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Direitos Fundamentais 2

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Direitos Fundamentais

Direitos fundamentais (Universidade Lusíada de Lisboa)

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DIREITOS FUNDAMENTAIS

DIREITOS FUNDAMENTAIS E DIREITOS HUMANOS

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O que distingue os Direitos Fundamentais dos Direito Humanos é, na essência, nada.


Direitos Fundamentais e Direitos Humanos consubstanciam designações tendencialmente sinónimas
que refletem, sobremaneira, uma sua previsão em fontes jurídicas autónomas.
Noção: Posições jurídicas ativas das pessoas singulares frente ao poder e face aos
remanescentes indivíduos com uma determinada finalidade muito especifica: a defesa da dignidade
da pessoa humana. - Quando avançamos para esta noção, tentamos avançar para uma noção
compreensiva das duas realidades uma vez que elas têm diferenças; não são inteiramente sinónimas.

Posições jurídicas ativas são direitos. O ativas contrapõe-se às passivas. As posições


jurídicas passivas são deveres - Deveres Fundamentais ou Deveres Humanos.
Temos os Direitos Fundamentais enquanto posições jurídicas ativas, temos os Deveres
Fundamentais enquanto posições jurídicas passivas, temos os Direitos Humanos enquanto
posições jurídicas ativas e temos os eventuais Direitos Humanos enquanto posições jurídicas
passivas.
Evidentemente, se alguém tem um direito, tem uma vantagem, tem uma faculdade, tem um
poder. A essência dos Direitos Fundamentais e Humanos são os direitos subjetivos.

Temos que perceber porque “frente” ou “no exterior de”. Em Direito Constitucional
estuda-se essencialmente o poder; a sua estrutura. Em Direitos Fundamentais estuda-se uma outra
realidade que são os direitos das pessoas, da comunidade frente ao poder; no exterior do poder.
Há conexões entre elas, mas são “círculos” diferentes.
No plano internacional, embora de uma maneira mais difusa, passa-se o mesmo, ou seja,
nós também somos destinatários de atos do poder internacional, basta-nos pensar no poder da
União Europeia que elabora atos normativos permanentemente. Sendo destinatários, nós também
vamos ter Direitos Humanos face ao poder da União Europeia. Esta relação tanto existe para os
Direitos Fundamentais como para os Direitos Humanos. Portanto, estamos a trabalhar em Direito

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Constitucional, mas estamos a ver a outra face, estamos a ver a face dos cidadãos, estamos a ver os
nossos poderes face ao Estado.

A dignidade da pessoa humana afirma-se como a razão nuclear, senão mesmo como a
única, de qualquer destes dois tipos de posições jurídicas ativas, recorta-se como a ratio que permite
uma inequívoca distinção por confronto com todos os remanescentes. Sendo, inclusive, afirmada
em termos mais perentórios no segmento internacional, porquanto integrando a própria designação
Direitos Humanos, ao invés do que ocorre com a - não obstante análoga - designação Direitos
Fundamentais. O Homem é, pois, o fim, o único fim, do Estado, da Comunidade Internacional,
do Direito e, por qualificada maioria de razão, dos Direitos Humanos e dos Direitos
Fundamentais. Mais: a dignidade da pessoa humana é anterior e superior ao Estado, é anterior e
superior à Comunidade Internacional, e é anterior e superior, até, à ordem, positiva, do Direito.
Aliás, é exatamente o valor da dignidade da pessoa humana que permite identificar, qualificar e
caracterizar o Estado, a Comunidade Internacional, e a própria ordem jurídica positiva. E, no limite,
sempre que se verifique a preterição, por aqueles, desta dignidade, declará-los, juridicamente,
iníquos.

A partir do momento em que o Estado de Direito se consolida, a partir do momento que o


Estado obedece ao próprio Direito que cria, se submete ao Direito que se vai criando, é lógico que
vá surgindo uma nova dificuldade - é que as outras pessoas também são capazes de pôr em
causa os nossos Direitos Fundamentais. Temos o direito à vida e a pena de morte é proibida, mas
ninguém impede ninguém de matar alguém. A mim é indiferente ser morto pelo Estado, por um
vizinho ou por um aluno; eu quero é ter o direito à vida frente a essas realidades todas. E é assim
que se desenha a segunda parte, ou seja, frente ao poder. É assim que nascem os Direitos
Fundamentais - é para os sujeitos individuais se defenderem do poder. Porém, a partir do momento
que isso começa a ficar assegurado, temos uma segunda dimensão e vemos os Direitos
Fundamentais a alargarem-se.

Se olharmos para o artigo 18º, nº1 da CRP, um artigo essencial da Constituição dos Direitos
Fundamentais, nós vemos que os Direitos Fundamentais não são todos. Os Direitos, Liberdades e
Garantias vinculam os entes públicos, sujeitos públicos na sua globalidade, mas também vinculam
sujeitos privados. Problema diferente que vamos estudar à luz do artigo 12º da CRP, é saber se os

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Direitos Fundamentais são direitos apenas dos sujeitos singulares ou se são mais amplamente,
como parecem tender a Constituição, também direitos das pessoas coletivas.
As pessoas coletivas não têm Direitos Fundamentais e por uma razão profundamente
simples que, aliás, está associada ao resto da noção: para que servem os Direitos Fundamentais? Em
que é que se distinguem dos outros direitos? Direitos há muitos, o ordenamento está cheio deles, os
códigos estão cheios deles, mas porque é que estes são fundamentais? Onde é que reside a
fundamentalidade? O que é que os torna diferentes? É que eles têm uma finalidade diferenciada:
destinam-se a proteger, a defender a dignidade da pessoa humana. As pessoas coletivas não são
pessoas humanas e se não são pessoas humanas não têm dignidade - se esta é inexistente não têm
Direitos Fundamentais. É evidente que as pessoas coletivas têm direitos e deveres, no entanto é
muito discutível que sejam Direitos Fundamentais. Se retiramos a parte da dignidade da pessoa
humana ficam direitos como todos os outros e temos dificuldade em explicar porque são
fundamentais. Os Direitos Fundamentais e os Direitos Humanos ancoram-se num mesmo
fundamento jurídico - ou, num mesmo super-princípio - a dignidade da pessoa humana. Os
Direitos Fundamentais são os direitos essenciais, são os direitos básicos, são os direitos
estruturantes, são os direitos elementares e daí serem Direitos Fundamentais por terem uma função
básica no ordenamento dos direitos.

Quando falamos em Direitos Fundamentais nós estamos a pensar em direitos de fonte


interna - os direitos que estão na Constituição. Reservamos normalmente a expressão de Direitos
Fundamentais para o Direito Interno. Existem Direitos Fundamentais portugueses, Direitos
Fundamentais espanhóis, etc.
Quando se usa a expressão Direitos Humanos, esta está normalmente reservada ao mesmo
tipo de direitos, mas que têm uma feitura internacional, ou seja, eles decorrem de um processo de
elaboração internacional. Significa que resultam tipicamente do acordo de dois ou mais Estados;
Direito Internacional não são só tratados ou acordos, os atos internacionais não são igualmente
todos consensuais, mas tipicamente a fonte internacional é consensual.
Estas expressões nem sempre são inteiramente fiáveis. Por exemplo, a Carta de Direitos
Fundamentais da União Europeia tem uma designação tecnicamente incorreta, existe uma razão
histórica para aquilo, mas a verdade é que não se deveria chamar Carta de Direitos Fundamentais.
Não há ali verdadeiramente Direitos Fundamentais, há Direitos Humanos. A Convenção dos
Direitos Humanos tem a designação correta assim como a Declaração Universal dos Direitos
Humanos. Há de facto desvios ainda hoje.
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A fonte dos Direitos Fundamentais e dos Direitos Humanos é o Direito Natural. Porém,
nem todos os Direitos Fundamentais e Direitos Humanos que hoje existem têm origem no Direito
Natural. Os Direitos Fundamentais e os Direitos Humanos encontram, ambos, a sua génese no
Direito Natural jusracionalista, se bem que, em momentos históricos muito desfasados.
Os Direitos Fundamentais surgem quase 300 anos antes dos Direitos Humanos. Situamos a
origem dos Direitos Fundamentais, em sentido técnico, nas revoluções liberais, nomeadamente, nas
Revoluções Inglesas do século XVII - daí surgem os textos ingleses “Petition of Right”, “Habeas
Corpus Act” ou “Bill of Rights” que são os principais textos originários dos Direitos Fundamentais.
Vão posteriormente ser universalizados e desenvolvidos com a Revolução Francesa um século
depois e com a Revolução Americana. Já os Direitos Humanos só surgem verdadeiramente de uma
forma mais organizada, mais sistémica a seguir à Segunda Guerra Mundial (depois de 1945).
Essa matriz naturalística ergue-se, inclusivamente, como um dos critérios que preside à
separação entre os Direitos Fundamentais e Direitos Humanos reais e os Direitos Fundamentais e
Direitos Humanos aparentes. Entre, de um lado, os Direitos de Liberdade e, de um outro, os
desmandos Direitos Sociais.
Os Direitos Fundamentais e os Direitos Humanos ostentam, em comum, a génese, a
positivação, a tipificação, o fundamento, a natureza, os sujeitos ativos e passivos, o objeto, a
dicotomia entre Direitos de Liberdade e designados Direitos Sociais, e, por fim, a justicialidade.
Quer os Direitos Fundamentais, quer os Direitos Humanos, são direitos positivados. A
positivação é a redução dos direitos a escrito, ou seja, em vez de serem construções de natureza
basicamente filosófica, ou em vez de eventualmente estarem nalgum costume, eles são passados a
escrito - encontram sede nas Constituições. São também direitos tipificados - eles estão
identificados, estão determinados, são especificados exatamente que direitos são.
Todavia, semelhante positivação não significa apenas transposição para o direito escrito.
Sugere, igualmente, imperatividade e coercibilidade, tanto na perspetiva da vinculação do poder
político, como na ótica da adtrição da remanescente comunidade de indivíduos.

A Constituição portuguesa recebe os Direitos Humanos, recebe os direitos que têm origem
no exterior, mas não se transformam em Direitos Fundamentais, não perdem a natureza. Se houver
necessidade de alterar esses direitos eles não são alterados de acordo com os critérios da
Constituição, têm que ser alterados de acordo com os critérios da origem deles. Se houver alguma
dúvida sobre a interpretação não vamos utilizar o artigo 9º do Código Civil, temos que usar o artigo
301º da Convenção de Viena.
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A questão que se coloca é saber se em termos de substância, retirando a origem, se eles têm
os mesmos direitos. Queremos saber se o catálogo dos Direitos Humanos é o mesmo que o dos
Direitos Fundamentais - é um catálogo próximo. No caso da CRP, como é uma Constituição muito
focada nos Direitos Fundamentais as semelhanças são muito grandes, mas no caso das
Constituições mais liberais essa diferenciação é maior, por exemplo, a Constituição Americana não
tem Direitos Sociais. De Estado para Estado há diferenças, mas na essência, que é só uma, o Direito
Internacional e Interno é basicamente o mesmo.
De facto, os Direitos Humanos revelam-se, na sua globalidade, os mesmos, e os respetivos
conteúdos afiguram-se tão vastos e, simultaneamente, tão densos, quanto os dos Direitos
Fundamentais. Aliás, domínios existem nos quais o Direito Internacional surge mais compreensivo
do que parte maioritária das Constituições, ou porque mais antigas, ou porque mais liberais, ou
porque mais liberais e mais antigas.
O catálogo interno de Direitos Fundamentais e o catálogo internacional de Direitos
Humanos revelam-se substantivamente próximos. Por um lado, quanto à seleção, à definição e à
virtual delimitação dos aludidos direitos. Por outro lado, quanto à identificação dos direitos
insuscetíveis de condicionamentos totais, respetivamente, dos direitos impassíveis de suspensão ou
de derrogação. E, por consequência, a uma hierarquização de tais direitos, internos e internacionais,
no plano valorativo.
Acresce que, os vários catálogos de Direitos Fundamentais não se revelam, sequer,
homogéneos - muito pelo contrário - no âmbito interno de cada um dos Estados. Sendo certo que
uns ostentam maior número de direitos do que outros, que uns contemplam os designados Direitos
Sociais e outros não, e que o mesmo fenómeno se deteta, por maioria de razão, quanto aos alegados
direitos das subsequentes gerações. Há também direitos que se encontram previstos na esfera
internacional e não na esfera constitucional interna, como se vislumbra, por exemplo, com a
liberdade de pensamento.

Apresenta-se comum aos Direitos Fundamentais e aos Direitos Humanos, igualmente, a


divisão nuclear, entre, de um lado, os Direitos de Liberdade e, de outro lado, os designados
Direitos Sociais - ou Direitos Socialistas, ou Direitos Económicos, Sociais e Culturais.
No que concerne aos Direitos Humanos, essa clivagem traduz-se na existência de dois textos
radicalmente distintos, um, o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, outro, o
Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais.

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Na Constituição Portuguesa, a divisão também é esta, mas tem uma distorção com os
direitos dos trabalhadores. Aqui emana a configuração de dois regimes jurídicos rigorosamente
opostos, o dos Direitos, Liberdades e Garantias, a que se acoplam, ainda, os direitos de natureza
análoga, e o dos designados Direitos Económicos, Sociais e Culturais.
Os Direitos, Liberdades e Garantias não são exatamente os mesmos que os direitos de
liberdade porque na Constituição para além dos Direitos Pessoais e Políticos há uma pequena parte
dos direitos dos trabalhadores que foi associada aos Direitos, Liberdades e Garantias - há uma
pequena distorção da divisão original.

Ao invés do que se observa com os atos internos que albergam Direitos Fundamentais, os
atos constitucionais - ou os atos ordinários - a vinculatividade dos atos normativos contendo
Direitos Humanos não se apresenta geral. Importando distinguir entre, por um lado, as Declarações,
originariamente não adstringentes e, por outro lado, os Tratados Internacionais, a saber, os
tratados, os acordos, as convenções, os pactos, as cartas, os protocolos ou os convénios,
intrinsecamente obrigatórios.
Enquanto os Direitos Fundamentais que estão na Constituição são sempre direitos
vinculativos, aqueles que estão nos textos de Direitos Humanos podem ser ou não. No Direito
Internacional nós conseguimos fazer uma bipartição: de um lado tratados internacionais, mas por
outro lado temos uns atos chamados declarações (textos originariamente não vinculativos, não são
obrigatórios) - declarar direito não é o mesmo que garantir direito.
O mais importante, aquilo que verdadeiramente divide a ordem jurídica internacional e
interna e consequentemente a ordem jurídica dos Direitos Humanos e dos Direitos Fundamentais é a
questão da tutela, da garantia, da suscetibilidade de imposição coerciva dos direitos previstos.
Enquanto na ordem jurídica interna a cada direito corresponde uma ação, a cada direito corresponde
a possibilidade de o efetivar, de recorrer aos tribunais ou outros meios, no plano internacional o
problema dos tribunais é um problema muito grave.
Na Europa temos dois tribunais de Direitos Fundamentais - Tribunal Europeu dos
Direitos Humanos e o Tribunal de Justiça da União Europeia. No plano internacional geral,
esquecendo a Europa, é evidente que quando vamos à procura de um tribunal internacional para
julgar aquilo que alguns tribunais de uns Estados não são capazes de julgar, porque eventualmente
são ditaduras, porque são Estados que não garantem os Direitos Fundamentais de espécie alguma,
não há nenhum tribunal internacional para efetivar esse direito. Existe o Tribunal Internacional de
Justiça, mas os indivíduos não têm legitimidade para interpor ações nele. É um tribunal que só
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pode dirimir causas entre Estados. Se o que está em causa é a violação de um Direito Humano
(direito individual) temos o Tribunal Penal Internacional, mas este tribunal tem limitações porque
só tem jurisdição para julgar grande criminalidade.
Conclui-se que a justicialidade dos Direitos Humanos, num plano universal - ou, com
maior rigor, internacional geral - se afigura, ainda, bastante limitada. Reduzindo-se à existência do
Tribunal Penal Internacional e, nesse contexto, a um circunscrito número de direitos de natureza
civil - vida, integridade e liberdade. E traduzindo, assim, menor efetividade jurídica, face à
observada em sede de Direitos Fundamentais ou, inclusivamente, no - duplo - âmbito dos Direitos
Humanos europeus. Efetivamente, centrar a defesa dos Direitos Humanos nos Estados,
principalmente em Estados de não-Direito, de Estados de não-democracia ou ainda de múltiplas
democracias aparentes, é ignorar que estes são, tipicamente, os maiores inimigos dos seus cidadãos
- e, inclusive, de estrangeiros - bem como dos respetivos Direitos Fundamentais. É obnubilar que os
referidos Estados são, hodiernamente, a principal força do bloqueio da globalização e, mais
especificamente, da globalização dos próprios Direitos Humanos. Uma integral afirmação dos
Direitos Humanos, de efetivos Direitos Fundamentais universalizados, exige, pois, a ultrapassagem
do datado paradigma estadual e a emergência de uma nova Comunidade Internacional, supra-
estadual, cogente e diretiva.

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II

Situações funcionais têm de semelhante com os Direitos ou Deveres Fundamentais a sua


natureza de situações jurídicas ativas ou passivas. Também são direitos. Mas direitos de quem?
Não são direitos da comunidade, não são direitos individuais, são direitos que nós designamos
tecnicamente como competências, na maior parte dos casos - competências dos titulares de cargos
políticos ou cargos públicos de uma forma mais ampla. Ao invés de serem direitos que as pessoas
têm pelo facto de serem pessoas são direitos ou competências que as pessoas têm pelo facto de
desempenharem uma determinada função, por isso situações funcionais - direitos que são
atribuídos em razão da função desempenhada. Ex. se alguém tem o poder de nomear o Primeiro-
Ministro é evidente que tem este poder em razão da função presidencial que desempenha.

Questão dos tipos de Direitos Fundamentais - sob a capa de Direitos Fundamentais e de


Direitos Humanos escondem-se dois tipos de realidades estruturalmente diferentes. A primeira
grande divisão entre os Direitos Fundamentais e os Direitos Humanos é que de um lado temos os
chamados Direitos de Liberdade, e, do outro lado, os designados Direitos Sociais.
Falamos de Direitos de Liberdade a propósito de dois subtipos: os Direitos Pessoais e os
Direitos Políticos. Num plano internacional, quando olharmos para os textos internacionais, a
expressão “pessoais” é normalmente substituída pela expressão “Direitos Civis”, mas tem o mesmo
significado (provém da influência anglo-saxonica). A Constituição portuguesa substitui esta
designação por Direitos de Participação Política.
O que é que se opõe a isto são os Direitos Sociais (Direitos Económicos, Sociais e Culturais
- a CRP ainda fala nalguns artigos em Direitos Ambientais). Qual é a grande diferença entre eles? É
uma diferença de natureza. O facto de terem princípios diferentes, o facto de terem um regime
diferente, o facto de terem regras que os regem diferentes é uma consequência da natureza dos
próprios direitos. Em que é que essa natureza é diferente? Os Direitos de Liberdade são
essencialmente (é usado o “essencialmente” porque também esperamos do Estado algo positivo -
ex. proteção. Porém esta dimensão positiva é acessória, é secundária) Direitos Negativos - quer
dizer que aquilo que se espera por parte do poder, aquilo que a comunidade espera em relação ao
poder é essencialmente uma abstenção, é não intervenção, não invasão da esfera da comunidade, da
esfera individual. Os Direitos de Liberdade são a nossa liberdade de não vermos a nossa ação

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prejudicada pelo poder. É um espaço de autonomia, de liberdade, de ação, não queremos que o
Estado o invada.
Foi a partir daqui que nasceram os Direitos Fundamentais - nasceram para consagrar estes
direitos básicos. Para que consigamos estes direitos alguma coisa o Estado tem que fazer,
secundariamente, complementarmente, mas tem de fazer, por isso não é rigoroso dizer que são só
positivos ou só negativos.
Os Direito Sociais são essencialmente Direitos Positivos, são exatamente o oposto (mas
não totalmente opostos) dos Direitos de Liberdade. Aqui nós queremos poder exigir ao Estado
prestações, queremos ações, queremos que o Estado aja, construa escolas, contrate professores,
construa hospitais, compre medicamentos, equipamentos, por aí fora. Espera-se uma ação por parte
do Estado.
Poderá dizer-se que os Direitos Económicos, Sociais e Culturais são direitos
exclusivamente positivos? Não, porque do Estado não se espera apenas que ele tenha uma
determinada ação em relação aos Direitos Sociais, também se espera que ele se abstenha de criar
problemas a esses Direitos Pessoais. Ex. espera-se que o Estado intervenha para garantir o direito à
saúde, mas também se espera, por exemplo, que o Estado não crie fábricas ou algo semelhante que
com a sua poluição destrua o ambiente pondo em causa a saúde das pessoas.

Esta divisão existe mesmo na ordem jurídica? Existe na ordem jurídica internacional de
uma forma límpida, mas não existe totalmente na ordem jurídica portuguesa.
A Constituição portuguesa distingue entre de um lado Direitos, Liberdades e Garantias e
do outro lado Direitos Económicos, Sociais e Culturais. Quando observamos bem o texto vemos
que os Direitos, Liberdades e Garantias estão divididos da seguinte forma: Direitos Pessoais,
Direitos Políticos, mas ainda há uma terceira categoria que são os Direitos dos Trabalhadores.
Quando observamos os Direitos Económicos, Sociais e Culturais onde é que começamos?
Começamos através dos Direitos dos Trabalhadores, na parte do trabalho. Quer dizer que na
Constituição tudo o que tem haver com o trabalho está segmentado. Os direitos relativos ao trabalho
são Direitos Económicos, Sociais e Culturais.
A Constituição portuguesa tem uma divisão imperfeita. Isto acontece porque houve uma
intencionalidade. Os regimes são muito diferentes, ou seja, as normas que regulam os Direitos,
Liberdades e Garantias são muito diferentes das normas que regulam os Direitos Sociais. As normas
que regulam os Direitos, Liberdades e Garantias são especialmente exigentes, são especialmente
cautelosas, quer-se preservar de todas as formas possíveis estes Direitos, Liberdades e Garantias.
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Quer-se que sejam restringidos, mas o menos possível. Não se quer igualmente que sejam afastados
da Constituição (limites materiais da revisão constitucional). Têm um regime maximalista,
especialmente exigente. Os Direitos Sociais não têm este regime. Podem facilmente ser
restringidos, podem ser suspensos, no limite podem ser retirados da própria CRP - regime menos
protetor.
Quando se fez a Constituição quiseram-se proteger especialmente os Direitos dos
Trabalhadores, em vez de ficarem do lado dos Direitos Sociais onde estavam menos protegidos,
entendeu-se que uma parte podia ficar junto dos Direitos de Liberdade - para o efeito de proteção.
Os direitos têm uma natureza especifica, diferenciada. Pode-se fazer uma entorse no regime para
que alguns direitos beneficiem de um regime mais favorável, foi o que se fez. No entanto, não deixa
de ser uma distorção.
No entanto, há a situação oposta. Há direitos que pela sua estrutura negativa são Direitos de
Liberdade e foram parar à parte dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais. Ex: direito de
propriedade privada e direito de iniciativa privada - são Direitos de Liberdade, não são Direitos
Sociais. Não queremos que haja interferência. Eles estão deslocados em relação ao lugar que
deviam estar. Isto tem haver com o processo de formação da Constituição. Quando se fez a
Constituição, o Estado português estava muito próximo de um Estado socialista, só haviam
empresas estatais, quase não haviam empresas privadas. Olhava-se para a propriedade e para a
iniciativa privada de uma forma minima.
A Constituição portuguesa foi feita num contexto complexo, num contexto revolucionário.
Isto significou que os procedimento de elaboração da Constituição, nomeadamente a criação dos
Direitos Fundamentais foi caótico. Quis-se assegurar que pelo menos os direitos básicos estavam
garantidos, mas para além daqueles haviam muitos outros direitos que acabaram por ficar “onde
calhou”.

Como chamamos aos Direitos Fundamentais que não fazem parte do catálogo e estão
espalhados na Constituição toda? Nalguns casos, direitos de natureza análoga (são aqueles que
pela sua estrutura, sobretudo negativa, são semelhantes aos Direitos, Liberdades e Garantias) ou
direitos constitucionais avulsos. Qual é a diferença? Aqueles que estão fora do catálogo, mas são
parecidos com os Direitos, Liberdades e Garantias, ou melhor, com os Direitos de Liberdade,
usamos o mesmo regime dos Direitos, Liberdades e Garantias (art.17º - CRP); em relação aos
outros, vão para os Direitos Sociais. Vão parar ao regime geral, residual.

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HIERARQUIA

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Quando olhamos para os Direitos Fundamentais ou para os Direitos Humanos


evidentemente eles não se situam nem se podem situar todos no mesmo plano, não podem ter todos
a mesma importância. O direito à vida não pode ter a mesma importância que o direito à greve; o
direito à habitação não pode ter a mesma importância que o direito à liberdade. É disto que falamos
quando falamos em hierarquia. Portanto, nós temos que tentar perceber que embora sejam todos
fundamentais, uns são mais fundamentais que outros, e que embora sejam todos humanos, há uns
que são mais humanos que outros.
Assim, as posições jurídicas ativas públicas que integram, quer o Direito Internacional dos
Direitos Humanos, quer o Direito Constitucional dos Direitos Fundamentais, não se posicionam, em
todos os casos, num mesmo plano hierárquico, não detêm a mesma força jurídica, não obedecem
aos mesmos princípios jurídicos, não ostentam um mesmo regime jurídico e, sobretudo, não
assumem uma mesma relevância valorativa.
Há autores, que usando um relativismo assustador, dizem que é impossível hierarquizá-los o
que significaria que todos os direitos teriam a mesma importância. Numa perspetiva meramente
formal isso não parece minimamente possível por razões que têm haver com a natureza das normas,
ou seja, pela posição que as normas ocupam no ordenamento. Mas, numa perspetiva de conteúdo,
de matéria, de substância, evidentemente também não podemos gradua-los todos da mesma forma;
há-de haver direitos que são mais relevantes do que outros.
A hierarquização é um trabalho complexo e temos de o fazer em duas fases: primeiro, temos
de ver na perspetiva de atos, no tipo de atos, e, posteriormente, ver na perspetiva do tipo de
conteúdo. Resumidamente, fazemos uma macro-hierarquização, ou seja, vimos os grandes textos, os
grandes atos, numa perspetiva global e depois observamos pormenorizadamente o interior de cada
ato.

Infelizmente, quando se estuda Introdução ao Estudo do Direito, estuda-se como se não


houvesse Direito Internacional, ou seja, estuda-se só Direito Interno e Direito Privado. Mas a
verdade é que o mundo do Direito extravasa muito o Direito Interno, portanto, quando nós ficamos
com aquela ideia de que a Constituição é o topo do topo é tudo menos isso. Acima da Constituição
encontramos outro tipo de normas. Se não encontrássemos normas superiores à Constituição, não
existiria Direito Internacional, ou seja, o Direito Internacional só é concebivel se se admitir que
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ele pode estar num plano superior ao das Constituições dos Estados. Se o plano internacional
depender da vontade dos Estados, ou se depender das Constituições, teríamos aqui o que se chama
monismo comprimado do Direito Interno, que significa a negação prática do Direito Internacional.
Portanto, evidentemente, uma parte do Direito Internacional tem de estar acima da Constituição.

Igualmente, se estamos integrados numa organização internacional que tem natureza supra-
estadual - é a única organização historicamente existente - significa que o seu Direito está acima dos
direitos dos Estados. O Direito da União Europeia, que também tem Direitos Humanos, está acima
da Constituição. Aliás, quando entrámos para a União Europeia tivemos que alterar a Constituição
substancialmente - a primeira grande revisão da parte económica aconteceu pela necessidade de
ajustar o nosso direito ao direito da União Europeia, mas mais tarde aconteceu o mesmo com a
criação da moeda única porque a Constituição era incompatível com a nova estrutura dos tratados
internacionais relativos à União Europeia. Resumidamente, se houver uma colisão entre Direitos
Humanos e os Direitos Fundamentais previstos na Constituição prevalecem as normas
internacionais.

Ficámos com a ideia que parte do Direito Internacional está num plano superior ao da
Constituição, assim como o Direito da União Europeia. Mas a que Direito Internacional nos
referimos? Que parte do Direito Internacional?
Entende-se que o Direito Internacional, tal como o Direito Interno, tem dois patamares
diferentes. Os patamares do Direito Interno são a Constituição (num plano superior) e direito
ordinário (num plano inferior). Temos que imaginar que na ordem internacional (embora não haja
Constituição porque não há Estado - há tratados internacionais), também existem dois planos. O
plano superior é aquilo a que a Convenção de Viena (arts. 53º e 64º) chama de Ius cogens -
conjunto de normas que têm uma função estrutural na ordem jurídica internacional. Não significa
que não possam ser alteradas, não há normas jurídicas em lado nenhum do mundo que não possam
ser modificadas, mas só podem ser modificadas por uma nova norma de Direito Internacional geral
com a mesma natureza. Têm uma função estruturante na comunidade internacional; são as normas
básicas da comunidade internacional.
A questão é que, ao contrário do que se passa na Constituição, o Direito Internacional não
tem diversidade formal, ou seja, os tratados são sempre tratados, são pactos, são convenções, são
acordos, mas não há uma diferenciação entre tratados ius cogens e os outros tratados. O Direito

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Internacional reconhece a existência do ius cogens, consagra-o expressamente através da


Convenção de Viena (art. 69º), mas não lhe dá uma forma especial diferenciada.
Então como chegamos lá? Chegamos lá através da função que desempenha. Se a função
que têm é uma função absolutamente estruturante da comunidade internacional somos levados a
dizer que estamos na presença de ius cogens. Em termos gerais, por exemplo, a Carta das Nações
Unidas não é toda ius cogens, mas há coisas que são - exemplo: proibição da guerra é uma regra
estruturante das organizações internacionais.
Para os Direitos Humanos, também conseguimos encontrar normas ius cogens. São as
normas, pelo menos, que dizem respeito aos Direitos Pessoais, aos Direitos Civis. Se estamos a
distinguir entre normas em função da sua relevância, não há nada mais relevante nos Direitos
Humanos que os Direitos Pessoais (direito à vida, direito à integridade, direito à liberdade, etc). São
inequivocamente direitos ius cogens. Estão em tratados iguais aos outros, mas têm uma função
diferente na comunidade internacional. Se considerarmos que estes direitos são ius cogens então a
consequência é que estas normas prevalecem sobre as normas da Constituição. Dizendo de outra
forma, se olhamos para o Pacto de Direitos Civis e Políticos provavelmente temos de admitir que
este pacto está num plano superior ao da Constituição portuguesa.

Outro texto que também tem uma função sobre-constitucional, mas por admissão da própria
Constituição é a Declaração Universal dos Direitos do Homem por razões totalmente diferentes.
Esta declaração é um texto originariamente não obrigatório, não vinculativo, é uma declaração, não
um tratado, ela foi feita para influenciar, para os Estados irem tentando encontrar soluções que
ainda não os obrigavam, mas que aos poucos iam fazendo o seu caminho.
O que acontece especificamente na Constituição portuguesa com a Declaração
Universal dos Direitos do Homem? No nosso caso, que é um caso raro, é a própria Constituição a
receber o documento expressamente (art.16º, nº2 - CRP). A Constituição está a reconhecer a sua
superioridade; se houver dúvidas na interpretação, o padrão interpretativo serão as normas da
Declaração. Quando há normas com as características do art.16º, nº2, é impossível não ver uma
hierarquização. Estamos perante uma situação de cedência constitucional face a outro
dispositivo, neste caso a uma Declaração.

Outra questão é a situação do Direito da União Europeia. Nós não somos obrigados a
entrar para organizações internacionais, mas a partir do momento em que se entra obviamente há
regras, e estas são desde o início muito simples: supremacia incondicionada e absoluta do Direito
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da União Europeia sobre os Direitos Internos. A União Europeia foi criada, originariamente, para
limitar a Alemanha e a França que eram os dois grandes Estados criadores de guerra na Europa e
portanto, evidentemente, quando se tenta limitar os Estados tem de se criar alguma coisa acima
deles sendo que, neste caso, criou-se uma organização supra-estadual. As decisões eram tomadas
num plano superior aos Estados, nunca por acordo entre Estados. É a própria natureza da União
Europeia. A União Europeia tem uma Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia e esta
carta é um texto bastante sofisticado, aprofundado, é um texto bastante desenvolvido, mais recente
que a Constituição portuguesa. Em termos técnicos, em termos de densidade e aprofundamento há
casos em que vai mais longe que a Constituição.

Concluindo, existem três atos com valor superior à Constituição portuguesa, nomeadamente,
tratados internacionais com natureza ius cogens, a Declaração Universal dos Direitos do
Homem e a Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia.
O problema que se coloca agora é relativo aos tratados internacionais que não têm ius
cogens. Por exemplo, os tratados que têm direitos especiais relativos aos Direitos Pessoais, a
generalidade da doutrina não entende que sejam ius cogens, porque se são direitos possíveis,
direitos futuros, que podem ser realizados ou não, se são direitos que podem ser graduados entre si
etc, é muito difícil vermos nisto normas estruturais.
Os Direitos Sociais da ordem jurídica internacional designadamente, Pacto de Direitos
Económicos, Sociais e Culturais, não tem essa mesma posição, portanto, se não tem essa mesma
posição para onde vão parar todos os outros tratados? Qual é a posição em geral dos tratados? A
resposta é o problema do artigo 8º da Constituição. O que resulta deste artigo? Basicamente a ideia
de que os tratados em geral (os tratados comuns) têm um posicionamento diferenciado porque estão
abaixo da Constituição, mas acima do Direito Ordinário. Se há um choque entre a lei ordinária e um
tratado prevalece o tratado; se há um choque entre um tratado e a Constituição, em princípio
prevalece o tratado.
Chega-se a esta conclusão porque os tratados em geral são suscetíveis de fiscalização da
constitucionalidade. Se isto acontecesse então está definida uma hierarquia. Se o Tribunal
Constitucional, ou eventualmente outros tribunais, podem dizer que as normas do tratado são
contrárias à Constituição, isto significa que a Constituição está posicionada num plano superior.

Finalmente, no confronto com os atos legislativos ordinários, a supremacia dos Direitos


Humanos seria, num primeiro exame, absolutamente manifesta. Ocorre, porém, que os Direitos
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Fundamentais assumem por fonte exclusiva a Constituição, não os atos infra-constitucionais


internos, inexistindo, assim, sequer, hierarquia. É certo que a Constituição refere que os Direitos
Fundamentais consagrados no respetivo texto não excluem quaisquer outros constantes das leis, das
leis ordinárias (art. 16º, nº 1 - CRP). Facto é, porém, que os direitos previstos em ato legislativo
ordinário não são Direitos Fundamentais. E não o são porque não têm, nem poderiam ter, o regime
que a Constituição estabelece para os seus Direitos Fundamentais. Mormente, por serem inusáveis
quaisquer regras sobre aplicabilidade, vinculação, restrição, suspensão, reserva legislativa, ou
revisão constitucional.
Os direitos de fonte legal não são, pois, Direitos Fundamentais por não preencherem
nenhum dos requisitos mínimos de identificabilidade enquanto Direitos Fundamentais. Não se
nega a proximidade conteudística de muitos deles com alguns dos Direitos, Liberdades e Garantias,
e, eventualmente, com alguns direitos de natureza análoga àqueles. Exemplificativamente, em sede
de Direito Privado, o direito ao nome (art. 72º - Código Civil), o direito ao pseudónimo (art. 74º -
CC), o direito à indemnização por danos (art. 483º - CC), ou, em sede de Direito Público, o direito
de audiência prévia dos interessados em procedimento administrativo (art. 121º, segs., Código do
Procedimento Administrativo). O que se exclui, é que se configurem, para efeito algum, enquanto
Direitos Fundamentais.

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II

Hierarquia entre Direitos Humanos e Direitos Fundamentais de Liberdade, e Direitos


Humanos e Direitos Fundamentais Sociais

Os Direitos de Liberdade preferem, em qualquer âmbito, em qualquer momento, em


qualquer lugar, e em qualquer circunstância, sobre quaisquer designados Direitos Sociais.
Efetivamente, enquanto os Direitos de Liberdade se recortam como verdadeiros direitos subjetivos,
como verdadeiros a exigir, e se necessário, a exigir judicialmente, os designados Direitos Sociais
não ultrapassam o patamar das expectativas, e das expectativas meramente fácticas de, futuros e
eventuais, direitos. Assim, quer em sede de Direitos Humanos, quer de Direitos Fundamentais, a
articulação entre, de um lado, Direitos Pessoais ou Civis e Políticos, e, de outro lado, Direitos
Económicos, Sociais e Culturais, não pode deixar de apresentar-se inequivocamente definida.
Porém, mesmo admitindo que ambos os tipos de realidades se configurariam como
verdadeiros direitos subjetivos, semelhante hierarquização manter-se-ia, ainda, inalterada. De facto,
os bens jurídicos que subjazem a cada um desses dois tipos são de natureza inequivocamente
distinta. A liberdade - Direitos Civis e Políticos - é, decerto, mais importante do que a solidariedade
- Direitos Sociais - não podendo essa solidariedade colocar em causa semelhante liberdade. E a
democracia - Direitos Políticos - é, seguramente, mais relevante do que a solidariedade - Direitos
Sociais - não podendo tal solidariedade colocar em risco essa democracia.

Hierarquia entre Direitos Civis e Políticos, e Direitos Económicos, Sociais e Culturais

Mais especificamente, no que tange aos Direitos Humanos, a prevalência dos Direitos
Civis e Políticos sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais resulta da diversa natureza
jurídica de uns e de outros. Os primeiros, patentes, sobretudo, no Pacto Internacional sobre Direitos
Civis e Políticos, emergem como direitos subjetivos públicos internacionais, em consequência
de uma personalização do indivíduo que hoje não admite dúvidas. Os segundos, presentes no Pacto
Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais, recortam-se, mais limitadamente,
como expectativas de direitos, eventuais e futuros.

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Hierarquia entre Direitos Civis e Políticos

No examinando plano dos Direitos Humanos, importa proceder, cumulativamente, à


hierarquização entre os próprios Direitos Civis e Políticos.
Desde logo, neles sobressaem os Direitos Civis insuscetíveis de derrogação (art. 4º -
PIDCP), aqueles direitos, não apenas de índole pessoal, ou mesmo personalíssima, mas aos quais a
ordem jurídica internacional atribui um estatuto próximo da intangibilidade absoluta.
Concretamente, o direito à vida (art. 6º - PIDCP) - apesar da não proibição genérica
internacional da pena de morte - o direito à integridade pessoal (art. 7º - PIDCP), o direito à
personalidade jurídica (art. 16º - PIDCP), o direito à liberdade, nas suas valências de proibição da
escravidão (art. 8º - PIDCP), de proibição da servidão (art. 8º - PIDCP) e de insuscetibilidade de
prisão por dívidas (art. 11º - PIDCP), o direito à liberdade de pensamento, de consciência e de
religião (art. 18º - PIDCP) e os princípios penais da legalidade e do tratamento mais favorável (art.
15º - PIDCP).
Depois, afirmam-se outros Direitos Civis - outros direitos pessoais, outros direitos de
personalidade - outros direitos, desse modo, igualmente, nucleares. Assim, o direito ao nome (art.
24º - PIDCP), o direito à nacionalidade (idem), os direitos à liberdade e à segurança (art. 9º -
PIDCP), as remanescentes garantias de natureza penal e natureza processual penal (art. 9º, 10º e 14º
- PIDCP), o direito à honra e reputação (art. 17º - PIDCP), o direito à vida privada e familiar (idem),
o direito ao domicílio (idem) e o direito à correspondência (idem).
Subsequentemente, posicionam-se os Direitos Civis que, não obstante a sua natureza ainda
civil ou pessoal, implicam já, não um exercício individualístico, mas um exercício coletivo, ou um
exercício tendencialmente coletivo. Casos dos direitos à família, ao casamento - e respetiva
dissolução - o direito de reunião (art. 21º - PIDCP) e o direito de associação (art. 22º - PIDCP). Ou,
ainda no que tange aos Direitos Civis, em plano mais episódico, ou mais circunscrito, a liberdade de
circulação (art. 12º - PIDCP), a liberdade de emigração (idem), e os limites à expulsão (art. 13º -
PIDCP).
E, por último, neste binómio dos direitos de liberdade, apresentam-se os Direitos Políticos.
Assim, o direito de sufrágio eleitoral (art. 25º - PIDCP), o direito de tomar parte na direção dos
negócios públicos, diretamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos (idem), e o
direito de acesso a funções públicas (idem). Efetivamente, não obstante a eminência de ambos, entre
os Direitos Civis e os Direitos Políticos, a hierarquização afigura-se óbvia.

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Estranhamente, num instrumento internacional nuclear atinente aos Direitos Civis - isto é,
aos Direitos Pessoais - inexiste qualquer alusão ao direito de propriedade privada ou, mais ainda, ao
direito de iniciativa privada. Todavia, o fundamento dessa omissão é político, e não jurídico,
decorrendo da radical clivagem - sobretudo no contexto da Guerra Fria - entre uma perspetiva
liberal, individual, privada, omissiva, negativa e defensiva do direito de propriedade, e uma
perspetiva pública, coletiva, social, socialista, ou mesmo comunista, dessa propriedade.

Hierarquia entre Direitos, Liberdades e Garantias, Direitos de natureza análoga, e


Direitos Económicos, Sociais e Culturais

No que concerne aos Direitos Fundamentais pátrios portugueses, a diferenciação, quer


principológica, quer regimental, definida para cada um dos dois blocos epigrafados, reflete um
óbvio significado jurídico. E traduz uma clara hierarquização, com notória supremacia dos
Direitos, Liberdades e Garantias, e dos Direitos de natureza análoga, sobre os Direitos
Económicos, Sociais e Culturais.
Assim, os Direitos, Liberdades e Garantias, e os Direitos Económicos, Sociais e Culturais,
ostentam, um diferente quadro em sede de princípios. Os primeiros respondem, simultaneamente, a
exigências de universalidade (art. 12º e 15º - CRP), igualdade (art. 13º - CRP),
proporcionalidade (art. 18º e 19º - CRP), confiança (art. 18º - CRP), responsabilidade (art. 22º -
CRP) e proteção (art. 20º - CRP). E os segundos circunscrevem-se, aos princípios da
universalidade, da igualdade e da proteção, nos termos, expressos, da própria Lei Fundamental,
apresentando-se, assim, manifestamente insuficientes os esforços, quer de alguma doutrina, quer de
avulsa jurisprudência constitucional, em sentido oposto. Além disso, os designados Direitos
Económicos, Sociais e Culturais exibem um regime contrário ao que premeia, manifestamente, os
Direitos, Liberdades e Garantias (art. 17º - CRP). Designadamente, e de novo nos explícitos termos
da Constituição, uma distinta força jurídica (art. 18º - CRP), um contraposto quadro de
restrições ao exercício de direitos (art. 18º e 270º - CRP), um diverso modelo de suspensão do
exercício de direitos (art. 19º - CRP), uma autotutela num caso existente e no outro inexistente
(art. 21º - CRP), uma diferente perspetivação da reserva legislativa (art. 165º - CRP) e uma
construção simétrica no domínio da revisão constitucional (art. 288º - CRP).
Mais: a admissão da nomenclada tese unicitária dos Direitos Fundamentais implicaria, para
o regime dos designados Direitos Sociais, um conjunto de efeitos jurídicos inaceitáveis em Estado

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de Direito e em Estado democrático. Em primeiro lugar: precetividade e aplicabilidade direta,


quiçá, por via jurisdicional. Em segundo lugar: vinculação plena dos sujeitos públicos e
vinculação parcial dos sujeitos privados, com funcionalização dos mesmos face às
necessidades da coletividade.
Em terceiro lugar: compressão agravada da restrição, bem como impossibilidade da suspensão,
exceto em circunstancialismos de estado de sítio ou de estado de emergência. Em quarto lugar:
integral rigidificação da Constituição dos Direitos Fundamentais, por extensão dos limites de
revisão materiais expressos a esses designados direitos sociais. Encontrar-nos-íamos, desse
modo, já não no âmbito de um sistema liberal de Direitos Fundamentais, mas no de um verdadeiro
sistema totalitário, sem Direitos Fundamentais.
Quanto aos Direitos de natureza análoga aos Direitos, Liberdades e Garantias, estes
posicionam-se rigorosamente em linha com os Direitos, Liberdades e Garantias (art. 17º - CRP).
Superiorizando-se, por consequência, a exemplo daqueles, aos designados Direitos Económicos,
Sociais e Culturais.

Hierarquia entre Direitos, Liberdades e Garantias ou Direitos de natureza análoga

Os Direitos, Liberdades e Garantias, bem como os Direitos de natureza análoga, aos


Direitos, Liberdades e Garantias, não apresentam, eles próprios, uma homogénea relevância
valorativa. Designadamente, não refletem um idêntico alcance no que se refere à dignidade da
pessoa humana que, em cada caso, especificamente, lhes subjaz. Logo, a priorização entre esses
Direitos Fundamentais nucleares revela-se, igualmente, incontornável.
Assim, mutatis mutandis em relação ao exposto em sede de Direitos Civis, e com
fundamentos rigorosamente idênticos, em primeiro lugar, emergem os Direitos, Liberdades e
Garantias pessoais insuscetíveis de suspensão (art. 19º, nº 6 - CRP). Concretamente, o direito à
vida (art. 24º - CRP), o direito à integridade pessoal (art. 25º - CRP), o direito à identidade pessoal
(art. 26º - CRP), a liberdade de consciência e a liberdade de religião (art. 41º - CRP), o direito à
capacidade civil (art. 26º - CRP), o direito à irretroactividade da lei criminal (art. 29º - CRP), o
direito de defesa dos arguidos (art. 32º - CRP) e o direito à cidadania (art. 26º - CRP).
Em segundo lugar, destacam-se outros Direitos, Liberdades e Garantias, ainda de natureza
pessoal, ou pessoalíssima, e, dessarte, igualmente nucleares. Especificamente, os direitos à
liberdade e à segurança (art. 27º - CRP) e os direitos conexos com essa liberdade física, relativos à
prisão preventiva (art. 28º - CRP), á aplicação da lei criminal (art. 29º - CRP), aos limites das penas
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e das medidas de segurança (art. 30º - CRP), ao habeas corpus (art. 31º - CRP), ou às
remanescentes garantias de processo criminal (art. 32º - CRP), o direito ao desenvolvimento da
personalidade (art. 26º - CRP), o direito à reserva da intimidade da vida privada (idem), o direito à
inviolabilidade do domicílio e da correspondência (art. 35º - CRP), o direito ao bom nome e
reputação (art. 26º - CRP), o direito à imagem (idem), e o direito à palavra (idem) e o direito a uma
adequada utilização da informática (art. 36º - CRP).
Em terceiro lugar, os Direitos, Liberdades e Garantias pessoais, e os Direitos de natureza
análoga aos Direitos, Liberdades e Garantias pessoais, de exercício individualizado.
Nomeadamente, o direito de propriedade privada (art. 62º - CRP), o direito de iniciativa privada
(art. 61º - CRP), a liberdade de expressão e de informação (art. 37º - CRP), a liberdade de aprender
e de ensinar (art. 43º - CRP) e a liberdade de criação cultural (art. 42º - CRP).
Em quarto lugar, os Direitos, Liberdades e Garantias pessoais que, se bem que individuais,
implicam, já, contudo, um exercício coletivo, ou tendencialmente coletivo. A saber, os direitos à
família, casamento e filiação (art. 34º - CRP), os direitos de reunião e de manifestação (art. 45º -
CRP), a liberdade de associação (art. 46º - CRP) e a liberdade de imprensa e meios de comunicação
social (art. 38º - CRP). E, ainda, em plano mais episódico, ou mais circunscrito, os direitos de
deslocação e de emigração (art. 44º - CRP), os limites á extradição e à expulsão (art. 33º - CRP), ou
o direito de asilo (idem), e as liberdades de escolha de profissão e de acesso à função pública (art.
47º - CRP). E, por último, nesta sede, os remanescentes Direitos, Liberdades e Garantias pessoais,
bem como, os Direitos de natureza análoga pessoais, considerando que, indiciariamente, beneficiam
de uma tutela análoga (art. 17º e 20º, nº5 - CRP). Que, se sobrepõem, assim, cumulativamente, aos
Direitos Políticos e aos Direitos Laborais, e aos Direitos Políticos de natureza análoga e aos Direitos
Laborais de natureza análoga.
Em quinto lugar, em grupo claramente distinto, integram-se, agora, os Direitos, Liberdades e
Garantias de participação política, bem como os Direitos de natureza análoga aos Direitos,
Liberdades e Garantias de participação política. Concretamente, o direito de participação na vida
pública (art. 48º - CRP), o direito de acesso a cargos públicos (art. 50º - CRP), direito de sufrágio
(art. 49º - CRP), o direito de referendo de âmbito nacional e direito de iniciativa popular de
referendo de âmbito nacional (art. 115º - CRP), o direito de iniciativa legislativa popular (art. 167º -
CRP), e - embora, em rigor, de participação administrativa e não participação política - os direitos e
garantias dos administrados (art. 268º - CRP), os direitos de referendo local e de iniciativa popular
de referendo local (art. 240º - CRP) e o direito de participação em plenário de cidadãos eleitores
(art. 245º - CRP).
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Em sexto lugar, em plano autónomo, porque adjetivo ou instrumental, e não, como a


generalidade dos anteriores, substantivo ou principal, desenham-se as outras garantias.
Especificamente, o direito de acesso ao Direito e aos Tribunais (art. 20º - CRP), o direito de petição
e ação popular (art. 52º - CRP), o direito de recurso ao Provedor de Justiça (art. 23º - CRP) e, bem
assim, o direito de resistência (art. 21º - CRP).
E, finalmente, em sétimo lugar, posicionam-se os Direitos, Liberdades e Garantias dos
trabalhadores, direitos que, tecnicamente, não se perfilam, de nenhum modo, enquanto Direitos de
Liberdade, nem, porventura, sequer, enquanto Direitos Fundamentais. Assim, o direito à segurança
no emprego (art. 53º - CRP), o direito de greve (art. 57º - CRP) e, sobretudo, a liberdade sindical
(art. 55º - CRP).

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SISTEMA INTERNACIONAL

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A Carta das Nações Unidas é um marco nos Direitos Humanos, é a primeira vez que no
Direito Internacional, de uma forma global, se assume a questão dos Direitos Humanos como um
problema a tratar, como um aspeto essencial da comunidade internacional, e que não pode ser
descurado como foi até 1945.
A importância da Carta das Nações Unidas é sobretudo simbólica porque, evidentemente,
quando vamos ver o texto, e daí só haver excertos na Coletânea, esses são os únicos artigos onde há
um bocadinho mais de identificação dos Direitos Humanos - o resto são referências aos Direitos
Humanos e Liberdades Fundamentais; não há identificação de coisa rigorosamente nenhuma. Aqui
há uma primeira identificação para podermos entender de onde surgem os Direitos Humanos e, por
isso, surge pouco tempo depois a Declaração Universal dos Direitos Humanos. A partir do momento
em que esta questão é configurada como importante, evidentemente, que depois tem de ter uma
tradução normativa, uma tradução escrita - tem que ter especificação, tipificação.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos é feita dando cumprimento ao próprio
artigo 13º, nº1, al. a) da Carta das Nações Unidas - “Fomentar a cooperação internacional no plano
político e incentivar o desenvolvimento progressivo do direito internacional e a sua codificação” -
ou seja, aprofundamento do direito internacional e a respetiva transformação em códigos, em textos,
em pontos normativos/sistémicos que até aí não existiam.
Mas porquê “Declaração”? Como já foi explicado anteriormente, no Direito Internacional
existem duas realidades: Declarações e Tratados. Os Tratados são vinculativos/obrigatórios,
funcionam para o Direito Internacional como as leis funcionam para o Direito Interno, têm a mesma
estrutura e a mesma força jurídica. As Declarações distinguem-se pelo facto de não vincularem/não
serem obrigatórias - são uma primeira aproximação às matérias.
Aconteceu isto com a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Sendo a primeira vez
que os direitos foram regulados/especificados/detalhados, os Estados não quiseram, imediatamente
depois da guerra, vincularem-se, então, para isso, fizeram uma Declaração - fizeram uma declaração
de intenções, mas se esses direitos forem violados não há qualquer tipo de consequência ou
responsabilidade por parte da comunidade internacional. Os Estados o que costumam fazer
frequentemente é uma primeira abordagem através do mecanismo da declaração, esperando que

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aqueles direitos se sedimentem, mesmo que os Estados não estejam vinculados. Os Estados
observam-nos na prática antes de passarem à fase seguinte que é a fase da vinculação.
Como aconteceu com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aconteceu com
inúmeros textos de Direito Internacional, por exemplo, a Declaração de Direitos da Crianças - entre
a Declaração e a Convenção passaram-se 30 anos.

Temos que entender o seguinte, por vezes, um costume pode dar lugar a um tratado - já
existe uma prática, já existe um costume, já existe algo que é obrigatório (o costume implica o uso,
a convicção de obrigatoriedade) e para se tornar mais claro esse costume passa-se a escrito.
Mas o contrário também pode acontecer, foi o que se passou com a Declaração Universal
dos Direitos Humanos. Há uma Declaração que não é obrigatória/vinculativa, mas os Estados
cumprem, e não só cumprem na prática como invocam. Ao longo dos anos foi-se criando uma
prática, e mais do que uma prática foi-se criando uma obrigação, foi-se criando jurisdicidade, foi-se
criando a convicção de que se estava a agir de acordo com o Direito. À luz da Declaração foi-se
criando um costume. No entanto, a Declaração nunca foi nem nunca vai ser vinculativa porque não
é um tratado; o que é vinculativo é o costume que se formou.
No caso português, já sabemos que o problema está resolvido porque a Constituição recebe
a Declaração Universal dos Direitos Humanos no artigo 16º, nº2. No nosso caso não há dúvidas
sobre a obrigatoriedade dela, a fonte de vincularidade da Declaração, para nós, é a Constituição e
acessoriamente o Direito Internacional.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos nunca foi universal e cada vez é menos.
Nunca foi universal porque dentro dos 50 Estados que compunham a comunidade internacional,
nem todos a aprovaram e essas abstenções têm significado. Esses Estados ficaram sempre de fora,
até a um determinando momento, de uma forma mais discreta e a partir de um certo ponto de uma
forma ostensivamente contra, como é o caso dos Estados Islâmicos. Hoje há certa de 50 Estados de
religião muçulmana e esses 50 Estados não observam a Declaração Universal dos Direitos
Humanos - eles têm os seus próprios textos.

Mas, do que realmente trata a Declaração Universal dos Direitos Humanos? Já vimos as
classificações de direitos, já vimos que há de um lado Direitos Civis e Políticos e de outro lado
Direitos Económicos, Sociais e Culturais. Esta declaração trata de todos estes direitos; quando
olhamos para o seu conteúdo vemos essa divisão absolutamente clara. Estrutura: Os Direitos Civis
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encontram-se no artigo 3º e seguintes, sendo que no artigo 3º estão presentes os principais direitos.
Os Direitos Políticos estão no artigo 21º (o essencial é o direito de sufrágio). Os Direitos Sociais
encontram-se entre o artigo 22º e o artigo 28º (principais - direito ao trabalho, à educação e à
saúde). Finalmente, o artigo 29º refere-se aos deveres (a principal preocupação destes textos são os
direitos e não os deveres - isto acontece porque eles surgem num momento em que não existiam
quaisquer direitos e deveres já existiam e muitos. Costumam aparecer no fim ou nem aparecem).

Os textos de Direitos Fundamentais e de Direitos Humanos tratam todos dos mesmos


direitos, mas tratam-nos de formas diferentes. Isto acontece porque o Direito vai evoluindo e a
técnica jurídica também. Entre esta Declaração e os Pactos, vemos uma evolução técnica muito
significativa. Este texto é um bocado barroco, um bocado básico, um bocado primitivo e,
evidentemente, os textos vão se tornando mais sofisticados, mais densos, tecnicamente mais
aperfeiçoados.
No entanto, eles não conseguem ter a mesma perfeição dos textos internos. É que eles
resultam de um acordo. Se olharmos para o Direito Internacional, ele resulta de acordos entre
Estados e, portanto, é diferente uma Assembleia Constituinte fazer um texto e muitos Estados o
fazerem - a técnica nunca vai ser tão sofisticada, tão aperfeiçoada. Os Estados querem,
naturalmente, defender os seus interesses.
Mas, há um aspeto mais importante que a técnica, que é a extensão, o alcance desses
direitos. O alcance é quase sempre menor - quando se faz um texto internacional, esse texto vai ter
de estar em consonância com os direitos dos Estados. Vamos imaginar que na comunidade
internacional ainda há 30% de Estados que têm pena de morte. Como é que se regula o direito à
vida num texto internacional? Uma maneira é radical: é dizer “fica proibida a pena de morte”, ou
seja, 30% dos Estados ficam de fora porque não se vinculam a uma coisa dessas, portanto, é um
tratado que deixa de ser universal. O problema dos textos internacionais é que eles têm que servir de
denominador comum àquilo que existe. Há Estados que têm pena de morte, há Estados que não têm,
há Estados que proíbem a pena para certos casos, há Estados que não têm qualquer tipo de limitação
a essa pena de morte e o Direito Internacional vai ter de lidar com tudo isto.
Um bom exemplo disto é o artigo 3º da Declaração Universal dos Direitos Humanos - “Todo
o indivíduo tem direito à vida…” - mas onde está a proibição da pena de morte? Não está. Portanto,
o Direito Internacional faz uma distinção curiosa que é: diz qual é o direito, mas não estabelece a
principal garantia. A proibição da pena de morte não é o direito à vida, é a garantia do direito à

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vida. O direito à vida é um direito de natureza positiva, a pena de morte é uma garantia que incide
sobre ele. No caso do Direito Internacional, na maior dos textos essa garantia não existe.
Se confrontarmos este artigo com o artigo 24º da Constituição, vemos claramente a
diferença - “A vida humana é inviolável” - é uma forma de dizer que em princípio não é susceptível
de violação, mas no nº2 diz de forma expressa que “em caso algum haverá pena de morte” - o artigo
3º da Declaração Universal dos Direitos Humanos não nos diz nada disso.

Como a Declaração não é muito sofisticada, não é muito elaborada, nós não encontramos
facilmente os direitos. Por exemplo, no artigo 5º quando temos que fazer uma remissão disto
fazemos uma remissão para quê? Para o artigo 25º da CRP. Mas não parece o mesmo, porquê? O
artigo 25º tem como titulo “direito à integridade pessoal”, mas nós no artigo 5º, à primeira vista,
não temos nenhum direito à integridade pessoal, nós vemos é a proibição da tortura e de penas ou
tratamentos cruéis. Mas se olharmos com cuidado para o nº2 do artigo 25º, encontramos lá esta
parte do texto.
Em 1948, muitas vezes, a técnica era tão rudimentar que queria-se era ter cuidado com as
garantias e então isto é uma garantia, ninguém tem direito à proibição da tortura, isso não existe. O
direito é o direito à integridade. A tortura não é possível para preservar a integridade. São
deficiências de construção.
Outra dificuldade é o direito à liberdade. A Constituição concentra a liberdade no artigo 27º.
Na Declaração Universal dos Direitos Humanos, a liberdade está espalhada por todo o lado, é
evidente que há uma referência no artigo 3º, mas não se esgota nesse artigo. O artigo 4º, por
exemplo, é um principio de liberdade, assim como o artigo 11º.

A importância da Declaração Universal dos Direitos Humanos, apesar das deficiências,


apesar da natureza porventura não universal, apesar da natureza originariamente não vinculativa,
apesar de o texto ser pouco sofisticado é um marco em termos de Direitos Humanos.

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II

Depois da guerra, foi pensada a criação de um sistema de Direitos Humanos, um sistema


internacional de Direitos Fundamentais. E nesse plano estava prevista a elaboração, primeiro, de um
texto não vinculativo, uma Declaração, uma simples enunciação de direitos, uma simples
especificação de direitos, mas ainda sem natureza obrigatória, mas estava pensado desde o inicio, a
feitura de um segundo texto e esse já de natureza vinculativa, um tratado internacional.
Nós encontramos não um tratado internacional, mas dois tratados internacionais - Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e Pacto Internacional sobre Direitos Económicos,
Sociais e Culturais. Quando se começou a fazer o trabalho, começou-se a perceber que os direitos
eram extraordinariamente diferentes entre si; os Direitos Sociais não tem rigorosamente nada haver
com os Direitos de Liberdade. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, por ser uma
Declaração, pode ter os direitos misturados porque daí não resulta qualquer consequência, mas de
um Tratado resultam obrigações e do incumprimento das obrigações resulta, porventura,
responsabilidade. Daí os direitos terem de estar divididos.
Embora se tenham feito dois tratados, existem relações entre eles; têm algumas
semelhanças. Têm diferenças profundas em matéria de regime, em matéria de extensão, mas há
ligações e, por isso, se fizeram na mesma altura. Foram feitos e negociados em conjunto, foram
assinados na mesma data e depois entraram em vigor no mesmo mês.
Estes dois Pactos resultaram de um acordo no quadro da comunidade internacional existente
ao tempo; dividia-se em dois grupos: os Estados comunistas, ou de influência comunista e os
Estados ocidentais, ou de influência ocidental. Isto tinha desvantagens, não era bom para uma
comunidade internacional, que se diz “comunidade”, estar dividida de uma forma tão radical, mas
para o efeito de elaboração deste texto isso foi vantajoso.
Quando olhamos para a sua natureza, parece um tratado multilateral, mas é mais um tratado
bilateral - isto não é um tratado que tem dois Estados, é um tratado que tem duas partes. Exemplo,
um tratado de guerra é um tratado bilateral - vencedores e vencidos. Neste caso é a mesma coisa,
estes Pactos, embora sejam multilaterais, formalmente são multilaterais, mas quando olhamos para
a substância, haviam duas partes em conflito e foi isso que deu origem aos dois textos e permitiu
que fossem feitos.
Os Estados ocidentais aceitaram o Pacto de Direitos Sociais embora não gostassem dele,
embora não concordasse com ele, embora depois um bom número deles não o ratifica-se. Em
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contrapartida, os Estados de Leste olhavam para estes direitos como aquilo a aquele eles chamavam
de direitos burgueses, direitos formais, que não tinham substância, que não levava a que as pessoas
tivessem saúde, não levava a que as pessoas tivessem educação, não criava condições para que
todos exercessem o direito ao trabalho.
Agora há um pequeno problema: a comunidade internacional está num estado muito pior do
que o que estava quando estava dividida em duas. A sociedade internacional está muito mais
fragmentada e este texto que foi feito é uma peça única, não volta a ser feito e nem se volta a rever
tão cedo, não houve, aliás, revisão nenhuma desde então. Na Convenção de Viena há uma parte
sobre a revisão e modificação dos Tratados (art. 39º, 40º, 41º), ou seja, alteração dos Tratados, e isto
aplica-se a estes Pactos porque são Tratados. Mas para haver alguma alteração é necessário haver
condições políticas e não há essas condições.

O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos é um pacto sobre Direitos Civis
com um artigo sobre Direitos Políticos. Isto quer dizer que quase todos os direitos aqui presentes
são Direitos Civis, quase todos os direitos que estão aqui são Direitos Pessoais. Do artigo 6º ao
artigo 24º temos Direitos de natureza civil ou pessoal. O único artigo que conta com Direitos
Políticos é o artigo 25º.

Como é que sabemos que isto é um Tratado? Na parte final do texto encontramos regras
sobre a assinatura, encontramos regras sobre a ratificação, encontramos regras sobre a entrada em
vigor, etc. É o que se passa também com o Protocolo.
Se é um Tratado, os Estados ficam obrigados e é aí na obrigação, nas características dessa
obrigação que reside a grande diferença entre este texto e o texto dos Direitos Sociais, porque no
texto dos Direitos Sociais existem expressões como “progressivamente”, ou seja, os Estados ficam
vinculados a progressivamente, na medida em que for possível …, portanto, isto é muito diferente
de dizer que simplesmente está vinculado. Os Estados ficam vinculados desde o dia em que entra
em vigor e o Pacto de Direitos Sociais não tem esta natureza e nem pode ter, os Estados nem
sempre têm recursos para isso. Mais: o Pacto de Direitos Sociais faz uma distinção entre nacionais e
estrangeiros, portanto, é totalmente diferente.

Onde estão essas obrigações? Estão nos artigos 2º e 3º (são muito exigentes em termos de
cumprimento). Estes artigos também nos permitem distinguir os dois Pactos (eventualmente o
artigo 4º também) - num caso há uma obrigação direta, uma obrigação imediata, uma obrigação
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total, de respeito pelos direitos que estão aqui; no outro caso, há uma obrigação sobretudo futura.
Isto depois tem uma consequência que é o artigo 4º - este pacto tem um artigo 4º e o Pacto
Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais não tem. O artigo 4º trata da chamada
derrogação - suspensão.
O que é a derrogação/suspensão? Os Estados estão obrigados, neste caso, são obrigados
imediatamente, mas podem surgir circunstâncias excecionais que levem a que essa obrigação cesse
precariamente, temporariamente, provisoriamente, ou seja, como vamos ver no artigo 19º da CRP,
pode haver lugar à decretação de um estado de sitio ou de um estado de emergência. O artigo 4º só
faz sentido se os direitos forem de aplicação imediata, se forem direitos incontornáveis, se forem
direitos inadiáveis. Porque é que ele não existe no Pacto de Direitos Sociais? Porque podem nem
existir Direitos Sociais; se podem nem existir esses direitos, nesse caso, é evidente que não faz
sentido criar uma regra para a derrogação; se tiverem de ser suspensos são.
No entanto, há direitos que não podem ser suspensos como acontece na Constituição. A
declaração do estado de sitio ou de emergência não significa que todos os direitos possam ser
suspensos, há limites para isso e em termos internacionais acontece a mesma coisa. Quais são os
dois limites? Um deles é o artigo 4º, nº2; o outro é o princípio da proporcionalidade que também
está presente no artigo 4º - “na estrita medida em que a situação o exigir” (a ideia de medida é
essencial). O princípio da proporcionalidade é usado em Direitos Fundamentais e em Direitos
Humanos para tudo o que são aquilo a que chamamos globalmente de condicionamentos dos
direitos.
Os restantes artigos são o chamado catálogo e começa no artigo 6º.

Há vários graus de vinculação. A vinculação pode ser uma vinculação estrita, uma
vinculação mecânica, uma vinculação direta, uma vinculação em que não é possível qualquer
desvio, há uma vinculação suave, uma vinculação progressiva, no limite vinculação nenhuma.
Uma coisa é ter ratificado o texto, outra coisa totalmente diferente é ter aceite a parte quarta
do texto - a parte da garantia. Para que um Estado fique vinculado às garantias, à tutela, tem de
fazer uma declaração complementar (art.41º - PIDSP), mas o Estado pode não o fazer e a maior
parte dos Estados não o fizeram. Portanto, o Estado pode ficar “magnifico na fotografia”, mas
depois não se vincula aquilo que é realmente essencial e que torna isto diferente da Declaração
Universal dos Direitos do Homem que é a parte das garantias, a parte quarta fica de fora. Estão
vinculados teoricamente, mas na verdade estão vinculados a uma parte, a parte que menos interessa
que é a parte declarativa.
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E ainda fazem outra: há aqui um protocolo que é o primeiro protocolo. O primeiro


protocolo diz que os particulares podem avançar com queixas contra os Estados, mas só se o Estado
estiver vinculado a esse protocolo. Então se não estiver vinculado então qual é a consequência? É
uma relação entre Estados, só. Portanto, se um Estado se vinculou ao Pacto, mesmo que tenha feito
a tal declaração, na verdade são possíveis queixas de Estado para Estado, mas os particulares ficam
de fora. A maior parte dos Estados não concluíram esse primeiro protocolo e este é um Tratado
como outro qualquer. Se eu faço parte de um Estado que não se vinculou a esse protocolo, eu não
posso agir contra o meu Estado.
E ainda há outro problema. Quando falamos em tutela, falamos de tutela não jurisdicional, é
conversa política essencialmente. O órgão que está incumbido dessa tutela chama-se Conselho dos
Direitos Humanos. Mas este Conselho não é um tribunal, por isso as garantias associadas aos
tribunais não existem.

Qual é a diferença maior que encontramos entre o Pacto Internacional sobre Direitos
Civis e Políticos e a Declaração Universal dos Direitos Humanos? Para além da questão da
obrigatoriedade, são direitos que estão muito mais tratados, muito mais densificados, muito mais
elaborados, muito mais autonomizados, estão tratados de uma forma técnica mais sofisticada. A
Declaração é um texto básico, um texto elementar; o Pacto foi pensado, o Pacto foi negociado,
andaram dez anos a trabalhar no Pacto. Mas sobretudo, é um texto que conseguir ir um bocadinho
mais longe em relação a certos direitos.
Por exemplo, o direito à vida - quando se olha para a Declaração, esta diz só, no artigo 3º,
que “todo o indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”, mas no Pacto vai-se
um bocadinho mais longe e isto vê-se no artigo 6º, já tem alguns limites. A garantia essencial seria a
proibição da pena de morte, mas isso não é possível. Foi-se tão longe quanto possível nestes
direitos, mas não demasiado longe porque se fosse demasiado longe os Estados não aceitavam.

A tónica geral da redação do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Político é


esta: desenvolvimento, aprofundamento, densificação, alargamento dos direitos em geral, embora
haja uma pequena exceção - o direito de propriedade. Este direito não está presente nos dois Pactos.
Isto aconteceu porque os Estados de leste aperceberem-se, no que se refere à Declaração Universal
dos Direitos do Homem, da a inclusão do direito de propriedade entre os Direitos Pessoais, e para
eles aquilo não fazia sentido nenhum. Para eles, o direito de propriedade é um Direito Social porque
nos Estados comunistas não há propriedade privada e foi para evitar que eles recusassem.
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Há aqui uma parte que ainda não vimos sobre o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e
Políticos que, em bom rigor, faz a diferença em relação à Declaração Universal dos Direitos
Humanos. Faz a diferença porque é a parte da garantia, porque é uma parte de uma presumível
coercibilidade, porque é a parte da tutela. Ou seja, a Declaração Universal dos Direitos Humanos
não tem coercibilidade, logo também não prevê nenhum mecanismo de tutela. O Pacto é um tratado,
e ao ser um tratado, os Estados nos termos do artigo 2º e do artigo 3º estão vinculados, embora com
a exceção do artigo 4º, por isso tem de haver um mecanismo, em caso de violação, porque as
normas evidentemente são suscetíveis de ser violadas, para assegurar o respetivo cumprimento.
O problema é que o Direito Internacional é um bocadinho diferente da generalidade dos
outros Direitos. Como é que é feita, em termos internos, essa tutela? Em termos internos essa tutela
é uma tutela jurisdicional - tutela através dos tribunais. A tutela jurisdicional é uma tutela mais
eficaz, mais imparcial, é uma tutela através de órgãos que estão separados dos órgãos políticos, dos
órgãos administrativos, portanto, a partir daí é uma tutela muito mais eficaz. O que acontece é que
no Direito Internacional ainda não se chegou a este estado de evolução, ainda não se chegou a esse
estado que os direitos internos nos Estados democráticos, nos Estados de Direito conhecem.
Portanto, a tutela em vez de ser exclusivamente jurisdicional é essencialmente uma tutela não
jurisdicional.
Então, como é que é feita essa tutela? Uma pequena parte pode ser jurisdicional através de
tribunais.Neste caso, neste Pacto, é feita pelo Tribunal Penal Internacional. Embora o Tribunal
Penal Internacional seja de facto um progresso muito positivo, a verdade é que a respetiva
jurisdição, a respetiva competência é muito limitada ainda - encontra-se circunscrita aos grandes
crimes, crimes contra a humanidade, crimes de agressão, o genocídio, etc, ou seja, crimes que
põem em causa o direito à vida, o direito à integridade, à liberdade, mas em grande escala. A
tutela jurisdicional existe, mas existe ainda de uma forma muito embrionária, muito limitada (ver
arts. 5, 6º, 7º e 8º do Estatuto de Roma). Tirando essas competências não há mais tutela jurisdicional
para o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.
Se tivéssemos a falar da Europa, se tivéssemos a falar da Convenção Europeia dos Direitos
Humanos era diferente, mas estamos a falar ainda do plano universal, aquilo a que chamamos
sistema das Nações Unidas. Então quais são os mecanismos? O artigo 28º do Pacto é a base desses
mecanismos. O Conselho dos Direitos Humanos é um órgão de natureza política e vai servir
enquanto órgão de tutela, vai servir enquanto órgão de garantia, mas não é um tribunal, nunca
será um tribunal. O que é que ele faz? Faz uma de duas coisas: faz relatórios e aceita comunicações.

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Comunicações são queixas, ou seja, é possível, em caso de violação das normas do Pacto, junto
deste conselho os Estados apresentarem queixas.
Os Estados podem apresentar comunicações, em certas condições, em certas circunstâncias,
mas normalmente o problema dos Direitos Humanos e dos Direitos Fundamentais não se coloca
Estado a Estado, até porque normalmente os Estados são colegas de crime, portanto, evidentemente
não se acusam uns aos outros, há ali uma ética, há ali um código de honra em que eles não se
acusam uns aos outros, portanto, não é dessa forma que se garantem os Direitos Humanos.
Garantem-se os Direitos Humanos se a pessoa que vê os seus direitos, que estão previstos neste
Pacto, postos em causa, se essa pessoa puder apresentar queixa. Mas quando olhamos para o Pacto
percebemos que não pode, apenas o pode fazer nos termos do Protocolo Facultativo ao Pacto
Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.
Portanto, primeira ideia: tutela jurisdicional muito circunscrita; tutela do próprio Pacto
limitada aos Estados, portanto queixas dos Estados contra Estados (art. 41º); o Protocolo prevê a
faculdade dos indivíduos apresentarem uma comunicação contra o Estado porque o Pacto não o faz.
É de notar que é necessário reunir um conjunto de condições para finalmente essa queixa ser
possível.

Quando se olha para isto é um pouco paradoxal o seguinte: quando se pergunta quantos
Estados é que ratificaram o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, vamos ver que
quase 180 Estados o fizeram. Isto significa que ao estarem ratificados estão obrigados a ele, se
violarem os Direitos Humanos a que estão obrigados ficam sobre a alçada do Conselho de Direitos
Humanos. No entanto, grande parte dos Estados que existem na Comunidade Internacional são
ditaduras. Isto é um pouco estranho, mas tem uma explicação. A explicação é que não basta
ratificar o Pacto para os Estados estarem integralmente vinculados a esse Pacto. Pelo artigo
41º diz-se que para esta parte quarta, para a parte da tutela, para a parte da garantia funcionar
não basta a ratificação, é preciso uma declaração adicional dos Estados. Ora, é esta declaração
que os Estados convenientemente não fazem, ou seja, ficam dentro do catálogo, ficam obrigados a
observar o catálogo, mas se não observarem não há consequências porque não fizeram a declaração
e, por isso, não vêm a sua ação apreciada e eventualmente sancionada pelo Conselho dos Direitos
Humanos.
Os artigos 40º, 41º e 42º do Pacto e o artigo 1º do Protocolo devem ser lidos em conjunto.
Para que haja uma queixa individual é necessário que o Estado contra o qual vamos

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apresentar essa queixa faça parte deste protocolo. Portanto, são necessárias três condições:
ratificação do Pacto, declaração nos termos do art. 41º e participação neste Protocolo.
O Protocolo é um tratado. Porque é um tratado? Basta ver a parte final (por exemplo art.8º),
tem regras típicas de um tratado. Então porque se chama protocolo? Porque tem uma relação de
dependência, ou seja, não se pode ratificar o Protocolo se não se tiver ratificado o Pacto; há
uma complementaridade, mas não deixa de ser um tratado.

Relativamente ao segundo Protocolo - Segundo Protocolo Adicional sobre os Direitos


Civis e Políticos visando a Abolição da Pena de Morte -, se o Estado proíbe a pena de morte não
precisa do Protocolo para nada, é o caso de Portugal. Se já tem a proibição na Constituição vai
vincular-se internacionalmente para quê? Agora, se o Estado tem pena de morte no respetivo
ordenamento porque é que se vai vincular a um protocolo que proíbe a pena de morte que ele não
quer proibir? É um protocolo que tem uma natureza de facto um pouco absurda. Os Estados que já
proíbem a pena de morte não precisam deste protocolo para nada, mas para um Estado que insiste
na pena de morte e quer manter a pena de morte, evidentemente, dificilmente se vai vincular a um
tratado que o vai levar a ficar vinculado ao Direito Internacional e que vai pôr em causa o seu
Direito Interno.

O Pacto Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais é um texto mais


curto, o número de direitos é muito menos elevado e a tutela é ainda mais limitada. Ou seja, é uma
tutela nula. Não existe um Conselho dos Direitos Humanos para este feito, o que existe é algo que
foi criado mais recentemente e que está patente no Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional
sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais.
Qual é a diferença essencial entre um Pacto e o outro? Basta ler os artigos 2º e 3º dos dois
Pactos e complementarmente o artigo 4º.
Quando lemos o catálogo de direitos no Pacto Internacional sobre Direitos Económicos,
Sociais e Culturais, e, neste caso, começa no artigo 6º e acaba no artigo 15º, eles têm semelhanças
com os outros, mas por trás disso há um cenário - a diferente natureza desses tipos de direitos.
Relativamente à questão das comunicações o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e
Políticos vai um pouco mais longe do que o Pacto Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais
e Culturais, porque o Pacto sobre Direitos Civis e Políticos consagra a possibilidade de haver
queixas de Estados contra Estados e aqui não, esta matéria foi parar ao Protocolo. Se um Estado se
limitar a ratificar apenas o texto do Pacto Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e
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Culturais não há garantia nenhuma, nem se quer aquela questão do mecanismo da declaração.
Apenas os relatórios estão presentes no Pacto.
Neste Protocolo, o artigo 1º e 2º correspondem ao artigo 1º do Primeiro Protocolo do Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, e o artigo 10º corresponde ao artigo 41º do Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.

A tutela, embora muito insipiente, pode ser também jurisdicional. Aqui falamos do Estatuto
de Roma - Estatuto do Tribunal Penal Internacional.
Pelo artigo 1º, vemos que este Tribunal é só relativo a crimes excecionalmente graves, com
natureza meramente complementar. Em relação a todos os outros crimes as jurisdições
competentes continuam a ser dos tribunais internos.
Quase todos os artigos estão associados ao direito à vida, ao direito à integridade e ao
direito à liberdade; a tutela jurisdicional é praticamente só sobre eles.
Se isto é Direito Penal, embora seja Internacional, tudo isto tem de estar tipificado e é esta a
explicação para haver aqui artigos absolutamente quilométricos; tem de estar tudo especificado,
detalhado, minuciosamente redigido.

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SISTEMA INTERNACIONAL
-
EUROPA

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Agora vamos falar sobre a Convenção Europeia dos Direitos Humanos, e com esta
Convenção mudamos de âmbito; estávamos no plano internacional geral e vamos circunscrevermo-
nos aos textos europeus.
Apesar de os textos serem europeus, a verdade é que a jurisdição é um pouco mais ampla,
ou seja, a Convenção Europeia dos Direitos Humanos não é apenas aplicável a cidadãos europeus; a
Convenção Europeia dos Direitos Humanos é aplicável a quaisquer cidadãos de qualquer
nacionalidade/cidadania, e é aplicável, igualmente, a apátridas (pessoas sem cidadania) que se
encontrem na jurisdição desses Estados. Quando se fala em Convenção Europeia dos Direitos
Humanos, no fundo, fala-se de uma Convenção que defende, que garante, que tutela esses Direitos
Humanos, no plano europeu, independentemente da cidadania.
Neste sentido, se alguém extra europeu, porventura, ver violado um seu Direito
Fundamental em Portugal, pode interpor uma ação contra o Estado no Tribunal Europeu dos
Direitos Humanos (enquanto instância de recurso).
Por exemplo, o artigo 1º diz o seguinte: “As Altas Partes Contratantes reconhecem a
qualquer pessoa dependente da sua jurisdição os direitos e liberdades definidos no título I da
presente Convenção.”. As Altas Partes Contratantes, em princípio são Estados, mas podem não
ser e, atualmente não são. Podem ser, também, organizações internacionais, como por exemplo, a
União Europeia que aderiu a esta Convenção. A expressão “qualquer pessoa” realça o que foi
explicado anteriormente.
Se avançarmos para o artigo 34º, artigo mais importante deste texto, e para o artigo 14º
verificamos que a Convenção Europeia dos Direitos Humanos é uma Convenção falsamente
europeia, ou seja, é europeia se pensarmos nas partes contratantes, mas não é verdadeiramente
europeia se pensarmos naqueles que ficam tutelados e garantidos por ela.

Uma das diferenças entre este texto e o texto da União Europeia (Carta dos Direitos
Fundamentais da União Europeia) é o âmbito; é o número de Estados. Os Estados europeus são
49, e esses 49 Estados, integram uma organização internacional chamada Conselho da Europa; não
tem nada haver com o Conselho Europeu. O Conselho Europeu é um órgão das comunidades, da
União Europeia. A União Europeia é uma organização internacional, basicamente especializada em

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assuntos económicos, mas foi deslizando aos poucos até aos Direitos Humanos, mas não começou
por aí, nem era a preocupação essencial; a preocupação essencial é económica, é uma organização
de matriz económica. O Conselho da Europa é uma organização internacional especializada em
Direitos Humanos. O Conselho da Europa inclui, atualmente, 49 Estados e elaborou a Convenção
Europeia dos Direitos Humanos, onde está incluido o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.
Para se pertencer ao Conselho da Europa tem que se aderir à Convenção Europeia dos
Direitos Humanos. Por inerência, aqui não há aqueles sistemas que encontramos nos Pactos, ou
seja, a situação de ficarmos meio dentro ou meio fora. Aqui é ao contrário: entra-se no Conselho da
Europa, consequentemente a Convenção Europeia dos Direitos Humanos é obrigatória, assim como
a inclusão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. No entanto, o Tribunal Europeu dos Direitos
Humanos, por vezes, faz distinções em função das especificidades nacionais, mas é uma questão
que veremos mais à frente.

Na Convenção Europeia dos Direitos Humanos só existem Direitos Civis. Faria mais
sentido falar em Convenção Europeia dos Direitos Civis, ou pessoais se quisermos, porque não
existem, aqui, Direitos Sociais ou Políticos. O catálogo de direitos é, efetivamente muito reduzido, e
começa no artigo 2º. O catálogo é, de facto, insipiente, fraco, tão mau quanto o da Declaração
Universal dos Direitos Humanos (foram feitos ao mesmo tempo; são da mesma época), mau em
termos de direitos, de evolução, de aprofundamento, de densidade.

Existe um outro texto - a Carta Social Europeia - e é aí que se encontram os Direitos


Sociais. Mas é um texto com características totalmente diferentes; sendo que enquanto a Convenção
Europeia dos Direitos Humanos tem funcionado bem ao longo dos anos, a Carta Social Europeia
tem sido um desastre absoluto até hoje.

Exemplo disto é o artigo 2º. Aqui não há proibição da pena de morte; há um protocolo
adicional a proibir a pena de morte, mas neste texto não existe essa proibição.
Diz-se que “O direito de qualquer pessoa à vida é protegido pela lei. Ninguém poderá ser
intencionalmente privado da vida, salvo em execução de uma sentença capital pronunciada por um
tribunal, no caso de o crime ser punido com esta pena pela lei.”. Mas depois diz-se mais: “Não
haverá violação do presente artigo quando a morte resulte de recurso à força, tornado absolutamente
necessário” - ou seja, a Convenção não é tão protetora como se imagina; deixa aqui um espaço

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muito significativo às limitações do direito à vida. Em casos absolutamente necessários (alíneas a),
b) e c)), pode ser privado o direito à vida.

O direito à vida está regulado nos textos todos, mas está regulado de uma forma diferente,
e, por isso, temos que fazer as tais remissões para sabermos em que medida é que está. Num caso
prático sobre o direito à vida, é necessário confrontar as formas que este direito está regulado, por
exemplo, nos termos da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, nos termos da Constituição e
nos termos da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia.

O artigo 2º é só um exemplo, o resto é parecido. Se se trata desta maneira, um pouco


desleixada, um pouco descuidada, o direito à vida, é evidente que nos outros direitos o
aprofundamento também é mínimo. Isto começa pelo facto de o objeto se circunscrever só aos
Direitos Civis.

Outro aspeto importante de realçar, é que a Convenção Europeia dos Direitos Humanos é
parecida com a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Na Declaração há certos tipos de
direitos que nem se quer estão referidos expressamente; estão subjacentes, como é o caso do direito
à integridade. Aqui temos exatamente a mesma falta de técnica.
Exemplo disto é o artigo 3º. Não está enunciado expressamente o direito à integridade
física e moral, há apenas a referência a uma garantia.

Há aqui também mais uma coisa (que sai frequentemente nos casos práticos) que é o artigo
16º. Diz o seguinte: “Nenhuma das disposições dos artigos 10º, 11º e 14º pode ser considerada
como proibição às Altas Partes Contratantes de imporem restrições à atividade política dos
estrangeiros.”. Portanto, admite-se um tratamento diferenciado dos cidadãos nacionais e dos
cidadãos estrangeiros para efeito destes artigos. Admite-se, inclusive, uma derrogação do
princípio da proibição da discriminação, ou seja, o princípio da igualdade.
Isto choca com a Constituição, porque ela não regula isto. O que está presente nestes
artigos da Convenção não nos obriga a fazer restrições, apenas nos autoriza a fazê-las. Os
Estados não estão obrigados a seguir isto; é uma autorização, uma possibilidade. No entanto, apesar
de nenhum Estado, por ser parte no Conselho da Europa, estar obrigado a fazer isto, é
suficientemente grave que se permita que seja feito.

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Outra questão é o facto do artigo 15º (Derrogação em caso de estado de necessidade) da


Convenção Europeia dos Direitos Humanos ser parecido com o artigo 4º do Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.
A França fez isto depois dos atentados em Paris. Suspendeu a Convenção Europeia dos
Direitos Humanos, sendo que esteve suspensa durante muito tempo.
A ideia a manter é que nem todos os direitos podem ser derrogados. Isso está presente no
artigo 15º, nº2. Comparando com os outros textos, este é aquele que menos protege os direitos em
caso de situações excecionais. Por exemplo, claro que há aqui um direito que tem de ser protegido,
que é o direito à vida, mas se repararmos na redação, mesmo assim, ainda se diz “salvo quanto ao
caso da morte resultante de atos lícitos de guerra”.

(Em casos práticos, sobre estados de emergências e situações do género, a derrogação na


Convenção Europeia dos Direitos Humanos (art. 15º), a derrogação no Pacto Internacional sobre
Direitos Civis e Políticos (art. 4º), e a suspensão na Constituição (art. 19º) têm de ser confrontadas)

A grande diferença entre este texto e todos aqueles que vimos anteriormente, é o artigo
34º. Nos outros textos não temos um Tribunal Europeu dos Direitos Humanos; não temos um
tribunal que qualquer indivíduo possa recorrer em caso de violação; não temos uma tutela
jurisdicional integral - temos uma vaga tutela jurisdicional, temos um bocadinho do Tribunal Penal
Internacional e pouco mais.
Aqui é diferente, qualquer direito que esteja aqui previsto pode ser apreciado/julgado
em sede de recurso no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos - é uma instância de recurso
para as decisões últimas tomadas por órgãos jurisdicionais nacionais, no nosso caso, Supremo
Tribunal de Justiça, Supremo Tribunal Administrativo e Tribunal Constitucional (art. 35º, nº1). É
um tribunal que funciona em recurso dos tribunais superiores internos. A grande qualidade desta
Convenção é a existência de tutela integral; é o ponto forte deste texto.

O Protocolo nº11 transforma o sistema de tutela. Antes o sistema era misto, ou seja,
simultaneamente jurisdicional e politico - depois de haver uma decisão num tribunal supremo
nacional, uma das partes podia recorrer, mas em rigor não havia um recurso, havia uma petição para
um órgão chamado Comissão Europeia dos Direitos Humanos. Esta comissão era um órgão
politico, e como era um órgão politico, a triagem era uma triagem muitas vezes de natureza política
e não jurídica. O resultado era que muitas das queixas que eram apresentadas, nem sequer
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ultrapassavam a barreira da Comissão Europeia dos Direitos Humanos; nem se quer chegavam a ser
tratadas pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Com este protocolo eliminou-se esse
órgão. Sabemos que este órgão existiu porque no artigo 34º ainda encontramos a expressão
“petição”, mas não é uma petição, é um recurso. Era uma petição feita à Comissão, onde se pedia
que se analisa-se uma questão, e se assim esta o entende-se, fazia-a subir ao Tribunal Europeu dos
Direitos Humanos.

O Tribunal começa no artigo 19º, mas o que nos interessa, essencialmente, são os artigos
32º e seguintes.
O artigo 32º diz que a competência do Tribunal abrange todas as questões que tenham
haver com os direitos consagrados na Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Para que haja
um recurso para o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, é necessário que tenha sido afetado,
não apenas um dos Direitos Fundamentais existentes no ordenamento do Estado, mas que,
cumulativamente, seja também afetado um Direito Humano que esteja previsto no texto da
Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

É evidente que no caso português, não há grandes problemas em termos de sobreposição,


porque, evidentemente, a Constituição é muito mais ampla, em termos de catálogo, do que esta
Convenção, mas, obviamente, tem que haver também previsão. Uma das questões que leva
Portugal ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, frequentemente, é a questão do atraso
na realização da justiça. Esta questão está prevista no artigo 6º. Não quer dizer que os tribunais
não sejam independentes, eles são, não significa que os tribunais não sejam capazes, são
genericamente, mas temos um problema, de facto, com a lentidão da justiça.

Quem é que pode litigar? Pelo artigo 33º, são Estados contra Estados. Mas a maior parte
dos processos não são de Estados contra Estados, ou Estados relativamente a Estados, pelas razões
explicadas anteriormente, o problema dos Direitos Humanos é, sobretudo, um problema dos
particulares. Este artigo limita-se a dizer que também é possível que um Estado litigue contra outro
Estado, que também é possível que um Estado demande outro Estado, que também é possível que
um Estado recorra de uma decisão de outro Estado, mas não é isto que é relevante.
O que é relevante é o artigo 34º - temos aqui a atribuição de legitimidade processual
passiva e ativa aos indivíduos, às organizações internacionais e, como se diz na parte final,

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grupos de particulares. Temos uma tutela jurisdicional da qual se pode beneficiar imediatamente,
sem intervenção do Estado, sem a intervenção de qualquer entidade pública.

Outra questão é a seguinte: se todos aqueles que, em 49 Estados, se considerassem lesados


pudessem recorrer imediatamente ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, evidentemente,
seriam necessários milhares de juizes. Neste sentido, encontramos no artigo 35º as condições de
admissibilidade; está aqui presente o princípio da exaustão dos recursos internos (um dos
pontos fracos do Tribunal).
O que resulta do artigo 35º, nº1 muitas vezes demora anos e anos a concretizar e, assim, o
recurso para o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, depois desse tempo, já vai ser, sobretudo,
uma queixa sobre o atraso, sobre a questão procedimental. É evidente que esta é uma deficiência,
mas difícil de ultrapassar. Também no próprio Tribunal Europeu dos Direitos Humanos há atrasos.
A alínea b), do nº3, é uma parte recente. Pode acontecer que o Tribunal não aprecie a
questão que é suscitada se considerar que se trata de uma minudência. Isto é uma parte que tem
sido especialmente criticada pela doutrina, porque não se diz o que é um prejuízo significativo, não
se diz se o prejuízo quantificadamente seria muito elevado ou pouco elevado, e, sobretudo, é como
se dissesse que se for um dano relativamente pequeno, se for uma violação relativamente
secundária, se não for demasiado importante, então o Tribunal pode não se pronunciar. Isto é outra
vez um desvio, como é evidente; é um desvio relevante porque deixa ao Tribunal a decisão se o
prejuízo é significativo ou não, é uma mera decisão do tribunal.

O artigo 41º trata da questão da indemnização. Mais uma vez temos aqui uma intervenção
do Tribunal, ou seja, se o Direito Interno não for suficiente, pode o Tribunal decidir em sentido
contrário - atribuir à parte lesada uma reparação razoável.

Pelo artigo 46º, vemos que este Tribunal tem força vinculativa das sentenças, assim como
a obrigação de as fundamentar (artigo 45º). Não significa com isto que o Tribunal Europeu dos
Direitos Humanos tenha só competência vinculativa, ele também tem competências consultivas
que estão presentes nos artigos 47º e 48º. Nem todas as decisões que são tomadas são
imediatamente decisões definitivas: existem as que são definitivas pela própria natureza e
existem as que se podem tornar definitivas (artigo 44º).
O Tribunal pode funcionar de várias formas, assim como os tribunais internos (artigo
26º).
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II

A Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia em termos substantivos, em


termos de conteúdo, em termos de objeto é um texto invulgar no Direito Internacional. Isto acontece
pelo facto de ser um texto recente, foi originariamente elaborado em 2000. Como sabemos, em
Direitos Humanos e em Direitos Fundamentais o tempo é especialmente importante - quanto mais
recente, tipicamente melhores são os textos.
Por exemplo, o caso da pena de morte. Nos outros textos não encontramos a proibição da
pena de morte, sendo que, aqui, ela encontra-se expressamente consagrada no artigo 2º.
Outra razão, é o facto de este texto ser para 28 Estados, sendo que, apesar de tudo, são
Estados próximos uns dos outros. Há aqui uma comunidade cultural europeia, mais marcada do
que aquelas que existem quando pensamos no conjunto da Europa, englobando, por exemplo, todos
os Estados que fizeram parte do bloco comunista.

Conseguiu-se fazer deste texto, um texto especialmente elaborado, especialmente


desenvolvido, especialmente sofisticado, indo até, em múltiplos domínios, mais longe do que a
própria Constituição portuguesa.
No entanto, há um obstáculo - a questão sistemática. A sistematização é um caos total,
porque aqui não se encontra a divisão básica de que, de um lado, estão os Direitos de Liberdade, e,
do outro lado, estão os Direitos Sociais. Aqui não há menção quer de Direitos Civis, quer de
Direitos Sociais, Políticos ou Económicos.
Mas porque é que isto acontece desta forma? Porque é que este ato se designa por
Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia?
Esta organização internacional, chamada União Europeia, tem uma origem essencialmente
económica. Desta forma, não é uma organização que tenha intenção de tratar dos Direitos
Fundamentais ou dos Direitos Humanos, ao contrário do Conselho da Europa. A União Europeia
pretendia que as economias se aproximassem, e através dessas economias, eventualmente, poder-se-
ia chegar a uma solução política também mais aproximada. Mas todo o caminho é um caminho
económico, portanto, não é um caminho especialmente preocupado com os Direitos Humanos ou
Direitos Fundamentais - isso é uma realidade que é alheia à comunidade económica europeia.
O que aconteceu foi que, aos poucos, percebeu-se que se essa organização económica prevê
as famosas quatro liberdades, sendo que uma das quatro liberdades é a livre circulação de
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trabalhadores, é evidente que se os trabalhadores circulam e mudam de Estado para Estado, então
tem que se criar também direitos relativos a eles. E portanto, estes Direitos Fundamentais, estes
Direitos Humanos da União Europeia, surgem ao contrário dos outros - aqui começou-se pelos
Direitos Sociais, depois aos poucos foram aparecendo outros, mas sempre de uma forma muito
esparsa, apareciam, mas estavam espalhados pelos textos dos tratados. Até que no fim do século
passado, percebeu-se uma coisa relativamente óbvia, que é esta: foram-se transferindo
competências dos Estados aos poucos, e cada vez se transferiram mais ao longo de 40 anos - o
processo foi sempre o mesmo, transferência de competências dos Estados. Cada vez a União
Europeia tinha mais competências que os Estados membros. Ora bem, quando se olhou para aquele
“monstro” percebeu-se que o “monstro" era tão perigoso quanto um Estado, ou até mais perigoso
que um Estado.
Os Direitos Fundamentais surgiram para limitar os poderes do Estado, mas aqui não há um
Estado, há uma organização internacional. Assim, se não é um Estado, tem poderes próximos
daqueles que tem o Estado e, portanto, tem poderes suficientes, ou até mais que suficientes para por
em causa os direitos das pessoas. Neste sentido, chegou-se a um ponto que houve necessidade de
tomar medidas em matéria de Direitos Fundamentais. É esta consciencialização que leva à criação
da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia.

O processo de elaboração da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia é


diferente. Ao contrário do que aconteceu com a criação dos outros textos, neste caso, pegou-se nos
direitos dos Estados, nos direitos constitucionais dos Estados, e tentou-se encontrar características
comuns para se fazer um texto de Direitos Humanos.
A consequência disto, é que, na verdade, isto é um conjunto de Direitos Fundamentais - não
é qualquer coisa que tenha surgido originariamente no plano internacional, isto é um resultado, é
uma consequência do denominador comum dos Estados. De maneira que a designação de Direitos
Fundamentais resulta disso. Não é uma designação correta, tecnicamente não há Direitos
Fundamentais - o Estado tem Direitos Fundamentais e o Direito Internacional tem Direitos
Humanos. Percebe-se a razão que levou a isto, na verdade, isto é uma fusão dos Direitos
Fundamentais internos.

A União Europeia chamou a este ato “Carta”, mas a expressão correta, originariamente,
deveria ser “Declaração”, porque, na realidade, ela era uma Declaração. Foi proclamada (ou seja,
não era ato vinculativo) pelo Parlamento Europeu, pelo Conselho da União Europeia e pela
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Comissão Europeia. Só em 2007 é que se tornou vinculativa com a assinatura do Tratado de Lisboa.
Nesse Tratado há um artigo 6º que, evidentemente, não estava lá antes. Este artigo diz que a Carta
de Direitos Fundamentais existente, passará a ter a força de todas as outras normas do Tratado, ou
seja, é como se tivesse sido recebida no Tratado, é como se fosse um anexo ao Tratado, tem a
mesma natureza que um Tratado, portanto, converteu-se uma Declaração num Tratado.

Como o direito da União Europeia se sobrepõe ao Direito Constitucional, este tem


exactamente a mesma natureza - em caso de colisão entre as normas da Constituição e as
normas desta Carta, prevalece a Carta. E nalguns aspetos isto é relevante, porque a Carta tem
artigos e direitos que não estão na Constituição. Isto acontece porque os Direitos Humanos são
evolutivos; nalguns casos são direitos novos, noutros casos são desenvolvimentos de direitos
anteriores.

Atualmente, isto é um texto obrigatório, vinculativo, supra estadual (acima dos direitos
dos Estados, acima do direito constitucional), é um texto sofisticado, denso, complexo,
aprofundando, mais desenvolvido que outro texto de Direitos Humanos. Agora, como vimos
anteriormente, tem o problema da sistemática.
Aqui os direitos encontram-se todos misturados. Isto acontece pelo facto de isto ter sido,
primeiramente, uma Declaração, e como era uma Declaração, ninguém se preocupou muito com os
aspetos técnico-jurídicos. O facto de os direitos estarem distribuídos desta forma, não lhes retira a
sua natureza, nós temos de os tratar de acordo com a sua respetiva natureza, daí, termos dificuldade
em encontrá-los no texto.
Como é que nós percebemos qual é a estrutura da Carta dos Direitos Fundamentais da
União Europeia? Através do preâmbulo. Pelo primeiro parágrafo percebemos que a sistematização
está feita em função de valores. Em vez de se fazer aquela divisão clássica, pegou-se em
determinado tipo de valores que estão subjacentes à Europa, que estão subjacentes aos Estados
europeus, que estão subjacentes a ideia comum da Europa e criou-se uma sistemática com base
nisto.
Por exemplo, todos os direitos que estão na parte da solidariedade são Direitos
Económicos, Sociais e Culturais, mas há outros Direitos Económicos, Sociais e Culturais que não
estão nessa parte. Inclusive, falta aqui, pelo menos, o direito ao ensino que foi parar à parte das
liberdades (artigo 14º). Assim como o artigo 15º que também é um Direito Social.

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Outro aspeto é que a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia é, em certas
matérias, mais elaborada que a Constituição portuguesa. Exemplo disto, são os artigos 3º e 4º.
Eles tratam do direito à integridade, assim como o artigo 25º da Constituição, no entanto, a
diferença entre eles é o desenvolvimento, a densidade. Assim, o artigo 4º corresponde ao nº2, do
artigo 25º da Constituição; o nº1 do artigo 3º, corresponde ao número 1º, do artigo 25º da
Constituição; e, o número 2 do artigo 3º é novo. Também o artigo 8º da Carta corresponde ao artigo
35º da Constituição.
Se confrontarmos a Constituição, fonte principal dos Direitos Fundamentais, e a Carta dos
Direitos Fundamentais da União Europeia, fonte de Direitos Humanos, encontramos alguns
desenvolvimentos que não estão na Constituição. Em contrapartida, por exemplo, o artigo 27º da
Constituição é muito mais detalhado que o artigo 6º da Carta.
Outro aspeto é o facto de haverem direitos novos, pelo menos que não têm a mesma
formulação na Constituição. É o caso, por exemplo, do artigo 41º da Carta.

O título V é sobre a cidadania (inclui direitos políticos). É evidente que a expressão


cidadania é um logro, porque não há cidadania europeia nenhuma, cidadania é uma relação jurídica
que existe entre sujeitos individuais e Estados; a organização internacional (UE) não é um Estado.
Esta parte serve para oferecer certos direitos que a Constituição não dá, nem poderia dar.
Um desses direitos é a suscetibilidade de os indivíduos serem eleitos para o Parlamento
Europeu no Estado de residência, ou seja, um indivíduo ao residir na Alemanha pode ser eleito
para o Parlamento Europeu na quota Alemã (artigo 39º).
O artigo 15º, nº5º da Constituição, estabelece a hipótese de os Estados chegarem a acordo no
sentido de atribuirem um direito com estas características, mas a Carta permite-o
independentemente de qualquer acordo, independentemente de qualquer ato adicional, portanto é
evidente que vai mais longe. O mesmo se passa para o artigo 40º.

O titulo VII, tem um dos artigos mais importantes - o artigo 52º, relativo às restrições. As
restrições são dos aspetos mais importantes dos Direitos Humanos e dos Direitos Fundamentais. A
Constituição dedica-lhes um artigo quase inteiro (artigo 18º), aqui aparecem nas disposições finais e
nem se quer há referência à palavra restrição.
A restrição é uma figura absolutamente incontornável dos Direitos Fundamentais e dos
Direitos Humanos. Isto é uma forma de permitir a articulação entre esses direitos. Os Direitos
Fundamentais têm vocação para chocar uns com os outros e, por isso, a restrição serve para
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desenhar as fronteiras, para os restringir, para os limitar, mas é uma limitação de uns para preservar
outros, é uma limitação de uns para permitir que outros sejam exercidos. Pode-se restringir um
direito mas a essência desse direito tem de ser preservada. Aqui aplica-se, igualmente, a regra da
proporcionalidade (deve-se ir tão longe quanto necessário, mas não mais).

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CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA

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Porque é que nós temos tantos Direitos Fundamentais na Constituição? Isto é típico
depois de soluções autoritárias, depois de ditaduras, depois de tiranias, depois de sistemas
totalitários; é normal que os textos que surjam a seguir tenham especial cuidado com os Direitos
Fundamentais.
Nós não tivemos verdadeiramente um Estado totalitário, mas era um Estado totalitário,
como é evidente, e, portanto, é óbvio que em 1975/1976 quando se fez a Constituição, houve uma
especial preocupação com a matéria de Direitos Fundamentais, nalguns casos, talvez, até uma
preocupação excessiva, porventura, foi-se longe de mais, exige-se praticamente o impossível, mas a
verdade é que se percebe porque é que a Constituição é tão ampla, porque é que a Constituição é tão
desenvolvida nesta matéria, ou seja, uma preocupação fundamentada com os direitos da
comunidade frente ao poder (definição, que já tínhamos visto, de Direitos Fundamentais).

Esse desenvolvimento não corresponde a uma sistematização especialmente perfeita,


bem pelo contrário. A Constituição tem Direitos Fundamentais por todo o lado, literalmente por
todo o lado, mas esses direitos não estão especialmente organizados, especialmente sistematizados.
Isto tem haver com o processo de elaboração da Constituição. Quando a Constituição foi
feita, foi feita num contexto especialmente difícil, num contexto politicamente muito complexo, um
país basicamente à beira de uma guerra civil e, portanto, o trabalho da Assembleia Constituinte não
foi especialmente fácil, a Assembleia Constituinte estava quase dividida ao meio, entre aqueles que
queriam um determinado modelo, que é o modelo que temos na Constituição de Direitos
Fundamentais, e aqueles que preferiam um modelo completamente diferente de Direitos
Fundamentais.
Portanto, quando se fez, foi-se fazendo e foram-se votando os principais Direitos
Fundamentais. Quando se chegou a um determinado momento, esses direitos já estavam todos
votados, isto corresponde à parte da Constituição, à parte dos Direitos Fundamentais, Direitos e
Deveres Fundamentais, mas percebeu-se aos poucos, à medida que se ia elaborando o texto e que se
ía concluindo o resto do texto, que haviam múltiplos direitos que também podiam ser qualificados
como Direitos Fundamentais, mas que estavam completamente fora, totalmente ao longo do texto.
Quando se olhou para aquilo percebeu-se que na verdade esses direitos não eram assim tão

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diferentes dos outros, que tinham as mesmas características. O que é que se poderia ter feito?
Noutro contexto diferente que não aquele, poder-se-ia ter votado tudo outra vez, ou seja, pegava-se,
sistematizava-se e votava-se. Mas não havia garantias que se conseguisse votar tudo outra vez e
daquela forma, portanto, ficou como estava.
Este problema resolveu-se com o artigo 17º que diz o seguinte: “ o regime dos direitos,
liberdades e garantias aplica-se aos enunciados no título II e aos direitos fundamentais de
natureza análoga.” - direitos de natureza análoga são direitos que são análogos, têm natureza
análoga.
O problema é que metade dos artigos relativos aos Direitos, Liberdades e Garantias estão na
parte dos Direitos, Liberdades e Garantias, e talvez a outra metade está espalhada pela Constituição
toda. Então como é que os encontramos? Com dificuldade. Tem sido a doutrina ao longo do tempo
que tem vindo a construir esta noção.
Neste sentido, o principal problema da Constituição portuguesa em matéria de Direitos
Fundamentais é que uma parte está no catálogo (Direitos, Liberdades e Garantias e Direitos
Económicos, Sociais e Culturais) e depois, todos os outros estão espalhados na Constituição e
temos que andar à procura deles, um por um.
A Constituição tem dois regimes completamente diferentes, praticamente opostos. O regime
dos Direitos, Liberdades e Garantias, que é um regime simpático para os direitos, é um regime
garantístico, é um regime exigente, é um regime protetivo desses direitos, portanto, há uma
preocupação enorme com os Direitos, Liberdades e Garantias até ao extremo, e depois do outro lado
temos os Direitos Económicos, Sociais e Culturais onde existe uma certa despreocupação. No
fundo, temos dois regimes: um regime muito protetor e um regime muito desinteressado.
Isto tem consequências, isto tem efeitos. O facto de um direito ser qualificado como direito
de natureza análoga, vai levar a que tenha um regime muito benéfico, por exemplo, em matéria de
restrição, em matéria de suspensão, não pode ser retirado da Constituição numa revisão
constitucional, por aí fora. Se por acaso não o conseguirmos qualificar dessa maneira porque não
tem aquela natureza, não é parecido com um Direito de Liberdade, é parecido com um Direito
Social, então ele vai para ao outro lado, ou seja, pode ser eliminado da Constituição, pode ser
restringido sem grandes dificuldades, pode ser suspenso a qualquer momento, é diferente.
Como a Constituição não nos dá critério nenhum, a doutrina anda à 40 anos a debater isto.
Consequência: se nós levamos para tribunal, para o Tribunal Constitucional, um determinado
direito, evidente que o Tribunal Constitucional em múltiplos casos não tem problemas porque a
doutrina é consensual nessa listagem dos direitos de natureza análoga, há um consenso na maior
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parte deles, mas depois há outra parte em que uma doutrina acha que sim e outra acha que não por
razões diferentes.
Basta que nós utilizemos uma noção mais exigente de Direito Fundamental ou de Direitos,
Liberdades e Garantias, uma noção mais técnica, isso vai levar a que fiquem mais direitos de fora.
Se nós usarmos uma noção mais flexível, uma noção mais suave, menos exigente, se os Direitos,
Liberdades e Garantias são mais alargados no seu conceito, então quando se estabelece a analogia
encontramos mais artigos e mais direitos de natureza análoga.
A Constituição podia ter uma noção taxativa, ter um critério, porque, como facilmente
percebemos, se isto são Direitos Fundamentais é assustador pensar que os Direitos Fundamentais
ficam na mão da doutrina, a definição fica na mão da doutrina, saber se um direito é um Direito
Fundamental ou é um direito de natureza análoga ou não é, se tem um regime favorável ou um
regime desfavorável não pode ficar na mão da doutrina.

Há um segundo problema que não é menos complicado que este: a Constituição não dá
uma definição inteiramente rigorosa do que sejam Direitos, Liberdades e Garantias, porque
quando nós olhamos para o Direito Internacional nós já sabemos como é que ele está tipicamente
dividido: de um lado temos os Direitos de Liberdade e, do outro lado, temos os Direitos Sociais.
Quando olhamos para a Constituição portuguesa percebemos que não é bem assim porque
os Direitos, Liberdades e Garantias também têm, dentro dessa categoria, Direitos Sociais. Ou seja, a
Constituição cria Direitos, Liberdades e Garantias de um lado, e Direitos Económicos, Sociais e
Culturais do outro, mas há uma parte dos direitos que tecnicamente são Direitos Sociais que a
Constituição colocou do lado dos Direitos, Liberdades e Garantias. É o caso dos Direitos ao
Trabalho. Isto quer dizer que o Direito ao Trabalho está dividido: há uma parte que está onde é
normal que esteja, na parte dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, mas a outra parte está fora
de sitio, está nos tais Direitos Liberdades e Garantias, portanto, nós temos os Direitos Sociais
divididos por dois segmentos.
Quando vamos ver a divisão dos Direitos Liberdades e Garantias vemos o seguinte: Direitos,
Liberdades e Garantias pessoais, Direitos, Liberdades e Garantias políticos, mas depois
encontramos uma terceira sub categoria, os Direitos, Liberdades e Garantias dos trabalhadores, e aí
é que está o problema. Se são Direitos, Liberdades e Garantias dos trabalhadores, são relacionados
com o trabalho, são atinentes ao valor trabalho então são Direitos Sociais, tecnicamente são Direitos
Sociais.

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O legislador fez isto por razões explicadas. A razão é esta: se os Direitos, Liberdades e
Garantias têm o tal regime mais benéfico, mais favorável, mais simpático, quis-se que uma parte do
Direito do Trabalho também tivesse esse regime. Por exemplo, o direito de greve é um Direito
Social evidentemente, é um direito inerente ao trabalho, mas foi parar aos Direitos, Liberdades e
Garantias porque não se quis que depois do 25 de Abril se acabasse com o direito à greve ou se
comprimisse seriamente o direito à greve, ou se limitasse de uma forma que a Constituição neste
momento não permite limitar; para isso colocou-se esse direito junto dos Direitos de Liberdade.
A Constituição no artigo 288º, al. d), diz que um dos limites materiais da revisão são os
Direitos, Liberdades e Garantias dos cidadãos - ora bem, uma vez que os direitos dos trabalhadores,
estão parte está nos Direitos, Liberdades e Garantias, estes não podem ser mexidos. Se eles
enquanto Direitos Sociais, que são Direitos Sociais, estivessem na parte dos Direitos Económicos,
Sociais e Culturais podiam ser retirados, diminuídos, suspensos.
Claro que isto acarreta imensos problemas em termos práticos. Imaginem que queremos
legislar, queremos legislar sobre o trabalho, ora bem, depende do trabalho que quisermos legislar.
Se quisermos legislar sobre uma parte do trabalho - Direitos, Liberdades e Garantias - se quisermos
legislar sobre outra parte do trabalho - Direitos Económicos, Sociais e Culturais. Então e se
quisermos legislar sobre as duas partes? Temos um problema porque têm dois regimes diferentes.

Última dificuldade: há muitos direitos reciprocamente que são Direitos de Liberdade,


que são intrinsecamente Direitos Pessoais, mas que estão na parte dos Direitos Económicos,
Sociais e Culturais. Nesta matéria, há praticamente um consenso na doutrina, ou seja, há um
conjunto de direitos que estão nos Direitos Sociais, que estão qualificados expressamente como
Direitos Sociais e, todavia, são intrinsecamente Direitos Pessoais. Exemplo: direito de propriedade
que está alojado no artigo 62º, e, estruturalmente é um direito negativo. Quando pensamos no
direito de propriedade pensamos em usá-lo, mas a Constituição em vez de olhar para o direito de
propriedade como um Direito Pessoal, olhou para ele como um Direito Social. Porque a
Constituição na versão original era uma Constituição socialista em matéria de Direitos
Fundamentais, hoje não é, evidentemente, mas foi e, portanto, numa perspetiva socialista, o direito
de propriedade é sobretudo um direito de propriedade público. A Constituição caracterizava a
propriedade pública, caracterizava a propriedade cooperativa e depois dizia que tudo o resto, tudo o
que não for isto, é propriedade privada, portanto, a propriedade privada era residual - a Constituição
ainda hoje no preâmbulo diz que a ideia é criar uma via original para o socialismo e uma das vias
originais para o socialismo era através dos Direitos Fundamentais. Significa que a conceção de
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propriedade privada que lá estava não era uma conceção liberal, era uma conceção socialista. Se era
uma conceção socialista, numa ótica socialista e numa ótica de progressão para o socialismo, de
caminho para o socialismo, é evidente que fazia sentido que ele estivesse nos Direitos Sociais
porque era um direito cada vez mais social até ao desaparecimento da propriedade privada, era essa
a ideia. Agora, nós hoje não estamos aí, evidentemente desde que entrámos para a União Europeia
esquecemos essas ideias todas, assim como a Constituição, e, por isso, a revisão de 1989 é o
desaparecimento da Constituição socialista económica.
Agora o que acontece é que alguns direitos estavam espalhados por locais onde hoje não
fazem sentido e por isso nós temos um conjunto de direitos de natureza pessoal, inequivocamente
pessoal, que estão na parte dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais; o direito de propriedade é
um, mas o direito de iniciativa privada não é menos, é um direito pessoal.
Quando olhamos para o artigo 62º da Constituição dizemos que é um Direito Social; em
termos sistémicos, em termos formais, em termos de qualificação é; em termos substantivos, em
termos materiais não tem essa natureza, se não tem essa natureza então é um direito de natureza
análoga, portanto vamos aplicar o mesmo regime que aplicamos aos Direitos, Liberdades e
Garantias e o mesmo se passa com o direito de iniciativa privada e o mesmo se passa com os
direitos espalhados na Constituição.
Um outro exemplo: o referendo em Portugal, teoricamente, pode ser desencadeado através
de iniciativa de cidadãos eleitores, ou seja, o referendo não tem de ser decidido pela Assembleia da
República de acordo com o Presidente, ou pelo Governo de acordo com o Presidente da República,
o referendo no termos do artigo 115º da Constituição também pode ter iniciativa popular, ora bem, o
que é o direito de iniciativa popular? É a suscetibilidade que nós temos de avançar com propostas,
neste caso, propostas de referendo. Isto lembra-nos outro direito, o direito de petição. O que
acontece é que a iniciativa é uma petição reforçada porque o direito de petição a única coisa que
obriga é uma resposta. A iniciativa é um bocado diferente, a iniciativa legislativa do artigo 167º, a
iniciativa de referendo do artigo 115º, são iniciativas vinculativas - aquilo obriga o poder a debatê-
las. A petição está entre os Direitos, Liberdades e Garantias de participação política (art. 54º). Onde
é que está a iniciativa? A iniciativa está espalhada por onde calhou na Constituição, está uma parte
no artigo 115º, iniciativa de referendo, está uma parte no artigo 167º, iniciativa de lei, de ato
legislativo da Assembleia. Que natureza é que têm estes direitos? São direitos de natureza análoga.
Se dizemos que a iniciativa é um direito reforçado em relação à petição então ainda é mais Direito,
Liberdade e Garantia do que ela. Foi parar ao artigo 115º porque o referendo não existia na verão
originária do texto da Constituição.
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Há direitos de natureza análoga em toda a Constituição, exceto na parte de revisão da


Constituição; há direitos de natureza análoga, inclusive, na parte da Fiscalização da
Constitucionalidade (art. 280º); há direitos de natureza análoga antes de chegarmos, se quer, ao
capitulo dos Direitos Fundamentais (art. 21º).

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II

Os princípios que vamos estudar são os seguintes: princípio da universalidade, princípio da


igualdade, princípio da proporcionalidade, princípio da confiança e princípio da responsabilidade.
Destes, naturalmente, os mais importantes são os dois primeiros porque são os mais
estruturais e também por uma razão adicional, é que são os únicos que, efetivamente, atravessam
todos os Direitos Fundamentais. Quer dizer que quando analisamos os outros princípios, eles não
são inteiramente comuns a todos os Direitos Fundamentais da Constituição. Eles afetam, eles dizem
sobretudo respeito, eles estão sobretudo subjacentes, aos Direitos, Liberdades e Garantias, não aos
Direitos Sociais. Agora, se falarmos de universalidade, se falarmos de igualdade, eles tocam por
igual a esses dois grupos de direitos. Portanto, são obviamente, os princípios mais abrangentes, os
princípios mais compreensivos, os princípios que tocarão todos os direitos.
É evidente que, tem de se dizer o seguinte: tocarão uns e tocarão outros, mas tocarão,
porventura, de forma diversa porque, como vamos ver, os Direitos, Liberdades e Garantias têm um
regime que se traduz em parte, entre outros aspetos, na aplicabilidade direta, ou seja, eles são
aplicáveis diretamente, em princípio não precisariam de atos normativos sub-constitucionais para
que pudessem ser invocados, para que pudessem ser exigidos.
Os Direitos Sociais têm características diferentes, são direitos com natureza, em parte,
futura, portanto, quando falamos em universalidade, ou falamos em igualdade, pudemos falar de
igualdade e universalidade a propósito de uns e de outros, mas nalguns coloca-se imediatamente
porque eles resultam diretamente da Constituição, noutros pode ser uma igualdade futura, pode ser
uma universalidade futura, diz-se “quando forem consagrados, se forem consagrados, na extensão
em que forem consagrados”, ou seja, os Direitos Sociais resultam de um “se”. Quanto aos outros
não há dúvidas, em relação aos Direitos Sociais podem ou não existir, podem ou não existir na sua
plenitude, podem ou não existir na totalidade, portanto, o princípio da universalidade aplica-se, o
princípio de igualdade também, mas de forma diversa, em razão da sua distinta natureza.

O princípio da universalidade parece estar tratado no artigo 12º, mas isto não é
inteiramente exato, não é apenas neste artigo. O artigo 15º, o que trata é também o problema da
universalidade.

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Pode-se fazer a distinção entre, por um lado, universalidade e, do outro lado,


universalismo. Universalidade é respeitante aos cidadãos (portugueses); utilizamos a expressão
“universalismo” se fizermos uma análise mais alargada, uma abordagem num contexto global. Mas
se usarmos a expressão universalidade para portugueses, para estrangeiros e para apátridas também
não há nenhum erro, mas é verdade que há uma perspetiva um bocadinho diferente. A Constituição,
na verdade, fala em universalidade, usa a expressão, tem epígrafe “princípio da universalidade”, em
rigor, apenas para os cidadãos portugueses, não para os outros, não usa essa expressão no artigo 15º.
Isto leva-nos ao exame do nº1, do artigo 12º. Dizemos, este artigo 12º aplica-se apenas aos
cidadãos portugueses? Está lá escrito cidadãos portugueses? Não está, está lá escrito cidadãos.
Agora, é evidente que, quando nós fazemos a interpretação de qualquer texto jurídico, não
necessariamente o da Constituição, nós temos de fazer aquilo que se chama de interpretação
sistemática, temos que recorrer ao elemento sistemático da interpretação. Ora, o elemento
sistemático da interpretação é sobretudo o artigo 15º. Se nós olharmos para os dois, em conjunto,
percebemos que com o conteúdo que o 15º tem, o 12º só pode estar reservado aos cidadãos
portugueses. Portanto, onde não se lê “cidadãos portugueses”, deve ler-se “cidadãos portugueses”
porque cidadãos à partida podiam ser quaisquer e não são.
Neste sentido, o artigo 12º está reservado aos cidadãos portugueses e o artigo 15º
destina-se à regulação da situação jurídica ou constitucional, jurídica ou fundamental dos
cidadãos estrangeiros e dos que não têm cidadania (apátridas).
A expressão “cidadãos” também não é especialmente feliz porque, embora seja uma
expressão frequente, a relação de cidadania é uma relação política, é uma relação jurídico-política
entre uma determinada pessoa individual e um Estado. Ora bem, quais são os principais Direitos
Fundamentais? Os Direitos Pessoais não são os direitos dos cidadãos, são os direitos das pessoas,
são os direitos dos indivíduos. Portanto, a expressão mais correta não é “cidadãos”, como é
evidente, escapa, nós percebemos porquê, mas, na verdade, não são só os cidadãos enquanto
cidadãos e porque são cidadãos que têm Direitos Fundamentais, em rigor, são as pessoas. Mais
rigoroso era usar a expressão “indivíduos”, é mais transversal.

Todos têm Direitos Fundamentais, todos têm Deveres Fundamentais, todos os portugueses
têm os mesmos direitos de forma exatamente igual? Há que fazer umas distinções.
Para começar, a Constituição faz uma distinção entre portugueses de origem e portugueses
subsequentemente portugueses, ou seja, portugueses que adquiriram a nacionalidade

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supervenientemente, à posteriori. A Constituição faz essa distinção porque nós encontramos um


preceito relativo às condições de candidatura presidencial em que se faz essa diferenciação.

Outra distinção que vem do artigo 14º, é a seguinte: “os cidadãos portugueses que se
encontrem ou residam no estrangeiro gozam da proteção do Estado para o exercício dos direitos e
estão sujeitos aos deveres que não sejam incompatíveis com a ausência do país.”. Porque é evidente
que se a pessoa não está em território português, está a residir permanentemente em território
estrangeiro, naturalmente há direitos que são insuscetíveis de ser exercidos que não
presencialmente.

Outro aspeto: a questão das pessoas coletivas. A Constituição tentou ser tão generosa
quanto possível em matéria de Direitos Fundamentais. Como nós vamos ver, em relação aos
Direitos Fundamentais dos estrangeiros vai bastante longe, embora haja sempre exceções, todas as
Constituições as têm, mas foi-se bastante longe em matéria de Direitos Fundamentais atribuíveis a
estrangeiros ou mesmo a apátridas, mas há sempre aí algumas nuances.
O que acontece é que foi tão longe que quis, inclusive, dotar as próprias pessoas coletivas de
Direitos Fundamentais, ora, isto é uma impossibilidade técnica. Diz a Constituição no nº2, do artigo
12º - “As pessoas coletivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua
natureza” - o direito à vida não é muito fácil de transpor para as pessoas coletivas, assim como o
direito à integridade ou o direito à liberdade, portanto, estes direitos evidentemente seriam sempre
insuscetíveis de serem transpostos para as pessoas coletivas. Mas, podíamos admitir, teoricamente,
que há direitos que seriam Direitos Fundamentais das pessoas coletivas porque são compatíveis
com a sua natureza. Ora bem, qual é o problema? O problema é a própria noção de Direitos
Fundamentais ou de Direitos Humanos. Se nós definimos e se é um concenso estabelecido na
doutrina, quer interna, quer internacional, não há nenhuma dúvida sobre isso, não há nenhuma
divergência sobre isso, se entendemos que a expressão “dignidade da pessoa humana” é um
elemento absolutamente incontornável, absolutamente integrante da noção, se entendemos isso as
pessoas coletivas caem fora, não há outra forma. O que é isso da dignidade da pessoa humana? É
uma ideia que se traduz na ideia de que as pessoas são fins em si próprios, não podem ser
instrumentos uns dos outros, não podem ser instrumentos de ideias, portanto, têm uma dignidade
própria, especifica, sua, incontornável, portanto, são finalidades em si próprias. Ora bem, o que é
que são as pessoas coletivas? São puramente instrumentos das pessoas individuais, das pessoas
singulares, criam-se enquanto instrumentos, não criamos uma pessoa coletiva para lhe atribuir
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dignidade humana. As pessoas coletivas são um instrumento jurídico, hoje existem e se calhar daqui
a dois séculos cria-se outra realidade qualquer, portanto, podem ser suprimidas no futuro, podem ser
reduzidas. É evidente que essa ideia de dignidade, essa ideia de finalidade intrínseca não é comum,
não pode ser extensível às pessoas coletivas. Elas, em rigor, têm direitos e deveres evidentemente,
mas, tenho muitas duvidas que isso se possa designar de Direitos Fundamentais sem reverter, sem
distorcer completamente a noção de Direitos Fundamentais ou de Direitos Humanos.
A doutrina tenta evitar um choque total com a Constituição e então o que diz é “são direitos
derivados, são direitos reflexos”, eu diria, não são Direitos Fundamentais, pode-se dizer “são
reflexos”, mas então se são reflexos são Direitos Fundamentais das pessoas, reflexivamente incidem
porque as pessoas coletivas evidentemente são criadas por pessoas individuais, incidem, são direitos
derivados a verdade é que são sub-direitos, são direitos secundários, são direitos que existem só
porque existem pessoas individuais. As pessoas coletivas são instrumentos de realização da vontade
humana

A estrutura do artigo 15º é a seguinte: no nº1 começa por equiparar, aparentemente ou na


totalidade, direitos exatamente idênticos para portugueses, para estrangeiros e para apátridas, mas
nos números seguintes encontramos exceções para todos os estrangeiros e apátridas, sendo que,
dentro dos próprios estrangeiros há diferenciações que permitem que sejam aplicados determinados
direitos a estrangeiros que outros estrangeiros não têm.
Existem vários círculos de direitos em termos de universalidade ou de universalismo:
• Quem tem todos os direitos, em rigor, são apenas os portugueses de origem,
residentes em território nacional;
• Seguem-se os portugueses que não são portugueses de origem, uma vez que,
alguns direitos já ficam de fora, o mesmo acontecendo aos portugueses que
residam fora do território nacional;
• Dentro do grupo dos estrangeiros, são os cidadãos dos Estados de língua oficial
portuguesa que têm um regime mais próximo dos cidadãos portugueses;
• De seguida, encontram-se os cidadãos dos Estados que integram a União
Europeia, uma vez que, há uma proximidade diferente daquela que nós temos com
outros Estados estrangeiros;
• A seguir, os outros cidadãos estrangeiros porque, em certos casos, desde que haja
reciprocidade com o respetivo Estado, eles podem ter certos direitos a mais;

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• O último grupo pertence ao cidadãos estrangeiros, nos casos em que não há


reciprocidade, porque aí vão cair diretamente no número 2 do artigo 15º, e, para
além deles, os apátridas. Reciprocidade significa que nós quando atribuímos um
direito, o Estado correspondente atribui esse direito aos portugueses; é reciproco.
Ora bem, na apatriadia não existe a possibilidade de reciprocidade porque não em
Estado.

Questão dos estrangeiros em geral - artigo 15º, nº2. O que é que fica excluído para a
generalidade dos estrangeiros? Esqueçam agora as distinções entre estrangeiros, pensem apenas em
estrangeiros em geral. Quando se excluem, quando se fazem essas limitações, não são restrições
porque elas estão na Constituição, são limitações, são condicionamentos sim, mas são limites
constitucionais, aquilo que se pretende é deixá-los de fora sobretudo da dimensão política, todas as
Constituições fazem isto, ou seja, não são os Direitos Pessoais, não faria sentido que eles não
tivessem Direitos Pessoais, se um estrangeiro não tivesse o direito à vida dificilmente o
apanhávamos cá, por isso, esses Direitos Pessoais obviamente nunca estão afastados, nunca estão
excluídos.
O que está excluído, normalmente, são os chamados Direitos Políticos ou direitos de
participação política, que são os direitos mais relacionados com cada Estado, com as políticas de
cada Estado. O nº2 o que afasta realmente são os Direitos Políticos, mas aí têm que ter alguma
atenção. O que é que são Direitos Políticos? Quais é que são os Direitos Políticos? Onde é que estão
os Direitos Políticos? Há duas categorias e meia na Constituição, ou seja, primeira categoria -
Direitos, Liberdades e Garantias - segunda categoria - Direitos Económicos, Sociais e Culturais -
segunda categoria e meia - direitos de natureza análoga que são os que estão espalhados na
Constituição. Ora bem, quando se fala em Direitos Políticos, não são só os Direitos, Liberdades e
Garantias políticos, são direitos de natureza análoga aos Direitos, Liberdades e Garantias políticos,
o que torna a coisa mais complicada de analisar e mais extensa, porque se fossem só os Direitos
Políticos, e se a Constituição tivesse um catálogo razoavelmente elaborado, é evidente que nós
pegávamos naquele capitulo e dizíamos quais eram os direitos. Mas nós não podemos fazer assim,
temos que ir pela Constituição fora, à procura de Direitos Políticos até os encontrarmos, e todos
esses Direitos Políticos que vamos encontrando é evidente que são Direitos Políticos de natureza
análoga. Exemplo disto é o artigo 115º e o 167º.

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O nº2, do artigo 15º diz que “exceptuam-se do disposto do número anterior os direitos
políticos, o exercício das funções públicas que não tenham caráter predominantemente
técnico..” - no fundo é a mesma ideia, ou seja, ficam proibidos os estrangeiros ou os apátridas na
administração pública? Claro que não, podem ser funcionários públicos. Agora, as funções têm que
ter natureza especialmente técnica, portanto, significa que tem de ser essencialmente uma função
administrativa e não essencialmente política, portanto, função administrativa do Estado, mas não
função política do Estado ainda que sob as vestes de funcionalismo. No fundo, o que Constituição
quis fazer foi excluir os Direitos Políticos e excluir tudo o que está associado à atividade política.
Depois ainda diz que ainda podem ser outros que estão previstos na Constituição e podem.
O que é que a Constituição quis fazer? Se há alguma coisa que tenha sido esquecida, mas esteja na
Constituição, também está aqui incluída. É o caso das Forças Armadas; as Forças Armadas só
podem ser compostas por portugueses.

Outro aspeto é que mesmo nos casos em que aos estrangeiros é permitido o acesso a Direitos
Políticos, há alguns direitos que ficam completamente de fora em qualquer caso - chegamos a essa
conclusão quando analisamos o nº3. Ele estabelece o regime mais favorável de todos quando
pensamos em estrangeiros, não há nenhum estrangeiro que possa ter um regime tão favorável como
os estrangeiros de Estados de língua oficial portuguesa. À 50 ou 60 anos, os pais desses cidadãos
estrangeiros hoje eram portugueses, há aqui uma afinidade histórica, e obviamente faz sentido que
tenham um regime mais benéfico também. No entanto, para que possam usufruir desses direitos,
exige-se residência permanente, porque pode ter residência e não ser permanente; impõe-se também
a reciprocidade, ou seja, poderão ter estes direitos, mas apenas se os portugueses também os
tiverem. Os cidadãos dos Estados de língua oficial portuguesa ficam então excluídos do “acesso aos
cargos de Presidente da República, Presidente da Assembleia da República, Primeiro-Ministro,
Presidentes dos tribunais supremos e os serviço das Forças Armadas e na carreira diplomática”.
Significa que eles têm a maior parte dos direitos políticos, mas mesmo assim fica alguma coisa de
fora.

Outra categoria - cidadãos dos Estados que integram a União Europeia, nº5. Diz o
seguinte “A lei pode ainda atribuir, em condições de reciprocidade, aos cidadãos dos Estados
membros da União Europeia residentes em Portugal o direito de elegerem e serem eleitos
Deputados ao Parlamento Europeu” - vimos isto a propósito da Carta de Direitos Fundamentais da
União Europeia; tem o artigo 39º que diz uma coisa um pouco diferente desta, diz que gozam deste
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direito todos os cidadãos dos Estados que integram a União Europeia. A Constituição não dizia isto,
dizia que poderia ser atribuído no futuro, eventualmente, através de reciprocidade, portanto, isto
significa que este preceito foi ultrapassado.
Se a União Europeia tem uma posição superior às normas portuguesas, se o artigo 39º da
Carta atribui esse direito é evidente que este direito prevalece sobre o outro direito. Mas por
exemplo, se Portugal saísse da União Europeia, como este preceito não foi revogado expressamente,
ele continuaria em vigor. E, por isso, não é inteiramente rigoroso dizer que ele foi revogado,
ultrapassado. Ele não está a produzir efeitos, é pelo menos, ineficaz. E o mesmo se passa com as
candidaturas municipais (nº4). Diz que “A lei pode atribuir a estrangeiros residentes no território
nacional, em condições de reciprocidade, capacidade eleitoral ativa e passiva para a eleição dos
titulares de órgãos de autarquias locais” - aqui há uma pequena nuance que é esta, é que o artigo 40º
da Carta não fala em autarquias locais, fala em municípios. Em Portugal não temos só um tipo de
municípios e a Constituição ainda tem um terceiro que são as regiões administrativas, que não foi
criado até agora, portanto, temos dois tipos de autarquias. Ora, o texto da Carta só se refere aos
municípios, aquilo só faz sentido em relação a uma parte deste nº4 porque ele fala também em
freguesias.

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III

O princípio da igualdade está previsto no artigo 13º - temos aqui duas partes: o chamado
principio da não discriminação, que é o principio da igualdade numa perspetiva negativa, e temos
o principio da igualdade numa perspetiva positiva.
Quando falamos em igualdade temos que perceber o seguinte: há pelo menos duas
perspetivas completamente diferentes de igualdade; a chamada igualdade formal, chamada
igualdade liberal, chamada igualdade burguesa, aquilo a que eu chamo igualdade igualdade, de um
lado, e depois, do outro lado, a chamada igualdade social ou igualdade solidária, ou igualdade, que
eu chamo, desigualdade. Ora bem, qual é a diferença entre um conceito e outro? Pensem naquilo
que já sabem de Direito Constitucional, pensem no que estudaram a propósito das Constituições
portuguesas. O Constitucionalismo português, o constitucionalismo escrito português, divide-se
basicamente em duas fases: o constitucionalismo liberal e o constitucionalismo social. Claro que
o constitucionalismo liberal não é todo igual, há uma parte que é monárquica, e há uma parte que é
republicana, e o constitucionalismo social também não é todo igual, há uma parte que é
corporativista, há uma parte que é mais tendencialmente socialista ou social, que é o regime atual.
Portanto, o que é que isto quer dizer? Quer dizer que nós temos aqui dois modelos completamente
diferentes e cada um desses modelos corresponde a uma ideia diferente de igualdade. Qual é a ideia
que está patente no primeiro modelo, no modelo liberal? Modelo puramente liberal. Qual é o
modelo que está subjacente à Constituição de 1933 e à Constituição de 1976? O modelo social. O
que é que isto quer dizer? E que implicações é que isto tem em matéria de igualdade? É simples.
Liberal significa o quê? Significa não intervenção do Estado, significa que o Estado não tem
intervenção na economia, significa que os direitos que aparecem na Constituição são direitos
sobretudo omissivos, são sobretudo direitos negativos, eu diria, quase tudo. Olhamos para lá e está
lá o principio da igualdade, mas que igualdade é aquela? Uma igualdade formal e porque é que é
uma igualdade formal? Porque o Estado não tem mecanismos para criar uma eventual igualdade
material. Se o Estado não intervém na economia, se o Estado não interfere na economia, se o Estado
não tem empresas, se a única coisa que se espera do Estado é que seja um Estado que não interfere,
que não intervém, que se limita aos direitos básicos, aos direitos mínimos (direito à vida, direito à
propriedade, direito à liberdade) é evidente que nós quando pensamos na igualdade aquilo é uma
igualdade meramente formal. O que é que nos diz? Todos são iguais perante a lei, bom, a verdade é

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que as pessoas não nascem verdadeiramente iguais, as pessoas nascem diferentes: uns nascem com
património, outras nascem sem património, uns nascem mais esforçados, outros nascem menos
esforçados, uns eventualmente mais dotados intelectualmente, outros porventura menos, uns
nascem com saúde, outros nascem com deficiência, portanto, quando se pensa na igualdade em
sentido formal, uma igualdade liberal, trata tudo isto de forma igual. Qual é o problema? O
problema é que ao fazê-lo não está a contribuir para a igualdade, quanto muito está a contribuir, na
melhor das hipóteses, para a manutenção da desigualdade existente; a pessoa que tem uma
deficiência, ser tratada exatamente da mesma forma que uma pessoa que tem uma saúde perfeita é
evidente que no limite, no fim, o resultado é uma desigualdade.
Portanto, são estas duas perspetivas que temos de considerar. Quando olhamos para a
Constituição de 1933 o que é que ela faz? É uma Constituição intervencionista, é uma Constituição
super intervencionista, é uma Constituição que tem uma parte económica, como nenhuma
Constituição portuguesa tinha tido. Para que serve essa intervenção do Estado? Em bom rigor, e na
maior parte dos casos, para tentar compensar, ou seja, para tentar articular a sociedade de uma
forma diferente, portanto, há intervenção do Estado, há intervenção económica, o Estado tem
instrumentos para tentar corrigir minimamente as situações desiguais. Falamos então de uma
igualdade de natureza material, já não é uma igualdade formal, já é uma igualdade material, já é
uma igualdade substantiva. Aquilo que se pretende através da intervenção do Estado é compensar, é
tentar corrigir, é tentar melhorar as desigualdades à partida existentes, porque elas existem, as
pessoas não nascem iguais, nascem mesmo diferentes. Portanto, quando o Estado intervém, há
varias formas de intervir - há o modelo da constituição de 1933 e o modelo da constituição de 1976;
são completamente diferentes, mas a ideia é basicamente a mesma em termos de igualdade. Quando
pensamos em igualdade há aqui dois paradigmas: paradigma liberal, paradigma em que o Estado é
omisso, paradigma em que o Estado se limita a respeitar a igualdade entre as pessoas, e o
paradigma social, em que o Estado tenta promover essa igualdade, tenta criar essa igualdade, em
cima da desigualdade existente inicialmente. Portanto, a Constituição portuguesa evidentemente
sedia-se nesse segundo grupo. E é por isso que quando olhamos para o artigo 13º se diz que todos
têm a mesma dignidade social, a palavra “social” tem exatamente esse significado, ou seja, as
pessoas não são apenas dignas, não é apenas uma dignidade formal, dignidade social é um
bocadinho mais do que isso, portanto, a Constituição portuguesa, dito isto de outra forma, nasce de
uma forte carga socialista originariamente; em 1976, mesmo em matéria de Direitos Fundamentais,
é uma Constituição com uma influência essencialmente socialista. Essa influência vai diminuindo,
vai desaparecendo, vai-se atenuando, a partir da revisão constitucional de 1989 obviamente houve
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ali uma desmarxização da Constituição, e isso tem efeitos também nos Direitos Fundamentais, mas
essa ideia de solidariedade atravessa a Constituição toda; aliás, está no artigo 1º da Constituição
“Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular
e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”; ficamos esclarecidos logo
com o artigo 1º de que tipo de Constituição é que estamos a falar; a ideia de solidariedade é uma
ideia típica de Direitos Sociais, é uma ideia típica de socialidade, é uma ideia que nos deixa
imediatamente clara a recusa do paradigma liberal. Ou seja, se se quiser adotar uma política liberal
neste país, é muito difícil não chocar com a Constituição. Em matéria de igualdade é uma
Constituição que visa uma igualdade, mas uma igualdade substantiva, uma igualdade material, não
é uma mera igualdade formal. A igualdade é uma utopia, mas podem ser melhoradas as
desigualdades e é esse o projeto da constituição.
Para o fazer é evidente que muitas vezes tem que se tratar situações desiguais de forma
desigual, daí a expressão “igualdade desigualdade”. É necessário discriminar, numa Constituição
como a nossa é absolutamente imprescindível discriminar. Temos que perceber o que é isso da
discriminação, vamos ver isso no nº2, do artigo 13º.
Uma coisa é discriminar positivamente, tentar que situações desiguais se tornem menos
desiguais, tentar que situações desiguais se tornem iguais. Coisa diferente, que está proibido pelo
artigo 13º, é discriminação negativa. Evidentemente há situações de discriminação negativa, não
podem ser feitas, quais são as situações? As mais típicas estão no artigo 13º, nº2, mas não são as
únicas; e depois há situações em que se visa prosseguir a igualdade, essas são possíveis, mas como
é que nós chamamos a isso? discriminação; claro que estamos a discriminar, se nós dizemos, estas
pessoas pagam menos impostos porque têm menos vencimento, isto é discriminação, mas
discriminação positiva; tenta igualizar-se; o objetivo final é a igualização. A discriminação
negativa é a manutenção da situação desigual ou agravamento da situação desigual. A
discriminação é necessária, mas temos que entender que necessária só a discriminação positiva, não
a negativa.

O artigo 13º, nº1 diz que todos são iguais perante a lei, ora bem, o que é que queremos
dizer quando dizemos isto? Perante a lei aqui significa perante o poder; porque qualquer das
funções do Estado tem um dever de igualdade, ou seja, isto é uma indicação a qualquer das funções
do Estado. Parece ser uma indicação antes de mais para a função política, para a função legislativa,
todos são iguais perante a lei, à primeira vista, isto quer dizer que quando se legisla, quando se
criam atos normativos, designadamente, neste caso, lei de natureza política, há uma exigência de
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igualdade, portanto, isto é uma indicação para o legislador ordinário. Agora, evidentemente, não
pode ser uma indicação apenas para o legislador ordinário, para começar tem de ser também uma
indicação para o legislador constituinte, para o legislador constitucional, para o legislador da
revisão constitucional porque é evidente, quando se faz uma revisão constitucional, as pessoas
também têm de ser iguais, têm de ser tratadas também de uma forma igual, portanto, quando se fala
aqui em lei é lei ordinária e lei constitucional.
Quando se pergunta, quem são os destinatários? Quem é que está obrigado? Quem é que
traduz esta igualdade perante a lei? Legislador da revisão constitucional, legislador ordinário, mas
também, administrador, julgador. Pensem, não faria sentido que eu fosse julgado num determinado
tribunal e que houvesse uma discrepância sensível ou até absoluta de critérios em relação a outra
pessoa que é julgada no mesmo tribunal, ou num tribunal ao lado, exatamente com os mesmos
factos, nas mesmas circunstâncias, com as mesmas atenuantes, com as mesmas agravantes, e a
decisão fosse diferente. Portanto, quando se fala em igualdade perante a lei, não é apenas igualdade
perante os atos normativos, não é apenas igualdade perante a normação, não é apenas a igualdade
que tem de ser observada pelo legislador da revisão ou pelo legislador ordinário. Quer a
administração, quer os tribunais têm de estar vinculados ao principio da igualdade. Quando falamos
nesta vinculação, nesta igualdade perante a lei, estamos a falar em qualquer das funções do Estado.
O poder tem que agir, em qualquer caso, de forma igual, com respeito pelo princípio da
igualdade.

Outro aspeto: o nº2 - pergunta-se “Esta norma é taxativa? Esta norma é


exemplificativa?”, há várias posições acerca disto. Porque é que há dúvidas? Porque normalmente
as normas exemplificativas têm uma forma de identificação; o legislador quando escreve tem o
cuidado de escrever “nomeadamente”, “designadamente”, “a saber”, “entre outros”, por aí fora. E é
isso que acontece quando olhamos para os textos internacionais, quando olhamos para preceitos
semelhantes a estes, nós percebemos claramente que aquilo é uma mera referência, é uma mera
exemplificação.
O legislador quando elaborou o artigo 13º, nº2 esqueceu-se disso e de maneira que quando
se olha para ele fica-se com a convicção, à primeira vista, numa interpretação mais imediatista que
de facto estamos perante uma norma taxativa, portanto, serão só aquelas causas. Quando é que não
se pode discriminar? Quando é que está proibida a discriminação negativa? Olha-se para ali e acha-
se que são as causas todas. Não tem sido esse o entendimento da doutrina, a maior parte da doutrina
entende que o preceito é meramente exemplificativo; podem ser aquelas, ou podem ser outras
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semelhantes, podem ser outras próximas, podem ser outras análogas. Há quem entenda que ele é
verdadeiramente taxativo, ou seja, são só aquelas causas e não outras.
Razões para se pensar que ele pode porventura ser taxativo - se não for taxativo, não há
muitas explicações para o facto de já ter sido alterado várias vezes; a última das vezes foi para
introduzir aquele inciso final - orientação sexual - não estava lá. Podemos pensar “se é meramente
exemplificativo porque é que andam a alterar o preceito?”, mas há uma explicação para isso. Torna-
se mais claro, torna-se mais óbvio, torna-se mais evidente, o facto de a norma ter uma dimensão
expressa, portanto, eu diria que este preceito será essencialmente exemplificativo, embora com
todas as alterações que foi sofrendo e com a extensão que tem estão ali praticamente as causas
todas. Este artigo resulta da experiência, resulta de vários artigos que foram sendo escritos ao longo
de vários anos sobre esta matéria.
Agora, o que temos de perceber é, se é meramente exemplificativo, então quais são as outras
situações que podem ser consideradas discriminação negativa não estando lá? Se o artigo é taxativo
é muito fácil, dizemos, são só aquelas e ponto final; se nós dizemos o contrário, dizemos que devem
ser essencialmente aquelas, mas que talvez possa haver mais alguma - temos de ter um critério para
encontrar essa mais alguma. Quando um determinado ato, seja um ato do poder político, seja um ato
do poder administrativo, seja um ato do poder judicial, leva a mais desigualdades, nós estamos
perante uma situação de discriminação negativa; se esse ato, apesar de não estar aí previsto for um
ato que conduz à redução, à limitação, à compressão, à minimização dessa desigualdade, nós
estamos presente de uma discriminação positiva; e não temos nenhum preceito na Constituição que
impeça as discriminações positivas; embora que também tem de haver limites, temos que perceber
isso.
Ora bem, portanto, o critério essencial é este - se o preceito não é taxativo, se o preceito é
apenas exemplificativo, se são apenas um conjunto de situações frequentes, típicas, habituais em
que se quer ver vedada de todo essa discriminação então temos que encontrar outras situações, ou
quando as encontramos temos de as saber qualificar. O critério é o critério do resultado final; se se
chega a mais desigualdade é uma discriminação negativa; se for o contrário, se apesar de tudo
a situação se tornar mais benéfica, é discriminação positiva.

Perguntar-se-á, e não há limites? Não há limites para a discriminação positiva? É que a


discriminação positiva parece uma ideia simpática. Se se for longe de mais é evidente que isso pode
ter efeitos perversos; por exemplo, a questão dos impostos e a questão da propriedade, o que é que
acontece com os impostos? Nós podemos dizer: nós vamos tornar as pessoas todas iguais, mas
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todas iguais como? Vão passar todas a ter o mesmo rendimento no fim do mês. Então como é que
nós fazemos? Simples, subimos os impostos, acabamos com os impostos de certas pessoas, as
pessoas que ganham pouco deixam de pagar impostos e as pessoas que ganham mais passam a
pagar 80/90/95% de impostos. Chegamos à igualdade, só que temos aí um pequeno problema,
damos cabe do direito de propriedade, porque alguém que recebe um vencimento e depois 99% de
impostos são para o Estado, é capaz de não ficar contente com essa ideia de discriminação positiva.
Quem recebe fica contente, podem nem trabalhar que recebe um subsidio que lhe resolve os
problemas no fim do mês.
Nós temos de perceber que há sempre um outro lado da igualdade; se levarmos demasiado
longe essa procura pela igualdade, se levarmos essa ideia até ao limite dos limites é evidente que
isso pode eventualmente pôr em causa outros direitos. O meio termo é tentar dar às pessoas
condições/oportunidades iguais, são coisas diferentes. Com as oportunidades iguais as pessoas
podem fazer coisas diferentes; agora, diverso disso é dizer que chegando ao fim o resultado é
exatamente o mesmo.

Outro aspeto: a Constituição não se refere apenas à igualdade no artigo 13º. Há vários
preceitos ao longo da Constituição que se referem à igualdade. Dir-se-á, mas não é suficiente? Em
rigor era, ou seja, se a Constituição só tivesse um artigo 13º, não tivesse um preceito sobre a
igualdade das pessoas no trabalho, por exemplo, o artigo 13º era suficiente para resolver esse
problema. De um lado temos, principio da igualdade no artigo 13º e depois temos direitos de
igualdade. Qual é a diferença? Os direitos, como nós vamos ver, para serem direitos, verdadeiros
direitos, direitos subjetivos, têm que estar caracterizados, têm que estar especificados, têm de estar
tipificados e nós encontramos esses direitos ao longo da Constituição; em múltiplos domínios
encontramos a expressão “igualdade” - são especificações, são desenvolvimentos, são
aprofundamentos. O artigo 13º é o principio da igualdade, tem uma natureza mais abrangente,
menos densificada, menos caracterizada.

A nossa Constituição tem uma preocupação evidente com a igualdade formal, porque é
o pressuposto, é a base da base, mas depois tem a extensão social, e tem várias dimensões.

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IV

Os princípios vistos anteriormente são comuns a todos os Direitos Fundamentais, a partir


daqui vamos ver outros que não têm esta característica.
O princípio da proporcionalidade não tem um artigo especifico, mas ele está expresso na
Constituição, o que não tem é um preceito autónomo, um preceito expresso como o que temos para
efeito da universalidade e da igualdade.
Encontramos o princípio da proporcionalidade a propósito de determinados assuntos que a
Constituição trata e que são especialmente relevantes nesta matéria. Que assuntos são? Aquilo que
nós chamamos os condicionamentos dos Direitos Fundamentais. Vamos encontrar este princípio,
sobretudo, a propósito da restrição dos Direitos Fundamentais, a propósito da suspensão Direitos
Fundamentais, que são duas formas de afetação, duas formas de compressão dos Direitos
Fundamentais, são duas formas de condicionamento dos Direitos Fundamentais.
A ideia é esta, podem-se restringir, mas de acordo com o princípio da
proporcionalidade. Podem-se suspender direitos, mas de acordo com o princípio da
proporcionalidade. Desta forma, vamos encontrar este princípio consagrado expressamente quer
no artigo 18º, quer no artigo 19º, mas a propósito de outros institutos, a propósito de outras
matérias.
Mas há uma outra diferença que é esta: os artigos 12º, 13º e 15º da Constituição, reportam-
se aos direitos, não há qualquer referência ao tipo de direitos, quaisquer Direitos Fundamentais,
todos os Direitos Fundamentais, a partir daqui nós vamos encontrando sucessivamente princípios
que dizem sobretudo respeito a um tipo de Direitos Fundamentais que são os Direitos, Liberdades e
Garantias. Ou seja, quando nós procuramos normas sobre a proporcionalidade na Constituição, nós
encontramos, essencialmente, normas relativas a Direitos, Liberdades e Garantias.
E em relação aos Direitos Sociais? O caminho é bastante mais complexo, mas veremos isso
mais à frente quando estudarmos o regime dos Direitos Sociais. Por agora, fica apenas a ideia que o
princípio da proporcionalidade, tal como está enunciado na Constituição, expressamente,
explicitamente, sem necessidade de grande interpretação, está enunciado a propósito apenas dos
Direitos, Liberdades e Garantias (artigo 18º e 19º).

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Porque é que um princípio como este é sobretudo relevante em sede de condicionamento?


Quando está em causa a compressão dos Direitos Fundamentais? Quando está em causa a afetação
dos Direitos Fundamentais?
Os Direitos Fundamentais têm uma tendência absolutamente incontornável, ou
absolutamente inata para se sobreporem uns aos outros, ou seja, se nós exercermos ou tentarmos
exercer um Direito Fundamental em toda a sua extensão, se o fizermos de uma forma absoluta, ele
vai impedir o exercício de outros direitos. Se pensarmos, por exemplo, na liberdade de expressão,
mas se nós não criarmos qualquer tipo de restrições a essa liberdade de expressão, a liberdade de
expressão vai seguramente afetar outro direito e afetá-lo na totalidade - vai afetar um direito à
integridade moral, ou a sua honra, ou a sua imagem, por hipótese. Portanto, a liberdade de
expressão, obviamente, é um direito importante, mas não é um direito absoluto. Então o que é que
tem de se fazer? Tem de ser limitado, condicionado, de maneira a que outros direitos sobrevivam, a
que outros direitos não sejam postos em causa.
Quando pensamos em proporcionalidade é disto que estamos a falar. Nós vamos limitar um
direito, nós vamos condicionar um direito, nós vamos suspender um direito, mas é bom que o
façamos de uma forma razoável, de uma forma proporcional, ou seja, que não o façamos para além
daquilo que é necessário, ou que não o façamos quando nem se quer é necessário.
Quando o vamos fazer a primeira coisa que temos de perguntar é se é necessário,
proporcionalidade implica antes de mais uma ideia de necessidade; se for necessário, exige-se
que a solução que é adotada seja uma solução apta a prosseguir o resultado que nós pretendemos,
diz-se que a solução que for encontrada, tem de ser proporcional porque não vale a pena estarmos a
condicionar um direito, supostamente para beneficiar outro, e depois não chegarmos a beneficio
nenhum. A forma que adotarmos, dentro dessa proporcionalidade, deve ser sempre a forma menos
gravosa, deve ser a forma menos lesiva, deve ser a forma menos invasiva de outro direito; é
necessário limitar um direito, mas o mínimo, só se deve ir até onde é indispensável. Finalmente, o
último aspeto é o seguinte, depois de vermos tudo isto temos de fazer uma análise, ou seja, para
vermos de facto se há proporcionalidade; podemos chegar à conclusão que as desvantagens, ainda
assim, são superiores às vantagens, ou então são praticamente equivalentes e, assim, não há
proporcionalidade, temos que fazer o caminho de volta.
Por isso é que o principio da proporcionalidade tem uma excecional importância, reparem, a
suspensão é rara, muito rara, ou até inexistente, em Portugal desde 1976 nunca foram suspensos
Direitos Fundamentais, mas o artigo 19º da Constituição está em vigor evidentemente. Quando se

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legisla sobre Direitos Fundamentais, quando se fazem leis sobre Direitos Fundamentais, elas são
também restritivas, não é possível fazer de outra forma.
Ora bem, se isto é assim tão habitual, é evidente que este princípio ganhe uma importância
absolutamente essencial, ou seja, tudo tem de ser feito de acordo com o princípio da
proporcionalidade.
Nós estamos a falar dos dois condicionamentos que estão na Constituição, expressamente
previstos, mas há mais, estamos a falar destes dois porque são a partir destes que a Constituição fala
expressamente em proporcionalidade.

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O princípio da confiança. A expressão “confiança”, neste contexto, é sobretudo uma


manifestação no domínio dos Direitos Fundamentais num princípio mais amplo; o princípio da
confiança é o princípio da segurança, ou seja, o direito tem dois valores básicos como parâmetros: a
justiça, mas sem descurar do valor da segurança.
Agora temos a mesma dificuldade: o princípio da confiança na Constituição, a propósito dos
Direitos Fundamentais, está sobretudo referido em sede de Direitos, Liberdades e Garantias.
Onde é que encontramos uma referência manifesta deste princípio da confiança? Designadamente,
no artigo 18º, nº3 - “as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir caráter
geral e abstrato e não podem ter efeito retroativo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo
essencial dos preceitos constitucionais.”, quando falamos em retroatividade é evidente que estamos
a falar na tutela da confiança, estamos a falar de um princípio de segurança. O princípio da
confiança traduz-se, em primeiro lugar, na exigência de não retroatividade das leis relativas a
Direitos Fundamentais.
É no artigo 18º, a propósito dos Direitos, Liberdades e Garantias que nós encontramos este
princípio. Como é que nós faríamos em relação aos Direitos Sociais? Parece chocante dizer que os
Direitos Sociais podiam ser retroativos, parece ser aquilo que resulta da Constituição, mas como nós
vamos ver a propósito do regime, é difícil nós fazermos uma leitura tão literal da Constituição. Os
Direitos Sociais podem nem existir na Constituição, podem não existir na lei ordinária, mas ainda
assim, a partir do momento em que existam geram, naturalmente, a criação de expectativas no
sentido da sua continuação, no sentido da sua aplicação seria absurdo que, porventura, pudessem ser
restringidos retroativamente. Aí sim, muito provavelmente, para resolvermos este problema
consideraremos o princípio geral da não retroatividade das normas.

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VI

Princípio da responsabilidade. As entidades públicas, aliás, como as entidades privadas,


embora mais mitigadamente, nos termos do artigo 18º da Constituição, estão vinculadas aos
Direitos Fundamentais, concretamente, aos Direitos, Liberdades e Garantias. Isto significa que têm
de agir de acordo o princípio da legalidade, com o princípio da constitucionalidade, etc.
Agora, o direito pode ser violado, ou seja, o Estado, em princípio, está vinculado a um
princípio de legalidade e de constitucionalidade, mas podem haver violações de normas jurídicas.
Se há violação de normas jurídicas, num Estado de Direito, o direito pode não ser cumprido, mas
isso tem consequências, implica a existência de sanções, implica responsabilização. Ora bem, é isto
que trata o artigo 22º da Constituição, responsabilidade civil do Estado e de outras entidades
públicas, significa que se forem postos em causa Direitos, Liberdades e Garantias, o Estado está
obrigado a responder e não é só o Estado, outras pessoas coletivas também.
Quando olhamos para o artigo 22º vemos que a responsabilidade pode não ser diretamente,
ou exclusivamente imputada aos funcionários ou agentes - isto quer dizer que o Estado, caso o seu
funcionário ou o seu agente não tenha património, por hipótese, responde e depois há aquilo que nós
chamamos de direito de regresso, ou seja, no sentido da proteção daqueles que são lesados não se
vai fazer depender a responsabilização da existência ou não de património por parte do funcionário
que provocou esse ato lesivo de um Direito, Liberdade e Garantia, ou, eventualmente, dano de outro
tipo de direito.

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VII

O princípio da proteção traduz-se na tutela, traduz-se em garantias. Às vezes esse princípio


também designado por princípio da tutela jurisdicional efetiva, mas é um erro, porque a tutela
jurisdicional é apenas uma parte da tutela; a proteção não se reduz aos tribunais, não se reduz à
intervenção dos tribunais, portanto, a designação que o artigo 20º usa não é uma designação muito
feliz. É evidente que aquilo é apenas a epígrafe, e as epígrafes não vinculam os intérpretes, mas de
qualquer das maneiras é uma epígrafe um pouco errónea porque o princípio da proteção traduz-se
no acesso aos tribunais, seguramente, mas também no acesso ao Direito, é muito mais amplo.
(Vamos estudar isto mais pormenorizado depois de estudarmos o regime).

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VIII

Em relação aos regimes constitucionais, usar esta expressão no plural é discutível porque
podemos dizer que há três tipos de direitos na Constituição, ou seja, os Direitos, Liberdades e
Garantias, os direitos de natureza análoga e os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, por isso, a
estes três tipos de direitos corresponderiam três tipos de regimes, mas não correspondem.
Na Constituição, na verdade, só há um verdadeiro regime que é o regime dos Direitos,
Liberdades e Garantias, ou seja, quando falamos em regimes pensamos num conjunto de normas,
num conjunto de regras, num conjunto de regulações, num conjunto de disposições que tratam dos
principais problemas atinentes a esse domínio, neste caso, o domínio dos Direitos, Liberdades e
Garantias. Esse conjunto de normas, esse conjunto de regulações, esse sistema relativo aos direitos
só existe para os Direitos, Liberdades e Garantias, porque se estivermos a pensar nos direitos de
natureza análoga, eles têm exatamente o mesmo regime; são análogos porque têm uma natureza
semelhante e consequentemente têm o mesmo regime. É o regime dos Direitos, Liberdades e
Garantias e por extensão, por força do artigo 17º, o regime também dos direitos de natureza
análoga. A Constituição enuncia os Direitos, Liberdades e Garantias e atribui-lhes um regime (por
exemplo: artigos 18º; 19º; 288º, al. d); 165º, nº1, al. b)).
Podemos também dizer que há outro regime para os Direitos Sociais, mas eles não têm
de facto regime. Por exemplo, não temos resposta se perguntarmos se é possível restringir,
suspender ou eliminar um Direito Social na revisão constitucional, ou até quem é que tem
competência para regular os Direitos Sociais, se têm aplicabilidade direta ou se vinculam.
Isto tem um problema - é que os Direitos Sociais estão enunciados na Constituição,
portanto, se eles existem têm de ter algum regime, mas temos de ser nós, interpretes, a criá-lo
porque ele não está explicito na Constituição. Podíamos limitarmo-nos a dizer que é o regime
oposto ao dos Direitos, Liberdades e Garantias, e em parte é o regime oposto, mas não pode ser na
totalidade o regime oposto porque isso leva a conclusões absurdas, por exemplo, levava-nos à
conclusão que os Direitos Sociais podiam ser restringidos retroativamente, levava-nos à conclusão
que os Direitos Sociais podiam ter natureza concreta ou individualizada, ou seja, seriam direitos
nomeados para as pessoas pela própria lei (absurdo). Portanto, o regime é diverso, é contraposto na
maior parte dos casos, mas não se pode dizer que é totalmente contraposto.

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Aspetos do regime dos Direitos, Liberdades e Garantias.


O primeiro aspeto é o da aplicabilidade direta (artigo 18º, nº1). O segundo aspeto é a
vinculação das entidades públicas e também das entidades privadas (artigo 18º, nº1). Um dos
condicionamentos mais importantes é a restrição (artigo 18º, nº2 e 3º). Suspensão (Artigo 19º).
Auto tutela (artigo 21º). Competência legislativa, tipicamente reserva relativa (artigo 165º, nº1, al.
b). Questão da rigidez, ou seja, a suscetibilidade ou não de eventual revisão constitucional de
Direitos, Liberdades e Garantias (artigo 288º, al. d)).

O que é que significaria, teoricamente, aplicabilidade direta? Em princípio que os Direitos,


Liberdades e Garantias recorreriam diretamente da Constituição, tinham uma aplicabilidade
imediatamente da Constituição, ou seja, dispensariam a lei ordinária, porque se são aplicáveis
diretamente da Constituição, imediatamente por força da Constituição, então mesmo que não
existisse lei ordinária era possível invocar estes direitos e era possível exigir a respetiva observância
junto dos tribunais.
É necessário entender que o conceito de aplicabilidade direta é relativo, é meramente
indicativo porque, em rigor, mais ou menos, todos os direitos exigem uma intervenção do
legislador ordinário. Por exemplo, o direito à vida tem aplicabilidade direta; diz que “a vida
humana é inviolável”, e ainda acrescenta que é proibida a pena de morte, no entanto, se não
houvesse lei ordinária, se não houvesse um código penal, se não houvessem sanções para condutas
criminosas, é evidente que só com o artigo 24º não íamos longe. Portanto, a ideia de aplicabilidade
direta está na Constituição basicamente para distinguir estes direitos em relação aos Direitos
Sociais. Os Direitos Sociais não têm aplicabilidade direta, mas precisam sempre de lei ordinária.
Por exemplo, o direito de sufrágio - não se pode exercer sem uma lei eleitoral.

Questão da vinculação. Existe a vinculação das entidades públicas e a vinculação das


entidades privadas.
Em relação às entidades públicas, na verdade, esta parte do artigo 18º é quase inútil.
Estamos num Estado de Direito, a Constituição afirma o Estado como um Estado de Direito, e se é
um Estado de Direito, é um Estado obediente ao Direito. No artigo 2º diz-se que o Estado se
conforma e se submete à Constituição (princípio da constitucionalidade); diz-se também que os atos
da administração obedecem ao princípio da legalidade. Portanto, se é assim, é evidente que, sendo
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os Direitos, Liberdades e Garantias, Direito, e estando o Estado submetido ao Direito, é evidente


que bastaria o princípio da constitucionalidade, bastaria o princípio da legalidade para dispensar
essa parte do artigo 18º. Mas ela tem uma razão para estar lá; a razão é, de novo, a diferenciação
em relação aos Direitos Sociais. Os Direitos Sociais não vinculam, ou se vinculam, vinculam
minimamente; neste caso, a vinculação é total, ou seja, o Estado (e todas as suas funções), é
estritamente obrigado ao cumprimento dos Direitos, Liberdades e Garantias. Já os Direitos Sociais
estão dependentes de decisão política, estão dependentes da existência de recursos financeiros, por
exemplo.
Em relação às entidades privadas, existem algumas dificuldades. Quando se fala em
entidades privadas pensamos em pessoas coletivas, mas estamos, sobretudo, a falar em indivíduos.
É evidente que a vinculação não pode ser tão estrita, não pode ser tão extensa, porque se fosse tão
extensa e estrita como existe para as entidades públicas, fazia desaparecer um outro princípio
importante, em sociedades liberais, fazia desaparecer o princípio da autonomia da vontade.
Imaginem o que é que seria um princípio da igualdade, por hipótese, aplicado na integra aos
direitos dos cidadãos, em termos de vinculação. Isso significava, por exemplo, se eu quiser fazer
uma contratação, se tiver uma empresa, significa que eu tinha obrigatoriamente de abrir um
concurso público em nome do princípio da igualdade.
A estrita vinculação das entidades públicas não se pode estender da mesma forma às
entidades privadas, mas há aspetos em que se pode fazer. Exemplo: eu estou vinculado a
observar o direito à vida dentro desta sala da mesma maneira em que está o Estado. A vinculação
não pode ser só dos entes públicos, tem também de ser dos privados, mas tem limites, não pode ser
uma vinculação total. Não é uma vinculação total quando prevalece a autonomia das pessoas, a
autonomia da vontade. Há determinados Direitos, Liberdades e Garantias aos quais temos de
estar vinculados, mas há outros em relação aos quais tem de prevalecer a dimensão privada.
Costuma-se fazer também a seguinte distinção. Vinculam as entidades privadas,
sobretudo, quando essas entidades privadas têm um estatuto diferente de outras entidades
privadas. Por exemplo, uma sociedade multinacional tem muito mais poder que uma Junta de
Freguesia, só que a Junta de Freguesia é um ente público, está totalmente vinculada, e a empresa
multinacional é privada. A sociedade multinacional pode, de facto por em causa os Direitos,
Liberdades e Garantias em maior grau, de uma forma mais vincada do que um ente público,
portanto, se um dos sujeitos tem muito mais poder do que o outro, então o regime é parecido com
aquele que existe para as entidades públicas. Tratando-se de uma entidade que tem poder,

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mesmo sendo um poder privado, esse poder tem semelhanças com o poder que pode ter uma
entidade pública.

Questão da restrição. A maior parte das leis sobre Direitos, Liberdades e Garantias são
simultaneamente leis restritivas de Direitos, Liberdades e Garantias. Para regular qualquer
direito, ao mesmo tempo que se enunciam as faculdades desse direito, enunciam-se também as
limitações. As limitações quando são feitas através da lei têm o nome de restrições. É um mal
necessário porque se os direitos forem todos exercidos na sua totalidade colidem uns com os outros.
“Condicionamento”, significa que o direito é de alguma forma diminuído, ou através de
uma diminuição do gozo do direito, ou através de uma diminuição do exercício do direito.
Há uma diferença entre limite e restrição. Se estamos a falar de restrição estamos a falar de
um condicionamento no plano da lei ordinária, a restrição é um condicionamento feito em sede
infra-constitucional (abaixo da Constituição); a expressão “limite” deve ser reservada para outro
tipo de condicionamento, é o condicionamento que precede este, ou seja, está na própria
Constituição - é a própria Constituição que o faz. A diferença essencial é a fonte.
Ainda pode haver outra dimensão subsequente à restrição. Vamos imaginar que o legislador
constitucional não tratou das questões que poderia ter tratado, portanto, não introduziu limites ao
Direito; vamos imaginar também que o legislador ordinário embora pudesse fazê-lo não fez
restrições. O que pode acontecer é um choque entre direitos, o problema ficou por resolver. Só
nestas situações é que devemos utilizar a expressão “colisão”. Perante esta situação utilizamos um
método, que iremos estudar mais à frente, denominado de ponderação.

Artigo 18º - Força Jurídica (análise)


A restrição é um condicionamento de Direitos, Liberdades e Garantias, mas feita pelo
legislador ordinário. Essa restrição atentas as características dos Direitos, Liberdades e Garantias é
frequente, ao contrário da suspensão; em Portugal nunca aconteceu a suspensão de direitos.
Na formação desta Constituição houve um especial cuidado para que através da restrição
não se eliminassem os direitos na prática. Neste sentido, há um conjunto de requisitos que têm de
ser cumpridos: a restrição só pode ser feita para salvaguarda de outros direitos, a restrição só pode
ser feita em obediência ao princípio da proporcionalidade, a restrição não pode ser retroativa, a
restrição não pode ser concreta, não pode ser individual, e a restrição, sobretudo, tem que
preservar (princípio da essencialidade) aquilo que é nuclear do Direito, ou seja, não se pode

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retirar tudo do Direito e deixar uma aparência de Direito na Constituição; a parte básica do Direito
tem que ficar mesmo que haja restrição.
Pelo nº3, sabe-se que os Direitos, Liberdades e Garantias não podem ser restringidos por
atos da função administrativa. Quando se fazem restrições de Direitos, Liberdades e Garantias a
forma tem de ser de lei da Assembleia de República ou decreto-lei autorizado do Governo (art.
165º, nº1, al.b)). Quem tem competência para legislar, tem competência também para revogar;
quem tem competência para legislar e para revogar, tem competência para interpretar; quem tem
competência para interpretar, tem competência para integrar; e quem tem competência para legislar,
em termos gerais, e para revogar, tem competência para restringir.
As regiões autónomas não podem fazer atos legislativos/decretos legislativos regionais
restritivos de Direito, Liberdades e Garantias. Assim como não podem legislar sobre Direitos,
Liberdades e Garantias. Podem legislar sobre Direitos Sociais. Isto significa que quando se faz
restrição tem de haver intervenção da Assembleia da República.

Questão da suspensão. Artigo 19º - Suspensão do exercício de direitos (análise)


Algumas diferenças entre restrição e suspensão:
• A restrição é parcial; a suspensão pode ser total, só vai se for necessário. As duas
regem-se pelo princípio da proporcionalidade, a diferença é que na suspensão pode-
se ir até aos 100%.
• Todos os direitos são suscetíveis de restrição; para a suspensão há direitos que
são insuscetíveis de serem suspensos.
• A restrição tem vocação para a permanência; a suspensão é necessariamente
transitória, tem uma duração curta.

Situações típicas para efeito de estado de sitio (mais greve) ou estado de emergência
(menos grave):
• Calamidade natural;
• Invasão por forças estrangeiras;
• Grave crise constitucional.
Quem toma a decisão final sobre a matéria da suspensão de direitos é o Presidente da
República. A forma que toma a declaração de estado de sitio ou de emergência é de decreto

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presidencial. A Assembleia da República tem de autorizar e o Governo tem de ser ouvido (art.
138º). A suspensão é tão importante que os órgãos de soberania políticos têm de intervir.

Razões para a suspensão de direitos:


• Proteção da segurança;
• A razão principal é o retorno à normalidade.

Questão da renúncia. É uma afetação de direitos, um condicionamento de direitos, uma


compreensão de direitos. Enquanto todas as outras são hetero-condicionamentos, aqui temos um
auto-condicionamento. É uma afetação que ocorre por vontade do próprio titular do direito, ou
seja, é o próprio titular do direito a renunciar a ele.

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IX

Questões competênciais, ou seja, quem é que tem competências para regular este tipo de
matérias, e as questões relativas à revisão da Constituição, ou seja, se é possível em sede de revisão
constitucional a supressão de Direitos, Liberdades e Garantias, e se não for possível a supressão, se
é possível algum outro tipo de condicionamento.

Em relação ao regime dos Direitos, Liberdades e Garantias, visto a questão da aplicabilidade


direta, vista a vinculação das entidades publicas e privada, analisadas as questões relativas aos
limites, as restrições e as suspensões, gostaríamos agora de saber qual é o regime em matéria de
competência, qual o regime orgânico dos Direitos, Liberdades e Garantias. É simples, a regra é a
reserva relativa da Assembleia da República, ou seja, quem é que revoga, quem é que legisla
sobre Direitos, Liberdades e Garantias, quem é que integra lacunas, quem é faz restrições? A
resposta é sempre a mesma, em regra, a Assembleia da República em sede de reserva relativa, o que
significa que é da competência da Assembleia da República, mas se a Assembleia da República
assim o entender, se quiser livremente fazê-lo, pode autorizar o Governo a legislar sobre matérias
(artigo 165º, nº1, al.b) - CRP). Agora, porquê que se diz que é a regra? Porque nós temos de
perceber que há matérias que estão no artigo 164º e há outras que estão no artigo 165º, portanto,
para efeitos de casos práticos, nós nunca podemos presumir que o artigo aplicável é o 165º.
Primeiro passa-se pelo artigo 164º e vê-se as matérias todas dele, depois vamos ao artigo 165º ver
se a matéria está em alguma alínea que não seja a al.b), e no fim, residualmente, é que vamos à al.b)
do art. 165º.

Falta-nos, então, ver os aspetos relativos à revisão constitucional. Os Direitos, Liberdades e


Garantias podem ser eliminados da Constituição? Podem ser editados? Podem ser acrescentados?
Começando pelo fim, acrescentados podem, em circunstâncias normais não há nada que impeça um
acréscimo de Direitos, Liberdades e Garantias. Questão diferente é se podem surgir mais umas
centenas ou mais uns milhares, e isso não, pois iria causar um conjunto de restrições
indeterminável. Agora, o problema essencial não é este, não é o que diz o artigo 288º. O artigo 288º
diz que as leis de revisão constitucional devem observar os Direitos, Liberdades e Garantias, devem
respeitar aqueles que existem. Aqui há duas formas de interpretar isto: umas das formas é mais
rígida, devem observar, que significa que não podem pôr de maneira nenhuma em causa esses
Direitos, Liberdades e Garantias. Uma forma menos rígida é dizer: “então e restringi-los, não
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podem?”. A resposta aos poucos foi-se tornando mais ou menos consensual, ou seja, quase todos
aceitam que é possível fazer limites, e porquê que isto acontece? Porque diz-se se é possível ao
legislador ordinário fazer restrições, nos termos do artigo 18º, nº2, seria absurdo que o legislador
constituinte não pudesse fazer limites, portanto ele pode fazê-lo.

O professor, nesta matéria, defende que é possível suprimir Direitos, Liberdades e Garantias,
da mesma forma que é possível acrescentá-los, desde que se mantenha um nível elevado de Direitos
Fundamentais, neste caso, de Direitos, Liberdades e Garantias, pois são um aspeto muito importante
da Constituição. Portanto, o professor concorda com a supressão dos Direitos, Liberdades e
Garantias, pois há direitos que vão perdendo relevância, e concorda que se acrescente novos direitos
que vão ganhando relevância.

No entanto, o professor não concorda em colocar o legislador ordinário e o legislador


constituinte no mesmo nível/patamar, pois um tem apenas poderes ordinários, e o outro tem poderes
constituintes. Não faz sentido colocar o Governo no mesmo patamar que um legislador constituinte.

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Porquê que existem direitos de natureza análoga na Constituição? A resposta é simples,


pela incompetência do legislador constituinte. Porque é que isso aconteceu? Aconteceu porque a
Constituição foi feita num contexto revolucionário, num contexto extraordinariamente acidentado.
E, portanto, quando as coisas são feitas nesse quadro, o resultado raramente é brilhante, e no caso
da Constituição de 1976 é um caso paradigmático, que era impossível de interpretar, mas depois foi
melhorando aos poucos. Mas a parte dos Direitos Fundamentais deixou uma marca terrível na
Constituição. Qual é a marca? É que para além dos direitos que estão dentro do catálogo dos
Direitos Fundamentais, há muitos outros mais que estão fora. Quando se começou a perceber foi
preciso arranjar uma solução, e arranjou-se, criou-se os direitos de natureza análoga, criou-se o
artigo 17º da Constituição, no entanto o artigo não diz muito.

Agora, analogia em que sentido? Análogos em quê? É evidente que se nós partimos dos
Direitos, Liberdades e Garantias, percebemos que temos de saber o que é um Direito, Liberdade e
Garantia e vermos se há outros parecidos. Portanto, a analogia com os Direitos, Liberdades e
Garantias leva-nos a partir dos Direitos, Liberdades e Garantias. Portanto, temos de nos perguntar:
O que são Direitos, Liberdades e Garantias? Que características têm? E depois vamos, pela
Constituição fora, artigo por artigo, tentar encontrar direitos que tenham características parecidas
com aqueles que identificamos primeiro para os Direitos, Liberdades e Garantias.

Só há um pequeno problema, é que a Constituição quando define os Direitos, Liberdades e


Garantias, infelizmente, não cria uma categoria homogénea. Porque é que não cria? Porque
Direitos, Liberdades e Garantias não são só Direitos Pessoais e Políticos, também lá está uma parte
referente dos Direitos do Trabalho, portanto, existe uma parte dos Direitos, Liberdades e Garantias,
mas também uma parte de Direitos Sociais, portanto, há de todos os tipos, e daí surge o problema
do artigo 17º, que apenas nos diz para fazer analogia. Temos, então, o problema. Temos uma
categoria heterogénea, embora predominantemente, sejam Direitos, Liberdades e Garantias
(predominantemente são pessoais), mas que estão um pouco contaminados pelos Direitos Sociais.
Portanto, é a partir daquela base, que é uma base heterogénea, em que há vários tipos de direitos, é
daquilo que nós temos de partir para a analogia. E esta é a razão das diferentes listas de direitos de
natureza análoga dos diferentes autores.

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No entanto, normalmente, quando procuramos direitos de natureza análoga, procuramos


direitos com tipicamente duas características: primeira é a natureza negativa, ou seja, vamos
sobretudo à procura de direitos omissivos. A segunda, é que têm de ser direitos com
determinabilidade.

Mas ainda há outro problema. Onde é que estão esses direitos de natureza análoga?
Primeiro, não podem estar dentro dos próprios Direitos, Liberdades e Garantias, como é obvio.
Agora, quando chegamos à parte dos Direitos Sociais podíamos dizer o mesmo, mas o problema é
que há, uma parte dos direitos de natureza análoga que são, aparentemente, Direitos Sociais,
exemplos disso são o direito à propriedade privada, artigo 62º. Esta não tem nada de direito
positivo, mas está na parte dos Direitos Sociais, no entanto, tem o regime dos Direitos, Liberdades e
Garantias, sendo um direito de natureza análoga.

Voltando um pouco atrás, então onde estão os direitos de natureza análoga?


Maioritariamente fora do catálogo dos Direitos, Liberdades e Garantias e dos Direitos Sociais, no
entanto, excecionalmente, também há alguns que também estão dentro dos Direitos Sociais,
portanto, eles são formalmente Direitos Sociais, mas materialmente Direitos de Liberdades. Qual é
o regime que se aplica? Simples, o regime dos Direitos, Liberdades e Garantias.

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XI

A Constituição, a propósito dos Direitos Fundamentais, trata determinado tipo de questões


em termos genéricos, ou seja, trata para todos os Direitos Fundamentais, é o que acontece com os
princípios. A Constituição não faz nenhuma diferenciação entre Direitos, Liberdades e Garantias e
Direitos Económicos, Sociais e Culturais. A única diferenciação somos nós que a fazemos.

Os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, como são direitos diferidos, como são
direitos que implicam uma intervenção do legislador ordinário, no momento em que o legislador
ordinário intervém, evidentemente intervém a partir do princípio da igualdade e do princípio da
universalidade, mas só nesse momento. Portanto, os princípios são os mesmos, mas no caso dos
Direitos, Liberdades e Garantias, a funcionar diretamente, em razão da aplicabilidade direta desses
direitos, e os outros (Direitos Económicos, Sociais e Culturais), de uma forma diferida, a funcionar
a partir do momento em que a lei ordinária a regula. Portanto, em relação a esses dois princípios não
há grandes dúvidas.

Em relação ao princípio da tutela, vamos ver que o artigo 20º não é exclusivo dos Direitos,
Liberdades e Garantias. Agora, a partir daí, todos os outros princípios parecem ser referentes apenas
aos Direitos, Liberdades e Garantias. Não se fala em princípio da proporcionalidade para os Direitos
Económicos, Sociais e Culturais. O princípio da confiança a mesma coisa.

Todos esses princípios que nós fomos identificando, uma parte, só são diretamente
aplicáveis aos Direitos, Liberdades e Garantias, não aos Direitos Sociais. Então qual é o problema?
Imagine-se que num caso prático temos uma restrição a um Direito Social, qual é o regime? Artigo
18º? Artigo 19º? Revisão Constitucional, artigo 288º, al. d)? Aplicabilidade direta? Vinculação das
entidades privadas? Não. Portanto, tudo aquilo que encontramos para o regime dos Direitos,
Liberdades e Garantias, não é diretamente aplicável aos Direitos Económicos, Sociais e Culturais.
Então qual é o regime deles? A Constituição resolveu fazer disso um mistério. Não há um mínimo
entendimento da doutrina.

Vamos ver isto por fases. A questão da aplicabilidade direta, primeira coisa vista no regime
dos Direitos, Liberdades e Garantias (artigo 18º, nº1). Estes direitos não têm aplicabilidade direta, é
uma coisa das diferenças essenciais entre uns e outros. Já sabemos que os Direitos Económicos,

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Sociais e Culturais não têm essa característica, eles não estão suficientemente determinados, são
direitos ainda muito vagos, e a respetiva determinação só vai puder fazer-se a partir da lei ordinária.
Daí o artigo 18º, nº1 não ser utilizado para estes direitos, eles não têm aplicabilidade direita.

Agora, a questão da vinculação. É evidente que os Direitos Fundamentais, todos eles, estão
previstos na Constituição. Mas uma coisa é estarem referidos/previstos, outra coisa é a partir da
Constituição vincularem as entidades públicas. Nós já sabemos que isso não acontece. E porquê?
Vimos que os Direitos Económicos, Sociais e Culturais são direitos que englobam somas elevadas,
danos elevados, implicam recursos económicos alargados, e, portanto, não há milagres, ou o Estado
tem dinheiro ou não tem dinheiro. Se não tiver dinheiro, obviamente, não pode negar os Direitos,
Liberdades e Garantias, mas pode negar os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, ou então
concretizá-los, mas de uma forma mínima, não os concretizar na totalidade. Portanto, é evidente que
não se pode dizer que eles são vinculativos, e por isso mesmo, muitas vezes, se diz que não estamos
perante direitos, porque os direitos são vinculativos, são obrigatórios, e estes não, são apenas uma
“miragem de direitos” na opinião do professor. E, portanto, se ainda não são direitos e se o
legislador pode não os realizar, ou só minimamente, é evidente que não há vinculação.

Quanto à restrição, a questão é, porquê que o regime da restrição do artigo 18º, nº2 e nº3
não é aplicável aos Direitos Económicos, Sociais e Culturais? A resposta direta é: porque a
Constituição não quis, porque a Constituição não o prevê. Então, mas os Direitos Sociais não
precisam de ser restringidos? Não podem chocar uns com os outros? Podem, mas como? No
momento em que eles são desenhados, eles podem ser desenhados de uma tal forma que nem sequer
impliquem restrições, ou seja, aquilo que a Constituição faz para os Direitos, Liberdades e
Garantias, na própria Constituição, que é o desenho do direito, no caso dos Direitos Económicos,
Sociais e Culturais, tudo isso é feito pela lei. Portanto, se o legislador pode nem sequer consagrar
direitos, ou se pode consagrar direitos minimalistas económicos, sociais e culturais, tem de se
admitir também a restrição pode ser tão ampla quanto esse legislador ordinário queira. Agora, há
aqui dois ou três limites que têm de ser percebidos. Primeiro limite, pode pôr em causa a
essencialidade do direito? Não pode. Mas porquê? Porventura, não poderá pôr em causa a
essencialidade do direito porque se o direito for todo posto em causa, isso não é uma restrição, a
restrição é sempre parcial, portanto, alguma coisa quando se faz uma restrição, mesmo que seja de
um Direito Económico, Social e Cultural, para que seja obediente à ideia de restrição, não pode
ultrapassar a fronteira da totalidade, se for a totalidade então já não é restrição, seria suspensão ou

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outra coisa qualquer. No entanto, a Constituição não o diz, não diz que tem de ser parcial, mas nós
acabamos por assumir.

Outros aspetos, poderá ser retroativa a restrição dos Direitos Económicos, Sociais e
Culturais? Bem, o artigo 18º só fala na não retroatividade para os Direitos, Liberdades e Garantias,
mas há um problema com o sistema jurídico globalmente considerado, porquê? Não faria sentido, à
luz do princípio da não retroatividade, que atravessa o sistema jurídico todo, que fosse possível
restringir, retroativamente, Direitos Sociais. Mesmo as restrições de Direitos Sociais não podem ser
retroativas, não à luz do artigo 12º do CC se quisermos simplificar, ou seja, não faz sentido que a lei
só disponha para o futuro, como diz o Código Civil, e as leis restritivas de Direitos Sociais
pudessem dispor para o passado, portanto, é evidente que nós vamos encontrar um travão para este
eventual absurdo, nas regras gerais de direito, mas não no artigo 18º da CRP. Portanto, as leis
restritivas de Direitos Sociais também têm alguns condicionamentos. Um dos condicionamentos,
não podem ser totais, não podem ser retroativas, e também não podem ter natureza individual.

Já em relação à suspensão, não há propriamente nenhum limite, nenhuma razão para que a
suspensão não possa acontecer fora das situações de Estado de Sitio ou Estado de Emergência, ou
seja, o artigo 19º fala em Direitos, Liberdades e Garantias, diz que só podem ser suspensos em
situações de Estado de Sitio ou Estado de Emergência, não se refere aos Direitos Económicos,
Sociais e Culturais, não há nenhum para que eles sejam suspensos. Aqui o argumento é este: se eles
podem não existir, também podem ser suspensos. Com respeito ao quê? Provavelmente, ao
princípio da proporcionalidade. Mas se eles podem não existir, se eles podem não ser concretizados
legalmente, não há razão nenhuma para que numa situação excecional, eles não possam ser
suspensos. O professor é da opinião que os Direitos Sociais possam ser limitados, possam ser
condicionados, até podem ser suspensos, tanto em situações de Estado de Sítio ou de Emergência,
mas também fora delas.

Outros aspetos do regime dos Direitos Sociais, agora temos a questão da competência. Nos
Direitos, Liberdades e Garantias, em regra, é da reserva relativa da Assembleia da República,
excecionalmente, pode ser reserva absoluta. Todavia, não existe na Constituição nada parecido com
o artigo 165º, nº1, al. b), no que se refere aos Direitos Sociais, ou seja, na pior das hipóteses nos
Direitos, Liberdades e Garantias, se isto não for reserva absoluta, é sempre reserva relativa. Em
relação aos Direitos Sociais, é para todos os gostos, ou seja, há casos excecionais de reserva
absoluta, há casos múltiplos no artigo 165º, espalhados por lá, mas a maior parte das matéria
relativas aos Direitos Sociais são domínio concorrencial, ou seja, se nós confrontamos os Direitos
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Sociais que temos na Constituição, e depois formos analisar o artigo 164º e o 165º, vemos que há
muitos que não estão lá, ora se não estão lá, o quê que isso quer dizer em direito constitucional? Se
não estão lá, em direito constitucional quer dizer que é área concorrencial ou domínio concorrencial
Governo – Assembleia, Assembleia – Governo. Isto tem aqui uma consequência, por um lado isto
quer dizer que o Governo pode legislar em muitos casos sobre Direitos Económicos, Sociais e
Culturais. Mas ainda há uma última consequência, as Assembleias Legislativas Regionais também
podem legislar, porquê? É possível autorizar as Assembleias Legislativas Regionais, mas não em
todos os casos. Em que casos é que não são possíveis? Casos do artigo 164º e do 165º, mas se for
matéria concorrencial, isso significa que não há reserva nenhuma da Assembleia da República,
portanto não só o Governo pode legislar livremente, como as Assembleias Legislativas Regionais
também podem.

Por último, a questão da revisão constitucional. O quê que nós temos em sede de revisão
constitucional? Temos a famosa alínea d) (Direitos, Liberdades e Garantias). Ora bem, não se diz o
mesmo sobre os Direitos Sociais, há uma regra ou outra sobre Direitos Sociais, mas não há
nenhuma regra geral sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais. O quê que isso quer dizer?
Quer dizer que uma revisão constitucional não os têm de observar, não estão protegidos na revisão
constitucional.

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XII

Em sede de tutela/garantia no Direito Internacional é, de facto, frágil, muito incipiente,


sendo essa a grande diferença entre Direitos Humanos e Direitos Fundamentais. Eles não são muito
diferentes, mas existe uma diferença no plano da tutela. A tutela internacional é frágil, sobretudo a
tutela internacional geral.

Em termos internos é bem diferente, a situação é muito distinta, como aliás era de esperar
que fosse, porque, evidentemente, corresponde essa ideia de tutela à ideia de Estado de Direito.
Portanto, é evidente que neste caso temos um modelo relativamente sofisticado.

Todavia, essa extensão passa sobretudo pelo artigo 20º, ou seja, o artigo essencial nesta
matéria é o artigo 20º da CRP. Este artigo faz referência a dois tipos de realidades distintas, uma
mais ampla, que é o acesso ao Direito, e depois dentro do acesso ao Direito, o acesso ao Direito em
vários planos, entre eles o plano no acesso aos tribunais. Portanto, aquilo que faz o artigo 20º é criar
uma norma genérica / global de garantia / tutela. O acesso ao Direito não é apenas o acesso aos
tribunais, há outros mecanismos que antecedem esse recurso aos tribunais. Que outros mecanismos
são e porquê que existem? É fácil de percebemos, nós quando recorremos aos tribunais,
evidentemente, recorremos a uma situação litigiosa, com ou sem razão, que nos assiste um
determinado direito.

Agora, isso já é uma fase relativamente avançada, antes de chegarmos lá nós temos de saber
se temos direito a algo, temos de saber alguma coisa sobre esse direito, portanto, quando se fala em
acesso ao Direito, nós tamos a pensar em vários momentos. Primeiro momento, evidentemente, é a
informação sobre o direito, ou seja, um direito à informação jurídica. Tendo essa informação, tendo
os moldes em que a situação jurídica se coloca, podemos passar a uma fase subsequente, mas essa
fase pode ainda não ser o recurso aos tribunais. Do quê que fala mais o artigo 20º? O artigo 20º fala-
nos, por exemplo, do acompanhamento por advogado. O acompanhamento por advogado não
significa propriamente patrocínio judiciário.

Portanto, há vários momentos, e não se deve confundir o acesso ao Direito com o acesso aos
tribunais, são coisa diferentes. E mais, se nós percebemos, há múltiplos preceitos na Constituição
que sugerem a existência de acesso ao Direito, mas sem que haja tutela jurisdicional, por exemplo,
o direito de petição, o acesso ao provedor de justiça, na própria autotutela dos Direitos

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Fundamentais, em nenhum desses casos estamos na presença de recurso ao tribunal. Portanto, o


princípio do acesso do Direito ou o princípio da proteção jurídica, têm múltiplas dimensões,
dimensões que vão da informação à consulta, ao acompanhamento, aos meios jurisdicionais, aos
meios não jurisdicionais, tudo isso cabe no grande “guarda-chuva” do artigo 20º da Constituição.

Ainda há mais um ou dois aspetos a realçar no artigo 20º. Como se diz nele: “não é por falar
de recursos que esse acesso ao direito globalmente considerado, pode ser negado.” Ou seja, por
exemplo, que podem ser isentas de custos, não ter de pagar a um advogado, etc… não será,
porventura, um advogado com tanto prestígio, pois o Estado também não o pode fazer. A
Constituição prevê expressamente a insuscetibilidade de a justiça ser denegada por falta de recursos
económicos.

Artigo 20º, nº5, refere-se não aos Direitos, Liberdades e Garantias, mas sim aos Direitos
Pessoais. Qual é a diferença? Os primeiros quatro números do artigo 20º, se nós nos perguntarmos:
isto aplica-se a que direitos? Direitos, Liberdades e Garantias? Direitos de natureza análoga?
Direitos Económicos, Sociais e Culturais? O professor diria todos, ou seja, nós já tínhamos visto
que há dois grandes princípios na Constituição Portuguesa, que são o princípio da
proporcionalidade e o princípio da igualdade, que são transversais a todos os direitos
fundamentais, ou seja, aplicam-se quer aos Direitos, Liberdades e Garantias, quer aos Direitos
Económicos, Sociais e Culturais. Se consideramos estar na presença de um princípio da garantia ou
da proteção jurídica, podemos dizer que este princípio da proteção jurídica é o terceiro princípio de
natureza transversal, ou seja, todos estes direitos, desde que o sejam, são suscetíveis de tutela
jurídica, ou seja, mesmo um Direito Social.

Agora, temos de ter algum cuidado com isto, é transversal, aplica-se a todos, mas não se
aplica exatamente da mesma forma, porquê? É simples, porque em relação aos Direitos, Liberdades
e Garantias, a universalidade, a igualdade, ou até mesmo a proteção jurídica, decorre diretamente da
Constituição, porquê? Porque eles têm aplicabilidade direita, se têm aplicabilidade direita significa
que eles produzem efeitos a partir da própria Constituição, significa que eles não precisam de atos
legislativos ordinários (ou pelo menos não na totalidade). Agora, no caso dos Direitos Sociais é
diferente. Há universalidade? Há. Há igualdade? Há. Há proteção? Há. Mas há aqui um requisito,
desde que esses direitos existam, desde que estejam consagrados, desde que exista norma ordinária
que os consagra, pois se eles não têm aplicabilidade direta, só uma lei ordinária é que lhes vai dar
aplicabilidade, que neste caso não é direta, é indireta. Ora se essa norma, por alguma razão, ainda
não existir, não faz sentido falar de universalidade, igualdade. Faz sentido é que quando é criada
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essa lei, evidentemente que ela vai ter de ser igual e universal, é evidente que pode ser exigível,
logo tem proteção jurídica. Mas até lá não tem.

Agora, há ainda uma diferença dentro dos próprios Direitos, Liberdades e Garantias. A
Constituição distingue os Direitos, Liberdades e Garantias para efeitos de proteção. Onde é que o
faz? No nº5 do artigo 20º, ou seja, estabelece um regime excecional para os Direitos, Liberdades e
Garantias pessoais, apenas para os pessoais. Ficando, assim, de fora os Direitos Sociais, mas
também os direitos políticos e os direitos dos trabalhadores. Portanto, o que a Constituição diz é que
sendo os pessoais os mais importantes, a lei ordinária tem de criar mecanismos de celeridade,
mecanismos que impliquem um tratamento rápido quando estamos na presença de direitos pessoais,
pois são os mais importantes de todos.

Em todo o caso, vai aparecer aqui uma solução “simpática” da parte da Constituição, no
entanto, é apenas uma forma de ver as coisas. Ela esconde o facto de no sistema português, não
existir recurso direito de constitucionalidade, o quê que isto quer dizer? Quer dizer que em
determinados Estados (designadamente em Espanha) existe uma coisa chamada recurso de amparo,
no Estado Alemão existe uma coisa chamada recurso direto da constitucionalidade, o quê que isto se
traduz em duas palavras? Se nós quisermos colocar em causa a constitucionalidade de uma norma,
podemos fazê-lo nesse Estado, diretamente para o tribunal constitucional, portanto é uma forma de
defesa dos Direitos Fundamentais, mas sem mediação, sem intervenção de mais ninguém.

No caso português é muito diferente, ou seja, em sede de constitucionalidade o quê que nós
temos? Inconstitucionalidade concreta, inconstitucionalidade acidental, temos a fiscalização abstrata
da constitucionalidade (através do provedor de justiça). Portanto, não há uma forma de recurso
direta para o tribunal constitucional, em caso de violação de Direitos, Liberdades e Garantias,
portanto, o que fez o artigo 20º, nº5 foi mitigar, atenuar um pouco este problema. O quê que isto se
traduz? Traduz-se numa forma processual prevista no código dos tribunais administrativos, que é
mecanismo de defesa mais rápida de direitos de liberdades e garantias.

Agora, o que acontece com esta solução é que uma parte da doutrina entende que ela é
inconstitucional, porquê? Porque o legislador foi muito mais longe do que o que se prevê no nº5. O
nº5 fala de Direitos, Liberdades e Garantias pessoais, e cria ali um mecanismo extraordinário, mas o
legislador ordinário escreveu no texto (código do processo nos tribunais administrativos) que era
criado um novo mecanismo para os Direitos, Liberdades e Garantias. Qual é o problema? É que
quanto mais alargado é o número de direitos, pior é a tutela desses direitos.

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Dentro ainda da Constituição, e deixando de parte agora o artigo 20º, o quê que nós temos
mais? Para dar seguimento a esta ideia de tutela jurisdicional, convinha referir, ainda, em sede de
Direito Administrativo, o artigo 268º, nº4. Pela dimensão do artigo 20º, o professor diria que o
artigo 268º é praticamente inútil, mas percebe-se porquê que em sede de administração pública, e
em matéria de direito administrativo há um especial cuidado. Os principiais violadores de Direitos,
Liberdades e Garantias estão na função administrativa, porquê? Sempre que se faz uma lei, faz uma
lei e depois praticam-se milhares de atos administrativos em cima dessa lei.

Outras aspetos ainda, para não sairmos da tutela jurisdicional, o quê que nós temos mais? O
Habeas Corpus, tem uma função limitada, duplamente limitada. Porquê duplamente limitada?
Primeiro, porque o habeas corpus serve apenas para garantir um direito, qual é o direito? O direito à
liberdade (física). Portanto, é um mecanismo muito limitado. Serve para garantir que não há prisão
ilegal ou inconstitucional, ou mera detenção ilegal ou inconstitucional, artigo 31º. Acresce que, e
daí ter dupla limitação, a função do habeas corpus, hoje, é muito irrelevante. Tem uma importância
histórica, foi um dos primeiros Direitos Fundamentais. Hoje, a possibilidade de se cometerem erros
grosseiros em sede de retenção da liberdade, a probabilidade é praticamente zero, e, portanto, o
habeas corpus tem uma relevância reduzida.

Mecanismo de hétero tutela, mas não jurisdicionais. Antes de mais, o direito de petição, e
sobretudo, dentro do direito de petição, o direito de petição junto do provedor de justiça. Onde é que
está previsto? Artigo 23º. Há aí vários erros que não devem ser cometidos, o principal é pensar que
o provedor de justiça pode responder a quaisquer queixas, não pode. As queixas que são suscetíveis
de ser colocadas ao provedor de justiça são queixas relativas aos poderes públicos, ou no limite, os
convencionários. Dentro desses poderes públicos (deixando de fora os tribunais) (o provedor de
justiça apenas faz uma recomendação), qual é o poder público competente? Pode ser um qualquer,
pode ser o poder político, pode ser o poder administrativo, não pode é ser poder jurisdicional.
Agora, é um órgão de pressão, é um órgão de influência, é um órgão que pode fazer com que as
coisas funcionem, mas tem as limitações de ser um órgão que não tem competências decisórias. No
entanto, os poderes do provedor de justiça não se esgotam no artigo 23º, há alguns que até podem
vir a ter mais importância que o que está no artigo 23º. Que poderes são esses? Poderes no que se
refere à legitimidade para efeitos de fiscalização da constitucionalidade, em dois planos: primeiro
plano, a fiscalização abstrata sucessiva (artigo 281º, nº2, al. d)), e depois, inconstitucionalidade por
omissão (artigo 283º).

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Outra figura, diferente das anteriores, direito de resistência, artigo 21º, o quê que há a
dizer? O direito de resistência é uma forma de autotutela, que é diferente das outras figuras. Outro
aspeto, serve apenas para defender Direitos, Liberdades e Garantias, e, eventualmente, direitos de
natureza análoga. Este serve para defender situações em que não é logo possível recorrer a situações
de hétero tutela. No entanto, se olharmos bem para o artigo 21º, conseguimos ver ali dois direitos
diferentes: o direito de resistência está na primeira parte, ou seja, na resistência a qualquer ordem
que ofenda os Direitos, Liberdades e Garantias, ou seja, é um direito frente ao poder, aos poderes
públicos. A parte final do artigo 21º é também autotutela, mas é uma autotutela sobretudo próxima
da figura da legitima defesa, e, portanto, a figura da legitima defesa tem uma vocação sobretudo
privativa, ou seja, defesa entre indivíduos, e não entre poder e indivíduos. O direito de resistência,
apensar de excecional, apesar de residual, apesar de só puder ser usado quando não há outro meio,
ainda assim, o professor entende que é um dos direitos que não está implícito no artigo 19º, nº6,
mas que devia lá estar, daí o artigo 19, nº6 ser apenas exemplificativo.

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DIREITOS FUNDAMENTAIS NUMA ÓTICA DE


ESPECIALIDADE

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Direito à vida. Nós dizemos frequentemente que o direito à vida é o direito primário, que é
um direito básico, e há uma boa razão para isso, é que da existência desse direito, evidentemente
dependem todos os remanescentes direitos, portanto, quando usamos as expressões “primário”,
“primeiro”, “fundamental” e “essencial”, é evidente que nós percebemos porquê que isso acontece,
significa que os outros direitos não sejam também fundamentais mas há um que é mais fundamental
que todos os Direitos Fundamentais que o rodeiam, o direito à vida.
Ora bem, como é que nós caracterizamos o direito à vida? Evidentemente, é um direito
pessoal, evidentemente, que é um Direito, Liberdade e Garantia, mas dentro dos Direitos,
Liberdades e Garantias, evidentemente, só poder ser um Direito Pessoal. O quê que significa ser um
Direito Pessoal? Significa que é um direito que tem a ver com a própria pessoa, com os aspetos
mais intrínsecos, mais ligados à própria pessoa, não há direito mais pessoal que o direito à vida,
portanto, não é um direito de natureza societária / social, não é um direito grupal, é um direito
puramente individual / pessoal / individual.

Que importância é que lhe dá a Constituição? Dá-lhe uma tal importância que lhe dá
importância a mais, ou seja, no artigo 24º, nós já sabemos, é usada uma expressão, “o direito à vida
é inviolável”, ora bem, não há direitos invioláveis, mas sabemos porquê que lá esta essa expressão,
é uma forma de enfatizar a importância do direito à vida, é uma forma de o diferenciar de todos os
outros, pois há apenas três direitos que a Constituição diz que são invioláveis: direito à vida, o
direito à integridade, e a liberdade de consciência.

O quê que a Constituição faz em matéria de proteção? Em matéria de proteção a


Constituição diz-nos que, em algum caso, ele pode ser suspenso. Como é que nós sabemos isso?
Artigo 19º, nº6. É um dos poucos direitos que, expressamente, está previsto no artigo 19º, nº6 como
insuscetível em quaisquer casos, em qualquer circunstância, de suspensão. Portanto, a Constituição
veda a suspensão. Mas não veda a restrição, embora condicionando-a muitíssimo, mas não exclui.

Outros aspetos que a Constituição refere em matéria de direito à vida, ou melhor, já de


garantia do direito à vida, o nº2 do artigo 24º (“em caso algum haverá pena de morte”). Mas isto no
sentido de ser uma garantia e não um direito. Como é que nós diferenciamos? Simples, garantias
são instrumentais, ou incidem, em relação aos direitos ou às liberdades, portanto nós olhamos para o
direito e dizemos: “Temos aqui o direito à vida, ok, temos aqui o direito à integridade, muito bem,
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temos aqui o direito à liberdade”. Pergunta diferente é: “Como é que garantimos esse direito?”,
“Que tipo de instrumentos usamos para a respetiva garantia?”. Falamos então em garantias. Ora
bem, proibição da pena de morte é a típica garantia. É a única contida no regime português que
regula o direito à vida? Não. Em primeiro lugar, há outras limitações / garantias relativas à vida na
Constituição, mas por referência já não apenas ao ordenamento português, mas também com
referência a ordenamentos estrangeiros. O artigo 33º da CRP diz-nos que não haverá extradição nos
casos em que possa ser aplicada pena de morte, naquela determinada situação, ou seja, o
ordenamento pode ter a pena de morte, mas se naquele caso, a sanção para aquele caso for a
possibilidade de pena de morte, então não há extradição. Portanto, a garantia que a Constituição dá
em matéria de pena de morte, extravasa o próprio ordenamento jurídico português.

Agora, outra pergunta que se pode fazer é esta: Mas isso são as únicas garantias do direito à
vida? Escassas seriam as garantias. Então, onde estão as garantias essenciais do direito à vida?
Estão no direito penal, no código penal. O código penal é um instrumento de defesa dos Direitos
Fundamentais. Portanto, quando falamos em garantias, elas estão em parte na Constituição, o resto
está, basicamente, no direito penal.

Os principais problemas que suscitam em relação ao direito à vida, tem a ver com o início da
vida, mas também com o fim dessa mesma vida, porquê? Se nós olharmos e analisarmos de uma
forma rígida o artigo 24º, onde se diz que “a vida humana é inviolável”, isso significaria o que em
termos de início de vida? Significa que a partir do momento em que há vida, por mais limitada que
seja essa vida, evidentemente, nenhum direito podia sobrepor-se a esse. Maioria dos ordenamentos
prevêem a interrupção voluntária da gravidez e, ao fazê-lo isso significa que o direito à vida não é
absoluto.

Agora, o quê que faz o ordenamento jurídico português? O ordenamento jurídico português
teve várias fases nesta matéria. Até 1984 proibia, totalmente, a interrupção voluntária da gravidez. A
partir desse momento, foi criada legislação ordinária, no sentido de despenalizar a interrupção
voluntária da gravidez em situações especialmente gravosas (ex: violação). Portanto, no caso
português, em casos excecionalmente graves, foram admitidas. Agora, mais recentemente, houve
uma alteração, e essa vai muito mais longe que as outras porque não tem de estar em causa nenhum
desses fundamentos, ou seja, para a interrupção voluntária da gravidez baste a decisão da mulher.
Aqui sim, começa a criar-se um problema de eventual constitucionalidade, e há muitas dúvidas
sérias se o artigo 24º resiste a uma coisa destas, porque o artigo 24º fala em vida, não fala em vida
pós nascimento, fala em vida de uma forma abstrata / geral / incondicionada. A partir do momento
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em que há uma vida, e que há interrupção livre dessa gravidez, é lógico que ficamos com muitas
dúvidas se isso é conforme o artigo 24º. O professor entende que é inconstitucional, mas aqui cada
um defende aquilo que entender, desde que seja bem fundamentado.

Estas dúvidas vão surgir, também, em relação ao fim / cessação da vida, da eutanásia, que
implica um outro agente que não seja o que irá perder a vida a sua vida, e em direito penal isto trata-
se de um homicídio. E vai se tentar modificar o código penal para que a eutanásia seja possível, mas
mais uma vez, o obstáculo aqui é o artigo 24º, que diz que a vida humana é inviolável.

Por último, o professor entende que o artigo 66º do Código Civil é inconstitucional, sendo
uma inconstitucionalidade superveniente, pois é pelo menos incompatível com o artigo 24º da
Constituição. Pois o artigo 66º diz que “a personalidade se adquire no nascimento completo e com
vida”, e o artigo 24º não refere nada em relação a antes ou pós parto.

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II

Direito à integridade. O tratamento que a Constituição dá a estes direitos é semelhante. Em


quê que é semelhante? Para começar, em termos sistemáticos, é semelhante porque a Constituição,
evidentemente, positiva, tipifica este direito, ou seja, inseri-o na Constituição, está expresso na
Constituição, e depois consagra-o dentro dos Direitos, Liberdades e Garantias, e dentro desses nos
Direitos Pessoais, portanto, há aqui semelhanças com o direito à vida. O direito à integridade está
logo a seguir ao direito à vida, ou seja, artigo 25º, estando a Constituição bem sistematizada neste
aspeto.

Mas não é só isso, quando vamos ver melhor percebemos que ainda há outras características
comuns, por exemplo, a expressão “inviolável”. Esta expressão está no texto para fazer relevar a
importância desses artigos onde essa expressão aparece. Ou seja, apesar de não haver direitos
invioláveis, serve para destacar que são mais difíceis de violar. Portanto, o que se foi dito para o
direito à vida sobre a violabilidade, é o que deve ser dito também para o direito à integridade.

Consequência: É passível de restrição? Sim, nos moldes do artigo 18º da Constituição, mas
é mais limitada. Portanto, quanto mais importante é o direito, mais diminuta dever ser a restrição.

Então, e quanto à suspensão? Idêntico regime, ou seja, quando nós olhamos para o artigo
19º, nº6, o direito à integridade aparece logo a seguir ao direito à vida, portanto, é também um
direito insuscetível de suspensão, seja em que caso for.

Outros aspetos, aspetos que têm a ver com o conteúdo do direito. Nós aqui temos dois
conteúdos em rigor. De um lado a integridade física, e do outro lado a integridade moral. Portanto, o
direito abrange estas duas realidades.

A proibição da tortura é uma das garantias principais no direito à integridade física e moral,
ou seja, da mesma forma que quando olhámos para o artigo 24º dissemos que uma coisa era o
direito, e depois o nº2 dissemos que era uma realidade diferente e que não continha um direito mas
sim uma garantia, aqui passa-se o mesmo, no nº1 temos a afirmação que a integridade física e moral
é inviolável, ou seja, o direito, e depois temos o nº2 do artigo 25º, algumas garantias que incidem
sobre o direito.

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Que garantias são essas? Proibição da tortura, a tortura tem sempre natureza pública. Estas
garantias que aparecem na Constituição, quer no artigo 24º, nº2, quer no artigo 25º, nº2, são
garantias sobretudo frente aos poderes públicos.

Porquê que no artigo se fala em “penas cruéis, desumanas e degradantes”? Para afastar uma
parte do direito que já foi nosso.

Outro aspeto em que há semelhança entre o direito à vida e o direito à integridade, a questão
referente à extradição no direito à vida. Faz-se algo semelhante no direito à integridade. Diz-se que
também não pode haver extradição nos casos em que (naquele caso em concreto, a regra mantém-
se) da aplicação de uma pena pode resultar uma lesão irreversível para a integridade. O quê que são
lesões irreversíveis? São sobretudo amputações, como é evidente.

Essas garantias chegam? Não. Onde é que estão as outras garantias? Já sabemos, no código
penal, e nos crimes tipificados no código penal. Só que neste caso temos duas dimensões que
precisam de ser protegidas, ou seja, integridade física e a integridade moral.

Agora, quais são os principais problemas em matéria de integridade? A questão da doação de


órgãos, intervenções cirúrgicas, etc. Em relação as intervenções cirúrgicas podemos observar um
pequeno problema referente à integridade física. Agora, é possível? É, com consentimento, por isso
é que as pessoas quando são operadas tem de assinar uma declaração, na qual inclui os efeitos
secundários da cirurgia, mas que a pessoa acaba por aceitar com receio de ficar pior caso não seja
operado.

Agora, problema mais complicado é a situação da doação de órgãos, porquê? Porque é


evidente que se se doar um órgão, estamos a por em causa a integridade. No entanto, ninguém o
obrigou tem de ser voluntário. Mas em Portugal há um pequeno problema que é: o Estado não gosta
só de Interferir em matéria de direito de propriedade, nem em matéria de impostos, o Estado gosta
de interferir em tudo, e então, até intervêm nesse tipo de assuntos, ou seja, em matéria de doação de
órgãos. Exemplo: rins, temos dois e queremos doar um, o direito não se opõe a isso porque entende
que mesmo com apenas um rim, a vida da pessoa não sofre alterações radicais. Agora, imagina-se
que se quer doar os dois rins, o direito não nos permite fazer isto, porquê? Porque diz-nos que desde
que essa doação ponha em causa o padrão de vida anterior, não se pode fazer essa doação. Qual o
problema aqui? Em primeiro lugar, é um problema filosófico, ou seja, se nós pensarmos que o
Estado se arroga da possibilidade de proibir, então temos de começar a perceber que existem de
facto esses direitos face a si próprios. O segundo problema é absurdo, porquê? Porque o Estado não
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me deixa dispor dos meus órgãos livremente, mas deixa-me renunciar à vida. Posso renuncia à vida,
mas não posso renunciar da integridade? É absurdo. E aqui volta aquela discussão da renúncia e até
onde ela pode ir.

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III

Liberdade física que corresponde ao artigo 27º da Constituição, e a liberdade psíquica ou


a liberdade de consciência que está presente no artigo 41º da Constituição.

O direito à liberdade é um dos direitos principais da Constituição. E nós não devemos


confundir: uma coisa é a liberdade em geral que atravessas todos estes Direitos, Liberdades e
Garantias, que atravessa todos os Direitos Fundamentais; e a liberdade específica, portanto, uma
liberdade delimitada, o artigo 27º não é um princípio geral de liberdade, é um direito à liberdade.
Traduz-se num Direito, Liberdade e Garantia, mas quando confrontamos esse direito com os artigos
anteriores, há uma diferença que surge imediatamente - não é um direito inviolável. O direito à
liberdade pode ser fortemente condicionado, é evidente que não nos podemos esquecer que a
liberdade é sempre a regra e a privação da liberdade é a exceção, mas sabemos que, por razões
sancionatórias, quando se sanciona severamente, quando se sanciona em caso de condutas anti-
sociais mais graves, eticamente muito reprováveis, a sanção que existe hoje nos direitos modernos é
a privação da liberdade. Não é possível de um lado ter a privação de liberdade como sanção
penal típica, e por outro lado dizer que o direito é absolutamente inviolável.

É um direito, ao contrário dos outros dois que vimos, em que o condicionamento é


relativamente comum, ou seja, nós sabemos que há privações de liberdade, nós sabemos que há
penas, que há medidas de segurança, que há medidas de coação, nós sabemos que há um conjunto
de intervenções que o direito prevê que se traduzem, naturalmente, em condicionamentos.

Todavia, como é uma matéria sensível, o que é que a Constituição faz? Em vez de permitir
restrições, estabelece imediatamente limites. Diz que todos têm o direito à liberdade, mas depois
enumera em que casos em que essa liberdade pode ser condicionada (art. 27º, nº2).

Diferença entre pena de prisão e medida de segurança - a pena de prisão aplica-se a


sujeitos suscetíveis de imputação, pessoas que podem decidir, pessoal e livremente, pessoas que são
capazes; a medida de segurança aplica-se a pessoas que são inimputáveis, ou seja, é evidente que
uma pessoa que sofre de uma deficiência psíquica pode praticar um crime, mas para ele, na verdade,
aquilo não é um crime, não faz sentido, se a pessoa não tem noção daquilo que está a fazer, aplicar-
lhe uma pena de prisão. Não confundir com medidas de coação.

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Os restantes números do artigo 27º são outras formas de condicionamentos, são outros
limites.

Diferença entre detenção e prisão - a detenção pode ser feita por qualquer pessoa, é
precária; a prisão só pode ser feita por uma autoridade judicial, só um juiz é que pode decretar, nem
que seja apenas a prisão preventiva.

Liberdade de consciência/liberdade psíquica. É um Direito, Liberdade e Garantia


insuscetível de suspensão, ou seja, a liberdade de consciência não pode ser suspensa (art. 19º, nº6,
parte final - CRP), mas pode ser restringida nos termos do artigo 18º, nº2. A liberdade de
consciência é a liberdade de formarmos as nossas próprias convicções, é a liberdade de
criarmos a nossa própria personalidade. Nós sabemos que as pessoas são condicionadas, por
exemplo, a educação, de certa maneira, contrapõe-se à liberdade de consciência, mas aquilo que se
pretende evitar é que sejam impostos modelos de natureza filosófica, de natureza política, de
natureza religiosa, por exemplo.

A liberdade de consciência tem limitações, apesar de a Constituição não tratar muito deles,
essas limitações surgem de outros direitos. Vamos imaginar que a minha liberdade de consciência
me leva a pensar que eu gosto de ser racista, a Constituição evidentemente impede-me de o ser, há
ali um condicionamento de liberdade de consciência. Não há direitos absolutos.

O artigo 41º, nº6, fala no direito à objeção de consciência. Por exemplo, eu como
advogado posso recusar-me a defender certo criminoso por o crime por ele praticado ser, para mim,
repugnante, e, por isso, posso invocar a objeção de consciência. Quando a consciência pessoal
prevalece sobre aquilo que seriam as suas obrigações típicas.

A liberdade de culto, apesar de ser uma parte da liberdade religiosa, tem um regime
diferente da liberdade de consciência e da liberdade religiosa que é o 19º, nº6. A liberdade de culto
pode ser suspensa, a liberdade religiosa e de consciência não. Por exemplo, perante uma situação
caótica, faz sentido evitar aglomerações.

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