REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 2, volume 2(2):2015
RELAÇÕES DE GÊNERO E MISOGINIA NA CONSTRUÇÃO
DA IMAGEM PÚBLICA DE DILMA ROUSSEFF
Elizabeth Christina de Andrade Lima
Jessica Thais Pereira de Oliveira
RESUMO
O artigo analisa as campanhas de 2010 e 2014 de Dilma Rousseff no ciberespaço e busca fazer
um recorte de gênero. Uma mulher fora dos padrões estéticos estabelecidos pela sociedade,
porém que se utiliza da singularidade do feminino para montar sua imagem perante os eleitores.
Uma candidata que transita entre o masculino e o feminino e se apodera de aspectos de ambos
os mundos para moldar sua figura, se enquadrando assim nos modelos de candidaturas
femininas.
Palavras-chave: Ciberespaço; Gênero; Singularidade do feminino; Dilma Rousseff.
INTRODUÇÃO
No ano de 2010, entre tantos ocorridos, dois fatos chamaram a atenção de
toda a nação. O mais importante deles foi à eleição da primeira mulher Presidenta do
Brasil. Dilma Vana Rousseff (PT) ganhou as eleições presidenciais no segundo turno
com 55.752.092 votos (TSE) ao disputar com o então candidato José Serra (PSDB) e
entrou para a história política nacional. Até então no Brasil, nenhuma mulher havia
chegado à disputa no segundo turno de uma eleição presidencial, a vitória de uma
candidata do sexo feminino parecia ainda algo distante da nossa realidade. Esse fato
tornou Dilma Rousseff um marco para a história recente da democracia em nosso País.
Um marco para a luta pela igualdade feminina, pelo direito de ser mulher e ocupar o
cargo mais alto do nosso sistema político: a Presidência.
Mas não foi somente a chegada feminina à presidência do País que fez das
eleições de 2010 um evento extraordinário. Outro fato que mereceu atenção foi a nova
Lei Eleitoral Brasileira que permitiu a realização de campanhas eleitorais através da
Internet. Essa nova lei gerou por parte de candidatos e eleitores uma forma diferente de
interação durante as eleições, configurando a Internet como o mais novo lugar de
disputa de poder, construção de imagens públicas de candidatos e de influência de
pautas de campanha, direcionando, em grande medida, as eleições. Além da cobertura
midiática convencional – televisão, rádio, jornal impresso, revistas semanais –, a
30
REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 2, volume 2(2):2015
Internet exerceu papel fundamental na interação do eleitor com seu candidato e se
tornou o palco principal da disputa pela presidência.
Essa interação se deu por meio do chamado ciberespaço, que nesta pesquisa
está representado pelas mídias sociais como blogs, canais de vídeos e redes sociais. O
ciberespaço aponta Lévy (1999, p.224), “é um ambiente comunitário, transversal e
recíproco, onde em tese, todos os sujeitos conectados estariam em potencial equilíbrio
na relação, podendo exercer simultaneamente os papeis de ‘emissor’ e ‘receptor’ das
informações em circulação na rede.” Dito de outro modo, trata-se de um modelo
dialógico, possibilitando o surgimento de um espaço propício para a ‘interação geral’ a
partir da interconexão e da criação de comunidades virtuais.
Com a democratização da internet e o acesso maior a aparelhos tecnológicos que
permitem com maior facilidade o uso da rede, os brasileiros fizeram das eleições 2010 e
2014, a eleição virtual. Debates, discussões acaloradas, confrontos abertos entre os
candidatos, piadas sobre os postulantes, estiveram em alta durante quase todo o período
eleitoral. Se por um lado, o uso da Internet nesse período de campanhas eleitorais trouxe
o eleitor para perto da política cotidiana, por outro lado instaurou um clima de
instabilidade nas relações sociais, fazendo com que os usuários da rede se dividissem
entre oposição e governistas.
O uso do ciberespaço para a realização das campanhas eleitorais e o aumento da
participação feminina abriram um leque imenso de possibilidades de análises a respeito
da cultura política brasileira. Através do estudo desses espaços virtuais, utilizados para
realização de campanhas políticas, podemos perceber como se deu a construção e
desconstrução das imagens públicas dos candidatos ao longo de todo processo eleitoral.
Podemos ainda analisar a forma como as candidaturas femininas foram abordadas
nesses espaços, ou melhor, ciberespaços, e como as questões de gênero foram colocadas
nessa dinâmica política no mundo virtual.
A imagem da mulher na política foi questionada, debatida, defendida,
construída e desconstruída a partir das diferentes colocações tanto dos concorrentes
quanto dos usuários dessas mídias. Nesse sentido, esse paper busca compreender,
através da análise do uso do ciberespaço com fins eleitorais, como se deu essa
participação feminina, como foi construída a imagem da mulher política. Para tanto
tomaremos como caso para análise, a candidatura de Dilma Rousseff (PT).
31
REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 2, volume 2(2):2015
Com tal investigação, buscamos trazer para as Ciências Sociais o debate acerca
da relação entre cultura, mídia e política. Desse modo tomaremos essa candidatura
como um marco na reconfiguração da cultura política brasileira, que deixa de ser um
espaço majoritariamente masculino e passa aos poucos a ser plasmada por um espaço
feminino de exercício de poder. Quando falamos de candidaturas femininas a imagem
pública apresentada por essas candidatas é baseada nas noções acerca do ser mulher.
Como aponta Irlys Barreira (1998: p.106):
Pensar sobre a existência de uma simbologia das candidaturas
femininas pressupõe também indagar se essas candidaturas
trazem especificidades, sobretudo se comparadas a candidaturas
masculinas. Mulheres na condição de candidatas ensejam a
emergência de símbolos e estratégias discursivas ligados à
moral, a ética ou valores femininos que lhe são atribuídos
naturalmente tais como sensibilidade e sinceridade, entre
outros. Existe, portanto, uma especificidade referida ao uso de
atributos de gênero como forma de diferenciação política.
Segundo Barreira (1998), as candidaturas femininas possuem essa diferenciação
baseada nas especificidades de gênero. Nesta pesquisa utilizamos a categoria gênero,
formulada por Joan Scott (1990), para quem o conceito de gênero refere-se a um
sistema de relações de poder baseadas num conjunto de qualidades, papéis, identidades
e comportamentos opostos atribuídos a mulheres e homens. Gênero, seguindo a
explicação de Scott, difere de sexo, visto que esse último refere-se às diferenças
biológicas, enquanto que o segundo diz respeito às diferenças sociais, culturais dentro
de um contexto histórico.
Ao trabalhar com a categoria gênero dentro do universo político, devemos
salientar que a construção dos discursos e imagens por parte dos atores políticos
depende da forma como se dão as relações sociais entre homens e mulheres. As
diferenças na maneira como os atores agem dentro da esfera política diz muito sobre as
expectativas da sociedade a respeito dos papéis sociais de mulheres e homens.
Neste sentido, as eleições representam um ambiente muito propício para a
análise da construção social desses papéis sociais, visto que em espaços de disputa de
poder ficam mais evidentes as diferenças culturais, sociais e políticas que norteiam as
relações de gênero.
Como já exposto anteriormente, Dilma Rousseff representa um marco dentro da
luta feminina por uma política mais igualitária. Por uma democracia que, de fato,
32
REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 2, volume 2(2):2015
ofereça as mesmas oportunidades para homens e mulheres respeitando suas diferenças
biológicas e não reforçando práticas machistas que os colocam em desigualdade de
gênero. Desse modo com esse paper temos o intuito de analisarmos se, e como o uso de
discursos baseados na singularidade do feminino foram produzidos e reproduzidos
durante a campanha presidencial da candidata Dilma Rousseff (PT) nas eleições de
2010 e 2014. Como a imagem de Dilma foi construída? Ela se utilizou de recursos que
apelavam para as especificidades femininas? Como o marketing político foi trabalhado
sobre esses aspectos? A questão de gênero estava presente nas duas campanhas
eleitorais? Houve mudanças na forma como a imagem da candidata foi construída de
um pleito para o outro? São algumas das perguntas que procuraremos responder.
RELAÇÕES DE GÊNERO E A CAMPANHA PRESIDENCIAL
Não é sem necessidade chamar atenção que estamos a refletir sobre uma
candidatura feminina, ou seja, o plano de fundo que envolve nosso objeto é um espaço
de disputa de poder majoritariamente masculino. Sendo assim é preciso que haja a
compreensão de que o “ser mulher” ou “ser homem” são categorias socialmente
construídas baseadas em tipos ideais acerca das expectativas culturais do que se entende
por feminino e masculino. Dito isso, devemos salientar que acreditamos que as
construções sociais vivenciadas mediante as relações de gênero são utilizadas como
ferramentas dentro desse universo político de construção e desconstrução das imagens
públicas. Ou seja, acreditamos que a campanha de Dilma Rousseff no ciberespaço está
marcada por discursos que reivindicam a singularidade do feminino, busca no “ser
mulher” uma forma de construir sua imagem perante os eleitores.
A utilização de valores, ideias e comportamentos baseados nas relações de
gênero mostra-se uma excelente ferramenta para ganhar votos e ainda legitimar
discursos. Porém é preciso atentar-se para o fato de que o discurso sexualizado é
construído e vivenciado de formas diferentes por candidatos e candidatas. É necessário
lembrar que a política na cultura ocidental, assim como vários outros espaços sociais, é
um lugar dominado majoritariamente pelo gênero masculino e por toda a simbologia
que envolve o “ser” homem dentro desses espaços de poder. Bourdieu (1998) ao
escrever “A Dominação Masculina”, buscou trazer à tona uma análise sobre a sociedade
pautada na dicotomia masculino/feminino, que o autor denuncia ser um problema,
33
REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 2, volume 2(2):2015
analisando os aspectos simbólicos da relação social entre homens e mulheres. Nesta
obra, o autor não discorre em nenhum momento sobre a categoria gênero, porém sua
contribuição para este debate é inegável.
Ao discursar sobre a dominação masculina como categoria sociológica,
Bourdieu (1998) afirma que esse tipo de dominação, caracterizado pela violência
simbólica, consegue penetrar profundamente na sociedade a ponto de ser aceito também
pelo grupo dominado, isso acontece porque as relações desiguais estariam naturalizadas
pelos indivíduos, tanto pelos que dominam, quanto pelos que são dominados.
O corpo biológico socialmente modelado é um corpo politizado, ou se
preferirmos, uma política incorporada. Os princípios fundamentais da visão
androcêntrica do mundo são naturalizados sob a forma de posições e disposições
elementares do corpo que são percebidas como expressões naturais de tendências
naturais. (BOURDIEU, 1998, p.30)
De forma resumida poderíamos afirmar que a biologia e o corpo significam
espaços onde a relação de desigualdade entre os sexos é de alguma forma naturalizada,
garantindo assim a manutenção do poder e da violência por parte dos homens. A idéia
do autor é de que nossa relação com o próprio corpo está carregada de preceitos ou
preconceitos ditados por uma maneira de pensar baseada na dominação. As diferenças
biológicas são utilizadas para manter a mulher no lugar de subordinação. À mulher cabe
a feminilidade, e com isso a negação de qualquer tipo de virilidade ou força. Para
manter a mulher como o sexo inferior é preciso diariamente reforçar a idéia de que o
sexo feminino é frágil, sensível, sem força física ou simbólica.
Ao trazermos as categorias de Bourdieu (1998), para o debate aqui proposto,
verificamos que no espaço político predomina a dominação masculina por meio da
violência simbólica. Apesar da inserção da mulher no contexto político já configurar
como um fato, a sua participação ainda não foi consolidada. A instituição da mulher
como sujeito político depende, dentre vários outros aspectos, da diminuição ou exclusão
dessa dominação que se perpetua através da violência simbólica que subordina as
mulheres e transfere o poder e tudo que é relacionado ao poder ao mundo masculino.
Para fazer parte do universo político, as mulheres ou negam a feminilidade e
assumem um papel masculinizado a partir de características como força, racionalidade,
ou se utilizam da feminilidade e se mostram como seres sensíveis, emocionais e
maternais. É muito comum em candidaturas femininas a reprodução desses estereótipos
34
REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 2, volume 2(2):2015
para que haja aceitação por parte dos eleitores. Quando Bourdieu (1998) escreve sobre a
dicotomia feminino/masculino ele está evidenciando o uso desses estereótipos que na
sua obra ele chama de máscaras sociais. As máscaras servem para manter a dominação e
demarcar lugares. Quando falamos sobre candidaturas femininas é preciso atentar sobre
o uso dessas máscaras nos discursos políticos.
Segundo Bourdieu (1998), como já salientado, a dominação masculina é uma
forma de violência simbólica, ou seja, por esse conceito, o autor compreende o poder
que impõe significações, impondo-as como legítimas, de forma a dissimular as relações
de força que sustentam a própria força. Com isso ele quer dizer que o poder exercido
pelos homens sobre as mulheres é mantido através das máscaras nas relações sociais,
esse poder se infiltra nos pensamentos da sociedade, assim como em nossas concepções
de mundo. Quando falamos sobre gênero estamos exatamente discutindo sobre as
formas como as relações de poder se manifestam na concepção da definição do
masculino e do feminino.
Dessa forma podemos afirmar que se o discurso das diferenças biológicas
embasa a dominação, é porque essas ideias de diferença são socialmente construídas a
fim de justificar e naturalizar a dominação, ou seja, a legitimidade da força masculina
provém da naturalização dos conceitos acerca dos corpos. De acordo com o autor
manter essa dominação é trabalho de um conjunto de fatores, agentes e instituições
como a família, a igreja, a escola, o Estado, a mídia, a biologia e também a política,
entre outros. Defende ainda o referido autor, que essas instituições contribuem de
maneira objetiva para a permanência da dominação masculina. A família teria, segundo
ele, o papel principal na divisão sexual do trabalho, pois reserva a mulher as atividades
domésticas, a função de ser mãe, de reprodução. A igreja também é fundamental na
reprodução da dominação, pois defende dogmas patriarcais e a subordinação da mulher
de forma naturalizada. O Estado, por sua vez, reforçaria sua visão androcêntrica, visto
que Estado e política são esferas de domínio masculino. Bourdieu (1998) descreve ainda
o papel da escola, afirmando que a escola transmitiria estruturas hierarquizadas,
contribuindo para os destinos sociais de meninos e meninas.
Quando trazemos para o debate atual a análise sobre a dominação masculina
percebemos, apesar de algumas mudanças, que a estrutura social permanece a reservar
às mulheres um lugar de subordinação mascarado por naturalizações construídas
socialmente. Ou seja, apesar das conquistas femininas no que diz respeito à liberdade,
35
REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 2, volume 2(2):2015
garantia de direitos, igualdade, a estrutura social pouco mudou, pois ainda vivemos sob
a égide do patriarcado e, portanto os papeis sociais ainda são definidos com base no
sexo dos indivíduos.
É evidente que as mulheres ganharam espaço dentro das instituições sociais, as
mesmas que Bourdieu (1998) apresenta como contribuintes da dominação. A família
continua a ser uma instituição central em várias sociedades, porém a forma como a
família vem se configurando está provocando importantes mudanças na sociedade. O
último censo brasileiro mostra o crescimento de mulheres como chefe de família. Em
2000 somavam 22,2% e em 2010 cerca de 37,3%. Esses números, apesar da frieza,
revelam que as mulheres estão cada vez mais ocupando o papel de chefe da família,
passando de mãe e esposa para provedora do lar. Outras instituições também sofreram
mudanças importantes, como o Estado, que apesar de ainda não garantir às mulheres
condições de igualdade, vem por meio de demandas sociais promovendo políticas de
inclusão feminina, de garantia de direitos, principalmente no campo da saúde da mulher.
No Brasil, ainda estamos longe de ter um Estado que promova políticas publicas
baseadas na pauta feminista. Questões como o aborto e violência sexual são pontos
pouco discutidos nas esferas de poder e quando são discutidos não passam de discursos,
raramente tornam-se políticas efetivas.
No mundo da política, mundo quase majoritariamente masculino, as regras
sociais parecem ainda mais rígidas, pois demonstra de maneira clara as demarcações
sociais baseadas nas diferenças de gênero. Em outras palavras, a política é dominada
por homens e esses têm seu lugar de privilégio nos espaços de poder, enquanto que as
mulheres ainda buscam o direito a equidade na distribuição do poder. Um exemplo claro
disso é a lei de cotas , que garante o acesso a filiação partidária, porém não assegura a
mulher no que diz respeito a conquista de um cargo eletivo, ou seja, ainda é negado o
poder para a maioria das mulheres que buscam uma carreira política.
As mudanças ocorridas atualmente são de extrema importância, porém ainda não
foram suficientes para retirar a mulher da cruel dimensão de inferioridade, de
subordinação, de violência física e simbólica. Ainda vemos milhares de mulheres
sofrerem todo tipo de violação, constrangimento e humilhação, pelo simples fato de
serem do sexo feminino.
Apesar da importância da obra de Bourdieu (1998), o autor não apresenta para o
leitor caminhos para a mudança social, para o fim da dicotomia masculino/feminino.
36
REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 2, volume 2(2):2015
Assim como ele afirma que a origem da desigualdade sexual está num tempo remoto,
não sendo possível abordar historicamente essa origem, o autor parece sugerir que o fim
da dominação masculina é tão remoto quanto sua origem. Uma visão um tanto quanto
pessimista.
Muitos críticos desta obra de Bourdieu (1998) apontam que apesar da
contribuição fornecida por ele no debate sobre a dominação masculina, o autor teria
ignorado em sua análise as categorias estudadas e definidas por teóricas feministas,
como o próprio conceito de gênero.
As conclusões obtidas pelo autor apontam uma realidade estática, no qual as
mudanças são apresentadas ainda dentro da lógica masculina, para ele não há mudanças
na estrutura social que faça diferença significativa na relação de opressão dos homens
sobre as mulheres. Assim como diversas feministas, discordamos da visão pessimista do
autor, é evidente que as mudanças ocorridas ainda não provocaram a quebra do sistema
opressor no qual as mulheres estão inseridas, porém, a própria inclusão do debate acerca
da temática nas esferas de decisão da sociedade aponta para uma mudança na maneira
de pensar de homens e mulheres. O caminho talvez ainda seja longo e árduo, mas a
dominação masculina, assim como qualquer outro sistema, não é estático ou eterno,
pelo contrário, está em constante movimento e transformação. E a política se apresenta
como um espaço para mudanças. Quanto mais mulheres conquistarem o mundo público,
mais democrático se tornará a política e a sociedade como um todo.
No que diz respeito à representatividade da mulher na política nacional temos
que no Brasil, desde que a mulher conquistou o direito ao voto, há 84 anos, muita coisa
mudou no que se refere à participação feminina no mundo da política. Entretanto é
sabido que o avanço para a efetivação e consolidação da mulher na vida pública anda a
passos lentos e que ainda hoje a política é assunto, quase que exclusivo, dos homens.
Dentre os vários fatores que impedem a expansão da participação feminina nas
atividades parlamentares, a divisão sexual do trabalho é um dos mais fortes. O
patriarcado reservou às mulheres o restrito espaço privado e aos homens a liberdade de
circular pelo espaço público. Com as lutas feministas a vida pública passou a ser
também um espaço feminino, porém o lar continua e ainda é tido como
responsabilidade das mulheres.
Para realizar as atividades parlamentares, partidárias ou de representação é
preciso que se tenha dedicação quase que integral. Mas como uma mulher pode se
37
REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 2, volume 2(2):2015
dedicar integralmente a carreira política se a ela cabem os deveres domésticos e o cuidar
familiar? Algumas se arriscam, porém a maioria das mulheres continuam demonstrando
uma imensa resistência em assumir cargos de liderança política.
Para incentivar que as mulheres sigam a carreira parlamentar foi criada em 1997
a lei de n° 9.504, assegurando uma cota mínima de 30% e uma cota máxima de 70%
para cada um dos sexos. Segundo dados do TSE, no ano de 2012, nas eleições
municipais ocorreram, pela primeira vez, desde a criação da lei, o preenchimento de
30% da chamada cota de gênero por partidos e coligações. Apesar de representar um
passo importante a lei não chegou a modificar a baixa representatividade feminina na
arena política. A cota de gênero alterou de modo mais significativo o quadro
quantitativo do número de mulheres candidatas, mas o número de mulheres eleitas ainda
é tímido. Segundo a Senadora Lucia Vânia – PSDB,
em 2012 o Brasil contava com apenas 8,9% de mulheres no
Congresso Nacional, cerca de 1% nas Assembléias Legislativas
e 12% nas Câmaras Municipais. O Brasil ocupava a vergonhosa
141° colocação, a respeito de mulheres nos Parlamentos
Nacionais, num Ranking de 188 países.
Como é possível observar, ainda estamos muito longe de alcançar a necessária
paridade nos espaços de poder. A situação de subrepresentação da presença feminina
nesses espaços ainda é uma realidade.
A CAMPANHA PRESIDENCIAL DE 2010
Nosso intento a partir de agora é o de analisarmos a campanha de Dilma nas
eleições de 2010, suas peculiaridades, os recursos midiáticos mais utilizados e os
principais elementos que ajudaram na (des)construção da imagem da atual Presidenta
da República. E, por fim, analisarmos se durante a campanha Dilma utilizou discursos
que se configuram dentro do que chamamos de singularidades do feminino.
Diversos candidatos souberam se utilizar dos meios virtuais em suas campanhas,
um bom exemplo além do de Dilma Rousseff foi o uso dado as mídias sociais por outra
candidatura feminina: a de Marina Silva. Marina foi um exemplo de candidata que
soube aproveitar exemplarmente o espaço virtual para construir sua imagem e
conquistar votos. A candidata dispunha apenas de um minuto na propaganda eleitoral
gratuita e encontrou na internet um excelente meio capaz de difundir sua pauta de
38
REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 2, volume 2(2):2015
campanha. Marina construiu espaços como a “A casa de Marina” e “A sala de Marina”,
fato que chamou a atenção de eleitores e simpatizantes. A candidata utilizou esses
espaços para debater propostas, receber convidados e responder aos internautas que
acessavam suas páginas. Além de blogs e sites, Marina Silva também usava o Twitter
para chamar eleitores para somarem na sua campanha. A sua conta no Twitter foi uma
das mais acessadas no mundo durante o período eleitoral.
Natasha Bachini, em seu artigo intitulado “As Cibercampanhas no Brasil:
Uma análise do Twitters de Dilma, Serra e Marina em 2010”, faz uma analise da forma
como os três principais candidatos ao cargo de Presidente utilizaram a rede social
Twitter. A autora traz dados sobre a forma como cada candidato se utilizou dessa
ferramenta para construir suas imagens no ciberespaço. Sobre a candidata Dilma
Rousseff, Bachini afirma que a postulante se utilizou da conta no Twitter para divulgar
sua agenda de campanha, expor fotos, links de vídeos e também para fazer
agradecimentos aos seguidores.
Porém, diferentemente de Marina que usou o Twitter de maneira intensiva,
Dilma pouco recorreu a essa ferramenta como meio de construção de sua imagem, suas
postagens eram quase sempre referentes à exposição de datas e locais por onde passaria
durante sua campanha. Segundo a autora, apesar de ter registrado o terceiro maior
crescimento com relação ao número de seguidores (319%) de maio a outubro de 2010, a
candidata foi a que menos usou o Twitter durante o período analisado, além de ter sido a
única que não seguiu nenhum de seus adversários na rede social já mencionada. De
maneira geral, sinaliza Bachini, o perfil da candidata no twitter se caracterizou como
uma ferramenta expositiva, visto que Dilma utilizava o espaço mais para divulgar seus
compromissos, do que para dialogar com seu público (eleitores).
Dilma também usou o Twitter como forma de promover sua imagem como
continuadora do governo Lula. Natasha Bachini afirma que a postulante evidenciou em
seus tuites mais a imagem de Lula do que do próprio partido no qual é filiada, o PT.
Esse comportamento também pôde ser observado em outras redes sociais como
Facebook, no qual a candidata sempre aparecia ao lado do até então Presidente Luis
Inácio Lula da Silva. Quase todo o marketing de Dilma durante as eleições de 2010 foi
baseado nessa premissa: A continuidade do governo Lula, a continuidade das melhorias
e transformações feitas pelo governo petista. Foram citados no twitter de Dilma
Rousseff, por exemplo, programas como Prouni, Bolsa Família, Mais alimentos,
39
REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 2, volume 2(2):2015
programas estes criados durante o governo de Lula. Essa estratégia de vincular sempre
que possível à imagem de Dilma a imagem de Lula, foi baseada no fato do petista ter
80% de aprovação popular. Essa visão passada para o eleitor de Lula como mentor,
protetor e orientador político de Dilma e da candidata como a extensão dele não aparece
tão forte em 2014, como veremos a seguir.
Outro ponto destacado por Bachini sobre o perfil de Dilma nas redes sociais, diz
respeito à abordagem sobre sua militância política, seu posicionamento como uma
candidata de esquerda e principalmente o fato de ser mulher e de estar concorrendo ao
cargo de Presidente do Brasil. Esse último elemento gerou o slogan que seguiu toda a
campanha.
Com o “Mulher também pode!”, Dilma evidenciou a importância do papel
feminino na sociedade nos dias atuais. Ela se colocou enquanto mãe, futura avó e
mulher diante de um meio tão masculinizado que é a política, utilizando elementos da
singularidade do feminino para se aproximar das eleitoras de forma subjetiva. Ao se
apresentar como uma mulher com possibilidades reais de conquistar a presidência da
República, Dilma passou a representar milhares de mulheres no país inteiro. “Mulher
também pode!” se tornou mais do que o símbolo da campanha da postulante, tornou-se
o símbolo daquela eleição.
Sob esse aspecto, formula Irlys Barreira (1998):
Algumas características podem ser identificadas no âmbito
dessa suposição. Em primeiro lugar, está a perspectiva de situar
a mulher como signatária de valores universais, fato que a
tornaria potencialmente capaz de superar seus adversários. Uma
segunda ordem de considerações pensa a inexperiência das
mulheres como atributo positivo, porque fora das práticas
tradicionais e espúrias do poder. Nesse período, as candidaturas
de mulheres diferenciam-se das candidaturas masculinas, pois o
que conta essencialmente são os feitos profissionais. A
inexperiência pode, assim, tornar-se virtude na medida em que a
não entrada na política permitiria a guarda de uma integridade.
As mulheres parecem, assim, como guardiãs ou reservatórios de
uma moral coletiva. (BARREIRA, 1998, p.106)
Para Barreira, as candidaturas femininas são marcadas por elementos
relacionados tanto do universo feminino, quanto do universo masculino. A delicadeza, a
sensibilidade, a emoção, a sinceridade, são valores comumente relacionados às
mulheres e reivindicados por elas no âmbito político. Porém, para legitimar suas
campanhas, ao mesmo tempo em que buscam demonstrar esses valores femininos, as
40
REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 2, volume 2(2):2015
mulheres candidatas também buscam valores tidos como características masculinas – a
força, a coragem, a destreza, o pulso firme. Na campanha de Dilma podemos perceber
claramente esses elementos. Uma candidata esteticamente fora dos padrões, mas que
apresentava em seu discurso uma figura maternal, sensível e ao mesmo tempo forte e
corajosa. O marketing de Dilma buscou passar para os eleitores e seguidores da
candidata nos perfis das redes sociais, a imagem de uma mulher com todos os atributos
necessários para governar o País, uma mulher sensível aos problemas e forte o
suficiente para resolvê-los.
Outro aspecto marcante de candidaturas femininas e que estavam presentes no
processo de construção e desconstrução da imagem pública de Dilma, foi o
questionamento acerca de assuntos polêmicos com o aborto, por exemplo. Diversos
blogs e perfis nas redes sociais divulgaram textos e imagens relacionando Dilma a
suposta declaração de que a candidata seria a favor do aborto e de sua legalização.
Dilma Rousseff por vários momentos, através de declarações públicas,
desmentiu ter declarado apoio a pauta relacionada ao aborto. Essas polêmicas geradas
em torno de camapanhas femininas é uma das caractrísticas do processo de
desligitimação de candidaturas de mulheres. Dilma Rousseff, assim como outras
candidatas, não pôs em discussão nas redes sociais temas polêmicos afim de não gerar
descontentamento com a maoiria de seus seguidores e assim prejudicar sua camapanha.
Por fim, podemos afirmar que a candidata Dilma Rousseff utilizou as redes
sociais para realizar sua campanha e demarcar suas posições nessa nova arena de
disputa de poder, a internet. Ainda que não intesamente quanto em 2014 o marketing
político de Dilma soube aproveitar o espaço virtual para a construção da imagem da
postulante. Segundo a análise feita da campanha de Dilma no ciberespaço, tambem
podemos afirmar que a candidata construiu sua campanha com base no que conhecemos
por singularidade do feminino, utilizando elementos dessa singularidade para instituir e
legitimar o seu lugar dentro do universo político.
A CAMPANHA PRESIDENCIAL DE 2014
Assim como em 2010, o ciberespaço foi usado por diversos candidatos para
construir suas imagens políticas dentro do contexto de espetáculo que se tornou o
evento eleitoral no Brasil. O marketing da petista Dilma Rousseff foi extremamente
41
REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 2, volume 2(2):2015
competente na forma como utilizou as redes sociais para aproximar a Presidenta
candidata do seu eleitorado. Um exemplo bastante pertinente é a apropriação de um
blog de humor chamado “Dilma Bolada” que teve um papel importante na sua vitória.
Um personagem que ajudou a criar uma narrativa cativante em torno da candidata, o
que foi muito importante na eleição. Blogs como a “Dilma Bolada”, que usa do humor
pra apoiar e criticar o governo mostrou como a internet pode ser uma aliada na
construção do condidato(a) tornando as eleições um processo cada vez mais interativo.
Diferente de 2010 em que a cobertura midiática ainda era fortemente veiculada
pelos canais de televisão e pelas principais revistas semanais, a campanha de 2014 foi
tomada pelas redes sociais. Os debates que ocorriam no ciberespaço ditavam as agendas
políticas dos candidatos, assim como a pauta eleitoral dos jornais e revistas. O processo
de virtualização das eleições e de outras campanhas femininas que retratam a mulher
com certa delicadeza, Dilma é representada pela força e coragem. Porém ao mesmo
tempo podemos perceber elementos comuns em discursos que apelam para
singularidades do feminino, como, por exemplo, imagens mostrando-a enquanto mãe,
avó e dona de casa. Toda sua campanha foi pautada nesses dois eixos: a imagem de uma
mulher forte ao lado da figura maternal. Essa ambivalência é comum quando se trata da
construção de candidaturas femininas, visto que uma das características desse fenômeno
político-social é justamente a utilização de discursos que destaquem as qualidades tidas
como femininas, o lado maternal, o cuidado, o zelo, mas também reforçam a idéia da
mulher forte, capacitada, aquela que sabe cuidar do seu lar, a chefe da família.
Durante toda a campanha, os discursos acerca da imagem de Dilma enquanto
política sofreu pequenas e grandes mudanças, sejam por parte do próprio marketing
dela, sejam pelos eleitores que estavam envolvidos nessa disputa eleitoral. No primeiro
turno havia mais duas mulheres concorrendo ao pleito. Marina Silva (PSB) e Luciana
Genro (PSOL). Por esse motivo a campanha de Dilma num primeiro momento
demonstrou de maneira tímida o uso do discurso de gênero pautado nas singularidades
do feminino. Seu programa estava mais voltado para questões do seu governo, as
mudanças, segundo o partido, trazidas pelo governo do PT. O uso do slogan “Muda
Mais” deixa bem claro a intenção do marketing em convencer o eleitorado de que com
Dilma, o País continuaria a mudar para melhor. A imagem da mulher forte e guerreira
aparecem com mais ênfase nessa etapa da campanha.
42
REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 2, volume 2(2):2015
Quando a disputa passa para o segundo turno o cenário muda completamente.
Dessa vez a candidata concorre ao pleito ao lado de um homem, Aécio Neves (PSDB).
Nesse momento o uso do ciberespaço como meio para efetivação das campanhas
ganham um tom mais conflituoso e as diferenças de gênero passam a ser o plano de
fundo para os discursos apresentados. A campanha de Aécio Neves foi pautada, todo
tempo, na desconstrução da imagem de Dilma. A intenção do candidato era questionar a
capacidade da atual Presidente em governar o País. Para isso, o postulante usou tanto o
programa eleitoral televisionado, quanto seus espaços virtuais nas redes sociais. A
eleição nesse momento passa a ter um caráter de polarização das ideias. De um lado um
homem, representante da direita conservadora e, do outro lado uma mulher, tida como
guerrilheira e representante da esquerda.
Esse cenário político torna-se palco de uma disputa acirrada, marcada por
diferenças ideológicas, raciais, regionais, políticas, sociais e de gênero. Como foco
desse paper são, entre outras coisas, as relações de gênero, focaremos nesse tema.
Dilma, ao longo de sua campanha e, particularmente no segundo turno, ganha
força com os movimentos sociais, principalmente de negros e mulheres. Segundo dados
do Estadão, numa pesquisa de intenção de votos para o segundo turno, 47% das
mulheres brasileiras votariam em Dilma. Esse índice alto de votos por parte do público
feminino gerou uma mudança significativa na campanha de Dilma Rousseff. Alguns
coletivos do movimento feminista já haviam sinalizado o incentivo ao voto na candidata
petista. Uma carta de apoio a Dilma, com mais de 850 assinaturas de mulheres foi
exposta e comentada em várias redes sociais. A carta continha 13 motivos pelos quais as
feministas deveriam reeleger a Presidenta. O apoio das minorias, como feministas e
movimento negro, usaram bastante as redes sociais como Twitter e Facebook para
declarar seu voto em Dilma Rousseff.
Diante de todo esse apoio o programa eleitoral da candidata passa a enfatizar o
lado feminino de sua imagem. Dilma passa a se referir mais enfaticamente às donas de
casa, trabalhadoras, mães. E campanhas como “mulheres com Dilma” tomam conta da
rede.
O marketing político da petista soube lidar positivamente com os vários
momentos da eleição. Um exemplo foi o uso de uma parte emblemática de sua história
para criar o jingle “Coração Valente” que se tornou a marca da candidata nas eleições
de 2014.
43
REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 2, volume 2(2):2015
Coração Valente
(Anderson Freire)
Dilma, coração valente, força brasileira, garra desta gente.
Dilma, coração valente, nada nos segura pra seguir em frente
Você nunca desviou o olhar do sofrimento do povo
Por isso, eu te quero outra vez
Por isso, eu te quero de novo
Você nunca vacilou em lutar em favor da gente
Por isso eu tô juntinho, do seu lado
Com você e Lula pra seguir em frente
Mulher de mãos limpas (tô com você)
Mulher de mãos livres (tô com você)
Mulher de mãos firmes vamos viver uma nova esperança
Com muito mais futuro e muito mais mudança
Dilma, coração valente, força brasileira, garra desta gente
Dilma, coração valente, nada nos segura pra seguir em frente O
que ta bom, vai continuar
O que não tá, a gente vai melhorar Coração valente.
O jingle produzido pela equipe do publicitário João Santana, rapidamente tomou
conta das redes sociais e foi muito bem aceito por seus seguidores. Nesta canção
podemos perceber vários aspectos importantes na forma como os “marketeiros”
tentaram conduzir a propaganda eleitoral para reeleição da postulante. A imagem de
Dilma jovem, com o título de coração valente remete a uma mulher forte, que lutou pela
democracia e que possui a força para continuar governando um País continental como o
Brasil.
A estratégia do marketing político foi apresentar uma candidata que transita
entre os caminhos da masculinidade e da feminilidade na construção do seu perfil
político. Uma candidata que ao mesmo tempo em que mostra um lado maternal,
também mostra força e racionalidade, características vistas como masculinas. A imagem
de Dilma jovem lutando contra a ditadura é colocada lado a lado com a imagem de
Dilma que “nunca virou as costas para o sofrimento do povo”.
É importante salientar que a candidata se utiliza do discurso baseado na
singularidade do feminino, porém não se apresenta como uma mulher inteiramente
feminina. Essa dicotomia presente no perfil político de Dilma se dá por sua imagem
externa e sua imagem interna. Esteticamente falando, Dilma é uma mulher fora dos
44
REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 2, volume 2(2):2015
padrões de beleza da nossa cultura. O corte de cabelo, a voz e o próprio corpo da
candidata estão fora desse padrão exigido pela sociedade. Esses aspectos não deveriam
ser levados em conta em uma disputa eleitoral, porém, como afirma Bourdieu, os
espaços sociais são dinamizados pelo tipo de dominação vigente, no caso da nossa
sociedade se trata da dominação masculina. Desse modo a política é vista pela
perspectiva masculina, portanto a construção da figura feminina na política passa pela
ótica masculina e pela forma como os homens enxergam as mulheres.
Para quebrar com essa visão masculinizada da imagem física de Dilma
Roussef, foi preciso introduzir em seu discurso o papel de mãe e avó. Na campanha de
2014 a candidata é vista através de vídeos no Youtube, postagem em redes sociais,
falando e evidenciando a sua família, a sua casa. Um exemplo disso é que no primeiro
vídeo da campanha, exibido no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral – HGPE, a
postulante aparece cozinhando uma massa em sua casa, enquanto fala sobre o seu
governo e suas pretensões como governante, demonstrando o que se espera de uma
mulher política numa sociedade machista como a nossa. Dilma constrói sua imagem
nessa campanha a partir de aspectos singulares do ser feminino, porém ainda possui
uma caracterização masculinizada, seja por sua aparência física, seja por se apresentar
como uma candidata extremamente racional e emocionalmente controlada. Desse modo
podemos afirmar que a candidata Dilma é um personagem político extremamente
emblemático no que se refere às questões de gênero, pois quebra com os estigmas
femininos como o de mulher frágil, ao mesmo tempo em que reforça outros estigmas
como a crença da maternidade como algo intrínseco às mulheres.
A CANDIDATA, AS ELEITORAS, O MACHISMO E A MISOGINIA NAS
ELEIÇÕES
A campanha de Dilma reforçou o diálogo com as eleitoras do sexo feminino a
fim de construir uma imagem de representação para esse público. Diferentemente de
postulantes do sexo masculino que focam seu programa em assuntos como economia,
segurança e educação, as postulantes do sexo feminino costumam evidenciar em seus
programas ideias em relação às dificuldades das mulheres no dia-a-dia. Assuntos como
educação infantil, moradia, programas sociais são comumente citados por mulheres
45
REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 2, volume 2(2):2015
candidatas a cargos eletivos. Isso parte da idéia de que são as mulheres as maiores
responsáveis pela educação dos filhos, pela organização do lar, pelo sonho da compra
da casa própria.
O marketing político da petista tenta dialogar com a mulher de forma direta
com o objetivo de passar a idéia de inclusão dos diversos perfis femininos. Fala com a
mulher pobre através dos programas sociais como o bolsa família, mas também com a
mulher classe média através de propostas de incentivo ao empreendedorismo feminino.
Diferente dos candidatos do sexo masculino como Aécio (PSDB) e Pastor Everaldo
(PSC) que se dirigem às mulheres quase sempre como donas de casa, Dilma tenta
representar os diversos perfis femininos através de suas propostas. No programa de
Dilma, veiculado pela televisão e pelas redes sociais, a postulante se coloca como a
candidata que está do “lado” da mulher brasileira, da trabalhadora, da dona de casa, da
estudante, da mãe.
Segundo o Data Folha, em outubro de 2014, 53% das mulheres afirmaram que
votariam em Dilma para presidência da República na disputa entre a candidata e o
postulante Aécio Neves (PSDB). Esse número é bastante significativo levando em
consideração que as mulheres somam mais da metade da população brasileira.
Apesar de levantar questões tidas como problemas do cotidiano feminino, a
campanha de Dilma, assim como em 2010, não abordou temas considerados polêmicos
como o aborto por exemplo. Por essa postura foi fortemente criticada pela candidata ao
mesmo cargo, Luciana Genro (PSOL). Segundo a candidata do PSOL é preciso falar
sobre aborto, e aponta que o governo Dilma se omite diante da realidade milhares de
brasileiras que morrem todos os anos vitimas de abortos mal sucedidos.
Há uma ideia de que quem defende a legalização do aborto está
defendendo o aborto como um método contraceptivo ou que é
uma ótima solução para evitar filhos. Quando nós sabemos que
não é assim. O aborto é um drama para qualquer mulher.
Ninguém é a favor do aborto, somos a favor das mulheres.
Tivemos duas mulheres que morreram vítimas da
clandestinidade, a Jandira e a Elisângela. Não dá para continuar
achando que o aborto não existe. Ele existe e mais de 800 mil
brasileiras se submetem a ele por ano, (Fonte: Fala de Luciana
Genro (PSOL) no seu HGPE).
Embora a postura de Dilma tenha sido a de se abster sobre o aborto – que é um
dos aspectos mais importantes da pauta feminista – os movimentos sociais de mulheres
esteve no apoio à candidatura de Dilma, principalmente no segundo turno, quando a
46
REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 2, volume 2(2):2015
eleição foi disputada entre Dilma e Aécio. Nas redes sociais circulavam cartas, imagens,
vídeos reforçando o apoio do movimento feminista para com a petista. Um dos
manifestos mais visualizados, como acima já informado, foi a carta aberta que continha
13(treze) motivos para justificar o voto feminino em Dilma. Segundo elas, o
Feminismo, "enquanto movimento social, político e intelectual têm exercido um papel
importante na luta pela emancipação feminina, e consequentemente, na construção de
uma sociedade mais justa e democrática".
Entendendo que não podem deixar de participar ativamente do momento político
atual, as feministas declararam que estão certas de que "a candidata Dilma Rousseff
representa a melhor alternativa para a continuidade do ciclo de avanços e progressos
que vive o País desde o ano de 2003". Um dos motivos citados no manifesto de apoio
das feministas à reeleição de Dilma, é a luta pela igualdade e combate ao machismo.
"Ela jamais desistiu de lutar por um País melhor, mesmo diante dos mais ferozes
obstáculos: ditadura e machismo. Dilma, como todas nós, sonha com um País onde as
pessoas tenham, no mínimo, igualdade de condições e de oportunidades para enfrentar
as lutas diárias da vida".
Esse apoio foi fundamental para a consolidação da imagem de Dilma como uma
legítima representante feminina. Uma mulher que representa a força feminina em uma
realidade extremamente machista e patriarcal como a brasileira.
Nascer mulher em um País como Brasil é sinônimo de desafios diários.
Violência, machismo, misoginia, exclusão, são apenas exemplos do que uma sociedade
patriarcal reserva às suas mulheres. Quando se trata de uma mulher que disputa um
cargo de poder os desafios enfrentados são atenuados e ficam em evidência. Disputar a
reeleição à presidência da República em um País cuja representação feminina nos
espaços de poder é mínima se apresenta como um desafio imensurável.
Quando Dilma Rousseff disputou pela primeira vez as eleições para presidente
no ano de 2010, teve que lidar com inúmeros desafios, o maior deles talvez, o
machismo. Sua imagem foi atacada de diversas formas. Questionaram sua sexualidade,
sua vida íntima, sua racionalidade. Na disputa de 2014 não foi diferente, apesar de estar
no cargo há quatro anos, Dilma sofreu os mesmos ataques da eleição anterior com o
diferencial do uso exagerado das mídias sociais para atingir sua imagem.
Como já foi citado nesse texto, a construção e desconstrução da imagem dos
candidatos durante o processo eleitoral faz parte do espetáculo político. O candidato(a)
47
REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 2, volume 2(2):2015
deve se apresentar e encenar a fim de convencer o público, ou seja, os votantes. Toda a
imagem do postulante passada através dos veículos de informação tem o objetivo de
orientar a escolha do eleitor. No ciberespaço essas informações tomam uma dimensão
completamente diferente da que pode ser percebida na televisão, pois o ciberespaço
permite a interação dos atores políticos envolvidos.
Se por um lado essa interação facilita na construção das imagens que os políticos
pretendem passar para seu eleitorado, por outro lado a interação maximiza os efeitos da
desconstrução dessas imagens. No caso de candidaturas femininas o processo de
desconstrução ou retirada de legitimidade política, que é a base da representação, é
quase sempre feita sob a lógica machista da sociedade. As desconstruções que os
políticos sofrem durante o processo eleitoral passam pelo recorte de gênero. As
mulheres que se atrevem no mundo público têm como desafio enfrentar a dura realidade
machista. Durante toda a campanha de 2014 pudemos ver, com clareza, a forma hostil
com que muitos eleitores se dirigiam às candidatas nas principais redes sociais em uso
no Brasil. Xingamentos, palavras de baixo calão, ofensas à sua imagem e ao seu corpo
foram destilados nos mais diversos perfis virtuais.
Durante os debates também foi notória a forma machista com que os candidatos
homens tratavam as suas concorrentes. Dilma foi constantemente chamada de Leviana
por Aécio (PSDB). Essa postura foi denunciada em diversos manifestos nas redes
sociais. No Twitter, Facebok e outras redes, os eleitores chamavam a atenção para a
forma grosseira como Aécio tratava as candidatas presentes nos debates. O político
chegou a levantar o dedo para as concorrentes diversas vezes durante os debates
televisivos. Em um episódio chegou a ser repreendido, em rede nacional, pela candidata
Luciana Genro (PSOL). Esse fato movimentou as redes sociais e gerou uma espécie de
“comoção” de apoio as candidaturas femininas, como protesto ao machismo.
Diversas feministas de destaque no mundo virtual declararam a sua indignação
com a postura de Aécio para com as candidatas. Uma delas foi a de Lola Aranovich,
Professora da Universidade Federal do Ceará, que declarou o seguinte para o
Pragmatismo Político:
[...] para mim, o que chocou mais no debate foi o machismo
escancarado de Aécio. O sorriso debochado com que tratou
Dilma, ecoou o dedo em riste a Luciana Genro no primeiro
turno. O jeito com que Aécio se dirigiu aos eleitores, como
“dona de casa” e “trabalhador”, soou como uma divisão de
outro século. Como cereja no bolo, o twitter de um de seus
48
REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 2, volume 2(2):2015
grandes apoiadores, Pastor Malafaia: “Já está saindo uma ordem
de prisão a caminho da Band contra Aécio por espancamento à
mulher, pede pra ele não matar Dilma kkkk”. Sim, esse tipo de
piada no momento em que Dilma perguntou ao candidato
tucano sobre a violência contra as mulheres. Isso num País em
que 15 mulheres são mortas por dia, todos os dias, quase
sempre pelo parceiro ou ex.
A forma como Aécio e outros tantos homens trataram e tratam as mulheres
na esfera política é apenas um reflexo da sociedade patriarcal na qual vivemos. Embora
tenhamos elegido uma mulher como Presidenta da República, o Brasil ainda é um País
misógino. E como tal, tenta deslegitimar as figuras femininas através de conceitos
machistas perpetuando a idéia de que política é lugar para homem. Enquanto vivermos
em uma sociedade nesses moldes, mulheres como Dilma ou Luciana terão como desafio
a construção de suas imagens acima dessa lógica retrógada que é o machismo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar da candidata Dilma Rousseff nas eleições de 2010 e 2014 utilizar as
redes sociais para expor sua figura política, essa utilização sofreu mudanças de uma
eleição para outra. Em 2010 ainda era massiva a cobertura midiática do processo
eleitoral pelos canais de televisão, pelos jornais e rádios. Além disso, foi o primeiro ano
em que a Justiça Eleitoral permitiu o uso da Internet para fins de propaganda eleitoral.
Portanto o uso do ciberespaço foi em grande medida, bem moderado. Contudo esse uso
ainda tímido das redes sociais por parte de políticos foi relevante na construção e
desconstrução das imagens desses candidatos.
Em 2014 o uso da rede para fins eleitorais foi massivo, um dos motivos que
apontamos nesse paper se da pelo crescimento do uso a internet como meio de interação
social. Com mais pessoas conectadas através de redes sociais, os candidatos souberam
aproveitar o espaço virtual para se aproximar dos eleitores e assim consolidar suas
imagens políticas. Dilma e seu marketing político também demonstraram maior
interesse nos recursos midiáticos virtuais para a construção de imagem, aproximação
com o eleitorado e exposição de suas propostas governamentais.
49
REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 2, volume 2(2):2015
Nas campanhas de 2010 e 2014, Dilma Rousseff se mostrou uma personagem
emblemática através da percepção da imagem que foi criada ao seu redor. Uma mulher
fora dos padrões estéticos estabelecidos pela sociedade, porém que se utiliza da
singularidade do feminino para montar sua imagem perante os eleitores. Uma candidata
que transita entre o masculino e o feminino e se apodera de aspectos de ambos os
mundos para moldar sua figura, e enquadrando assim nos modelos de candidaturas
femininas.
Por fim, o ciberespaço se mostrou como um ambiente propício para analisar a
forma como os atores políticos criaram seus personagens e seus cenários no espetáculo
que é o processo eleitoral brasileiro. Permitindo também analisar a forma como
mulheres vivenciam a política e os recursos utilizados por elas para se legitimarem em
um universo tipicamente dominado por homens.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARREIRA, Irlys Alencar Firmo. Chuva de Papéis: ritos e símbolos de campanhas
eleitorais no Brasil. Rio de Janeiro. Relume Dumará: Núcleo de Antropologia Política,
1998.
________________________. Imagens do feminino na Política. XIMENES, Tereza.
Novos Paradigmas e Realidade Brasileira. Belém: UFPA/NAEA, 1993.
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.
GOMES, Wilson da Silva. Transformações da política na era da comunicação de
massa. São Paulo, Paulus, 2004.
________________________. Duas premissas para compreensão da política espetáculo.
In: NETO, Antônio Fausto, PINTO, Milton José. O Indivíduo e as Mídias. Rio de
Janeiro: Diadorim, 1996.
LIMA, Elizabeth Christina de Andrade. Interseções entre cultura, mídia e política: o uso
das redes sociais na campanha de Dilma Rousseff em 2010. Revista de Ciências
Sociais, Fortaleza, v.43, n.1, jan/jun, 2012, p.94-111.
_____________. Ensaios de Antropologia da Política. EDUEPB, Campina Grande,
2011.
LIMA, Elizabeth Christina de Andrade & ARAÚJO, Josileide Carvalho de. Pior do que
ser é parecer ser – estigmas e relações de gênero. O caso da campanha de Tatiana
Medeiros nas Eleições 2012 em Campina Grande – PB. In: LIMA, Elizabeth Christina
de Andrade (org.) Interseções entre Política, Mídia e Tecnologia: novos dizeres,
novos fazeres. Campina Grande, EDUFCG, 2014.
PEREIRA DE SÁ, S. Netnografias nas redes digitais. In: PRADO, J.L.A (org.). Crítica
das práticas midiáticas: da sociedade de massa às ciberculturas. São Paulo, Hacker
Editores, 2002.
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e
Sociedade. Porto Alegre, v. 20, n.2, p. 71-99, jun./dez, 1996.
50
REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 2, volume 2(2):2015
SOARES, M. C. A conjuntura eleitoral. In: O Enredo Eleitoral. Revista Comunicação
e política, Vol. 1, nº1, Agosto-novembro. Rio de Janeiro, Cebela, 1994.p.67-72.
FRAGOSO, Suely. RECUERO, Raquel. AMARAL, Adriana. Métodos de pesquisa
para Internet. Porto Alegre: Editora Sulina. 2013
Sites acessados:
http://www.viomundo.com.br/politica/feministas-apoiam-dilma.html
Acessado em 05 /12/2014.
http://estadaodados.com/perfil_eleitorado/dados
Acesso em 10/12/2014
http://www.saladeimprensadilma.com.br/2014/08/10/dilma-homenageia-os-paisbrasileiros-por-seu-dia/
Acesso em 28/08/2014
51