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REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 2, volume 2(2):2015 RELAÇÕES DE GÊNERO E MISOGINIA NA CONSTRUÇÃO DA IMAGEM PÚBLICA DE DILMA ROUSSEFF Elizabeth Christina de Andrade Lima Jessica Thais Pereira de Oliveira RESUMO O artigo analisa as campanhas de 2010 e 2014 de Dilma Rousseff no ciberespaço e busca fazer um recorte de gênero. Uma mulher fora dos padrões estéticos estabelecidos pela sociedade, porém que se utiliza da singularidade do feminino para montar sua imagem perante os eleitores. Uma candidata que transita entre o masculino e o feminino e se apodera de aspectos de ambos os mundos para moldar sua figura, se enquadrando assim nos modelos de candidaturas femininas. Palavras-chave: Ciberespaço; Gênero; Singularidade do feminino; Dilma Rousseff. INTRODUÇÃO No ano de 2010, entre tantos ocorridos, dois fatos chamaram a atenção de toda a nação. O mais importante deles foi à eleição da primeira mulher Presidenta do Brasil. Dilma Vana Rousseff (PT) ganhou as eleições presidenciais no segundo turno com 55.752.092 votos (TSE) ao disputar com o então candidato José Serra (PSDB) e entrou para a história política nacional. Até então no Brasil, nenhuma mulher havia chegado à disputa no segundo turno de uma eleição presidencial, a vitória de uma candidata do sexo feminino parecia ainda algo distante da nossa realidade. Esse fato tornou Dilma Rousseff um marco para a história recente da democracia em nosso País. Um marco para a luta pela igualdade feminina, pelo direito de ser mulher e ocupar o cargo mais alto do nosso sistema político: a Presidência. Mas não foi somente a chegada feminina à presidência do País que fez das eleições de 2010 um evento extraordinário. Outro fato que mereceu atenção foi a nova Lei Eleitoral Brasileira que permitiu a realização de campanhas eleitorais através da Internet. Essa nova lei gerou por parte de candidatos e eleitores uma forma diferente de interação durante as eleições, configurando a Internet como o mais novo lugar de disputa de poder, construção de imagens públicas de candidatos e de influência de pautas de campanha, direcionando, em grande medida, as eleições. Além da cobertura midiática convencional – televisão, rádio, jornal impresso, revistas semanais –, a 30 REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 2, volume 2(2):2015 Internet exerceu papel fundamental na interação do eleitor com seu candidato e se tornou o palco principal da disputa pela presidência. Essa interação se deu por meio do chamado ciberespaço, que nesta pesquisa está representado pelas mídias sociais como blogs, canais de vídeos e redes sociais. O ciberespaço aponta Lévy (1999, p.224), “é um ambiente comunitário, transversal e recíproco, onde em tese, todos os sujeitos conectados estariam em potencial equilíbrio na relação, podendo exercer simultaneamente os papeis de ‘emissor’ e ‘receptor’ das informações em circulação na rede.” Dito de outro modo, trata-se de um modelo dialógico, possibilitando o surgimento de um espaço propício para a ‘interação geral’ a partir da interconexão e da criação de comunidades virtuais. Com a democratização da internet e o acesso maior a aparelhos tecnológicos que permitem com maior facilidade o uso da rede, os brasileiros fizeram das eleições 2010 e 2014, a eleição virtual. Debates, discussões acaloradas, confrontos abertos entre os candidatos, piadas sobre os postulantes, estiveram em alta durante quase todo o período eleitoral. Se por um lado, o uso da Internet nesse período de campanhas eleitorais trouxe o eleitor para perto da política cotidiana, por outro lado instaurou um clima de instabilidade nas relações sociais, fazendo com que os usuários da rede se dividissem entre oposição e governistas. O uso do ciberespaço para a realização das campanhas eleitorais e o aumento da participação feminina abriram um leque imenso de possibilidades de análises a respeito da cultura política brasileira. Através do estudo desses espaços virtuais, utilizados para realização de campanhas políticas, podemos perceber como se deu a construção e desconstrução das imagens públicas dos candidatos ao longo de todo processo eleitoral. Podemos ainda analisar a forma como as candidaturas femininas foram abordadas nesses espaços, ou melhor, ciberespaços, e como as questões de gênero foram colocadas nessa dinâmica política no mundo virtual. A imagem da mulher na política foi questionada, debatida, defendida, construída e desconstruída a partir das diferentes colocações tanto dos concorrentes quanto dos usuários dessas mídias. Nesse sentido, esse paper busca compreender, através da análise do uso do ciberespaço com fins eleitorais, como se deu essa participação feminina, como foi construída a imagem da mulher política. Para tanto tomaremos como caso para análise, a candidatura de Dilma Rousseff (PT). 31 REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 2, volume 2(2):2015 Com tal investigação, buscamos trazer para as Ciências Sociais o debate acerca da relação entre cultura, mídia e política. Desse modo tomaremos essa candidatura como um marco na reconfiguração da cultura política brasileira, que deixa de ser um espaço majoritariamente masculino e passa aos poucos a ser plasmada por um espaço feminino de exercício de poder. Quando falamos de candidaturas femininas a imagem pública apresentada por essas candidatas é baseada nas noções acerca do ser mulher. Como aponta Irlys Barreira (1998: p.106): Pensar sobre a existência de uma simbologia das candidaturas femininas pressupõe também indagar se essas candidaturas trazem especificidades, sobretudo se comparadas a candidaturas masculinas. Mulheres na condição de candidatas ensejam a emergência de símbolos e estratégias discursivas ligados à moral, a ética ou valores femininos que lhe são atribuídos naturalmente tais como sensibilidade e sinceridade, entre outros. Existe, portanto, uma especificidade referida ao uso de atributos de gênero como forma de diferenciação política. Segundo Barreira (1998), as candidaturas femininas possuem essa diferenciação baseada nas especificidades de gênero. Nesta pesquisa utilizamos a categoria gênero, formulada por Joan Scott (1990), para quem o conceito de gênero refere-se a um sistema de relações de poder baseadas num conjunto de qualidades, papéis, identidades e comportamentos opostos atribuídos a mulheres e homens. Gênero, seguindo a explicação de Scott, difere de sexo, visto que esse último refere-se às diferenças biológicas, enquanto que o segundo diz respeito às diferenças sociais, culturais dentro de um contexto histórico. Ao trabalhar com a categoria gênero dentro do universo político, devemos salientar que a construção dos discursos e imagens por parte dos atores políticos depende da forma como se dão as relações sociais entre homens e mulheres. As diferenças na maneira como os atores agem dentro da esfera política diz muito sobre as expectativas da sociedade a respeito dos papéis sociais de mulheres e homens. Neste sentido, as eleições representam um ambiente muito propício para a análise da construção social desses papéis sociais, visto que em espaços de disputa de poder ficam mais evidentes as diferenças culturais, sociais e políticas que norteiam as relações de gênero. Como já exposto anteriormente, Dilma Rousseff representa um marco dentro da luta feminina por uma política mais igualitária. Por uma democracia que, de fato, 32 REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 2, volume 2(2):2015 ofereça as mesmas oportunidades para homens e mulheres respeitando suas diferenças biológicas e não reforçando práticas machistas que os colocam em desigualdade de gênero. Desse modo com esse paper temos o intuito de analisarmos se, e como o uso de discursos baseados na singularidade do feminino foram produzidos e reproduzidos durante a campanha presidencial da candidata Dilma Rousseff (PT) nas eleições de 2010 e 2014. Como a imagem de Dilma foi construída? Ela se utilizou de recursos que apelavam para as especificidades femininas? Como o marketing político foi trabalhado sobre esses aspectos? A questão de gênero estava presente nas duas campanhas eleitorais? Houve mudanças na forma como a imagem da candidata foi construída de um pleito para o outro? São algumas das perguntas que procuraremos responder. RELAÇÕES DE GÊNERO E A CAMPANHA PRESIDENCIAL Não é sem necessidade chamar atenção que estamos a refletir sobre uma candidatura feminina, ou seja, o plano de fundo que envolve nosso objeto é um espaço de disputa de poder majoritariamente masculino. Sendo assim é preciso que haja a compreensão de que o “ser mulher” ou “ser homem” são categorias socialmente construídas baseadas em tipos ideais acerca das expectativas culturais do que se entende por feminino e masculino. Dito isso, devemos salientar que acreditamos que as construções sociais vivenciadas mediante as relações de gênero são utilizadas como ferramentas dentro desse universo político de construção e desconstrução das imagens públicas. Ou seja, acreditamos que a campanha de Dilma Rousseff no ciberespaço está marcada por discursos que reivindicam a singularidade do feminino, busca no “ser mulher” uma forma de construir sua imagem perante os eleitores. A utilização de valores, ideias e comportamentos baseados nas relações de gênero mostra-se uma excelente ferramenta para ganhar votos e ainda legitimar discursos. Porém é preciso atentar-se para o fato de que o discurso sexualizado é construído e vivenciado de formas diferentes por candidatos e candidatas. É necessário lembrar que a política na cultura ocidental, assim como vários outros espaços sociais, é um lugar dominado majoritariamente pelo gênero masculino e por toda a simbologia que envolve o “ser” homem dentro desses espaços de poder. Bourdieu (1998) ao escrever “A Dominação Masculina”, buscou trazer à tona uma análise sobre a sociedade pautada na dicotomia masculino/feminino, que o autor denuncia ser um problema, 33 REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 2, volume 2(2):2015 analisando os aspectos simbólicos da relação social entre homens e mulheres. Nesta obra, o autor não discorre em nenhum momento sobre a categoria gênero, porém sua contribuição para este debate é inegável. Ao discursar sobre a dominação masculina como categoria sociológica, Bourdieu (1998) afirma que esse tipo de dominação, caracterizado pela violência simbólica, consegue penetrar profundamente na sociedade a ponto de ser aceito também pelo grupo dominado, isso acontece porque as relações desiguais estariam naturalizadas pelos indivíduos, tanto pelos que dominam, quanto pelos que são dominados. O corpo biológico socialmente modelado é um corpo politizado, ou se preferirmos, uma política incorporada. Os princípios fundamentais da visão androcêntrica do mundo são naturalizados sob a forma de posições e disposições elementares do corpo que são percebidas como expressões naturais de tendências naturais. (BOURDIEU, 1998, p.30) De forma resumida poderíamos afirmar que a biologia e o corpo significam espaços onde a relação de desigualdade entre os sexos é de alguma forma naturalizada, garantindo assim a manutenção do poder e da violência por parte dos homens. A idéia do autor é de que nossa relação com o próprio corpo está carregada de preceitos ou preconceitos ditados por uma maneira de pensar baseada na dominação. As diferenças biológicas são utilizadas para manter a mulher no lugar de subordinação. À mulher cabe a feminilidade, e com isso a negação de qualquer tipo de virilidade ou força. Para manter a mulher como o sexo inferior é preciso diariamente reforçar a idéia de que o sexo feminino é frágil, sensível, sem força física ou simbólica. Ao trazermos as categorias de Bourdieu (1998), para o debate aqui proposto, verificamos que no espaço político predomina a dominação masculina por meio da violência simbólica. Apesar da inserção da mulher no contexto político já configurar como um fato, a sua participação ainda não foi consolidada. A instituição da mulher como sujeito político depende, dentre vários outros aspectos, da diminuição ou exclusão dessa dominação que se perpetua através da violência simbólica que subordina as mulheres e transfere o poder e tudo que é relacionado ao poder ao mundo masculino. Para fazer parte do universo político, as mulheres ou negam a feminilidade e assumem um papel masculinizado a partir de características como força, racionalidade, ou se utilizam da feminilidade e se mostram como seres sensíveis, emocionais e maternais. É muito comum em candidaturas femininas a reprodução desses estereótipos 34 REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 2, volume 2(2):2015 para que haja aceitação por parte dos eleitores. Quando Bourdieu (1998) escreve sobre a dicotomia feminino/masculino ele está evidenciando o uso desses estereótipos que na sua obra ele chama de máscaras sociais. As máscaras servem para manter a dominação e demarcar lugares. Quando falamos sobre candidaturas femininas é preciso atentar sobre o uso dessas máscaras nos discursos políticos. Segundo Bourdieu (1998), como já salientado, a dominação masculina é uma forma de violência simbólica, ou seja, por esse conceito, o autor compreende o poder que impõe significações, impondo-as como legítimas, de forma a dissimular as relações de força que sustentam a própria força. Com isso ele quer dizer que o poder exercido pelos homens sobre as mulheres é mantido através das máscaras nas relações sociais, esse poder se infiltra nos pensamentos da sociedade, assim como em nossas concepções de mundo. Quando falamos sobre gênero estamos exatamente discutindo sobre as formas como as relações de poder se manifestam na concepção da definição do masculino e do feminino. Dessa forma podemos afirmar que se o discurso das diferenças biológicas embasa a dominação, é porque essas ideias de diferença são socialmente construídas a fim de justificar e naturalizar a dominação, ou seja, a legitimidade da força masculina provém da naturalização dos conceitos acerca dos corpos. De acordo com o autor manter essa dominação é trabalho de um conjunto de fatores, agentes e instituições como a família, a igreja, a escola, o Estado, a mídia, a biologia e também a política, entre outros. Defende ainda o referido autor, que essas instituições contribuem de maneira objetiva para a permanência da dominação masculina. A família teria, segundo ele, o papel principal na divisão sexual do trabalho, pois reserva a mulher as atividades domésticas, a função de ser mãe, de reprodução. A igreja também é fundamental na reprodução da dominação, pois defende dogmas patriarcais e a subordinação da mulher de forma naturalizada. O Estado, por sua vez, reforçaria sua visão androcêntrica, visto que Estado e política são esferas de domínio masculino. Bourdieu (1998) descreve ainda o papel da escola, afirmando que a escola transmitiria estruturas hierarquizadas, contribuindo para os destinos sociais de meninos e meninas. Quando trazemos para o debate atual a análise sobre a dominação masculina percebemos, apesar de algumas mudanças, que a estrutura social permanece a reservar às mulheres um lugar de subordinação mascarado por naturalizações construídas socialmente. Ou seja, apesar das conquistas femininas no que diz respeito à liberdade, 35 REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 2, volume 2(2):2015 garantia de direitos, igualdade, a estrutura social pouco mudou, pois ainda vivemos sob a égide do patriarcado e, portanto os papeis sociais ainda são definidos com base no sexo dos indivíduos. É evidente que as mulheres ganharam espaço dentro das instituições sociais, as mesmas que Bourdieu (1998) apresenta como contribuintes da dominação. A família continua a ser uma instituição central em várias sociedades, porém a forma como a família vem se configurando está provocando importantes mudanças na sociedade. O último censo brasileiro mostra o crescimento de mulheres como chefe de família. Em 2000 somavam 22,2% e em 2010 cerca de 37,3%. Esses números, apesar da frieza, revelam que as mulheres estão cada vez mais ocupando o papel de chefe da família, passando de mãe e esposa para provedora do lar. Outras instituições também sofreram mudanças importantes, como o Estado, que apesar de ainda não garantir às mulheres condições de igualdade, vem por meio de demandas sociais promovendo políticas de inclusão feminina, de garantia de direitos, principalmente no campo da saúde da mulher. No Brasil, ainda estamos longe de ter um Estado que promova políticas publicas baseadas na pauta feminista. Questões como o aborto e violência sexual são pontos pouco discutidos nas esferas de poder e quando são discutidos não passam de discursos, raramente tornam-se políticas efetivas. No mundo da política, mundo quase majoritariamente masculino, as regras sociais parecem ainda mais rígidas, pois demonstra de maneira clara as demarcações sociais baseadas nas diferenças de gênero. Em outras palavras, a política é dominada por homens e esses têm seu lugar de privilégio nos espaços de poder, enquanto que as mulheres ainda buscam o direito a equidade na distribuição do poder. Um exemplo claro disso é a lei de cotas , que garante o acesso a filiação partidária, porém não assegura a mulher no que diz respeito a conquista de um cargo eletivo, ou seja, ainda é negado o poder para a maioria das mulheres que buscam uma carreira política. As mudanças ocorridas atualmente são de extrema importância, porém ainda não foram suficientes para retirar a mulher da cruel dimensão de inferioridade, de subordinação, de violência física e simbólica. Ainda vemos milhares de mulheres sofrerem todo tipo de violação, constrangimento e humilhação, pelo simples fato de serem do sexo feminino. Apesar da importância da obra de Bourdieu (1998), o autor não apresenta para o leitor caminhos para a mudança social, para o fim da dicotomia masculino/feminino. 36 REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 2, volume 2(2):2015 Assim como ele afirma que a origem da desigualdade sexual está num tempo remoto, não sendo possível abordar historicamente essa origem, o autor parece sugerir que o fim da dominação masculina é tão remoto quanto sua origem. Uma visão um tanto quanto pessimista. Muitos críticos desta obra de Bourdieu (1998) apontam que apesar da contribuição fornecida por ele no debate sobre a dominação masculina, o autor teria ignorado em sua análise as categorias estudadas e definidas por teóricas feministas, como o próprio conceito de gênero. As conclusões obtidas pelo autor apontam uma realidade estática, no qual as mudanças são apresentadas ainda dentro da lógica masculina, para ele não há mudanças na estrutura social que faça diferença significativa na relação de opressão dos homens sobre as mulheres. Assim como diversas feministas, discordamos da visão pessimista do autor, é evidente que as mudanças ocorridas ainda não provocaram a quebra do sistema opressor no qual as mulheres estão inseridas, porém, a própria inclusão do debate acerca da temática nas esferas de decisão da sociedade aponta para uma mudança na maneira de pensar de homens e mulheres. O caminho talvez ainda seja longo e árduo, mas a dominação masculina, assim como qualquer outro sistema, não é estático ou eterno, pelo contrário, está em constante movimento e transformação. E a política se apresenta como um espaço para mudanças. Quanto mais mulheres conquistarem o mundo público, mais democrático se tornará a política e a sociedade como um todo. No que diz respeito à representatividade da mulher na política nacional temos que no Brasil, desde que a mulher conquistou o direito ao voto, há 84 anos, muita coisa mudou no que se refere à participação feminina no mundo da política. Entretanto é sabido que o avanço para a efetivação e consolidação da mulher na vida pública anda a passos lentos e que ainda hoje a política é assunto, quase que exclusivo, dos homens. Dentre os vários fatores que impedem a expansão da participação feminina nas atividades parlamentares, a divisão sexual do trabalho é um dos mais fortes. O patriarcado reservou às mulheres o restrito espaço privado e aos homens a liberdade de circular pelo espaço público. Com as lutas feministas a vida pública passou a ser também um espaço feminino, porém o lar continua e ainda é tido como responsabilidade das mulheres. Para realizar as atividades parlamentares, partidárias ou de representação é preciso que se tenha dedicação quase que integral. Mas como uma mulher pode se 37 REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 2, volume 2(2):2015 dedicar integralmente a carreira política se a ela cabem os deveres domésticos e o cuidar familiar? Algumas se arriscam, porém a maioria das mulheres continuam demonstrando uma imensa resistência em assumir cargos de liderança política. Para incentivar que as mulheres sigam a carreira parlamentar foi criada em 1997 a lei de n° 9.504, assegurando uma cota mínima de 30% e uma cota máxima de 70% para cada um dos sexos. Segundo dados do TSE, no ano de 2012, nas eleições municipais ocorreram, pela primeira vez, desde a criação da lei, o preenchimento de 30% da chamada cota de gênero por partidos e coligações. Apesar de representar um passo importante a lei não chegou a modificar a baixa representatividade feminina na arena política. A cota de gênero alterou de modo mais significativo o quadro quantitativo do número de mulheres candidatas, mas o número de mulheres eleitas ainda é tímido. Segundo a Senadora Lucia Vânia – PSDB, em 2012 o Brasil contava com apenas 8,9% de mulheres no Congresso Nacional, cerca de 1% nas Assembléias Legislativas e 12% nas Câmaras Municipais. O Brasil ocupava a vergonhosa 141° colocação, a respeito de mulheres nos Parlamentos Nacionais, num Ranking de 188 países. Como é possível observar, ainda estamos muito longe de alcançar a necessária paridade nos espaços de poder. A situação de subrepresentação da presença feminina nesses espaços ainda é uma realidade. A CAMPANHA PRESIDENCIAL DE 2010 Nosso intento a partir de agora é o de analisarmos a campanha de Dilma nas eleições de 2010, suas peculiaridades, os recursos midiáticos mais utilizados e os principais elementos que ajudaram na (des)construção da imagem da atual Presidenta da República. E, por fim, analisarmos se durante a campanha Dilma utilizou discursos que se configuram dentro do que chamamos de singularidades do feminino. Diversos candidatos souberam se utilizar dos meios virtuais em suas campanhas, um bom exemplo além do de Dilma Rousseff foi o uso dado as mídias sociais por outra candidatura feminina: a de Marina Silva. Marina foi um exemplo de candidata que soube aproveitar exemplarmente o espaço virtual para construir sua imagem e conquistar votos. A candidata dispunha apenas de um minuto na propaganda eleitoral gratuita e encontrou na internet um excelente meio capaz de difundir sua pauta de 38 REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 2, volume 2(2):2015 campanha. Marina construiu espaços como a “A casa de Marina” e “A sala de Marina”, fato que chamou a atenção de eleitores e simpatizantes. A candidata utilizou esses espaços para debater propostas, receber convidados e responder aos internautas que acessavam suas páginas. Além de blogs e sites, Marina Silva também usava o Twitter para chamar eleitores para somarem na sua campanha. A sua conta no Twitter foi uma das mais acessadas no mundo durante o período eleitoral. Natasha Bachini, em seu artigo intitulado “As Cibercampanhas no Brasil: Uma análise do Twitters de Dilma, Serra e Marina em 2010”, faz uma analise da forma como os três principais candidatos ao cargo de Presidente utilizaram a rede social Twitter. A autora traz dados sobre a forma como cada candidato se utilizou dessa ferramenta para construir suas imagens no ciberespaço. Sobre a candidata Dilma Rousseff, Bachini afirma que a postulante se utilizou da conta no Twitter para divulgar sua agenda de campanha, expor fotos, links de vídeos e também para fazer agradecimentos aos seguidores. Porém, diferentemente de Marina que usou o Twitter de maneira intensiva, Dilma pouco recorreu a essa ferramenta como meio de construção de sua imagem, suas postagens eram quase sempre referentes à exposição de datas e locais por onde passaria durante sua campanha. Segundo a autora, apesar de ter registrado o terceiro maior crescimento com relação ao número de seguidores (319%) de maio a outubro de 2010, a candidata foi a que menos usou o Twitter durante o período analisado, além de ter sido a única que não seguiu nenhum de seus adversários na rede social já mencionada. De maneira geral, sinaliza Bachini, o perfil da candidata no twitter se caracterizou como uma ferramenta expositiva, visto que Dilma utilizava o espaço mais para divulgar seus compromissos, do que para dialogar com seu público (eleitores). Dilma também usou o Twitter como forma de promover sua imagem como continuadora do governo Lula. Natasha Bachini afirma que a postulante evidenciou em seus tuites mais a imagem de Lula do que do próprio partido no qual é filiada, o PT. Esse comportamento também pôde ser observado em outras redes sociais como Facebook, no qual a candidata sempre aparecia ao lado do até então Presidente Luis Inácio Lula da Silva. Quase todo o marketing de Dilma durante as eleições de 2010 foi baseado nessa premissa: A continuidade do governo Lula, a continuidade das melhorias e transformações feitas pelo governo petista. Foram citados no twitter de Dilma Rousseff, por exemplo, programas como Prouni, Bolsa Família, Mais alimentos, 39 REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 2, volume 2(2):2015 programas estes criados durante o governo de Lula. Essa estratégia de vincular sempre que possível à imagem de Dilma a imagem de Lula, foi baseada no fato do petista ter 80% de aprovação popular. Essa visão passada para o eleitor de Lula como mentor, protetor e orientador político de Dilma e da candidata como a extensão dele não aparece tão forte em 2014, como veremos a seguir. Outro ponto destacado por Bachini sobre o perfil de Dilma nas redes sociais, diz respeito à abordagem sobre sua militância política, seu posicionamento como uma candidata de esquerda e principalmente o fato de ser mulher e de estar concorrendo ao cargo de Presidente do Brasil. Esse último elemento gerou o slogan que seguiu toda a campanha. Com o “Mulher também pode!”, Dilma evidenciou a importância do papel feminino na sociedade nos dias atuais. Ela se colocou enquanto mãe, futura avó e mulher diante de um meio tão masculinizado que é a política, utilizando elementos da singularidade do feminino para se aproximar das eleitoras de forma subjetiva. Ao se apresentar como uma mulher com possibilidades reais de conquistar a presidência da República, Dilma passou a representar milhares de mulheres no país inteiro. “Mulher também pode!” se tornou mais do que o símbolo da campanha da postulante, tornou-se o símbolo daquela eleição. Sob esse aspecto, formula Irlys Barreira (1998): Algumas características podem ser identificadas no âmbito dessa suposição. Em primeiro lugar, está a perspectiva de situar a mulher como signatária de valores universais, fato que a tornaria potencialmente capaz de superar seus adversários. Uma segunda ordem de considerações pensa a inexperiência das mulheres como atributo positivo, porque fora das práticas tradicionais e espúrias do poder. Nesse período, as candidaturas de mulheres diferenciam-se das candidaturas masculinas, pois o que conta essencialmente são os feitos profissionais. A inexperiência pode, assim, tornar-se virtude na medida em que a não entrada na política permitiria a guarda de uma integridade. As mulheres parecem, assim, como guardiãs ou reservatórios de uma moral coletiva. (BARREIRA, 1998, p.106) Para Barreira, as candidaturas femininas são marcadas por elementos relacionados tanto do universo feminino, quanto do universo masculino. A delicadeza, a sensibilidade, a emoção, a sinceridade, são valores comumente relacionados às mulheres e reivindicados por elas no âmbito político. Porém, para legitimar suas campanhas, ao mesmo tempo em que buscam demonstrar esses valores femininos, as 40 REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 2, volume 2(2):2015 mulheres candidatas também buscam valores tidos como características masculinas – a força, a coragem, a destreza, o pulso firme. Na campanha de Dilma podemos perceber claramente esses elementos. Uma candidata esteticamente fora dos padrões, mas que apresentava em seu discurso uma figura maternal, sensível e ao mesmo tempo forte e corajosa. O marketing de Dilma buscou passar para os eleitores e seguidores da candidata nos perfis das redes sociais, a imagem de uma mulher com todos os atributos necessários para governar o País, uma mulher sensível aos problemas e forte o suficiente para resolvê-los. Outro aspecto marcante de candidaturas femininas e que estavam presentes no processo de construção e desconstrução da imagem pública de Dilma, foi o questionamento acerca de assuntos polêmicos com o aborto, por exemplo. Diversos blogs e perfis nas redes sociais divulgaram textos e imagens relacionando Dilma a suposta declaração de que a candidata seria a favor do aborto e de sua legalização. Dilma Rousseff por vários momentos, através de declarações públicas, desmentiu ter declarado apoio a pauta relacionada ao aborto. Essas polêmicas geradas em torno de camapanhas femininas é uma das caractrísticas do processo de desligitimação de candidaturas de mulheres. Dilma Rousseff, assim como outras candidatas, não pôs em discussão nas redes sociais temas polêmicos afim de não gerar descontentamento com a maoiria de seus seguidores e assim prejudicar sua camapanha. Por fim, podemos afirmar que a candidata Dilma Rousseff utilizou as redes sociais para realizar sua campanha e demarcar suas posições nessa nova arena de disputa de poder, a internet. Ainda que não intesamente quanto em 2014 o marketing político de Dilma soube aproveitar o espaço virtual para a construção da imagem da postulante. Segundo a análise feita da campanha de Dilma no ciberespaço, tambem podemos afirmar que a candidata construiu sua campanha com base no que conhecemos por singularidade do feminino, utilizando elementos dessa singularidade para instituir e legitimar o seu lugar dentro do universo político. A CAMPANHA PRESIDENCIAL DE 2014 Assim como em 2010, o ciberespaço foi usado por diversos candidatos para construir suas imagens políticas dentro do contexto de espetáculo que se tornou o evento eleitoral no Brasil. O marketing da petista Dilma Rousseff foi extremamente 41 REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 2, volume 2(2):2015 competente na forma como utilizou as redes sociais para aproximar a Presidenta candidata do seu eleitorado. Um exemplo bastante pertinente é a apropriação de um blog de humor chamado “Dilma Bolada” que teve um papel importante na sua vitória. Um personagem que ajudou a criar uma narrativa cativante em torno da candidata, o que foi muito importante na eleição. Blogs como a “Dilma Bolada”, que usa do humor pra apoiar e criticar o governo mostrou como a internet pode ser uma aliada na construção do condidato(a) tornando as eleições um processo cada vez mais interativo. Diferente de 2010 em que a cobertura midiática ainda era fortemente veiculada pelos canais de televisão e pelas principais revistas semanais, a campanha de 2014 foi tomada pelas redes sociais. Os debates que ocorriam no ciberespaço ditavam as agendas políticas dos candidatos, assim como a pauta eleitoral dos jornais e revistas. O processo de virtualização das eleições e de outras campanhas femininas que retratam a mulher com certa delicadeza, Dilma é representada pela força e coragem. Porém ao mesmo tempo podemos perceber elementos comuns em discursos que apelam para singularidades do feminino, como, por exemplo, imagens mostrando-a enquanto mãe, avó e dona de casa. Toda sua campanha foi pautada nesses dois eixos: a imagem de uma mulher forte ao lado da figura maternal. Essa ambivalência é comum quando se trata da construção de candidaturas femininas, visto que uma das características desse fenômeno político-social é justamente a utilização de discursos que destaquem as qualidades tidas como femininas, o lado maternal, o cuidado, o zelo, mas também reforçam a idéia da mulher forte, capacitada, aquela que sabe cuidar do seu lar, a chefe da família. Durante toda a campanha, os discursos acerca da imagem de Dilma enquanto política sofreu pequenas e grandes mudanças, sejam por parte do próprio marketing dela, sejam pelos eleitores que estavam envolvidos nessa disputa eleitoral. No primeiro turno havia mais duas mulheres concorrendo ao pleito. Marina Silva (PSB) e Luciana Genro (PSOL). Por esse motivo a campanha de Dilma num primeiro momento demonstrou de maneira tímida o uso do discurso de gênero pautado nas singularidades do feminino. Seu programa estava mais voltado para questões do seu governo, as mudanças, segundo o partido, trazidas pelo governo do PT. O uso do slogan “Muda Mais” deixa bem claro a intenção do marketing em convencer o eleitorado de que com Dilma, o País continuaria a mudar para melhor. A imagem da mulher forte e guerreira aparecem com mais ênfase nessa etapa da campanha. 42 REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 2, volume 2(2):2015 Quando a disputa passa para o segundo turno o cenário muda completamente. Dessa vez a candidata concorre ao pleito ao lado de um homem, Aécio Neves (PSDB). Nesse momento o uso do ciberespaço como meio para efetivação das campanhas ganham um tom mais conflituoso e as diferenças de gênero passam a ser o plano de fundo para os discursos apresentados. A campanha de Aécio Neves foi pautada, todo tempo, na desconstrução da imagem de Dilma. A intenção do candidato era questionar a capacidade da atual Presidente em governar o País. Para isso, o postulante usou tanto o programa eleitoral televisionado, quanto seus espaços virtuais nas redes sociais. A eleição nesse momento passa a ter um caráter de polarização das ideias. De um lado um homem, representante da direita conservadora e, do outro lado uma mulher, tida como guerrilheira e representante da esquerda. Esse cenário político torna-se palco de uma disputa acirrada, marcada por diferenças ideológicas, raciais, regionais, políticas, sociais e de gênero. Como foco desse paper são, entre outras coisas, as relações de gênero, focaremos nesse tema. Dilma, ao longo de sua campanha e, particularmente no segundo turno, ganha força com os movimentos sociais, principalmente de negros e mulheres. Segundo dados do Estadão, numa pesquisa de intenção de votos para o segundo turno, 47% das mulheres brasileiras votariam em Dilma. Esse índice alto de votos por parte do público feminino gerou uma mudança significativa na campanha de Dilma Rousseff. Alguns coletivos do movimento feminista já haviam sinalizado o incentivo ao voto na candidata petista. Uma carta de apoio a Dilma, com mais de 850 assinaturas de mulheres foi exposta e comentada em várias redes sociais. A carta continha 13 motivos pelos quais as feministas deveriam reeleger a Presidenta. O apoio das minorias, como feministas e movimento negro, usaram bastante as redes sociais como Twitter e Facebook para declarar seu voto em Dilma Rousseff. Diante de todo esse apoio o programa eleitoral da candidata passa a enfatizar o lado feminino de sua imagem. Dilma passa a se referir mais enfaticamente às donas de casa, trabalhadoras, mães. E campanhas como “mulheres com Dilma” tomam conta da rede. O marketing político da petista soube lidar positivamente com os vários momentos da eleição. Um exemplo foi o uso de uma parte emblemática de sua história para criar o jingle “Coração Valente” que se tornou a marca da candidata nas eleições de 2014. 43 REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 2, volume 2(2):2015 Coração Valente (Anderson Freire) Dilma, coração valente, força brasileira, garra desta gente. Dilma, coração valente, nada nos segura pra seguir em frente Você nunca desviou o olhar do sofrimento do povo Por isso, eu te quero outra vez Por isso, eu te quero de novo Você nunca vacilou em lutar em favor da gente Por isso eu tô juntinho, do seu lado Com você e Lula pra seguir em frente Mulher de mãos limpas (tô com você) Mulher de mãos livres (tô com você) Mulher de mãos firmes vamos viver uma nova esperança Com muito mais futuro e muito mais mudança Dilma, coração valente, força brasileira, garra desta gente Dilma, coração valente, nada nos segura pra seguir em frente O que ta bom, vai continuar O que não tá, a gente vai melhorar Coração valente. O jingle produzido pela equipe do publicitário João Santana, rapidamente tomou conta das redes sociais e foi muito bem aceito por seus seguidores. Nesta canção podemos perceber vários aspectos importantes na forma como os “marketeiros” tentaram conduzir a propaganda eleitoral para reeleição da postulante. A imagem de Dilma jovem, com o título de coração valente remete a uma mulher forte, que lutou pela democracia e que possui a força para continuar governando um País continental como o Brasil. A estratégia do marketing político foi apresentar uma candidata que transita entre os caminhos da masculinidade e da feminilidade na construção do seu perfil político. Uma candidata que ao mesmo tempo em que mostra um lado maternal, também mostra força e racionalidade, características vistas como masculinas. A imagem de Dilma jovem lutando contra a ditadura é colocada lado a lado com a imagem de Dilma que “nunca virou as costas para o sofrimento do povo”. É importante salientar que a candidata se utiliza do discurso baseado na singularidade do feminino, porém não se apresenta como uma mulher inteiramente feminina. Essa dicotomia presente no perfil político de Dilma se dá por sua imagem externa e sua imagem interna. Esteticamente falando, Dilma é uma mulher fora dos 44 REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 2, volume 2(2):2015 padrões de beleza da nossa cultura. O corte de cabelo, a voz e o próprio corpo da candidata estão fora desse padrão exigido pela sociedade. Esses aspectos não deveriam ser levados em conta em uma disputa eleitoral, porém, como afirma Bourdieu, os espaços sociais são dinamizados pelo tipo de dominação vigente, no caso da nossa sociedade se trata da dominação masculina. Desse modo a política é vista pela perspectiva masculina, portanto a construção da figura feminina na política passa pela ótica masculina e pela forma como os homens enxergam as mulheres. Para quebrar com essa visão masculinizada da imagem física de Dilma Roussef, foi preciso introduzir em seu discurso o papel de mãe e avó. Na campanha de 2014 a candidata é vista através de vídeos no Youtube, postagem em redes sociais, falando e evidenciando a sua família, a sua casa. Um exemplo disso é que no primeiro vídeo da campanha, exibido no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral – HGPE, a postulante aparece cozinhando uma massa em sua casa, enquanto fala sobre o seu governo e suas pretensões como governante, demonstrando o que se espera de uma mulher política numa sociedade machista como a nossa. Dilma constrói sua imagem nessa campanha a partir de aspectos singulares do ser feminino, porém ainda possui uma caracterização masculinizada, seja por sua aparência física, seja por se apresentar como uma candidata extremamente racional e emocionalmente controlada. Desse modo podemos afirmar que a candidata Dilma é um personagem político extremamente emblemático no que se refere às questões de gênero, pois quebra com os estigmas femininos como o de mulher frágil, ao mesmo tempo em que reforça outros estigmas como a crença da maternidade como algo intrínseco às mulheres. A CANDIDATA, AS ELEITORAS, O MACHISMO E A MISOGINIA NAS ELEIÇÕES A campanha de Dilma reforçou o diálogo com as eleitoras do sexo feminino a fim de construir uma imagem de representação para esse público. Diferentemente de postulantes do sexo masculino que focam seu programa em assuntos como economia, segurança e educação, as postulantes do sexo feminino costumam evidenciar em seus programas ideias em relação às dificuldades das mulheres no dia-a-dia. Assuntos como educação infantil, moradia, programas sociais são comumente citados por mulheres 45 REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 2, volume 2(2):2015 candidatas a cargos eletivos. Isso parte da idéia de que são as mulheres as maiores responsáveis pela educação dos filhos, pela organização do lar, pelo sonho da compra da casa própria. O marketing político da petista tenta dialogar com a mulher de forma direta com o objetivo de passar a idéia de inclusão dos diversos perfis femininos. Fala com a mulher pobre através dos programas sociais como o bolsa família, mas também com a mulher classe média através de propostas de incentivo ao empreendedorismo feminino. Diferente dos candidatos do sexo masculino como Aécio (PSDB) e Pastor Everaldo (PSC) que se dirigem às mulheres quase sempre como donas de casa, Dilma tenta representar os diversos perfis femininos através de suas propostas. No programa de Dilma, veiculado pela televisão e pelas redes sociais, a postulante se coloca como a candidata que está do “lado” da mulher brasileira, da trabalhadora, da dona de casa, da estudante, da mãe. Segundo o Data Folha, em outubro de 2014, 53% das mulheres afirmaram que votariam em Dilma para presidência da República na disputa entre a candidata e o postulante Aécio Neves (PSDB). Esse número é bastante significativo levando em consideração que as mulheres somam mais da metade da população brasileira. Apesar de levantar questões tidas como problemas do cotidiano feminino, a campanha de Dilma, assim como em 2010, não abordou temas considerados polêmicos como o aborto por exemplo. Por essa postura foi fortemente criticada pela candidata ao mesmo cargo, Luciana Genro (PSOL). Segundo a candidata do PSOL é preciso falar sobre aborto, e aponta que o governo Dilma se omite diante da realidade milhares de brasileiras que morrem todos os anos vitimas de abortos mal sucedidos. Há uma ideia de que quem defende a legalização do aborto está defendendo o aborto como um método contraceptivo ou que é uma ótima solução para evitar filhos. Quando nós sabemos que não é assim. O aborto é um drama para qualquer mulher. Ninguém é a favor do aborto, somos a favor das mulheres. Tivemos duas mulheres que morreram vítimas da clandestinidade, a Jandira e a Elisângela. Não dá para continuar achando que o aborto não existe. Ele existe e mais de 800 mil brasileiras se submetem a ele por ano, (Fonte: Fala de Luciana Genro (PSOL) no seu HGPE). Embora a postura de Dilma tenha sido a de se abster sobre o aborto – que é um dos aspectos mais importantes da pauta feminista – os movimentos sociais de mulheres esteve no apoio à candidatura de Dilma, principalmente no segundo turno, quando a 46 REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 2, volume 2(2):2015 eleição foi disputada entre Dilma e Aécio. Nas redes sociais circulavam cartas, imagens, vídeos reforçando o apoio do movimento feminista para com a petista. Um dos manifestos mais visualizados, como acima já informado, foi a carta aberta que continha 13(treze) motivos para justificar o voto feminino em Dilma. Segundo elas, o Feminismo, "enquanto movimento social, político e intelectual têm exercido um papel importante na luta pela emancipação feminina, e consequentemente, na construção de uma sociedade mais justa e democrática". Entendendo que não podem deixar de participar ativamente do momento político atual, as feministas declararam que estão certas de que "a candidata Dilma Rousseff representa a melhor alternativa para a continuidade do ciclo de avanços e progressos que vive o País desde o ano de 2003". Um dos motivos citados no manifesto de apoio das feministas à reeleição de Dilma, é a luta pela igualdade e combate ao machismo. "Ela jamais desistiu de lutar por um País melhor, mesmo diante dos mais ferozes obstáculos: ditadura e machismo. Dilma, como todas nós, sonha com um País onde as pessoas tenham, no mínimo, igualdade de condições e de oportunidades para enfrentar as lutas diárias da vida". Esse apoio foi fundamental para a consolidação da imagem de Dilma como uma legítima representante feminina. Uma mulher que representa a força feminina em uma realidade extremamente machista e patriarcal como a brasileira. Nascer mulher em um País como Brasil é sinônimo de desafios diários. Violência, machismo, misoginia, exclusão, são apenas exemplos do que uma sociedade patriarcal reserva às suas mulheres. Quando se trata de uma mulher que disputa um cargo de poder os desafios enfrentados são atenuados e ficam em evidência. Disputar a reeleição à presidência da República em um País cuja representação feminina nos espaços de poder é mínima se apresenta como um desafio imensurável. Quando Dilma Rousseff disputou pela primeira vez as eleições para presidente no ano de 2010, teve que lidar com inúmeros desafios, o maior deles talvez, o machismo. Sua imagem foi atacada de diversas formas. Questionaram sua sexualidade, sua vida íntima, sua racionalidade. Na disputa de 2014 não foi diferente, apesar de estar no cargo há quatro anos, Dilma sofreu os mesmos ataques da eleição anterior com o diferencial do uso exagerado das mídias sociais para atingir sua imagem. Como já foi citado nesse texto, a construção e desconstrução da imagem dos candidatos durante o processo eleitoral faz parte do espetáculo político. O candidato(a) 47 REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 2, volume 2(2):2015 deve se apresentar e encenar a fim de convencer o público, ou seja, os votantes. Toda a imagem do postulante passada através dos veículos de informação tem o objetivo de orientar a escolha do eleitor. No ciberespaço essas informações tomam uma dimensão completamente diferente da que pode ser percebida na televisão, pois o ciberespaço permite a interação dos atores políticos envolvidos. Se por um lado essa interação facilita na construção das imagens que os políticos pretendem passar para seu eleitorado, por outro lado a interação maximiza os efeitos da desconstrução dessas imagens. No caso de candidaturas femininas o processo de desconstrução ou retirada de legitimidade política, que é a base da representação, é quase sempre feita sob a lógica machista da sociedade. As desconstruções que os políticos sofrem durante o processo eleitoral passam pelo recorte de gênero. As mulheres que se atrevem no mundo público têm como desafio enfrentar a dura realidade machista. Durante toda a campanha de 2014 pudemos ver, com clareza, a forma hostil com que muitos eleitores se dirigiam às candidatas nas principais redes sociais em uso no Brasil. Xingamentos, palavras de baixo calão, ofensas à sua imagem e ao seu corpo foram destilados nos mais diversos perfis virtuais. Durante os debates também foi notória a forma machista com que os candidatos homens tratavam as suas concorrentes. Dilma foi constantemente chamada de Leviana por Aécio (PSDB). Essa postura foi denunciada em diversos manifestos nas redes sociais. No Twitter, Facebok e outras redes, os eleitores chamavam a atenção para a forma grosseira como Aécio tratava as candidatas presentes nos debates. O político chegou a levantar o dedo para as concorrentes diversas vezes durante os debates televisivos. Em um episódio chegou a ser repreendido, em rede nacional, pela candidata Luciana Genro (PSOL). Esse fato movimentou as redes sociais e gerou uma espécie de “comoção” de apoio as candidaturas femininas, como protesto ao machismo. Diversas feministas de destaque no mundo virtual declararam a sua indignação com a postura de Aécio para com as candidatas. Uma delas foi a de Lola Aranovich, Professora da Universidade Federal do Ceará, que declarou o seguinte para o Pragmatismo Político: [...] para mim, o que chocou mais no debate foi o machismo escancarado de Aécio. O sorriso debochado com que tratou Dilma, ecoou o dedo em riste a Luciana Genro no primeiro turno. O jeito com que Aécio se dirigiu aos eleitores, como “dona de casa” e “trabalhador”, soou como uma divisão de outro século. Como cereja no bolo, o twitter de um de seus 48 REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 2, volume 2(2):2015 grandes apoiadores, Pastor Malafaia: “Já está saindo uma ordem de prisão a caminho da Band contra Aécio por espancamento à mulher, pede pra ele não matar Dilma kkkk”. Sim, esse tipo de piada no momento em que Dilma perguntou ao candidato tucano sobre a violência contra as mulheres. Isso num País em que 15 mulheres são mortas por dia, todos os dias, quase sempre pelo parceiro ou ex. A forma como Aécio e outros tantos homens trataram e tratam as mulheres na esfera política é apenas um reflexo da sociedade patriarcal na qual vivemos. Embora tenhamos elegido uma mulher como Presidenta da República, o Brasil ainda é um País misógino. E como tal, tenta deslegitimar as figuras femininas através de conceitos machistas perpetuando a idéia de que política é lugar para homem. Enquanto vivermos em uma sociedade nesses moldes, mulheres como Dilma ou Luciana terão como desafio a construção de suas imagens acima dessa lógica retrógada que é o machismo. CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar da candidata Dilma Rousseff nas eleições de 2010 e 2014 utilizar as redes sociais para expor sua figura política, essa utilização sofreu mudanças de uma eleição para outra. Em 2010 ainda era massiva a cobertura midiática do processo eleitoral pelos canais de televisão, pelos jornais e rádios. Além disso, foi o primeiro ano em que a Justiça Eleitoral permitiu o uso da Internet para fins de propaganda eleitoral. Portanto o uso do ciberespaço foi em grande medida, bem moderado. Contudo esse uso ainda tímido das redes sociais por parte de políticos foi relevante na construção e desconstrução das imagens desses candidatos. Em 2014 o uso da rede para fins eleitorais foi massivo, um dos motivos que apontamos nesse paper se da pelo crescimento do uso a internet como meio de interação social. Com mais pessoas conectadas através de redes sociais, os candidatos souberam aproveitar o espaço virtual para se aproximar dos eleitores e assim consolidar suas imagens políticas. Dilma e seu marketing político também demonstraram maior interesse nos recursos midiáticos virtuais para a construção de imagem, aproximação com o eleitorado e exposição de suas propostas governamentais. 49 REIA- Revista de Estudos e Investigações Antropológicas, ano 2, volume 2(2):2015 Nas campanhas de 2010 e 2014, Dilma Rousseff se mostrou uma personagem emblemática através da percepção da imagem que foi criada ao seu redor. Uma mulher fora dos padrões estéticos estabelecidos pela sociedade, porém que se utiliza da singularidade do feminino para montar sua imagem perante os eleitores. Uma candidata que transita entre o masculino e o feminino e se apodera de aspectos de ambos os mundos para moldar sua figura, e enquadrando assim nos modelos de candidaturas femininas. Por fim, o ciberespaço se mostrou como um ambiente propício para analisar a forma como os atores políticos criaram seus personagens e seus cenários no espetáculo que é o processo eleitoral brasileiro. Permitindo também analisar a forma como mulheres vivenciam a política e os recursos utilizados por elas para se legitimarem em um universo tipicamente dominado por homens. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARREIRA, Irlys Alencar Firmo. Chuva de Papéis: ritos e símbolos de campanhas eleitorais no Brasil. Rio de Janeiro. Relume Dumará: Núcleo de Antropologia Política, 1998. ________________________. Imagens do feminino na Política. XIMENES, Tereza. Novos Paradigmas e Realidade Brasileira. Belém: UFPA/NAEA, 1993. BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998. GOMES, Wilson da Silva. Transformações da política na era da comunicação de massa. São Paulo, Paulus, 2004. ________________________. Duas premissas para compreensão da política espetáculo. In: NETO, Antônio Fausto, PINTO, Milton José. O Indivíduo e as Mídias. Rio de Janeiro: Diadorim, 1996. LIMA, Elizabeth Christina de Andrade. 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