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Arlindo Mascarello

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INTERVENÇÃO EM SAÚDE MENTAL EM UM HOSPITAL DIA ESPECIALIZADO:

ESTUDO DE CASO COM PACIENTE COM ESQUIZOFRENIA 1

MENTAL HEALTH INTERVENTION IN A SPECIALIZED DAY HOSPITAL:


CASE STUDY WITH PATIENT WITH SCHIZOPHRENIA

Arlindo Mascarello2
Luan Paris Feijó 3

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi o de relatar a experiência de intervenção, em saúde mental,


vivenciada durante o Estágio Obrigatório Específico em Psicologia, realizado em um hospital
dia especializado e residencial terapêutico do município de Canoas, situado no Rio Grande do
Sul, com um paciente diagnosticado com o transtorno do espectro da esquizofrenia. A
esquizofrenia é um transtorno que pode gerar impactos psicossociais, considerando a
diversidade e a gravidade de suas manifestações clínicas, a complexidade do tratamento e,
sobretudo, o impacto causado às famílias, à sociedade e aos próprios pacientes. É
caracterizado por severos prejuízos na cognição, afeto e no comportamento. As alucinações e
os delírios são os principais sintomas psicóticos. É de suma importância que as intervenções
psicoeducativas, parte fundamental, praticamente de todos os protocolos para tratamento no
modelo da terapia cognitiva-comportamental, seja parceira para maximizar a adesão ao
tratamento, evitando o surgimento de recaídas, aumento do funcionamento social e o melhor
manejo de situações de crise do paciente. Igualmente, a psicoeducação se apresenta como uma
alternativa importante para familiares de pacientes com esquizofrenia. Concluiu-se que as
técnicas utilizadas, conquanto não substituam o tratamento medicamentoso, apresentam-se
efetivas para criação de condições favoráveis dos efeitos dos tratamentos farmacológicos e de
seus resultados.

Palavras-chave: Psicologia Clínica. Terapia Cognitiva-Comportamental. Psicoeducação.


Esquizofrenia.

ABSTRACT

This work aims at reporting the experience of intervention, in mental health, experienced
during the Specific Mandatory Internship in Psychology, which was carried out in a
specialized day hospital and therapeutic residential in the city of Canoas, located in Rio
Grande do Sul, with a patient diagnosed with schizophrenia spectrum disorder. Schizophrenia
is a disorder that can generate psychosocial impacts, considering the diversity and severity of
its clinical manifestations, the complexity of the treatment and, above all, the impact caused to
families, society and the patients themselves. It is characterized by severe impairments in

1
Artigo decorrente do Trabalho de Conclusão de Curso, do primeiro autor, como requisito parcial para obtenção
do título de bacharel em Psicologia pela Universidade La Salle.
2
Bacharelando em Psicologia. Especialista em Gestão e Planejamento Escolar – Unilasalle. Especialista em
Metodologia do Ensino Religioso – Centro Universitário Internacional. Licenciado em Filosofia - Faculdade de
Filosofia Nossa Senhora Imaculada Conceição. E-mail: armascarello@gmail.com
3
Doutor (2021) e Mestre (2017) em Psicologia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Especialista em
Teoria Psicanalítica pela Faculdade Dom Alberto (2019) e em Neuropsicopedagogia pelo Centro Universitário
Leonardo da Vinci (2017) e Graduação em Psicologia pelo Centro Universitário Cesuca (2015). E-mail:
luan.feijo@unilasalle.edu.br
2

cognition, affection and behavior. Hallucinations and delusions are the main psychotic
symptoms. It is of paramount importance that psychoeducational interventions, which are a
fundamental part of practically all protocols for treatment according to the cognitive-
behavioral therapy model, are included in order to maximize treatment adherence, avoiding
the emergence of relapses, increase of social functioning and better management of patient's
crisis situations. Likewise, psychoeducation presents itself as an important alternative for
family members of patients with schizophrenia. It was concluded that the techniques used,
while not replacing drug treatment, are effective in creating favorable conditions for the
effects of pharmacological treatments and their results.

Keywords: Clinical psychology. Cognitive-Behavioral Therapy. Psychoeducation.


Schizophrenia.

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por objetivo apresentar a experiência de intervenção em saúde


mental em um hospital psiquiátrico, referente aos atendimentos realizados em um paciente
adulto com diagnóstico de transtorno do espectro da esquizofrenia. Destaca-se que será
utilizado no artigo o nome fictício de Antônio para o caso clínico. A escolha do caso clínico,
para o relato de experiência, ocorreu em razão de ser o primeiro atendimento de um paciente
esquizofrênico e de um histórico da falta de adesão do paciente a prescrição nem/ou ao
tratamento sugerido, resultando no motivo principal da recaída e consequente reinternação
hospitalar. A esquizofrenia é uma doença de agravamentos e remissões. Pode-se dividir o
curso de doença em fases, porém é importante lembrar que nem sempre teremos uma
demarcação precisa de cada fase.
O paciente Antônio, após a primeira internação em 2017, embora sintomático,
apresentou um quadro de estabilidade emocional e psicológica. Em 2021, os sintomas
prodrômicos positivos se exacerbaram e a partir daí um declínio funcional, marcado por
surtos psicóticos. Segundo Andrade et al. (2021, p. 101), o declínio funcional é mais
acentuado nos primeiros cinco anos após o primeiro episódio psicótico.
Em relação ao local, trata-se de um hospital especializado em saúde mental, que
funcionava 24 horas para internações particulares, convênios e judiciais. Os atendimentos ao
paciente foram realizados nas dependências da instituição. As sessões realizadas com o
paciente foram orientadas pela terapia cognitiva-comportamental, sendo que a psicoeducação
foi uma das intervenções mais utilizadas. Justifica-se o uso dessas abordagens por se
adequarem ao breve tempo de internação hospitalar do paciente, por se mostrarem eficazes e
tecnicamente amplamente estudadas (LEMES; NETO, 2017).
3

Os instrumentos de coleta foram o prontuário hospitalar do paciente, os registros


realizados pelo autor durante e ao final de cada atendimento, o Exame do Estado Mental, e o
Miniexame das Funções Mentais (FOLSTEIN; FOLSTEIN; MCHUGH, 1975). A intervenção
clínica foi embasada em pesquisas bibliográficas, quando foram levantadas as referências
teóricas por meio da literatura impressa, adquirida no sebo Estante Virtual, ou diretamente das
editoras, e de artigos científicos em meio eletrônico de domínio público com base de dados
como, por exemplo, o Google, sobre psicoeducação e esquizofrenia.
A instituição de acolhimento em saúde mental assemelha-se ao conceito de instituição
total encontrado em Goffman (1990), um estabelecimento fechado que funciona em regime de
internação, em que um grupo relativamente numeroso de internados vive em tempo integral.
Naquele contexto psiquiátrico, o contato com o mundo externo se dá a partir dos visitantes e,
em época de Covid-19, por meio das videochamadas. Os pacientes vivem em um espaço
fechado, homogêneo e todas as atividades são realizadas com o mesmo grupo de pessoas,
sempre nos mesmos lugares, nos mesmos horários, no mesmo ritmo, obedecendo às normas
institucionais e não às individuais, determinando a limitação de outras experiências. E é nesse
setting que se encontra o paciente, para o qual foi adaptado o atendimento.
Na unidade de internação, existem horários afixados em um painel para os pacientes,
como o do café da manhã, o horário para fumar no pátio, o horário para ouvir música e ver
televisão, para descer até o deck, o almoço, café da tarde e janta e o horário de dormir. Este
trabalho é direcionado aos pacientes e seus familiares, que contribuem decisivamente com a
formação dos profissionais de saúde mental, quando compartilham suas dores, suas histórias,
suas visões de mundo, eles são, na verdade, a razão de ser deste trabalho.

2 HISTÓRICO DA ESQUIZOFRENIA

A esquizofrenia é um transtorno de etiologia desconhecida. Conforme Valença e Nardi


(2015, p. 17), no decorrer dos anos, numerosos sinais e sintomas foram descritos para definir
sua caracterização clínica e separá-la de outras doenças mentais. Neste capítulo, será realizada
uma breve incursão na história da esquizofrenia e suas principais ideias.
Os autores antigos, dotados de grande capacidade de observação, já haviam notado o
fato de que certos jovens, depois de terem revelado na infância um desenvolvimento
intelectual normal, bem como certo talento, tivessem manifestado ao atingir a adolescência
uma série de desordens na esfera intelectual, afetiva e moral, sem comprometer suas vidas, o
que culminava quase sempre em uma completa decadência psíquica. Para Silva (1940, p.
4

217), foi Benedict Morel (1809-1873), notável alienista francês, quem pela primeira vez
recorreu à expressão demência juvenil ou precoce para denominar esses quadros clínicos.
Entretanto, alguns autores verificaram que nem sempre se pode classificar como estado
demencial aquele que é encontrado na démence précoce (demência precoce). Em vista disso,
Bleuler (1857-1939), psiquiatra suíço, propôs o nome esquizofrenia4, com o significado de
psicose de desintegração.
O psiquiatra alemão Emil Kraepelin (1856-1926) fundiu, em um só grupo, as duas
formas de esquizofrenia pesquisadas anteriormente por Ewald Haecker (1843-1909) e Karl
Kahlbaum: a do tipo hebefrênica e a catatônica. Mais tarde, partindo do critério da evolução
da doença, agregou ainda certas formas alucinatórias como a configuração paranoide. É
importante ressaltar que Kraepelin, antes de Bleuler criar o termo esquizofrenia, chamou esse
transtorno mental de demência precoce, ganhou autonomia para se contrapor à loucura
maníaco-depressiva. Essa divisão dos primeiros quadros psiquiátricos – esquizofrenia
transtornos do humor - permanece até hoje e é motivo de debates e pesquisas (NARDI;
VALENÇA, 2015).
Pode-se constatar que a esquizofrenia se origina das observações clínicas do francês
Benedict Morel, do alemão Emil Kraeplin e do suíço Eugen Bleuler. Morel denominou como
démense précoce (demência precoce) a deterioração mental ocorrida na adolescência.
Kraeplin diferenciou a demência precoce de Morel, por ele chamada de dementia precox, da
psicose maníaco-depressiva (hoje em dia chamada de transtorno bipolar), principalmente com
relação ao curso, sendo o da primeira deteriorante e o da segunda remitente. No entanto, foi
das pesquisas de Bleuler que se originou a expressão esquizofrenia, utilizada para indicar a
presença de uma cisão entre pensamento e comportamento nos pacientes afetados (PORTO,
2004).

3 EPIDEMEOLOGIA

A esquizofrenia é um transtorno psicótico grave cuja prevalência, tal como frisado por
Elkis et al. (2018), é de 1% da população mundial e está em nono lugar entre as causas de
incapacidade. Consoante Abreu e Gil (2013, p. 321), a esquizofrenia impacta entre 0,5% e
1,5% da população adulta. A incidência é comparável em todas as sociedades, estando na

4
Etimologicamente, segundo Zimerman (2012), o vocábulo esquizofrenia resulta dos etmos gregos schizós =
corte, cisão + phrenes = mente. Bleuler conceituou o termo para indicar a presença de um cisma entre
pensamento, emoção e comportamento nos pacientes afetados. Freud propôs a denominação de parefrenia.
5

faixa de 1 a 10 pessoas em cada 20.000 pessoas por ano. No Brasil, a prevalência da


esquizofrenia varia de 0,4 a 0,8%, o que corresponde, aproximadamente, a 1,6 milhão de
pessoas (GADELHA et al., 2021).
Alguns estudos não encontraram diferenças na prevalência entre os sexos. O
surgimento da doença ocorre, em geral, na adolescência ou no início da idade adulta, com um
pico de prevalência aos 40 anos, declinando substancialmente entre os mais idosos
(GADELHA et al., 2021). A chance de morrer é 2,6% maior que a mortalidade da população
em geral. Elkis et al. (2018) evidenciam que entre as causas da mortalidade na esquizofrenia
está o risco de suicídio, pois na esquizofrenia é de 5%, enquanto na população geral é de
aproximadamente 1%.

4 NEUROBIOLOGIA DA ESQUIZOFRENIA

A explicação biológica mais aceita até o momento para a manifestação dos sintomas
da fase aguda da esquizofrenia, sintomas positivos (delírios e alucinações) se baseia na
hipótese dopaminérgica. Serpa et al. (2021), com base em uma série de evidências, afirmam
que:

Medicamentos com efeitos antipsicóticos influíam na sinalização dopaminérgica,


assim como estudos sugerindo que a liberação de dopamina na fenda sináptica
proporcionada por substâncias psicoativas (como anfetaminas e maconha)
provocariam sintomas psicóticos, delineou-se a hipótese dopaminérgica (SERPA et
al., 2021, p. 189).

O motivo pelo qual as alterações da sinalização dopaminérgica no núcleo accumbens


poderiam estimular sintomas psicóticos ainda é desconhecido, todavia encontramos uma
possível explicação:

Seria o fato de que os neurônios dopaminérgicos disparam em resposta a possíveis


recompensas no ambiente e que a liberação da dopamina leva a um direcionamento
da atenção e de comportamento para a situação de recompensa, dessa forma
imbuindo o estímulo com uma saliência motivacional na mente (SERPA et al.,
2021, p. 190).
6

Figura 1 - Via dopaminérgica. Núcleo accumbens, o centro do prazer

Fonte: https://pgpneuromarketing.wordpress.com/sabia-que/cerebro-e-a-neurociencia-aplicada-ao-consumo-
nucleo/. Acesso em: 21 abr. 2022.

No entanto, se a hiperdopaminergia localizada no núcleo accumbens pode ser a causa


dos sintomas psicóticos, uma hipodopaminergia em córtex frontal é considerada responsável
pelos sintomas negativos e cognitivos do transtorno. Nesse caso, o neurotransmissor que tem
despertado interesse dos pesquisadores é o glutamato. Para Londero et al. (2015), o glutamato
estaria envolvido tanto nas atividades resultantes dos sintomas positivos quanto nos sintomas
negativos da esquizofrenia. Uma dificuldade em tentar indicar um neurotransmissor em vez
de outro como causa dos sintomas está no fato de que, para Beck (2010, p. 50), os sistemas
neurotransmissores muitas vezes interagem no sentido de tornam difícil determinar causa e
efeito.

5 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS DESCRITIVOS

O diagnóstico da esquizofrenia é realizado apenas de acordo com os sintomas clínicos,


não havendo exames ou procedimentos de testagem exclusivos com essa finalidade. Andrade
et al. sustentam que o diagnóstico da esquizofrenia:

[...]. é efetuado com base em anamnese completa, com história da doença atual,
história médica pregressa e exame do estado mental. Sugere-se que pelo menos um
interlocutor deva ser entrevistado, a fim de colaborar com a anamnese”.
(ANDRADE et al., 2021, p. 97).

Os critérios diagnósticos são operacionalizados em manuais de referência. Entre eles


está o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. No quadro que vem a seguir,
é apresentado o critério A do DSM-5:
7

Quadro 1 – Critérios diagnósticos para Transtorno do Espectro da Esquizofrenia


A. Dois (ou mais) dos itens a seguir, cada um presente por uma quantidade significativa de
tempo durante um período de um mês (ou menos, se tratados com sucesso). Pelo menos um
deles deve ser (1), (2), (3), (4) ou (5):
1. Delírios.
2. Alucinações.
3. Discurso desorganizado.
4. Comportamento grosseiramente desorganizado.
5. Sintomas negativos (isto é, expressão emocional diminuída ou avolia).
Fonte: APA, 2014 (Adaptado).

Antônio apresentava sintomas sugestivos de: 1) delírios, quando pensa que está sendo
perseguido por traficantes e de que seu celular está chipado; 2) discurso desorganizado,
quando tenta explicar suas ideias delirantes “estou sendo vigiado por pelos matadores
introduzidos nas clínica”; 3) comportamento desorganizado, quando passa a ter dificuldade
para manter a higiene e a organização social; 4) sintomas negativos, pois passa a ser mais
calado e a não demonstrar mais interesse ou motivação para atividades que gostava de
realizar.

6 TERAPIA COGNTIVA-COMPORTAMENTAL NA ESQUIZOFRENIA

Aaron Beck desenvolveu uma forma de psicoterapia nas décadas de 1960 e 1970, a
qual denominou originalmente de terapia cognitiva, um termo que muitas vezes é usado como
sinônimo de terapia-cognitivo comportamental (BECK, 2022). Essa forma inicial de
psicoterapia delineada por Beck tinha como alvo indivíduos deprimidos. De acordo com o
autor, existem três principais áreas de distorção cognitiva na depressão, a chamada tríade
cognitiva: visão negativa de si mesmo; visão negativa do ambiente de vida e visão negativa
para o futuro. Desde aquela época, ele e muitos pesquisadores do mundo tiveram sucesso na
adaptação dessa terapia às populações com uma ampla gama de transtornos, em muitos
contextos e formatos. Na opinião de Juditth S. Beck (2022), essas adaptações alteraram o
foco, as técnicas, a duração do tratamento, porém os pressupostos teóricos em si permanecem
constantes e, posteriormente, a teoria cognitiva de Beck foi estendida para diversos outros
transtornos.
8

Knaap (2004) corrobora essa ideia ao afirmar que as terapias cognitivo-


comportamentais derivam de um mesmo modelo cognitivo prototípico e compartilham alguns
pressupostos básicos, mesmo quando apresentam diferentes abordagens conceituais e
estratégicas nos diversos transtornos. Portanto, na prática clínica, as características definidoras
das terapias cognitivo-comportamentais, para os diversos transtornos mentais, até mesmo a
esquizofrenia, repetem as três proposições fundamentais de Beck: primeira, que a atividade
cognitiva influencia o comportamento; segunda, que a atividade pode ser monitorada e
alterada; e terceira, que o comportamento desejado pode ser influenciado mediante mudança
cognitiva (DOBSON; SCHERER, 2008).
A terapia cognitivo-comportamental busca identificar e corrigir os pensamentos
disfuncionais (distorções cognitivas) prevalentes nos mais diversos transtornos. Dessa forma,
o que se procura é auxiliar o paciente a observar a maneira errônea a partir da qual se
processam as informações e as interpretações dos fatos. O indivíduo poderá questionar a
veracidade destes pensamentos e interpretações permitindo novas possibilidades de pensar e
agir (GADELHA et al., 2021).
O princípio fundamental da TCC é de que as cognições (pensamentos, crenças,
interpretações) de um indivíduo perante as situações influenciam suas emoções e
comportamentos. O psicólogo atua sobre as cognições a fim de alterar as emoções e
comportamentos que as acompanham. Knaap e Beck (2008) salientam que a característica
definidora da TCC é o conceito de que os sintomas e os comportamentos disfuncionais são
cognitivamente mediados e, logo, a melhora pode ser produzida pela modificação do
pensamento e de crenças disfuncionais.
Berberian et al. (2021) proferem que as mais influentes diretrizes (guidelines)
recomendam a TCC como principal forma de tratamento psicológico da esquizofrenia.
Ademais, para os autores, os objetivos da TCC enfatizam o desenvolvimento de autonomia,
autodeterminação e vida de qualidade, não apenas pela estabilidade e ausência de
dificuldades, mas sobretudo pelos desejos, valores e necessidades do paciente e de seus
familiares. Em relação a isso, durante os atendimentos, foi incentivado ao paciente Antônio
uma postura ativa e persistente em direção à sua própria recuperação, o que o levou a
questionar como poderia lidar com sua doença, mesmo depois de sua alta da instituição.
Barreto e Elkis (2004) afirmam que a participação ativa do paciente, a compreensão do
transtorno psicótico, a diminuição do risco de recaídas, bem como a possibilidade de
reinserção social são alguns dos objetivos da TCC para pacientes psicóticos.
9

O modelo de estrutura da sessão é o modelo clássico de Beck e colaboradores (1979),


que segue a seguinte organização: 1) revisão do humor; 2) ponte com a última sessão; 3)
revisão das tarefas; 4) fazer a agenda; trabalhar itens da agenda; 5) resumos periódicos; 6)
resumo final e 7) feedback da sessão. Nos atendimentos ao paciente, procurou-se trabalhar as
sessões de forma estruturada como acontece com a TCC para outros transtornos, levando em
conta o ambiente hospitalar e o tempo de internação, que é de vinte e um dias, o que limita de
certa forma a sequência das sessões.
A primeira fase da psicoterapia é a formação de uma aliança terapêutica (AT) e
colheita de informações. Pacientes com desconfiança/paranoia estruturada, a empatia pode ser
difícil da AT ser alcançada. Além das atitudes cordiais, também é importante descrever
brevemente a terapia e os seus objetivos (BARRETO; ELKIS, 2005). Nessa fase, deve ser
dada ênfase à definição da estratégia de intervenção, ou seja, a conceitualização cognitiva do
paciente. Barreto e Elkis (2005) explicitam que a aliança terapêutica e a avaliação têm duas
funções principais: a primeira é uma relação terapêutica colaborativa e a segunda uma
colheita de informações para uma conceitualização cognitiva personalizada. A segunda parte
consiste na utilização de estratégias cognitivas para ajudar o paciente a lidar com suas
experiências psicóticas. Knaap (2005) destaca a importância do afeto no tratamento, pois, sem
a presença do afeto, a reestruturação cognitiva não acontece. A terceira parte consiste na
avaliação e TCC para delírios.
Beck et al. (2010) sintetizam a abordagem de tratamento a partir da avaliação de
sintomas/cognições, identificação do foco delirante, avaliação das distorções cognitivas,
identificação dos gatilhos dos delírios, fatores de predisposição, precipitação e perpetuação
que contribuem com o desenvolvimento, persistência atual dos delírios e conceituação do
caso. Como tratamento, os autores sugerem a psicoeducação, desenvolver consciência da
interação entre pensamentos, sentimentos e comportamentos relacionados com as
interpretações delirantes; testar e corrigir interpretações delirantes e construir crenças
alternativas. A quarta parte consiste na avaliação e TCC para alucinações auditivas. Beck et
al. apresentam estratégias para o tratamento das alucinações na forma de vozes. Os autores
ressaltam que, para tratar as alucinações auditivas na forma de vozes, os componentes mais
importantes são: a identificação e a redução das crenças errôneas sobre as vozes. Uma visão
geral da abordagem terapêutica das vozes pode ser resumida da seguinte forma: avaliação de
sintomas e cognições; propriedades físicas das vozes; frequência e gravidade das vozes;
crenças sobre as vozes; monitorar vozes; identificar gatilhos para as vozes; conceituação do
caso e identificação dos fatores cognitivos que contribuem com o conteúdo específico das
10

vozes e as crenças sobre a representação, significado, propósito e consequência das vozes.


Como tratamento, sugerem: psicoeducação; educar o paciente sobre o modelo da
vulnerabilidade ao estresse para o desenvolvimento das vozes; familiarizar o paciente ao
modelo da TCC; desenvolver a avaliação e crenças na perturbação com as vozes; implementar
abordagens cognitivas e comportamentais; abordar o conteúdo das vozes e abordar crenças
delirantes sobre as vozes (GADELHA et al., 2021).
No que diz respeito à avaliação de vozes na entrevista clínica, Beck et al. sugerem
perguntas ao paciente sobre as características físicas das vozes: Você ouve vozes que outras
pessoas não ouvem? O que a voz diz? Há mais de uma voz? Você reconhece a voz? De um
modo geral, como a voz afeta a sua vida? Os autores recomendam também que sejam feitas
perguntas sobre as avaliações/crenças sobre as vozes: por que você acha que outras pessoas
não conseguem ouvir suas vozes? Como você se sente por ouvir vozes? A voz pode prejudicá-
lo de algum modo? A voz instrui a fazer coisas que você não deseja fazer? Esses são
questionamentos, por exemplo, importantes de confrontar e interpretar com o paciente/cliente
(GADELHA et al., 2021).

7 O CASO CLÍNICO E A RELAÇÃO TERAPÊUTICA

O estudo de caso foi realizado com o paciente Antônio. Com aproximadamente 52


anos na época dos atendimentos, em 2021, possuía ensino médio incompleto, casado, uma
filha de 10 anos, profissional autônomo. Havia sido diagnosticado com esquizofrenia
paranoide em 2017 (primeiro episódio psicótico), pelo médico psiquiatra de plantão, no
Pronto Atendimento 24 horas de uma cidade da região metropolitana de Porto Alegre - RS,
que solicitou a internação imediata do paciente em uma clínica para tratamento psiquiátrico.
Após 21 dias de internação, teve alta com encaminhamento para o Centro de Atenção
Psicossocial (CAPS) do mesmo município e com a medicação prescrita. Antônio fez adesão à
medicação durante o primeiro ano após diagnóstico. No decorrer do ano seguinte, abandonou
o uso da medicação e não compareceu mais para os atendimentos no CAPS. Deste momento
em diante, houve uma piora do quadro exigindo uma nova internação hospitalar em 2021.
Antônio foi trazido por seu cônjuge para internação involuntária5. Após consulta na
clínica, ao ser conduzido para atendimento em regime de internação, tentou fugir, machucou-

5
BRASIL. Lei Federal 10.216, de 06 de abril de 2002, mais tarde regulamentada pela Portaria n. 2.391, de 26 de
dezembro de 2002, define quatro tipos de internação psiquiátrica: internação psiquiátrica voluntária, aquela que
se dá com o consentimento do paciente; internação psiquiátrica involuntária, aquela que se dá sem o
11

se durante a fuga e chegou com diversas escoriações ao hospital. Contido, deu entrada na
instituição hospitalar, no primeiro trimestre de 2021. No prontuário de atendimento, havia o
registro de que Antônio começou a ter delírios persecutórios em casa, bem como apresentava
alucinações auditivas e vozes de comando, que estava sendo espionado por gangs de
traficantes que haviam grampeado o seu celular. Os motivos que levaram a companheira a
decidir pela internação foram os possíveis prejuízos relacionados ao autocuidado, risco de
heteroagressão e os sintomas psicóticos que foram se agravando.
No momento do acolhimento psicológico – primeira consulta do paciente com o
profissional da psicologia, ele paciente apresentou quadro ansioso intenso, negou uso de
substâncias psicoativas. Ao exame do estado mental, encontrava-se lúcido, orientado auto e
alopsiquicamente, hipotímico, sensopercepção alterada por delírios persecutórios, sem
alucinações no momento da consulta, memória preservada, inteligência não testada,
pensamento ilógico, desorganizado, conduta adequada, juízo crítico prejudicado e insight
insatisfatório. Argumentava que sua decisão de não tomar os medicamentos se devia ao fato
de eles, em sua percepção, fazerem mal. Durante parte do tempo de internação – 21 dias,
esteve medicado, prosseguia com ideias de referência, e crenças com grande convicção,
mesmo existindo evidências contrárias, de que estava sendo perseguido e espionado.

8 O TRATAMENTO PSICOLÓGICO

8.1 Contato com a família

Muitas vezes, para uma avaliação adequada, faz-se necessária a informação de


familiares, amigos e conhecidos do paciente como outros informantes. A mãe, o pai ou o
cônjuge do paciente, por exemplo, têm a sua visão do caso, mas não uma visão total dele.
Todavia, os dados fornecidos pelos acompanhantes são indispensáveis, podendo revelar
informações significativas e confiáveis.
Entende-se que a informante mais confiável, de quem poderiam vir os esclarecimentos
mais seguros e úteis para o nosso trabalho clínico, seriam de seu cônjuge, que adotaremos o
nome fictício de Maria e Leticia para a filha. Nesse ponto, refletiu-se sobre a decisão de qual

consentimento do paciente (com a indicação técnica pelo médico assistente) e a pedido de terceiro; internação
psiquiátrica compulsória, aquela determinada pela justiça, ela difere da internação involuntária por ser
determinada judicialmente e internação psiquiátrica voluntária que se torna involuntária, essa acontece, no
momento da alta do paciente, em face da presença dos riscos que autorizariam uma internação psiquiátrica
involuntária, será mantido internado contra a vontade.
12

das versões sobre a história do paciente é a mais correta. Essa decisão é fundamental, mas
nem sempre é um trabalho fácil para o terapeuta.
Utilizou-se o consultório da clínica. Preparou-se previamente alguns slides visuais
para apresentação. O objetivo, por meio da psicoeducação, foi o de apresentar algumas
informações relacionadas à doença, manejo e tratamento, como facilitar o manejo da doença,
diferenciar delírio de alucinação, promover a participação do familiar no tratamento, inclusive
quanto à adesão a medicação, instrumentalizar o familiar no manejo da crise, prevenir
recaídas e realizar atividades informativas e educativas como, por exemplo, o uso de textos
com casos de superação.
Durante o acolhimento, Maria negou que Antônio usasse drogas, mencionou que os
sintomas se manifestaram com mais severidade nos últimos cinco anos, sem a remissão deles.
Antônio não tomava mais a medicação e, no seu entender, os episódios delirantes
intensificaram-se.
Sutis mudanças foram notadas no comportamento do marido. Até mesmo os serviços
profissionais de Antônio, a instalação de vidros automotivos, haviam perdido qualidade e as
reclamações dos clientes eram frequentes. A esquizofrenia está associada a uma significativa
disfunção social e profissional, como caracterizam Baldaçara e Brandi (2021), a progressão
educacional e a manutenção do emprego costumam ficar prejudicadas pela volia e por outras
manifestações do transtorno, mesmo quando as habilidades cognitivas são suficientes para as
tarefas a serem realizadas.
Em casa, não tomava mais banho, e andava dias com a mesma roupa. Não jogava mais
com a turma do futebol, passava a maior parte dos finais de semana deitado no sofá mexendo
no celular. A filha de 10 anos tinha medo do pai, não entendia o que estava acontecendo e
Antônio estava cada vez mais isolado na família (essa situação emerge quando foi pedido ao
paciente que desenhasse a família, conforme anexo). Em um churrasco na casa de amigos,
Antônio ficava reservado em um canto da casa, disse Maria. A esposa conta que perguntou
Antônio se este estava traficando, respondeu: eu não faço nada disso. Sobre a viagem até o
litoral, para a colocação de um vidro automotivo, disse que tudo era verdade a não ser a trama
da perseguição que havia sido inventada pelo marido.
A presença dos sintomas psicóticos, tanto positivos quanto negativos, delírios e falta
de cuidados pessoais eram evidentes. Constatou-se também que havia um conflito entre a
mãe, a irmã e o cônjuge. Elas não se falavam e não concordavam com a internação de
Antônio, de acordo com Maria. O desempenho profissional do Antônio já não era mais o
mesmo, o desinteresse por cuidados pessoais, conforme descritos, eram sinais notórios de
13

desorganização. O franco quadro psicótico, com delírios persecutórios, e negativismo ao


medicamento culminaram pela escolha por uma internação involuntária. Ao final da
orientação e acolhimento, foi à decisão da esposa de que, após a alta médica, o Antônio não
voltaria mais para casa. Alegou esgotamento com toda essa situação e, por isso, tentaria
prorrogar a internação. Caso não conseguisse, combinaria com a sogra para que, na alta, o
removessem da clínica para a casa dela. E assim se sucedeu. Atualmente, Antônio mora com a
mãe e Maria leva sua filha Leticia para ficar algumas horas com o pai.

8.2 Processo de Atendimento Psicoterápico

No primeiro atendimento, Antônio mencionou que tomou a decisão de reduzir a


medicação por conta própria, pois, segundo ele, não fazia mais efeito, e que estava com
problemas de disfunção erétil. “Não estava mais disposto a tomar medicamentos que
atrapalhassem sua vida”. Antônio usava Clonazepam, mas depois passou a usar Latuda que,
para ele, era o “único que lhe melhorava os sintomas, mas custava muito caro”. Mostrou-se,
inicialmente, surpreso e irritado com o cônjuge em razão de sua internação de forma
involuntária. Estar internado, nessa condição, era sentido por Antônio, como algo
desnecessário. Durante o período de internação, vinte e um dias, foi medicado com
Haloperidol, Risperidona, Levomeprazina e Clozapina, com doses reajustadas pelos
psiquiatras que o acompanhavam.
No decurso do tempo em que esteve internado, sempre que realizados os seus
atendimentos, o paciente costumava repetir que “estava sendo perseguido por traficantes e que
seria executado quando tivesse alta”. Relatava também “que o seu celular havia sido
grampeado, e que haviam instalado um chip”. Era frequente o paciente me revistar para ter
certeza de que eu não estava com o meu telefone e, por precaução, decidi não subir mais com
o smartphone. Nas demais consultas, solicitou que eu pesquisasse na internet sobre um “vírus
espião” que poderia estar monitorando e filmando nossas conversas”. Insistia para que eu
falasse baixo e olhava com desconfiança para os outros pacientes, pois, segundo ele, “estava
sendo vigiado pelos matadores introduzidos na clínica”.
Todos os delírios e alucinações do Sr. Antônio parecem envolver o tema único de uma
conspiração para vigiá-lo. Os delírios bizarros e as alucinações proeminentes são os sintomas
psicóticos característicos da esquizofrenia. Do ponto de vista de Palmeira:
14

Delírios persecutórios são a principal característica da síndrome delirante. Com


frequência associados a eles estão os delírios de autorreferência, em que o paciente
acredita que as pessoas o estejam observando, rindo ou comentando sobre ele,
enviando sinais, ou que rádio, TV ou jornais estejam se referindo a ele.
(PALMEIRA, 2018, p. 12).

Em geral, essas ideias envolvem forças ou personagens hostis, mal-intencionados, que


o ameaçam e que, mesmo à luz de evidências conflitantes, não são passíveis de mudanças.
Andrade (2021) salienta que os delírios são crenças fixas, sendo os mais comuns os
persecutórios (crenças de perseguição), de referência (crença de que gestos, comentários,
estímulos do ambiente se referem à própria pessoa).
De acordo com o entendimento clínico, a psicose pode ser descrita como uma quebra
de contato ou distorção da realidade sem rebaixamento do nível de consciência. Kaio et al.
ressaltam a esse respeito que:

Essa quebra de contato com a realidade se torna observável apenas no momento em


que delírios, alucinações ou desorganização do pensamento são manifestados pelos
comportamentos do paciente, o que pode acontecer apenas quando uma franca
psicose já está instalada (KAIO et al., 2018, p. 213).

Uma vez desenvolvida, a esquizofrenia se manifesta por uma série de sintomas que
podem ser classificados com base nas dimensões apresentadas no quadro abaixo:

Quadro 2 – Sintomas do Transtorno do Espectro da Esquizofrenia


SINTOMAS POSITIVOS SINTOMAS NEGATIVOS
*Alucinações *Embotamento afetivo
*Delírios de desorganização *Pobreza do discurso
*Desorganização da conduta *Retraimento social e ausência de reciprocidade
*Agitação psicomotora *Apragmatismo
*Desagregação do pensamento *Déficits cognitivos
*Discurso desorganizado *Avolia
Fonte: adaptada de Elkis et al., 2018.

9 ABORDAGENS UTILIZADAS E INTERVENÇÕES CLÍNICAS

A base do tratamento da esquizofrenia é o suporte medicamentoso, assim como os


antipsicóticos (típicos ou atípicos) são os fármacos de escolha. Apesar da farmacoterapia ser
útil, ela não pode ser pensada como exclusiva no tratamento da esquizofrenia. Existe uma
15

grande variedade de intervenções psicoterápicas de diferentes orientações teóricas. Entre as


técnicas utilizadas durante a intervenção estão a terapia cognitiva-comportamental e a
psicoeducação. Do ponto de vista de Rector (2010), os pacientes que recebem a TCC e o
tratamento-padrão demonstraram uma melhora maior dos que receberam terapia de apoio
mais tratamento padrão.
Com a implantação da Reforma Psiquiátrica6, tornou-se essencial o planejamento, a
execução de práticas humanizadas e eficazes nos diversos serviços de saúde mental, para
auxiliar o doente mental, sua família e a sociedade como um todo. Nesse sentido, quanto à
psicoeducação, Santana menciona que:

A psicoeducação apresenta-se como estratégia complementar ao tratamento


farmacológico que traz benefícios ao portador de transtornos psíquicos e sua família
já que auxilia na adesão ao tratamento proposto, no aumento do conhecimento dos
sintomas prodômicos, na diminuição da sobrecarga e do estresse na relação familiar,
além de contribuir na redução das recaídas e reinternações nos serviços de referência
(SANTANA, 2011, p. 1).

O suporte teórico psicoeducativo sobre o transtorno do espectro da esquizofrenia


apresentado ao paciente foi a construção de crenças, valores, emoções e sua influência na vida
do paciente, os conceitos sobre esquizofrenia, a importância do uso correto da medicação, a
identificação dos sinais de alerta de recidiva, diferenciação dos sintomas positivos e
negativos, as estratégias de manejo de momentos de intensa alucinação, delírio e mensagens
positivas para o paciente ou familiar abordando por meio de textos sobre casos clínicos de
superação em esquizofrenia (BRESSAM et al., 2017).
Na primeira sessão, procurou-se estabelecer uma boa relação terapêutica. Evitou-se
qualquer tipo de procedimento formal para avaliação. Nessa fase inicial, concentrou-se em
formar um bom vínculo com o paciente, pois, em conformidade com Beck et al. (2010), o
sucesso da terapia cognitiva para a esquizofrenia depende de uma relação terapêutica de afeto,
respeito, confiança, segurança e aceitação. Cavalcanti et al. (2021, 690) compartilham essa
ideia ao frisar que, desde o início, é necessário estabelecer um vínculo de confiança e
colaboração. A atitude empática se faz fundamental em todos os atendimentos.

6
BRASIL. Lei 10.216, de 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de
transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.
18 de maio é o Dia da Luta Antimanicomial. Sobre essa data gostaria de lembrar que o Sergipano Arthur Bispo
do Rosário (1911-1989), viveu a maior parte de sua vida, no manicômio Juliano Moreira (RJ), quando produziu
uma das obras mais importantes da história. Orientado pelas vozes que ouvia, Bispo do Rosário se dedicou a
missão de representar os objetos do mundo para apresentá-los a Deus no Juízo Final. Para tanto, usou materiais
que recolhia no manicômio. Sua obra, hoje é reconhecida nacional e internacionalmente, produziu grande
impacto nos campos da arte e saúde mental. https://museubispodorosario.com/. Acesso em: 18 maio 2022.
16

Como instrumento para avaliação inicial, de um possível comprometimento cognitivo,


optei pelo Miniexame do Estado Mental (FOLSTEIN, M.F.; FOLSTEIN, S.E., 1975), por se
tratar de um teste rápido, menos de cinco minutos, utilizando apenas lápis e folha de papel. O
instrumento examina orientação espacial e temporal, memória de curto prazo
(imediata/atenção), evocação, habilidades de linguagem, visuoespaciais, cálculo e praxia. A
pontuação varia de 0 a 30. Antônio obteve escore dentro do esperado para a escolaridade do
paciente considerando, também, que o paciente se encontrava, no momento da aplicação,
sonolento em razão da sedação.
Nas sessões seguintes, procurou-se motivar o paciente para o tratamento, apresentando
os tópicos psicoeducativos para que ele começasse a entender as fontes de sua perturbação
promovendo, ao mesmo, qualquer tipo de orientação que ele pedisse, para além dos alvos
sintomáticos como, por exemplo, a documentação necessária para apresentar na perícia da
seguridade social em razão da sua alta. Para isso, solicitamos ao serviço social da clínica que
informasse o paciente sobre essa questão.
Dados os primeiros passos nesse processo de construção de um bom rapport,
avançamos para um questionamento mais ativo das crenças delirantes. Mesmo medicado, ele
ainda apresentava um grau elevado de paranoia, por este motivo, com muita paciência,
evitava-se desafios ou discussões sobre as crenças do paciente. Ainda estava muito
desconfiado, alertava sobre a presença de informantes próximos ao cliente, gangs que
estavam dispostos a matá-lo e celulares com chips espiões.
Teve-se todo o cuidado a fim de evitar que o paciente suspeitasse que estava sendo
perseguido. Nesse sentido, o celular, embora fosse necessário estar disponível para eventuais
emergências quando demandadas pela supervisora local, entendeu-se que, nessa circunstância,
o melhor a fazer era mesmo deixá-lo com os demais pertences na sala multidisciplinar.
Como descrito em seção anterior, estruturou-se a psicoterapia, inicialmente, por meio
do estabelecimento da aliança terapêutica, apoio, cooperação e psicoeducação. Desde a última
sessão, procurou-se evocar a atualização do humor do paciente e verificávamos a adesão à
medicação. Prescrevemos nas sessões seguintes, também, as tarefas de casa para concentrar o
paciente no monitoramento de suas crenças. Essas tarefas eram efetuadas durante a semana e,
na sexta-feira, revisávamos os resultados com o Antônio.
As crenças delirantes do paciente surgiram durante as sessões atravessadas por
questões pessoais, como a preocupação de como a esposa iria pagar as contas se ele estava
internado. Barreto (2015, p. 83) destaca que “o terapeuta deve auxiliar o paciente a conectar
pensamentos, emoções e comportamentos, independentes de serem fatos reais ou não”. É
17

importante para que o terapeuta possa entender como se dá a convivência do paciente com seu
delírio. Assim é que se procurou evocar mais detalhes sobre quando paciente começou a notar
que estava sendo perseguido por gangues, e a resposta era de que fora quando estava indo
para a praia fazer a colocação de um vidro em uma caminhonete. Outra vez, foi quando
retornava do litoral. Eles diziam que iam matar se falasse alguma coisa. Perguntado sobre o
que não poderia falar, não soube dizer do que se tratava e nem porque queriam matá-lo.
Questionado sobre o porquê dessa trama, Antônio apenas repetia que seus amigos haviam dito
que isso iria acontecer, e ele acreditava neles. Também referiu que, no encontro na casa da
irmã, (um mês antes da internação) durante a conversa, havia uma câmera filmando, instalada
no lustre da sala. O que se compreendeu como uma interpretação distorcida sobre uma
luminária comum instalada no teto do ambiente.
Durante os atendimentos, procurou-se reduzir a convicção e as crenças que induzem
ao sofrimento e comprometimento funcional do Sr. Antônio. Identificou-se a crença delirante
mais importante, e que sempre se repetia. Com isso, entendemos que era sobre essa que o
paciente desejava se concentrar. Outro aspecto importante foi o da crença de que seus
pensamentos estavam sendo transmitidos para um chip. Essa crença psicótica está associada a
uma crença não psicótica no que diz respeito aos aspectos funcionais da tecnologia, celulares,
softwaers periféricos e computadores, que ofereciam conteúdo para a crença psicótica. Essa
questão chamou a atenção para um modo de pensamento do paciente que sempre fazia
julgamentos e conclusões confiantes, quase sempre baseadas em evidências equivocadas. Não
era a tecnologia que estava a serviço das gangues espiãs, mas de como os chips poderiam
grampear e interceptar seus pensamentos, isso foi explicado ao paciente. O tratamento com a
terapia cognitiva busca modificar essas crenças delirantes (GADELHA et al., 2021).
Tal como apresentamos, a terapia cognitiva-comportamental dos delírios busca
desfazer, ou corrigir, as crenças delirantes por meio do questionamento a respeito dessas
convicções rígidas do paciente no esforço de atenuar o sofrimento e a interferência que elas
causam à vida funcional do paciente. Bressan et al. (2017) evidenciam que o uso de
intervenções educacionais e informativas auxiliaram na efetividade do tratamento, como na
melhora do insigh, adesão ao tratamento medicamentoso e aumento da compreensão no que
diz respeito à doença. Nas considerações finais, faremos a discussão do caso.
18

10 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Antônio apresentava todas as características de um caso típico de esquizofrenia (APA,


2014). A presença da ideação delirante de natureza persecutória, atitude suspicaz, perda de
rendimento e a internação prévia, não deixam dúvidas quanto ao diagnóstico. A evolução
desfavorável inicial deveu-se, muito provavelmente, à recusa de tratamento com
irregularidade total quanto ao uso dos antipsicóticos.
Tudo indica que a adesão ao tratamento medicamentoso, à terapia cognitiva e as
estratégias psicoeducativas, contribuíram decisivamente com um desfecho benigno. Sem
dúvida que contribuiu também com a adesão ao tratamento e a psicoterapia, a boa relação que
se estabeleceu durante nossos atendimentos clínicos.
Antônio, durante as sessões, havia tido um bom insight sobre a natureza e as causas de
seus problemas. Ainda que manifestasse vontade de descontinuar o uso da medicação, por
entender que estava se sentindo melhor e que poderia deixar de usá-la. As dificuldades com a
adesão ao fármaco não são exclusivas dos pacientes com esquizofrenia, mas são frequentes
em qualquer doença crônica que necessite de tratamento contínuo. Ademais, informar as
características comuns ao transtorno, é fundamental para ampliar o autoconhecimento do
portador.
Mesmo que a participação do cônjuge tenha tido um final inesperado, a família
também ganha muito ao conhecer os sintomas e os gatilhos de uma crise. Durante os
atendimentos clínicos, a família passa a interagir por meio de informações mais efetivas com
o profissional e o portador do transtorno mental, prevenindo muitas situações indesejadas.
Após vinte e um dias de internação, Antônio recebeu alta hospitalar e já tem maior
consciência de seu quadro. Entretanto, às vezes perde a dimensão do impacto que a
esquizofrenia ocasiona na vida das pessoas a seu redor com facilidade. Reconhecemos que o
tempo de internação para um tratamento eficaz é muito reduzido em face das demandas
clínicas do paciente. Por outro lado, esse é o tempo limite subsidiado por meio do convênio
com o município que enviou o paciente para atendimento.
A redução e a intensidade dos sintomas psicóticos apontam a previsão de um bom
prognóstico, ainda que o objetivo maior seja o de ajudar o paciente a manejar suas
experiências, seus problemas e, assim, não necessitar mais da internação psiquiátrica. O ideal
seria acompanhar a evolução do paciente, no pós-alta, em atendimentos psicoterápicos
individuais agendados no consultório da clínica por meio de um valor social. Em outro
19

momento, o paciente e o familiar deveriam participar de grupos terapêuticos orientados por


equipe multiprofissional.
A evolução de Antônio, mesmo com a probabilidade de recaída, não deve desestimular
o terapeuta da área de saúde mental - de sempre procurar oferecer os recursos mais indicados
em cada momento. O vínculo, o reforço positivo, a escolha de medicamentos com efeitos
colaterais mais toleráveis, a psicoeducação melhoraram o desfecho e o prognóstico favorável
no caso do paciente Antônio.
O atendimento do paciente, o estudo da literatura sobre a patologia, a interface com
profissionais de outras áreas, como médicos, enfermeiros e serviço social, o estudo sobre as
medicações, o exame das funções mentais, me possibilitaram ampliar o conhecimento,
despertar a curiosidade e o interesse no campo da saúde mental em um ambiente hospitalar,
muito diferente da psicologia clínica praticada em consultórios.
Neste trabalho, propôs-se ideias de inspiração para uma intervenção com pacientes
diagnosticados com esquizofrenia do tipo paranoide. Há uma grande variabilidade de
intervenções psicológicas disponíveis, que podem resultar em perfis diferentes de pacientes. A
psicologia é uma ciência em constante evolução, novas pesquisas e a própria experiência
clínica ampliarão e modificarão as experiências atuais.

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