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Helena, de Eurípides Tradução de Jaa Torrano1 DOI: http://dx.doi.org/10.25187/codex.v5i1.10746 As personagens do drama: Helena Teucro Coro Menelau Velha Servo Teónoe Teoclímeno Mensageiro Dióscoros [PRÓLOGO (1-166)]2 HELENA: Este é o flume de belas moças do Nilo, que, em vez de chuvas de Zeus, molha o chão do Egito, ao fundir alva neve. Proteu em vida foi senhor desta terra, residia na ilha Faro, reinava no Egito. 5 Ele desposou uma das moças do mar, Psâmate, ao rejeitar ela o leito de Éaco. Ela é mãe de dois filhos neste palácio: Teoclímeno, varão pio aos Deuses toda a vida, e a bem nascida moça 1 10 Professor Titular de Língua e Literatura Grega da Universidade de São Paulo (USP). o texto de J. Diggle. 2Segue-se 141 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano Ido, o brilho da mãe, quando criança. Ao chegar à hora juvenil de núpcias, chamam-na Teónoe, pois conhecia o divino, o presente e o futuro todo, por ter as honras de seu avô Nereu. 15 Nossa terra pátria não é sem nome, Esparta; o pai é Tindáreo. Diz ainda a lenda: Zeus Pai voou à minha mãe Leda, tomando a forma de ave, cisne, e consumou o doloso leito, ao fugir 20 de águia em caça, se a lenda é clara. Chamo-me Helena e diria os males que sofri. Por beleza as três Deusas foram a Alexandre, no covil de Ida: Hera, Cípris e a virgem filha de Zeus, 25 querendo terminar o juízo da forma. A minha beleza, se infortúnio é belo, Cípris oferece a Alexandre em núpcias e vence. Páris deixou o curral em Ida e chegou a Esparta para ter meu leito. 30 Hera, ao ver que não vencia a Deusa, esvaneceu o meu leito com Alexandre e dá-lhe, não a mim, mas, símil a mim, a imagem vívida, que compôs de céu, ao filho do rei Príamo. Ele crê ter-me, 35 crença vã, por não ter. Planos de Zeus outros, aliás, concorrem nestes males, pois levou a guerra à terra dos gregos e aos míseros frígios, para dar alívio !142 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano da turba e grei de mortais à terra mãe, 40 e para celebrar o mais forte da Grécia. Na guerra aos frígios, não fui o prêmio de guerra grego, mas o meu nome foi. Levou-me Hermes nas dobras do céu, oculto em nuvem, não me descuidou 45 Zeus, e pôs-me nesta casa de Proteu, tido o mais casto de todos os mortais, para eu ter intacto o leito de Menelau. Eu estou aqui e o meu mísero esposo reuniu o exército e dá caça aos meus 50 raptores, tendo ido às torres de Ílion. Muitas vidas à beira de Escamandro pereceram por mim. Eu tudo sofri e sou imprecada e parece que traí o marido e trouxe guerra aos gregos. 55 Por que ainda vivo? Ouvi do Deus Hermes que ainda viverei na ínclita Esparta com o marido, sabido que não fui a Ílion, se eu não me casar. Enquanto Proteu via esta luz do sol, 60 era defesa de núpcias, mas sepultado nas trevas da terra, o filho do morto cobiça casar-se comigo. Por honrar o antigo marido, suplico a esta tumba de Proteu que me preserve o leito, 65 e se na Grécia tenho inglório nome, o meu corpo aqui não sofra vexame. TEUCRO: Quem tem poder nesta casa forte? !143 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano É digna de evocar Riqueza a casa, a sebe régia e a sede de belos frisos! 70 Éa! Ó Deuses, que vejo? A imagem funesta da odiosíssima mulher, que me matou e a todos os aqueus! Cuspam-te Deuses, tão símil és a Helena! Se eu não pisasse 75 terra estrangeira, morrerias sob certeira flecha, por seres símil à filha de Zeus! HELENA: Mísero, quem sejas, por que me repeles e me abominas por infortúnios daquela? TEUCRO: Errei, cedi à ira mais do que devia, 80 toda a Grécia odeia a filha de Zeus. Perdoa-nos essas palavras, ó mulher! HELENA: Quem és? Donde vieste a esta terra? TEUCRO: Um dos miseráveis aqueus, mulher. HELENA: Não se espante se tens horror a Helena! 85 Quem és? Donde és? Quem é teu pai? TEUCRO: O nosso nome é Teucro, o pai genitor é Têlamon e pátria Salamina me criou. HELENA: Por que tu vieste a estas terras do Nilo? TEUCRO: Exilado fui banido de minha terra pátria. 90 !144 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano HELENA: Triste seria. Quem te bane de tua pátria? TEUCRO: O pai Têlamon. Quem seria mais caro? HELENA: Por quê? O fato contém circunstância. TEUCRO: Ájax irmão morto em Troia me matou. HELENA: Como? Não perdeu a vida por tua faca? 95 TEUCRO: Morreu ao saltar sobre a própria espada. HELENA: Louco? Sadio, quem teria essa ousadia? TEUCRO: Conheces Aquiles, o filho de Peleu? HELENA: Sim, foi pretendente de Helena, ouvimos. TEUCRO: Morto criou rixa de armas a aliados. 100 HELENA: E por que isso vem a ser mal a Ájax? TEUCRO: Ao ter armas outrem, deixou a vida. HELENA: Tu estás doente com os males dele? TEUCRO: Por não ter morrido também com ele. !145 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano HELENA: Foste à ínclita urbe de Ílion, forasteiro? 105 TEUCRO: Pilhei junto e por minha vez sucumbo. HELENA: Houve incêndio e devastação de fogo? TEUCRO: Não mais se vê claro vestígio de muros. HELENA: Ó mísera Helena, por ti morrem frígios. TEUCRO: E ainda aqueus. Ela fez grandes males. 110 HELENA: Há quanto tempo a urbe foi destruída? TEUCRO: Há quase sete curvos círculos de anos. HELENA: Passaste quanto tempo mais em Troia? TEUCRO: Por muitas luas, passados dez anos. HELENA: E capturastes a mulher esparciata? 115 TEUCRO: Menelau a levou puxando cabelos. HELENA: Viste a mísera, ou dizes por ouvir? TEUCRO: Com os olhos não menos que te vejo. !146 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano HELENA: Vê se Deuses não vos faziam crerdes. TEUCRO: Lembra-te doutra fala, não mais dela. 120 HELENA: Credes vossa crença tão irresvalável? TEUCRO: Eu com os olhos a vi e a mente a vê. HELENA: Menelau já está em casa com a mulher? TEUCRO: Não está em Argos nem no rio Eurotas. HELENA: Aiaî! Mal o disseste aos que mal dizes. 125 TEUCRO: Conta-se que sumiram ele e a mulher. HELENA: Não seguiam os argivos todos junto? TEUCRO: Seguiam, mas tormenta os dispersou. HELENA: Em quais costas do pélago marinho? TEUCRO: No meio da travessia do mar Egeu. 130 HELENA: Depois não se viu Menelau voltar? TEUCRO: Não, e na Grécia se diz que morreu. !147 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano HELENA: Sucumbimos! A filha de Téstio vive? TEUCRO: Falaste de Leda? Morta ela se foi. HELENA: Não a matou a má fama de Helena? 135 TEUCRO: Dizem, atou laço ao nobre pescoço. HELENA: Os jovens Tindáridas vivem ou não? TEUCRO: Estão mortos e não. Há duas falas. HELENA: Qual vale mais? Ó mísera de males! TEUCRO: Dizem que feitos astros são Deuses. 140 HELENA: Bem o disseste. E qual a outra fala? TEUCRO: Eles expiraram imolados pela irmã. Chega de falas! Não quero dois lutos. Por isto vim a este régio domicílio, procurando ver a profetisa Teónoe, 145 guia-me tu, para que logre oráculo como levaria asa de navio ao vento para a ilha de Chipre, onde Apolo vaticinou-me habitar, dando o nome da ilha de Salamina, graças à pátria! 150 !148 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano HELENA: Forasteiro, a viagem mesma te dirá. Deixa a terra e foge antes que te veja o rei da terra, filho de Proteu! Partiu confiante nos cães matadores de feras e mata o forasteiro grego que capture. 155 Por quê? Não procures tu descobrir. Eu me calo. Que serviço te prestaria? TEUCRO: Falaste bem, ó mulher. Que te deem os Deuses recompensas por estes bens! Com o corpo símil a Helena, não tens 160 símil o espírito, mas muito diferente. Morra ela mal e não vá ao rio Eurotas, tu, porém, tenhas boa sorte, ó mulher! HELENA: Em grande lamento de grandes dores, que gemido emitir, que Musa visitar, 165 com lágrimas, lástimas e luto? Aiaî! [PÁRODO (167-251)] HELENA: Ó aladas adolescentes EST. 1 virgens filhas da Terra, Sereias, quisera eu que viésseis vós, com líbia 170 flauta, ou com siringe, ou lira, prantos cônsonos !149 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano com meus maus lúgubres ais, dores com dores, vozes com vozes, cantoras cônsonas com nênias, escoltásseis vós, para que na casa da Noite 175 a funesta Perséfone receba de mim em prantos graças, peã por finados mortos! CORO: Junto às águas sombrias, sobre a retorcida relva, ANT. 1 180 na ramagem do caniço, com os áureos raios logrei secar ao sol os mantos purpúreos. Lá ouvi rumor de choro, elegia sem lira, que soa 185 qual uma ninfa gemente, com os seus ais, quais nas colinas Náiade lança ao fugir de núpcias chorosa e reboa com eco nas pétreas grutas as núpcias de Pan. 190 HELENA: Ó caças de bárbaro remo, EST. 2 meninas gregas, um aqueu nauta veio, veio com prantos a meus prantos: 195 !150 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano as ruínas de Ílion cabem ao fogo inimigo, por mim, matadora de muitos, por meu nome de muitos males, Leda numa forca 200 morreu de dores do meu opróbrio, no mar o meu multívago marido perdido se foi, Castor e o irmão 205 gêmeo adorno da pátria não vistos, não vistos deixaram a terra estrepitosa e treinada do caniçoso Eurotas, trabalho de jovens. 210 CORO: Aiaî! Nume de muitos ais ANT. 2 e tua Parte, ó mulher! Uma vida difícil de viver coube, coube-te, ao te gerar da mãe com nívea asa de cisne 215 Zeus conspícuo pelo fulgor. Qual dos males te faz falta? Na vida qual não sofreste? A mãe se foi, os caros filhos gêmeos de Zeus 220 não têm bom Nume, não vês a terra pátria, e invade as urbes !151 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano rumor que te entrega a leito bárbaro, senhora. 225 No mar e nas ondas, o teu deixou a vida, nunca mais fará feliz o teto pátrio e a de brônzea casa. HELENA: Pheû pheû! Que frígio ou quem da terra grega EPODO 230 cortou o pinheiro pranteado em Ílion? Dele funesto barco o Priâmida construiu e com remo bárbaro veio à minha lareira 235 por beleza de má sorte para ter minhas núpcias, e dolosa facínora Cípris mortífera aos Danaidas. Ó mísera, que situação! 240 Aquela em áureo trono – afago nobre de Zeus – Hera enviou o celerípede filho de Maia. Ao recolher eu no manto as verdes pétalas de rosas 245 para Atena de brônzea casa, ele, raptando-me pelo céu para esta terra infausta, !152 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano fez a rixa, a rixa mísera, de Grécia com Priâmidas. Meu nome no rio Simoente 250 habita falsa fama. [PRIMEIRO EPISÓDIO (253-514)] CORO: Tens aflição, sei, mas é conveniente sim suportar o mais bem as coerções da vida. HELENA: Caras mulheres, a que sorte fui jungida? 255 Minha mãe gerou portento aos mortais? Nenhuma mulher grega, nem bárbara, pariu uma vasilha branca de filhotes, onde dizem Leda me gerou de Zeus. Portento é a minha vida e a situação, 260 ora por Hera, ora a beleza é a causa. Apagada qual imagem, outra vez outra recebesse eu forma feia em vez de bela, e as sortes, estas más que agora tenho, os gregos as esquecessem, e as não más 265 conservassem como conservam as más. Quando se têm olhos para uma sorte só, golpe de Deuses é grave, mas suportável, mas nós estamos em múltiplas situações. Primeiro, não sou injusta, sou mal falada 270 e isso é um mal maior do que a verdade, porque possui males que não concernem. Depois, os Deuses me tiraram da pátria !153 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano para domicílio bárbaro e sem os nossos sou serva por estar longe de gente livre, 275 todos os bárbaros são servos, salvo um. A única âncora que me segurava a sorte, o marido um dia vir e livrar-me dos males, porque ele está morto, já não existe mais. A mãe sucumbiu e quem a matou sou eu, 280 não por justiça, mas essa injustiça é minha. A filha, que foi o adorno da casa e meu, permanece solteira sem marido grisalha. Ambos os dois Dióscoros ditos de Zeus não vivem. Mas com toda esta má sorte, 285 por situações morri, mas não por ações. Por último, assim, se fôssemos à pátria, teríamos portas fechadas, por suporem Helena ter vindo de Ílion com Menelau. Se o marido vivesse, nos reconheceríamos 290 com sinais que seriam manifestos a sós, mas de fato ele não vive nem se salvou. Por que ainda vivo? Que sorte me resta? Tomando as núpcias por saída dos males, viver com marido bárbaro, sentada junto 295 à mesa rica? Mas se o marido é amargo à sua esposa, também o corpo é amargo. Morrer é melhor. Como morreria bem? Indecente, enforcamento por suspensão até para servos se considera indecoroso. 300 Imolação tem algo de generoso e belo, breve a ocasião de já se livrar da vida, pois tanto fomos ao fundo dos males. !154 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano As outras pela beleza têm a boa sorte, mas essa mesma beleza nos destruiu. 305 CORO: Helena, não creias que o forasteiro (quem fosse) tenha dito toda verdade! HELENA: Todavia disse claro o marido morto. CORO: Muitas mentiras até se diriam claras. HELENA: E ao invés disso ainda o verdadeiro. 310 CORO: Pois vais à situação em vez do bem. HELENA: Pois o pavor me pega e leva ao medo. CORO: Que benevolência tu tens nesta casa? HELENA: Todos são nossos, menos o caça-núpcias. CORO: Sabes o que fazer? Ao deixares a tumba... 315 HELENA: O que tu dirás? Que conselho tu dás? CORO: Entra em casa e indaga à onisciente moça, nascida da Nereida marinha, Teónoe, indaga se teu marido vive ou deixou a luz! Bem conhecendo, 320 tem pela sorte júbilo ou gemido! Antes de saber ao certo, que lucro !155 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano terias por estar aflita? Crê em mim! Deixa essa tumba e contata a moça de quem saberás tudo! Se em casa 325 tens a verdade, por que olhas longe? Eu quero entrar em casa contigo e conhecer os vaticínios da virgem. Mulher deve cooperar com mulher. [KOMMÓS (330-385)] HELENA: Amigas, aceito o conselho. 330 Entrai, entrai em casa para saberdes em casa quais os meus combates! CORO: Não o repetirás, se aceito. HELENA: Iò! Doloroso dia! 335 Que mísera palavra pranteada ouvirei? CORO: Ó amiga, não vaticines os dolorosos lamentos! HELENA: Que sofreu meu marido mísero? 340 Vê a luz e a quadriga do sol e os caminhos dos astros? Ou tem entre os mortos sob a terra a tardia sorte? 345 !156 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano CORO: Pensa que o porvir produz o melhor! HELENA: Clamei por ti, jurei por ti, Eurotas verde dos caniços d’água, se for verdadeira 350 a voz de marido morto, posso não a entender? Mediante funesta forca alongarei meu pescoço, ou premindo a faca fatal na sanguinária imolação 355 farei na carne luta férrea, oferta às Deusas tríplices e ao Priâmida residente outrora em gruta no Ida perto de estábulos de bois. CORO: Repulsão aos males 360 e seja tua boa sorte! HELENA: Iò! Troia mísera, ruis por ato não feito e sofreste males! O meu dom de Cípris trouxe muito sangue e muito pranto, 365 padeceu dor por dor, pranto por pranto, mães perderam filhos, moças irmãs de mortos depositaram a cabeleira !157 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano perto do rio frígio Escamandro. Clamor, clamor, a terra 370 grega clamou, gemeu, pôs as mãos na cabeça e com unhas fez faces tenras úmidas de chagas sangrentas. Ó venturosa virgem árcade outrora 375 Calisto, que saíste do leito de Zeus com quadrúpedes patas, coube-te sorte muito melhor que a minha. Em forma de fera de patas velosas com violento olhar de leoa no vulto transmutaste o fardo da aflição. 380 Ártemis outrora excluiu do coro auricórnia corça Titânida filha de Mérops por causa da beleza. O meu porte destruiu, destruiu urbes de Dardânia e os destruídos aqueus. 385 [CONTINUAÇÃO DO PRIMEIRO EPISÓDIO (386-514)] MENELAU: Ó Pélops, êmulo de Enómao outrora em Pisa na competição de quadrigas, quando fiado fazias festa aos Deuses tivesses deixado a vida entre Deuses, antes que gerasses o meu pai Atreu, 390 que nas núpcias de Aérope plantou Agamêmnon e a mim, Menelau, ínclito !158 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano par. A maior tropa transferi nos remos contra Troia, creio e não digo alarde, não o rei que conduz a tropa à força, 395 mas rei grego de voluntários jovens. Enumeram-se os que não mais vivem e os que escaparam do mar contentes de volta ao lar com nomes de mortos. Eu nas ondas marinhas do mar verde 400 erro há tanto tempo quanto devastei as torres de Ílion e querendo ir à pátria não me digno de obtê-lo dos Deuses. Aos portos ermos e inóspitos da Líbia naveguei todos e quando perto da pátria 405 o vento me repelia e nunca veio próspero à vela de modo a levar-me para a pátria. Agora náufrago mísero perdi os meus e caí nesta terra. O navio nas pedras se quebra em muitos itens de ruínas. 410 Dos vários artigos restou a quilha em que a custo súbita sorte me salva e Helena, que tirei de Troia e tenho. Não sei que nome este lugar e povo tem. Pejava-me de irromper na turba 415 com estes andrajos, para perguntar, e por pudor ocultei a sorte. Quando o altivo está mal, pela inexperiência cai pior que o antigo em Nume difícil. A carência me rói, não tenho alimento 420 nem vestes no corpo, isso se imagina dos restos de navio com que me visto. !159 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano Os mantos antigos e as vestes luzidias e luxos, o mar levou. Em funda gruta ocultei a mulher que começou todos 425 os meus males e vim, forcei os meus supérstites a vigiarem minha mulher. Volto a sós em busca do útil aos meus acolá, caso descubra e recolha algo. Ao ver esta casa rodeada dos frisos 430 e portas augustas de próspero varão, vim. Marujos esperam recolher algo de casas ricas e se aí não há víveres nem se quisessem ajudar, teríamos. Oé! Que porteiro viria desta casa 435 que anuncie meus males lá dentro? VELHA: Quem está à porta? Afasta-te da casa, e não molestes de pé à porta do pátio os donos da casa! Ou tu serás morto por seres grego que não tem estadia! 440 MENELAU: Ó velha, essas palavras dizes bem, assim é, aceito, mas cessa tua cólera! VELHA: Sai fora! Isto me incumbe, forasteiro, não chegar nenhum grego a esta casa. MENELAU: Â! Não toques! Não expulses à força! 445 VELHA: Nada ouves do que digo, a culpa é tua. !160 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano MENELAU: Anuncia lá dentro aos donos da casa... VELHA: Acho amargo anunciar tuas palavras. MENELAU: Náufrago venho, hóspede e asilado. VELHA: Vai para outra casa em vez desta! 450 MENELAU: Não, mas estou dentro e crê-me tu! VELHA: Sabe que és molesto! Serás expulso. MENELAU: Aiaî! Onde está ínclita minha tropa? VELHA: Ora, foste augusto alhures, não aqui! MENELAU: Ó Nume, estimam nulo nosso valor! 455 VELHA: Por que pranteias? O que deploras? MENELAU: A antiga situação de bom Nume. VELHA: Parte! Aos teus não dês lamentos! MENELAU: Que lugar é este? De quem a casa? VELHA: A casa é de Proteu. A terra, Egito. 460 !161 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano MENELAU: Egito? Ó mísero, aonde naveguei! VELHA: Por que vituperas o brilho do Nilo? MENELAU: Não vituperei, gemo a minha sorte. VELHA: Muitos estão mal, não somente tu. MENELAU: Está em casa quem tu chamas rei? 465 VELHA: Esta é sua tumba, o filho governa. MENELAU: Onde estaria? Está fora ou em casa? VELHA: Não está, mas é muito hostil a gregos. MENELAU: Por que causa na qual eu incorresse? VELHA: Helena filha de Zeus está nesta casa. 470 MENELAU: Que dizes? Que falas? Diz de novo! VELHA: A Tindárida que era uma vez em Esparta. MENELAU: Donde ela veio? Qual a razão desse ato? VELHA: Da terra lacedemônia vindo ela para cá. !162 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano MENELAU: Quando? Tiraram-nos a esposa da gruta? 475 VELHA: Antes de aqueus irem a Troia, forasteiro. Mas sai da casa! Há em casa uma Sorte soberana com a qual se perturba a casa. Não vieste oportuno. Se te pegar o dono da casa, terás a morte por hospitalidade. 480 Sou boa aos gregos, não qual palavras amargas disse por temer o dono da casa. MENELAU: Que pensar? Que dizer? Ouço míseras circunstâncias presentes desde antigas, se eu aqui cheguei com a minha esposa 485 que retirei de Troia e na gruta conservo, e com o mesmo nome que minha esposa uma outra mulher reside aqui nesta casa. Disse que essa é filha nascida de Zeus, mas há um varão com o nome de Zeus 490 à beira do Nilo? Só o que está no céu. Onde é Esparta na terra senão somente onde é o rio Eurotas de belos caniços? O nome denomina duplicado Tindáreo e a terra é homônima de Lacedemônia 495 e de Troia? Eu não sei que deva dizer. Ao que parece, muitos no vasto solo têm os mesmos nomes, urbe que urbe, mulher que mulher, não cabe admirar. Aliás não fugiremos do terror da serva. 500 !163 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano Nenhum varão tem espírito tão bárbaro que ouvindo meu nome não dê repasto: ínclito o fogo de Troia, eu que o ateei, Menelau, não ignorado em todo solo. Esperarei o rei do palácio, disponho 505 de dupla guarda: se for alguém cruel, eu me escondo e retorno ao naufrágio; se mostrar alguma brandura, pedirei o que é útil nesta presente situação. Nós, míseros, temos males extremos, 510 ser rei e reclamar a outro soberano víveres, mas a necessidade se impõe. O dito não é meu, mas é de um sábio: nada pode mais que atroz necessidade. [EPIPÁRODO (515-527)] CORO: Ouvi da jovem vaticinadora 515 o que busquei na casa do rei: que Menelau ainda não foi às trevas negras brilhantes escondido sob o solo, mas ainda em onda salina 520 exausto ainda não tocou os portos da terra pátria mendigo de víveres, mísero, sem os seus, roçando com remo salino 525 o solo de todas as terras desde a terra de Troia. !164 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano [SEGUNDO EPISÓDIO (528-1106)] HELENA: Já de novo à residência neste túmulo vou, ouvi caras palavras de Teónoe. Ela sabe toda verdade e diz que meu 530 marido vivendo à luz contempla a luz e vagueia navegante de dez mil portos acolá e acolá, não sem exercer o erro, aqui virá quando atingir fim de males. Só não disse se quando vier será salvo. 535 Eu me abstive de perguntar isso claro, feliz porque me disse que está salvo. Disse que ele está perto desta terra, náufrago emerso com poucos seus. Ómoi! Quando virás? Saudoso virias! 540 Éa! Quem é ele? Não caio em cilada planejada por ímpio filho de Proteu? Qual potra veloz ou Baca de Deus, não alcançarei a tumba? Selvagem na aparência esse que me persegue! 545 MENELAU: Tu, empenhada nessa correria terrível para a base da tumba e pilares da pira, espera! Por que foges? Mostrando-te, provocaste em nós estupor e silêncio. HELENA: Ó mulheres, sofro injustiça! Exclui-me 550 da tumba este varão e quer me pegar e entregar ao rei, cujas núpcias evito. !165 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano MENELAU: Não sou ladrão nem servidor de maus. HELENA: E trazes no corpo as roupas sem forma. MENELAU: Detém teu ágil passo! Cessa o pavor! 555 HELENA: Detenho, quando alcanço esta tumba. MENELAU: Quem és? Que visão tenho, mulher? HELENA: Quem és? Temos a mesma questão! MENELAU: Nunca vi um porte mais semelhante. HELENA: Ó Deuses! Deus é reconhecer amigos! 560 MENELAU: Mulher, és grega ou nativa da região? HELENA: Grega, mas também quero saber de ti. MENELAU: Mulher, eu te vi muito símil a Helena. HELENA: Eu, a ti, a Menelau. Não sei que dizer. MENELAU: Bem reconheceste o de péssima sorte. 565 HELENA: Ó tu vens tarde aos braços da esposa! MENELAU: Que esposa? Não toques meu manto. !166 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano HELENA: Aquela que meu pai Tindáreo te deu. MENELAU: Ó lucífera Hécate, envia boas visões! HELENA: Não me vês serva de Enódia à noite. 570 MENELAU: Não sou marido de duas mulheres. HELENA: De que outra mulher és o marido? MENELAU: Gruta a oculta, e de Troia a trouxe. HELENA: Não tens outra mulher senão a mim. MENELAU: Penso bem, mas meus olhos falham? 575 HELENA: Não crês ver tua mulher ao me ver? MENELAU: O corpo é símil, mas não há clareza. HELENA: Observa! Que fé mais clara te falta? MENELAU: És parecida, isso não negarei nunca. HELENA: Quem mais te instrui que teus olhos? 580 MENELAU: Aí nos falta que tenho outra mulher. HELENA: Não fui a Troia, mas havia imagem. !167 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano MENELAU: E quem pode produzir corpos vivos? HELENA: Luz, de que tens leito feito por Deus. MENELAU: Que Deus moldou? Dizes paradoxos. 585 HELENA: Hera troca para não me pegar Páris. MENELAU: Como? Eras só uma aqui e em Troia? HELENA: O nome seria múltiplo; o corpo, não. MENELAU: Deixa-me. Estou com muita aflição. HELENA: Irás deixar-nos e levar o leito vazio? 590 MENELAU: E salve! Tu te pareces com Helena! HELENA: Morri. Tendo-te, não terei o esposo. MENELAU: Muitos males me persuadem, não tu! HELENA: Ai, quem foi mais mísero do que nós? Os meus me deixam, e não retornarei 595 aos gregos, nem à minha pátria mais. SERVO: Menelau, alcanço-te a custo à procura após vaguear por toda a terra bárbara !168 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano mandado por restantes companheiros. MENELAU: Que houve? Os bárbaros vos roubam? 600 SERVO: Milagre! O nome é menor que o fato! MENELAU: Diz! Com essa pressa trazes novidade. SERVO: Digo que em vão sofreste dez mil males. MENELAU: Choras antigos males. O que anuncias? SERVO: Tua esposa se foi às dobras do fulgor, 605 suspensa, invisível e no céu se esconde. Deixou augusta gruta em que a pusemos. Ela disse as palavras: “Ó míseros frígios “e todos os aqueus, morrestes por mim “junto ao Escamandro por ardis de Hera, 610 “críeis que Páris tinha Helena, sem ter. “Eu, ao esperar tanto quanto eu devia, “fiz a minha parte e partirei para o pai “no céu e a miseranda Tindárida aliás “teve má fama sem ter culpa nenhuma!” 615 Salve, filha de Leda! Ora, estavas aqui! Eu anunciava tua ida ao seio dos astros desconhecendo que tinhas corpo alado. Não te permito que assim nos ultrajes mais, porque em Ílion davas trabalho 620 bastante a teu esposo e a seus aliados. !169 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano MENELAU: Isso é aquilo! Verdadeiras me vieram as palavras dela! Ó almejado dia, que me deu tomar-te em meus braços! [AMEBEU (625-699)] HELENA: Ó meu marido Menelau, o tempo 625 foi longo, mas o prazer é presente. Contente recebi o esposo, amigas, e abri o abraço amigo numa longa luminosa chama. MENELAU: E eu a ti. Com muitas falas no meio, 630 não sei qual agora começo primeiro. HELENA: Com júbilo arrepio na cabeça hirtos cabelos e verto o pranto e com prazer cingi os braços para te receber, ó esposo! 635 MENELAU: Ó caríssima visão, sem ressalvas! Eu tenho a filha de Zeus e Leda! HELENA: Que jovens irmãos em alvas éguas com tochas felicitaram, felicitaram. 640 MENELAU: Ao tirar-te antes de minha casa, um Deus te impele a uma outra !170 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano circunstância mais forte que esta. HELENA: Ó marido, o bom mal nos reuniu tardio todavia! Fruamos a sorte! 645 MENELAU: Fruas! Faço contigo o mesmo voto. Par não é um mísero e o outro não. HELENA: Amigas, amigas, não mais choramos o antigo, nem sofro. Tenho, tenho o meu marido, cuja vinda 650 de Troia esperei, esperei por muitos anos. MENELAU: Tens e tenho-te. Dez mil sóis a custo passados, vi a Deusa. HELENA: Meu pranto grato tem mais da graça do que da dor. 655 MENELAU: Que dizer? Que mortal esperaria? HELENA: Tenho-te inopinado junto ao peito. MENELAU: E eu a ti, que se cria ter ido ao forte em Ida e às míseras torres de Ílion. Deuses, como saíste de minha casa? 660 HELENA: È é! Vais aos amargos poderes. È é! Perguntas por amarga voz. !171 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano MENELAU: Diz, que se ouve! Numes tudo dão. HELENA: Esconjuro a palavra que apresentaremos. MENELAU: Mas diz! É doce ouvir as dores. 665 HELENA: Não ao leito de jovem bárbaro, por remo voador, por voador desejo de injustas núpcias... MENELAU: Que Nume ou Sorte te pilha da pátria? HELENA: O filho de Zeus, de Zeus e de Maia, 670 marido, levou-me ao Nilo. MENELAU: Prodígio! Por quê? Palavras terríveis! HELENA: Choro e lavo os olhos de lágrimas. A esposa de Zeus me destruiu. MENELAU: Hera? Por que nos quis fazer mal? 675 HELENA: Oímoi! Que banhos, que fontes, onde lavavam a forma as Deusas, ao irem ao juízo! MENELAU: Que Hera ressentiu do juízo? !172 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano HELENA: Para pilhar Páris... MENELAU: Como? Diz! 680 HELENA: ...a quem Cípris me deu... MENELAU: Ó mísera! HELENA: ...mísera, mísera me levou ao Egito. MENELAU: E permutou por imagem, sei por ti. HELENA: Ó mãe, dores, dores, as de tua casa, ai de mim! MENELAU: Que dizes? 685 HELENA: Não vive a mãe; ela se enforcou por pudor de minhas vis núpcias. MENELAU: Ómoi! Que dizem da filha Hermíone? HELENA: Sem núpcias nem filho chora pelas minhas inuptas núpcias. 690 MENELAU: Ó Páris, pilhaste a casa toda! HELENA: Isso destruiu a ti e a dez mil aqueus armados de bronze. !173 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano Da pátria Deus me levou infausta imprecada longe da urbe e de ti 695 quando deixei moradia e leito que não deixei por vis núpcias. CORO: Se Sorte de bom Nume no mais vos alcançasse, valeria por antes. [CONTINUAÇÃO DO SEGUNDO EPISÓDIO (700-1106)] SERVO: Menelau, dizei-me ambos do prazer 700 que eu mesmo noto sem ter clareza! MENELAU: Vem, ó velho, participa das palavras! SERVO: Não foi ela a causa dos males de Ílion? MENELAU: Não foi ela, por Deuses fomos enganados ao ter lúgubre adorno de nuvem nas mãos. 705 SERVO: Que dizes? Ora, tivemos em vão fadigas por nuvem? MENELAU: Os atos de Hera e a rixa das três Deusas. SERVO: Como? Esta é a tua esposa de verdade? MENELAU: Esta é! Por minha palavra, confia nisso! 710 !174 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano SERVO: Ó filha, como o Deus é algo variável e difícil de discernir! Quão bem vira tudo e repõe aqui e ali: um se fadiga, outro aliás sem fadigas morre mal, sem ter nada firme na sorte da vez. 715 Tu e teu marido partilhastes males, tu em palavras, ele em zelo de lança. Em busca ao buscar não tinha, agora por si tem os bens por melhor sorte. Tu nem Dióscoros nem o velho pai 720 ultrajaste, nem agiste como se diz. Agora rememoro teu hino nupcial, e lembramos tochas que eu trazia correndo junto à quadriga; no carro com ele noiva deixavas a casa feliz. 725 O mau não venera a vez dos donos, não se praz, não se condói de males. Ainda que seja um servidor, possa eu ser contado entre os generosos servidores, livre não com o nome, 730 mas a mente. É melhor um que dois males num só, por ter mau coração e por ouvir dos outros que é escravo. MENELAU: Vamos, velho! Com escudo cumpriste muitas lutas, trabalhando junto comigo. 735 Agora, participa do meu bom sucesso, vai e anuncia aos nossos remanescentes !175 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano o que descobriste e a sorte que temos, fiquem na praia e espreitem combates meus, que me restam, como esperamos, 740 caso possamos surrupiá-la desta terra e observar como, combinada a sorte, salvar-nos dos bárbaros, se pudermos. SERVO: Assim será, senhor, mas os adivinhos vi que são fracos e cheios de mentiras. 745 Ora, nada era sábio no fogo da pira, nem as vozes de aves; é ingênuo crer que auspícios sejam úteis a mortais. Calcas não disse nem mostrou à tropa, ao ver os seus morrerem por nuvem, 750 nem Heleno; pilhou-se a urbe em vão. Poderias dizer que Deus não quisesse. Que adivinhamos? Devem aos Deuses sacrificar e pedir bens, sem vaticínio. Isso na vida se revelou vão ludíbrio, 755 ninguém com piras ficou rico inativo. Exímio adivinho é razão e prudência. CORO: Tenho dos adivinhos a mesma opinião que o velho. Cada um com os Deuses seus teria exímia adivinhação em casa. 760 HELENA: Seja! Até aqui esta vez está tudo bem. Saber como desde Troia te salvaste, ó mísero, não é ganho, mas é desejo de amigos ouvir os males de amigos. !176 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano MENELAU: Muito me pedes com fala e via única. 765 Por que te diria as perdas no Egeu, alumiações de Náuplio em Eubeia, urbes que visitei em Creta e Líbia, e mirantes de Perseu? Não te fartaria com falas, e com males te pungiria 770 e faria sofrer, e duplicaria as dores. HELENA: Disseste mais do que te perguntei. Deixa o mais, e só diz quanto tempo perdeste navegando o dorso do mar? MENELAU: Além dos dez anos em Troia, de navio 775 percorri ainda mais sete voltas anuais. HELENA: Pheû! Pheû! Mísero, dizes longo tempo! Salvo de lá, para cá vieste para a morte? MENELAU: Que isso? Que dizes? Mulher, matas-me! HELENA: Foge o mais veloz para longe desta terra! 780 Serás morto por aquele dono desta casa. MENELAU: O que fiz que me valesse esta situação? HELENA: Vens súbito entrave a minhas núpcias. MENELAU: Alguém quer desposar minha esposa? !177 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano HELENA: Ultrajando-me o ultraje e eu toleraria. 785 MENELAU: Um cidadão de poder ou o rei da terra? HELENA: O senhor desta terra, o filho de Proteu. MENELAU: Isso é aquele enigma que ouvi da serva. HELENA: Parado defronte de que portas bárbaras? MENELAU: Destas, donde me baniram qual mendigo. 790 HELENA: Não pedias talvez víveres? Ó miséria! MENELAU: Assim agia, mas não tinha esse nome. HELENA: Sabes tudo, parece, de minhas núpcias. MENELAU: Sei; e se escapaste do leito, não sei. HELENA: Sabe que tens teu leito intacto salvo. 795 MENELAU: Que prova isso? Grato, se falas claro. HELENA: Vês meu mísero abrigo nesta tumba? MENELAU: Mísera, vejo ninho. Que tens com isso? !178 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano HELENA: Aqui suplicamos por escapar das núpcias. MENELAU: Por falta de altar ou por prática bárbara? 800 HELENA: Isso nos vale igual a templos de Deuses. MENELAU: Ora, não posso te levar de navio para casa? HELENA: Espada espera por ti, mais que meu leito. MENELAU: Assim seria eu o mais mísero dos mortais. HELENA: Não te envergonhes, mas foge desta terra! 805 MENELAU: Deixar-te? Devastei Troia por tua graça. HELENA: Melhor que te matarem minhas núpcias. MENELAU: Não foi viril essa fala, e indigna de Ílion. HELENA: Não matarias o rei, o que talvez tentes. MENELAU: Não tem corpo que se corte com ferro? 810 HELENA: Saberás. O sábio não ousa o impossível. MENELAU: Em silêncio ofereço as mãos a amarrar? !179 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano HELENA: Chegas a impasse. Um ardil é necessário. MENELAU: Em ação ou sem ação morte é mais doce? HELENA: Há só uma esperança de sermos salvos. 815 MENELAU: Por compra, por audácia ou argumento? HELENA: Se o soberano não soubesse que vieste. MENELAU: Não saberá quem sou, sei, quem dirá? HELENA: Está ali dentro aliada igual aos Deuses. MENELAU: Uma voz residente no recesso da casa? 820 HELENA: Não, mas a irmã; ela se chama Teónoe. MENELAU: O nome é oracular. Diz tu o que ela faz! HELENA: Sabe tudo, dirá ao irmão que estás aqui. MENELAU: Morreríamos, não posso passar oculto. HELENA: Talvez persuadíssemos, suplicando-lhe. 825 MENELAU: Que fazer? A que esperança me levas? !180 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano HELENA: Que não diga ao irmão que estás aqui. MENELAU: Se persuadida, sairíamos desta terra? HELENA: Com ela, facilmente; às ocultas, não. MENELAU: A obra é tua; mulher é símil a mulher. 830 HELENA: Não terá joelhos intactos a mãos minhas. MENELAU: Bem, e se não acolher nossas palavras? HELENA: Morrerás. Serei mísera esposa à força. MENELAU: Serias traidora; tens força por escusa. HELENA: Mas fiz por tua cabeça pio juramento... 835 MENELAU: Que? Morrerás? Não terás outro leito? HELENA: Com a mesma faca; jazerei junto a ti. MENELAU: Nestas condições, toca minha destra. HELENA: Toco, se morreres, deixarei esta luz. MENELAU: Eu, sem ti, porei termo à minha vida. 840 !181 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano HELENA: Como morreremos tão gloriosos? MENELAU: Sobre a tumba te mato e me mato. Primeiro lutaremos a grande luta por teu leito. Quem quiser, venha. Não desonrarei a glória de Troia, 845 e na Grécia não serei vituperado, eu que espoliei Tétis de Aquiles, vi a morte de Ájax filho de Têlamon, e sem prole o filho de Neleu, como pela esposa não me dignarei morrer? 850 Sobretudo! Se os Deuses são sábios, recobrem no túmulo com terra leve o varão valente morto por inimigos, mas expõem covardes à pedra dura. CORO: Ó Deuses, que os Tantálidas tenham 855 enfim boa sorte e livrem-se de males! HELENA: Ai de mim, mísera! Eis minha sorte! Menelau, estamos feitos! Sai de casa a profetisa Teónoe; trancas se soltam, a casa ressoa. Foge! Por que fugir? 860 Ausente e presente ela sabe que tu vieste aqui. Ó mísera, estou perdida! Salvo de Troia e fora do solo bárbaro, outra vez vieste cair em faca bárbara! !182 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano TEÓNOE: Conduz-me tu, com luz de tocha! 865 Incensa o seio do céu, venerável rito, para recebermos vento puro do céu! Se alguém lesou a senda ao pisar com ímpio pé, aplica a chama pura, bate antes a tocha, para eu passar! 870 Prestai aos Deuses o que prescrevi, e levai a chama de Hefesto para casa! Helena, como estão meus vaticínios? Vem este Menelau teu marido, visível, espoliado de navios e de tua imagem. 875 Ó mísero, que males evitaste e vieste! Não vês retorno à casa, se ficas aqui. Rixa entre os Deuses e reunião por ti terá assento junto a Zeus neste dia. Hera, a que era outrora tua inimiga, 880 ora benévola quer salvar-te na pátria com ela, para que Grécia saiba falso dom de Cípris núpcias de Alexandre; mas Cípris quer destruir o teu retorno para não se flagrar nem se ver a beleza 885 comprada com núpcias vãs de Helena. O fim é nosso, se – o que Cípris quer – digo ao irmão que estás aqui e destruo, ou se, aliás, com Hera, salvo tua vida, por ocultar do irmão, que me ordena 890 dizer-lhe quando viesses a esta terra. Quem irá denunciá-lo aqui presente ao meu irmão, para minha segurança? !183 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano HELENA: Ó moça, caio suplicante a teu joelho e sento-me súplice, não de bom Nume, 895 por mim mesma e por este que a custo retomei e estou a ponto de ver morrer. Não digas a teu irmão que meu esposo aqui chegou, caríssimo a meus braços! Salva-o, suplico-te, e por teu irmão 900 não traias jamais a tua boa piedade, comprando graças ruins e injustas! O Deus odeia a violência, e exorta a todos que não adquiram por rapto. Demissível é a riqueza, se é injusta. 905 É comum a todos os mortais o céu, e a terra, onde se deve encher a casa, sem ter os alheios nem tomar à força. Oportuno, mas duro para mim, Hermes deu-nos a teu pai para guardar para este 910 esposo que ora presente quer resgatar. Morto, como receberia? E ele, como restituiria quem vive a quem morreu? Vê agora itens de Deus e itens do pai: o Nume e o morto quereriam, ou não 915 quereriam, restituir os bens alheios? Creio que sim. Não te deves importar mais com irmão mau que com pai bom. Sendo adivinha e sábia do divino, se puseres a perder a justiça do teu pai, 920 e se deres graças a não justo irmão, !184 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano é mal que conheças todos os divinos presentes e futuros, e os justos, não! A mim, mísera nos males em que jazo, defende-me, dá esse mais de justiça. 925 Não há mortal que não odeie Helena; conta-se na Grécia que traí o marido e residi numa aurífera casa na Frígia. Se fosse à Grécia e voltasse a Esparta, ao ouvirem e virem que por artes de 930 Deuses morreram, e não traí os meus, reconhecerão outra vez o meu recato, casarei a filha que não foi desposada, deixarei aqui a mendicância amarga, e desfrutarei os bens que há em casa. 935 Se ele, morto, fosse cremado na pira, honraria com pranto, ainda que longe. Mas agora são e salvo me será tirado? Não, ó moça, mas isto eu te suplico: dá-me esta graça e imita os modos 940 do pai justo! Eis a mais bela glória dos filhos que nascidos de bom pai seguem os mesmos modos que o pai. CORO: Comoventes palavras pronunciadas, comovente também tu. Desejo ouvir 945 que palavras Menelau dirá pela vida. MENELAU: Eu não ousaria cair perante teu joelho nem verter lágrimas; se nos tornássemos covardes, aviltaríamos Troia sobretudo. !185 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano Dizem todavia próprio de nobre varão 950 verter lágrimas dos olhos na situação. Mas não essa beleza, se isso é beleza, escolherei em detrimento da valentia. Mas se decides salvar este forasteiro que deveras busca resgatar a esposa, 955 restitui e salva! Mas se não decides, eu seria mísero não primeiro agora, mas há muito, e tu te mostrarás má. O que consideramos digno e justo e que será certeiro em teu coração, 960 eu direi caído na tumba de teu pai: Ó velho, morador desta tumba pétrea, restitui, eu te reclamo minha esposa, que Zeus te enviou para a salvares! Sei que, morto, nunca me restituirás; 965 mas esta não aceitará que invocado nos ínferos o pai outrora glorioso tenha má fama, ela agora é a dona. Ó ínfero Hades, invoco-te aliado, mostrarei que pela esposa muitos 970 caíram sob minha faca e te paguei: ou agora outra vez vivos os restitui, ou obriga que ela se mostre maior que seu pio pai e restitua a esposa! Se de minha mulher me espoliares, 975 direi as palavras que ela te omitiu. Saibas, ó moça, jurados clamamos primeiro ir à luta com o teu irmão, até ele ou eu morrer! Simples assim. !186 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano Se não opuser em luta o pé ao pé, 980 mas forçar à fome súplices da tumba, decidi matá-la e no fígado depois com esta faca bigúmea me golpear sobre esta tumba, donde fluente sangue goteja; e jazeremos ambos 985 mortos sobre este polido sepulcro. Imortal dor tua, vitupério a teu pai. Nem o teu irmão não a desposará nem ninguém, mas eu a conduzirei aos mortos se para casa não puder. 990 Que isso? Com lágrimas de mulher seria mais comovente que em ação? Mata, se queres! Não matas inglórios. Antes, porém, o que digo te persuada para seres justa e ter eu minha esposa! 995 CORO: Tu és o árbitro das palavras, ó moça. Decide de modo que agrades a todos! TEÓNOE: Eu nasci reverente e assim quero ser, amo-me a mim, a glória de meu pai eu não poluiria, nem daria ao irmão 1000 graça pela qual me mostrasse inglória. O templo de justiça em mim é grande por natureza, eu o tenho de Nereu e tentarei conservar, ó Menelau. Com Hera, se te quer beneficiar, 1005 porei o mesmo voto. Cípris nos seja leve, mas não é companhia. !187 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano Tentarei resistir sempre virgem. Se invectivas esta tumba do pai, dizemos o mesmo: injustos seríamos 1010 se não restituíssemos. Vivo, ele restituiria um ao outro a ti e a ela. Ainda a vindita disso está nos ínferos e acima nos homens todos. A mente dos mortos não vive, mas tem noção 1015 imortal ao entrar no imortal fulgor. Para não alongar muito, calarei como me suplicaste e na luxúria não serei conivente do irmão. Sou-lhe benéfica sem parecer, 1020 se de ímpio eu o torno piedoso. Descobri vós mesmos uma via! Eu me calarei longe fora disso. Começai dos Deuses e suplicai a Cípris deixar-te voltar à pátria, 1025 e a Hera, ter a mesma intenção de salvar-te a ti e ao teu esposo! Ó morto meu pai, se eu puder, não te dirão em vez de pio ímpio. CORO: Não há boa sorte em ser injusto, 1030 só se espera salvação na justiça. HELENA: Menelau, a virgem nos salvou. Doravante em concerto devemos compor via comum de salvação. !188 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano MENELAU: Ouve! Há tempo vives nessa casa 1035 e conviveste com os servos do rei. HELENA: Que tu disseste? Esperas fazer algum bem comum a ambos nós. MENELAU: Persuadirias um dos que dirigem as quadrigas a nos dar um carro? 1040 HELENA: Persuadiria. Mas como fugiremos, se não conhecemos a terra bárbara? MENELAU: Impossível. E se eu oculto em casa matasse o rei com esta faca bigúmea? HELENA: A irmã não te suportaria nem faria 1045 silêncio, se fosses matar seu irmão. MENELAU: Mas nem há navio que nos salve a fuga. O que tínhamos o mar tem. HELENA: Ouve, se mulher diz bem! Queres sem morrer ser dito morto na fala? 1050 MENELAU: Mau agouro, mas se eu lucrar, diz! Pronto para dito morto não morrer. HELENA: Nós te choraríamos com feminina !189 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano tonsura e pranto ante o varão ímpio. MENELAU: E que salvação isso nos oferece? 1055 Há no conto alguma antiguidade. HELENA: Pedirei ao rei desta terra que te faça funerais vazios qual morto no mar. MENELAU: Está concedido, e como sem navio nos salvam os meus funerais vazios? 1060 HELENA: Instarei que dê barco para depormos teu fúnebre adorno no abraço do mar. MENELAU: Isso está bem, mas se te instar fazer a sepultura no seco, a escusa é inútil. HELENA: Mas direi que na Grécia não é uso 1065 cobrir com seco os mortos do mar. MENELAU: Assim acertas. Embarcarei contigo e porei o adorno no mesmo barco. HELENA: Deveis estar presentes tu e os teus marinheiros sobrevivos do naufrágio. 1070 MENELAU: Se eu receber um navio ancorado, varão por varão resistirá com faca. HELENA: Tu deves dirigir tudo. Sejam os ventos !190 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano favoráveis à vela e benévola a viagem. MENELAU: Serão! Os Numes cessarão meus males. 1075 De quem dirás que sabes que morri? HELENA: De ti. Diz que és o único sobrevivente do navio do Atrida e que o viste morto. MENELAU: De fato, estes andrajos sobre mim tens por testemunhas do naufrágio. 1080 HELENA: Oportuno, antes inoportuna perda, talvez aquele mal fosse boa sorte. MENELAU: Será que devo ir contigo para casa ou sentamo-nos quietos nesta tumba? HELENA: Fica aqui. Se te fizessem algo iníquo, 1085 esta tumba te defenderia, e tua faca. Eu irei para casa e cortarei o cabelo e trocarei vestes brancas por negras e imporei unha cruel à pele da face. Grande o combate, vejo duas saídas: 1090 ou morrer, se me pegam tramando, ou ir para a pátria e salvar tua vida. Ó senhora que tens o leito de Zeus, Hera, reanima dos males dois míseros! Pedimos de braços retos para o céu 1095 onde habitas as variações dos astros. E tu, eleita a bela com minhas núpcias, !191 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano filha de Dione, Cípris, não me mates! Basta de aflição, se antes me afligiste, ao expor nome, não corpo, aos bárbaros! 1100 Se queres me matar, deixa-me morrer na pátria! Por que és insaciável de males, com amores, logros, dolosas invenções e os cruéis encantamentos dos corpos? Se fosses comedida, és no mais a Deusa 1105 mais doce aos mortais, não falo em vão. [PRIMEIRO ESTÁSIMO (1107-1164)] CORO: Ó tu que no horto sob arbóreas frondes EST. 1 tens culto a Musas e pouso, eu te invocarei a mais canora ave, melodioso rouxinol choroso, 1110 vem ó com alarido de sonoro bico, meu colega de lamentos, cantando os tristes males de Helena e o choroso desastre dos troianos 1115 sob lanças de aqueus, ao ir por ondas grises com remo bárbaro o que se foi, se foi levando aos Priâmidas da Lacedemônia o triste leito teu, ó Helena, Páris noivo terrível 1120 com as pompas de Afrodite! !192 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano Muitos aqueus sob lanças e pedras ANT. 1 disparadas expiraram e habitam triste Hades, as sofridas esposas cortaram o cabelo e a moradia está inupta. 1125 Ao fazer ígnea luz na circunfusa Beócia, um só remeiro matou muitos aqueus colididos com as rochas Caférides, ao iluminar doloso astro 1130 nos pontais do mar Egeu. Confins sem porto tristes em traje bárbaro vagou longe da pátria por vento hiberno Menelau levando no navio prêmio não prêmio mas rixa de dânaos, 1135 a sacra imagem de Hera. Que é Deus ou não Deus ou o meio, EST. 2 que mortal investigador diz? Viu linde mais longe quem vê o divino 1140 saltar aqui e ali aliás e outra vez com dúbia inopinada sorte. Helena, és filha de Zeus, alado o pai no ventre 1145 de Leda te gerou, e na Grécia te proclamam traidora infiel injusta sem Deus; não sei que clareza entre os mortais !193 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano viu a voz dos Deuses verdadeira. Dementes, tivestes vossos méritos 1150 ANT. 2 com guerra e lanças de forte lenho, néscios livres de males na morte. Se a luta de sangue o decidir, Rixa 1155 nunca deixará as urbes dos mortais. Deixaram covas na terra de Príamo sendo de corrigir com falas tua rixa, ó Helena. 1160 Agora deles Hades cuida nos ínferos, muros ardem como sob raio de Zeus e padeces dores com dores sofridas da lúgubre situação. [TERCEIRO EPISÓDIO (1165-1300)] TEOCLÍMENO: Salve, lembrança do pai! Na saída 1165 sepultei-te, Proteu, pela saudação: sempre ao sair e ao entrar em casa o filho Teoclímeno te saúdo, pai! Vós, então, ó servos, na casa real recolhei os cães e as redes de caça. 1170 Repreendi-me tanto a mim mesmo por não punir com morte os maus; e agora soube: um grego às claras chegou à terra e escapou aos vigias, ou é espião, ou está furtivo à caça 1175 de Helena; morrerá, se só for pego. Éa! !194 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano Mas, parece, descobri tudo feito: deixando vazio assento na tumba, a Tindárida saiu de navio da terra. Oé! Soltai trancas, abri estábulos 1180 equinos, servos, retirai os carros, que a custo não me escape levada desta terra a esposa que desejo! Esperai! Vejo quem perseguimos presente em casa e não em fuga. 1185 Ó tu, por que puseste negras vestes em vez de alvas, e da nobre cabeça cortaste com o ferro a cabeleira, e molhas a face com verde pranto, chorando? Gemes tu persuadida 1190 por sonhos à noite, ou, por ouvir voz de casa, dor te destruiu o siso? HELENA: Ó dono, pois este nome já te dou, perdi, perdidos os meus, nada sou. TEOCLÍMENO: O que te aconteceu? Qual é a sorte? 1195 HELENA: Menelau, oímoi! Como direi? Morto. TEOCLÍMENO: Não me praz tua fala, boa sorte minha. Como soubeste? Isso Teónoe te disse? HELENA: Ela diz, e quem presente à sua morte. TEOCLÍMENO: Veio quem isso ainda anuncie claro? 1200 !195 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano HELENA: Veio. Fosse aonde eu quero que vá! TEOCLÍMENO: Quem? Onde? Que eu saiba claro! HELENA: Este sentado trêmulo nesta tumba. TEOCLÍMENO: Apolo, que disformes trajes tem! HELENA: Oímoi, assim imagino meu marido! 1205 TEOCLÍMENO: Donde é este varão, donde ele veio? HELENA: Grego, um marujo de meu marido. TEOCLÍMENO: De que morte diz morto Menelau? HELENA: Misérrima, na úmida onda do mar. TEOCLÍMENO: Onde navegava os mares bárbaros? 1210 HELENA: Caiu nas inóspitas pedras da Líbia. TEOCLÍMENO: E como não morreu junto no navio? HELENA: Há pobres com mais sorte que ricos. TEOCLÍMENO: Onde deixou os destroços do navio? HELENA: Lá onde mal morresse, não Menelau! 1215 !196 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano TEOCLÍMENO: Ele pereceu. E em que barco veio? HELENA: Nautas, diz, por sorte o resgataram. TEOCLÍMENO: Onde o mal dado em vez de ti a Troia? HELENA: O adorno de nuvem? Foi para a luz. TEOCLÍMENO: Ó Príamo e Troia, vós ides em vão! 1220 HELENA: Participei do insucesso dos Priâmidas. TEOCLÍMENO: Deixou-o insepulto, ou sepultou-o? HELENA: Insepulto, ai, mísera de meus males! TEOCLÍMENO: Por isso cortaste os loiros cachos? HELENA: Caro é qual outrora quando vivia. 1225 TEOCLÍMENO: Com justiça ela chora a situação. HELENA: Morri mísera e não sou mais nada! [KOVACS] TEOCLÍMENO: Vê se não são anúncios não claros! [KOVACS] HELENA: Está bem à mão escapar à tua irmã! TEOCLÍMENO: Não, como? Viverás ainda na tumba? 1228 !197 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano HELENA: Sou fiel a meu esposo ao fugir de ti. 1230 TEOCLÍMENO: Troças de mim e não deixas o morto? 1229 HELENA: Não mais! Inicia já minhas núpcias! 1231 TEOCLÍMENO: Vieram tardias, contudo as aprovo. HELENA: Sabes que fazer? Esqueçamos antes! TEOCLÍMENO: Como? A graça à graça corresponda! HELENA: Façamos trégua! Concilia-te comigo! 1235 TEOCLÍMENO: Cesso tua rixa, que alada ela se vá! HELENA: Aos teus joelhos, porque és caro... TEOCLÍMENO: Que me pedes, com a suplicação? HELENA: Quero sepultar meu marido morto. TEOCLÍMENO: É tumba de ausente? Ou de sombra? 1240 HELENA: É lei, na Grécia, os mortos no mar... TEOCLÍMENO: Que fazer? Hábeis nisso os Pelópidas! HELENA: Sepultar em tecidos de túnica vazios. !198 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano TEOCLÍMENO: Faz funerais, ergue tumba onde queres! HELENA: Não sepultamos assim mortos no mar. 1245 TEOCLÍMENO: Como, então? Sou leigo em leis gregas. HELENA: Exportamos por mar tudo aos mortos. TEOCLÍMENO: O que te ofereço então para o morto? HELENA: Ele sabe, não sei, tive boa sorte antes. TEOCLÍMENO: Forasteiro, trouxeste um caro rumor. 1250 MENELAU: Não a mim mesmo, nem ao morto. TEOCLÍMENO: Como sepultais os mortos no mar? MENELAU: Como cada um é, se houver meios. TEOCLÍMENO: Diz quanto queres, para sua graça. MENELAU: Imola-se antes sangue aos ínferos. 1255 TEOCLÍMENO: De que? Diz-me tu, e concederei. MENELAU: Sabe tu mesmo, será o que deres. TEOCLÍMENO: É uso de bárbaros cavalo ou touro. !199 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano MENELAU: Ao dar, não dês nada malnascido! TEOCLÍMENO: Não nos faltam prósperas tropas. 1260 MENELAU: Levam-se vazios leitos cobertos. TEOCLÍMENO: Haverá. Que mais é usual levar? MENELAU: Armas de bronze, amava guerra. TEOCLÍMENO: Daremos as dignas dos Pelópidas. MENELAU: E outros belos produtos da terra. 1265 TEOCLÍMENO: Como se faz? Lançais ao mar? MENELAU: Devem-se ter barco e remeiros. TEOCLÍMENO: Quanto afastar o lenho da terra? MENELAU: Quanto não se ver bem da terra. TEOCLÍMENO: Por que a Grécia venera esse rito? 1270 MENELAU: Não lance o mar de volta sujeiras. TEOCLÍMENO: O remo fenício terá rápido passo. MENELAU: Bom seria e mais grato a Menelau. !200 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano TEOCLÍMENO: Não basta que tu sem ela o faças? MENELAU: Faz isso mãe, mulher ou os filhos. 1275 TEOCLÍMENO: Ela deve, dizes, sepultar o marido? MENELAU: É pio não sonegar ritos de mortos. TEOCLÍMENO: Seja! Importa-nos criar esposa pia. Ide para casa e pegai enfeite fúnebre. De mãos vazias não te envio da terra, [KOVACS] 1280 por teu favor a ela. Trouxeste-me boa notícia e terás, em vez do desabrigo, vestes e víveres, de modo que vás à pátria, porque agora te vejo mal. Tu, ó coitada, por causa impossível 1285 não te consumas chorando Menelau; [KOVACS] tu vês a luz, e Menelau está morto, [KOVACS] não por gemidos o morto teria vida. MENELAU: Tu deves, ó moça, amar o marido presente e deixar o que não é mais. Isso é o melhor para ti ante a sorte. 1290 Se eu for à Grécia e por sorte salvo, cessarei teu veto, se fores mulher 1293 como deves ser para o teu esposo. 1292 HELENA: Assim será. Nunca o marido nos repreenderá. Tu de perto o verás. 1295 !201 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano Mas, ó mísero, entra, toma banho, troca as vestes! Não postergarei teu benefício, pois mais benévolo farias a meu caríssimo Menelau honras, tendo de nós o necessário. 1300 [SEGUNDO ESTÁSIMO (1301-1368)] CORO: A Mãe dos Deuses move EST. 1 o pé veloz nos montes, nos vales nemorosos, no curso d’água do rio, na sonora onda do mar, 1305 saudosa da finada nefanda filha. Crótalos de sons agudos ressoam os seus acordes, quando jugos de feras 1310 a Deusa jungiu ao carro, para salvar a filha raptada dos coros circulares de virgens, e têm pés de ventania Ártemis com setas e toda armada 1315 a de olhos de Górgona com lança. Ao raiar das celestes sedes Zeus onipotente cumpre outra porção. Quando a Mãe cessou ANT. 1 !202 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano a erradia correria 1320 em busca do raptor doloso de sua filha, chegou aos regelados cimos das Ninfas no Ida, e sucumbe à dor em 1325 pétreo bosque nevado. Aos mortais incendeia o ressequido chão sem produzir frutos, destrói seres mortais, não fornece às tropas 1330 florido pasto frondoso. Nas urbes faltam os víveres, não há sacrifícios aos Deuses, bolos não ardem nos altares. E cessa o jorro de límpidas 1335 águas de orvalhadas fontes, por ilatente luto da filha. Quando cessou as festas EST. 2 aos Deuses e aos mortais, Zeus adoçando a hórrida cólera da Mãe conclama: 1340 “Vinde, Graças venerandas, “e alterai com alarido “a dor de Deo furiosa “por amor da filha! Vinde, “Musas, com hinos corais!” 1345 Quando térrea voz brônzea !203 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano e tambores de pele tensa a mais bela das venturosas Cípris tocou, a Deusa riu e tomou nas mãos 1350 o sonoro aulo, divertida do alarido. Sem lei e sem licitude ANT.2 acendeste fogo em casa, e tens a cólera da grande 1355 Mãe, ó filha, irreverente aos sacrifícios à Deusa. Têm um grande poder a variada pele de corça e o verdor da hera, coroa 1360 dos sagrados bordões, e o circular giro celeste nos rodopios de pião, crina bacante por Brómio, e os noturnais da Deusa. 1365 Bem nas jornadas Lua os superava, só da forma te ufanavas. [KOVACS] [QUARTO EPISÓDIO (1369-1450)] HELENA: Tivemos boa sorte no palácio, amigas; a filha de Proteu auxiliou-nos ocultar 1370 a presença de meu marido, e indagada, não contou ao irmão, e por mim disse !204 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano que morto no chão não mais vê a luz. O marido captou muito bem a sorte, as armas que deveria lançar ao mar, [KOVACS] 1375 passando o braço nobre pelo suporte, ele mesmo levou, e na destra, a lança, como a cooperar no serviço ao morto. Vestiu as armas, próprias ao combate, como para erguer o troféu de dez mil 1380 bárbaros, quando estivermos no barco. As vestes em vez das roupas náufragas eu lhe preparei e banhei-lhe o corpo em tardia lustração com água do rio. Mas sai do palácio o que pensa ter 1385 nas mãos as minhas núpcias prontas. Devo calar-me, também te acrescento cúmplice comigo neste dolo, deves benévola conter a boca, se pudermos – uma vez salvos – salvar-te um dia. TEOCLÍMENO: Ide adiante, como dispôs o forasteiro, 1390 servos, procedei aos funerais marinhos! Helena, tu, se não te pareço dizer mal, ouve, espera aqui! Presente ou não, terás o mesmo ato por teu marido. Temo que a saudade te persuada 1395 a deixar-te ir com a onda marinha, levada por graças do antigo marido. Demasiado o choras, não presente. HELENA: Ó meu novo esposo, é necessário !205 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano honrar o primeiro esposo e núpcias; 1400 eu, sim, por amor do meu marido, morreria, mas que graça seria sua eu morrer com o morto? Deixa-me dar eu mesma os funerais ao morto. Deuses te dêem como eu consinto, 1405 e a este forasteiro, porque coopera. Ter-me-ás como deves ter em casa mulher, por beneficiares a Menelau e a mim; isto é caminho para sorte. Determina quem nos dará o navio 1410 para eu ter de ti a graça completa. TEOCLÍMENO: Vai, dá-lhes nau de cinquenta remos de Sídon e conhecedores dos remos. HELENA: O comando naval será o do funeral? TEOCLÍMENO: Sim, os meus nautas devem ouvi-lo. 1415 HELENA: Ordena outra vez, saibam de ti claro! TEOCLÍMENO: Ordeno outra vez e três, se te é grato. HELENA: Sê feliz, e eu, por minhas decisões! TEOCLÍMENO: Não apagues tua pele com o pranto. HELENA: Hoje te mostrarei a minha gratidão. 1420 !206 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano TEOCLÍMENO: Cuidar de mortos não é senão dor. HELENA: Há aqui e lá algo daquilo que digo. TEOCLÍMENO: Não pior que Menelau serei marido. HELENA: Nada te falta, eu só preciso de sorte. TEOCLÍMENO: Isso está em ti, se benévola comigo. 1425 HELENA: Não aprenderei hoje amar os meus. TEOCLÍMENO: Queres que eu conduza a missão? HELENA: Não, não sirvas a teus servos, ó rei! TEOCLÍMENO: Seja! Permito os ritos dos Pelópidas. Minha casa está pura, pois não aqui 1430 Menelau perdeu a vida. Que se vá dizer a meus súditos levem adornos nupciais à minha casa, e toda a terra deve ressoar com venturosos hinos, miradas núpcias de Helena e minhas! 1435 Vai, ó forasteiro, e no abraço marinho faz essa oferenda a seu antigo marido, e volta já para casa com minha esposa, para que festejes comigo suas núpcias e regresses, ou fiques, de bom Nume! 1440 !207 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano MENELAU: Ó Zeus, sejas dito pai e sábio Deus, olha para nós e livra-nos dos males! Ao puxarmos o fardo para a colina assiste-nos atento! Se pões o dedo, chegaremos onde nós queremos ir. 1445 Bastam os males que sofremos antes. Muito vos pedi, Deuses, inútil e aflito ouvísseis-me; não devo ir mal sempre, mas pôr o pé certo, e com uma só graça, doravante me dareis boa sorte. 1450 [TERCEIRO ESTÁSIMO (1451-1511)] CORO: Ó rápido remo fenício EST. 1 de Sídon, remada grata às ondas de Nereu, ó guia do belo coro de delfins, quando às 1455 auras o pélago sem vento e assim falava Calmaria, a glauca filha do Mar: “Desfraldai as velas “às auras marinhas, 1460 “tende remos de pinho, “ó nautas, ó nautas, “levai Helena às portuárias “praias da casa de Perseu!” Ela à beira d’água do rio ANT. 2 !208 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano ou ante o templo de Palas 1466 encontraria as Leucípides, reunida aos coros a tempo ou em celebração noturna aos cortejos de Jacinto, 1470 que Febo matou no jogo de giro sem fim de disco, [KOVACS] e filho de Zeus diz à terra lacedemônia que venere o dia do sacrifício de boi. 1475 Veria sua filha Hermíone, [KOVACS] novilha deixada em casa, [KOVACS] ainda sem festas de núpcias. Alados no céu fúlgido EST. 1 fôssemos lá por onde bandos de aves da Líbia 1480 deixando hiverna chuva vão dóceis à flauta do pastor mais velho, que grita sobrevoando o chão sem chuvas 1485 e frutífero da terra. Ó aves de pescoço longo pares do passo das nuvens, ide sob Plêiades no meio e Órion durante a noite, 1490 proclamai este anúncio pousadas no Eurotas: “Menelau pilhou urbe !209 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano “de Dárdano e regressa”! Viésseis por via equina ANT. 2 vindos do céu fúlgido, 1496 ó filhos de Tindáreo, celestes moradores sob o curso de claros astros, ó salvadores de Helena, 1500 ao mar glauco salino e às sombrias moções grises de vagas marinhas, com bons ventos navais, com os sopros de Zeus, 1505 afastai de vossa irmã infâmia de leito bárbaro, que adquiriu punida por rixas no Ida, nunca tendo ido à terra de Ílion 1510 junto às torres de Febo! [ÊXODO (1512-1692)] MENSAGEIRO: Rei, descobrimos em casa o pior, tão novos males ouvirás de mim! TEOCLÍMENO: Que há? MENSAGEIRO: Propõe núpcias a outra mulher! Helena saiu desta terra. 1515 !210 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano TEOCLÍMENO: Alçada por asas, ou a pé no chão? MENSAGEIRO: Menelau a transportou desta terra, ele mesmo veio anunciar sua morte. TEOCLÍMENO: Terrível notícia! Que navio os tirou desta terra? É incrível isso que dizes. 1520 MENSAGEIRO: Deste-o ao forasteiro, que matou teus nautas e se foi, breve o saibas! TEOCLÍMENO: Como? Quero saber. Nunca pensei que um só varão pudesse superar tantos nautas com que embarcaste. 1525 MENSAGEIRO: Quando deixou a vossa casa real, a filha de Zeus seguiu para o mar, com leve passo habilmente chorava o marido perto presente e não morto. Ao chegarmos à cerca de teu arsenal, 1530 baixamos um inaugural navio sidônio com a medida de cinquenta bancos e remos. Trabalho sucedia trabalho: um colocava o mastro, outro, o remo e cabo à mão, e alvas velas reunidas, 1535 e ajustava os lemes com as amarras. Nesse ínterim, à espreita da ocasião, gregos, companheiros de Menelau, vieram à praia, vestidos de náufragos !211 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano trajes, formosos, mas ásperos à vista. 1540 Ao vê-los presentes, o Atrida disse dirigindo a todos o lamento doloso: “Ó míseros! Como? De que navio “aqueu, que sofreu avaria, viestes? “Vinde junto sepultar o Atrida morto, 1545 “a Tindárida faz funerais de ausente.” Eles, por verterem lágrimas fingidas, embarcaram, com libações marinhas a Menelau. Isso para nós era suspeito e disse um ao outro que eram muitos 1550 tripulantes, mas nos calamos, porém, por tuas ordens: ao fazer o forasteiro comandar o navio, confundiste tudo. E o mais embarcamos fácil no navio por serem leves. O pé do touro, reto, 1555 não queria prosseguir pela prancha, e mugia girando os olhos em círculo, curvando o dorso e mirando o corno repelia o toque. O marido de Helena clamou: “Ó conquistadores de Ílion, 1560 “arrebatai vós à maneira dos gregos “o corpo do touro aos ombros jovens “e lançai-o na proa, oferta ao morto.” Simultâneo ergue a espada na mão. Eles seguiram a ordem, tomaram [KOVACS] 1565 o touro, levaram e puseram no navio. Menelau, a coçar o pescoço e fronte do corcel, persuadiu-o a embarcar. Por fim, quando o navio tinha tudo, !212 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano pôs no degrau o pé de belo tornozelo 1570 Helena, e sentou-se no banco do meio; o dito não mais vivo Menelau, perto; os outros, iguais, numa e noutra borda, sentam-se, varão com varão, com facas ocultas nas vestes; o marulho se enche 1575 de gritos, ao ouvirmos a voz da chefia. Quando não estávamos longe da terra, nem perto, assim perguntou o piloto: “Forasteiro, navegamos mais adiante “ou está bom? A ti cabe o comando.” 1580 Ele diz: “Basta!” Com a faca na destra, foi à proa e perto de pé imolou o touro, sem fazer nenhuma menção ao morto, ao degolar, orou: “Ó senhor do mar “pôntico Posídon, e puras Nereidas, 1585 “levai-me e à esposa à orla de Náuplia, “salvos desta terra!” O jorro de sangue atingiu o mar, propício ao forasteiro. Alguém disse: “É manobra dolosa, “retornemos! Ordena tu que valha, 1590 “e tu vira o leme!” Morto o touro, o Atrida de pé convocou aliados: “Ó floração da terra grega, é hora “de imolar, matar e alijar bárbaros “ao mar!” Aos teus marinheiros, 1595 a chefia grita o oposto comando: “Não erguereis lenha por último, “quebrai banco, arrancai remo, “sangrai crânio inimigo forasteiro!” !213 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano Todos pularam de pé, uns com remo 1600 do navio nas mãos, outros, com faca; o navio vertia sangue. Na popa, Helena exortava: “Onde está a glória troiana? “Mostrai aos bárbaros!” No combate caíam, outros persistiam, verias mortos 1605 os deitados. Menelau, com as armas, a espreitar onde seus aliados sofriam, ia para lá com a faca na mão destra, até saltarem do navio, e esvaziou de teus nautas o navio; foi ao leme 1610 e disse ao piloto dirigir para a Grécia. Içaram velas, ventos vieram propícios, saíram da terra. Eu, em fuga da morte, lancei-me ao mar, perto da âncora. Um pescador me pegou já exausto, 1615 e trouxe-me para terra, para eu te anunciar isso. Nada é aos mortais mais útil do que a sã desconfiança. CORO: Não cria que Menelau presente, ó rei, a ti e a mim se velasse como se velou. 1620 TEOCLÍMENO: Oh, mísero me pegou ardil de mulher! Foram-se núpcias. Fosse o navio sujeito a perseguição, prenderia os forasteiros, mas agora punirei a irmã, que nos traiu, que viu Menelau em casa e não me disse. 1625 Não enganará mais ninguém a adivinha. !214 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano CORO: Ó tu! Aonde pões o pé, rei, a que morte? TEOCLÍMENO: Aonde a justiça me diz, mas vai-te fora! CORO: Não te soltarei, corres a grandes males. TEOCLÍMENO: Dominas reis, sendo servo? CORO: Penso bem. 1630 TEOCLÍMENO: Não creio, se não me deixas... CORO: Não deixamos. TEOCLÍMENO: Matar a pior irmã. CORO: A mais piedosa, sim. TEOCLÍMENO: Ela me traiu. CORO: Nobre traição, fazer justiça. TEOCLÍMENO: Deu meu leito a outro. CORO: Ao dono verdadeiro. TEOCLÍMENO: Quem é dono dos meus? !215 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano CORO: Quem teve do pai. TEOCLÍMENO: A sorte me deu. CORO: O dever te tirou. 1636 TEOCLÍMENO: Não me deves julgar. CORO: Se digo o melhor. TEOCLÍMENO: Sou servo, não rei? CORO: Em atos pios, não ímpios. TEOCLÍMENO: Queres morrer, parece. CORO: Mata-me, mas tua irmã não matarás com nossa anuência! Para os bons 1640 servos o mais glorioso é morrer por seus donos. CASTOR: Detém a cólera com que vais sem justiça, ó Teoclímeno, rei desta terra! Chamamos-te os dois Dióscoros, os que Leda gerou e ainda Helena, que fugiu de tua casa. 1645 Por não fadadas núpcias te enraiveces; a filha nascida da Deusa Nereida, tua irmã Teónoe, não é injusta, por honrar ditos dos Deuses e justas ordens do pai. !216 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano Até esta vez do tempo agora presente, 1650 era necessário ela residir em tua casa; mas quando devastado o chão de Troia ela serviu o nome aos Deuses, não mais; ela deve ser jungida às mesmas núpcias, deve ir para casa e morar com o marido. 1655 Mas afasta a sombria faca de tua irmã, e pensa que ela age sabiamente assim! Outrora e antes, teríamos salvo a irmã, desde quando Zeus nos fez Deuses; mas éramos menos que a fatalidade 1660 e os Deuses que decidiram isso assim. A ti te disse isso. E digo à minha irmã: vai com teu marido e terás bom vento! Nós, teus dois salvadores, dois irmãos, cavalgando mar, escoltaremos à pátria. 1665 Ao atingires a meta e o termo da vida, Deusa serás chamada e com os Dióscoros terás libações, e hospedagem dos homens terás conosco, porque Zeus assim quer. Onde o filho de Maia primeiro te levou, 1670 tirando-te de Esparta por senda celeste, furtando-te para Páris não te desposar, digo a ilha extensa guardiã junto à orla, no porvir os mortais chamarão “Helena”, porque a ti furtada de casa te recebeu. 1675 O errante Menelau obteve dos Deuses a porção de habitar ilha de venturosos. Os Numes não odeiam os bem natos, mas dos inúmeros antes são os males. !217 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218 Helena, de Eurípides – Tradução de Jaa Torrano TEOCLÍMENO: Ó filhos de Leda e Zeus, renuncio 1680 a anteriores litígios por vossa irmã; vá ela para casa, se praz aos Deuses, 1683 não mais eu mataria a minha irmã! 1682 Sabei que sois da mesma família que a melhor e a mais casta irmã! 1685 Felicito-vos, por Helena ter nobre tino, que muitas mortais não têm. CORO: Muitas são as formas dos Numes, muitos atos inopinados de Deuses, e as expectativas não se cumprem, 1690 e dos inesperados Deus vê a saída. Assim é que aconteceu este fato. Recebido em Maio de 2017 Aprovado em Junho de 2017 !218 Codex – Revista de Estudos Clássicos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 1, 2017, pp. 141-218