A Bíblia É A Palavra de Deus
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INTRODUÇÃO
Cedo, na sua história, a Igreja teve que se definir a respeito das Escrituras. Como a Bíblia veio a ser composta de
66 livros? Por que algumas Bíblias possuem mais de 66 livros? Por que a estrutura da Escritura Judaica diverge da
cristã? Esse assunto intitula-se “Critérios de Canonicidade” e é sobre esse tema que estudaremos.
DEFINIÇÃO DE CÂNON
Etimologia
A palavra “cânon” deriva do grego “kanõn”1 que, por sua vez, origina do hebraico “qãneh” 2, termo das Escrituras
veterotestamentárias que significa “vara ou cana de medir” (Ez 40.3). O junco ou a cana era usado como
instrumento para medir; por isso, “kanõn” passou a significar “regra ou padrão” (Gl 6.16; Fp 3.16; 2 Co 10.13-16).
O uso de cânon representando o conceito de padrão já era conhecido antes mesmo da era cristã. Os clássicos
gregos usavam o termo no sentido de regra, norma ou padrão. Aristóteles chama o homem bom de kanon da
verdade. Os clássicos eram chamados kanones ou modelos de excelência 3.
Canônica e Canonização
Chama-se “Canônica” o estudo da fixação histórica do Cânon Sagrado. “Canonização” significa “ser oficialmente
reconhecido como guia ou regra de fé autorizada em matéria de fé ou de prática”.
1
No grego
2
No hebraico qãneh, junco, haste.
3
Cf. B.P.BITTENCOURT, O Novo Testamento – metodologia da pesquisa textual, 1993,p.23
a) Revelação: Revelação é a manifestação que Deus faz de Si mesmo e de Sua vontade aos homens. Essa
revelação, de acordo com a origem e desenvolvimento do Cânon Sagrado, é a comunicação sobrenatural
desconhecida do hagiógrafo4. Por meio da revelação, verdades anteriormente ignoradas pelo hagiógrafo foram
reveladas, como por exemplo: Zacarias 12.10, Miquéias 5.2 e Isaías 50.4-10. Certamente os autores sagrados não
adquiriram essas notícias por estudo ou por vias meramente humanas.
b) Inspiração: O sentido teológico de “inspiração divina” é derivado da expressão paulina de 2 Timóteo 3.16. A
expressão “divinamente inspirada”, no grego “theopneustos”5 é formada por dois vocábulos “theos” (Deus) e
“pneustos” (inspiração, influxo). A Vulgata traduz por “divinitus inspirata”. Isto posto, 2 Timóteo 3.16 quer dizer que
as Escrituras são produtos do sopro criador de Deus. Por meio da Inspiração Divina, o conteúdo das Sagradas
Escrituras não é proveniente da sabedoria e aferimento humano, não sendo produto pessoal da mente do escritor (2
Pe 1.19-21). Paulo reconhece seus escritos como inspirados por Deus quando assevera: “... não em palavras
ensinadas pela sabedoria humana, mas com palavras ensinadas pelo Espírito Santo [didakitois pneumatos]” (1 Co
2.13; cf 1 Co 14.34; Gl 1.6-12). Dessa forma, inspiração é a influência sobrenatural exercida pelo Espírito Santo
sobre os hagiógrafos, em virtude da qual seus escritos conseguem veracidade divina, e constituem suficiente e
infalível regra de fé e prática.
A Abrangência da Inspiração
Em nossa obra Hermenêutica Fácil e Descomplicada (CPAD), página 43, explicamos que a inspiração abrange:
a) - Todo o Antigo Testamento: (2 Tm 3.16; 2 Pe 1.19-21; Lc 11.51; 12.3,39-41). É significativo o argumento de
Cristo em Lucas 11.51. Ao citar “de Abel até o sangue de Zacarias”, Jesus está referindo-se ao Cânon Judaico da
“Tanach”. “Abel” encontra-se no livro de Bereshith (Gênesis) que é o primeiro livro da primeira divisão conhecida
como Torá ou Lei; “até Zacarias”, encontra-se no livro de Drive Hayamim (1 e 2 Crônicas) e corresponde ao último
livro da terceira divisão da “Tanach”, conhecida como “Kethuvim” ou Escritos. Em Lucas 24.44 e 45, Cristo refere-se
à tríplice divisão da “Tanach”, referindo-se à Lei de Moisés (Torá-1ª divisão), Profetas (2ª divisão) e Salmos (o
primeiro livro da 3ª terceira divisão). Assim, Cristo confirma toda a Inspiração Bíblica do Antigo Testamento.
Por isso, o que escrevia era mandamento divino (1 Co 14.37) e, quando escrevia ou falava, estava credenciado por
Deus, tendo recebido por revelação (Gl 1.12; Ef 3.2,3 cf 1 Ts 2.13; 1 Tm 4.11,13; Cl 4.16). Pedro equipara os
escritos paulinos às Escrituras Veterotestamentárias (2 Pe 3.15,16). O apóstolo João descreve que recebeu de Deus
4
Procede de dois termos gregos (hagios), santo, puro ou separado e(grapho)
escrever, registrar. Literalmente escritor sagrado. Os judeus helenistas chamavam os seus escritos
sagrados de (hagiografoi).
5
No grego formado por dois vocábulos gregos (Theós), Deus, e
(pneustos), influxo, inspiração.
as Revelações de Jesus Cristo, e admoesta à reverência e aceitação ao seu escrito (Ap 1.1-3). As mesmas
evidências podem ser encontradas nos Evangelhos e nos Atos dos Apóstolos (Mt 1.22; 2.15,17; Mc 1.2; Lc 1.1-2; Jo
20.31; At 1.1). O Novo Testamento reivindica a autoridade inspirativa e revelativa (Hermenêutica Fácil e
Descompligada, p.47).
Pressuposto da Inspiração
A Inspiração Bíblica pressupõe:
a) - Inerrância: Por inerrância das Escrituras entende-se a propriedade da Bíblia, pela qual ela é de fato
e de direito, imune de erro nas suas afirmações autênticas, qualquer que seja o objeto destas. Está excluída das
Escrituras Sagradas a própria possibilidade de erro, porque é impossível que Deus (autor principal das Escrituras)
erre. Entende-se por erro, aqui, não o lapso material, fruto da imperícia do hagiógrafo ou dos diversos MSS, e sim o
erro lógico, doutrinário. Participam dessa inerrância:
2º - Qualquer que seja seu objeto: Não só de fé e moral, mas também histórico, científico, etc... Há
duas observações quanto a essas afirmações:
a) - Deve-se distinguir entre doutrina divina inerrante contida nas Escrituras, e interpretação falível que
os homens podem dar ao texto;
b) - As asserções de que as Escrituras são, em todo sentido, infalivelmente inspiradas, referem-se
somente aos autógrafos, e não no mesmo sentido aos manuscritos que hoje possuímos, as atuais edições e
traduções da Bíblia. Se estiverem coerentemente corretos com os autógrafos originais possuem o mesmo
“Imprimatur” divino, mas se as disparidades afetarem o conteúdo e a doutrina, não participam da mesma
inspiração6.
Canonização
É o reconhecimento dos escritos que contêm a divina revelação e que são divinamente inspirados. A igreja
não criou o Cânon, apenas o recebeu, reconhecendo a autoridade que ele possui em si mesmo, como já foi
observado na inspiração. A função da Igreja, a respeito do Cânon, foi a de reconhecer e não escolher.
A Proclamação e Formação Oral do Conteúdo dos Livros do Antigo Testamento (Jó 1.18)
Nisto a história da literatura hebraica é perfeitamente igual à de qualquer outro povo, começando sempre
sob a forma de tradição oral.
Exemplos:
6
Cf. Teodorico BALLARINI, Introdução à Bíblia, vl. I – Introdução Geral, 1968,p. 69
d) - As liturgias religiosas e os cantos sagrados, etc...
Todos esses aspectos culturais foram transmitidos oralmente de geração a geração, muito antes de
serem postos em forma escrita (escritura).
Não é necessário frisar que as revelações ativas de Deus foram transmitidas verbalmente antes de tomarem
o formato que hoje conhecemos, e também, com a máxima probabilidade, fizeram-se registros escritos de muitos
fatos (Gn 26.5).
- Moisés (1491-1451 a.C.) Por meio de Moisés iniciou-se a “revelação autorizada”, isto é, a ordem divina
para que a revelação verbal fosse escrita (Êx 17.14; 24.4,7; 34.27; Dt 33.2).
Moisés utilizou-se da revelação ativa e da tradição existente (oral e escrita) para compor o Pentateuco.
Entretanto, observam-se inserções posteriores, que serviam como adendo explicativo ou informativo (Êx 11.3;
16.35; Dt 34.1-12).
- Josué (1433 a.C.) Josué inseriu “...no livro da Lei de Deus” o concerto firmado com o povo (Js 24.26).
- Samuel (905 a.C.) Samuel, sacerdote, profeta e também o último juiz de Israel escreveu e pôs seus
escritos “perante o Senhor” (1 Sm 10.25). Isto sugere que seus escritos foram depositados na Arca do Concerto
com os demais livros sagrados ali depositados (Êx 25.21; Hb 9.4).
Muitos outros exemplos poderiam ser obtidos a partir do testemunho das Escrituras, a saber:
a) - Isaías (770 a.C.): Faz referência ao período de formação do Cânon (Is 29.18; 34.16);
b) - Jeremias (626 a.C.): Registrou a revelação divina (Jr 30.1,2; 36.1,2,28,32; 45.1);
c) - Zacarias (520 a.C.): Ratifica a autenticidade do Cânon sagrado (Zc 7.12);
d) - Esdras (445 a.C.): Selecionou e preservou os rolos sagrados, determinando dessa forma, o Cânon
do Antigo Testamento. A Esdras é atribuída a tríplice formação do Cânon Judaico (Tanach): Lei; Profetas; Escritos.
Em hebraico chama-se TANACH. Isso ocorre porque as três consoantes hebraicas TN e CH, que compõem a
abreviação da palavra, representam as três divisões das Escrituras: T de Torah - Pentateuco ou Cinco Livros de
Moisés; N de Neviin – Profetas; CH de Chetubin ou K de ketubin – Escritos. Daí TNCH. A palavra é pronunciada,
quando são acrescentadas vogais adequadas, como Tanach.
INTRODUÇÃO
Como o Antigo Testamento, homens inspirados por Deus escreveram aos poucos os livros que compõem o Cânon do
Novo Testamento7. Os livros do Novo Testamento foram aceitos pela igreja logo de início, sem objeções. Tais livros
foram chamados de homologoumena, porque todos os pais da igreja se pronunciaram favoravelmente pela sua
canonicidade. Os homologoumenas aparecem em quase todas as principais traduções e cânones da igreja
primitiva.
7
Cf. O Cânon do Antigo Testamento - Inspiração 3.2
registrando a canonicidade previamente estabelecida. Quatro anos depois, no III Sínodo de Cartago (397 a.D.) a
decisão do Sínodo de Hipona sobre os vinte e sete livros do Novo Testamento foi repromulgada. Levou cerca de 400
anos para que o Cânon do Novo Testamento fosse finalizado, desde a sua composição até a sua fixação. Desde
então não tem havido qualquer restrição séria aos 27 livros aceitos quer por católicos-romanos quer por
protestantes.
O CÂNON DE MARCIÃO
Marcião, partindo da idéia de que Paulo foi o verdadeiro intérprete e pregoeiro do pensamento de Jesus, pretendeu
chegar ao texto original da mensagem cristã, rejeitando integralmente os livros do Antigo Testamento. Aceitou as
epístolas paulinas com exceção de 1 e 2 Timóteo, Tito, Gálatas e 2 Tessalonicenses. Rejeitou três evangelhos,
aceitando somente o de Lucas. Marcião preparou e divulgou seu próprio cânon. A igreja, então, precisava
contrabalançar essa influência, decidindo qual era o verdadeiro cânon das Escrituras Neotestamentárias.
8
BALLARINI, Id.Ibidem,p.118