisamente criminoso[s]”, embora, sem dúvida, causassem transtornos à ordem
pública, e deveriam ser punidos por isso. É por esse motivo que se enquadravam nas
contravenções, e não nos crimes/delitos propriamente ditos. Não era conveniente tratá-los
como criminosos, pois, segundo Brandão,
77
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Presidentes da Câmara dos Deputados. Boletim da Biblioteca da Câmara,
v. 11, n. 1, p. 09-18, jan./jun., 1962.
78
BRANDÃO, Júlio Bueno. 12ª sessão ordinária de 10 de maio de 1894. Anais da Câmara dos Deputados.
Quarta legislatura. Imprensa Oficial de Minas: Ouro Preto, 1894, p. 48.
79
BRANDÃO, Júlio Bueno. 36ª sessão ordinária de 11 de junho de 1894. Anais da Câmara dos Deputados.
Quarta legislatura. Imprensa Oficial de Minas: Ouro Preto, 1894, p. 235.
80
BRANDÃO, Júlio Bueno. 12ª sessão ordinária de 10 de maio de 1894. Anais da Câmara dos Deputados.
Quarta legislatura. Imprensa Oficial de Minas: Ouro Preto, 1894, p. 48.
63
Essas curtas palavras são imensas de significados. Primeiramente, elas retratam uma
ideia, que não era nova, de que a cadeia é a “escola do crime”, pois os indivíduos que lá
estavam, pela ociosidade e promiscuidade, acabavam se tornando especialistas na prática de
delitos. Além disso, há uma clara diferenciação entre o grau de periculosidade desses
indivíduos. De um lado, os vadios, “que não eram precisamente eram criminosos”; de outro,
os “criminosos perversos”. Estes, mestres do crime, concorriam para perversão daqueles, por
meio da “depravação moral dos desgraçados que aí são recolhidos”.
A colônia correcional, portanto, era uma forma de separar esse contingente carcerário.
Era o reflexo da especialização da punição. Não só aquela feita por meio da polícia repressiva
aos crimes mais graves, mas pelo policiamento correcional, conforme percebido na Europa e
América do Norte, com o fim de corrigir os indivíduos que ainda não eram afeitos criminosos,
mas que, por hábitos “não saudáveis”, poderiam incidir em crimes mais graves.
Todavia, criar uma instituição para separar os crimes mais graves dos menos graves
não resolvia todos os problemas. Existia uma classe, dentro dos crimes menos graves, que
ainda era mais vulnerável: os menores. Para Brandão, existia
Com a aprovação do projeto, Brandão visava criar uma instituição capaz de receber
não só os vadios, os mendigos, os ébrios e demais elementos perturbadores da ordem pública,
“como também esses desgraçadinhos que acusam-se entregues a especuladores que nas
cidades deles se servem, empregando-os em misteres que não estão de acordo com o estado
atual de nossa civilização”.82 É por isso que o deputado se referia à instituição, durante os
seus discursos, como “colônia correcional e orfanológica”.
O princípio obedecido, portanto, foi o da separação, na mesma colônia, de órfãos e
menores, julgados pelo juízo comum, dos vadios, ébrios e vagabundos, remetidos em virtude
de condenação reiterada julgada pelo Tribunal Correcional. Ademais, se os vadios podiam ser
81
Idem.
82
Idem.
64
83
BRANDÃO, Júlio Bueno. 36ª sessão ordinária de 11 de junho de 1894. Anais da Câmara dos Deputados.
Quarta legislatura. Imprensa Oficial de Minas: Ouro Preto, 1894, p. 235.
84
Idem, p. 236.
85
BRANDÃO, Júlio Bueno. 37ª sessão ordinária de 12 de junho de 1894. Anais da Câmara dos Deputados.
Quarta legislatura. Imprensa Oficial de Minas: Ouro Preto, 1894, p. 280.
65
Tal justificativa era quase uma súplica ao governo quanto à necessidade de braços para
a lavoura. As colônias correcionais, além de resolverem o problema crescente da
criminalidade, por meio da prevenção, agregariam em sua função a produção de mão de obra
especializada para auxiliar na produção agrícola, tanto para o mercado externo quanto o
interno. Foi também um oportunismo econômico que marcou a instalação da primeira colônia
correcional em Minas Gerais.
Em uma das últimas sessões, o Congresso mineiro votou um crédito de 5.000.000$000
para auxiliar na imigração europeia e asiática. Porém, mostrava Brandão, tal avultada quantia
mostrava-se improfícua pelos mais variados motivos; logo, “não podemos contar tão cedo
com este recurso”. Nessas condições, “não nos resta senão promover por todos os modos o
aproveitamento dos braços nacionais, porque aí mais prontamente poderemos ir buscar os
recursos de que carecem a lavoura”.86
Ao que parece, o seu discurso tendia a encarar o problema chamado “falta de braços”
muito mais como um mau aproveitamento dos existentes do que propriamente a falta. Em
suas palavras,
já disse, por diversas vezes nesta Casa, que no estado de Minas existem em
grande número braços válidos e não aproveitados. Há uma população
flutuante e adventícia, frequentadora de tascas, dos bordeis e das casas de
jogo, e, se o Congresso promulgar leis coercitivas de trabalho, terá
conseguido encaminhar para as situações agrícolas os indivíduos que hoje
vagueiam pelas ruas e praças sem ocupação lícita. Os vadios e ociosos serão
corrigidos e ver-se-ão obrigados a procurar uma ocupação lícita e honesta.
Teremos desviado da vereda do crime esses indivíduos que em breve se
tornarão cidadãos úteis a si, à família e ao estado.
Em resumo, finalizava ele, “teremos feito dos pequenos vagabundos de hoje os ativos
operários de amanhã, que concorrerão para o desenvolvimento das nossas indústrias”.
Novamente ao som de “aplausos” e “muito bem!”, terminava seu eloquente discurso
afirmando que só queria dar provas de que jamais pediu verbas superiores às forças do
orçamento, tampouco às necessidades do estado, só “entendi que nenhuma despesa seria mais
justificável, nenhum sacrifício mesmo por parte do estado teria resultado tão benéfico como a
criação de algumas colônias correcionais”.87
Foi justamente nessa toada que Silva (2006) mostrou que a falta da mão de obra
agrícola e a consequente correção dos vadios incentivou a criação das colônias correcionais.
86
Idem, p. 281.
87
Idem, p. 282.
66
Isso porque a solução para a escassez da mão de obra não estava só na contratação de
imigrantes para o trabalho na lavoura, mas também na criação de mecanismos mais rigorosos
que disciplinassem os indivíduos vadios para o trabalho, tornando-os cidadãos úteis. Nas
palavras da autora,
Ao que parece, quando o projeto se justificava pela correção dos vadios e redução da
criminalidade, não houve dissenso entre os parlamentares. Todos concordavam com a
necessidade de evitar que os pequenos delitos pudessem se transformar em grandes crimes.
Todavia, ao ampliar a discussão e nela agregar as questões da formação de mão de obra para o
trabalho e de obtenção de braços para a lavoura, não houve homogeneidade.
Domingos Viotti concordava com o projeto e afirmava que “era um procedimento
digno de louvores”. Severiano de Rezende, por outro lado, mostrou sua indignação ao
pronunciar que “encaminharia o projeto para a porta do cemitério”, visto que o estado já
gastava o suficiente com imigração e núcleos coloniais para imigrantes. Em defesa do projeto
apareceu Henrique Diniz, que disse que Severiano estava cometendo uma grande injustiça.
Não satisfeitos, Viotti complementou afirmando que “o projeto caminha direitinho para o
céu”, mas logo foi rebatido por Severiano ao dizer que “o Congresso prestará as honras
fúnebres”. Por fim, argumentou Bueno Brandão:
Fato é que o projeto foi aprovado e nele havia a ideia das colônias correcionais como
protetoras da agricultura, pois seriam capazes de aumentar imediatamente a força de trabalho
nas fazendas pela mão de obra dos nacionais. Não que isso fosse neutralizar a importância da
imigração para o estado, pelo contrário, acabariam atuando conjuntamente como baluartes da
88
Idem, p. 282.
67
modernização que se queria para Minas Gerais, conforme veremos no terceiro capítulo dessa
dissertação.
Quanto à função da pena nas colônias correcionais, Ferreira Tinoco traçou uma
interessante linha de raciocínio para defender a aprovação do projeto, alegando que, nas
constituições políticas de todos os povos, a penalidade sempre foi considerada um instituto de
interesse social, uma condição primordial da existência dos povos e manifestação suprema da
soberania do povo. Nesse sentido, para ele a penalidade era a “garantia final estabelecida pela
lei em nome da segurança social e dos direitos individuais”.89
Continuava afirmando que, não obstante a diversidade de escolas e teorias em relação
a esse assunto, todos os criminalistas estavam de acordo que o direito de punir era constituído
em bem da conservação da sociedade:
Tinoco mostra, ainda, as funções da pena. Para ele, “as leis penais não devem só
prevenir o crime, como também fazer com que o culpado perca, como se diz Bentham, o
desejo ou o meio de reincidir”. A sociedade sempre se preocupou com a repressão ao crime,
mas nem sempre tratou da reforma dos culpados, salvo pelas práticas da Igreja Católica na
remissão individual da culpa. No Brasil, dizia ele, pouco se tem feito em relação a este
assunto e o estado de Minas começava a caminhar nesse sentido, afinal, “o projeto de criação
de colônias correcionais será o primeiro passo que Minas dará neste assunto, de acordo com o
que se tem feito nos estados de São Paulo e Pernambuco”91. Com a aprovação na Assembleia
Legislativa, o estado de Minas caminharia para dar fim à reincidência, transformando os
vadios em bons trabalhadores.
Conforme vimos, combate à vadiagem, reformas urbanas, formação para o trabalho e
modernizações agrícolas, embora com objetivos diversos, entrelaçavam-se em interesses e
políticas, fazendo com que as práticas de umas, muitas vezes, influenciassem o
funcionamento de outras. As discussões mostraram diversos empenhos na aprovação do
89
TINOCO, Ferreira de. 27ª sessão ordinária de 28 de maio de 1895. Anais da Câmara dos Deputados. Quarta
legislatura. Imprensa Oficial de Minas: Ouro Preto, 1894, p. 203.
90
Idem.
91
Idem, p. 204.
68
projeto, e não apenas controle social desmedido e autoritário contra as classes perigosas. É
justamente nesse sentido que analisaremos, no próximo capítulo, como se deu a escolha do
local para a instalação da Colônia Correcional Agrícola do Bom Destino. Entendemos que
essa preferência não foi aleatória, nem foi fruto de uma oportunidade geográfica, tampouco
visava simplesmente excluir os vadios e marginais em zonas rurais distantes dos centros
urbanos. Pelo contrário, acabou coadunando com significados de espaços públicos, integração
do território mineiro e oportunidade econômica de associar a correção dos delinquentes com o
desenvolvimento agrícola.
69
Crispim Jacques Bias Fortes92, então Presidente do Estado de Minas Gerais, em sua
segunda sessão ordinária da segunda legislatura, dirigiu ao Congresso mineiro uma mensagem
na qual dava notícias sobre os trabalhos em andamento para o estabelecimento de uma colônia
correcional agrícola na zona rural da região da nova capital. Para ele,
92
Bias Fortes iniciou seus estudos em Barbacena e mais tarde ingressou na Faculdade de Direito de São Paulo,
na qual se formou em Ciências Jurídicas em 1870, na mesma turma de Joaquim Nabuco, Rui Barbosa, Afonso
Pena e Rodrigues Alves. Em Barbacena, foi promotor de justiça e juiz municipal. Mais tarde saiu da magistratura
(1879) para atuar na política. Interessa-nos o ano de 1894, quando renunciou a cadeira do senado estadual em
virtude de sua eleição para presidente do estado de Minas Gerais. Foi durante o seu governo (1894-1898) que se
realizou a transferência da capital mineira de Ouro Preto para Belo Horizonte, em 1897.
93
FORTES, Crispim Jacques Bias. Mensagem dirigida pelo Presidente do Estado de Minas Gerais Dr.
Crispim Jacques Bias Fortes ao Congresso Mineiro em sua segunda sessão ordinária da segunda
legislatura no anno de 1896. Ouro Preto. Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 1896, p. 18-19.
94
A nova capital inaugurada em 1897 recebeu o nome de Cidade de Minas entre os anos de 1897 e 1901.
70
95
Conforme apresentou Schwarcz (2012, p. 19), “a República surgiu alardeando promessas de igualdade e de
cidadania – uma modernidade que se impunha menos como uma opção e mais como uma etapa obrigatória e
incontornável”.
96
Entendemos como indícios os rastros, vestígios e sinais que indicam algum fato. Em outras palavras, são as
circunstâncias conhecidas e provadas, que autorizam, por indução, o conhecimento de um fato desconhecido, a
ele relacionado, por meio de operação de raciocínio.
97
Os documentos do governo mineiro se referem indistintamente à colônia, à colônia agrícola, ao núcleo
colonial e ao núcleo agrícola como sinônimos, que não se confundem com colônias correcionais agrícolas,
destinadas à correção, pelo trabalho, dos vadios e vagabundos.
98
De acordo com Berstein (1998, p. 351), a cultura política é desenvolvida com a imersão dos indivíduos em um
determinado contexto cultural no qual eles irão interagir com seus pares, revelando certos comportamentos
políticos que são influenciados por elementos arraigados na cultura de um grupo. Com isso, acreditamos que as
71
comum a envolver essas práticas. Entender, pois, esse processo de escolha do local é de
fundamental importância, uma vez que nos dará elementos importantes para avaliar a função,
funcionamento e eficácia dessas instituições.
No Rio de Janeiro, por exemplo, a Colônia Correcional de Dois Rios foi instalada na
Ilha Grande99, especificamente na Vila de Dois Rios. Apesar de encrustada em um cenário
paradisíaco, próxima a uma praia de mar aberto, limitada por montanhas cobertas pela Mata
Atlântica, onde atualmente é palco de ecoturismo, à época, representava muros
intransponíveis e a sensação de prisão constante aos detentos lá inseridos (SANTOS, 2009, p.
17).
Segundo a autora,
nos séculos anteriores, a condição de isolamento da Ilha Grande propiciou
proteção e liberdade para aqueles que procuravam refúgio da ordem
instituída. As histórias mais antigas da Ilha envolvem relatos sobre a
ocupação daquele território por tamoios, pirata e mercadores ilegais de
escravos. Ao longo do século XX, entretanto, uma transformação importante
aconteceu, pois de refúgio a ilha tornou-se o lugar de suplício dos que
ameaçavam a lei. Não só as autoridades passaram a ter controle sobre
lugares mais distantes, como os colocavam à sua disposição para o controle
da ordem. As autoridades brasileiras acompanharam tendências observadas
em diversas partes do mundo e estabeleceram complexos correcionais e
penitenciários em lugares de difícil acesso. (SANTOS, 2006, p. 445)
ações políticas dos governantes mineiros podem ser não determinadas, influenciadas por valores, práticas,
sentimentos ou representações comuns. Ver, ainda, Motta (2009, p. 21).
99
A Ilha Grande é a segunda maior ilha oceânica do Brasil e fica a 150 km do Rio de Janeiro e a 400 km de São
Paulo, dois centros urbanos.
72
Da mesma forma ocorreu em São Paulo. A Colônia Correcional Ilha dos Porcos100
também foi instalada em uma ilha (Ilha Anchieta), a segunda maior no litoral do estado,
próxima a Ubatuba. Essa instituição se prestava à formação de hábitos de trabalho e educação
aos vadios e vagabundos, tais como considerados pela Lei n.º 145 de 1893. A saber, em 1902,
o arquiteto Francisco de Paula Ramos de Azevedo, formado na Bélgica, elaborou o projeto da
colônia, que “visava atender aos propósitos de reabilitação social e reeducação, fazendo com
que a arquitetura minimizasse a ideia de confinamento, principalmente em relação à forma e
disposição dos pavilhões, como também na ausência de muros altos” (HORTA, 2013, p. 39).
Todavia, cabe destacar que a escolha da ilha como local de instalação da Colônia Correcional
Ilha dos Porcos se deu, principalmente, pelas características físicas de isolamento, afinal,
substituíam-se os altos muros por quilômetros de águas intransponíveis a nado. O
deslocamento a barco entre a Ilha e Taubaté, por exemplo, onde estava sediado o 5º Batalhão
de Caçadores da Força Pública do Estado de São Paulo, durava cerca de 5 horas.
100
As atividades iniciaram em 1906, e eram principalmente agrícolas (roçando mata, plantando batata doce,
feijão, mandioca, cará e outras árvores frutíferas), mas também se desenvolviam as pecuárias bovina e suína.
Porém, a colônia falhou em seus objetivos de recuperação e pelo alto custo de manutenção, razão pela qual foi
desativada e transferida para Taubaté, no Vale do Paraíba. Foi retomada em 1928, só que dessa vez para o
recolhimento dos presos políticos, sendo desativado em 1955, após intensas rebeliões carcerárias.
73
Conforme se observou, era uma tônica dessas instituições o fato de serem instaladas
em locais de difícil acesso, afastados dos centros urbanos. As ilhas eram perfeitas para isso.
Os quilômetros de água que cercavam terra firme se transformavam em muros invisíveis,
expressões fictícias de liberdade que impediam o contato dos detentos com a sociedade.
Frustrados pela privação da liberdade e pela falta de relacionamentos, acabavam formando um
núcleo social dentro da própria ilha, que pouco ou nada refletia as dinâmicas sociais exigidas
para que se efetivasse a ressocialização tão desejada.
Costa (2009) mostrou bem a sensação dos presos em prisões sediadas em ilhas, dando
como exemplo a de Fernando de Noronha:
José Lins do Rego, em seu romance Usina, narra, em sua primeira parte, a
prisão do moleque Ricardo em Fernando de Noronha: “todos tinham raiva do
mar, um ódio igual ao que tivessem pelas grades da cadeia. O mar prendia-
os, o mar era o grande carcereiro”. O mar apresentava-se, não apenas como
muro, mas um vigia, uma boca que não cansava de avisar gritando que dali
não havia saída. “O mar da ilha não baixava a fúria de suas ondas nas pedras.
Espumava, rugia todas as horas, enraivecido. Era um carcereiro que não
dormia, um elemento que os homens aproveitavam de Deus para castigar
outros homens”. O mar vigilante cercava, murava, confinava os presos.
(COSTA, 2009, p. 139)
Colônia pudesse ter sido instalada em uma ilha; todavia, sustentamos o argumento de que os
vadios eram para lá enviados não porque as autoridades queriam vê-los simplesmente
isolados, mas, sim, porque almejavam corrigir e habituá-los ao trabalho, prevenindo a
consumação de novos crimes, bem como aproveitando para formá-los como mão de obra na
lavoura, ao mesmo tempo em que davam legitimidade para a polícia poder exercer sua
repressão. Em outras palavras, esse ambiente foi pensado para ser um ponto de integração,
não de exclusão. Aqui se encontrou a especificidade mineira na constituição das colônias
correcionais, e a inovação de nossa pesquisa para os demais trabalhos sobre o tema.
Dessa maneira, entendemos que a zonas urbanas e rurais, pelo menos no entorno da
nova capital, não eram tão distantes assim, seja espacialmente quanto culturalmente. Isso
porque, embora os governantes considerassem que a cidade era o espaço civilizado por
excelência, a zona rural não era considerada seu antônimo correspondente. Carmo (2009, p.
263-264), ao analisar a relação entre urbano e rural, mostrou, por exemplo, que “nem é o
moderno que invade e coloniza os espaços rurais, nem é a tradição que se apropria, à sua
maneira, dos fenômenos urbanos; existe é uma relação constante que depende dos contextos
sociais".
É por isso que nosso argumento se baseia na ideia de que a decisão em colocar a
colônia correcional nessa região não foi coincidência ou mera oportunidade geográfica. Não
era objetivo, simplesmente, isolar os vadios em “ilhas” ou zonas rurais “atrasadas”. Bem se
viu, no segundo capítulo, que a correção desses indivíduos tinha finalidades específicas, e
colocá-los próximos à nova capital era fundamental para concretizar tais anseios. A formação
para o trabalho tinha um caráter ressocializador, interessando-se na reintegração dos vadios à
sociedade. As autoridades buscavam moldá-los sob o modus vivendi do trabalhador
republicano, e não mais do ócio, razão pela qual não podemos tratar “zona urbana” e “zona
rural” como se fossem polos opostos, mas sim espaços ativos e dinâmicos que se apropriam
de uma série de fatores de ordem social, econômica e cultural. Em outras palavras, eram
políticas que, embora diferentes, não colidiam, mas geravam novas modalidades de
desenvolvimento, trazendo em si os gérmens da modernização e da superação dos atrasos que
se queria em Minas Gerais. De maneira geral, isso é o que pretendemos mostrar aqui.
Nesse sentido, estruturamos este capítulo em três subtópicos. O primeiro no sentido de
elucidar o que entendemos por modernidade e superação dos atrasos e como tais projetos
afetaram as políticas no Brasil do século XIX. O segundo, por sua vez, explicará os aspectos
da modernização e da ressignificação do espaço urbano, feitos por meio da mudança da
capital, da construção de uma nova cidade e da consequente conexão de várias regiões em um
75
ponto central de Minas. Entendendo que essa modernização urbana não pode ser dissociada
de outras práticas modernizantes, mostraremos, no terceiro tópico, como o projeto de
imigração e colonização, delineado no final do século XIX, regeu as bases para a formulação
de uma modernização agrária, e isso não passou desapercebido pelas autoridades responsáveis
por instalar a colônia correcional. Buscava-se aliviar o peso das receitas do estado em relação
à importância que o café exercia na economia, principalmente com o anúncio da abolição.
Para isso, optou-se pela criação de núcleos coloniais nos arredores da nova capital e em outras
regiões, interiorização do território pelas vias férreas, renovação das práticas agrícolas,
adoção da policultura e colonização do imigrante europeu civilizado e apto ao trabalho, ao
mesmo tempo em que se reprimiriam e se corrigiriam os vadios e ociosos, ensinando-lhes os
princípios de uma vida laboriosa.
O século XIX foi decisivo para a história nacional e viveu grandes mudanças nas
esferas social, política, econômica, cultural e ideológica. Conforme mostrou Hobsbawm
(2010), esse período inaugurou uma nova maneira de inscrever os países na modernidade
ocidental, na qual não havia outro modelo operacional além da “ocidentalização” ou
“modernização”, ou o que se queira chamá-lo.
Em um mundo dominado pela “razão”, cientistas não apenas valorizavam a ciência,
como também advogavam a impossibilidade de outra solução não científica para os
problemas. Ela era vista como um critério de validação da própria prática humana. A técnica,
o método, a especialização, em resumo, a ciência moderna, daria às instituições a
possibilidade de prosperidade ilimitada, realizada por um processo de sucessivas
autocorreções, e que, por consequência, levariam a humanidade à completude de todas as suas
necessidades. Ademais, era uma atividade geradora de ideais e valores, um padrão de
modernidade a ser seguido.
Conforme mostra Pádua,
A ideia de progresso, por sua vez, encontrou a sua expressão clássica manifestada de
formas variadas nos escritos de Bacon, Turgot, Condorcet Saint-Simon, Comte, Spencer e
mais tarde nos expoentes do “darwinismo social”, mas todos tinham em comum a
manifestação de uma fé no progresso humano, implicando, de um lado, um objetivo (pelo
menos direção) a ser seguido e de outro um juízo de valor (LE GOFF, 1984, p. 339).
Nesse sentido, Rossi mostrou que a fé no progresso presente nas filosofias do século
XIX sustentava-se em três convicções:
1. na história está presente uma lei que tende, através de graus ou etapas, à
perfeição e à felicidade do gênero humano; 2. tal processo de
aperfeiçoamento é geralmente identificado com o desenvolvimento e com o
crescimento do saber científico e da técnica; 3. ciência e técnica são a
principal fonte do progresso político e moral, constituindo a confirmação de
tal progresso. (ROSSI apud PÁDUA, 2012, P. 35)
É com base nisso que utilizamos o argumento de Marshall Berman (1986), segundo o
qual ser moderno naquele período era estar dentro de um turbilhão permanente de
desintegração e mudança, em uma reforma total na sociedade. Era promover o novo, sempre
buscando uma autocorreção tendo em vista o melhor, o positivo. As ideias de progresso e de
modernização correspondiam à noção de civilização, como se existissem estágios de
evolução, cujas nações civilizadas estariam à frente na escala de desenvolvimento social,
cultural e moral, enquanto as nações não desenvolvidas buscariam, cada uma à sua maneira,
alcançar esse patamar por meio desses projetos de modernidade, materializados em grandes
reformas urbanas, projetos sanitaristas, mudança de comportamentos e valores tradicionais,
entre outros.101
Na busca do progresso, políticos e intelectuais brasileiros apresentaram ideias para
explicar o “atraso” nacional e estabeleceram estratégias no intuito de superá-lo, especialmente
as políticas que envolviam a “civilização” do território. As fórmulas propostas, muitas vezes
importadas da Europa, tinham como objetivo mudar o descompasso em que julgavam se
101
Berman (1986, p. 15), na esperança de ter algum controle sobre o estudo da modernidade, divide-a em três
fases: uma primeira vai dos séculos XVI ao XVIII, na qual as pessoas estão começando a experimentar a vida
moderna, mas sem saber ao certo o que isso significa. A segunda fase começa com a onda revolucionária de
1790, quando o povo tinha uma maior consciência de estar vivendo em uma era revolucionária, se não isso, em
uma era que desencadearia explosivas convulsões tanto nos níveis privados quanto públicos. Tal período,
contudo, convive em um mundo que não chega a ser moderno por inteiro, restando reminiscências materiais e
espirituais de um passado tradicional. A terceira e última fase se desenvolveu no século XX em uma cultura
mundial do modernismo.
77
Cabe ressaltar, ainda, que o delicado momento político e econômico enfrentado pelo
Brasil fez com que os espaços das cidades se transformassem, passando a promover o
encontro de desiguais, constituindo-se em um lugar que, para alguns, era perigoso para se
viver. A resposta acabou surgindo com a ciência, que despontava como detentora universal
das soluções, propondo a resolução por meio do conhecimento racional e experimental
relacionados com as novas formas de punição.
Logo, ordenar os comportamentos naquele momento implicava estabelecer fronteiras
entre ordem e desordem. Nesse sentido, tolerar os vadios era, por consequência, inaceitável,
uma vez que eles representavam todo o passado de “não trabalho” que se queria suplantar.
Chalhoub (1986, p. 49), por exemplo, salientou que a ociosidade era configurada como uma
“depravação dos costumes” orientados pelo modelo capitalista de produção, razão pela qual
era tipificada como uma infração penal. O mundo da ociosidade era “percebido como uma
aberração, devendo ser reprimido e controlado para que não comprometa a ordem, razão pela
qual, para combatê-los, a ciência e a técnicas seriam fontes importantes, tendo na educação e
no trabalho seus expoentes principais para disciplinar esses transgressores da ordem”. O
problema da criminalidade seria tratado não mais por métodos dedutivos e abstratos, mas por
penas corretivas com trabalho e educação, fundadas no utilitarismo das punições, destinadas a
prevenir delitos e ressocializar indivíduos, e não simplesmente castigá-los. Desejava-se “que
os homens livres internalizassem que o trabalho era um bem, o valor supremo regulador do
pacto social”, um dos pré-requisitos necessários à inserção do país na era do progresso e da
civilização (Idem, p. 30).
Por esse ângulo, levando-se em consideração que nos interessa analisar as políticas de
modernização urbanas e agrárias, tendo em vista a região específica na qual foi inserida a
Colônia Correcional Agrícola do Bom Destino, defendemos a premissa de que a criação de
uma instituição voltada para a correção dos vadios na denominada zona rural da nova capital,
entre os limites de Belo Horizonte, Sabará e Santa Luzia, carregava em suas formulações
objetivos congruentes com os da mudança da capital e de construção de uma nova cidade,
assim como os de imigração e colonização propostos no final do século XIX. Afinal,
interpretando o espaço rural a partir de uma perspectiva dinâmica e pluridimensional,
constatamos que o envio dos ociosos condenados pela justiça para lá significava mais que um
79
“isolamento” desses indivíduos em zonas “atrasadas”, mas uma forma de integração junto da
população urbana.
A fim de analisar os aspectos que envolveram a escolha do local de instalação da
primeira colônia correcional no Estado de Minas, apresentaremos os ideais, as representações
e as práticas presentes nos projetos imigrantistas adotados pelo governo mineiro para atender
a região central do estado, principalmente no que se refere à construção do Núcleo Colonial
Maria Custódia. Todavia, antes, interessam-nos as discussões sobre a mudança e construção
da nova capital, seu espírito republicano e o sentido pedagógico da sua organização espacial,
dada a importância de uma cidade planejada. Assim sendo, a justificava da construção da
nova capital ajudaria a entender quais ideais fundamentavam a própria construção da Colônia
Correcional no Estado de Minas. Era um espírito novo que estava presente. Não se aceitava
uma capital como Ouro Preto, assim como não se aceitava uma cadeia como a de Ouro Preto.
aquele que tem por objeto dotar o Estado de uma nova capital, que seja um
centro de atividade intelectual, industrial e financeiro, e ponto de apoio para
a integridade de Minas Gerais, seu desenvolvimento e prosperidade, pois que
de tal condição carece, infelizmente, a atual Capital, tão prestigiada,
entretanto, de recordações, que formam o mais caro patrimônio histórico do
povo mineiro104.
Segundo Viscardi (2007, p. 30), as pressões para a mudança da capital são anteriores à
Constituinte; todavia, tornaram-se mais sérias com a chegada da República, destacando-se as
reivindicações do principal jornal da cidade de Juiz de Fora na época, O Pharol. A imprensa
na zona da mata alegava essa ser a região economicamente mais desenvolvida de Minas
Gerais, visto sua proximidade com Rio de Janeiro, eixo principal da economia brasileira. Por
sua vez, o maior opositor vinha de Ouro Preto, por meio do Jornal de Minas, o qual defendia
a permanência da capital, alegando que a cidade reunia um aparato estrutural montado para
cumprir o papel de capital do estado, além de ser uma cidade de tradições, glórias e belezas.
Nas palavras da autora:
104
LIMA, Augusto de (1891, p. 15) apud RESENDE (1974, p. 603).
81
as rivalidades explodiam”, mas essa última [Curral d’El Rei] acabou sendo a escolhida”
(Idem, p. 605).
Não é nosso objetivo aprofundar nas discussões travadas entre “mudancistas” e
“antimudancistas”, tampouco esmiuçar a complexidade que envolve embate sobre a nova
capital.105 Interessa-nos, tão somente, um ponto específico desse debate que nos auxiliará no
argumento sobre o local de escolha da primeira colônia correcional do estado: a ideia de uma
cultura política da mudança, uma modernidade que tinha como caminho uma ruptura com o
passado colonial e, como consequência, a cisão político-administrativa com Ouro Preto. Não
nos passa desapercebido que nem toda questão da transferência da capital está embalada pelo
discurso modernizante e civilizatório. Ela também está ligada, em parte, a um interesse da
elite da Zona da Mata para associar o poder econômico ao político na região. Todavia, esse é
um ponto que não nos interessa no momento, tendo em vista os objetivos pretendidos no
capítulo.
Dessa maneira, Natal argumenta que
O autor ainda nos mostra que mesmo entre os “antimudancistas”, que pregavam a
permanência da capital tendo em vista os custos de uma nova cidade, Ouro Preto deveria ser
105
Viscardi (2007) divide a produção sobre o tema em dois grandes grupos, um que destaca os conflitos
regionais na disputa entre mudancistas e não mudancistas. Afonso Arinos, por exemplo, acreditava que essa
dicotomia se dava, respectivamente, por conta de interesses entre regiões economicamente dominantes (Zona da
Mata e Sul) e outras decadentes (regiões mineradoras, principalmente Ouro Preto). Moema Siqueira, por sua vez,
atribui às diferenças entre republicanos progressistas e reacionários de um lado e conservadores de outro (ver
também Helio Lobo e Vera Cardoso Silva); a outra parte da historiografia não vê a mudança da capital e escolha
do local da nova cidade como um embate entre mudancistas e não mudancistas, mas como uma conciliação entre
diferentes regiões mineiras em busca de uma unidade ao estado (ver Maria Efigênia Lage Resende, Paul Singer,
Jonh Wirth, Peter Blasenheim, Francisco Iglesias e Helena Bomeny).
106
Reconhecemos que não havia uma homogeneidade de opiniões quanto à mudança da capital, tampouco
quanto às novidades nela inseridas. A formação da cidade tinha de debater com os paradoxos da modernidade ali
anunciada. Os estudos de Simão (2008) mostram, por exemplo, a diversidade de perspectivas e os debates
adjacentes à construção da nova capital feitos pelo Padre Francisco Dias. Esse pároco da Matriz de Boa Viagem
“tornou-se formulador de um discurso que via na cidade o signo do progresso bom e necessário, mas que devia
ser ponderado com as práticas costumeiras da vida dócil e trabalhadora do povo mineiro, fiel às duas instituições
basilares da cultura local: família e religião” (Idem, p. 31). Entretanto, mesmo entendendo que a construção da
nova capital não prefigura apenas um mundo social, defendemos a ideia de uma cultura política da modernidade,
pelo menos entre grande parte dos governantes mineiros e seus técnicos responsáveis pela Cidade de Minas. Para
uma análise historiográfica sobre esse assunto, ver também Iglesias (1987) e Faria (1985).
82
reformulada, como ocorreu, por exemplo, no projeto criado em 1891 de modernização urbana
denominado “Empresa de Melhoramentos da Capital”, que foi confeccionado para remodelar
a cidade colonial, dando-lhe um traçado moderno e abandonando o desenho antigo. Em outras
palavras, tanto “mudancistas”, que primavam pela fundação da nova capital, quanto
“antimudancistas”, que defendiam o passado glorioso de Ouro Preto, buscavam uma
modernidade a partir de novos conceitos e valores instituídos pela República.
Durante o século XIX, Ouro Preto era visto como um núcleo urbano atrofiado, com
ruas irregulares e becos estreitos e mal traçados. Suas construções não eram planejadas e
sequer possuíam algum ordenamento racional, feitas de maneira aleatória. Além disso, seus
edifícios públicos e privados tinham um péssimo estado de conservação. Por óbvio que tudo
isso impossibilitava o crescimento. A região tinha um solo infértil, com seu terreno
acidentado e enormes dimensões de seus morros e montanhas. Nas palavras de Aarão Reis, a
“vetusta Ouro Preto, que se apinacula (sic), tristonha, nos beirais do caldeirão formado pelos
serros do Itacolomy, sem horizontes, sem luz, sem espaço, nem ar para a acanhada população,
que se atrofia naquelas ladeiras quase inacessíveis”.107
Quanto às cadeias, era comum o pedido de reforma e novas construções. Mesmo a da
capital, “que é a melhor e mais segura, apesar de ter espaçosas enxovias e outros cômodos,
precisa de melhoramentos”, enquanto as demais estavam em péssimas condições. Além disso,
faltava no estado um estabelecimento correcional, conforme mostrou o chefe de polícia:
“insisto pela criação de um estabelecimento penitenciário nesta Capital, onde cumpram
sentença os réus condenados à prisão com trabalho”108. Em resumo, Ouro Preto tinha o signo
da desordem e do atraso brasileiro. Representava as eras colonial e monárquicas que deveriam
dar lugar à República mediante uma política de modernização urbana, agrária, penitenciária e
outras.
Mesmo assim, embora a Zona da Mata e o Sul de Minas, principais produtores e
exportadores no comércio cafeicultor, tenham crescido em importância nesse período,
especialmente com a desaceleração das práticas mineradoras desde o final do século XVIII,
nenhuma cidade mineira conseguiu transformar-se em um efetivo centro político-econômico
de Minas. Ouro Preto continuava sustentando a imagem de uma cidade decadente, irracional,
107
REIS, Aarão. In: ESTADO DE MINAS GERAES. COMISSÃO CONSTRUCTORA DA NOVA CAPITAL.
Revista Geral dos Trabalhos: publicação periódica, descritiva e estatística, feita com autorização do Governo
do Estado sob direção do Engenheiro Chefe Aarão Reis. Vol. I, Abril de 1895, p. 12.
108
BASTOS, João Coelho. Relatório do Chefe de Polícia. In: MINAS GERAIS. Relatório com que o Exmo.
Sr. Senador Joaquim Floriano de Godoy, no dia 15 de janeiro de 1873, passou a administração da
Província de Minas Gerais ao 2º Vice Presidente, o Exmo. Sr. Dr. Francisco Lente da Costa Belém, por
ocasião de retirar-se para tomar assento na Câmara Vitalícia. Ouro Preto: Imprensa Nacional, 1873, p. 15.
83
desordenada e ultrapassada, perdida em um passado que deveria ser esquecido. Esse foi o
cenário que sugeriu a necessidade de mudança da capital, mais urgente ainda pelas tendências
separatistas que ameaçavam a integridade do território mineiro pela carência desse centro.
A mudança da nova capital surgiu, portanto, dos desejos e necessidades de uma
parcela significativa da elite mineira, empenhada em recolocar Minas em importante lugar no
âmbito da economia nacional, “um ponto de apoio para a integridade de estado, seu
desenvolvimento e prosperidade, pois que de tal condição carecia, infelizmente, a atual
Capital”.109 A cidade deveria constituir polo coordenador ou centro da multifacetada
economia mineira no final do século XIX; em outras palavras, a capital seria o cerne
integrador do “mosaico mineiro”, ao mesmo tempo em que superaria o atraso representado
pelo passado colonial (WIRTH, 1982).
Verificamos até aqui que a vitória dos “mudancistas” e a consequente transferência da
capital para a região central do estado (Curral del Rei – Belo Horizonte) representou um
espírito de mudança a respeito da formação de uma consciência nacional, transformação do
espaço urbano e consolidação do próprio estado. Porém, outra questão se colocava: a
construção de uma nova cidade e a materialização da noção de civilização e progresso, e isso
ficou a cargo do engenheiro Aarão Reis e da Comissão Construtora da Nova Capital. Segundo
Salgueiro (1997), ele teve uma formação politécnica, militância republicana, foi ativo no
jornalismo, inclusive na imprensa abolicionista, e também professor na Escola Politécnica do
Rio de Janeiro. Seu pensamento e as ações foram pautados na razão e na ciência, partindo de
Condorcet, passando por Saint-Simon até finalmente abraçar a filosofia comtiana. Ele foi
tradutor do próprio Condorcet e leitor de Jean-Baptiste Say, Comte e Haussmann, para citar
apenas algumas das referências francesas que sustentavam sua visão progressista com
influência positivista sobre temas de política, economia e planificação urbana.
Sobre o projeto de Belo Horizonte, Lopes afirma que ele
109
LIMA, Augusto de (1891, p. 15) apud RESENDE (1974, p. 603).
84
A planta da Cidade de Minas foi ordenada segundo um arranjo composto por três
zonas concêntricas. A área urbana, envolta da Avenida do Contorno, seria a cidade por
excelência, habitada pelas boas famílias e funcionários do estado; a segunda seria uma zona
suburbana, uma espécie de transição entre o urbano e o campo, reservada aos operários e
antigos moradores do Curral del Rei. Por fim, a zona rural (ou colonial), que
parte estaria ocupada por fazendas e povoados, que não tinham sido
incluídos na área destinada à nova cidade e que permanecem nas mãos de
seus proprietários; outra parte da zona rural seria a zona de sítios que figura
em algumas das plantas da Comissão Construtora da Nova Capital. Esta
zona de sítios seria formada por terrenos em torno dos mananciais de água e
por áreas potencialmente valiosas para uma futura expansão urbana.
(AGUIAR, 2006, p. 23)
Devemos perceber, contudo, que a ideia de que o núcleo de Belo Horizonte, cercado
pela Avenida do Contorno, seria um centro ordenado, em contraposição à área que
extrapolava esse limite, que teria a desordem como ponto predominante, impôs-se na
historiografia mineira sobre a Capital durante longo período. Essa ideia, porém, não se
sustenta completamente.110
Se retomarmos o argumento de que a nova capital mineira foi projetada e construída
segundo os moldes retilíneos e calculados, em um plano de cidade que buscou uma ordem
urbana abrangente, feita por um engenheiro de formação positivista, podemos concluir que
essa “área periférica” não surgiu ao acaso, fruto de um crescimento desmedido ou mesmo não
previsto pela Comissão Construtora da Nova Capital, tampouco teria o caráter exclusivamente
segregativo. Pelo contrário, entendemos, tal como mostrou Aguiar (2006, p. 15), que a “coroa
externa da Contorno esteve presente nesse plano, organizada de forma clara e em moldes bem
distintos dos da área central”.
Com isso, podemos associar a área periférica da capital como uma transição entre
urbano e rural, uma área de expansão urbana, integrante do plano da Comissão Construtora.
Ela seria antes uma ligação, não uma barreira. Nesse sentido, a colônia correcional agrícola ali
instalada, muito mais do que simplesmente segregar os excluídos indesejáveis da sociedade,
objetivava reinserir os vadios tendo como suporte a educação e trabalho.
Se tomarmos em consideração a Colônia Correcional de Dois Rios (RJ), principal
influência da Colônia Correcional Agrícola do Bom Destino, podemos perceber que a
instituição prisional fluminense estava inserida na comunidade de Dois Rios, situada em uma
110
A concepção espacial da área externa da Avenida do Contorno foi avaliada e analisada por arquitetos,
urbanistas e historiadores. O contraste entre a regularidade do núcleo e a irregularidade das zonas suburbanas e
rurais intrigou todos esses autores. Pesquisadores como Continentino (1937), Varconcellos (1947) e Boltshauser
(1968) destacaram a ocupação desordenada das áreas periféricas, representativa da desordem urbana, e
“avaliaram a planificação da zona suburbana apresentada no projeto da CCNC nos termos mais desfavoráveis e
os subúrbios como espaço não planejado ou projetado de modo negligente” (AGUIAR, 2006, p. 220). A partir
dos anos 1970, outros trabalhos trouxeram uma nova visão do espaço urbano projetado e implantado na nova
capital de Minas Gerais. Adelman (1974), Le Ven (1977), Faria (1985), Madsen Melo (1991) e Julião (1996)
apresentavam Belo Horizonte como uma cidade segregada, ou seja, “uma cidade na qual, logo a partir das
ocupações iniciais, as diferentes classes sociais se distribuíram, ou foram distribuídas, por espaços claramente
distintos, produzindo uma organização espacial que refletiria uma sociedade dividida, estratificada e
hierarquizada” (AGUIAR, 2006, p. 200). Ao longo dos anos 1990, disseminaram-se argumentos que buscavam
rever o papel reservado no plano da CCNC à zona suburbana e à zona rural da nova capital, vistos
principalmente em Salgueiro (1994), Passos (1996) e Bruand (1999). Neles, a zona suburbana seria um espaço
de transição entre a cidade, representado pela área urbana, e o campo, englobando a zona de sítios e o restante a
zona rural. Além disso, também seriam espaços complementares à área urbana, abrigando grandes equipamentos
de infraestrutura urbana, como matadouro, instalações para tratamento de esgoto e oficinas ferroviárias. Nesse
sentido, avaliam que “os subúrbios são áreas de expansão urbana e depois como espaço de transição entre a
cidade e campo ou como parte integrante do arranjo espacial proposto pelo plano da CCNC, dotada de caráter
específico e não necessariamente destinada a ser espaço de vida dos pobres” (AGUIAR, 2006, p. 220).
86
ilha a quilômetros da Capital Federal. Isso ocorreu também com a ilha de Fernando de
Noronha, que, por muitos anos, foi considerada a principal cadeia do Brasil, e também com a
Ilha dos Porcos (SP), onde foi instalada a colônia correcional paulista. Seja fisicamente por
meio de ilhas, seja simbolicamente por meio da Avenida do Contorno, os desviantes deveriam
ser isolados do centro urbano que se queria civilizado. Todavia, no caso mineiro, esse
isolamento não devia ser eterno e irreversível, entendido unicamente como reflexo de uma
sociedade estratificada, segregada e hierarquizada. Pelo contrário, também deve ser pensado
como possibilidade de modernização penitenciária pautada na transformação do vadio em um
cidadão útil e trabalhador para a cidade, ao mesmo tempo em que o formava como mão de
obra para a lavoura e a indústria.
Esse argumento fica ainda mais claro quando entendemos que foi justamente essa zona
rural que representou o ponto de intercessão entre os empreendimentos de modernização
agrária e urbana realizados na região central de Minas. Aqueles, voltados para a colonização
do interior do território, renovação das práticas agrícolas, adoção de uma policultura e
abastecimento da nova capital, e estes, representados, predominantemente, pela construção da
“Cidade de Minas”.
Dessa maneira, pensando na zona rural, a nova capital, mesmo que inserida em um
projeto de modernização de bases urbanas, teve em seu planejamento traços de uma
modernização agrária, vistos em três momentos principais. Um foi a tentativa de estabelecer
campos práticos de demonstração, a fim de formar uma mão de obra qualificada capaz de
difundir técnicas agrícolas aperfeiçoadas e diversificar a cultura, permitindo, assim,
alternativas ao café. Outra iniciativa era a criação da colônia do Barreiro que, além de garantir
a posse dos mananciais lá existentes para abastecimento da nova capital, daria continuidade
ao projeto de imigração e colonização já iniciado pela Secretaria da Agricultura, Comércio e
Obras Públicas no final do século XIX. A terceira iniciativa foi a criação de núcleos
coloniais111, formando a “zona colonial”, na esperança de que o
111
A “zona colonial” da nova capital foi estabelecida pelo governo mineiro entre os anos de 1898 e 1899, por
meio de cinco núcleos coloniais organizados pela Repartição de Terras e Colonização da Secretaria da
Agricultura, Comércio e Obras Públicas, representada por Carlos Prates, inspetor desde abril de 1895. Os
núcleos seriam: Adalberto Ferraz; Afonso Pena; Américo Werneck; Bias Fortes e Carlos Prates. Todavia, ainda
em 1895, às vésperas da inauguração da nova capital, inaugurou-se a Colônia do Barreiro (AGUIAR, 2006).
87
Essas seis colônias, mais a zona de sítios, fazendas e povoados que não foram
incluídos na área destinada à nova cidade, mas lhe era adjacente, tinham três pontos
principais: 1) seriam polos de abastecimento da nova capital (associação entre o urbano e
rural); 2) povoariam os vastos subúrbios com pequenos agricultores e operários (área de
expansão urbana); e 3) dariam continuidade ao projeto de modernização agrícola da região e
do estado iniciado no final do século XIX, por meio da interiorização do estado, da renovação
das técnicas de plantio e do fornecimento de mão de obra de qualidade.
Levando-se em consideração que a área externa da Av. do Contorno foi planejada, e
também que as iniciativas voltadas para a imigração, colonização foram associadas à nova
capital, temos base para inferir que esse trinômio (construção da nova capital, imigração e
colonização) resultou em um processo modernizante diferenciado nessa região central do
estado de Minas, razão pela qual a Colônia Correcional não deve ser entendida apenas como
uma “ilha intransponível” para deter os vadios, mas um espaço de transição. Um projeto de
imigração que não esteve voltado para os interesses da grande lavoura nem para a reposição
de uma mão de obra agroexportadora afetada pela recente abolição, mas com olhos para a
valorização da policultura, a diversificação agrícola, o abastecimento de um conhecimento
técnico que não possuíamos e a formação de uma mão de obra nacional e estrangeira.
Cabe-nos, portanto, analisar os debates legislativos, decretos e discursos sobre política
imigrantista nas primeiras décadas republicanas, especificamente as que se referem ao Núcleo
Colonial Maria Custódia, a fim de que possamos identificar os interesses que levaram à sua
instalação. Buscaremos mostrar que essas políticas, muito mais complexas do que a simples
reposição de mão de obra para a cafeicultura, podem (devem) ser analisadas conjuntamente a
outras variáveis, tais como as reformas urbanas, sociais, penais entre outras.
estabeleceram, entre outros fatores, pelos lugares geográficos, tipos de trabalho adotados,
assentamentos dos imigrantes e interesses das elites governamentais.
Com a República, e a ela atrelado o federalismo, houve uma redistribuição dos
encargos referentes à imigração, transferindo aos estados a responsabilidade sobre a
destinação desses tributos e sobre as terras devolutas, fazendo com que tal movimento
imigratório ganhasse ainda mais força, sendo responsável pela entrada de parcelas
consideráveis de alemães, italianos, poloneses, ucranianos, russos e outras nacionalidades,
principalmente nas regiões do Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo. Tais investimentos
tiveram objetivos diversos de acordo com as necessidades de cada região.
Quanto a Minas Gerais, retomemos, aqui, o argumento de Wirth (1982) sobre o
“mosaico mineiro” e seu duplo aspecto: o de que o desenvolvimento de cada região se deu em
uma linha de tempo diferente e o de que as regiões que faziam parte deste todo se
articulavam, muitas vezes, com as unidades federais que possuíam semelhança. Os
empreendimentos modernizantes (urbanos e rurais) foram justamente formas do governo
administrar essas identidades sub-regionais, e com isso faziam com que as práticas
imigrantistas mineiras fossem não só variadas diante de outros estados brasileiros,
especialmente São Paulo, como também entre as próprias zonas no interior do território
mineiro. Em outras palavras, a política de imigração e colonização estrangeira foi mais
complexa do que a simples ideia de uma transição gradual do trabalho escravo para o livre e
de reposição de braços para a lavoura cafeeira.
Ana Lúcia Duarte Lanna (1985, p. 48-9), apoiada nos estudos de Norma Goés
Monteiro (1973) e fundamentada em fontes legislativas e nas atas do Congresso Agrícola de
1878, ao discutir o processo de transição para o trabalho livre em Minas, já mostrava que a
bibliografia dedicada ao tema muitas vezes tomava a imigração, tal como ocorreu em São
Paulo, como o único caminho diante do fim iminente do sistema escravista, deixando de lado
as diversidades regionais e as diferentes formas de transição. Para ela, em meio a projetos de
abolição lenta e gradual, imigração chinesa, aproveitamento do trabalhador nacional e
imigração europeia, associados a uma realidade de expansão do cultivo do café, São Paulo
traçou políticas de atração de imigrantes e de incorporação desses à rotina das fazendas
escravistas, buscando a substituição do braço escravo. Minas, por sua vez, cético quanto à
imigração em massa como solução preferencial, voltou-se para um tímido povoamento do seu
solo, por meio dos núcleos coloniais, apostando, ainda, na formação do nacional para o
trabalho.
89
112
A respeito desta Hospedaria Horta Barbosa, Saraiva (2001) mostrou que sua criação (1888) era uma forma de
as elites locais aumentarem a mão de obra disponível, e isso sem significar que houvesse uma carência de
trabalhadores. Para o autor (Idem, p. 62), “o trabalho imigrante em Juiz de Fora, especificamente nas lavouras de
café, vai ser, na maioria dos casos, minoritário, pois no pós-abolição já podemos perceber a coexistência entre o
trabalho dos nacionais e de estrangeiros nos diversos distritos e fazendas”.
90
113
Conforme apresenta Schwarcz (1987, p. 245), buscando apreender a representação das elites sobre os anos
finais da escravidão, afirmava que o negro era considerado um “estrangeiro indesejável” a partir do momento
que a política imigrantista passou a ganhar força. A introdução do europeu servia a um ideal de construção de
uma nova nação, composta por homens brancos, sadios, laboriosos e civilizados, padrões prevalecentes na época.
Skidmore (1989) também se preocupa com essa imagem sobre raça e nacionalidade no pensamento brasileiro, e
ressaltava a popularidade do ideal de branqueamento e na ideia de superioridade do estrangeiro branco europeu
em relação aos nacionais (o que depois desencadeou nas teorias científicas sobre racismo e o darwinismo social).
91
abastecer a Cidade de Minas (Idem, p. 263). As cinco colônias que compunham o núcleo
colonial da nova capital (Adalberto Ferraz; Afonso Pena; Américo Werneck; Bias Fortes e
Carlos Prates), embora fossem agrícolas, também não estavam voltadas para a grande lavoura,
mas para a agricultura intensiva e diversificada destinada ao mercado da região. Outro
exemplo era o núcleo colonial de São João del Rei, que teve mais um caráter político do que
qualquer outra coisa, uma vez que a cidade não apresentava razões econômicas evidentes seja
para a colonização seja para o suprimento de mão de obra para a lavoura, de forma que os
políticos usaram da imigração para se promoverem a nível local (TEIXEIRA, 1994, p. 32).
Embora reconheçamos a importância dos núcleos coloniais patrocinados por
particulares durante esse processo, principalmente daqueles que não viam no sistema de
parceria o modo mais rentável de produção de suas terras, interessa-nos, tão somente, os
núcleos coloniais organizados pelo governo, por meio principalmente da subvenção à
imigração, visto que entendemos ser possível extrair daí princípios norteadores de uma
política governamental de modernização agrária. Baseamo-nos nas legislações produzidas no
período e das mensagens dos presidentes, demarcando as posturas dos governos referentes à
organização e aos serviços do estado.114
A Lei n.º 3.417, de 26 de agosto de 1887, sancionada pelo então presidente da
província, Luiz Eugênio Horta Barbosa, organizava o serviço de imigração e colonização
mineira, autorizando o governo a fazer as operações de créditos necessárias para tal
empreendimento.115 O governo auxiliaria os imigrantes da Europa, Ilha dos Açores, Canárias
e Tenerife que se estabelecessem na província, como proprietários ou locadores de serviços, e
só seriam beneficiários desse auxílio aqueles que se estabelecerem em núcleos do governo
devidamente divididos em lotes. Além disso, ficava autorizado a criar, à proporção que
achasse conveniente, um núcleo colonial na zona de cada uma das estradas de ferro: Minas e
114
Várias leis regularam a imigração e colonização nesse período. Encontramos no site da Assembleia
Legislativa de Minas Gerais as seguintes referências que fazem menção ao Núcleo Colonial Maria Custódia: Lei
n.º 2.819/1881, 3.417/1887, Regulamento n.º 108/1888, Lei n.º 3.598/1888, 3.646/1888, Decreto n.º 443/1891,
Lei n.º 25/1892, 32/1892, Decreto n.º 608/1893, 619/1893, 777/1894. Interessa-nos, todavia, aprofundar somente
na Lei 3.417/1887, que organiza do serviço de imigração e por consequência anuncia a criação da instituição.
Destacamos, também, que não encontramos nenhum trabalho que trate especificamente da criação e
funcionamento do Núcleo em questão, somente o fazem de maneira indireta.
115
A lei propôs um crédito anual de 6:000$000 à associação mineira de propaganda de imigração para auxiliar
na introdução de imigrantes na província, mandando publicar em português, italiano, alemão, inglês, francês e
espanhol, uma notícia resumida de Minas a fim de que seja distribuída na Europa, constando o clima, uberdade
do solo, costumes, tolerância religiosa e riquezas naturais, além de um mapa com os pontos de desembarque,
sedes das hospedarias, cidades e povoações importantes, especiais de lavoura, estabelecimentos industriais,
viação, etc. (art. 6º).
92
Rio, Mogyana, Oeste de Minas, Leopoldina, Bahia e Minas e nas margens do Rio das Velhas,
onde estava em construção a extensão da Estrada de Ferro Dom Pedro II.116
O Núcleo Colonial Maria Custódia surgiu daí e iniciou seu funcionamento em 1889,
trazendo consigo um ideal de modernização agrária, pautado em políticas de imigração,
colonização e povoamento. Poucos anos depois, foi instalada em uma de suas fazendas a
Colônia Correcional Agrícola do Bom Destino, com o objetivo de recolher e corrigir vadios e
ociosos que vagarem pelo território mineiro. Os termos “importância do trabalho”, “correção
do nacional”, “educação agrícola”, “progresso” e “civilização” eram comuns em ambos os
discursos. Diante disso, cabe-nos analisar: quais princípios nortearam os governantes mineiros
ao inclinarem suas práticas à instalação dos núcleos coloniais? O que debatiam? Quais
interesses estavam em jogo? Além disso, de que maneira isso pode ser relacionado à adoção
de colônias correcionais para corrigir vadios e vagabundos em Minas Gerais? Em que medida
o debate sobre imigração afetava a discussão penal (vista no capítulo anterior)? Analisemos
melhor a lei que instituiu o Núcleo Maria Colonial Maria Custódia e seu funcionamento.
No jornal O Baependyano, em um texto sobre a imigração para Minas Gerais, a
redação se congratulava117 pela promulgação da Lei 3.417 de 1887, afirmando que o projeto
imigrantista “seria o início de uma era de maior progresso para esta bela província”. 118 Mas o
que os debates legislativos sobre esse projeto nos indicavam? Destacamos algumas
perspectivas: uma se referia à lei como uma possibilidade de transição lenta e gradual do
trabalho servil; outra possuía um posicionamento totalmente oposto, a lei como um prenúncio
de liberdade dos escravos; a terceira tratava das diferentes possibilidades entre a colonização
estrangeira e nacional, especialmente a formação, pelo trabalho, dos vadios para servirem
como mão de obra.
Quanto à primeira, o deputado e redator Severiano de Rezende119 afirmava que,
tratando-se de substituir o trabalho escravo pelo trabalho livre, nenhuma medida seria mais
116
Também foi essa lei (art. 4º) que autorizou créditos para uma hospedaria na cidade de Juiz de Fora, a futura
Hospedaria Horta Barbosa, em 1889.
117
O proprietário do Jornal, Sr. Amaro Carlos Nogueira, foi mencionado durante o discurso de aprovação da Lei
por conta de já ter apresentado um projeto semelhante alguns anos atrás. Nas palavras Severiano de Resende,
redator da Lei ora aprovada, “eu [Severiano] sou apenas uma gralha da fábula, porque não fui o primeiro que
trouxe a ideia da imigração para esta Assembleia; o Sr. Amaro Nogueira há 5 ou 6 anos apresentou-a aqui”.
(BAEPENDYANO, 1887, p. 1).
118
BAEPENDYANO. Imigração para Minas Gerais. 13 de Setembro de 1887, ano XI, n. 475, p.1.
119
Severiano Nunes Cardozo de Rezende, natural de São João del Rei, onde exerceu por muito tempo o
magistério público, foi vereador e presidente da Câmara Municipal, deputado provincial na 24ª Legislatura
(1886-1887) e na 27ª (1888-1889), sendo neste presidente da Assembleia Legislativa. No período republicano foi
eleito deputado estadual (1891-1898). Pertenceu ao Partido Conservador no Império e ao Partido Republicano
Mineiro na República. Atuou também como escritor e redator Arauto de Minas, cuja legenda já denotava sua
orientação: “órgão do partido conservador”. (BLAKE, 1902, p. 225). Cabe ressaltar que Giarola (2011, p. 21),
93
importante do que a discussão sobre os núcleos coloniais, tal como fizeram os paulistas.
Tirando de outra província o exemplo a ser seguido, ele via nesse projeto de lei uma
possibilidade de transição lenta e gradual do trabalho, principalmente por acreditar poder
“caminhar mais desassombrado, tendo nos cometimentos progressivos da província de São
Paulo um incentivo e segura bússola a nos guiar”. Nas suas palavras, era tempo da província
de Minas se juntar “para o assumpto e congregar esforços de modo a chamar para seu extenso
e ubérrimo solo a torrente da imigração, único meio, que se me tolha, de impedir o baque da
lavoura e o choque tremendo que há de produzir em todos os ramos da nossa atividade a
solução do melindroso problema do elemento servil”. Acrescenta ainda que, “por mais
humanitários que sejam nossos sentimentos, não desejaríamos por tal forma e tal preço
apressar a extinção do elemento escravo, direi mesmo como o ilustre paladino das ideias
liberais, Sr. Senado Silveira Martins: – ‘mais que ao negro, eu amo a pátria’”.120
Com um posicionamento diverso, pautado no abolicionismo integral, Francisco de
Paula Araújo Lobato121 afirmava que
Dentro do seu discurso, ele alegava que “não podemos nos conservar indiferentes e
impassíveis diante deste estado de coisas” e, por isso, elencava a necessidade atrair uma
corrente imigratória, por meio da multiplicação dos produtos, criação de novas indústrias,
melhoramento das vias de comunicação e difusão da instrução pública em todas as camadas
da sociedade, “só assim teremos preparado a nossa província para receber o imigrante
europeu [...] temos incontestavelmente um solo fértil, fecundo, belo e opulento, como nenhum
ao fazer uma análise sobre o jornal sanjoanense Arauto de Minas, do qual Severiano Rezende era redator e
proprietário, afirma que “o Arauto de Minas também pode ser definido como um periódico escravista, posição
que ficava evidente, não apenas em seus artigos, mas também em seus anúncios, sendo o órgão da cidade que
mais publicou anúncios de fugas de escravos no período estudado [...] a insistência em valorizar a Lei do Ventre
Livre e negar qualquer forma de abolição imediata da escravidão deixa evidente a mentalidade pró-escravista do
mesmo e de seus redatores”.
120
REZENDE, Severiano. Anais da Assembleia Legislativa Provincial de Minas Gerais. Segundo ano da
vigésima sexta legislatura. Sessão de 1887. Ouro Preto: Tipografia da Província de Minas, 1887, p. 177.
121
Francisco de Paula Araújo Lobato era padre e professor na escola normal de Campanha. Participou do
Movimento Separatista em 1892 da cidade e, inclusive, foi afastado do cargo pelo presidente do estado de Minas
por ter incitado maus exemplos e incutido princípios nocivos aos alunos (LAGE, 2006).
122
LOBATO, F. Araújo. Anais da Assembleia Legislativa Provincial de Minas Gerais. Segundo ano da
vigésima sexta legislatura. Sessão de 1887. Ouro Preto: Tipografia da Província de Minas, 1887, p. 190.
94
outro país do mundo possui. Não basta isto, precisamos também de braços ativos, inteligentes
e peritos para fazê-lo frutificar”.123 Cabe destacar que, durante o discurso de Lobato,
Severiano Rezende fazia várias intervenções e justamente no trecho supracitado afirmou que,
além dos itens elencados pelo congressista, era preciso “uma lei de arroxo contra os vadios!”.
Independentemente da posição política de cada um, percebemos que tais interesses
eram faces opostas de uma mesma moeda. De um lado, a imigração como forma de retardar o
processo de transição do trabalho servil para o livre, do outro, como um prenúncio de uma
liberdade a ser conseguida pelo escravo; porém, em ambas, a importância atribuída ao
imigrante era notável, pois só ele seria capaz de colocar o país nos trilhos da civilização tal
como estavam as demais nações estrangeiras. Mais do que isso, vimos que eles eram vistos
mais como um irradiador de um saber prático, especializado e moralizador do que
exclusivamente como mão de obra para a lavoura.
A terceira perspectiva, por sua vez, colocava em questão alguns pontos do projeto de
imigração e colonização. Ulysses Furtado de Souza124 apontava uma via diversa, apostando
nos braços nacionais a saída para a crise da mão de obra:
Para isso, ele propunha uma emenda que concedia igualmente os favores dados aos
imigrantes, a título gratuito, a cada um dos colonos nacionais que se estabelecesse nos núcleos
fundados. A condição para isso é a de que começassem a cultivar os lotes de terras no prazo
de dois anos, findo o qual, no caso de não o fizer, perderiam o direito e seriam expulsos para
que outros pudessem fazê-lo.
Modesto Caldeira126 ia à mesma direção, ao mostrar que a província não tinha
condições (e nem deveria) de despender uma quantia suficiente para obter uma imigração
abundante que viesse a suprir a falta de braços escravos, por isso acreditava que colono
nacional era o que mais convinham à lavoura. Ele ainda afirmava que
123
Idem.
124
Ulysses Furtado de Souza era cônego da vila de Campo Belo de onde foi eleito e representante na Assembleia
Provincial pelo lado conservador. Formou-se no Colégio e Seminário do Caraça em 1861.
125
SOUZA, Ulysses F. de. Anais da Assembleia Legislativa Provincial de Minas Gerais. Segundo ano da
vigésima sexta legislatura. Sessão de 1887. Ouro Preto: Tipografia da Província de Minas, 1887, p. 198.
126
Cônego Modesto Caldeira foi representante pelo lado conservador da cidade de Pium-í.
95
127
CALDEIRA, Modesto. Anais da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Segundo ano da vigésima sexta
legislatura. Sessão de 1887. Ouro Preto: Tipografia da Província de Minas, 1887, p. 125 (grifo nosso).
128
A CIDADE DO TURVO: órgão republicano federal. Escolas Agrícolas. Cidade do Turvo (MG), Domingo 1º
de junho de 1890, ano I, n.7, p. 1 (grifo nosso).
96
Esse foi o pano de fundo em que se baseou a instauração do Núcleo Colonial Maria
Custódia129, em Sabará. Como já foi dito, núcleos coloniais e colônias correcionais
convergiam em projetos modernizantes para o estado de Minas Gerais de forma que outro
local não havia para instalar a primeira colônia correcional do estado senão nos terrenos de
algum núcleo colonial. Vejamos, portanto, como isso se desenvolveu na prática.
A Inspetoria Geral, por meio de uma portaria expedida em 8 de maio de 1889,
promoveu um grupo especial para partir sentido a Sabará e examinar as terras das fazendas
Soledade (do antigo proprietário Damaso Brochado) e Bom Destino (Modestino Carlos da
129
O núcleo colonial que se estabeleceu no município de Sabará, em terras das fazendas que pertenceram aos
Drs. Damaso Brochado e Modestino da Rocha Franco, teve a denominação de Maria Custódia, nome de uma
filha do conselheiro e senador Rodrigo A. da Silva, a pedido da Câmara Municipal de Sabará (UNIÃO. Ouro
Preto, 1º de junho de 1889, ano III, n. 276, p. 2).
97
Rocha Franco) adquiridas pelo governo central com o objetivo de fundar um núcleo colonial
na região.
Segundo o responsável pela inspetoria especial de terras e colonização, Dr. Antônio
Joaquim da Costa Couto, os terrenos possuíam características favoráveis, como a proximidade
de mercados consumidores e fábricas, ambas com fácil rodagem, principalmente pelos rios
navegáveis e estradas de ferro (figura 4).130 Nas palavras dele,
pelo exame que fiz nas duas fazendas situadas a igual distância de dois
pontos consumidores, como as cidades de Santa Luzia e Sabará, possuindo
todos os meios de fácil comunicação, não só pela estrada de rodagem que
ligando estas duas cidades, atravessa todas as fazendas, como pelo
navegação das Velhas e estradas de ferro Dom Pedro Segundo, em
construção, de modo a facilitar o transporte de todos os produtos da lavoura
para qualquer ponto desta Província, prestando-se as terras a fácil cultura de
algodão e, existindo a fábrica de tecido Marzagão, situada a 2 ½ quilômetros
destas terras, julguei portanto estas duas fazendas em perfeitas condições de
se estabelecer um importante Núcleo Colonial.131
Nas duas fazendas existiam mananciais importantes, como os córregos dos Algodões,
Lages e Soledade. Imperava a salubridade do clima e das terras, principalmente para a cultura
de cana, vinha, mandioca, mamonas, cereais e frutas, e mesmo que existissem “algumas jorras
menos produtivas das terras, elas são cobertas por excelentes pastos, apropriados para a
criação de gado e, conseguintemente, de fácil obtenção de leite, queijo, manteiga, etc., o que
poderá constituir nas duas cidades vizinhas um importante ramo de comércio”.132 O fato de
não ter tido nenhuma menção ao café reitera a ideia de que o Núcleo Maria Custódia era uma
colônia voltada para a policultura, a fim de aliviar o peso desse produto nas receitas e de
proporcionar aos colonos do local um aprendizado técnico-agrícola que não possuíam e uma
diversidade econômica.
130
Para melhor compreensão dessa figura 4 e da importância do desenvolvimento dos transportes na última
quadra do oitocentos, verificar os anexos C, D e E, que mostram, respectivamente, o conjunto de representações
cartográficas das estradas de rodagem, rios navegáveis e estradas de ferro em Minas, elaboradas a partir do Atlas
do Brasil, de autoria de Barão Homem de Belo e Francisco Homem de Mello. Notar-se-á que a região de Sabará
aparece como uma das alternativas em todos os meios de transporte nesse período, o que é facilmente verificado
na figura 4: estradas de rodagem que levam à nova capital, Rio das Velhas, Córrego Soledade e das Lages,
estrada de ferro D. P. II (GODOY e BARBOSA, 2008, p. 173).
131
COSTA COUTO, Antônio Joaquim. Relatório apresentado pelo Inspetor Especial de Terras e
Colonização em 6 de dez. de 1889. APM, Fundo Secretaria de Agricultura, Viação e Obras Públicas, Série 6,
Cx. 01, Pc. 3.
132
Idem.
98
Fonte: COSTA COUTO, Antônio Joaquim. Relatório apresentado pelo Inspetor Especial de Terras e
Colonização em 6 de dez. de 1889. APM, Fundo Secretaria de Agricultura, Viação e Obras Públicas, Série 6,
Cx. 01, Pc. 3.
99
Além disso, a interiorização das vias públicas por meio da construção de estradas de
ferro foi importante, pois, além da integração econômica (externa e interna), envolvia o
interesse em investimento no local, principalmente nas regiões cercadas por rios navegáveis e
boas estradas de rodagem, como foi o caso da região do Rio das Velhas de Sabará.133 A
escolha dos locais de instalação dos núcleos coloniais não se deu de maneira aleatória. O
critério, segundo Severiano de Rezende, era colocá-los em locais próximos às linhas férreas e
rios navegáveis, para que os produtos pudessem ser levados mais facilmente aos mercados de
consumo, favorecendo de sobremaneira os interesses provinciais.134 Severiano de Rezende
também afirmava que, para que não houvesse temor que a lei privilegiasse apenas alguns
pontos específicos, referindo-se especialmente às zonas cafeeiras, o projeto também
contemplou outras regiões, já que “fica autorizado o governo a estabelecer núcleos coloniais
nas imediações das estradas de ferro provinciais e um nas margens do Rio das Velhas. Já vê,
nobres deputados, que a comissão procurou atender a todos os pontos”.135
Durante seu funcionamento, percebemos a existência de um grande número de colonos
no Núcleo Colonial Maria Custódia, conforme apresentado no gráfico 1. Isso fica mais
evidente se levarmos em consideração o comparativo com os outros núcleos coloniais da zona
rural da nova capital. Por exemplo, no ano de 1900, o único núcleo com número maior foi o
Carlos Prates, com 383, enquanto o Afonso Pena era praticamente o mesmo, 258, Américo
Werneck, 222, Bias Fortes, 210, e Adalberto Ferraz, 64 (AGUIAR, 2006, p. 428-9).
Percebemos também que predominou o trabalho agrícola, com grande parcela de sua
população trabalhando na pequena lavoura. Eram inexpressivos os valores daqueles que
possuíam outros ofícios, como artistas, comerciantes, industriais ou funcionários.
Sobre isso, Aguiar afirmou que:
133
Não há como negar que o surto ferroviário verificado, a partir de 1870, significou uma ruptura na história dos
transportes no Brasil – a precariedade dos meios de transportes então existentes era notória. A ferrovia foi um
avanço notável: ela se apresentava como real necessidade de transportes, acelerava a mercantilização da
economia, abria espaços geoeconômicos dentro do país (ainda que limitadamente), constituía-se em espaço de
aplicação de capitais (a nacionais e estrangeiros), possibilitava a integração da economia brasileira à economia
mundial, etc. (NATAL apud CAMPOS, 2012, p. 21-22).
134
DRUMOND, J. Silveira. Anais da Assembleia Legislativa Provincial de Minas Gerais. Primeiro ano da
vigésima sexta legislatura. Sessão de 1886. Ouro Preto: Tipografia da Província de Minas, 1886, p. 249.
135
REZENDE, Severiano. Anais da Assembleia Legislativa Provincial de Minas Gerais. Segundo ano da
vigésima sexta legislatura. Sessão de 1887. Ouro Preto: Tipografia da Província de Minas, 1887, p. 178.
100
Fonte: MINAS GERAIS. Mapa estatístico do movimento do Núcleo Colonial Maria Custódia. APM, Fundo da
Secretaria de Agricultura, Viação e Obras Públicas, SA-952, Série 6.
Fonte: MINAS GERAIS. Mapa estatístico do movimento do Núcleo Colonial Maria Custódia. APM, Fundo da
Secretaria de Agricultura, Viação e Obras Públicas, SA-952, Série 6.
136
COSTA COUTO, Antônio Joaquim. Relatório apresentado pelo Inspetor Especial de Terras e
Colonização em 6 de dezembro de 1889. APM, Fundo da Secretaria de Agricultura, Viação e Obras Públicas,
Série 6, Cx. 01, Pc. 03.
102
Viraria quase que uma rotina dos documentos oficiais apontar para a situação caótica
das cadeias e para a insuficiência de estabelecimentos penitenciários em absorver todos os
condenados à prisão celular. Ao chefe de polícia, eram recorrentes as reclamações sobre as
péssimas condições das prisões nas várias cidades. Para o presidente do estado, Crispim
Jacques Bias Fortes, “era urgente a necessidade de construírem-se algumas prisões que
satisfaçam as condições higiênicas e as exigências do novo Código Penal. Tornava-se,
106
também, indispensável a decretação de meios para o conserto de quase todos os edifícios que
atualmente servem de prisões no estado”.137
Uma das saídas para aliviar essas necessidades prementes foi justamente a
inauguração da primeira colônia correcional do estado, implementação essa que se deu ainda
com o edifício-sede inacabado. Todavia, Minas Gerais não diferiu das outras regiões ao
iniciar um estabelecimento penitenciário, fruto das ideias mais modernas de punição à época,
sem finalizar suas reformas.138
Alfredo Pinto Vieira de Mello, que era o chefe de polícia à época, ao visitar o Rio das
Velhas, constatou que a casa da fazenda achava-se em bom estado de conservação, precisando
apenas melhorar em alguns pontos o asseio do prédio, efetuando reparos no telhado e no
assoalho. Das benfeitorias existentes (engenho de açúcar, tachos de cobre, moendas de ferro,
alambique, roda motora e moinho), apenas esse último item precisava de aperfeiçoamento.
Disse, porém, que era preciso dispender uma grande quantia para adaptar um cômodo para a
reclusão de 40 correcionais maiores do sexo masculino, mas isso, é claro, “desde que o
governo resolva instalar, no prazo de 3 meses, o estabelecimento que tão assinalados serviços
vae prestar à lavoura”. Não parava por aí. Além das reformas no prédio, pedia-se, também,
consertos das estradas que iam até a estação ferroviária General Carneiro e daquelas que iam
até o açude canalizado de água e até os leitos do Rio das Velhas, mais a aquisição de uma
barca e de carroças, respectivamente, para os transportes fluviais e terrestres.139
No dia 5 de julho de 1896, longe de terminar todas essas construções, iniciaram-se os
trabalhos na Colônia Correcional Agrícola Bom Destino. Segundo o jornal Minas Gerais, “até
que se termine o novo edifício já iniciado, vae provisoriamente funcionar no antigo e vasto
prédio da fazenda, o que sofreu reparos e modificações para acomodar o pessoal
administrativo e os correcionais”.140
A pressa em se instalar uma instituição supostamente capaz de pôr fim aos vadios que,
segundo Magalhães era a “pior classe de todas da sociedade, infelizmente multiplicada, de
137
FORTES, Crispim Jacques Bias. Mensagem dirigida pelo Presidente do Estado de Minas Gerais Dr.
Crispim Jacques Bias Fortes ao Congresso Mineiro em sua primeira sessão ordinária na segunda
legislatura. Ouro Preto: Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 1895, p. 9.
138
Ver, por exemplo, Silva (1997), para o Rio Grande Sul; Salla (2006), para São Paulo; Trindade (2007), para
Bahia; Santos (2009), para o Rio de Janeiro
139
MELLO, Alfredo Pinto Vieira. Relatório do Dr. Chefe de Polícia Alfredo Pinto Vieira de Mello. In: DINIZ,
Henrique Augusto de Oliveira. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do Estado de Minas Gerais pelo
Secretário dos Negócios do Interior Dr. Henrique Augusto de Oliveira Diniz, em 1896. Ouro Preto,
Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 1896, p. 12.
140
JORNAL MINAS GERAIS, n. 183, de 8 de julho de 1896, p. 6.
107
ano para ano, em todas as localidades”141, indica-nos mais uma urgência em iniciar as
atividades do que uma garantia de construção de um estabelecimento pautado nos propósitos
modernos que se desejava. Em outras palavras, era necessário dar uma resposta aos
acontecimentos que ocorriam (instauração de um novo regime político, e com ele a
promulgação de uma Constituição – 1891 e de um Código Penal – 1890, abolição da
escravidão e suposta falta de mão de obra, anseio de civilização pelo braço imigrante entre
outros). Com o espirito republicano, não cabiam mais arbitrariedades policiais na repressão
dos ociosos, já que todos os atos deveriam ser pautados na lei, para que não ofendessem as
liberdades individuais de cada pessoa. Uma das formas de externar isso foi justamente a
inauguração da Colônia Correcional, mesmo com o edifício ainda inacabado.
No ano seguinte, Aureliano Moreira Magalhães foi nomeado para assumir o cargo
chefe de polícia e a ele foi incumbido o papel de supervisão da Colônia. Devido a isso, visitou
pessoalmente a instituição, já em funcionamento, e afirmou que “boa impressão recebi,
encontrando os reclusos satisfeitos e bem tratados, ocupados em serviços adaptados às suas
forças, sexo e idade, as prisões limpas, arejadas e espaçosas, tanto para os homens como para
as mulheres”. Como resultado dessa inspeção, assegurou, diferente do que dizia seu
antecessor, que não precisaria continuar a construção do novo edifício,
Pelo que foi visto, não foi unânime a necessidade de um novo edifício, tampouco se
deveria ser feita reformas no já existente. Mesmo com as discordâncias entre os chefes de
polícia e dos demais políticos e governantes que auxiliaram no desempenho da Colônia,
percebemos, afinal, que se manteve constante em todos os discursos a ideia da
indispensabilidade de um novo estabelecimento penal capaz de dar respostas às demandas de
segurança até então colocadas. Com construção de um novo prédio ou não, com reparos ou
mantendo a estrutura anterior, todos convergiam ao argumento sobre importância de se ter
141
MAGALHÃES, Aureliano Moreira. Relatório do Chefe de Polícia do Estado Aureliano Moreira Magalhães.
In: DINIZ, Henrique Augusto de Oliveira. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do Estado de Minas
Gerais pelo Secretário de Estado dos Negócios do Interior Dr. Henrique Augusto de Oliveira Diniz. Ouro
Preto, Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1897. Volume II, p. 199.
142
MAGALHÃES, Aureliano Moreira. Relatório do Chefe de Polícia do Estado Aureliano Moreira Magalhães.
In: DINIZ, Henrique Augusto de Oliveira. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do Estado de Minas
Gerais pelo Secretário de Estado dos Negócios do Interior Dr. Henrique Augusto de Oliveira Diniz. Ouro
Preto, Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1897. Volume II, p. 200.
108
143
Veremos detalhadamente cada uma delas quando tratarmos do trabalho na Colônia Correcional, na seção 4.3
“Punição e assistência no disciplinamento pelo trabalho”.
144
Nesse contexto é que podemos identificar os grupos prisionais que compõem a sociedade carcerária,
atentando-se, entretanto, que a organização penitenciaria confere um status diferenciado ao grupo apenado; esse,
excluído dos critérios formais de uma rede hierárquica de funções e competências, contudo, aparece de uma
forma privilegiada por ser o “cliente” direto dos objetivos organizacionais, conforme estabelecido em sua
perspectiva de racionalidade punitiva moderna.
109
No capítulo que analisa a Casa de Correção de São Paulo, Salla (2006) mostrou que
muitas vezes a estrutura administrativa das prisões no final do século XIX era pequena e
desprovida de qualquer complexidade. A principal justificativa para isso era a crença de que o
regulamento, quando embasado nos estudos penais da época, ofereceria todos os meios para
punição e correção dos indivíduos. Confiavam que, ao seguir o que estava previsto no
regimento, não haveria outro caminho senão a correção. Nas palavras dele,
É por isso que o tempo na prisão também deve ser entendido por meio de “uma
racionalidade que permeava a distribuição e o uso do tempo e do espaço. O regulamento
prisional, por exemplo, sincronizava rigidamente as atividades sequenciadas e em cadeia,
conhecidas como rotina da instituição, com a economia do tempo e do espaço” (SÁ, 1990, p.
72). Dessa maneira, entendemos que uma das formas de incidência das tecnologias
disciplinares entre os detentos caía exatamente sobre o controle e fragmentação do tempo.
Havia tempo calculado para tudo, para o trabalho, para falar, para comer, para estudar, para
rezar.
Dessa forma, percebemos era uma rotina que definia o horário específico para cada
atividade e limitava a autonomia dos detentos, com a expectativa de, ao final do cumprimento
da pena, pudesse criar neles hábitos saudáveis, civilizados e propensos ao trabalho, uma
transformação do tempo fisiológico nos moldes do tempo social. Segundo Cortês,
Além do disciplinamento pelo tempo, o controle dos espaços também representou uma
forma de correção, com a qual, devidamente racionalizado, reforçava a “fé depositada na
eficiência do regulamento”. A apropriação subjetiva do espaço146, por meio do que Foucault
(2014) chamou de “arquitetura das prisões”, foi um dos primeiros procedimentos do poder
disciplinar. Para o autor,
146
Essa apropriação é facilmente percebida por meio das prisões, seus muros que separam os detentos da
sociedade, pela distância escolhida da instalação dos presídios entre outros, tão bem descrita no Panóptico de
Bentham. Mas também há formas mais discretas de apropriação do espaço no disciplinamento, como se percebe
nos colégios e escolas, por exemplo, herdeiros do modelo do convento, e também nas fábricas e nos quartéis,
idealizados para fixar exércitos de corpos disciplináveis.
114
147
MINAS GERAIS. Lei n.º 141, de 20 de julho de 1895. Cria colônias correcionais agrícolas no estado.
Coleção das leis e decretos do estado de Minas Gerais - 1895. Minas Gerais, 1895, art. 5º.
115
148
MAGALHÃES, Aureliano Moreira. Relatório do Chefe de Polícia do Estado Aureliano Moreira Magalhães.
In: DINIZ, Henrique Augusto de Oliveira. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do Estado de Minas
Gerais pelo Secretário de Estado dos Negócios do Interior Dr. Henrique Augusto de Oliveira Diniz. Ouro
Preto, Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1897. Volume II, p. 13-14.
149
Há várias formas de comunicação, muitas delas que extrapolam a oral. Conforme os estudos sobre classe
social e formas de comunicação do sociólogo Bernstein (apud MARCUSCHI, 1975, p. 37), partindo da ideia de
que uma variante “não padrão” apresenta signos linguísticos específicos, é interessante relacionar a linguagem
carcerária ao conceito de “código restrito”, fruto de uma estruturação social de significações e para suas
116
Outra consideração a ser feita é a de que não só os detentos foram responsáveis por
“tirar do eixo” a racionalidade com a qual se fundamentava o regulamento da Colônia. O
próprio administrador e seus funcionários, por questões financeiras ou mesmo por outros
motivos que podiam evitar, não conseguiam dar cabo ao que estava disposto na lei, como
eram os casos de alimentação e de higiene. Veremos na seção 4.5 deste capítulo que os
detentos deveriam ter refeições suficientes e que o ambiente carcerário deveria estar em
perfeitas condições, tal como previsto no Código Penal de 1890. Todavia, não foi o que
constatamos no quadro estatístico das doenças da instituição. Entre as moléstias existentes,
era curioso que a maioria tinha por causa, justamente, a má alimentação e a falta de higiene.
Mais ainda, sequer havia a figura do médico ou de qualquer outro profissional para
assistir aos presos. Em tese, haveria um médico à disposição, mas o que percebemos, na
prática, foi que sua figura era ausente, muitas vezes esporádica, sendo suprida pelos guarda-
serventes, que passavam a ser responsáveis pelo tratamento dos enfermos, não possibilitando
qualquer tipo de acompanhamento individual ou tratamento mais adequado. Novamente, o
“controle total” era mais um desejo utópico que uma realidade fática. A fé no regulamento
não acompanhou o dia a dia da colônia.
diferentes realizações linguísticas contextuais. Ou seja, é uma linguagem comum em determinada comunidade,
que facilita a interação naquele meio, tais como ocorre em conversas em grupos criminosos, conversas em
unidades militares, conversas em sala de professores, conversas entre casais idosos.
117
150
Todas essas informações foram obtidas em edições do jornal MINAS GERAIS (domingo, 12 março 1899,
ano VIII, n.64, p.1; ano VII, n. 229, sábado, 17 de dezembro de 1898, p. 3; entre outras).
118
Aureliano Moreira Magalhães, o chefe de polícia que sucedeu Alfredo Pinto Vieira de
Mello, também compartilhava da opinião sobre o diretor, ao afirmar que o funcionário vinha
prestando relevantes serviços no estabelecimento “pela ordem e disciplina que tem sabido
manter, esforçando-se para que a Colônia corresponda ao intuito do legislador, corrigindo
pelo trabalho a pior classe de todas da sociedade, infelizmente multiplicada, de ano para ano,
em todas as localidades”.151
Como já foi dito, o combate à vadiagem era uma tônica no início do período
republicano. Nessa época, crescia a ideia de que era preciso “pulso firme” para garantir a
segurança da sociedade, nos moldes do que Reiner (2004, p. 19) chamou de “fetichismo da
polícia”, ou seja, a pressuposição de que a polícia era essencial para manter a ordem social e
evitar que o caos se instale. Dessa maneira, a centralidade do diretor na administração das
prisões conferia a ele uma enorme margem de atuação, estabelecendo um poder quase que
pleno nos assuntos internos. Tal fato tornava a gestão da Colônia Bom Destino marcada pelo
personalismo do Major Nicolau Antônio Tassara de Pádua, a figura colocada como trunfo no
combate à vadiagem, como se todo problema social fosse resolvido pelas práticas punitivas.
Esse trunfo pode ser visto no desfecho de um processo de responsabilidade movido
contra ele. No dia 21 de setembro de 1898, Pádua foi intimado a comparecer em juízo em um
processo de responsabilidade em face da promotoria de Santa Luzia, tendo em vista a
arbitrariedade do diretor em impedir a liberação de uma reclusa, de nome Maria Antônia,
mesmo depois de receber um habeas corpus do juiz substituto da comarca. Segundo as
palavras do major, “oficiei ao promotor de Sabará pedindo providência para as autoridades de
151
MAGALHÃES, Aureliano Moreira. Relatório do Chefe de Polícia do Estado Aureliano Moreira Magalhães.
In: DINIZ, Henrique Augusto de Oliveira. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do Estado de Minas
Gerais pelo Secretário de Estado dos Negócios do Interior Dr. Henrique Augusto de Oliveira Diniz. Ouro
Preto, Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1897. Volume II, p. 199.
119
Santa Luzia não viessem perturbar a boa marcha do serviço desta diretoria e se utilizar de um
direito que não lhes compete”, uma vez que, para ele, qualquer processo que se referisse à
Colônia deveria ser feito em Sabará.
Em meio ao conflito de competência, restou ao secretário do interior sanar a questão,
expedindo um ofício informando que a Colônia pertencia à Sabará, invalidando, por
consequência, o despacho de habeas corpus em favor de Maria Antônia, e mantendo a reclusa
presa por mais seis meses. Sem dúvida, esse foi um caso em que a questão processual
suplantou um direito material (liberdade), em uma clara manifestação de autonomia e
arbitrariedade do diretor na condução da vida cotidiana destes estabelecimentos. Nas palavras
dele, “se o processo de responsabilidade fosse adiante, ficaria a disciplina quebrantada e a
desmoralização para o estabelecimento, visto que ninguém podia aceitar o cargo e que tão
espinhoso quão perigoso de estar entre indivíduos que são costumados a prática toda a sorte
de crimes e outras depredações”.152
Conforme visto, percebemos que diferentes discursos envolviam temas como
instalações e administração penitenciária em Minas Gerais, todavia, todos convergiam para a
necessidade do combate e correção dos vadios, tornando-os úteis e civilizados em uma
sociedade que se queria moderna. As obras, por sua vez, foram efetuadas em construções
antigas, que nada tinham em comum com os modernos modelos disciplinares. Além disso,
sobre os cargos e funções dentro da Colônia, notamos que a simplicidade e baixa
complexidade do regulamento acarretaram duas características, a “fé depositada no
regulamento” e a “centralidade do diretor”.
Compreendemos, todavia, que tais características indicariam a crença em um sistema
de correção que fosse totalmente racional e eficaz, onde o detento, ao escapar dos tentáculos
do regimento da instituição, acabaria caindo no pulso firme do diretor. Não havia como
evadir, a correção era certa. Era o que se imaginava.
Já mencionamos algumas formas pelas quais o controle e disciplina escapavam à
racionalidade, seja pelas várias maneiras de se comunicar, seja pelo descontrole ante as
doenças e a higiene do ambiente. Demonstraremos, a seguir, que, mesmo com um
regulamento prevendo diversas formas de controle e com um diretor ambientado no combate
à vadiagem, não era possível dar conta de todas as individualidades, seja dos funcionários,
152
PADUA, Nicolau Antônio Tassara de. Relatório do diretor da Colônia Correcional do Bom Destino. In:
GOMES, Wenceslau Braz. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do Estado de Minas Gerais pelo
Secretário de Estado dos Negócios do Interior Dr. Wenceslau Braz Pereira Gomes, em o ano de 1899. Belo
Horizonte, Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1899, p. 185.
120
seja dos próprios detentos, o que torna a instituição um espaço dinâmico, interativo e repleto
de representações. Uma prática muito diversa da teoria.
vez que “o fim da escravidão e a plena instalação do trabalho livre fizeram com que fosse uma
nação inteira a ser educada, no esforço de formar uma população apta à cidadania”.
Essa função também esteve presente na Colônia Correcional, como pode ser vista nas
palavras do chefe de polícia ao tratar sobre a instituição: “quem foi juiz, que hoje ocupa um
honroso cargo de policial, avalia bem a falta de estabelecimentos próprios onde as crianças
sem arrimo, em lugar de vício adquirido na ociosidade, encontrem a instrução, o trabalho e a
formação do caráter”.153
Segundo Magalhães, que foi chefe de polícia em 1898, eram cada vez mais exigidas às
prisões e às penas a “severidade para a expiação do crime”, a “segurança para a garantia
pública” e a “moralidade para desejada regeneração do culpado”. Continua ele afirmando que
“estes três requisitos, a meu ver, completam-se pela necessidade da distribuição da instrução,
da educação e do trabalho, que devem ter e exercitar os condenados”. 154
Como vimos, a relação aparentemente linear entre a instrução e a criminalidade iria se
revelar de forma muito mais complexa, ora encarada como forma de combater a violência e
novos crimes (prevenção), ora como veículo de recuperação do criminoso e formação de um
cidadão “apto à cidadania” (correção), ao lado do trabalho e da educação moral. Fato é que
ela era um fator essencial dentro das prisões.
Na Colônia Correcional do Bom Destino, havia uma escola de instrução primária
destinada ao ensino obrigatório de todos os sentenciados menores de 35 anos, com as
seguintes disciplinas:
153
MELLO, Alfredo Pinto Vieira de. Relatório da Chefia de Polícia. In: DINIZ, Henrique Augusto de Oliveira.
Relatório apresentado ao Dr. Presidente do Estado de Minas Gerais pelo Secretário de Estado dos
Negócios do Interior Dr. Henrique Augusto de Oliveira Diniz em o ano de 1895. Ouro Preto. Imprensa
Oficial do Estado de Minas Gerais, 1895, p. 23.
154
MAGALHÃES, Aureliano. Relatório do Chefe de Polícia do Estado Aureliano Moreira Magalhães. In:
GOMES, Wenceslau Braz. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do Estado de Minas pelo Secretário de
Estado dos Negócios do Interior Dr. Wenceslau Braz Pereira Gomes, em o ano de 1899. Cidade Minas:
Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1899, p. 14.
122
civilidade. A educação não era apenas ensino, mas, sobretudo, desconstrução e reconstrução
de ações e de comportamentos. Como consequência, o currículo escolhido para ser ministrado
no tratamento dos desviantes não foi aleatório.
Sobre a importância das disciplinas escolhidas nas escolas primárias daquele período,
Souza afirmou que
A “Prática das quatro operações...”, por sua vez, estava ligada a essa escolarização
prática da matemática e das noções comuns, cuja função principal era formar o trabalhador
brasileiro em conhecimentos úteis de natureza social. Vimos também essas características na
disciplina de “Noções elementares de tecnologia rural e geologia”, dessa vez somada ao
intuito dos governantes em incentivar o ensino agrícola e a renovação das técnicas de plantio
nesse período (já mostrado no capítulo anterior). O principal processo de recuperação dos
jovens internados era o trabalho. A escola na Colônia organizaria e sistematizaria a
aprendizagem com a futura ocupação provável. Justificava ainda o fato de o trabalho previsto
ser essencialmente agrícola, com a possibilidade de absorver um maior número de braços para
a lavoura.
No que se refere à disciplina “Instrução cívica e moral”, ela pôs em evidência a
secularização do estado republicano, buscando transformar a antiga moral religiosa em uma
moral de natureza cívica. Conforme mostrou Schueler e Magaldi:
156
A cultura escolar é aqui entendida como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e
condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a
incorporação desses comportamentos (JÚLIA, 2001, p. 10). Em resumo, são os saberes, conhecimentos,
currículos, espaços, instituições escolares, materialidade escolar, métodos de ensino, enfim, todo um conjunto de
aspectos institucionalizados ao cotidiano do fazer escolar. Cabe destacar que, embora a escola tenha um maior
significado nisso, outras instituições a ela vinculadas também se relacionam a essa cultura escolar, como é o caso
das escolas nas prisões.
124
sistema educacional (ensino secundário para formação das elites e ensino primário voltado
para a formação de trabalhadores), destaca-se que, em uma sociedade predominantemente
analfabeta, ter direito a ensino primário em uma instituição prisional, ainda que para o
trabalho manual, deve ser visto como um mecanismo de inclusão desses indivíduos à
sociedade, não de exclusão.
Todavia, concordamos com Veiga (1994, p. 303-4) no sentido de que a tradução dos
discursos em ações no cenário da educação em Minas Gerais não passou de boas intenções.
Isso porque tal princípio “aparece mais como declaração de intenção do que propriamente
responsabilidade da qual não se pode fugir; [...] concretamente, as populações devem resolver
os obstáculos para o seu ingresso nela [educação]”. Era justamente assim a letra da lei que
regia a Colônia. Mesmo que o ensino fosse obrigatório a todos os menores de 35 anos, para os
“reclusos que fossem absolutamente refratários ao ensino seriam eliminados da escola e
empregados mais rigorosamente nos trabalhos agrícolas ou das oficinas”157. O estado oferecia
a educação, dela se aproveitava quem fosse apto. Aos demais, e em sua maioria, mais rigor
nos trabalhos como punição.
Os relatórios sobre o funcionamento da escola não informam muito. Deles,
conseguimos obter que, para professor do estabelecimento, foi nomeado João José dos Santos.
Ele era um conhecido do presidente do estado (responsável pela escolha e nomeação), e já
tinha experiência como professor da cadeia de Ouro Preto. Pelo que tudo indica, foi retirado
às pressas para ser locado na Colônia Correcional do Bom Destino, conforme mostra um
anúncio do jornal “Ouro Preto”, em 10 de julho de 1896: “João José dos Santos, tendo de
ausentar-se desta Capital [Ouro Preto], e não podendo despedir-se de seus amigos por
carência de tempo, o faz por este meio, pondo-se à disposição dos mesmos, na Colônia do
Destino, em Santa Luzia do Rio das Velhas, onde vae residir”.158
Segundo o diretor da Colônia, “o professor vinha observando escrupulosamente o
preceituado no cap. IV, art. 117 e seus parágrafos [das competências do professor]”159.
Todavia, consta nos relatórios que havia, na Instituição, falta de livros didáticos e outros itens,
e o que Pádua não mencionou é que era função do professor “fazer ao diretor os pedidos de
livros, papel e objetos necessários à escola e distribuí-los aos alunos, zelando pela
157
MINAS GERAIS. Lei n.º 141, de 20 de julho de 1895. Cria colônias correcionais agrícolas no estado.
Coleção das leis e decretos do estado de Minas Gerais - 1895. Minas Gerais, 1895, art. 100.
158
OURO PRETO. Despedida. 10 de julho de 1896, p. 3. Vale lembrar que a Colônia foi inaugurada dia 20 do
mesmo mês, o que nos indica uma pressa para que João José dos Santos chegasse à Sabará.
159
PADUA, Nicolau Antônio Tassara de. Relatório do diretor da Colônia Correcional do Bom Destino. In:
DINIZ, Henrique Augusto de Oliveira. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do Estado de Minas Gerais
pelo Secretário de Estado dos Negócios do Interior Dr. Henrique Augusto de Oliveira Diniz em o ano de
1898. Belo Horizonte, Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1898, p. 130.
125
conservação dos mesmos objetos”160. Não encontramos nenhuma compra referente à escola
no “Livro de Despesas efetuadas pela Colônia”, tampouco nos raros recibos de compra
assinados pelo diretor. Não sabemos também se o professor não enviava os pedidos ou se
Pádua não atendia as requisições. Ainda assim, segundo o diretor, o serviço realizado veio a
dar alguns resultados animadores e os alunos mostravam um adiantamento satisfatório.
Destaca-se, por fim, o ideal de correção para os menores previsto no estatuto da
Instituição. Nele estava disposto que, das disciplinas supramencionadas no art. 96, somente
“Lições de cousas, leitura e escrita” seria ensinada a todas as pessoas com menos de 35 anos.
O currículo completo só seria lecionado “aos menores de 21 anos que cumpram pena de mais
de seis meses”161. Essa era uma nítida referência ao projeto europeu de colônias agrícolas,
conforme mostrou o relatório apresentado em 1894, pelo chefe de polícia, Alfredo Pinto
Vieira de Mello:
Em uma política educacional cada vez mais voltada para a valorização do trabalho e
da instrução, a infância também deveria obedecer a essa lógica. À “medida que o século
progredia, acirrava-se a intolerância das autoridades em relação à presença de menores nas
ruas, a ponto de todo o repertório de brincadeiras e divertimentos juvenis ser considerado
pernicioso” (FRAGA-FILHO, 1996, p. 118). Era uma sociedade que se pretendia moderna,
pautada no progresso e civilização como pilares, e as crianças teriam um papel importante
como futuro da nação. A infância era um potencial; a desvalida, um problema a ser
combatido.
Para Moura,
160
MINAS GERAIS. Lei n.º 141, de 20 de julho de 1895. Cria colônias correcionais agrícolas no estado.
Coleção das leis e decretos do estado de Minas Gerais - 1895. Minas Gerais, 1895, art. 117 §5º.
161
MINAS GERAIS. Lei n.º 141, de 20 de julho de 1895. Cria colônias correcionais agrícolas no estado.
Coleção das leis e decretos do estado de Minas Gerais - 1895. Minas Gerais, 1895, art. 97.
162
MELLO, Alfredo Pinto Vieira de. Relatório da Chefia de Polícia. In: DINIZ, Henrique Augusto de Oliveira.
Relatório apresentado ao Dr. Presidente do Estado de Minas Gerais pelo Secretário de Estado dos
Negócios do Interior Dr. Francisco Silviano de Almeida Brandão no ano de 1894. Ouro Preto. Imprensa
Oficial do Estado de Minas Gerais, 1894, p. 15.
126
Para o Código Penal de 1890, art. 27, não era considerado criminoso, entre outras
possibilidades, os menores de nove anos completos (§1º) e os maiores de nove e menores de
14 anos que obrarem sem discernimento (§2º). Aqueles enquadrados nesse segundo exemplo,
que tiverem obrado com discernimento, seriam recolhidos em estabelecimentos disciplinares
industriais pelo tempo determinado pelo juiz (art. 30). Além disso, o fato de o indivíduo ser
menor de 21 anos era considerado uma atenuante da pena (art. 42, §11).
No Código Penal comentado por Galdino Siqueira, há uma referência a esses jovens,
que, de um lado, eram vítimas da “hereditariedade patológica” e, do outro, vítimas do “meio
antissocial em que se formaram”:
163
SIQUEIRA, Galdino. Direito Penal Brasileiro. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2003, p. 361.
164
Idem, p. 360.
127
Pelo que foi demonstrado, o menor de idade (14-21 anos), embora responsável por
seus atos, devia ser recolhido em instituições específicas para correção. E é por isso que, para
Alfredo Pinto Vieira de Mello, chefe de polícia,
Não sabemos de onde Alfredo de Mello teve acesso a esses dados, mas o fato de haver
93% dos indivíduos corrigidos, tornando-os “idôneos para a sociedade”, deve ser levado em
conta ao avaliar a importância dada ao ensino primário na Colônia Correcional.
Todavia, ocorre que em 1896, trocou-se a administração da chefia de polícia, passando
o cargo para Aureliano Magalhães, e, por consequência, algumas ideias também mudaram.
Magalhães queixava-se do alto valor investido nos contratos de alimentação para os presos
pobres, enfermos ou não, vestuário destinado aos reclusos e arrendamento de casas e quartéis.
Além disso, afirmava, ao contrário da maioria das fontes analisadas até aqui, que nenhum
benefício ou melhoramento trazia as escolas para os detentos, fechando, por consequência,
essa instituição na Colônia. Nas palavras dele,
165
MELLO, Alfredo Pinto Vieira de. Relatório da Chefia de Polícia. In: DINIZ, Henrique Augusto de Oliveira.
Relatório apresentado ao Dr. Presidente do Estado de Minas Gerais pelo Secretário de Estado dos
Negócios do Interior Dr. Francisco Silviano de Almeida Brandão no ano de 1894. Ouro Preto. Imprensa
Oficial do Estado de Minas Gerais, 1894, p. 15.
166
MAGALHÃES, Aureliano. Relatório do Chefe de Polícia do Estado Aureliano Moreira Magalhães. In:
GOMES, Wenceslau Braz. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do Estado de Minas pelo Secretário de
Estado dos Negócios do Interior Dr. Wenceslau Braz Pereira Gomes, em o ano de 1899. Cidade Minas:
Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1899, p. 232.
128
Colônia Correcional do Bom Destino, afirmando que “sem prejuízo dos institutos que
presidiram à fundação da Colônia Correcional do Bom Destino, poderiam ser reduzidas as
despesas que, com o seu pessoal e custeio, são atualmente feitas”. Acreditando que os
objetivos correcionais, regenerativos e civilizatórios fossem continuar independentemente dos
cortes, foram extintos quatro lugares de diretores de campo, três guardas serventes, a oficina
de alfaiate e a escola de instrução primária, ficando automaticamente dispensado o respectivo
pessoal.
Aureliano Magalhães foi o encarregado de selecionar os cargos que seriam
suprimidos, a partir do qual fez uma soma detalhada das economias com que a repartição
policial auxiliou nos cofres públicos:
Secretário da Polícia.................................................6:900$000
1 1º Oficial da Secretaria.........................................4:800$000
1 Amanuense............................................................2:880$000
1 Continuo................................................................1:240$000
1 Professor na Colônia Correcional.........................3:600$000
1 Professor na cadeia de Ouro Preto........................1:680$000
1 Mestre de Oficina de Alfaiate na Colônia.............2:400$000
2 Praticantes Colaboradores.....................................2:880$000
4 Diretores de Trabalhos de Campos.......................5:760$000
3 Guardas Serventes.................................................3:240$000
211 Engajados por mim dispensados...................189:828$000
_________________________________________________
Total.....................................................................225:208$000
Dessa conjuntura, interessa-nos o fato de que havia, pelo menos no discurso, uma
política de valorização dos funcionários públicos, principalmente dos menos remunerados, e
entre eles destacavam-se os professores de instrução primária. Todavia, a cruel realidade
brasileira (que ironicamente permanece até os dias atuais) demonstra que, nos momentos de
crise, mantinham-se os privilégios de uns, e suprimiam-se as garantias de outros. Era mais
uma demonstração de que, para alguns, a cruel realidade mostrava que o ensino nas prisões
deixava de ter qualquer razão de ser.
167
MINAS GERAIS. Parecer e emenda para 2ª discussão sobre o projeto n. 13 de 1894. 21ª sessão
ordinária, aos 23 de maio de 1894. Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1894, p. 92.
130
Afonso Pena, à época presidente do estado, foi ainda mais específico em seu
argumento, mostrando que a utilidade pública, à qual devia ser agregada o trabalho prisional,
era a falta de braços para a lavoura. Nestes termos, mostrou que
por toda parte a lavoura queixa-se de falta de braços e da alta do salário [...].
O principal inconveniente de que se queixa a lavoura é a pouca estabilidade
do trabalhador nacional, de sorte que o lavrador não tem bases segurar para
alargar ou restringir as suas plantações, pela incerteza de conservar o
trabalhador. Muitos informantes são testemunho de que uma das principais
medidas a adotar é reprimir a ociosidade e a vagabundagem, e reclamam
providências legislativas.171
Embora estivesse pautando seu discurso tendo em vista a realidade brasileira pós-
escravista, Afonso Pena se mostrava conectado às discussões estrangeiras sobre o assunto.
168
MELLO, Alfredo Pinto Vieira. Relatório do Dr. Chefe de Polícia Alfredo Pinto Vieira de Mello. In: DINIZ,
Henrique Augusto de Oliveira. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do Estado de Minas Gerais pelo
Secretário dos Negócios do Interior Dr. Henrique Augusto de Oliveira Diniz, em 1896. Ouro Preto,
Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 1896, p. 3 (grifo nosso).
169
Idem, p. 11 (grifo nosso).
170
Idem, 1894, p. 14.
171
PENA, Afonso Augusto. Mensagem dirigida pelo presidente do Estado de Minas Gerais, Dr. Afonso
Augusto Moreira Pena, ao Congresso Mineiro em sua terceira sessão ordinária da 1ª legislatura. Ouro
Preto: Imprensa do Estado de Minas Gerais, 1893, p. 22.
131
1º) que a assistência pública oficial seja regulada por forma que todas as
pessoas indigentes tenham a certeza de obter meios de subsistência mas,
somente em recompensa de um trabalho qualquer, adaptado as suas
faculdades físicas; 2º) que todo o indigente que, não obstante essa assistência
assim organizada, se entregar à vadiagem, se colocar por consequência nas
circunstâncias de ser atingido pelos rigores da lei, seja punido severamente
com trabalhos obrigatórios em casas para esse fim apropriadas.173
172
O Congresso de São Petersburgo aconteceu em 1890 e foi o terceiro evento internacional sobre o assunto,
antecedido pelo de Londres (1872) e Estocolmo (1878), sendo que só no segundo o Brasil enviou um
representante, o Dr. André de Pádua Fleury. Ocorre que, mesmo sem a presença física no congresso, as
autoridades brasileiras se mantinham atualizadas quanto às mudanças estrangeiras.
173
Idem (grifo nosso).
174
O autor ainda afirma que “pode ser paradoxal a existência, numa sociedade escravocrata, do princípio da
correção pelo trabalho, mas o legislativo brasileiro não poderia deixar de contemplar os corolários da
modernidade punitiva que, na Europa, estava sendo pensada a partir da correção individual pelo trabalho
(ALBUQUERQUE-NETO, 2013, p. 243).
132
Diferente dos “pobres meritórios”, que eram miseráveis por razões além de suas vontades, os
vadios o eram pela sua escolha em não trabalhar ou de trabalhar em situações não compatíveis
com o “aceitável”. De qualquer forma, diversas ações foram implementadas para combatê-los.
É por isso que entendemos que há uma inerente combinação entre assistência aos
necessitados e a repressão policial aos vadios, entrelaçados que estão pelo trabalho como
resolução dos problemas. Defendemos que a Colônia Correcional Agrícola do Bom Destino
foi pensada não só como uma modernização penal, mas também dentro do contexto da própria
assistência pública que se desenvolvia à época, em uma clara relação entre o auxílio e a
punição (e não só como forma de controle social).
Isso fica ainda mais claro quando percebemos, pelos discursos dos governantes, que a
assistência pública por meio das punições era vista como uma obrigação do Estado, o que,
sem dúvida, representava um avanço em relação às práticas liberais brasileiras. É claro que
essa contraprestação do Estado só se vincularia àqueles que se submetessem ao regime de
trabalho imposto.
É nesse sentido que sopesamos as análises que pensam na correção com trabalho
exclusivamente como forma de controle social. Acreditamos, também, que além da repressão
pura e simples aos delinquentes, as autoridades, especificamente no crime de vadiagem,
buscavam dar cabo ao problema da pobreza por meio de uma correção e civilização dos
indivíduos contidos nas colônias correcionais. Isso, é claro, se, em contraprestação, eles se
submetessem ao regime de trabalho e educação ao qual eram impostos.
As palavras do chefe de polícia mostram, por exemplo, que a punição só era aplicada
tendo em vista as infrações a que os próprios vadios deram causa e, por esse motivo, não
deveriam sentir “ódio aos juízes”. Isso porque, após o regime de correção, voltariam à
sociedade e à família, de onde foram “sequestrados”, regenerados e aptos para o trabalho, vida
pacífica e honesta. Em suas palavras:
é mister que sejam rodeados de cuidados especiais para que, na expiação dos
crimes, o seu autor e responsáveis tenham a consciência de que a pena que
sofrem lhes advém da violação da lei penal e consequentemente desejem
voltar à sociedade e ao seio da família de que foram sequestrados, cujo
sentimento de afeição jamais abandona ao mais endurecido na prática do
crime; sem ódio aos seus juízes, regenerados pelas privações dos confortos
da vida, a que eles mesmos deram causa, aptos para o trabalho e para a vida
pacifica e honesta.175
175
MAGALHÃES, Aureliano Moreira. Relatório do Chefe de Polícia do Estado Aureliano Moreira Magalhães.
In: DINIZ, Henrique Augusto de Oliveira. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do Estado de Minas
Gerais pelo Secretário de Estado dos Negócios do Interior Dr. Henrique Augusto de Oliveira Diniz. Ouro
Preto, Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1897. Volume II, p. 14.
134
176
Idem.
135
Assim foi o que aconteceu. A escolha das especialidades das oficinas deveria estar
relacionada com os produtos necessários à infraestrutura da Colônia e à subsistência dos
reclusos. Da mesma maneira ocorria com as oficinas de trabalho, cujo produto final seria
primeiramente destinado ao vestuário dos internos e o restante vendido.
Já os trabalhos agrícolas abrangeriam “horticultura, plantas alimentares e industriais,
principalmente chá, algodão, alfafa e outras acomodatícias ao clima do estabelecimento.”
(Idem). No caso das oficinas, seriam estabelecidas três em cada colônia: “uma de ferreiro,
177
MELLO, Alfredo Pinto Vieira de. Relatório da Chefia de Polícia. In: DINIZ, Henrique Augusto de Oliveira.
Relatório apresentado ao Dr. Presidente do Estado de Minas Gerais pelo Secretário de Estado dos
Negócios do Interior Dr. Henrique Augusto de Oliveira Diniz em o ano de 1895. Ouro Preto. Imprensa
Oficial do Estado de Minas Gerais, 1895, p. 7 (grifo nosso).
136
178
PADUA, Nicolau Antônio Tassara de. Relatório do Diretor da Colônia Correcional Agrícola do Bom Destino,
Nicolau Antônio Tassara de Pádua. In: DINIZ, Henrique Augusto de Oliveira. Relatório apresentado ao Dr.
Presidente do Estado de Minas Gerais pelo Secretário de Estado dos Negócios do Interior Dr. Henrique
Augusto de Oliveira Diniz. Ouro Preto, Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1897. Volume II, p. 234.
179
Idem, 1898, p. 132.
137
180
MELLO, Alfredo Pinto Vieira. Relatório do Dr. Chefe de Polícia Alfredo Pinto Vieira de Mello. In: DINIZ,
Henrique Augusto de Oliveira. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do Estado de Minas Gerais pelo
Secretário dos Negócios do Interior Dr. Henrique Augusto de Oliveira Diniz, em 1896. Ouro Preto,
Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 1896, p. 12.
181
PADUA, Nicolau Antônio Tassara de. Relatório do diretor da Colônia Correcional do Bom Destino. In:
DINIZ, Henrique Augusto de Oliveira. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do Estado de Minas Gerais
pelo Secretário de Estado dos Negócios do Interior Dr. Henrique Augusto de Oliveira Diniz em o ano de
1898. Belo Horizonte, Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1898, p. 135.
182
Idem, 1899, p. 180.
183
Idem, 1901, p. 200.
138
Fato é, dizia ele, que esgotada a lenha do último lote que restava nas proximidades da
Colônia, não poderia este estabelecimento fornecê-la, sendo, portanto, conveniente sua
transferência ou extinção. A ideia era justamente transferir para um território mais próximo da
nova capital (Fazenda do Leitão ou Barreiro), porém ainda fora dos limites da Avenida do
Contorno, afinal, como vimos no capítulo anterior, ao centro se pensava uma política diversa
da extremidade, porém com uma clara tentativa de manter a integração entre o urbano e rural.
Tal impasse foi decidido pelo chefe de polícia, que pôs uma pedra final no assunto,
afirmando que
184
Idem.
185
PEREIRA, Edgardo Carlos da Cunha. Relatório do Chefe de Polícia do Estado – Edgardo Carlos da Cunha
Pereira. In: GOMES, Wenceslau Braz Pereira. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do Estado de Minas
pelo Secretário de Estado dos Negócios do Interior, Dr. Wenceslau Braz Pereira Gomes, em ano de 1900.
Cidade de Minas: Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 1900, p. 185.
139
186
MINAS GERAIS. Lei n.º 141, de 20 de julho de 1895. Cria colônias correcionais agrícolas no estado.
Coleção das leis e decretos do estado de Minas Gerais - 1895. Minas Gerais, 1895, art. 79.
187
Que já foi servente da Diretoria de Higiene do Estado e do Laboratório de Análises Clínicas (MINAS
GERAIS, 1895, p. 2).
188
PADUA, Nicolau Antônio Tassara de. Relatório do diretor da Colônia Correcional do Bom Destino. In:
DINIZ, Henrique Augusto de Oliveira. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do Estado de Minas Gerais
pelo Secretário de Estado dos Negócios do Interior Dr. Henrique Augusto de Oliveira Diniz em o ano de
1898. Belo Horizonte, Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1898, p. 130.
189
Idem.
140
190
MINAS GERAIS. Lei n.º 141, de 20 de julho de 1895. Cria colônias correcionais agrícolas no estado.
Coleção das leis e decretos do estado de Minas Gerais - 1895. Minas Gerais, 1895, art. 136.
191
Idem, art. 137.
192
PADUA, Nicolau Antônio Tassara de. Relatório do diretor da Colônia Correcional do Bom Destino. In:
GOMES, Wenceslau Braz. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do Estado de Minas Gerais pelo
Secretário de Estado dos Negócios do Interior Dr. Wenceslau Braz Pereira Gomes, em o ano de 1899. Belo
Horizonte, Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1899, p. 178.
141
No que se refere a essa economia, ressalta-se que Cassiano de Oliveira Lima já era o
médico do Núcleo Colonial Maria Custódia e recebia, segundo a Tesouraria da Fazenda, uma
a quantia mensal de 250$000.193 Ademais, o salário de um guarda-servente era 90$000,
conforme tabela acima, significando que duas visitas realizadas pelo médico (50$000 cada) já
equivaleriam ao salário do servente. E, mais, quatro visitas do médico equivaleriam a
200$000, quase a mesma quantia que a média salarial mensal dos funcionários da Colônia
(208$000).
Ao todo (de agosto de 1896 a dezembro 1900), o médico foi requisitado 22 vezes,
totalizando um gasto de 1.100$000 em visitas, em uma média de 21$000 por mês, bem abaixo
de um salário de qualquer funcionário da Colônia. De fato, houve uma economia considerável
ao não se contratar um médico, ainda que, para isso, custasse a saúde dos funcionários e
detentos lá inseridos. O preço dessa “economia” acabou refletindo em um alto índice de
enfermidades, bem como na morte de três detentos durante o período de janeiro a abril de
1898, conforme veremos a seguir.
193
Jornal O Estado de Minas Gerais: órgão oficial. Ouro Preto, 18 de Fevereiro de 1891, ano II, n.131, p.2.
194
MAGALHÃES, Aureliano Moreira. Relatório do Chefe de Polícia do Estado Aureliano Moreira Magalhães.
In: DINIZ, Henrique Augusto de Oliveira. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do Estado de Minas
Gerais pelo Secretário de Estado dos Negócios do Interior Dr. Henrique Augusto de Oliveira Diniz. Ouro
Preto, Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1897. Volume II, p. 200.
195
PADUA, Nicolau Antônio Tassara de. Relatório do Diretor da Colônia Correcional Agrícola do Bom Destino,
Nicolau Antônio Tassara de Pádua. In: DINIZ, Henrique Augusto de Oliveira. Relatório apresentado ao Dr.
142
Além do esmero no trato das prisões descrito por seus administradores, eles ainda
afirmavam que, muitas vezes, eram os próprios detentos, habituados a uma vida desregrada,
que não aproveitavam as oportunidades proporcionadas. Nas palavras de Pádua,
Todavia, ao cruzar os dados obtidos pelo mapa estatístico patológico com os discursos
apresentados pelos responsáveis pela Colônia, vimos que o argumento de que as condições
higiênicas eram boas e a alimentação de qualidade, enquanto os detentos continuavam fracos
pelo mau passadio e envolvidos com bebidas alcoólicas, precisa ser sopesado.
Uma análise mais atenta nas principais moléstias que afetavam os detentos nos mostra
que uma linha tênue separava as doenças pretéritas das adquiridas na própria Colônia, de tal
modo que não podemos identificar esse lapso temporal sem algumas considerações. Não
negamos que o “mau passadio” somado a bebidas alcoólicas e outras práticas desregradas
foram causas para algumas moléstias, e que muitas vezes esses indivíduos eram presos já com
Presidente do Estado de Minas Gerais pelo Secretário de Estado dos Negócios do Interior Dr. Henrique
Augusto de Oliveira Diniz. Ouro Preto, Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1897. Volume II, p. 231.
196
Idem, 1899, p. 178.
143
problemas de saúde. Todavia, acreditamos, também, que tantas outras doenças foram
adquiridas ou pelo menos agravadas dentro da Colônia.
Como argumento, verificamos que a má alimentação e a falta de higiene, tão
“combatidas” pelos responsáveis da Instituição (pelo menos no discurso), eram justamente
causas determinantes na maioria das moléstias examinadas. Mais do que isso, a escassez de
produtos e a estrutura precária indicam que, se os funcionários passavam por situações
paupérrimas de falta de itens primários, pior ainda seria para os colonos que cumprissem suas
penas. E, mais, vimos que, embora no regimento previsse a figura do médico, não havia
nenhum profissional contratado capaz de acompanhar os detentos. Vejamos, portanto, com
mais detalhes, as descrições de algumas doenças.
Quanto ao gráfico 5, das enfermidades referentes ao sistema digestivo (71%), 32 casos
foram de dispepsia, 25 de cólica hepática, dez de embaraço gástrico e quatro de disenteria.
Conforme mostrou Trindade (2007, p. 138), “de um modo geral, as doenças digestivas
estavam relacionadas à má alimentação, seja no que diz respeito ao estado de conservação dos
alimentos ou à carência das vitaminas e proteínas”.
À época197, dispepsia, popularmente conhecida como indigestão, era o nome dado à
sensação de desconforto na parte superior do abdômen durante ou logo após uma refeição,
muitas vezes acompanhada de alterações digestivas, vômitos, soluços e dores. As principais
causas eram a falta de higiene, ingestão excessiva de alimentos, principalmente se fossem
feitas com um longo espaço de tempo entre elas, e insuficiência da mastigação. Já os sintomas
podiam permanecer por alguns dias, desde que tratados.198
Desses pontos, destacamos o trecho da tese de Urias Silveira que mostrou que os
indivíduos que viviam na indigência provavelmente alimentavam-se mal e muito pouco. Ao
se depararem com uma grande substância alimentícia, faziam largas refeições “e a
consequência era a desproporção das forças digestivas, terminando por ser (sic) estas últimas
vencidas na luta: uma indigestão tem lugar”. Quanto à má qualidade das substancias
ingeridas, ele descreveu a importância dos processos culinários que “podem modificar as
197
É difícil a transposição da nomenclatura das doenças do século XIX para os padrões atuais. Dessa maneira,
optamos em utilizar a descrição, causas, prognósticos, diagnósticos e tratamentos utilizados à época. Para isso,
valemo-nos das teses médicas defendidas no período, especialmente as obtidas no Arquivo Público Mineiro,
seção Teses Médicas.
198
SILVEIRA, Urias Antônio da. Diagnóstico e tratamento das dispepsias. Tese apresentada à Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro, 1872, p. 10.
144
199
Idem, p. 14.
200
BRAGA, Ambrósio Vieira. Do diagnóstico das moléstias do fígado e o seu tratamento. Tese apresentada à
Faculdade de Direito de Medicina do Rio de Janeiro, 1874, p. 68.
201
VEIGA, Saturnino Simplício de Salles. Do diagnóstico diferencial entre as moléstias crônicas do
estomago. Tese apresentada à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro,. 1876, p. 35.
202
RESENDE, José Ignácio de Carvalho. Disenteria. tese apresentada à Faculdade de Medicina do Rio de
Janeiro, 1874, p. 4.
203
Idem, p. 19.
204
Idem, p. 22-23.
145
entre nós, a disenteria é mais comum na classe pobre visto que esta, além de
muitas outras causas, como a habitação do cortiço, a falta de asseio etc., vive
em luta contínua com a miséria; na classe rica, ao contrário, quando esta
moléstia se manifesta é as mais das vezes produzida pela intemperança ou
abuso dos indivíduos.205
205
Idem.
206
SILVEIRA, Urias Antônio da. Diagnóstico e tratamento das dispepsias. Tese apresentada à Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro, 1872, p. 21.
146
confiança na guarda das chaves do que na aptidão médica, era feito esporadicamente por um
médico da região.
No que se refere às doenças do sistema geniturinário, encontramos oito casos de
metrite, dois de sífilis, dois de reumatismo testicular, um de bubão sifilítico e um de metro
peritonite. Quanto a esses tipos de doença, primeiramente temos que estar atentos que nem
todas as doenças do aparelho genial e urinário eram identificadas à época. As que fossem,
muitas vezes, eram denominadas como sífilis (KARASCH, 2000, p. 225). Dessa maneira, a
dificuldade do reconhecimento dessas moléstias sugere que havia mais casos.
Mesmo assim, destacamos o fato de que só havia dois casos de sífilis registrados na
Colônia (e um de bubão sifilítico), enquanto oito de metrite e um de metro peritonite, doenças
especificamente femininas, ambas ligadas à estrutura anatômica do útero207. Esta consiste em
uma inflamação do peritônio, membrana cerosa que reveste parte da cavidade e das vísceras
abdominais, que pode ter origem bacteriana ou física (penetração de corpos estranhos
sequentes de contusões, por exemplo). Aquela, por sua vez, consiste em uma inflamação do
útero e também possui várias causas: hereditária, “modo e natureza de seus costumes”,
“prazeres venéreos” e “masturbação”, afinal, dizia umas das teses analisadas, “se as relações
sexuais são susceptíveis de produzir tão perniciosos efeitos no organismo da mulher, que se
dirá então do mecanismo e doutros exercícios venéreos artificiais ou desnaturados?”208
Seriam essas doenças causadas por bactérias originadas em lugares insalubres? Seriam
causadas por meios físicos, seja a masturbação, relação sexual ou mesmo estupro? Seriam
pelos “costumes venéreos”? Essas questões são interessantes de ser pensadas, todavia,
infelizmente, não temos mais nenhuma fonte que indique alguma resposta.
Sobre o tratamento das doenças geniturinárias femininas, novamente a questão
alimentar era a saída essencial para a cura, saída essa não disponível para os detentos. A tese
do médico Affonso Taveira Cardoso dizia que
207
ALVES, Antônio Ferreira Souto. Doenças do útero em geral e particularmente sobre a metrite puerperal.
tese apresentada à Escola Médico-Cirúrgica do Porto, 1867, p. 3. Ainda para o autor, “a solidariedade que existe
entre as diferentes partes deste aparelho é tal que o estado mórbido d’uma delas põe em risco mais ou menos
eminente o estado fisiológico das partes colocadas acima e abaixo do ponto afetado. Isso não é só para o
aparelho uterino, dá-se em todos os aparelhos”.
208
Idem, p. 3-15.
147
Notamos, portanto, que doenças como bronquite, reumatismo e até mesmo a anemia,
que totalizam 56% dos casos, possuem como uma das causas a falta de contato com os raios
do sol, responsável, entre outras coisas, pela vitamina D. A permanência em um ambiente
sujo, mal arejado e sem iluminação, sem dúvida, eram agravantes desse quadro. No que se
refere à Colônia Correcional Agrícola do Bom Destino, atribuímos esse baixo índice de
doenças respiratórias ao fato de que os detentos, na maior parte do dia, ficavam nas oficinas,
nos trabalhos de campo ou na escola.
Trindade ratifica essa assertiva ao afirmar que, no caso da Casa de Prisão com
Trabalho da Bahia,
209
CARDOSO, Affonso Taveira. Algumas considerações sobre a terapêutica da metrite crônica. Dissertação
inaugural apresentada e defendida perante a Escola Médica Cirúrgica do Porto, 1881, p. 15.
210
RELATÓRIO MÉDICO DA CADEIA DE OURO PRETO. In: PEREIRA, Edgardo Carlos da Cunha.
Relatório do Chefe de Polícia do Estado Edgardo Carlos da Cunha Pereira. Cidade de Minas, Imprensa Oficial
de Minas Gerais, 1902, p. 59-60.
148
As demais doenças, pelo baixo índice apresentado, não serão analisadas, bastando,
somente, o conhecimento de seus números. Para as doenças de pele, três de dartros (sic) e
quatro de bouba. Elencamos como variadas211 os casos de cefalalgia e congestão cerebral,
ambos com apenas um caso, não nos esquecendo que, entre as doenças aparentemente mais
comuns, é provável que estejam presentes os casos de simulação que tanto preocupavam os
dirigentes da Colônia Correcional. Fingir-se de doente “era um tipo de estratégia para obter
benefícios utilizada pelos presos e bastante conhecida entre os médicos e os administradores
das prisões” (Idem, p. 140).
Pelo que foi considerado, verificamos que a tradução dos discursos dos
administradores em ações não passou de boas intenções. Percebe-se que essas declarações
vinham acompanhadas de construções e reformas em edifícios, como se isso isentasse o
Estado de qualquer responsabilidade na execução das prisões. Entendiam que já ofereciam o
suficiente para a ressocialização e qualquer mal decorrente da prisão era de responsabilidade
somente dos prisioneiros, que não correspondiam com a contrapartida necessária para a
correção.
É sabido que os valores alimentares são ditados por um código cultural, distinto de
cada povo (ELIAS, 1993). Tamanha importância da alimentação nas relações sociais que em
nenhuma sociedade se come qualquer coisa, com qualquer pessoa em qualquer lugar.
Interessa-nos, pois, verificar qual a importância da alimentação nas instituições prisionais para
vadios em Minas Gerais.
Ao cozinheiro da Colônia Correcional cabia o preparo dos alimentos que seriam
servidos não só para os detentos, como, também, para os funcionários. Para isso, foi nomeado
o cidadão Manoel Luiz do Carmo, que era residente na cidade de Sabará. A dieta dos
funcionários e detentos era algo importante e devia ser levada em consideração, afinal, era a
partir dela que os detentos conseguiriam repor energias para aguentar longas jornadas de
trabalho na Colônia. Segundo o médico Coelho Júnior, “o regime alimentar ocupa hoje um
211
Cabe destacar que essas duas moléstias foram descritas por Silveira (1872) que constatou uma constante
confusão com que eram diagnosticadas, sendo muitas vezes, apenas consequências de uma dispepsia.
149
lugar dos mais importantes na medicação das dispepsias; constitui talvez a base, a condição
essencial no sucesso do tratamento”.212
4.7 OS DETENTOS
Como já foi destacado durante toda essa pesquisa, nosso conhecimento sobre a vida
nas prisões, em especial a de Minas Gerais, é ainda muito limitado. Conforme apresentou
Michelle Perrot (1998, p. 238), há uma enorme produção nos arquivos judiciais e policiais
sobre a instituição penitenciária, mas “infinitamente mais taciturna sobre os prisioneiros”.
Percebemos exatamente isso durante toda nossa investida. Relatórios dos diretores, ofícios
das autoridades, regulamentos, leis, projetos arquitetônicos, contabilidade, estatísticas entre
outros documentos tratam predominantemente sobre a (in)eficácia das prisões, enquanto
biografias, prontuários e outras demonstrações do cotidiano dos detentos são quase
inexistentes. Destaca-se, porém, que, embora os vadios não apareçam como sujeitos nessa
214
MAGALHÃES, Aureliano. Relatório do Chefe de Polícia do Estado Aureliano Moreira Magalhães. In:
GOMES, Wenceslau Braz. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do Estado de Minas pelo Secretário de
Estado dos Negócios do Interior Dr. Wenceslau Braz Pereira Gomes, em o ano de 1899. Cidade Minas:
Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1899, p. 201.
151
documentação, só como estatísticas, tentaremos humanizá-los por meio da análise crítica das
fontes.
Levando-se em consideração a análise documental, e que até mesmo a exclusão de
dados deve ser considerada, carregada que está de significados, buscaremos examinar as
fontes de forma a demonstrar a complexidade existente dentro das prisões, bem como dar vida
aos sujeitos lá encarcerados. Valemo-nos da ideia de que o mundo da prisão implica em um
processo de constante interação social dos presos, não só entre eles, mas também com os
guardas e com a direção, razão pela qual não podemos considerar que o comportamento
desses indivíduos estava limitado às grades de sua cela. É nesse sentido que julgamos
importante compreender o perfil dos sentenciados, bem como a dinâmica dentro da Colônia, a
fim de dar motivação às ações desses indivíduos quase “inexistentes” para a sociedade.
No caso da Colônia Correcional Agrícola do Bom Destino, temos duas fontes por
excelência: a matrícula dos reclusos e os relatórios do diretor da instituição. Alguns desses
dados já foram analisados por Silva (2006) – gênero, cor, estado civil e idade, em cujo teor
constatou que havia várias contradições entre os elementos lançados nos livros, a que ela
atribuiu ora ao grande fluxo de chegada de detentos, ora à negligência dos funcionários
quanto à rigidez na escrituração. Mesmo assim, ela acreditava ser possível obter disso “uma
leitura por amostragem de quem eram os vadios para a sociedade mineira do período” (Idem,
p. 65). Concordamos com a autora e adicionamos outras informações, como população
carcerária por ano, região de onde vinham os vadios e formas de resistência ante a tentativa de
disciplinamento. Vejamos cada uma.
Quanto ao número de reclusos matriculados nos primeiros seis meses de
funcionamento da Colônia (que se refere ao segundo semestre de 1896), estiveram registrados
apenas 15 vadios, sendo dez do sexo masculino e cinco do feminino. Para explicar o baixo
contingente, o chefe de polícia, Aureliano Magalhães, apontou três causas principais, que já
foram tratadas de alguma forma nos capítulos anteriores. Uma era a distância entre a Colônia
e as cadeias onde estavam encarcerados os presos esperando a correção, principalmente as
regiões do Sul e do Triângulo Mineiro, razão pela qual ansiava pelo fim da construção da
estação Pedro II e ampliação da General Carneiro. A segunda era a falta de força pública para
efetuar este serviço. Por fim, culpou a “lamentável e criminosa benignidade dos Tribunais
Correcionais215, que não tinham elevado nem compreendido a sua nobre e moralizadora
missão”.216
215
Os tribunais correcionais eram compostos por quatro vogais (cidadãos incluídos na lista dos suplentes dos
jurados, residentes à distância máxima de seis quilômetros da casa das sessões do júri) e presidido pelo juiz
152
Esse baixo contingente impediu que a Colônia funcionasse como esperado pelo
regulamento. Nesse sentido, adotaram novas medidas para reverter esse quadro, tais como a
“plantação de uma pequena quantidade de feijão, arroz, milho, cana, mandioca e batatas, visto
não ter, ainda, pessoas suficientes para os serviços de lavoura, não sendo possível, portanto,
apresentar um produto satisfatório”.217 Apesar disso, a Colônia continuou a merecer muitos
elogios. Sobre o trabalho na lavoura, Nicolau Pádua dizia que:
substituto. Para manter certa parcialidade, os vogais eram sorteados e renovados a cada trimestre e não serviriam
outra vez enquanto não esgotasse a lista dos vogais. O processo era iniciado após a denúncia escrita dos agentes
policiais ou qualquer cidadão qualificado. Após ouvir o acusado e as testemunhas, os vogais passavam a
examinar os autos e a colocar em votação se o réu merecia ou não a “correção” e o tempo de pena. Se a resposta
fosse positiva, o condenado era encaminhado para a colônia correcional. A grande crítica que Magalhães fazia
era que os tribunais correcionais não corresponderiam ao seu papel de julgar e punir os indiciados, conduzindo
julgamentos “frouxamente” e com “sentenças duvidosas”.
216
MAGALHÃES, Aureliano Moreira. Relatório do Chefe de Polícia do Estado Aureliano Moreira Magalhães.
In: DINIZ, Henrique Augusto de Oliveira. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do Estado de Minas
Gerais pelo Secretário de Estado dos Negócios do Interior Dr. Henrique Augusto de Oliveira Diniz. Ouro
Preto, Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1897. Volume II, p. 201.
217
PADUA, Nicolau Antônio Tassara de. Relatório do Diretor da Colônia Correcional Agrícola do Bom Destino,
Nicolau Antônio Tassara de Pádua. In: DINIZ, Henrique Augusto de Oliveira. Relatório apresentado ao Dr.
Presidente do Estado de Minas Gerais pelo Secretário de Estado dos Negócios do Interior Dr. Henrique
Augusto de Oliveira Diniz. Ouro Preto, Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1897. Volume II, p. 232.
218
Idem, 1898, p. 131.
153
219
Fonte: Elaborado pelo próprio autor, tendo como base os relatórios da Chefia de Polícia durante os
anos de 1896-1900.
219
No ano de 1896/7, entraram 35; em 1897/8, 150 novos nomes apareceram nos registros; já em 1898/9, 53; e
em 1899/1900, 62.
220
GOMES, Wenceslau Braz. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do Estado de Minas pelo Secretário
de Estado dos Negócios do Interior Dr. Wenceslau Braz Pereira Gomes, em o ano de 1899. Cidade Minas:
Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1899, p. 10.
154
Ainda que a maioria dos detentos tivesse origem de Belo Horizonte, percebemos que a
importância da instituição não se restringiu à nova capital. De acordo com as fontes
consultadas, dos 260 detentos que tinham referência sobre a naturalidade, entre o período de
1895 a 1901, Belo Horizonte, Juiz de Fora, Barbacena e Ouro Preto se destacaram,
representando, juntos, 55% do total de colonos que passaram pela Colônia Bom Destino.
Porém, essa a instituição ganha ainda mais relevância se levarmos em consideração a
variedade de regiões que enviaram seus detentos para serem corrigidos: cidade de São
Francisco, São Domingos, Diamantina, Livramento, Montes Claros, Paracatu, Queluz,
Uberaba, Capim Branco, Pomba, Ubá, Muriaé, Campo Belo, Itajubá, Campanha, Curvelo,
Serro, Lima Duarte, Itabira, Ouro Branco, Prados, São João da Chapada, Sete Lagoas, São
Miguel das Almas, Rio Novo, Formiga, Cataguazes, Piranga entre outras.
221
PADUA, Nicolau Antônio Tassara de. Relatório do diretor da Colônia Correcional do Bom Destino. In:
DINIZ, Henrique Augusto de Oliveira. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do Estado de Minas Gerais
pelo Secretário de Estado dos Negócios do Interior Dr. Henrique Augusto de Oliveira Diniz em o ano de
1898. Belo Horizonte, Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1898, p. 135.
222
Outras regiões também apareceram, tais como Curvelo, Cataguazes, Sete Lagoas e São João Nepomuceno,
mas com uma porcentagem muito pequena de detentos (cerca de 2%), assim como Ponte Nova, Ubá, Serro e
Nova Lima, com aproximadamente 1%.
155
ter nascido lá, outros, por sua vez, diziam vir de outros estados ou mesmo de outros países.
Independente disso, a diversidade de naturalidades demonstra a importância da instituição
para Minas Gerais, bem como comprova a complexidade do cotidiano desses indivíduos.
Quanto aos estrangeiros, encontramos dois portugueses, um espanhol e um italiano.
Reiteramos o argumento de que essas nacionalidades não correspondiam ao perfil traçado no
Núcleo Colonial Maria Custódia, onde estava instalada a Colônia. O mais provável é que
tivessem vindo de Belo Horizonte, Juiz de Fora ou Barbacena, regiões marcadas pelo
crescimento vertiginoso, cujo processo foi marcado pela chegada de diversos imigrantes.
Usamos o mesmo raciocínio para os indivíduos vindos de outros estados, como Ceará,
Bahia e Piauí, que possuíam, no total, nove reclusos. Acrescentamos, ainda, que tais dados
são corroborados com os estudos de Botelho (2007), que afirma ter existido, durante a
construção da nova capital, uma migração forte para Minas Gerais (não desconsiderando a
imigração estrangeira). Para o autor, três aspectos principais caracterizam os fluxos
migratórios para Belo Horizonte: o fim do trabalho escravo, a migração do interior para a
nova capital mineira e as migrações nordestinas. Nesse sentido, enfatizamos a relevância dos
espaços públicos, tanto como locus onde o saber contra os vadios é produzido, quanto como
representação capaz de ser o próprio definidor do estado de vadio, na medida em que estar ou
não na cidade representava ser ou não vadio.
Fonte: Elaborado pelo próprio autor, tendo como base os relatórios da Chefia de Polícia durante os
anos de 1896-1900.
Sobre o gênero, verificamos que 336 detentos tiveram o registro de ter passado pela
Colônia, dos quais 84% representavam os homens e 16% as mulheres. Todavia, isso não
156
altera significativamente a análise feita por Silva (2006), que encontrou em um total de 111
detentos, 75% masculino e 25% feminino. Esse resultado também foi corroborado com outras
instituições carcerárias pelo Brasil: a Casa de Correção em São Paulo, por exemplo, tinha um
contingente de mulheres recolhidas em torno de 12% (SALLA, 2006, p. 108); na Colônia
Correcional de Dois Rios (RJ), a média variava de 80% homens e 20% mulheres (SANTOS,
2009, p. 154); já na Casa de Correção de Porto Alegre, os homens representavam mais de
90%.
Mas qual o porquê disso? Seria pelo fato de existirem mais homens no Brasil? Seria
por que o homem era mais tendencioso à vadiagem ou, pelo menos, alvo preferido das
autoridades? Fato é que o crime de vadiagem era predominantemente masculino. A mulher,
pelo que parece, era uma figura pouco ameaçadora, uma vez que o crime mais parecia ser
assunto de homem, como se fossem “atos viris cometidos na selva das cidades” (PERROT,
1988, p. 256). Ainda muito vinculada à centralidade do lar, seu ou de seus patrões, a figura
feminina respondia mais pela sua fragilidade no círculo de relações domésticas e familiares do
que pela ameaça física. Tanto foi assim que o deputado João Vieira, em discussão sobre a
prisão das mulheres vadias, afirmou que “a mulher não era capoeira, mas podia se dar à
ociosidade, à embriaguez, ser turbulenta, ofender à moral pública, etc. etc.”, em regra, crimes
que ofendessem uma moral à qual ela deveria seguir, e não crimes violentos.223
Ademais, ressalta-se que não conseguimos quantificar todas as penas dos colonos,
apenas de 99 homens e 28 mulheres. Disso, tiramos que a média em que os homens ficavam
presos era de 13 meses, enquanto as mulheres, nove. Ao juntar esses dados com a
porcentagem de homens e mulheres, constatamos que o aquele era não só alvo preferencial
das prisões correcionais, como também era submetido a um tempo maior de encarceramento.
Quanto à idade, dos 101 dados coletados, 16 eram menores. Já a média masculina era
28 anos e a feminina, 26. Silva (2006, p. 67-68) afirmou que, em regra, as penas maiores eram
determinadas para os detentos entre 14-30 anos, tendo em vista que “o esforço necessário para
o desenvolvimento de tarefas empreendidas na Colônia necessitava de braços mais fortes,
diferente do que se esperava com os detentos mais velhos, daí a determinação da correção por
mais tempo”.
Não se pode perder de vista que a autora traz à tona uma ideia foucaultiana de
“controle social”, onde as prisões seriam pensadas predominantemente para a manutenção do
ambiente carcerário e disciplinamento dos corpos. Acrescentamos, todavia, que os dados
223
VIEIRA, João. CONGRESSO NACIONAL. Anais da Câmara dos Deputados. 16 de Setembro de 1892.
Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1892, p. 327.
157
Fonte: Elaborado pelo próprio autor, tendo como base os relatórios da Chefia de Polícia durante os
anos de 1896-1900.
Somada à questão da idade ainda temos a classificação dos detentos quanto ao estado
civil. Pelo que vimos, esses colonos eram em sua maioria jovens e solteiros. Nesse sentido,
valemo-nos da análise feita por Silva (2006, p. 67), que mostrou que talvez isso se justificasse
pela questão da responsabilidade, “já que os vadios, não possuindo família para ser
sustentada, estariam mais desocupados para as atividades ilícitas, ou ainda, por falta de
vínculos, poderem transitar mais facilmente”.
Por fim, deve-se destacar a relação entre a vadiagem e a cor da pele. Silva (2006, p.
67) afirmou, por exemplo, que a relação entre escravidão e vadiagem se fez mais evidente
quando se tratava de condenar os negros. Na nossa análise, não conseguimos afirmar se os
dados contidos nas estatísticas se referiam à ideia de características físicas hereditárias ou se
nele tínhamos apenas conotações étnicas raciais. Nesse sentido, relativizamos um pouco essa
associação entre escravidão e vadiagem, mas isso, obviamente, sem tirar o peso que as
relações escravistas tiveram (e ainda têm) em todo o processo de construção da sociedade
brasileira.
Ocorre que, diferente do esperado, ao mesmo tempo em que verificamos que existiam
mais “pretos” enclausurados na Colônia Correcional, percebemos que a “cor” mais
158
severamente punida (pena máxima de dois anos) era a “clara” (6), seguido da “branca” (4) e
só depois da “preta” (4), “parda” (4) e “morena” (3).
224
MAGALHÃES, Aureliano. Relatório do Chefe de Polícia do Estado Aureliano Moreira Magalhães. In:
GOMES, Wenceslau Braz. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do Estado de Minas pelo Secretario de
Estado dos Negócios do Interior Dr. Wenceslau Braz Pereira Gomes, em o ano de 1899. Cidade Minas:
Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1898, p. 14-15.
159
responsável na produção do perfil dos delinquentes. Sem dúvida, ele teve um importante
papel, mas associado a outros, como as modernizações urbanas e agrárias, a constituição de
uma racionalização do trabalho, entre outros.
Todavia, essa relação entre correção e transformação dos hábitos viciosos para um
modus viviendi pautado no trabalho e educação não foram unilaterais. Pelo contrário,
pautavam-se, muitas vezes, por conflitos e resistências dos próprios detentos. Relutantes em
aceitar o regime laboral imposto ou mesmo a disciplina à qual eram submetidos, diversas
práticas foram feitas para resistir.
A resistência dos detentos frente às instituições prisionais pode ser vista de várias
formas, sendo que as mais comuns são as rebeliões ou quaisquer outros enfrentamentos
diretos contra os guardas e a administração. Todavia, para compreender os demais aspectos
presentes nessas formas de subjetividade dos detentos, utilizaremos o conceito de
“ajustamento secundário” de Goffman (2005).
Segundo o autor, a prisão se constitui como um espaço de múltiplas segregações,
sendo aquela que separa o detento da sociedade a sua forma mais aparente. No entanto, há
outras configurações, como a divisão dos presos em celas, solitárias, oficinas ou a
permissão/proibição de frequentar determinados espaços da prisão, obrigatoriedade de
realização de uma rotina diária que não leva em conta as vontades dos reclusos,
uniformização dos atos e vestimentas, entre outros atos que promovem sistematicamente a
“mortificação do eu”, em um processo de destituição da identidade pessoal e reconstrução de
uma identidade prisional (Idem, p. 24).
Quando um indivíduo “coopera” com uma atividade exigida pela instituição, ainda que
sob as condições exigidas, seja por incentivos ou mesmo por ameaças de penalidades,
transforma-se em um “colaborador”, um integrante “normal”, “programado”, “interiorizado”,
“mortificado”. Esse seria o indivíduo guiado pelo “ajustamento primário”. Em resumo, esses
ajustamentos primários são importantes para a manutenção da coesão institucional, pois se
transformam em um conjunto de práticas que os sentenciados desenvolvem em conformidade
com o exigido pelos administradores.
160
Ocorre que esse conceito supracitado foi criado para que pudesse chegar a outro: o
“ajustamento secundário”. Segundo Goffman, esse novo termo “define qualquer disposição
habitual pelo qual o participante de uma organização emprega meios ilícitos, ou consegue fins
não autorizados, ou ambas as coisas, de forma a escapar daquilo que a organização supõe que
deve fazer e obter e, portanto, daquilo que deve ser” (Idem, p. 160). Os ajustamentos
secundários seriam, portanto, as formas pelas quais os indivíduos escapam dos papéis que a
instituição lhes atribui. Consideramos, dessa maneira, que esses “ajustamentos secundários”
são estratégias de resistência (deliberadas ou não) utilizadas pelos detentos, não
necessariamente com a intenção de derrubar, destruir ou combater a instituição, mas como
forma de manutenção de sua própria subjetividade, anulando, por consequência, ainda que
inconscientemente, a “mortificação do eu”. Dessa maneira, mais que uma “reação”, eram
“ações pautadas na luta pelos seus interesses.225
O autor exemplifica: se algum produto resulta da tarefa do trabalho, o trabalhador
tende a estar em uma posição que lhe permita obter informalmente algumas amostras; no
hospital, os que tinham tarefas na cozinha estavam em uma posição favorável que lhe permita
obter alimento extra; os que trabalhavam na sapataria raramente tinham falta de bons sapatos;
um auxiliar da biblioteca tinha facilidades em obter livros mais novos; alguns pacientes
simulavam uma doença a fim de escaparem dos serviços da instituição. Melville (autor do
famoso Moby Dick), em seu romance White Jacket, com base em suas experiências como um
marinheiro a bordo de uma fragata americana, mostrou o uso indevido do local para os
doentes e disse que este é um tema tradicional nessas instituições totais. Nas palavras dele,
225
Sem entrar na discussão sobre as estratégias de resistência, ou melhor, sobre os modelos de subjetivação, cabe
destacar, ao menos, a problemática inserida nos debates entre Goffman e Bourdieu sobre o tema. Desta forma,
para Bourdieu, a análise empregada por Goffman “acaba tomando estruturas históricas, oriundas de um mundo
social e datada, por a-históricas, por quadros atemporais” (LOPES, 2009, p. 400). Em outras palavras, acaba
tomando as estratégias de resistência (individuais) por estratégias universais, “interpretando habitus específico
como habitus de todos, [...] concebendo uma pequena parte percebido do mundo social como sua totalidade”
(Idem). Dessa maneira, mesmo usando os conceitos de Goffman para elucidarem tal explicação, entendemos que
esses estão atrelados a um contexto específico, tempo e datas determinados.
161
que trabalham na enfermaria. Conforme relatório do médico responsável pela cadeia, “havia
na enfermaria um preso exercendo as funções de enfermeiro há alguns anos, o qual era de
conduta irrepreensível e desempenhava o serviço com zelo e caridade; havia ainda um
servente, também preso, e nas emergências difíceis auxiliava o serviço os enfermos
convalescentes”.226 Dessa forma, trabalhar na enfermaria, ainda que por caridade, poderia
amenizar o peso do cárcere, além de obter vantagens frente aos outros sentenciados.
No que se refere à Colônia Agrícola Bom Destino, ainda que ela buscasse ser um
ambiente de correção e disciplinamento dos vadios, a dinâmica de uma “instituição total” não
escapava às formas de subjetividade e resistências, as quais denominamos anteriormente de
“ajustamento secundário”. Vimos na seção que tratava sobre as doenças prisionais que a
Colônia não possuía as condições higiênicas desejadas. Por óbvio que a insalubridade poderia
causar moléstias, e de fato causou, ainda mais quando um alto número de detentos
frequentava os corredores da instituição. Ocorre que, não só por negligência, aumentavam-se
as estatísticas sobre os enfermos.
O diretor Nicolau Pádua já havia notado que esses indivíduos, habituados a uma vida
desregrada, negavam-se a aproveitar as oportunidades de trabalho que lhes eram apresentadas,
tanto é que “diariamente tinha um número superior aos que trabalham na enfermaria”, sendo
que a maioria por problemas digestivos (71%).227 Insalubres as condições ou não, esses dados
são importantes para que nos desperte a ideia de uma possível forma de resistência dos
detentos. Embora exista a possibilidade de uma “coincidência” nos casos de enfermidades
registrados, visto a dificuldade de tratamento com médicos, é inegável que essa ocorrência
deva ser colocada sob suspeita, isso porque uma instituição que possua um número expressivo
de reclusos na enfermaria nos dá indicativos de traços de subjetividades que nenhuma
“instituição total” seria capaz de destituir.
Ademais, verificamos que, apesar da obrigatoriedade em manter o silêncio absoluto,
não só nas refeições como também nos trabalhos de campo, oficinas e até mesmo nas celas,
era praticamente impossível evitar a comunicação entre os detentos. Afinal, a comunicação se
faz por diversas formas, além do padrão oral. Mais do que isso, o contingente administrativo e
226
RELATÓRIO MÉDICO DA CADEIA DE OURO PRETO. In: PEREIRA, Edgardo Carlos da Cunha.
Relatório do Chefe de Polícia do Estado Edgardo Carlos da Cunha Pereira. Cidade de Minas, Imprensa Oficial
de Minas Gerais, 1901, p. 103.
227
PADUA, Nicolau Antônio Tassara de. Relatório do Diretor da Colônia Correcional Agrícola do Bom Destino,
Nicolau Antônio Tassara de Pádua. In: DINIZ, Henrique Augusto de Oliveira. Relatório apresentado ao Dr.
Presidente do Estado de Minas Gerais pelo Secretário de Estado dos Negócios do Interior Dr. Henrique
Augusto de Oliveira Diniz. Ouro Preto, Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1897. Volume II, p. 178.
162
228
In: DINIZ, Henrique Augusto de Oliveira. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do Estado de Minas
Gerais pelo Secretário de Estado dos Negócios do Interior Dr. Henrique Augusto de Oliveira Diniz em o
ano de 1898. Belo Horizonte, Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1898.
229
In: GOMES, Wenceslau Braz. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do Estado de Minas pelo
Secretário de Estado dos Negócios do Interior Dr. Wenceslau Braz Pereira Gomes, em o ano de 1899.
Cidade Minas: Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1899, p.180.
230
João Thomaz de Aquino era soldado e já tinha um histórico de delitos, já que no dia 15 de junho de 1895 foi
investigado pelo crime de abandono de destacamento, sendo condenado a 4 meses de prisão no dia 25 de julho
de 1895. MINAS GERAIS. Brigada Policial. Ouro Preto, quarta feira, 5 de junho de 1895, ano IV, n. 150, p. 4.
231
PADUA, Nicolau A. Tasssara de. Relatório do Diretor da Colônia Correcional do Bom Destino. In: GOMES,
Wenceslau Braz Pereira. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do Estado de Minas pelo Secretário de
Estado dos Negócios do Interior, Dr. Wenceslau Braz Pereira Gomes, em ano de 1900. Cidade de Minas:
Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 1900, p. 294.
163
demonstrando que a prisão é uma luta constante por poder, reconhecimento e, principalmente,
liberdade.
As formas de resistência não proporcionam manchetes jornalísticas, além do fato de
ser bastante raro que as autoridades deem publicidade aos atos de insubordinação. Os únicos
documentos em que obtivemos o relato direito dos detentos foram as petições enviadas pelos
detentos da Colônia Correcional Bom Destino e endereçadas ao presidente do estado de
Minas com pedidos de graça e perdão da pena. Esse instituto consiste nos atos de “clemência”
do poder público aos que delinquiram, extinguindo, diminuindo ou comutando a punição que
lhes foi imposta. Siqueira acrescenta que a graça reconhece a existência do crime, mas ataca a
condenação, comportando-se como uma das causas de extinção da punibilidade, quer
isentando o réu da pena imposta, quer modificando-a. Outra questão é que, diferentemente da
anistia, que se refere aos crimes políticos, a graça só é conferida aos crimes comuns, sendo
privativa do poder executivo.232
Uma das petições encontradas foi a de Manoel Antônio de Assis, condenado em
dezembro de 1896 pelo Tribunal Correcional de Ubá por ter furtado uma besta pertencente a
Carlos Soares Peixoto, recebendo a pena de dois anos a ser cumprida na Colônia Correcional.
Segundo consta em sua petição, datada de 15 de abril de 1897:
Não conseguimos certificar se a carta enviada foi escrita pelo próprio detento ou por
um advogado que o acompanhava. Percebemos, todavia, um conteúdo linguístico
aprofundado, com diversas qualificações para a autoridade executiva, responsável pela
232
SIQUEIRA, Galdino. Direito Penal Brasileiro: segundo o Código Penal mandado executar pelo Decreto n.
847 de 1890 e leis que o modificaram ou complementaram, elucidados pela doutrina e jurisprudência (1872 –
fac-símile). Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2003, p. 726.
233
Petição enviada por Manoel Antônio Assis, preso pobre da Colônia Correcional Agrícola do Bom Destino,
com pedido de perdão de pena, ao Presidente do Estado de Minas Gerais, 1897. ARQUIVO PÚBLICO
MINEIRO, Secretaria do Interior, Série 5, Cx.04, Pc.08.
164
234
Petição enviada por Antônio Com(...) Filho pedindo “indulto de natal” ao Presidente do Estado de Minas
Gerais, Francisco Silviano de Almeida Brandão. 1900. ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO, Secretaria do Interior,
Série 5, Cx.07, Pc.18.
235
Idem.
165
Diante desse relato, percebe-se que o conjunto de regras imposto pela administração
era muitas vezes aplicado sem que os próprios detentos soubessem o porquê de tais ordens,
não restando outra explicação senão a arbitrariedade da autoridade em obter seus “insaciáveis
e libidinosos desejos”. Não que isso fosse ilegítimo, afinal, à época, não era admissível que
uma mulher de família se engravidasse sem que o “suposto” pai assumisse, todavia, a ânsia
pela “justiça” suplantava a verdade dos fatos ou mesmo o contraditório e a ampla defesa dos
acusados.
236
Petição enviada por João Thomaz d’Aquino pedindo “indulto de natal” ao Presidente do Estado de Minas
Gerais, Francisco Silviano de Almeida Brandão. 1900. ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO, Secretaria do Interior,
Série 5, Cx.07, Pc.18.
237
Idem.
238
Idem (grifo nosso).
166
Ressalta-se, porém, que os pedidos de graça e perdão de pena não expressam ideias
revolucionárias ou mesmo uma resistência organizada. Pelo contrário, imitam a sociedade
estabelecida, reproduzindo hierarquias e gostos, uma sociedade que não lhes reconhece um
lugar, a não ser a marginalidade.
fornecedora de lenha, e não mais tratasse com o trabalho agrícola ou com as oficinas (nem
educacional, já que a escola já tinha sido suspensa).
A utilização desse novo método de trabalho também não gerou frutos produtivos. Pelo
contrário, vários problemas decorreram de tal utilização. A insegurança dos funcionários era
constante, pois eram pouco e os detentos tinham posse de ferramentas perigosas (machados,
foices e enxadas). Além disso, a mata era um habitat propício para fugas e esconderijos. Não
mais fazia sentido manter a Colônia Correcional Agrícola do Bom Destino.
O novo Chefe de Polícia, Edgardo Pereira, em 1900, resumiu as condições da Colônia
e propôs o fechamento da instituição e a supressão dos seus funcionários, uma vez que,
A Colônia do Bom Destino, portanto, foi suprimida pela Lei n.º 318 de 16 de setembro
de 1901, que revogou também a Lei n.º 141 de 20 de julho de 1895. Oficialmente, suas
atividades se encerraram em 1º de novembro de 1901. Os 15 reclusos restantes foram cumprir
a sentença na cadeia de Sabará e os funcionários foram dispensados.
239
PEREIRA, Edgardo Carlos da Cunha. Relatório do Chefe de Polícia do Estado – Edgardo Carlos da Cunha
Pereira. In: GOMES, Wenceslau Braz Pereira. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do Estado de Minas
pelo Secretário de Estado dos Negócios do Interior, Dr. Wenceslau Braz Pereira Gomes, em ano de 1900.
Cidade de Minas: Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 1900, p. 185.
168
A Colônia Correcional Agrícola do Bom Destino foi efêmera, durando cerca de seis
anos (1895-1901). Contrapondo sua criação, marcada por expectativas dos legisladores,
celebração de inauguração com a presença de autoridades e publicação de notícias de jornais,
com seu término, uma simples edição de lei extinguindo a instituição, percebemos que ela foi
literalmente abandonada pelo governo.
Verificamos no primeiro capítulo que as expectativas para a criação de instituições
correcionais no Brasil eram grandes. Os pronunciamentos das autoridades mostravam várias
faces no combate à pobreza, combinando-se a assistência aos necessitados à repressão policial
contra os vadios, e constituindo as bases sob as quais o estado seria levado aos anseios tão
desejados com a proclamação da República.
Conforme vimos, a vadiagem era considerada uma contravenção e, por isso, equivalia
ao que a doutrina chamava de “perigo in abstracto”. Nesse sentido, não exigia um resultado
fático, bastando apenas a possibilidade do evento danoso para condenar o infrator, sob a
justificativa da antecipação de condutas delitivas e prevenção dos crimes. Justamente pelo seu
caráter menos letal à sociedade, não era aconselhado colocar esses indivíduos em cadeias ou
prisões junto dos mais diversos criminosos, razão pela qual a pena correcional foi cada vez
mais difundida. Em especial no caso da vadiagem, a prisão com trabalho representou um
complexo ideal de mudança na sociedade, cujo teor não suportava mais situações de ócio e
vadiagem, por isso acreditava-se em um regime de correção capaz de habituar os detentos ao
trabalho, civilizá-los para a sociedade e prepará-los como mão de obra.
Ademais, acreditava-se que, com a promulgação de uma legislação específica sobre o
tema da vadiagem, as limitações advindas com as reformas processuais penais de 1841 e 1871
seriam mitigadas, possibilitando uma atuação policial mais ativa na busca pela “ordem
social”. Essas instituições agregariam, com todas as suas peculiaridades, aspectos repressivos
e preventivos, punitivos e ressocializadores. Elas trouxeram também a possibilidade de
associar a prisão com formação de mão de obra, em uma nítida tentativa de transformar os
vadios em trabalhadores úteis e civilizados à sociedade. Estes eram capazes,
concomitantemente, de servir tanto para o controle social quanto para a assistência pública.
Percebemos que combate à vadiagem, reformas urbanas, formação para o trabalho,
modernizações agrícolas, embora com objetivos diversos, entrelaçavam-se em interesses e
políticas. Foi por isso que analisamos, no capítulo 3, de que maneira se deu a escolha do local
169
para instalação da Colônia Correcional Agrícola do Bom Destino. Verificamos que essa
escolha não foi aleatória, tampouco se tratou de uma simples oportunidade geográfica. Tal
iniciativa foi observada dentro de um contexto maior, que envolveu diversas políticas
modernizantes no território mineiro. Zonas urbanas e rurais, portanto, tratavam-se de regiões
pluridimensionais e dinâmicas, e não polos opostos, razão pela qual conseguimos associar as
práticas de combate à vadiagem a outras como reformas urbanas e formação para o trabalho
agrícola.
Porém, notamos que o que na teoria representou um estabelecimento pensado para
assistir e corrigir esses indivíduos propensos ao crime, na prática, a consequência foi o
depósito substancial das classes populares nas instituições prisionais. Os métodos citados para
o disciplinamento pelo espaço eram suplantados pelas más condições de higiene, por uma
mistura entre homens, mulheres e crianças nos trabalhos de corte de lenha, nas oficinas, entre
outros. O disciplinamento pelo tempo não durou muito. O trabalho como disciplina foi
substituído pela forma compulsória de utilização para obtenção de capital. O disciplinamento
pela educação foi extinto junto da escola primária, ainda em 1898. Enfim, a instituição não
corrigia, não disciplinava, não educava.
Por que tamanha diferença entre o modelo proposto pela lei e a prática punitiva
durante o início do período republicano? Talvez nos cause certo receio termos uma resposta
simplista para tal indagação. Falta de vontade política? É possível. Ausência de recursos?
Provável. O momento era de instabilidade política e agitação social, logo, nenhuma resposta
única é viável.
Por trás da propalada “humanidade” estava o projeto político de retirar das ruas os
agitadores populares, que tantos transtornos trouxeram para as autoridades republicanas.
Logo, embora sopesemos a ideia de um “controle social” exercido pelas elites, não
descartamos sua importância na análise durante os capítulos analisados.
Ao chegar à prisão, o sentenciado trazia uma concepção de si mesmo formada ao
longo de sua vivência no mundo doméstico. Ao despir sua roupa e vestir o uniforme da
instituição, acreditava-se que o indivíduo começava a perder suas identificações anteriores
para sujeitar-se aos parâmetros ditados pelos regimes institucionais, em um processo de
desterritorialização e reterritorialização. Porém, como regenerar o infrator pelo trabalho em
uma sociedade que degradou o trabalho durante tantos anos?
Fica claro, portanto, o funcionamento às avessas das instituições de privação de
liberdade, que se pretendiam como espaços de (re)educação e (re)socialização, ao construir
uma experiência carcerária predominantemente ancorada no exercício autoritário. Era
170
considerado o “bom detento” aquele que respeitava as regras e as decisões. Ora, se ele
deixasse de tomar decisões corriqueiras sobre o cotidiano, como esperar que, em liberdade,
fosse capaz de lidar com aspectos da vida diária? A própria dinâmica da instituição acabava
desadaptando o sentenciado de uma vida livre para adaptá-lo a uma vida de prisão. Assim,
antes de ressocializá-lo, ela o adapta à vida carcerária.
Percebeu-se uma relativa distância entre a teoria que fundamentou a criação das
colônias correcionais e as práticas aplicadas no cotidiano das prisões, em uma total
ineficiência em transformar o saber de referência em um saber para os vadios. Por meio da
separação desses dois polos, tornaram o dia a dia da instituição engessado, com trabalhos
exaustivos e disciplinas infundadas, fazendo com que os detentos não reconhecessem o que
eles consideravam como seu verdadeiro ser.
Apesar disso, devemos atentar para a importância da Colônia nesse contexto. Ainda
que efêmera, ela trouxe manifestações importantes para pensarmos as reformas urbanas,
agrícolas e penais no período republicano brasileiro. Entendemos também que houve falta de
experiência brasileira nessa seara, bem como o caráter laboratorial e muitas vezes demagógico
de alguns políticos, o que fez com que a teoria fosse apenas teoria e não embasasse a prática,
ou mesmo a prática fosse apenas ações sem fundamentações teóricas.
Esse modelo de instituição foi abandonado porque a definição do que era ser pobre à
época envolvia uma questão econômica de subsistência, porém, muitas vezes o combate a ele
não seguia a mesma lógica, sendo feito sob fundamentos morais, étnicos e culturais. Nesse
sentido, o processo de estigmatização da pobreza incidiu na ideia de naturalização dos efeitos
históricos desse problema, transformando os problemas sociais em casos de polícia passíveis
de encarceramento. Em decorrência disso, impede-nos de identificar os responsáveis pelas
consequências indesejáveis, bastando, para isso, atribuir a culpa ao ócio ou preguiça dos
“marginais”, e não fruto de uma construção social. Em resumo, o Estado tratava a questão da
pobreza, em especial o da vadiagem, como um problema a ser resolvido, e não como um
desafio político.
Percebe-se, pois, que o problema da vadiagem é mais social que jurídico, e o seu
combate deveria ser mais preventivo que repressivo. Afinal, não se pode reprimir eficazmente
uma situação criada com o concurso do próprio Estado, que nada fazia no campo preventivo.
Como bem mostrou Araújo (2009), a historiografia das prisões precisa superar o dilema entre
fracasso e êxito e seguir adiante. Precisamos nos desvencilhar dos grilhões que ainda nos
prendem às fontes e discursos oficias e abrir os olhares para a experiência complexa do
cárcere. Foi isso, portanto, o que tentamos fazer.
171
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179
ANEXO A
ANEXO B
ANEXO C
ANEXO D
ANEXO E
ANEXO F