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Volume 3 Um Ensaio De Psicologia Narrativa Por António Francisco Ribeiro Alves Texto da lição integrada no concurso de provas públicas para recrutamento de um Professor Coordenador para a Escola Superior de Educação, na área científica da Psicologia Narrativa, aberta pelo edital nº 1120/2008 de 13 de Novembro e ao abrigo do artigo 26º do Decreto‐Lei nº 185/81 de 1 de Julho. IPB Dezembro/2008 Índice 1 O mapa cognitivo ............................................................................................3 2 A narrativa como meio de construção das significações pessoais................... 10 3 Limites e explorações .................................................................................... 27 4 Referências.................................................................................................... 34 Apresentação A finalidade do presente texto é mostrar que a narrativa pode ser a forma mais adequada para a compreensão e alteração das significações pessoais e para um processo de análise crítica de teorias sobre modelos cognitivos. Para o efeito, está organizado nas seguintes três secções: 1. O mapa cognitivo – esta expressão acaba por ser uma metáfora que engloba todos os modelos que procuraram compreender a arquitectura interna do sistema cognitivo; nesta secção apresentamos a necessidade da cognição humana e como determinados modelos teóricos acabaram por conferir à linguagem um papel secundário ou instrumental na produção de significações; 2. A narrativa como meio de construção das significações pessoais – nesta secção começamos com a necessidade da dimensão narrativa na cognição humana, em particular da memória, para, de seguida, analisarmos as características da narrativa em termos de organização e de processos. 3. Limites e explorações – finalmente, abordamos aplicações da narrativa, apontamos limites práticos e teóricos e esboçamos uma análise narrativa crítica de concepções da criatividade. Escolhemos a criatividade por ser um tema presente na actual retórica política e social (cf., Kaufman & Sternberg, 2006). A escolha do título – um ensaio de psicologia narrativa – procura acentuar o carácter provisório do texto e a necessidade da sua crítica. 2 1 O mapa cognitivo Skinner (1989) sustentava que a análise etimológica das palavras mostrava que os seus referentes são acções ou situações externas; só posteriormente, devido à influência da ciência cognitiva e da linguagem do senso comum, é que as palavras ‐ segundo a sua perspectiva ‐ passaram a referir‐se a supostos processos internos. Dava exemplos curiosos dessa análise etimológica. Vejamos alguns: querer, é uma palavra associada a uma acção reforçada pelo efeito de terminar um estado penoso; precisar, difere da anterior porque o reforço não é imediato; assim, dir‐se‐á «quero algo para comer» e «preciso de um táxi»; esperar, é uma palavra que traduz a impossibilidade de agir para obter um reforço como em «espero que o meu clube ganhe». A análise funcional do comportamento obriga que as variáveis independentes (i.e., as causas do comportamento) sejam observáveis e descritas segundo termos físicos (Skinner, 1953). Ora, na perspectiva skinneriana, o uso de palavras do senso comum para referir estados internos está vedado à abordagem científica do comportamento porque, regra geral, obscurece as contingências de reforço e cria a ilusão de existirem processos internos causais quando as verdadeiras causas são externas ao organismo e, por conseguinte, à mente (Skinner, 1989). Repare‐se que só a análise funcional do comportamento clarifica as contingências de reforço a que as palavras aludem, tal como os exemplos anteriores mostram. Imediatamente antes de falecer, Skinner (1990) continua a sustentar que, self, mente e palavras derivadas ‐ supostamente referindo processos internos ‐ não se podem constituir como objecto de estudo científico. Em suma, com Skinner, as palavras não remetem para as causas internas do comportamento descrevem, outrossim, contingências de reforço1. Mesmo no caso da classe de comportamento verbal designada intraverbal, a qual se trata de uma cadeia de palavras associadas arbitrariamente pela comunidade verbal, o estímulo discriminativo é uma resposta verbal anterior ‐ do falante ou interlocutor ‐ que Skinner não outorga às palavras a causalidade do comportamento, mas associa‐as, necessariamente, às acções. Na abordagem discursiva da mente observamos essa ligação, embora com a diferença de a palavra não ser um epifenómeno mas um recurso simbólico absolutamente necessário, mesmo na resolução de problemas simples da chamada inteligência prática, tal como Vygotsky (1987) mostrou. 1 3 deverá desencadear uma resposta verbal reforçada pela atenção social (Skinner, 1957). Por exemplo, se um interlocutor afirma «Trinta dias tem Novembro ...» o falante, uma criança, suponhamos, deverá continuar com a sequência, sendo reforçada pelo contentamento do interlocutor. Não é necessário, na perspectiva skinneriana, invocar regras mentais para explicar a aquisição da linguagem. A necessidade de variáveis cognitivas para explicar o comportamento já tinha sido experimentalmente corroborada, entre outros, por Tolman (cit. por Hilgard, 1973). Tolman mostrou como os ratos aprendem mais facilmente a localizar um lugar do que a exibirem os movimentos conducentes à obtenção do reforço (e.g. comida). Além disso, treinou ratos num labirinto com três percursos possíveis (A, B e C) que variavam em tamanho (A mais curto e C mais longo). Durante o treino, o experimentador colocava impedimentos em diferentes pontos para que os ratos treinassem todos os três percursos. Ora, o experimento consistiu em barrar o percurso A num ponto que também implicava o impedimento do percurso B. No entanto, o impedimento de B ou deveria ser experimentado directamente ou "inferido". Verificou‐se que os ratos não despendiam tempo em tentativas e erros na utilização do percurso B, dirigiam‐se ao percurso C com o objectivo de alcançarem o reforço. Isto é, os ratos pareciam exibir uma espécie de mapa cognitivo da situação que lhes orientava os movimentos, lhes reduzia a frequência das respostas de erro e lhes definia um objectivo (ibidem). Certamente que a cognição humana será diferente da dos ratos, mas o que interessa enfatizar é que se as variáveis cognitivas são uma abstracção necessária para compreender as acções de animais em determinadas situações, então, por maioria de razão, serão necessárias para compreender as acções humanas. Chomsky empreendeu uma recensão crítica da explicação do comportamento verbal apresentada por Skinner sustentando a vacuidade das noções de reforço, resposta e, fundamentalmente, a necessidade de explicar o enunciado2 em função de regras e estruturas internas ao sujeito (Chomsky, 1983). Assim, um enunciado não é explicável pelas contingências de reforço se tivermos em conta os seguintes argumentos: 2 O termo correspondente no léxico skinneriano é comportamento verbal. 4 um dado estímulo discriminativo não apresenta inequivocamente uma característica física para todos os enunciados que podem ser construídos ‐ dito de outro modo, diferentes associações (i.e., enunciados) não são determinadas pelas características físicas dos objectos, donde, a descrição objectiva do estímulo estar dependente das significações do sujeito e não de referentes externos; por exemplo, que característica física do Jardim das Delícias de Hierónimus Bosch determina o comentário «Gosto de pintura abstracta» feito por uma criança?; a noção de resposta só é compreendida em termos de intencionalidade ou significações do sujeito porque, caso contrário, ao pretender‐se que ela seja observável é reduzida a movimentos corporais desprovidos de propósitos; por exemplo, correr é um movimento que só ganha sentido quando o relacionamos com as significações: fugir de uma ameaça, terminar a maratona, etc.; a formação de enunciados é regulada por regras dependentes da estrutura e não por regras reforçadas pela comunidade verbal, por exemplo, caso a formação da interrogativa da frase inglesa «The man who is here is tall» se fizesse segundo a regra empírica que consistiria em localizar a primeira inflexão do verbo to be e colocá‐la no início da frase teríamos um enunciado agramatical. De acordo com Chomsky, são as estruturas internas ao sujeito, não aprendidas, que regulam a colocação de partes da frase no início ou no fim de modo a assegurarem a respectiva gramaticalidade (1980; 1983); há uma dupla capacidade de produzir frases nunca antes ouvidas e de produzir frases infinitas. Ao postular estruturas sintácticas profundas e regras de transformação que originam as frases ao nível superficial, Chomsky abre fissuras importantes no comportamentalismo skinneriano e favorece a ideia de um sistema cognitivo multinível (Mahoney, 1998). Abriu‐se, assim, a caixa de Pandora do sistema cognitivo, saltando para fora uma miríade de conceitos que, não raro, nos deixa perplexos na tarefa de os compreender, organizar e, sobretudo, escolher. O mapa cognitivo, causa determinante das acções humanas, revelou‐se um puzzle difícil de entender, dada a quantidade de variáveis com as quais se procurou dar conta da interioridade e da autonomia do sujeito. Neste processo de teorização, foi concedida pouca atenção à possibilidade de o sistema cognitivo também residir na linguagem. Pelo contrário, as diferentes 5 teorias, de uma forma ou outra, subordinaram a linguagem à cognição. Uma possibilidade de organizar os diferentes modelos teóricos é referenciá‐los a questões relacionadas com os seguintes aspectos: Conteúdos; Estruturas; Desenvolvimento. No que respeita aos Conteúdo das cognições colocamos questões como: o modelo aborda as construções pessoais e sociais ou as construções objectivas que permitem explicações causais, mecânicas e não contraditórias, ou seja explicações objectivas sobre a realidade? ou aborda ambas? Quanto às Estruturas, colocamos questões como: o modelo organiza as cognições em variáveis relativamente pouco sistematizadas ou em estruturas tidas como mais fundamentais e nucleares na produção das construções? Finalmente, quanto ao Desenvolvimento, as questões são do tipo: qual é a génese das estruturas?; as estruturas desenvolvem‐se sequencialmente, de tal forma que a seguinte integra a anterior em direcção a uma estrutura final? Não obstante todos os modelos abordarem as significações pessoais e sociais, fazem‐no sempre numa perspectiva de compreensão das estruturas ou esquemas operatórios ou dos processos que lhe subjazem. Por exemplo, a teoria do desenvolvimento do raciocínio moral, proposta por Lawrence Kohlberg, procura enfatizar o tipo de raciocínio que determina a resolução de dilemas morais (cf., Joyce‐ Moniz, 1979), o paradigma da reestruturação cognitiva procura identificar os erros cognitivos das cognições disfuncionais (e.g., Beck, Rush, Shaw, & Emery, 1979; Beck & Clark, 1988). Dito de outro modo, os modelos que se construíram para a compreensão do sistema cognitivo quer adoptem a metáfora a mente é um computador quer adoptem uma perspectiva estrutural, com ou sem desenvolvimento de estruturas, sustentam sempre a subordinação da linguagem a esquemas, estruturas, operações, mais ou menos formalizáveis. É o caso da influente teoria de Piaget. Nesta teoria, o sujeito epistémico é tido como universal e composto por estruturas e operações lógico‐matemáticas comuns a todos os indivíduos (Battro, 1978). Piaget, num dos seus livros, em co‐autoria com B. Inhelder (1993), refere a subordinação da linguagem às estruturas lógicas: O grande problema [...] que suscita o desenvolvimento da linguagem é o das relações com o pensamento e com as operações lógicas em particular (p. 80). 6 Mais adiante: Nem a imitação, nem o jogo, nem o desenho, nem a imagem, nem a linguagem, nem mesmo a memória [...] se desenvolvem ou organizam sem o socorro constante da estruturação própria da inteligência. (p. 84) Piaget (1977), propôs duas grandes categorias para classificar as funções da linguagem infantil: discurso egocêntrico; discurso socializado. Discurso egocêntrico ‐ Caracteriza‐se pela auto‐referência e pela ausência de um interlocutor externo. Ou seja, a criança apenas fala de si mesma e não procura manter um diálogo no qual considera, também, o ponto de vista de um interlocutor externo. Esta categoria subdivide‐se em ecolália (i.e., repetição automática das palavras ouvidas), monólogo (i.e., a criança falar alto para si própria com o intuito de acompanhar a acção e ou com a crença de produzir acções), monólogo dual ou colectivo (i.e., falar em voz alta com suposição de ser escutada e pseudo‐informação porque a criança faz perguntas mas não espera pela resposta); Discurso socializado ‐ Há intenção de comunicar algo e observa‐se a regulação dos enunciados em função do ponto de vista quer da criança quer do seu interlocutor. Subdivide‐se em informação adaptada (i.e., prestação de uma informação ao interlocutor, embora sem o porquê causal das coisas), crítica e zombaria (i.e., a criança comunica aspectos subjectivos de si mesma e ou referentes ao seu interlocutor), ordens súplicas e ameaças (i.e., enunciados que comunicam desejos ou intenções, no caso da súplica, comunicam‐se pedidos sem ênfase da interrogativa), perguntas (i.e., interrogações iniciadas por porque e são de três tipos: motivacionais, de justificação lógica e causais) e respostas (i.e., frase proferida após ter compreendido uma pergunta). Esta distinção acarreta a refutação da tese da comunicabilidade do pensamento: o discurso egocêntrico, por definição, não visa a comunicação. A respeito da categoria monólogo colectivo, por exemplo, seriam frases frequentemente iniciadas pelo pronome pessoal "Eu", tendo a criança a suposição de ser escutada. Ora, é de colocar a questão: a suposição de ser escutada não implica a hipótese de um interlocutor interno? A ser assim, é de excluir a intenção de comunicação e interacção com alguém externo? Acresce que, na perspectiva piagetiana, o discurso egocêntrico precede o 7 discurso socializado. Dentro da categoria perguntas, algumas das interrogações das crianças visam saber os motivos de uma acção. Se por um lado, este tipo de pergunta, indica um pensamento mais socializado porque há um pedido de informação dirigido a um interlocutor, por outro, o conteúdo acentua uma causalidade antropomórfica que, progressivamente, deverá dar lugar à causalidade mecânica e à justificação lógica. O discurso egocêntrico é visto como um obstáculo à coordenação de diferentes pontos de vista e à cooperação inter‐individual (Piaget, 1985). A preocupação de Piaget com as estruturas lógicas do sujeito epistémico, não o abriram à concepção de outras possibilidades interpretativas, tendentes a relativizar o carácter egocêntrico do discurso infantil. Por exemplo: com a ecolália, a criança pode procurar o prazer das palavras repetindo‐as, como que numa espécie de antecedente da fruição estética do signo; a causalidade antropomórfica pode ser o resultado da aplicação de um dispositivo cultural para a compreensão da autoria nas acções humanas (e.g., quem é o protagonista do relato? qual é a sua responsabilidade nos eventos?) embora não aplicável na compreensão da causalidade mecânica das coisas; as crianças de 2 a 4 anos de idade têm competências de interacção social reveladoras da capacidade de construírem uma teoria da mente, ou seja, mostram capacidade para compreenderem as suas acções e as dos outros em função de estados crenças, desejos, intenções e emoções (Astington, e Olson, 1995; Bartsch e Wellman, 1995); é a linguagem, concretamente, a conversação entre a criança e os adultos, que promove o desenvolvimento da teoria da mente, não são as estruturas lógicas do pensamento (Astington e Jenkins, 1999) nem as estruturas sintácticas (Bartsch e Wellman, 1995, caps. 4‐5). Vygotsky (1987) apresentou a concepção segundo a qual a linguagem tem um efeito estruturador do pensamento. Concretamente, entre outros aspectos, mostrou que: o espaço intersubjectivo (i.e., a presença do outro) é uma condição fundamental para a interiorização da linguagem: «Signos e palavras servem, primeiro e acima de tudo para as crianças, como meios de contacto social com outras pessoas.» (p. 28); a linguagem, ao possibilitar a independência do campo visual, ao evitar a impulsividade da resposta e ao permitir a afirmação do plano intencional, constitui‐se como um recurso simbólico imprescindível para a planificação das acções (ibidem); 8 as crianças, antes de produzirem frases sintáctica e logicamente correctas e antes de compreenderem um determinado significado, já estão capazes de produzir sentido; o termo sentido refere os estados psicológicos desencadeados pela palavra e variam segundo o contexto cultural e segundo a mente do sujeito; significado é uma sentido mais estável e objectivo (e.g., o sentido da palavra "mãe" será dado pela relação vivida entre a criança e a progenitora; quanto ao seu significado, pode ser entendido segundo as relações lógicas de parentesco) ora, uma criança de 3 a 4 anos não responde correctamente às perguntas sobre relações de parentesco (e.g., a tua mãe é a mãe do irmão de teu irmão?) mas sabe usar as palavras e o discurso plenos de sentidos para referir eventos e pessoas. Como observa Bruner (1990, p. 11), Vygotsky foi uma das raras excepções no estudo da influência dos sistemas simbólicos sobre a natureza do ser humano. Ao conferir primazia à linguagem, Vygotsky (1987) abriu terreno para concepções que perspectivam o ser humano, não na sua individualidade e interioridade bem definidas, asseguradas por um self privado, real e coerente, mas para concepções onde o sujeito constrói significações através da conversação, do discurso e das narrativas (Shotter, 1997). Harré e Gillet (1994) definem o quadro de uma segunda revolução cognitiva, orientada para a compreensão do significado, e não para a compreensão da estrutura de representação do conhecimento, com três asserções fundamentais: (1) muitos dos fenómenos psicológicos são actos discursivos que podem ser públicos (comportamento) ou privados (pensamento); (2) o pensamento (uso privado da linguagem) deriva de processos discursivos interpessoais; (3) a produção de fenómenos psicológicos como emoções e cognições dependem da construção narrativa que os acompanha. Estas asserções implicam que as cognições não são essências existentes no espaço e no tempo e reguladas por leis universais, são, outrossim, fenómenos localizados nos actos discursivos co‐produzidos pelas pessoas e que tomam a forma narrativa. 9 2 A narrativa como meio de construção das significações pessoais Schank e Abelson (1995) consideram as narrativas sobre as experiências pessoais e as dos outros os constituintes fundamentais do conhecimento e da memória. Esta posição inscreve‐se dentro de uma perspectiva que tende a ver a narrativa como determinante no processo de construção de todo e qualquer género de conhecimento, incluindo o científico. Gergen e Gergen (1986) não subscrevem a tese empiricista da possibilidade de uma relação inequívoca entre os termos de uma proposição e os seus referentes, o que acarreta admitir a anterioridade das significações relativamente às observações no mundo real e às construções teóricas. Admitindo o formato narrativo para capturar as significações, então, importa compreender como é que as teorias psicológicas são organizadas por diferentes tipos de narrativas. Apresentam quatro dimensões fundamentais características da narrativa: (1) definição de um objectivo que o protagonista possa a atingir; (2) sequenciar os eventos que possam ser conducentes ao objectivo; (3) estabelecer uma ligação entre os eventos que permita um sentido de causalidade; (4) imprimir tensão dramática para que a sequência de eventos seja o mais significativa possível em termos de experiência humana. Propõem três formas narrativas prototípicas: progressiva ‐ definida por um movimento temporal rápido em direcção a um objectivo valorizado pelo protagonista; regressiva ‐ definida por um movimento que acarreta o afastamento do objectivo valorizado; estabilidade ‐ o protagonista não experimenta qualquer alteração nas suas avaliações do que o rodeia. Cruzando estas formas umas com as outras, temos, pelo menos, três narrativas prototípicas conhecidas: tragédia ‐ a uma narrativa progressiva sucede uma regressiva; comédia ‐ a uma narrativa regressiva sucede uma progressiva; "happy­end" ‐ a uma narrativa progressiva sucede uma de estabilidade. Aplicando este quadro interpretativo a teorias psicológicas influentes como a teoria da aprendizagem, a teoria piagetiana do desenvolvimento cognitivo e a teoria do desenvolvimento libidinal de Freud, propõem que: a teoria da aprendizagem é enquadrável na forma narrativa progressiva a que sucede uma narrativa de estabilidade ‐ isto é, depois da aprendizagem progressiva do repertório comportamental, sucede a estabilidade das respostas adaptativas ‐ trata‐se de um "happy‐end"; 10 a teoria piagetiana do desenvolvimento cognitivo é enquadrável na forma narrativa progressiva porque a grande finalidade do protagonista é alcançar o domínio das operações lógicas e, para o efeito, tem que completar cada estádio segundo a sequência 1º sensório‐motor, 2º operações concretas e 3º operações formais; a teoria acentua mais os dois elementos fundamentais da narrativa: (1) definição de um objectivo; (2) sequência dos eventos para o atingir; a teoria do desenvolvimento libidinal de Freud é perspectivável através da ocorrência contemporânea de uma narrativa progressiva e regressiva; progressiva porque a adaptação ao meio social é o grande objectivo do protagonista; regressiva porque tal objectivo nem sempre é conseguido, ou sendo‐o, acarreta a adopção de mecanismos de defesa neuróticos que realizam mal a adaptação ao meio e a expressão libidinal. Ora, os autores corroboram a possibilidade de introduzir alterações nas teorias psicológicas, baseada no reconhecimento da respectiva estrutura narrativa. Assim, se a narrativa de uma teoria do desenvolvimento cognitivo tem como objectivo a conquista da sabedoria e não o pensamento formal, então temos uma concepção do desenvolvimento humano que relativiza a ideia de existir declínio intelectual após a meia idade3. Howard (1991) adopta um ponto de vista semelhante. As teorias podem ser avaliadas por critérios narrativos e não apenas por critérios epistémicos (i.e., exactidão preditiva, coerência interna, consistência externa, fertilidade e poder unificador). Esta possibilidade acarreta a anterioridade da narrativa a qualquer forma de conhecimento ‐ mesmo o matemático. Este autor dá o exemplo da multiplicação que é conseguida, pelo menos, por duas narrativas distintas: a que utiliza a numeração árabe e respectivas regras; a que utiliza as regras do ábaco. Howard conclui que se observamos processos narrativos na matemática, por maioria de razão, observamo‐los noutras formas de pensamento. Em nossa opinião, não é adequado conceber a produção do conhecimento lógico‐matemático determinado por processos narrativos. É preciso ter presente que 3 A este propósito, é interessante referir que os conceitos multidimensionalidade e multidireccionalidade, típicos da concepção do desenvolvimento life span, apoiam a ideia de a inteligência, como conhecimento cultural, não registar declínio com a idade (Baltes, 1987). 11 neste tipo de conhecimento, do ponto de vista lógico, encontramos o que Piaget (1976) designou por classes estruturadas. Ou seja, há uma relação directa entre a extensão e a compreensão de modo que, por exemplo, as operações de um campo numérico (e.g., números naturais) generalizam‐se ao campo numérico mais vasto (e.g., números racionais) (Caraça, 1978). Como veremos mais adiante, é questionável que a narrativa obedeça a uma lógica de classes estruturadas, daí que seja legítimo perguntar: como se produz conhecimento generalizável através de um instrumento sem possibilidades operatórias para tal? Russel e Lucariello (1992), perante a multiplicidade de definições da narrativa, são cautelosos e afirmam que a narrativa é um modo e não o modo de pensamento. Com efeito, alguns autores já tinham sustentado, claramente, a possibilidade de várias formas de pensamento. Bruner (1986), já mantinha uma posição clara sobre a possibilidade de várias formas de pensamento: There are two modes of cognitive functioning, two modes of thought, each providing distinctive ways of ordering experience, of constructing reality. The two (thouhgt complementary) are irreducible to one another [...] Each of the ways of knowing, moreover, has operating principles of its own and its own criteria of well‐formedness. They differ radically in their procedures for verification. (p. 11) O paradigmático é mais adequado para a construção de explicações não‐ contraditórias, causais, mecânicas, generalizáveis e, por conseguinte, descontextualizadas. O narrativo é mais adequado para a construção de significações pessoais que se caracterizam pela intencionalidade, contextualização, verosimilhança e ambiguidade (Bruner, 1990, 1995). Robinson e Hawpe por um lado e Rychlak por outro (cit. por Miguel Gonçalves, 1995), não obstante pequenas diferenças lexicais, apresentam um ponto de vista coincidente com o de Bruner quanto à possibilidade dos dois modos de conhecimento e respectivas características. Daqui resulta que é necessário ter uma posição mais relativizadora do carácter omnipresente da narrativa no processo de construção do conhecimento. Quanto ao carácter narrativo da memória, Schank e Abelson (ibidem) sustentam que a memória humana não armazena de modo estático e individualizado os factos ou a simples informação. Nas suas próprias palavras: «We propose that there is no 12 factual knowledge as such in memory» (p. 3). Os autores sublinham que não está em causa a capacidade para memorizar conhecimento factual. O que está em jogo é se tal conhecimento factual existe isoladamente. Na perspectiva destes autores, factos, aparentemente isolados, do tipo "Stanford é na California" ou "as baleias são mamíferos" representam narrativas pessoais abreviadas ou, pelo menos, são derivados de tais narrativas (ibidem). Alguns autores, cuja investigação visa compreender a arquitectura cognitiva e o seu modo funcionamento, têm aberto a possibilidade da memória ser narrativa. É o caso de Endel Tulving (1984). Este autor, ao perguntar quantos sistemas de memória há, e depois de apresentar três possibilidades, responde «[...] might be at least three and probably more.» (p. 396). Este sistema ternário é baseado em algumas considerações prévias breves: dificuldades em generalizar os resultados de diferentes investigações; o fenómeno unitário da percepção visual pode ser constituído por diferentes subsistemas neurais; a possibilidade da perspectiva que afirma o carácter unitário da memória estar errada. O sistema é constituído por: memória de procedimentos ‐ armazena informação sobre as ligações entre estímulos e cadeias motoras; memória semântica ‐ armazena modelos sobre a realidade que não passaram pela percepção; memória episódica ‐ conhecimento dos episódios pessoais ocorridos ao longo do tempo e que permite ao sujeito tornar‐se ciente da sua existência num tempo subjectivo4. Entre os três sistemas há um arranjo hierárquico de tal modo que a memória de procedimentos está no nível mais baixo o que implica que o seu funcionamento não carece das outras duas. No entanto, a memória semântica exige a memória de procedimentos, mas a memória episódica pode ser perdida sem que as anteriores fiquem perturbadas. Do ponto vista evolutivo, Tulving sugere que a memória episódica surgiu em último lugar e localiza‐a no cérebro (2002). O modelo de Tulving admite, pois, a possibilidade de a memória poder armazenar informação factual ou relações semânticas descontextualizadas ao definir a memória de procedimentos e a memória semântica, mas, ao definir a memória episódica como uma memória autobiográfica abre a possibilidade de se tratar de uma memória reconstrutiva ou narrativa. 4 No original, em inglês, temos respectivamente: procedural memory; semantic memory; episodic memory. 13 Conway e Rubin (1993) referem que a memória autobiográfica (i.e., a memória dos acontecimentos de vida de uma pessoa) é constituída pelos seguintes níveis de conhecimento: períodos de vida ‐ referem‐se a períodos alargados da vida de uma pessoa; tais como «quando viviam em L.»; representam um nível mais abstracto e temático que fornece pistas para a recordação de eventos dos níveis subsequentes; acontecimentos genéricos ‐ é um nível mais básico e específico porque não é tão abstracto quanto o anterior mas é mais genérico que o seguinte (e.g., caminhadas no campo, férias na praia); são constituídos por acções contextualizadas distintas, organizadas cronologicamente; conhecimento específico do acontecimento ‐ refere‐se a imagens, sentimentos, pormenores sensoriais dos objectos e acções sem uma ordem cronológica necessária; os acontecimentos experimentados directamente provocam maior evocação de pormenores dos que foram imaginados. O que nos interessa sublinhar neste modelo é o nível dos acontecimentos genéricos. De acordo com os autores, é o nível básico ‐ no sentido de prototípico ‐ da memória autobiográfica. Tem a característica de ser nem demasiado abstracto nem demasiado analítico. Isto permite‐lhe ter um efeito organizador das conversas informais. As pessoas, no seu quotidiano, trocam mais pormenores, ou seja, o tipo de informação que define o terceiro nível, do que relacionam explicitamente acções genéricas. Por exemplo, falar de uma ida a um restaurante, não terá, por certo, a finalidade de explicar as respectivas características distintivas. Todavia, o nível dos acontecimentos genéricos está presente na comunicação dos acontecimentos específicos porque lhe confere coerência temática e organização cronológica. Se assim não fosse, teríamos uma comunicação baseada na troca de pormenores dispersos, e não, por exemplo, na possível violação de um acontecimento genérico por algum pormenor excepcional (e.g., pagar a conta antes de consultar o cardápio). Portanto, vislumbra‐se a possibilidade, de o nível acontecimentos genéricos ter uma organização narrativa porque concilia a organização temática com a dimensão cronológica. A possibilidade de criação de memórias falsas tem implicações sociais e teóricas. Sociais, porque enquadra criticamente algumas alegações de abuso sexual, particularmente as baseadas nas memórias que as vítimas apresentam depois de um processo psicoterapêutico (Mazzoni, Lombardo, Malvagia & Loftus, 1999). Teóricas, porque critica a teoria das memórias reprimidas (Loftus, 1994) e porque corrobora, em nossa opinião, a natureza reconstrutiva e narrativa da memória autobiográfica. De acordo com Greene (1992, cit por Loftus e Pickrell, 1995), a interferência retroactiva 14 leva à recordação de aspectos físicos distorcidos dos objectos e à recordação de objectos inexistentes nos acontecimentos originais. Loftus e Pickrell (ibidem) mostraram que, além da interferência retroactiva, é possível a implantação de memórias de acontecimentos nunca ocorridos. O procedimento utilizado consistiu em pedir a 24 participantes que procurassem recordar quatro acontecimentos das respectivas infâncias, sendo três verdadeiros e um forjado. Os três acontecimentos foram fornecidos por um familiar de cada participante. O acontecimento forjado foi sempre o mesmo: aos cinco anos de idade, perder‐se dos familiares num centro comercial e ser reencontrado/a ao pé de uma pessoa idosa. A cada participante foi dado um caderno onde poderia ler os quatro acontecimento distribuídos cada um por folha e descritos em apenas um parágrafo. Cada participante deveria escrever, durante cinco dias, no espaço em branco a seguir a cada acontecimento, todos os pormenores relacionados que conseguia recordar. Caso não o conseguisse, deveria escrever «Não me recordo». Após a entrega do caderno, os participantes foram submetidos a duas entrevistas. Na primeira, pedia‐se‐lhes para recordarem, novamente, os acontecimentos, para estimarem a clareza das suas memórias segundo uma escala de 0 (não é clara) a 10 (extremamente clara) e para estimarem o grau de confiança na memória segundo uma escala de 0 (não confiante) a 5 (extremamente confiante). Após uma a duas semanas, ocorria a segunda entrevista com o mesmo procedimento ao qual se juntava o pedido de identificação do acontecimento forjado. Os resultados mostraram que nem todos os participantes escreveram no caderno, mantendo a seguir nas entrevistas, que não possuíam qualquer memória sobre o acontecimento forjado. Houve cinco, entre os 24, que afirmaram recordar‐se do acontecimento forjado. Os autores apresentam ainda alguns resultados específicos como: a narração dos acontecimentos verdadeiros tem mais palavras (média=138.0) do que a narração do acontecimento forjado (média=49.9); a estimação média da clareza da memória é maior nos acontecimentos verdadeiros (6.3 nas duas entrevistas) do que no acontecimento forjado (2.8 na 1ª entrevista e 3.6 na 2ª); uma das participantes quando informada do acontecimento forjado teve dificuldade em acreditar, tal era o carácter vivido da sua memória. Loftus e Pickrell (ibidem) consideram apresentar, conjuntamente com outras investigações, dados para a possibilidade da criação de memórias falsas. Uma das interpretações que avançam é a que vão buscar a Hyman, Husband e Billings (1995, op. cit por Loftus e Pickrell, 1995) segundo a qual, poderá ser uma forma esquemática de reconstrução de conhecimento 15 que contribui, decisivamente, para a criação das memórias falsas. Ora, uma possibilidade poderia ser a forma narrativa. Vale a pena analisarmos o processo de criação do acontecimento forjado no estudo de Loftus e Pickrell (ibidem). De acordo com estes autores, a criação deste acontecimento acarretava a recolha da seguinte informação: o local habitual de compras da família de cada participante na altura dos seus cinco anos; os membros familiares que, habitualmente, iam às compras; o tipo de lojas que chamavam à atenção do participante nessa idade; a verificação de que cada participante jamais se havia perdido num centro comercial. Quanto à construção do acontecimento forjado deveria conter os seguintes elementos: perder‐se num centro comercial durante um período considerável de tempo aos cinco anos de idade; chorar; ser auxiliado por uma pessoa idosa; reunião com a família. Em nossa opinião, as informações serviam para constatar a familiaridade com um dado contexto físico e social (centro comercial) e a certificação de que um acontecimento específico (i.e., perder‐se) jamais ocorrera. Os elementos do acontecimento forjado serviam para cada participante construir uma narrativa viável. Tais elementos enquadram‐se bem em algumas dimensões básicas da narrativa porque temos: o contexto temporal e físico (i.e., infância e centro comercial); o acontecimento que precipita toda a trama (i.e., perder‐se); a resposta do protagonista (chorar); um resultado (i.e., ser auxiliado por uma senhora);a finalização feliz (i.e., reunião com a família). Ou seja, a tarefa de cada participante seria a de construir uma narrativa acerca de um episódio que não ocorrera nas suas vidas mas que ocorre frequentemente na cultura5. Além disso, a narração deveria ser o mais completa possível quer com outras dimensões básicas da narrativa (e.g., objectivo do protagonista) quer com informações factuais sobre as idas a um centro comercial recuperadas pela memória (e.g., vestimenta dos intervenientes no episódio). Parece, pois, haver razões para admitir que a memória reconstrói acontecimentos autobiográficos segundo uma forma narrativa. Num estudo diferente, mas com implicações semelhantes, Pennington e Hastie (1992) mostram como os jurados impõem uma organização narrativa à miríade de perguntas, respostas e depoimentos produzidos durante um julgamento. A aceitabilidade e confiança da narrativa produzida depende da: cobertura ‐ em que 5 Loftus e Pickrell (1995) referem a narrativa Hansel e Gretel embora não atribuam à audição desta narrativa a origem das memórias falsas individuais. No entanto, abrem a porta para a influência da cultura na construção da memória individual. 16 medida a narrativa cobre toda a prova apresentada? Quanto mais cobrir mais aceitável se torna; coerência ‐ subdivide‐se em consistência (i.e., em que medida a narrativa contém ou não contradições?), e completação (i.e., em que medida a narrativa tem todas as suas dimensões?) e plausibilidade (i.e., em que medida a narrativa é consistente com o conhecimento de eventos reais ou imaginários?); distintividade ‐ se há uma só narrativa coerente será a escolhida. O veredicto culpado ou inocente dependerá do bom ajustamento entre as dimensões da narrativa (i.e., acontecimento precipitante da acção, respostas internas, objectivos e consequências) e as categorias do veredicto que orientam os jurados na avaliação das acções (e.g., acidentais ou deliberadas?), intenções (e.g., houve intenção e planeamento?), circunstâncias (e.g., houve provocação e em que grau?; que tempo medeia entre a decisão e o crime?) e identidade do réu (e.g., quais os antecedentes?). Neisser (1994) relativiza o carácter omnipresente da narrativa. Ao fazê‐lo recorda que os dois termos do par sujeito‐narrativa (ou autor‐texto) são algo indissociáveis. Portanto, é necessário compreender a arquitectura cognitiva do sujeito de um modo não impeditivo da possibilidade da percepção objectiva. Para o autor, esta possibilidade é assegurada pelo self ecológico que se constitui na base da informação do fluxo óptico (além do tacto e da audição) que regula muitos dos movimentos em função do meio ambiente imediato (Neisser, 1988). Por outro lado, a identidade, não tem como única base as narrativas mas também a capacidade de construção de modelos internos. Nestes modelos internos temos conceitos e regras. Neisser (1988) contrapõe a noção de categoria à de conceito. A noção de categoria tende a ser definida pelo elemento mais representativo ou prototípico tal como os trabalhos de Eleanor Rosch mostraram (cit. por Neisser, 1988). A noção de conceito é mais extensa e remete para regras e redes. Um exemplo ajuda a clarificar. Determinar se um animal é um mamífero, pode ser feito por comparação com um bom exemplo de mamífero (e.g., cão), mas também pode ser feito pelo crescente conhecimento da rede conceptual que define os critérios de animal mamífero. Assim, o golfinho sendo muito dissemelhante, na aparência, a um cão, não deixa de ser um mamífero. É uma questão de aplicação lógica de critérios e não tanto de comparação perceptiva entre um membro e o melhor exemplo da categoria para determinar a pertença. Neisser (1988) refere a necessidade de se ter em conta as capacidades cognitivas que permitem gerar diferentes teorias pessoais sobre como agir, como ser tratado, concepções acerca da mente, atribuição de traços, etc. Tais capacidades não resultam 17 da narrativa nem das suas dimensões. No entanto, sendo um autor mais conotado com o estudo da arquitectura cognitiva, acaba por reconhecer a necessidade de tematizar a dimensão temporal dos seres humanos. Nas sua próprias palavras : «[...] the sense of being in time, of living through time, has a special and central status in human lives.» (Neisser, 1994, p. 16). Ora, como articular a dimensão da temporalidade com as capacidades cognitivas geradoras de regras, redes e teorias? Ao admitir‐se a temporalidade na acção e cognição humanas temos de, necessariamente, suspender abordagens cuja finalidade é a definição de um sistema cognitivo intemporal. Por isso, em nossa opinião, a emergência da narrativa é mais uma necessidade interpretativa do que uma descoberta empírica a ser articulada em quadros conceptuais existentes. 2.1.1.1 O que é uma narrativa? Seria algo inconsistente apresentar uma definição precisa de narrativa porque ficaria comprometida uma das suas potencialidades: a de desencadear a interpretação das acções e das intenções humanas. Dito de outro modo, a interpretação estaria determinada por um algoritmo e seria, possivelmente, emulável por um programa informático. De acordo com Bruner (1991) há dez características definidoras de uma narrativa: (1) diacronicidade ‐ a narrativa captura o vivido, isto é, os acontecimentos sequenciados num tempo humano, não captura factos isolados e explicáveis por relações mais ou menos mecânicas; a diacronicidade reflecte a característica subjectiva da sequência de um padrão único de acontecimentos e não faz parte dos eventos, é imposta pela narração; (2) particularidade ‐ uma narrativa é uma particularização de acontecimentos embora enquadrada em narrativas mais vastas ou em uma narrativa pessoal mais fundamental; (3) implicação dos estados intencionais ‐ a narrativa pressupõe protagonistas com intenções mesmo se são objectos ou animais (e.g. veja‐se as fábulas de Esopo e Fedro); a relação entre intenções e os episódios é vaga ou difusa, por isso a narrativa não fornece explicações causais mas sim interpretações possíveis para os acontecimentos da vida do sujeito; 18 (4) interpretação hermenêutica ‐ a interpretação hermenêutica de um texto escrito ou oral é necessária porque não há nem um método racional que assegure a verdade da interpretação nem um procedimento empírico para a verificar; no entanto, só há interpretação se houver narrativa e só há narrativa se houver partes sequenciadas num todo; acresce que a interpretação pode ficar diminuída por dois processos que não atentam tanto nos aspectos internos da narrativa mas mais no seu conteúdo: a sedução e a banalização; a sedução narrativa refere‐se à dificuldade de construir outras interpretações que não aquelas tidas como as mais plausíveis; Bruner (ibidem) dá o exemplo da emissão dirigida por Orson Welles sobre a invasão marciana da terra: para a audiência, não foi possível outra interpretação senão a da realidade do evento; a banalização refere‐se à interpretação rotineira de uma narrativa ‐ por exemplo, é rotineiro interpretar a Viagem ao Centro da Terra de Júlio Verne como uma aventura fantástica num mundo impossível, seria, quiçá, mais inovador interpretá‐la como uma fábula de pendor epistemológico sobre a necessidade de superação dos limites do conhecimento teórico e tecnológico para a descoberta ou invenção de novos mundos; (5) canonicidade e quebra ‐ aqui o autor enfatiza a ideia de que uma narrativa bem constituída ao nível formal nem sempre é uma história interessante; a existência de quebra de uma expectativa é um factor de grande interesse para uma narrativa; é o que Gergen e Gergen (1986), tal como vimos, referiam de tensão dramática; (6) referencialidade ‐ afirma Bruner (ibidem) que «[a] aceitabilidade de uma narrativa, obviamente, não pode depender da correcta referência à realidade, caso contrário não haveria ficção.» (p. 13); referência e sentido cruzam‐se para dificultar a tarefa de averiguar se um relato num tribunal corresponde aos factos tal como ocorreram; este cruzamento vai na seguinte direcção: o sentido, dado pela narrativa como um todo, influencia a referencialidade das suas partes ‐ o estudo referido de Pennington e Hastie (1992) corrobora a direcção deste cruzamento (7) enquadramento num género ‐ as narrativas podem assumir formas convencionais (e.g., tragédia, comédia, etc.) ou formas mais criativas para referirem a condição humana; (8) normatividade ‐ a narrativa tem um carácter normativo para dar ao sujeito uma possibilidade de interpretação e aceitação das acções humanas; este carácter remete para as dimensões internas da narrativa e para uma interpretação validada 19 social e culturalmente; no entanto, a forma narrativa não é tão fixa como algumas concepções ‐ tal como veremos ‐ podem fazer crer, na busca de novidade interpretativa da condição humana, é possível observar‐se quebras no carácter normativo da narrativa. (9) sensibilidade ao contexto e negociação ‐ o ouvinte, ou o leitor, não está em branco perante a narrativa, até porque interpreta as intenções do protagonista e do narrador, além disso, a narrativa possibilita a negociação de diferentes versões da realidade; (10) expansão da narrativa ‐ a questão que Bruner coloca é saber como as narrativas se acumulam num todo mais vasto para termos ou autobiografia ou cultura ou cosmovisões. Há, inevitavelmente, sobreposição entre as dez características, o que corrobora a ideia apresentada da inconsistência de uma definição precisa da narrativa Por exemplo, as características (2) e (10) referem ambas o enquadramento de uma narrativa individual em narrativas colectivas; as características (3), (4), (5) e (9) referem o problema da interpretação e mostram as diferentes oscilações entre boa forma narrativa, processo de narração e conteúdo com tensão dramática. Depois de apresentadas estas dez características, podemos verificar que a interpretação é influenciada: pelas dimensões ‐ isto é, quais são as dimensões mais comuns e a sua sequência na narrativa para lhe dar coerência (características 1, 4, 6 e 8); pelo processo de narração ‐ isto é, em que medida a narrativa cria tensão dramática focando os estados internos e as reflexões dos protagonistas (características 3, 5 e 9); pelo conteúdo ‐ isto é, em que medida a narrativa reflecte uma cristalização das interpretações das acções humanas ou se abre à multiplicidade interpretativa dessas mesmas acções e, por conseguinte, à possibilidade de experiências de mudança (características 2, 4, 8 e 10). Importa, pois, identificar as dimensões mais comuns na narrativa e compreender a sua organização. É o que faremos de seguida. 2.1.1.2 Dimensões e processos na narrativa. Mandler (1984) propõe a distinção: gramática narrativa; esquema narrativo. A gramática narrativa é uma noção sintáctica definida pelo conjunto de regras que determinam os constituintes e a sua ordenação na narrativa. O esquema narrativo é 20 um esquema mental definido pelo conjunto de expectativas sobre o desenrolar de uma narrativa. Quando alguém se propõe contar uma história, o ouvinte tem uma expectativa sobre o que esperar, independentemente do seu conteúdo ou tema. Por exemplo, a forma canónica de iniciar uma história (i.e., «era uma vez ...») e a subsequente sequência dos acontecimentos, faz com que a finalização não deva ocorrer a meio da narração. Portanto, o esquema narrativo pode ser interpretado por diferentes gramáticas narrativas. Alguns autores, analisando histórias simples da tradição oral, inventaram diferentes gramáticas narrativas6. Thorndyke (1977) sugere que as dimensões básicas de uma narrativa são: contexto; tema; trama; resolução. O contexto introduz o espaço e o tempo e os personagens principais. O tema é definido pelo objectivo explícito ou implícito do personagem principal. Este objectivo pode ser precedido por uma sequência de eventos que o explica ou justifica. A trama pode conter vários episódios. Cada episódio define‐se por um sub‐objectivo, acções e resultados que podem, ou não, atingir o objectivo definido anteriormente. A resolução é uma avaliação final do tema na qual se considera o êxito ou o fracasso do objectivo definido. Em alternativa, pode representar a reacção do personagem principal ao resultado da trama. Mandler e Johnson (1977) sugerem que a narrativa contém o contexto e a estrutura do evento. O contexto pode introduzir o tempo e o espaço, o protagonista e outros personagens e pode fornecer informação que explica os acontecimentos subsequentes e tanto pode referir situações externas como condições internas (i.e., percepções, cognições, emoções). Na narrativa apresentada no Quadro 2 podemos constatar que o contexto compreende situações externas (proposições 1 a 3). Thorndyke Mandler & Johnson Contexto Contexto Acontecimento Precipitante Tema Trama 6 Respostas Internas Objectivo Acções Proposição 1. Uma vez um cão tinha apanhado um pedaço de carne 2. e levava‐a para casa na boca 3. No caminho para casa tinha de atravessar uma tábua por cima de uma corrente de água. 4. Quando atravessava olhou para baixo. 5. e viu a sua própria sombra reflectida na água 6. Pensando que era outro cão com outro pedaço de carne 7. decidiu que tinha de ter também o pedaço que viu 8. e atirou‐se à sombra Diz Mandler (1984) «Story grammars are invented to describe a particular kind of text.» (p. 17). 21 Thorndyke Mandler & Johnson Resultado Resolução Finalização Proposição 9. Mas abriu a boca e o pedaço de carne soltou‐se 10. e caiu para dentro de água 11. e nunca mais o viu Quadro 1 ‐ Dimensões narrativas na história do cão segundo Thorndyke (1977) e Mandler & Johnson (1977). A estrutura do evento pode conter vários episódios. Cada episódio tem um acontecimento precipitante, um desenvolvimento e uma finalização. O acontecimento precipitante consiste num evento que desencadeia, no protagonista, uma dada reacção que leva ao Desenvolvimento. Este, por sua vez, compreende respostas internas, objectivo, acções e resultados. Segundo Mandler e Johnson (ibidem), as respostas internas podem estar omitidas e serem inferidas pelo leitor ou ouvinte da narrativa. Todavia, começa a ser consensual que uma narrativa coerente, nomeadamente uma narrativa pessoal, contém referências explícitas a processos internos seja quando é co‐construída entre mãe e criança (Fivush, Haden & Adam, 1995) seja quando é escrita pelos sujeitos (Pennebaker & Seagal, 1998). Mandler (1983), a partir de estudos sobre a relação entre as diferentes dimensões da narrativa e sua posterior evocação, afirma que as dimensões acções e resultados são difíceis de não serem evocadas. Daí a possibilidade de constituírem uma unidade de ordem superior. Mais recentemente, estudos desenvolvimentais sugerem que a sequência objectivo­acções­resultado permite diferenciar as narrativas de crianças de 5 anos ou mais, das narrativas de crianças mais novas (Trabasso & Stein, 1997). Tal, parece corroborar, não só a ideia de uma ligação entre estas três dimensões, como a necessidade de elas aparecerem explícitas numa narrativa. Caso contrário, corre‐se o risco de não se conseguir a compreensão de toda a trama, mais concretamente, o propósito do protagonista. Quanto à finalização, Mandler e Johnson (ibidem) distinguem‐na de resultados porque, neste caso, trata‐se de uma consequência localizada, quer dizer, circunscrita ao episódio de que fazem parte. Já a finalização tende a ser mais enfática e remeter para toda a narrativa e não apenas para a consequência de um dos possíveis episódios. É o que se passa com a moral das fábulas de Esopo, a qual se pode transformar num autêntica regra de conduta, sob a forma de um provérbio. A este propósito, as palavras de Walter Benjamin (1993) são eloquentes e esclarecedoras: «Poderíamos dizer que os provérbios são ruínas que ficam no lugar de velhas 22 histórias, e que neles a moral abraça um gesto tal como a hera trepa e abraça um muro.» (p. 56). No que concerne às relações que cimentam as diferentes dimensões da narrativa, temos, de acordo com Mandler e Johnson (ibidem) três tipos: e; depois; causal. A relação e liga duas dimensões quando há simultaneidade temporal entre ambas, isto é, quando não há nem ordenação temporal nem uma categoria fornece um motivo ou uma razão para o que vai suceder a seguir. É a ligação típica entre o contexto e um episódio. A ligação depois dá‐se quando há uma ordenação temporal entre as categorias ou os episódios ou dentro das proposições que constituem um episódio. O contexto, na história do cão (Quadro 2) é constituído por três proposições. Entre a proposição 1 e a 2 há uma relação do tipo depois porque o evento da proposição 1 antecede o evento da proposição 2. Todavia, não há uma relação de causalidade. A relação causal observa‐se entre, por exemplo, as frases 9 e 10. Há uma relação causal quando uma proposição fornece uma razão para a ocorrência da proposição seguinte. Uma dimensão narrativa pode ser constituída por várias proposições. É o caso do acontecimento precipitante na narrativa do Quadro 2. As relações causais observam‐se entre as dimensões que compõem um episódio ou entre episódios (Mandler & Johnson, ibidem). Na prática, nem sempre é fácil distinguir uma relação depois de uma causal. É importante referir este tipo de relações porque a boa formação narrativa implica a existência destas relações entre as suas dimensões (Fivush et al., 1995; van den Broek, 1994). Stein e Glenn (1979) propõem as seguintes dimensões para definir um episódio: contexto; acontecimento precipitante; respostas internas; objectivo; acção; resultado. São idênticas às propostas por Mandler e Johnson (ibidem) pelo que é desnecessário apresentá‐las. A finalização surge após a ocorrência de todos os episódios. Numa linha de investigação diferente da dos autores anteriores Gergen (1988) clarifica que a forma convencional da narrativa é dada por: estabelecimento de uma finalidade ‐ uma narrativa deve ter um objectivo, um acontecimento ou um estado a ser alcançado ou evitado de modo a ser significativa, caso contrário, corre o risco de ser uma mera descrição sem "assunto"; selecção de acontecimentos relevantes ‐ uma vez estabelecido um dado objectivo, o grau de liberdade do narrador ou contador, para seleccionar os acontecimentos, fica restringido; 23 ordenação dos acontecimentos ‐ representa a temporalidade ou sequencialidade dos acontecimentos e estabelece quais deverão aparecer no início, meio e fim da narrativa; estabilidade da identidade ‐ uma narrativa bem formada tem tendência a apresentar personagens com identidades contínuas ou coerentes ao longo do tempo. A menos que a finalidade da narrativa seja a de interpretar um processo de mudança, podemos dizer que o herói não passa a vilão nem vice‐versa; ligações causais ‐ representa o mesmo que as relações causais já referidas; sinais de demarcação ‐ as narrativas usam indicadores convencionais de início (e.g., «era uma vez») e de finalização (e.g. « ... e viveram felizes para sempre); Apesar de diferenças terminológicas, como é o caso das dimensões apresentadas por Thorndyke (1977) comparadas às apresentadas por Mandler e Johnson (1977) e às apresentadas por Stein e Glenn (ibidem) e apesar das diferenças de tradição de investigação como é o caso das dimensões apresentadas por Gergen comparadas às apresentadas pelos restantes autores, é possível afirmar‐se, com van den Broek (1994), que há sobreposição entre elas. A ser assim, a estrutura de uma narrativa bem formada poder‐se‐á definir por sete dimensões: contexto ‐ apresenta os personagens, as circunstâncias espaciais e temporais onde a narrativa irá fluir; ocorre, normalmente, no início da narrativa e tem um carácter informativo; acontecimento precipitante ‐ consiste num evento externo ou interno que desencadeia nos personagens uma dada reacção e representa o desencadear da narrativa; respostas internas ‐ representam a subjectividade dos personagens; objectivo ‐ representa o propósito do personagem principal como reacção elaborada ao acontecimento precipitante; acções ‐ são os empreendimentos do personagem principal para alcançar o objectivo; resultados ‐ é o desfecho mais localizado das acções do protagonista em direcção ao objectivo; finalização ‐ representa o fechamento mais ou menos enfático da narrativa. 24 Chegados a este ponto, há uma questão que é necessário colocar: a narrativa é uma estrutura interna ao sujeito composta por categorias fundamentais coordenadas entre si? As abordagens de Thorndyke (1977), Mandler e Johnson (1977), Mandler (1984), Stein e Glenn (ibidem), entre outros, parecem ir no sentido da resposta afirmativa. A abordagem de Gergen (ibidem) vai no sentido da resposta negativa. Se analisarmos as relações do tipo causal então podemos ter uma visão uma diferente. Antes de mais, é preciso notar que o termo causal é equívoco. Se virmos, por exemplo, no Quadro 2, a relação causal entre as proposições 9 e 10, temos de ter em conta que a proposição 9 não gera necessariamente a proposição 10. Esta poderia ser: «no entanto, conseguiu agarrar o pedaço de carne antes que mergulhasse na água». Por maioria de razão, no que respeita ao conteúdo, podemos afirmar que uma dimensão também não gera, necessariamente, a seguinte. No Quadro 2 podemos constatar que o contexto não determina o acontecimento precipitante nem este determina as respostas internas e, muito menos, os resultados. Por este motivo, talvez fosse mais prudente falar‐se em relações do tipo depois que enfatizam a característica da diacronicidade. Ao distinguir as relações do tipo causal está‐se a sugerir uma estrutura com coordenação lógica que não se observa. Há, sem dúvida, uma expectativa quanto à sequência canónica das dimensões mas, contemporaneamente, há uma liberdade infinita para o narrador inserir um qualquer conteúdo, não obstante poder ficar constrangido pelo facto de narrar segundo formas básicas. Esta liberdade não é explicável por um arranjo formal das dimensões. O facto de as crianças compreenderem e produzirem narrativas desde muito cedo (e.g., Mandler 1983) contribui para a ideia de a narrativa ser uma estrutura ou esquema interno. De acordo com Sutton‐Smith (1986), o esquema narrativo é uma condição necessária mas não é suficiente para dar conta da complexa tarefa de narração, é preciso ter em conta, ainda, a situação teatral composto por director, audiência, actor e contra actor. Portanto, há que compreender os desempenhos teatrais precoces. Tais desempenhos observam‐se a partir de dois a seis meses: para atrair a atenção do bebé, o adulto faz caretas e executa acções emitindo sorrisos e risos estabelecendo‐se uma situação de intensidade emocional e de alegria. Já com crianças de dois anos e meio a três anos podemos falar de estilos narrativos. Por exemplo, variar os actores e manter constante o contexto ou manter constante os actores e variar o contexto. A razão entre o tema e a sua variação numa narrativa dar‐nos‐ia o estilo narrativo. As crianças são sensíveis às características expressivas das narrativas. A melodia do 25 discurso precede o significado. Mesmo no primeiro dia de vida os bebés movem os seus corpos em sintonia com o ritmo do discurso dos adultos. Por outro lado, quando os adultos querem comunicar optam caracteristicamente por maneirismos expressivos. Além do padrão tema e variação, as crianças, progressivamente, estão capazes de produzir narrativas onde podemos observar os seguintes modos com os quais lidam com as personagens e os seus conflitos: (1) nenhuma resposta ao conflito; (2) fracasso em remover o conflito, (3) anulação; (4) transformação (Sutton‐Smith, ibidem). O autor refere que o último modo se pode observar em crianças de cinco anos de idade. Portanto, o esquema narrativo, a emergência da linguagem (e.g., o uso de pronomes pessoais, o uso das conjunções e e depois que conferem o carácter cronológico) e o contexto teatral da produção narrativas concorrem para que a criança, desde relativamente cedo, tenha também o modo narrativo de conhecer. Pelo que vai exposto, parece ser adequado conceber a narrativa como esquema ou estrutura interna cujas dimensões, à medida que o conhecimento narrativo se expande, são susceptíveis de se alterar em termos da sua ordem canónica e em termos da sua omissão. Neste conhecimento narrativo, reflecte‐se todo o processo de narração. Quer dizer, já não é o facto de a narrativa seguir um dada sequência canónica, mas o que ela pode focar. É possível construir uma narrativa com as sete dimensões sem que seja significativa em termos de interpretação da experiência humana. Para o ser, é conveniente cumprir as características brunerianas (3), (5) e (9) apresentadas. Ou seja, é necessário, sobretudo numa narrativa em que o protagonista é o próprio narrador, haver uma focagem ou no mundo da subjectividade ou na reflexão dessa mesma subjectividade. A partir de Angus, Hardtke e Levitt (1992) e de Angus e Hardtke (1992), poderemos afirmar que a expansão do conhecimento narrativo estará dependente dos modos narrativos utilizados pelo narrador. Estes modos poderão ser basicamente três: (1) externo ‐ o processo narrativo centra‐se nos acontecimentos externos; um exemplo para a dimensão contexto poderia ser «Neste dia chuvoso e frio de Outubro sigo a pé para a estação do comboio que fica situada a um quilómetro de casa. Vou vendo montras»; (2) interno ‐ o processo narrativo centra‐se na subjectividade (i.e., emoções e sentimentos) das personagens e na do próprio narrador; alterando o exemplo 26 anterior teríamos «Neste dia chuvoso e frio de Outubro sigo a pé cheio de dor e raiva para a estação do comboio que fica situada a um interminável quilómetro de casa. Evito fitar os rostos das pessoas com quem me cruzo para não sentir uma enorme repulsa. Ver os objectos nas montras é uma salvação»; (3) reflexivo ‐ o processo narrativo centra‐se na reflexividade das personagens ou na do narrador que procuram interpretações sobre si; retomando o exemplo dado poderíamos ter «Neste dia chuvoso e frio de Outubro sigo a pé, falando comigo, para a estação do comboio situada a um quilómetro de casa. Digo a mim próprio que a repulsa que sinto pelas pessoas é tão grande quanto o desejo em saber contactar com elas. A humilhação que em tempos sofri leva‐me a sentir acossado e a odiar as pessoas mas a solidão leva‐me a querer ter carinho e amor. Resta‐me ver montras durante este trajecto»; A narrativa surge como algo de difuso onde é possível observar dimensões invariantes e por conseguinte organização coerente mas, por outro lado, a busca da significação pode levar a uma alteração aceitável do ponto de vista social, cultural e estético desses invariantes. A Afronta Tolerável é uma pequena narrativa de Brecht (1993) que se conta assim: «Um colaborador do senhor K. foi acusado de tomar uma atitude hostil a seu respeito. ‐ Sim, mas fê‐lo apenas nas minhas costas ‐ disse o senhor K a defendê‐lo» (p.62). A ausência de algumas dimensões não impedem, cremos, um processo narrativo mais interpretativo. 3 Limites e explorações A narrativa protótipo (NP) é uma narrativa básica da vida de uma pessoa. A sua construção exige a recolha e análise de diversas narrativas que alguém conta sobre si ao longo da sua vida. Esta construção socorre‐se dos sete elementos da gramática narrativa, atrás identificados, e tenta encontrar, para cada um, o melhor exemplo. (Gonçalves, O. F., Alves, A. F. R., Soares, I., & Duarte, Z. T., 1996). O interesse da NP reside numa ideia simples da mudança humana, ao nível individual: só muda quem reconhece ter necessidade de mudança. Ora, o reconhecimento dessa mudança acarreta a assunção de um dado sentido de identidade, mesmo que patológico. O processo de mudança não se esgota na análise e alteração de comportamentos inadequados, na análise e alteração da irracionalidade das cognições. Exige, como muito bem observou Carl Rogers (1970, 1974), atitudes 27 que facilitam a comunicação e, acrescentamos, exige um procedimento de construção de uma identidade a alterar. Ou seja, um procedimento que procure dar conta de como o sujeito ficou enredado numa teia cristalizada de significações que se repete em termos de emoções, pensamento e acções e não deixa qualquer abertura à novidade, à multiplicidade da narrativa, ou, em última instância, à possibilidade de desconhecimento de si, como sugeriu Miguel Gonçalves (1995). Considerar este procedimento, através da NP, permite dar resposta para o problema da resistência à mudança, concebida como manutenção da identidade percebida (Mahoney, 1998). É sabido que o processo de mudança tem momentos de contracção em que os sujeitos parecem regredir para a maneira de ser habitual. A construção da NP respeita esse modo de ser habitual porque tem como objectivo a sua compreensão e não a substituição imediata por um discurso racional. Há aqui uma similitude interessante com a ideia piagetiana de que a análise cuidadosa dos a priori metafísicos, que obstaculizam as explicações objectivas e racionais da realidade, é a melhor via para os superar (Piaget & Garcia, 1987). De acordo com Gonçalves (2000) e Ferreira‐Alves e Gonçalves (2001) as intervenções narrativas na psicoterapia e na formação de professores – que os autores designam por educação narrativa ‐ caracterizem‐se por três fases fundamentais: recordação; adjectivação; projecção. De seguida, no Quadro 2 apresentam‐se as três fases aplicadas aos dois domínios: Psicoterapia Narrativa Educação Narrativa em 15 sessões Recordação de Episódios Recordação de Episódios Recordação e construção de narrativas pessoais com uma estrutura coerente e boa ligação à experiência concreta. Trabalho narrativo diário Selecção da Narrativa Protótipo 1. Apresentação e explicação pormenorizada do programa 2. Aprofundamento de concepções sobre a docência 3. Recordação e construção de narrativas e introdução da revisão de vida com a qual cada do sujeito constrói a sua autobiografia. Há recurso à explicação conceptual (e.g., sistema ternário da memória) 4. Partilha e garantia de confidencialidade das narrativas Adjectivação da Narrativa Objectivação – construção intencional e diversificada das sensações e percepções associadas às diferentes narrativas. 28 5. Introdução à objectivação da narrativa 6. Prática da objectivação com partilha das narrativas Psicoterapia Narrativa Subjectivação cognitiva. – adjectivação emocional Educação Narrativa em 15 sessões e Metaforização – Condensação do significado das narrativas (e.g., títulos das narrativas) 7. Introdução à subjectivação emocional da narrativa 8. Prática da subjectivação emocional com partilha das narrativas 9. Introdução à subjectivação cognitiva da narrativa 10. Prática da subjectivação cognitiva com partilha das narrativas 11. Introdução à metaforização da narrativa 12. Prática da metaforização com partilha das narrativas 13.idem Projecção O sujeito é convidado à produção ininterrupta de narrativas com diversidade temática e de acção 14.Projectar a construção narrativa em diferentes experiências que garantam a diversidade temática e a construção narrativa contínua. 15. Prática da Projecção com partilha da narrativas Quadro 2 – Caracterização das intervenções narrativas na psicoterapia e na educação. O Quadro 2 mostra que a sequência da intervenção passa por dar voz – ou melhor dizendo – por dar texto a significações habituais das pessoas, sejam cognições disfuncionais sejam concepções de docência, as quais serão modificadas ou enriquecidas em direcção a uma maior complexidade e abertura. Um limite prático destas intervenções é que nem todas as pessoas têm a literacia necessária que lhes permita o manejo da escrita. Contudo, no caso da educação narrativa, é uma hipótese necessária supor que, além do conhecimento científico, além da competência para organizar apresentações recorrendo às tecnologias de informação, além da retórica e da argumentação, o professor utilizará a competência da leitura e da escrita na sua acção educativa. Outro limite que se pode apontar é de natureza teórica. A ideia de que há apenas realidades conversacionais e não uma arquitectura interna da cognição humana porque nada mais há do que a linguagem, é atractiva. Na verdade, a multiplicidade conceptual sobre o sistema cognitivo corrobora a concepção de muitos fenómenos psicológicos apenas existirem na linguagem como actos discursivos. Porém, é necessário ter presente que a compreensão do significado através da narrativa não explica, por exemplo, a rápida emergência da linguagem nas crianças. Aliás, este facto 29 do desenvolvimento infantil, e de acordo com Pinker (1994), coloca a questão de haver uma arquitectura cognitiva interna que possibilita a linguagem mas não se confunde com ela7. Ao levantarmos este possível limite, pretendemos salvaguardar que a narrativa não tem capacidade de explicar a natureza formal do sistema cognitivo, tem, sim, potencialidades para a concepção da organização e da modificação dos significados pessoais. Um dos exemplos destas potencialidade foi‐nos dado há vários anos atrás, em 1994, no âmbito de uma formação psicológica de educadores e de professores. A formação estava organizada em três turmas distintas: educadores de infância; professores do ensino primário; professores dos restantes ciclos. Solicitámos, em cada turma, que recordassem vários episódios das suas vidas profissionais e os escrevessem de acordo com uma boa forma. Ora, a análise das resposta internas mostrou que todas as narrativas dos professores do 1º ciclo não continham aquilo que as narrativas de educadores de infância e as narrativas de professores de outros ciclos continham: a possibilidade de auto‐responsabilização pelos eventos narrados. No grupo dos professores do 1º ciclo, as narrações suponham sempre a responsabilidade dos alunos (ou dos pais) pelos eventos narrados. Convém esclarecer que o grupo de professores do 1º ciclo era onde se registavam as idades mais avançadas, o que significava que obtiveram a sua formação inicial e parte da sua experiência docente, antes da revolução de 1974, ou seja, obtiveram‐nas num contexto social de controlo e de fechamento, pouco propício à partilha e à abertura a novas significações, nomeadamente à crítica das figuras de autoridade. A potencialidade da narrativa reside, entre outros aspectos, na construção segura e não ameaçadora das significações pessoais porque os sujeitos não têm que enunciar generalizações, apenas têm que narrar eventos, reside na possibilidade de dar expressão simbólica a significações pouco claras e na possibilidade de alteração gradual das significações pessoais (e.g., ensaiar narrar com outra resposta interna, ou se quisermos, com outra adjectivação). Sem a abordagem narrativa, talvez não fosse possível estabelecer uma hipótese interessante sobre o exercício profissional dos 7 Ver Pinker (1994, pp. 78‐81) para uma exposição dos argumentos a favor de uma representação mental que não é equivalente a linguagem. 30 professores do 1º ciclo, alicerçada na realidade concreta da experiência e da narração: a docência isolada não favorece o espírito auto‐crítico. A possibilidade de novas abordagens é potenciada pela psicologia narrativa porque não há a obrigação de inferências a partir de um dado sistema cognitivo. Um exemplo é a abordagem da criatividade humana. Uma das concepções actuais mais influentes sobre a criatividade é proposta por Sternberg (2006) e que sintetizamos no quadro em baixo. Aspectos 1. Competências intelectuais 2. Conhecimento 3. Estilos de pensamento 4. Aspectos da Personalidade 5. Motivação 6. Contexto Caracterização Nova Visão – ou seja a competência de ver os problemas de forma diferente e nova e que escape ao pensamento convencional; Análise – é a competência que permite identificar a ideias que têm potencial e que valem a pena defender, mesmo contra todos os obstáculos; Persuasão – trata-se de uma competência contextual (i.e., a ser exercida num contexto social específico) que possibilita “vender aos outros” o valor das nossas ideias. É necessário conhecer muito bem um determinado campo para ser possível a criatividade. Caso não se conheça, corre-se o risco de uma boa ideia ou de um bom projecto já terem sido concretizados por outros. É necessário, porém, considerar o aspecto paradoxal da relação entre conhecimento e criatividade: é necessário conhecer para criar, mas quanto mais se conhece, mais, há o risco de ficar-se impedido de ser criativo Define-o como sendo a preferência por um estilo de pensamento e de decisão caracterizados pelo uso de formas novas vontade de superar obstáculos; capacidade de correr riscos consideráveis; capacidade de tolerar a ambiguidade; auto-eficácia. Trata-se motivação intrínseca que obriga á postergação da recompensa imediata. É necessário um contexto que acarinhe as ideias criativas. O contexto coloca obstáculos e dificuldades que exigem forte motivação à pessoa. Há personagens (e.g., críticos) cuja opinião pode ser decisiva para o sucesso ou para o fracasso. Quadro 3 – Síntese da teoria de Robert Sternberg sobre a criatividade. De acordo com a teoria, a reunião dos seis aspectos não garante a emergência da criatividade. Há relações dinâmicas tais como: a pessoa criativa tem de ter um nível mínimo de conhecimentos sobre o seu campo; a ocorrência de um efeito de compensação entre diferentes aspectos como, por exemplo, uma forte motivação compensar um contexto muito adverso; as interacções entre níveis podem ter um efeito de multiplicação da criatividade, como, por exemplo, a interacção entre conhecimento e motivação. 31 De um ponto vista da psicologia narrativa poderíamos especular que a teoria narra a emergência da criatividade tal como uma narrativa configura uma dada significação pessoal, ou seja, a génese da criatividade não é localizável na adição de todos os aspectos nem, claro está, em qualquer um deles isoladamente, tal como a significação pessoal em relação aos elementos do esquema narrativo. A criatividade emerge da tensão dramática entre as características de um sujeito (aspectos 1 a 5; ) e as oportunidades e vicissitudes do meio face à novidade e qualidade da obra, havendo a possibilidade de que a narrativa resultante ser uma das três narrativas prototípicas, tal como atrás exposto (Gergen & Gergen, 1986; A narrativa como meio de construção das significações pessoais). Uma análise narrativa tem de ir um pouco mais além para acrescentar novidade na análise. Ora, considerando que esta possível análise não está obrigada a fazer inferências a partir de supostos processos internos, tem liberdade – ainda que os não negue ‐ para relativizá‐los. No caso vertente, podemos questionar se as características que integram as competências intelectuais – nomeadamente a análise e a persuasão ‐ são internas ao sujeito ou se emergem como actos discursivos protagonizados por outros actores. O mesmo se pode afirmar em relação aos aspectos 2, 3, 4 e 5. Também podemos afirmar que o Contexto nem sempre parece ser uma realidade estável externa ao sujeito criativo porque podemos conceber a possibilidade de este ser capaz de construir um contexto favorável à sua obra. Algumas investigações e teorizações daí resultantes assentam numa metodologia simples que podíamos descrever do seguinte modo: identificar pessoas criativas que obtiveram sucesso nos respectivos domínios (e.g., científico; artístico; humanístico); recolher e analisar as história das sua vidas de acordo com um guião onde estão escritas algumas perguntas ‐ chamemos‐lhe análise biográfica. Se há particularidades nas vidas dessas pessoas então temos identificados os processos internos e externos da criatividade (cf., Gardner; 1993; Csikszentmihaly, 2007). O que é proposto aos sujeitos criativos é a narração mais ou menos orientada das suas vidas. Um dos aspectos da teoria da criatividade, proposta por Sternberg, é a de que os aspectos de contexto podem ser decisivos no sucesso ou no fracasso. A análise biográfica das pessoas criativas que obtiveram sucesso (várias delas ainda vivas durante o estudo) é a construção de uma narrativa de happy‐end que satisfaz o sujeito criador, o sujeito investigador e a audiência (i.e., público leitor ou televisivo), talvez na esperança de se dar uma espécie de aprendizagem social da criatividade. Podemos afirmar, porém, que quer numa 32 teoria de supostos processos internos quer numa análise biográfica é difícil localizar o motor da criatividade. Atente‐se que toda a análise biográfica é retrospectiva e que se parte do sujeito criativo identificado, não é prospectiva porque não identifica uma criança que se prevê vir a ser, na sua vida adulta, uma pessoa criativa. Por outro lado, este tipo de análises centradas nas pessoas reconhecidamente criativas não dá conta da possibilidade de as biografias das pessoas criadoras nem sempre configuram uma narrativa de happy end, pelo menos no seu tempo de vida. Se tivermos em conta que a criatividade é hoje um palavra chave de vários discursos políticos, então é conveniente perceber toda as dinâmicas envolvidas: uma de natureza mais política que aponta para a desejabilidade de cidadãos criativos – presume‐se que formados pelo sistema educativo; outra de natureza mais pessoal e contextual. Ora a análise narrativa estará capaz de perceber, antes de mais, os efeitos retóricos das narrações porque não está comprometida com a suposição de que se sabe o que gera pessoas criativas e de como é possível educá‐las nesse sentido, caso seja essa a opção política. Além disso, creio que se inclinará para compreender quando as contingências que recusaram o sucesso durante a vida da pessoa criativa ou mesmo quando a criatividade não passava de uma ilusão porque a obra nem foi inovadora nem foi criativa. Em jeito de conclusão, a abordagem narrativa tanto é um meio adequado para compreender a organização das significações pessoais e sociais e o processo da sua alteração, como é uma abordagem crítica das teorias que não questionam se os conceitos e as metodologias utilizadas descobrem ou inventam, discursivamente, essências psicológicas. ******* 33 4 Referências Angus, L. E & Hardtke, K. (1992). Narrative process in psychotherapy. Canadian Psychology, 35, 190‐203. Angus, L., Hardtke, K., & Levitt, H. (1992). A Rating Manual For the Narrative Processing Coding System. Unpublished manuscript, York University, Department of Psychology, North York. Astington J. W. & Jenkins, J. M. A. (1999). 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