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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUEOLOGIA TRANSFORMAÇÕES TECNOLÓGICAS DAS FORTIFICAÇÕES PORTUGUESAS DA CAPITANIA DE PERNAMBUCO, BRASIL, NOS SÉCULOS XVI E XVII MANUELA XAVIER GOMES DE MATOS Recife 2016 MANUELA XAVIER GOMES DE MATOS TRANSFORMAÇÕES TECNOLÓGICAS DAS FORTIFICAÇÕES PORTUGUESAS DA CAPITANIA DE PERNAMBUCO, BRASIL, NOS SÉCULOS XVI E XVII Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arqueologia da UFPE, Departamento de Arqueologia, como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Arqueologia. Orientador: Profº. Drº. Paulo Martin Souto Maior Co-orientador: Profº. Drº. Carlos Celestino Rios e Souza Recife 2016 Catalogação na fonte Bibliotecária Maria Janeide Pereira da Silva, CRB4-1262 M433t Matos, Manuela Xavier Gomes de. Transformações tecnológicas das fortificações portuguesas da Capitania de Pernambuco, Brasil, nos séculos XVI e XVII / Manuela Xavier Gomes de Matos. – 2016. 243 f. : il. ; 30 cm. Orientador: Prof. Dr. Paulo Martin Souto Maior. Coorientador: Prof. Dr. Carlos Celestino Rios e Souza. Tese (doutorado) - Universidade Federal de Pernambuco, CFCH. Programa de Pós-graduação em Arqueologia, 2016. Inclui Referências. 1. Arqueologia. 2. Arqueologia e história. 3. Fortificações. 4. Arqueometria. 5. Arqueologia da arquitetura. I. Souto Maior, Paulo Martin (Orientador). II. Souza, Carlos Celestino Rios e (Coorientador). III. Título. 930.1 CDD (22. ed.) UFPE (BCFCH2017-022) MANUELA XAVIER GOMES DE MATOS TRANSFORMAÇÕES TECNOLÓGICAS DAS FORTIFICAÇÕES PORTUGUESAS DA CAPITANIA DE PERNAMBUCO, BRASIL, NOS SÉCULOS XVI E XVII Dissertação ou Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arqueologia da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Arqueologia. Aprovada em: 14/03/2016. BANCA EXAMINADORA ________________________________________________________ Profª Drª Ana Catarina Peregrino Torres Ramos (Examinador Interno) Universidade Federal de Pernambuco ___________________________________________________ Prof. Dr. Carlos Celestino Rios e Souza (Examinador Interno) Universidade Federal de Pernambuco _________________________________________________ Prof. Dr. Henry Socrates Lavalle Sullasi(Examinador Interno) Universidade Federal de Pernambuco _________________________________________________ Prof. Dr. José Luiz Mota Menezes (Examinador Externo) Universidade Federal de Pernambuco ______________________________________________________ Prof. Dr. Rômulo Luiz Xavier do Nascimento (Examinador Externo) Universidade Federal de Pernambuco A Walkiria e Aécio, meus pais. AGRADECIMENTOS A todos que contribuíram com a realização desse desafio. RESUMO Esta tese está focada na análise dos processos construtivos das fortificações que compuseram os sistemas defensivos da Capitania de Pernambuco nos séculos XVI e XVII, antes, durante e depois da ocupação holandesa. A análise das fortificações, enquanto objeto de pesquisa que materializou em seu processo construtivo as posturas colonizadoras portuguesas, se desenvolveram no âmbito da arqueologia histórica. Neste sentido, este estudo pode ser considerado um esforço teórico para se compreender o modelo de colonização implantado na Capitania. O desafio maior foi, portanto, desvendar os processos construtivos das fortificações à luz das referências europeias e dos tratados sobre fortificação, buscando identificar as tecnologias de fortificação utilizadas ao longo dos dois primeiros séculos e constatar a articulação entre a cultura portuguesa e o real aporte tecnológico holandês. A partir destas constatações técnicas, buscaram-se explicar as razões que motivaram os portugueses a escolher determinadas tecnologias, inclusive aquelas relacionadas aos contextos políticos, econômicos e culturais. As principais conclusões das análises realizadas, nesta perspectiva, indicam que, ao longo de dois séculos, ocorreram transformações tecnológicas nas fortificações de Pernambuco e que estas transformações sofreram influência da escola holandesa de fortificação, aumentando seu nível de eficácia bélica. Palavras-chave: Arqueologia. Arqueologia da Arquitetura. Arqueologia e história. Fortificações. Arqueometria. RÉSUMÉ Cette thèse se concentre sur l'analyse des processus de construction des fortifications qui composent les systèmes défensifs de la Capitania de Pernambuco au cours des XVIe et XVIIe siècles, avant, pendant et après l'occupation hollandaise. L'analyse des fortifications, comme un objet de recherche qui se matérialisa dans son processus de construction, les postures coloniales portugaises, développé sous l'archéologie historique. Ainsi, cette étude peut être considérée comme un effort théorique pour comprendre le modèle de la colonisation implanté dans la Capitania. Le plus grand défi a été donc de découvrir les processus de construction des fortifications à la lumière des références européennes et traités sur les fortifications, en cherchant à identifier les technologies de fortification utilisées au cours des deux premiers siècles, et d'établir le lien entre la culture portugaise et le réel soutien technologique Néerlandais. Finalement, à partir de ces constatations techniques, on a cherché à expliquer les motivations pour lesquelles les Portugais ont choisis certaines technologies, y compris celles liées à des contextes politiques, économiques et culturels. Les principales conclusions des analyses effectuées dans cette perspective plus complexe, indiquent que, au cours de ces deux siècles, il ya eu des changements technologiques dans les fortifications de Pernambuco et que ces changements ont été influencés par l'école néerlandaise de fortifications, en augmentant le niveau d'efficacité défensif. Mots-clés: Archéologie. Archéologie et histoire. Fortification. Archéométrie. Archéologie de l'Architecture. ABSTRACT This thesis is focused on analysis of construction processes of the fortifications that made up the defensive systems of the Capitania of Pernambuco during the sixteenth and seventeenth centuries, before, during and after the Dutch occupation. The analysis of the fortifications, as an object of research that materialized in its construction process the Portuguese colonial postures, developed under the historical archeology. Thus, this study can be considered a theoretical effort to understand the colonization model implanted in the Captaincy. The biggest challenge was therefore uncover the construction processes of the fortifications in the light of European and treated references on fortification, seeking to identify the fortification technologies used over the first two centuries, and establish the link between Portuguese culture and the real technological support Dutch. Finally, from these technical findings, it sought to explain the reasons for the Portuguese to choose certain technologies, including those related to political, economic and cultural contexts. The main conclusions of the analyzes performed in this more complex perspective, indicate that, during these two centuries, there have been technological changes in the fortifications of Pernambuco and that these changes were influenced by the Dutch school of fortifications, increasing their level of effectiveness war. Keywords: Archaeology. Archaeology and history. Fortification. Archeometry. Archaeology of Architecture. LISTA DE SIGLAS CAD Computer Aided Design DRX Difração de Raios-X ET Estação Total FRX Fluorescência de Raios-X PPArq Programa de Pós-Graduação em Arqueologia UFPE Universidade Federal de Pernambuco WIC West-Indische Compagnie (Companhia das Índias Ocidentais) VOC Vereenigde Oost-Indische Compagnie (Companhia das Índias Orientais) LISTA DE FIGURAS Figura 1. Fortaleza de Mazagão, no litoral norte da África, foi construída em 1514 e melhorada em 1541 pelos portugueses. Observa-se a utilização de elementos que virão a compor no século XVII o tipo de Fortificação Moderna, abaluartada. Fonte: historiasdeportugalemarrocos.files.wordpress.com.................................................................. 44 Figura 2. Fortaleza de São Sebastião, da Ilha de Moçambique, construída pelos portugueses a partir de 1554 apresentava planta de formato retangular com quatro baluartes angulares, já apresentando o formato pentagonal. Fonte: site mundo.guru e fortalezas.org. ........................ 45 Figura 3. Fortaleza de São Lourenço construída a partir de 1581 em Funchal, na Ilha da Madeira, onde se observa que apesar da construção contar com altas muralhas, de herança medieval, foram inseridos baluartes. Esses baluartes, no entanto, eram ainda pouco salientes e tinham as faces paralelas às cortinas. Portugal. Fonte: site fortaleza.org. ................................ 46 Figura 4. Fortaleza de São Filipe do Monte Brasil construída a partir de 1593, em Angra do Heroísmo, Açores, Portugal, onde foram utilizados baluartes poligonais, com formato mais próximo dos baluartes modernos. Fonte: site pt.wikipedia.org e Carlos Luis MC da Cruz o site pt.wikipedia.org. ....................................................................................................................... 47 Figura 5. Forte de São Lourenço da Cabeça Seca, construído 1607 na foz do rio Tejo, na União das freguesias de Oeiras e São Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias, concelho de Oeiras, distrito de Lisboa, em Portugal. Esse projeto, apesar de não utilizar baluartes, representa o processo de experimentação para construção de modelos modernos na medida em que propõe uma estrutura sólida para se defender das armas de fogo. Fontes: fortalezas.org e wikimedia.org. 48 Figura 6. Esquema de uma fortificação moderna, abaluartada, com seus elementos básicos: cortina e baluarte. ..................................................................................................................... 67 Figura 7. Representação das linhas flancantes e das faixas de defesa de uma fortificação moderna, abaluartada, que partem do flanco e passam paralelas à face do baluarte contíguo. 67 Figura 8. Esquema de uma fortificação moderna, abaluartada, com seus principais elementos: 7.Esplanada; 8.Caminho coberto; 9.Contra escarpa do fosso; 10.Fosso; 11.Refocete; 12. Escarpa do fosso; 13.Berma; 14.Escarpa externa do reparo; 15.Parapeito; 16.Banqueta; 17.Terrapleno; 18. Escarpa interna do reparo; 19.Esplanada; 20.Tenalha; 21.Revelim em meialua; 22.Hornaveque; 23.Fosso; 24.Baluarte com orelhões; 25.Revelim; 26. Baluarte regular; 27. Tenalha composta - Chapéu de bispo; 28. Praça de Armas; 29.Caminho coberto; 30.Contraguarda; 31.Cortina; 32.Tenalha; 33.Chapéu de bispo; 34. Coroada; 35. Cavaleiro. Fonte: modificado de Chambers, 1728. .................................................................................... 71 Figura 9. Extensão do Império colonial português e espanhol no século XVI. Fonte: site fichasmarra.files.wordpress.com. ............................................................................................. 77 Figura 10. Representação holandesa de 1630 da Vila de Olinda onde se vêem as fortificações que compunham o sistema defensivo português nessa vila: a Guarita de João Albuquerque. 1620 e o Forte de São Francisco de Olinda. Original manuscrito do Algemeen Rijcksarchief. (REIS, 2000. p. 83). .................................................................................................................. 85 Figura 11. Representação holandesa de 1617 do sistema defensivo português na Capitania de Pernambuco onde se vêem 1. Forte de São Francisco da Barra e 2. Forte de São Jorge.. “Ont voerp van stadt parnambuco| D. Ruit.s fecit”. Original manuscrito do Algemeen Rijksarchief, Haia. Ca. 1617. (REIS, 2000. p. 75). ........................................................................................ 85 Figura 12. Localização das fortificações construídas pelo colonizador português antes da invasão holandesa. (modificado do site Google Earth). ........................................................... 86 Figura 13. Localização das fortificações construídas por Matias de Albuquerque na eminência da invasão holandesa. (modificado do site Google Earth). ..................................... 87 Figura 14. Localização das fortificações construídas pelo colonizador português durante a invasão holandesa. (modificado do site Google Earth). ........................................................... 94 Figura 15. Ilustração denominada “CAERTE VANDE HAVEN VAN PHARNAMBOCQUE”, de 1639. Fonte: REIS, 2000. p. 86. .................................................. 97 Figura 16. Localização das fortificações construídas pelo invasor holandês durante a invasão holandesa. (modificado do site Google Earth). ........................................................................ 99 Figura 17. Localização das fortificações construídas pelos portugueses após a capitulação holandesa (modificado do site Google Earth). ...................................................................... 104 Figura 18. Localização das fortificações selecionadas para serem objeto de estudo desta pesquisa (modificado do site Google Earth)........................................................................... 105 Figura 19. Representação dos três tipos de torreão, segundo o tratado de Albretch Dürer (Dürer, 1527. p. 8, 32 e 37). ................................................................................................... 111 Figura 20. Configuração geométrica do modelo de fortificação do tratado de Cataneo, do tipo Cidadela ou Castelo, que pode ser objeto de comparação com as fortificações construídas em Pernambuco. Modificado de Cataneo, 1567: p.17-21. ..................................................... 117 Figura 21. Identificação das partes de uma fortificação listadas por Scamozzi como sendo as principais partes de uma fortificação Real. Fonte: modificado de SCAMOZZI, 1615, p. 194/195. Disegno della meta della fortezza d’otto lati com tutto le sue parti e diffese reali. 119 Figura 22. Simulação do formato das fortificações de quatro e cinco lados a partir de polígonos regulares de 180 passa de lado, com indicação do ângulo do baluarte resultante. Fonte: modificado de Scamozzi, 1615. p. 185. ...................................................................... 120 Figura 23. Apresentação dos nomes de linhas a partir do tipo Castelo e Cidadela usando formato de polígono regular de cinco lados. Fonte: modificado de Scamozzi, 1615............. 121 Figura 24. Configuração geométrica do modelo de fortificação do tratado de Scamozzi, do tipo Castelo ou Cidadela, que pode ser objeto de comparação com as fortificações construídas em Pernambuco. modificado de Scamozzi, 1615. .................................................................. 122 Figura 25. Apresentação dos nomes de linhas nas fortificações abaluartadas usando formato de polígono regular de quatro lados. Baseado em Figura XV, Goldman, 1645. p. 14. .......... 125 Figura 26. Apresentação dos nomes de linhas a partir nos tipos redutos e estrela usando formato de polígono regular de quatro lados. Baseado em Goldman, 1645. p. 3-12. ............ 127 Figura 27. Representação dos perfis das obras de fortificação com indicação da inclinação da escarpa exterior do Reparo, segundo o tratado de Nicolas Goldman (Goldman, 1645. p. 5255). 129 Figura 28. Configuração geométrica do modelo de fortificação do tratado de Goldman, do tipo Forte Quadrantal, que pode ser objeto de comparação com as fortificações construídas em Pernambuco. Modificado de Goldman, 1615. ........................................................................ 130 Figura 29. Configuração geométrica do modelo de fortificação do tratado de Goldman, do tipo Meio Forte, que pode ser objeto de comparação com as fortificações construídas em Pernambuco. Modificado de Goldman, 1615. ........................................................................ 131 Figura 30. Configuração geométrica do modelo de fortificação do tratado de Goldman, do tipo Reduto e Estrela que pode ser objeto de comparação com as fortificações construídas em Pernambuco. Modificado de Goldman, 1615. ........................................................................ 131 Figura 31. Representação localizando linhas e ângulos nas fortificações. Baseado em Figura XIV, Dogen, 1648. p. 26. ....................................................................................................... 134 Figura 32. Representação do perfil de uma fortificação com indicação das alturas EF da muralha exterior. As medidas são em Verges Rhynlandiques que equivale a 10 pièds de Rhein, que equivale a 0,31385 metros, ou seja, uma verge Rhynlandique equivale a 3,1385 metros. Baseado em Figura LVIII, Dogen, 1648. p. 82 e 83............................................................... 137 Figura 33. Configuração geométrica do modelo de fortificação do tratado de Dogen, do tipo Fortaleza que pode ser objeto de comparação com as fortificações construídas em Pernambuco. Modificado de Dogen, 1648. .................................................................................................. 138 Figura 34. Compartimentação estratigráfica de Pernambuco identificando, em vermelho, a área onde estão localizadas as fortificações portuguesas construídas nos séculos XVI e XVII. Fonte: modificado de Gomes et al. (2001) em Dantas & Lima Filho, 2006. ......................... 143 Figura 35. Delimitação das possíveis fontes de rocha, enquanto matéria-prima para construção, através de raios concêntricos de 5 e 10 km, que tem como pontos centrais o Forte de Santa Cruz de Itamaracá, Forte de São Francisco de Olinda e Forte Real do Bom Jesus. 144 Figura 36. Delimitação das possíveis fontes de rocha, enquanto matéria-prima para construção, através de raios concêntricos de 5 e 10 km, que tem como pontos centrais o Forte do Brum, Forte São Francisco da Barra e Forte São Tiago das Cinco Pontas. ...................... 146 Figura 37. Delimitação das possíveis fontes de rocha, enquanto matéria-prima para construção, através de raios concêntricos de 5 e 10 km, que tem como pontos centrais o Forte de São Francisco Xavier de Gaibú e Forte de Nossa Senhora de Nazaré. ............................. 147 Figura 38. Delimitação das possíveis fontes de rocha, enquanto matéria-prima para construção, através de raios concêntricos de 5 e 10 km, que tem como ponto central o Forte Santo Inácio de Loyola de Tamandaré. .................................................................................. 147 Figura 39. Duas diferentes representações do Forte de São Jorge, construído no Istmo de Recife e Olinda, em 1590. Vista do Recife de Peeter Gillis, 1637, onde está identificado o Forte de São Jorge. 2. Recorte de estampa e folheto holandês de 1630: “de Stadt Olinda de Pharnambuco...”. .................................................................................................................... 150 Figura 40. Planta Baixa da Muralha do Forte São Francisco da Barra, com indicação das linhas e ângulos e suas medidas. ............................................................................................ 154 Figura 41. Planta Baixa da Muralha do Forte São Francisco de Olinda, com indicação das linhas e ângulos e suas medidas. ............................................................................................ 160 Figura 42. Planta do Forte Real do Bom Jesus (1635). Arquivo Geral do Reino (Haia). Buitenlandse Kaarten n. 2.160 do Inventário Leupe. Publicada por Gonçalves de Mello, 1961. 163 Figura 43. Planta Baixa da Muralha do Fortim Arraial do Bom Jesus, com indicação das linhas e ângulos e suas medidas relativas, retiradas a partir de um projeto presente na iconografia histórica. .............................................................................................................. 164 Figura 44. Forte de Nossa Senhora de Nazaré. Fonte: MENEZES. 1986. p. 106. ............ 168 Figura 45. Planta Baixa da Muralha do Forte Nossa Senhora de Nazaré, com indicação das linhas e ângulos e suas medidas. ............................................................................................ 169 Figura 46. Planta de 1799 do Forte de São Francisco Xavier de Gaibu e sua localização. Fonte: MENEZES. 1986. p. 105. ........................................................................................... 174 Figura 47. Planta Baixa da Muralha do Forte São Francisco Xavier de Gaibú, com indicação das linhas e ângulos e suas medidas. ...................................................................................... 175 Figura 48. Forte de Santa Cruz de Itamaracá. Planta de 1763. .......................................... 181 Figura 49. Planta com mapa de danos de 1788. Fonte: Arquivo do Exército do Rio de Janeiro (Código da mídia: 01.01.0023). .............................................................................................. 182 Figura 50. Espacialização do estado de conservação do Forte de Santa Cruz de Itamaracá em 1969/73. Fonte: autora, a partir de fotos existentes no Acervo do IPHAN, Forte Orange, Caixa 8 de A a H. 183 Figura 51. Obra realizada em 1999. Recomposição da muralha leste, no encontro com o baluarte 2. Fonte: autora, a partir de fotos existentes no Acervo do IPHAN, Forte Orange, Caixa 8 de A a H. 184 Figura 52. Planta Baixa da Muralha do Forte de Santa Cruz de Itamaracá, com indicação das linhas e ângulos e suas medidas. ............................................................................................ 185 Figura 53. Espacialização dos Sistemas construtivos (SC) identificados no Forte de Santa Cruz de Itamaracá. .................................................................................................................. 187 Figura 54. Planta do Forte do Brum, após a capitulação dos holandeses. Fonte: MENEZES. 1986. p. 102. 191 Figura 55. Planta Baixa da Muralha do Forte do Brum, com indicação das linhas e ângulos e suas medidas. ....................................................................................................................... 192 Figura 56. Espacialização dos Sistemas construtivos identificados no Forte do Brum. .... 194 Figura 57. Ilustração denominada “CAERTE VANDE HAVEN VAN PHARNAMBOCQUE”, de 1639. Legenda: 2.Forte das Cinco Pontas. 5. Forte Ernesto. 6. Reduto da Boa Vista. 7. Forte Emilia. .................................................................................... 196 Figura 58. Planta Baixa da Muralha do Forte São Tiago das Cinco Pontas, com indicação das linhas e ângulos e suas medidas. ...................................................................................... 197 Figura 59. Planta Baixa da Muralha do Forte Santo Inácio de Loyola de Tamandaré, com indicação das linhas e ângulos e suas medidas. ...................................................................... 202 Figura 60. Análise da Configuração Geométrica do Forte Real do Bom Jesus, para realizar a sua classificação tipológica, entre Fortificação de Transição e Fortificação Moderna. ......... 208 Figura 61. Análise da Configuração Geométrica do Forte de Nossa Senhora de Nazaré, para realizar a sua classificação tipológica, entre Fortificação de Transição e Fortificação Moderna. Fonte da imagem: site cidadeinformacao.pt. .......................................................................... 210 Figura 62. Planta de fortificação genérica com nomes de linhas e ângulos que compõe a sua Configuração Geométrica. ...................................................................................................... 213 Figura 63. Quadro-síntese, com plantas apresentadas na mesma escala, dos modelos idealizados selecionados dos Tratados de Fortificação e das Fortificações Modernas construídas em Pernambuco que serão objeto de análise comparativa entre si. ........................................ 214 Figura 64. Sobreposição da planta do Forte de Santa Cruz de Itamaracá com a planta do modelo de Matthias Dogen selecionado a partir da comparação dos valores das suas medidas lineares e angulares. ................................................................................................................ 216 Figura 65. Sobreposição da planta do Forte de Santo Inácio de Loyola de Tamandaré com a planta do modelo de Matthias Dogen selecionado a partir da comparação dos valores das suas medidas lineares e angulares. ................................................................................................. 219 Figura 66. Sobreposição da planta do Forte de São Tiago das Cinco Pontas com a planta do modelo de Matthias Dogen selecionado a partir da comparação dos valores das suas medidas lineares e angulares ................................................................................................................. 220 Figura 67. Representação das faixas de defesa nos modelos europeus e nas fortificações de Pernambuco, utilizando as plantas com a mesma medida do lado externo para poder comparar a largura das faixas e consequentemente, verificar quais plantas apresentam maior capacidade de defesa. 224 Figura 68. Sobreposição Tratado x fortificações. .............................................................. 226 Figura 69. Simulação da evolução das fortificações construídas em Pernambuco antes da invasão holandesa: Fortificação de Transição; e após a saída dos holandeses, Fortificação moderna abaluartada, que reuniu o Modelo holandês, material construtivo italiano e inclinação do século XVI. ........................................................................................................................ 234 LISTA DE FOTOS Foto 1. Fortaleza dos Reis Magos construída pelos portugueses, a partir de 1598, na capitania do Rio Grande no Norte, Nordeste do Brasil. O projeto contava com muralha contendo dois meio-baluartes e um cavaleiro na cortina oposta. Fonte: site fortaleza.org. ..................... 48 Foto 2. Praça-forte de Elvas, modernizada a partir de 1641 com projeto de Cosmander, sob o governo de Matias de Albuquerque. Fonte: The Garrison Border Town of Elvas and its Fortifications, 2010. .................................................................................................................. 50 Foto 3. Castelo de Algoso (Conselho de Vimioso, Bragança) que materializa as adaptações sofridas pelas Fortificações Medievais na primeira fase da Fortificação de Transição. A antiga Torre de Menagem foi incorporada num dos ângulos da nova fortificação. Fonte: site welcomenordeste.net. ............................................................................................. 62 Foto 4. Castelo Portel Alentejo, modificado pelo Engenheiro Francisco de Arruda em 1510. Seis dos oito tambores foram rasgados por canhoneiras em dois níveis de tiro. Fonte: site c2.staticflickr.com. ................................................................................................................... 63 Foto 5. Castelo de Cerca Nova de Lagos, localizado em Lagos, distrito de Faro no Algarve, foi modificado de 1520 a 1544. Apresenta muralha ainda no estilo medieval, sem canhoneiras. Mas tem baluarte atípico onde a estrutura é pouco saliente e paralela à muralha com grandes orelhões onde estão posicionadas as armas de fogo. Fonte: site museudigitalafroportugues.files.wordpress.com. ..................................................................... 64 Foto 6. Castelo de Évoramonte,, localizado no município de Evoramonte, concelho de Estremoz, distrito de Évora, no Alentejo, apresenta planta quadrangular com quatro tambores. Fonte: site pt.wikipedia.org. ..................................................................................................... 65 Foto 7. Possível localização do Forte de São Jorge, na área central do Recife (modificado do Google earth, em 26.01.2017). .......................................................................................... 149 Foto 8. Ruinas do Forte de São Francisco da Barra, porção leste. ............................... 151 Foto 9. Localização do Forte de São Francisco da Barra, na área central do Recife (modificado do Google earth, em 19.09.2014). ...................................................................... 152 Foto 10. Forte São Francisco da Barra na fotografia de Marc Ferrez de 1875. Fonte: MENEZES. 1986. p. 114. ....................................................................................................... 153 Foto 11. Remanescentes do Forte de São Francisco da Barra. Observa-se parte da configuração geométrica em formato de um polígono regular de nove lados e a forma de sua estrutura construtiva, em raios partindo dos vértices em direção ao centro. .......................... 155 Foto 12. Perfil leste do Forte de São Francisco da Barra onde se evidenciam os materiais construtivos utilizados. ........................................................................................................... 156 Foto 13. Tipos de rocha do Forte de São Francisco da Barra. Rocha tipo 1. Rocha da alvenaria estrutural, do anel exterior que delimita a fortificação. e Rocha tipo 2. Rocha da alvenaria estrutural, especificamente, dos raios que partem dos vértices em direção ao centro. Imagem extraída a partir do Microscópio Digital portátil Dino-Lite PLUS, com aumento de 55x. 156 Foto 14. Forte de São Francisco de Olinda, construído pelos portugueses em 1620. .... 158 Foto 15. Localização do Forte de São Francisco de Olinda, Olinda, no Estado de Pernambuco (modificado do Google earth, em 19.09.2014). ................................................. 159 Foto 16. Cortina leste do Forte de São Francisco de Olinda onde há uma rachadura com exposição de argamassa. ......................................................................................................... 161 Foto 17. Localização do Forte Real do Bom Jesus, no município de Recife, no Estado de Pernambuco (modificado do Google earth, em 04.10.2014). ................................................. 162 Foto 18. Remanescentes do fosso duplo do Forte Real do Bom Jesus depois da realização de escavações arqueológicas, nas décadas de 60, 80 e anos 2000. Fonte: site 2.bp.blogspot.com. 165 Foto 19. Forte Nossa Senhora de Nazaré, no Cabo de Santo Agostinho, litoral sul do Estado de Pernambuco............................................................................................................ 166 Foto 20. Localização do Forte Nossa Senhora de Nazaré, localizado na Vila de Nazaré, município de Cabo de Santo Agostinho no Estado de Pernambuco (modificado do Google earth, em 18.09.2014). ...................................................................................................................... 166 Foto 21. Cortina Oeste do Forte de Nossa Senhora de Nazaré onde se vêem os diferentes formatos e dimensões de rocha das alvenarias de pedra que compõe a fortificação. ............. 170 Foto 22. Cortina Leste do Forte de Nossa Senhora de Nazaré onde se vê a alvenarias de pedra cujas rochas apresentam formato irregular e dois tipos de dimensões. ........................ 170 Foto 23. Rocha do Forte de Nossa Senhora de Nazaré. 1. Rocha tipo 1; 2. Rocha tipo 2. Rocha do afloramento rochoso. Imagem extraída a partir do Microscópio Digital portátil DinoLite PLUS, com aumento de 55x............................................................................................ 171 Foto 24. Forte de São Francisco Xavier de Gaibu. ......................................................... 173 Foto 25. Localização do Forte de São Francisco Xavier de Gaibu, localizado na Praia de Gaibu, município de Cabo de Santo Agostinho no Estado de Pernambuco (modificado do Google earth, em 04.10.2014). ............................................................................................... 174 Foto 26. Cortina Sul do Forte de São Francisco Xavier de Gaibú onde se vê a homogeneidade do sistema construtivo utilizado. .................................................................. 176 Foto 27. Rochas do Forte de São Francisco Xavier de Gaibú. 1. Rocha do afloramento rochoso; 2. Rocha tipo 1 do encontro entre as cortinas 2 e 3 (Nordeste e Noroeste). 3. Rocha do tipo 2, da cortina 4 (Oeste). Imagem extraída a partir do Microscópio Digital portátil Dino-Lite PLUS, com aumento de 55x. .................................................................................................. 177 Foto 28. Fachada Sul do Forte de Santa Cruz de Itamaracá. Baluarte 1, esquerda; Baluarte 2, direita. 179 Foto 29. Localização do Forte de Santa Cruz de Itamaracá. Ilha de Itamaracá, Estado de Pernambuco (modificado do Google earth, em 25.08.2014). ................................................. 180 Foto 30. Tipos de rocha do Forte de Santa Cruz de Itamaracá. Rocha 1 (SC1); Rocha 2 (SC2); Rocha 3 (SC3); Rocha 4 (SC4); e Rocha 6 (SC6). Imagem extraída a partir do Microscópio Digital portátil Dino-Lite PLUS, com aumento de 55x. ................................... 188 Foto 31. Forte do Brum. Fonte:site turismonorecife.com.br. ......................................... 190 Foto 32. Localização do Forte do Brum, localizado na Ilha do Recife, bairro do Recife, no Estado de Pernambuco (modificado do Google earth, em 04.10.2014). ................................ 190 Foto 33. Forte de São Tiago das Cinco Pontas, localizado no bairro de São José, no centro do Recife. 195 Foto 34. Localização do Forte de São Tiago das Cinco Pontas, no bairro de São José, no centro do Recife, Estado de Pernambuco (modificado do Google earth, em 04.10.2014)..... 196 Foto 35. Forte de Santo Inácio de Loyola de Tamandaré, localizado no município de Tamandaré, litoral sul do Estado de Pernambuco. ................................................................. 200 Foto 36. Localização do Forte de Santo Inácio de Loyola de Tamandaré, município de Tamandaré, litoral sul do Estado de Pernambuco (modificado do Google earth, em 04.10.2014). 200 Foto 37. Estrutura em alvenaria de pedra com restos de madeira, posicionadas nos locais demarcados na imagem. A estrutura esta localizada ao longo da cortina sudeste do Forte de Santa Cruz de Itamaracá. ........................................................................................................ 222 LISTA DE QUADROS Quadro 1. Simplificação da distribuição dos tipos de fortificação em relação aos tratados europeus publicados ao longo dos séculos XVI, XVII e XVIII. .............................................. 41 Quadro 2. Quadro-síntese das características físicas das fortificações de Pernambuco para classificação tipológica. .......................................................................................................... 206 Quadro 3. Quadro-síntese da classificação tipológica das fortificações de Pernambuco. . 206 Quadro 4. Classificação tipológica das fortificações de Pernambuco construídas nos séculos XVI e XVII. 211 Quadro 5. Quadro-síntese da capacidade de defesa das fortificações de Pernambuco relacionada à existência de linhas flancantes. ........................................................................ 225 Quadro 6. Quadro-síntese da eficácia bélica das fortificações de Pernambuco. ............... 226 Quadro 7. Quadro-síntese indicando a classificação tipológica, os modelos de fortificação Moderna utilizados, a capacidade de defesa relacionada à existência de linhas flancantes e a eficácia bélica das fortificações de Pernambuco durante as três fases bélicas desde o final do século XVII até a primeira metade do século XVII. .............................................................. 232 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1. Resultados da análise de Fluorescência de Raio-X realizada nos tipos de rocha utilizados no Forte de São Francisco da Barra. A Rocha pertencem a alvenaria estrutural do anel exterior que delimite a fortificação e as estruturas forma de raios que partem dos vértices em direção ao centro. .............................................................................................................. 157 Gráfico 2. Resultados da análise de Fluorescência de Raio-X realizada nos tipos de rocha utilizados no Forte de Nossa Senhora de Nazaré. 1. Rocha tipo 1; 2. Rocha tipo 2. Rocha do afloramento rochoso. .............................................................................................................. 172 Gráfico 3. Resultados da análise de Fluorescência de Raio-X realizada nos tipos de rocha utilizados no Forte de São Francisco Xavier de Gaibu. ......................................................... 178 Gráfico 4. Resultados da análise de Fluorescência de Raio-X realizada nos tipos de rocha utilizados no Forte de Santa Cruz de Itamaracá. .................................................................... 189 Gráfico 5. Resultados da análise de Fluorescência de Raio-X realizada nos tipos de rocha utilizados no Forte do Brum. A Rocha 1 (SC 1), Rocha 3 (SC 2), Rocha 5 (SC 3), Rocha 7 (SC 4) e Rocha 9 (SC 5). ............................................................................................................... 195 Gráfico 6. Resultados da análise de Fluorescência de Raio-X realizada no tipo de rocha utilizado no Forte São Tiago das Cinco Pontas. A Rocha 1 é referente a alvenaria localizada nos encontros da muralha. ...................................................................................................... 199 LISTA DE TABELAS Tabela 1. Valores das tabelas de redução de medidas para o sistema métrico-decimal dos tratados estudados e apresentados neste capítulo. Fonte: Da Graça, 1964. p. 155-188. ........ 108 Tabela 2. Medidas lineares aferidas em campo. Forte São Francisco da Barra. .............. 154 Tabela 3. Medidas angulares aferidas em campo. Forte São Francisco da Barra. ........... 154 Tabela 4. Medidas lineares aferidas em campo. Forte São Francisco de Olinda. ............ 160 Tabela 5. Medidas angulares aferidas em campo. Forte São Francisco de Olinda. ......... 160 Tabela 6. Medidas lineares aferidas em campo. Fortim Arraial do Bom Jesus. .............. 164 Tabela 7. Medidas angulares aferidas em campo. Fortim Arraial do Bom Jesus. ........... 164 Tabela 8. Medidas lineares aferidas em campo. Forte Nossa Senhora de Nazaré. .......... 169 Tabela 9. Medidas angulares aferidas em campo. Forte Nossa Senhora de Nazaré. ....... 169 Tabela 10. Medidas lineares aferidas em campo. Forte São Francisco Xavier de Gaibú. . 175 Tabela 11. Medidas angulares aferidas em campo. Forte São Francisco Xavier de Gaibú. 176 Tabela 12. Medidas lineares aferidas em campo. Forte Santa Cruz de Itamaracá. ............ 186 Tabela 13. Medidas angulares aferidas em campo. Forte Santa Cruz de Itamaracá. ......... 186 Tabela 14. Medidas lineares aferidas em campo. Forte do Brum. ..................................... 193 Tabela 15. Medidas angulares aferidas em campo. Forte do Brum. .................................. 193 Tabela 16. Medidas lineares aferidas em campo. Forte São Tiago das Cinco Pontas. ...... 198 Tabela 17. Medidas angulares aferidas em campo. Forte São Tiago das Cinco Pontas..... 198 Tabela 18. Medidas lineares aferidas em campo e média. Forte Santo Inácio de Loyola de Tamandaré. 202 Tabela 19. Medidas angulares aferidas em campo e média. Forte Santo Inácio de Loyola de Tamandaré. 203 Tabela 20. Comparação entre valor teórico dos modelos de fortificação a partir dos Tratados do século XVII com o valor da média das medidas da fortificação. Forte Santa Cruz de Itamaracá, 1654. ..................................................................................................................... 215 Tabela 21. Comparação entre valor teórico dos modelos de fortificação a partir dos Tratados do século XVII com o valor da média das medidas da fortificação. Forte Santa Cruz de Itamaracá, 1654. ..................................................................................................................... 216 Tabela 22. Comparação entre valor teórico dos modelos de fortificação a partir dos Tratados do século XVII com o valor da média das medidas da fortificação. Forte do Brum, 1654. .. 217 Tabela 23. Comparação entre valor teórico dos modelos de fortificação a partir dos Tratados do século XVII com o valor da média das medidas da fortificação. Forte do Brum, 1654. .. 217 Tabela 24. Comparação entre valor teórico dos modelos de fortificação a partir dos Tratados do século XVII com o valor da média das medidas do Forte de Santo Inácio de Loyola de Tamandaré, 1654. ................................................................................................................... 218 Tabela 25. Comparação entre valor teórico dos modelos de fortificação a partir dos Tratados do século XVII com o valor da média das medidas do Forte de Santo Inácio de Loyola de Tamandaré, 1654. ................................................................................................................... 218 Tabela 26. Comparação entre valor teórico dos modelos de fortificação a partir dos Tratados do século XVII com o valor da média das medidas do Forte de São Tiago das Cinco Pontas, 1654. 220 Tabela 27. Comparação entre valor teórico dos modelos de fortificação a partir dos Tratados do século XVII com o valor da média das medidas do Forte de São Tiago das Cinco Pontas, 1654. 220 Tabela 28. Valores dos ângulos entre flanco e cortina do Forte de Santa Cruz de Itamaracá, Forte de São Tiago das Cinco Pontas, Forte de Santo Inácio de Loyola de Tamandaré e Forte do Brum obtidos no levantamento de campo para verificar sua proximidade com o ângulo de 90°. 222 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 27 CAPÍTULO 1.CONCEITOS E FERRAMENTAS DE ANÁLISE ............................................................................................................................ 34 1.1 TRATADÍSTICA DOS SÉCULOS XVI, XVII E XVIII COMO REFERÊNCIA TECNOLÓGICA DE FORTIFICAÇÃO ....................................................................................... 34 1.1.1 Tratados do século XVI................................................................................................ 35 1.1.2 Tratados do século XVII .............................................................................................. 36 1.1.3 Tratados do século XVIII ............................................................................................. 39 1.1.4 Utilização dos tratados sobre fortificação pelos portugueses ....................................... 41 1.1.5 colônias Exemplos de aplicação dos tratados em fortificações portuguesas em portugal e nas suas ...................................................................................................................................... 44 1.2 METODOLOGIA DE ANÁLISE .................................................................................. 51 1.2.1 Conceitos e ferramentas de análise .............................................................................. 52 1.2.2 Tratamento de dados e manipulação dos conceitos...................................................... 57 CAPÍTULO 2.CARACTERIZAÇÃO DAS FORTIFICAÇÕES EUROPEIAS DOS SÉCULOS XVI E XVII QUE SERVEM DE REFERÊNCIA PARA PERNAMBUCO .. 60 2.1 A FORTIFICAÇÃO DE TRANSIÇÃO ......................................................................... 60 2.1.1 Configuração geométrica ............................................................................................. 61 2.1.1 Materiais construtivos .................................................................................................. 65 2.2 A FORTIFICAÇÃO MODERNA, ABALUARTADA ............................................................... 66 2.2.1 Configuração geométrica ............................................................................................. 68 2.2.2 Materiais construtivos .................................................................................................. 73 CAPÍTULO 3.FASES DOS SISTEMAS DEFENSIVOS DE PERNAMBUCO NOS SÉCULOS XVI E XVII.......................................................................................................... 75 3.1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS ................................................................................ 76 3.2 PRIMEIRA FASE BÉLICA (DO SÉCULO XVI ATÉ 1630) ........................................ 78 3.2.1 3.3 Fortificações do primeiro sistema defensivo português ............................................... 83 SEGUNDA FASE BÉLICA (1630-1654) ...................................................................... 87 3.3.1 Fortificações do segundo sistema defensivo português ............................................... 91 3.3.2 Fortificações do sistema defensivo holandês ............................................................... 94 3.4 3.4.1 TERCEIRA FASE BÉLICA (APÓS 1654) .................................................................... 99 Fortificações do terceiro sistema defensivo português............................................... 101 CAPÍTULO 4.COLETA DE DADOS DE REFERÊNCIA DE TRATADOS DOS SÉCULOS XVI E XVII PARA QUALIFICAÇÃO DOS MODELOS DE FORTIFICAÇÃO EM PERNAMBUCO ........................................................................... 106 4.1 TRATADOS DO SÉCULO XVI .................................................................................. 109 4.1.1 Instruction sur la fortification des villes, bourgs et chateaux ..................................... 109 4.1.2 L’architettura. ............................................................................................................. 113 4.2 TRATADOS DO SÉCULO XVII ................................................................................ 118 4.2.1 L’ idea della architettura universale ........................................................................... 118 4.2.2 La nouvelle fortification ............................................................................................. 124 4.2.3 L’architectura militair e moderne ou fortification ...................................................... 132 CAPÍTULO 5.LEVANTAMENTO DE DADOS FÍSICOS DAS FORTIFICAÇÕES PORTUGUESAS DE PERNAMBUCO DOS SÉCULOS XVI E XVII ........................... 140 5.1 CONTEXTO GEOLÓGICO DE PERNAMBUCO PARA IDENTIFICAÇÃO DE FONTES DE MATÉRIA-PRIMA UTILIZADA NAS FORTIFICAÇÕES ................................................. 141 5.1.1 Bacia sedimentar Recife-João Pessoa ........................................................................ 143 5.1.2 Bacia vulcano-sedimentar do Cabo ............................................................................ 145 5.2 FORTIFICAÇÕES DE PERNAMBUCO DOS SÉCULOS XVI E XVII..................... 148 5.2.1 Fortificações do primeiro sistema defensivo .............................................................. 148 5.2.2 Fortificações do segundo sistema defensivo .............................................................. 161 5.2.3 Fortificações do terceiro sistema defensivo ............................................................... 178 CAPÍTULO 6.COMPARAÇÃO ENTRE AS REFERÊNCIAS EUROPEIAS, OS TRATADOS E AS FORTIFICAÇÕES DE PERNAMBUCO ......................................... 204 6.1 CLASSIFICAÇÃO TIPOLÓGICA .............................................................................. 204 6.2 IDENTIFICAÇÃO DE MODELOS EUROPEUS ....................................................... 211 6.3 VERIFICAÇÃO DA EFICÁCIA BÉLICA .................................................................. 223 CAPÍTULO 7.CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................................... 227 7.1 TRANSFORMAÇÕES TECNOLÓGICAS ................................................................. 227 7.2 AS ESCOLHAS TECNOLÓGICAS COMO RESULTADO DAS POSTURAS COLONIZADORAS .................................................................................................................... 235 BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................. 238 27 INTRODUÇÃO O tema que motivou este trabalho e o processo de investigação que foi trilhado buscou contribuir para a construção do conhecimento sobre posturas colonizadoras portuguesas em Pernambuco, Brasil. O foco da análise foi a dinâmica dos processos construtivos das fortificações aqui localizadas, considerando as referências tipológicas europeias e os Tratados sobre fortificação como base para verificar transformações tecnológicas. Essa pesquisa se desenvolveu no âmbito da arqueologia histórica, onde se defende que a cultura material reflete a maneira como os homens do passado compreendiam seu mundo. O vestígio arqueológico foi, portanto, entendido como um símbolo. Segundo Renfrew, “... um símbolo é algo que significa ou representa algo mais: um sinal visível de uma ideia, ou de qualidade, ou de outro objeto” (Renfrew, 2001). Para este autor é possível interpretar o comportamento humano através desses símbolos, e para tanto estabeleceu categorias para auxiliar na estruturação da análise1. No âmbito deste trabalho são analisados os comportamentos: projetivo, planejador e medidor (Renfrew, 1993: p.453). Considerou-se assim, de partida, que as fortificações de Pernambuco, objeto de pesquisa neste trabalho, materializam esses comportamentos nos processos construtivos utilizados pelo colonizador português, portanto, são fontes fecundas de informação sobre a cultura da região, no período colonial brasileiro. No conjunto e nas partes que compõem uma edificação está concretizado o seu processo construtivo, ou seja, a seleção dos recursos disponíveis e o domínio dos conhecimentos transmitidos por gerações que se sucedem. Trabalhou-se, ainda, na perspectiva de que a análise de um edifício seja uma fortificação, uma igreja, um palácio, ou mesmo, uma residência singela, é uma fonte confiável para se estudar aspectos da cultura de uma sociedade. Segundo Gallay, dentre os enfoques através dos quais se podem estudar os vestígios da cultura material, o enfoque tecnológico é um dos mais susceptíveis de aprofundamento, pois apresenta um grau de incerteza menor sobre os resultados alcançados, possibilitando, de maneira mais confiável, a reconstituição do passado (Gallay, 1986: p.38). 1 Segundo Renfrew as categorias do comportamento humano são seis: comportamento projetivo, planejador, medidor, social, sobrenatural e representativo. 28 Defende-se, ainda, que a identificação de processos construtivos em vários momentos temporais possibilitaria o estudo da dinâmica desses processos, permitindo conhecer as transformações culturais de uma sociedade. Neste sentido, o estudo das fortificações construídas em Pernambuco, e as transformações tecnológicas dos seus processos construtivos ao longo dos séculos, podem ser considerados, portanto, como ferramenta de análise para entender aspectos da colonização portuguesa em Pernambuco. Em um primeiro olhar, todas as dez fortificações remanescentes na Capitania parecem, tecnologicamente, semelhantes entre si. Contudo, em um olhar mais aprofundado, pode-se verificar que, ao longo do segundo século de colonização portuguesa (segundo XVII), a presença holandesa no território pernambucano aportou uma nova tecnologia de fortificação que pode ter influenciado uma transformação tecnológica nas fortificações construídas pelo colonizador português. Os holandeses da Companhia das Índias Ocidentais (West-Indische Compagnie ou WIC) invadiram Pernambuco em 1630 e permaneceram até 1654. A princípio, acreditava-se que a diferença tecnológica estava no material construtivo utilizado pelos holandeses: a terra. Mas, a partir do levantamento dos dados documentais e físicos, foi possível perceber uma realidade mais complexa. Historicamente, a construção de uma fortificação teve como objetivo integrarse a um sistema defensivo. Essa estrutura era o resultado da experiência prática dos homens de guerra, normatizada a partir de conhecimentos matemáticos, geométricos e trigonométricos, com o objetivo de propor fortificações ideais, capazes de resistir ao ataque das novas armas: as armas de fogo. A primeira fase da artilharia pirobalística (canhões de efeito moral) promoveu mudanças na Fortificação Medieval, surgindo a de Transição; a segunda fase (canhões de efeito de destruição) promoveu mudanças nas de Transição, fazendo surgir, então, a Fortificação Moderna. O desafio desse estudo foi, portanto, desvendar os processos construtivos das fortificações de Pernambuco, construídas nos séculos XVI e XVII, à luz das referências tipológicas europeias e dos Tratados sobre fortificação, buscando identificar as tecnologias de fortificação utilizadas ao longo desses séculos e constatar se houve articulação entre a cultura portuguesa e o aporte tecnológico holandês. As fortificações estudadas foram aquelas que apresentaram remanescentes de estruturas acessíveis, projetos de arquitetura quantificáveis ou iconografia representativa. As referências 29 europeias são os tipos de fortificações construídos na Europa desde o final o século XV até o século XVIII: fortificação de Transição e Moderna. E os Tratados sobre fortificação referemse aos modelos de fortificação apresentados nesses documentos, publicados nos séculos XVI e XVII. As fortificações estudadas foram:  O Forte de São Jorge, localizado no bairro do Recife, região central da cidade, construído pelos colonizadores portugueses a partir de 1590. Estudos confirmam sua localização sob a Igreja de Nossa Senhora do Pilar, mas o Forte ainda não foi objeto de pesquisas arqueológicas sistemáticas;  O Forte de São Francisco da Barra, localizado sobre os arrecifes na entrada do Porto, na área central do Recife, construído pelos colonizadores portugueses a partir de 1606 e que se encontra em estado de ruínas;  O Forte de São Francisco de Olinda, localizado na Praia de São Francisco, em Olinda, construído pelos colonizadores portugueses entre 1620/1622;  O Forte Real do Bom Jesus, localizado no bairro de Casa Amarela, na cidade do Recife, construído pelos colonizadores portugueses a partir de 1630. Da fortificação resta apenas parte do fosso, identificado em pesquisas arqueológicas, que está preparado para visitação. Conta, no entanto, com projeto de arquitetura a partir do qual foi possível identificar características do seu processo construtivo;  O Forte de Nossa Senhora de Nazaré, localizado na Vila de Nazaré, município de Cabo de Santo Agostinho, litoral sul do Estado de Pernambuco, construído pelos colonizadores portugueses em 1630. Foi recuperado há algumas décadas pelo IPHAN e está preparado para visitação;  O Forte de São Francisco Xavier de Gaibu, localizado na praia de Gaibu, também no município de Cabo de Santo Agostinho, construído pelos colonizadores portugueses em 1630. Foi recuperado há algumas décadas pelo IPHAN e está preparado para visitação;  O Forte de Santa Cruz de Itamaracá, localizado na extremidade sul da Ilha de Itamaracá, litoral norte do Estado, construído pelos colonizadores portugueses a partir de 1654, 30 sobre o Forte Orange, de origem holandesa. Já foi objeto de pesquisas arqueológicas, sofreu reformas recentes e está preparado para visitação;  O Forte do Brum, localizado no bairro do Recife, região central da cidade, construído pelos colonizadores portugueses a partir de 1654, sobre o forte holandês (de mesmo nome). Já foi objeto de pesquisas arqueológicas, encontra-se recuperado e funciona como Museu Militar;  O Forte de São Tiago das Cinco Pontas, localizado no bairro de São José, no centro do Recife, construído pelos colonizadores portugueses a partir de 1654, sobre o Forte holandês Frederich Heinrich. Encontra-se recuperado e é a sede do Museu da Cidade do Recife; e,  O Forte de Santo Inácio de Loyola de Tamandaré, localizado no município de Tamandaré, no litoral sul do Estado, construído pelos colonizadores portugueses a partir de 1654. Encontra-se em reforma pelo Governo do Estado de Pernambuco. O levantamento físico efetuado nessas estruturas foi realizado através de levantamento topográfico com utilização de Estação Total (ET) para garantir elevado grau de precisão nas medidas de comprimento, altura e ângulos. O levantamento abrangeu apenas a parte externa da fortificação, ou seja, sua muralha2. Foram registrados com a ET pontos topográficos a cada dois metros ao longo de toda extensão das muralhas, na sua parte superior (entre a muralha e o parapeito) e inferior (entre a muralha e o solo atual). A grande quantidade de pontos justificouse pela necessidade de aumentar o grau de precisão dos resultados3. Os levantamentos topográficos resultaram em arquivos digitais para serem acessados através de programas tipo CAD (Computer Aided Design). Os arquivos apresentam dados tridimensionais a partir dos quais foi possível identificar a configuração geométrica das fortificações incluindo linhas e ângulos, horizontais e verticais. O registro imagético foi 2 3 Não foi realizado levantamento da contra muralha. No entanto, em função das irregularidades nos vértices das fortificações, optou-se por não tirar pontos topográficos desses encontros. Os vértices foram identificados graficamente como resultado do encontro das linhas de muralha. Essas linhas da muralha, por sua vez, foram formadas pela ligação de apenas dois pontos extremos, escolhidos de maneira que a relação dos demais pontos demarcados apresentasse a menor dispersão com a linha definida. 31 realizado com fotografias em alta resolução e desenhos de campo, utilizando equipamento fotográfico e material de desenho tradicional. O levantamento de dados das referências tipológicas europeias e Tratados sobre fortificação consistiu no levantamento documental de fontes secundárias e primárias, respectivamente. A partir das referências europeias procurou-se caracterizar os tipos de Fortificação de Transição e Moderna, com base nos seus atributos físicos. A partir dos Tratados buscou-se caracterizar os modelos de fortificação apresentados por diversos autores, com base, também, nos seus atributos físicos. A partir dos dados de campo, por sua vez, foi elaborada uma base gráfica para cada fortificação remanescente, composta por Planta Baixa, que serviu de fundamento para realizar a comparação das características físicas entre essas estruturas, as referências tipológicas europeias e os modelos apresentados nos Tratados. A comparação foi realizada a partir de um mesmo conjunto de variáveis que abrangeu a configuração geométrica e os materiais construtivos utilizados, são elas: (1) principais itens que compõem uma fortificação (tambores, canhoneiras, torres, reparo, baluarte, cortina, fosso, ...); (2) formato da planta baixa (poligonal irregular, poligonal regular, ...); (3) dimensões horizontais e verticais e suas proporções; (4) modelo de fortificação apresentados nos Tratados semelhantes às fortificações de Pernambuco; (5) a inclinação da muralha; e (6) tipos de materiais construtivos (terra, pedra, com ou sem encamisamento, ...). A análise comparativa dos dados físicos e documentais levantados seguiu uma abordagem sincrônica, pois não se considerou a evolução no tempo, uma vez que o objetivo era identificar as referências utilizadas e se os Tratados foram consultados. Além dessas análises, buscou-se verificar se as fortificações de Pernambuco apresentavam eficácia bélica, ou seja, se tinham a capacidade de se defender e defender um determinado lugar. Essa constatação estaria relacionada a três fatores. O primeiro dizia respeito ao tipo de fortificação usado: o de Transição se defenderia da artilharia de efeito moral; e o Moderno, da artilharia de efeito de destruição. O segundo fator foi o modelo de Fortificação Moderna utilizado: se este era um modelo simples, com formato de polígono puro, ou se era um modelo abaluartado, que contava com linhas flancantes. E, o terceiro fator foi a obediência ao modelo, considerando a capacidade precípua do modelo de se defender. Ou seja, o grau de semelhança da configuração geométrica entre a fortificação construída e o modelo. 32 Na continuidade da pesquisa foi preciso realizar novas análises comparativas, contudo seguindo uma abordagem diacrônica, considerando os processos construtivos das fortificações existentes ao longo dos séculos XVI e XVII. Essas análises objetivaram verificar as transformações tecnológicas dos processos construtivos, considerando a possível influência holandesa na construção de fortificações. A presença holandesa em Pernambuco, entre 1630 e 1654, foi determinante para a delimitação do recorte temporal desse estudo, ou seja, o estudo abrangeu três diferentes períodos: antes, durante e depois da presença holandesa. A partir dos dados identificados e analisados verificou-se que as transformações tecnológicas nas fortificações de Pernambuco consistiram: no incremento da eficácia bélica em fortificações do tipo de Transição; no incremento da eficácia bélica pela troca do tipo de Transição pelo tipo Moderno simples; e, ainda, no incremento da eficácia bélica em fortificações do tipo Moderno pela utilização de modelos abaluartados e não mais modelos simples. Mas essas transformações não ocorreram numa ordem crescente e acumulativa. Quanto à utilização de modelo retirados de Tratados para construção de fortificação em Pernambuco, verificou-se que estes foram utilizados, mas não houve obediência a um único Tratado. A consulta a Tratados do século XVI e XVII acabou por sugerir a criação de um novo modelo de fortificação, que pode ser chamado de híbrido, mas pode também insinuar um modelo original português em Pernambuco. A partir das constatações acima realizadas, buscou-se explicar as razões que motivaram os portugueses a escolher as citadas tecnologias. Essa explicação também seguiu uma abordagem diacrônica para poder elucidar as diferentes escolhas ao longo do tempo. Verificou-se que as escolhas tecnológicas do colonizador português, nos séculos XVI e XVII, em Pernambuco refletem uma diferente compreensão do conceito de ‘Sistema Defensivo’ daquela que se utiliza na atualidade. Compreende-se, portanto, que a Metrópole não disponibilizou os elementos necessários à instalação de um Sistema Defensivo eficaz em Pernambuco, ao longo do século XVI e primeira metade do século XVII. Os investimentos necessários só foram realizados após a capitulação holandesa (1654). Nesse momento, Portugal teria voltado sua atenção para as colônias do Atlântico e o Brasil passou a contar com as fortificações, tropas e navios necessários à defesa da Capitania. Pode-se concluir, portanto, que a construção de fortificações em Pernambuco significou, ao mesmo tempo, uma obsolescência e uma evolução tecnológica. Observando essas fortificações 33 em relação às fortificações que se construíam no mundo, naquele momento, aquelas de Pernambuco utilizaram tipos ultrapassados considerando sua capacidade de se defender da artilharia pirobalística com efeito de destruição. No entanto, observando essas fortificações no âmbito de própria Capitania, verificou-se uma evolução tecnológica na medida em que se observa a tendência de aumento de sua eficácia bélica, desde o século XVI e durante o século XVII. 34 CONCEITOS E FERRAMENTAS DE ANÁLISE Neste capítulo apresenta-se o referencial teórico para análise das fortificações de Pernambuco, objeto de trabalho desta pesquisa e, na sequência, serão evidenciadas as metodologias de análise, com ênfase na manipulação dos conceitos e no tratamento dos dados. 1.1 TRATADÍSTICA DOS SÉCULOS XVI, XVII E XVIII COMO REFERÊNCIA TECNOLÓGICA DE FORTIFICAÇÃO Como já se falou na introdução, a realização de um estudo sobre as transformações tecnológicas nas fortificações de Pernambuco dos séculos XVI e XVII teve o intuito de identificar se houve influência tecnológica holandesa na escolha por uma determinada tecnologia de fortificação, em detrimento de outra(s). Esse estudo só foi possível porque foram produzidos Tratados desde o século XV; alguns dos quais foram utilizados no âmbito dessa pesquisa como referencial teórico. A verificação dos princípios e regras da tratadística com influência na construção de fortificações em Pernambuco precisa considerar as mudanças feitas na concepção das fortificações europeias em função do uso de canhões de guerra. Com a introdução da pólvora, na Europa, houve um progressivo desenvolvimento das armas de fogo que produziu uma revolução da arte na guerra e, consequentemente, provocaram a necessidade do aperfeiçoamento das fortificações para fazer frente às novas armas em vigor, a cada tempo. Esse aperfeiçoamento resultou no desenvolvimento de diferentes fortificações. Os Tratados foram instrumentos de disseminação desta nova tecnologia de fortificação e podem ter servido de referência para a construção de fortificações pelos colonos portugueses na Capitania de Pernambuco, já no final do século XVI e no século XVII. Na Europa, de fato, as transformações tecnológicas nas fortificações militares tiveram início a partir do uso da pólvora, que impulsionou o desenvolvimento de uma artilharia pirobalística. Até aquele momento as armas de guerra eram as brancas, para guerra corpo-a-corpo e as de arremesso, para o combate à distância (Ailleret, 1948: p.11). Os primeiros engenhos de guerra utilizavam a ação da gravidade como força-motriz e a elasticidade de fibras de origem animal ou vegetal. Essa artilharia denominada neurobalística era utilizada para projetar flechas ou pedras a grandes distâncias (Alves, 1959: p.25). Com o desenvolvimento das armas de fogo houve uma revolução nas técnicas de guerra e, consequentemente, nas fortificações, pois a 35 pólvora é uma substância produtora de grande energia com capacidade propulsiva (Castro, 1991: p. 28 e 29). Diante dessa nova realidade da guerra, a Fortificação Medieval tornou-se ineficaz, pois não conseguia resistir às armas de fogo da artilharia pirobalistica, e precisou sofrer um processo de adaptação nas suas estruturas e de incorporação de novos elementos. Um novo tipo de fortificação começou a ser desenvolvido em meados do século XV para defender os sítios dos efeitos dessa artilharia. 1.1.1 TRATADOS DO SÉCULO XVI A partir do século XV e durante o século XVI, na Itália, começaram a surgir Tratados voltados para a arquitetura e alguns que buscavam, também, o aprimoramento das estruturas de defesa a partir do conhecimento da matemática e geometria. Procuravam encontrar as dimensões ideais de uma fortificação e a melhor relação entre suas partes. O objetivo era se defender dos efeitos da artilharia pirobalística desenvolvida desde o século XIII, a partir do uso da pólvora. Os princípios e regras explicitados nesses Tratados acabaram por definir um novo tipo de fortificação, que hoje nas referências sobre o tema, foi denominado Fortificação de Transição (ou seja, da transição entre um tipo anterior - medieval e um tipo posterior denominado, na atualidade, de moderno). Neste período, verifica-se uma grande quantidade de Tratados publicados, principalmente de autores italianos. Segue uma sucinta lista, sendo que alguns destes serão apresentados no capítulo referente à Tratadística:       o Tratado do arquiteto italiano Leon Battista Alberti (1404-1472), “De Re Aedificatoria”, escrito entre 1443 e 1452 e publicado após sua morte; o do arquiteto e engenheiro italiano Antonio Averlino, Filarete (1400-1569), “Tratato d’Architectura”, publicado entre 1457 e 1464; o do arquiteto italiano Francesco di Giorgio Martini (1439-1501), “Trattato di architettura, Civilli e militare”, publicado em 1492; o do pintor e escultor alemão Albrecht Dürer (1471-1528), “Instruction sur la fortification des villes, bourgs et chateaux”, publicado em 1527; o do arquiteto italiano e engenheiro militar Sebastiano Serlio (1475-1554), “I sette libri dell'architettura”, publicado em 1537; o do arquiteto e engenheiro militar italiano Pietro Cataneo (1510-1574), L’Architettura, publicado em 1567; 36   o do arquiteto e engenheiro militar italiano Girolamo Maggi (1523-1572), “Della fortificazione delle città”, publicado em 1564; e o do engenheiro português Antônio Rodrigues, “Tratados de arquitectura”, manuscritos publicado em 1576 e em 1579 (Orense, 2012: p.15 e 37-38; Valla, 2007: p.190 e 196). Dentre as obras construídas sob a influência de tais Tratados, observa-se um processo de experimentação na construção de fortificações, resultante da tentativa de congregar a experiência prática da guerra aos conhecimentos matemáticos e geométricos. Podem ser citados, na Itália, o Forte de Nettuno e o Sistema Fortificado de Verona. O Forte de Nettuno (Nettuno, Itália) foi construído em 1501, com projeto de Antonio da Sangallo, o velho (1455-1534) e seu irmão Giuliano Giamberti da Sangallo (1445-1516). É uma fortificação onde as muralhas ainda apresentavam características medievais, mas seu projeto já contava com baluartes angulares de tendência moderna (Valadares, 2014: p. 18-19). O Sistema Fortificado de Verona (Verona, Itália), por sua vez, apresentava a mesma tendência. Com projeto do arquiteto italiano Michele Sanmichele, foi implantado em 1530 e já contava com baluartes pentagonais (1484-1559). Esse projeto vem sendo considerado, por autores da atualidade como Carlos Díaz Capmany, como sendo a primeira expressão do baluarte moderno (Valadares, 2014: p. 20; Valla, 2007: p. 189-210). 1.1.2 TRATADOS DO SÉCULO XVII No século XVI, as armas de fogo não superaram a artilharia neurobalística. As primeiras armas da artilharia pirobalística ainda não eram seguras (havia risco de explosão na manipulação da pólvora e de rompimento do tubo no disparo), nem fáceis de serem manuseadas (não apresentavam boa mobilidade e o tempo de recarga era muito longo, cerca de um disparo/hora), eram imprecisas e não alcançavam grandes distâncias (cerca de 400 metros, igualando-se à artilharia neurobalística). Além de tudo, os gases e chamas liberados durante os disparos ofereciam perigo; o efeito do barulho e do clarão produzidos na detonação eram maiores que o seu efeito de destruição real. Havia, de fato, muito mais um efeito moral do que destrutivo. A partir de 1520, surge uma nova artilharia pirobalística, cujo efeito de destruição era maior (Guia de inventário, 2015: p. 21). As mudanças consistiram na organização da artilharia em termos de material e de pessoal e na problematização científica do tiro, que passou a ser analisado matematicamente. Em 1530, a partir de novos estudos, os calibres dos canhões, ou seja, o diâmetro do projétil ou diâmetro interno do cano da arma foram padronizados e se buscou 37 a proporção metálica adequada, entre cobre e estanho, para a produção das armas de fogo (Alves, 1959: p. 97, 104-109 e 193). A padronização dos calibres foi realizada a partir de estudos que identificaram a melhor relação entre o comprimento e o diâmetro, de maneira a se obter o maior alcance. Nesse novo contexto, o tipo de fortificação (Fortificação de Transição) que havia sido desenvolvido para resistir às armas de fogo não era mais eficaz diante do aprimoramento da artilharia pirobalística. Após um século de experimentações com base em conhecimento científico, os Tratados voltados para a arquitetura deram lugar aos Tratados específicos de fortificação, publicados no século XVII. Esses Tratados aproveitaram as referências do século anterior e estruturaram a cidade como uma praça-forte, que não estava apenas voltada para sua exclusiva defesa, mas para a defesa de um território. A partir de tais referências foram construídas novas cidades na Itália, França, Alemanha e Holanda. Palmanova (Itália) era uma cidade fortaleza, fundada em 1593, que definiu o espaço urbano como um espaço cultural. Seu traçado regular, estruturado a partir de ruas que partiam de uma praça central, estava inserido em uma estrela de nove lados. Henrichemont (França) era também uma cidade renascentista. Foi fundada em 1608 por Charles Gonzaga (Duque de Mantua e Montferrat). Seu plano foi estruturado a partir de uma praça central, de formato quadrado, de onde saiam quatro ruas ortogonais entre si, dividindo a cidade em quatro quarteirões. Da praça central saem ainda quatro ruas em diagonal que interligam os quarteirões à praça central. Coevordan (Holanda), por sua vez, foi reformulada, em 1597, por Maurício de Nassau4. Essa cidade apresentava traçado radial inserido num polígono de sete lados (Valla, 2007: p. 200202). Nesse contexto, consolidou-se o tipo de fortificação denominado, pelas referências atuais sobre o tema, Fortificação Moderna, abaluartada, que incorporou nas suas formas os cálculos matemáticos e os conhecimentos de geometria e trigonometria. O objetivo desse novo tipo era se defender dos efeitos da artilharia pirobalística da primeira metade do século XVI, já mais amadurecida e com maior poder de destruição. Esse tipo de fortificação atingiu seu auge em 4 Maurício de Nassau (1567-1625) era militar alemão, filho do líder holandês Guillermo de Orange-Nassau, o Taciturno. Não deve ser confundido com João Maurício de Nassau (1604-1679) militar alemão que administrou os domínios da WIC no Nordeste brasileiro. 38 1650, com a utilização de um elemento denominado baluarte5, de formato pentagonal, cujo sistema de defesa passou a ser também uma forma de ataque (Valla, 2007: p. 200-205). Nesse período, século XVII, também foi publicada uma grande quantidade de Tratados que ficaram conhecidos nas referências documentais como Tratados de Fortificação e se caracterizaram pela especialização da construção de fortificações. A fortificação passou a ser parte integrante e fundamental de um sistema que pretendia a defesa de um território e não mais de uma cidade. O resultado teórico, desse momento, foi o desenvolvimento de modelos de praças-forte, enquanto símbolo da cidade moderna, que desenvolvia funções civis e militares. Essa nova base normativa explicitada nos Tratados do século XVII acabou por definir um novo tipo de fortificação, que foi denominado Fortificação Moderna. No início do século XVII, começou a diminuir a influência dos italianos, pela ineficiência prática das suas regras diante do fato da guerra, pois suas regras eram consideradas rígidas. Outros autores, diferentemente, buscavam aplicar as regras a partir dos dados da realidade, propondo adaptações (Valla, 2007: p.204). Alguns dos Tratados publicados no século XVII estão listados abaixo, dentre estes, alguns Tratados serão apresentados no capítulo referente à Tratadística.  o Tratados italianos do arquiteto Vicenzo Scamozzi (1548-1616), “L’ Idea della Architettura Universale”, publicado em 1615; e o de Pietro Sardi, “Corona imperiale  della architectura militare”, publicado em 1618; dentre os Tratados holandeses estão aqueles do engenheiro militar Samuel Marolois (1572-1627), “opera mathematica” e “Géometrie nécessaire à la fortification”, publicados em 1614 e 1628; do engenheiro Simon Stevin (1548-1620), “Les oeuvres mathématiques”, publicado em 1634; de Adam Freitag, “L’ Architecture militaire ou La fortification Nouvelle: Augmentée et enrichie de forteresses régulieres, irrégulières, et de dehors; le tout à la practique moderne“, publicado em 1640; de Nicolas Goldman, “La Nouvelle Fortification”, publicado em 1645; de Matthias Dogen, L’Architecture Militaire et Moderne ou Fortification”, publicado em 1647; 5 O baluarte é um elemento característico da Fortificação Moderna, que se configurava como uma estrutura construtiva de planta pentagonal irregular, situada nos seus ângulos e saliente à fortificação. É composto por flancos, onde a artilharia se concentrava para defender a fortificação (através do tiro flanqueado); e pelas faces, por onde eram feitos os ataques aos inimigos (Guia de inventário, 2015: p.67). 39  dentre os Tratados franceses de Antoine Deville, “Les fortifications ou l’ingénieur parfait“, publicado em 1628; e de Blaise-François Pagan, “Les Fortifications“, publicado em 1645. Todos esses Tratados e referências do século XVII agrupavam-se em diferentes escolas de fortificação por apresentarem especificidades nacionais dos países de origem, como por exemplo, as escolas italiana, alemã, holandesa, francesa e espanhola. As escolas de fortificação se baseavam em diferentes princípios orientadores, com características específicas, em função de estarem territorialmente e politicamente sujeitas a diferentes condicionantes. A Escola Italiana, pioneira, surgiu no final do século XV, dominou todo o século XVI e ainda exerceu influência sobre as demais escolas no início do século XVII. A escola Alemã, descendente da escola italiana, iniciada por Albertch Dürer, foi a segunda escola de fortificação da Europa. A Escola Holandesa surgiu em 1600, com a instalação do curso Duytsche Mathematique, na Universidade de Leiden, para cartógrafos, engenheiros militares e mestresde-obras. Surgiu a partir da escola italiana, mas desenvolveu características próprias, estimulada pela Guerra dos Oitenta Anos contra a Espanha (Valla, 2007: p.421; Moreau, 2011: p. 45). A Escola Francesa teve início em 1604, com a publicação do Tratado “La fortification démontrée et réduite en art” de Errard Le-Bar-Le-Duc (1554-1610). Inspirada na escola italiana também recebeu influência da escola holandesa (Moreau, 2011: p.46). A Escola Espanhola, por sua vez, surgiu com a publicação, em 1598, do Tratado “Teórica y practica de fortificación” do engenheiro Cristóbal Rojas (Valla, 2007: p.199). 1.1.3 TRATADOS DO SÉCULO XVIII Finalmente, no final do século XVII e durante o século XVIII, foram publicados Tratados sobre fortificação onde se observam estudos críticos de diferentes Tratados do século XVII, configurando uma historiografia da arte da fortificação. O objetivo de cada autor era apresentar as propostas de diferentes Tratados, identificar as melhores soluções, independentemente das escolas de origem e sistematizá-las em uma nova obra (Valla, 2007: p.224). Os Tratados sobre fortificação desse período não serviram de referência para a construção de fortificações em Pernambuco, pois foram publicados após sua construção, por isso não vão ser analisados. Eles estão sendo aqui citados por duas razões: primeiro, porque ao utilizar o conteúdo dos Tratados do século XVII, estão confirmando a importância desses Tratados como fonte de dados para identificar modelos de Fortificação Moderna; segundo, porque seria preciso 40 selecionar alguns Tratados para aprofundar a análise no âmbito desta pesquisa e essa seleção baseou-se num Tratado historicista. O Tratado de referência escolhido foi o do português Luís Serrão Pimentel, considerado um dos responsáveis pela formação da escola portuguesa de fortificação, criada no final do século XVII; e porque o seu conteúdo é a compilação de manuscritos elaborados pelo autor, enquanto professor da Aula de Fortificação e Arquitectura Militar, entre 1647 e 1678, formando engenheiros militares que podem, até mesmo, ter atuado em Pernambuco (Valla, 2007: p. 231). Nesse período, os Tratados não foram escritos apenas por autores italianos, mas por holandeses, franceses, espanhóis e portugueses. Essa disseminação demonstrava que o domínio da arte da fortificação não era mais exclusivo dos italianos, como tinha sido desde o final do século XV. Dentre os Tratados publicados em tal período, segue uma lista sucinta:     o de Allain Manesson Mallet, “Les Travaux de Mars”, publicado em 1671; o de François Blondel (1618-1686), “Nouvelles Manières de Fortifier les places”, publicado em 1683; o de Luís Serrão Pimentel, “Methodo lusitano de desenhar as fortificações das praças regulares e irregulares”, publicado em 1680; o de Sebastien le Preste Vauban (1633-1707), “Traité de l’attaque des places” e “Traité sur la défense des places”, publicados em 1685; o de Menno Baron van Coehoorn (1641-1704), “Nieuwe Vestingbouw”, publicado em 1685; o de Manuel de Azevedo Fortes, “O engenheiro portuguez” publicado em 1728; o de Bernard de Forest Bélidor (1698-1761), “La Science des Ingénieurs”, publicado   em 1729; os de Sebastian Fernandez de Medrano (1646-1705), “Rudimentos geométricos y militares”, publicado em 1677, dentre outros; e o de Louis Cormontaingne (1696-1752), “Architecture Militaire ou l’ Art de Foritifier, Qui enseigne de toutes fortes de Fortifications Régulières & Irrégulières”, publicado em 1741 (Valla, 2007: p.219-225; Moreau, 2011: p. 21). A título de síntese, segue abaixo um quadro simplificado da distribuição de Tratados e Tipos de fortificação ao longo dos séculos, para melhorar a compreensão da base de referências apresentadas acima. 41 Quadro 1. Simplificação da distribuição dos tipos de fortificação em relação aos tratados europeus publicados ao longo dos séculos XVI, XVII e XVIII. 1.1.4 UTILIZAÇÃO DOS TRATADOS SOBRE FORTIFICAÇÃO PELOS PORTUGUESES A partir das referências apresentadas, ao longo deste trabalho, procurar-se-á entender até que ponto as fortificações construídas em Pernambuco podem ter resultado da aplicação de modelos renascentistas desenvolvidos na Europa. Modelos estes que foram sistematizados, registrados e divulgados através de Tratados de Arquitetura e de Fortificação e que refletiam a busca de normatização da experiência prática da guerra a partir de princípios teóricos trazidos da matemática, da geometria e da trigonometria. A partir da estruturação desses modelos, pretendia-se garantir a construção de fortificações que, diferentemente das fortificações medievais, fossem capazes de se defender das armas de fogo (Valla, 2007: p.205-206). Diante do exposto, há que se questionar se os modelos de fortificação apresentados nos Tratados puderam servir de referência para a construção das fortificações em Pernambuco. Considere-se que tais modelos foram o resultado das mudanças ocorridas ao longo dos séculos, desde a Fortificação Medieval, passando pela de Transição e chegando à Moderna, buscando aumentar sua capacidade defensiva, em função das transformações na arte da guerra, principalmente, pela descoberta da pólvora e o desenvolvimento da pirobalística e da sua capacidade de destruição. A partir desse ponto, pretende-se identificar se o colonizador tinha conhecimento técnico para construção de fortificações do tipo Moderno, buscando averiguar se a opção por determinado tipo de fortificação (de Transição ou Moderna) estava limitada pelo desconhecimento das diferentes técnicas. Busca-se, assim, dar subsídio à discussão para identificar os fatores que contribuíram na escolha de uma determinada técnica construtiva, de maneira coerente com o 42 modelo de colonização, ou seja, o vestígio material como registro físico das posturas colonizadoras. A Fortificação Moderna, abaluartada, enquanto desenvolvimento do tipo de fortificação de Transição, ocorreu na Itália entre o final do século XV e início do século XVI e, segundo as referências apresentadas acima, não foi resultado de uma ação individual. Esses tipos de fortificação foram produtos de uma transformação gradual, não linear, de experimentos práticos associados a conhecimentos científicos oriundos da matemática, geometria e trigonometria. Inicialmente, com base na bibliografia histórica, verificou-se que o conhecimento técnico da construção de fortificações passou a ser divulgado por toda a Europa através de três vias: disseminação e tradução de Tratados; contratação de engenheiros italianos e envio de profissionais para a Itália para aprenderem o ofício. Sobre a primeira via de divulgação, em Portugal, a circulação de Tratados ocorreu desde o século XV e os primeiros Tratados portugueses foram publicados na segunda metade do século XVI. Em 1576 e 1579, Antônio Rodrigues, publicou “Tratados de Arquitectura”, manuscrito baseado nos Tratados de Serlio e Cataneo. Em 1680, o Tratado de Luís Serrão Pimentel, “Methodo lusitano de desenhar as fortificações das praças regulares e irregulares” foi publicado postumamente6. Em 1728, Manuel de Azevedo Fortes7, publicou seu Tratado “O engenheiro portuguez”. E, em 1743, Diogo da Sylveyra Vellozo8, publicou seu Tratado “Arquitetura militar ou fortificação moderna” (Moreau, 2011: p. 16-57). Por ordem do Rei de Portugal, D. João III, vários dos Tratados em circulação na Europa foram traduzidos para o português. Dentre eles, o Tratado “Os Dez livros de Arquitectura”, de Vitrúvio, foi traduzido por Pedro Nunes, em 1541; o Tratado de Alberti, “De Re Aedificatoria”, por André Resende, em 1543. E o Tratado de Albrecht Dürer, “Instruction sur la fortification 6 O Tratado de Luís Serrão Pimentel foi o primeiro Tratado português impresso. Tinham como base um conjunto de Tratados de autores da escola holandesa e francesa, como Antoine Ville (1628), Conde de Pagan (1645), Adam Fritach (1640), Marolois (1614 e 1628), Mathias Dogen (1645), Nicolas Goldman (1648), Simon Stevin (1645). Pimentel defendia a adaptação dos modelos às condições do terreno, pois acreditava que a utilização dos Tratados não devia ser como uma regra absoluta, mas como uma orientação (Moreau, 2011: p. 21 e 46 e 57). 7 O Tratado de Manuel de Azevedo Fortes tinham como base os Tratados da escola francesa Além de citar o Tratado de Luís Serrão Pimentel, cita os franceses Antoine de Ville, Conde de Pagan e Vauban (Moreau, 2011: p. 43 e 60) 8 Diogo da Sylveyra Vellozo, engenheiro militar português, foi professor em PE (Moreau, 2011: p. 16). 43 des villes, bourgs et chateaux” , foi traduzido por Isidoro de Almeida, também em 1543 (Valla, 2007: p. 192-193). No que concerne à segunda via, a contratação de arquitetos italianos para executar obras militares em Portugal e colônias foi outra forma de circulação das novas teorias. Durante o século XVI, Diogo Torralva (1566) e Benedetto de Ravenna (1485-1556)9 atuaram em Portugal e no Norte da África (Valla, 2007: p. 193). Filipe Térzio atuou na metrópole e Além Mar, incluindo no Brasil, a partir de 1577, e se tornou Arquiteto-mor do Reino em 1590. No final do século XVI, houve um aumento da circulação de italianos em Portugal: Tiburcio Spanochi foi nomeado, em 1597, Engenheiro-mor de Espanha10; Leonardo Turriano foi nomeado, em 1601, Engenheiro-mor do Reino; Giovanni Battista Antonelli foi para o Brasil, em 1582; Baccio di Filicaia, em 1588, foi enviado como fortificador para o Brasil; Francisco Frias de Mesquita11 foi nomeado Engenheiro-mor do Brasil, em 1603, e executou o Forte São Francisco da Barra, em Pernambuco, em 1608 (Valla, 2007: p. 193-194; Valadares, 2014: p. 78). Finalmente, a terceira via de divulgação do conhecimento técnico da construção de fortificações em Portugal, consistiu no enviou de engenheiros para a Itália com o objetivo de aprender a nova tecnologia, através da prática do trabalho. Os engenheiros ou mestres acompanhavam engenheiros italianos na execução de projetos e aprendiam a tecnologia da Fortificação Moderna, abaluartada. Dentre os profissionais enviados para a Itália estão: Francisco de Holanda (1518-1584), que foi para a Itália em 1531 e entrou em contato com o Tratado de Vitrúvio, com as obras de Michelangelo, Bramante e Serlio (Valla, 2007: p. 191). O mestre de obras Antônio Rodrigues passou quatro anos na Itália para estudar a Fortificação Moderna e publicou, em 1576 e 1579, Tratados de Arquitetura, manuscritos. O arquiteto João Castilho, depois de sua experiência na Itália, regressou a Portugal e se tornou mestre-de-obras 9 Benedetto de Ravenna, engenheiro italiano chamado a Portugal por D. João III, trabalhou na nova fortificação de Ceuta e no planeamento de cidades como Mazagão, na primeira década do século XVI (Valla, s/d: p.2). 10 Tiburzio Spannocchi (1543-1606), arquiteto e engenheiro militar italiano. Junto com Felippo Terzi foi o mais celebre arquiteto e engenheiro militar atuante da Península Ibérica, a serviço do Rei de Espanha. Em 1601, assumiu o cargo de Engenheiro-mor dos Reinos de Espanha, o que lhe deu autoridade sobre as fortificações da Península Ibérica e de Ultramar. Entre 1591 e 1606, trabalhou no projeto do Forte São Francisco da Barra, em Pernambuco. 11 Francisco Frias de Mesquita (1578-1645), sob o título de Capitão Engenheiro/ Engenheiro-mor, foi Engenheiro Militar e Arquiteto muito atuante no território brasileiro. Nasceu em 1578, em Portugal, e chegou ao Brasil, em 1603. Esteve primeiro em Pernambuco, em 1605, foi para Salvador, mas em 1608 voltou para Pernambuco. 44 dos mosteiros de Belém, de Tomar e da Batalha, e em 1542 foi enviado para o Norte da África para fiscalizar obras de fortificações em execução (Valla, s/d: p. 2). 1.1.5 EXEMPLOS DE APLICAÇÃO DOS TRATADOS PORTUGAL E NAS SUAS COLÔNIAS EM FORTIFICAÇÕES PORTUGUESAS EM O resultado prático do conhecimento técnico sobre Fortificação de Transição e Fortificação Moderna aprendido pelos profissionais portugueses, a partir das vias de divulgação acima apresentadas, pode ser visto nas obras efetivamente construídas em Portugal e suas colônias. Portanto, conclui-se que eles utilizaram os Tratados nas suas fortificações. Na África, em 1514, os portugueses construíram a Fortaleza de Mazagão. Nesse primeiro momento, foi construída uma fortificação do tipo de Transição, composta por um quadrado com quatro tambores, projeto dos mestres Diogo e Francisco de Arruda. Em função da necessidade de fazer melhorias, houve uma remodelação em 1541. Essa nova fortificação em Mazagão, juntamente com as de Ceuta (no Norte da África) e a de Diu (na Índia), foram as primeiras estruturas abaluartadas construídas pelos portugueses no âmbito da expansão marítima portuguesa (Matos, 2012: p. 1). Figura 1. Fortaleza de Mazagão, no litoral norte da África, foi construída em 1514 e melhorada em 1541 pelos portugueses. Observa-se a utilização de elementos que virão a compor no século XVII o tipo de Fortificação Moderna, abaluartada. Fonte: historiasdeportugalemarrocos.files.wordpress.com. 45 A nova fortificação, abaluartada, de Mazagão foi projeto dos arquitetos Benedetto da Ravenna, Miguel de Arruda e Diogo de Torralva com execução de João de Castilho (Correia, 2007: p.189 e 194). Verifica-se, já na primeira metade do século XVI, a utilização pelos portugueses de elementos que virão a compor no século XVII o tipo de Fortificação Moderna, abaluartada. Essas fortificações podem ser compreendidas como parte de um longo processo de experimentação de novos formatos, buscando a verificação de sua eficácia bélica, para auxiliar na elaboração dos modelos modernos. Na Ilha de Moçambique (África oriental), colônia portuguesa desde 1507, foram dois os momentos de estruturação de sua defesa. No primeiro momento, durante o início da ocupação, foi construída a Torre de São Gabriel, fortificação do tipo medieval, que não era mais capaz de defender o sítio em função da artilharia pirobalística e da inadequação da estrutura de suportar o impacto das balas de canhão. Essa fortificação foi, então, substituída por uma de projeto mais moderno. A Fortaleza de São Sebastião, da Ilha de Moçambique, construída a partir de 1554, com projeto do arquiteto português Miguel de Arruda, apresentava planta de formato retangular com quatro baluartes angulares. Nesse projeto continua o processo de experimentação de novos formatos, onde já se observa que todos os baluartes são pentagonais, contando com flancos para permitir a proteção das cortinas. Figura 2. Fortaleza de São Sebastião, da Ilha de Moçambique, construída pelos portugueses a partir de 1554 apresentava planta de formato retangular com quatro baluartes angulares, já apresentando o formato pentagonal. Fonte: site mundo.guru e fortalezas.org. Na ilha da Madeira12 foi construída uma monumental fortaleza projetada pelo Mestre das Obras Reais, Mateus Fernandes. O projeto era composto por muralhas na frente do mar e ao longo da ribeira e pela Fortaleza de São Lourenço incluindo dois baluartes pentagonais e um retangular. 12 A ilha da Madeira, região autônoma de Portugal, é a principal ilha do arquipélago da Madeira, situado no oceano Atlântico, a sudoeste da costa portuguesa. 46 As obras foram executadas a partir de 1581, por ordem do Rei Filipe I (Carita, 1989: p. 194). Neste caso, apesar da construção de altas muralhas, de herança medieval, observa-se a utilização de baluartes na tentativa de encontrar o seu melhor formato. Esses baluartes, no entanto, ainda são pouco salientes e suas faces estão paralelas às cortinas (características do tipo de Transição), mesmo assim percebe-se a recorrência do baluarte, confirmando o processo de experimentação de novos formatos. Figura 3. Fortaleza de São Lourenço construída a partir de 1581 em Funchal, na Ilha da Madeira, onde se observa que apesar da construção contar com altas muralhas, de herança medieval, foram inseridos baluartes. Esses baluartes, no entanto, eram ainda pouco salientes e tinham as faces paralelas às cortinas. Portugal. Fonte: site fortaleza.org. Na Ilha Terceira dos Açores13, especificamente em Angra do Heroísmo, foi construída a Fortaleza de São Filipe do Monte Brasil14, composta por uma extensa muralha e cinco baluartes poligonais. O projeto foi elaborado, em 1572, pelos engenheiros militares italianos Giovanni Vicenzo Casale15 e seus discípulos, Tiburzio Spannocchi e Anton Coll, mas a fortaleza foi efetivamente construída a partir de 1590 (Carita, 1989: p. 198). No projeto foram utilizados baluartes poligonais, com formato mais próximo dos baluartes modernos. Observa-se que as faces já não estão mais paralelas às cortinas, e há orelhões, para a proteção dos flancos recuados. 13 A Ilha Terceira, região autônoma de Portugal, integra o arquipélago dos Açores situado no oceano Atlântico, a noroeste da costa portuguesa. 14 Conhecida também por Fortaleza de São João Baptista da Ilha Terceira. 15 Giovanni Vicenzo Casale (15??-1593), engenheiro militar italiano. 47 Figura 4. Fortaleza de São Filipe do Monte Brasil construída a partir de 1593, em Angra do Heroísmo, Açores, Portugal, onde foram utilizados baluartes poligonais, com formato mais próximo dos baluartes modernos. Fonte: site pt.wikipedia.org e Carlos Luis MC da Cruz o site pt.wikipedia.org. No Brasil, na Capitania do Rio Grande no Norte, foi iniciada a construção da Fortaleza dos Três Reis Magos, em 1598, sob a direção do engenheiro-mor do Brasil, Francisco Frias de Mesquita. O projeto contava com muralha contendo dois meio-baluartes e um cavaleiro na cortina oposta (Menezes, 1986: p. 65-67). No projeto, além do baluarte, experimenta-se outro elemento da Fortificação Moderna, o cavaleiro, demonstrando o conhecimento técnico dos portugueses que estão participando da colonização do Brasil, no mesmo período em que foram construídas as fortificações de Pernambuco. 48 Foto 1. Fortaleza dos Reis Magos construída pelos portugueses, a partir de 1598, na capitania do Rio Grande no Norte, Nordeste do Brasil. O projeto contava com muralha contendo dois meio-baluartes e um cavaleiro na cortina oposta. Fonte: site fortaleza.org. Na barra do rio Tejo, em Lisboa (Portugal), o Forte de São Lourenço da Cabeça Seca foi projetado pelo Frei Giovanni Vicenzo Casale, em 1589, para compor o sistema defensivo da barra. Era uma fortificação de planta circular, por ser um formato considerado sólido para suportar a dinâmica das águas. Sua construção foi realizada por Leonardo Turiano, engenheiromor do Reino, e foi finalizada em 1607 (Soromenho, 1997-1998: p. 202). O projeto, apesar de não utilizar baluartes, representa o processo de experimentação para construção de modelos modernos na medida em que propõe uma estrutura sólida para defender-se das armas de fogo. Figura 5. Forte de São Lourenço da Cabeça Seca, construído 1607 na foz do rio Tejo, na União das freguesias de Oeiras e São Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias, concelho de Oeiras, distrito de Lisboa, em Portugal. Esse projeto, apesar de não utilizar baluartes, representa o processo de experimentação para construção de modelos modernos na medida em que propõe uma estrutura sólida para se defender das armas de fogo. Fontes: fortalezas.org e wikimedia.org. 49 Ainda em Portugal, a praça-forte de Elvas é o exemplo mais significativo de que os portugueses dominavam o conhecimento técnico sobre a Fortificação Moderna. Em 1641, a estrutura defensiva sofreu mudanças porque a cidade, localizada a cerca de 15 km da cidade de Badajoz, na Espanha, era considerada ponto estratégico de defesa das fronteiras portuguesas. Em função da Restauração da independência portuguesa, em 1640, Elvas passou a ser alvo de investidas espanholas. Sob o comando de Matias de Albuquerque, militar experiente nas campanhas do Brasil, especialmente em Pernambuco, o Rei de Portugal, D. João IV ordenou a remodelação das suas fortificações. Matias de Albuquerque havia sido Governador de Pernambuco, a partir de 1620, depois de adquirir experiência trabalhando nas colônias do Norte da África por três anos, entre 1617 e 1620. As mudanças ocorreram de 1641 a 1653. A cidade contava com fortificações do século VIII, construída por muçulmanos; e entre o século XIII e o século XVI, foram construídas, reconstruídas e ampliadas suas estruturas defensivas que eram compostas por castelo, cercas, muralhas e torres. A estruturação no século XVII era, portanto, necessária para preparar Elvas para a guerra moderna. Neste contexto, com projeto de João Piscácio Cosmander, jesuíta holandês, foi construído um conjunto de estruturas de defesa: uma fortificação moderna, abaluartada, com formato de polígono irregular, com sete baluartes, quatro meios baluartes e 12 cortinas, que envolveu a cidade como um grande quartel. Essa fortificação ainda contava com obras externas. Sua defesa ainda foi complementada por quatro redutos e fortins, e ainda pelo Forte de Santa Luzia, também construídos em 1641. O sistema defensivo planejado e executado baseou-se no posicionamento estratégico do conjunto das estruturas de defesa por toda a região, para forçar o inimigo a dispersar suas forças dificultando um ataque direto (The Garrison Border Town of Elvas and its Fortifications, 2010). 50 Foto 2. Praça-forte de Elvas, modernizada a partir de 1641 com projeto de Cosmander, sob o governo de Matias de Albuquerque. Fonte: The Garrison Border Town of Elvas and its Fortifications, 2010. A Batalha das Linhas de Elvas, foi como ficou conhecido o grande sucesso militar da Restauração portuguesa. Contou não apenas com todo conjunto de estruturas de defesa, mais ainda com uma guarnição, da própria cidade, composta de 8 mil homens, e com um exército de campanha que reuniu toda a força bélica portuguesa, composto por 22 mil homens. Alguns autores contabilizam que 30 mil homens foram recrutados para lutar pela independência de Portugal (Duarte, 2006: p.2-3), outros dão notícias de que a cidade chegou a alojar mais de 34 mil militares (Guia de inventário, 2015: p. 27). Entretanto, independente do número exato de homens de guerra, deve-se registrar o investimento feito pelos portugueses e os resultados alcançados. Durante cerca de 225 anos, a população pagou taxas criadas pelo Rei para custear a guerra. Toda a população de Portugal pagou impostos para o financiamento das obras de fortificação, produção de armas, pólvora, organização do sistema defensivo etc. (Guia de inventário, 2015: p. 27). A vitória na Batalha das Linhas de Elvas, no entanto, demostrou aos espanhóis que os portugueses estavam organizados militarmente e, portanto, não seria possível reconquistar Portugal tão facilmente, aumentando o prestígio de Portugal na Europa. Fica evidenciado a partir de todas essas fortificações construídas por portugueses, em Portugal e em suas colônias pelo mundo, que ao longo do século XVI, Portugal investiu no aprendizado 51 e experimentação da arte da fortificação moderna a partir da aplicação das teorias renascentistas, confirmando o domínio da arte da fortificação pelos portugueses (Valla, 2007: p. 194-195). A construção de Elvas no século XVII, vem confirmar o domínio da arte da fortificação: que desde 2012 teve reconhecido o valor da “Cidade Fronteiriça e de Guarnição e as suas fortificações” como Patrimônio Mundial pela Unesco. Em função dos dados acima apresentados, o domínio dos portugueses do conhecimento técnico para construção de fortificações do tipo moderno passou a ser também pressuposto dessa pesquisa, assim como a necessidade de se defender do ataque inimigo passou a ser considerada função precípua da escolha por uma técnica de fortificação (seja do tipo de Transição seja do tipo Moderno). Esta escolha, portanto, deve ser explicada por outras razões que estão evidenciadas no decorrer do trabalho. 1.2 METODOLOGIA DE ANÁLISE Uma vez identificado na bibliografia histórica que os portugueses conheciam e utilizaram os Tratados sobre fortificações, o objeto de pesquisa (as fortificações de Pernambuco) foi abordado para se entender o modelo de colonização implantado na Capitania, a partir da análise das fortificações. Surge daí o primeiro questionamento desta pesquisa com foco na verificação geométrica das fortificações, a partir dos princípios e regras dos Tratados. Indaga-se até que ponto esses modelos foram utilizados aqui. Como uma particularidade de Pernambuco, registre-se que, entre 1630 e 1654, a Capitania foi dominada pelos holandeses da Companhia das Índias Ocidentais. Então, levando em consideração que havia uma escola holandesa de fortificação e que os holandeses, em função da Guerra dos Oitenta Anos, com a Espanha, tinham experiência na construção de fortificações na Holanda, há um segundo questionamento, indagando se em Pernambuco foram introduzidos os princípios e regras na construção de fortificações diferentes daqueles usados pelos portugueses antes da invasão. Uma terceira indagação diz respeito à matéria-prima utilizada pelos portugueses, pois conforme a bibliografia consultada, as fortificações portuguesas eram construídas em pedra, enquanto as holandesas, em terra. Então, indaga-se se houve alguma solução híbrida desses dois modelos em Pernambuco, ou se prevaleceu um sobre o outro. 52 Antes da coleta de dados, se fez necessário definir alguns conceitos encontrados na bibliografia e que foram utilizados na qualificação do objeto de pesquisa. 1.2.1 CONCEITOS E FERRAMENTAS DE ANÁLISE Nesse capítulo, estão apresentadas referências sobre os conceitos de técnica e tecnologia que foram utilizados no trabalho; assim como estão listados os possíveis fatores que puderam contribuir para a manutenção de uma técnica ou transformação tecnológica; e as possíveis hipóteses para explicação das transformações tecnológicas; e, finalmente, foi apresentada a capacidade do aspecto tecnológico em fornecer resultados plausíveis para a identificação de processos cognitivos. TÉCNICA E TECNOLOGIA Em primeiro lugar, foi necessário estabelecer as diferenças conceituais e as relações de complementaridade entre as referências tecnológicas, atribuídas aos Tratados, seus tipos e modelos, e as referências técnicas, relativas aos processos construtivos aplicados nas fortificações estudadas. Considerou-se, de partida, que a escolha de uma determinada técnica atende aos seguintes critérios práticos de:  Factibilidade, leva em consideração os materiais e a operacionalidade, ou seja, o projeto é materialmente factível se não contraria as leis naturais conhecidas e é operacionalmente realizável se, para sua implementação, dispõe do sistema técnico,  conhecimentos e habilidades necessárias;  numa visão em termos econômicos;  desenhado; Eficiência, considerada como a maximização dos resultados e minimização dos custos, Efetividade ou eficácia quando um projeto atinge os objetivos para os quais foi Confiabilidade, que diz respeito à estabilidade da eficiência ao longo do tempo. (Quintanilla, 2005: p.126-128 e 131). Segundo Quintanilla, esses também são os critérios para a análise dos processos de transformação tecnológica pela adoção de uma técnica diferente. Vale a pena, aqui, explicitar a diferença conceitual entre técnica e tecnologia utilizada neste trabalho. Esses dois conceitos se diferenciam pela atitude de quem realiza a ação, pois estariam relacionados ao processo de produção e não ao objeto final. Enquanto o termo técnica diz respeito à repetição de um sistema 53 de ações, o termo tecnologia se refere ao desenvolvimento de soluções de problemas específicos e práticos decorrentes de uma técnica já ineficaz (Quintanilla, 2005: p.139). A diferença entre técnica e tecnologia está, portanto, no caráter inovador da tecnologia versus o caráter repetitivo da técnica. Neste sentido, a mudança de uma técnica para outra consiste numa transformação tecnológica, que pode ser percebida quando se faz uma análise sincrônica, ou seja, quando a variável temporal é incluída no processo de análise (Gama, 1986: p.37-39). Os conceitos de técnica e tecnologia vêm, portanto, ao encontro do objetivo desse trabalho, o de identificar as transformações tecnológicas das fortificações de Pernambuco em função do aporte tecnológico holandês. As escolhas técnicas feitas pelo colonizador português dizem respeito à escolha de um tipo ou modelo para a construção das fortificações. Essas escolhas, percebidas ao longo de dois séculos, podem evidenciar a busca pela manutenção ou mudança da técnica pressupondo que o objetivo do colonizador é sempre utilizar uma técnica mais eficaz do ponto de vista bélico. As transformações tecnológicas, portanto, também estão sendo utilizadas enquanto referencial teórico no âmbito dessa pesquisa. Para se compreender a necessidade de mudança de técnica e, no caso das fortificações analisadas, a ideia de transformação tecnológica, essa mudança pode ser explicada pelo conceito de intencionalidade. Segundo Quintanilla, um sistema de ações intencionais pressupõe um conjunto de referências cognitivas necessárias à realização de ações que obedece a regras e normas pré-estabelecidas com o objetivo de alcançar um determinado fim. Nesta perspectiva, a intencionalidade intrínseca ao domínio de uma técnica considera, portanto, (Quintanilla, 2005: p.50-53):   (i) conhecer os materiais a serem utilizados e seus condicionantes físicos,  (ii) conhecer os objetivos a serem alcançados,  e (iii) dominar o manual de operações a ser realizado com a ordem de aplicação das regras (iv) ter a habilidade para por em prática o sistema de ações. A transformação tecnológica, por sua vez, significa a modificação de uma técnica ou o desenvolvimento de uma nova técnica, tudo com uma perspectiva intencional. Essa transformação pode ocorrer por composição de diferentes técnicas existentes ou pela reunião de novos conhecimentos, ou mesmo pela definição de novos objetivos. Segundo Quintanilla, a transformação pode ser cumulativa ou dispersa; gradual ou em saltos; rápida ou lenta, caótica 54 ou progressiva; não devendo ser entendida como uma transformação linear (Quintanilla, 2005: p.37-39). Basalla ainda complementa que as transformações tecnológicas devem ser estudadas em cada caso específico, pois as razões dessa mudança podem ser múltiplas e particulares, não sendo possível fazer generalizações (Basalla 1991: p. 40). Para as fortificações de Pernambuco, a identificação de mudança ou permanência de uma técnica pressupõe uma escolha que foi investigada no âmbito desse trabalho, por ser um dos objetivos dessa pesquisa. Essa escolha técnica ainda supõe um conjunto de restrições e de possibilidades impostas por critérios de utilidade da técnica. A avaliação desta utilidade pressupõe ainda a intenção de se atingir certo nível de eficiência (Quintanilla, 2005: p. 51 e 125-131). A partir da avaliação da utilidade, é possível, portanto, comparar várias técnicas e suas origens tecnológicas para identificar se uma é mais eficaz que a outra. Essa avaliação permite identificar se uma técnica consegue atingir o seu objetivo. A avaliação da eficácia, a rigor, busca saber em que grau os resultados do sistema de ações coincidem com os objetivos que intencionalmente se pretendiam alcançar. TRANSFORMAÇÃO TECNOLÓGICA O desenvolvimento de um projeto técnico visa estabelecer as referências tecnológicas estabelecidas por um tipo ou modelo de fortificação que atenda às necessidades defensivas de um território e de realidades sociais, econômicas e políticas específicas. Existe, porém, uma necessidade permanente de ajustes entre um modelo de projeto técnico e sua aplicação a uma determinada situação, em função das condições específicas de custos, disponibilidade de material, conhecimento técnico e científico, de integração social. Nesta linha metodológica, para se compreender a manutenção da técnica de fortificação, ou seja, do tipo ou modelo de fortificação utilizado, ou suas transformações tecnológicas, há que se considerar dois tipos de motores desta dinâmica: os internos e os externos. Os motores das transformações tecnológicas de caráter interno dizem respeito aos aspectos diretamente relacionados à fortificação, como a melhoria da eficácia, por exemplo. Por sua vez, os motores de caráter externo consideram os fatores sociais, políticos, econômicos e culturais como determinantes para as decisões e processos construtivos (Quintanilla, 2005: p. 61-62). 55 Embora autores como Oliveira considere que a historiografia tem enfocado as técnicas e descrito suas inovações como um fenômeno interno, progressivo e benéfico, deixando de lado a sua relação com as mudanças sociais e culturais, essa não foi a orientação desta pesquisa. Ao contrário, considerou-se aqui que os fatores externos podem sim, ajudar na análise das transformações tecnológicas, como elementos de negociação dentro de seus contextos (Oliveira, 2002: p.46-47). A identificação do grau de contribuição de um caráter interno passa pela análise de eficácia da técnica, ou seja, no caso das fortificações de Pernambuco, do tipo ou modelo. Para a verificação do grau de contribuição dos caracteres externos, deve-se considerar cada fator, como, por exemplo, o cultural; ou seja, um conjunto de crenças, ideais valores, regras e pautas de comportamento que caracterizam uma sociedade e contribuem para configurar sua cultura (Quintanilla, 2005: p. 27). HIPÓTESES DAS TRANSFORMAÇÕES TECNOLÓGICAS Segundo Quintanilla, a inovação é um processo que consiste na produção ou assimilação de conhecimentos recém produzidos e na sua aplicação para gerar um novo produto que atende às novas exigências. O conhecimento criado ou assimilado é de dois tipos: o representacional e o operacional. O conhecimento representacional envolve o ‘saber o que fazer’ e o operacional abrange o ‘como fazer’. (Quintanilla, 2005: p. 251). No âmbito deste trabalho, o conhecimento representacional diz respeito ao conteúdo dos Tratados de Fortificação, ao conhecimento técnico dos portugueses (adquirido pela participação da execução de obras de fortificação modernas portuguesas nas colônias portugueses na Índia, África etc), e à presença de profissionais estrangeiros atuando em Pernambuco ou, até mesmo, em obras holandesas em Pernambuco. Já o conhecimento operacional, relativo à prática, pode ser assimilado através da presença de profissionais estrangeiros, da experiência adquirida por profissionais lusobrasileiros e mesmo daqueles tratados de fortificação que tenham um viés mais prático, ensinando o ‘como fazer’. Quando se trata especificamente de inovação tecnológica, o conhecimento a ser utilizado é o tecnológico e, na sua aplicação, além da inovação de produto, há a inovação de processo, ou seja, pode surgir uma nova forma de produzir um produto já existente. Segundo Quintanilla, o processo de inovação se desenvolve num contexto tecnológico e social. Do ponto de vista tecnológico, esse contexto é caracterizado pelo conhecimento tecnológico já disponível e por 56 aquele gerado durante a execução do novo processo; e do ponto de vista social, desse contexto vêm informações que podem condicionar, possibilitar e dirigir a inovação, ou sejam, as novas necessidades, demandas e oportunidades (Quintanilla, 2005: p. 253 e 254). Na Capitania de Pernambuco, o contexto tecnológico está relacionado ao conhecimento tecnológico do colonizador. O contexto social, por sua vez, ou seja, as necessidades e demandas dos lusobrasileiros passavam pela aplicação do conhecimento tecnológico mais atual para se gerar um novo produto que atendesse às novas exigências de defesa geradas pela artilharia pirobalística de efeito de destruição que estava em uso. Quintanilla assinala ainda outros fatores que contribuem no processo de inovação. A capacidade técnica necessária à aplicação do novo conhecimento para gerar o novo produto, avaliando sua eficácia e utilidade; assim como os meios adequados e suficientes em termos, por exemplo, de capital, matéria-prima, força de trabalho qualificada. Quanto aos fatores culturais, considera-se o conhecimento uma parte da cultura, também contribuindo no processo de inovação. A capacidade de inovar e a propensão de inovar são elementos culturais dos grupos sociais, na medida em que o domínio de uma nova tecnologia não é condição suficiente para garantir que esta será usada. A capacidade de inovação tecnológica de um grupo depende dos conhecimentos tecnológicos que estão disponíveis e que foram incorporados, já a propensão a inovar depende das atitudes, valores e pautas desse grupo. Por isso, não basta poder inovar, é preciso querer inovar, usar suas capacidades para gerar novos produtos (Quintanilla, 2005: p. 255 e 256). Uma situação de guerra, por exemplo, pode contribuir com a propensão para a inovação. IDENTIFICAÇÃO DE PROCESSOS COGNITIVOS A PARTIR DO ENFOQUE TECNOLÓGICO Os processos técnicos e tecnológicos compostos por ações intencionais complexas pressupõe a existência de componentes cognitivos e de habilidades práticas (Quintanilla, 2005: p. 56). Segundo Renfrew, os símbolos construídos pelo homem a partir dos componentes cognitivos e de suas habilidades práticas materializam a sua visão de mundo. Por isso, através dos símbolos, que no âmbito deste trabalho são os objetos resultantes de processos técnicos ou de transformações tecnológicas, podem ser obtidos dados sobre o funcionamento da mente do homem e também sobre as suas ações (Renfrew. 2001: p.5). A escolha por utilizar uma abordagem de processos técnicos ou de transformações tecnológicas se fundamentou na capacidade do enfoque tecnológico, no âmbito da pesquisa arqueológica, de aportar conhecimento bem fundamentado, com baixo grau de incerteza dos seus resultados, em função da íntima relação entre técnica x matéria-prima x Leis da física (Gallay, 1986: p.38). 57 Nesse contexto, essa pesquisa considerou as categorias estabelecidas por Renfrew para a estruturação da análise de símbolos, são elas: do comportamento humano: projetivo, planejador, medidor, social, sobrenatural e representativo. No âmbito deste trabalho, a primeira categoria considerada foi a do comportamento humano projetivo, onde se verifica a intencionalidade na preparação do objeto e a consequente estrutura coerente de ações realizadas. A segunda categoria foi a do comportamento humano planejador, que reflete a existência de uma programação no tempo para a realização da ação. Trata-se, portanto, da reflexão sobre as ações a serem feitas e o seu encadeamento. A última categoria considerada foi a do comportamento medidor, que considera a concepção de instrumentos e sua utilização. Essa categoria pressupõe a realização de ações sequenciadas e repetitivas, e um pensamento quantitativo junto com a prática de realizar medições (Renfrew, 2001: p.6). 1.2.2 TRATAMENTO DE DADOS E MANIPULAÇÃO DOS CONCEITOS Para responder as indagações acima apresentadas, os procedimentos de análises previstos nessa pesquisa buscam identificar as referências europeias de fortificação, assim como, os princípios e regras dos Tratados materializados nas fortificações de Pernambuco, considerando as fortificações construídas antes, durante e depois da presença holandesa. Com foco na eficácia bélica de todo esse conjunto de fortificações, pretende-se analisar os processos de transformação ou permanência tecnológica das fortificações, cujo foco está nos motores internos da transformação tecnológica. E pretende-se abordar as constatações relativas às opções por determinadas tecnologias à luz dos fatos históricos, ou seja, dos motores externos, buscando explicar as razões que motivaram essas escolhas. As análises a serem feitas sobre os motores internos estão considerando:  as referências da caracterização física dos tipos de fortificação europeias, a serem obtidas a partir de fontes documentais secundárias;   os Tratados sobre fortificação; e, os dados da caracterização física das fortificações construídas por portugueses nos século XVI e XVII em Pernambuco (a serem obtidos a partir de levantamento físico e levantamento documental em fontes primárias iconográficas). O processo de análise se inicia pela verificação dos tipos de fortificações construídos em Pernambuco: Fortificação de Transição ou Fortificação Moderna com base nas referências europeias. Como não há referências de Fortificações Medievais no Brasil, como vimos no 58 Capítulo 1, esse tipo não foi considerado. Nesta primeira análise, que segue uma abordagem sincrônica, as características físicas dos dois tipos de fortificação foram comparadas às características físicas das fortificações encontradas em Pernambuco para permitir a classificação dessas fortificações em dois tipos: Fortificação de Transição e Fortificação Moderna. Conforme já referido, esses serão os dois focos de análise para os quais se dispõe de informações confiáveis. A segunda etapa do processo de análise foi a verificação de que os Tratados foram utilizados como referência para as fortificações de Pernambuco. Num primeiro momento, às características físicas das fortificações de Pernambuco e a características físicas dos Tratados serão comparadas, numa abordagem sincrônica. Essa análise só foi possível de ser realizada porque os Tratados de Fortificação estão sendo considerados nesta pesquisa como referência confiável. Essa confiabilidade identificada a partir das referências teóricas apresentadas no Capítulo 1. Uma segunda etapa da análise foi a verificação da eficácia bélica das fortificações de Pernambuco. Esta análise está considerando as referências europeias e os Tratados. Lembrando que as Fortificações Modernas são mais eficazes que as fortificações de Transição, pois estas últimas não estão preparadas para resistir às armas de fogo da artilharia pirobalística, já amadurecida e com alto poder de destruição. Considera-se que o grau de semelhança das fortificações com os Tratados elevam a eficácia bélica, uma vez que os Tratados propõem modelos ideais. Finalmente, a terceira, e última, etapa de análise consistiu na identificação da transformação ou permanência tecnológica dos processos construtivos das fortificações de Pernambuco, considerando sua eficácia bélica, a partir da constatação de que ao longo do tempo - antes, durante e depois da ocupação holandesa -, houve mudança entre os tipos e modelos de fortificação. Assim foi possivel verificar a origem do real aporte tecnológico às fortificações de Pernambuco. O resultado foi um quadro localizando os tipos e modelos de fortificações construídas em Pernambuco, ao longo do tempo: antes, durante e depois da presença holandesa, identificando o seu grau de eficácia bélica. Para finalizar o processo de análise, as constatações feitas a partir do cruzamento dos dados tecnológicos como descrito acima, serão em seguida trabalhadas considerando os fatores sociais envolvidos na realidade política, econômica, religiosa e comunitária, como forma de medir a 59 influência do meio comunitário e da hierarquia de poder nas decisões sobre a construção e utilização dos fortes estudados. Em síntese, o processo de análise proposto neste trabalho se alicerça a partir do aprofundamento do enfoque tecnológico das estruturas construtivas, pela sua capacidade diferenciada para realizar constatações plausíveis. Entende-se que este enfoque tecnológico, dentre os demais (econômico, demográfico, sociológico, religioso e simbólico), é um dos mais passíveis de aprofundamento (Gallay, 1986: p.38). A diminuição do grau de incerteza das constatações também foi resultado da utilização de procedimentos operacionais emprestados da arqueometria, pela sua capacidade de fornecer dados quantificáveis e aptos de serem contrastados. 60 CARACTERIZAÇÃO DAS FORTIFICAÇÕES EUROPEIAS DOS SÉCULOS XVI E XVII QUE SERVEM DE REFERÊNCIA PARA PERNAMBUCO Neste capítulo, procurou-se caracterizar os tipos de fortificação desenvolvidos na Europa nos séculos XVI e XVII considerados como Fortificação de Transição e Fortificação Moderna, a partir da identificação de seus atributos físicos. Essa caracterização foi usada mais adiante para construir as referências necessárias para a análise comparativa realizada. Essa análise, buscando as articulações entre as referências documentais e os dados das fortificações levantados em campo (dados apresentados no Capítulo 5), permitiu classificar tipologicamente as fortificações de Pernambuco. Não foram detalhados os atributos da Fortificação Medieval, no âmbito desse trabalho, porque não há referências documentais, nem físicas, da existência desse tipo de fortificação na Capitania de Pernambuco. Um esforço sem utilidade prática nessa pesquisa. A caracterização física dos tipos de fortificação aqui estudados considera um conjunto de variáveis, enquanto categorias de entrada, tais como:      os principais itens que compõem a fortificação (baluarte, cortina, fosso, ...), o seu formato, as dimensões e suas proporções, os modelos de fortificação, e a inclinação. Essas variáveis são as mesmas que foram utilizadas nos Capítulos 4 e 5, quando foi realizada a caracterização física das fortificações apresentadas nos Tratados e das fortificações construídas em Pernambuco. 2.1 A FORTIFICAÇÃO DE TRANSIÇÃO Esse tipo de fortificação fez parte do processo de evolução da Fortificação Medieval para o tipo de Fortificação Moderna, tendo em vista as transformações das armas de fogo. O termo evolução está aqui sendo usado, propositalmente, para evidenciar que a passagem do tipo Medieval para o Moderno promoveu um incremento qualitativo positivo no que concerne à capacidade de se defender. A partir dessa caracterização, foi possível verificar se as fortificações construídas em Pernambuco, nos séculos XVI e XVII, eram do tipo de Transição ou se já estavam preparadas para se defender das armas de fogo. 61 Como já foi apresentado no Capítulo 1, a Fortificação de Transição tinha o objetivo de defender um sítio do poder de fogo da artilharia pirobalística criada no século XIII, pois a Fortificação Medieval tornou-se ineficaz a esse tipo de armamento. Desenvolveu-se, assim, um processo de adaptação de suas estruturas e de incorporação de novos elementos considerados precursores da Fortificação Moderna, abaluartada, configurando duas fases, respectivamente (Guia de inventário, 2015: p. 16 e 21). A adaptação das estruturas medievais foi considerada uma primeira fase da Fortificação de Transição. Em Portugal, essa primeira fase ocorreu de 1481 a 1509, durante o reinado de D. João II (de 1481 a 1495) e a primeira metade do reinado de D. Manuel I (de 1508 a 1510). As adaptações consistiram em mudanças pontuais para instalação das novas armas de fogo na estrutura da fortificação. Na segunda fase, que ocorreu de 1509 a 1531, durante a segunda metade do reinado de D. Manuel I (de 1508 a 1510) e até 1531, no reinado de D. João III, foram feitas reformas mais profundas e construídas novas fortificações. Essa fase foi influenciada pelas discussões ocorridas na Itália, desde no final do século XV, incluindo o amadurecimento do projeto do baluarte das primeiras décadas do século XVI (Guia de inventário, 2015: p. 16). A seguir, estão detalhadas as características físicas da Fortificação de Transição, a partir da sua Configuração Geométrica e dos materiais construtivos. O detalhamento das características físicas da Fortificação Moderna foi apresentado em sequência, completando as referências necessárias à posterior análise. 2.1.1 CONFIGURAÇÃO GEOMÉTRICA A Fortificação de Transição da primeira fase era formada pelas muralhas16 medievais construídas com a mesma espessura, porém com menor altura e base reforçada, em talude. As torres e muralhas medievais ganharam troneiras17 e canhoneiras18 permitindo o tiro flanqueado 16 Muralha é uma parede possante construída em pedra, taipa ou ladrilho no período medieval (Guia de inventário, 2015: p.91). 17 Troneiras são aberturas arredondadas e longas rasgadas na muralha para permitir o tiro (Guia de inventário, 2015: p.106). 18 Canhoneiras são troneiras retangulares onde se colocam as armas de fogo, da artilharia pirobalistica (Guia de inventário, 2015: p.71). 62 com armas de fogo, além de barbacãs19 e couraça20 que são estruturas externas para aumentar a defesa da fortificação. Verificou-se ainda a tendência de criar fortificações com o formato geometrizado (Guia de inventário, 2015: p.16-18). A seguir, observa-se no Castelo de Algoso, em Bragança, norte de Portugal, a incorporação de uma muralha mais baixa, compondo com a primitiva Torre de Menagem, de origem medieval, uma fortificação mais adaptada às armas de fogo. Na parte nova da fortificação, observam-se as canhoneiras no terraço, indicando a existência de uma plataforma onde estaria posicionada a artilharia. Essa mesma preparação foi feita na torre de Menagem, incluindo a abertura de troneiras em níveis mais baixos para possibilitar o tiro rasante, ou seja, mais próximo do nível do solo, onde está o inimigo. Foto 3. Castelo de Algoso (Conselho de Vimioso, Bragança) que materializa as adaptações sofridas pelas Fortificações Medievais na primeira fase da Fortificação de Transição. A antiga Torre de Menagem foi incorporada num dos ângulos da nova fortificação. Fonte: site welcomenordeste.net. Observa-se ainda o reforço da base da Torre de Menagem para melhorar a estabilidade da estrutura diante das armas de fogo, além da construção ter sido feita sobre um terreno montanhoso, a estrutura com muralha estreita e alta, com abertura em vários níveis. Conforme 19 Barbacã são muralhas baixas localizadas no exterior da fortificação, formando uma segunda muralha (Guia de inventário, 2015: p.68). 20 Couraça são muralhas avançadas, com ou sem torre integrada, para evitar a tomada de pontos significativos (Guia de inventário, 2015: p.17). 63 se verá mais adiante, este tipo de estrutura não é encontrado em nenhuma fortificação existente em Pernambuco, nem mesmo na iconografia. Na segunda fase, a Fortificação de Transição era marcada pelo surgimento do tambor, ou seja, uma ampla torre circular, oca, posicionada nos ângulos da muralha e enterrada no fosso. As troneiras da fase anterior desapareceram e as canhoneiras aumentaram de tamanho, para o tiro flanqueado (Guia de inventário, 2015: p.18). Essas transformações podem ser visualizadas no Castelo Portel Alentejo, em Portugal, onde há vários tambores, cujos terraços, preparados com canhoneiras, apresentam dimensão suficiente para o posicionamento de armas de fogo. As canhoneiras também foram abertas nas paredes dos tambores, para permitir tanto o tiro rasante quanto o flanqueamento da cortina. Foto 4. Castelo Portel Alentejo, modificado pelo Engenheiro Francisco de Arruda em 1510. Seis dos oito tambores foram rasgados por canhoneiras em dois níveis de tiro. Fonte: site c2.staticflickr.com. Em Pernambuco, há duas diferentes representações do Forte de São Jorge (Vista do Recife de Peeter Gillis, 1637, e estampa e folheto holandês, de 1630, “de Stadt Olinda de Pharnambuco...”), que foi construído em 1590, no istmo entre a Vila de Olinda e seu porto, onde o forte aparece com quatro tambores posicionados nos ângulos da fortificação, que tem formato quadrangular, e canhoneiras abertas em dois níveis na muralha. As imagens foram objeto de análise, mais adiante, para permitir identificar a que tipo de fortificação o Forte poderia pertencer. 64 Na continuação do processo de desenvolvimento da segunda fase do tipo de Fortificação de Transição, surgiram baluartes atípicos, ou seja, embrionários dos baluartes modernos. Eram estruturas pouco salientes, com defesa frontal paralela à muralha e com grandes orelhões onde eram colocadas as armas de fogo. Esses baluartes, no entanto, deixavam zonas mortas junto aos orelhões, onde o inimigo não poderia ser atingido pela artilharia (Guia de inventário, 2015: p.18). No Castelo de Cerca Nova de Lagos, no Algarve, em Portugal, a adaptação da estrutura às novas necessidades abrangeu a construção de baluartes atípicos, onde foram abertas canhoneiras no terraço e em um nível mais baixo. Esses baluartes apresentam faces paralelas às cortinas e orelhões, protegendo os flancos, mas acabaram criando zonas mortas. Foto 5. Castelo de Cerca Nova de Lagos, localizado em Lagos, distrito de Faro no Algarve, foi modificado de 1520 a 1544. Apresenta muralha ainda no estilo medieval, sem canhoneiras. Mas tem baluarte atípico onde a estrutura é pouco saliente e paralela à muralha com grandes orelhões onde estão posicionadas as armas de fogo. Fonte: site museudigitalafroportugues.files.wordpress.com. Paralelamente às adaptações em estruturas existentes, surgiram novas fortificações do modelo de Transição, com formatos inovadores. A Torre de Belém, torre marítima construída de 1514 a 1519, com projeto de Francisco de Arruda, se configurou como uma torre medieval quadrangular conjugada a um baluarte moderno, baixo, de planta poligonal. O castelo de Évora Monte, por sua vez, construído de 1531 a 1535 com projeto de Francisco de Arruda, também é um exemplo de uma nova fortificação. Apresentou planta quadrangular com quatro tambores rasgados por canhoneiras em vários níveis (Guia de inventário, 2015: p.19-20). 65 Foto 6. Castelo de Évoramonte,, localizado no município de Evoramonte, concelho de Estremoz, distrito de Évora, no Alentejo, apresenta planta quadrangular com quatro tambores. Fonte: site pt.wikipedia.org. A Fortificação de Transição não tinha formato pré-definido. Caracterizou-se por muralhas que circundavam a cidade, com tendência para geometrização. Na segunda fase, podiam ser identificadas fortificações com algum formato regular, mas não havia padrão a ser seguido, cada autor definia o formato segundo condicionantes específicos. No que diz respeito a dimensões e proporções, assim como no estabelecimento do formato, cada fortificação apresentava uma dimensão própria. De uma maneira geral, estavam sujeitas às necessidades de defesa, ao sítio, à decisão do profissional responsável ou proprietário e aos recursos financeiros, materiais e de pessoal disponíveis. Quanto a tipos, verifica-se que as Fortificações de Transição eram resultado de reformas em Fortificações Medievais, por isso não contava com tipos pré-definidos. Em alguns Tratados, como, por exemplo, o Tratado “Instructions sur la fortification des villes, bourgs et chateaux” de Albrecht Dürer, havia tipos de tambores, mas não de fortificações. Finalmente, quanto à inclinação da muralha, verificou-se que a parte inferior da muralha medieval, passou a ser inclinada para propiciar o reforço da base. 2.1.1 MATERIAIS CONSTRUTIVOS No que concerne aos materiais construtivos, como parte das fortificações do tipo de Transição eram reformas realizadas em Fortificações Medievais existentes, os novos elementos eram construídos com os mesmos materiais da fortificação. Quando uma nova fortificação era construída, a escolha do material cabia ao responsável pela obra ou ao proprietário, segundo: 66 preferência pessoal, herança cultural, disponibilidade no local, recursos disponíveis, orientação de determinado Tratado e, ainda, limitações de recursos financeiros e pessoal capacitado (Moreau, 2011: p, 44). Não havia nenhuma regra explícita. No entanto, como foi observado no Tratado manuscrito de Antônio Rodrigues, apesar de sugerir que a matéria-prima utilizada fosse ou a terra ou a alvenaria, detalhando como se deveria proceder em cada caso, lembrava que a versão definitiva da obra deveria ser feita em alvenaria de pedra ou tijolo. O próprio autor justificava que a alvenaria apresentava maior custo e maiores riscos aos defensores, pelo ricocheteamento dos projéteis e estilhaços das pedras, mas que esse material garantiria maior durabilidade à estrutura (Moreau, 2011: p. 20). A partir das referências acima apresentadas, pode-se verificar que o tipo de Fortificação de Transição não conta com modelos padronizados, pois esse tipo, na sua maior parte, foi o resultado de adaptações das estruturas medievais, num primeiro momento; e de reformas mais profundas dessas estruturas, num segundo momento. Apesar de terem sido construídas novas fortificações ainda nesse segundo período, estas não chegaram a configurar modelos padronizados com formatos e medidas pré-estabelecidos. 2.2 A FORTIFICAÇÃO MODERNA, ABALUARTADA O conhecimento das caraterísticas físicas da Fortificação Moderna, abaluartada, assim como foi feito no item anterior para a Fortificação de Transição, subsidiará as análises a serem realizadas no Capítulo 6 para verificar se as fortificações construídas em Pernambuco, nos séculos XVI e XVII, são do tipo de Transição ou Moderno. Com base nas referências documentais, apresentadas no Capítulo 1, sabe-se que a Fortificação Moderna foi desenvolvida na primeira metade do século XVI para defender os sítios da nova artilharia pirobalística que se desenvolveu desde 1520, resultando numa artilharia cujo efeito de destruição passou a superar o efeito moral (Guia de inventário, 2015: p. 21). Um dos principais elementos da Fortificação Moderna era o baluarte angular que junto com a cortina compunha a sua estrutura básica. A importância do baluarte estava no fato de ter resolvido o problema de defesa da fortificação em função da artilharia de destruição e de espaço para permitir dispor a nova artilharia sobre a fortificação para atacar o inimigo. 67 Figura 6. baluarte. Esquema de uma fortificação moderna, abaluartada, com seus elementos básicos: cortina e No que concerne à defesa da fortificação, o baluarte, enquanto uma estrutura saliente que se articulava com toda a fortificação, possibilitava que se atirasse no inimigo que tentasse se aproximar (Moreau, 2011: p.35). A defesa era feita através de linhas flancantes, que partiam dos flancos, paralelamente à face do baluarte contíguo. Essas linhas eram indicativas dos tiros de canhões que a fortificação poderia efetuar a partir dos flancos e juntas formavam faixas de defesa. É a largura da faixa de defesa que demonstraria a boa qualidade defensiva de uma fortificação: quanto mais larga essa faixa, melhor defendida estaria a fortificação (Goldman, 1645. p. 2-3). Figura 7. Representação das linhas flancantes e das faixas de defesa de uma fortificação moderna, abaluartada, que partem do flanco e passam paralelas à face do baluarte contíguo. 68 Seu formato pentagonal ainda evitava zonas mortas onde os inimigos poderiam se esconder, sem ser atingidos. Nesse formato não havia ponto que não pudesse ser visto a partir da própria construção, e, consequentemente, que não pudesse ser defendido (Guia de inventário, 2015: p.84; Calabuig, 2007: p.4). Quanto à disposição da artilharia sobre a fortificação, além dos baluartes terem grandes dimensões com espaço para realizar manobras, o formato pentagonal, e não mais circular 21, permitia uma melhor organização das armas de fogos 22. As bocas de fogo passaram a ser posicionadas, lado a lado, concentrando o ataque de frente para o inimigo, aumentando as chances de sucesso (Orense, 2012: p.33; Guerra, 2012: p.21-22). O traçado abaluartado atingiu seu auge em 1650 e por todas as razões acima apresentadas, passou a ser a escolha dominante para a construção de fortificações até o século XIX (Guia de inventário, 2015: p.84). A seguir, foram detalhadas as características físicas da Fortificação Moderna, a partir da sua Configuração Geométrica e dos materiais construtivos O detalhamento de suas características físicas foram reunidos com aqueles da Fortificação de Transição para completar as informações necessárias à posterior análise das fortificações de Pernambuco. 2.2.1 CONFIGURAÇÃO GEOMÉTRICA Conceitualmente, uma Fortificação Moderna era uma estrutura formada por um maciço de terra denominado Reparo, que funcionava como uma gigantesca trincheira, e tinha o objetivo de amortecer o impacto dos projéteis das armas de fogo. As partes exterior e interior do Reparo eram escarpadas, em talude, podendo ou não, serem encamisadas23 (Guia de inventário, 2015: p.100). Apesar do conceito de Fortificação Moderna, utilizado acima, fazer referência ao material construtivo, a terra, esse tema foi aprofundado mais adiante, onde estão apresentadas opções dos materiais construtivos utilizados. Vale a pena salientar, no entanto, que do ponto de vista conceitual não foi, de todo, inadequada a referência à terra, pois a Fortificação Moderna apresenta um pressuposto de eficácia bélica em função, dentre outros, da sua capacidade de, se 21 As torres circulares, ovaladas e triangulares eram utilizadas nos tipos de fortificação medieval e de transição (Orense, 2012: p.33; Guerra, 2012: p.21-22). 22 Nas torres de formato circular, as bocas de fogo são posicionadas radialmente, independente da localização do inimigo. 23 Encamisar significa revestir a escarpa pelo assentamento uniforme de pedras ou outro material. 69 atingida pelas armas de fogo, não ter sua estrutura danificada. A terra, enquanto material construtivo, incondicionalmente, dá suporte a esse pressuposto. Figura 8. Relação de esbeltez entre uma parede vertical e o reparo de uma fortificação para demonstrar a maior capacidade do reparo de amortecer o impacto dos projéteis das armas de fogo. Os principais itens de Fortificação Moderna, abaluartada, podem ser vistos na imagem que segue; esses itens eram (Guia de inventário, 2015: p.62-109):  Baluarte regular e com orelhões (os baluartes de uma maneira geral eram compostos de faces, flancos e gola24. O baluarte com orelhões, porém, apesar de ter planta poligonal moderna, apresentava as faces mais alongadas e os flancos resguardados por detrás de robustas curvas denominadas orelhões (Matos, 2012: p. 111; Galbeño, 2007: p. 35));   Cortina (parte do reparo que liga os baluartes entre si); Terrapleno (parte superior do Reparo onde se colocavam as armas de fogo e onde havia circulação da tropa de artilheiros);  Parapeito com banqueta e canhoneiras (muro feito sobre o reparo para proteger os defensores contendo um degrau (banqueta) sobre o qual o defensor poderia observar o inimigo e aberturas (canhoneiras) para posicionamento das armas de fogo);  Cavaleiro (estrutura construída sobre o baluarte ou cortina, mais elevada, para o reforço da defesa do reparo, aumentando também a área de posicionamento da artilharia); 24 Gola é uma linha imaginária que liga os flancos. 70  Praça de armas (espaço de reunião dos defensores, localizado no centro da fortificação e no caminho coberto);  Fosso (escavação ao redor de todo o perímetro da fortificação para dificultar o acesso, composto de escarpa e contra escarpa, podendo ter refosete25);  Contraguarda (obra exterior contendo face e flanco, mais baixo que o reparo, para proteger a escarpa exterior da artilharia);  Revelim (Contraguarda de formato triangular ou de meia-lua, mais baixa que o reparo, que oculta sua escarpa exterior, protegendo-a da artilharia);  Tenalha (Contraguarda de formato de rabo de andorinha ou chapéu de bispo, mais baixa que o reparo, para proteger a escarpa exterior entre dois flancos);  Horneveque (Contraguarda tipo Tenalha, contendo dois meio-baluartes, mais baixa que o reparo, para proteger a escarpa exterior entre dois flancos);  Coroada (Contraguarda tipo Tenalha, contendo dois meio-baluartes e um baluarte, mais baixa que o reparo, para proteger a escarpa exterior entre dois flancos);  Caminho coberto (caminho de circulação ao redor do fosso que servia para atacar o inimigo que se aproximava do reparo);  Parapeito do Caminho coberto (muro feito sobre a esplanada26 para proteger os defensores); e,  Paliçada (cerca feita com estacas de madeira cravadas verticalmente no terreno e interligadas entre si, posicionadas ao redor do caminho coberto). 25 Refosete é um fosso construído no centro do fosso principal para servir de mais um obstáculo e permitir a evacuação das águas quando o fosso é seco (Galbeño, 2007: p. 36) 26 Esplanada é a área externa à fortificação, após a paliçada. Trata-se de um terreno regularizado, que passa a ter um declive suave, de onde foi retirado todo e qualquer elemento, como árvores, construções etc. que possa ser utilizado pelo inimigo como anteparo. O tamanho da esplanada é definido pela distância de um tiro de mosquete, cerca de 250m (Guia de inventário, 2015: p.81-82). 71 Figura 9. Esquema de uma fortificação moderna, abaluartada, com seus principais elementos: 7.Esplanada; 8.Caminho coberto; 9.Contra escarpa do fosso; 10.Fosso; 11.Refocete; 12. Escarpa do fosso; 13.Berma; 14.Escarpa externa do reparo; 15.Parapeito; 16.Banqueta; 17.Terrapleno; 18. Escarpa interna do reparo; 19.Esplanada; 20.Tenalha; 21.Revelim em meia-lua; 22.Hornaveque; 23.Fosso; 24.Baluarte com orelhões; 25.Revelim; 26. Baluarte regular; 27. Tenalha composta - Chapéu de bispo; 28. Praça de Armas; 29.Caminho coberto; 30.Contraguarda; 31.Cortina; 32.Tenalha; 33.Chapéu de bispo; 34. Coroada; 35. Cavaleiro. Fonte: modificado de Chambers, 1728. Junto à fortificação poderia ser construída, ainda, uma Cidadela. Fortificação de menores proporções, também do tipo moderno, normalmente com planta no formato de polígono pentagonal ou hexagonal. Ficava implantada na zona dominante da fortificação para complementar a defesa do sítio (Guia de inventário, 2015: p.74). 72 A fortificação moderna tinha formato de polígono regular, podendo ser irregular para adaptá-la ao terreno ou à forma da cidade que estaria envolvendo. Seu contorno poderia ser circular, facetado ou tenalhado27, ou poderia ser de formato poligonal, como um triângulo, quadrilátero, pentágono etc. (Guia de inventário, 2015: p.28). No que diz respeito a dimensões e proporções, cada fortificação apresentava uma dimensão própria. De uma maneira geral, estavam sujeitas ao tamanho e formato do sítio e à decisão do profissional responsável por sua construção. Outros condicionantes eram as limitações de recursos financeiros, materiais e de pessoal. Ainda havia tabelas, disponíveis em Tratados de fortificações, que sugeriam formatos pré-estabelecidos com dimensões de referência. Quanto aos modelos de fortificação moderna disponíveis, estes variavam de acordo com sua função. Num sistema defensivo eram construídas fortificações que se complementavam na tarefa de defender um sítio. Fortificação era uma expressão genérica para designar um conjunto de edifícios, estruturas, movimentos de terra etc.. Fortaleza, por sua vez, se referia a uma poderosa obra fortificada que além de abrigar uma guarnição deveria defender uma povoação. As fortalezas podiam ser Reais, quando tinham a capacidade de se defender de uma Armada Real28, e podiam ser Ordinárias. Fortes eram pequenas fortificações isoladas, autônomas ou dependentes de uma fortificação central. Cidadela ou Castelo eram fortificações menores, implantadas na zona dominante de uma fortificação maior. (Guia de inventário, 2015: p.74 e 84). Redutos e Fortins eram obras pequenas, de formato quadrangular, que não conseguiam se defender apropriadamente pela falta de flanco, portanto, eram conquistadas pelo inimigo sem grande resistência (Goldman, 1645: p. 3-12; Galbeño, 2007: p. 34-36). Trincheiras eram obras temporárias, resultado na movimentação de terra, feitas por tropas durante uma ação militar, para servir de obstáculo aos ataques do inimigo. Finalizada a contenda, eram abandonadas (Guia de inventário, 2015: p.85). Finalmente, quanto à inclinação da escarpa do reparo, o projeto de fortificação moderna, abaluartada, tinha as seguintes características. Diferentemente das Fortificações Medievais, e em função do uso disseminado da artilharia pirobalistica de destruição, a partir de 1520, a 27 Fortificação de formato facetado significa que tem formato de polígono irregular com ângulos e lados diferentes entre si. Uma Fortificação de formato em tenalha apresenta um ou mais lados fletidos, com ângulo reentrante (Guia de inventário, 2015: p.28). 28 Armada é o conjunto de navios armados que navegavam juntos com a mesma missão, sob o comando de um capitão-mor (Grande Dicionário Houaiss Beta da Língua Portuguesa, 2001). Numa Armada Real, a missão atende aos interesses do Rei. 73 inclinação do reparo foi utilizada como recurso de defesa. Com a inclinação, a estrutura do reparo era maior na base e menor no topo, melhorando sua estabilidade. Essa condição ainda permitia uma melhor absorção do impacto dos projéteis (Valadares, 2014: p. 23). A inclinação do reparo, no entanto, não podia ser excessiva, caso contrário poderia haver desmoronamento do material utilizado na sua construção (Galbeño, 2007: p. 24). 2.2.2 MATERIAIS CONSTRUTIVOS Quanto aos materiais construtivos utilizados na construção de uma fortificação moderna, não havia uma regra única. A escolha cabia ao responsável pela obra ou ao proprietário, segundo: preferência pessoal, herança cultural, disponibilidade no local, recursos disponíveis, orientação de determinado Tratado e, ainda, limitações de recursos financeiros e pessoal capacitado. Alguns tratadistas defendiam, por exemplo, que a matéria-prima precisava estar disponível no lugar onde a obra seria feita e precisaria ser adequada ao uso a que se propunha (Scamozzi, 1615: p.44). A partir das características físicas dos materiais, havia diferentes opiniões registradas entre os engenheiros militares. Para uns, os melhores materiais eram solos firmes, tijolos secos ao sol e ao vento e outros materiais semelhantes que não faziam resistência ao tiro dos canhões. Esses materiais absorviam o impacto dos projéteis, sem maiores danos à estrutura (Scamozzi, 1615: p.205). Porém, era dada a opção de encamisar o reparo utilizando pedras macias ou tijolos cozidos, com argamassa de cal. O objetivo do encamisamento era conferir beleza à construção e proteger a estrutura das intempéries, em tempos de paz (Scamozzi, 1615: p.210). Para outros, a melhor escolha era construir o reparo em terra. Em períodos de guerra, a terra poderia ser encontrada em todos os lugares, as ferramentas necessárias eram simples, era um material que não precisava de preparação, já que estava sempre pronto a ser usado e, ainda, tinha baixo custo. A terra era também considerada o material mais adequado por alguns, pois não pega fogo e consegue absorver e segurar os projéteis. E quando uma muralha em terra era destruída, seria possível facilmente reconstruí-la (Dogen, 1648. p. 85-86). Neste contexto, não foi definido pelos tratadistas um único material construtivo para a construção de fortificações, mas foi possível observar que para a edificação de uma Fortificação Moderna, cuja eficácia bélica é considerada pressuposto básico, o material escolhido deveria, a 74 partir de suas características físicas e mecânicas, permitir defender a estrutura dos tiros das armas de fogo sem maiores danos. Uma vez identificadas às características físicas dos tipos de Fortificação de Transição e Moderna, foi possível, no Capítulo 6, das análises, classificar as fortificações construídas em Pernambuco em um desses dois tipos. Finalmente, a partir das referências acima apresentadas, pode-se verificar que o tipo de Fortificação Moderna conta com modelos padronizados onde estão estabelecidos os principais itens, formatos e medidas. Esses modelos foram identificados nos Tratados de Fortificação do século XVII, no Capítulo 4, e utilizados para continuar o processo de análise, no intuito de verificar se dentre as fortificações modernas construídas em Pernambuco há modelos identificáveis. 75 FASES DOS SISTEMAS DEFENSIVOS DE PERNAMBUCO NOS SÉCULOS XVI E XVII Neste capítulo, procurou-se fazer uma revisão bibliográfica identificando as fortificações construídas em Pernambuco, pelo colonizador português e pelos holandeses da Companhia das Índias Ocidentais, nos séculos XVI e XVII, localizando-as no tempo e no espaço, assim como a contextualização histórica da Capitania neste período. As referências apresentadas, a seguir, pretenderam demonstrar, por um lado, que houve três conjuntos de fortificações, cada um pertencente a uma fase bélica delimitada a partir da presença holandesa na Capitania de Pernambuco: 1º) até 1630, quando os holandeses invadiram Pernambuco; de 1630 até 1654, 2º) quando os holandeses se retiraram de Pernambuco; e, 3º) após 1654, até a assinatura do Tratado de Haia, quando foram resolvidas as disputas territoriais e financeiras entre Portugal e a República Unida dos Países Baixos e cessaram as ameaças de nova invasão. A partir da divisão em fases foi possível fazer a revisão bibliográfica considerando dados econômicos, políticos e culturais para cada uma das fases. Através desse contexto, pretendeuse verificar possíveis justificativas para as decisões portuguesas, no que concerne à construção de suas fortificações. Pretendeu-se evidenciar, ainda, que as diferentes fases bélicas são compostas por um Sistema Defensivo próprio. No intervalo de tempo entre os séculos XVI e XVII, Pernambuco contou com três Sistemas Defensivos, estruturados para atender as necessidades defensivas da Capitania, em cada fase bélica. Ao termo Sistema Defensivo são atribuídos dois significados, um mais amplo que o outro. O mais utilizado na bibliografia consultada considera que um sistema defensivo é um conjunto de fortificações e estruturas de defesa, cuja função precípua é garantir a proteção de um sítio29. Verifica-se, no entanto, o surgimento de discussões sobre uma ampliação desse conceito. Alguns autores já trabalham na perspectiva de que um Sistema Defensivo pressupõe “... uma 29 Cotta, s/d: p. 3; Matos, 2012: p. 5; Orense, 2012: p.11; Galbeño, 2007: p.29; Almeida, 2003: p.172; Valadares, 2014: p.54 e 95; Guia de inventário, 2015: p.22; Moreau, p.42 e 200 76 ação combinada e concomitante entre fortificações, tropas e, principalmente, embarcações (devendo-se levar em conta ainda a quantidade e qualidade dos armamentos que dispunham cada um dos elementos desta tríade).” (Tonera, 2005: p.2). Diferentemente da anterior, nessa definição a eficácia de um sistema defensivo não depende apenas das fortificações, mesmo consideradas em conjunto, mas da união dessas três forças. O presente trabalho considerará o conceito mais amplo, numa perspectiva investigativa. 3.1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS Antes de tratar, especificamente, das questões relativas às fases bélicas, foi necessário situar Pernambuco no âmbito do projeto de Portugal de Expansão Ultramarina e na formação do Império Colonial Português, de extensão transcontinental, onde a exploração comercial se mesclava com redes de poder e com instituições de governo secular e religioso (Vainfas, 2007: p. 299). Deve-se registrar, no entanto, que a utilização do conceito ‘Império’ teve o objetivo de ampliar a visão da existência de uma relação apenas entre colônia-metrópole e de uma ‘economia colonial’ que buscava a acumulação primitiva de capital para permitir a industrialização europeia (VITORINO. 2008: p.2) sem, no entanto, o intuito de defender posturas historiográficas institucionais ou imperiais. Essa abordagem foi escolhida na perspectiva de poder compreender as transformações culturais processadas numa sociedade, no caso especifico deste trabalho, as transformações tecnológicas das fortificações, a partir de seus fatores internos (relativos à fortificação em si, como eficácia, por exemplo), mas também através de seus fatores externos, econômicos, políticos, culturais e religiosos (Quintanilla, 2005: p. 61-62). A mesma dinâmica está sendo considerada na análise da expansão marítima portuguesa no século XV, na qual está inserida a descoberta do Brasil. Do ponto de vista econômico, a Europa vivenciava a escassez de ouro e Portugal investia na busca do ouro africano, da Guiné. Politicamente, a consolidação da Dinastia de Avis no poder, permitiu a Portugal investir nos meios para se buscar o reino mítico de Preste João30. Em toda a Europa, acreditava-se que Preste João poderia ser um aliado numa possível expedição à Índia, contra os mulçumanos. E 30 Preste João foi o governante de um mítico reino cristão poderoso nas Índias, possivelmente na Etiópia, na África Oriental. Boxer, 1969: p.43. 77 do ponto de vista religioso, Portugal incorporou o espírito de cruzada e assumiu a tarefa de converter os muçulmanos ao cristianismo (Boxer. 1969: p. 41). As fortificações construídas em Pernambuco estão sendo, portanto, entendidas dentro de um contexto histórico mais amplo, que incorporou um conjunto amplo de fatores, deixando de lado as explicações puramente econômicas; e estão sendo vistas também dentro de um panorama transcontinental, onde se percebem relações entre metrópole, colônias e demais nações europeias, evitando uma visão isolada do ambiente colonial. Figura 10. Extensão do Império colonial português e espanhol no século XVI. Fonte: site fichasmarra.files.wordpress.com. A extensão do Império colonial Português, por si só, sugere a amplitude e complexidade das relações entre Portugal, suas colônias e demais nações do ocidente. Conforme se pode observar no mapa apresentado a seguir, a partir do século XV o Império abrangia uma grande quantidade de territórios em várias partes do mundo, como no litoral africano (São Jorge da Mina, Axim, Moçambique, Ceuta, Tanger, Mazagão, Luanda); nas Ilhas do Atlântico (Madeira, Açores, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe); passando pelo Oriente (Índia/Goa, Damão, Diu, Malaca, Chaul, Ternate, Meliapor, Hughli, Baçaim) e pelo Golfo Pérsico (Sofala, Ormuz). Seguia ainda 78 pela África oriental, Malásia e Japão e outros locais como, Columbo, Molucas, Ceilão e Macau; finalmente, continuando pela costa brasileira (Wehling. 1999: p. 63 e Boxer, 1969: p. 69 e 70). 3.2 PRIMEIRA FASE BÉLICA (DO SÉCULO XVI ATÉ 1630) ASPECTO POLÍTICO Para a reconstrução do contexto colonial nesse período, a partir do século XVI até 1630, iniciou pela consideração dos aspectos políticos envolvidos, mais precisamente, do baixo interesse político de Portugal no Brasil. Não é difícil demonstrar que, no século XVI, as decisões relativas ao território brasileiro, e, consequentemente, às suas capitanias, não faziam parte das prioridades de Portugal. Durante todo o século XVI os portugueses estavam concentrados na sustentação do Império Português como um todo, enquanto as questões relativas à colônia brasileira poderiam recair sobre a administração local (Doré, 2009: p. 169). Nesse período, verificou-se que a prioridade de Portugal estava no Oriente, como demonstra a rápida expansão portuguesa, no início do século XVI, através da implantação de colônias e entrepostos comerciais (Doré, 2009: p. 169; Wehling. 1999: p. 44). O Brasil, naquele momento, não representava nem um grande peso econômico, nem simbólico na sustentação do Império Português. É patente o desinteresse pelo Brasil, quando se observa a diferença de investimentos entre a colônia brasileira e as demais. De fato, enquanto na costa africana e na Índia foi implantado um sistema de cidades, fortalezas e feitorias; no Brasil, como não havia produtos facilmente comercializáveis, foi instalado um sistema de feitorias, protegidas por cercas de madeira (paliçadas), sem artilharia, com sistemas construtivos de terra apiloada, e operado por agentes comerciais, funcionários e militares (Menezes. 1986: p. 22; Prado Júnior, 1972: p.1516). A situação secundária da colônia brasileira perdurou por todo o século XVI, inclusive porque Portugal, a partir de 1550, começou a enfrentar grandes desafios para a manutenção de seu Império no Oriente. Neste processo, começaram a ensaiar mudanças na política imperial para driblar as adversidades e aproveitar oportunidades comerciais, com baixo nível de investimento político e financeiro. Dentre as medidas dessa nova política, estava o incentivo ao comércio no Atlântico e Índico com produtos até então considerados pouco relevantes (escravos e açúcar, no Atlântico; prata, cobre, seda e porcelanas no Oriente; cereais nos Açores; e vinhos na Ilha 79 da Madeira). Também foram feitas mudanças na condução dos negócios: a operação do comércio passou a ser feito por particulares, diminuindo os gastos da Coroa com a instalação de feitorias, cidades e fortalezas; e houve modificações no incentivo Real aos investimentos particulares: ao invés de nomeações e rendas vitalícias, foram concedidos direitos comerciais, obrigando o interessado a investir seus recursos para obter lucros posteriores (Siqueira. 2009: p. 115-116). A colonização do território brasileiro, através do sistema de Capitanias Hereditárias, fez parte desse conjunto de novas medidas portuguesas, que se baseava em concessões comerciais para quem empreendesse no território colonial. Pelas regras de concessões, ao donatário caberiam as despesas de transporte e de estabelecimento dos colonos no novo território, e quando o interessado não tivesse recursos para empreender, levantaria fundos em Portugal e na Holanda. Grandes valores foram gastos nas primeiras empresas colonizadoras no Brasil (Prado Júnior. 1972: p. 31-32). A Coroa ainda transferiu ao donatário, a título de deveres, prover a defesa do território com o auxílio dos colonos. Cabendo-lhe, ainda, a responsabilidade de construir as estruturas defensivas e fornecer as armas e apetrechos bélicos. No entanto, toda ação deveria ser autorizada pelo Rei (Albuquerque. 2006: p. 108). Registra-se, portanto, que apesar da colônia brasileira não estar dentre as prioridades de Portugal, o Rei não abria mão de ter o controle da colônia e de dar a palavra final sobre as decisões a serem tomadas. Lembrando, no entanto, que a resposta com a decisão do Rei podia demorar mais tempo do que a colônia poderia esperar. No caso da construção de fortificações e implantação do Sistema Defensivo em Pernambuco, os projetos a serem construídos foram enviados de Portugal, após aprovação do Rei. ASPECTO ECONÔMICO Do ponto de vista econômico, por sua vez, pretende-se demonstrar que o interesse de Portugal também estava nas regiões do Oceano Índico. Portugal acreditava que as receitas oriundas do Brasil não contribuíam significativamente para aumentar suas riquezas, por isso não eram feitos investimentos no território brasileiro. Alguns dados demonstram, no entanto, que apesar de não superar o montante da receita gerada com o comércio das Índias, as riquezas produzidas, no Brasil, principalmente em Pernambuco, não eram desprezíveis. Enquanto o Estado da Índia, do início do século XVII, era responsável por 67% das receitas, o Brasil e Angola eram responsáveis por 12% e 14%, respectivamente. Mas a contribuição 80 financeira das colônias para o Império não estava nas receitas das colônias, estava nos contratos e direitos referentes aos negócios produzidos. As receitas eram dispendidas com os gastos da própria colônia: na Índia 44% das receitas eram usadas para manter suas atividades ordinárias e extraordinárias, no Brasil era 5,5% e em Angola 1% da receita. O restante era considerado receita excedente (Matos, p.201). Das riquezas produzidas no Brasil, o sistema de fiscalização da Coroa controlava e cobrava taxas referentes ao dízimo apenas do açúcar e dos direitos dos escravos (Costa. 2006: p. 11 e 12). O açúcar produzido no Nordeste brasileiro era de qualidade superior àquele produzido na Ilha da Madeira e com custos inferiores. Entre 1570 e 1583, o número de engenhos em Pernambuco cresceu de 23 para 66 e no ano de 1612, havia 90 engenhos na Capitania. Nesse mesmo ano, em todo o Nordeste, havia 192 unidades produtivas de diferentes dimensões e com diversificado potencial produtivo. Em 1629, o número de engenhos no Nordeste totalizou 346 unidades e nesse mesmo ano a produção da Capitania de Pernambuco foi responsável por 1/3 das exportações de açúcar de toda colônia (Costa. 2006: p. 11 e 12). Esses dados vêm demonstrar que Pernambuco tinha um peso financeiro significativo quando se observavam as riquezas produzidas na colônia brasileira, mas que não rivalizava com o montante produzido nas outras colônias portuguesas. Essa situação vai começar a mudar a partir do século XVII. As colônias do Atlântico começam a se sobrepor ao Índico, tendo o Brasil um maior peso através da produção de açúcar e exportação do pau-brasil, além do comércio negreiro. O fundamento por detrás desse crescente fator econômico pode ser entendido pela comparação entre as relações econômicas estabelecidas por Portugal com as colônias da Índia e com o Brasil. Na Índia, os portugueses eram intermediários: deveriam adquirir as mercadorias, transportar e vendê-las na Europa; no Brasil os portugueses controlavam todas as fases do processo econômico: produziam, transportavam e vendiam. A posição frágil dos portugueses na Índia, em função da concorrência, fez aumentar a importância do Brasil (Matos, s/d: p. 203204). A partir de 1630, a pressão exercida por holandeses, ingleses e franceses às feitorias portuguesas no Oriente provocaram grandes perdas para Portugal. ASPECTO BÉLICO Do ponto de vista bélico, pretende-se situar o leitor nas disputas e alianças que as nações europeias estabeleceram entre si com relação à colônia brasileira, e Pernambuco, em particular. De um lado, as ameaças, do outro a consequente necessidade de se defender. Pretende-se, 81 também, dar uma ideia dos investimentos necessários e apresentar a infraestrutura bélica de que dispunha a Capitania. Desde o final do século XVI e início do século XVII, a necessidade de defesa da colônia brasileira aumentou e passou a solicitar trabalhos de fortificação. Em Pernambuco, as despesas com essas obras eram elevadas, chegando a gastar cerca de 64% dos recursos próprios com infraestrutura, armas e pessoal, pesando no orçamento da Capitania, assim como ocorria em todas as partes do Brasil. Mas, apesar dos elevados custos, as condições de defesa ainda eram precárias: havia guarnições militares remuneradas, mas não era quantitativamente suficiente. Pernambuco vivenciava a escassez de homens de guerra e forçava o recrutamento de civis, para compor a estrutura militar, a serem chamados para defender a Capitania, quando necessário (Matos: s/d: p. 186). Continuando a composição do panorama bélico da Capitania, não se pode deixar de citar as consequências nefastas para Portugal e suas colônias, da crise dinástica no reinado de D. João III, em 1557, que culminou com a união das Coroas portuguesa e espanhola, em 1580. A chamada União Ibérica, resultado da invasão da Espanha apoiada pela nobreza portuguesa, significou o controle da Espanha sobre Portugal e suas colônias, e a apropriação das riquezas produzidas nesses lugares. De 1580 a 1640, durante a união das Coroas, Portugal manteve seu governo próprio, mas estava subordinado a Madri (Wehling. 1999: p.64). Um importante desdobramento da União Ibérica para Pernambuco, foi a invasão da Capitania pela Companhia das Índias Ocidentais, de 1630 a 1654. Antes da União Ibérica, Portugal mantinha intenso relacionamento comercial com os Países Baixos. No Brasil, os holandeses haviam feito grandes investimentos e tinham instalado, na Holanda, estruturas de refinamento de açúcar. No entanto, com a união das Coroas, os inimigos de Espanha passaram a ser inimigos de Portugal. Desde 1568, os Países Baixos estavam em guerra contra a Espanha pela sua independência. Em 1581, se autodeclararam independentes, mas a Espanha só reconheceu sua independência depois de oitenta anos de guerra, em 1648. Esse conflito motivou o governo espanhol, Nação mais poderoso da Europa naquele momento, a instituir sanções comerciais aos navios holandeses, inclusive nas possessões portuguesas, dentre elas o Brasil (Wehling. 1999: p. 126). Num período de trégua entre Espanha e as províncias unidas dos Países Baixos que durou 12 anos, entre 1609 e 1621, o comércio entre Holanda e Portugal foi reestabelecido. Nesse ano de 1621 foi criada, por um grupo de holandeses, a Companhia das Índias Ocidentais que recebeu dos Estados Gerais da Holanda o monopólio da navegação, comércio e transporte e das 82 conquistas de países ao longo do Oceano Atlântico, na América e na África. Nessa época eram os holandeses da Companhia das Índias Ocidentais que transportavam a maioria das mercadorias entre Brasil e Europa. Com o fim da trégua, voltaram as sanções comerciais e os portos brasileiros foram novamente fechados aos navios holandeses. Mas, pela importância do açúcar brasileiro, a Companhia das Índias Ocidentais decidiu ocupar a região produtora. Em 1624, os holandeses invadiram Salvador, mas foram expulsos em 1625, em uma ação bem coordenada pela frota espanhola, enviada pelo Rei Felipe I, uma frota de 52 navios de guerra com 12.500 soldados, juntamente com as fortificações que estavam construídas em Salvador (Moreau, 2011: p.175; Wiesebron, 1994: p.402-406). Com a mesma motivação, os holandeses da Companhia das Índias Ocidentais, em 1628, resolvem invadir Pernambuco. Em toda a Europa circulava a notícia de que uma armada holandesa, composta por setenta navios de guerra, conduzindo treze mil homens, tinha planos de invadir a região produtora de açúcar. O Rei Filipe I ordenou que o general Matias de Albuquerque, que tinha sido governador e capitão-geral de Pernambuco até 1620, voltasse a Pernambuco e providenciasse o necessário para fazer frente ao inimigo. Seria preciso, por ordem do Rei, visitar e fortificar as quatro praças: Rio Grande, Paraíba, Itamaracá e Pernambuco. Matias de Albuquerque partiu de Lisboa em agosto de 1629 e chegou ao Recife em outubro do mesmo ano (Coelho, 1981: p. 33 e 34). Encontrou as fortificações, que ele mesmo havia mandado construir, quando governador, desmanteladas. Os holandeses chegaram à Capitania de Pernambuco em março de 1630, permanecendo por vinte e quatro anos. Desta vez, a frota espanhola enviada pela Coroa para servir de reforço não tinha o mesmo poder que em 1625, na Bahia e, portanto, não conseguiu impedir a invasão. De 1630 a 1635, a Espanha não pôde mandar socorro à Capitania de Pernambuco, pois estava em guerra com os Países Baixos que contavam com a aliança da França. A marinha espanhola estava, portanto, voltada para essa batalha. Só em 1637, é que o Rei da Espanha enviou a Pernambuco uma armada mais poderosa, mas que não conseguiu recuperar a Capitania (Mello, 2007: p. 27). Em síntese, o contexto colonial de Pernambuco até a invasão holandesa, não pode ser entendido apenas pelos determinismos puramente econômicos. Por isso, além dos fatores econômicos, foram considerados na pesquisa, os fatores culturais, políticos e bélicos. Do ponto de vista do conhecimento, os portugueses podem ser considerados cientes das inovações que se processavam nos séculos XV e XVI e com disposição para inovar. Um protagonismo inovador que não ficou restrito ao período de expansão ultramarina, mas se manteve atualizado nos séculos seguintes. 83 Com relação aos fatores políticos, considera-se que o reino de Portugal conseguiu se associar a interesses privados, sem perder o controle sobre todo o processo. A Capitania tinha autonomia, mas a palavra final era do Rei. No caso das fortificações, o Donatário tinha liberdade de decidir sobre a necessidade de se construir uma fortificação, mas era o Rei quem autorizava e determinava o projeto a ser construído. Do ponto de vista econômico, a diversidade de receitas oriundas das várias colônias pelo mundo, incluindo de Pernambuco, eram suficientes para custear a estruturação defensiva de suas colônias, conforme os modelos normatizados da Fortificação Moderna, abaluartada, vigentes, como fez em locais como Mazagão, na África, e em Angra do Heroísmo, nos Açores. 3.2.1 FORTIFICAÇÕES DO PRIMEIRO SISTEMA DEFENSIVO PORTUGUÊS Estudando, portanto, sobre a história da Capitania de Pernambuco, verificou-se que as suas fortificações só começaram a ser construídas a partir do final do século XVI. Anteriormente, no início da colonização, em 1535, quando o Donatário, Duarte Coelho, aportou à Feitoria de Pernambuco, foi fundada a Vila de Igarassu, mas não foram construídas fortificações (Lago, 1862: p.590). Nesse primeiro momento da ocupação de Pernambuco, também não foram construídas fortificações, nem quando a Vila de Olinda foi fundada, entre 1535 e 1537, tornando-se a principal vila da Capitania. No momento da sua fundação, contava, apenas, com a Igreja Matriz e o Castelo do Donatário, que também não era fortificado (Menezes, 1986: p. 23). De uma maneira geral, no início da colonização em todo território brasileiro, as povoações mais antigas eram defendidas por cercas e muros. Eram estruturas precárias, levantadas apenas para atender a uma necessidade imediata e não recebiam manutenção frequente, quando não havia mais ameaça, eram abandonadas. As antigas povoações eram normalmente construídas em terrenos elevados, pois a defesa pela altura era parte da estratégia de defesa usualmente adotada. A Vila de Olinda utilizou desde recurso, assim como Salvador, Rio de Janeiro e outras (Reis, 2000: p. 174-177) e com essa estruturação pretendeu atender às necessidades defensivas do período. Só a partir de 1590, é que foram construídas fortificações portuguesas em Pernambuco. O conjunto de fortificações construídas procurou defender o território de corsários e piratas estrangeiros que circulavam, sempre em maior número, pela costa brasileira, configurando uma ameaça constante. Em 1578, tiveram início solicitações ao Rei para construção de fortificações na Capitania. Cristóvão de Barros, Provedor-mor da Fazenda Real no Brasil, escreveu ao Rei 84 lembrando a necessidade de se fazerem fortificações e solicitando a construção de uma fortificação na barra do Recife (Cavalcanti, 2009: p. 62). Porém, antes mesmo de receber a resposta, tamanha era a necessidade de defesa, mandou-se fazer uma fortificação, à custa do Donatário Jorge de Albuquerque. Era um forte de madeira que caiu logo em ruína, por ser de estrutura precária. Recebeu o nome de Forte de São Jorge, o velho. A partir de 1590, com autorização do Rei, começou a ser construído um conjunto de fortificações que passou a compor o primeiro Sistema Defensivo da Capitania. Essas fortificações foram construídas para a defesa da Vila de Olinda e seu porto. Na Vila de Olinda, no extremo norte, foi construído o Forte de São Francisco de Olinda; e no extremo sul, a Guarita de João Albuquerque. Entre as fortificações havia uma paliçada de pau a pique, construída no nível da praia e havia, ainda, uma linha de arrecifes naturais, submersa, que impossibilitava o desembarque de invasores. A guarita de João de Albuquerque foi mandada fazer por Matias de Albuquerque em 1620 e executada por Cristóvão Álvares, Mestre-de-obras do Rei. Segundo alguns autores, foi construída em alvenaria de pedra31, outras fontes dizem ter sido edificado em terra (REIS, 2006: p 329; e Laboratório de Arqueologia da Universidade Federal de Pernambuco-UFPE). Em 1630, a Guarita foi dominada pelos holandeses, mas recuperada, em 1645, pelos portugueses. Há notícias que ainda estava de pé, em 1763, mas não há notícias atuais dos seus vestígios. 31 Segundo Menezes, era feito em pedra. MENEZES. 1986: p. 99. 85 Figura 11. Representação holandesa de 1630 da Vila de Olinda onde se vêem as fortificações que compunham o sistema defensivo português nessa vila: a Guarita de João Albuquerque. 1620 e o Forte de São Francisco de Olinda. Original manuscrito do Algemeen Rijcksarchief. (REIS, 2000. p. 83). No porto de Olinda, conhecido como povoado dos Arrecifes, por sua vez, foi construída uma cerca de madeira e os Fortes de São Francisco da Barra, assentado nos arrecifes na entrada da barra, e o de São Jorge, construído sobre o istmo. A estratégia do Sistema de Defesa implantado estava baseada no fogo cruzado dos fortes e na entrada única e perigosa da barra, resultado da conformação dos arrecifes naturais (Menezes, 1986: p.32 e 33). Figura 12. Representação holandesa de 1617 do sistema defensivo português na Capitania de Pernambuco onde se vêem 1. Forte de São Francisco da Barra e 2. Forte de São Jorge.. “Ont voerp van stadt parnambuco| D. Ruit.s fecit”. Original manuscrito do Algemeen Rijksarchief, Haia. Ca. 1617. (REIS, 2000. p. 75). O Forte de São Jorge foi edificado a partir do final do século XVI e finalizado em 1603. A primeira referência a um forte construído sobre a terra é de James Lancaster, pirata inglês que saqueou o porto do Recife, em 1595 (Cavalcanti, 2009: p. 64). Esse forte pode ter sido o Forte de São Jorge, inclusive porque, segundo Barreto, o Forte foi construído em 1590 (Barreto, 2011: p. 88). Alguns autores incluem nesse primeiro sistema defensivo algumas outras fortificações do lado Norte da Capitania. Há referências a uma fortaleza nas proximidades de Pau Amarelo, Fortaleza do Rio Tapado, construída para garantir a defesa de desembarque nesse porto (Coelho, 1981: p. 35). Há referências, ainda, ao Forte Diogo Paes, construído por iniciativa do engenheiro de mesmo nome, cuja obra foi apenas iniciada, em 1626, mas não foi concluída. A partir de sua estrutura, incompleta, os holandeses construíram o Forte do Brum (Menezes. 1986: p.100-101). Ainda nos arredores do Recife, até 1624, Matias de Albuquerque mandou construir o Fortim 86 Alternar32. Localizava-se em uma ilha, na confluência dos rios Capibaribe e Beberibe, quase em frente ao Forte de São Jorge (Barreto, 2011: p.84-94). As fortificações citadas estão espacializadas na figura abaixo. Figura 13. Localização das fortificações construídas pelo colonizador português antes da invasão holandesa. (Modificado do site Google Earth). Quando em 1628, houve a notícia que uma armada holandesa estava se dirigindo ao Brasil para invadir a região produtora de açúcar, Matias de Albuquerque foi enviado ao Brasil no cargo de visitador e fortificador das capitanias do Norte para preparar as capitanias e suas fortificações. Em Pernambuco, constatou que as fortificações, que ele mesmo havia levantado, ou recuperado, enquanto Governador da Capitania de Pernambuco33, estavam desmanteladas e a Fortaleza do Rio Tapado estava sem a artilharia. Para a defesa da Capitania mandou artilhar novamente a Fortaleza do Rio Tapado e recuperar os fortes e baterias existentes, no Recife e em seu porto, onde fez outras baterias (Coelho, 1981: p. 35 e 42). As fortificações apresentadas acima estão espacializadas na figura abaixo. Segundo Barreto, o Fortim Alternar foi mandado fazer em 1629, mas nas ‘Memorias Diárias da guerra do Brasil’, Duarte de Albuquerque Coelho fez menção a existência de baterias nos arredores do Forte de São Jorge, no período em que Matias de Albuquerque era Governador da Capitania (1620-1624). Essas baterias poderiam ser as estruturas incompletas do Forte Diogo Paes e o Fortim Alternar. Inclusive, porque ao descrever a defesa da Capitania em 1629, na eminência da invasão holandesa, Coelho não faz menção a nenhuma bateria sobre o banco de areia. 32 33 Matias de Albuquerque foi Governador da Capitania de Pernambuco de 1620 a 1624 e foi Governador-Geral dos Estados do Brasil de 1624 a 1626. 87 Figura 14. Localização das fortificações construídas por Matias de Albuquerque na eminência da invasão holandesa. (Modificado do site Google Earth). 3.3 SEGUNDA FASE BÉLICA (1630-1654) Continuando o levantamento de informações contextuais, a fim de situar a construção das fortificações e a instalação dos Sistemas Defensivos de Pernambuco num panorama mais amplo, segue a apresentação de aspectos financeiros, políticos, culturais e bélicos do período que engloba o segundo Sistema Defensivo: de 1630 a 1654, durante a ocupação de Pernambuco pelos holandeses da Companhia das Índias Ocidentais. ASPECTO POLÍTICO Iniciando pelo contexto político, devem-se registrar as ações empreendidas por Portugal para reestabelecer o controle de suas colônias na América, África e Ásia, por ocasião do conflito entre Espanha e Países Baixos, pois dentre essas ações verifica-se uma demonstração de que crescia o interesse de Portugal por colônias antes consideradas secundárias. No Brasil, a Companhia das Índias Ocidentais dominava o litoral do Nordeste entre o Ceará e o rio São Francisco. Na costa ocidental da África, conquistaram o Castelo da Mina, e no Oriente, a Companhia das Índias Orientais (VOC) dominavam as ilhas Molucas e metade do litoral oeste do Ceilão. As ações empreendidas por Portugal tiveram início a partir do fim da União Ibérica (1580-1640), ou seja, da separação entre Portugal e Espanha, resultado do movimento de independência liderado pelo Duque de Bragança com o apoio da Corte portuguesa. Em 1640, D. João IV, Duque de Bragança, foi aclamado Rei de Portugal, com o título de O Restaurador, mas a Espanha não reconheceu a independência de Portugal e continuou tentando recuperar seu poder (Wehling. 1999: p. 104). No reestabelecimento do controle por parte de Portugal, o novo 88 monarca português enfrentou desafios, dentre os quais, a recuperação das colônias que foram perdidas para os holandeses, incluindo Pernambuco; o reconhecimento da independência pela Europa, assim como dos direitos da Dinastia de Bragança ao trono; e a garantia da defesa das suas fronteiras contra os ataques espanhóis (Mello. 2011: p.2 e 20). Um dos atos de Portugal que precisam ser considerados foi a assinatura de um acordo com os Países Baixos para recuperar suas colônias. Em 1641, Portugal e Holanda assinaram um tratado de Paz, o Tratado de Haia, através do qual ficava acordada uma trégua de dez anos e a criação de cooperação militar contra o Reino Espanhol (Procópio, 2014: p. 2). O Tratado, no entanto, não avançou muito com relação às colônias, Portugal só conseguiu que os holandeses acordassem, vagamente, uma possível partilha ou troca futura daqueles territórios que foram portugueses. No entanto, a trégua de dez anos foi rompida pelos holandeses no mesmo ano de 1641. Maurício de Nassau conquistou Angola, incluindo Luanda, Benguela; conquistou os portos satélites de São Tomé e Ano Bom, e ainda o Maranhão, em território brasileiro. Apesar das incursões militares holandesas, Portugal continuava tentando, através da diplomacia, fazer cumprir o acordo, mas as perdas no Atlântico nunca foram tão numerosas nesse momento em comparação com a época da União Ibérica (Vainfas, 2007: p. 87-90). Se, dentro do acordo, a dominação da Capitania de Pernambuco permanecia nas mãos dos portugueses, os holandeses continuavam sendo uma ameaça ao Império Colonial Português, já bastante reduzido em extensão e importância. Apesar das dificuldades diplomáticas entre os reinos de Portugal e Países Baixos, há registros de colaboração entre luso-brasileiros e holandeses em território colonial, durante o governo de Maurício de Nassau (1637-1644), período denominado pax nassoviana (Vainfas, 2007: p. 87). No entanto, o panorama de cooperação começou a mudar a partir de 1644, quando diminuíram os lucros da Companhia e aumentaram as dívidas dos produtores de açúcar. Com relação a esse período, e considerando a existência de cooperação entre luso-brasileiros e holandeses, podemse levantar hipóteses sobre eventual cooperação para além das questões econômicas, alcançando, por exemplo, questões militares, especificamente sobre tecnologias para a construção de fortificações. Todas essas questões e hipóteses serão consideradas durante as análises que se realizarão no capitulo seguinte. 89 ASPECTO ECONÔMICO Partindo para a compreensão do contexto econômico, no período de 1630 a 1654, pretende-se evidenciar por um lado, uma ampla cooperação entre luso-brasileiros e holandeses, num primeiro momento, durante a pax nassoviana, em função dos mútuos interesses econômicos; e, por outro lado, num segundo momento, a partir da década de 1640, evidenciar que o negócio do açúcar no Brasil começava a dar prejuízo financeiro, motivando uma rebelião luso-brasileira contra os holandeses. Com relação ao primeiro momento, a cooperação entre holandeses e a população luso-brasileira concernia o negócio do açúcar, pois só essa população dominava a técnica produtiva e conseguia controlar os trabalhadores escravos. Nessa divisão de responsabilidades, cabia aos holandeses as atividades voltadas à exportação do açúcar para a Holanda (Costa, 2006: p. 12). No que tange ao segundo momento, é preciso evidenciar que o auge do comércio exportador do Brasil se deu em 1642. Antes, em 1641, o açúcar branco exportado somou quatorze mil caixas; depois, em 1643, teve início uma diminuição das exportações, somando apenas onze mil caixas. Essa diminuição consolidou-se como uma tendência e, em 1644, as exportações não ultrapassaram oito mil caixas. O tráfico de escravos africanos, ao contrário crescia: em 1642 foram vendidos dois mil escravos, em 1643, quatro mil e em 1644, um pouco mais de cinco mil escravos. Mas, mesmo o Brasil significando apenas um negócio que já começava a dar prejuízo financeiro, os holandeses não estavam dispostos a devolver a colônia a Portugal (Vainfas, 2007: p.87-92). Com a diminuição das exportações de açúcar e o aumento do tráfico de escravos, diminuíram os lucros da Companhia das Índias Ocidentais e aumentaram as dívidas dos produtores de açúcar. As relações de cooperação começaram a entrar em conflito e teve início a rebelião lusobrasileira contra os holandeses. O estopim da rebelião foi o anunciou de João Fernandes Vieira34, um dos mais ricos senhores de engenho de Pernambuco, da nulidade das dívidas que os luso-brasileiros tinham com os holandeses, obtendo o apoio da nobreza pernambucana, 34 João Fernandes Vieira era mestre-de-campo do terço de infantaria de Pernambuco, líder dos insurretos. Começou a vida como feitor do engenho do holandês Jacob Stachouwer, de quem ficou sócio e procurador. Pela proximidade com Maurício de Nassau, adquiriu terras e engenhos. Tornou-se um dos mais ricos senhores de engenho de Pernambuco, além de membro da Câmara dos Escabinos da Cidade Maurícia. Com o crédito que recebeu da Companhia das Indias Ocidentais, chegou a possuir cinco engenhos, muitos escravos, bois, cavalos, canaviais e joias. Sua dívida era de cerca 300 mil florins. Era o segundo maior devedor da Companhia das Indias Ocidentais. Vainfas, 2006. p. 86. 90 endividada. Não se pode deixar de citar, no entanto, a disputa religiosa entre calvinistas e católicos também como responsável pelas rebeliões que se iniciavam (Boxer, 1969: p.123). ASPECTO BÉLICO Essa situação introduz questões relativas ao contexto bélico da Capitania, entre 1630 e 1654, que passam pelos descompassos econômicos entre a Companhia das Índias Ocidentais e a população luso-brasileira, em 1645. Entretanto, para melhor contextualizar o aspecto bélico nesse período, apresentam-se as dificuldades vivenciadas em Portugal, para se autoafirmar enquanto nação independente, pela desorganização de sua força militar. A partir de 1640, D. João IV, iniciou a organização da força militar portuguesa, em Portugal, criando um exército permanente, corpos auxiliares e o Conselho de Guerra. No entanto, na prática, as forças permanentes foram marcadas pela falta de soldados e de meios, precisando contar com o auxílio de Terços auxiliares e Terços pagos (Cotta, s/d: p.9). Conhecendo as dificuldades vividas na metrópole, podem-se compreender melhor as dificuldades vivenciadas na Capitania, seja pela falta de homens de guerra, seja pela falta de suporte da Coroa para expulsar os holandeses do território pernambucano. Os problemas econômicos entre a Companhia das Índias Ocidentais e a população lusobrasileira, iniciados em 1645, culminaram com uma rebelião, denominada Insurreição Pernambucana, que alcançou vitórias importantes contra os holandeses, culminando na sua capitulação, em 1654 (Vainfas, 2007: p. 86). Uma conjunção de fatos contribuiu para o fim do domínio holandês na Capitania, dentre eles, a dificuldade da Holanda em lutar contra os lusobrasileiros, pois estava em guerra com a Inglaterra, a partir de 1652. A reconquista portuguesa das colônias de Luanda, Benguela e São Tomé, em 1648, que retirou dos holandeses o controle do tráfico africano comprometendo suas finanças. E, finalmente, as batalhas e vitórias dos lusobrasileiros, em Pernambuco, de 1645 a 1654 (Vainfas, 2007: p. 99-100). Em síntese, considerando o contexto colonial de Pernambuco, de 1630 até 1654, quando a Companhia das Índias Ocidentais deixou a Capitania, devem ser considerados os aspectos políticos, econômicos e bélicos da colonização para permitir ter uma visão mais ampla do processo construtivo de fortificações nesse período. Do ponto de vista bélico, esse período foi marcado por um quase permanente estado de guerra: de 1630 até 1637, os portugueses tentavam resistir à invasão e, a partir de 1645, teve início a Insurreição Pernambucana. O único período de paz ocorreu durante o governo de Maurício de Nassau, de 1637 a 1644. Acredita-se que 91 durante períodos de guerra, a construção de fortificações deveria seguir ritmo acelerado, em função, principalmente do pouco prazo disponível para a execução das obras e ainda observase, em tratados de Fortificação, que durante períodos de guerra o material construtivo mais adequado seria a terra, pois é fácil de ser encontrada, é rápido de construir e de reconstruir no caso de ter partes destruídas em combate (Dogen, 1648. p. 85-86). Do ponto de vista político, por sua vez, observou-se o crescente interesse de Portugal nas colônias do Atlântico, dentre elas o Brasil, através de um grande investimento diplomático, uma vez que não tinha condições de iniciar uma guerra contra a Holanda. Finalmente, quanto aos aspectos econômicos, deve-se considerar que Portugal tinha perdido receitas de colônias na América, África e Ásia, incluindo da Capitania de Pernambuco, e que a produção de açúcar em Pernambuco começava a não ser mais tão rentável. Com a diminuição das receitas no nível metropolitano e colonial, deve-se levar em consideração que, possivelmente, nem Portugal, nem a Capitania poderiam contar com recursos suficientes para custear a estruturação defensiva de Pernambuco, conforme os modelos normatizados da Fortificação Moderna, abaluartada, vigentes. 3.3.1 FORTIFICAÇÕES DO SEGUNDO SISTEMA DEFENSIVO PORTUGUÊS Em 14 de fevereiro de 1630, foram avistadas, desde a vila de Olinda, sessenta e sete pequenas embarcações holandesas na costa pernambucana. Em 15 de fevereiro, desembarcaram, em Pau Amarelo, quatro mil homens sob o comando do general holandês Theodoro Waerdenburch (Coelho, 1981: p. 43 e 48). A partir de 16 de fevereiro, as tropas holandesas avançaram em direção ao Rio Doce empurrando a resistência luso-brasileira para o Sul. O general Matias de Albuquerque estava no Forte de São Francisco de Olinda, que protegia uma das principais entradas da vila. Resistiu por três vezes ao embate levando os inimigos a buscarem outro acesso para a vila de Olinda. Apesar da resistência, o Forte de São Francisco de Olinda foi tomado e começaram as investidas sobre a Guarita de João Albuquerque, que também foi tomada pelo inimigo. Desembarcaram mais dois mil homens e o general Matias de Albuquerque entrou na povoação do Recife, que estava esvaziada. A população se retirou levando consigo toda riqueza que poderia ser saqueada pelo inimigo35. Sem gente para lutar, Matias de Albuquerque juntou toda a munição e abastecimentos da povoação no Forte de São Jorge e Forte de São Francisco da 35 As riquezas citadas são, por exemplo, vinho, azeite e farinha da Espanha. 92 Barra. No amanhecer do dia 17 de fevereiro queimou toda a povoação e se refugiou com pólvora e munição do outro lado do rio Beberibe. No incêndio foram destruídos armazéns com açúcar e outras riquezas, frustrando os holandeses que planejavam o saque à povoação. Ainda foram queimados os navios disponíveis e alguns outros foram encalhados no canal, para impedir que o inimigo entrasse pela barra (Coelho, 1981: p.50-53). Em 20 de fevereiro, o Forte de São Jorge resistiu à investida holandesa de mil e quinhentos soldados, com oito escadas e granadas e outras armas de fogo. Esse forte era considerado pelos holandeses de pouca importância, assim como o Forte de São Francisco da Barra, pois, segundo os holandeses, ambos os fortes não resistiram aos canhões dos navios. Porém, sabiam que o domínio dos fortes da povoação significava o domínio do porto. Em 24 de fevereiro chegou o socorro da Paraíba aos colonos portugueses: cem homens e cento e oitenta índios. Em 25 de fevereiro chegou o reforço aos holandeses: mais oito pequenas embarcações com mais gente e muitos abastecimentos (Coelho, 1981: p.44-45 e 55-60). Na tentativa de tomar o Forte de São Jorge, no dia 28 de fevereiro, quatro mil homens marcharam em sua direção. Apesar de a artilharia inimiga ser muito reforçada, destruindo os parapeitos, o Forte de São Jorge só foi tomado em primeiro de março, ficando com a muralha em ruínas e os parapeitos desmantelados. A povoação vazia foi também ocupada pelo inimigo e, finalmente, o Forte de São Francisco da Barra se rendeu por não poder resistir sozinho, nem receber socorro (Coelho, 1981: p.60-63). Avisado dos acontecimentos em Pernambuco, o Rei mandou algumas caravelas de socorro. Em cada uma, além de munições, vinham de 30 a 40 homens comandados por seus capitães. Em cartas enviadas ao General Matias de Albuquerque, o Rei agradecia pelo esforço e informava que, brevemente, seria mandada uma Armada de socorro (Coelho, 1981: p.74). Depois de perder Olinda, os Fortes de São Jorge, de São Francisco da Barra e a povoação do Recife, Matias de Albuquerque e suas tropas aliadas se retiraram para tomar as estradas junto à vila de Olinda e para controlar os acessos à povoação do Recife. A estratégia estabelecida para conseguir manter esses postos de controle foi a construção de uma fortificação perto do rio Capibaribe, na confluência dos diversos caminhos que levavam aos engenhos e fazendas (Coelho, 1981: p.62-64). Um dos mais estratégicos postos de controle foi o passo do rio dos Afogados que guardava a passagem para a campina onde havia dezesseis engenhos de açúcar (Coelho, 1981: p. 67). 93 Acomodando-se ao sítio, a fortificação começou a ser construída em 4 de março de 1630 e recebeu o nome de Forte Real do Bom Jesus. Contava, no início, com quatro peças de ferro de quatro libras, retiradas dos navios. Também foi construído um reduto, fora do Forte, para guardar as casas dos moradores. Apesar dos esforços, o Forte Real do Bom Jesus foi tomado, em 1635, e destruído pelos invasores (Coelho, 1981: p. 65 e 142). Só em 1645, ainda no entorno da vila de Olinda e da povoação do Recife, João Fernandes Vieira36, começou um novo forte (Barreto, 1958: p.150). O Forte Novo do Bom Jesus foi construído no âmbito do movimento de insurreição que se formava em Pernambuco como parte do processo de resistência aos holandeses (Albuquerque, 1997). Ainda se incluem no sistema defensivo português, durante a ocupação holandesa, algumas outras fortificações do lado Norte e Sul da Capitania. Do lado Norte, no primeiro dia de dezembro de 1632, Matias de Albuquerque solicitou ao Conde de Bagnoulo, mestre-de-campo no Brasil, que fosse à Ilha de Itamaracá ver a possibilidade de construir uma bateria ou reduto para bater o forte que os holandeses haviam construído na entrada da barra. O reduto foi construído próximo à vila da Conceição, na encosta do morro, um pouco distante do forte. Contava com duas peças de 16 e 20 libras cada uma. Depois de quatro dias o reduto foi abandonado, pois os resultados das investidas não compensavam os gastos com pólvora e munição. As peças voltaram para o Forte Real do Bom Jesus (Coelho, 1981: p.128-130). Para a proteção do lado Sul da Capitania, foi construído um conjunto de estruturas defensivas no porto do Cabo de Santo Agostinho, considerado o segundo porto de Pernambuco, depois de Recife. O Conde de Bagnoulo, em 1631, fez na entrada da barra, o Forte de Nossa Senhora de Nazaré, com três canhões 37 . Foi localizado no sopé do morro, local onde Bagnoulo 36 João Fernandes Vieira, herói da Restauração Pernambucana, era mestre-de-campo do Terço de Infantaria de Pernambuco, líder dos insurretos, nasceu na Ilha da Madeira em 1610 e chegou a Pernambuco, ainda criança, em 1620. Começou a vida como feitor do engenho do holandês Jacob Stachouwer, de quem ficou sócio e procurador. Pela proximidade que alcançou de Maurício de Nassau, recebeu crédito da Companhia das Índias Ocidentais e adquiriu terras e engenhos, tornando-se um dos mais ricos senhores-de-engenho de Pernambuco. Tinha mais de dezesseis engenhos, em Pernambuco e na Paraíba, e mais de mil escravos. Era membro da Câmara dos Escabinos da Cidade Maurícia. Apesar do cabedal, era o segundo maior devedor da Companhia das Índias Ocidentais, sua dívida era de cerca de 300 mil florins. Como recompensa pelos serviços prestados na guerra contra os holandeses, foi nomeado Governador da Paraíba (1655-1657), capitão general do Reino de Angola (1658-1661) e Superintendente das Fortificações do Nordeste do Brasil (1661-1681). Morreu em 1681, em Olinda (Vainfas, 2006. p. 86; Gaspar, 2015). 37 Segundo Barreto, e Albuquerque, o Forte de Nossa Senhora de Nazaré foi construído em 1630, no extremo sul do Cabo de Santo Agostinho. (Barreto, 1958: p.151; Albuquerque. 1999: p.135). 94 desembarcou e, segundo Barléus, conveniente para impedir a aproximação das embarcações (Barléus, 1940: p.170). Em terreno mais elevado, foi instalado o Quartel de Nazaré. Nos anos de 1632, foram construídas as baterias de São Jorge: duas baterias em pedra solta, para dar suporte à fortificação (Coelho, 1981: p.100, 119 e 120). Em 1633, Bagnoulo iniciou a obra do Forte do Pontal, em frente da barra do Cabo de Santo Agostinho, para proteger o porto de Nazaré e toda a movimentação de cargas. Os holandeses tomaram o porto e se apossaram do reduto antes mesmo de ficar construído (Coelho, 1981: p.119 e 120 e 165 e 166). Em 1632, na entrada do Rio Formoso, Matias de Albuquerque mandou levantar bateria ou pequeno reduto. No local havia um porto natural por onde entravam embarcações para o socorro das tropas. O Reduto do Rio Formoso contava com duas peças de artilharia de 4 e 6 libras. Finalmente, em 1634, foram, ainda, levantadas trincheiras, mais a Norte do porto de Nazaré, nas praias de Gaibu e Itapoã, pois eram considerados locais onde era fácil o desembarque (Coelho, 1981: p.188). Uma dessas trincheiras teria sido o Forte de São Francisco Xavier de Gaibu. Em 1706, o forte foi recuperado quando João Marinho Falcão é designado seu Capitão e Cabo. Por outro lado, segundo Barreto, o forte foi construído em 1630 no extremo norte do Cabo de Santo Agostinho, na praia de nome Gaibu (Barreto, 1958: p.150). Todas essas fortificações estão espacializadas na figura abaixo. Figura 15. Localização das fortificações construídas pelo colonizador português durante a invasão holandesa. (Modificado do site Google Earth). 3.3.2 FORTIFICAÇÕES DO SISTEMA DEFENSIVO HOLANDÊS O segundo Sistema Defensivo português, por sua vez, começou a ser construído a partir de 1630, durante a invasão da Companhia das Índias Ocidentais que ocupou Pernambuco durante 95 vinte e quatro anos, marcando decisivamente a história da Capitania. A presença holandesa em Pernambuco, principalmente durante o governo de João Maurício de Nassau (1637-1644), foi responsável pela construção de uma nova cidade, pontes, palácios e jardim botânico, pela instalação de observatórios astronômicos e pela divulgação da paisagem brasileira e publicação de livros (Dantas, 2012: p.125-139). Na realidade, a permanência batava se configurou um enclave no território brasileiro: a Capitania era comandada pela Companhia das Índias Ocidentais, enquanto as demais capitanias brasileiras continuavam sob o domínio português. O período em que Pernambuco foi governado pelos invasores deixou marcas não apenas no âmbito militar, como serão apresentadas abaixo, mas também no urbanismo, cultura e religião. Do ponto de vista urbanístico, em função da falta de habitações e da má qualidade das existentes, no que diz respeito à saúde pública foi projetada e construída a Cidade Maurícia (Mauritsstaden). O projeto de urbanização, do arquiteto Pieter Post, contemplou ruas, praças, mercados, canais, jardins, saneamento e pontes. O projeto foi considerado uma revolução na paisagem urbana (Dantas, 2012: p.125-139). Do ponto de vista cultural, sabe-se que junto com a missão militar do Governador-Geral João Maurício de Nassau (1637-1644), veio a primeira missão científica às Américas: dentre os integrantes estavam o latinista e poeta Franciscus Plante, o médico e naturalista Willem Piso, o astrônomo e naturalista Georg Marcgrave, o médico Willem van Milaenen, os paisagistas flamengos Frans Post e Albert Eckhout (Dantas, 2012: p.125-139). Frans Post e Albert Eckhout permaneceram em Pernambuco de 1637 a 1644, durante todo o governo de Nassau. Post foi o primeiro artista estrangeiro a descobrir a paisagem brasileira (LAGO, 2012: p. 67-73), pintou paisagens, fortificações holandesas e batalhas entre holandeses e portugueses. Albert Eckhout pintou paisagens, naturezas-mortas, retratos de vários povos e estudos da flora e fauna brasileiras (Brienen, 2012: p. 75-90). Do ponto de vista religioso, apesar da igreja Luterana ser a igreja oficial e vinculada ao Estado Holandês, o Governador-geral João Maurício de Nassau manteve diálogo e tolerância com as demais religiões, inclusive judeus e católicos (Dantas, 2012: p.125-139). Como se pode verificar, a presença holandesa em Pernambuco significou um aporte cultural, urbanístico e religioso para o território pernambucano, assim como, uma contribuição para as questões militares. Os holandeses construíram fortificações com uma tecnologia diferente daquele usada pelos portugueses em Pernambuco. As fortificações construídas pelos holandeses 96 na Capitania de Pernambuco, a partir de 1630, foram do tipo Fortificação Moderna, abaluartada, construídas em terra. O Forte do Brum foi a primeira fortificação abaluartada, em terra, construída em Pernambuco. Essas fortificações compuseram um Sistema Defensivo Holandês. A estratégia de defesa da Companhia baseou-se na construção de fortificações posicionadas em formato de semicírculo para proteger a povoação do ataque dos portugueses localizados no interior e que ainda faziam resistência à dominação holandesa. O porto figurava como ponto fulcral da povoação e tinha sido escolhido como centro do cinturão de defesa. A estratégia holandesa ainda previa a defesa da costa (Medeiros, 2005: p.24). Foi um Sistema Defensivo próprio baseado nos conhecimentos práticos e teóricos da escola holandesa de fortificação (Coelho, 1981). Desde o início da invasão, o general holandês Theodoro Waerdenburch começou a fortificar o território invadido. Ao tomar a vila de Olinda fez quatro baterias para armar artilharia: uma no colégio dos Padres, outras nas Igrejas Matriz, da Misericórdia e da Conceição. Fez, ainda, trincheiras e estacadas no alto da vila e colocou Corpos de Guarda nas principais estradas (Coelho, 1981: p.59 e 60). No povoado dos Arrecifes, depois de conquistar o Forte de São Jorge e ocupar a povoação esvaziada, os invasores fizeram duas trincheiras de areia: uma na frente do Forte de São Jorge, outra na margem do rio. Também foram colocados seis cestões na frente da barra distante 250 metros do forte, com três peças de 25 libras, e outros três sobre o rio com artilharia de campanha. Pela parte do mar, ainda havia trinta e duas lanchas com artilharia, marinheiros e artilheiros. No dia em que os portugueses se renderam os holandeses ainda tinham levantado outra bateria com duas peças de 16 libras (Coelho, 1981: p.61 e 62). No local onde estavam as estruturas do forte português Diogo de Paes, foi construído, em terra e faxina, o Forte do Brum38, para garantir a segurança do povoado e do caminho para a Vila de Olinda (Coelho, 1981: p.71). Os responsáveis pela obra foram os engenheiros holandeses Commersteyn, Adréas Drewich e Van Bueren. O forte tinha formato de polígono de quatro lados com dois baluartes e dois meio-baluartes (Menezes. 1986: p.100-102). Para melhorar ainda mais a segurança do istmo e permitir o trânsito entre a Vila e a povoação, foi construído 38 Segundo Menezes, o nome Brum, foi uma corruptela do nome Bruyne, uma homenagem a Johan Bruyne, integrante do Conselho de Comissários que governou o Brasil holandês (Menezes. 1986: p.100-102). 97 o Forte Madame Brum39, uma fortificação com formato de um polígono quadrangular regular, com quatro meio-baluartes (Coelho, 1981: p.88). Figura 16. Ilustração denominada “CAERTE VANDE HAVEN VAN PHARNAMBOCQUE”, de 1639. Fonte: REIS, 2000. p. 86. Na ilha de Antônio Vaz, do lado oeste da povoação do Recife, foi edificado o Forte Ernesto para guardar o rio, as planícies e a vila de Antônio Vaz que estava sendo construída pelos holandeses. A fortificação contava com três faces, fosso, paliçada e baluartes (Barléu 1940: p.153). No lado oposto, teve início a construção do Forte Frederich Heinrich, de formato pentagonal com cinco baluartes. O forte foi construído junto à cacimba na ilha de Santo Antônio com projeto do engenheiro holandês Tobias Commersteyn e construção do engenheiro Pieter van Bueren (Coelho, 1981: p.71). O seu armamento constava de dezesseis peças de artilharia (Menezes. 1986: p.100-102). Durante sua construção, em função da guerra de emboscada empreendida pelos portugueses da resistência, foi construído um reduto auxiliar, o Forte Emília. Os holandeses ainda edificaram quatro redutos para guardar a margem do rio, dentre eles o Reduto da Boa Vista (Coelho, 1981: p.81). Com essa estratégia, contendo a Cidade Maurícia 39 Ainda segundo Menezes, o nome Forte Madame Brum foi em homenagem à esposa de Johan Bruyne (Menezes. 1986: p.100-102). 98 entre os dois fortes e seus redutos auxiliares, os holandeses pretendiam diminuir os assaltos dos portugueses (Barléu, 1940: p.153). No encontro dos rios Capibaribe e Beberibe, no local onde os portugueses haviam construído o Fortim Alternar (1624) foi construído um forte com três baluartes40. O Forte Waerdenburch foi feito com estacas e pranchões e sobre os baluartes havia guaritas (Coelho, 1981: p. 139; Barléu, 1940: p. 153). A construção do Forte do Príncipe Guilherme, localizado na várzea do Capibaribe, teve o objetivo de desestabilizar a resistência luso-brasileira. A estratégia incluiu a tomada de um dos pontos de controle portugueses mais significativos: rio dos Afogados, que guardava a passagem para a campina onde havia dezesseis engenhos de açúcar, e a construção da fortificação. O Forte tinha quatro ângulos, fosso e paliçada e estava armado com seis canhões de bronze (Coelho, 1981: p. 139; Barléu, 1940: p. 153). Visando ampliar a dominação da Capitania, os holandeses se dirigiram tanto para o lado Sul como para o lado Norte. Na Ilha de Itamaracá, no lado Norte da Capitania, construíram o Forte Orange na entrada da barra. O Forte contava com quatro baluartes, fosso e era cercado por uma estacada. Estava armado com doze canhões, sendo seis de bronze e seis de ferro. Foi construída ainda a fortaleza da vila de Schkoppe, na entrada do canal, que protegia o porto e a porta da vila e uma torre quadrada (Coelho, 1981: p. 85 e 86; Barléu, 1940: p. 153 e 154). Do lado Sul da Capitania, adentrando no porto do Cabo de Santo Agostinho, os holandeses construíram o Forte de Van der Dussen, sobre as estruturas incompletas do Forte do Pontal, que estava em construção pelos portugueses. Estava armado com seis bocas de fogo. Para complementar a estratégia de defesa foi feito, diante do anterior, o Forte Ghijselin, abandonado após as lutas com os portugueses e destruído pelo mar (Coelho, 1981: p. 89; Barléu, 1940: p. 154; Albuquerque, 1999: p.128-130). Todas essas fortificações estão espacializadas na figura abaixo. 40 O Forte Waerdenburch foi construído com quatro baluartes, mas a força da maré não permitiu manter o quarto baluarte, resultando numa fortificação com formato de polígono retangular, mas com três baluartes. Barléu, 1940: p. 153. 99 Figura 17. Localização das fortificações construídas pelo invasor holandês durante a invasão holandesa. (Modificado do site Google Earth). 3.4 TERCEIRA FASE BÉLICA (APÓS 1654) Continuando o levantamento de informações contextuais, a fim de situar a construção das fortificações e a instalação dos Sistemas Defensivos de Pernambuco num panorama mais amplo, segue a apresentação de aspectos financeiros, políticos e bélicos do período que engloba o terceiro Sistema Defensivo: de 1654 a 1661, ou seja, após a ocupação de Pernambuco pelos holandeses da Companhia das Índias Ocidentais, até a assinatura do segundo Tratado de Haia, em 1661, e o reconhecimento da independência de Portugal pela Espanha, em 1668, quando selou-se, em definitivo, a paz entre Portugal, Países Baixos e Espanha. ASPECTO POLÍTICO Iniciando pelo contexto político, deve-se registrar que, em 1660, o Império Português estava reduzido à costa oriental da África (Moçambique); Índia (poucas cidades e fortalezas); China (Macau); Indonésia (Timor) e ao Brasil. Portugal voltou-se, portanto, para o Brasil, que passou a ser considerado como a parte mais importante do Império (Wehling. 1999: p.106). Esse novo posicionamento explicaria os investimentos de Portugal na negociação de um novo acordo de paz definitiva com a Holanda, que apesar de ter entregado as colônias do Nordeste brasileiro aos portugueses, em 1654, passaram a exigir sua devolução, a partir de 1657, junto com a devolução de outras colônias holandesas em Angola e São Tomé. Essa exigência tem relação com a morte de D. João IV, Rei de Portugal, em 1656, que deixou um herdeiro ao trono de Portugal que tinha apenas três anos de idade, fragilizando seu poder politico diante da Europa. 100 A partir de 1657, os holandeses começaram a pressionar Portugal enviando uma esquadra para bloquear o porto de Lisboa, enquanto os diplomatas negociavam as devoluções. Os holandeses ainda saquearam navios portugueses que traziam produtos do Brasil. Na tentativa de evitar a guerra, Portugal, em 1658, sugeriu uma compensação financeira aos Países Baixos e à Companhia das Índias Ocidentais, porém negou-se a devolver as colônias brasileiras. O segundo Tratado de Haia só foi assinado em 1661, quando a Holanda foi pressionada pela Inglaterra, que passou a ser aliada de Portugal, a partir do casamento de Carlos II, herdeiro da Inglaterra, com Catarina de Bragança. Pelo acordo de paz, Portugal se comprometeu a pagar uma indenização de quatro milhões de cruzados para a Holanda dentre outras compensações (Silva, 2011: p. 349-351; Wehling, 1999: p.133). ASPECTO ECONÔMICO Do ponto de vista econômico, por sua vez, pretende-se demonstrar a diminuição ainda maior das receitas portuguesas, deixando o Império em péssima situação econômica. A partir da década de 1660, a receita de Portugal era proveniente da exportação do açúcar e tabaco brasileiros e do vinho, sal e frutas de Portugal, sendo que as despesas com a importação de outros produtos eram praticamente o dobro do que contabilizam as exportações. Esta situação piorou, ainda mais, quando o açúcar produzido nas Índias Orientais pelos ingleses e franceses adentrou no mercado europeu. As colônias inglesas e francesas utilizavam métodos de cultivo e moagem mais aprimorados que os brasileiros. Ainda em 1662, o açúcar brasileiro fazia parte do melhor açúcar do mercado europeu; porém, em 1671, a venda do açúcar brasileiro não alcançava maiores receitas. A depressão no mercado do açúcar na Europa, em 1675, acabou atingindo todos os produtores, incluindo os ingleses e franceses, que reclamavam não só do baixo valor de mercado, mas também da baixa demanda pelo produto, altos impostos e elevados custos do trabalho escravo (Boxer, 1969, p. 123 e 155-156). A partir de 1668, quando a Espanha reconheceu a independência de Portugal, os portugueses apostavam na recuperação econômica de Portugal, diferentemente, do que ocorreu, seja pela crise no mercado do açúcar na Europa, a partir de 1675, seja pelas mortes provocadas por doenças como varíola e febre amarela, no Brasil e em Angola, de 1686 a 1691, que tiraram muitos trabalhadores dos engenhos (Boxer, 1969, p. 157). Na última década do século XVII, no entanto, a situação econômica do Brasil, e consequentemente, de Portugal, começou a mudar. Em 1691, com o fim dos estoques de açúcar 101 na Europa, a demanda pelo açúcar brasileiro, considerado de melhor qualidade que o produzido nas Índias Orientais, aumentou, trazendo alguma recuperação para a indústria brasileira do açúcar. Mas, na verdade, a partir de 1690, com a descoberta de ouro aluvial no interior, o Brasil vivenciou um renascimento além das expectativas (Boxer, 1969, p. 159). ASPECTO BÉLICO Finalmente, do ponto de vista bélico, pretende-se chamar a atenção para o estado de tensão vivenciado pela capitania de Pernambuco, de 1654 a 1661, em função da permanente ameaça holandesa pela devolução das colônias no Brasil, Angola e São Tomé. Nesse intervalo de tempo, Portugal ordenou que as fortificações da Capitania de Pernambuco fossem reconstruídas para fazer frente ao inimigo, no caso de uma invasão. Em síntese, considerando o contexto colonial de Pernambuco, a partir de 1654, após a retirada dos holandeses de Pernambuco até a assinatura do segundo Tratado de Haia, em 1661, a compreensão do processo construtivo de fortificações, nesse período, para ser entendido, precisa considerar os fatores econômicos, culturais, políticos e bélicos. Do ponto de vista político, verificou-se que Portugal passou a ter total interesse pelo Brasil pautando suas relações com as demais nações europeias a partir do reconhecimento dessas nações pela soberania portuguesa inclusive, propondo compensações financeiras. Quanto aos aspectos econômicos, deve-se considerar que Portugal dependia das receitas oriundas da indústria açucareira do Nordeste, mas que essas receitas eram insuficientes, deixando Portugal em estado de penúria. A Capitania, portanto, não contava com receitas excedentes como no final do século XVI. Do ponto de vista bélico, por sua vez, observou-se que Portugal sentindo-se ameaçado pelos holandeses, priorizou a recuperação das fortificações existentes, apesar das dificuldades financeiras. 3.4.1 FORTIFICAÇÕES DO TERCEIRO SISTEMA DEFENSIVO PORTUGUÊS O terceiro Sistema Defensivo português da Capitania começou a ser construído em 1654, após a retirada dos holandeses de Pernambuco. Esse Sistema Defensivo se justificou pela ameaça holandesa de voltar a invadir Pernambuco em função da falta de acordo diplomático para pagamento dos investimentos feitos pela Companhia das Índias Ocidentais, em Pernambuco, e das dívidas dos colonos portugueses. Enquanto não havia acordo, apesar de ter desocupado o território, a Companhia continuava exigindo de Portugal a devolução das colônias holandesas no Brasil, em Angola e em São Tomé (Miranda, 2005: p.99). 102 Em dezembro de 1653, chega a Pernambuco a esquadra da Companhia de Comércio do Brasil composta por setenta e sete navios com o intento de recuperar Pernambuco aos holandeses. Os insurrentes já tinham tomado aos holandeses os Fortes Waerdenburch, do Brum, Madame Brum, Príncipe Guilherme e Frederich Heinrich. Os holandeses que estavam circunscritos à Cidade Maurícia e ao Recife iniciaram o processo de rendição. Além do cerco a que estavam submetidos em Recife, a situação de guerra que estavam vivenciando com a Inglaterra, desde 1652, contribuiu para o estabelecimento de um acordo com Portugal em troca da rendição e entrega das colônias. Pelo acordo, deveriam entregar o Recife Maurícia e todas as fortalezas que ainda estavam em seu poder, em todo o Brasil, assim como toda a artilharia e munição. Os luso-brasileiros, por sua vez, deveriam garantir a segurança dos holandeses e seus aliados, permitindo que voltassem livremente para a Holanda ou que ficassem em Pernambuco, sem retaliações, se assim desejassem (Silva, 2011: p. 343-345). A Insurreição Pernambucana, que culminou com a rendição holandesa, contribuiu para despertar as disputas diplomáticas entre as Províncias Unidas dos Países Baixos e Portugal. A morte de D. João IV, Rei de Portugal, em 1656, deixando um herdeiro com apenas três anos, estimulou ainda mais os holandeses a fazerem ameaças a Portugal. Como já foi citado, a partir de 1657, os holandeses voltaram a exigir a devolução das colônias holandesas no Brasil, Angola e São Tomé e, enquanto os diplomatas negociavam a devolução, enviaram uma esquadra a Portugal para bloquear o porto de Lisboa e saquearam navios portugueses que traziam produtos do Brasil. Em 1658, Portugal sugere uma compensação financeira as Províncias e a Companhia das Índias Ocidentais, e reafirma que não devolverá as colônias brasileiras. Em 1661, a Holanda assina o acordo de paz em Haia, pressionada pela Inglaterra, que passou a ser aliada de Portugal41. No acordo de paz, Portugal se compromete com uma indenização de quatro milhões de cruzados para a Holanda, dentre outras compensações (Silva, 2011: p. 349-351). Deve-se registrar que, após o fim da União Ibérica, ainda estavam indefinidas as demarcações separando o Brasil português da América espanhola, tanto nas terras ao sul, abaixo do atual Estado de Santa Catarina, quanto as terras do sertão. Só em 1750 é que foi assinado o Tratado de Madri, estabelecendo a divisa entre as terras de Portugal e Espanha. 41 A aliança de Portugal com a Inglaterra foi feita em função do casamento de Carlos II, herdeiro da Inglaterra, com Catarina de Bragança (Silva, 2011: p. 349-351). 103 Após a capitulação holandesa, as fortificações da Capitania de Pernambuco, aquelas do litoral, tanto na povoação do Recife, quanto do lado Norte e Sul da Capitania, começaram a ser consertadas e remodeladas, e outras foram abandonadas. No Recife, o Forte de São Francisco da Barra foi reassumido pelos portugueses. O Forte de São Jorge foi abandonado e seus materiais de construção foram utilizados, a partir de 1680, nas obras de construção da Igreja de Nossa Senhora do Pilar (Cavalcanti, 1999: p.134-136). Os Fortes holandeses: Forte Waerdenburch, Forte Ernesto, Reduto da Boa Vista, Forte Emília e Forte Príncipe Guilherme foram abandonados. O Forte do Brum foi reconstruído em pedra e cal, a partir de 1654, e as obras ainda estavam sendo realizadas em 1677, segundo cartas de João Fernandes Vieira ao Rei. O Forte Frederich Heinrich foi rebatizado de Forte de São Tiago das Cinco Pontas e foi reconstruído em alvenaria de pedra e cal pelo Engenheiro Militar Francisco Correia Pinto. Suas obras estavam finalizadas em 1677. O Forte Madame Brum também foi reconstruído em pedra e cal pelos colonos portugueses, a partir de 1654 (A.H.U., PE, Caixa 6, p. 232; A.H.U., PE, Caixa 12, p. 33-35). Ainda no Recife, o Forte Real do Bom Jesus, após a rendição, em 1635, foi arrasado e não foi reedificado (Albuquerque, 1988: p. 9). E o Forte Arraial Novo do Bom Jesus, depois de haver cumprido sua missão, foi abandonado, caindo em ruinas (Albuquerque, 1997: p.183). Na vila de Olinda, as trincheiras construídas pelos holandeses foram abandonadas e o Forte de São Francisco de Olinda foi reconstruído em alvenaria. Na parte norte da capitania, o Forte Orange foi reconstruído a partir de 1654, em pedra e cal, e foi rebatizado de Forte de Santa Cruz de Itamaracá. A Fortaleza da vila de Schkoppe e uma Torre, construídas pelos holandeses foram abandonadas. Em 1702, o governo da capitania solicitou ao Rei a construção de uma fortaleza para proteção da Barra de Pau Amarelo. Em 1707, o Forte de Nossa Senhora de Pau Amarelo, em pedra e cal, estava sendo construído. Na parte sul da capitania, o Forte de Van der Dussen e o Forte Ghijselin também foram abandonados. Já o Forte de Nossa Senhora de Nazaré, reconquistado em 1645, estava em obras de arremate em 1677. O Forte de São Francisco Xavier de Gaibu também foi reconquistado aos holandeses após a capitulação. Em 1654, João Fernandes Vieira manda construir um novo forte, na praia de Tamandaré, de formato quadrado com 4 baluartes. As obras do Forte de Santo Inácio de Loyola de Tamandaré foram concluídas em 1677 (A.H.U., PE, Caixa 6, p.232). 104 Todas essas fortificações estão espacializadas na figura abaixo. Figura 18. Localização das fortificações construídas pelos portugueses após a capitulação holandesa (Modificado do site Google Earth). FORTIFICAÇÕES CONSTRUÍDAS EM PERNAMBUCO UTILIZADAS COMO OBJETO DE ESTUDO A partir da identificação das fortificações construídas pelos portugueses em Pernambuco, foram feitas algumas verificações para seleção das fortificações que seriam utilizadas como objeto de estudo, nesta pesquisa. O primeiro critério foi a existência de vestígios que permitissem um levantamento físico espacial, com utilização de Estação Total, ou de imagem, que pudesse evidenciar a configuração geométrica da fortificação sobre a qual pudessem ser feitas medições. O segundo critério foi a acessibilidade; foram selecionadas fortificações que pudessem ser acessadas para serem medidas. O terceiro, e último critério, diz respeito à influência holandesa. Foram selecionadas fortificações construídas no âmbito da ameaça da invasão holandesa, antes de 1661, assinatura do segundo Tratado de Haia. A partir dos critérios apresentados foram selecionadas nove fortificações, pertencentes aos três Sistemas Defensivos, são elas: 105 Figura 19. Localização das fortificações selecionadas para serem objeto de estudo desta pesquisa (Modificado do site Google Earth). 106 COLETA XVI E XVII DE DADOS DE REFERÊNCIA DE TRATADOS DOS SÉCULOS PARA QUALIFICAÇÃO DOS MODELOS DE FORTIFICAÇÃO EM PERNAMBUCO Nesse capítulo estão apresentados os modelos de Fortificação Moderna que podem ter sido utilizados como referências nas fortificações construídas em Pernambuco nos séculos XVI e XVII. Dos modelos apresentados nos tratados desse período, foram selecionados, aqui, apenas aqueles que apresentavam a configuração geométrica com formato de polígono quadrangular, uma vez que esses são os formatos utilizados nas fortificações construídas em Pernambuco. Esses modelos foram apresentados a partir das suas características físicas, detalhando a configuração geométrica e o material construtivo sugerido como o mais adequado para a sua construção. Os dados técnicos seletivamente levantados e apresentados, nesse capítulo, têm o objetivo de fundamentar a análise comparativa dos modelos selecionados com as fortificações construídas em Pernambuco, presente no capítulo 6. Nesta análise comparativa, buscou-se averiguar se na construção das fortificações de Pernambuco foram seguidos os Tratados europeus. Para realizar esse levantamento foram selecionados Tratados sobre Arquitetura e Fortificações publicados nos séculos XVI e XVII. Considerando o grande número de Tratados publicados na Europa no século XVI, procurou-se trabalhar com diversidade de origem, privilegiando aqueles disponíveis nas bibliotecas. Para os Tratados do século XVII, a seleção seguiu três orientações. Alguns tratados foram selecionados a partir das referências encontradas no Tratado de Luiz Serrão Pimentel, engenheiro português do século XVII; outros foram também selecionados segundo a diversidade e a disponibilidade nas bibliotecas. Para ampliar a diversidade das fontes, também foi selecionado um tratado da escola italiana de fortificação 42, que apesar de não ter sido citado por Pimentel, faz parte da escola precursora dos estudos sobre a Fortificação Moderna na Europa. Luíz Serrão Pimentel em seu tratado “O methodo Lusitanico de desenhar as fortificacoens das praças regulares e irregulares”, publicado, postumamente, em 1680, reuniu o conhecimento adquirido a partir de tratados estrangeiros, publicados em toda a Europa, para ensinar estudantes 42 O tratado selecionado foi o do engenheiro militar italiano Vicenzo Scamozzi, por ter sido o primeiro tratado publicado pela escola italiana, no século XVII, no período em que as demais escolas estavam sendo criadas. 107 a projetar fortificações regulares e irregulares, considerando as características do sítio43 (Moreau, 2011: p.57; Valla, 2007: p, 233-234; Cotta, s/d: p.3-6). A escolha por utilizar parte da mesma seleção de tratados de que se valeu Luís Serrão Pimentel em seu tratado, se justifica porque, a partir desse tratado, dentre outros, a escola portuguesa de fortificação foi estruturada (Valla, 2007: p. 231). Em síntese, dentre os documentos apresentados a seguir, estão tratados das escolas italiana, alemã e holandesa: Século XVI   Tratado alemão: “Instruction sur la fortification des villes, bourgs et chateaux”. Albrecht Dürer. Nuremberga, publicado em 1527; e, Tratado italiano: “L’Architettura. Pietro Cataneo, publicado em 1567. Século XVII   Tratado italiano: “L’ Idea della Architettura Universale”, Vicenzo Scamozzi, publicado em 1615; Tratados holandeses: “L’Architectura Militair e Moderne ou Fortification”, Matthias Dogen, publicado em 1648; e “La Nouvelle Fortification”, Nicolas Goldman, publicado em 1645. Para a compreensão do conteúdo a ser apresentado, a seguir, foi preciso fazer algumas observações gerais. Os documentos que foram estudados se configuram como fontes primárias, pois são os tratados originais que foram publicados no século XVI e XVII, e evidenciam o diálogo do autor com o seu leitor, muitas vezes numa linguagem direta, na primeira pessoa do singular. O conjunto de dados apresentado abaixo foi, portanto, o resultado de uma seleção, realizada a partir do inteiro teor dos tratados selecionados. Como não havia padronização entre os conteúdos, foi preciso estabelecer critérios para seleção de dados, a partir de um conjunto determinado de variáveis, enquanto categorias de entrada, para permitir compreender os modelos de fortificação apresentados, enquanto categorias de saída. De uma maneira geral, os 43 O conteúdo do Tratado de Pimentel é a compilação de manuscritos elaborados por ele enquanto titular da Aula de Fortificação e Arquitectura Militar, entre 1647 e 1678 (Valla, 2007: p. 231). 108 tratados não são documentos objetivos; para compreendê-los foram necessárias longas leituras de textos e desenhos carregados de impressões, crenças e posturas pessoais dos próprios autores, em busca da construção de dados objetivos que traduzissem as características físicas dos modelos e seus materiais construtivos. A apresentação dos tratados foi estruturada, portanto, em duas partes: a descrição da configuração geométrica dos modelos em geral, com o detalhamento dos modelos possíveis de terem sido utilizados em Pernambuco; e a apresentação dos materiais construtivos sugeridos. Neste sentido, conforme já foi referido anteriormente, as variáveis consideradas para a configuração geométrica dos tipos de fortificação foram:      Principais itens que compõe uma fortificação; Formatos da fortificação; Dimensões e proporções; Tipos de fortificação; e, Inclinação da escarpa exterior do reparo. Outra particularidade dos tratados, também considerada nas análises, são as diferentes unidades de medidas lineares utilizadas em cada tratado, dependendo da cidade de origem do autor. Foi preciso utilizar tabelas para a conversão das medidas apresentadas. Essas tabelas foram retiradas do livro Systema Legal de Medidas, publicado em Lisboa, em 1864, onde estão apresentadas tabelas de redução das medidas das possessões portuguesas na América, Ásia, África e Oceania, como também de alguns lugares da Alemanha e de outros Estados. TRATADOS E SUAS UNIDADES DE MEDIDA REDUÇÃO EM METROS L’ Idea della Architettura Universale. Vicenzo Scamozzi. Medidas de Veneza Passo= 5 pés 1,7387 Pé agrário = 4 pés Pé 1,3909 0,37474 L’Architectura Militair e Moderne ou Fortification. Matthias Dogen Amsterdã Vara antiga (El) Pé do Rheno, de 12 pollegadas 0,6878 0,31385 La Nouvelle Fortification. Nicolas Goldman Amsterdã Pé = 11 pollegadas = 44 quartos = 88 oitavos 0,2831 Tabela 1. Valores das tabelas de redução de medidas para o sistema métrico-decimal dos tratados estudados e apresentados neste capítulo. Fonte: Da Graça, 1964. p. 155-188. 109 A partir do inteiro teor dos tratados, foram extraídos dados mais objetivos que possibilitam a identificação de modelos de fortificação. No entanto, em função da necessidade de comparação com as fortificações construídas em Pernambuco, apenas serão apresentados os modelos de fortificações com configurações geométricas semelhantes às de Pernambuco, que podem ser assim resumidas:  Fortificações de formato quadrangular, abaluartadas, cujas dimensões dos lados do polígono interno variam de 48 a 83 m;  Fortificações de formato quadrangular, não abaluartada, cujas dimensões dos lados variam de 12 a 23 m;  Fortificações de formato quadrangular com os lados fletidos, formando uma estrela, cujas dimensões dos lados variam de 12 a 23 m. Em síntese, os dados apresentados foram padronizados a partir das mesmas variáveis para permitir a comparação com as fortificações construídas em Pernambuco, cujo levantamento físico para a realização deste estudo, seguiu os mesmos procedimentos para obter o mesmo padrão de dados. Através da preparação de dados comparáveis foi possível, no capítulo de análise, verificar se os modelos aqui identificados, afiliados a três diferentes escolas, foram referência para a construção das fortificações pernambucanas. 4.1 TRATADOS DO SÉCULO XVI Como já foi apresentado no Capítulo1, os Tratados sobre Arquitetura publicados no século XVI já buscavam o aprimoramento das estruturas de defesa a partir dos conhecimentos matemáticos e geométricos, com o objetivo de se defender das armas de fogo. Esses Tratados apresentam um tipo de fortificação que passou a ser chamado de Fortificação de Transição. 4.1.1 INSTRUCTION SUR LA FORTIFICATION DES VILLES, BOURGS ET CHATEAUX Albrecht Dürer. Nuremberga, 1527 O tratado de Dürer44 é sobre a maneira de construir fortificações. No entanto, como Durer não era um homem de guerra, suas ideias sobre como construir uma fortificação foram aprimoradas 44 Albrecht Durer foi pintor e escultor alemão nascido em Nuremberg, em 1471 (onde faleceu em 1528). Realizou viagens pela Alemanha, Itália e Países Baixos e se interessou pelos aspectos teóricos da arte. Publicou tratados inspirados nas teorias de Leon Battista Alberti e Vitrúvio. É considerado um grande artista alemão do período 110 com base na experiência prática de homens de longa prática bélica (Dürer, 1527. p. 5). O Tratado não está divido em partes, trata-se de um texto corrido que apresenta projetos. São eles: (i) três projetos de torreões para serem construídos nos cinturões de muralha; (ii) projeto de um castelo para servir de residência a um príncipe, contendo três cinturões de muralha concêntricos, fossos e torreões; (iii) projeto de um castelo situado entre uma grande superfície de água e um rochedo elevado, pensado para poder controlar o acesso a partir dessa estreita passagem; (iv) projeto de melhoria de uma antiga vila fortificada, para que esta possa fazer frente aos ataques com artilharia moderna; e, (v) projeto de um suporte em madeira e metal para peças de artilharia moderna. A. CONFIGURAÇÃO GEOMÉTRICA PRINCIPAIS ITENS DE UMA FORTIFICAÇÃO Os principais itens de uma fortificação, para Dürer, eram as muralhas que envolviam a cidade como cinturões, os torreões que a flanqueavam e o fosso revestido que a antecedia. Deve-se registrar que os torreões contavam com espaços internos subterrâneos onde se poderia fazer a defesa baixa e rasante. Quando o inimigo estivesse mais próximo da muralha, ou mesmo dentro do fosso, a obras superiores não conseguiriam combatê-lo. Nos espaços internos – casamatas haveria, então, o posicionamento de tropas para atacar o inimigo que estivesse mais próximo, através de canhoneiras (Dürer, 1527. p. 6 e 23). Nos torreões maciços, por sua vez, só poderia ser feita a defesa superior para ataques à distância, mas essa foi considerada uma opção somente nas situações em que era necessário fazer economia na construção da fortificação. FORMATO O tratado não apresenta um formato específico para uma fortificação, pois o autor ainda considera o modelo medieval de muralhas, como cinturões em torno da cidade. No entanto, quando ele propõe a construção de um castelo, ele sugere o formato quadrado com 4300 pieds (1.255,6 metros ou m) de comprimento. Em torno do castelo propriamente dito, o autor indica renascentista, responsável pela modernização da cultura nórdica ao proporcionar o contato entre norte e sul da Europa (http://www.treccani.it). 111 a construção de outro muro, cercado por fosso. Nesse muro haveria quatro portas que seriam protegidas por quatro torres circulares e escarpadas, medindo 135 pieds (39,42 m) de altura, 100 pieds (29,20 m) de diâmetro na base e 70 pieds (20,44 m) na parte superior (Dürer, 1527. p. 40-42). DIMENSÕES E PROPORÇÕES No que diz respeito a dimensões e proporções, o autor defende que os torreões devem ter grandes dimensões, considerando que a capacidade da obra de resistir à violência dos projetis de alvenaria moderna estaria no elevado tamanho das suas estruturas. No Tratado, foram apresentados três tipos de fortificações. Em cada um dos tipos há diferentes espessuras dos muros da muralha e dos torreões. No primeiro tipo, a espessura da muralha e do muro do torreão do lado voltado para a cidade é de 10 pieds (2,92 m), a mesma espessura da antiga muralha medieval. Mas, a espessura proposta para os muros que estruturam o torreão do lado do fosso é de 18 pieds (5,25 m) (Dürer, 1527. p. 6 e 9). Nesse primeiro tipo, o fosso ao redor da cidade deve ter, no mínimo, 200 pieds (58,40 m) de largura e 55 pieds (16,06 m) de profundidade. Segundo Joaquim José da Graça, em Systema Legal de Medidas, Lisboa, 1864, página 161, nas medidas de Munich, na Baviera, um pieds equivale a 0,292 metros. No segundo tipo, ambas as partes do torreão, têm uma escarpa circular de 15 pieds (4,38 m) de espessura na parte baixa e vai reduzindo até 10 pieds (2,92 m) na parte alta. Nesse tipo, o fosso ao redor da cidade deve ter, no mínimo, 250 pieds (73 m) de largura e 50 pieds (14,60 m) de profundidade. Finalmente, no terceiro tipo, como a plataforma é bem menor que as demais, cerca de 120 pieds (35,04 m), todos os muros têm a mesma espessura: 10 pieds (2,92 m) em escarpa (Dürer, 1527. p. 32 e 38). Figura 20. 32 e 37). Representação dos três tipos de torreão, segundo o tratado de Albretch Dürer (Dürer, 1527. p. 8, 112 TIPOS DE FORTIFICAÇÃO Os tipos de fortificação citados no Tratado de Dürer estão relacionados aos tipos de torreões utilizados. O primeiro tipo apresenta um torreão curvado, razoavelmente avançado do muro da cidade em direção ao fosso. Esse avanço seria de cerca 90 pieds (26,28 m) a partir de uma linha de referência no muro. O segundo tipo também apresenta um torreão curvado, mas já mais avançado do muro da cidade em direção ao fosso. Esse avanço seria de cerca 200 pieds (58,40 m) a partir de uma linha de referência no muro. O terceiro tipo apresenta um torreão mais quadrado, com uma ligeira curvatura em uma das faces. O avanço desse torreão em direção ao fosso seria de cerca 80 pieds (23,36 m) a partir de uma linha de referência no muro. Esse tipo foi considerado, pelo autor, uma opção de projeto cuja execução seria menos onerosa (Dürer, 1527. p. 8 e 37-38). INCLINAÇÃO DA MURALHA Quanto à inclinação da muralha, em todos os projetos de fortificação propostos pelo autor, a muralha apresenta uma base, a prumo, medindo 23 pieds (6,71 m) de altura e sobre esta, um trecho escarpado medindo 30 pieds (8,76 m) de altura. Não há, no entanto, referência à inclinação que esta muralha deveria ter. O princípio defendido pelo autor é que uma muralha construída a prumo não seria capaz de resistir à grossa artilharia, por isso, deveria estar inclinada (Dürer, 1527. p. 5 e 31). B. MODELO DE FORTIFICAÇÃO SELECIONADO Não há referência no Tratado de Dürer sobre modelos de fortificação. Há apenas a descrição de três tipos de torreão para serem introduzidos nos cinturões das muralhas medievais. C. ESCOLHA DOS MATERIAIS CONSTRUTIVOS Ao descrever as características das fortificações, o autor apresenta sempre a pedra talhada como o material a ser utilizado na sua construção. “... para uma grande vila, para um castelo respeitável, cercado de muralhas, flanqueado de torreões e precedido de fossos revestidos, convém empregar construções de conformidade, quer dizer, obras em alvenaria de pedra.” (Dürer, 1527. p. 6). Para o autor, uma obra fortemente construída em alvenaria de pedra não perderia a capacidade de se defender, mesmo em momentos de paz e até quando se voltasse a precisar dela. 113 No caso de não haver pedra no local da obra, Dürer considera que seriam feitos terraplenos descobertos e fosso sem cobertura, advertindo, no entanto, que a muralha ficaria fragilizada, sendo mais fácil para o inimigo fazer buracos e adentrar na vila e destruir a fortificação com seus canhões. No caso ainda de não haver dinheiro ou se fosse necessário construir uma fortificação apressadamente, o autor lembra que poderiam ser feitas grandes bases sobre as quais se colocaria a terra. E ainda, poderiam ser escavados fossos e construídas paliçadas. No entanto, apesar de não considerar essa opção de má qualidade, lembra que as pessoas práticas de guerra conheciam esse método, por isso não era preciso explicá-lo em seu Tratado, além de que seriam obras pouco duráveis que se destruiriam com o tempo, quando sem manutenção (Dürer, 1527. p. 6 e 73). A utilização da alvenaria de pedra também seria a opção de Dürer na construção do parapeito da fortificação sobre os torreões. O autor acreditava que a forma circular e a utilização da pedra talhada fizessem os projetis ricochetear. Segundo o autor, as pedras a serem usadas dos torreões circulares deveriam ser cortadas de maneira que suas faces laterais fossem perpendiculares à superfície curva, ou seja, “em cunha”, reforçando o muro, uma vez que as pedras estariam pressionando umas as outras em cadeia (Dürer, 1527. p. 16 e 18). 4.1.2 L’ARCHITETTURA. Pietro Cataneo, Siena, 1567 O tratado de Pietro Cataneo45 sobre arquitetura não trata de fortificações propriamente ditas, mas sim, de recintos fortificados. Na verdade, são cidades, ou castelos (residência do Príncipe), ou cidadelas, dependendo de sua extensão, que seriam fortificadas. O Tratado está dividido em oito livros:  O primeiro livro apresenta a cidade como um lugar político que deve contar com segurança militar.  45 O segundo livro trata dos materiais de construção. Pietro Cataneo atuou ativamente como arquiteto militar a serviço da república de Siena, durante dez anos, até 1552. O tratado L’Architettura é fruto da experiência desses anos de campo. Cataneo participou da construção das fortificações e muralhas em PortoErcole, Orbetello, Talamone, Montano e outros lugares. 114  O terceiro e quarto livros apresentam, respectivamente, projetos de arquitetura religiosa e projetos de arquitetura de habitações, palácios etc.    O quinto livro aborda a ornamentação e ordens arquitetônicas. O sexto, discute a relação entre a cidade e a água. Finalmente, os livros sétimo e oitavo tratam da geometria e perspectiva a partir de um viés prático. A. CONFIGURAÇÃO GEOMÉTRICA PRINCIPAIS ITENS DE UMA FORTIFICAÇÃO Os principais itens, segundo Cataneo, para a defesa de um recinto fortificado são baluarte, cavaleiro, casamata, flanco, plataforma, fosso e terrapleno. Quanto maiores e mais robustos fossem cada um desses elementos mais seguro seria o lugar. O autor defende, ainda, que as cidades deveriam ter formato anguloso e não mais circular, como faziam os arquitetos antigos. Em cada ângulo deveria ser feito um bom baluarte, anguloso, de maneira que todas as partes da muralha pudessem ser defendidas a partir dos flancos do baluarte. Porém, os baluartes não deveriam ser diferentes entre si, mesmo quando a condição do terreno demandasse (Cataneo, 1567. p. 9 e 14-15). FORMATOS Os formatos sugeridos pelo autor para esses recintos fortificados são aqueles que propiciavam que o ângulo do baluarte fosse mais obtuso e menos agudo, de maneira que o baluarte pudesse resistir melhor ao tiro dos canhões. Segundo Cataneo, quanto mais lados tivesse a figura, sendo os lados iguais, o ângulo do baluarte seria mais obtuso e, portanto, mais robusto. Por isso, a figura do triângulo deveria ser evitada e a do quadrado perfeito não era aconselhada. No entanto, o formato quadrado seria aceito quando fosse do tipo cidadela ou castelo, ou seja, um recinto de menor extensão que estaria coligada à cidade, e também nos casos em que a cortina entre os baluartes tivesse um comprimento adequado (Cataneo, 1567. p. 17). A partir da figura de formato pentagonal, as cidades atenderiam às recomendações do autor. A configuração do terreno também foi considerada por Cataneo na definição do formato da fortificação. Em terrenos planos, o formato utilizado contaria com lados e ângulos iguais. No caso do terreno em montanha, a adequação ao sítio acabaria por levar a fortificação a ter lados 115 e ângulos desiguais, gerando figuras irregulares. Nesse caso, o autor orienta que não seria necessário colocar artilharia, nem precisaria que a muralha fosse robusta, nem tivesse grandes flancos, nem terrapleno nos trechos do terreno muito acidentado onde o inimigo não conseguiria atacar, pelas dificuldades de acesso. Nessas circunstâncias, fica registrado que haveria uma redução dos gastos da obra (Cataneo, 1567. p. 27). DIMENSÕES E PROPORÇÕES No que diz respeito a dimensões e proporções, para que o recinto fortificado fosse mais seguro, os baluartes deveriam ser mais espaçosos e bem ladeados (Cataneo, 1567. p. 14). Por isso, os menores baluartes que poderiam ser feitos não podiam ter flancos menores que 15 canne (35,01 m)46. No caso dos recintos de menor extensão, as cidadelas ou castelos de formato quadrado, os flancos mediam 15 canne (35,01 m). Já para os recintos maiores, as cidades, no formato pentagonal, os flancos mediam 16 canne (37,35 m); e no formato hexagonal, 16,5 canne (38,51 m). Segundo Joaquim José da Graça, em Systema Legal de Medidas, Lisboa, 1864, página 169, nas medidas de Florença, uma canna de commercio, ou 4 braças, equivale a 2,3344 metros. A partir das informações descritas no Tratado, é possível reconstituir os modelos sugeridos de cidadelas ou castelos quadrangulares e os modelos de cidades de formato pentagonal e, parcialmente, as de formato hexagonal. Na descrição do recinto de muro hexagonal equilátero, o autor apresenta dois tipos de baluartes, mas não há informação que permita representar o projeto do baluarte localizado no centro da cortina. Faltam as medidas da largura, face e ângulo do baluarte. Portanto, não há como projetar esse recinto fortificado. A mesma situação ocorre com a apresentação do recinto de muro heptagonal e decagonal (Cataneo, 1567. p. 23 e 32). Não foi apresentada a dimensão dos flancos, nem da linha flancante, por isso não há como representar esse projeto. TIPOS DE RECINTO FORTIFICADO Os tipos de recinto fortificado citados no Tratado de Cataneo são castelos ou cidadelas e cidades (Cataneo, 1567. p. 32). São projetados seguindo formatos de polígonos regulares, quando possível, ou resultam em polígonos irregulares quando precisam ser adaptar ao sítio. 46 Cataneo, 1567. p. 17. Segundo o autor, quatro braços equivalem a uma canna. Cada braço toscano tem doze onças. E cada onça equivale a quatro minutos. 116 As cidadelas e castelos tem menor extensão, já as cidades, de maior extensão, ainda podem contar com suas próprias cidadelas, coligadas aos seus muros, parte dentro, parte fora. INCLINAÇÃO DA MURALHA Quanto à inclinação da muralha, Cataneo não estabelece o seu grau de inclinação, apenas apresenta-a escarpada até ¾ da sua altura. No entanto, estabeleceu diferentes alturas para cada formato de recinto fortificado. Para uma cidadela ou castelo de formato quadrado, por exemplo, cujo lado mede 90 canne (210,09 m), a altura da muralha é de 7,5 canne (17,50 m) ou menos. Para uma cidade de formato pentagonal, cujo lado mede de 80 a 130 canne (186,75 até 303,47 m) a altura é 5,5 canne (12,83 m) (Cataneo. 1567. p. 19 e 21 e 22). No caso da cidade hexagonal, com 162,5 canne (379,34 m) de lado, a altura é 6 canne (14,0 m). Finalmente, o autor define para os recintos fortificados de formatos irregulares, a altura de 5,5 canne (12,83 m) para a muralha (Cataneo, 1567: p. 30). B. MODELO DE FORTIFICAÇÃO SELECIONADO A partir dos dados apresentados acima, foi identificado um modelo de fortificação que podem ter sido utilizados nas fortificações construídas em Pernambuco. Foi considerado, no entanto, apenas o formato do polígono quadrangular, que é aquele que deu origem às fortificações portuguesas existentes na Capitania. Os tipos de fortificações abaluartadas poderiam ter sido a cidadela ou castelo quadrangulares. A configuração geométrica dos modelos abaluartados pode ser objeto de comparação com a configuração geométrica das fortificações construídas em Pernambuco. Trata-se de fortificações que apresenta a seguinte configuração geométrica: Fortificação Moderna, abaluartada, composta por reparo, com baluarte e cortina; com formato de polígono de quatro lados, do tipo cidadela ou castelo quadrangulares, com dimensão do lado do polígono de 210 m, e não estabelece um valor para a inclinação. 117 Figura 21. Configuração geométrica do modelo de fortificação do tratado de Cataneo, do tipo Cidadela ou Castelo, que pode ser objeto de comparação com as fortificações construídas em Pernambuco. Modificado de Cataneo, 1567: p.17-21. C. ESCOLHA DOS MATERIAIS CONSTRUTIVOS Em seu Tratado, Cataneo apresenta a muralha da fortificação construída em terra e recoberta com outro material, mas não institui um único material construtivo para encamisar a fortificação. Orienta que a utilização do tijolo deve ser preferida, justificando que o tijolo é capaz de melhor proteger a muralha do ataque da artilharia, em relação a outros materiais. Esse tijolo, no entanto, teria que ser feito de boa terra, no tempo certo, enxuto convenientemente e cozido. A segunda opção, seria o uso das pedras como, por exemplo, turfa, consideradas pouco resistentes e de fácil trabalhabilidade. Assim como o tijolo, essas pedras, ditas macias, seriam capazes de proteger a muralha do impacto dos projetis. A última opção, seria a utilização de pedra dura. Como essas pedras se fraturam pela ação da artilharia em maior amplitude que as demais, não são aconselhadas (Cataneo, 1567. p. 14). No caso de não ser possível circundar a Cidade ou Castelo com muralha revestida, Cataneo sugere que se fizesse no entorno do sítio terrapleno com fosso, cortina e baluarte. Em um segundo momento, com mais comodidade poderia, então, ser encamisado o muro. No caso de, por sua vez, o terreno não comportar grandes baluartes ou terrapleno, dever-se-ia fazer na parte a ser atacada uma muralha grossa, medindo de 12 a 16 braços (7,00 a 9,33 m) recoberta interna e externamente com estreito muro de tijolo. Na parte externa, em baixo, a muralha seria revestida com muro de espessura de cerca 3 braços (1,75 m) e no alto, com 1 118 braço (0,5836 m) de espessura. O material entre os tijolos deveria ser composto de cascalho fino e cal para resistir ao tiro do canhão (Cataneo, 1567. p. 25). 4.2 TRATADOS DO SÉCULO XVII Os Tratados sobre Fortificação publicados no século XVII, como já foi apresentado no Capítulo 1, se caracterizaram pela especialização da construção de fortificações. Seu conteúdo apresenta modelos que definem um tipo de fortificação denominado Fortificação Moderna. 4.2.1 L’ IDEA DELLA ARCHITETTURA UNIVERSALE Vicenzo Scamozzi. Veneza, 1615 O tratado de Scamozzi, como o próprio título sugere, versa sobre a arquitetura universal, abrangendo todas as formas de arquitetura, seus atores, processos e materiais. A título de caracterização do tratado enquanto fonte de pesquisa, o texto está dividido em duas partes. A primeira é composta de três livros que tratam:   do arquiteto, da arquitetura, das formas arquitetônicas e do modo de desenhar; da geografia, do sítio e de suas características, faz advertência sobre a forma das fortalezas Reais e seus elementos e ainda discute o planejamento da execução da obra e a própria execução; e,  discute sobre os antigos romanos e gregos, suas casas, palácios públicos e privados e sobre a construção que se faz em outros países e as partes dessas construções, além do abastecimento de água. A segunda parte do Tratado, também está dividida em três livros que apresentam:   as Ordens Toscana, Dórica, Jônica e Coríntia, e suas características; os materiais de construção, seu uso adequado, com ênfase nas pedras nobres, trabalháveis e outros materiais como a terracota, cal, betume, areia, madeira e metais; e,  discute sobre a execução da obra, desde os profissionais até os materiais e seu agenciamento. Segue a apresentação dos dados da Configuração Geométrica dos modelos de fortificação a partir do tratado de Scamozzi. 119 A. CONFIGURAÇÃO GEOMÉTRICA PRINCIPAIS ITENS DA FORTIFICAÇÃO De uma maneira geral, os principais itens de uma fortaleza Real para Scamozzi são: baluarte (que serve para atacar e se defender), plataforma, revelim, e cavaleiro, e ainda, cortina, parapeito, terrapleno, fosso e contra escarpa. Após a descrição, o autor reforça que os itens devem ser localizados e estruturados com muito critério e feitos com muita maestria; e se faltar algum, toda a obra estaria imperfeita. Da mesma forma, se alguma das partes estiver imperfeita, toda a obra também estaria. Por isso, defende que não se deve fazer fortificação se alguma parte ficar imperfeita, seja para manter coisa velha ou fraca, seja por pressa ou economia, seja por baixa qualidade da matéria-prima (Scamozzi, 1615: p.180 e 190). Figura 22. Identificação das partes de uma fortificação listadas por Scamozzi como sendo as principais partes de uma fortificação Real. Fonte: modificado de SCAMOZZI, 1615, p. 194/195. Disegno della meta della fortezza d’otto lati com tutto le sue parti e diffese reali. FORMATO Para o autor, o formato não deve ser triangular nem quadrangular, porque o ângulo do baluarte fica muito agudo e, por isso, pouco resistente. A forma mais louvável para uma fortaleza ordinária seria a de cinco, seis e sete lados e ângulos iguais. Já para a fortaleza Real, a forma mais adequada deve ser a de um polígono de, no mínimo, oito lados e ângulos iguais (Scamozzi, 1615: p.186-187). 120 DIMENSÕES E PROPORÇÕES No que diz respeito a dimensões e proporções, o tratado apresenta os polígonos de quatro a dezesseis lados e ângulos iguais, que são os formatos de referência para a construção de fortalezas. Todos os polígonos têm a mesma medida de lado, ou seja, 180 passo (312,96 metros ou m). Segundo Joaquim José da Graça, em Systema Legal de Medidas, Lisboa, 1864, página 173, nas medidas de Veneza, um passo equivale a 1,7387 metros. Figura 23. Simulação do formato das fortificações de quatro e cinco lados a partir de polígonos regulares de 180 passa de lado, com indicação do ângulo do baluarte resultante. Fonte: modificado de Scamozzi, 1615. p. 185. TIPOS DE FORTIFICAÇÃO Os tipos de fortificação citados no Tratado de Scamozzi são: a fortaleza Real, a fortaleza ordinária, o castelo e cidadela e o forte de campanha. Dos tipos apresentados, considerando as dimensões que são adotadas no tratado, apenas o modelo de castelo e cidadela pode ter sido utilizado em Pernambuco; no entanto, considerando o formato do polígono, só o modelo de Forte de campanha se adequaria, por utilizar o polígono quadrangular.  O forte de campanha serve para incomodar o inimigo. Tem formato triangular ou quadrangular e deve ser construído longe da fortaleza, de maneira que se for ocupado não cause problemas (Scamozzi, 1615. p. 187).  O castelo e a cidadela são fortificações que defendem parte da cidade, com pouco gasto. São compostas de fosso, cortina, terrapleno e baluarte robustos, quase como aquele da cidade Real. Não devem nunca ter formato triangular nem quadrangular, pois o ângulo do baluarte resulta muito agudo e, portanto, pouco resistente ao ataque. Podem ser feitos 121 com cinco ou seis lados, apesar de terem ainda o ângulo do baluarte agudo. Esse tipo de fortificação deve ser feito com as suas medidas 1/6 ou até mesmo 1/3 menor do que aquelas medidas da fortaleza Real, ou seja, polígono com 120 ou 150 passo, cortina com 80 ou 100 passo, garganta com 20 ou 25 passo, flanco com 20 ou 25 passo e consequentemente, cabeça com 36 ou 45 passo (Scamozzi, 1615. p. 187). Figura 24. Apresentação dos nomes de linhas a partir do tipo Castelo e Cidadela usando formato de polígono regular de cinco lados. Fonte: modificado de Scamozzi, 1615.  Na fortaleza ordinária o formato mais adequado é aquele do polígono de cinco, seis ou sete ângulos formando uma circunferência.  Na fortaleza Real, o autor afirma que o melhor formato deve começar pelo polígono regular de oito lados, pois tem capacidade de defesa e despesa convenientes (Scamozzi, 1615. p. 183). INCLINAÇÃO DA MURALHA Quanto à inclinação da muralha, o Tratado diz que para todo tipo de fortificação é indicado que a muralha seja inclinada e que o caimento deve ser de ½ ou mesmo 1/3 da sua altura, que seria de 4 passo (Scamozzi, 1615. p. 208, prima parte ). Significando dizer que a muralha deve ter ou 63,43° ou 71,57°. B. MODELO DE FORTIFICAÇÃO SELECIONADO A partir dos dados apresentados, foi preciso criar um modelo de fortificação misturando dois modelos apresentados por Scamozzi. Em função da limitação do formato do polígono das 122 fortificações existentes em Pernambuco, polígono quadrangular, a fortificação poderia ser um Forte de campanha; mas em função das menores medidas estarem apresentadas no tipo Castelo e Cidadela, esse modelo pode ter sido utilizado em Pernambuco. O modelo criado é, na verdade, um Castelo ou Cidadela com formato de polígono quadrangular. A configuração geométrica desse modelo híbrido pode ser objeto de comparação com a configuração geométrica das fortificações construídas em Pernambuco. Trata-se de uma fortificação que apresenta a seguinte configuração geométrica: Fortificação Moderna, abaluartada, composta por reparo, com baluarte e cortina; com formato de polígono de quatro lados, do tipo Castelo ou Cidadela, com dimensão menor que a Fortificação Real em até 1/3, e com inclinação que pode ser de 63,43° ou 71,57°. Figura 25. Configuração geométrica do modelo de fortificação do tratado de Scamozzi, do tipo Castelo ou Cidadela, que pode ser objeto de comparação com as fortificações construídas em Pernambuco. modificado de Scamozzi, 1615. C. ESCOLHA DOS MATERIAIS CONSTRUTIVOS Em seu Tratado, Scamozzi defendia que a matéria-prima selecionada para ser utilizada na construção da fortificação precisava estar disponível no lugar onde a obra seria feita e precisaria ser adequada ao uso a que se propunha (Scamozzi, 1615. p. 44). O autor considerava que os melhores materiais para fazer uma fortaleza em terreno plano eram os solos tenazes, como a turfa; os quadrados de terra seca ao sol e ao vento; e, outros materiais semelhantes que não faziam muita resistência ao tiro dos canhões, mas que absorviam o seu impacto sem danos à estrutura (Scamozzi, 1615. p. 205). 123 Considerando que nem sempre seria possível utilizar terreno de melhor qualidade para construir a muralha, aconselhava-se de utilizá-lo sempre na parte externa, ao menos uma parte com seis passo de largura. O melhor terreno disponível deveria ser usado no parapeito, pois além de defender os soldados dos tiros de arcabuz, evitava a destruição pela ação da chuva ou da artilharia inimiga. Na parte interna do terrapleno, sugeria-se utilizar o terreno de qualidade mais honesta, e, finalmente, na parte interna, o terreno de menor qualidade. Antes de executar a obra, a matéria-prima deveria ser preparada. O autor advertia que se deveria compactar muito bem o terreno e durante o verão molhar o solo, para que estivesse mais bem unido formando um corpo compactado. O terreno mais fraco deveria ser reservado, com pedregulhos e outras matérias de pior qualidade para ser utilizado como cobertura do solo da área externa, onde promoveria incomodo aos inimigos que se aproximassem. No caso de não haver disponível terreno de melhor qualidade e ter sido preciso utilizar terrenos mais fracos, para cada mão de terreno deveria utilizar feixes de finos ramos frondosos ou de vime. Esses conjuntos deveriam ser usados, ao menos, por três ou quatro passo de terrapleno. Com esse artifício esperava-se que o terreno se coliguasse e a obra resultasse bem sólida. No caso de ter que usar terrenos encharcados, se utilizaria feixes de ramos frondosos, mais grossos, de maneira que o terreno fique preso nos galhos até secar. Com esse material seria preciso ainda entrelaçar galhos frescos, grossos, evitando que o inimigo pudesse fazer buracos na muralha (Scamozzi, 1615. p. 209. Finalmente, o autor considerava, ainda, a vontade do construtor de encamisar a muralha, ou seja, revesti-la externamente com pedras macias ou tijolos cozidos, unidos com argamassa de cal. Em sua opinião, a “camisa” era feita para tornar a construção mais bela, mas, principalmente, para que, em tempo de paz, a estrutura não fosse danificada pelas intempéries, e, em tempo de guerra, para que se pudesse perceber quando o inimigo tentasse escavá-la e para que houvesse resistência por mais tempo contra a artilharia inimiga. Nas faces e flancos dos baluartes, a camisa pode ser mais grossa em 1/3 ou até mesmo a metade da espessura utilizada na cortina, para poderem resistir melhor ao ataque da artilharia do inimigo (Scamozzi, 1615. p. 210). 124 4.2.2 LA NOUVELLE FORTIFICATION Nicolas Goldman. Leiden, 1645 O Tratado de Nicolas Goldman estava dividido em quatro livros: dos desenhos, dos perfis e iconografia; da estereotomia47 e sciographia48; e da mecânica e ofensiva:   No primeiro livro estavam apresentados os desenhos das pequenas e grandes obras, das figuras irregulares e plataformas e das figuras irregulares “pontos ordenados”. O segundo livro tratava dos perfis de parapeitos e muralhas, assim como da iconografia dos vários tipos de fortificação.  No terceiro livro, estavam apresentados os sólidos geométricos e os cálculos da estereotomia dos vários tipos de fortificações, e ainda, expunha tipos de portas, pontes levadiças, execução do fosso e planejamento do tempo da obra.  Finalmente, no quarto e último livro, sobre mecânica e ofensiva, estavam apresentadas as maneiras de se executar a obra, além de tratar das obras externas, como o revelin, e das regras e princípios de guerra. Esse tratado demonstrou ser mais executivo que o tratado italiano, pois orientava como deveria ocorrer o trabalho de marcação da fortificação no sítio, passo a passo. Segue a apresentação dos dados da Configuração Geométrica dos modelos de fortificação a partir do tratado de Goldman. A. CONFIGURAÇÃO GEOMÉTRICA PRINCIPAIS ITENS Ao invés de estabelecer quais os principais itens de uma fortificação, Nicolas Goldman estabeleceu algumas máximas, requisitos e regras necessárias a uma fortificação e proporções comuns e particulares entre suas partes. Seguem apresentadas as máximas e requisitos mais 47 Estereotomia é a técnica de dividir científica e regularmente materiais de construção (pedras, madeiras, cantaias etc.) (Grande dicionário Houaiss da língua portuguesa). 48 Terme d'architecture. Dessin d'un édifice qu'on représente coupé sur sa longueur ou sa largeur, pour en faire voir les dedans, c'est-à-dire toute la disposition intérieure, l'épaisseur des murs, les portes, les passages. À présent on appelle coupe le dessin qui fait voir l'intérieur d'un bâtiment ; et les ombres y donnent une idée de la quantité dont la coupe est en saillie sur le fond ; sciographie ne s'emploie plus guère qu'en parlant de l'antiquité (Dictionnaire de français “Littré”. http://littre.reverso.net/dictionnaire-francais/definition/sciographie/67562). 125 representativos, tendo em vista o objetivo deste trabalho que é a identificação de modelos de fortificação, visando identificar suas aplicações nos fortes em análise. Segue também imagem que ilustra os itens da fortificação tratada nas máximas, requisitos e regras. São eles (Goldman, 1645. p. 13):  Primeira máxima - o ângulo do baluarte não deveria ser menor de 60° e deveria ter, no máximo, 90°;  Segunda e última máxima - o projeto de fortificação não deveria considerar a capacidade defensiva maior que 750 pés; e,    Requisito 1 - o segundo flanco deveria ser o maior que se possa fazer; Requisito 2 - a garganta deveria ser bem larga; Requisito 3 - a defesa flancante precisaria ser mais curta; e, Figura 26. Apresentação dos nomes de linhas nas fortificações abaluartadas usando formato de polígono regular de quatro lados. Baseado em Figura XV, Goldman, 1645. p. 14.  Requisito 4 - o uso de flancos grandes era interessante, sem que o segundo flanco fosse prejudicado pelo seu excessivo comprimento; 126  Regra 1 - a face, nas praças regulares, não deveria ter menos que a metade da cortina, mas não deveria ser maior que esta.  Regra 2 - o flanco não deveria ser menor que a quarta parte da face, nem maior que a sua metade;  Regra 3 - a garganta nunca deveria ser mais curta que o flanco (Goldman, 1645. p. 13). O autor ainda refinou algumas regras já apresentadas, mas para serem utilizadas segundo o julgamento de cada artesão. Foram três proposições consideradas convenientes: 1. A face deveria ser a metade da cortina, assim o segundo flanco seria maior, e os requisitos necessários e regras comuns, acima apresentados, seriam obedecidos. Além de se reduzirem as despesas com a obra. 2. A medida do flanco deveria ser a metade da medida da cortina, ou uma parte desta. O autor sugeriu seguir uma progressão aritmética de acordo com o polígono utilizado: para um quadrado, o flanco poderia ser a metade da cortina; para um pentágono, um terço da cortina; para o polígono seguinte dever-se-ia somar dez pés, e assim por diante. Para o noneágono, a medida chegava à metade da cortina. Para as figuras seguintes, o flanco seria a metade da face e a face, a metade da cortina. Dessa maneira, as duas faces e os dois flancos poderiam ser vistos desde o meio da cortina, ao mesmo tempo; e, ainda 3. As medidas de alguns ângulos não poderiam ser modificadas, pois seriam o resultado dos polígonos utilizados. Outras medidas, como o ângulo do baluarte devem ter as seguintes medidas: da figura quadrada até o dodecágono, o ângulo deveria ser maior que a metade do ângulo da figura em 15°. No dodecágono e nas figuras seguintes, o ângulo do baluarte seria de 90° (Goldman, 1645. p. 13-15). TIPOS DE FORTIFICAÇÃO Os tipos de fortificação citados no Tratado estão divididos em pequenas e grandes obras. As pequenas obras eram aquelas sem baluarte, que não se defenderiam inteiramente, pois 127 apresentavam trechos que não poderiam ser visto da própria obra, e por isso o inimigo poderia ser aproximar sem ser atacado. São elas:    Redutos; Estrelas; e, Fortes de meio baluarte (Goldman, 1645. p. 3-12). Figura 27. Apresentação dos nomes de linhas a partir nos tipos redutos e estrela usando formato de polígono regular de quatro lados. Baseado em Goldman, 1645. p. 3-12. As grandes obras, por sua vez, já contavam com defesa inteira, pois todos os trechos poderiam ser vistos da própria obra, mas estavam divididas em dois grupos, os fortes e as fortalezas. Os fortes eram obras de meia grandeza, que não seriam suficientes para se defender de uma armada Real. Dentre os fortes, a divisão estava relacionada à capacidade de ataque em relação ao um Forte Real, que é do alcance do tiro do mosquete. Os tipos de fortes seriam:     Forte Quadrantal, tinha a capacidade de um quarto do forte Real; Meio Forte, a metade da capacidade do Forte Real; Forte Dodrantal, tinha três quartos da capacidade de um Forte Real; Forte Real. Finalmente, dentre as grandes obras, ainda havia as fortalezas que seriam obras bem fortificadas, capazes de resistir a uma armada Real. As fortalezas podem ser: 128  Fortalezas acutangulares, quando os ângulos dos baluartes são agudos; e,  Fortalezas retangulares, quando os ângulos dos baluartes têm 90° (Goldman, 1645. p. 1-3). Conforme se explicitará nas análises, entre os tipos de fortes apresentados acima, e considerando as dimensões que são adotadas no tratado, apenas os modelos de Forte Quadrantal e Meio Forte podem ter sido utilizados em Pernambuco, usando o polígono no formato quadrangular. Considerando os tipos não abaluartados, os tipos possíveis de terem sido usados foram o Reduto e a Estrela, ambos usando o polígono no formato quadrangular. DIMENSÕES E PROPORÇÕES No que diz respeito a dimensões e proporções, o tratado apresentava os polígonos e suas dimensões para cada tipo de fortificação acima apresentada. Dentre as pequenas obras de fortificações, o raio da circunferência que circunscrevia os polígonos variava, nos redutos de 33,94 a 84,85 piéds (de 9,61 a 24,02 m), dividindo os Redutos em muito pequenos, pequenos, medianos e grandes; nas estrelas, o raio da circunferência variava de 70,71 a 100 piéds (de 20,02 a 28,31 m); e nos Fortes de Meio Baluarte, o raio variava de 84,85 a 127,27 piéds (de 24,02 a 36,03 m), dividindo esses fortes em pequenos, médios e grandes. Segundo Joaquim José da Graça, em Systema Legal de Medidas, Lisboa, 1864, página 165, nas medidas de Amsterdã, um piéd equivaleria a 0,2831 metros. Nas grandes obras de fortificações, o raio da circunferência que circunscrevia os polígonos, variava conforme o tipo de fortificação: nos Fortes Quadrantal, varia de 166,8 a 230 piéds (de 47,22 a 65,11 m); no Meio Forte, de 333,6 a 461,7 piéds (de 94,44 a 130,71 m); no Forte Dodrantal, varia de 500,4 a 692,6 piéds (de 141,66 a 196,08 m); e, no Forte Real, de 667,2 a 923,4 piéds (de 188,88 a 261,41 m). Já nas fortalezas, o raio da circunferência que circunscrevia os polígonos variava nas fortalezas acutangulares de 923,4 piéds no hexágono (261,41 m) até 1.347 piéds no undecágono (381,34 m); e nas fortalezas retangulares, variava de 1.730,3 piéds no dodecágono (489,85 m) até 7.712,6 piéds no hexadcontágono (2183,44 m) (polígono com 60 lados). 129 FORMATO O formato das fortificações, para Goldman, variava de acordo com o tipo de fortificação. Nos redutos e fortes de meio baluarte era indicada a utilização do quadrado. Nas estrelas, os quadrados, pentágonos e hexágonos. Nos fortes, eram sugeridas as figuras não-Reais e figuras Reais, como o quadrado, pentágono e meio hexágono, Real e não-Real. Nas fortalezas, naquelas acutangulares, deveriam ser utilizados os formatos a partir do hexágono até o undecágono. Já nas fortalezas retangulares, deveriam ser os polígonos a partir do dodecágono até o hexadecontágono (polígono com 60 lados) (Goldman, 1645. p. 1). INCLINAÇÃO DA MURALHA Quanto à inclinação da muralha, o Tratado apresentava o perfil de cada tipo de fortificação, incluindo pequenas e grandes obras. Apesar da variação, em cada fortificação, entre altura e largura do talude exterior, a inclinação em todas era sempre a mesma, 63,43° (Goldman, 1645. p. 52-55). Figura 28. Representação dos perfis das obras de fortificação com indicação da inclinação da escarpa exterior do Reparo, segundo o tratado de Nicolas Goldman (Goldman, 1645. p. 52-55). B. MODELOS DE FORTIFICAÇÃO SELECIONADOS A partir dos dados apresentados acima, foram identificados modelos de fortificação que podem ter sido utilizados nas fortificações construídas em Pernambuco. Foi considerado, no entanto, apenas o formato do polígono quadrangular, que é aquele que deu origem às fortificações portuguesas existentes na Capitania. Os tipos de fortificações abaluartadas poderiam ter sido o Forte Quadrantal ou o Meio Forte, e para as fortificações não-abaluartadas, pode ter sido utilizado os tipos Reduto e Estrela. 130 A configuração geométrica dos modelos abaluartados pode ser objeto de comparação com a configuração geométrica das fortificações construídas em Pernambuco. Trata-se de fortificações que apresenta a seguinte configuração geométrica: Fortificação Moderna, abaluartada, composta por reparo, com baluarte e cortina; com formato de polígono de quatro lados, do tipo Forte Quadrantal ou o Meio Forte, com dimensão de ¼ e ½ da dimensão do Forte Real, respectivamente e com inclinação de 63,43° Figura 29. Configuração geométrica do modelo de fortificação do tratado de Goldman, do tipo Forte Quadrantal, que pode ser objeto de comparação com as fortificações construídas em Pernambuco. Modificado de Goldman, 1615. 131 Figura 30. Configuração geométrica do modelo de fortificação do tratado de Goldman, do tipo Meio Forte, que pode ser objeto de comparação com as fortificações construídas em Pernambuco. Modificado de Goldman, 1615. As configurações geométricas dos modelos não-abaluartados podem ser objeto de comparação com a configuração geométrica das fortificações construídas em Pernambuco. Trata-se de fortificações que apresentam a seguinte configuração geométrica: Fortificação Moderna, composta por reparo, com formato de polígono de quatro lados, do tipo Forte Reduto ou Estrela, com dimensão do lado do polígono que variam de 33,94 piéds e 100 piéds para os redutos e dimensão de 100 piéds do lado do polígono para a Estrela, com inclinação de 63,43°. Figura 31. Configuração geométrica do modelo de fortificação do tratado de Goldman, do tipo Reduto e Estrela que pode ser objeto de comparação com as fortificações construídas em Pernambuco. Modificado de Goldman, 1615. 132 C. ESCOLHA DOS MATERIAIS CONSTRUTIVOS Nicolas Goldman, em seu Tratado, afirmou que a terra era o material construtivo mais adequado para a construção de fortificações, pois além de “engolir” as balas dos canhões sem causar danos à estrutura, uma muralha feita de terra poderia ser reparada durante a noite, durante o período de guerra, conforme a necessidade e interesse (Goldman, 1645. p. IV ). O autor exemplificou, ainda, ao tratar da execução dos perfis, que poderiam ser feitos ajustes no projeto da fortificação de acordo com a qualidade da terra disponível. No caso de haver terra boa e gorda, a largura do talude exterior poderia ter a metade da altura do terrapleno; no caso de a terra não ser boa, a largura deveria ser 2/3 da altura e, em alguns casos, a largura deveria ser igual à altura do terrapleno (Goldman, 1645. p.46). 4.2.3 L’ARCHITECTURA MILITAIR E MODERNE OU FORTIFICATION Matthias Dogen. Amsterdã, 1648 O tratado escrito por Matthias Dogen está dividido em dois livros e ainda tem uma parte reservada à maneira das fortificações de atacar e se defender. O primeiro livro é reservado às figuras regulares. Nele estão apresentadas as definições e termos usados em arquitetura militar, o histórico das fortificações, as regras e máximas de uma fortificação, a maneira de se encontrar as linhas e ângulos, a determinação das medidas, a maneira de projetar uma fortificação regular e de traçar uma fortificação no campo. O segundo livro é reservado às figuras irregulares. Apresenta as máximas aplicáveis à sua construção, a maneira de escolher o melhor sítio, como corrigir figuras pouco capazes, como fortificar vilas antigas, lugares montanhosos, insulares, pedregosos, banhados por rio e mar e trata ainda da distribuição e economia de uma fortificação e do conhecimento dos mestres e artesãos. Segundo o autor, a arquitetura militar se propõe a cumprir três objetivos: fortificar um lugar, com arte, para resistir aos imprevistos da guerra; resistir, com poucas pessoas, às incursões de grandes tropas inimigas, as combater, retardar ou garantir a segurança de uma quantidade de habitantes e, sem muitos recursos, prevenir as suas incursões; e, finalmente, com o menor risco, vencer o inimigo. 133 Esse tratado demonstrou ser ainda mais executivo que o tratado de Nicolas Goldman, pois orientava como deveria ocorrer o trabalho de marcação da fortificação no sítio, passo a passo, de maneira que, na atualidade, seria possível realizar o trabalho por ele descrito. Segue a apresentação dos dados da Configuração Geométrica dos modelos de fortificação a partir do tratado de Dogen. A. CONFIGURAÇÃO GEOMÉTRICA PRINCIPAIS ITENS DE UMA FORTIFICAÇÃO Ao invés de estabelecer quais os principais itens de uma fortificação, o autor estabeleceu dezoito máximas que apresentam a proporção das linhas e ângulos. Dentre elas:  Primeira máxima - não pode haver nenhum ponto em toda fortificação que não possa ser visto e, consequentemente, defendido de vários lugares da fortificação. Significa dizer que as linhas de defesa sejam mais longas que aquelas a serem defendidas, caso contrário são consideradas linhas fracas;  Segunda máxima - um lugar regular é preferível a um irregular, pois o inimigo atacará sempre o lugar mais fraco, por isso se o lugar é regular, todas as suas partes serão igualmente fortificadas;  Terceira máxima - um lugar regular é mais forte quanto mais baluartes ele tiver, pela força dos ângulos dos baluartes, em atacar o inimigo;  Sétima máxima - a linha de defesa fichante não deve exceder 60 varas49 que é a distância máxima do tiro de mosquete. Essa é a linha mestre da fortificação, pois permite a defesa da face do baluarte oposto;  Oitava máxima defende que o flanco e a garganta quanto maiores mais fortes serão, pois poderão receber mais defensores. No entanto, é preciso tomar cuidado para que a garganta não pode ser menor que o flanco e o flanco não pode ser menor que um quarto da face nem maior que a sua metade. 49 Segundo Joaquim José da Graça, em Systema Legal de Medidas, Lisboa, 1864, página 165, nas medidas de Amsterdã, uma vara antiga equivale a 0,6878 metros. 134  Nona máxima diz que o segundo flanco grande é preferível a um menor, pois é a melhor defesa, por ser a mais próxima e mais obliqua à face. As mais perfeitas fortificações são aquelas cujos dois flancos contíguos são maiores em comprimento que a face oposta e cuja linha de defesa fichante tenha a distância do tiro do mosquete e a linha rasante seja a menor possível; Figura 32. 1648. p. 26.  Representação localizando linhas e ângulos nas fortificações. Baseado em Figura XIV, Dogen, Décima máxima trata do ângulo dos baluartes, defendendo que essa abertura deve ser a mais cômoda para que o flanco, garganta e segundo flanco tenham a grandeza necessária. Se o ângulo for muito grande, a face e a garganta podem se defender;  Décima primeira máxima defende que o ângulo do baluarte não tenha menos que 60°, pois não poderiam suportar o esforço do canhão inimigo, nem tenha mais de 90°, pois ele cria um obstáculo ao segundo flanco, que é peça fortemente utilizada na defesa;  Décima segunda máxima trata do ângulo do polígono, que não deve ser menor que 90°, pois assim o ângulo do baluarte será menos de 60°;   Décima quarta máxima diz que o ângulo entre cortina e flanco deve ter sempre 90°; Décima quinta máxima apresenta a exigência de o ângulo flancante exterior ser agudo, por ser mais adequado para melhor defender as faces;  Décima sexta máxima, o ângulo flancante interior deve ter ao menos 15°; 135  Décima sétima máxima defende que a proporção entre a cortina e face seja de uma vez e meia, sendo a cortina mais comprida, e medindo 36 varas. A face, por sua vez, além de não poder ser maior que a cortina, não pode ser menor que a sua metade; e, finalmente,  Décima oitava máxima defende que haja uma amigável correspondência e conveniente proporção entre o ângulo do baluarte, flancos, face e garganta para que juntos possam defender a praça (Dogen, 1648. p. 33-41). TIPOS DE FORTIFICAÇÃO Os tipos de fortificação citados no Tratado foram estruturados a partir da capacidade de defesa do mosquete: fortificações grandes, pequenas ou medianas.  Fortalezas Reais, seriam fortificações grandes cuja linha fichante seria da mesma medida que a portada do mosquete;  Fortalezas, seriam fortificações pequenas cuja distância entre os baluartes teria a dita medida;  As fortificações medianas estariam entre essas duas, onde a linha fichante não seria maior que a portada do mosquete, mas seria maior que a distância entre os baluartes (Dogen, 1648. p. 56). Dos tipos apresentados, considerando as dimensões que são adotadas no tratado, apenas o modelo de Fortalezas (pequenas obras) pode ter sido utilizado em Pernambuco, usando o polígono no formato quadrangular. DIMENSÕES E PROPORÇÕES No que diz respeito a dimensões e proporções, o Tratado apresentou três maneiras de calcular as medidas para fortificações pequenas e grandes. As três maneiras foram baseadas na identificação do ângulo do baluarte, nunca podendo superar o ângulo de 90°. Qualquer uma das três maneiras pode ter sido utilizada para calcular as fortificações construídas em Pernambuco.  Na primeira maneira, deveria se somar 15° à metade do ângulo do polígono para ter o ângulo do baluarte; 136  Na segunda, se admitiria o ângulo do baluarte como sendo dois terços do ângulo do polígono; e,  Na terceira, deveria se somar 20° à metade do ângulo do polígono para ter o ângulo do baluarte (Dogen, 1648. p. 45 e 46). No tratado, Dogen explicou que eram usadas as medidas em Verges Rhynlandiques e piéds, mas que ao invés de 01 verge ser equivalente a 12 piéds de Rhein, como em outras localidades, 01 verge equivaleria a 10 piéds de Rhein, Segundo Joaquim José da Graça, em Systema Legal de Medidas, Lisboa, 1864, página 165, nas medidas de Amsterdã, uma piéds equivale a 0,31385 metros. Consequentemente, 01 verges Rhynlandiques equivaleria a 3,1385 metros. As medidas utilizadas nesse tratado levaram em consideração o alcance de uma das máquinas de guerra mais utilizadas no período, o mosquete. O alcance era de 600 piéds ou 60 Verges Rhynlandiques (Dogen, 1648. p. 51-56). FORMATO Não há formato específico para os tipos de fortificações apresentados por Dogen. O Tratado mostra todas as fortificações utilizando como base os polígonos, desde o formato quadrado até vinte lados, ou mais. Foram apresentadas várias tabelas com as dimensões e proporções das fortificações da primeira maneira utilizando os polígonos de quatro a doze lados. Pode-se verificar, no entanto, a partir da tabela que até o polígono de doze lados, o ângulo do baluarte permanecia menor ou igual a 90°. Para os polígonos a partir de treze lados, o ângulo do baluarte passava a ter sempre 90°. Nas fortificações da segunda e terceira maneira, as tabelas apresentavam o cálculo de fortificações a partir de polígonos desde quatro até mais de vinte lados, no entanto, a partir do octógono, as fortificações apresentavam o ângulo do baluarte com 90° para todos os formatos (Dogen, 1648. p. 56 e 62). A preocupação de Dogen estava em fornecer o maior número de opções possíveis, mas garantindo que o ângulo do baluarte tivesse as medidas adequadas, que conforme a décima primeira máxima era de no mínimo 60°, pois não poderiam suportar o esforço do canhão inimigo, e no máximo 90°, pois criaria um obstáculo ao segundo flanco, que era peça fortemente utilizada na defesa. 137 INCLINAÇÃO DA MURALHA Quanto à inclinação da muralha, o Tratado apresentou uma máxima que chama a atenção para a necessidade de se buscar uma proporção mediana para a altura e largura da muralha, pois uma altura excessiva seria prejudicial. A orientação era que a altura da muralha tivesse o dobro da largura da escarpa exterior do Reparo. Considerava-se, ainda, que a altura deveria estar relacionada à natureza do terreno, ao polígono utilizado e ainda ao sítio onde a fortificação estaria assentada. Em função da proporção pré-estabelecida entre altura e largura da escarpa exterior, a inclinação seria sempre a mesma, medindo 63,43° (Dogen, 1648. p. 86 e 94-95). Essa inclinação é a mesma sugerida por Scamozzi, da escola italiana, e por Goldman, da escola holandesa. Figura 33. Representação do perfil de uma fortificação com indicação das alturas EF da muralha exterior. As medidas são em Verges Rhynlandiques que equivale a 10 pièds de Rhein, que equivale a 0,31385 metros, ou seja, uma verge Rhynlandique equivale a 3,1385 metros. Baseado em Figura LVIII, Dogen, 1648. p. 82 e 83. B. MODELOS DE FORTIFICAÇÃO SELECIONADOS A partir dos dados apresentados acima, foi identificado um modelo de fortificação que pode ter sido utilizado nas fortificações construídas em Pernambuco. Foi considerado, no entanto, apenas o formato do polígono quadrangular, que é aquele que deu origem às fortificações portuguesas existentes na Capitania. O tipo de fortificação abaluartada pode ter sido a Fortaleza. A configuração geométrica do modelo abaluartado pode ser objeto de comparação com a configuração geométrica das fortificações construídas em Pernambuco. Trata-se de uma 138 fortificação que apresenta a seguinte configuração geométrica: Fortificação Moderna, abaluartada, composta por reparo, com baluarte e cortina; com formato de polígono de quatro lados, do tipo Fortaleza com dimensão de ¼ e ½ da dimensão do Forte Real, respectivamente, e com inclinação de 63,43°. Figura 34. Configuração geométrica do modelo de fortificação do tratado de Dogen, do tipo Fortaleza que pode ser objeto de comparação com as fortificações construídas em Pernambuco. Modificado de Dogen, 1648. C. ESCOLHA DOS MATERIAIS CONSTRUTIVOS Apesar das fortificações apresentadas estarem estruturadas a partir da capacidade de defesa do mosquete, por sua facilidade e comodidade, o Tratado defendia ainda a necessidade de se considerar a força dos canhões inimigos sobre os muros. Por isso, a maneira de garantir a integridade de uma vila era fortificá-la e armá-la de bons muros. Segundo o autor, era preciso saber escolher o mais adequado e conveniente material para a construção das muralhas, para que fossem capazes de suportar o impacto das baterias inimigas. Entre madeira, pedra, cerâmica e terra, o autor escolheu a terra. 139 Segundo Dogen, a terra era a melhor escolha para o uso em períodos de guerra, pois: (i) tinha em todos os lugares; (ii) com as ferramentas mais simples era possível trabalhá-la; (iii) estava sempre pronta para ser manuseada; e, (iv) tinha custo baixo. A terra também era adequada para o uso na guerra, pois não pegava fogo e porque “engolia” e segurava os projetis dos canhões. Além do que, quando uma muralha em terra era destruída, seria possível facilmente reconstruíla (Dogen, 1648. p. 85-86). O autor complementou que as muralhas em pedra eram muitas custosas e se destruíam, além de ferir os próprios soldados que a estavam protegendo. 140 LEVANTAMENTO DE DADOS FÍSICOS DAS FORTIFICAÇÕES PORTUGUESAS DE PERNAMBUCO DOS SÉCULOS XVI E XVII Neste capítulo pretende-se apresentar as fortificações portuguesas que apresentaram remanescentes de estruturas construtivas acessíveis ou projetos de arquitetura quantificáveis construídas em Pernambuco, nos séculos XVI e XVII, através das suas características físicas, detalhando a configuração geométrica e o material construtivo utilizado na sua construção. A partir da contextualização das fortificações realizada no capítulo 2, foram identificadas dez fortificações, nos três Sistemas Defensivos, são elas:           Forte de São Jorge, construído a partir de 1590; Forte de São Francisco da Barra, construído de 1606 a 1612; Forte de São Francisco de Olinda, construído de 1620 a 1622; Forte Real do Bom Jesus, construído em 1630; Forte Nossa Senhora de Nazaré, construído em 1630; Forte de São Francisco Xavier de Gaibu, construído em 1634; Forte de Santa Cruz de Itamaracá, construído a partir de 1654; Forte do Brum, construído a partir de 1654; Forte de São Tiago das Cinco Pontas, construído a partir de 1654; e, Forte de Santo Inácio de Loyola de Tamandaré, construído a partir de 1654. Por um lado, foram levantados dados históricos sobre a construção buscando verificar o grau de originalidade das estruturas remanescentes, para excluir as reformas recentes, a fim de qualificar o levantamento físico; por outro lado, foram levantados dados arqueométricos rigorosos, para que também se obtivesse dados, de base métrica e físico-química, qualificados. Finalmente, ainda foram levantados dados geológicos da costa pernambucana para permitir identificar as possíveis fontes de matéria-prima e a partir das distâncias entre a fonte e a fortificação discutir questões relativas aos custos de construção. Os dados levantados nesse capítulo serão aqui, apenas, apresentados; esses dados servirão de base para a análise comparativa a ser realizada no próximo capítulo. 141 As fortificações foram agrupadas por Sistema Defensivo, mas a exposição dos dados levantados considerou cada fortificação individualmente. A partir do agrupamento foi possível, também, reunir o contexto histórico de Pernambuco, considerando dados econômicos, políticos e culturais disponíveis na literatura, para cada um dos períodos: até 1630, quando os holandeses invadiram Pernambuco; de 1630 até 1654, quando os holandeses se retiraram de Pernambuco; e após 1654 até a assinatura do Tratado de Haia, quando foram resolvidas as disputas territoriais e financeiras entre Portugal e a República Unida dos Países Baixos e cessaram as ameaças de nova invasão. Através do contexto histórico de Pernambuco, pretende-se identificar fatos que justifiquem as decisões portuguesas, no que concerne a construção de suas fortificações e, consequente, instalação dos seus Sistemas Defensivos. A partir dos dados levantados, pretende-se compará-los àqueles extraídos dos Tratados de Fortificação do século XVII para poder constatar se na construção das fortificações de Pernambuco foram seguidos modelos europeus. No caso de serem verificados modelos normatizados, os dados devem permitir identificar o grau de eficácia bélica das fortificações de Pernambuco, a partir do grau de obediência ao modelo (do ponto de vista conceitual, o modelo está sendo considerado de máximo grau de eficácia bélica); e finalmente, verificar de qual tratado o modelo foi retirado, para identificar se a afiliação dos modelos escolhidos em Pernambuco apresenta recorrências. É preciso relembrar que para a realização de uma comparação confiável, que permita alcançar às constatações esperadas, o levantamento dos dados físicos das fortificações precisou contar com recursos tecnológicos que garantissem uma elevada precisão, e com procedimentos de levantamento rigorosos. Esta decisão considerou que os dados obtidos nos Tratados, sobre a configuração geométrica dos modelos, apresentam uma precisão de máxima qualidade. 5.1 CONTEXTO GEOLÓGICO DE PERNAMBUCO PARA IDENTIFICAÇÃO DE FONTES DE MATÉRIA-PRIMA UTILIZADA NAS FORTIFICAÇÕES A caracterização do contexto geológico do litoral pernambucano, com a identificação dos tipos de rochas e sua localização, contribuiu para a compreensão do grau de investimento realizado pelo colonizador português na construção de suas fortificações. A partir da localização de fontes de matéria-prima adequadas à construção de uma fortificação, foi possível quantificar a distância entre as fortificações e estas possíveis fontes. Neste trabalho, partiu-se do pressuposto 142 de que o grau de investimento foi diretamente proporcional à distância até as fontes de matériaprima, ou seja, quanto mais longe estava a rocha escolhida para a construção da fortificação, maior foi o investimento do colonizador, no que diz respeito aos gastos financeiros para o transporte das rochas e ao tempo dispendido no transporte, aumentando o prazo de construção da fortificação. Para a identificação das possíveis fontes de rochas, ainda foi necessário identificar as rochas consideradas mais adequadas à construção de uma fortificação. A partir dos tratados publicados nos séculos XVI e XVII, percebe-se que havia um consenso entre os autores sobre as características físicas que uma rocha deveria ter para ser adequada à construção de uma fortificação. As rochas deveriam ser macias, pouco resistentes e de fácil trabalhabilidade (Cataneo, 1527: p.14; Scamozzi, 1615. p. 210; e Goldman, 1645. p. IV). Com essas características, segundo os tratadistas, as rochas seriam capazes de proteger a muralha do impacto das balas dos canhões. Argumentava-se, inclusive, que rochas duras, como o mármore, geravam altas despesas durante sua extração e eram danificadas pela ação da artilharia, não sendo aconselhadas (Goldman, 1645. p. IV). As características estabelecidas como adequadas para a escolha de rochas coaduna com as características das rochas calcárias e arenitos, consideradas brandas e propícias a serem trabalhadas (Pôrto, 2009: 96p). As fortificações de Pernambuco estão localizadas sobre os sedimentos do Grupo Barreiras e sobre a Faixa Sedimentar Costeira Pernambuco-Paraíba, localizada na região litorânea, que se subdivide em Bacia sedimentar Recife/João Pessoa (porção norte do litoral); e Bacia vulcanosedimentar do Cabo (porção sul do litoral) (Dantas & Lima Filho, 2006). Ao longo de toda a costa, ainda são encontrados arenitos de praia, também chamados Beachrocks, resultado de sedimentação holocênica (Ferreira Júnior et all, 2011: p. 546). 143 Figura 35. Compartimentação estratigráfica de Pernambuco identificando, em vermelho, a área onde estão localizadas as fortificações portuguesas construídas nos séculos XVI e XVII. Fonte: modificado de Gomes et al. (2001) em Dantas & Lima Filho, 2006. 5.1.1 BACIA SEDIMENTAR RECIFE-JOÃO PESSOA A Bacia Sedimentar Recife-João Pessoa ocupa a porção norte da costa pernambucana com extensão de 25 km no sentido Norte-Sul e 400 m de espessura, no sentido Leste-Oeste. É composta por sedimentos continentais (Formação Beberibe) e marinhos (Formação Gramame e Formação Marinha Farinha) que estão assentados sobre o embasamento cristalino précambriano. Algumas das fortificações portuguesas estão situadas sobre a Bacia Sedimentar Recife-João Pessoa, são elas: Forte de Santa Cruz de Itamaracá, Forte de São Francisco de Olinda e Forte Real do Bom Jesus.  A partir do Forte de Santa Cruz de Itamaracá, num raio de 2,5 até 5 km, existem fontes abundantes de fosforitos, calcarenitos e calcários de origem marinha da Formação Gramame; e num raio de cerca 7 km, na outra margem do Canal de Santa Cruz, podem ser encontrados arenitos finos e ainda arenitos carbonáticos médios a grosseiros, da Formação Beberibe. Ainda podem ser encontrados arenitos de praia (beachrock) ao longo da linha de costa; 144 Figura 36. Delimitação das possíveis fontes de rocha, enquanto matéria-prima para construção, através de raios concêntricos de 5 e 10 km, que tem como pontos centrais o Forte de Santa Cruz de Itamaracá, Forte de São Francisco de Olinda e Forte Real do Bom Jesus.  A partir do Forte de São Francisco de Olinda, num raio maior que 5 km, podem ser encontrados calcários dentríticos, da Formação Maria Farinha; num raio maior que 8 km, há ocorrências pontuais de arenitos da Formação Beberibe; e, num raio a partir de 11 km, calcários da formação Gramame. Ainda podem ser encontrados arenitos de praia (beachrock) ao longo da linha de costa; e,  A partir do Forte Real do Bom Jesus, a oferta de rochas macias para a construção de fortificações só ocorre a partir de 7,5 km, numa ocorrência pontual, a norte, de arenitos da Formação Beberibe. Ao redor da fortificação, num raio de até 10 km predominam os sedimentos areno-argilosos do Grupo Barreiras. E a partir de 10 km, no sentido nordeste, podem ser encontrados calcários, da Formação Maria Farinha. 145 5.1.2 BACIA VULCANO-SEDIMENTAR DO CABO Por sua vez, a Bacia Vulcano-Sedimentar do Cabo ocupa a porção sul da costa pernambucana com extensão de 85km no sentido Norte-Sul. É composta por conglomerados, arcósios, arenitos grosseiros e siltitos (Formação Cabo); manifestações vulcânicas, subvulcânicas e plutônicas (Formação Ipojuca); calcários (Formação Estiva); e por conglomerados e arcósios (Formação Algodoais) (Lafayette, 2006). Algumas das fortificações portuguesas estão situadas sobre a Bacia Vulcano-Sedimentar do Cabo, são elas: Forte do Brum, Forte de São Jorge, Forte São Francisco da Barra, Forte São Tiago das Cinco Pontas, Forte de São Francisco Xavier de Gaibu, Forte de Nossa Senhora de Nazaré e Forte Santo Inácio de Loyola de Tamandaré.  A partir do Forte do Brum, Forte de São Jorge, Forte São Francisco da Barra e Forte São Tiago das Cinco Pontas, o contexto geológico para as três fortificações é o mesmo. Não há oferta de rochas até um raio de 10 km a partir dessas fortificações. Exceto os arenitos de praia (beachrock) que podem ser encontrados ao longo da linha de costa. Encontram-se disponível, apenas, sedimento areno-argiloso do Grupo Barreiras;  A partir do Forte de São Francisco Xavier de Gaibu e Forte de Nossa Senhora de Nazaré o contexto geológico para as duas fortificações é o mesmo50. Na porção noroeste, de 2 a 8 km de distância, encontra-se uma grande ocorrência de arenitos com presença de fragmentos de rochas vulcânicas, típico da Formação Algodoais. Observam-se, ainda, a partir de 5 km de distância das fortificações, a noroeste, arenitos da Formação Cabo, em ocorrências esparsas; e, em quantidade significativa, a oeste. Ainda podem ser encontrados arenitos de praia (beachrock) ao longo da linha de costa. 50 Ambos as fortificações, Forte de São Francisco Xavier de Gaibú e Forte de Nossa Senhora de Nazaré, estão assentadas sobre uma ocorrência de cerca 1 km de diâmetro de rochas da Formação Ipojuca, de origem vulcosedimentar, dentre elas granitos, riolitos, basaltos e traquitos, rochas consideradas duras e de difícil trabalhabilidade (Pôrto, 2009: 96p). Até 10 km de distância das fortificações ainda são vistas duas ocorrências de rochas da mesma Formação Ipojuca (Lafayette, 2006). 146 Figura 37. Delimitação das possíveis fontes de rocha, enquanto matéria-prima para construção, através de raios concêntricos de 5 e 10 km, que tem como pontos centrais o Forte do Brum, Forte São Francisco da Barra e Forte São Tiago das Cinco Pontas.  A partir do Forte Santo Inácio de Loyola de Tamandaré, a oferta de rochas da Bacia Vulcano-Sedimentar para construção não é abundante nem variada 51. Entre 2 e 3 km, no sentido noroeste, e entre 5 e 7,5 km para norte, observam-se duas ocorrências de arenito. Ainda podem ser encontrados arenitos de praia (beachrock) ao longo da linha de costa. 51 A partir de 5 km do Forte Santo Inácio de Loyola de Tamandaré, de noroeste até o Sudoeste, encontra-se o embasamento cristalino, do pré-cambriano, que conta com granitos, gnaisses e migmatitos, rochas consideradas inadequadas para a construção de fortificações (Lafayette, 2006; Pôrto, 2009: 96p). 147 Figura 38. Delimitação das possíveis fontes de rocha, enquanto matéria-prima para construção, através de raios concêntricos de 5 e 10 km, que tem como pontos centrais o Forte de São Francisco Xavier de Gaibú e Forte de Nossa Senhora de Nazaré. Figura 39. Delimitação das possíveis fontes de rocha, enquanto matéria-prima para construção, através de raios concêntricos de 5 e 10 km, que tem como ponto central o Forte Santo Inácio de Loyola de Tamandaré. Em posse do mapeamento das fontes de rochas calcárias e areníticas da costa pernambucana, pretende-se, ainda neste capítulo, partir para o cruzamento do mapa de fontes com o tipo de 148 rocha utilizada na construção de cada fortificação, a fim de identificar as possíveis fontes de matéria-prima. O tipo de rocha de cada fortificação está indicado nos dossiês de cada fortificação, que serão apresentados a seguir. A identificação do grau de investimento realizado pelo colonizador português na construção de suas fortificações foi considerada não apenas para cada fortificação, individualmente. As fortificações que compõe cada um dos três Sistemas Defensivos portugueses serão analisadas, conjuntamente, para permitir verificar se houve um mesmo padrão de escolha. Como essas fortificações foram reunidas arbitrariamente, em função da presença holandesa que significou um enclave da história de Pernambuco, com a constatação de padrões de escolhas em cada Sistema Defensivo, estar-se-á revalidando a divisão temporal, anteriormente feita. 5.2 FORTIFICAÇÕES DE PERNAMBUCO DOS SÉCULOS XVI E XVII 5.2.1 FORTIFICAÇÕES DO PRIMEIRO SISTEMA DEFENSIVO Considerando os dados acima apresentados, segue-se com a descrição do levantamento de dados das fortificações do primeiro Sistema Defensivo português em Pernambuco que serão analisados no capítulo seguinte, em comparação com os dados retirados dos Tratados de Fortificação do capítulo anterior. As fortificações descritas, neste trecho, são:    Forte de São Jorge, construído a partir de 1590; Forte de São Francisco da Barra, construído de 1606 a 1608; Forte de São Francisco de Olinda, construído de 1620 a 1622; A. FORTE DE SÃO JORGE. 1590 O Forte de São Jorge, localizado no bairro do Recife, região central da cidade, foi construído pelos colonizadores portugueses a partir de 1590. O Forte foi posicionado na entrada do porto do Recife, num istmo banhado a leste pelas águas do mar e a oeste, pelo rio Beberibe. Na atualidade não há vestígios do Forte, acredita-se que suas ruínas estejam localizadas no entorno ou sob a Igreja de Nossa Senhora do Pilar. 149 Foto 7. Possível localização do Forte de São Jorge, na área central do Recife (modificado do Google earth, em 26.01.2017). DADOS HISTÓRICOS O Forte de São Jorge foi edificado, em alvenaria de pedra, a partir do final do século XVI e finalizado em 1603. A primeira referência a um forte construído sobre a terra é em 1595. Esse pode ter sido o Forte de São Jorge, inclusive porque, segundo Barreto, o Forte foi construído em 1590 (Barreto, 2011: p. 88). A partir da iconografia disponível, sugere-se tratar de uma fortificação de formato quadrado, formada por muralha com quatro torreões nos cantos. Segundo Menezes, em 1612, estava em ruína. Em 1620, foi restaurado. Em 1630, na invasão holandesa, teve as muralhas arrasadas. Em 1638, como estava muito arruinado, foi cedido por Maurício de Nassau para ser utilizado como hospital. Em 1667, depois de ter sido abandonado, teve parte do seu material construtivo utilizado para restauração do Forte do Brum. Em 1680, no seu local foi construída a Igreja de Nossa Senhora do Pilar, que também utilizou os materiais construtivos do velho Forte (Menezes. 1986: p.98). 150 Figura 40. Duas diferentes representações do Forte de São Jorge, construído no Istmo de Recife e Olinda, em 1590. Vista do Recife de Peeter Gillis, 1637, onde está identificado o Forte de São Jorge. 2. Recorte de estampa e folheto holandês de 1630: “de Stadt Olinda de Pharnambuco...”. Estudos realizados por Menezes apontam para a localização de suas estruturas no entorno ou sob a Igreja de Nossa Senhora do Pilar, no Bairro do Recife. Escavações arqueológicas realizadas pela Fundação Seridó no entorno da Igreja, de 2010 a 2014, podem ter revelado elementos de sua estrutura de fundação. No entanto, é preciso que se realizem trabalhos arqueológicos mais sistemáticos para poder afirmar se se trata, realmente, do primitivo Forte de São Jorge. CONFIGURAÇÃO GEOMÉTRICA O Forte de São Jorge, pelo que se pode observar na iconografia, é uma fortificação maciça com formato de polígono de quatro lados, retângulo ou mesmo um quadrado. Como suas ruinas não foram até o momento encontradas, não há dados físicos suficientes para uma descrição aprofundada. No que concerne uma análise tipológica, no entanto, as referências iconográficas disponíveis são suficientes. É preciso, no entanto, reconhecer os riscos de se admitir como fato as formas apresentadas nas representações iconográficas, mas também estão sendo consideradas referências históricas que admitem que o Forte de São Jorge tinha o formato representado pelas estampas e demais representações. Essa confirmação, no entanto, só poderá ser feita em pesquisas arqueológicas futuras. Os principais itens que compõe a fortificação são muralhas relativamente altas, com tambores nos ângulos, troneiras e canhoneiras abertas nas muralhas (tanto no terraço, como em níveis 151 mais baixo, para possibilitar o tiro rasante). A partir da iconografia não há como precisar suas dimensões. Pode-se, no entanto, verificar que sua muralha conta com um reforço na base. ESCOLHA DOS MATERIAIS CONSTRUTIVOS O Forte de São Jorge, segundo os dados históricos, foi construído em alvenaria de pedra. Há referência ainda de que seus materiais construtivos foram reutilizados para a construção do Forte do Brum. Informações mais precisas sobre os materiais construtivos utilizados na sua construção serão obtidas através de uma pesquisa arqueológica detalhada. B. FORTE DE SÃO FRANCISCO DA BARRA. 1606 O Forte de São Francisco da Barra, localizado sobre os arrecifes na entrada da barra, na área central do Recife, foi construído pelos colonizadores portugueses de 1606 a 1612. Como a estrutura da muralha está em ruínas, é possível visualizar, do lado oeste, trechos da fundação e, do lado leste, remanescentes da muralha, que estão sob a influência do mar. Foto 8. Ruinas do Forte de São Francisco da Barra, porção leste. 152 Foto 9. Localização do Forte de São Francisco da Barra, na área central do Recife (modificado do Google earth, em 19.09.2014). Está localizado em ambiente marinho e sofre influência das águas do mar. As ondas batem com muita força sobre a muralha e acabam projetando as águas para o lado oeste dos arrecifes. A influência negativa do mar sobre as estruturas do Forte ocorre durante todo o dia, mesmo em período de maré baixa. DADOS HISTÓRICOS Em 1591, o Forte de São Francisco da Barra teve construção autorizada pelo governador da Capitania, D. Francisco de Sousa, mas só recebeu aprovação Real para sua construção em maio de 1606. O desenho do forte foi enviado de Recife e recomendado a Tiburcio Spanochi, Engenheiro-mor dos Reinos de Espanha. Em 1608, Francisco Frias de Mesquita, estava trabalhando na fortificação que só foi concluída em 1612. As referências arquitetônicas e espaciais informam que a fortificação, com formato de noneágono, foi construída em alvenaria de pedra. O seu armamento constava de sete peças de artilharia (Lago, 1973: p.589). Em 1620 estava em ruínas em função, inclusive, da ação do mar, e foi reformado. Em 1630, foi conquistado pelos holandeses e foi recuperado em 1638. Com a capitulação holandesa, em 1654, os colonos portugueses reassumiram a fortificação. Em 1808, o governador da Capitania mandou reformar o Forte, com projeto do engenheiro Antônio Bernardino Pereira do Lago. Em 1905, serviu de posto fiscal aduaneiro para o Ministério da Fazenda. Em 1906, estava em ruínas e durante as obras de reforma do Porto do Recife suas ruínas foram encobertas (Menezes. 1986. p. 98). 153 Foto 10. Forte São Francisco da Barra na fotografia de Marc Ferrez de 1875. Fonte: MENEZES. 1986. p. 114. CONFIGURAÇÃO GEOMÉTRICA O Forte de São Francisco da Barra é uma fortificação maciça com formato de polígono de nove lados, noneágono. Por sua configuração foi considerado pelo engenheiro Antônio Bernardino Pereira do Lago, responsável por sua reforma em 1808, uma Torre. Os principais itens que compõem a fortificação são cortina, parapeito e terrapleno onde se posicionavam as peças de artilharia. O projeto inicial, de 1606, foi elaborado pelo engenheiro Francisco Frias de Mesquita, autor, inclusive, do projeto de fortificação abaluartada da Fortaleza dos três Reis Magos em 1598. Esse projeto utilizou o formato de polígono regular de nove lados. No século XX, no entanto, não apresentava mais a configuração de fortificação, afigurava-se uma edificação civil, provavelmente, relacionada à função de posto fiscal. Grosso modo, a fortificação está circunscrita numa circunferência com 20,90 metros de diâmetro e o trecho de muralha remanescente mede cerca de 4 metros de altura (do arrecife natural até o nível atual do solo). Sua muralha é inclinada, com caimento de cerca 70,71°. Suas dimensões e proporções estão apresentadas na figura e tabelas abaixo. 154 Figura 41. suas medidas. Planta Baixa da Muralha do Forte São Francisco da Barra, com indicação das linhas e ângulos e Medidas lineares (metro) 1 2 3 4 5 6 7 8 9 Média Raio interior 10,47 10,77 10,46 10,46 10,64 10,21 10,27 10,32 10,41 10,45 Lado da figura 7,43 7,15 Tabela 2. 7,01 7,31 7,15 7,32 6,68 7,04 7,57 6,85 Medidas lineares aferidas em campo. Forte São Francisco da Barra. Medidas angulares (grau decimal) 1 2 3 4 5 6 7 8 9 Média Ângulo do centro 38,3° 40,9° 38,5° 40,8° 39,5° 41,0° 38,0° 39,9° 42,8° 40,0° Ângulo da figura 142,0° 135,7° 143,1° 140,4° 135,6° 144,0° 140,9° 138,8° 139,7° 140,0° Tabela 3. Medidas angulares aferidas em campo. Forte São Francisco da Barra. Atualmente, em função da sua condição de ruína, foi possível observar sua estrutura construtiva. O limite externo é formado por um anel, com largura variando de 3,00 a 3,50 metros, de rochas retangulares talhadas de diferentes dimensões. Internamente, a partir de cada vértice em direção ao centro da figura, como raios, partem estruturas com cerca 1,00 metro de largura, em rocha talhada de diferentes dimensões. Essa configuração estrutural é semelhante àquela utilizada pelo engenheiro Frei Vicenzo Casale no Forte de São Lourenço da Cabeça Seca, em Oeiras/ Portugal, em 1589. 155 Foto 11. Remanescentes do Forte de São Francisco da Barra. Observa-se parte da configuração geométrica em formato de um polígono regular de nove lados e a forma de sua estrutura construtiva, em raios partindo dos vértices em direção ao centro. ESCOLHA DOS MATERIAIS CONSTRUTIVOS O Forte de São Francisco da Barra está construído em alvenaria de pedra com argamassa de barro e cal, interna e externamente, e conta com trechos revestidos em tijolo cerâmico maciço. A alvenaria interna tem função de preenchimento. É composta por rochas não talhadas, sem tratamento de superfície, com formato e tamanhos variados. A alvenaria externa tem função estrutural, tanto conforma um anel que delimita a fortificação, como raios que partem dos vértices em direção ao centro, descarregando num ponto central os esforços recebidos no anel externo. É composta por rochas talhadas, com tratamento de superfície, e com formato e tamanhos variados. O revestimento em tijolo não é uniforme, recobre apenas parte da superfície da muralha. 156 Foto 12. Perfil leste do Forte de São Francisco da Barra onde se evidenciam os materiais construtivos utilizados. As rochas utilizadas na sua construção, na alvenaria externa e na alvenaria de preenchimento, apresentam variação de granulometria, mas composição semelhante, sugerindo tratar-se do mesmo tipo. O exame macroscópico das rochas revelou que aquela do anel externo é composta por rocha moderadamente selecionada, com grãos tamanho areia média, sub-arredondados, de baixa esfericidade, na cor creme acinzentado e que podem ser percebidos sem auxilio de lupa. A rocha da alvenaria estrutural interna é composta por rocha bem selecionada, com grãos tamanho areia fina, sub-arredondados, de alta esfericidade, na cor branco acinzentado que podem ser percebidos sem auxílio de lupa. As duas rochas também reagiram ao Ácido clorídrico (HCl concentração de 10%) liberando CO2, abundantemente por um longo tempo. Foto 13. Tipos de rocha do Forte de São Francisco da Barra. Rocha tipo 1. Rocha da alvenaria estrutural, do anel exterior que delimita a fortificação. e Rocha tipo 2. Rocha da alvenaria estrutural, especificamente, dos raios que partem dos vértices em direção ao centro. Imagem extraída a partir do Microscópio Digital portátil Dino-Lite PLUS, com aumento de 55x. 157 A análise de Fluorescência de Raio-X (FRX) permitiu identificar qualitativa e quantitativamente os elementos químicos que compõe as rochas. Os resultados evidenciaram que as rochas apresentam elevadas quantidades de Cálcio e Silício com traços de Alumínio e vestígios de outros elementos, como o ferro. Gráfico 1. Resultados da análise de Fluorescência de Raio-X realizada nos tipos de rocha utilizados no Forte de São Francisco da Barra. A Rocha pertencem a alvenaria estrutural do anel exterior que delimite a fortificação e as estruturas forma de raios que partem dos vértices em direção ao centro. Considerando a elevada quantidade de Silício presente nas rochas, podemos sugerir que a rocha utilizada na construção do Forte de São Francisco da Barra não foi o Calcário, pois este mineral é considerado uma impureza da rocha calcária. Esse tipo de rocha, inclusive, não é adequado para as construções que ficam sujeitas à ação da água do mar, pois são atacados pela água do mar e no caso do Forte São Francisco da Barra, esta fortificação está constantemente sujeita a ação do mar. Infere-se, portanto, que a rocha utilizada foi o arenito quartzoso. A partir do mapeamento das fontes de rocha realizado verifica-se que a fontes de arenito mais próximas do Forte de São Francisco da Barra estão a mais de 15 km para Norte da Capitania de Pernambuco: é uma fonte de arenitos da Formação Beberibe. O Arenito é uma rocha sedimentar composta pelos minerais Quartzo (SiO2), Mica, Feldspato, além de minerais salinos (como Halita, Anidrita, Gipso), minerais carbonatados (como calcita (CaCO3) e Aragonita), pela Dolomita (CaMg(CO3)2), Celestita (SrSO3), além da Estroncianita (SrCO3) e minerais argilosos. Os Arenitos podem ser quatzosos quando têm mais de 95% de Quartzo; Arcósicos quando têm mais de 25% de Feldspato; e, líticos quando têm mais de 25% de fragmento de rocha. Schumann, 1972: p. 34. 158 Há também uma fonte de arenito de praia (beachrocks) que está localizada sob a fortificação. O estudo petrográfico e geoquímico dos arenitos de praia (beachrocks) da região central da costa de Pernambuco, que abrangeu os municípios de Paulista, Olinda, Recife e Jaboatão, revelou que se trata de Arenito médio a muito grosso e Arenito conglomerático, composto por grãos de Quartzo arredondados, moderadamente selecionados e cimento carbonático composto de Calcita rica em Magnésio (Mg) (Ferreira Júnior, 2011: p.557-558). Sua composição é de Quartzo (média 71,6%), Feldspatos – Plagioclásios (média 5%), metais pesados (máximo 4%) e Bioclastos (média 5%). (Ferreira Júnior, 2011: p.550-558). C. FORTE DE SÃO FRANCISCO DE OLINDA. 1620 O Forte de São Francisco de Olinda, localizado na Praia de São Francisco, em Olinda, distante cerca de 8 km do Recife, foi construído pelos colonizadores portugueses entre 1620 e 1622. A estrutura da muralha está revestida não sendo possível visualizar o sistema construtivo utilizado. Apresenta bom estado de conservação apesar de haver rachaduras em três diferentes cortinas. O Forte de São Francisco de Olinda está numa área urbana, antropizada, e não recebe influência das águas do mar. Foto 14. Forte de São Francisco de Olinda, construído pelos portugueses em 1620. 159 Foto 15. Localização do Forte de São Francisco de Olinda, Olinda, no Estado de Pernambuco (modificado do Google earth, em 19.09.2014). DADOS HISTÓRICOS Em 1620, Matias de Albuquerque, então governador da Capitania mandou que se construísse o Forte de São Francisco de Olinda, na porção norte da praia de Olinda e a Guarita de João Albuquerque na porção sul da mesma praia. A obra foi executada pelo mestre-pedreiro Cristóvão Alvares52. O seu armamento constava de 4 peças de artilharia. Há referências de que era feito em alvenaria de pedra (Menezes. 1986: p.100) e estava ligado por uma paliçada à Guarita de João Albuquerque. Outras fontes também dizem ter sido edificado em faxina e terra (Barretto, 1858). Foi concluído em setembro de 1622 e em 1630 foi conquistado pelos holandeses. Não de sabe ao certo a data em que os portugueses o reconquistaram, mas, há notícias de que foi reconstruído em alvenaria, ainda no século XVII, porém, em 1880, estava novamente em ruínas. CONFIGURAÇÃO GEOMÉTRICA O Forte de São Francisco de Olinda é uma fortificação maciça, de pequeno tamanho, isolada, com formato de polígono quadrangular irregular, sem baluartes. O Forte é composto por quatro cortinas, parapeito e terrapleno. Sua muralha é inclinada, apresentando caimento médio de 82,19°. Ao longo de toda a muralha, há um cordão em pedra que sinaliza o fim da muralha e início do parapeito. Grosso modo, a fortificação mede 23 metros de comprimento, 14 metros 52 Cristovão Alvares, português alentejano, construtor experimentado com habilitação para projetar edificações, inclusive militares. Mello, 1961. p. 10. 160 de largura e 2,70 metros de altura (do solo atual até o cordão em pedra). Suas dimensões e proporções estão apresentadas nas tabelas e figura abaixo: Figura 42. Planta Baixa da Muralha do Forte São Francisco de Olinda, com indicação das linhas e ângulos e suas medidas. Medidas lineares (metro) 1 2 3 4 Média Raio interior 13,37 13,68 11,45 13,73 13,06 Lado da figura 22,09 20,61 14,59 14,22 21,80 * O valor da média do lado da figura é referente às medidas 3 e 4. Por tratar-se de uma figura irregular, apenas os lados da figura que estão paralelos podem ser comparados. Tabela 4. Medidas lineares aferidas em campo. Forte São Francisco de Olinda. Medidas angulares (grau decimal) Ângulo obtuso do centro Tabela 5. 1 2 116,36° 109,87 3 4 Média 113,12 Ângulo agudo do centro 70,33 63,43 66,88 Ângulo agudo da figura 88,71 78,81 83,76 Ângulo obtuso da figura 100,9 91,58 96,24 Medidas angulares aferidas em campo. Forte São Francisco de Olinda. 161 ESCOLHA DOS MATERIAIS CONSTRUTIVOS O Forte de São Francisco de Olinda parece estar construído em alvenaria de pedra com argamassa de cal. No entanto, como está rebocado, não foi possível verificar as características físicas do seu sistema e materiais construtivos. Apesar das rachaduras não se pode afirmar qual sistema construtivo utilizado. Foto 16. Cortina leste do Forte de São Francisco de Olinda onde há uma rachadura com exposição de argamassa. 5.2.2 FORTIFICAÇÕES DO SEGUNDO SISTEMA DEFENSIVO Considerando os dados acima apresentados, segue-se com a descrição do levantamento de dados das fortificações do segundo Sistema Defensivo português em Pernambuco que também serão analisados no capítulo seguinte, em comparação com os dados retirados dos Tratados de Fortificação do capítulo anterior. As fortificações descritas, neste trecho, são:    Forte Real do Bom Jesus, construído em 1630; Forte Nossa Senhora de Nazaré, construído em 1630; Forte de São Francisco Xavier de Gaibu, construído em 1634. D. FORTE REAL DO BOM JESUS. 1630 O Forte Real do Bom Jesus, localizado no atual bairro de Casa Amarela, na cidade do Recife, foi construído pelos colonizadores portugueses a partir de 1630. Da antiga fortificação há apenas vestígios arqueológicos. Durante pesquisas arqueológicas nas décadas de 1960 e 1980 162 foram identificados trechos do fosso, a base das muralhas e do terrapleno. Os remanescentes do Forte estão inseridos em área urbana, totalmente antropizada. Foto 17. Localização do Forte Real do Bom Jesus, no município de Recife, no Estado de Pernambuco (modificado do Google earth, em 04.10.2014). DADOS HISTÓRICOS Em 1630, depois que todas as fortificações de Olinda e da povoação do Recife foram dominadas pelos holandeses, Matias de Albuquerque construiu o Forte Real do Bom Jesus. O Forte representou um campo fortificado de resistência à dominação holandesa e foi construído nas proximidades da margem do rio Capibaribe, hoje bairro de Casa Amarela. Seu objetivo era isolar os holandeses no litoral, atrapalhando seu acesso ao interior, onde estavam os produtos para seu abastecimento e os engenhos que forneciam o açúcar para exportação. O Forte era pobremente artilhado, mas resistiu a cinco anos de constantes ataques holandeses. Foi construído em terra, com formato irregular, supostamente com planta de Cristóvão Álvares. Era uma obra considerada rústica, mas de extraordinária solidez. No final da década de 1960, o Laboratório de Arqueologia da Universidade Federal de Pernambuco realizou algumas pesquisas arqueológicas no sítio do Forte. Foram identificados trechos do fosso, a base das muralhas e do terrapleno (Menezes. 1986:. p. 109-110; Albuquerque, 1988: p.33). 163 Figura 43. Planta do Forte Real do Bom Jesus (1635). Arquivo Geral do Reino (Haia). Buitenlandse Kaarten n. 2.160 do Inventário Leupe. Publicada por Gonçalves de Mello, 1961. CONFIGURAÇÃO GEOMÉTRICA O Forte Real do Bom Jesus é uma fortificação com planta de formato de polígono irregular. Os principais itens que compõe a fortificação são: reparo onde estão baluartes, poligonais de formato irregular (alguns tem faces e flancos, outros, só apresentam faces) e a cortina. O reparo conforma o terrapleno com parapeito ao redor e entre as obras externas estão fosso e barreiras em formato de linhas. Suas dimensões e proporções foram retiradas de um desenho geométrico presente na iconografia histórica, portanto, foram consideradas medidas relativas. Sua muralha devia ser inclinada, mas não há como inferir o caimento através dos desenhos disponíveis. Grosso modo, a fortificação mede 150 unidades de comprimento por 115 unidades de largura. Não sabemos, no entanto, o valor dessa unidade. Suas dimensões e proporções estão apresentadas nas tabelas e figura abaixo: 164 Figura 44. Planta Baixa da Muralha do Fortim Arraial do Bom Jesus, com indicação das linhas e ângulos e suas medidas relativas, retiradas a partir de um projeto presente na iconografia histórica. Medidas lineares (unidade) 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 Média Raio interior 59,17 59,17 59,17 59,17 59,17 59,17 Lado da figura 59,56 68,83 64,59 57,26 42,54 61,19 59,00 Garganta 18,41 16,09 26,48 13,63 15,7 11,13 15,03 18,43 Flanco 6,88 8,18 6,68 Face 21,29 20,98 14,58 25,91 27,09 27,65 29,99 37,5 33,44 25,81 19,4 25,79 Cabeça 18,26 15,95 15,53 Cortina 24,88 47,01 19,73 18,58 27,55 Segundo flanco 10,17 0,93 Lado exterior 79,88 85,45 75,69 58,85 66,68 79,36 74,32 Defesa flancante 43,9 42,61 Defesa fichante 53,29 55,93 Tabela 6. 5,68 9,07 5,87 5,67 5,41 14,9 15,44 13,1 0,11 55,82 16,72 52,02 46,31 40,91 54,61 Medidas lineares aferidas em campo. Fortim Arraial do Bom Jesus. Medidas angulares (grau decimal) Tabela 7. 31 1 2 3 4 5 6 Média Ângulo do centro 71,1° 60,4° 66,2° 57,8° 42,1° 62,3° 60,0° Ângulo da figura 116,7° 114,2° 113,3° 127,8° 130° 117,9° 120,0° Ângulo do baluarte 70,7° 69,1° 78,2° 84,9° 81,9° 52,6° Ângulo flancante 25,0° 12,7° 13,9° Ângulo cabeça/garganta 125,5° 133,4° 111,1° 125,6° 121,1° Ângulo face/flanco 106,9° 115,1° 99,7° 119,4° 96,0° 95,1° 105,4° Ângulo flanco/cortina 94,2° 77,9° 90,1° 82,1° 90° 97,8° 88,7° 72,9° 17,2° Medidas angulares aferidas em campo. Fortim Arraial do Bom Jesus. 123,3° 165 ESCOLHA DOS MATERIAIS CONSTRUTIVOS Segundo os dados historiográficos e arqueológicos, o Forte Real do Bom Jesus foi construído em terra, utilizando o sistema da taipa de pilão. O material retirado do fosso que circundava a fortificação pode ter sido utilizado na construção da sua muralha (Albuquerque, 1999: p. 4448). Diferentemente do material encontrado na planície litorânea, material arenoso, onde estava a povoação do Recife, o material disponível no local onde o Forte foi construído era sedimentar, não consolidado, de textura argilosa, integrante da planície costeira (Albuquerque, 1988: p. 10). Estudos arqueológicos realizados na década de 1980 revelaram que a única estrutura arquitetônica conservada foi o fosso e que os principais materiais de construção empregados na construção da fortificação foram a argila local, madeira, seixos rolados e ferro (na forma de correntes e cravos) (Albuquerque, 1988: p. 22). Foto 18. Remanescentes do fosso duplo do Forte Real do Bom Jesus depois da realização de escavações arqueológicas, nas décadas de 60, 80 e anos 2000. Fonte: site 2.bp.blogspot.com. E. FORTE DE NOSSA SENHORA DE NAZARÉ. 1631 O Forte Nossa Senhora de Nazaré foi construído pelos colonizadores portugueses em 1631. Está localizado na Vila de Nazaré, município de Cabo de Santo Agostinho, litoral sul do Estado de Pernambuco, distante cerca de 35km do Recife. O Forte foi construído na entrada da barra, 166 no sopé do morro, num afloramento rochoso. A estrutura do Forte encontra-se em ruínas, mas houve intervenções contemporâneas que promoveram sua consolidação. Foto 19. Forte Nossa Senhora de Nazaré, no Cabo de Santo Agostinho, litoral sul do Estado de Pernambuco. Foto 20. Localização do Forte Nossa Senhora de Nazaré, localizado na Vila de Nazaré, município de Cabo de Santo Agostinho no Estado de Pernambuco (modificado do Google earth, em 18.09.2014). O Forte Nossa Senhora de Nazaré está situado no ponto baixo de uma enseada, numa área desocupada. Mas como foi construído sobre um trecho do afloramento rochoso, um pouco mais elevado que seu entorno, bem próximo ao mar. Apesar de não estar sujeito à ação das águas da chuva que escorrem sobre o afloramento, sua muralha está sujeita a ação das ondas do mar, principalmente as suas fachadas leste e sul. 167 DADOS HISTÓRICOS Foi construído em 1631 sobre a base sólida do rochedo, pelo Conde de Bagnoulo53 com o objetivo de defender a entrada da barra que dava acesso ao porto do Cabo de Santo Agostinho. Edificado em alvenaria de pedra, seu formato foi chamado de cauda de andorinha. Contava com sete peças de artilharia, além daquelas posicionadas nas baterias que lhe davam suporte, a partir de 1632 quando foram construídas. Duas das baterias contavam com duas peças de ferro cada (Coelho, 1981. p. 100). Em 1634, o Forte foi reparado, também pelo Conde Bagnuolo, e em 1635 foi conquistado pelos holandeses. Em 1638, Maurício de Nassau avaliou que a fortificação era uma Bateria e que não poderia se defender no caso de inimigos desembarcarem no outro lado da mesma ponta, pois o forte é aberto por trás e, além disso, fica na parte baixa de dois montes. No “Relatório sobre o estado das Capitanias conquistadas no Brasil", de 1640 de Adriaen van der Dussen, o Forte de Nazaré foi apresentava contendo um hornaveque do lado do morro, em forma de tenalha e estava circundado por uma paliçada. Não há registro conhecido da existência de vestígios desses elementos. Em 1645, a fortificação foi devolvida aos portugueses e em 1677, João Fernandes Vieira dá noticias ao Rei de que tinha começado obras de arremate na Fortaleza de Nossa Senhora de Nazaré (A.H.U., PE, Caixa 6, p. 232). Em 1763 estava com uma bateria caída. Em 1799, documentos defendiam que não se justificavam outros reparos, pois o acesso pela barra já era difícil para entrada dos inimigos. O forte foi alvo de pesquisa arqueológica pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco - Fundarpe e teve suas muralhas consolidadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN (Menezes. 1986. p. 107) 53 Giovanni di San Felice, conde Bagnuoli, era um militar italiano. Nasceu em Nápoles em 1575 e morreu em Salvador em 1640. A serviço do rei da Espanha lutou contra os holandeses no nordeste brasileiro. Chegou ao Brasil em 1625, participou da retomada da Bahia aos holandeses, em 1631, junto com Matias de Albuquerque resistia aos holandeses em Pernambuco. Foi encarregado da defesa do Cabo de Santo Agostinho. Em 1640 voltou à Bahia, onde morreu em 26 de Agosto do mesmo ano. Fonte:geocities. 168 Figura 45. Forte de Nossa Senhora de Nazaré. Fonte: MENEZES. 1986. p. 106. CONFIGURAÇÃO GEOMÉTRICA O Forte de Nossa Senhora de Nazaré é uma fortificação maciça, com formato de polígono irregular, quadrangular. Segundo Goldman, é uma fortificação do tipo Estrela, quando as cortinas são dobradas para dentro formando ângulos de 15° com o lado da figura. Na sua parte posterior, há uma estrutura que não cumpre a função de defesa, por isso deve ter funções complementares, provavelmente uma estrutura voltada a dar suporte indireto às atividades militares. É composta por terrapleno e cortina, e sobre as cortinas leste, oeste e sul há um parapeito em pedra com canhoneiras. Sua muralha é inclinada, apresentando caimento médio de 78,51°. Grosso modo, a fortificação mede 23 metros de comprimento, 26 metros de largura e de 3,15 a 7 metros de altura, do solo atual até a parte superior da cortina. Suas dimensões e proporções estão apresentadas nas tabelas e figura abaixo: 169 Figura 46. Planta Baixa da Muralha do Forte Nossa Senhora de Nazaré, com indicação das linhas e ângulos e suas medidas. Medidas lineares (metro) Tabela 8. 2 3 4 Média Raio 15,67 16,44 15,65 16,43 16,05 Lado da figura 22,42 26,42 20,79 20,65 22,57 Garganta 5,62 3,98 4,80 Face 9,71 11,84 10,78 Medidas lineares aferidas em campo. Forte Nossa Senhora de Nazaré. Medidas angulares (grau decimal) Tabela 9. 1 1 2 3 4 Média Ângulo do centro 88,5° 110,7° 80,7° 80,1° 90,0° Ângulo da figura 92,6° 82,7° 81,7° 102,9° 90,0° Ângulo flancante 84,5° 77,6° 81,06° Ângulo do flanco 15,0° 18,4° 16,72° Medidas angulares aferidas em campo. Forte Nossa Senhora de Nazaré. ESCOLHA DOS MATERIAIS CONSTRUTIVOS O Forte de Nossa Senhora de Nazaré está construído em alvenaria de pedra com argamassa de barro e cal. Verifica-se a presença de tijolos, em lugares isolados, possivelmente, fruto de alguma reforma posterior. Junto às fundações e no vértice entre a cortina Oeste e Sul, a alvenaria de pedra é composta por rochas talhadas de formato retangular, com tratamento de superfície. 170 Nos demais trechos da fortificação a alvenaria é composta por rochas talhadas e não talhadas, sem tratamento de superfície, com formato irregular tendendo ao formato poligonal. Foto 21. Cortina Oeste do Forte de Nossa Senhora de Nazaré onde se vêem os diferentes formatos e dimensões de rocha das alvenarias de pedra que compõe a fortificação. Foto 22. Cortina Leste do Forte de Nossa Senhora de Nazaré onde se vê a alvenarias de pedra cujas rochas apresentam formato irregular e dois tipos de dimensões. Durante o levantamento físico foram identificados dois tipos de rochas utilizadas nas alvenarias da fortificação e além da rocha do afloramento rochoso sobre o qual a fortificação foi construída. Das rochas utilizadas na alvenaria, o primeiro tipo revelou, no exame macroscópico, ser composta por rocha muito bem selecionada, com grãos tamanho areia fina, sub-angulosos, de alta esfericidade, na cor creme e que não podem ser percebidos sem auxílio de lupa. 171 Verificou-se ainda que a rocha contem 3% de impurezas. O segundo tipo de rocha é composto por rocha muito mal selecionada, com grãos tamanho grânulo, e areias grossa, média e fina, angulosos, de baixa esfericidade, na cor creme que podem ser percebidos sem auxílio de lupa. Quanto à presença de Carbonato de cálcio, verificou-se que as rochas do tipo 1 reagiu ao Ácido clorídrico (HCl concentração de 10%) liberando CO2, abundantemente por um curto espaço de tempo. Porém, a rocha do tipo 2 não reagiu ao Ácido clorídrico. Finalmente, no exame macroscópico realizado na rocha do afloramento rochoso, foi identificada uma rocha pobremente selecionada, com grãos tamanho grânulo, e areias grossa e média, angulosos, de baixa esfericidade, na cor creme que podem ser percebidos sem auxílio de lupa. Quanto à presença de Carbonato de cálcio, verificou-se que a rocha reagiu ao Ácido clorídrico (HCl concentração de 10%) liberando CO2, abundantemente num primeiro momento e pouco num segundo momento. Foto 23. Rocha do Forte de Nossa Senhora de Nazaré. 1. Rocha tipo 1; 2. Rocha tipo 2. Rocha do afloramento rochoso. Imagem extraída a partir do Microscópio Digital portátil Dino-Lite PLUS, com aumento de 55x. A análise de Fluorescência de Raio-X permitiu identificar qualitativa e quantitativamente os elementos químicos que compõe as rochas identificadas no Forte de Nossa Senhora de Nazaré. 172 Os resultados evidenciaram que a rocha tipo 2 tem características semelhantes àquela do afloramento rochoso. Ambas as rochas contêm elevadas quantidades de Silício e presença significativa de Alumínio, Ferro e Potássio, além de vestígios de Cálcio. Gráfico 2. Resultados da análise de Fluorescência de Raio-X realizada nos tipos de rocha utilizados no Forte de Nossa Senhora de Nazaré. 1. Rocha tipo 1; 2. Rocha tipo 2. Rocha do afloramento rochoso. Pelo contexto geológico típico da porção sul do litoral pernambucano, verifica-se que o Forte de Nossa Senhora de Nazaré foi construído sobre um afloramento de rochas da Formação Ipojuca, de origem vulco-sedimentar onde se encontram granitos, riolitos, basaltos e traquitos54. A rocha do afloramento e a rocha tipo 2 podem ser da Formação Ipojuca. A rocha tipo 1, por sua vez, diferentemente das anteriores, conta com elevadas quantidades de Silício e Cálcio, e vestígios de Alumínio, Ferro e Potássio, sugerindo tratar-se de arenito. Existem fontes de arenito que estão distante de dois a oito quilômetros a Noroeste da fortificação. É uma grande ocorrência de arenitos da Formação Algodoais. Outra ocorrência de arenito são os arenitos da 54 A formação Pojuca é composta por rochas magmáticas extrusivas (vulcânicas) ou intrusivas (plutônicas), ou seja, ou elas sofreram um resfriamento rápido próximo da superfície, resultando numa mineralização de textura agranular como o Basalto ou o Riolito; ou elas sofrem um resfriamento lento, em profundidade, resultando em rochas de textura granular, como o granito. A composição mineralógica desse conjunto de rochas, grosso modo, é de feldspato potássico (K(AlSi3O8)), feldspato calcossódico (Na(AlSi3O8)) e (Ca(Al2Si2O8)), quartzo (SiO2), biotita (K(Mg,Fe)3(OH,F)2(Al,Fe)Si3O10), augita (Ca(Mg,Fe,Al)(SiAl)2O6), olivina ((Mg,Fe)2SiO4), e minerais metalíferos. Dependendo da rocha, as proporções variam significativamente. O granito contem 36% de feldspato calcossódico e 30% de feldspato potássico, além de 26% de quartzo e 7% de biotita; o Riolito contem 15% de feldspato calcossódico e 50% de feldspato potássico, além de 30% de quartzo e 5% de biotita e minerais metalíferos. O traquito contem 10% de feldspato calcossódico e 75% de feldspato potássico, além de 10% de augita e 5% de minerais metalíferos. Finalmente, o basalto contem 45% de feldspato calcossódico e 50% de augita, além de 5% de olivina. Schumann, 1972. 173 Formação Cabo, que aparecem em ocorrências esparsas a noroeste e em quantidade significativa, a oeste (Dantas & Lima Filho, 2006). Há também uma fonte de arenito de praia (beachrocks) que está localizada ao longo da costa. F. FORTE DE SÃO FRANCISCO XAVIER DE GAIBU. 1634 O Forte de São Francisco Xavier de Gaibu foi construído pelos colonizadores portugueses em 1634 sobre uma enseada, num afloramento de rocha, junto à praia. Está localizado na praia de Gaibu, município de Cabo de Santo Agostinho, litoral sul do Estado de Pernambuco, distante cerca de 33km do Recife. A estrutura do Forte está em ruínas. Observam-se, no entanto, intervenções contemporâneas que promoveram sua consolidação, deixando dúvidas sobre a originalidade dos materiais de construção e seu agenciamento. Esta fortificação ainda conta com um conjunto de muralhas, num nível mais abaixo, que além de garantir a estabilização do terreno, oferecia outros pontos para colocação de armas de fogo. Foto 24. Forte de São Francisco Xavier de Gaibu. 174 Foto 25. Localização do Forte de São Francisco Xavier de Gaibu, localizado na Praia de Gaibu, município de Cabo de Santo Agostinho no Estado de Pernambuco (modificado do Google earth, em 04.10.2014). DADOS HISTÓRICOS Em 1634, foram levantadas trincheiras nas praias de Gaibu e Itapoã por serem locais onde era fácil o desembarque (Coelho, 1981. p. 188). Uma dessas trincheiras teria sido o Forte de São Francisco Xavier de Gaibu. Em 1775 foi restaurado por ordem do Gov. Luiz Diogo Lobo da Silva. Em 1797 foi novamente reformado. Encontrava-se em ruínas e foi consolidado na década de 1970 (Menezes. 1986: p. 106; Albuquerque. 1999: p. 135). Figura 47. 1986. p. 105. Planta de 1799 do Forte de São Francisco Xavier de Gaibu e sua localização. Fonte: MENEZES. 175 CONFIGURAÇÃO GEOMÉTRICA O Forte São Francisco Xavier de Gaibu é uma fortificação com formato de polígono de cinco lados irregular, ou seja, um pentágono irregular. Por sua configuração parece uma Rocca italiana. Grosso modo, a fortificação mede 25,70 metros de comprimento, 20,90 metros de largura e de 1,50 a 5,50 metros de altura, do solo atual até a parte superior da cortina. Os principais itens que compõem a fortificação são cortina e terrapleno. Suas dimensões e proporções estão detalhadas nas tabelas e figura abaixo. Sua muralha é inclinada, apresentando caimento médio de 78,68°. Figura 48. Planta Baixa da Muralha do Forte São Francisco Xavier de Gaibú, com indicação das linhas e ângulos e suas medidas. Medidas lineares (Metro) 1 2 3 4 5 Média Raio interior 13,65 14,37 9,16* 14,01 14,23 14,07 Lado da figura 14,54 16,22 15,26 12,67* 18,64* 15,34 * Essas medidas não estão sendo consideradas no valor da média, pois como é uma figura irregular essas medidas irão distorcer a média. Tabela 10. Medidas lineares aferidas em campo. Forte São Francisco Xavier de Gaibú. 176 Medidas angulares (Grau decimal) 1 2 3 4 5 Média Ângulo do centro 65,4° 71,1° 58,8° 62,2° 102,4°* 64,4° Ângulo da figura 109,4° 119,3° 126,9° 86,6°* 97,7°* 118,5° * Essas medidas não estão sendo consideradas no valor da média, pois como é uma figura irregular essas medidas irão distorcer a média. Tabela 11. Medidas angulares aferidas em campo. Forte São Francisco Xavier de Gaibú. ESCOLHA DOS MATERIAIS CONSTRUTIVOS O Forte de São Francisco Xavier de Gaibu está construído em alvenaria de pedra com argamassa. Apesar de haver dúvida quanto à originalidade de seus materiais construtivos, durante o levantamento físico foram identificados dois tipos de rochas utilizadas nas alvenarias da fortificação além da rocha do afloramento rochoso sobre o qual a fortificação foi construída. Foto 26. Cortina Sul do Forte de São Francisco Xavier de Gaibú onde se vê a homogeneidade do sistema construtivo utilizado. Das rochas utilizadas na alvenaria, o primeiro tipo revelou, no exame macroscópico, ser composta por rocha bem selecionada, com grãos tamanho areia grossa e média, sub-angulosos, de baixa esfericidade, na cor creme e que podem ser percebidos sem auxílio de lupa. O segundo tipo de rocha é composto por rocha moderadamente selecionada, com grãos tamanho areia média e fina, sub-angulosos, de baixa esfericidade, na cor creme que podem ser percebidos sem auxílio de lupa. Quanto à presença de Carbonato de cálcio, verificou-se que as rochas da 177 fortificação reagiram ao Ácido clorídrico (HCl concentração de 10%) liberando CO 2, abundantemente por um curto espaço de tempo. A rocha do afloramento rochoso, por sua vez, é uma rocha muito mal selecionada, com grãos tamanho grânulo e areias grossa e média, angulosos, de baixa esfericidade, na cor creme que podem ser percebidos sem auxílio de lupa. Quanto à presença de Carbonato de cálcio, verificouse que a rocha não reagiu ao Ácido clorídrico (HCl concentração de 10%) portanto, não liberou CO2. Foto 27. Rochas do Forte de São Francisco Xavier de Gaibú. 1. Rocha do afloramento rochoso; 2. Rocha tipo 1 do encontro entre as cortinas 2 e 3 (Nordeste e Noroeste). 3. Rocha do tipo 2, da cortina 4 (Oeste). Imagem extraída a partir do Microscópio Digital portátil Dino-Lite PLUS, com aumento de 55x. Em análise de Fluorescência de Raio-X foi possível identificar qualitativa e quantitativamente os elementos químicos que compõe as rochas identificadas. Os resultados evidenciaram que nenhuma das rochas é compatível com a rocha do afloramento rochoso. Ambas as rochas contêm elevadas quantidades de Cálcio e a rocha retirada do afloramento não tem quantidade significativa de Cálcio. 178 Gráfico 3. Resultados da análise de Fluorescência de Raio-X realizada nos tipos de rocha utilizados no Forte de São Francisco Xavier de Gaibu. Pelo contexto geológico típico da porção sul do litoral pernambucano, verifica-se que o Forte de São Francisco Xavier de Gaibu, assim como o Forte de Nossa Senhora de Nazaré, foi construído sobre um afloramento de rochas da Formação Ipojuca, de origem vulco-sedimentar, podendo ser granito, riolito, basalto e traquito. Verificou-se, ainda, que foram utilizados dois diferentes tipos de rocha na alvenaria da fortificação. A rocha localizada no encontro entre as cortina 2 e 3 conta com elevadas quantidades de Silício e Cálcio, e vestígios de Alumínio, sugerindo tratar-se de arenito. A rocha da cortina 4 tem elevada quantidade de Cálcio, significativa presença de Silício e vestígios de Alumínio, Ferro e Potássio. Também parece trata-se de arenito. A existência de dois tipos de arenito pode ser explicada de algumas maneiras: durante a sua construção, foram extraídas rochas de duas diferentes fontes de arenito localizadas no entorno da fortificação: uma delas, da Formação Algodoais, abrange uma área de 2 a 8 km a Noroeste da fortificação; a outra, da Formação Cabo, que oferece uma grande ocorrência de arenitos a oeste, e uma ocorrência esparsa a noroeste, uma a partir de 6 km da fortificação, a outra a partir de 8 km, respectivamente (Dantas & Lima Filho, 2006). Há também uma fonte de arenito de praia (beachrocks) que está localizada ao longo da costa. 5.2.3 FORTIFICAÇÕES DO TERCEIRO SISTEMA DEFENSIVO Considerando os dados acima apresentados, segue-se com a descrição do levantamento de dados das fortificações do terceiro Sistema Defensivo português em Pernambuco que também 179 serão analisados no capítulo seguinte, em comparação com os dados retirados dos Tratados de Fortificação do capítulo anterior. As fortificações descritas, neste trecho, são:     Forte de Santa Cruz de Itamaracá, construído a partir de 1654; Forte do Brum, construído a partir de 1654; Forte de São Tiago das Cinco Pontas, construído a partir de 1684; e, Forte de Santo Inácio de Loyola de Tamandaré, construído a partir de 1654. G. FORTE DE SANTA CRUZ DE ITAMARACÁ. 1654 O Forte de Santa Cruz de Itamaracá foi construído pelos colonizadores portugueses a partir de 1654, sobre o Forte Orange, de origem holandesa. Está localizado na extremidade sul da Ilha de Itamaracá, litoral norte do Estado de Pernambuco, distante cerca de 40 km do Recife. Foi edificado na entrada do canal de Santa Cruz, numa planície costeira, em área de restinga. Suas fachadas sul e norte são banhadas pela água do mar e de riacho, respectivamente, durante os períodos de maré alta. Foto 28. Fachada Sul do Forte de Santa Cruz de Itamaracá. Baluarte 1, esquerda; Baluarte 2, direita. 180 A fortificação ainda conta com um trecho de fosso ao longo da fachada leste e com uma base construtiva longitudinal disposta paralelamente à fachada sul, avançada em direção ao mar. Essa base é uma estrutura de pedras lavradas, com cerca 4m de largura, onde há restos de madeiras que poderiam pertencer a uma estacada. Foto 29. Localização do Forte de Santa Cruz de Itamaracá. Ilha de Itamaracá, Estado de Pernambuco (modificado do Google earth, em 25.08.2014). DADOS HISTÓRICOS Em 1654, com a capitulação holandesa, o Forte Orange construído pelos holandeses foi abandonado e subsequentemente ocupado e reconstruído pelo colonizador português. A partir de 1682, passou a ser chamado Forte de Santa Cruz de Itamaracá. Em carta ao Rei datada de 09 de outubro de 1675, há notícias de que o Governador Fernão de Souza Coutinho havia mandado arrematar o Forte que estava em ruínas (A.H.U. PE, Caixa 6, pág. 115). Em 1677, outra carta a El Rei, dá notícias das obras do Forte, informando que ‘a estacada’ estava sendo finalizada (A.H.U. PE, Caixa 6, pág. 232). Em 1684, El Rei escreve ao Governador da Capitania de Pernambuco solicitando notícias das obras da ruína da Fortificação de Santa Cruz e uma planta (A.H.U. PE, Códices 256, fl. 56). Em 1702, o Engenheiro Luiz Francisco Pimentel, dá parecer sobre o estado em que se encontra a fortificação e o que necessita para melhorar sua defesa. Segundo Pimentel, na Fortificação de Santa Cruz “não há coisa alguma que ao presente se possa reputar defensável, por lhe faltarem os terraplenos, os parapeitos, as esplanadas e todas as mais obras que se costumam fazer em uma fortaleza; ...”. 181 O engenheiro ainda registra que a estrutura se apresentava caída na parte da barra e conclui que para tornar a fortificação defensável, de tudo precisa (A.H.U. Caixa 11, fls. 213/214/215). Figura 49. Forte de Santa Cruz de Itamaracá. Planta de 1763. Em 1703, o então Governador da Capitania de Pernambuco, Francisco de Castro Moraes, escreve a El Rei dando informações da vistoria que fez à ruína do Forte de Santa Cruz. Na ocasião foi constatado que (i) a fortaleza estava concluída até a altura do cordão, exceto o portal, onde a obra ainda não havia sido iniciada; e (ii) o baluarte da parte da barra tinha uma face arruinada no chão e a outra quase na mesma situação por causa da ação do mar sobre a muralha. Nessa situação, o Governador informa que mandou derrubar o baluarte e reconstruí-lo, considerando sua importância na defesa da Barra. Na mesma carta, manda dizer que ordenou fazer uma estacada por fora da fortaleza, com pedra, no intuito de evitar que o mar chegasse à fortificação (A.H.U. Caixa 11. Pág. 181/183). 182 Figura 50. Planta com mapa de danos de 1788. Fonte: Arquivo do Exército do Rio de Janeiro (Código da mídia: 01.01.0023). Em 1777, por ordem do então Governador de Pernambuco, José César de Menezes, o Forte é novamente recuperado, considerando planta de 1763 (Acervo do IPHAN. Caixa 8 de A a H ). Anos mais tarde, em 1788, há desenho da fortificação apresentando mapa de danos. Em 1817, há notícias de que foi ocupado pelo Padre Tenório, durante a Revolução Pernambucana.Em 1938 o Forte de Santa Cruz de Itamaracá foi tombado pelo atual IPHAN. Em 1968, o IPHAN e Exército realizaram obras de recuperação e fizeram prospecções arqueológicas na capela e 183 praça de armas. A reforma foi realizada, principalmente, na muralha sul que estava ruindo em razão da ação do mar. Figura 51. Espacialização do estado de conservação do Forte de Santa Cruz de Itamaracá em 1969/73. Fonte: autora, a partir de fotos existentes no Acervo do IPHAN, Forte Orange, Caixa 8 de A a H. Em 1972, a fortificação estava em ruínas e foi realizada nova reforma pelo Exército. Segundo descrição do arqueólogo Marcos Albuquerque, que participou da reforma, (i) a muralha entre 184 os baluartes do lado do mar estava arruinada com as pedras espalhadas pela praia: o baluarte sudoeste (baluarte 1) estava metade arruinado e o sudeste (baluarte 2) estava inteiro, mas desarticulado; (ii) a muralha leste estava pouco arruinada, mas com vários pontos desarticulados: o baluarte nordeste (baluarte 3) estava destruído no lado norte; (iii) a muralha do lado norte estava arruinada no centro; e, (iv) a muralha oeste, onde está o portal, estava em bom estado, mas não tinha portão. A obra iniciada em 1973 reconstruiu a fortificação segundo desenhos do século XVIII e utilizou pedras calcárias existentes ou retiradas do terrapleno ou trazidas da Paraíba (Acervo do IPHAN. Caixa 8 de A a H. Forte Orange. Itamaracá Pernambuco. Considerações sobre o projeto de Intervenção ). Figura 52. Obra realizada em 1999. Recomposição da muralha leste, no encontro com o baluarte 2. Fonte: autora, a partir de fotos existentes no Acervo do IPHAN, Forte Orange, Caixa 8 de A a H. 185 Em 1999, foi feita obra para recompor um trecho da muralha leste, no encontro com o baluarte sudeste. A obra utilizou as pedras soltas existentes no local. A partir do ano 2000 foi realizado projeto de pesquisa arqueológica pela UFPE, Projeto Forte Orange, em cooperação com Amsterdams Archeologisch Centrum da Universidade de Amsterdã. CONFIGURAÇÃO GEOMÉTRICA O Forte de Santa Cruz de Itamaracá é uma fortificação do tipo Fortificação Moderna, abaluartada, incluída na tipologia de Castelo ou Cidadela, segundo Scamozzi, e Forte quadrantal, segundo Goldman. Apresenta planta com formato de polígono quadrangular. Os principais itens que compõe a fortificação são: reparo contendo baluarte, com suas faces e flancos, e cortina. Sobre o terrapleno, ao longo de todo perímetro da fortificação há parapeito em alvenaria, com canhoneiras. A fortificação ainda conta vestígios de obras externas: são elas fosso e base em pedra para paliçada. Suas dimensões e proporções estão detalhadas nas tabelas e figura abaixo. Sua muralha é inclinada, apresentando caimento médio de 78,72°. Ao longo de todo reparo, há um cordão em pedra que sinaliza o fim do reparo e início do parapeito, também em pedra. Grosso modo, a fortificação mede 126 metros de comprimento, 128 metros de largura e 6,30 metros de altura, do solo atual até o cordão em pedra. Figura 53. Planta Baixa da Muralha do Forte de Santa Cruz de Itamaracá, com indicação das linhas e ângulos e suas medidas. 186 Medidas lineares (Metro) 1 2 3 4 5 6 7 8 Média Raio interior 58,87 60,35 58,87 60,35 59,61 Lado da figura 83,83 82,01 86,85 84,48 84,29 Garganta 12,78 12,74 13,33 12,5 9,65 11,58 10,92 10,26 11,72 Flanco 11,87 12,76 12,53 11,43 13,91 13,75 12,35 11,84 12,56 Face 34,44 35,37 35,19 34,38 34,71 34,87 34,67 34,86 34,81 Cabeça 28,87 28,59 32,32 31,05 30,21 Cortina 59,85 61,32 61,46 60,72 60,84 Segundo flanco 8,64 24,32 15,04 Lado exterior 126,2 126,33 128,47 126,88 126,97 Defesa flancante 96,08 Defesa fichante 86,84 86,28 Tabela 12. 9,43 96 1,53 11,57 14,4 8,21 11,64 95,5 95,21 97,36 96,08 97,18 97,06 96,31 88,08 81,99 95,56 85,9 82,87 72,68 85,03 Medidas lineares aferidas em campo. Forte Santa Cruz de Itamaracá. Medidas angulares (Grau decimal) 1 2 3 4 Ângulo do centro 91,8° 91,6° 87,6° 88,9° 90,0° Ângulo da figura 88,8° 89,5° 88,4° 93,3° 90,0° Ângulo do baluarte 61,9° 61,1° 56,6° 62,8° 60,6° Ângulo flancante Ângulo cabeça/garganta 15,2° 12,8° 17° 18,3° Ângulo face/flanco Ângulo flanco/cortina Tabela 13. 5 Média 133,6° 133,1° 134,5° 136,7° 135,6° 134,9° 136,2° 135,4° 135,0° 102,5° 103,5° 101,5° 104,4° 101,8° 99,4° 100,8° 101,4° 101,9° 87,3° 87,2° 87,3° 90,5° 83,2° 13,5° 8 14,7° 87,2° 13,9° 7 14,5° 88,5° 12,1° 6 87,3° 86,5° Medidas angulares aferidas em campo. Forte Santa Cruz de Itamaracá. ESCOLHA DOS MATERIAIS CONSTRUTIVOS O Forte de Santa Cruz de Itamaracá está construído em terra e encamisado em alvenaria de pedra com argamassa de barro e cal. A partir do levantamento de dados foi possível identificar seis diferentes sistemas construtivos (SC) distribuídos em 622,39 metros de perímetro de muralha, com predominância do SC 1, com 33,08% e do SC 3, com 49,25% do perímetro total. Os demais sistemas construtivos, juntos, somam 17,67%. Deve-se ressaltar, no entanto, que o SC 3 é resultado das obras de reconstrução da fortificação realizadas em 1972. 187 Figura 54. Itamaracá. Espacialização dos Sistemas construtivos (SC) identificados no Forte de Santa Cruz de No que diz respeito ao exame macroscópico das rochas, foi possível verificar cinco das rochas dos seis sistemas construtivos (SC), que se apresentam como rochas muito bem selecionadas, com grãos no tamanho areia fina ou silte, que não podem ser percebidos nem com auxílio de lupa. Foi identificada a presença de carapaças em três delas – SC 1, SC 4 e SC 6; e há cavidades na rocha, no SC 1, SC 2e SC 6. Verificou-se, ainda, que todas as rochas reagiram ao Ácido clorídrico (HCl concentração de 10%) liberando CO2 moderadamente por um longo espaço de tempo, exceto a rocha do SC 2 que liberou CO2 abundantemente por um longo espaço de tempo. A análise de Fluorescência de Raio-X permitiu identificar qualitativa e quantitativamente os elementos químicos que compõe as rochas. Os resultados evidenciaram que todas as rochas apresentam elevadas quantidades de Cálcio, com pequena quantidade de Silício, Alumínio e Ferro e traços de Potássio. Com destaque para a rocha do SC 6 que apresentou uma pequena variação quantitativa quando comparada às demais: a quantidade de Cálcio é ligeiramente menor e o Silício, ligeiramente maior. 188 Foto 30. Tipos de rocha do Forte de Santa Cruz de Itamaracá. Rocha 1 (SC1); Rocha 2 (SC2); Rocha 3 (SC3); Rocha 4 (SC4); e Rocha 6 (SC6). Imagem extraída a partir do Microscópio Digital portátil Dino-Lite PLUS, com aumento de 55x. As fontes de rocha mais próximas do Forte de Santa Cruz de Itamaracá estão localizadas na área da Bacia Sedimentar Recife/João Pessoa. Num raio de 2,5 até 5 km a partir do Forte existem fontes abundantes de fosforitos, calcarenitos e calcários de origem marinha da Formação Gramame. Na outra margem do Canal de Santa Cruz, a cerca de 7 km, podem ser encontrados arenitos finos e arenitos carbonáticos médios a grosseiros, da Formação Beberibe. Considerando em todas as rochas a elevada quantidade de Cálcio e pequena quantidade de 189 Silício, Alumínio e Ferro pode-se sugerir que as rochas utilizadas em todos os sistemas construtivos do Forte de Santa Cruz de Itamaracá são Calcário. Há também uma fonte de arenito de praia (beachrocks) que está localizada ao longo da costa. Gráfico 4. Resultados da análise de Fluorescência de Raio-X realizada nos tipos de rocha utilizados no Forte de Santa Cruz de Itamaracá. Foi ainda realizada Difração de Raio-X (DRX).para as rochas do SC 3 e SC 4 com o objetivo de identificar os minerais presentes e complementar os resultados obtidos com a FRX. Os resultados obtidos para a rocha do SC 4 mostrou grande quantidade de Dolomita (CaCO3.MgCO3) e Ankerita (Ca2MgFe(CO3)4 e pequena quantidade de quartzo (SiO2). Segundo Sampaio e Almeida, esses elementos são aqueles constituintes dos calcários e/ou dolomitos. Segundo o “Diagnóstico Ambiental do Litoral Norte”, a Formação Gramame apresenta duas fáceis, uma fosfática e uma calcária. A fácie calcária é composta por arenito calcífero, calcários arenosos e culminam, no topo, com calcário dolomítico e margoso, muito fossilífero. Por sua vez, a rocha do SC 3 também apresentou o mesmo resultado: grande quantidade de Dolomita (CaCO3.MgCO3) e Ankerita (Ca2MgFe(CO3)4 e pequena quantidade de quartzo (SiO2), sugerindo tratar-se também de calcário ou dolomito. Segundo os dados do histórico construtivo do Forte, acima apresentados, as rochas utilizadas na reforma de 1973 ou foram rochas reutilizadas ou rochas trazidas da Paraíba. Devemos lembrar que a Formação Gramame tem origem no rio de mesmo nome, localizado na Paraíba. Os resultados do DRX reforçam a hipótese de que as rochas utilizadas na construção e nas reformas do Forte de Santa Cruz de Itamaracá são rochas calcárias. 190 H. FORTE DO BRUM. 1654 O Forte do Brum, localizado no bairro do Recife, região central da cidade, foi construído pelos colonizadores portugueses a partir de 1654, sobre o forte holandês de mesmo nome. O Forte foi construído na entrada do porto do Recife, num istmo banhado a leste pelas águas do mar e a oeste, pelo rio Beberibe. Foto 31. Forte do Brum. Fonte:site turismonorecife.com.br. Foto 32. Localização do Forte do Brum, localizado na Ilha do Recife, bairro do Recife, no Estado de Pernambuco (modificado do Google earth, em 04.10.2014). 191 DADOS HISTÓRICOS Em 1654 os portugueses conquistaram o Forte do Brum, construído pelos holandeses, que por sua vez já foi construído sobre as estruturas do inacabado Forte Diogo Paes. Em cartas de 1672 e 1677, João Fernandes Vieira dá notícias ao Rei de que as obras de pedra e cal do Forte do Brum continuavam em andamento (A.H.U., PE, Caixa 6, p. 151 e A.H.U., PE, Caixa 6, p. 232). Em 1702, Luís Francisco Pimentel escreveu ao Rei dando notícias do estado em que se encontravam as fortalezas da Capitania. Sobre o Forte do Brum, informou que este precisava de uma estrutura de reforço da fundação ao redor de toda edificação, pois os alicerces estavam amostra, precisava ainda que o fosso fosse finalizado e o parapeito aumentado. A carta ainda citava a necessidade de fazer defesa lateral pela parte que olha para a barra (A.H.U., PE, Caixa 11, fls. 213-215). Em 1707, as notícias eram de que as obras já estavam acabadas (A.H.U., PE, Caixa 12, p. 33-35). Desde 1987 o Forte do Brum foi restaurado e passou a funcionar como Museu Militar (Menezes. 1986: p. 100-102). Figura 55. Planta do Forte do Brum, após a capitulação dos holandeses. Fonte: MENEZES. 1986. p. 102. 192 CONFIGURAÇÃO GEOMÉTRICA O Forte do Brum é uma fortificação do tipo Fortificação Moderna, abaluartada, incluída na tipologia de Castelo ou Cidadela, segundo Scamozzi, e de Forte quadrantal, segundo Goldman. Apresenta planta com formato de polígono quadrangular. Os principais itens que compõe a fortificação são: o reparo composto de baluarte, com suas faces e flancos, e cortina. Ao longo de todo o perímetro do terrapleno há parapeito em alvenaria com canhoneiras. Também conta com obras externas como fosso. Suas dimensões e proporções estão detalhadas na figura abaixo. Sua muralha é inclinada, apresentando caimento médio de 77,19°. Ao longo de toda a muralha, há um cordão em pedra que sinaliza o fim da muralha e início do parapeito. Grosso modo, a fortificação mede 109 metros de comprimento, 82 metros de largura e 6 metros de altura, do solo atual até o cordão. Figura 56. Planta Baixa da Muralha do Forte do Brum, com indicação das linhas e ângulos e suas medidas. Medidas lineares (Metro) 1 2 3 4 5 6 Média Raio interior 47,62 46,53 47,62 46,53 47,08 Lado da figura 66,35 69,18 67,14 63,54 66,55 Garganta 10,37 11,53 10,99 10,25 23,19* 21,46* 10,79 Flanco 9,67 10,15 10,15 10,94 10,33 10,02 10,21 Face 25,48 25,44 24,94 26,54 26,16 27,3 25,98 Cabeça 23,35 23,62 Cortina 33,56 33,89 23,49 47,39 33,73 193 Segundo flanco 1,45 0,89 0,91 1,3 14,53* 17,05* 1,14 Lado exterior 82,49 81,37 109,69* 104,98* Defesa flancante 46,49* 61,8 76,8 76,39 61,34 44,69* 69,08 Defesa fichante 59,68* 62,66 78,08 77,29 62,87 59,79* 70,23 81,93 * Esses valores são referentes aos meios baluartes, que são diferentes dos baluartes, por isso não estão sendo considerados no cálculo das respectivas médias. Tabela 14. Medidas lineares aferidas em campo. Forte do Brum. Medidas angulares (Grau decimal) 1 2 3 4 5 Ângulo do centro 84,0° 90,9° 94,6° 89,6° 90,0° Ângulo da figura 93,4° 85,9° 89,2° 91,36° 90,0° Ângulo do baluarte 65,0° 58,9° 61,3° 59,2° 61,1° Ângulo flancante 28,4°* 32,4°* 17,0° 11,45 Ângulo cabeça/garganta 134,9° 139,1° 140,2° 130,5° Ângulo face/flanco 115,1° 120,3° 119,2° 115,2° 115,4° 115,2° 116,7° Ângulo flanco/cortina 103,8° 103,6° 99,9° 86,8° 86,7° 103,3° 97,4° 11,4° 6 15,5° Média 13,8° 136,2° * Esses valores são referentes aos meios baluartes, que são diferentes dos baluartes, por isso não estão sendo considerados no cálculo das respectivas médias. Tabela 15. Medidas angulares aferidas em campo. Forte do Brum. ESCOLHA DOS MATERIAIS CONSTRUTIVOS O Forte do Brum, provavelmente, está construído em alvenaria de pedra com argamassa de barro e cal e não em terra, com encamisamento de pedra, como o Forte de Santa Cruz de Itamaracá. No Forte do Brum, o reparo na área das cortinas norte e sul é vazio, e existem ambientes interno sendo utilizados com atividades do Museu entre a escarpa e contra escarpa em pedra. A partir do levantamento de dados físicos foi possível identificar dos 441,71 metros de reparo, cinco diferentes sistemas construtivos (SC), com predominância do SC 1 e SC 4. Deve-se registrar que parte do reparo está revestida com reboco e pintada, não sendo possível visualizar o sistema construtivo neste trecho que representa 23,9% do perímetro total. Os sistemas construtivos predominantes, SC 1 e SC 4, somam, respectivamente, 117,04 metros (26,50%) e 124,26 metros (28,14%) do perímetro. Os demais sistemas construtivos, juntos, somam 21,46%. Segue abaixo planta que espacializa os cinco sistemas construtivos. 194 Figura 57. Espacialização dos Sistemas construtivos identificados no Forte do Brum. No que diz respeito ao exame macroscópico realizado nas rochas utilizadas na construção de cada SC, de uma maneira geral, verificou-se que as rochas se apresentam muito bem selecionadas, com grãos tamanho areia média e fina, sub-arredondados, de baixa esfericidade, na cor creme e que podem ser percebidos sem auxilio de lupa. Diferentemente das demais, a rocha do SC 2 apresenta 25% de impurezas em um trecho da rocha. Todas as rochas reagiram ao Ácido clorídrico (HCl concentração de 10%) liberando CO2 abundantemente por um curto espaço de tempo. A análise de Fluorescência de Raio-X permitiu identificar qualitativa e quantitativamente os elementos químicos que compõe as rochas identificadas. Os resultados evidenciaram que todas as rochas apresentam elevadas quantidades de Cálcio e Silício com traços de Alumínio, Ferro e Potássio. As fontes de rocha mais próximas do Forte do Brum estão a mais de quinze quilômetros para Norte da Capitania de Pernambuco. Nessas fontes encontram-se calcários dentríticos, da Formação Maria Farinha; arenitos da Formação Beberibe; e, calcários da formação Gramame. Considerando a elevada quantidade de Silício presente nas rochas, pode-se sugerir que as rochas utilizadas na construção e nas reformas do Forte do Brum não foram Calcário, pois como o Silício é considerado uma impureza na rocha calcária, apareceria em menor quantidade. Inferese, portanto, que as rochas utilizadas foram arenitos quartzosos. Há também uma fonte de arenito de praia (beachrocks) que está localizada ao longo da costa. 195 Gráfico 5. Resultados da análise de Fluorescência de Raio-X realizada nos tipos de rocha utilizados no Forte do Brum. A Rocha 1 (SC 1), Rocha 3 (SC 2), Rocha 5 (SC 3), Rocha 7 (SC 4) e Rocha 9 (SC 5). I. FORTE DE SÃO TIAGO DAS CINCO PONTAS. 1654 O Forte de São Tiago das Cinco Pontas, localizado no bairro de São José, no centro do Recife, foi construído pelos colonizadores portugueses a partir de 1654, sobre o Forte holandês Frederich Heinrich. Foto 33. Forte de São Tiago das Cinco Pontas, localizado no bairro de São José, no centro do Recife. 196 Foto 34. Localização do Forte de São Tiago das Cinco Pontas, no bairro de São José, no centro do Recife, Estado de Pernambuco (modificado do Google earth, em 04.10.2014). DADOS HISTÓRICOS Em 1654, o Forte de São Tiago dos Cinco Pontas foi construído sobre o Forte holandês Frederich Heinrich. Esse primitivo forte tinha formato de polígono regular pentagonal, com cinco baluartes, mas o forte português foi construído com formato de polígono quadrangular, em alvenaria de pedra e cal, pelo Engenheiro Militar Francisco Correia Pinto. Figura 58. Ilustração denominada “CAERTE VANDE HAVEN VAN PHARNAMBOCQUE”, de 1639. Legenda: 2. Forte das Cinco Pontas. 5. Forte Ernesto. 6. Reduto da Boa Vista. 7. Forte Emilia. Em 1677, João Fernandes Vieira dá notícias de que a obra do Forte de São Tiago das Cinco Pontas estava finalizada (A.H.U., PE, Caixa 6, p. 232). Em 1702, Luís Francisco Pimentel em carta ao Rei dá notícias do estado em que se encontram as fortificações da Capitania. Sobre o Forte de São Tiago das Cinco Pontas, informa que estão sendo realizadas obras, novamente, para refazer o parapeito e a ponte levadiça (A.H.U., PE, Caixa 11, fls. 213-215). Em 1707, uma carta ao Rei informa que as obras do Forte de São Tiago das Cinco Pontas estavam finalizadas (A.H.U., PE, Caixa 12, p. 33-35). 197 Em 1799 há registros de que haveria necessidade de aterro no fosso da parte do mar. Nesse momento contava com 34 peças de artilharia. Em 1822 foi reformado. Em 1847 contava com 14 peças de artilharia. Foram feitos novos reparos em 1904. Foi restaurado a partir de 1979, pela prefeitura do Recife e pelo IPHAN, e aberto ao público em 1982 quando passou a ser sede do Museu da Cidade do Recife (Menezes. 1986: p. 104 e 105). CONFIGURAÇÃO GEOMÉTRICA O Forte São Tiago das Cinco Pontas é uma fortificação do tipo Fortificação Moderna, abaluartada, incluída na tipologia de Castelo ou Cidadela, segundo Scamozzi, e de Forte quadrantal, segundo Goldman. Apresenta planta com formato de polígono retangular. Os principais itens que compõe a fortificação são: reparo contendo baluarte, com suas faces e flancos, e cortina. Sobre o terrapleno, ao longo de todo perímetro da fortificação há parapeito em alvenaria, com canhoneiras. A fortificação ainda conta com fosso. Suas dimensões e proporções estão apresentadas nas tabelas e figura abaixo. Sua muralha é inclinada, apresentando caimento médio de 76,53°. Ao longo de toda a muralha, há um cordão em pedra que sinaliza o fim da muralha e início do parapeito. Grosso modo, a fortificação mede 83 metros de comprimento, 76 metros de largura e 3,80 metros de altura, do solo atual até o cordão em pedra. Figura 59. Planta Baixa da Muralha do Forte São Tiago das Cinco Pontas, com indicação das linhas e ângulos e suas medidas. 198 Medidas lineares (metro) 1 2 3 4 5 6 7 8 Média Raio interior 37,72 37,77 37,58 37,64 37,68 Lado da figura 48,19 48 58,03 58 48,10 Garganta 9,11 5,56 5,11 8,95 7,24 7,07 7,44 7,49 Flanco 7,98 7,8 7,93 7,82 8,98 8,86 9,07 9,1 Face 20,71 18,08 18,68 21,72 17,7 17,71 17,48 17,78 18,73 Cabeça 16,42 19,23 20,08 16,7 18,11 Cortina 33,43 37,52 41,8 41,47 35,48 Segundo flanco 10,17 9,26 Lado exterior 71,67 76,62 82,83 83,61 74,15 Defesa flancante 54,56 50,01 55,24 48,7 52,56 52,09 51,6 56,33 52,64 Defesa fichante 65,35 58,54 58,79 66,3 61,84 53,74 53,89 61,55 60,00 Tabela 16. 9,08 4,09 13,46 11,38 1,84 7,25 8,44 1,2 7,56 Medidas lineares aferidas em campo. Forte São Tiago das Cinco Pontas. Medidas angulares (grau decimal) 1 2 3 4 5 6 7 8 Média Ângulo do centro 100,4° 100,8° 79,1° 79,5° 100,6° Ângulo da figura 89,9° 90,2° 89,9° 89,9° 90,03° Ângulo do baluarte 64,1° 63,1° 58,5° 61,6° 61,8° Ângulo flancante Ângulo cabeça/garganta 14,3° 13,1° 16,1° 14,0° 133,5° 136,4° 135,5° 134,5° 135,6° 134,1° 136,1° 134° 135° Ângulo face/flanco 116,9° 117,6° 116,8° 115,6° 117,1° 116,5° 116,5° 117,0° Ângulo flanco/cortina 104,6° 102,4° 100,7° 102,5° 102,6° 102,7° 103,8° 103,9° 102,9° Tabela 17. 15,1° 14,2° 12,8° 119° 12,7° 14,0° Medidas angulares aferidas em campo. Forte São Tiago das Cinco Pontas. ESCOLHA DOS MATERIAIS CONSTRUTIVOS O Forte São Tiago das Cinco Pontas está construído em alvenaria de pedra com argamassa de barro e cal. Nos cantos da fortificação, verifica-se alvenaria de pedra aparente, composta por rochas talhadas de formato retangular, com tratamento de superfície. O exame macroscópico da rocha utilizada na sua construção revelou uma rocha muito bem selecionada, com grãos tamanho areia média, sub-anguloso, de baixa esfericidade, na cor creme e que podem ser percebidos sem auxílio de lupa. Verificou-se ainda a presença de impurezas, conchas e fragmentos de conchas, num percentual que varia de 1% a 50%. A rocha reagiu ao Ácido clorídrico (HCl concentração de 10%) liberando CO2, abundantemente por um longo tempo. 199 A análise de Fluorescência de Raio-X permitiu identificar qualitativa e quantitativamente os elementos químicos que compõe a rocha. O resultado evidenciou uma elevada quantidade de Cálcio e Silício com traços de Alumínio e vestígios de outros elementos, como o ferro. As fontes de rocha mais próximas do Forte São Tiago das Cinco Pontas estavam a mais de quinze quilômetros para Norte da Capitania de Pernambuco. Nessas fontes encontravam-se calcários dentríticos, da Formação Maria Farinha; arenitos da Formação Beberibe; e, calcários da formação Gramame. Considerando a elevada quantidade de Silício presente na rocha, sugere-se que a rocha utilizada na construção dessa fortificação não foi o Calcário, pois este mineral é considerado uma impureza da rocha calcária. Infere-se, portanto, que a rocha utilizada foi o arenito quartzoso. Há também uma fonte de arenito de praia (beachrocks) que está localizada ao longo da costa. Gráfico 6. Resultados da análise de Fluorescência de Raio-X realizada no tipo de rocha utilizado no Forte São Tiago das Cinco Pontas. A Rocha 1 é referente a alvenaria localizada nos encontros da muralha. 200 J. FORTE DE SANTO INÁCIO DE LOYOLA DE TAMANDARÉ. 1654 Foto 35. Forte de Santo Inácio de Loyola de Tamandaré, localizado no município de Tamandaré, litoral sul do Estado de Pernambuco. O Forte de Santo Inácio de Loyola de Tamandaré foi construído pelos colonizadores portugueses a partir de 1654. Está localizado no município de Tamandaré, no litoral sul do Estado de Pernambuco, distante cerca de 80km do Recife. O Forte foi construído numa planície costeira, em área de restinga. Foto 36. Localização do Forte de Santo Inácio de Loyola de Tamandaré, município de Tamandaré, litoral sul do Estado de Pernambuco (modificado do Google earth, em 04.10.2014). 201 DADOS HISTÓRICOS Em 1654, João Fernandes Vieira manda construir um forte de formato quadrado com quatro baluartes. O seu armamento constava de 28 peças de artilharia. Em 1677, dá notícias de que a obra da Fortaleza de Santo Inácio de Loyola de Tamandaré estava finalizada (A.H.U., PE, Caixa 6, p. 232.). As obras contaram com o apoio dos moradores locais em material de construção, mão-de-obra, carro e animais. A fortificação foi construída em alvenaria de pedra, com rochas foram trazidas por via marítima de porto calvo, em Alagoas. De 1683 até 1691 foi novamente reformado pelo mestre Francisco Pinheiro, que em 1702, em carta ao Rei, dá notícias de que a obra da fortificação estava acabada (A.H.U., PE, Caixa 11, fls. 213-215). Em 1822 foi alvo de outras obras de reparo. Foi utilizado como prisão política para prisioneiros em trânsito. Durante a segunda guerra mundial, até 1945, foi quartel para as tropas do Exército do Brasil. Desde 1978, está sob a guarda da Capitania dos Portos (Ministério da Marinha) e abriga um farol (Menezes. 1986: p. 103-104). CONFIGURAÇÃO GEOMÉTRICA O Forte Santo Inácio de Loyola de Tamandaré é uma fortificação do tipo Fortificação Moderna, abaluartada, incluída na tipologia de Castelo ou Cidadela, segundo Scamozzi, e Forte quadrantal, segundo Goldman. Apresenta planta com formato de polígono quadrangular. Os principais itens que compõe a fortificação são: reparo contendo baluarte, com suas faces e flancos, e cortina. Sobre o terrapleno, ao longo de todo perímetro da fortificação há parapeito em alvenaria, com canhoneiras. A fortificação ainda conta vestígios do fosso como obras externa. Suas dimensões e proporções estão detalhadas nas tabelas e figura abaixo. Sua muralha é inclinada, apresentando caimento médio de 78,03°. Ao longo de toda a muralha, há um cordão em pedra que sinaliza o fim da muralha e início do parapeito, também em pedra. Grosso modo, a fortificação mede 98 metros de comprimento, 100 metros de largura e 3,85 metros de altura, do solo atual até o cordão em pedra. 202 Figura 60. Planta Baixa da Muralha do Forte Santo Inácio de Loyola de Tamandaré, com indicação das linhas e ângulos e suas medidas. Medidas lineares (metro) 1 2 3 4 5 6 7 8 Média Raio interior 47,84 47,49 47,6 47,85 47,70 Lado da figura 67,7 66,69 67,34 68,09 67,46 Garganta 10,58 10,9 10,38 10,75 11,12 10,55 9,89 11,21 9,32* Flanco 9,82 9,79 9,33 9,67 9,76 7,86* 9,71 Face 26,95 27,1 27,25 27,97 28,85 28,66 27,01* 28,98* 27,80 Cabeça 23,98 22,15 22,18 22,42* 22,77 Cortina 46,04 45,75 46,32 46,29 46,10 Segundo flanco 6,53 5,19 Lado exterior 98,37 100,1 99,42* 100,25* Defesa flancante 67,42 68,6 71,83 74,39 71,15 65,24 53,32* 70,37* 69,77 Defesa fichante 73,78 73,67 75,61 75,81 74,14 74,63 75,13* 73,73* 74,61 2,35 4,57 0 9,87 10,67 10,91 21,1* 4,86* 6,94 99,24 * Esses valores são hipotéticos. São referentes ao baluarte que não existe mais, por isso não estão sendo considerados no cálculo das respectivas médias. Tabela 18. Medidas lineares aferidas em campo e média. Forte Santo Inácio de Loyola de Tamandaré. 203 Medidas angulares (grau decimal) 1 2 3 4 Ângulo do centro 91,0° 90,4° 88,7° 89,7° 90,0° Ângulo da figura 88,8° 90,8° 90,3° 89,9° 90,0° Ângulo do baluarte 63,9° 64,9° 61,3° 59,6°* 63,4° Ângulo flancante 13,8° 12,7° 13,3° Média 13,2° Ângulo face/flanco 102,5° 102,2° 104,2° 103,5° 97,3° 101,5° 96,2°* 106,6°* 101,9° Ângulo flanco/cortina 88,7° 87,5° 83,3° 89,2° 17,3°* 8 134,9° 86,1° 11,1° 7 12,9°* 88,7° 15,6° 6 Ângulo cabeça/garganta 132,7° 136,8° 133,3° 135,8° 134,1° 136,9° 134,7°* 135,3°* 89,2° 12,9° 5 87,8°* 90,9°* * Esses valores são hipotéticos. São referentes ao baluarte que não existe mais, por isso não estão sendo considerados no cálculo das respectivas médias. Tabela 19. Medidas angulares aferidas em campo e média. Forte Santo Inácio de Loyola de Tamandaré. ESCOLHA DOS MATERIAIS CONSTRUTIVOS O Forte Santo Inácio de Loyola de Tamandaré está construído em terra e encamisado em alvenaria de pedra com argamassa de barro e cal. É composto por rochas aparelhadas, com tratamento de superfície, e formato irregular, mas tendendo a polígonos de tamanhos variados. 204 COMPARAÇÃO ENTRE AS REFERÊNCIAS EUROPEIAS, OS TRATADOS E AS FORTIFICAÇÕES DE PERNAMBUCO Neste capítulo foram realizadas análises a partir dos dados e das referências identificadas ao longo deste trabalho a fim de permitir fazer constatações relativas às fortificações no que diz respeito aos tipos de fortificações construídos segundo as referências europeias (de transição ou moderna), aos modelos que podem ter sido utilizados para a construção das fortificações do tipo moderno antes, durante e depois da presença holandesa, à eficácia bélica de todo esse conjunto de fortificações, e consequentemente, fazer constatações sobre a transformação ou permanência tecnológica dos processos construtivos. No próximo capítulo, das conclusões, as constatações aqui alcançadas relativas às escolhas por determinada tecnologia (tipos e modelos), antes, durante e depois da presença holandesa, foram analisadas à luz dos fatos históricos, buscando explicar as razões que motivaram essas escolhas. 6.1 CLASSIFICAÇÃO TIPOLÓGICA As fortificações construídas em Pernambuco nos séculos XVI e XVII podem ser classificadas como Fortificação de Transição ou Fortificação Moderna, considerando, com já foi devidamente explicitado no Capítulo 1, que não há alusão a fortificações medievais no Brasil. Essa análise foi realizada a partir da comparação entre as referências da caracterização física de ambos os tipos de fortificação europeias com os dados da caracterização física das fortificações construídas em Pernambuco. Através desta análise pretendeu-se fornecer informações para as demais análises programadas. Como já foi justificado no Capítulo 3, dentre os aspectos da caracterização física das fortificações serão considerados aqueles referentes à sua Configuração Geométrica, especificamente: seus principais itens, formato, dimensões e proporções, modelos e inclinação dos muros. Estes aspectos vêm sendo considerados ao longo de todo o trabalho, servindo de variável para o levantamento dos dados. No intuito de dar suporte ao processo de análise, optou-se por retomar as referências aos tipos de fortificação, já descritos no Capítulo 1; assim com os dados das fortificações apresentados no Capítulo 5, em formato de quadro-síntese. Como ficou demonstrado no Capítulo 1, as características físicas de ambos os tipos foram o resultado de processos de experimentação, a partir de conhecimentos teóricos da matemática, geometria e trigonometria, para tornar a 205 construção mais defensável. A Fortificação de Transição, ainda segundo as referências documentais, deveria ser capaz de se defender da artilharia pirobalística da primeira fase, cujo efeito moral ainda era maior que o efeito de destruição; e a Fortificação Moderna deveria ser capaz de se defender da artilharia pirobalística de destruição. Portanto, quando os dados da caracterização física das fortificações não forem suficientes para permitir uma clara classificação, dever-se-á realizar a verificação da capacidade de defesa da estrutura analisada a partir de referências complementares que podem ser encontrados no Capítulo 1, onde essas tipologias foram discutidas. Segue abaixo o quadro-síntese onde estão evidentes as características físicas das fortificações de Pernambuco, apresentadas no Capítulo 5, situando cada fortificação no modelo correspondente. 206 Quadro 2. tipológica. Quadro-síntese das características físicas das fortificações de Pernambuco para classificação Quadro 3. Quadro-síntese da classificação tipológica das fortificações de Pernambuco. Na análise, verificou-se que algumas fortificações apresentam características que permitem uma clara classificação, tanto na tipologia de Transição, como na Moderna. Dentre as dez fortificações em estudo, o Forte de São Jorge é o único que pode ser classificado, de antemão, como Fortificação de Transição. Sua classificação está amparada pela identificação, no modelo de Fortificação de Transição apresentado no Capítulo 1, dos principais itens que compõe esse tipo: muralhas relativamente altas, com tambores nos ângulos e canhoneiras abertas nas muralhas (tanto no terraço, como em níveis mais baixo, para possibilitar o tiro rasante). Quanto às fortificações que podem, previamente, ser consideradas do tipo Moderno estão o Forte de Santa Cruz de Itamaracá, Forte de São Tiago das Cinco Pontas, Forte do Brum e Forte de Santo Inácio de Loyola de Tamandaré. Em todas essas fortificações, a partir das variáveis da 207 Configuração Geométrica: principais itens, formato, modelo e inclinação do Reparo, verificouse que os conteúdos são homólogos àqueles do tipo Moderno. As demais fortificações, como não apresentam as características mais marcantes dos tipos em questão: tambores e muralhas altas (no entanto, mais baixas que as medievais) (para o tipo de transição) e baluartes pentagonais (para o tipo moderno) devem ser consideradas uma a uma, para permitir um olhar mais aprofundado. As fortificações que ainda deverão ser classificadas são: Forte de São Francisco da Barra, Forte de São Francisco Olinda, Forte Real do Bom Jesus, Forte Nossa Senhora de Nazaré e Forte de São Francisco Xavier de Gaibu. Iniciando pelo Forte de São Francisco da Barra, verifica-se que esta é uma fortificação com formato de eneágono regular, cujas cortinas inclinadas conformam o terrapleno. Essa configuração, além de não apresentar baluartes modernos, pentagonais, também não apresenta altas muralhas ou tambores. Deve-se, portanto, considerar seus outros atributos físicos: trata-se de uma fortificação maciça, com escarpa em talude, logo, menos frágil, e consequentemente, favorável à defesa do ataque com armas de fogo, pois se configura como um corpo sólido; e ainda, é uma fortificação com formas geométricas claras (é um polígono regular), e de maior complexidade geométrica, pois conta com nove lados, demonstrando um maior domínio das regras geométricas para dividir um círculo em nove partes iguais (essa é uma característica que vai se consolidando desde o momento de Transição até o Moderno). A partir do exposto, o Forte de São Francisco da Barra pode ser considerado uma Fortificação Moderna, de pequenas dimensões: como um fortim ou reduto. O Forte de São Francisco Olinda, apresenta formato de polígono irregular, quadrangular, e assim como, o Forte de São Francisco da Barra, não conta com baluartes modernos, nem com altas muralhas e tambores. Nesse caso também devem ser considerados seus outros atributos físicos. Trata-se de uma fortificação maciça, com escarpa em talude, portanto, menos frágil, estando mais bem preparada para se defender do ataque com armas de fogo, pois se configura como um corpo sólido. Quanto ao seu formato, apesar de não contar com formas geométricas complexas, como no Forte de São Francisco da Barra, tem formato poligonal, mesmo irregular, que é uma característica que vai se consolidando no Moderno. A partir do exposto, o Forte de São Francisco Olinda também pode ser considerado uma Fortificação Moderna, de pequenas dimensões: como um fortim ou reduto. 208 O Forte Real do Bom Jesus, por sua vez, conta com baluartes na sua configuração geométrica, e não apresenta altas muralhas ou tambores. No entanto não é evidente que possa ser considerado, de antemão, uma Fortificação Moderna. Dos seis baluartes existentes, como está esquematicamente desenhado na figura abaixo, apenas o baluarte 06 apresenta formato pentagonal (o baluarte 01 é hexagonal; os baluartes 02 e 04 têm quatro lados; e, os baluartes 02 e 05 apresentam três lados, formato que pode categorizá-lo, inclusive, como um cavaleiro e não baluarte). Deve-se considerar ainda que não é possível afirmar, com clareza, qual o polígono regular ou irregular que deu origem à fortificação: polígono quadrangular, pentagonal ou hexagonal. Figura 61. Análise da Configuração Geométrica do Forte Real do Bom Jesus, para realizar a sua classificação tipológica, entre Fortificação de Transição e Fortificação Moderna. Observando a figura abaixo, pode-se ver que a ortogonalidade da cortina inferior em relação às cortinas lateral esquerda e lateral direita pode sugerir um polígono quadrangular; no entanto, o posicionamento dos baluartes 03 e 04 na parte superior da imagem, indicam um pentágono irregular; finalmente, se a figura original fosse um hexágono, seria um polígono mais próximo 209 de um polígono regular. A incerteza sobre o formato geométrico não é uma característica da Fortificação Moderna, o formato irregular resultado da adaptação a condicionantes locais, sim, mas não parece ter sido o caso. No processo adaptativo, há indícios de regularidade no formato, nessa fortificação não há regularidade na sua configuração geométrica. Continuando a análise do Forte Real do Bom Jesus, pode-se verificar que dentre as suas obras externas, as barreiras em formato de linhas que acompanham o recorte do Reparo, identificadas na iconografia, se parecem estruturalmente com barbacãs55. Estruturas desenvolvidas no âmbito das Fortificações de Transição. Finalmente, do ponto de vista da capacidade de defesa do Forte, o formato dos baluartes não propiciou a existência da defesa flancante plena, ou seja, nem todos os pontos da fortificação poderiam ser defendidos a partir dos flancos, pela ausência de flancos em alguns baluartes, como pode ser vista na figura acima. Enfim, por todos os argumentos construídos acima, não é possível classificar o Forte Real do Jesus como uma Fortificação Moderna; sua configuração geométrica tem semelhanças com aquelas fortificações construídas por portugueses nas suas colônias africanas, como por exemplo, na remodelação da fortaleza de Mazagão, em 1541, lembrando o processo de experimentação típico da Fortificação de Transição. No que diz respeito ao Forte de Nossa Senhora de Nazaré e Forte de São Francisco Xavier de Gaibu, o primeiro apresenta uma configuração semelhante às torres marítimas típicas das Fortificações de Transição, como a Torre de Belém (torre medieval quadrangular conjugada a um baluarte moderno). A fortificação, em questão, apresenta um conjunto de espaços compartimentados, na sua parte posterior, agrupados num formato quadrangular, e desta estrutura partem muros inclinados, em direção ao mar, onde há canhoneiras. Como se pode observar pela figura abaixo, sua configuração geométrica não conta com baluartes modernos, conta apenas com a cortina fletida, proporcionando a defesa flancante de uma parte da fortificação. A partir do exposto, o Forte de Nossa Senhora de Nazaré pode ser considerado uma Fortificação de Transição. 55 Barbacã são muralhas baixas localizadas no exterior da fortificação, formando uma segunda muralha. 210 Figura 62. Análise da Configuração Geométrica do Forte de Nossa Senhora de Nazaré, para realizar a sua classificação tipológica, entre Fortificação de Transição e Fortificação Moderna. Fonte da imagem: site cidadeinformacao.pt. Finalmente, a respeito do Forte de São Francisco Xavier de Gaibu, verifica-se que esta é uma fortificação com formato de pentágono irregular, cujas cortinas inclinadas conformam o terrapleno. Essa configuração apesar de não apresentar baluartes modernos, pentagonais, também não apresenta altas muralhas ou tambores. Deve-se, portanto, considerar seus outros atributos físicos: trata-se de uma fortificação maciça, com escarpa em talude, portanto, menos frágil, e consequentemente, mais favorável à defesa do ataque com armas de fogo, pois se configura como um corpo sólido. Conformação característica das Fortificações Modernas. No entanto, pela sua posição geográfica, no alto de uma escarpa, não está ao alcance dos tiros dos canhões de nenhuma embarcação inimiga, para atacá-la seria preciso vir por trás, pela terra. Continuando a análise, observa-se, ainda, que é uma fortificação com formas geométricas claras, apesar de ser um polígono irregular. Pela exiguidade do terreno, pode-se concluir que sua irregularidade foi resultado da adaptação ao terreno. Em síntese, pela ausência de elementos que a caracterizem como uma fortificação de Transição e pela sua estrutura de corpo solido, 211 com reparo em talude, essa fortificação, pode ser classificada como uma Fortificação Moderna, de pequenas dimensões: como um fortim ou reduto. Segue abaixo o quadro-síntese do resultado da classificação tipológica das fortificações construídas em Pernambuco nos séculos XVI e XVII.    Forte de São Jorge; Forte Real do Bom Jesus; Forte de Nossa Senhora de Nazaré.   Forte de Santa Cruz de Itamaracá;  Forte de São Tiago das cinco Pontas;  Tamandaré;  Forte de São Francisco de Olinda;   Quadro 4. 6.2 Forte do Brum; Forte de Santo Inácio de Loyola de Forte de São Francisco da Barra; Forte São Francisco Xavier de Gaibu. Classificação tipológica das fortificações de Pernambuco construídas nos séculos XVI e XVII. IDENTIFICAÇÃO DE MODELOS EUROPEUS A partir dos resultados da classificação tipológica, primeira etapa do processo de análise, segue o processo de análise para identificação de modelos europeus nas fortificações classificadas como do Tipo Moderno, buscando verificar quais modelos foram utilizados para a construção dessas fortificações, inclusive para identificar a afiliação a alguma escola de fortificação. Nos próximos itens serão realizadas análises para verificação do grau de eficácia bélica de todas as Fortificações (de Transição e Modernas) e, ainda, identificação da transformação ou permanência tecnológica dos processos construtivos das fortificações de Pernambuco, a partir da análise sincrônica dos resultados até aqui identificados. 212 A título de facilitar a argumentação, segue a lista de fortificações classificadas como Fortificação Moderna para serem aqui, analisadas a luz dos modelos normativos publicados nos Tratados apresentados no Capítulo 4.   Forte de Santa Cruz de Itamaracá;  Forte de São Tiago das cinco Pontas;  Forte de São Francisco da Barra;  Forte do Brum;  Forte de Santo Inácio de Loyola de Tamandaré;  Forte de São Francisco de Olinda; e, Forte de São Francisco Xavier de Gaibu. É preciso lembrar, como já foi discutido no Capítulo 4, que os Tratados utilizados para identificação de modelos são uma amostragem do conjunto de Tratados de Fortificação do século XVII. Essa amostragem se fundamentou na seleção feita pelo engenheiro português Luís Serrão Pimentel considerado, nas referências históricas, como um dos autores que representam a escola portuguesa de fortificação. A essa primeira seleção foi adicionado, ainda, um tratado da Escola Italiana de Fortificação, por ser a escola precursora dos estudos sobre a Fortificação Moderna na Europa. Das fortificações acima listadas, classificadas Modernas, no entanto, algumas não apresentam modelos que podem ser identificados em um único Tratado, como é o caso do Forte de São Francisco da Barra, Forte de São Francisco de Olinda, e, Forte de São Francisco Xavier de Gaibu. Todos esses fortes apresentam um modelo simplificado, com formato poligonal (regular ou irregular), composto apenas por reparo, terrapleno e cortina. Esse modelo é citado por todos os autores, como, por exemplo, Scamozzi que apresenta o forte de campanha com formato triangular ou quadrangular a ser construído longe da fortaleza, de maneira que se for ocupado não cause problemas (Scamozzi, 1615. p. 187); e, Goldman que trata das pequenas obras, como os redutos, que são fortificações sem baluarte, que não se defenderiam inteiramente, pois apresentavam trechos que não poderiam ser vistos da própria obra (Goldman, 1645. p. 3-12). 213 Excluídas essas três fortificações, a análise para identificação dos modelos foi realizada, portanto, nas seguintes Fortificações Modernas:   Forte de Santa Cruz de Itamaracá;  Forte de São Tiago das cinco Pontas;  Forte do Brum; Forte de Santo Inácio de Loyola de Tamandaré. A análise foi feita pela comparação da Configuração Geométrica entre fortificações e modelos normatizados. Os elementos que a compõe são os mesmos utilizados nos Tratados para apresentar seus modelos. Na figura abaixo, observa-se uma planta com a nominação e localização das linhas e ângulos que compõe a Configuração Geométrica de uma fortificação. Essa planta serviu de mapa para subsidiar as análises seguintes. Figura 63. Geométrica. Planta de fortificação genérica com nomes de linhas e ângulos que compõe a sua Configuração As plantas de cada uma das quatro fortificações objeto de análise, assim como aquelas de cada um dos cinco modelos, foram organizadas nesse mesmo padrão, e estão apresentadas no Capítulo 5 e Capítulo 4, respectivamente. Neste presente capítulo, optou-se por apresentar um quadro-síntese com as plantas dos modelos e das fortificações estudadas, numa mesma escala, no intuito de evidenciar, inclusive, as diferenças de dimensão das fortificações construídas e dos modelos idealizados. 214 Figura 64. Quadro-síntese, com plantas apresentadas na mesma escala, dos modelos idealizados selecionados dos Tratados de Fortificação e das Fortificações Modernas construídas em Pernambuco que serão objeto de análise comparativa entre si. Observando o quadro-síntese acima, vê-se a pequena dimensão das fortificações, em comparação com os modelos idealizados, evidenciando a necessidade de reduzir a escala dos modelos para a escala das fortificações. Foram criadas, portanto, tabelas de redução para cada fortificação. Essa redução, no entanto, não seguiu o mesmo padrão para cada modelo.  Nos modelos criados por Scamozzi todos os polígonos, que são os formatos de referência para a construção das fortificações, têm a mesma medida de lado, ou seja, 180 passa (312,96 m). Sendo assim, a redução do modelo de Scamozzi partiu da medida  do lado do polígono (Scamozzi, 1615: p. 185); Nos modelos criados por Goldman para as grandes obras, todas as fortificações (Forte Quadrantal, Meio Forte, Forte Dodrantal e Forte Real), têm a medida da cortina fixada, proporcionalmente, em relação a cortina do Forte Real que é de 480 pieds (135,88 m): Forte Dodrantal é ¾ do Forte Real (360 pieds ou 101,91 m); Meio Forte é ½ do Forte Real (240 pieds ou 67,94 m) e Forte Quadrantal é ¼ do Forte Real (120 pieds ou 33,97 m). Sendo assim, a redução dos modelos de Goldman partiu da medida da cortina  (Goldman, 1645: p.13-15); e, Nos modelos criados por Dogen todas as fortificações apresentam a mesma medida do lado externo, considerando o alcance do mosquete entre dois baluartes contíguos, ou 215 seja, 60 Verges Rhynlandiques (188,31 m). Sendo assim, a redução do modelo de Dogen partiu da medida do lado externo (Dogen, 1648: p. 54-55); A partir dessas considerações iniciais, as análises foram realizadas pela comparação das medidas lineares e angulares dos elementos que compõe uma fortificação com as medidas lineares e angulares de todos os modelos procurando identificar o modelo a que mais se aproximavam. Num segundo momento, foi realizada a comparação entre a planta da fortificação e a planta do modelo selecionado para confirmar a constatação realizada a partir das medidas. No caso da verificação se confirmar, pode-se atribuir o modelo selecionado como modelo de referência utilizado para a construção da fortificação. Segue abaixo as análises para cada uma das quatro fortificações selecionadas. FORTE DE SANTA CRUZ DE ITAMARACÁ, 1654 As medidas lineares e angulares dos elementos que compõe a Configuração Geométrica do Forte de Santa Cruz de Itamaracá e as medidas dos elementos que compõe os modelos de fortificação estão apresentadas nas tabelas abaixo. Na comparação verifica-se que as medidas lineares e angulares estão mais próximas aos valores das medidas do modelo denominado Fortaleza, de formato quadrangular, cujas dimensões e proporções são da 1ª. e 2ª. maneira de calcular as medidas das fortificações criado por Mathias Dogen. Medidas lineares (Metro) Fortificação Média Valor teórico SCAMOZZI Castelo e Cidadela Valor teórico GOLDMAN F.Quadrantal Valor teórico GOLDMAN Meio Forte Valor teórico DOGEN Fortaleza da 1a e 2a Valor teórico DOGEN Fortaleza da 3a Raio interior 59,61 59,60 55,31 58,25 59,24 65,43 Lado da figura 84,29 84,29 78,22 82,38 83,79 92,56 Garganta 11,72 12,46 8,69 10,77 12,03 16,66 Flanco 12,56 14,47 7,56 7,58 12,55 9,70 Face 34,81 30,82 22,99 25,96 34,79 34,70 Cabeça 30,21 25,66 19,11 20,22 30,52 24,34 Cortina 60,84 59,38 60,84 60,84 59,74 59,23 Segundo flanco 11,64 0,00 32,59 32,54 12,90 15,29 126,97 120,58 105,25 110,99 126,97 126,97 Defesa flancante 96,31 90,63 52,23 55,25 95,82 94,67 Defesa fichante 85,03 0,00 84,13 87,09 83,29 79,68 Lado exterior Tabela 20. Comparação entre valor teórico dos modelos de fortificação a partir dos Tratados do século XVII com o valor da média das medidas da fortificação. Forte Santa Cruz de Itamaracá, 1654. 216 Média Valor teórico SCAMOZZI Castelo e Cidadela Valor teórico GOLDMAN F.Quadrantal Valor teórico GOLDMAN Meio Forte Valor teórico DOGEN Fortaleza da 1a e 2a Valor teórico DOGEN Fortaleza da 3a Ângulo do centro 90,0° 90,0° 90,0° 90,0° 90,0° 90,0° Ângulo da figura 90,0° 90,0° 90,0° 90,0° 90,0° 90,0° Ângulo do baluarte 60,6° 76,31° 60,0° 60,0° 60,0° 60,0° Ângulo flancante 14,6° 6,84° 15,0° 15,0° 15,0° 15,0° Ângulo cabeça/garganta 135,0° 135,0° 135,0° 135,0° 135,0° 135,0° Ângulo face/flanco 101,9° 96,84° 105,0° 105,0° 105,0° 105,0° Ângulo flanco/cortina 87,2° 90,0° 90,0° 90,0° 90,0° 90,0° Inclinação 78,7° 63,43° a 71,57° 63,43° 63,43° 63,43° 63,43° Medidas angulares (Graus decimais) Fortificação Tabela 21. Comparação entre valor teórico dos modelos de fortificação a partir dos Tratados do século XVII com o valor da média das medidas da fortificação. Forte Santa Cruz de Itamaracá, 1654. Essa constatação também pode ser observada a partir da sobreposição da planta da fortificação pela planta do modelo de Dogen, apresentada abaixo. Figura 65. Sobreposição da planta do Forte de Santa Cruz de Itamaracá com a planta do modelo de Matthias Dogen selecionado a partir da comparação dos valores das suas medidas lineares e angulares. 217 FORTE DO BRUM, 1654 As medidas lineares e angulares dos elementos que compõe a Configuração Geométrica do Forte do Brum e as medidas dos elementos que compõe os modelos de fortificação estão apresentadas nas tabelas abaixo. Na comparação desses valores verifica-se que as medidas lineares da fortificação estão mais próximas aos valores das medidas do modelo denominado Castelo e Cidadela, de formato quadrangular, criado por Vicenzo Scamozzi. No entanto, na comparação dos valores das medidas angulares verifica-se que os valores das medidas da fortificação estão mais próximos aos valores das medidas de todos os outros modelos. Significando que nenhum dos modelos utilizados na análise foi empregado para construção do Forte do Brum. Medidas lineares (Metro) Fortificação Média Valor teórico SCAMOZZI Castelo e Cidadela Valor teórico GOLDMAN F.Quadrantal Valor teórico GOLDMAN Meio Forte Valor teórico DOGEN Fortaleza da 1a e 2a Valor teórico DOGEN Fortaleza da 3a Raio interior 47,08 47,06 30,66 32,29 38,22 42,22 Lado da figura 66,55 66,55 43,36 45,67 54,07 59,72 Garganta 10,79 9,83 4,82 5,97 7,76 10,75 Flanco 10,21 11,43 4,19 4,20 8,10 6,26 Face 25,98 24,33 12,74 14,39 22,45 22,39 Cabeça 23,49 20,26 10,60 11,21 19,70 15,71 Cortina 33,73 46,88 33,73 33,73 38,55 38,22 Segundo flanco 1,14 0,00 18,07 18,04 8,32 9,87 Lado exterior 81,93 95,21 58,35 61,52 81,93 81,93 Defesa flancante 69,08 71,55 28,95 30,63 61,83 61,09 Defesa fichante 70,23 0,00 46,64 48,28 53,74 51,42 Tabela 22. Comparação entre valor teórico dos modelos de fortificação a partir dos Tratados do século XVII com o valor da média das medidas da fortificação. Forte do Brum, 1654. Média Valor teórico SCAMOZZI Castelo e Cidadela Valor teórico GOLDMAN F.Quadrantal Valor teórico GOLDMAN Meio Forte Valor teórico DOGEN Fortaleza da 1a e 2a Valor teórico DOGEN Fortaleza da 3a Ângulo do centro 90,00° 90,0° 90,0° 90,0° 90,0° 90,0° Ângulo da figura 90,00° 90,0° 90,0° 90,0° 90,0° 90,0° Ângulo do baluarte 61,13° 76,31° 60,0° 60,0° 60,0° 60,0° Ângulo flancante Ângulo cabeça/garganta 13,86° 6,84° 15,0° 15,0° 15,0° 15,0° 136,21° 135,0° 135,0° 135,0° 135,0° 135,0° Ângulo face/flanco Ângulo flanco/cortina 116,75° 96,84° 105,0° 105,0° 105,0° 105,0° 97,37° 90,0° 90,0° 90,0° 90,0° 90,0° Inclinação 77,19° 63,43° a 71,57° 63,43° 63,43° 63,43° 63,43° Medidas angulares (Graus decimais) Fortificação Tabela 23. Comparação entre valor teórico dos modelos de fortificação a partir dos Tratados do século XVII com o valor da média das medidas da fortificação. Forte do Brum, 1654. 218 FORTE DE SANTO INÁCIO DE LOYOLA DE TAMANDARÉ, 1654 As medidas lineares e angulares dos elementos que compõe a Configuração Geométrica do Forte de Santo Inácio de Loyola de Tamandaré e as medidas dos elementos que compõe os modelos de fortificação estão apresentadas nas tabelas abaixo. Na comparação desses valores verifica-se que as medidas da fortificação estão mais próximos aqueles do modelo denominado Fortaleza, de formato quadrangular, cujas dimensões e proporções são da 1ª. e 2ª. maneira de calcular as medidas das fortificações criado por Dogen. Medidas lineares (metro) Média Valor teórico SCAMOZZI Castelo e Cidadela Valor teórico GOLDMAN F.Quadrantal Valor teórico GOLDMAN Meio Forte Valor teórico DOGEN Fortaleza da 1a e 2a Valor teórico DOGEN Fortaleza da 3a Raio interior 47,70 47,70 41,91 44,14 46,30 51,14 Lado da figura 67,46 67,46 59,27 62,43 65,49 72,34 Garganta 10,67 9,97 6,58 8,16 9,40 13,02 Flanco 9,71 11,58 5,73 5,75 9,81 7,58 Face 27,80 24,66 17,42 19,67 27,19 27,12 Cabeça 22,77 20,53 14,48 15,32 23,86 19,02 Cortina 46,10 47,52 46,10 46,10 46,69 46,29 Segundo flanco 6,94 0,00 24,70 24,66 10,08 11,95 Lado exterior 99,24 96,50 79,76 84,10 99,24 99,24 Defesa flancante 69,77 72,53 39,58 41,87 74,89 73,99 Defesa fichante 74,61 0,00 63,75 66,00 65,10 62,27 Fortificação Tabela 24. Comparação entre valor teórico dos modelos de fortificação a partir dos Tratados do século XVII com o valor da média das medidas do Forte de Santo Inácio de Loyola de Tamandaré, 1654. Medidas angulares (graus decimais) Fortificação Média Valor teórico SCAMOZZI Castelo e Cidadela Valor teórico GOLDMAN F.Quadrantal Valor teórico Valor teórico DOGEN GOLDMAN Fortaleza da 1a ½ Forte e 2a Valor teórico DOGEN Fortaleza da 3a Ângulo do centro 90,00° 90,0° 90,0° 90,0° 90,0° 90,0° Ângulo da figura 90,00° 90,0° 90,0° 90,0° 90,0° 90,0° Ângulo do baluarte 63,44° 76,31° 60,0° 60,0° 60,0° 60,0° Ângulo flancante 13,29° 6,84° 15,0° 15,0° 15,0° 15,0° Ângulo cabeça/garganta 134,99° 135,0° 135,0° 135,0° 135,0° 135,0° Ângulo face/flanco 101,91° 96,84° 105,0° 105,0° 105,0° 105,0° Ângulo flanco/cortina 87,58° 90,0° 90,0° 90,0° 90,0° 90,0° Inclinação 78,03° 63,43° a 71,57° 63,43° 63,43° 63,43° 63,43° Tabela 25. Comparação entre valor teórico dos modelos de fortificação a partir dos Tratados do século XVII com o valor da média das medidas do Forte de Santo Inácio de Loyola de Tamandaré, 1654. Essa constatação também pode ser observada a partir da sobreposição da planta da fortificação pela planta do modelo de Dogen, apresentada abaixo. 219 Figura 66. Sobreposição da planta do Forte de Santo Inácio de Loyola de Tamandaré com a planta do modelo de Matthias Dogen selecionado a partir da comparação dos valores das suas medidas lineares e angulares. FORTE SÃO TIAGO DAS CINCO PONTAS, 1684 As medidas lineares e angulares dos elementos que compõe a Configuração Geométrica do Forte de Santo Inácio de Loyola de Tamandaré e as medidas dos elementos que compõe os modelos de fortificação estão apresentadas nas tabelas abaixo. Na comparação desses valores verifica-se que as medidas lineares e angulares da fortificação estão mais próximas aquelas do modelo denominado Fortaleza, de formato quadrangular, cujas dimensões e proporções são da 1ª. e 2ª. maneira de calcular as medidas das fortificações criado por Mathias Dogen. Medidas lineares (Metro) Fortificação Média Valor teórico SCAMOZZI Castelo e Cidadela Valor teórico GOLDMAN F.Quadrantal Valor teórico GOLDMAN Meio Forte Valor teórico DOGEN Fortaleza da 1a e 2a Valor teórico DOGEN Fortaleza da 3a Raio interior 37,68 34,01 32,25 33,97 34,59 38,21 Lado da figura 48,10 48,10 45,61 48,04 48,93 54,05 Garganta 7,25 7,11 5,07 6,28 7,02 9,73 Flanco 8,44 8,26 4,41 4,42 7,33 5,67 Face 18,73 17,58 13,41 15,14 20,32 20,26 Cabeça 18,11 14,64 11,15 11,79 17,82 14,21 Cortina 35,48 33,88 35,48 35,48 34,88 34,59 220 Segundo flanco 7,56 0,00 19,01 18,97 7,53 8,93 Lado exterior 74,15 68,80 61,37 64,72 74,15 74,15 Defesa flancante 52,64 51,71 30,46 32,22 55,95 55,28 Defesa fichante 60,00 0,00 49,06 50,79 48,64 46,53 Tabela 26. Comparação entre valor teórico dos modelos de fortificação a partir dos Tratados do século XVII com o valor da média das medidas do Forte de São Tiago das Cinco Pontas, 1654. Medidas angulares (Graus decimais) Fortificação Média Valor teórico SCAMOZZI Castelo e Cidadela Valor teórico GOLDMAN F.Quadrantal Valor teórico GOLDMAN Meio Forte Valor teórico DOGEN Fortes da 1a e 2a Valor teórico DOGEN Fortes da 3a Ângulo do centro 100,69° 90,0° 90,0° 90,0° 90,0° 90,0° Ângulo da figura 90,03° 90,0° 90,0° 90,0° 90,0° 90,0° Ângulo do baluarte 61,84° 76,31° 60,0° 60,0° 60,0° 60,0° Ângulo flancante 14,08° 6,84° 15,0° 15,0° 15,0° 15,0° Ângulo cabeça/garganta 135,00° 135,0° 135,0° 135,0° 135,0° 135,0° Ângulo face/flanco 117,03° 96,84° 105,0° 105,0° 105,0° 105,0° Ângulo flanco/cortina 102,95° 90,0° 90,0° 90,0° 90,0° 90,0° Inclinação 76,53° 63,43° a 71,57° 63,43° 63,43° 63,43° 63,43° Tabela 27. Comparação entre valor teórico dos modelos de fortificação a partir dos Tratados do século XVII com o valor da média das medidas do Forte de São Tiago das Cinco Pontas, 1654. Figura 67. Sobreposição da planta do Forte de São Tiago das Cinco Pontas com a planta do modelo de Matthias Dogen selecionado a partir da comparação dos valores das suas medidas lineares e angulares ____…___ 221 A partir das análises realizadas pela comparação dos valores das medidas lineares e angulares entre fortificações construídas e modelos idealizados constata-se que o modelo de fortificação denominado Fortaleza, de formato quadrangular, cujas dimensões e proporções são da 1ª. e 2ª. maneira de calcular as medidas das fortificações, criado por Mathias Dogen, foi recorrentemente utilizado para construir fortificações em Pernambuco. Das quatro fortificações analisadas, em três delas, as medidas são semelhantes: Forte de Santa Cruz de Itamaracá, Forte de São Tiago das Cinco Pontas e o Forte de Santo Inácio de Loyola de Tamandaré. Apenas no Forte do Brum, não foi possível identificar o modelo que deu origem à fortificação, pois nenhum dos modelos selecionados apresentou os valores das medidas lineares e angulares semelhantes aos valores da fortificação. Matthias Dogen (1605-1672), arquiteto militar, foi o autor do modelo que foi utilizado em três das quatro fortificações construídas em Pernambuco no século XVII. Um dos teóricos que representava a Escola holandesa de fortificação, Dogen projetou na muralha e nos baluartes, em terra, para serem muito largos e muito baixos, como montanhas numa planície. A simetria, as medidas e a relação das partes da fortificação entre si eram, para Dogen, instrumentos para construir uma fortificação perfeita. A escola de fortificação holandesa se diferenciava das demais pela utilização de fosso largo, muralhas em terra, falsabraga (estrutura que substituiu o barbacã da Fortificação Medieval no reforço da proteção da cortina), caminho coberto e esplanada, e ainda pela utilização do ângulo reto entre flancos e cortinas nos seus baluartes (Valla, 2007: p. 209 e 211-212). Nas fortificações construídas em Pernambuco foram encontrados vestígios de fosso em todos os fortes analisados, porém não há vestígios da falsabraga, nem de caminho coberto e esplanada. No Forte de Santa Cruz de Itamaracá observa-se apenas uma estrutura em alvenaria de pedra com restos de madeira, espaçadamente posicionadas, que poderiam ser a fundação de uma paliçada de madeira. Quanto aos ângulos dos flancos e cortinas nas fortificações de Pernambuco, em duas das fortificações que seguiram o modelo holandês verifica-se a intensão da utilização do ângulo reto, e em uma delas, observa-se a utilização intencional de um ângulo obtuso, cujo valor médio é 103,9°. 222 Foto 37. Estrutura em alvenaria de pedra com restos de madeira, posicionadas nos locais demarcados na imagem. A estrutura esta localizada ao longo da cortina sudeste do Forte de Santa Cruz de Itamaracá. Fortificações Modernas de Pernambuco Forte de Santa Cruz de Itamaracá Forte do Brum Forte de São Tiago das cinco Pontas Forte de Sto Inácio de Loyola de Tamandaré Ângulo flanco/ cortina Média 87,3° 103,7° 104,6° 88,5° 103,6° 102,4° 87,2° 99,9° 100,7° 87,3° 86,8° 102,5° 90,5° 86,7° 102,6° 83,2° 103,2° 102,7° 87,3° 86,5° 103,8° 103,9° 86,5° 97,3° 103,9° 88,7° 89,2° 88,7° 86,1° 83,3° 89,2° 87,8° 90,9° 90,9° Tabela 28. Valores dos ângulos entre flanco e cortina do Forte de Santa Cruz de Itamaracá, Forte de São Tiago das Cinco Pontas, Forte de Santo Inácio de Loyola de Tamandaré e Forte do Brum obtidos no levantamento de campo para verificar sua proximidade com o ângulo de 90°. Pela tabela apresentada acima, pode-se observar que no Forte de Santa Cruz de Itamaracá e Forte de Santo Inácio de Loyola de Tamandaré, os ângulos entre flanco e cortina variam de 83,2° a 90,5° e de 83,3° a 90,9°, respetivamente, seguindo a preocupação da escola holandesa e demonstrando a obediência ao modelo. Já no Forte de São Tiago das Cinco Pontas, no entanto, a variação é de 100,7° a 104,6°, apesar desse forte ter seguido o modelo de fortificação de Matthias Dogen, membro da Escola Holandesa de Fortificação. O Forte do Brum, pelo contrário, apesar de não poder se associado ao modelo holandês apresentou a intenção em utilizar o ângulo de 90° entre cortina e flanco, como se pode observar na tabela abaixo. 223 6.3 VERIFICAÇÃO DA EFICÁCIA BÉLICA Dando prosseguimento ao processo de análise, busca-se verificar o grau de eficácia bélica das fortificações construídas em Pernambuco nos séculos XVI e XVII. Retomando o conceito apresentado no Capítulo 3, eficácia bélica diz respeito à capacidade que tem uma fortificação de cumprir sua função precípua: se defender e defender um determinado lugar. No âmbito dessa pesquisa, a constatação da capacidade de se defender está relacionada:  ao tipo de fortificação construída, no caso de Pernambuco, ou Fortificação de Transição ou Fortificação Moderna, haja vista não haver referências da existência de Fortificação medieval na Capitania;  ao modelo de fortificação moderna utilizado, se este conta com linhas flancantes e, consequentemente, com largas faixas de defesa; e,  com a obediência ao modelo, considerando a capacidade intrínseca do modelo de se defender, portanto, quanto mais semelhante ao modelo maior sua eficácia bélica. EFICÁCIA BÉLICA X TIPOLOGIA Do ponto de vista da eficácia bélica relacionada à tipologia de fortificação, é preciso retomar as referências apresentadas no Capítulo 1, para facilitar a análise. Como já foi apresentado, a Fortificação de Transição era um tipo de fortificação intermediário, entre a Fortificação Medieval e a Fortificação Moderna, que foi desenvolvido porque a Fortificação Medieval tornou-se ineficaz diante das armas de fogo da artilharia pirobalistica. No entanto, com o aprimoramento da artilharia, a partir do surgimento de canhões com elevado poder de destruição, a partir de 1530, esse tipo de fortificação, por sua vez, tornou-se ineficaz diante do aumento de poder das armas de fogo da artilharia pirobalistica. A Fortificação de Transição, grosso modo, era formada por muralhas altas, intercaladas por tambores vazios, uma estrutura frágil diante dos canhões de alto calibre em uso desde 1530, em toda a Europa. Esse tipo de fortificação, portanto, tinha reduzida capacidade de se defender das armas de fogo em utilização no século XVI e XVII, sua eficácia bélica nesse período, diante da artilharia pirobalística com poder de destruição, era baixa. As Fortificações Modernas, diferentemente, foram desenvolvidas para resistir ao impacto das balas dos canhões, com suas muralhas formadas por reparos baixos, largos e maciços. A eficácia bélica de uma Fortificação Moderna, portanto, já é maior que a de uma Fortificação de Transição, independente do modelo utilizado. 224 EFICÁCIA BÉLICA X LINHAS FLANCANTES No que concerne à eficácia bélica relacionada ao modelo de fortificação moderna, também se deve retomar as referências apresentadas no Capítulo 1, relativas à capacidade que tem uma fortificação de se defender observando as linhas flancantes e, consequentes, faixas de defesa. Figura 68. Representação das faixas de defesa nos modelos europeus e nas fortificações de Pernambuco, utilizando as plantas com a mesma medida do lado externo para poder comparar a largura das faixas e consequentemente, verificar quais plantas apresentam maior capacidade de defesa. Retomando o argumento da importância do baluarte para o desenvolvimento da Fortificação Moderna, foi apresentado no referido capítulo que o baluarte, por ser uma estrutura que se projetava para fora da muralha, permitiria atirar no inimigo que tentasse se aproximar da fortificação. Essa defesa era feita através de tiros de canhões cuja trajetória desenharia uma linha que foi denominada, linhas flancantes: linhas que partiam dos flancos em direção à face do baluarte contíguo, paralela à face. Cada linha poderia significar um canhão e o conjunto de 225 linhas formava uma faixa de defesa, por isso, quanto mais larga fosse a faixa de defesa, maior a capacidade de defesa da fortificação. Na figura acima é possível observar a diferentes larguras de faixas de defesa dos modelos identificados nos Tratados e nas fortificações construídas em Pernambuco. Observa-se que o modelo de Scamozzi é o que apresenta faixa de defesa mais estreita e o modelo de Dogen, fortaleza da 3ª. maneira de calcular as medidas de uma fortificação é o que apresenta a faixa de defesa mais larga. Os demais modelos apresentam faixa de defesa de largura mediana. No caso das fortificações de Pernambuco, todas as fortificações abaluartadas apresentam faixas de defesa, praticamente, da mesma largura apresentando uma largura mediana. Com exceção para o Forte Real do Bom Jesus, que faixa de defesa apresenta uma largura diferente. Destaque para o Forte de Nossa Senhora de Nazaré que apresenta duas faixas de defesa muita largas, mas apenas em uma cortina, aquela voltada para o mar. As demais cortinas não têm, portanto, como se defender. Deve-se chamar a atenção, no entanto, para a inexistência de faixas de defesa no lado não abaluartado do Forte do Brum e nas demais fortificações não-abaluartadas. Nessas fortificações e nesse lado do Forte do Brum, não é possível defender a estrutura, deixando-a suscetível ao ataque do inimigo, reduzindo sua eficácia bélica. Quadro 5. Quadro-síntese da capacidade de defesa das fortificações de Pernambuco relacionada à existência de linhas flancantes. EFICÁCIA BÉLICA X OBEDIÊNCIA AO MODELO (TRATADO X FORTIFICAÇÃO) Finalmente, quanto à identificação da eficácia bélica das fortificações pela fidelidade ao modelo, precisa ser observado o grau de semelhança entre as duas Configurações Geométricas: das fortificações e do modelo. Essa análise considera o pressuposto de eficácia bélica intrínseca ao modelo, haja vista que a função de se defender é função precípua de uma fortificação. Essa análise só pode ser feita nas fortificações para as quais foram identificados modelos de referência, foram elas: Forte de Santa Cruz de Itamaracá, Forte de São Tiago das Cinco Pontas e Forte de Santo Inácio de Loyola de Tamandaré. 226 Figura 69. Sobreposição Tratado x fortificações. A semelhança foi identificada a partir da sobreposição do modelo sobre a fortificação, como se observa na figura abaixo. A partir da sobreposição, constata-se que o Forte de São Francisco da Barra, Forte de Santa Cruz de Itamaracá, Forte de São Tiago das Cinco Pontas e Forte de Santo Inácio de Loyola de Tamandaré são semelhantes aos modelos. Já o Forte de São Francisco de Olinda, Forte de São Francisco Xavier de Gaibu tem formato diferente dos modelos quadrangular e pentagonal, respectivamente. Á título de sínteses, a tabela abaixo apresenta os resultados das análises referentes à eficácia bélica das fortificações de Pernambuco. Quadro 6. Quadro-síntese da eficácia bélica das fortificações de Pernambuco. 227 CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir das informações que resultaram das análises apresentadas no capítulo anterior, podem ser fazer algumas reflexões sobre a efetiva transformação tecnológica nos processos construtivos das fortificações de Pernambuco, principalmente após a invasão holandesa. 7.1 TRANSFORMAÇÕES TECNOLÓGICAS Essas transformações consistiram, inicialmente, no incremento da eficácia bélica em fortificações do tipo de Transição; em seguida, na troca do tipo de Transição pelo tipo Moderno, que já corresponde a um incremento da eficácia bélica nas fortificações; e, complementarmente, no incremento da eficácia bélica em fortificações do tipo Moderno. Deve-se registrar, no entanto, que essas transformações não ocorreram numa ordem crescente e acumulativa, corroborando com precisão a ideia de Quintanilla e Basalla, quando defendem que as transformações tecnológicas não são lineares, são rápidas ou lentas, caóticas ou progressivas, acumulativas ou dispersas. PRIMEIRO SISTEMA DEFENSIVO PORTUGUÊS No que concerne ao Primeiro Sistema Defensivo Português, anterior à chegada dos holandeses, três fortificações puderam ser analisadas, sendo que apenas uma era do tipo de Transição, enquanto as outras duas eram do tipo Moderno. A escolha quase predominante pelo tipo Moderno condiz com do tipo de armas de fogo que se usava na Europa, desde 1530, especificamente, a artilharia pirobalística com efeito de destruição. A única fortificação do tipo de Transição foi o Forte de São Jorge, construído a partir de 1590. Sobre suas características físicas pouco se sabe, pois ainda não há vestígios arqueológicos conhecidos; sabe-se, no entanto, pela iconografia, que é uma típica fortificação de Transição. Sua estrutura é formada por muralhas altas e estreitas, com dois níveis de canhoneiras, além de canhoneiras no terraço, e por quatro tambores nos ângulos. Como demonstram as referências históricas identificadas no Capítulo 2, essa estrutura não era capaz de se defender do ataque da artilharia pirobalística com seu efeito de destruição. Chegou a ser considerada pelos holandeses, no momento da invasão, como de pouca importância, sob o argumento de que os canhões dos navios seriam capazes de danificá-la, enquanto os navios inimigos pouco seriam molestados por ela. 228 As demais fortificações construídas antes da chegada dos holandeses, e analisadas nesse trabalho: Forte de São Francisco da Barra e Forte de São Francisco de Olinda, apresentavam, por sua vez, características físicas coincidentes com aquelas das Fortificações Modernas. Eram fortificações formadas por uma estrutura maciça composta por reparo, com escarpa em talude, de baixa altura. No entanto, eram fortificações que além de não ter baluartes, eram de pequena dimensão, cerca de 20 m de diâmetro, o Forte de São Francisco da Barra e cerca de 14 m de largura por 20 m de comprimento, o Forte de São Francisco de Olinda. Esse modelo de fortificação maciça, quadrangular, sem baluartes, tanto podia ser encontrado em todos os tratados de fortificação do século XVII, como podia nem ser apresentado, por ser um modelo bastante difundido e conhecido entre os homens de guerra, que não necessitava de uma apresentação estruturada em documento. Esse modelo, no entanto, não era considerado de muita capacidade de defesa. Segundo Goldman, os Redutos, como foram denominados, não eram capazes de se defender inteiramente e o inimigo poderia se aproximar sem resistência (Goldman, 1645: p. 3-12). Segundo Scamozzi, que denominou esse modelo de forte de campanha, ele servia para incomodar o inimigo, mas deveria ser construído longe da fortaleza, pois se fosse tomado não traria grandes problemas (Scamozzi, 1615: p.187). Em síntese, as análises aqui apresentadas confirmam que, do ponto de vista da transformação tecnológica, antes da chegada dos holandeses, os portugueses optaram por utilizar duas diferentes técnicas. Num primeiro momento, em 1590, construíram uma Fortificação de Transição: o Forte de São Jorge; num segundo momento, a partir de 1620, construíram duas Fortificações Modernas. Já se poderia falar, portanto, em transformação tecnológica nesse período. No entanto, do ponto de vista da transformação tecnológica como resposta à necessidade de aumentar a eficácia bélica das fortificações e do Sistema Defensivo, a mudança do tipo de fortificação não trouxe grande incremento à eficácia bélica do primeiro Sistema Defensivo de Pernambuco. Lembrando que, nessa pesquisa, a eficácia bélica está sendo considerada como um pressuposto básico para a construção de uma fortificação. O modelo de Fortificação Moderna escolhido, além de ter pequena dimensão, não poderia reunir grande quantidade de artilharia, nem de homens de guerra. Não contava com linhas flancantes e, portanto, não poderia fazer a defesa flancante. No caso específico do Forte de São Francisco de Olinda, este foi construído em desobediência ao modelo quadrangular, resultando numa figura geométrica 229 irregular. O Sistema Defensivo antes da invasão holandesa apresentava baixa capacidade defensiva, ou seja, belicamente era ineficaz. SEGUNDO SISTEMA DEFENSIVO PORTUGUÊS Com relação ao Segundo Sistema Defensivo Português, durante a permanência dos holandeses em Pernambuco, período em que foram construídas oito fortificações 56, como foi apresentado no Capítulo 2, apenas três puderam ser analisadas nesse trabalho. Das três fortificações analisadas, duas eram do tipo Fortificação de Transição e uma era do tipo Moderno. A escolha pela utilização do tipo de Fortificação de Transição, em pleno século XVII, não condiz com do tipo de armas de fogo que se usava na Europa, a artilharia pirobalística com poder de destruição. As duas fortificações do tipo de Transição foram o Forte Real do Bom Jesus e o Forte de Nossa Senhora de Nazaré. O Forte Real do Bom Jesus, construído em 1630, apesar de contar com baluartes e ter a estrutura composta por reparo com escarpa em talude, foi considerado uma fortificação de Transição. A análise das suas características físicas revelou que seus baluartes eram atípicos; seu formato era ambíguo, não sendo evidente qual polígono regular deu origem à fortificação; contava com obras externas típicas da Fortificação de Transição (barbacã), e não apresentava defesa completa, tinha linhas flancantes, mas que não envolviam toda a fortificação. O Forte de Nossa Senhora de Nazaré, por sua vez, construído em 1631, também foi classificado como Fortificação de Transição, pois não contava com baluartes modernos e, tinha linhas flancantes em apenas uma cortina. A outra fortificação construída durante a presença dos holandeses e analisada nesse trabalho, o Forte de São Francisco de Xavier de Gaibu apresentava, por sua vez, características físicas coincidentes com aquela da Fortificação Moderna. Esse Forte, construído em 1634, era formado por uma estrutura maciça composta por reparo, com escarpa em talude, de baixa altura. Assim como o Forte de São Francisco de Olinda e o Forte de São Francisco da Barra, construídos em 1620, não tinha baluartes e era de pequena dimensão (cerca de 20 m de diâmetro). Esse modelo não era considerado de muita capacidade de defesa. 56 As oito fortificações construídas de 1630 a 1654 foram: 1. Forte Real do Bom Jesus. 1630; 2.Reduto em Itamaracá. 1632; 3.Forte de Nossa Senhora de Nazaré. 1631; 4. Baterias de São Jorge. 1632; 5.Forte do Pontal. 1633; 6.Forte do Rio Formoso. 1632; 7.Forte de São Francisco Xavier de Gaibú. 1634; e, 8.Forte Novo do Bom Jesus. 1645. 230 Em síntese, do ponto de vista da transformação tecnológica, durante a permanência dos holandeses, observa-se que os portugueses optaram novamente por utilizar duas diferentes técnicas. Num primeiro momento, em 1630 e 1631, construíram duas Fortificações de Transição: Forte Real do Bom Jesus e o Forte de Nossa Senhora de Nazaré. Num segundo momento, a partir de 1634, construíram uma Fortificação Moderna. Nesse período também se pode falar em transformação tecnológica; no entanto, verifica-se que os portugueses voltaram a utilizar o tipo de Transição, apesar de já terem construído Fortificações Modernas na Capitania, anteriormente. Parece que houve um atraso na Capitania de Pernambuco, considerando que as Fortificações de Transição já não eram eficazes belicamente. No entanto, do ponto de vista da transformação tecnológica como resposta à necessidade de aumentar a eficácia bélica das fortificações e do Sistema Defensivo, os formatos das Fortificações de Transição construídas possibilitaram um incremento à eficácia bélica do segundo Sistema Defensivo de Pernambuco. Tanto no Forte Real do Bom Jesus como no Forte de Nossa Senhora de Nazaré os formatos utilizados possibilitaram a formação de linhas flancantes, elemento não explorado do primeiro sistema defensivo (nem mesmo no modelo de Fortificação Moderna utilizado). Por outro lado, o modelo de Fortificação Moderna escolhido, nesse segundo sistema defensivo, repetindo o modelo escolhido no Sistema Defensivo anterior, não contava com linhas flancantes. O Sistema Defensivo implantado pelos portugueses em Pernambuco, durante a invasão holandesa, também apresentava baixa capacidade defensiva, porém era um pouco mais eficaz que o primeiro Sistema Defensivo. TERCEIRO SISTEMA DEFENSIVO PORTUGUÊS Finalmente, após a desocupação de Pernambuco pelos holandeses, foi instalado o Terceiro Sistema Defensivo Português. Das dez fortificações construídas nesse período57, como foi apresentado no Capítulo 2, apenas quatro puderam ser analisadas nesse trabalho 58. Todas as fortificações analisadas eram do tipo Fortificação Moderna. A escolha predominante pelo tipo 57 As dez fortificações construídas, recuperadas ou reformas de 1654 até o final do século XVII foram: 1.Forte de São Francisco da Barra; 2.Forte do Brum. 1654; 3.Forte Madame Brum. 1654; 4.trincheira na porta da povoação; 5.Forte de São Tiago das Cinco Pontas; 6. Forte de São Francisco de Olinda; 7.Forte de Santa Cruz de Itamaracá. 1654; 8. Forte de Nossa Senhora de Nazaré; 9. Forte de São Francisco Xavier de Gaibu; 10. Forte de Santo Inácio de Loyola de Tamandaré. 1654. 58 Do conjunto de dez fortificações, quatro delas já foram analisadas neste trabalho, pois integram Sistemas Defensivos anteriores, são elas: Forte de São Francisco da Barra, Forte de São Francisco de Olinda, Forte de Nossa Senhora de Nazaré e Forte de São Francisco Xavier de Gaibu. 231 Moderno condiz com o tipo de armas de fogo que se usava na Europa, desde 1530, especificamente, a artilharia pirobalística com efeito de destruição. As quatro fortificações estudadas: o Forte do Brum, Forte de Santa Cruz de Itamaracá, Forte de Santo Inácio de Loyola de Tamandaré e o Forte de São Tiago das Cinco Pontas, construído a partir de 1654, são fortificações com formato de polígono quadrangular composto por reparo maciço, com escarpa em talude, contendo baluarte pentagonais e regulares (com suas faces e flancos) e cortina. Eram fortificações que tinham tamanho mediano, variando de 80 x 75 m até 120 x 120 m, de baluarte a baluarte. Esse modelo era considerado capaz de defender um sítio. Em síntese, do ponto de vista da transformação tecnológica no período após a capitulação holandesa, observa-se que os portugueses optaram por utilizar apenas uma técnica: construíram fortificações do Tipo Moderno; utilizando um mesmo modelo. Não é possível falar de transformação tecnológica nesse período, no entanto, é possível tratar de transformação tecnológica na comparação com os Sistemas Defensivos anteriores. Verifica-se que os portugueses deixaram de usar o modelo de fortificação formada por uma estrutura pequena, maciça, composta por reparo, com escarpa em talude, de baixa altura e sem baluarte, para utilizar uma estrutura maior e com baluartes poligonais. Finalmente, do ponto de vista da transformação tecnológica como resposta à necessidade de aumentar a eficácia bélica das fortificações e do Sistema Defensivo, o formato das Fortificações Modernas construídas em Pernambuco possibilitou um incremento significativo na eficácia bélica do terceiro Sistema Defensivo. Em todas as fortificações, a incorporação dos baluartes possibilitou a formação de linhas flancantes e a execução das obras não modificou significativamente o modelo normatizado, mantendo um bom grau de semelhança entre as fortificações e seus modelos. Pode-se constatar, portanto, que o Sistema Defensivo implantado pelos portugueses em Pernambuco, após a invasão holandesa, apresentava uma boa capacidade defensiva. ____…___ A partir do exposto segue quadro síntese das fortificações de Pernambuco indicando para cada uma das três fases bélicas, desde o final do século XVII até a primeira metade do século XVII, a classificação tipológica, os modelos de fortificação Moderna utilizados, a capacidade de defesa relacionada à existência de linhas flancantes e a eficácia bélica. Fica evidenciado, portanto, que na primeira fase foram utilizadas duas diferentes técnicas: uma fortificação de 232 Transição e duas Modernas, demonstrando uma transformação tecnológica nesse período apesar de não ter havido incremento à eficácia bélica. Na segunda fase, houve novamente o emprego de duas diferentes técnicas: duas fortificações de Transição e uma Moderna, conformando novamente uma transformação tecnológica que desta vez possibilitou em uma das fortificações uma certa eficácia bélica pela utilização de linhas flancantes. E na terceira fase, houve a construção de fortificações do Tipo Moderno; indicando uma transformação tecnológica na comparação com os Sistemas Defensivos anteriores promovendo um incremento significativo na eficácia bélica dessas fortificações. Quadro 7. Quadro-síntese indicando a classificação tipológica, os modelos de fortificação Moderna utilizados, a capacidade de defesa relacionada à existência de linhas flancantes e a eficácia bélica das fortificações de Pernambuco durante as três fases bélicas desde o final do século XVII até a primeira metade do século XVII. A UTILIZAÇÃO DE TRATADOS NA CONSTRUÇÃO DAS FORTIFICAÇÕES EM PERNAMBUCO Continuando as nossas reflexões, especificamente sobre a utilização de Tratados pelos portugueses ao longo dos séculos XVI e XVII, vale ressaltar que os modelos oriundos de Tratados sobre fortificações foram utilizados desde o primeiro Sistema Defensivo até o terceiro. Entretanto, os primeiros modelos utilizados no Forte de São Francisco da Barra, em 1608, no Forte de São Francisco de Olinda, em 1620 e no Forte de São Francisco Xavier de Gaibu, em 1634, foram modelos simplificados, sem baluartes. Consistiam em formas puras: noneágono, quadrangulo e um pentágono, constituído por uma estrutura maciça composta por reparo, com escarpa em talude, de baixa altura. Nem todos os Tratados apresentam esse modelo em seu 233 conteúdo, provavelmente por ser bem conhecido entre os profissionais envolvidos com a guerra. Os modelos utilizados no terceiro Sistema Defensivo, por sua vez, já eram mais complexos e, portanto, eram objeto de apresentação nos Tratados. Como fica demonstrado na figura abaixo. A análise realizada pela comparação entre modelos e fortificações revelou que o Forte de Santa Cruz de Itamaracá, o Forte de São Tiago das Cinco Pontas e o Forte de Santo Inácio de Loyola de Tamandaré podem ser produto de um mesmo Tratado holandês, de autoria de Matthias Dogen. Essas três fortificações foram construídas após a capitulação holandesa, sugerindo que possa ter havido alguma influência. Deve-se registrar, no entanto, duas questões. Primeiro, que a influência holandesa pode não ter sido resultado apenas da presença holandesa na Capitania durante 24 anos. Pode também ter resultado da cooperação militar acordada entre Portugal e Holanda, no âmbito do primeiro Tratado de Haia, de 1641. Além da trégua de 12 anos, ficou acordada a união de forças contra a Espanha (Procópio, 2014: p. 2). Um exemplo de que, de fato, houve cooperação militar entre as duas nações foi a construção da praça-forte de Elvas, com projeto do jesuíta holandês João Piscácio Cosmander. A outra questão trata até que ponto chegou a influência da tratadística holandesa na construção de fortificações em Pernambuco. Apesar do levantamento das fortificações construídas na Capitania ter identificado a utilização do modelo de fortaleza de Matthias Dogen, exceto no Forte do Brum, todas essas fortificações, incluindo o Forte do Brum, estão construídas ou ao menos revestidas em pedra, utilizando rocha calcária ou arenítica. Essa não é uma recomendação da tratadística da escola holandesa. Pelo contrário, como ficou demonstrado no Capitulo 4, os holandeses eram categóricos em defender a terra como o material mais adequado para se construir uma fortificação. 234 Figura 70. Simulação da evolução das fortificações construídas em Pernambuco antes da invasão holandesa: Fortificação de Transição; e após a saída dos holandeses, Fortificação moderna abaluartada, que reuniu o Modelo holandês, material construtivo italiano e inclinação do século XVI. 235 O encamisamento do reparo em terra, utilizando a pedra ou tijolo como revestimento, era uma recomendação dos tratadistas italianos. Por fim, deve-se ressaltar que, as obras do reparo dessas fortificações, em todos os sistemas construtivos, executaram os taludes com inclinação que variava de 70,7º a 82,2º, no primeiro Sistema Defensivo. No segundo Sistema Defensivo, a inclinação do talude variou de 78,5º a 78,7º. E, finalmente, no terceiro Sistema Defensivo a inclinação variou de 76,5º a 78,7º. Essa inclinação não era a recomendada nos tratados do século XVII, os autores indicavam, unanimemente, a inclinação de 63,43º. Essa inclinação maior era usual entre os tratadistas no século XVI, como Girolamo Maggi e Sebastiano Serlio e Carlo Theti. Quanto à utilização de Tratados europeus em Pernambuco, portanto, pode-se concluir que essa foi uma prática dos colonizadores. No entanto, não houve obediência a um único Tratado; já se observava na prática portuguesa na Capitania, a tendência da segunda metade do século XVII em toda a Europa, ou seja, a consulta a diversos tratados enquanto referências para produzir um novo modelo, que pode ser chamado de híbrido, mas pode também ser considerado um modelo original português em Pernambuco. 7.2 AS ESCOLHAS TECNOLÓGICAS COMO RESULTADO DAS POSTURAS COLONIZADORAS Como explicar a opção por um determinado produto, mesmo sabendo da sua inadequação para o fim a que se propõe? As respostas mais ordinárias seriam justificá-la a partir da falta de recursos ou do desconhecimento, ou seja, atribuindo a responsabilidade a circunstâncias alheias a sua vontade ou distante da sua capacidade de interferência. Considerando, inclusive inadequada o termo ‘escolha’. Pois, de fato, a justificativa mor seria considerá-la uma imposição. No caso das fortificações construídas em Pernambuco, ao longo dos séculos XVI e XVII, a justificativa do desconhecimento não poderia ser aceita, haja vista todo o investimento de Portugal, enquanto Nação, para sua introdução na ‘modernidade’. Desde o início do século XV, já havia, em Portugal, preceptores italianos para os nobres, além de intelectuais estrangeiros, que eram chamados pelo Governo e pela Igreja, para atuar em território português e nas colônias. Portugal também estava se preparando para defender seu Império, foram traduzidos tratados, contratados estrangeiros, enviados engenheiros para a Itália. Foi feito todo um esforço para a formação de profissionais na arte da guerra (Wehling. 1999: p. 21 e 36). 236 A justificativa financeira, por sua vez, não é tão simples de refutar. De fato, o Brasil era considerado uma colônia de segunda categoria, no século XVI e início do XVII, os interesses estavam no Oriente. Portugal não ia investir em Pernambuco. Essa justificativa econômica, na realidade, estava intimamente relacionada às questões de fundo político, Portugal não estava interessado no Brasil, portanto, não ia investir nesse território. Mas porque, então, os colonos não investiram? Não financiaram obras de fortificação mais eficazes? Afinal, a produção de açúcar de Pernambuco era responsável por 1/3 da produção de toda a colônia. Nesse primeiro momento, foram construídas quatro fortificações, todas muito pequenas e frágeis, sem linhas de defesa. Um Sistema Defensivo inócuo apesar do conhecimento técnico, dos recursos que se poderiam dispor e das ameaças constantes. A Capitania foi ‘protegida’ com fortificações que não a ‘protegiam’. No segundo momento, com a invasão holandesa, percebeuse um investimento dos governantes e lideranças locais na defesa de Pernambuco. Mas nada de muito mais significativo do que as fortificações construídas no momento anterior. Foram construídas oito fortificações, todas também pequenas e frágeis, no entanto, já surgem formatos que propiciam a formação de linhas de defesa. Os luso-brasileiros, que na fase anterior não se esforçaram para defender a Capitania, começaram a demonstrar algum interesse. No terceiro momento, houve uma mudança. Após a capitulação holandesa, Portugal passou a se interessar pela colônia e a investir no seu Sistema Defensivo. Pernambuco passou a contar com onze fortificações, destas, sete eram pequenas e frágeis, mas quatro eram mais robustas. Fortificações abaluartadas, de traço holandês, revestimento à italiana, e inclinação do talude do século XVI. Nesse momento, Portugal vivenciava problemas financeiros e o açúcar brasileiro não vendia mais tão bem, enquanto as obras executadas em Pernambuco haviam sido dispendiosas. Quatro fortificações começaram a ser construídas a partir do mesmo ano, utilizando a pedra como revestimento. Deve-se ressaltar ainda, no caso dos Fortes de São Tiago das Cinco Pontas e do Brum, que se as pedras não foram extraídas dos arenitos da praia, foi necessário um grande investimento na sua construção, pois as fontes de rocha estavam a mais de 15 km de distância. O que justificaria todo esse esforço exatamente quando não havia condições de muitos esforços? O que justificou um certo desdém pela Capitania, tanto por parte da Metrópole, quanto pelos colonos locais, até mesmo quando havia condições de realizar investimentos na defesa? 237 A explicação que agora se propõe, está colocada em forma de hipótese, no intuito de promover novas discussões estimulando outras áreas do conhecimento a explorar os dados produzidos pela arqueologia. Retomando os dois conceitos de Sistema Defensivo, apresentado no Capítulo 2, enquanto um dele restringia o Sistema Defensivo a um conjunto de fortificações e estruturas de defesa; o outro considera que, além das fortificações, o Sistema Defensivo incorporaria as tropas e as embarcações (Tonera, 2005: p.2). Acredita-se que as escolhas tecnológicas em Pernambuco passaram pela compreensão de sistema defensivo como essa estrutura mais ampla de fortificações, embarcações e tropas. E que a ausência desses outros elementos (embarcações e tropas) impediu investimentos apropriados nas estruturas construtivas. Só no terceiro momento bélico Portugal teria se voltado para o Brasil e teria disponibilizado os demais elementos, justificando os elevados investimentos. Além das análises e conclusões apresentadas no corpo deste trabalho, foram coletados muitos mais dados durante a pesquisa de campo, o que poderá ser objeto de tratamento e publicações posteriores. 238 BIBLIOGRAFIA AILLERET, Charles.Histoire de l’armement. Paris: Presses Universitaires de France, 1948. 128p. ALBUQUERQUE, Marcos; LUCENA, Veleda, et all. Fortes de Pernambuco: imagens do passado e do presente. Recife: Graftorre, 1999. 204p. ALBUQUERQUE, Marcos; LUCENA, Veleda. Arraial Novo do Bom Jesus. Consolidando um processo, iniciando um futuro. Recife, Graftorre, 1997. 225p. ALBUQUERQUE, Marcos; LUCENA, Veleda. Forte Real do Bom Jesus: resgate arqueológico de um sítio histórico. Recife: CEPE, 1988. 64p. ALMEIDA, Carlos A. Brochado de. 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