Arlindo Mascarello
Arlindo Mascarello
Arlindo Mascarello
Arlindo Mascarello2
Luan Paris Feijó 3
RESUMO
ABSTRACT
This work aims at reporting the experience of intervention, in mental health, experienced
during the Specific Mandatory Internship in Psychology, which was carried out in a
specialized day hospital and therapeutic residential in the city of Canoas, located in Rio
Grande do Sul, with a patient diagnosed with schizophrenia spectrum disorder. Schizophrenia
is a disorder that can generate psychosocial impacts, considering the diversity and severity of
its clinical manifestations, the complexity of the treatment and, above all, the impact caused to
families, society and the patients themselves. It is characterized by severe impairments in
1
Artigo decorrente do Trabalho de Conclusão de Curso, do primeiro autor, como requisito parcial para obtenção
do título de bacharel em Psicologia pela Universidade La Salle.
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Bacharelando em Psicologia. Especialista em Gestão e Planejamento Escolar – Unilasalle. Especialista em
Metodologia do Ensino Religioso – Centro Universitário Internacional. Licenciado em Filosofia - Faculdade de
Filosofia Nossa Senhora Imaculada Conceição. E-mail: armascarello@gmail.com
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Doutor (2021) e Mestre (2017) em Psicologia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Especialista em
Teoria Psicanalítica pela Faculdade Dom Alberto (2019) e em Neuropsicopedagogia pelo Centro Universitário
Leonardo da Vinci (2017) e Graduação em Psicologia pelo Centro Universitário Cesuca (2015). E-mail:
luan.feijo@unilasalle.edu.br
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cognition, affection and behavior. Hallucinations and delusions are the main psychotic
symptoms. It is of paramount importance that psychoeducational interventions, which are a
fundamental part of practically all protocols for treatment according to the cognitive-
behavioral therapy model, are included in order to maximize treatment adherence, avoiding
the emergence of relapses, increase of social functioning and better management of patient's
crisis situations. Likewise, psychoeducation presents itself as an important alternative for
family members of patients with schizophrenia. It was concluded that the techniques used,
while not replacing drug treatment, are effective in creating favorable conditions for the
effects of pharmacological treatments and their results.
1 INTRODUÇÃO
2 HISTÓRICO DA ESQUIZOFRENIA
217), foi Benedict Morel (1809-1873), notável alienista francês, quem pela primeira vez
recorreu à expressão demência juvenil ou precoce para denominar esses quadros clínicos.
Entretanto, alguns autores verificaram que nem sempre se pode classificar como estado
demencial aquele que é encontrado na démence précoce (demência precoce). Em vista disso,
Bleuler (1857-1939), psiquiatra suíço, propôs o nome esquizofrenia4, com o significado de
psicose de desintegração.
O psiquiatra alemão Emil Kraepelin (1856-1926) fundiu, em um só grupo, as duas
formas de esquizofrenia pesquisadas anteriormente por Ewald Haecker (1843-1909) e Karl
Kahlbaum: a do tipo hebefrênica e a catatônica. Mais tarde, partindo do critério da evolução
da doença, agregou ainda certas formas alucinatórias como a configuração paranoide. É
importante ressaltar que Kraepelin, antes de Bleuler criar o termo esquizofrenia, chamou esse
transtorno mental de demência precoce, ganhou autonomia para se contrapor à loucura
maníaco-depressiva. Essa divisão dos primeiros quadros psiquiátricos – esquizofrenia
transtornos do humor - permanece até hoje e é motivo de debates e pesquisas (NARDI;
VALENÇA, 2015).
Pode-se constatar que a esquizofrenia se origina das observações clínicas do francês
Benedict Morel, do alemão Emil Kraeplin e do suíço Eugen Bleuler. Morel denominou como
démense précoce (demência precoce) a deterioração mental ocorrida na adolescência.
Kraeplin diferenciou a demência precoce de Morel, por ele chamada de dementia precox, da
psicose maníaco-depressiva (hoje em dia chamada de transtorno bipolar), principalmente com
relação ao curso, sendo o da primeira deteriorante e o da segunda remitente. No entanto, foi
das pesquisas de Bleuler que se originou a expressão esquizofrenia, utilizada para indicar a
presença de uma cisão entre pensamento e comportamento nos pacientes afetados (PORTO,
2004).
3 EPIDEMEOLOGIA
A esquizofrenia é um transtorno psicótico grave cuja prevalência, tal como frisado por
Elkis et al. (2018), é de 1% da população mundial e está em nono lugar entre as causas de
incapacidade. Consoante Abreu e Gil (2013, p. 321), a esquizofrenia impacta entre 0,5% e
1,5% da população adulta. A incidência é comparável em todas as sociedades, estando na
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Etimologicamente, segundo Zimerman (2012), o vocábulo esquizofrenia resulta dos etmos gregos schizós =
corte, cisão + phrenes = mente. Bleuler conceituou o termo para indicar a presença de um cisma entre
pensamento, emoção e comportamento nos pacientes afetados. Freud propôs a denominação de parefrenia.
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4 NEUROBIOLOGIA DA ESQUIZOFRENIA
A explicação biológica mais aceita até o momento para a manifestação dos sintomas
da fase aguda da esquizofrenia, sintomas positivos (delírios e alucinações) se baseia na
hipótese dopaminérgica. Serpa et al. (2021), com base em uma série de evidências, afirmam
que:
Fonte: https://pgpneuromarketing.wordpress.com/sabia-que/cerebro-e-a-neurociencia-aplicada-ao-consumo-
nucleo/. Acesso em: 21 abr. 2022.
[...]. é efetuado com base em anamnese completa, com história da doença atual,
história médica pregressa e exame do estado mental. Sugere-se que pelo menos um
interlocutor deva ser entrevistado, a fim de colaborar com a anamnese”.
(ANDRADE et al., 2021, p. 97).
Antônio apresentava sintomas sugestivos de: 1) delírios, quando pensa que está sendo
perseguido por traficantes e de que seu celular está chipado; 2) discurso desorganizado,
quando tenta explicar suas ideias delirantes “estou sendo vigiado por pelos matadores
introduzidos nas clínica”; 3) comportamento desorganizado, quando passa a ter dificuldade
para manter a higiene e a organização social; 4) sintomas negativos, pois passa a ser mais
calado e a não demonstrar mais interesse ou motivação para atividades que gostava de
realizar.
Aaron Beck desenvolveu uma forma de psicoterapia nas décadas de 1960 e 1970, a
qual denominou originalmente de terapia cognitiva, um termo que muitas vezes é usado como
sinônimo de terapia-cognitivo comportamental (BECK, 2022). Essa forma inicial de
psicoterapia delineada por Beck tinha como alvo indivíduos deprimidos. De acordo com o
autor, existem três principais áreas de distorção cognitiva na depressão, a chamada tríade
cognitiva: visão negativa de si mesmo; visão negativa do ambiente de vida e visão negativa
para o futuro. Desde aquela época, ele e muitos pesquisadores do mundo tiveram sucesso na
adaptação dessa terapia às populações com uma ampla gama de transtornos, em muitos
contextos e formatos. Na opinião de Juditth S. Beck (2022), essas adaptações alteraram o
foco, as técnicas, a duração do tratamento, porém os pressupostos teóricos em si permanecem
constantes e, posteriormente, a teoria cognitiva de Beck foi estendida para diversos outros
transtornos.
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BRASIL. Lei Federal 10.216, de 06 de abril de 2002, mais tarde regulamentada pela Portaria n. 2.391, de 26 de
dezembro de 2002, define quatro tipos de internação psiquiátrica: internação psiquiátrica voluntária, aquela que
se dá com o consentimento do paciente; internação psiquiátrica involuntária, aquela que se dá sem o
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se durante a fuga e chegou com diversas escoriações ao hospital. Contido, deu entrada na
instituição hospitalar, no primeiro trimestre de 2021. No prontuário de atendimento, havia o
registro de que Antônio começou a ter delírios persecutórios em casa, bem como apresentava
alucinações auditivas e vozes de comando, que estava sendo espionado por gangs de
traficantes que haviam grampeado o seu celular. Os motivos que levaram a companheira a
decidir pela internação foram os possíveis prejuízos relacionados ao autocuidado, risco de
heteroagressão e os sintomas psicóticos que foram se agravando.
No momento do acolhimento psicológico – primeira consulta do paciente com o
profissional da psicologia, ele paciente apresentou quadro ansioso intenso, negou uso de
substâncias psicoativas. Ao exame do estado mental, encontrava-se lúcido, orientado auto e
alopsiquicamente, hipotímico, sensopercepção alterada por delírios persecutórios, sem
alucinações no momento da consulta, memória preservada, inteligência não testada,
pensamento ilógico, desorganizado, conduta adequada, juízo crítico prejudicado e insight
insatisfatório. Argumentava que sua decisão de não tomar os medicamentos se devia ao fato
de eles, em sua percepção, fazerem mal. Durante parte do tempo de internação – 21 dias,
esteve medicado, prosseguia com ideias de referência, e crenças com grande convicção,
mesmo existindo evidências contrárias, de que estava sendo perseguido e espionado.
8 O TRATAMENTO PSICOLÓGICO
consentimento do paciente (com a indicação técnica pelo médico assistente) e a pedido de terceiro; internação
psiquiátrica compulsória, aquela determinada pela justiça, ela difere da internação involuntária por ser
determinada judicialmente e internação psiquiátrica voluntária que se torna involuntária, essa acontece, no
momento da alta do paciente, em face da presença dos riscos que autorizariam uma internação psiquiátrica
involuntária, será mantido internado contra a vontade.
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das versões sobre a história do paciente é a mais correta. Essa decisão é fundamental, mas
nem sempre é um trabalho fácil para o terapeuta.
Utilizou-se o consultório da clínica. Preparou-se previamente alguns slides visuais
para apresentação. O objetivo, por meio da psicoeducação, foi o de apresentar algumas
informações relacionadas à doença, manejo e tratamento, como facilitar o manejo da doença,
diferenciar delírio de alucinação, promover a participação do familiar no tratamento, inclusive
quanto à adesão a medicação, instrumentalizar o familiar no manejo da crise, prevenir
recaídas e realizar atividades informativas e educativas como, por exemplo, o uso de textos
com casos de superação.
Durante o acolhimento, Maria negou que Antônio usasse drogas, mencionou que os
sintomas se manifestaram com mais severidade nos últimos cinco anos, sem a remissão deles.
Antônio não tomava mais a medicação e, no seu entender, os episódios delirantes
intensificaram-se.
Sutis mudanças foram notadas no comportamento do marido. Até mesmo os serviços
profissionais de Antônio, a instalação de vidros automotivos, haviam perdido qualidade e as
reclamações dos clientes eram frequentes. A esquizofrenia está associada a uma significativa
disfunção social e profissional, como caracterizam Baldaçara e Brandi (2021), a progressão
educacional e a manutenção do emprego costumam ficar prejudicadas pela volia e por outras
manifestações do transtorno, mesmo quando as habilidades cognitivas são suficientes para as
tarefas a serem realizadas.
Em casa, não tomava mais banho, e andava dias com a mesma roupa. Não jogava mais
com a turma do futebol, passava a maior parte dos finais de semana deitado no sofá mexendo
no celular. A filha de 10 anos tinha medo do pai, não entendia o que estava acontecendo e
Antônio estava cada vez mais isolado na família (essa situação emerge quando foi pedido ao
paciente que desenhasse a família, conforme anexo). Em um churrasco na casa de amigos,
Antônio ficava reservado em um canto da casa, disse Maria. A esposa conta que perguntou
Antônio se este estava traficando, respondeu: eu não faço nada disso. Sobre a viagem até o
litoral, para a colocação de um vidro automotivo, disse que tudo era verdade a não ser a trama
da perseguição que havia sido inventada pelo marido.
A presença dos sintomas psicóticos, tanto positivos quanto negativos, delírios e falta
de cuidados pessoais eram evidentes. Constatou-se também que havia um conflito entre a
mãe, a irmã e o cônjuge. Elas não se falavam e não concordavam com a internação de
Antônio, de acordo com Maria. O desempenho profissional do Antônio já não era mais o
mesmo, o desinteresse por cuidados pessoais, conforme descritos, eram sinais notórios de
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Uma vez desenvolvida, a esquizofrenia se manifesta por uma série de sintomas que
podem ser classificados com base nas dimensões apresentadas no quadro abaixo:
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BRASIL. Lei 10.216, de 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de
transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.
18 de maio é o Dia da Luta Antimanicomial. Sobre essa data gostaria de lembrar que o Sergipano Arthur Bispo
do Rosário (1911-1989), viveu a maior parte de sua vida, no manicômio Juliano Moreira (RJ), quando produziu
uma das obras mais importantes da história. Orientado pelas vozes que ouvia, Bispo do Rosário se dedicou a
missão de representar os objetos do mundo para apresentá-los a Deus no Juízo Final. Para tanto, usou materiais
que recolhia no manicômio. Sua obra, hoje é reconhecida nacional e internacionalmente, produziu grande
impacto nos campos da arte e saúde mental. https://museubispodorosario.com/. Acesso em: 18 maio 2022.
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importante para que o terapeuta possa entender como se dá a convivência do paciente com seu
delírio. Assim é que se procurou evocar mais detalhes sobre quando paciente começou a notar
que estava sendo perseguido por gangues, e a resposta era de que fora quando estava indo
para a praia fazer a colocação de um vidro em uma caminhonete. Outra vez, foi quando
retornava do litoral. Eles diziam que iam matar se falasse alguma coisa. Perguntado sobre o
que não poderia falar, não soube dizer do que se tratava e nem porque queriam matá-lo.
Questionado sobre o porquê dessa trama, Antônio apenas repetia que seus amigos haviam dito
que isso iria acontecer, e ele acreditava neles. Também referiu que, no encontro na casa da
irmã, (um mês antes da internação) durante a conversa, havia uma câmera filmando, instalada
no lustre da sala. O que se compreendeu como uma interpretação distorcida sobre uma
luminária comum instalada no teto do ambiente.
Durante os atendimentos, procurou-se reduzir a convicção e as crenças que induzem
ao sofrimento e comprometimento funcional do Sr. Antônio. Identificou-se a crença delirante
mais importante, e que sempre se repetia. Com isso, entendemos que era sobre essa que o
paciente desejava se concentrar. Outro aspecto importante foi o da crença de que seus
pensamentos estavam sendo transmitidos para um chip. Essa crença psicótica está associada a
uma crença não psicótica no que diz respeito aos aspectos funcionais da tecnologia, celulares,
softwaers periféricos e computadores, que ofereciam conteúdo para a crença psicótica. Essa
questão chamou a atenção para um modo de pensamento do paciente que sempre fazia
julgamentos e conclusões confiantes, quase sempre baseadas em evidências equivocadas. Não
era a tecnologia que estava a serviço das gangues espiãs, mas de como os chips poderiam
grampear e interceptar seus pensamentos, isso foi explicado ao paciente. O tratamento com a
terapia cognitiva busca modificar essas crenças delirantes (GADELHA et al., 2021).
Tal como apresentamos, a terapia cognitiva-comportamental dos delírios busca
desfazer, ou corrigir, as crenças delirantes por meio do questionamento a respeito dessas
convicções rígidas do paciente no esforço de atenuar o sofrimento e a interferência que elas
causam à vida funcional do paciente. Bressan et al. (2017) evidenciam que o uso de
intervenções educacionais e informativas auxiliaram na efetividade do tratamento, como na
melhora do insigh, adesão ao tratamento medicamentoso e aumento da compreensão no que
diz respeito à doença. Nas considerações finais, faremos a discussão do caso.
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10 CONSIDERAÇÕES FINAIS
11 REFERÊNCIAS
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