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© 2016, Ana Cabrera (Ed.) To d o s o s d i r e i t o s d e p u b l i c a ç ã o e m P o r t u g a l reser vados por : ALÊTHEIA EDITORES E s c r i t ó r i o n a Ru a d o S é c u l o, n . º 1 3 1 2 0 0 - 4 3 3 L i s b o a , Po r t u g a l Te l . : ( + 3 5 1 ) 2 1 0 9 3 9 7 4 8 / 4 9 , F a x : ( + 3 5 1 ) 2 1 0 9 6 4 8 2 6 E-mail: aletheia@aletheia.pt w w w. a l e t h e i a . p t Colecção: Media & Jor nalismo Coordenação da colecção: Ana Cabrera Te r e s a M e n d e s F l o r e s Helena Lima Capa e paginação: Rita L. Henriques Impressão e acabamento: Várzea da Rainha Impressores, Óbidos w w w. v a r z e a d a r a i n h a . p t ISBN: 978-989-622-877-4 Depósito Legal: 412716/16 Setembro de 2016 Apoio: A P R E S E N TA Ç Ã O Ana Cabrera Este livro é o resultado de uma investigação sobre género, política e visibilidade mediática. O projeto que está na sua origem foi apoiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia e intitulava-se Política no feminino - políticas de género e estratégias de visibilidade das deputadas parlamentares. Apresentamos aqui os resultados de uma abordagem diacrónica e sincrónica, sobre a representação das mulheres na Assembleia da República, como ponto de partida para compreender o seu destaque na política. O Parlamento é um espaço privilegiado para avaliar tanto a participação política no feminino, como as iniciativas ligadas à temática de igualdade entre homens e mulheres. Por isso era importante saber quem foram e quantas foram as deputadas em Portugal, quais as suas habilitações académicas e experiências proissionais, de que responsabilidades políticas foram investidas. Este conhecimento é dado através de um estudo sociográico que foi alargado até 2011 e demonstra que, entre 1976 e 2011, em 12 sufrágios, foram eleitos 2777 homens e apenas 374 deputadas, como é comprovado no Capítulo I. 5 Política no Feminimo Entre 1975, quando se realizaram as primeiras eleições em Portugal após a Revolução, para a Assembleia Constituinte, e 2002, im da oitava legislatura, estamos perante um período fundamental na consolidação e evolução da democracia portuguesa que propicia um vasto quadro analítico, onde se sucedem ciclos políticos bem demarcados, tanto do ponto de vista dos processos político e ideológico, como a partir da perspetiva das grandes opções económicas. Portugal viveu, neste período, suspenso e imerso em rivalidades políticas, desde as medidas dos governos revolucionários de Vasco Gonçalves, que colocaram em marcha as nacionalizações, reforma agrária e um forte controlo do Estado sobre a economia; ao papel moderado em defesa dos princípios da democracia, liderado por Mário Soares, pelo Partido Socialista e pelo Partido Social Democrata de Sá Carneiro. Além do mais, Portugal era por esta altura um território de disputa onde se jogava a inluência das duas superpotências, URSS e EUA e os respetivos serviços secretos, projetada também na deinição e orientação da descolonização em Angola, Moçambique, Guiné-Bissau. Assim, as circunstâncias de agitação e mobilização popular estão presentes nas primeiras eleições livres realizadas em 25 Abril de 1975. Deste sufrágio, pela primeira vez universal e direto (que contou com a participação de mais de 90% dos cidadãos eleitores), nasce a Assembleia Constituinte. Foram 27 deputadas que passaram por esta Assembleia, o que corresponde a uma representatividade efetiva de 9,1%. O objetivo principal desta Assembleia foi o de elaborar a Constituição da República Portuguesa, que virá a ser aprovada em 31 de Março de 1976. A igualdade de género ainda não conigurava uma questão política com autonomia. 6 aPresentação O que nesta matéria representava uma opção consolidada era a preocupação com a igualdade ao nível salarial, bem como da participação da mulher na vida sindical e autárquica. Estas eram as prioridades deinidas pela recém criada Comissão da Condição Feminina (CCF). A Constituição de 1976 passou a consagrar a igualdade perante a lei, estipulando o artigo 13.º da redação original que ninguém pode ser privilegiado, beneiciado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão do sexo. A forma textual aprovada na Constituição não foi pacíica e gerou debate e polémica a propósito da discussão dos direitos fundamentais, liberdades e garantias. Na altura, as intervenções mais estruturadas foram lideradas pelas deputadas ligadas à CCF. No debate destacaram-se dois tipos da argumentos. Por um lado, a salvaguarda dos interesses das mulheres não deveria diluir-se nos termos gerais da igualdade em função do sexo, raça, língua ou religião, já que o verdadeiro problema girava em torno de cidadãos concretos que são homens ou mulheres. A segunda ordem de argumentos partia da problematização de que uma sociedade constituída por homens e mulheres, quando é pensada só por homens, ela é pensada em função dos interesses dos homens e as mulheres são idealizadas de acordo com a dominante visão masculina. A questão da igualdade aparece, assim, já associada à airmação da autonomização da identidade feminina e à intervenção política tanto de homens como de mulheres. A compreensão desta circunstância permite explicar a frágil presença das mulheres na política, mormente no Parlamento, mas permite também antever um caminho longo na criação da igualdade de representação na política. É que por mais abertas, avançadas ou progressistas que sejam as leis, por mais direitos que consignem, as 7 Política no Feminimo formas tradicionais de comportamento social apenas se transformam pela ação, já que a autonomia e independência política não se conquistam simplesmente com quadros legais. E a ação das mulheres deputadas joga-se na prática política, na airmação da sua individualidade e na abertura de um espaço de airmação no debate parlamentar que é dominado por homens. Como sublinhava Simone de Beauvoir no Segundo Sexo, as relações de género são relações de poder. Estes assuntos foram invisíveis na comunicação social. De resto, nota-se que nestes primeiros anos da democracia há uma ausência de mulheres nos jornais e, quando raras vezes aparecem, são estigmatizadas através de estereótipos. A fórmula usada no artigo da Constituição Portuguesa corresponde ao enquadramento da ONU na Declaração Universal dos Direitos do Homem proclamada em 1946. A década da Mulher é proclamada justamente em 1976. Em 1979, a Campanha Nacional pelo Aborto e Contraceção (CNAC) lançou o abaixo-assinado “Nós Abortámos”, que reuniu cerca de 3000 assinaturas. É de notar que, então, o aborto era punível com 8 anos de prisão. Também por esta altura a RTP transmite uma reportagem sobre o aborto clandestino, intitulada “Aborto não é crime”, da autoria das jornalistas Maria Antónia Palla e Antónia de Sousa. Esta reportagem não só levou à suspensão do programa, como conduziu ao julgamento de Maria Antónia Palla por atentado ao pudor. Em 1980 foi apresentado na Assembleia da República, pela primeira vez, um projeto de lei sobre o aborto, iniciativa de Mário Tomé, deputado da União Democrática Popular (UDP). Dois anos mais tarde, em 11 de Novembro de 1982, o PCP apresentou no Parlamento um projeto de lei que previa a despenalização do aborto até às 12 semanas por motivos “socioeconómicos e sentimentais”. 8 aPresentação O projeto foi recusado com 127 votos contra e 105 a favor. Mas a questão estava lançada e era fraturante, o debate foi agitado, envolveu diversos setores e sensibilidades a favor e contra. A questão atravessa vários ciclos políticos. O Bloco Central, que corresponde a um entendimento entre o PS e o PSD, é constituído na sequência das eleições de 1983. O processo de construção do Bloco Central obedece a uma conjuntura, onde a criação de um largo consenso político se tornava indispensável ao desenvolvimento de estratégias político-partidárias. Tanto mais que, para além da revisão constitucional, considerava-se a urgência de fazer face a uma enorme crise económica e inanceira. Datam desta altura a negociação da dívida externa com o FMI e para a adesão à Comunidade Económica Europeia, que viria a ser assinada em 12 de Junho de 1985. Em Janeiro de 1984, desta feita por iniciativa do Partido Socialista, surge um novo projeto de lei sobre a despenalização do aborto, votado e aprovado no Parlamento, não sem antes suscitar uma crise na coligação entre o PS e o PSD. A lei aprovada despenalizava a interrupção da gravidez em caso de perigo da saúde física e psíquica da mulher, violação e malformação do feto. No mesmo ano foi aprovado um pacote de leis que vieram enquadrar o assunto do aborto: lei da Maternidade e Paternidade, Planeamento Familiar e Educação Sexual. Todos estes debates tiveram uma enorme repercussão mediática, como se dá conta nos Capítulos II e III. O Tratado de Adesão de Portugal à CEE aproxima o país das normas europeias em política de igualdade de género. Justamente um ano mais tarde será aprovado o “Programa Comunitário a Médio Prazo para a Igualdade de Oportunidades para as Mulheres (1986-1990)”. Este programa tinha como objetivo a igualdade nas grandes 9 Política no Feminimo áreas de ação: educação, emprego e formação proissional, segurança social, as novas tecnologias, partilha de responsabilidades familiares e mudança de atitudes relativamente aos papéis dos homens e das mulheres na nossa sociedade. A quarta legislatura marca o início de um ciclo político de maioria PSD liderado por Aníbal Cavaco Silva. O primeiro período corresponde a dois anos (1985-87), em que o PSD governa com uma maioria simples, a que se seguem duas maiorias absolutas, entre 1987 e 1995. A viragem na economia portuguesa foi impulsionada pela adesão à CEE, pelo acesso aos fundos estruturais e Portugal entra numa fase de crescimento económico, que durou até 1992, e de desenvolvimento das infraestruturas. Este ciclo político correspondeu a um período de mudanças sociais excecionalmente rápidas. Nestas três legislaturas a representatividade efetiva das deputadas foi, respetivamente, de 5,2%, 10,2% e 11,8%. Nas primeiras eleições para o Parlamento Europeu, Portugal só elege uma deputada, Maria de Lourdes Pintasilgo, ex-Primeira-Ministra e ex-candidata presidencial. As grandes iniciativas sobre a igualdade estavam, nesta altura, do lado das organizações internacionais, como foi o caso da III Conferência das Nações Unidas para a Década da Mulher (Nairobi, 1985), onde foram aprovadas estratégias para o progresso das mulheres até ao ano 2000: Igualdade Desenvolvimento e Paz. Também na Comunidade Europeia se multiplicam as iniciativas que obrigam Portugal a incorporar nas leis nacionais, as diretivas europeias em matéria de igualdade de género. Mas, grande parte das iniciativas vão ser lideradas pelas diversas organizações feministas que passam, a partir de 16 de Julho de 1987, a integrar o Conselho Consultivo da Comissão para a Condição Feminina. Este Conselho apoia e aprova as decisões dos fóruns internacionais e orienta a sua 10 aPresentação ação no sentido de inluenciar as decisões governamentais. O seu objetivo consiste em criar condições de igualdade no emprego, alargar à administração pública a igualdade de oportunidades no trabalho e no emprego. No entanto, uma das mais importantes medidas foi a aprovação da Lei 61/91, que garante proteção às mulheres vítimas de violência doméstica. Nota-se claramente que o período cavaquista não foi imobilista em relação à questão feminina, mas escusou-se a uma relexão sobre a desigualdade no acesso à política e, por isso, muitos dos deputados social-democratas não viram com agrado a iniciativa do Parlamento Paritário, cuja organização contava com o apoio ativo da deputada social-democrata Margarida Salema. O Parlamento Paritário (31 de Janeiro e 1 de Fevereiro de 1994) debateu o déice de representação feminina na política. A iniciativa pautou-se pelo êxito, quer pela cobertura jornalística, que durante dois dias centrou a sua atenção na Sala do Senado; quer pelos documentos aprovados neste fórum; quer ainda pelos efeitos que teve no ciclo político seguinte. A Comissão da Condição Feminina atuou neste período como vanguarda dos movimentos das mulheres em Portugal, como sublinhou Ana Vicente. Também Maria Regina Tavares da Silva, presidente da CCF, chamava, já nos anos 80, à atenção dos partidos políticos para a fraca representação das mulheres no Parlamento, apesar de constituírem 52% da população portuguesa. O ciclo guterrista (1995-2002) é marcado por uma intenção política inclusiva que se espelha na linguagem do Primeiro-Ministro e no debate parlamentar de temas fraturantes como a interrupção voluntária da gravidez (IVG), tema central durante todo o ciclo guterrista, o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a paridade na política, ou “lei da quotas”. 11 Política no Feminimo A ideia de democracia paritária foi introduzida pelo Parlamento Europeu como um resultado lógico da democracia que implicava igualdade de mulheres e homens nos cargos políticos. Também as grandes conclusões da Conferência de Pequim (1995) disseminam esta ideia ligando-a ao conceito de empoderamento das mulheres. Assim produz-se uma viragem estrutural na forma como a mulher passa a ser encarada: a perspetiva de vitimização cede lugar à airmação do seu poder, da sua autoconiança, da sua responsabilidade e da sua capacidade de liderança. Pela primeira vez um primeiro-ministro usa uma linguagem inclusiva. Já o tinha aplicado enquanto líder da oposição e durante a campanha eleitoral: “portuguesa e portugueses…” era assim que iniciava as suas intervenções. Esta atitude antecipa o que será consignado na revisão do Tratado de Maastricht, a propósito da substituição da linguagem sexualmente neutra, por uma linguagem inclusiva. Esta forma discursiva, de abandonar a universalidade do masculino e incluir o feminino e o masculino nas suas intervenções públicas, destaca de facto a relevância que Guterres tencionava dar às mulheres e às questões da igualdade de género. Ainda assim o político torna público a sua convicção de que não bastaria que houvesse igualdade na lei para que se alcançasse igualdade de oportunidades. Assim, a discriminação positiva aigura-se uma das formas de alcançar um número equilibrado de mulheres e homens em órgãos de decisão política. Estas questões faziam parte do programa do governo de Guterres, bem como dar continuidade a medidas de proteção às mulheres vítimas de violência doméstica; exercício da maternidade e paternidade; medidas ao nível da legislação do trabalho. Em 1997, o Conselho de Ministros aprovou uma resolução onde é deinido o plano global para a igualdade de 12 aPresentação oportunidades, que é de facto um documento muito detalhado, envolve todos os ministérios e é transversal a toda a política governamental. Também a Assembleia da República cria, em 1995, a Comissão Parlamentar para a Paridade e Igualdade de Oportunidades, presidida por Rosário Carneiro, cuja ilosoia consistia em encontrar mecanismos legais que viabilizassem a implementação da paridade e da igualdade de oportunidades. Podemos assim considerar que neste novo ciclo político há uma viragem estrutural na forma como politicamente são encaradas as questões de igualdade de género, em particular na representação política. A partir da sétima legislatura acentua-se a tendência para um aumento do número de deputadas, com uma representatividade efetiva de 15,8%, valor que sobre para os 22,0% na oitava legislatura, já como consequência das práticas políticas adoptadas, como é comprovado no Capítulo I. A Assembleia da República debate, pela primeira vez em 1999, uma proposta de lei do governo sobre “quotas”. A questão estava longe de ser consensual e a fratura dava-se tanto à esquerda como à direita. A proposta foi chumbada com os votos contra do PSD, CDS, PCP e PEV. O assunto regressa ao Parlamento, agora com a designação de Lei da Paridade. A sua apresentação e defesa, por parte do PS, icou a cargo de Maria de Belém Roseira (ex-ministra para a Igualdade). Foi ainda apresentada uma outra proposta, por parte do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda. A Lei da Paridade foi um projeto adiado e virá a ser aprovada num outro ciclo político liderado por José Sócrates, em 2006. A despenalização do aborto também regressou ao Parlamento durante o guterrismo, nos anos de 1997 e 1998. Multiplicaram-se os movimentos a favor e contra, esgrimiram-se 13 Política no Feminimo argumentos e a comunicação social reportou todo o diferendo que havia na sociedade portuguesa, como se reporta nos Capítulos II e III. Mas António Guterres já se tinha manifestado contra a lei da interrupção voluntária da gravidez e, no dia seguinte às decisões no Parlamento, PS e PSD chegam a acordo sobre a realização de um referendo que se vai realizar em 28 de junho de 1998. O referendo sobre a IVG viria a ser aprovado em 2007 com José Sócrates como Primeiro-Ministro. Um outro ângulo de observação da atividade parlamentar foi realizado através da análise dos media, de como estes reportam as questões de género, como se referem às deputadas e como as representam nos textos e nas imagens fotográicas. A análise de textos e imagens ao longo destes 27 anos, cujos resultados são expostos nos Capítulos II e III, permitiu avaliar como e em que medida mudaram as representações das mulheres na política e como foram incorporadas no discurso mediático as questões centrais de género a partir dos temas dos debates parlamentares. Esta abordagem é tanto mais relevante quanto a informação que os cidadãos recebem vem através dos meios de comunicação, sobretudo a televisão. É sabido que os media inluem signiicativamente na percepção e identiicação dos temas mais importantes. Mas quando analisamos a cobertura noticiosa é também indispensável compreender quem são os donos dos principais meios de comunicação e como essa propriedade mudou ao longo do tempo que o estudo abarca. É preciso também escrutinar as tendências políticas e ainidades económicas e inanceiras dos meios de comunicação e, não menos importante, compreender os constrangimentos da necessidade de inanciamento, quer seja através da banca ou de patrocínios publicitário. Todos estes aspetos intervêm na construção da notícia e seleção informativa. 14 aPresentação Ao longo dos 27 anos deste estudo, o panorama da comunicação social mudou substancialmente em Portugal. No campo da imprensa acabaram alguns títulos, como é o caso do jornal Diário, Diário de Lisboa, Diário Popular, Século; e surgiram outros, destacando-se o Independente e Público. Também se sucederam várias gerações na atividade jornalística e, neste domínio, passamos para a entrada em cena de uma geração formada pelos cursos de comunicação e jornalismo e pela saída de uma geração de jornalistas formada nas lutas académicas de antes do 25 de Abril e na “tarimba”. Assistimos também à feminização das redações e à progressiva precarização do trabalho jornalístico. Assistimos também a uma profunda alteração dos meios tecnológicos, como foi o caso da informatização da imprensa, a sedentarização das redações, a preferência por fontes interessantes, uma alteração das rotinas, agora centradas nos grupos empresariais e disponibilizando conteúdos simultaneamente para vários meios de comunicação: jornais, revistas, televisão e online. Embora a nossa análise se centre na imprensa, importa também compreender como o panorama mediático ao nível do audiovisual mudou nos últimos 20 anos: o aparecimento dos canais de televisões privadas como a SIC (1992) e a TVI (1993), para além do aparecimento da televisão por cabo em 1994. A alteração da paisagem mediática nestes 27 anos que comportam o trabalho é muito signiicativa até por que tende a privilegiar, cada vez mais, o infotainment em detrimento da informação. Neste livro consideramos que o discurso jornalístico é uma construção que incorpora as pessoas e as suas circunstâncias, as referências ideológicas, sociais, culturais e organizacionais, na procura de sentidos sobre os acontecimentos. Neste contexto é muito interessante analisar a 15 Política no Feminimo forma como as imagens fotográicas são usadas e o relevo atribuído aos temas e às personagens que representam. É que também a fotograia não é um relato transparente e objetivo de uma dada realidade. Cada imagem pode ter diversas leituras e signiicados. Por isso, para tornar evidentes algumas destas interpretações, foi selecionado um conjunto de imagens fotográicas, escrutinadas e sujeitas a uma análise detalhada, como se apresenta no Capítulo III. Como já foi referido, a invisibilidade das deputadas é muito signiicativa embora se vá esbatendo ao longo dos 27 anos que constituem o referente temporal deste trabalho. Então colocava-se a questão de saber em que medida a invisibilidade era resultado da fraca representação feminina ou da orientação do olhar dos jornalistas e se, com a feminização das redações, houve uma maior atenção ao trabalho das deputadas. No Capitulo IV faz-se a história da cobertura jornalística das questões de género, combinando os testemunhos dos e das jornalistas com a análise dos jornais a propósito dos debates parlamentares considerados. De uma forma geral, podemos concluir que a sub-representação feminina nos media tem sido, nos últimos anos, aferida por estudos que indicam uma tendência para descrever as mulheres - à semelhança de grupos minoritários - de forma estereotipada e limitada (Hooghe and Swert, 2010). Relegadas para segundo plano nos espaços noticiosos, elas são geralmente associadas a tópicos tradicionalmente femininos e mais soft, como as questões familiares, a educação ou até a cultura, icando arredadas de temas mais “sérios”, como a lei, as inanças, a economia ou a política (Craft and Wanta, 2004; Pinto-Coelho, 2005). Como airma Gaye Tuchman (2009:22), “os media contemporâneos continuam a tomar parte na aniquilação simbólica das mulheres”. Na verdade, apesar da aprovação 16 aPresentação da Lei da Paridade, a representação de género manifesta uma desproporção em relação às deputadas. Acontecimentos recentes apontam para mudanças de rumo: duas ministras na tutela das Finanças, uma Presidente da Assembleia da República, duas candidatas à Presidência da República, lideranças de partidos políticos, demonstram novos horizontes para um caminho solitário feito, na década de 70, por Maria de Lurdes Pintassilgo, a primeira Primeira-Ministra em Portugal e a segunda na Europa, depois de Margaret Thatcher, que icou conhecida como a “Dama de Ferro”. 17 RES U LTA DO S G ERA IS DA S IN TERVEN ÇÕ ES N O PLEN Á RIO : CO MO A DES IG UA LDA DE DE G ÉN ERO S E REFLETE N A CO B ER TU RA JORNA LÍS T ICA Ana Cabrera e Teresa Mendes Flores O nosso objetivo é comparar vários indicadores dos debates em todos os assuntos já considerados e analisados sequencialmente. Assim, unidade de análise é o debate, por isso, embora apresentemos o quadro relativo aos dois dias de debate em 84, analisámos também as sessões em separado, para garantir maior comparabilidade. A fonte utilizada para a recolha e tratamento de dados foi o “Diário da Assembleia da República”.26 Na contagem das intervenções tivemos em consideração as iguras regimentais utilizadas à época: Quadro VII – iguras regimentais FIGURAS REGIMENTAIS IM= Interpelação à mesa PE= Pedido de Esclarecimento P= Protesto DH= Defesa da Honra IF= Intervenção de fundo I= Intervenção /comentário R= Resposta ReqM= Requisição à Mesa DV= Declaração de Voto 26 Debate da “despenalização do Aborto” em 1984: Diário da Assembleia da República, I Série-Número 67 89 Política no Feminimo Contabilizámos todas as vezes que o Presidente da AR deu, oicialmente, palavra a cada deputado ou deputada. Não contabilizámos as múltiplas “conversas” paralelas e sobrepostas que também icaram registadas no Diário da Assembleia da República, mas que aconteceram à margem (seriam interessantes para uma análise no âmbito da pragmática conversacional ou da retórica dialógica). Aqui quisemos saber quantas vezes tiveram voz oicial. Note-se que não surge aqui também o tempo de tomada de voz, nem a igura regimental. A indicação e identiicação das iguras regimentais permite compreender como devem ser lidas as intervenções. São uma espécie de “metacomunicação”. Naturalmente, as IF (Intervenções fundamentais) têm mais peso do que as IM (Interpelações à Mesa). Os P (protestos só existiram no debate de 84) e as DH (Defesas da Honra) são geralmente usados pelos líderes de bancada para defender a posição coletiva. Nos dois dias do debate de 1984, 48 deputados diferentes izeram 335 intervenções. Neste mesmo debate 5 deputadas izeram 42 intervenções. O quadro que se segue representa uma amostra dos catorze deputados que mais intervenções izeram durante os dois dias de debate. Nogueira de Brito lidera em número de intervenções e o seu partido - CDS somam 93 intervenções demonstrando uma militância organizada contra a proposta de lei apresentada ao parlamento por Zita Seabra do PCP. O PS teve, nesta amostra 42 intervenções e os deputados da UEDS 32. De fato o PS comprometido numa coligação – o Bloco Central – procura um certo equilíbrio, ao passo que a UEDS, enquanto cisão do PS demonstra um maior descomprometimento quer face à coligação, quer face à sua posição sobre o assunto. Os deputados do PSD também procuram minimizar os estragos da coligação com as suas 20 intervenções. O PCP faz justiça ao fato de ser o partido proponente e os seus deputados fazem 26 intervenções. 90 caPítulo ii. a rePresentação mediática 1984/ 2 dias Partidos Políticos Deputados dos deBates Intervenções Nogueira de Brito CDS 28 Azevedo Soares CDS 21 Gomes de Pinho CDS 20 Lopes Cardoso UEDS 17 José Luís Nunes PS 16 José Magalhães PCP 15 Octávio Cunha UEDS 15 Sottomayor Cardia PS 15 Lucas Pires CDS 12 Luís Barbosa CDS 12 Carlos Brito PCP 11 Ferraz de Abreu PS 11 Fernando Amaral PSD 10 Jardim Ramos PSD 10 No geral e consideram os dois dias, eles foram 48 interlocutores diferentes, com 335 intervenções. O quadro que apresentamos seguidamente mostra o PCP lidera as intervenções das deputadas com vinte e duas de Zita Seabra, duas de Odete Santos e Helena Cidade Moura do MDP/CDE com dezasseis, intervenções. Amélia Azevedo intervém pelo PSD e Conceição Quintas pelo PS. Em contrapartida as cinco deputadas nos mesmos dois dias izeram 42 intervenções. 1984/ 2 dias Partidos políticos Deputadas 1 Zita Seabra 2 3 Intervenções PCP 22 Helena Cidade Moura MDP/CDE 16 Odete Santos PCP 2 4 Amélia Azevedo PSD 1 5 Conceição Quintas PS 1 Total intervenções: 42 91 Política no Feminimo Interessante notar que no jornalismo da época, a paridade foi maior que aquela (numérica) do parlamento. Embora a taxa de atividade destas deputadas seja muito alta, e as suas intervenções tenham sido de fundo, os jornais valorizaram isso, em termos gerais, embora Zita Seabra tenha estado muito pouco representada nas fotos. IVG 1997 Partidos Políticos Deputados N.º de Intervenções 1 Marques Mendes PSD 4 2 Sérgio Sousa Pinto PS 4 3 Strecht Monteiro PS 3 4 António Braga PS 2 5 Barbosa de Melo PSD 2 6 Bernardino Soares PCP 2 7 João Amaral PCP 2 8 Jorge Lacão PS 2 9 Acácio Barreiros PS 1 10 Adriano Azevedo PSD 1 No debate sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) em 1997, vinte e sete deputados izeram trinta e nove intervenções. O quadro que se apresenta é uma amostra que apresenta as intervenções dos primeiros dez deputados, todos os seguintes não tiveram mais do que uma intervenção. Os proponentes Sérgio Sousa Pinto e Strecht Monteiro, ambos do PS, izeram sete intervenções, juntaram-se-lhe mais cinco intervenções duas delas do líder de bancada Jorge Lacão. O PSD, pela voz do seu líder, Marques Mendes, fez quatro intervenções a que se juntaram mais três de outros deputados. Pelo PCP intervieram Bernardino Soares e João Amaral respetivamente com duas intervenções. 92 caPítulo ii. a rePresentação mediática dos deBates 1 Odete Santos Partidos Políticos PCP 2 Maria José Nogueira Pinto CDS-PP 6 3 4 5 6 7 8 9 10 Isabel Castro Filomena Bordalo Luísa Mesquita Maria do Rosário Carneiro Elisa Damião Helena Roseta Maria da Luz Rosinha Maria Eduarda Azevedo Verdes PSD PCP PS PS PS PS PSD 3 2 2 2 1 1 1 1 IVG 1997 Deputadas N.º de Intervenções 7 Neste debate dez deputadas izeram vinte e seis intervenções. Odete Santos defendeu a posição do PCP através de sete intervenções, os Verdes com três, rivalizando com o outro extremo da bancada o CDS que através de Maria José Nogueira Pinto esgrimiu os seus argumentos contra a proposta ao longo de seis intervenções. No debate sobre a lei das Quotas em 1999, seis deputados izeram quinze intervenções. Neste caso a maior parte das intervenções estiveram a cargo de membros do governo (António Costa Ministro dos Assuntos Parlamentares) e Vitalino Canas que indica claramente que a medida foi sobretudo uma iniciativa do governo com escassa participação do parlamento pelo menos das vozes masculinas do Parlamento. Debate 1999 Deputados Quotas 1 António Costa (ministro) 2 João Amaral 3 4 5 6 Vitalino Canas (Secretário de Estado da Presidência) António Brochado Pedras José Magalhães Octávio Teixeira Partidos PS PCP Nº de Intervenções 8 2 PS 2 CDS-PP PS PCP 1 1 1 Total: 15 93 Política no Feminimo Pelo contrário veriicamos, no quadro seguinte que as deputadas tiveram uma forte intervenção 14 deputadas izeram vinte e quatro intervenções contrastando com as seis vozes masculinas. Maria do Rosário Carneiro do PS (4 intervenções), Maria José Nogueira Pinto do CDS (3 intervenções), Odete Santos do PCP (3 intervenções), foram as protagonistas defendendo diversas posições, Há quatro intervenções do PSD duas de Manuela Aguiar e duas de Manuela Ferreira Leite. Debate 1999 Quotas Deputados Maria do Rosário Carneiro 14 Partidos PS Nº de Intervenções 4 Maria José Nogueira Pinto CDS-PP 3 Odete Santos PCP 3 Isabel Castro Verdes 2 Manuela Aguiar PSD 2 Manuela Ferreira Leite PSD 2 Carmen Francisco Verdes 1 Fernanda Mota Pinto PSD 1 Helena Roseta PS 1 Helena Santo CDS-PP 1 Lurdes Lara PSD 1 Maria Carrilho PS 1 Maria Celeste Correia PS 1 Maria Manuela Augusto PS 1 Total: 24 Sem dúvida que neste debate onde se jugava a questão da igualdade de género na representação política as vozes femininas foram a maioria. Não obstante o assunto estava longe de reunir consensos e as divergências são sobretudo sentidas pelas deputadas. 94 caPítulo ii. a rePresentação mediática dos deBates No debate da Lei da Paridade em 2001 a situação é idêntica embora se note uma menor intervenção. Nesta altura, quatro deputados fazem dez intervenções. É Guilherme de Oliveira Martins, Ministro da Presidência, quem defende a lei no Parlamento com quatro intervenções. O Bloco de Esquerda com cinco e o PSD com uma intervenção. Lei da paridade 2001 4 Deputados Guilherme de Oliveira Martins (Ministro da Presidência) Luís Fazenda Fernando Rosas Luís Marques Guedes Partidos Nº de Intervenções PS 4 BE BE PSD Total: 3 2 1 10 No quadro seguinte observamos que sete deputadas fazem onze intervenções. As deputadas dominam o debate com posições políticas diferentes quanto ao assunto em debate. A divergência mantém-se e, apesar da maioria socialista na Assembleia, e apesar de ter sido pela voz do governo que é apresentada a iniciativa legislativa, a lei volta a não passar. Lei da paridade 2001 7 Deputadas Heloísa Apolónia Manuela Ferreira Leite Maria de Belém Roseira Luísa Mesquita Margarida Botelho Maria Celeste Cardona Maria Celeste Correia Partidos Nº de Intervenções Verdes PSD PS PCP PCP CDS-PP PS Total: 3 2 2 1 1 1 1 11 95 Política no Feminimo Zita Seabra em intervenção no Parlamento, defende proposta de diploma apresentado pelo PCP em 1982 sobre a despenalização do aborto A apresentação deste estudo sobre o número de deputados e deputadas a quem efetivamente foi dada a palavra durante todos estes debates parlamentares demonstra que a cobertura jornalística foi equivalente ao peso real das vozes masculinas e femininas. Os jornalistas trabalham com base na percepção e na sensibilidade com que conseguem diagnosticar as situações e aferir o equilíbrio dos protagonistas. Nestes casos os atores das peças jornalísticas não se distanciaram dos números reais das intervenções parlamentares. Os quadros que acabámos de ver dão-nos o número de intervenções por deputado nos debates. Com esta informação podemos calcular a taxa de atividade parlamentar por género se tivermos em conta o número de parlamentares de presentes por género, tal como mostra o quadro seguinte: 96 Debate 1 1984 Debate 2 1984 Taxa de actividade por deputado/a presente (B:A) Intervenções (B) Deputadas Deputados Deputadas Deputados 21 210 18 132 Total presenças: 231 Total intervenções: 150 9% (N= 231) 91% (N= 231) 12% (N=150) 88% (N=150) 19 218 24 203 Total presenças: 237 Total intervenções: 227 8% (N= 237) 92% (N= 237) 10,5% (N= 227) 89,4% (N= 227) 30 189 26 40 Total presenças: 219 86,3% (N=219) 39,3% (N=66) 60,7% (N=66) Deputados 0,8 0,6 1,2 0,9 1,1 0,2 97 deBates 15,8% (N=219) Total intervenções: 66 Deputadas dos Debate 1997 Presenças efectivas (A) caPítulo ii. a rePresentação mediática Debate 98 (cont.) Debate Debate 1998 Total presenças: 210 16 27 Total intervenções: 43 10% (N= 210) 90% (N=210) 37,2% (N=43) 62,7% (N=43) 30 174 24 15 Total presenças: 204 Total intervenções: 39 14,7% (N= 204) 85,2% (N= 204) 61,5% (N=39) 38,4% (N=39) 30 188 11 10 Total presenças: 218 Total intervenções: 21 13,7% (N=218) 86,2% (N=218) 52,3% (N=21) 47,6% (N=21) 151* 1168* 119 295 11,4% (N=1319) 88,5% (N= 1319) 28,7% (N=414) 71,2% (N=414) 0,7 0,1 0,8 0,09 0,3 0,05 0,7 0,2 Feminimo Todos os debates 189 no Debate 2001 (Lei da Paridade) 21 Taxa de actividade por deputado/a presente (B:A) Intervenções (B) Política Debate 1999 (lei das quotas) Presenças efectivas (A) caPítulo ii. a rePresentação mediática dos deBates Este quadro apresenta a taxa de atividade dos deputados e das deputadas presentes em cada um dos debates considerandos neste estudo. Em 1984 os deputados eram 250 e, nos debates seguintes passaram a ser 230 deputados. Aqui considerámos apenas os deputados e deputados que estiveram efetivamente presentes nos dias dos debates estudados. Considerámos a contagem do conjunto de presenças em todos os debates. Neste sentido, o número máximo possível seria o Parlamento cheio, com todos os deputados e deputadas multiplicado pelo número de debates. Esta metodologia faz sentido para calcular a percentagem certa de presenças por género, em termos globais e dá-nos a possibilidade de analisar o mesmo problema a partir de um novo angulo: a taxa de atividade. O quadro demonstra que as deputadas, como são menos, têm sempre maior taxa de atividade. Em termos globais a taxa de atividade feminina é de 0,7 e a masculina é de 0,2. Esta situação veriica-se mesmo nos debates, como foi o caso dos debates sobre a despenalização do Aborto ou IVG, onde a diferença em números absolutos, entre as intervenções dos deputados e das deputadas é enorme, e onde toda a conversa foi dominada pelos homens. Eles tiveram muito mais interlocutores diferentes; elas no debate de 1984 no primeiro dia foram só duas. É interessante aqui veriicar que Zita Seabra está em segundo lugar em termos de quem mais participou. E se formos ver a substância, vemos que as suas intervenções foram mais extensas e de “fundo” do que as do deputado que está em primeiro lugar em termos quantitativos, que criou incidentes formais atrás de incidentes, ao longo de toda a intervenção daquela deputada. No segundo dia do debate de 1984, a taxa de atividade feminina é de 1,2 para uma taxa masculina de 0,9. Nos debates sobre as questões da paridade mantem-se a mesma tendência: na 99 Política no Feminimo lei das quotas a taxa de atividade feminina é de 0,8, para 0,09 dos homens e na lei da paridade 0,3 para 0,05. C ONCLU S ÃO Esta situação revela-se idêntica em todos os debates a taxa de atividade das deputadas é sempre maior que a dos deputados. Embora a representação parlamentar feminina seja muito inferior à dos homens veriica-se, nestes debates, que a presença efetiva das deputadas corresponde ao número de intervenções e, nalguns casos, ultrapassa-a porque várias deputadas fazem várias intervenções. Pelo contrário sendo muito maior a presença masculina no parlamento o número de deputados que intervêm é sempre menor do que a sua presença efetiva. Isto signiica que muitos deputados icaram fora destes debates parlamentares, ao passo que as deputadas intervieram em massa. Na verdade este dados não são percepcionáveis pelos jornalistas. Quando escrevem as suas peças representam a desigualdade do parlamento porque se detêm nos números globais e por isso valorizam a maior presença masculina e desvalorizam a taxa de atividade que nas mulheres é superior à dos homens como se demonstra neste estudo. 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Alto-comissário para as Questões da Igualdade e da Família, Lisboa: Comissão para a Igualdade e para os Direitos da Mulher. 103 CAPÍTULO III E M C Â M A R A O C U LT A UMA AN Á LI S E LO N G ITU DIN A L DA C O B ER TU RA FOTO JO RN A LÍS TICA DA S AÇÕ ES DA S DE P U TA DA S POR T U G U E S A S (  -) Maria José Mata Teresa Mendes Flores PERS PETIVA S TEÓ RICA S A história da ilosoia é fértil em considerações sobre a natureza da realidade e das suas mediações (Platão, Kant, Bergson, Hegel, entre outros, alimentaram a discussão do tema). Não cabe aqui retomar esses debates, mas apenas assinalar a impossibilidade jornalística de reproduzir a realidade tal como ela é, assumindo que é neste aparente “demérito” que reside grande parte do interesse das investigações em torno do que os/as jornalistas fazem e do que os jornais produzem e reproduzem. O discurso jornalístico é um construto que incorpora as circunstâncias particulares dos referenciais culturais, ideológicos, sociais, organizacionais, etc., de quem o produz. O jornalismo é, assim, simultaneamente uma forma de conhecimento (Meditsch: 1997) e uma fonte inesgotável de produção de sentidos que o alimentam. O longo caminho de estudo académico sobre os media remonta ao primeiro quartel do século XX, inicialmente mais centrado na inluência da rádio, meio privilegiado das campanhas de propaganda nazi. No pós-guerra, desperta o interesse pelo estudo da televisão (um meio relativamente recente), e depois sobre as questões ideológicas, com ênfase na natureza problemática da linguagem, sobretudo pela escola semiológica francesa. Aos poucos, a relação do jornalismo com a sociedade torna-se central na investigação, discutindo-se o papel social das notícias. O paradigma das notícias como “construção” social, desenvolvido a partir da década de 70, vem reconhecer que a narrativa jornalística resulta de um processo complexo de interação entre jornalistas e fontes, e entre os jornalistas enquanto membros de uma comunidade proissional, agentes ativos na construção da realidade e sujeitos a constrangimentos organizacionais. A notícia, ao contrário do discurso ini107 Política no Feminimo cial dos estudos sobre a sua produção, não espelha a realidade, antes a molda consoante as circunstâncias - quer do acontecimento quer do meio de comunicação social -, cabendo ao jornalista adotar um conjunto de procedimentos com vista à sua “objetivação”. De entre as possibilidades de construção de sentidos sobre os acontecimentos que o jornalismo possui, o uso que faz das imagens é particularmente elucidativo do relevo atribuído aos temas e personagens envolvidos. Convém assinalar que a ideologia da objetividade jornalística, assente na ideia de mediação “transparente”, encontrou na imagem fotográica um instrumento à medida. Em primeiro lugar, devido a uma série de características de ordem técnica e social: a fotograia nasceu oicialmente no mesmo século em que se veriicam importantes progressos nas máquinas e nas técnicas de impressão, em que se desenvolvem os caminhos-de-ferro, os barcos a vapor e os serviços postais, em que se introduz o telégrafo e o telefone, em que surgem as agências noticiosas e em que a imprensa entra na sua fase industrial, na era da penny press, deixando de ser um produto dirigido às elites e virando-se para o grande público. A ilustração ganhou, neste contexto, um espaço privilegiado nas páginas dos jornais, consolidada com a invenção da técnica que permitirá, inalmente, a impressão de imagens fotográicas: a trama (ou haltfone), que consistia na decomposição da imagem fotográica numa trama de pontos de tamanho variável. Resultado das investigações de Fox Talbot (em 1852), de Barret (em 1868), entre outros, só no inal do século XIX o sistema atinge o grau de aperfeiçoamento adequado aos ins a que se propunha. Os progressos a nível fotomecânico serão fundamentais para o desenvolvimento da imprensa ilustrada, e dão conta da airmação crescente da imagem como veículo de informação. A foto108 caPítulo iii. em câmara oculta graia torna-se progressivamente um auxiliar indispensável do “reportar”, “transportando” os leitores para o local e o momento dos acontecimentos, apesar de, inicialmente, a má qualidade do papel e a limitação dos meios de produção terem diicultado e atrasado esse processo. No início do século XX a imagem fotográica ganha relevo e visibilidade crescentes nas páginas dos jornais, fruto quer de desenvolvimentos técnicos cada vez mais consentâneos com a criação de uma linguagem autónoma quer da crescente proissionalização dos fotógrafos e de um conjunto de circunstâncias políticas (nomeadamente, guerras) e sociais (a progressiva alfabetização da sociedade e o consequente alargamento da apetência por bens culturais e informação) que colocaram a imagem perante novos desaios. Em segundo lugar, pela sua própria natureza, as fotograias ajustam-se perfeitamente às necessidades do jornalismo de acordo com uma lógica de conirmação, testemunho e registo. O seu compromisso referencial, assente na presença indesmentível do objeto perante a câmara (Barthes, 2001) sustentou, desde cedo, a coniança no seu valor de representação. E mesmo no atual cenário de mudança e “desconiança” (Flores, Victor: 2012) devido às potencialidades de des-referencialização propostas pelas imagens virtuais, o jornalismo continua a vincar o seu valor testemunhal, recorrendo a estratégias de ancoragem ao real que lhe permitam manifestar os vínculos à exigência de verdade que são bandeira da proissão. A capacidade de colocarem o espetador na cena, ocultando a mediação, faz com que as imagens técnicas se adequem plenamente ao programa do jornalismo (Godinho, 2004). É através deste processo de “transferência” que se constrói a coniança, a partir da qual são julgadas, reiterando um valor de crença associado ao ocularcentrismo, 109 Política no Feminimo que determina a prioridade da visão humana no conhecimento sobre o mundo (Mitchel, 1984; Jay, 1993). As fotograias são, simultaneamente, registo objetivo ou transcrição de um momento da realidade e interpretação dessa realidade. Como refere Sontag (2003:87) «As fotograias são uma espécie de alquímia, por mais que sejam consideradas como um relato transparente da realidade.» Por isso, no seu uso jornalístico há lugar para a emergência de valores (entre os quais, os de género) que se propagam e reiicam na objetivação fotográica. Na fotograia de imprensa perpassa também o inconsciente do próprio fotógrafo, que procura produzir as imagens que mais se adequem visualmente ao que (se) pensa sobre a realidade, acrescido de todos os constrangimentos e normas adquiridas na prática fotojornalística, aceites pelos intervenientes dessa produção, e que funcionam como verdadeiros scripts comporta/mentais que orientam o pensamento e o “olho do fotógrafo” e que funcionam como enquadramentos interpretativos 27. Além disso, a informação que 27 O conceito de “script” foi introduzido na pesquisa sobre comunicação interpessoal e estruturas cognitivas por Abelson (1975) e Abelson e Schank (1977) na sequência dos trabalhos de Bateson sobre metacomunicação (1972) e de Goffman sobre “Frame Analysis” (1974). Os autores entendem que o “script” é uma espécie de texto mental, culturalmente situado, que orienta a atitude e o comportamento face a cada objeto ou situação em que um indivíduo se encontre, regulando as expetativas próprias e dos outros. Segundo Deborah Tannen (1993), os autores distinguem entre “Planning Script” e “Situational script”. O primeiro, escrevem os autores, “descreve o conjunto de opções que uma pessoa tem quando se propõe atingir um objetivo”; o segundo “é uma sequência de acontecimentos intencionais ligados de forma familiar e causal” (apud Tannen, 1993: 18). Trata-se de outra aceção da noção de “enquadramento interpretativo”, neste caso ligado ao comportamento e à leitura/interpretação das situações em que cada indivíduo se encontra. Assim, relativamente aos fotojornalistas, o que sugerimos, para futuras investigações, é a hipótese de 110 caPítulo iii. em câmara oculta se retira de uma fotograia de imprensa refere-se não apenas aos acontecimentos e pessoas que retrata, mas também às convenções jornalísticas que servem para representar cenas “semelhantes” aos acontecimentos descritos pelo texto escrito. Como refere Vilches (1987) a fotograia ainda parece surgir como dama de companhia do texto, servindo de espelho ao narcisismo da palavra escrita. O seu uso com inalidades ilustrativas assim o demonstra, embora a tendência seja para uma autonomização cada vez maior da narrativa visual face à escrita. Apesar da perceção pública das várias possibilidades técnicas e expressivas da fotograia, a crença na verdade intrínseca do fotográico e na sua “naturalidade” parece constituir o grande pilar mobilizador do seu uso na imprensa. Tanto assim é que interrogar a representação visual fotográica de um ponto de vista de género continua a esbarrar com essa “naturalização”: se não existirem mulheres (ou se foram tão poucas) não podem ser fotografadas! Os fotógrafos só podem fotografar o que existe! Esta frase, embora correta fenomenologicamente, atribui ao medium uma transparência que ele não tem ao tornar irrelevante os inúmeros modos da expressão fotográica e da sua utilização na imprensa. Nesta investigação, partimos da hipótese, assente em pesquisas anteriores (Pereira e Veríssimo, 2008; Mota-Ribeiro e Pinto Coelho, 2005; Luebke, 1989) de que os modos de expressão fotográica manifestam e perpetuam estereótipos de género. Desde logo a de “fotógrafo/ que estes proissionais, perante uma situação concreta, procedem à ativação destes “scripts” aprendidos a propósito do que é uma “boa imagem” numa dada situação, de acordo com as expetativas intersubjetivas, ou seja, próprias e dos outros. Assim, os valores de género que estruturam os modos de representar visualmente cada um dos sexos, surgem como um dos “scripts”, atuando muitas vezes de forma inconsciente. 111 Política no Feminimo homem ativo” e “Modelo/mulher passiva”, sujeito, um, objeto, outra, que continuamos a encontrar na proissão, com uma maioria de homens a desempenhar funções de cheia (Subtil, 1995 e 2009; Miranda, 2014). O conceito de esteriótipo foi introduzido nas ciências sociais pelo jornalista Walter Lippmann, em 1922, na sua obra sobre “Opinião Pública. Lippmann demonstra nesse texto que os acontecimentos noticiados sobre a 1ª Guerra Mundial eram entendidos pelos leitores a partir de imagens mentais prévias. Chamará estereótipos àquelas imagens mentais que constituem representações a propósito de determinados grupos sociais e das suas ações, sendo homogéneas e simpliicadoras. Descobriu-se que estes estereótipos cumprem funções de simpliicação e seleção da informação. A partir daqui desenvolveram-se vários estudos; uns, mais ligados às questões do processamento da informação e, deste modo, à Psicologia Cognitiva, que salientam os fenómenos de esquematização lógica da realidade apreendida pelos sujeitos; e outros, mais ligados à sociologia, antropologia e psicologia social que salientam a dimensão axiológica dos estereótipos compreendidos como resultado dos processos de socialização e construção das identidades individuais e coletivas (Lima, 1997). Para a perspetiva cognitiva, os estereótipos não têm uma conotação negativa. «Os estereótipos são considerados como resultado dos mesmos processos dinâmicos que os percipientes usam para organizar e interpretar toda a informação social do ambiente» (England,1992:700). Assim, os estereótipos «podem ser conceptualizados como uma instância particular de processos cognitivos mais gerais» (Edwards, 1992:534). Estão assim, associados à ideia de “esquema mental” (Atkinson et all, 1983). Para a perspetiva mais sociológica, os estereótipos, embora profundamente ligados a processos cognitivos, são sistemas de valores a partir dos quais os indivíduos se categorizam 112 caPítulo iii. em câmara oculta a si próprios e aos outros (Tajfel, 1983) e que tendem a reproduzir-se socialmente, uma vez que estão associados aos fenómenos de institucionalização e socialização (Berger e Luckmann, 1999). Muitos destes estereótipos, em especial os negativos, são usados como forma de dominação de um grupo sobre outros (Sheriff, 1976 ; Simões, 1985). A este propósito e no que às relações de género concerne, escrevem Nogueira e Saavedra (2007:14): “Desde os tempos de Helen Thompson Wooley (1910) que se assiste à airmação das diferenças sexuais para sustentar a inferioridade feminina, limitando a sua esfera de ação, restringindo a sua autonomia e liberdade de movimentos. Estas diferenças foram atribuídas a fatores de ordem biológica, assumidas como naturais e moralmente corretas. O determinismo biológico surgiu nos primeiros tempos como uma justiicação para as desigualdades sociais (Bem, 1993). A biologia evolucionista de Darwin, que assumia ser a mulher uma espécie de homem cuja evolução teria estagnado em determinado momento, ainda persiste nos dias de hoje, principalmente na crença de que a biologia é “destino” para as mulheres, tendo os homens conseguido atingir a racionalidade e a livre vontade. As diferenças biológicas serviram para colocar as mulheres “nos seus devidos lugares”, isto é, na esfera familiar e nas relações de suporte afetivo”. Os estereótipos de género são, então, as crenças partilhadas socialmente sobre os atributos e papéis sociais dos indivíduos do sexo masculino e do sexo feminino, numa dada sociedade e época, tendo características de generalização, simpliicação e prescrição que funcionam como “profecias autorealizadas” (England, 1992: 711). Prescrevem normas comportamentais para homens e mulheres e moldam as suas expetativas. São “tipos-ideias” (Weber), ou “identidades hegemónicas” (Connell, 1995, 2005) com grande alcance perfor113 Política no Feminimo mativo enquanto estratégias de dominação ou subjugação. No caso das relações de género, Fiske e Stevens (1993) notam que estes estereótipos são os que apresentam um caráter marcadamente prescritivo e explicam esta característica pelo facto de se formarem muito cedo na criança - a primeira questão que se põe a propósito de um nascimento é se “é menino ou menina” - como pelo elevado contacto social que estas relações implicam, criando inúmeros subtipos. Nogueira e Saavedra (2007: 12) notam ainda que a abordagem das ciências sociais tem servido para dicotomizar a perceção destas relações uma vez que ao invés de se partir daquilo que é comum, todos os trabalhos de investigação se debruçam sobre a diferenciação de género, acabando por contribuir para o seu reforço: “Apesar da existência de numerosos trabalhos que airmam a inexistência de diferenças sexuais, grande número de pessoas continua a acreditar em distintos posicionamentos de homens e mulheres face à vida, atitudes relacionadas com o trabalho ou com a família, motivações, comportamentos e traços de personalidade. Os traços como a independência, agressividade e dominância continuam a ser associados a homens, e a sensibilidade, emocionalidade e gentileza às mulheres (Powell, 1993). As pessoas acreditam nas diferenças sexuais (Crawford, 1995), tendo para isso contribuído os/as cientistas sociais que ajudaram a criar e a conirmar a crença, seja através da pesquisa, seja pelo desenvolvimento de teorias que se baseiam nas diferenças, escamoteando as semelhanças (West & Zimmerman,1991). Nessa perspetiva, as diferenças são concebidas como “situando-se” dentro dos indivíduos. A ciência e os meios de comunicação social construíram uma narrativa poderosa: que o género é diferença e que a diferença é estática, bipolar e categorial (Nogueira, 2001b). Ao absorver estas mensagens, os sexos “tornam-se” opostos para o nosso entendimento (Crawford,1995).” 114 caPítulo iii. em câmara oculta No estudo que a seguir apresentamos, onde se analisa a representação fotojornalística dos deputados e das deputadas na Assembleia da República em diferentes publicações e ciclos políticos, as questões emergem: até que ponto há uma correspondência entre a presença e a participação efetiva das mulheres deputadas e a sua representação fotojornalística? Até que ponto esta representação corresponde aos estereótipos de género? Que valores são investidos nessa representação? De que modo o fotográico contribui para a sua “naturalização” ? Estamos certas que nenhum fotojornalista admitirá fotografar as deputadas e os deputados de maneira diferente28 e que cada um e cada uma nos diria — se interrogado/a a respeito — que apenas responde fotograicamente a características e situações individuais. Como muitos estudos têm demonstrado, os estereótipos são de natureza sobretudo inconsciente, e esse é o principal desaio político que se coloca a quem pretende transformar a realidade no sentido de uma maior igualdade de género (Camps, 2012; Ross, 2002). A e me r g ê ncia dos estudos fem inist a s e de g én ero A pesquisa sobre a representação das mulheres nos media surge na década de 60 do século XX, com a emergência do feminismo de «segunda vaga» e a publicação do livro de Betty Friedan The Feminine Mystique (1963) onde a autora analisa os papéis desempenhados pelas mulheres 28 Este é um ângulo que, longe de ser ignorado, foi relegado para um estudo futuro. A realização de entrevistas com os fotógrafos parlamentares à(s) época(s) permitiria avaliar de forma mais abrangente o peso dos constrangimentos e das decisões editoriais na mediatização dos diferentes personagens. 115 Política no Feminimo nas revistas femininas, denunciando o seu sexismo. Sob inluência do pós-estruturalismo, do marxismo e da psicanálise freudiana, que tornaram evidente a importância da linguagem e da representação, ou seja, da dimensão simbólica, na construção política dos sujeitos e das suas identidades, este campo tem produzido inúmeros estudos sobre a problemática da representação de género nos media, baseados numa diversidade de metodologias que vão desde a análise crítica dos discursos, no contexto dos Estudos Culturais, às abordagens semiológicas e sociosemióticas ou ainda às perspetivas mais antropológicas e sociológicas, bem como as abordagens dos estudos da cultura visual. Contudo, não deixa de ser surpreendente que tais estudos se centrem em temáticas essencialmente ligadas ao entretenimento, como é o caso da imprensa feminina, da publicidade e do cinema. No caso da publicidade, Erwin Goffman, a partir da perspetiva do interacionismo simbólico, publica em 1979, “Gender Advertisements”, onde a par do papel da publicidade na construção ideológica das sociedades capitalistas, evidencia o papel das imagens nessa construção ao “espelharem” - mas também reforçarem - a estruturação “genderizada” dos papéis sociais. Sobre cinema, o estudo mais marcante é o de Laura Mulvey, Visual Pleasure and Narrative Cinema (1989), que reune ensaios publicados entre 1971 e 1986, onde a autora aplica as categorias da psicanálise ao estudo das representações de género no cinema narrativo de Hollywood. Mulvey demonstra como o inconsciente da sociedade patriarcal estrutura a própria forma fílmica, os seus planos, enquadramentos e jogos de olhares. Desde então, a consideração dos temas da “pulsão escópica” não mais deixaram de ser mobilizados para pensar as imagens. Para Mulvey, as mulheres no cinema surgem permanentemente como 116 caPítulo iii. em câmara oculta objeto da realização do prazer de ver masculino e não têm outra existência senão a da sua exibição perante esse olhar. É apenas nessa medida, enquanto objeto de um olhar masculino, que o prazer se constrói para o/a espetador/a. Esse aspeto tinha já sido bem sublinhado por John Berger no seu livro Modos de Ver, publicado em 1972. Em particular no capítulo dedicado à análise da representação do nu feminino na pintura a óleo ocidental, Berger desvenda uma tradição de exibição do corpo feminino e de representação de uma iccional eterna disponibilidade sexual das mulheres que olham o espetador ideal desses quadros: um homem. Berger resume os constrangimentos paradoxais da construção da identidade feminina, na frase “os homens agem e as mulheres aparecem”, estando a condição social e a identidade mais íntima das mulheres sujeitas a um permanente escrutínio e auto-escrutínio relativo aos seus modos de aparecer, tornado “eterno feminino”. Por sua vez, a idealização da masculinidade, mostra os homens representados em ação e como heróis. É também no campo artístico que, de uma perspetiva ligada à produção e às mulheres enquanto artistas, Linda Nochlin publica, em 1971, na revista ArtNews, o ensaio”Why Have There Been No Great Women Artists?” onde explora as razões deste apagamento das artistas femininas da história da arte: porque sempre existiram barreiras à educação das mulheres, diicultando a sua entrada nas academias, e porque não se constituiu como verdadeira proissão valorizada para as mulheres. E se, em 1978, Guye Tuchman, Arlene Daniels e James Benet escrevem Hearth and Home: Images of Women and the Media e introduzem o termo de “aniquilamento simbólico” das mulheres realizado pelos media, grande parte do livro conirma a exclusão das mulheres das notícias “duras”, mostrando que surgem sobretudo ligadas ao entretenimento ou a atividades “de mulheres” e amplamente desvalorizadas. 117 Política no Feminimo Estes estudos, centrados no entretenimento massmediático ou relacionados com o campo artístico, ajudam a ilustrar os lugares atribuídos pelos media às mulheres. Mas faltam estudos dedicados à representação visual das mulheres quando se tratam temas de política ou economia, áreas consideradas “sérias” e tradicionalmente dominadas por agentes masculinos. Apesar de existir já, em particular no reino Unido, uma considerável bibliograia sobre a representação das mulheres políticas, a maioria dos estudos analisam a comunicação verbal (Ross, 2002; Van Zonnen, 1994 e Norris, 1997 são alguns exemplos mais destacados). Sobre a presença das mulheres nas páginas de política, como nota Helena Markstedt (2007:2): Pesquisas anteriores sublinham que a representação dos media é um dos entraves importantes à paridade (Braden, 1996; Byström et al, 2004;. Dolan, 2004; Khan, 1996; Norris, 1997; Ross, 2002). Os media gastam menos tempo a descrever as prioridades políticas de candidatos do sexo feminino e mais tempo a discutir a sua viabilidade, os seus traços de caráter e a sua aparência do que as dos candidatos do sexo masculino (Khan, 1996). Além disso, os media apresentam os interesses e traços de caráter de homens e das mulheres políticos de modo diferente (Byström et al., 2004). Karen Ross (1995) estudou a cobertura mediática da eleição que deu a liderança ao Partido Trabalhista em 1994. Estes estudos mostraram que Margaret Beckett, que era a única mulher, sofreu com uma cobertura sistematicamente tendenciosa. Como vice-líder, e desempenhando funções como líder do partido após a morte de John Smith, a sua candidatura foi, no entanto, vista como um caso perdido e o foco de atenção foi Tony Blair, tido como o favorito, e John Prescott como seu opositor. 118 caPítulo iii. em câmara oculta Também em Portugal os estudos têm privilegiado as áreas da icção - como o de Isabel Ferin sobre as telenovelas brasileiras (Ferin, 2005 e 2006), a presença das mulheres na publicidade (Mota-Ribeiro, 2005; Veríssimo, 2012; Costa Pereira e Veríssimo, 2005) ou ainda a sua presença nas revistas femininas (Alvares e Cardoso, 2010). Tem sido ainda desenvolvido algum trabalho com vista a compreender a presença das mulheres jornalistas nas organizações de media (Subtil, 2005; Silveirinha, 2012). Mas continua diminuta em Portugal a atenção dada à representação das mulheres na política e menor ainda à sua representação visual nessa esfera. A visibilidade mediática das ações políticas está intrinsecamente ligada a valores de liderança, tradicionalmente alheios ao universo feminino. Associar os valores de liderança e poder às mulheres, resulta como observa Martins (2012: s/paginação), numa certa tensão: “Interiorizou-se o conceito de liderança como possuindo qualidades que o aproximam naturalmente das características masculinas, sem haver, por conseguinte, aparente tensão entre liderança política e agentes masculinos. O mesmo não sucederá em relação às mulheres.” Por isso muitas líderes são consideradas “damas de ferro”, como a antiga Primeira Ministra britânica Margareth Thatcher ou, atualmente, a chanceler alemã Angela Merkel. Isto mesmo conirmam Paxton e Hughes (2007:91), também referidas por Martins: “As líderes do sexo feminino enfrentam uma diiculdade adicional, na medida em que se vêem obrigadas a cumprir dois papéis: o de líder e o de mulher. Os dois conjuntos de expetativas podem ser muito diferentes e, na prática, conlituantes entre si. Isto coloca a líder mulher numa posição 119 Política no Feminimo difícil. Deverá ela atuar da forma que os outros esperam que atue enquanto mulher? Deverá ser protetora, generosa e doce? Ou deverá atuar da forma que se espera de um líder que atue? Tal poderá exigir a exibição de comportamentos ‘masculinos’, tais como a agressividade e domínio. Quando as líderes do sexo feminino optam pelo segundo caminho, a pesquisa demonstra que são negativamente avaliadas. (...) Por exemplo, Margaret Thatcher, uma política muito agressiva e assertiva, era chamada ‘Áttila, the Hen’ “(Paxton e Hughes, 2007: 91). Alguns destes aspetos foram conirmados por Martins (2012 e 2015) no seu estudo sobre o peril mediático da candidata Manuela Ferreira Leite na campanha legislativa de 2009. Um dos desaios do presente estudo é o de avaliar a presença destes valores de liderança nas fotograias dos homens e mulheres deputadas. Trata-se, assim, de relacionar elementos expressivos da comunicação visual fotográica, tais como os enquadramentos, os ângulos de visão, as formas de composição, a focagem, etc., com os textos que os enquadram e as signiicações culturalmente atribuídas a gestos e narrativas que as fotograias “encenam”, partindo de contributos da teoria da imagem (Arnheim, 1998; Panofsky, 1969), da retórica e da semiologia (Barthes), da sociosemiótica (Kress e Van Leeuwen, 2006) e dos estudos fílmicos (Grilo, 2008 ; Deleuze, 1983 e 1985). Tendo em conta o principal objetivo do projeto, avaliaremos o modo como o discurso fotojornalístico contribuiu para o questionamento ou a manutenção dos valores tradicionais de representação do feminino na política, tendo como pano de fundo as descobertas e inluências teóricas atrás enunciadas. Nesta investigação queremos perceber de que modos e como se consubstanciam as representações de género 120 caPítulo iii. em câmara oculta nas fotograias de imprensa que fazem a cobertura das ações dos parlamentares, deputados e deputadas. Alguns dos critérios averiguados foram o protagonismo nas ações fotografadas e nas legendas das imagens, os locais e tipos de acontecimentos em que surgem fotografados e fotografadas, sózinhos ou acompanhados/as, os géneros jornalísticos em que mais surgem eles e elas, os gestos e tipos de enquadramentos e ângulos, o destaque e a frequência de “aparições”, entre outros fatores tendentes a caracterizar as suas representações visuais, comparadas por género. Nesta obra, apenas publicamos os resultados quantitativos da análise que elaborámos29. DE S E NHO ME TODOLÓGICO Considerando as particularidades da imagem técnica neste caso, fotográica - como objeto de análise, construímos um conjunto de instrumentos metodológicos com vista a permitir uma leitura longitudinal do fotojornalismo como texto e contexto da mediatização das ações das mulheres parlamentares em cada período analisado. Interessava dar conta do modo como os jornais, através da fotograia, reletiram e construíram a visibilidade das deputadas, sem perder de vista a evolução do fotojornalismo - essa atividade tão tardiamente reconhecida30 no seio 29 Algumas análises qualitativas foram já publicadas: Cabrera, Flores, Martins e Mata, 2012; Cabrera, Flores e Martins, 2011; Flores, 2015. 30 Reira-se que só em 1940 um foto-repórter (André Salgado, do Novidades) conseguiu obter a carteira proissional do sindicato dos Jornalistas (cf. Sousa: 2008). Além da resistência ao reconhecimento proissional dos fotojornalistas, havia ainda algum fechamento do próprio meio. Eduardo Gageiro, um dos mais emblemáticos fotojornalistas do século XX, recorda a sua entrada para a proissão, em 1957, como uma conquista: «Nessa altura os fotógrafos que estavam nos jornais diários eram uma autêntica máia, 121 Política no Feminimo das próprias redações - ao longo das últimas três décadas, em Portugal31. Contudo, não se pretendeu centrar o trabalho na despistagem desta história, uma vez que tendo sido o critério de seleção das peças os debates e as ações das deputadas e deputados, a amostra não se distribui de forma equivalente ao longo do período estudado e entre os diferentes jornais, de modo a permitir uma caracterização sistemática e comparável de alguns dos aspetos da comunicação fotojornalística que podem ser quantiicados. No entanto, as variáveis desenvolvidas, como se verá, permitem, ainda assim, tecer algumas considerações sobre esta evolução tendo também por base a bibliograia desta área, principalmente referente ao contexto internacional (Rosenblum, 1997; Lemagny e Rouillé, 1998). Esta referência à história parece-nos um contributo importante para a interpretação destas imagens e vai sendo abordada à medida que os resultados são apresentados. Como controlavam tudo e mandavam mais do que os chefes de redação» (Correia e Baptista, 2010: 163), trabalhavam para mais de um jornal e trocavam as fotograias entre si. Funcionavam em circuito fechado e era difícil aos jovens ingressarem na proissão. Essa situação alterar-se-á gradualmente e a proissionalização dos repórteres fotográicos consubstancia-se após a revolução democrática de 1974. 31 Segundo Sousa (1998) foi só no início do século XX que a fotograia foi introduzida nos jornais diários (antes, já era presença nas revistas ilustradas), inicialmente sob a forma de gravura, depois como desenho decalcado. A partir de 1910, a fotograia ganha força, por vezes já na forma impressa, nos jornais. A maioria são retratos. É já nos anos 20 que os jornais começam a criar arquivos fotográicos e é ainda nessa década que vão surgir várias revistas ilustradas, como a Vida Mundial - que vai durar até aos anos 70 - e a Ilustração Moderna. A revolução de 1974 e a mudança de regime político incentivaram a renovação da democracia portuguesa, que passou a incorporar as grandes tendências da fotograia mundial. A visão mais impressiva contrasta com a visão mais objetivante sobre a realidade, revelando duas formas distintas de exercer a atividade. A década de 80 assinalará um momento de viragem para o fotojornalismo português, consubstanciado na década de 90, após o surgimento do semanário O Independente e do diário Público, que apostam numa nova linguagem gráica. 122 caPítulo iii. em câmara oculta refere Vilches (1987), o conteúdo de uma fotograia de imprensa nunca é totalmente explícito, mas latente, concetual e problemático, e interpreta-se através de unidades culturais que estão fora da imagem e até do jornal, e que pertencem ao contexto ou visões do mundo. Tendo em conta esta dimensão contextual, considerou-se, na análise, quer os elementos igurados nas imagens quer as características dos meios de comunicação em que foram publicadas e as circunstâncias sociais e políticas em que cada um dos debates sobre questões de género se desenvolveu. A frequência e o modo como os personagens surgem visualmente representados nas fotograias de imprensa ajuda a aferir a visibilidade das suas ações, tanto das deputadas como dos deputados, uma vez que se adotou uma estratégia comparativa. Assim foram aplicadas metodologias de análise de conteúdo quantitativas e qualitativas às fotograias publicadas nos diferentes títulos de imprensa selecionados - jornais populares e de referência, diários e semanários, sobre cada um dos temas (cf. capítulo II). A an ál i se quan t i tat i va : Var i áve i s d e an ál i se A seleção do corpus obedeceu aos critérios apresentados no capítulo II para a generalidade da pesquisa, nomeadamente em termos de publicações e eventos escolhidos. Para o caso especíico da análise das imagens foram selecionadas todas as peças jornalísticas com imagem publicadas até um mês antes e um mês depois da data dos seis debates a analisar. Incluíram-se todas aquelas que incidiam sobre os debates e sobre as ações dos e das parlamentares, ou envolvendo o Parlamento, a propósito das temáticas 123 Política no Feminimo discutidas nesses debates: a Interrupção Voluntária da Gravidez (debates de 1984, 1997 e 1998) e as discussões da paridade política (1994, 1999, 2001). Obtiveram-se 271 peças e 342 fotograias, no total das seis publicações (Diário Popular, Diário de Notícias; Correio da Manhã, Público, Expresso e O Independente). Para a análise quantitativa das imagens publicadas nas peças jornalísticas identiicadas, foi construída uma grelha de variáveis organizadas segundo dois ângulos, construindo-se uma base de dados: um ângulo referente aos indicadores de caracterização geral do corpus; outro referente ao tratamento da informação visual (ver Quadro 1). 124 caPítulo iii. em câmara oculta Quadro I - Variáveis de análise quantitativa 1. Indicadores de Caracterização Geral 1.1. IDENTIFICAÇÃO • Nome da publicação; • Data de publicação; • Legislatura; • Debate; • Título do artigo; • Tipo de imagem (fotograia, infograia, cartoon, outros); • Quantidade de imagens/ artigo; 2.Tratamento da informação visual 2.1 ANÁLISE 2.2 ANÁLISE DOS FORMAL DA ACONTECIMENTOS IMAGEM E DOS ATORES (Dimensão (Dimensão de conteúdo) expressiva textual) • Local do acontecimento (hemiciclo, corredores do parlamento, outros espaços no parlamento, fora do parlamento); 1.2. DESTAQUE • Tipo de acontecimento (Dimensão expressiva • Escala do (intervenção no paratextual) enquadramento plenário, conferências • Localização do artigo (1ª (grande plano, plano de imprensa, reuniões, pág., interiores, última pág.); aproximado, plano manifestações de rua, • Proeminência imagem/texto de conjunto, plano visitas/cerimónias na página (texto, imagem, geral); protocolares, outros); equilíbrio); • Fonte da • Tipo de • Género deputados imagem(colaborador do enquadramento (deputadas, deputados); jornal, agência, outros); (aberto, fechado); • Autoria da imagem • Destaque de género (identiicação do autor); • Ângulo de visão protagonismo (homens, • Género fotojornalístico (frontal, picado, mulheres, equivalente); (ilustração, notícia, contra-picado); reportagem, identiicação); • Tipo de protagonismo • Temporalidade da imagem • Focagem (focado, da mulher na ação (arquivo, atualidade); elementos de (ator principal, ator • Tipo de legenda (simples, desfocagem, secundário) desenvolvida, título como desfocado); legenda, sem legenda); • Relação com o espetador • Transcrição da legenda; • Composição (estática, (inclusão, exclusão). • Relação foto/legenda dinâmica). (ancoragem denotativa, ancoragem conotativa, complementaridade Barthes, 1984b). 125 Política no Feminimo Os indicadores de caracterização geral visam identiicar a publicação, a data, a legislatura em que ocorreu - uma vez que estudámos os assuntos de género por legislatura - bem como o debate a que se refere o artigo, transcrever o seu título para uma melhor identiicação da peça jornalística, indicar o tipo de imagem (fotograia, cartoon, infograia ou ilustração) e o número de imagens por artigo. Como se pode veriicar no quadro 1, trata-se das primeiras sete variáveis da coluna da esquerda (Quadro 1, 1.1. ). Seguem-se os aspetos que visam determinar qual o destaque (Quadro 1, 1.2.) que foi dado ao artigo e a cada uma das fotograias (“Localização do artigo” no jornal e “Proeminência texto/imagem”). Trata-se do que Vilches (1997) designa por dimensão expressiva do jornal, uma vez que a fotograia de imprensa é lida obrigatoriamente no contexto de um arranjo gráico multimodal - diriam Kress e Van Leeuwen (2006) - que organiza texto, imagem e elementos gráicos. No destaque incluem-se ainda, a fonte e a autoria da imagem na medida em que estes elementos expressam o grau de envolvimento do jornal no acontecimento noticiado (se mobilizam ou não meios próprios e sinalizam a importância autoral). A di mensão exp ressiva da ima g em Assim, na dimensão expressiva, foram considerados os elementos de valorização gráica e retórica, deinidos com base nas contribuições teóricas de disciplinas como a teoria da imagem, a retórica e a semiologia. Dois desses critérios foram a localização das fotograias e a superfície ocupada relativamente ao texto, entendidos como indicadores valorativos do destaque dado pelos jornais a um determinado assunto. Como retiramos de Vilches (1997: 55) – invo126 caPítulo iii. em câmara oculta cando, igualmente, Derrida (1967) - o jogo de leitura de um jornal está cheio de vazios, de intervalos entre uma imagem e outra, um texto e outro, que produzem sentido e motivam saltos de leitura, por parte do leitor. Esse sentido advém de regras produzidas pelo próprio jornal e que estruturam a sua organização espacial. O número de imagens publicadas, a sua localização na primeira página ou em páginas interiores, o lugar especíico na página e o espaço ocupado por elas em relação ao texto são indicadores de valorização quer das fotograias quer dos temas, que determinam o modo como estes vão ser recebidos e interpretados. Assim, a opção pela publicação de uma imagem em primeira página terá um impacto e revelará o reconhecimento da importância mediática e jornalística de um tema ou personagem bastante maior do que se a remeter para páginas interiores. Numa análise da produção jornalística numa ótica de género, estes elementos de valorização são importantes para aferir a visibilidade mediática de deputados e deputadas. A re l aç ão texto-imagem e os tip o s de leg en d a A natureza polissémica da imagem é simultaneamente uma mais valia e uma contrariedade na sua utilização pelo jornalismo. Se, por um lado, alarga as possibilidades de uso quase indiferenciado (cite-se, a título de exemplo, as imagens de arquivo), por outro, exige uma certa conformação ao sentido construído para enquadrar cada acontecimento. O texto da legenda é, por isso, indispensável para estabelecer alguma coerência semântica, orientar a leitura da imagem e ixar os sentidos necessários à compreensão dos factos relatados; ele, de certa forma, reprime e disciplina a imagem (Barthes: 1984b). O tipo de legenda e a 127 Política no Feminimo relação desta com a fotograia, foram, assim, outras das variáveis tidas em conta no levantamento quantitativo das imagens, de modo a avaliar a tendência dos jornais quanto ao conjunto de recursos expressivos mobilizados para a construção do sentido das fotograias. Citando Barthes (1984b:32), a propósito da relação entre texto e fotograia: «Quais são as funções da mensagem linguística em relação à mensagem icónica (dupla)? Parece haver duas: de ixação e de etapa. (...) toda a imagem é polissémica, implicando como subjacente aos seus signiicantes uma “cadeia lutuante” de signiicados, dos quais o leitor pode escolher uns e ignorar outros(...) Por isso, desenvolvem-se, em qualquer sociedade, diversas técnicas destinadas a “ixar” a cadeia lutuante dos signiicados, de modo a combater o terror dos signos incertos: a mensagem linguística é uma dessas técnicas. A nível da mensagem literal, a palavra responde, de um modo mais ou menos direto, mais ou menos parcial, à questão: “o que é isto?” Ela ajuda a identiicar pura e simplesmente os elementos da cena e a própria cena: trata-se de uma descrição denotada da imagem ... Ao nível da mensagem “simbólica”, a mensagem linguística orienta já não a identiicação, mas a interpretação, ela constitui uma espécie de grampo que impede os sentidos conotados de imperarem, quer para regiões demasiado individuais (isto é, limita o poder projetivo da imagem), quer para valores disfóricos…» Com base nesta formulação, foi estabelecida uma tipologia para a classiicação da relação entre fotograia e legenda, considerando-se: -“ancoragem denotativa32”, quando a legenda traduz literalmente o conteúdo da imagem, permitindo a 32 Opção terminológica próxima do termo utilizado por Barthes: “ixação” (Barthes: 1982) 128 caPítulo iii. em câmara oculta identiicação de pessoas, locais e outras coordenadas visíveis, necessárias à compreensão do que é mostrado no sentido da sua decifração e reconhecimento visual (deste modo funciona como uma espécie de índice da fotograia, orientando o olhar do espetador). - “ancoragem conotativa”, quando a legenda aduz um sentido simbólico, segundo, que se cola ao sentido literal/ denotativo da imagem, para criar valores e fazer com que esta signiique algo mais em contexto. Assim, por exemplo, a ixação de um gesto fortuito numa fotograia pode adquirir um novo sentido se a legenda e a inserção gráica e textual da imagem no artigo o transformarem em signo de um outro sentido novo. - “complementaridade” - com uma conceptualização próxima do que Barthes (1982: 36) designou como função de etapa: «Aqui, a palavra (...) e a imagem estão numa relação complementar(...) ela faz verdadeiramente avançar a ação ao colocar na sequência das mensagens sentidos que não se encontram na imagem.» Classiica-se a relação entre texto e legenda como de complementaridade quando esta acrescenta informação relativamente ao que a imagem mostra, permitindo ao leitor uma contextualização mais alargada daquilo que vê. A distinção essencial face à ancoragem conotativa prende-se com a riqueza de informações da legenda que, em conjunto com a fotograia, contam uma história, muitas vezes o resumo da notícia, o destaque de uma interpretação ou a atribuição de uma “fala” à personagem representada na fotograia, citada na legenda em discurso direto e que fazem sentido se lidas em conjunto. A fotograia jornalística, como texto visual, é passível de ser lida e interpretada tendo em conta diferentes con129 Política no Feminimo textos sócio-culturais e históricos, de acordo quer com as suas características discursivas próprias quer com as inalidades que serve (cf. Léon: 2006). Daí a importância de termos em conta, entre outros aspetos, as relações entre os textos e as imagens colocados em conjunto como recursos expressivos das notícias para a compreensão dos modos como se representam e se atribuem sentidos aos homens e às mulheres parlamentares. Os género s fo to jo rnalí sti c o s A delimitação de géneros jornalísticos fotográicos obedece a uma necessidade de organizar discursivamente as fotograias em conjuntos lógicos e coerentes que possam facilitar a sua decifração. Tradicionalmente, há uma tendência para a classiicação dos géneros fotojornalísticos de acordo com as tipologias de eventos (Lester, 1991; Kobre, 1991; Sousa, 2001) ou através da transposição das classiicações dos géneros jornalísticos textuais, assente numa distinção mais ou menos operativa entre informação e interpretação ou opinião: notícia, reportagem, entrevista, ensaio, editorial (cf. Sojo, 1998; Sousa, 2001). No entanto, como aponta Baeza (2001), o conceito de género, na sua aceção clássica, foi ultrapassado pela profusão e pela complexidade dos tipos de imagens contemporâneas. Assim, qualquer classiicação de géneros fotojornalísticos, no âmbito de um processo de investigação, deve ser estruturada e adotada de acordo com os interesses da análise. No caso aqui em estudo, os géneros fotojornalísticos foram classiicados de acordo com a função que a fotograia foi convocada a cumprir enquanto elemento conigurador da retórica interna do próprio jornal. Foram, assim, deinidos os géneros: 130 caPítulo iii. em câmara oculta - Fotograia de notícia, ou fotonotícia: imagem fotográica , geralmente única, cujo foco se circunscreve ao acontecimento atual relatado pelo texto e que cumpre uma função essencialmente testemunhal; - Fotoreportagem: fotograia que tem como função dar conta, a partir de um conjunto de imagens interligadas entre si tematicamente, de um acontecimento atual ou não, suscetível de interesse noticioso; - Ilustração: fotograia cuja função é ilustrar tematicamente o tema do texto que a acompanha e é geralmente, uma fotograia de arquivo; Identiicação: fotograia que tem como função predominante a identiicação de personagens e/ou ambientes; a identiicação não se circunscreve ao plano unicamente denotativo, podendo aplicar-se à caracterização de protagonistas, sempre que a intenção é a sua identiicação. O fator “temp o” O tempo é um dos constrangimentos mais evidentes da prática jornalística, interferindo nas diversas fases de atividade e inluenciando por vezes decisivamente o resultado do trabalho que se produz (Schlesinger, 1993; Correia, 1997 ). A falta de tempo, a par da falta de meios, por exemplo, é frequentemente evocada como justiicação para a repetição de imagens, com recurso aos arquivos. Além disso, a temporalidade, sendo inerente à historicidade própria das imagens, manifesta-se igualmente no discurso que estas produzem sobre os acontecimentos. Falar de acontecimentos atuais com imagens antigas ou ligar imagens atuais à evocação de acontecimentos de outrora são opções editoriais com consequências evidentes no entendimento do relato produzido. 131 Política no Feminimo Assim, além dos géneros - e em relação direta com estes - considerou-se importante , para compreender a produção jornalística, identiicar a frequência de uso, pelos jornais, de imagens atuais ou de arquivo. Estas últimas são geralmente imagens de acontecimentos e pessoas, produzidas num outro contexto e/ou momento que não o da situação a que se refere o artigo que acompanham. Cumprem uma função essencialmente ilustrativa. As primeiras são fotograias de acontecimentos e pessoas, produzidas no momento e/ou contexto preciso a que se refere a notícia. Ao considerar este critério de delimitação temporal, sublinha-se a importância desta contabilização quer para a caracterização do estatuto da imagem nos jornais nos diferentes períodos quer para a avaliação sustentada da circularidade das imagens e dos modos de representação que elas exibem. Associar este critério ao género contribui para caracterizar a abordagem jornalística dos assuntos estudados e dos seus protagonistas. Elem ento s de o r gani zação fo rm al i nterna As variáveis deinidas para o tratamento da informação constante das imagens foram, por sua vez, agrupadas segundo os aspetos formais e segundo os aspetos de conteúdo igurativo, propriamente dito, relativos aos acontecimentos e aos atores nele envolvidos, seguindo de perto a sugestão de Vilches (1997). Este autor alerta para a necessidade de considerar, neste tipo de análise, as duas dimensões interdependentes das fotograias de imprensa (e de qualquer signo) - expressão e conteúdo. O plano da expressão organiza a “visibilidade” do texto visual, enquanto o plano do conteúdo organiza a sua “legibilida132 caPítulo iii. em câmara oculta de” ou compreensão. Ambos se interelacionam e um não existe sem o outro33. Assim, no plano da expressão, foram considerados os elementos relativos à sua retórica formal: as escalas de enquadramento, os tipos de enquadramento, os ângulos de visão, a focagem ou o tipo de composição (Quadro 1, 2.1.). A sua contabilização estatística, a par da interpretação qualitativa dos seus usos, permite aferir estratégias de construção de uma retórica visual de género (cf. Flores e Mata, 2012 e 2015). O enquadramento é o espaço da realidade visível representado na fotograia; concretiza-se no quadro. A escala de enquadramento é uma variável que mede a distância face ao objeto. Refere-se ao tamanho da igura na imagem, sendo a dimensão do corpo humano no enquadramento o princípio organizador das diferentes opções que podemos considerar. Deste modo, é possível distinguir diferentes escalas de planos/enquadramentos. Cada escala de enquadramento origina várias signiicações: quanto mais próximo está o objeto ou o sujeito fotografado daquele que o observa, maior é o grau de aproximação emotiva ou intelectual do espetador perante o motivo da imagem. Existem várias tipologias de enquadramentos, a maioria inspiradas nas grelhas de análise fílmica aplicadas às escalas dos planos cinematográicos (Burch, 1992; Grilo, 2007; Deleuze, 1985) . Neste caso, tivémos em conta os seguintes: 33 O que aliás remete para a glossemática de Hjelmeslev, primeiro autor a propôr a distinção destas duas funções semióticas - o plano da expressão e o plano do conteúdo - como indissociáveis na postulação do sentido, numa formulação inicial ligada à linguística e ao funcionamento das línguas naturais, mas depressa extendida a outros códigos e sistemas de signos, como era intenção de Hjelmeslev (1968). 133 Política no Feminimo • Grande plano: dá conta da proximidade máxima em relação ao objeto; • Plano aproximado: dá a ver um corpo humano a partir dos ombros para cima, se for aproximado de peito; ou desde a cintura, se for aproximado de tronco; • Plano de conjunto: dá conta de alguma distância face ao objeto, permitindo um enquadramento mais alargado, passível de integrar um conjunto de objetos. É sempre um segmento de um espaço que se percebe ser maior ou enquadra um grupo de pessoas. Se o faz da cintura para cima pode ter a designação de plano de semi-conjunto; • Plano geral: dá a distância máxima face ao objeto, a sua característica principal é a contextualização espacial. É típico do género “paisagem”. O tipo de enquadramento, por sua vez, é a variável que dá conta do recorte visual efetuado no todo a captar. Foram tidos em conta os seguintes, igualmente inspirados nas grelhas de análise fílmica: • Enquadramento aberto: quando os elementos igurados na imagem remetem para um exterior que não está presente, mas se adivinha, quer por cortes de corpos e objetos, quer por olhares ou ações; é um tipo de enquadramento que constrói e remete para o fora de campo. • Enquadramento fechado: quando os elementos igurados se coninam, na sua totalidade, ao espaço do enquadramento e o assunto principal se esgota na imagem mostrada. Outro elemento de organização formal da imagem é o ângulo de visão, ou seja, aquilo que nela nos indica a posição do eixo visual face ao objeto principal. Este pode ser posicio134 caPítulo iii. em câmara oculta nado de modo frontal, picado (ou seja, num ângulo superior ao do objeto) ou contra-picado (num ângulo inferior ao do objeto). Os ângulos de visão são suscetíveis de intepretação valorativa dos sentidos criados, sendo que os ângulos picados tendem a “diminuir” os objetos e sujeitos retratados, colocando o espetador numa posição de domínio e superioridade, enquanto os ângulos contra-picados promovem um posicionamento e um sentido oposto, “engrandecendo” o objeto ou pessoa representados face ao/à espetador/a. A organização dos elementos enquadrados - ou seja, a sua composição - permite igualmente inferir estratégias de visualização/valorização dos elementos igurados na imagem. Estes variarão consoante a composição seja “estática”, isto é, quando existe simetria e regularidade na distribuição dos elementos presentes na imagem face ao quadro; ou “dinâmica”, isto é, quando existe diversidade de elementos e irregularidade na relação entre eles, criando diagonais em relação ao quadro. Por sua vez, o controlo da focagem permite criar diferentes dimensões signiicativas. Mais comumente usa-se para diferenciar a igura em relação ao fundo da imagem. A completa falta de nitidez da imagem pode denotar uma certa ideia de dinamismo ou revelar problemas técnicos no momento da captação que podem ser signiicativos (por ex. paparazzi ou fotos de alguém em movimento). A desfocagem parcial, por sua vez, é frequentemente usada para diferenciar planos e destacar certas iguras na imagem. Estes critérios mobilizam referências teóricas importantes da análise de imagem de género, nomeadamente do cinema, e permitem equacionar os temas do voyeurismo e da pulsão escópica como conceitos centrais na transformação de alguém em imagem34. 34 Para além das já referidas Laura Mulvey e Teresa De Lauretis, acres- 135 Política no Feminimo O co nteúdo das i m agens: acontecim entos e atores No que respeita ao conteúdo explícito das fotograias, as variáveis deinidas tiveram em conta os seus aspetos narrativos, ou seja, o local dos acontecimentos e o género e o papel dos intervenientes, a interação entre eles/ elas, o protagonismo que assumem, e a relação estabelecida entre os sujeitos representados e o espetador . No quadro 1 (2.2.) estão indicados os diversos indicadores de cada uma destas variáveis. As variáveis “local” e “tipo de acontecimento” apresentam indicadores que nos pareceram adequados aos assuntos estudados, nomeadamente, a importância do parlamento e dos seus diversos espaços, bem como à tipologia de acontecimentos que aí têm normalmente lugar, no âmbito particular do jornalismo parlamentar. Também neste domínio, os contributos teóricos de disciplinas tão distintas como a antropologia, a sociologia ou os estudos de género foram indispensáveis para fundamentar quer a escolha das variáveis quer a interpretação dos resultados. Elemento importante para aferir os mecanismos de identiicação e interação - ao mesmo tempo indicadores de uma certa forma de fazer fotojornalismo e incitadores de determinado tipo de leituras - é o modo como os personagens representados na imagem interpelam o espetador. Esta foi uma das variáveis incluídas na análise, considerando-se como valores para a contabilização as oposições “relação de inclusão com o espetador” quando o personagem olha quem o olha, envolvendo o/a espetador/a na sua mensagem e explicitando a relação que cente-se Susan Hayword, (Routledge: 2000). 136 caPítulo iii. em câmara oculta se estabelece - e “relação de exclusão com o espetador” - quando tal não acontece -, em correspondência com as deinições de “imagem-pedido” e “imagem-oferta” apresentadas por Kress e Van Leeuwen (2006). De acordo com Michael Halliday (1978), referido por aqueles autores, todos os modos semióticos podem ser analisados a partir de três metafunções: ideacional, interpessoal e textual. A primeira metafunção refere-se à dimensão referencial de um signo, isto é, à sua capacidade de representar aspetos do mundo da experiência humana fora do signo. A metafunção designada por interpessoal estabelece-se entre os participantes interativos, isto é, entre os produtores das mensagens (neste caso, jornalistas e fotógrafos) e os leitores-espetadores através dos participantes representados 35. No caso da fotograia, estamos a falar das relações codiicadas pela perspetiva, a qual estabelece iccionalmente um espaço tridimensional e designa um lugar para o espetador/a em termos de escala, ângulo, ponto de vista, e estabelece as relações entre os participantes representados e o espetador. Estas últimas categorias, como referimos, relacionam-se com os conceitos de “imagem oferta” e “imagem pedido” de Kress e Van Leeuwen. Na “imagem pedido” a pessoa representada na imagem olha diretamente quem vê a imagem e estabelece com ele ou ela uma relação pessoal imaginária, como se lhe pedisse algo através do olhar. É o campo de relações que passam pelas diferentes nuances: do modo imperativo da ordem, ao pedido delicado ou à sedução. Já na categoria de ima35 Como referem Kress e Van Leeuwen “qualquer modo tem de ser capaz de representar uma relação social particular entre o produtor ou produtora, o espetador ou espetadora e o objeto representado” (2006: 42). A questão aqui não é a de determinar o que efetivamente cada um desses participantes pretendeu produzir ou interpretar mas os modos como estas relações sociais surgem representadas e constituídas pelos textos e imagens. 137 Política no Feminimo gens “oferta” a relação com o/a espetador/a não é tornada presente e este/a surge como voyeur , por deinição, exterior à cena. Os deputados e deputadas, tal como titulares de outros cargos ou mesmo os cidadãos e cidadãs anónimos, para além do seu desempenho enquanto atores sociais - neste caso com papéis deinidos na cena política - surgem na imprensa como construções discursivas do jornalismo, assumindo a forma de “personagens” com um papel a desempenhar na narrativa visual, sob um determinado ângulo (Goffman: 1974)36. O modo como são iguradas e igurados constituem a parcela a partir da qual a cena, no seu todo, é representada e interpretada. A consideração desse modo - dessa construção através de imagens - será aferida através do destaque atribuído às personagens iguradas pela variável “destaque de género”, tendo presente que, como airma Mário Mesquita (2003: 138) “ Em política, ser é aparecer e parecer. Por isso mesmo, as dimensões escritas, icónicas e sonoras da construção da personagem jornalística são essenciais na perspetiva da estruturação dos campos da política, do espetáculo, da arte ou da literatura” No que respeita aos aspetos relacionados com a iguração dos atores, a expressividade gestual e postural poderá dar indicações interessantes sobre os valores investidos 36 Consideremos aqui a designação na aceção de Goffman em A Apresentação do Eu na Vida de Todos os Dias (1993), que considera que os indivíduos em situação de interação social assumem determinados “papéis” em função dos quais esperam que os outros respondam. Neste caso, importa veriicar a identiicação entre o papel desempenhado pelos deputados e deputadas enquanto atores sociais, com comportamentos ajustados à sua posição política, e a representação jornalística enquanto “personagens” de uma narrativa especíica. 138 caPítulo iii. em câmara oculta pelo jornalismo na criação das “personagens”. A pose, por exemplo, é um dos elementos a partir dos quais se podem ler os sentidos das ações protagonizadas. É um dos processos de conotação fotográica apontados por Barthes em «A mensagem fotográica», dando o exemplo da célebre fotograia do rosto do presidente Kennedy, visto de peril, amplamente difundida pela imprensa na época das eleições: «... a fotograia só é evidentemente signiicante porque existe uma reserva de atitudes esteriotipadas que constituem elementos já feitos de signiicação (olhar erguido para o céu, mãos postas): uma “gramática histórica” da conotação iconográica deveria, pois, procurar os seus materiais na pintura, no teatro, nas associações de ideias, nas metáforas correntes, etc., isto é, precisamente na “cultura”» (Barthes, 2008: 267)37 Também as expressões faciais e posturais, indicativas de estados psicológicos passíveis de serem “lidas” e interpretadas no seu conjunto, à luz dos ensinamentos de disciplinas como a proxémica38, a paralinguística ou a quinésia39 foram tidas em conta. Estes aspetos da gestualidade, 37 O texto “A mensagem fotográica” foi publicado pela primeira vez em 1961 na revista Communications, nº 1, 127-138. A tradução adaptada publicada na edição de 1984 de Óbvio e Obtuso (Lisboa: Edições 70) foi republicada na Revista de Comunicação e Linguagens, 39 (2008), Lisboa: Relógio d’Água, que aqui citamos 38 A Proxémica é a disciplina que estuda os comportamentos e as teorias que respeitam ao uso do espaço, como produto cultural especíico. Em A dimensão oculta, Edward T.Hall (1986) deine-a como a ciência que estuda o espaço como uma linguagem, ou seja, o aspeto do espaço que envolve relações signiicantes. 39 A paralinguística e a quinésia são outros dois aspetos relevantes da comunicação não verbal. A quinésia dá conta do signiicado expressivo dos movimentos corporais e da gestualidade, conscientes ou inconscientes, em si mesmos ou em relação à estrutura linguística ou paralinguística. Foi um 139 Política no Feminimo vestuário, obejtos e comportamentos igurados, profundamento codiicados em cada cultura e época histórica, integram a dimensão de análise iconográica proposta por Erwin Panofsky (1995), essencial para a compreensão dos sentidos de uma imagem, ainda assim, sempre em aberto. O U S O DO CO N CEITO DE EN QUA DRA MEN TO IN TERP RETATIVO CO MO O RIEN TAÇÃO DE LE IT URA Um dos aspetos mais investigados quando se pretende descortinar as mensagens dos media é o modo como tais conteúdos são selecionados. No âmbito dos estudos sobre os efeitos dos meios de comunicação, desenvolveu-se na década de 70 a hipótese do agenda-setting, segundo a qual a seleção e o tratamento dos acontecimentos que o jornalismo escolhe noticiar inluencia o que o público saberá e o modo como falará e pensará sobre eles40. Alguns desenvolvimentos dessa hipótese viriam a demonstrar que os efeitos do agendamento não são iguais em todas as pessoas e dependem de fatores como a sua necessidade de orientação sobre o assunto ou a sua experiência direta dos acontecimentos. Surgiram, por isso, algumas críticampo de estudo inaugurado pelo antropólogo americano Ray Birdwhistell, sob inluência, entre outros, de Margaret Mead, defendendo que cada gesto deve ser entendido em conjunto com todos os restantes elementos da comunicação. 40 Esta hipótese, que os seus primeiros autores deram como provada (Cf. McCombs e Shaw, 1972 In: TRAQUINA, 2000), veio dar continuidade a estudos no mesmo sentido desenvolvidos na década de 20 por outros investigadores como Water Lippmann (em 1922, na sua obra Public Opinion, aponta o papel da imprensa no modo como dirige a atenção dos leitores para os assuntos que elege como sendo importantes) e Park (em The City, obra de 1925, sublinha que a imprensa efetua uma hierarquização temática, apontando preferências). 140 caPítulo iii. em câmara oculta cas metodológicas aos estudos desenvolvidos, mas a valia das suas formulações permite problematizar a estratégia dos meios de comunicação na cobertura de determinados acontecimentos a partir de um horizonte teórico alargado. Este tipo de ação, ou efeito, é ainda hoje tido em conta na análise dos conteúdos noticiosos, nomeadamente quando esta se debruça sobre o modo como os acontecimentos são “enquadrados” , ou seja, o ângulo a partir do qual são apresentados ao público. O conceito de “enquadramento” foi introduzido no campo das ciências sociais e humanas por Gregory Bateson, num sentido próximo da noção de “contexto” numa situação de comunicação interpessoal, como elemento subentendido ou metacomunicacional (Cf. Gonçalves, 2004; Tannen, 1993). No campo da sociologia da comunicação, em Frame Analiysis, Goffman (1974) deine o enquadramento interpretativo como um quadro de interpretação socialmente construído na interação e partilhado entre os indivíduos. É este enquadramento que dá sentido às relações sociais ao preconizar os modos como devem ser entendidas, os metacódigos ou metadados da interpretação. A noção foi posteriormente importada por outros autores para o campo dos estudos dos media, partindo-se do princípio que o jornalismo incorpora estruturas que enquadram os acontecimentos e lhes dão sentidos, revelando ideologias dominantes. Para Gitlin (1980), por exemplo, os enquadramentos produzidos pelos media são padrões persistentes de cognição, interpretação, apresentação, seleção, ênfase e exclusão, através dos quais os manipuladores de símbolos organizam rotineiramente o discurso, quer verbal quer visual. Enquanto Gitlin aponta a inluência das notícias na construção da realidade, Tuchman (1978), por sua vez, foca a atenção na inluência que a ideologia proissional, os constrangimentos 141 Política no Feminimo organizacionais e as rotinas produtivas têm nas notícias enquanto construção social (que nos dão o que queremos, precisamos e devemos saber.) (Gonçalves, 2004; Entman,1993). Na prática, a ideia de “enquadramento noticioso” tem sido usada com alguma variedade terminológica (assumindo termos como “contexto”, “tema” ou “ângulo”) para indicar o modo como o jornalismo enfatiza - logo, interpreta - certos aspetos de um acontecimento, por forma a dar-lhe um sentido e facilitar a sua compreensão por parte do público. Os diferentes agentes envolvidos no processo noticioso - nomeadamente as fontes de informação, com maior ou menor poder - têm inluência nos enquadramentos adotados, o que levanta a possibilidade destes poderem ser demasiado atomizados ou demasiado homogéneos, deturpando a interpretação em função de certos interesses. De acordo com Ferree et al (2002), o sucesso no fórum mediático pode ser medido por dois critérios: “standing” (destaque, voz) e “framing” (enquadramento). Quando os media expressam o posicionamento ou a interpretação de um ator através de uma citação direta, este ganha “standing”. O ser simplesmente mencionado na notícia ou ser objeto de discussão não proporciona “standing”. “Framing”, por outro lado, implica que os frames41 preferenciais do ator são apresentados na imprensa. Portanto, 41 Frames aqui são os esquemas interpretativos que simpliicam e condensam «o mundo lá fora» num conjunto de elementos, uma «idéia». Framing, como um sistema de sentido, identiica causas para determinados fenómenos (Snow et al., 1986). Um exemplo, no caso da discussão da legislação sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez, é a associação que alguns protagonistas das notícias estabelecem, por exemplo, entre “aborto” e “diminuição da taxa de natalidade”, como uma relação de causa/efeito. Outros, entre “aborto” e “direito das mulheres à escolha”, pensado como uma defesa dos direitos das mulheres, para dar dois exemplos ideologicamente distintos. A própria escolha das palavras “aborto” ou “IVG” tem as suas implicações ao nível do enquadramento interpretativo (cfr. Prata, 2012) 142 caPítulo iii. em câmara oculta um ator político pode ter “standing” sem que os meios de comunicação retratem o discurso do ator de forma favorável (metafala) ou publiquem o que o ator quer, mas quando há um alinhamento entre o que os media retratam e os quadros valorizados pelo ator, o ator ganha tanto “standing” como “framing”. Analisar a visibilidade mediática dos deputados e deputadas implicou, assim, apontar as estratégias discursivas subjacentes ao modo como a discussão de determinados assuntos, de que aqueles e aquelas se constituem como protagonistas, é “enquadrada”, contribuindo dessa forma para uma permanência ou modiicação da representação de género nos media. O enquadramento é um conceito que mobilizamos principalmente nas metodologias qualitativas. Contudo, revelou-se igualmente fundamental para a interpretação e classiicação de algumas das variáveis da análise quantitativa. É o caso, por exemplo, das discussões IVG, com notícias centradas nas discussões sobre o referendo ou centradas nas discussões dos Projetos-Lei. Do mesmo modo, os tipos de legenda, de acontecimento ou local representados permitem tipiicar alguns dos modos de representação de deputados e deputadas tendentes a constituir informações relevantes para a compreensão dos signiicados produzidos e dos enquadramentos adotados. Se as análises quantitativas têm a desvantagem de desarticular os textos, em sentido lato, dos seus contextos particulares originais - onde são lidos e onde a signiicação é produzida - , trazem, por outro lado, a vantagem de uma visão em extensão e uma maior comparabilidade dos critérios escolhidos, possibilitando a identiicação de padrões e a análise de frequências desses critérios. Conjugando esta generalização com alguns exemplos de imagens e peças jornalísticas que concretizam os critérios estudados e os 143 Política no Feminimo resultados obtidos, como faremos de seguida, esperamos proporcionar um quadro de análise mais integrado e completo sem, contudo, fazermos uma análise qualitativa típica. Mostrar e analisar algumas das imagens “por detrás” dos dados permite alguma evidência empírica e elucida melhor esses dados e resultados. Ainal, as imagens constituíram, nesta parte da investigação, o móbil da nossa análise42. RES U LTA DO S QUAN T ITAT IVO S A CO B ER TU RA FOTO JO RN A LÍS TICA DO S A S S U N TO S DE G ÉN ERO : O DES TAQU E ME DIÁT ICO A qu antidade de fotografias p or j o rn a l A aplicação dos critérios anteriormente descritos em termos de jornais, períodos de análise e temas tratados permitiu reunir um total de 271 peças jornalísticas e 342 fotograias, distribuídas pelas duas grandes temáticas de género em discussão no Parlamento: as leis que propunham a despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) e as leis referentes à discriminação posi42 Esta pesquisa desenhou-se segundo uma metodologia mista que se espelha nesta articulação entre os resultados quantitativos e os exemplos particulares das imagens que os sustentam e permitem a sua compreensão mais contextual. Por outro lado, procedemos a análises qualitativas mais desenvolvidas, cujos casos foram selecionados a partir dos resultados quantitativos. Contudo, por razões de espaço não apresentaremos aqui essa parte da investigação. Alguns desses resultados qualitativos foram já publicados . Cfr. Cabrera, Flores e Martins, 2011; Cabrera, Flores, Martins e Mata, 2012; Flores, 2015; Flores e Mata, 2015. 144 caPítulo iii. em câmara oculta tiva das mulheres no sentido de aumentar a sua participação política formal (Leis das“quotas” e da “paridade”). Os debates de 1975 da Assembleia Constituinte, referentes às discussões para a deinição da Constituição de 1976, onde se inscrevem os direitos fundamentais dos cidadãos e das cidadãs, as suas liberdades e garantias, não tiveram, por parte dos jornais estudados, qualquer destaque fotojornalístico. O quadro 2 mostra o número de peças com fotograia. 145 146 Quadro II - Número de peças com fotograia por publicação e debate Jornais Discussões sobre IVG 0 16 45 33 94 0 0 0 0 0 0 6 0 0 6 0 5 14 8 27 Inexistente 0 25 33 58 0 4 10 13 27 Inexistente 0 12 19 31 0 31 106 106 243 Parlamento Paritário 5 0 0 4 7 1 3 20 3 0 0 0 2 1 1 7 0 0 0 0 1 0 0 1 8 102 0 0 0 6 4 31 10 68 2 29 4 35 28 271 Sub-total IVG Discussões sobre Paridade Debate Lei das Quotas Debate Lei da Paridade Sub-total Paridade Total global Público Expresso Independente Total Feminimo Debate 1984 Debate 1997 Debate 1998 Debates Constituinte Diário Correio da Popular Manhã no Século Ilustrado Política Diário de Notícias caPítulo iii. em câmara oculta Assim, as 342 fotograias distribuem-se por seis debates. Pode notar-se o enorme impacto mediático em termos fotojornalísticos dos três debates sobre IVG, responsáveis por 88% das fotograias selecionadas, notando-se, igualmente, um crescendo em número de fotograias entre o debate de 1984, onde se publicaram 45 imagens, e os debates subsequentes sobre a mesma temática da IVG, que quase triplicaram em número de fotograias. Esta situação contrasta profundamente com a cobertura fotográica dos assuntos da paridade que, de 1994 a 2001, perderam visibilidade fotográica - a que corresponde, correlativamente, uma diminuição do destaque dado pela generalidade dos jornais. O mesmo se veriica em termos de número de peças jornalísticas com fotograia, patente no quadro 2. Embora o aumento do número de fotograias que se veriicou entre os anos 80 e os anos 90 nos debates sobre IVG, possa indicar uma maior presença da fotograia no jornalismo e um maior reconhecimento do seu papel comunicacional, tal inferência é contrariada pelo pouco interesse mediático suscitado pelos debates das “quotas”, na viragem do século. De forma muito expressiva, os jornais destacaram fotograicamente a problemática do aborto e acompanharam a mobilização social generalizada. Esta foi inexistente no caso das discussões sobre paridade - que acabaram por merecer o tratamento noticioso de um acontecimento de rotina - e cujo total contou ainda com menos fotograias do que as publicadas sobre o debate de 1984 sobre IVG (42 contra as 45, cfr. Quadro 3). 147 148 Quadro III - Fotograias por Jornal e temática de género Jornais Discussões sobre IVG 0 0 0 Inexistente 0 Inexistente 0 Debate 1984 27 Extinto 6 5 Inexistente 7 Inexistente 45 Debate 1997 57 Extinto Extinto 24 27 8 12 128 Debate de 1998 31 Extinto Extinto 9 49 13 25 127 115 0 6 38 76 28 37 300 5 Extinto Extinto 4 9 1 7 26 4 Extinto Extinto 0 2 1 3 10 0 Extinto Extinto 0 6 0 0 6 9 124 0 0 0 6 4 42 17 93 2 30 10 47 42 342 Sub-total IVG Parlamento Paritário Discussões Debate Lei das sobre Quotas Paridade Debate Lei da Paridade Sub-total Paridade Total global Público Expresso Independente Total Feminimo 0 Debates Constituinte Diário Correio da Popular Manhã no Século Ilustrado Política Diário de Notícias caPítulo iii. em câmara oculta Mais de metade das fotograias publicadas sobre paridade (26 das 42) dizem respeito ao Parlamento Paritário, um pseudo-acontecimento que mereceu grande destaque na imprensa estudada, tendo constituído o grande momento de lançamento do tema da participação política das mulheres no espaço público. No entanto, apesar desta entrada auspiciosa da temática no campo jornalístico, o assunto perde visibilidade quando inalmente chega ao parlamento no inal do século XX (cfr. Cabrera, Flores e Mata, 2012). O quadro 3 permite-nos, ainda, constatar a distribuição das fotograias pelos jornais. Globalmente, o Diário de Notícias publicou o maior número de imagens, seguido pelo Público e pelo O Independente. Este, sendo um semanário e tendo acompanhado os debates a partir da década de 90, aposta numa cobertura visual mais intensa do que um diário como o Correio da Manhã. O Expresso – que, conjuntamente com o Diário de Notícias e o Correio da Manhã, atravessa todo o período estudado - encontra-se na cauda desta classiicação. Foi o semanário que menos quantidade de fotograias publicou sobre os debates parlamentares dos assuntos de género, tendo reduzido o seu número drasticamente quando considerados os assuntos da paridade. Como referimos, o Público é o segundo jornal em termos de número de fotograias publicadas sobre os assuntos de género. Isto mesmo tendo em conta o facto de só cobrir dois dos três debates estudados sobre o aborto, em virtude de ainda não existir em 1984 (foi fundado em 1990). Ainda assim, se descontarmos as 27 fotograias do Diário de Notícias sobre o debate de 1984, este jornal ainda publica 97, face às 93 do Público. Esta primazia dada às fotograias no Diário de Notícias deve-se sobretudo à cobertura dos debates sobre IVG, já que este jornal 149 Política no Feminimo deu muito menos atenção à questão da paridade quando comparado com o Público, como se constata pela observação dos Quadros 2 e 3 . O Correio da Manhã é responsável por 12,2% (42) das fotos selecionadas sobre as temáticas de género em estudo. Porém, a grande maioria respeitam às discussões sobre a temática do aborto. Nos debates da paridade, o Correio da Manhã apenas publica fotograias a propósito do Parlamento Paritário. Ao contrário do Expresso, que publica uma peça jornalística com fotograia para cada um dos debates de 1999 e 2001 (Lei das quotas e da paridade), este assunto não mereceu nenhum destaque fotográico do Correio da Manhã. O destaq ue A publicação de fotograias como meio noticioso é uma estratégia jornalística de destaque dado ao assunto noticiado, devendo associar-se a outros fatores como a localização no jornal , a dimensão do texto e da fotograia e sua localização na página, ou ainda a cor, aspeto este que não foi considerado neste trabalho por impossibilidade técnica43 (Quadro 1, 1.1.). O género fotojornalístico usado, a menção do autor e o recurso a fotógrafos do jornal são também elementos que permitem compreender o destaque atribuido a um tema noticioso e a mobilização da redação para o efeito, nomeadamente pelo envio ou não de fotorepórteres (Quadro 1, 1.2.). A consideração destes elementos permitiu-nos concluir que o Diário de Notícias foi o jornal que, não só publicou mais fotograias sobre os debates das questões de género, 43 O decurso deste trabalho coincidiu com o encerramento temporário da Biblioteca Nacional, não estando disponível na Hemeroteca Municipal de Lisboa o serviço de digitalização ou a reprograia a cores, o que diicultou o tratamento da cor nos jornais. Resolveu-se, por isso, não considerar este fator. 150 caPítulo iii. em câmara oculta como maior destaque fotográico de primeira página lhes deu, a maioria sobre a temática da IVG (ver Gráico 1). Segue-se o O Independente que fez 6 primeiras páginas (também apenas sobre a temática do aborto), sendo o semanário que contrasta em muito com o Expresso. Este apenas publicou 1 fotograia na primeira página, sobre a questão da IVG. Globalmente, os assuntos de género foram notícia com destaque fotográico em páginas interiores em 90% dos casos, consideradas todas as publicações e todos os debates. Gráico 1: Valorização da fotograia nas páginas dos jornais O Público destacou fotograicamente os debates apenas 4 vezes na primeira página, ligeiramente acima do Correio da Manhã e com um valor muitíssimo inferior ao do Diário de Notícias e ao do O Independente. Coincidente com o peril geral, no Público os assuntos de género foram sobretudo matérias das páginas interiores. Quanto à variável “Proeminência texto/imagem”, o Diário de Notícias apresenta um peril noticioso que oscila entre o equilíbrio imagem/texto e a predominância do texto face à imagem - com uma pequena diferença de 50 para 47 casos, respetivamente ( ver Gráico 2 )44. Isto não 44 Nesta variável considerámos todos os tipos de imagens : fotograias, cartoons e infograias, num total de 388 imagens. Signiica que 342 são fotograias e 46 outras imagens (12 infograias e 21 cartoons, todas publicadas sobre a IVG). 151 Política no Feminimo signiica uma desvalorização do recurso à imagem, já que é o jornal com mais imagens, antes indicia, globalmente, uma aposta mais centrada no texto como veículo de referência na construção da notícia e na explicitação das imagens. A predominância da imagem face ao texto é, por sua vez, a marca de O Independente. A par do Correio da Manhã, o jornal onde a diferença entre a predominância do texto e a da imagem é mais expressiva, a favor da imagem. Essa diferença é menor no Público e maior no Correio da Manhã. O Independente, Público e Correio da Manhã são os jornais que mais valorizam a imagem face ao texto. O Expresso também valoriza mais a imagem que o texto, embora com uma diferença pouco expressiva (apresenta uma diferença ainda mais baixa do que a do Público, em termos percentuais). Gráico 2: Proeminência Texto/Imagem por publicação Gráico 3: Géneros Fotojornalísticos em todas as publicações e temáticas 152 caPítulo iii. em câmara oculta O peril global em termos de distribuição da totalidade das fotograias publicadas por género fotojornalístico mostra o privilégio dado ao género mais noticioso da “Fotonotícia”. Este representa cerca de 40% das opções de género fotojornalístico, consideradas todas as publicações e debates. Segue-se a fotograia de “Identiicação” (centrada na identiicaçao visual dos protagonistas), que representa quase 30%, e a “Ilustração”, com 21% das opções, sendo realmente a “Fotoreportagem” o género fotojornalístico mais marginal, com 7,6% e apenas 26 fotograias das 342 (ver Gráico 3). Gráico 4: Géneros Fotojornalísticos por publicação Quanto ao uso dos géneros fotojornalísticos por jornal, no Público o género mais encontrado foi a “identiicação”, seguido da “fotonotícia” e da “ilustração”. Comparativamente com o Diário de Notícias, o Público privilegiou o género “Identiicação” ao invés da “Fotonotícia”. A identiicação das personagens esteve, assim, em maior evidência na estratégia editorial do Público, embora em números absolutos o Diário de Notícias publique mais 2 imagens de identiicação que o Público (ver Gráicos 3 e 4). 153 Política no Feminimo Este aspeto contrasta com o uso mais noticioso das imagens no Diário de Notícias, que privilegiou a cobertura do acontecimento através da “fotonotícia”, estando a “identiicação” em segundo lugar. A “fotoreportagem” representa apenas 2,4% das opções do Diário de Notícias, enquanto no Público, apesar da “fotoreportagem” ser também a sua última opção, esta representa o equivalente a 15% das suas imagens. A “fotoreportagem” foi portanto, muito mais importante no Público. Este aspeto relaciona-se, igualmente, com o maior privilégio dado à fotograia face ao texto, quando comparamos com o que acontece com o peril noticioso do Diário de Notícias, mais equilibrado no destaque texto/imagem e mais estritamente noticioso, com recurso a uma única imagem para noticiar cada acontecimento, característico do género fotonotícia, e não recorrendo à narrativa visual de diferentes aspetos dos acontecimentos com diferentes imagens relacionadas factual e/ou tematicamente como sucede no género fotoreportagem, estratégia que o Público utiliza mais vezes. No Diário de Notícias o género “ilustração” ocupa a terceira posição, com uma expressão percentual de 20,1%, para 25 fotograias classiicadas neste género. Um valor ainda signiicativo, principalmente quando comparado com a reduzida expressão da “fotoreportagem” e que poderá signiicar uma intenção de desenvolver um comentário visual aos temas45. Este género esteve mais presente nos assuntos do aborto. No Correio da Manhã, como vimos, as fotograias dizem maioritariamente respeito aos debates do aborto (38 fotos) e apenas 4 se referem ao Parlamento Paritário (cf. Quadro 3). A “fotonotícia” é sempre o género fotojornalístico mais privilegiado, com 45 Dado tratar-se de um género que tem na igura de estilo da metáfora a sua dimensão mais importante, e onde se invoca, frequentemente, um conjunto de estereótipos evidenciáveis na análise qualitativa. 154 caPítulo iii. em câmara oculta uma disparidade grande face aos restantes géneros, com a “ilustração” em segundo lugar, embora signiicativamente abaixo da “fotonotícia”. Ainda assim o Correio da Manhã tem duas fotograias pertencentes a uma fotoreportagem. O Público, como referimos, é o jornal que mais “fotoreportagem” publica. Segue-se o O Independente, com metade das do Público. O mais relevante n’ O Independente é o facto de ser o único onde a “ilustração” é o género fotojornalístico predominante, com 12 casos, o equivalente a 25,4% das suas opções, o que poderá estar relacionado com o estilo por vezes satírico daquele semanário. No total das suas imagens fotográicas, o Expresso não tem qualquer fotograia de “fotoreportagem” e a “fotonotícia” encontra-se em último lugar, abaixo quer da “identiicação” - também o género mais expressivo neste jornal -, quer da “ilustração”. A fo nte das i m agens e a sua valo ri zação no s j ornais A variável “fonte da imagem” é um dos elementos que assinala o envolvimento do jornal na produção ou não de imagens próprias e na sua respetiva valorização, reletida na menção do seu autor. Gráico 5: Fonte da fotograia por publicação 155 Política no Feminimo Mais de metade das fotograias do Diário de Notícias sobre os debates dos assuntos de género são de fotógrafos do próprio jornal e o recurso a imagens de agências noticiosas é marginal. Este fator demonstra um signiicativo envolvimento da redação na produção de mensagens visuais próprias. Encontramos um panorama semelhante no Público, onde a maioria das fotograias são assinadas por um fotógrafo do jornal. Aqui não existiu qualquer recurso a fotograias de agência (ver Gráico 5) . Uma situação diferente encontramos no Correio da Manhã que é o jornal que mais recorre aos serviços de agência, e o único que apresenta o mesmo número de fotograias assinadas por proissionais do jornal ou sem menção de autoria, o que também tem que ver com o peril mais popular deste jornal, ligado à comunicação de massas industrializada e assente na novidade transmitida com rapidez e no paradigma da objetividade fotográica, que dispensa autor. O Expresso publica mais de metade das suas imagens com identiicação do seu autor, no entanto, o número das que não têm esta menção ainda é bastante elevado, representando 43,3% das suas fotograias. Um valor que é equivalente ao do Diário de Notícias (43,5%). Em todos os outros jornais a percentagem relativa de imagens sem menção da sua fonte, por comparação com o total de imagens fotográicas publicadas por cada jornal, é inferior sobretudo no O Independente (36%); segue-se o Público (40%) e o Correio da Manhã (42%). A te mporalidade da imagem fot o g r á f i c a Outro aspeto interessante diz respeito à variável “Temporalidade da Imagem” (ver Gráico 6). O Público é o único 156 caPítulo iii. em câmara oculta diário onde as imagens de arquivo superam as de atualidade e o fazem de forma mais acentuada. Este valor deve-se totalmente à cobertura dos debates do aborto (porque a “atualidade” supera apenas em 3 fotos o “arquivo” na cobertura dos temas sobre paridade). Na cobertura dos debates do aborto, o Público inclui mais 15,7% de fotograias de arquivo que de atualidade no universo das fotograias publicadas sobre IVG, contrastando com os semanários, onde este privilégio também existe mas com diferenças menos signiicativas. No caso d’O Independente, este publica 21 fotograias de arquivo e 16 de atualidade sobre o assunto do aborto (uma diferença de 13,5% na estratégia visual deste jornal); o Expresso publica 15 fotograias de arquivo e 13 de atualidade (com apenas uma diferença de 7,1% no contexto das 28 fotograias deste jornal sobre a temática do aborto). Veriica-se assim que a opção por imagens de arquivo é mais expressiva no diário Público, na cobertura dos debates sobre IVG, embora este recurso ao arquivo esteja presente na maioria das publicações. Gráico 6: Temporalidade da Imagem por publicação O Diário de Notícias utilizou tanto fotograias de arquivo quanto de atualidade: 62 fotograias para cada um dos indicadores, em resultado também do peso do género “identiicação”, responsável pela maioria das fotograias de arquivo e pelo peso signiicativo de fotograias não assinadas. O recurso a imagens de arquivo tem que ver 157 Política no Feminimo também com a rememoração dos debates passados, que surge em algumas peças de forma signiicativa, sobretudo no tratamento noticioso dos debates sobre o aborto. Algumas das fotograias de ilustração incluem um grande número de imagens de arquivo, muitas vezes também não assinadas (ver Gráico 5 ). No assunto da paridade cabe ao Diário de Notícias ter mais uma imagem de arquivo que de atualidade, o que não acontece em nenhuma outra das publicações, incluindo os semanários. A diferença entre fotograias de arquivo e de atualidade no Público, sobre paridade, é de três fotos, como referimos, com privilégio para a atualidade. Contudo, este assunto foi muito mais importante em termos fotográicos no Público do que no Diário de Notícias. O Público fez publicar 40,4% do total de fotos sobre paridade (foi o que mais publicou), enquanto o Diário de Notícias contribuiu com uma cota de 21,4%, atrás de O Independente. O O Independente é a segunda publicação que mais fotograias produziu sobre o assunto da paridade, com 10 fotos, o equivalente a 23,8% do total das 42 fotograias deste assunto (somadas todas as publicações), mas quase todas são de atualidade. Apenas duas das 10 fotos são de arquivo, o que parece curioso face aos dois diários de referência. O Expresso sobre paridade contribui apenas com 2 fotograias de atualidade, 4,7% do corpus total. Nos assuntos de género, considerados globalmente, o Expresso publica o mesmo número de imagens de arquivo que de atualidade, mas se considerarmos apenas a temática da paridade é o jornal que menos atenção fotográica lhe dispensou, com apenas duas fotograias de atualidade (não considerado o Diário Popular que apenas cobriu um único debate). No total dos debates, a maior presença de imagens de arquivo no Público e o igual número entre atualidade e arquivo no Diário de Notícias e no Expresso parecem indicar 158 caPítulo iii. em câmara oculta uma aposta na identiicação visual dos protagonistas. A contextualização histórica surge também associada a imagens de arquivo, mas atendendo ao reduzido número de fotoreportagens, embora presente, não terá sido o que mais contribuiu para o resultado neste indicador. As fotograias de “identiicação” foram mais decisivas para o grande número de imagens de arquivo registado. Embora circunscrita no tempo, assinale-se ainda a aposta evidente em fotograias de atualidade por parte do Diário Popular durante os debates sobre IVG em 1984 (ver Gráico 5). Co nclusõ es: A co b er tur a fo to jo rnalí sti c a do s assuntos de género Dos indicadores analisados a respeito da cobertura fotojornalística dos seis debates sobre assuntos de género, concluímos que o Diário de Notícias foi o título que mais destaque visual lhes atribuiu, publicando mais fotos e mais vezes em primeria página. A maioria dessas fotos refere-se aos debates sobre a IVG, uma tendência observada, aliás, em todos os jornais. O Público, que não acompanha o primeiro debate de 1984 porque ainda não existia, dá igualmente grande relevância fotojornalística aos assuntos de género, sendo o jornal que mais se destaca na cobertura visual dos assuntos da paridade. É ainda o que mais usa a fotoreportagem, apesar deste género fotojornalístico ser o menos usado (tanto neste jornal como nos restantes). O Correio da Manhã é, comparativamente, de entre os jornais diários, o que fez uma cobertura fotográica menos intensiva de todos os debates sobre questões de género. Os debates sobre as “quotas” foram os mais penalizados, não merecendo qualquer imagem neste jornal. 159 Política no Feminimo Entre os semanários, o Expresso foi o jornal que menos relevância fotográica deu aos assuntos de género debatidos no parlamento. Na cobertura dos debates sobre IVG - ainda assim a sua cobertura mais signiicativa - publica apenas 28 fotograias num universo de 300 ( 9,3% do total), muito atrás do O Independente, o outro semanário deste estudo, que publicou mais 9 imagens (12,3% do total) apesar de não ter coberto o debate de 1984 pois ainda não existia (foi fundado quatro anos depois). O O Independente foi ainda, de entre todas as publicações, a que mais destaque fotográico deu ao Parlamento Paritário, superando a cobertura dos jornais diários. Em termos gerais, observa-se um certo conservadorismo no destaque dado à cobertura fotográica dos jornais no conjunto das discussões sobre os temas de género selecionados para análise. A aposta visual é regrada embora prevaleça a mancha de imagem face ao texto, são raras as fotograias de primeira página e embora a maioria seja da autoria de fotojornalistas de cada órgão de comunicação, prevalece um uso aparentemente “instrumental” - registar o acontecimento e identiicar os personagens, postura predominante nos géneros fotojornalísticos mais usados, que são a “fotonotícia” e a “identiicação”. O toque, ainda que ténue, de “inovação” surge através das páginas dos dois títulos mais jovens em análise: O Independente e o Público. Ambos nascidos no limiar das décadas 80/90, surgiram com projetos editoriais que faziam da aposta na linguagem visual um dos seus principais suportes narrativos. Assim, são os que mais apostam na “fotoreportagem”, ainda que com um número de imagens inferior ao dos restantes géneros. O O Independente é, aliás, o semanário que maior destaque visual dá aos temas em primeira página, e o jornal que mais espaço cede à imagem em desfavor do texto. 160 caPítulo iii. em câmara oculta A REP RES EN TAÇÃO DA S DEP U TA DA S E DO S DEP U TA DO S N A CO B ER TU RA FOTOJORNA LÍS T ICA Uma das hipóteses mais fortes deste estudo é a de que um dos entraves a uma maior participação formal política das mulheres, traduzida no exercício de cargos políticos, tem que ver com a dissociação entre os valores da liderança política e os valores construídos socialmente como adequados às mulheres. Quisemos saber se o jornalismo mimetiza ou não essa dissociação entre política e mulheres, fazendo uso do potencial da representação fotográica e da naturalização a que induz, que lhe advém da crença no dispositivo fotográico. Que diferenças existem na representação de deputados e deputadas? Que construções ideológicas derivam dessa representação? Será que há diferenças na associação dos géneros aos valores de liderança? Como se traduzem fotograicamente esses valores? Neste capítulo apresentam-se os resultados quantitativos relativos a alguns dos critérios de análise mais gerais sobre estes modos de representação, comparando esses critérios para deputados e deputadas. Analisaremos a quantidade e a distribuição por jornal das imagens onde aparecem deputadas e deputados, o protagonismo que é dado a umas e a outros, o tipo de acontecimentos em que mais aparecem e os locais dos acontecimentos em que estão envolvidos e envolvidas. Interpretaremos ainda os resultados relativos aos critérios formais mais recorrentes para representar deputados e deputadas (enquadramentos, ângulos, olhares e formas de composição), sem nunca deixar de evidenciar alguns dos limites e cuidados a ter na interpretação destes dados numa análise quantitativa. 161 162 Quadro IV: Fotograias por Género de Deputada/o e debate Nº de Fotograias Constituinte % 0 Deputados % 0 Ambos % 0 NA/ ND % 0 Total 0 17,7 9 20 7 15,5 21 46,6 45 Debate 1997 21 16,4 37 28,9 10 7,8 60 46,8 128 Debate de 1998 18 14,1 39 30,7 13 10,2 57 44,8 127 47 15,6% 85 28,3% 30 10% 138 46% 300 Parlamento Paritário 11 42,3 1 3,8 10 38,4 4 15,3 26 Debate Lei das Quotas 4 40 1 10 2 20 3 30 10 Debate Lei da Paridade 6 100 0 Sub-total Paridade 21 50% 2 4,7% 12 28,5% 7 16,6% 42 Total global 68 19,8% 87 25,4% 42 12,2% 145 42,3% 342 Sub-total IVG Discussões sobre Paridade 0 0 6 Feminimo 8 no Debate 1984 Política Discussões sobre IVG Deputadas caPítulo iii. em câmara oculta O quadro 4 mostra a distribuição das 342 fotograias do corpus pelos critérios da variável “Género de Deputadas/Deputados”, onde se assinala a presença destes/as intervenientes, independentemente de serem ou não os protagonistas principais da ação igurada. Tendo em conta que a seleção das peças jornalísticas teve como critério o referirem-se a debates parlamentares, não é estranho veriicar-se que 57,6% das fotograias exibem deputados, deputadas, ou ambos. Fazendo uma análise comparativa da distribuição por género, de entre essas 197 fotograias cerca de 20% representam deputadas enquanto 25% representam deputados. Em 12% , estão ambos representados na mesma foto. Porém, o conjunto de fotograias onde não se regista qualquer um destes parlamentares é ainda elevado, ascendendo a 42,3%. Na distribuição por assunto, constata-se que estes resultados globais são inluenciados pelos resultados dos debates sobre IVG, já que é aí que se regista uma grande diferença na presença de deputados e deputadas nas fotograias, em benefício deles. Embora um número signiicativo de fotograias sobre o assunto não represente qualquer um destes parlamentares, os deputados são sem dúvida os mais fotografados: surgem em 28% do total das fotos deste tema, enquanto “elas” marcam presença em apenas 15,6%. Contas feitas, no tema da IVG, os deputados estão 12,4% mais presentes nas fotograias publicadas do que as deputadas. Considerados todos os jornais analisados. A situação inverte-se quando o assunto são os debates sobre a paridade, onde a proporção é de 21 fotos de deputadas para 2 de deputados, com uma diferença percentual de 38% a favor das deputadas. Neste caso, 28,5% das fotograias representaram ambos os géneros, o que é um valor consideravelmente mais alto do que os 10% de “ambos” na cobertura fotojornalística do tema da IVG. É 163 Política no Feminimo curioso veriicar que, sendo esse o assunto menos presente na imprensa e com menor destaque fotográico - com apenas 42 fotograias face às 300 registadas para a IVG - tenha sido o que, em termos relativos, mais deputadas fotografou por comparação com os deputados. Grande responsável por estes resultados foi a mediatização do Parlamento Paritário que, não obstante o seu grande impacto, tem uma cobertura jornalística muito circunscrita no tempo quando comparada com a cobertura dos debates sobre as leis de aborto. Conclui-se assim, que no que diz respeito à cobertura fotojornalística, o assunto da representação política formal das mulheres foi considerado pela imprensa analisada um assunto das mulheres; em contrapartida, o assunto das Leis do Aborto foi discutido sobretudo por homens, muito mais fotografados a propósito desta temática do que elas. Isto aconteceu não apenas na imprensa, mas também no Parlamento. De putadas p rotagonistas... mas p o uc o . A variável “Género de deputadas/deputados” que analisámos em cima, assinala a presença daqueles e daquelas parlamentares nas fotograias classiicadas. De uma forma geral, na maioria das fotos onde se assinala a presença só de deputados ou de deputadas eles e elas tendem, naturalmente, a ser os atores principais das fotos. No entanto, por vezes estão acompanhados de pessoas que desempenham outros cargos e em algumas delas são estas que são protagonistas. Noutras situações, estão ambos, deputados e deputadas, representados na mesma fotograia de forma destacada e bem visível, embora uns possam ter mais protagonismo que os outros ou outras, pelo que criámos 164 caPítulo iii. em câmara oculta a variável “Destaque de Género” para dar conta desta diferença de protagonismo. Na codiicação das imagens, foi necessário adotar critérios para classiicar esse protagonismo, baseados no modo como as personagens aparecem nas fotograias. Se estão sozinhas é mais evidente que sejam protagonistas. Ainda assim, é preciso avaliar a ação em que surgem envolvidas, a gestualidade ou a sua pose, pois podem ser objeto de ação de outros que se encontrem fora de campo e, neste caso, não são classiicadas como protagonistas. Portanto, foi tido em conta o tipo de narrativa visual em que as personagens representadas estão envolvidas (Kress e Van Leuween, 1996) e se nela são agentes ou sofrem a ação de outros. O mesmo critério foi adotado em relação às fotograias onde estão várias pessoas representadas. Nelas, para além da avaliação das ações, é importante perceber o destaque que a composição e o enquadramento fotográicos lhes dão, assim como o uso do foco. Está a personagem ao centro? Está ela à frente das outras, em primeiro plano? Não está em primeiro plano, mas o centro do foco incide sobre ela, desfocando as outras personagens? As linhas de força da composição apontam para essa personagem? Todos os olhares dos outros personagens representados convergem para esta personagem? Ou estão representados igualitariamente? Em suma, gestualidade, enquadramento, composição e foco foram os critérios preponderantes na avaliação do protagonismo das personagens representadas fotograicamente. Para perceber qual o destaque de género evidenciado pelas fotograias com deputados e/ou deputadas foi necessário cruzar a variável “Destaque de Género” com a variável “Género de Deputada/o”, uma vez que o protagonismo aferido pela variável “Destaque de Género” se aplicou a todas as fotograias e não apenas às dos parlamentares. Os resultados estão patentes no gráico 7. 165 Política no Feminimo Gráico 7: Destaque de género nas fotograias de deputadas e deputados Esta distribuição permite observar que, tendencialmente, os deputados são os responsáveis pelo maior protagonismo dos homens. Consideradas todas as fotograias do corpus, o protagonismo masculino nas fotograias dos deputados representa cerca de 1/4 do total, mais precisamente 24,8%. No entanto, este protagonismo é rivalizado pelas fotograias representando outros cargos políticos, membros da Igreja e de outras organizações e da sociedade civil46. As deputadas surgem associadas ao protagonismo feminino em 61 das suas 68 fotograias, o que equivale a 17,8% do total e menos 7% do que o protagonismo masculino nas fotograias dos deputados. O aspeto mais singular é contudo o facto de existirem 7 imagens que iguram deputadas mas em que o protagonismo é masculino (3 casos) ou é equivalente (outros 3 casos). A diferença entre o número de fotograias com protagonismo masculino possivelmente atribuível a homens deputados (85) e o total de fotograias de titulares desse cargo (87) é de apenas 2; numa delas o protagonismo é de uma mulher (que não é deputada) e na outra esse 46 Que aqui surgem, naturalmente, na categoria “Não Aplicável/ Não Deinível” (NA/ND), com 84 imagens fotográicas, menos uma que o protagonismo dos deputados, como o gráico 7 mostra. 166 caPítulo iii. em câmara oculta protagonismo foi partilhado de modo equivalente entre um deputado e uma mulher não deputada. Trata-se da fotograia do deputado Jaime Ramos, do PSD, a conversar com a Presidente da Câmara de Cascais, Helena Roseta, em 1984 (igura 1). Uma vez que Helena Roseta nesta altura não é deputada, a fotograia foi classiicada como “Presença de Deputado” na variável “Género de Deputada/o”. Este facto, torna evidente os cuidados a ter na interpretação dos dados quantitativos. Figura 1: Diário de Notícias, 27 de janeiro de 1984. Fotograia de António Aguiar. Esta fotograia apresenta um equilíbrio em termos de protagonismo dos personagens representados, apesar de Helena Roseta estar a falar e Jaime Ramos a ouvir, uma atividade geralmente tida como mais passiva. A razão desta classiicação é formal47: ambos foram enquadrados de maneira a obter uma composição equivalente e 47 Vejam-se as explicações metodológicas no início deste capítulo III. 167 Política no Feminimo equidistante, sem conferir maior destaque visual a qualquer deles. Por outro lado, a forma como ele se encosta e aproxima dela, lembra uma cena de sedução mais do que de uma negociação politica, muito embora seja esta a referida na legenda. Ou seja, quando classiicamos uma fotograia como tendo a presença de um ou mais deputados, isto signiica seguramente que não estão lá deputadas, mas não signiica que não estejam lá outras mulheres ou homens que não sejam deputadas nem deputados, como esta foto exempliica. O mesmo pode acontecer para a categoria de fotograias classiicadas como representando deputadas. Por outro lado, quando a fotograia tem um deputado e o protagonismo é masculino isso nem sempre signiica que o protagonista seja o deputado. O mesmo quando temos protagonismo feminino em fotograias onde estão deputadas. O protagonismo será feminino mas pode não ser das deputadas. Estas considerações exigem, por isso, algum cuidado na interpretação no que concerne à atribuição do protagonismo a deputadas e deputados, uma vez que se optou por não limitar a variável “protagonismo” a este cargo parlamentar, tornando-o aberto a todos os homens e mulheres igurados, independentemente do cargo, o que não nos habilita a uma relação imediata entre protagonismo de género e aquele cargo. Porém, de um ponto de vista empírico, podemos airmar que na maior parte dos casos essa relação se veriica. A opção deveu-se ao facto de existirem muitas fotograias com elementos de outros cargos cujo protagonismo quisemos avaliar de modo englobado. Interessante é observar que nas 42 fotograias em que ambos - deputados e deputadas - estão representados, a tendência foi a de dar protagonismo aos homens: 45% dos casos, correspondente a 19 fotograias (ver Gráico 7 168 caPítulo iii. em câmara oculta e Figura 2). A conclusão é que quando estão ambos igurados na mesma fotograia, eles são mais vezes representados como protagonistas. Figura 2: Diário de Notícias, 14 de fevereiro de 197. Fotograia de Bruno Peres. Nesta fotograia do Diário de Notícias vemos um plano de conjunto da bancada socialista (na realidade de semi-conjunto, pois as personagens estão enquadradas da cintura para cima). Jorge Lacão, então líder parlamentar da bancada, situado à direita da imagem, conversa com os seus pares, onde se encontra uma mulher. Esta fotograia foi classiicada como “Ambos” na variável “Género de Deputada/o” mas com “Protagonismo dos Homens” na variável “Destaque de Género”. Porquê, se na realidade a deputada Maria Carrilho está representada no grupo, como mais uma de entre os seus pares? Estão todos em negociação. Porém, a composição da imagem torna central a igura de Lacão: através da linha ligeiramente ascendente formada pelo balcão e pelo alinhamento dos deputados; pelo reenquadramento, produzido pelo corpo inclinado do deputado José Magalhães, à esquerda da imagem, e ligeiramente de costas para o espetador ou espetadora, e pela gestualidade de Lacão, a mostrar um dossier. 169 Política no Feminimo Ouvir é uma atividade, mas esta imagem dá protagonismo sobretudo a quem fala: Jorge Lacão. A deputada é aqui representada de olhos baixos, atenta e, sobretudo, serena (ao contrário de Magalhães, pronto para o “contra-ataque”). Trata-se de um tipo de interação que, noutro lado, já foi identiicada como típica da representação da liderança: a representação da “entourage”, ou seja, dos seguidores48. Em nenhuma das fotograias com protagonismo feminino observámos algo equivalente a esta “reunião de seguidores”, que constroem a liderança no masculino. Talvez a que mais se aproxima destas representações, seja, ainda assim, a seguinte imagem da deputada Odete Santos (Figura 3): Figura 3: Diário de Notícias, 5 de Março de 1999. Fotograia de Leonardo Negrão. Nesta fotograia, a composição, o desfocado em primeiro plano e a gestualidade permitem atribuir sem qualquer dúvida o protagonismo à deputada Odete Santos, aspeto que é reforçado pela legenda, que a identiica como 48 Ver Cabrera, Flores, Martins e Mata (2012). 170 caPítulo iii. em câmara oculta sujeito da ação, ao contrário do que acontece na legenda da igura 2, que identiica a bancada e nao Lacão como sujeito, podendo deixar algumas dúvidas sobre a possibilidade da sua classiicação como “protagonismo equivalente”49. Porém, se repararmos bem nas personagens representadas que reagem às iguras principais50, na igura 2, os deputados nos planos mais afastados prestam atenção ao que se passa em primeiro plano, reforçando a atenção sobre o grupo, enquanto que a deputada Odete Santos, rodeada pelos seus colegas de bancada, parece ser “ignorada” por eles, que não a olham ou dão mostras de atenção (que terão, com certeza, mas isso não icou traduzido na imagem). Daí airmarmos não encontrar representações de protagonismo e liderança no feminino, no que se refere a este critério dos “seguidores”, equivalentes às que veriicámos para o protagonismo masculino. E quanto ao protagonismo equivalente nas fotograias em que ambos os géneros de deputados estão representados? Voltando a observar o gráico 7, podemos veriicar que das 42 fotograias em que iguram ambos os géneros, temos 11 situações de protagonismo equivalente, que corresponde a um peso relativo de 26% do total das 42 fotos com ambos os géneros. É o segundo maior valor, com uma diferença de 8 fotos a menos do que o protagonismo masculino nas fotograias de ambos os deputados/as. Em terceiro lugar da categoria “Ambos”, surge o protagonismo das mulheres, com 8 fotograias, correspondendo a um peso relativo de 19%. Este valor é muito inferior aos 45% do protagonismo masculino nesta categoria. Conclui-se que nas fotograias em que estão representados (também) deputadas e deputados, o protagonismo 49 Essa não foi a opção, dadas as questões formais da imagem acima analisadas. 50 Os “reatores”, segundo Van Leuween e Kress. 171 Política no Feminimo tende a ser masculino, podendo ou não ser dos deputados masculinos51. Segundo Deborah Tannen (2010) as mulheres tendem a usar a linguagem, por iniciativa própria, preferencialmente, para expressar emoções e em situações privadas; os homens, economizando a palavra em privado, dão-lhe um maior uso público e tendem a usar a linguagem para expressar estados de coisas, sem valorizar tanto a comunicação das suas próprias emoções. A autora expressa esta diferença quanto aos modos de entender a linguagem por cada género através das designações “rapport talk” - a conversa para estabelecer laços emocionais entre interlocutores e mais adequada a estratégias cooperantes - e “repport talk” - a conversa usada para informar sobre um estado de coisas ou processo e estabelecer uma diferença hierárquica entre quem sabe (quem fala) e quem não sabe (aparentemente, quem ouve) ou simplesmente para corresponder a um im informativo e utilitário. Ambos os géneros usam, em situações determinadas, os dois tipos de conversa. O que a autora nota é que o “rapport talk” é usado preferencialmente pelas mulheres e o “repport talk” pelos homens. Os seus processos de socialização para isso os orientam. Extrapolando para a área da representação visual, se as situações de cooperação são mais aceitáveis para as mulheres sem que elas, ao contrário dos homens, “percam a face”, isso justiicaria a tendência que encontramos de maior incidência quantitativa dos indicadores de protagonismo equivalente em fotograias que representam 51 Como já referimos, neste cruzamento entre a variável «Destaque de Género» e a variável «Género de Deputado/a», não se pode garantir que o protagonismo de género assinalado pertença ao deputado ou deputada, pois optámos por não criar uma variável especíica do protagonismo para este cargo já que quisemos ter a visão mais abrangente deste protagonismo sem multiplicar excessivamente o número de variáveis de trabalho. 172 caPítulo iii. em câmara oculta deputadas e outros ou outras protagonistas. Apesar das diferenças não serem muito assinaláveis e de o mesmo não se veriicar no caso da temática da paridade, colocamos a seguinte hipótese: será a representação da cooperação, aquilo que designámos por protagonismo equivalente entre géneros, uma ameaça na representação da liderança, e em particular, da liderança no masculino? Os trabalhos de Deborah Tannen, apesar de não se referirem especiicamente ao contexto político, apontam para isso na medida em que Tannen encontra nos estilos de conversa de homens e mulheres padrões de cooperação/ independência (hierarquia) diferenciados: com as mulheres a adotarem estilos conversacionais mais cooperantes (e tidos por eles como submissos) e eles a adotarem estilos que visam reforçar a sua independência e garantir o seu poder. Isto signiica também que se um estilo cooperante, e tido pelos valores patriarcais como submisso, é aceitável e até desejável para elas, tende a ser muito penalizador para os homens que o adotem, em particular em situações públicas e de liderança política, como é aqui o caso. Concluindo, se considerarmos as 197 fotograias em que surgem deputados e/ou deputadas, adicionando separadamente os valores de cada categoria de protagonismo (masculino, feminino e equivalente), veriicamos que o protagonismo masculino nas fotograias de deputados surge em 107 fotograias, 54% das imagens deste cargo. O protagonismo feminino nas fotograias das deputadas surge em 70 destas imagens, o equivalente a 35,5%, enquanto que a representação de um protagonismo partilhado surge em apenas 15 fotograias, correspondendo a 7,6% e ao valor mais baixo encontrado. As situações de representação igualitária entre deputados e deputadas ou entre estes e outros agentes (políticos ou outros) é assim, pouco frequente e tende a acontecer mais nas fotograias onde iguram deputadas. 173 Política no Feminimo Ho m ens p ro tago ni stas em to do s o s c ar go s A aplicação dos dados da variável “Destaque de Género” a todas as fotograias dão-nos uma repartição por género diferente da obtida pela variável “Género de Deputadas/ os”, uma vez que mostram de forma bastante clara a vantagem expressiva do protagonismo masculino, que surge muito mais representado (gráico 9). O gráico 8 igura a distribuição das percentagens de fotograias onde aparecem deputados, deputadas ou ambos para que se possa estabelecer a comparação percentual. Neste gráico mostra-se que 42% do total de fotograias iguram outros cargos políticos ou sociais. Gráico 8: Género de Deputada/o Gráico 9: Destaque de Género em todas as fotograias 174 caPítulo iii. em câmara oculta Avaliando o protagonismo para todos os atores das imagens a diferença entre o protagonismo masculino e o feminino é de 29% a favor da representação de protagonismo no masculino. Como bem mostra o gráico 9, na maioria das fotograias o protagonismo é masculino: são eles os agentes, os sujeitos ativos das ações iguradas nas fotograias. Em um pouco mais de 1/4 das imagens (27%) está presente o protagonismo feminino. Uma das razões de tão grande protagonismo masculino, tem que ver com a presença muito signiicativa, nas fotograias, de pessoas com outros cargos políticos, nomeadamente governamentais, mas também religiosos e que geralmente são homens. O mesmo não se veriica para o protagonismo feminino, menos presente nas fotograias que não iguram deputadas e representam outros cargos52. Ou seja, é, ainda assim, na qualidade de deputadas que as mulheres conseguem alguma visibilidade mediática bem como alguma representatividade enquanto protagonistas nas páginas da política. Esta menor quantidade de mulheres protagonistas de fotograias quando não exercem o cargo de deputadas mostra-nos, por um lado, a sua menor presença nos media enquanto interlocutoras dos assuntos de género, seja enquanto cidadãs ou membros de outras organizações, e por outro, demonstra a importância da detenção de cargos políticos como forma de granjear visibilidade 52 Veja-se o gráico 7 “Destaque de Género nas fotograias de deputadas e deputados”, que mostra 21 fotos com protagonismo feminino na categoria “NA/ND”, onde se englobam as fotograias que não têm a presença de qualquer parlamentar. Nesta categoria de fotograias sem deputados ou deputadas, a coluna do protagonismo masculino apresenta 84 fotos, praticamente o mesmo número para as fotograias com presença de deputados e em que o protagonismo também é dos homens. Isto demonstra como o protagonismo permanece masculino fora das fotograias com estes parlamentares e como isso não acontece no caso das mulheres. 175 Política no Feminimo nas páginas do jornais. No caso do nosso estudo, o cargo de deputada torna-se um meio de proporcionar visibilidade fotográica às mulheres nas páginas de política dos jornais (suspeitamos que o mesmo sucederá para outros cargos políticos de relevo, nomeadamente governamentais, mas que não foram objeto do nosso estudo). Este aspeto também é importante para os homens, mas é para eles menos importante pois surgem como protagonistas em quase tantas fotograias sem deputados como naquelas que os iguram, mostrando a sua presença mais generalizada e diversiicada, no jornalismo político, num maior número de circunstâncias. Pari dade no fem i ni no , ab o r to no m asc uli no Se considerarmos a variável “Destaque de Género” por temática (gráicos 10 e 11), veriicamos que o grande protagonismo masculino aconteceu na mediatização fotojornalística dos debates sobre as Leis de IVG, com mais 122 fotograias com protagonistas masculinos face às que iguram um protagonismo no feminino53. Esta diferença, em termos absolutos, é bastante maior do que a diferença veriicada a favor do protagonismo feminino, no caso da cobertura fotojornalística das temáticas da paridade, em que a diferença é de mais 12 fotograias para o protagonismo feminino do que para o masculino. Ou seja, embora nos assuntos da paridade as mulheres sejam as grandes protagonistas, a diferença face ao protagonismo masculino é menor em número de fotograias do que na temática da IVG, onde a supremacia masculina ultrapassa em muito a feminina. Considerada a realidade de cada uma das temáticas, 53 No total são 186 fotograias representando protagonistas masculinos e 64 representando protagonistas femininas. 176 caPítulo iii. em câmara oculta na mediatização dos assuntos da Paridade o valor alcançado pelo protagonismo feminino, como se pode constatar comparando os dois gráicos, é superior, em 2 pontos percentuais, ao conseguido pelo protagonismo masculino (64% para o protagonismo das mulheres e 62% para o dos homens, considerados todos os cargos e tipo de agentes). Gráico 10: Destaque de Género em todas as publicações na temática da IVG Gráico11: Destaque de Género em todas as publicações na temática da paridade 177 Política no Feminimo Mais uma vez se conirma o que outros indicadores têm revelado: as mulheres dominaram as fotograias publicadas a propósito da temática da paridade, mas foram secundarizadas nas fotograias das notícias sobre os debates da lei da IVG. Assim, se é certo que o protagonismo feminino nas fotograias dos jornais aumentou consistentemente desde o inal da década de 90 - nos debates da Lei do Aborto, Lei das Quotas (1999) e da Paridade (2001), mas principalmente, em virtude da promoção do Parlamento Paritário em 1994 - este aumento deve-se ao facto de ter sido dado mais “palco” às mulheres em temáticas que Parlamento e imprensa, como vimos, dão menor importância. Quando foi dado maior relevo político a um assunto, o palco, tanto parlamentar quanto mediático, foi ocupado pelos protagonistas masculinos. As discussões sobre aborto não foram deinidas como um assunto das mulheres, nem como um assunto de ambos os sexos, mas como um assunto dos homens e do seu controlo do campo social da reprodução (tanto no Parlamento quanto na imprensa); por sua vez, a participação política das mulheres, pelo menos nos debates que analisámos, foi deinida por parlamentares e jornalistas como um assunto sobretudo importando às mulheres e devendo ser “ilustrado” através das suas ações, no Parlamento como nas fotograias. Esta conclusão é suportada quer pela análise quantitativa das imagens que aqui analisamos, e que mostram este padrão de protagonismo de género, diferenciado por temática, quer pelas abordagens qualitativas de texto e imagem onde os aspetos simbólicos são aferíveis54. 54 Seria interessante veriicar se este padrão de protagonismo masculino e feminino se repete, no Parlamento como nos jornais, na temática da IVG em 2007, quando se deu a aprovação da atual lei 16/2007 de 17 de Abril que passou a despenalizar a possibilidade de abortar voluntariamente, a pedido 178 caPítulo iii. em câmara oculta O p ro tago ni sm o de género no s jo rnai s: o DN com o exemp lo de equ i lí bri o Quais os jornais que mais representam as mulheres como protagonistas das fotograias que publicam? Que diferenças encontramos quando comparamos este protagonismo com a distribuição por jornal da variável “Género de Deputados/as”? Em que jornais mais aparecem as deputadas? Os gráicos seguintes permitem uma visão rápida sobre os dados coligidos. Gráico 12 -Presença de Deputado/a nas fotograias do Diário de Notícias da mulher, nos hospitais públicos portugueses, durante as primeiras 10 semanas de gravidez, para além dos casos já previstos na legislação anterior. O âmbito temporal previsto no nosso estudo termina em 2001, pelo que tal comparação icará para investigações futuras. Para consulta de trabalhos qualitativos que aqui não apresentamos, veja-se, por exemplo, Cabrera, Flores, Martins e Mata, 2012; Flores e Mata, 2015 e Flores, 2015. 179 Política no Feminimo Gráico 13 - Destaque de Género nas fotograias do Diário de Notícias Gráico 14 - Presença de Deputado/a nas fotograias do Público Gráico 15- Destaque de Género nas fotograias do Público 180 caPítulo iii. em câmara oculta Gráico 16 - Presença de Deputado/a nas fotograias do Correio da Manhã Gráico 17 - Destaque de Género nas fotograias do Correio da Manhã Gráico 18 - Presença de Deputado/a nas fotograias de O Independente 181 Política no Feminimo Gráico 19 - Destaque de Género nas fotograias de O Independente Gráico 20 - Presença de Deputado/a nas fotograias do Expresso Gráico 21 - Destaque de Género nas fotograias do Expresso 182 caPítulo iii. em câmara oculta A observação destes gráicos permite-nos concluir que o Diário de Notícias encabeça a lista dos jornais mais paritários quanto ao número de fotograias publicadas por cada género de deputado/a. Este jornal já era o que maior destaque fotográico dera aos assuntos de género mais ao tema do aborto do que da paridade - e aquele que mais vezes priveligia o equilíbrio entre texto e fotograias nas suas páginas. Vemos agora que foi também a publicação que mais deputadas representou fotograicamente e de forma quase paritária, em termos estatísticos, face ao número de fotograias que publicou igurando deputados (em números absolutos, o Diário de Notícias publicou 29 fotograias de deputadas e 30 de deputados), uma diferença de apenas uma foto. O O Independente também conta apenas uma fotograia de diferença entre ambas as categorias, aqui em sentido inverso: tem mais uma fotograia de deputadas do que de deputados (9 para 8, respetivamente), situando-se em terceiro lugar, ente os jornais, quanto ao número de fotos publicadas com personagens que exercem este cargo parlamentar. Esta diferença de representação das deputadas deve-se em parte à importância que o Parlamento Paritário teve neste jornal e à grande presença de deputadas na mediatização fotográica deste caso55. Contudo, este fator é insuiciente para explicar este fenómeno, uma vez que o Público esteve à frente em quantidade de imagens sobre aquele pseudo-acontecimento e a mesma vantagem fotográica “feminina” não se veriica. O fator que nos parece melhor poder explicar este facto surge quando comparamos com os dados da variável “Destaque de Género”, com o O Independente a tomar a dianteira como o jornal que maior protagonismo dá aos 55 Cf. Cabrera, Ana, Flores, Teresa Mendes e Martins, Carla (2011). 183 Política no Feminimo homens. Incongruente? Apenas de forma aparente. É que o O Independente centra mais as suas histórias em protagonistas que não são nem deputados nem deputadas. Mais de metade das suas fotograias, 55% , não representam este cargo. Por outro lado, nem todas as fotograias que registam a presença de deputadas ou deputados signiicam que são elas ou eles os protagonistas. Tudo somado, a maior importância de outros agentes, como governantes, autarcas ou membros da Igreja, maioritariamente masculinos, afeta claramente os resultados conseguidos apenas para as parlamentares no O Independente. É curioso notar a visibilidade conseguida pelas deputadas num jornal tão marcadamente dominado por protagonistas fotográicos masculinos. A análise quantitativa não nos mostra de forma contextualizada como foram representadas as deputadas, pelo que as razões para tal visibilidade só são aferíveis qualitativamente. Porém, estes números dão-nos uma ideia do contexto mais geral onde os valores simbólicos se inscrevem. O Diário de Notícias também apresenta um valor de protagonismo masculino mais elevado que o feminino, mas é o único jornal de todos os estudados em que aquele se situa abaixo dos 50%, tornando consistente a sua dianteira no que toca a uma maior paridade de género, nestes indicadores quantitativos. Segue-se, neste aspeto, o diário Público cujo valor de protagonismo feminino é o mais elevado de todos os jornais e o único que ultrapassa a fasquia dos 30% (tem 32%). Contudo, em números absolutos apresenta menos 7 fotograias com protagonismo feminino que o Diário de Notícias (este com 37 fotos e o Público com 30). Apesar disto é relevante que na estratégia editorial do Público, onde a fotograia tem sempre mais destaque que o texto, este fator esteja mais evidente do que na dos outros jornais, embora não torne o Público mais paritário 184 caPítulo iii. em câmara oculta que o Diário de Notícias. Isto porque, por um lado, tem um valor de protagonismo masculino superior ao do Diário de Notícias, e por outro, apresenta um menor valor para o indicador “protagonismo equivalente” referente às fotograias onde estão tanto homens quanto mulheres. Ainda assim, estes dois diários destacam-se nestes indicadores face a todos os outros. O Correio da Manhã, como se pode veriicar nos gráicos 16 e 17, é o jornal que apresenta os indicadores menos vantajosos para a representação das mulheres, desde logo neste aspeto de as tornar referente fotográico. Apenas 7% das suas fotos lhe dão protagonismo e outros 7% apresentam um protagonismo equivalente. É o jornal com a maior diferença entre protagonismo dos homens e das mulheres, com vantagem para estes: 57% para eles e 7% para elas , uma diferença de 50% e 3 fotograias com mulheres protagonistas para 24 com os homens como protagonistas (Ver Gráicos 16 e 17). O O Independente apresenta uma diferença entre protagonismos quase semelhante ao Correio da Manhã: a diferença é de 49%, para um universo de fotograias mais signiicativo, com 11 imagens protagonizadas por mulheres e 34 por homens, no contexto do total de fotograias publicadas por este semanário, para todas as temáticas. Já o Expresso, onde o cargo de deputado/a surge em mais de metade das suas fotograias e está, deste modo, bastante bem representado - de resto como nos dois diários de referência, Diário de Notícias e Público (veja-se o valor do indicador “outros” na variável “Género de Deputadas/ os”) -, apresenta mais 40% de fotograias com protagonismo masculino do que feminino e não apresenta qualquer fotograia que dê um protagonismo equivalente quando ambos os sexos se encontram representados na mesma fotograia. O indicador “Protagonismo Equivalente” está 185 Política no Feminimo também ausente das fotograias publicadas pelo semanário O Independente. Ambos os semanários não representam fotograicamente situações de equílibrio de protagonismo entre homens e mulheres, qualquer que seja o cargo ou situação. Note-se, no entanto, que cada um dos semanários apresenta 9% das suas fotograias onde iguram ao mesmo tempo deputadas e deputados (categoria “Ambos” da variável “Género de Deputada/o”). A representação igualitária na mesma imagem implica, de certo modo, a airmação positiva desse valor da igualdade de género, pelo que a sua ausência dos jornais semanários parece-nos extremamente simbólica. Lo cal e ti p o de aco nteci m ento s: m ulh eres no p arlamento, h om ens fora O local e o tipo de acontecimento são variáveis interessantes para aferir a extensão da validade das nossas hipóteses exploratórias - nomeadamente a de uma tendência para a subrepresentação feminina em circunstâncias simbólica e efetivamente ligadas à liderança política e estabelecer padrões de cobertura suscetíveis de reiterar ou mudar valores de género cristalizados. Em que local e tipo de acontecimentos, no contexto das temáticas de género que aqui estudamos, foram as deputadas e os deputados mais fotografados? Isso mesmo quisemos saber com as variáveis “Local do Acontecimento” e “Tipo de Acontecimento”. Considerando apenas as 197 fotograias em que assinalámos a presença de deputados e/ou deputadas, o mais surpreendente começa por ser o peso dos acontecimentos parlamentares, sobretudo as intervenções em plenário, e do hemiciclo como local privilegiado para a visibilidade das 186 caPítulo iii. em câmara oculta deputadas. A sua presença nas fotograias está dependente da sua presença parlamentar, principalmente, nas intervenções em plenário que representam, para elas, o maior número de fotograias para a variável “tipo de acontecimento” (32%). A este valor, pode juntar-se os “trabalhos em plenário” - aqui apenas com 2% das fotograias - , e as “reuniões”, que decorrem muitas vezes em gabinetes, noutros espaços da Assembleia, e que representam 16% das fotos das deputadas (ver Gráico 22). Se somarmos estes valores, 51% das fotograias de deputadas publicadas sobre todos os temas em estudo, mostram-nas envolvidas em atividades parlamentares e em algum espaço parlamentar, no caso da variável “local do acontecimento”. Nesta variável que situa as fotograias no espaço, o maior valor das deputadas é o conseguido pela categoria “hemiciclo”, com 38% das fotograias das deputadas. Se bem que este resultado esteja relacionado com os critérios de seleção do corpus que incide sobre o jornalismo parlamentar, por outro lado, essa dependência do espaço e dos acontecimentos parlamentares é menor no caso dos deputados (Gráicos 15 e 17). Gráico 22: Tipos de Acontecimentos mais importantes nas fotograias de deputadas e deputados 187 Política no Feminimo Os deputados surgem em intervenções, trabalhos ou reuniões parlamentares em 32% das suas imagens fotográicas (menos 19% do que as deputadas). O grande valor para eles encontra-se em acontecimentos diversos que não se relacionam tanto com o parlamento e que reunimos no indicador “Outros” (com 31% e 27 imagens), um valor que é praticamente o dobro do que encontramos para as deputadas (16% e 11 fotograias). Apesar de veriicarmos que a diferença entre as “Intervenções em Plenário” e o indicador “Outros” é para eles de apenas 6 fotograias, para elas essa diferença é de 11 fotograias (ver Gráico 22). No contexto das fotograias de deputadas, o peso do indicador “Outros” é de metade do que é o indicador “Intervenções em Plenário”, o que não se veriica para eles. Elas têm também menos 16 fotograias do que eles classiicadas como “Outros”. Isto parece signiicar que eles são capazes de mobilizar a atenção fotojornalística para além do espaço parlamentar, mais do que elas. Para eles a quantidade de fotograias de “identiicação” ou em que não foi possível aplicar esta variável na codiicação da fotograia é também de 27 fotos, tantas quantas as da categoria “Outros”, mostrando como a sua presença na imprensa está menos dependente das intervenções parlamentares e como em muitos casos serão protagonistas das notícias ao ponto de se compor o texto com as suas fotograias “de identiicação”. Nelas este valor também é importante, é o segundo a seguir às intervenções em plenário, com 21 fotograias em que o tipo de acontecimento não foi identiicável. Mas é menos expressivo do que para eles. Um olhar sobre os gráicos da variável “Local do Acontecimento” conirma esta situação. Em ambos o “Hemiciclo” representa um valor superior a 30% - 38% para elas 188 caPítulo iii. em câmara oculta e 33% para eles, uma diferença de 5% menos para eles. Porém, enquanto para as deputadas este é o seu valor mais elevado, para eles está em segundo lugar, a seguir à categoria “NA/ND” que atinge os 47%. Isto signiica que na maioria das suas fotograias não se identiica o local, tratando-se certamente de fotograias de “identiicação”. Esse valor para as deputadas é menor, embora seja o segundo maior, de forma coincidente com o que veriicámos para a variável “Tipo de Acontecimento”. A categoria “Fora do Parlamento” foi criada para aferir a capacidade de mobilização da atenção fotográica para fora do Parlamento. Esta atinge os 12% das fotos dos deputados e 9% das fotograias das deputadas. Contudo, importa notar que este valor é o mais alto para os casos em que as fotograias não representam quaisquer deputados. Muitas delas iguram cidadãos em manifestações, elementos da sociedade civil e de várias organizações, nomeadamente religiosas, mas também membros do governo, estes últimos bastante susceptíveis de atrair a atenção para fora do espaço parlamentar. Gráico 23: Local do Acontecimento nas fotograias de deputadas e deputados 189 Política no Feminimo Gráico 24: Local do Acontecimento nas fotograias de deputados Gráico 25: Local do Acontecimento nas fotograias de deputadas O valor tão expressivo de casos de não aplicabilidade destas duas variáveis, tipo e local do acontecimento, justiica-se dado o peso muito signiicativo do género fotojornalístico de identiicação, o que se veriica, como vimos, tanto para deputados como para deputadas (ver Gráico 26). Recorde-se que este género fotojornalístico, muito frequente, mostra apenas o rosto em grande plano ou em plano aproximado do/a protagonista da notícia e 190 caPítulo iii. em câmara oculta não é possível, na maioria das vezes, identiicar nas imagens o tipo ou local do acontecimento, pelo que tais variáveis não são aplicáveis. Gráico 26: Géneros Fotojornalísticos por Género de Deputada/o É interessante notar ainda, quanto à distribuição da variável “Género de Deputada/o” pelos géneros fotojornalísticos que temos uma situação de paridade no género mais nobre, a fotoreportagem. Ao contrário, a fotonotícia destacou-se, tanto para as fotograias que não iguram deputados, como para as dos parlamentares, com maior vantagem para os deputados e para as situações em que ambos estão nas fotos. Mas, para todos os parlamentares, este é o género fotojornalístico que surge em segundo lugar, a seguir à “Identiicação”. O género “Ilustração”, que é também bastante usado, apresenta vários casos igurando deputados. Algo mais raro para elas. Mas sem dúvida que a grande conclusão desta variável é a grande utilização, pelo jornalismo, das fotograias com os “rostos das notícias” e como a repartição por género evidencia uma maior presença visual masculina, de deputados e de outros políticos ou responsáveis de organizações. 191 Política no Feminimo A presença destas imagens indica que estes “rostos” serão participantes de relevo nas histórias noticiadas, uma vez que mereceram destaque fotográico. PA DRÕ ES DE CO B ER TU RA P O R DÉCA DA O p ri m ei ro deb ate so b re I VG : um “o lh ar” col e tivo e p ara fora do h emic i c lo É curioso relacionar o número de fotograias das intervenções em plenário, com o das intervenções efetivamente produzidas em plenário pelos deputados e deputadas (ver no capítulo II “Resultados gerais das intervenções no plenário” ). Em 1984, nas duas sessões de 25 e 26 de Janeiro, falaram 48 deputados masculinos que produziram 335 intervenções em plenário. Disto resultaram duas fotograias nessa situação. No caso das deputadas, tomaram a palavra nas duas sessões de 1984, 5 deputadas diferentes que produziram 24 intervenções em plenário, não resultando nenhuma fotograia delas nesta situação. As intervenções no plenário não constituíram grande interesse fotojornalístico para ambos os géneros nesta data. Nesse ano deu-se privilégio ao que se passou nos intervalos das sessões (no Diário de Notícias e no Diário Popular, sobretudo), em detrimento das sessões propriamente ditas. Os tipos de acontecimentos mais frequentemente fotogrados em 1984 foram precisamente os englobados na categoria “Outros” (23 fotos), seguindo-se as “manifestações” (6 fotos) e os “trabalhos em plenário” (5 fotos, neste caso imagens, geralmente fotograias de conjunto, mostrando os parlamentares no plenário). Na cobertura fotojornalística deste primeiro debate sobre IVG, em 1984, a abordagem parece-nos ser mais 192 caPítulo iii. em câmara oculta coletivista do que centrada nos indivíduos. Isto mesmo é justiicado em termos relativos no gráico 27. Os planos de conjunto representam, para o debate de 1984, 44% das suas fotograias, às quais se deve adicionar 13,3% das fotograias em plano geral ( embora esta escala seja em todos os casos a mais diminuta). Porém a diferença entre o número de fotograias em plano geral em 1984 e as de grandes planos, é de apenas uma foto a menos para o plano geral, o que nunca mais acontecerá na mediatização dos outros debates deste estudo. Esta situação difere da que se regista nos debates subsequentes sobre IVG (ver Gráicos 28 e 30), em que os Grandes Planos estão muitíssimo mais representados e os gerais são praticamente residuais. Os valores relativos para cada um dos debates dos anos 90 nas escalas mais afastadas (conjunto e gerais) é bem inferior, rondando em média cerca de 25% para os planos de conjunto e 4% para os planos gerais. Provavelmente este facto relaciona-se com as mudanças na cultura visual fotográica na história do fotojornalismo português, com uma valorização maior de formas de ver mais interpretativas, detalhadas e, por essa via, mais “dramáticas”, ao colocarem a atenção visual mais perto do assunto. Por outro lado, signiica uma mudança na compreensão do sistema político que dos anos 80 para os anos 90 passa a centrar-se mais no indivíduo do que no coletivo. A ser assim, revela-se aqui o modo como a compreensão de um fenómeno afeta as fotograias que sobre ele se escolhem publicar e como, por sua vez, a sua publicação constrói o seu próprio objeto, reiicando-o. 193 Política no Feminimo Gráico 27: Escalas de Enquadramento de 1984 Universo = 45 fotograias Gráico 28: Escalas de Enquadramento de 1997 IVG Universo = 128 fotograias 194 caPítulo iii. em câmara oculta Gráico 29: Escalas de Enquadramento de 1994 Parlamento Paritário Universo = 26 fotograias Gráico 30: Escalas de Enquadramento de 1998 IVG Universo = 127 fotograias Este maior coletivismo na abordagem fotográica do debate de 1984 vai de encontro ao valor obtido pela variável “Local do Acontecimento”, que aponta que o maior número de imagens respeita a acontecimentos ocorridos “Fora do Parlamento”. Também as 11 imagens que respeitam a intervençoes no hemiciclo quase não mostram os deputados a discursar: há apenas duas fotos nestas circustâncias; as restantes 9 são sobretudo fotograias mostrando grupos de deputados durante os intervalos das sessões. 195 Política no Feminimo Assim, os números quase paritários no debate de 1984 devem-se à presença de ambos - deputados e deputadasnoutros espaços do Parlamento, como os corredores, átrios adjacentes e escadarias, e, principalmente, “Fora do Parlamento” (ver Gráico 23, em cima), o que é condicente com o que se disse a propósito do jornalismo parlamentar neste período ainda próximo da revolução democrática do 25 de Abril com a importância das negociações extra-parlamentares e a “força da rua” (Baptista, 2012). Este fator parece indicar que neste início dos anos 80 as deputadas atraíram muito mais a atenção fora do Parlamento do que dentro. Nos anos 90, elas deixaram de ser representadas fora do espaço Parlamentar, conduzindo-nos à ideia de que o palco parlamentar é para elas essencial à construção da sua visibilidade pública. Figura 4. Diário de Notícias, 26 de janeiro de 1984. Fotograias de Eduardo Tomé. Nesta data, em 1984, o Diário de Notícias publica imagens em friso gráico, estabelecendo comparações e continuidades quase cinematográicas entre as imagens, típico do género fotoreportagem. Nas duas primeiras, vemos momentos do intervalo das sessões, em planos de conjunto, 196 caPítulo iii. em câmara oculta mas sem se localizar o espaço parlamentar. A terceira imagem, é um dos dois casos de fotograias de deputados a discursar, neste caso Adriano Moreira do CDS, num plano aproximado que ainda consegue mostrar o seu auditório atento (tornando-se quase um plano de conjunto), mostrando o orador numa pose direita e formal, a olhar em frente e colhendo a cumplicidade dos deputados que o escutam. A primeira fotograia é um exemplo das negociações masculinas “de bastidores”, numa postura de “luta” fratricida entre dois contendas (Manuel Alegre do PS, à esquerda na imagem, e Silva Marques, do PSD, à direita). Na fotograia central temos um exemplo da representação das deputadas, em alegre conversação, informal e cúmplice, apesar de também se tratar de duas deputadas de partidos diferentes: Zita Seabra, do PCP, e Maria Belo, do PS. Note-se, igualmente, um outro aspeto frequente nas fotograias das deputadas: o olhar para baixo; as posturas de menor frontalidade. Serão estas deputadas menos combativas? Ou o seu estilo de combatividade não é reconhecível ou reconhecido? Pelo menos no caso de Zita Seabra essa característica de maior “contenção” não condiz com o que se sabe da sua ação parlamentar através da consulta dos discursos proferidos e mesmo dos seus comentários “à parte” que surgem registados no Diário da República56. No entanto, a imagem aqui publicada está investida de valores positivos para as deputadas, mostrando o seu contentamento e, de certa forma, contrastando com o modo de representar os homólogos masculinos. Essa diferença parece estar de acordo com os valores associados a cada género: combatividade vs. cooperação; posturas formais e rígidas vs. descontração. Mas a realidade é (sempre) mais complexa (Paxton e Hughes, 2007; Martins, 2012 e 2015). 56 Cf. Diários da República indicados na bibliograia inal. 197 Política no Feminimo Os deb ates na década de 9 0 : o h em i c i c lo c o m o “palco” p ar a as dep utadas Os números “paritários” encontrados para o tipo de acontecimento “Intervenções no Plenário”, relativos à temática do aborto, resultam inteiramente dos debates ocorridos na década de 90 (em 1997 e 1998). Foi nestes debates que as intervenções em plenário brilharam fotograicamente. As deputadas surgem a discursar em plenário em 12 fotograias em 1997 e os deputados em mais duas. Este foi o tipo de acontecimento dominante na mediatização fotojornalística do debate de 1997, tanto para eles como para elas. Se relacionarmos estes dados com os coligidos a propósito das intervenções efetivamente produzidas em plenário neste debate de 1997, veriicamos que participaram 27 deputados que efetuaram 40 intervenções, enquanto elas foram 10 a tomar a palavra para 26 intervenções. Isto acaba por signiicar um bom nível de captação da atenção fotográica por parte das deputadas, que mesmo estando em desvantagem no plenário conseguem uma quase paridade em termos da sua representação fotográica quando estão a discursar. Figura 5 e 6: Público, 21 de fevereiro de 1997. Fotograias de Luís Ramos. Já no debate de 1998, as deputadas são retratadas a discursar em mais 3 fotos do que eles . A maioria das fotos 198 caPítulo iii. em câmara oculta deles em 1998 estão classiicadas no indicador “Outros”. Isso não signiica que eles tenham sido menos fotografados (pois isso não aconteceu). Foram menos fotografados a discursar. Tendo em conta as diferenças face ao indicador “Outros”, regista-se um maior interesse em fotografá-los em acontecimentos fora do Parlamento; elas, deinitivamente, saíram da rua (têm 1 fotograia por debate classiicada “Fora do Parlamento”, enquanto eles apresentam 4 por debate). A questão do referendo que em 1998 viria a tornar-se numa decisão efetiva, ao contrário do que sucedeu em 1997, pode justiicar esta diferença, pois muito desta questão não foi documentada fotograicamente com fotos de deputados a discursar. As deputadas foram objeto de 17 fotograias neste debate de 1998, sendo a maioria das suas fotograias as das intervenções no plenário (quase metade, correspondente a 8 fotos). O segundo maior valor delas para a variável “tipo de acontecimento” em 1998 é o de “outros”, onde as deputadas registaram 4 fotos. No entanto, um valor muito diferente das 19 conseguidas pelos deputados, nesta mesma categoria de “Outros”, o que conirma o que atrás dissemos quanto à maior importância do espaço parlamentar na visibilidade das deputadas, relativamente aos deputados e de todos face aos governantes. O peril de intervenções efetivamente registado neste debate de 1998 foi de 27 intervenções de 16 deputados e de 16 intervenções de 7 deputadas. Embora elas estejam abaixo deles em termos de diversidade de interlocutoras e número total de intervenções conseguiram, ainda assim, mais 3 fotos a discursar em plenário do que eles. 199 Política no Feminimo Figuras 7 e 8: Público, 26 de fevereiro e 19 de fevereiro de 1998, respetivamente. Fotograias de Adriano Miranda. Porque estão as deputadas menos representadas noutros tipos de acontecimentos e noutros espaços extra-Parlamento? Será a sua visibilidade apenas um “lugar formal”? Esta formalidade (a posse do cargo e a tomada de palavra em situação formal) parece, efetivamente, ter um peso maior como critério de noticiabilidade para elas do que para eles. Não é por acaso que a maioria das fotograias delas aparecem a propósito das discussões da Lei enquanto as deles surgem em notícias sobre a controvérsia do referendo, como se pode veriicar no quadro 5. Quadro V: Género de Deputada/o por tipo de enquadramento notícioso na temática da IVG Debates IVG Género de Deputada/o Total Enquadramentos das notícias Deputadas Deputados Ambos NA/ ND Lei do Aborto 1984 8 9 7 21 45 Lei do Aborto 1997 21 31 9 51 112 Referendo ao Aborto 1997 0 6 1 9 16 Lei do Aborto 1998 7 5 3 14 29 Referendo ao Aborto 1998 11 34 10 43 98 Total 47 85 30 138 300 200 caPítulo iii. em câmara oculta Veremos adiante que esta conclusão contrasta com o que se veriicou com a cobertura fotojornalística do Parlamento Paritário, onde a informalidade maior do evento granjeou às deputadas a sua maior visibilidade de sempre. O tipo de acontecimento mais frequentemente fotografado no Parlamento Paritário foram as reuniões (19 fotograias), e a localização foi em “outros espaços no Parlamento” (15 fotograias) e “corredores do parlamento” (com 9 fotos). Tendo em conta que se tratou de uma iniciativa de mulheres, sem caráter oicial, a hipótese que aqui parece poder delinear-se é a de que terá existido um tipo de cobertura com maior conformidade entre o que se espera socialmente das mulheres e o enquadramento mediático deste evento, ainda para mais por se tratar de um acontecimento preparado para os media e fora da rotina parlamentar. O mesmo se pode sugerir relativamente aos dados estatísticos que temos vindo a apresentar para os deputados e para o protagonismo masculino, de forma geral. A sua maior presença nas fotograias das páginas de política e a propósito de um leque maior de eventos políticos, para além das intervenções parlamentares, poderá decorrer também de uma maior conformidade entre os estereótipos do género masculino e a própria ideia socialmente construída de intervenção política. Isto a acrescer a todo um conjunto de fatores que organizam a prática jornalística e a sua auto-compreensão e deinição. Alguns desses elementos são os critérios de noticiabilidade que estruturam a atividade de seleção e construção das notícias, tais como a situação dos deputados e deputadas na hierarquia da Assembleia, nas hierarquias partidárias, no “networking” pessoal de políticos e jornalistas, etc. Contudo, estes fatores por si só não explicam as diferenças quer quantitativas quer, especialmente, qualitativas que encontrámos. Existem certamente razões de ordem simbólica, e muitas vezes inconscientes, que orientam também estas escolhas. 201 Política no Feminimo O estudo de caso que apresentámos noutros lugares (Cabrera, Flores e Martins: 2011; Flores e Mata, 2015), é exemplo da inluência destas diferenças ao nível das expectativas simbólicas, na construção das notícias. Esse estudo compara a representação fotográica de uma deputada e dois deputados que exerciam o mesmo cargo de líderes Parlamentares. Tratou-se de comparar as notícias sobre IVG onde intervinham a deputada Maria José Nogueria Pinto - líder parlamentar do CDS-PP nos debates de 1997 e 1998 - Jorge Lacão - líder parlamentar da bancada do PS em 1997-, e Francisco Assis, com o mesmo cargo, em 1998. Ali, veriicámos a existência de diferenças em termos quantitativos - os elementos masculinos tinham sempre mais fotograias cada um do que o elemento feminino - e em termos qualitativos, mostrando os líderes masculinos e a líder feminina de forma diferenciada quer na imagem quer nas relações estabelecidas entre texto e imagem. Foram encontradas diferenças na gestualidade - eles estão de pé, erguem mãos, olham em frente, e estão rodeados pelos seus pares de bancada, que os olham; ela, olha para baixo, é representada no im do discurso, a desilar, os enquadramentos cortam a sua relação com os seus pares, isolando-a, e é apenas uma vez protagonista do título e da legenda. Eles são sempre, no caso analisado, sujeitos dos títulos e das legendas. Este caso é exemplar porquanto Maria José Nogueira Pinto exercia exatamente o mesmo cargo que os seus colegas masculinos da bancada socialista. A hipótese mais credível para explicar estas diferenças parece poder decorrer da apreciação dos editores quanto à capacidade de cada deputado e da deputada inluenciar a decisão inal sobre a questão em notícia (a decisão sobre o referendo ao aborto)57. Em suma, o exercício de cargos 57 Neste caso há também a questão da política interna do PS, que interessou mais os jornalistas do que as propostas do CDS-PP. O conlito no interior do PS justiica uma maior atenção dada ao PS. Mas a desvalorização da proposta 202 caPítulo iii. em câmara oculta políticos ou governamentais é granjeador de atenção mediática mas associa-se, igualmente, à perceção jornalística do poder simbólico desses políticos, homens e mulheres. Este aspeto simbólico, traduzido na maior expetativa, naturalidade e segurança quanto à capacidade real de inluenciar as decisões políticas, acaba por se traduzir num capital real de inluência desses políticos. Aí pesam as questões de género. Vi si b i li dade das dep utadas dep endente do Pa r lam ento Com exceção do debate de 1984, as deputadas tiveram uma menor capacidade de mobilizar os média para além da sua intervenção parlamentar. A explicação pode residir na importância que as negociações e as histórias de bastidores têm para os jornalistas e no facto de o debate parlamentar por si só parecer insuiciente para o enquadramento das notícias. Se as deputadas parecem estar menos envolvidas nos lugares de decisão e “intriga” política de bastidores, isso terá relexos na sua visibilidade mediática, tanto fotográica quanto textual. A intriga de bastidores esteve presente no caso do Parlamento Paritário mas num contexto considerado fantasioso e pouco sério. Nos assuntos de género que aqui estudamos, o palco foi apenas dado às mulheres naqueles casos considerados menos importantes politicamente ou/e votados ao fracasso. A sua presença em força nas fotograias sobre a paridade nos cargos políticos pareceu merecer um tratamento genérico de “ilustração temática” da própria paridade, com o arregimentar das mulheres por parte dos partidos e dos media. de Maria José Nogueira Pinto (sobre a personalidade jurídica do feto) aconteceu de forma visível, não tendo sido levada a sério pelo tratamento noticioso. 203 Política no Feminimo AS FO RM A S MA IS TÍPICA S DE REP RES EN TAÇÃO FOTO G RÁ FICA DA S DEP U TA DA S E DO S DE P U TA DOS Apresentamos, de seguida, uma súmula dos resultados mais signiicativos das variáveis referentes aos diferentes aspetos das fotograias estudadas. Para que aqueles sejam mais facilmente visualizáveis, optámos por selecionar algumas das fotograias do corpus que melhor os exempliicam, pretendendo assim evidenciar algumas das grandes conclusões sobre os modos de representação visual de deputados e deputadas. O quadro seguinte resume a “fotograia-tipo” de cada género, que a seguir se ilustra e discute. Quadro VI - Critérios mais representativos das fotograias por género Critérios Género fotojornalístico 1 Género fotojornalístico 2 Local do Acontecimento Temática de Género Deputadas Identiicação Fotonotícia Intervenção no plenário (a discursar) Hemiciclo Paridade Debate mais representado Debate de 1997 (IVG) Tipo de Acontecimento Grande Plano ou Plano Aproximado Ângulo Frontal Composição Estática Tipo de Enquadramento Fechado Focagem Focado Relação com o Espectador Exclusão Fonte: Projeto Poliítica no Feminino Escala Deputados Identiicação Fotonotícia “Outros” “Outros” IVG Debate de 1998 (IVG) Grande Plano ou Plano Aproximado Frontal Estática Aberto Focado Exclusão Eis algumas das fotograias que melhor respondem a estes critérios e que são, meramente exempliicativas. 204 caPítulo iii. em câmara oculta Figuras 9 e 10: Deputada Isabel Castro (Verdes) e deputado Strecht Monteiro (PS). Fotograias sem autor identiicado Vejamo-las, em seguida, no seu contexto original nos jornais Diário de Noticias e Público. Figuras 11 e 12: Diário de Notícias, 21 de fevereiro de 1997 e Público, 10 de fevereiro de 1998. Fotograias sem autor identiicado. Estas fotograias do género fotojornalístico de “Identiicação” não permitem situar nem o local nem o tipo de acontecimento. Daí que, na indagação sobre as fotos que melhor representam os resultados mais típicos encontrados é necessário mostrar fotograias do género “fotonotícia” e com escalas mais distanciadas, ao nível do plano aproximado ou mesmo do plano de conjunto, para que possam exempliicar a maioria dos critérios elencados no quadro. Eis algumas possibilidades: 205 Política no Feminimo Figuras 13 e 14: Helena Roseta, Público, 21 de fevereiro de 1997; Manuel Alegre e Francisco Assis, Expresso, 7 de fevereiro de 1998. Fotograia de Luís Ramos e de autor não identiicado, respetivamente. Figuras 15 e 16: Natalia Correia discursa em 1982. Diário de Noticias, 19 de fevereiro de 1997; O deputado Sérgio Sousa Pinto e o Ministro Jorge Coelho, Público, 7 de fevereiro de 1998. Fotograia do DN sem autor identiicado. Fotograia do jornal Público de Daniel Rocha. Numa primeira apreciação destas imagens, notamos imediatamente a maior diversidade de situações, gestos e efeitos estéticos mobilizados nas fotograias dos deputados, face às das deputadas. Esta situação resulta precisamente de termos mais fotograias das deputadas a discursar no hemiciclo ao contrário do que sucede com a 206 caPítulo iii. em câmara oculta representação fotográica dos deputados. Um indicador do recurso a soluções estilísticas mais abrangentes e diversiicadas pode encontrar-se, igualmente, se examinarmos os resultados estatísticos da distribuição da variável “Tipo de Legenda” pelas fotograias de deputadas e deputados. Como mostra o gráico 31, o grande valor para as fotos onde surgem deputados é a categoria “Complementaridade”, indicando uma relação mais dinâmica entre o texto da legenda e a imagem, com os deputados a classiicarem aí metade das suas fotograias. Isto signiica que as legendas das suas fotograias acrescentam informação complementar que vai muito para além da legenda denotativa, o tipo de legenda simples que se limita à identiicação de “quem” ,“onde” e “quando” num estilo referencial. Há um conteúdo mais político das legendas de “complementaridade” que transparece nestes resultados. Gráico 31: Tipo de legenda nas notícias sobre IVG Note-se como nas fotograias com deputados, o segundo valor mais frequente foi para a legenda com ancoragem denotativa, mas esse valor está muito abaixo do conseguido pela “complementaridade”. No caso das fotograias onde aparecem deputadas, predominam as legendas denotativas. A complementaridade e o recurso à conotação são os valores seguintes, por esta ordem, mas com uma distribuição mais equitativa, sem diferenças muito 207 Política no Feminimo acentuadas e sempre abaixo dos valores encontrados para as fotograias com deputados, que são a maioria. Outra das diferenças de género que encontrámos nestas fotograias, e que um rápido olhar sobre os exemplos que aqui apresentamos permite tornar evidente, reporta-se à variável “Tipo de Enquadramento”. Como se pode veriicar no gráico 32, as deputadas são maioritariamente representadas em enquadramentos fechados - isso acontece em 38 das fotograias onde aparecem. Este valor é mais alto do que o conseguido, nesta categoria, para as fotos com deputados, que classiicaram aqui 35 das suas fotos, menos 3 que as deputadas. Nas fotograias onde eles surgem, predominam os enquadramentos abertos de forma bastante marcada, com 52 fotos, mais 22 que as das deputadas. Gráico 32: Tipo de Enquadramento nas fotograias sobre todos os temas A fotograia implica sempre cesura, porém, no enquadramento aberto faz-se apelo explícito a esse corte trazendo para a imagem esse mundo-lá-fora através dos seus índices. No enquadramento fechado a cesura também existe, já que ela é uma condição do fotográico, mas não é revelada ou evidenciada e estes índices tendem a ser eliminados. O quadro torna-se moldura para iluminar o objeto isolado e não condição mais ou menos aleatória da visibilidade, como acontece no enquadramento aberto. 208 caPítulo iii. em câmara oculta Esta condição de isolamento das iguras femininas, traduzida nesta ideia de moldura, remete para a problemática da representação visual da mulher e do seu corpo como objetos do olhar, que permanece um tema central dos estudos feministas da imagem. Se não encontrámos evidências de um exercício voyeurista mais estrito em relação às deputadas, os resultados tão surpreendentes desta variável parecem-nos poder explicar-se se os relacionarmos com a representação da liderança. Que aspetos podem caracterizar esta representação? Um deles, parece poder ser a representação da relação entre líderes e liderados. O destaque do líder face aos liderados que o rodeam surge de forma frequente nas representações do poder em diversas imagens da nossa história visual. Isto implica, quase sempre, a inclusão na imagem de iguras que apoiem e apreciem a ação do líder (os “reatores”). No nosso estudo esta inclusão de liderados é praticamente inexistente nas imagens que representam deputadas, sempre “cortadas” das relações com os seus pares, sem seguidores visíveis ou relações com um contexto que permitam que as olhemos como elementos catalizadores de uma realidade que seriam capazes de dominar ou, pelo menos, de nela se situarem. Ao cortá-las da “realidade”, eliminando o fora-de-campo, estas imagens mostram as mulheres fragilizadas enquanto líderes e, ao contrário dos homens, parecem nada poder fazer por nós. O seu poder resulta diminuído. Repare-se na foto da igura 14, que pode ser vista no seu contexto original na igura 17. Manuel Alegre surge de “costas voltadas” para Francisco Assis, que de um modo quase alheado olha na direção da câmara. A legenda é complementar ao resumir a história que se conta nesta fotograia e noutra que a precede, com o protagonista principal da notícia: Marcelo Rebelo de Sousa, então líder 209 Política no Feminimo do PSD, embora não fosse deputado parlamentar. Marcelo é representado a discursar com o grupo de dirigentes por trás, uma verdadeira “linha” de apoio, e não surge isolado. Toma a palavra na sede nacional do partido. Figura 17 : Expresso, 7 de fevereiro de 1998. Excerto da legenda: “(...)o líder do PSD lançou a confusão no PS”. Fotograias sem autor identiicado. Por sua vez, a fotograia dos dois deputados socialistas, através da ação da legenda e do contexto geral do artigo, passa a simbolizar o “estado de choque” do PS e a “confusão” no interior do grupo parlamentar: de poses meramente circunstanciais, as posturas dos dois deputados adquirem o sentido conotativo de “desorientação” e “desentendimento”. Passamos a lê-las como indicadores de que, no interior do PS, que metonimicamente representam, “cada um está para seu lado”. A fotograia torna-se expressão da “confusão” sublinhada na legenda. 210 caPítulo iii. em câmara oculta Este exemplo mostra que grande número das legendas classiicadas como complementares induzem, igualmente, um sentido conotativo à imagem. Quanto aos enquadramentos, tanto a fotograia de Marcelo Rebelo de Sousa quanto a dos deputados socialistas apresentam enquadramentos abertos: o líder social democrata olha em frente, convocando o fora-de-campo. Alegre e Assis, numa escala de semi-conjunto, estão rodeados por jornalistas, visíveis na imagem. Assis surge um pouco cortado pelo enquadramento e o seu olhar perde-se entre o/a espetador/a e alguém (outros jornalistas?) à sua frente. Estão fora do espaço Parlamentar e a visibilidade do teto e do repórter “abrem” e dinamizam, em termos de composição, esta imagem, colocando-os num espaço que percebemos extravasa o quadro. Imagem da desorientação, estes deputados, aqui, não têm os atributos de liderança que vemos na foto de Marcelo Rebelo de Sousa. As deputadas, para além de olharem persistentemente para baixo, muitas vezes segurando papéis, não surgem nas fotograias em relação com os seus pares. Veja-se também a fotograia da igura nº 8. Helena Roseta ergue-se para protestar mas tudo à sua volta está desfocado. O enquadramento é aberto, desta vez, e a composição dinâmica mas, ainda assim, a solução encontrada isola a deputada. Compare-se com a fotograia da igura nº 11, com o título “As convicções e o referendo”. Esta fotograia mostra o momento em que o deputado social democrata Rui Rio, rompendo a disciplina de voto, se levanta para votar a favor da Lei da IVG. Roseta protestava: “Guterres é do PS não é o PS que é de Guterres!”, frase que daria uma excelente manchete mas foi remetida para a legenda. Rui Rio votava. Mas ambos se ergueram. Rio poderia ter sido representado isolado. Mas não foi. Podemos argumentar que era essencial criar o contraste entre a parte e o todo. 211 Política no Feminimo No entanto, esse contraste não foi considerado importante na foto de Helena Roseta, numa situação similar. Repare-se ainda no facto de Roseta não ser a protagonista da notícia. No título pode ler-se “Assis denuncia campanha”, embora, neste caso, a deputada surja como protagonista na legenda. Pelo contrário, Rui Rio é o sujeito da ação na legenda (“Resistente: Rui Rio assumiu o seu voto a favor apesar das pressões”) e no título, embora indiretamente (“As convicções e o referendo”) pois o seu “caso” exempliica a inluência das “convicções” a que o título alude. Importante nesta imagem é ainda a presença de um “reator” (para usarmos a terminologia proposta pela socio-semiótica na análise às narrativas visuais): o deputado Carlos Pinto, sentado na última bancada, no canto superior direito da imagem, olha para o gesto de Rio. Este facto marca, quanto a nós, a representação da liderança, uma vez que implica, na sua airmação, a presença dos liderados e a representação visual do seu apoio, como acima referimos. Uma outra variável com resultados que apontam para uma distinção de género é ainda, a variável “Relação com o/a espetador/a”. Nas fotograias do nosso corpus predominam os casos de exclusão do espetador, tanto para as fotos das deputadas como para as dos deputados, como mostram os gráicos 33 e 34 , que distribuem os valores por temática de género. Em qualquer dos casos, a categoria mais forte é sempre a da “exclusão”. Esta característica signiica colocar o leitor da imagem como voyeur exterior aos acontecimentos ou descrições retratados e corresponde a uma menor autoreferencialidade da imagem, ou seja, as iguras representadas agem como se a câmara lá não estivesse. Esta estratégia é consonante com o valor testemunhal que a fotograia assume no jornalismo e em particular também, 212 caPítulo iii. em câmara oculta com o reconhecimento do seu valor narrativo que rompe com os padrões oitocentistas do retrato e da pose, mais ou menos protocolares, onde as pessoas interrompiam as suas ações para serem fotografadas ou elaboravam as fotograias em sessões próprias. Nesta tradição retratista, era mais comum os retratados olharem diretamente a câmara, o que, de resto, continua válido nos nossos dias. Na história do fotojornalismo, a rutura com estas imagens mais protocolares e ligadas ao retrato58, surge associada à invenção da câmara Leica, em 1925, dadas as suas inovadoras características de leveza e qualidade das lentes, permitindo ao fotógrafo ou fotógrafa59 uma integração única entre o seu corpo e o dispositivo, tornado verdadeira prótese do olhar. A mobilidade do fotógrafo e a dispensa do uso de tripé (até então obrigatório para garantir imagens nítidas), permitem que a fotograia se torne um veículo de comunicação dos acontecimentos mais velozes e moventes, como as guerras, e verdadeira testemunha das histórias das pessoas e da História dos povos. Curiosamente, isto não signiica que as pessoas deixem de olhar a câmara - continuam os olhares intensos ou furtivos para o espetador mas multiplicam-se as possibilidades do fotógrafo passar despercebido e da fotograia se distanciar dos acontecimentos mostrados, assumindo a posição de um narrador-câmara não participante, que passou a ser um desígnio do fotógrafo, e, curiosamente, parte não contraditória da sua 58 Bem como com as fotograias de paisagem, geralmente representando monumentos ou locais facilmente reconheciveis e cuja tradição surge da gravura e persiste durante muito tempo ainda, enquanto gravura a partir de fotograias, ao longo do século XIX e princípios do XX. 59 A maioria dos fotógrafos proissionais eram homens. Essa realidade não se alterou ainda, apesar da entrada progressiva das mulheres como fotojornalistas. No nosso trabalho identiicámos fotograias de 73 nomes diferentes, apenas 5 eram de mulheres: Alexandra Silva, Ana Baião, Daniela Roxo, Úrsula Zangger e Céu Guerra. 213 Política no Feminimo ideia de “interpretação fotográica” do mundo. Daí essa associação entre a categoria “exclusão do/a espetador/a” e a retórica da objetividade, produzida por essa distanciação e pela ausência de marcas de autoreferencialidade, que um olhar para a câmara implica. Talvez por isso, abundem imagens sem implicação direta do espetador no jornalismo político e, em particular, nas fotograias que representam quer deputadas quer deputados, criando o que poderemos designar de uma “aproximação distanciada”, mais racional e objetivante dos agentes políticos 60. Aspetos mais importantes para os géneros fotojornalísticos da reportagem e da notícia. Pelo contrário, em tudo o que se aproxima da tradição do retrato, temos uma grande probabilidade de encontrarmos imagens em que os protagonistas representados interpelem quem vê a imagem, simulando olharem-nos. Uma categoria de interpelação que Van Leeuwen e Kress designam por “imagem pedido” (2006). Gráico 33: Relação com o Espectador nas fotograias sobre IVG 60 Seria interessante perceber se este padrão é comum a outras áreas do jornalismo, como na economia, na cultura ou no desporto. Nas revistas que designamos “do social” parece-nos mais evidente que encontramos as pessoas a olhar a câmara, em produções especíicas mostrando-se a si e aos seus bens, como forma de granjear um determinado estatuto social - o que antes era conseguido com a encomenda de pinturas aos artistas para retratar proprietários e propriedades. 214 caPítulo iii. em câmara oculta Gráico 34: Relação com o Espectador nas fotograias sobre Paridade No nosso corpus, e em termos de frequências, muitas das imagens que chamamos de “identiicação” também não representam os seus retratados a olhar o espetador ou a espetadora, embora algumas o façam. Muitas destas imagens não são originalmente retratos, mas reenquadramentos de outras imagens. Apesar desta supremacia das “imagens oferta”, tornando-as as mais típicas do nosso corpus - e de que algumas aqui apresentadas, são exemplo - os gráicos também nos mostram que a maior parte das fotograias classiicadas na categoria de “inclusão” têm deputadas representadas, indicando que, muito provavelmente, sejam elas a olhar o espetador61. Em termos globais esse número é o dobro 61 Uma vez que esta variável assinala a presença de deputadas ou deputados, ou de ambos, nas fotos, isso não signiica que estejam lá apenas pessoas com esse cargo. Podem estar acompanhadas e acompanhados por outras pessoas, tanto homens como mulheres, de outros cargos. Isso acontece algumas vezes, embora essa diferenciação não tenha sido feita através desta variável. Isso só não acontece, de facto, nas fotos de identiicação as quais, por deinição, mostram apenas um rosto. O que signiica que apesar de na maior parte dos casos acreditarmos que nas fotograias onde aparecem deputados ou deputadas sejam eles ou elas a olhar para nós, isso não foi efetivamente medido por esta categoria (que nos diz se há ou não alguém a olhar para nós, mas não diz quem). 215 Política no Feminimo do que acontece para os deputados. Ou seja, em ambos o maior valor é o da categoria “exclusão”. Ainda assim, quando considerada a categoria “inclusão”, as deputadas registam aí um maior valor que os deputados. Dito de outro modo : há mais casos de fotograias com deputadas em que alguém olha o espetador do que no caso das fotograias com deputados. Quando observamos esta variável por temática de género, veriicamos que muito embora o número de fotograias de deputadas classiicadas como de “inclusão” seja praticamente idêntico nas duas temáticas estudadas, este valor adquire signiicados diferentes. Na realidade, na temática da paridade ele é o valor mais alto conseguido entre as fotograias dos parlamentares, o que não acontece no caso da temática da IVG. A “inclusão” do espetador foi, por isso, mais expressiva, em termos relativos, na temática da paridade, que, por sinal, vimos ser aquela com maior protagonismo das mulheres. John Berger em Modos de Ver (1982) ao analisar a representação do nu feminino na pintura ocidental, identiica a recorrência deste dipositivo retórico de colocar a mulher representada a olhar o espetador como uma forma de sedução e de imediata transformação do corpo representado da mulher em objeto de prazer escópico do eventual patrono da obra (geralmente masculino). Teresa de Lauretis (1987) e Laura Mulvey (1989) têm estudado as implicações do cinema narrativo de Hollywood para a construção social da identidade de género, onde a divisão entre a mulher como objeto e o espetador como sujeito masculino são categorias recorrentes e que afetam a cultura visual ocidental, naturalizando-a. O facto de ser a cobertura fotojornalística do Parlamento Paritário o principal responsável pelos dados obtidos na temática da paridade para esta variável da “Relação com 216 caPítulo iii. em câmara oculta o/a Espetador/a”, pode signiicar a presença de alguns aspetos desta tradição, uma vez que este evento saiu do padrão mais convencional do jornalismo político, sendo aproximado de um evento “social”. Nesta cobertura existiram mais fotoreportagens e deu-se lugar a retratos e “produções fotográicas” com as eurodeputadas, as quais propiciaram este maior envolvimento com o espetador e espetadora, menos presente nas fotograias “mais políticas”. Quando temos fotograias que usam os códigos do retrato - como foi o caso de muitas das fotos do Parlamento Paritário, muitas vezes com retratos coletivos - e que resultam de uma produção própria dos jornais - a “inclusão” de quem olha acaba por ser mais frequente, precisamente porque “olhar” o/a espectador/a é um dos seus códigos, tanto para os homens como para as mulheres. Estes casos de destaque, com produções fotográicas preparadas, saem fora da rotina mais noticiosa dos outros géneros fotojornalísticos onde prepondera, pelo menos nos casos que estudámos, a “exclusão” do espetador e da espetadora. Ainda assim, nas fotos de “Identiicação” que são grandes planos do rosto existem casos em que as iguras retratadas nos olham, parecendo interperlar-nos (como são todos os casos da Figura 19 do Jornal O Independente, por sinal apenas mostrando homens, nem todos deputados). Porém, como nos mostram as estatísticas, olhar a câmara não acontece na maioria dos casos. Nas fotograias do género “Identiicação” não encontrámos, em termos formais da imagem, signiicativas diferenças de género. A grande diferença encontra-se na frequência do seu uso: existem muito mais fotograias de “Identiicação” representando deputados e outros protagonistas masculinos do que deputadas e outras mulheres. Estas fotograias, centradas nos rostos dos retratados, são normalmente reenquadramentos de outras imagens que 217 Política no Feminimo o jornal já possui em arquivo, geralmente publicadas sem a menção do seu autor ou autora, e onde por vezes os/as protagonistas foram fotografados/as a falar ou em atitudes de escuta e atenção a qualquer coisa fora de campo ou, menos vezes, a olhar o espetador num típico retrato. São sempre usos recontextualizados de fotograias, mostrando a versatilidade deste medium e as imensas possibilidades de signiicação e daí, também, a ausência de menção ao/à autor/a. O facto de o caso de maior protagonismo feminino possuir apenas duas fotograias de “Identiicação” pode ser em si um indício da mais fácil associação de género entre estas imagens de “rostos” e a masculinidade quando se trata de estabelecer uma rápida associação entre uma notícia e os seus protagonistas. Alguns estudos sobre os rácios entre “rosto/corpo” (“face-to-body ratio”) revelados pelas fotograias publicadas na imprensa têm mostrado que os homens são mais representados com maior proeminência do rosto face ao corpo, ao contrário das mulheres. Archer et al. (1983), no estudo pioneiro sobre esta matéria, chegou a uma proporção de .65 de rosto face ao corpo nas fotograias dos homens, enquanto que nas fotograias de mulheres o resultado foi de .45. Isto signiica que no caso das fotos masculinas mais de metade da fotograia é dedicada a representar as características faciais, enquanto que nas fotograias das mulheres mais de metade das fotograias são dedicadas a representar as características corporais. Neste estudo explica-se a diferença pelos valores de género investidos nas fotograias. Explica-se que os homens são mais valorizados como racionais e mentais o que leva a mostrar mais o seu rosto, enquanto as mulheres são consideradas mais emocionais e as suas qualidades quanto ao aspeto físico são mais valorizadas, o 218 caPítulo iii. em câmara oculta que explicaria a maior atenção fotográica ao seu corpo. A sua identidade não é construída tanto pela sua individualidade expressa no rosto mas na normatividade do seu corpo, expressando a tendência de a considerar objeto do olhar, mesmo naqueles casos em que a mulher é protagonista da imagem e da ação. Justin L. Matthews num estudo de 2007 introduz a variável categoria proissional, que aqui nos interessa especialmente uma vez que estamos a comparar homens e mulheres parlamentares. Os seus resultados, depois de analisar 779 fotograias de seis revistas americanas durante o ano de 2004, apontam para uma representação desigual no que concerne ao rácio “rosto-corpo” dentro das mesmas proissões de acordo com o género: “A interação ocupacional por género indicou que os homens em ocupações centradas no intelecto tiveram rácios rosto/corpo mais elevados que as mulheres em proissões semelhantes, enquanto que as mulheres em ocupações físicas obtiveram rácios mais elevados que os homens para as mesmas ocupações. Isto mostra a disparidade nos media no que respeita a mostrar homens e mulheres de forma igual em papéis ocupacionais similares” (Matthews, 2007:. 515) Se considerarmos o cargo de deputado e deputada dentro das proissões intelectuais, os nossos resultados, apesar de não seguirem esta metodologia, podem ser relacinados com estes, uma vez que também constatámos uma predominância de rostos masculinos face aos femininos, reletindo o maior protagonismo masculino nas notícias e, de acordo com aqueles autores, a associação naturalizada entre valores mentais e género masculino, traduzidos numa maior proeminância do rosto face ao corpo nas fotograias dos homens publicadas na imprensa. 219 Política no Feminimo Um exame dos gráicos que mostram os resultados obtidos para a variável “Escala do Enquadramento” por temática permite alguma conirmação destas conclusões. Gráico 35: Escala de Planos nas fotograias do Parlamento Paritário Gráico 36: Escala de Planos nas fotograias sobre IVG Comparando os resultados apenas da cobertura fotojornalística do Parlamento Paritário, o evento onde as mulheres e as deputadas foram as grandes protagonistas das fotograias, veriicamos a ausência de fotograias em “grande plano”, aquelas que, tratando-se da representação de pessoas, como é o caso, mostram o “rosto”. Não existe nenhuma neste evento. Predominam as escalas aproximadas (que podem mostrar desde o peito até quase aos joelhos) ou as escalas de conjunto, mostrando sobretudo “ambos”, deputadas e deputados. Já os resultados dos 220 caPítulo iii. em câmara oculta debates sobre IVG, que como vimos izeram publicar uma maioria de fotograias com elementos masculinos, a escala “dos rostos” sobe consideravelmente. Al g uns u sos retóricos das fotogra f i a s d e ro s t o s Encontramos três grandes usos retóricos destas fotograias de “rostos” nos jornais estudados, embora não tenhamos realizado qualquer estudo relativo a possíveis diferenças de género nestes usos particulares, para além da diferente quantidade de imagens de uns e outras. Uma das utilizações é exempliicada pela igura 12. Trata-se de recorrer a estas pequenas fotos de rostos para ilustrar peças onde se resumem posições contrárias sobre um assunto. É muito recorrente na maioria dos jornais estudados, especialmente, associadas a pequenas entrevistas de “rotina”, muitas vezes conseguidas por telefone e para satisfazer os desígnios do contraditório ou da complementaridade da informação. A função destas fotograias é a de identiicar os inquiridos, criar o seu conhecimento e reconhecimento públicos, e, neste caso, ilustrar as entrevistas62. 62 Uma função um pouco distinta do que chamamos simplesmente “ilustração”, mas que está presente de forma clara no género fotojornalístico da “identiicação”, porquanto dá imagem ao protagonista do texto e, neste sentido ilustra-o. No entanto, distingue-se do género fotojornalístico que designamos “ilustração” porque neste trata-se de uma evocação temática e simbólica, aproximada da função da ilustração em desenho, situando-se diretamente nessa tradição. A tradição do género identiicação é mais especíica no sentido da iguração da identidade de alguém de quem se fala e tem a sua origem nas narrativas isiognómicas do século XIX que se tornou um género de literatura de cordel e teve também relexos no jornalismo novecentista, inspirando muitos ilustradores, sobretudo os caricaturistas (com os célebres Panteões). 221 Política no Feminimo Um segundo tipo de uso retórico destas imagens de rostos acontece nos jornais muito dedicados ao comentário político, em artigos de análise política do dia ou da semana, destacando os protagonistas dos casos mais emblemáticos, ou o “sobe e desce” da sua respetiva popularidade, geralmente resultado da opinião do comentador ou jornalista, que pela sua autoridade no jornal é também analista político. Como é o caso das iguras 18 e 19, com exemplos de dois jornais onde é muito frequente esta solução retórica. Figura 18 . Público, 21 de fevereiro de 1998. Fotograias sem autor identiicado 222 caPítulo iii. em câmara oculta Figura 19. O Independente, 6 de fevereiro de 1998. Fotograias sem autor identiicado Finalmente, identiicamos um outro caso típico do uso destas imagens para destacar vários protagonistas do acontecimento que se noticia e resumir posições diferenciadas sobre o mesmo assunto, evidenciar ações ou declarações marcantes, num estilo mais noticioso do que o do exemplo anterior, que é sobretudo ligado ao comentário e à opinião. A especiicidade deste uso é o destaque de protagonistas e o resumo da sua ação política e da sua inluência no acontecimento noticiado, esclarecendo e complementando a notícia principal, geralmente contígua a estes frisos ou caixas gráicas. Veja-se a igura 20 e a sua lógica de composição das diversas fotograias construindo frisos cujo sentido pode ser associado à ideia de diversidade e de panóplia de opini223 Política no Feminimo ões ou ações. Estes frisos constituem uma estratégia retórica particularmente presente nos jornais Público e Diário de Notícias, embora também a encontremos n’ O Independente. Esta utilização tende também a apresentar as iguras com gestos mais efusivos e “em ação”, apesar das escalas mais próximas, que também permitem uma visão mais detalhada, contribuindo para uma caracterização visual das iguras e propiciando o seu conhecimento e reconhecimento. Figura 20 . Diário de Notícias, 5 de fevereiro de 1998. Fotograias sem autor identiicado. Estas imagens do género fotojornalístico de “Identiicação” estão também de acordo com outros aspetos formais das imagens de deputadas e deputados: quanto à escala, pois predominam em ambos os géneros as escalas mais próximas (grande plano e plano aproximado); quanto ao enfoque, pois são predominantemente imagens focadas e com ângulos de visão frontais, sem termos encontrado, em termos estatísticos, grandes diferenças de género quanto a estes aspetos. A maioria destas imagens apresentam também composições predominantemente estáticas, as quais caracterizam as fotos de ambos os géneros. 224 caPítulo iii. em câmara oculta CO N CLU S Õ ES : A CO N S TR U ÇÃO DA V IS IB ILIDA DE FOTO G RÁ FICA DE DEP U TA DA S E DE P UTA DOS Neste capítulo apresentámos os resultados da análise quantitativa da cobertura fotojornalística de seis debates parlamentares sobre duas temáticas de género: os debates sobre Interrupção Voluntária da Gravidez (1984, 1997 e 1998); e os debates sobre a Lei da Paridade Política (1994, 1999 e 2001). Este estudo considerou as publicações diárias Diário de Notícias, Diário Popular, Público e Correio da Manhã e as publicações semanais Expresso e O Independente. Recolhemos todas as notícias sobre aqueles debates publicadas num leque temporal de um mês antes e um mês depois da data de cada debate e que envolvessem referências à ação de deputadas e deputados ou o envolvimento do Parlamento, obtendo um total de 271 peças jornalísticas e 342 fotograias. O objetivo do estudo foi caracterizar a representação fotográica destes e destas parlamentares, identiicando e comparando padrões de cobertura nos diferentes jornais e os modos de representação visual de género destes agentes políticos. Escolhemos estudar a cobertura fotojornalística de sessões parlamentares que incidissem sobre leis que colocavam as mulheres no centro do debate político com o objetivo de averiguar o modo como a sua ação enquanto sujeitos e agentes políticos era constituída visualmente por comparação com os seus homólogos masculinos, em assuntos em que as mulheres eram também os principais objetos da discussão. Quisemos considerar igualmente a presença de outros cargos políticos nas fotograias destes assuntos a im de perceber a visibilidade fotográica dada a este cargo pelos jornais estudados, na relação com outros protagonistas. 225 Política no Feminimo Num primeiro momento, apresentámos os resultados relativos à caracterização da cobertura fotojornalística em cada uma das publicações relativamente a indicadores de caracterização geral: número de peças e de fotograias por publicação e debate, agregados também pelas duas temáticas de género consideradas; valorização do assunto em primeira página ou páginas interiores; proeminência dada ao texto, à imagem ou equivalente; géneros fotojornalísticos privilegiados por cada publicação; fonte da fotograia e a sua temporalidade. Estas variáveis permitiram compreender os padrões de cobertura fotográica daqueles debates e a saliência que obtiveram em cada publicação, segundo alguns dos critérios mais comuns na pesquisa quantitativa em jornalismo. Num segundo momento, apresentámos os resultados de variáveis mais especíicas no que concerne à caracterização dos modos de representação de deputadas e deputados. As variáveis mobilizadas para o efeito foram: distribuição de todas as fotograias pela variável “Género de Deputada/Deputado”, a im de saber em quantas fotograias surgem, e ainda por debate, assunto de género e publicação; comparação entre estes resultados e a taxa de atividade parlamentar apurada a partir das transcrições parlamentares em Diário da República; distribuição de todas as fotograias pela variável “Destaque de Género” para determinar o protagonismo feminino ou masculino nas fotograias; protagonismo de género no caso das fotograias apenas de deputadas e deputados; o mesmo protagonismo em cada temática de género e por debate e publicação; Local e Tipo de acontecimento em que deputadas e deputados mais são retratados; Géneros fotojornalísticos predominantes para representar as ações de deputadas e deputados; padrões de cobertura destes diversos elementos por década e publicação; escalas de 226 caPítulo iii. em câmara oculta enquadramento para representar deputadas e deputados bem como uma caracterização dos modos de representação fotográicos mais típicos para deputadas e deputados considerando, para além da escala, outros elementos formais como o ângulo de visão, o foco, a composição dinâmica ou estática, o enquadramento aberto ou fechado e os locais e tipos de acontecimentos mais retratados por género. Considerou-se ainda a relevância de género que pode ser atribuída à variável “Tipo de legenda”. Terminámos com uma análise de um dos géneros fotojornalísticos mais usados, o género que designámos por “Identiicação” e a despistagem de três estratégias retóricas do seu uso jornalístico. Esta abordagem permite uma leitura de alguns indicadores da visibilidade das deputadas e dos deputados nos diversos jornais, e equacionar alguns dos signiicados investidos na sua representação. As principais conclusões quanto aos indicadores de caracterização geral apontam para uma atenção desigual dada globalmente a cada uma das temáticas de género, com os três debates sobre o aborto a merecerem um destaque fotográico muito maior em todos os jornais do que os três debates sobre a participação política das mulheres. Esta diferença de interesse produziu um crescendo em número de fotograias entre 1984 e 1998, o último debate sobre IVG estudado. No caso do assunto da paridade, houve uma diminuição drástica do número de fotograias entre 1994, data do Parlamento Partidário, e 2001, o último debate sobre paridade estudado, onde apenas o jornal Público lhe deu destaque fotográico. Mais nenhuma outra publicação o fez. A maior atenção mediática foi para o Parlamento Paritário que granjeou grande atenção tendo feito justiça à sua natureza de pseudo-acontecimento, preparado com 227 Política no Feminimo o propósito conseguido de atrair os media e colocar na agenda o assunto da participação política das mulheres que se constituiu num trunfo do ciclo político de Guterres, a ter início em 1995, um ano depois deste Parlamento Paritário. Este assunto beneiciou em 1994 do apoio de Guterres, líder do PS, bem como do apoio dos dirigentes (masculinos) do partido. Esta situação parece apontar para uma maior diiculdade das deputadas em conseguirem marcar a agenda política sem o apoio institucional e simbólico masculino. Comparando com o protagonismo dado às deputadas e aos deputados nas diversas temáticas de género, concluímos que os grandes protagonistas dos debates de maior impacto público foram os deputados e que elas surgem a protagonizar um assunto a que não foi dada saliência mediática nem política. Este fator, pode ser explicado pela menor mobilização das cúpulas políticas partidárias, geralmente masculinas, relativamente ao assunto da participação política das mulheres. Enquadramento que foi inteiramente seguido pelos jornais estudados. A atitude dos partidos foi “ilustrativa”, fazendo-se representar no parlamento por deputadas mas sem lhes atribuir real peso político, espelhado na cobertura fotojornalística. Outro fator, tem que ver com a expectativa relativamente à possibilidade da lei passar. Esta era baixa, o que também justiica a menor atenção dos media. Traduz igualmente, uma menor autonomia destes face às determinações das suas fontes partidárias. Existe ainda um fator simbólico ligado às expectativas de poder, conlito e intriga que parecem diminuir quando o sujeito da ação é uma deputada, aspeto que concluímos a propósito do caso de Maria José Nogueira Pinto enquanto líder da bancada do seu partido e que a manteve, em termos de número de fotograias publicadas, sempre abaixo dos números conseguidos pelos seus 228 caPítulo iii. em câmara oculta colegas masculinos que ocupavam o mesmo cargo noutros partidos. Este facto parece apontar para a situação referida de que embora a ocupação de cargos seja granjeadora de visibilidade nos media, não basta no caso das mulheres, exigindo uma ratiicação simbólica masculina. Do ponto de vista dos padrões de mediatização por publicação, o Diário de Notícias destaca-se como o jornal que mais fotograias publicou, principalmente sobre IVG. Foi o que mais destaque deu aos assuntos de género (com exceção do debate de 2001) em termos de primeira página, e recorreu principalmente ao género da fotonotícia, seguido do género de identiicação. Este género assinala a importância das “caras” da notícia no jornalismo político, representando maioritariamente rostos masculinos. Este género será o principal responsável pela incidência considerável de fotograias não assinadas, embora a grande maioria das imagens do Diário de Notícias sejam assinadas pelos fotojornalistas do próprio jornal, revelando uma implicação na cobertura visual destes acontecimentos. Alguma pesquisa histórica e a presença do género identiicação justiicam também o elevado número de fotograias de arquivo que, no Diário de Notícias, é igual às de atualidade. ODiário de Notícias é também o jornal onde se veriica um maior equilíbrio entre texto e imagem. Embora seja a publicação com mais fotos é aquela onde o privilégio dado ao texto ombreia com as imagens. Todas as outras publicações privilegiam a imagem face ao texto. Passando para a análise do protagonismo de género neste jornal, o Diário de Notícias surge como o mais paritário, aquele que mais fotos publica de deputadas e que apresenta um número praticamente igual de fotograias com deputadas e com deputados (apenas mais uma para os deputados). O Diário de Notícias representa ainda o valor mais favorável no que concerne a representação de situações 229 Política no Feminimo de protagonismo equivalente. É o único jornal onde o protagonismo masculino em todos os cargos está abaixo dos 50%, apesar de superar o protagonismo feminino, quando considerados todos os cargos. Apenas o jornal Público rivaliza com estes indicadores de paridade. O Público deu grande importância às temáticas de género, estando em segundo lugar no número de fotograias publicadas. Apesar da maior atenção dada à IVG, é a publicação que maior atenção deu aos assuntos da paridade. A fotograia de colaboradores próprios e assinadas fazem o seu peril noticioso, sendo o que apresenta mais fotoreportagens, mesmo quando a identiicação é o género fotojornalístico predominante, acima da fotonotícia. A estratégia visual é proeminente face ao texto, embora use mais fotograias de arquivo do que de atualidade. A razão é similar à do Diário de Notícias: peças mais desenvolvidas com recurso a algumas referências históricas e o recurso a imagens dos “rostos” para identiicar protagonistas das notícias. Estes são muito importantes neste jornal. Metade das fotograias deste jornal iguram deputados e deputadas, sendo a distribuição por géneros favorável para eles (29% contra 21% para elas), embora elas consigam proporcionalmente o valor de protagonismo mais elevado, acima dos 30%, superando o Diário de Notícias em termos proporcionais (não em termos de números absolutos). O O Independente é o terceiro jornal que mais fotograias publica sobre estas problemáticas e o que dá maior importância e proeminência à imagem, estando logo a seguir ao Diário de Notícias em número de fotograias na primeira página. É tambem o jornal que, mesmo semanário, apresenta um número considerável no género da fotoreportagem, logo a seguir ao Público. No entanto, o protagonismo é masculino e tem, globalmente, menos fotograias 230 caPítulo iii. em câmara oculta dedicadas a deputados e deputadas do que a outros protagonistas políticos. No caso do cargo de deputado e deputada encontramos mais uma fotograia de deputadas do que de deputados, em virtude da grande importância dada ao Parlamento Paritário neste jornal, mas o protagonismo delas é globalmente inferior. Tal como o semanário Expresso, o O Independente nunca representa situações de poder equivalente na mesma imagem. O Expresso mantém um peril conservador, com pouco interesse fotográico atribuido a estes assuntos e apesar de valorizar a fotograia, o género fotonotícia é menos usado que a identiicação e mesmo que a ilustração. O Expresso não publica qualquer fotoreportagem. A maioria das fotograias representa outros cargos e as deputadas surgem em 16% das fotos deste jornal, abaixo de qualquer dos outros. O Correio da Manhã apresenta indicadores de paridade também baixos, sendo o que tem uma maior discrepância entre o protagonismo feminino e o masculino, com vantagem para este. É também o único que recorre algumas vezes a imagens de agência, dado o seu peril mais popular e onde a imagem não é usada como estratégia de distinção autoral. Relativamente aos modos de representação de deputadas e deputados os resultados alcançados mostram que as deputadas são representadas tendencialmente em enquadramentos fechados, isolando-as do seu contexto, o que as torna privilegiadamente, objeto do olhar mesmo quando estão em plena ação parlamentar ou outra. O simples facto de cortar o enquadramento, isolando-as, retira-lhes a perceção da sua capacidade de exercer inluência, aspeto que nos parece central na representação da liderança, fragilizando a sua posição. Surgem frequentemente de olhos baixos, segurando papéis e com ar atarefado. Ao contrário, os deputados são representados em enquadramentos 231 Política no Feminimo abertos, em ações enérgicas, olhos, cabeça e braços erguidos e envolvidos por “seguidores” que tornam o deputado uma imagem de liderança. Estas imagens não existem para as deputadas ou se existem, surgem masculinizadas e, portanto, impróprias e “estranhas”. Embora predominem as fotograias onde as pessoas retratadas não olham para o espetador ou espetadora, ainda assim, quando consideradas as imagens onde se olha para quem vê a imagem, a maioria são de deputadas, o que pode estar relacionado com a tradição do retrato sedutor, neste caso os resultados foram inluenciados pela cobertura fotojornalística do Parlamento Paritário, que saiu dos padrões tradicionais do jornalismo político. Concluímos ainda que as deputadas são menos vezes sujeitos do título e da legenda do que os deputados e as legendas tendem a ser sobretudo denotativas, enquanto que a complementaridade é o valor mais expressivo para as legendas das fotograias de deputados, onde eles são também mais vezes sujeito da ação. As deputadas são menos capazes de mobilizar a atenção fotojornalística para fora do Parlamento, ao contrário dos deputados. O local onde são mais representadas é a discursar no hemiciclo, ultrapassando os deputados nesta situação. Eles, pelo contrário, surgem mais vezes a propósito de assuntos diversos e fora do espaço parlamentar. Neste sentido, a visibilidade fotográica das deputadas está circunscrita ao espaço parlamentar muito mais do que eles. É aqui, ainda assim, que a paridade é maior e há mais oportunidades mediáticas para elas. Por im, uma menção à maior paridade existente na cobertura do debate de 1984 do que nos debates da década de 90. Isto acontece em contradição com o que se passa no Parlamento: em 1984 a representatividade feminina parlamentar era muito mais baixa e o número de intervenções e interlocutoras era menor. No entanto, ape232 caPítulo iii. em câmara oculta sar da evolução positiva da presença de deputadas no Parlamento não se veriicou uma evolução positiva nos jornais, quando comparada com a situação parlamentar. Na década de 90, deputados e deputadas aumentaram a sua visibilidade fotográica nas páginas da política, mas eles aumentaram consideravelmente mais. Além disso, nos anos 90 a imagem distante e coletivista do Parlamento, existente nos jornais dos anos 80, dá lugar ao protagonismo individual e à dramaticidade na representação da ação dos governantes e parlamentares. Este fator pode, eventualmente, explicar-se pela proximidade que ainda se vivia nos anos 80 em relação à Revolução democrática de 1974 com as redações mais sensibilizadas para os valores de género, vindo posteriormente a proissionalização das rotinas jornalísticas e a mudança da situação política, que também se proissionaliza, a mitigar esses fatores no seio das redações. Figura 21. Público, 21 de fevereiro de 1997. Fotograias de Luís Ramos. 233 Política no Feminimo Esta série de fotograias conta a história deste dia de debates sobre IVG e revela alguns dos modos típicos de igurar deputados e deputadas. Num primeiro olhar, as fotograias parecem idênticas, mas tendo como referência o conjunto de imagens que pudemos coligir nesta investigação, foi possível identiicar alguns padrões diferenciados. Assim, as mulheres deputadas tendem a ser representadas a olhar para baixo, segurando papéis e muitas vezes desilando perante os olhares. Estas situações conotam hesitação bem como as coloca sobretudo como objetos do olhar. Os homens, quando em situações idênticas, tendem a ser representados de olhar frontal e gestos enérgicos. As mulheres que são representadas desta mesma forma (primeira imagem de cima) tendem a ser consideradas “masculinas”, o que ao invés de ser encarado como fator positivo, tende a ser desvalorizado. Os homens são frequentemente mostrados entre os seus pares, em gestos de negociação ou confraria (gestos tidos por femininos são também “proibidos” para eles). Ainda assim, é a discursar no Parlamento que as mulheres mais estão em pé de igualdade com os deputados no que diz respeito à sua visibilidade fotográica. Fora deste espaço e ao contrário do que sucede para as deputadas, eles ainda conseguem atrair a atenção dos fotógrafos. BIB LIO G RA FIA _______Abelson, R.P. (1975), Script processing in attitude formation and decision-making. Cognition and Social Behavior. Hillsdale, N.J.: Lawrence Erlbaum Editor. Álvares, Cláudia, (2005) “Feminismo e Representação Discursiva do Feminino: A Presença do Outro na Teoria e na Prática”, In Livro de Actas, IV SOPCOM, 947-956. Álvares, Cláudia; Cardoso, Daniel (2010).“As desigualdades do amor”. Comunicação & Cultura. Lisboa. (Primavera-Verão 2010) 89-107. 234 caPítulo iii. em câmara oculta Archer, D., Iritani, B., Kimes, D., & Barrios, M. (1983). Face-ism:Five studies of sex differences in facial prominence. Journal of Personality and Social Psychology, 45, 725–735 Arnheim, Rudolf (1998). 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