Entre Plantas e Rezas
Entre Plantas e Rezas
Entre Plantas e Rezas
Atribuição BB CY 4.0
Resumo
Palavras-chave
162
Abstract
This text presents reflections on magic blessing, as a work and educational tool,
carried out by men and women in the Quilombo of Mata Cavalo, located in the 163
municipality of Nossa Senhora do Livramento in the State of Mato Grosso. The
empirical data result from the development of an extension project that
involved formation workshops with these social subjects present in the daily life
of that quilombola community. The formation actions aim to safeguard local
knowledge and curative practices and strengthen the collective of male and
female blessers. The analysis of the results has embraced the perspective of
historical materialism, in order to understand the knowledge and the curative
practices related to magic blessing, articulated with the production of their
material and immaterial existences in the aforementioned quilombola
community. It has been concluded that the practice of magic blessing in this
context is based on the production of life associating the power of prayers, the
production of medicines made from medicinal plants, ancestral knowledges,
and spirituality. In this way, the magic blessing practiced by the quilombolas of
Mata Cavalo constitutes a political and cultural strategy to face the problems in
the community, as well as another perspective of the formation process coined
and produced by this social group on the basis of their culture, history and
sociocultural reality.
Keywords
6 Moreira Santana Santos (2017) argumenta sobre a importância da atuação das associações
para o fortalecimento coletivo quilombola em Mata Cavalo, embora exista alguns conflitos
internos. Algumas associações referenciadas pela autora são: a Associação da comunidade de
Mata Cavalo de Baixo, a Associação dos produtores Rurais de Mata Cavalo de Baixo e a
Associação da Mutuca.
Revista SCIAS. Direitos Humanos e Educação, Belo Horizonte/MG, v. 5, n. 1, p. 161-
185, jan./jun. 2022. e-ISSN: 2596-1772.
trabalhador como uma mercadoria, e justamente na mesma
proporção com que produz bens.
7 A autora Elda Rizzo de Oliveira (1985a) cunha esse termo a partir das diferentes especialidades
[...] ein Zé, o home te… eu passei ali em frente de Maria do Catú,
ela me cerca na rua é… O netinho dela ruim, caganeira,
vomitando. E, às veiz, cê vai com pressa, né? Corpo quente, o
prazo de chegar e fazer aquilo que foi fazer... Aí, parei, fiquei
quieta assim, falei, mas ela já pediu, eu num vou negar, né? Prá
benzer a criança, né? Aí, eu benzi a criança, fui embora. Quando
é mais, aí, ontem, era pr’eu cabar de fazer uns serviço que eu
tava fazendo, minha cunhada me achou eu lá na rua: ‘vambora
vambora’, disviando de lá prá cá, né? Me achou eu de lá pra cá e
já passou a mão, e já vim embora com eles. Ficou assim. Hoje,
eu vortei. Quando vortei lá, passei nessa mema rua, lembrei da
criança, perguntei pá-pá vó dele: _ e o nenê? _ ‘Tá bão!!’
(ANTÔNIA, 74 ANOS, QUILOMBO DE MATA CAVALO,
05/10/2021).
8 Boaventura de Sousa Santos (2020) propõe que a ecologia de saberes e a tradução intercultural
emergem da possibilidade de inteligibilidade crítica e articulada a diferentes contextos com base
na diversidade de saberes, transformando-se em uma ferramenta capacitadora que se alicerça às
lutas sociais contra os diferentes tipos de opressão e de dominação.
Revista SCIAS. Direitos Humanos e Educação, Belo Horizonte/MG, v. 5, n. 1, p. 161-
185, jan./jun. 2022. e-ISSN: 2596-1772.
dente, aí, benzi, até hoje nunca mais doeu. [...] É, eu benzo de
quebranto, dor de dente, e arca caída, né? Isso... [...] Com lenço.
Exatamente. [...] Quebranto é com, com raminho de folha, né?
(OZENIL, 59 ANOS, QUILOMBO DE MATA CAVALO,
05/10/2021).
A fala descrita acima, da benzedeira Vanilza, nos diz muito sobre o ofício
da benzeção como trabalho e educação alinhados à potência da medicina,
presente no cerrado de Mata Cavalo, pois a natureza é concebida como fonte de
vida. Dessa maneira, a natureza é compreendida como um ser vivo que emana a
cura e o cuidado, existindo, pois, uma rede de convivência que possibilita a
interação harmônica entre humanos e outros seres não-humanos, revelando-se
uma rica relação de interdependência.
Sobre isso, Krenak (2020), no livro O amanhã não está à venda, convoca
a raça humana a reconectar-se à natureza, preservando-a no sentido de garantir
a existência das gerações futuras. Nesse sentido, podemos refletir e indagar
sobre como garantir a continuidade da vida no planeta sem respeitar os direitos
da natureza? Desse modo, compreendemos que os saberes e os fazeres da
benzeção estão atrelados ao território e à natureza como um ser sagrado, que
oferece os processos de cura e de cuidado.
[...] meu pai era analfabeto, num escrevia não, mas tem uma
sabedoria. Eu, eu assisti ele curar pessoas com lepra, que num
tinha nem cabelo mais na cabeça. E, com isso, me interessei
mais em aprofundar em remédio caseiro. ((PAULINA
ROSÁRIA, 60 ANOS, QUILOMBO DE MATA CAVALO,
06/10/2021).
[...] até hoje eu tenho a casca de cágado d’água que papai deixou
pra mim. Pra eu pôr na garrafada e dá pra bebê recém-nascido.
[...] Papai ensinou muita oração, mais eu faço oração pros’otro,
ninguém duvide que eu faço. Eu sei como fazer minha oração,
do jeito que ele me ensinou. Se eu quiser hoje à noite fazer uma
oração pro senhor, o senhor pode viajar como fora, que eu tô te
acompanhando. Do jeito que ele me ensinou. É pra criança, é
pra adulto. Pai dele, pai dele benzia gente até com pau. O pai do
meu pai. Ele podia tá andando pro mato, se ele encontrasse com
o senhor e falasse assim ó: ‘ocê num tá bem’, já tirava o chapéu
e te benzia ali mesmo no meio do mato e já panha um pedaço de
pau e benzia. Eu, quando era criança, eu num alcancei as
palavra dele. Eu vi ele, mas ele, porque ele era um, um baita
dum negão alto e barbudo, e eu tinha medo dele (risos).
(ESTIVINA, 61 ANOS, QUILOMBO DE MATA CAVALO,
05/10/2021).
Considerações finais
Referências
KRENAK, A. O amanhã não está à venda. São Paulo: Cia das Letras, 2020.
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