Teatro legislativo e representação democrática:
A Câmara na Praça como aliança entre democracia e representação
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Gustavo Hessmann Dalaqua1, 2
Teatro legislativo e representação
democrática:
a Câmara na Praça como aliança entre democracia e representação3
"Vós vos assemelhais mais a espectadores sentados [...]
do que a cidadãos deliberando sobre a cidade"
Tucídides, História da Guerra do Peloponeso, III, 38, 7
Introdução
A tentativa de garantir uma salvaguarda para a representação
democrática é um esforço que há mais de duas décadas anima os
pensadores da chamada virada representativa da teoria democrática
contemporânea.4 Nesse sentido, é surpreendente que o pensamento
político de Augusto Boal permaneça negligenciado pelos autores
da virada representativa, haja vista ele propor um modelo teórico e
1
2
3
4
Doutorando em Filosofia pela Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. E-mail:
<gustavodalaqua@yahoo.com.br>
O autor agradece a Alberto Ribeiro G. de Barros e Maria Isabel Limongi pelos comentários feitos
em uma versão anterior do texto e aos participantes de eventos, realizados na Columbia University,
Universidade Federal do Espírito Santo, Ohio University, Universidade Federal do Paraná e Universidade
Federal do Mato Grosso do Sul, nos quais partes do trabalho foram apresentadas. O autor também
agradece os(as) pareceristas da RBCP pelas observações e a Nadia Urbinati pela disposição em
discutir pessoalmente parte dos argumentos apresentados no texto.
Este trabalho foi escrito com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
(FAPESP), processo nº 2015/22251-0. .
Para um recenseamento dos teóricos contemporâneos da democracia que têm dado ímpeto à
virada representativa, vide a introdução de Mónica Brito Vieira (2017). Para um recenseamento
historicamente mais denso dos pensadores políticos que reivindicaram a representação em prol
da democracia, ver Debora Rezende de Almeida (2015, cap.1) e Pierre Rosanvallon (2008).
Revista Brasileira de Ciência Política, nº 28. Brasília, janeiro - abril de 2019, pp 93-122.
DOI: 10.1590/0103-335220192804
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prático que, justamente, alia democracia e representação política.5
O corrente trabalho reconstrói a proposta da Câmara na Praça
elaborada por Boal não para simplesmente resgatá-la do esquecimento, mas sim para mostrar como ela contribui para o debate
contemporâneo sobre a relação entre democracia e representação.
A fim de ilustrar o debate em torno da relação entre democracia
e representação no pensamento político contemporâneo, iremos
primeiro reconstruir a teoria de Nadia Urbinati, uma das expoentes
mais conspícuas da virada representativa. Feito isto, na terceira
seção, passaremos em revista a crítica que Hélène Landemore
disparou contra Urbinati. Segundo a politóloga francesa, ao fim e ao
cabo, Urbinati não entrega o que promete, isto é, não compatibiliza
representação política e democracia, pois não concede aos representados o poder equânime de decidir os termos perante os quais as
leis propostas por seus representantes serão debatidas e votadas na
assembleia representativa.
Ainda que concorde em parte com a crítica acima, o presente
trabalho se afasta de Landemore, pois não supõe ser incompatível com o governo representativo a adoção de mecanismos de
participação direta que, por exemplo, concedam aos representados o poder de direcionar os termos dos projetos de lei votados
pelos representantes eleitos. Por meio de uma análise da prática
da Câmara na Praça do teatro legislativo boalino, sustentamos na
quarta seção que a criação de semelhantes mecanismos tem por fito,
justamente, democratizar o governo representativo.6 A Câmara na
Praça, concluímos, oferece um modelo prático capaz de entrelaçar
democracia e representação política.
5
6
Sobre o silêncio em torno da teoria de Boal, ver Frances Babbage (2004, p. 36). O mesmo não se
diz dos experimentos teatrais do autor que, como Babbage mostra, foram estudados e aplicados
em vários países.
Neste artigo, fazemos uma distinção entre “governo representativo” e “democracia representativa”.
Pelo primeiro, entendemos qualquer regime político cujo governo se dá por indivíduos que
declaram, quer verdadeiramente ou não, representar o povo. Pelo segundo, denotamos o regime
político cujo governo é ocupado por indivíduos que de fato representam o povo. Ou seja: toda
democracia representativa é um governo representativo, mas nem todo governo representativo
é uma democracia representativa.
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A Câmara na Praça como aliança entre democracia e representação
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Democracia e representação em Urbinati
No início de Representative Democracy, Urbinati (2006b, p. 6),
estabelece que “a concepção moderna de soberania” é o motivo por
que vários teóricos opõem representação e democracia.7 Elaborada por Rousseau (1973, p. 49-50) no século XVIII, semelhante
concepção assevera que a soberania (i) diz respeito apenas à vontade
e (ii) só pode ser exercitada imediatamente. A expansão da franquia
eleitoral iniciada em meados do século XIX, contudo, teria segundo
Urbinati (2006b, p. 8) tornado anacrônica a visão moderna da soberania. De acordo com ela, a criação de um eleitorado composto pelas
massas teria transformado a soberania de um jeito que Rousseau
não previra. Uma vez que o poder se torna um lugar vazio cujos
ocupantes são periodicamente realocados pelo voto popular, um
novo elemento é costurado no tecido da soberania.
Em uma democracia representativa, a soberania é diárquica –
isto é, ela abrange dois componentes: vontade e juízo (Urbinati,
2017, p. 196). “Diarquia” é uma palavra composta por dois termos
gregos: dis, adjetivo que significa “duplo”, e arché, sufixo que pode ser
traduzido como “poder” (Accetti et al., 2016, p. 209). Afirmar que a
soberania em uma democracia representativa é diárquica significa,
pois, afirmar que ela se exerce por meio de dois poderes: de um
lado, há a vontade, poder que Rousseau contemplou em sua teoria
da soberania e que se manifesta, por exemplo, na decisão tomada
no interior da assembleia representativa; de outro, há o juízo dos
cidadãos que interagem e trocam opiniões na esfera pública.8
Todo o esforço de Urbinati converge para mostrar que, embora
careçam de autoridade formal para promulgar leis, os juízos circulantes fora da assembleia representativa podem ser considerados
um lócus de soberania na medida em que influenciam as decisões
realizadas dentro da assembleia representativa. A representação
é democrática quando os juízos e as decisões que emergem,
7
8
Uma versão resumida dos argumentos contidos neste livro foi traduzida para o português
(Urbinati, 2006b).
Seguindo Urbinati (2014, p. 22), não faremos distinção entre “juízo” e “opinião”. Outrossim,
empregaremos os termos “vontade” e “decisão” indiscriminadamente.
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Gustavo Hessmann Dalaqua
respectivamente, fora e dentro das instituições estatais mantêm
uma relação circular entre si:
A diarquia da vontade e da opinião aplica-se em particular à
democracia representativa, sistema no qual uma assembleia
de representantes eleitos [...] detém a função ordinária de
promulgar leis. [...] A conceptualização da democracia
representativa como diarquia postula duas teses: [i] a
“vontade” e a “opinião” são os dois poderes soberanos e
[ii] elas são distintas e assim devem permanecê-lo [...] na
democracia representativa o soberano não é simplesmente a
vontade autorizada contida na lei civil implementada pelos
magistrados e instituições estatais. Em vez disso, é uma
entidade dual na qual a decisão é um componente, sendo
o outro [componente] a opinião daqueles que obedecem e
participam apenas indiretamente [...]. A opinião participa da
soberania mesmo sem poder formal [authoritative power];
sua força [...] e autoridade são informais, pois não se traduzem
em leis diretamente e não são dotadas de poder de comando
(Urbinati, 2014, p. 22).
No modelo de democracia representativa proposto por Urbinati,
o poder de construir os termos das leis civis confina-se ao polo da
vontade da diarquia, quer dizer, aos representantes eleitos. Na visão
da autora, a influência dos representados sobre os representantes
deve conduzir-se apenas por meio de uma “política informal” –
sustentada, por exemplo, pela advocacy de associações da sociedade
civil – e dispensa a institucionalização de práticas que concedam aos
representados qualquer poder formal para decidir diretamente a
pauta das discussões dos representantes (Urbinati apud Landemore,
2016, p. 146).9 Daí a ênfase de Urbinati (2014, p. 24) na “natureza
informal do poder pertencente à opinião política [...]. É verdade
que, ‘em si mesma, a deliberação pública não decide nada’”. A troca
9
Sobre a defesa urbinatiana da representação como advocacy, ver Urbinati (2000).
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de juízos populares na esfera pública não decide nada no sentido
em que não tem poder para determinar de maneira direta as pautas
que são debatidas dentro da assembleia. Daqui não se infere, é claro,
que os representados não contem com nenhum poder de decisão
em uma democracia representativa, haja vista eles permanecerem
com o poder de decidir quais representantes serão eleitos (Urbinati,
2014, p. 26). A vontade é um poder que se exerce pela decisão do
voto: voto dos representantes nos projetos de leis que constantemente promulgam dentro da assembleia; voto do povo (geralmente
a cada dois anos) nos representantes que farão as leis.
O poder negativo que os representados têm de destituir os
governantes pela não recondução ao cargo é, na teoria de Urbinati,
crucial para a manutenção da representação democrática (Miguel,
2014, p. 247). Sem ele, não há relação de mútua influência entre
representantes e representados, i.e., não há representação democrática. Afinal, a representação democrática só ocorre quando a
troca de juízos fora da assembleia representativa configura um
lócus de participação política indireta que franqueia aos cidadãos
o poder de influenciar as decisões realizadas dentro da assembleia
representativa. Esse “movimento circular [...] enlaça as instituições
estatais à sociedade [...] e dá sentido à democracia representativa
como diarquia” (Urbinati, 2014, p. 27).
O corrente trabalho aprova a reconceptualização da soberania
feita por Urbinati na medida em que ela busca realçar a troca de
juízos entre os cidadãos na esfera pública como um campo de exercício do poder político, evitando, assim, a ideia de que este deveria
ser confinado às instituições estatais. No entanto, ao procurar
expandir o poder político para além das instituições estatais,
Urbinati (2014, p. 22) aparta decisão e juízo de um modo tal que
destitui de poder decisório a troca de opiniões do povo na esfera
pública que ocorre no intervalo entre as eleições. Urbinati justifica a
cisão entre decisão e juízo explicando que a compatibilização entre
democracia e representação, a seu ver, requer ir contra a tese de que
a soberania sempre implica poder de decisão. Segundo a autora,
quem crê que a soberania sempre tem de estar atrelada a alguma
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Gustavo Hessmann Dalaqua
espécie de poder decisório cedo ou tarde acaba por se situar contra
a democracia representativa, pois nega que o poder político possa
ser exercido de maneira não imediata (Urbinati, 2006b, p. 7).
A prática da Câmara na Praça elaborada por Boal, como
veremos, lança dúvidas quanto à propriedade do raciocínio de
Urbinati. Ao mesmo tempo em que admite a representação e o
exercício não imediato do poder, a Câmara na Praça não insula a
troca de juízos do povo na esfera pública do poder decisório. Ela
concede aos representados o poder de discutir e decidir a pauta de
discussões dos representantes eleitos e o teor geral dos projetos
de lei que eles apresentarão na assembleia. Porém, ao concedê-lo,
não nega o papel intermediador do representante, que permanece
com o poder de finalizar o projeto de lei. Como veremos na quarta
seção, ao permitir que a troca de juízos na esfera pública decida de
maneira direta a agenda de discussões dos representantes, a Câmara
na Praça opera, por assim dizer, como um óleo lubrificante que
facilita a circularidade entre o lado de dentro e o lado de fora das
instituições representativas, sustentando, pois, uma representação
democrática.
A crítica de Landemore
Uma crítica interessante que se pode levantar contra Urbinati
consta em Landemore (2017, p. 58), autora segundo a qual as sociedades contemporâneas devem “mudar inteiramente para além da
‘democracia representativa’”. Em vez de apostar suas fichas em um
tipo de governo que “foi especialmente desenhado para manter
o povo a uma distância considerável do poder decisório”, Landemore (2017, p. 56) conclama pela instauração de mecanismos de
democracia direta, isto é, não representativa. A democracia representativa há de ser descartada porque ela “permite a dissociação
completa entre as decisões dos representantes e as preferências dos
representados” (Ibidem, p. 55). “[N]a democracia representativa de
Urbinati os cidadãos podem protestar e criticar o quanto quiserem,
mas eles não [...] têm qualquer forma de acesso direto ao processo
decisório. Outrossim, o poder de formar a pauta de discussões [da
Teatro legislativo e representação democrática:
A Câmara na Praça como aliança entre democracia e representação
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assembleia] é ausente no modelo dela [i.e., de Urbinati]” (Ibidem,
p. 56). Feita essas considerações, Landemore (2017, p. 57) arremata:
a democracia representativa [...] é um paradigma excludente,
e não verdadeiramente democrático. Ela [...] não consegue
satisfazer os padrões [democráticos] cruciais de participação
efetiva [...] e do controle da pauta de discussões [control of the
agenda].
A reprimenda de Landemore é válida na medida em que
aponta para uma certa ingenuidade que perpassa o pensamento de
Urbinati. Ao defender a representação como veículo de promoção
da democracia, Urbinati – como quase todos os autores da virada
representativa – tem como um de seus objetivos se colocar contra
o participacionismo que, dos anos 1970 em diante, tendia a dicotomizar representação e democracia. Publicado por Benjamin Barber
nos anos 1980, o livro Strong Democracy é ilustrativo a esse respeito.
De acordo com ele, uma democracia na qual os cidadãos possam
participar e influenciar os rumos da política é incompatível com a
representação (Barber, 1984, p. 146).10 Na visão de participacionistas
como Barber (1984), a representação asfixia a democracia porque
votar para um representante implica delegar o poder político em
sua completude. Ao pensarem dessa maneira, os participacionistas
secundavam a descrição minimalista que Joseph Schumpeter (2003,
p. 295) oferecera nos anos 1940 para o governo representativo:
os eleitores fora do Parlamento devem respeitar a divisão de
trabalho entre eles e os políticos que elegem. Eles não devem
retirar sua confiança [...] entre as eleições e devem entender
que, uma vez que elegeram um indivíduo, a ação política é
prerrogativa dele, e não deles [sc. dos eleitores].
10 Cabe notar que Barber não mais opõe a democracia à representação tout court (cf. a entrevista que ele
concedeu a Michael Saward, 2012, p. 35-6). Cabe notar também que nem todos os participacionistas
dos anos setenta e oitenta opunham representação e participação.
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Gustavo Hessmann Dalaqua
Não obstante sua ojeriza às ideias de Schumpeter, os participacionistas que seguiam a linha de Barber (1984) não questionavam a
assunção schumpeteriana de que a representação necessariamente
requer o confinamento da participação política popular ao instante
solitário do voto.11 Em vez de procurar entender quando e sob quais
circunstâncias a representação pode ser democrática, eles aceitaram
sem mais a premissa de Schumpeter e decretaram que a prática da
representação institui uma oligarquia na qual os representantes
eleitos são os únicos imbuídos de poder soberano. Em certo sentido,
o diagnóstico sombrio que emitiram pode ser acusado de servir
de mola propulsora para o conformismo e a apatia. Afinal, se o
conceito “democracia representativa” não passa de um oximoro, por
que perder tempo tentando transformar nossas instituições representativas em veículo de promoção da democracia? Da premissa de
que representação e participação democrática são irreconciliáveis,
a consequência que se infere é a de que, para haver democracia,
precisamos destruir os governos representativos existentes e, por
assim dizer, começar do zero.
Ao se opor ao diagnóstico sombrio enunciado por alguns
detratores da representação da corrente participacionista dos anos
setenta e oitenta, Urbinati por vezes pinta um retrato demasiado
cor-de-rosa, anuviando o fato de que, em verdade, a articulação
entre democracia e representação não é fácil de se obter. Ao se
esforçar para mostrar que a representação pode criar uma relação
horizontal pujante entre representantes e representados que torna
a democracia possível em países populacional e territorialmente
amplos, Urbinati parece não atentar suficientemente para o fato de
11 Subscreve-se, aqui, a leitura mais consolidada de que Schumpeter seria um minimalista que
compreendia a democracia como o regime no qual o papel do povo consiste primordialmente
em eleger as elites políticas que os governarão (Miguel, 2014, cap. 1). Para uma interpretação
diferente, ver John Medearis (2001).
Teatro legislativo e representação democrática:
A Câmara na Praça como aliança entre democracia e representação
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que, na prática, esse modelo teórico tem ganhado pouca vazão.12
Isto ocorre porque, destituída de poder decisório, a troca de juízos
na esfera pública não configura um lócus de exercício de participação efetiva no poder político.13 Eis um ponto que Urbinati tende
a não perceber.
Outro ponto cego do pensamento urbinatiano para o qual a
crítica de Landemore (2017) acena, mas que a autora não tematiza,
diz respeito à igualdade política. Ao instarmos pela criação de mecanismos de participação direta nos quais cada cidadão recebe apenas
um voto para decidir qual ação realizar-se-á, a questão de como
a igualdade política pode ser garantida volta a ter uma resposta.
Nesse caso, a igualdade é protegida pela fórmula “uma cabeça, um
voto”, que confere a cada cidadão um poder de impacto equânime.
Já com relação à troca de juízos tal qual Urbinati a descreve, como
salvaguardar a igualdade política? Se, como insiste Urbinati, a troca
de juízos por si só configura um âmbito de participação no poder
político, como podemos ter certeza de que assimetrias no acesso
ao tempo de fala pública não criarão desigualdades neste âmbito?
Como garantir que a troca de juízos entre os cidadãos na esfera
pública não seja monopolizada? Ao apregoar que os cidadãos fora da
12 Em Democracy Disfigured, Urbinati (2014, p. 4, 53-9, 215) reconhece que a concentração do poder
midiático atrapalha o funcionamento adequado da soberania diárquica. Ademais, em um de seus
últimos escritos sobre representação, Urbinati (2019, p. 64) admite que o uso atual da internet
atravanca a efetivação do modelo de democracia representativa que defende. Entretanto, ainda que
os reconheça, o modo como Urbinati atenta para os problemas reais que obviam a representação
democrática é insuficiente no sentido em que não a levam a revisar sua cisão rígida entre juízo
e vontade. Conforme aponta Landemore (2017), ao postular que a interação diária dos juízos
populares na esfera pública não deve contar com qualquer poder formal para decidir as pautas
que serão de fato debatidas pelos representantes na assembleia, a partição urbinatiana entre juízo
e vontade aborta a emergência da representação democrática.
13 Endossamos, neste artigo, a definição de participação oferecida por Luis Felipe Miguel (2018, p.
198) como ação política que detém de “poder decisório”. É nesse sentido que empregaremos o
termo doravante.
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Gustavo Hessmann Dalaqua
assembleia apenas discutem mas não decidem os rumos da política,
Urbinati não oferece garantias no que tange à igualdade política.14
Tendo reconstruído a crítica de Landemore, cabe apontar que
nossa intenção não é a de simplesmente resgatar a polarização entre
participação e representação feita por alguns participacionistas de
outrora. Tal oposição mais atrapalha do que ajuda, quando mais
não seja porque a representação é uma realidade incontornável
com a qual temos de lidar.15 Todavia, é preciso tomar cuidado para
que a aproximação entre participação e representação não sirva
simplesmente de justificativa para a manutenção do statu quo e para
o abandono da exigência de participação efetiva do povo no poder
político.
Na introdução de Representative Democracy, Urbinati (2006b, p.3)
parece ter ciência deste perigo ao escrever: “Não é minha proposta
diminuir o valor normativo da participação direta em nome da
exequibilidade pragmática da democracia eleitoral, tampouco argumentar em prol de uma aceitação resignada do existente”. Acontece
que, mesmo que declare não desvalorizar a participação do povo
no poder político, Urbinati redescreve o termo de tal maneira que
chega a lançar dúvidas se o que chama de participação se qualifica,
14 Com efeito, mesmo nos momentos em que reconhece a concentração do poder midiático como um
problema para a soberania diárquica (cf. supra nota dez), Urbinati hesita em propor a institucionalização
de práticas que, concedendo aos representados um poder de impacto político equânime para
além do período eleitoral, minorem tal problema. O modo como a autora tergiversa, ao fim da
seção sobre o poder da voz na democracia representativa no primeiro capítulo de Democracy
Disfigured, é exemplar a esse respeito: “Finalmente, [a concepção diárquica da soberania] sugere que
um governo democrático deve sentir a responsabilidade de regular o fórum público das opiniões
de modo a reforçar que todos tenham ao menos uma oportunidade igual de exercitar alguma
influência no sistema político” (Urbinati, 2014, p. 58, grifo nosso). Os itálicos na frase precedente
servem para destacar o caráter reticente e tímido da proposta de Urbinati (cf. Miguel, 2014, p. 249).
Desnecessário dizer, sugerir a um governo que ele deve sentir a responsabilidade de implementar
X é muito diferente do que instá-lo a fazer X.
15 A representação é incontornável nas comunidades politicas contemporâneas não só porque
permite que agentes separados espacial e temporalmente possam coordenar ações políticas,
como também porque ela permanece operante mesmo em assembleias políticas presenciais (Dahl,
2000, p. 108). Quando, por exemplo, uma trabalhadora participa de um conselho de saúde para
exigir que o posto de saúde do seu bairro funcione aos domingos, ela age como uma representante
das trabalhadoras. Nas assembleias presenciais ou arenas digitais em que os cidadãos participam
diretamente, a representação permanece em operação sempre que as pautas que se discutem
são abordadas sob uma perspectiva coletiva – ou ainda, sob uma perspectiva política – e não
meramente idiossincrática.
Teatro legislativo e representação democrática:
A Câmara na Praça como aliança entre democracia e representação
103
de fato, como tal. Ainda que de um ponto de vista teórico seja
possível especular que a mera troca de juízos do povo configura
um lócus de participação no exercício do poder político, na prática,
isso tende a não se efetivar. Destituída do poder de formar a agenda
de discussão dos representantes no interior da assembleia, a troca
de juízos na esfera pública não gera participação efetiva, isto é,
não gera impacto eficaz nas ações dos representantes e não decide
o teor geral das leis que eles votarão. Sendo assim, a fim de evitar
“a dissociação completa entre as decisões dos representantes e as
preferências dos representados”, é preciso que a participação dos
cidadãos na troca de juízos políticos fora da assembleia seja de fato
participativa – isto é, é preciso que ela detenha, por exemplo, o
poder de decidir os termos dos projetos de lei que os representantes
vão debater na assembleia (Landemore, 2017, p. 55).
Landemore acerta ao conclamar pela criação de mecanismos
de participação direta nos quais os cidadãos discutem e decidem
sobre os problemas coletivos que os concernem. Contudo, diferente da autora, pensamos que a criação de tais mecanismos não
precisaria rumar as sociedades atuais “para além” da democracia
representativa (Landemore, 2017, p. 58). Ainda que concorde com
a crítica da autora, o corrente trabalho afasta-se de Landemore
na medida em que não pretende desqualificar o pensamento de
Urbinati por inteiro, mas tão somente alertar-lhe sobre a existência
de uma lacuna.
Urbinati tem razão: a representação pode servir de meio de
promoção da democracia, de modo que seria contraproducente,
àqueles interessados em promover a democracia, rebaixar a “democracia representativa” como mera contradição em termos que precisa
ser descartada. Entretanto, a filósofa italiana merece o seguinte
alerta: para que a representação democrática se concretize, é necessário que os cidadãos que não foram eleitos representantes tenham
acesso a espaços onde sua discussão e troca de juízos possuam,
sob algum aspecto, poder decisório. Pace Landemore (2017, p.
56), tais espaços não precisam ser interpretados como o dobre de
finados da democracia representativa. Ao contrário, podem a ela ser
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Gustavo Hessmann Dalaqua
acoplados e lhe servir de insumo restaurador. Para mostrar como
isso é possível, examinemos o pensamento político de Boal, autor
que apoiava o governo representativo ao mesmo tempo em que
defendia a criação de mecanismos de participação popular direta
como a Câmara na Praça.
A Câmara na Praça como meio de promoção da
representação democrática
A questão da representação democrática é estudada por Boal
em Teatro legislativo, obra que o autor publicou, em 1996, três anos
após ser eleito vereador pelo município do Rio de Janeiro. Não
obstante, seria equivocado afirmar que Boal voltou sua atenção à
representação democrática apenas a partir da década de 1990. O
próprio autor, com efeito, declara que sua atuação parlamentar, cujo
objetivo era inaugurar um modo de representação compatível com
a democracia, remetia a uma preocupação que o animava desde o
início de sua trajetória intelectual (Boal, 1996c, p. 42).
A relação entre representação e participação democrática é um
tema que aparece já em Teatro do oprimido e outras poéticas políticas, um dos primeiros livros de Boal. Compilação de ensaios
escritos entre 1962 e 1973, Teatro do oprimido inicia declarando ter
por meta criar um modo de representação teatral que não confisca
dos espectadores o poder de “protagonizar” (Boal, 2005, p. 12).
Para tanto, o teatro do oprimido (TO) pretende abolir a polarização
entre, de um lado, uma massa de espectadores passivos que apenas
observa e, de outro, um pequeno número de atores que detém a
prerrogativa de agir. Boal quer que o povo deixe de ser espectador
e se torne espect-ator, neologismo que denota o espectador que
também pode tornar-se ator e interagir com aqueles que realizam
a performance teatral. No TO “todos os presentes podem intervir
a qualquer momento na busca de soluções para os problemas
tratados. [...] Atores e espectadores se encontram no mesmo nível
de diálogo e de poder” (Boal, 2005, p. 20). A fim de compreender o
grande diferencial do TO,
Teatro legislativo e representação democrática:
A Câmara na Praça como aliança entre democracia e representação
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deve-se ter sempre presente seu principal objetivo: transformar
o povo, “espectador”, ser passivo no fenômeno teatral, em
sujeito, em ator, em transformador da ação dramática. [...]
O espectador [...] assume um papel protagônico, transforma
a ação dramática inicialmente proposta, ensaia soluções
possíveis, debate projetos modificadores (Boal, 2005, p.
181-82).
O que tudo isto tem a ver com a política? Por qual motivo teria
Boal considerado o TO uma “poética política”? Ora, responde Boal,
o TO é de relevância política porque a polarização rígida entre
espectadores e atores que procura eliminar é a mesma que afasta
representados e representantes nos governos representativos atuais.
No penúltimo capítulo do Teatro do oprimido, prenunciando um
tema que décadas mais tarde desenvolveria a contento em Teatro
legislativo, Boal denuncia o caráter oligárquico dos governos representativos contemporâneos. Os governos representativos contemporâneos são hipócritas porque se declaram democráticos, porém
na realidade os representantes que neles promulgam leis “tendem a
interpretar o povo sem ouvi-lo, traduzindo em sua própria linguagem
de elite palavras que em nenhuma parte foram pronunciadas. Ao
povo, depois, informam sua tradução” (Boal, 2005, p. 288 e cf.
2009, p. 131-32). No governo representativo atual, os representados
constituem uma massa passiva de espectadores que apenas assiste
os “atores” – os representantes – que realizam ações no “palco”
da assembleia representativa. Segundo Boal, ficar comentando e
trocando juízos entre si sobre as performances dos atores no palco
é insuficiente para tornar os espectadores participantes da ação
dramatúrgica. Para tanto, é imprescindível criar algum instrumento
que propicie aos espectadores o poder de “intervir decididamente
na ação dramática e modificá-la” (Boal, 2005, p. 211).
O que o TO busca fazer no âmbito teatral, o Teatro legislativo
quer realizar no âmbito do governo representativo (cf. Baiocchi,
2006, p. 78; Boal e Pereira Bezerra, 1999, p. 247; Britto, 2015, p. 119;
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Gustavo Hessmann Dalaqua
Heritage, 1994, p. 25; Picher, 2007).16 Boal (1996c, p. 34) define o
teatro legislativo como um conjunto de práticas por meio das quais
“o cidadão se transforma em legislador, por interpósito do vereador”.17 Boal (1996c, p. 48) não joga fora a figura do representante,
pois considera a “democracia direta [...] impossível”.18 Seu intuito é
aproximar representantes e representados e tornar ambos coautores
da legislação (que no modelo de Boal continua a ser promulgada,
oficialmente, no interior da assembleia representativa).
Em sua campanha para vereador, Boal (1996c, p. 41) deixou
claro que, se eleito, implementaria “uma audaciosa proposta, da
qual os eleitores deveriam mais tarde participar. Eu explicava que
não queria apenas que votassem em mim, mas que, se eleito, trabalhassem comigo durante todo o mandato”. Boal queria salvaguardar
o caráter democrático da representação, convocando, para tanto, o
povo como coautor dos projetos de lei que apresentaria na assembleia representativa.
16 Nesse sentido, a abordagem de Boal opõe-se a de Jeffrey E. Green (2010). Ambos partem da mesma
constatação: a de que nos governos representativos atuais os representados constituem uma massa
de espectadores cuja principal função é assistir à performance dos representantes. A diferença é que,
ao passo que Boal tenta reverter esse quadro por meio da figura do espect-ator, Green (2010, p. 6)
admoesta os teóricos da democracia a respeitar a estrutura atual da experiência política da massa
espectadora: “Por que não, em vez disso [i.e., em vez de aceitar a posição de espectador a que os
representados foram relegados nos governos representativos], procurar maneiras de transformar
os espectadores em atores? Uma razão é que [...] a filosofia política de cunho democrático tem uma
obrigação especial de desenvolver princípios políticos de uma maneira que respeite a estrutura
habitual da experiência política”. Na esteira de Boal, poder-se-ia redarguir que a obrigação de uma
filosofia política de cunho democrático é não a de resignar-se ao existente e desenvolver princípios
que mantenham inalterada a estrutura atual da vida política a que estamos habituados, mas sim a
de elaborar uma teoria que nos ajude a mudar essa estrutura em prol de outra mais democrática.
17 Embora a definição do autor possa dar a impressão de que o teatro legislativo deveria restringir-se ao
nível municipal, cabe apontar que o próprio Boal (2006, p. 17) acabou mais tarde utilizando técnicas
do teatro legislativo para democratizar a representação no nível nacional. Recentemente, o teatro
legislativo (incluso a Câmara na Praça) tem sido utilizado no âmbito da representação nacional por
José Moura Soeiro, deputado, reeleito em 2015, à Assembleia da República de Portugal (cf. Soeiro,
2019). No Brasil, o teatro legislativo é usado atualmente na Câmara Municipal de Belo Horizonte
pelas vereadoras do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Áurea Carolina e Cida Falabella, que
criaram a “Gabinetona”, prática que democratiza o mandato dos representantes ao compor os
cargos comissionados que lhes são concedidos por meio de chamada pública. Para uma análise
das semelhanças entre o teatro legislativo de Boal e a “Gabinetona”, cf. Noeli Turna da Silva (2017).
18 Este ponto é ignorado por Baz Kershaw (2001, p. 219) e Tómas Motos (2010), que opõem o teatro
legislativo boalino à democracia representativa.
Teatro legislativo e representação democrática:
A Câmara na Praça como aliança entre democracia e representação
107
O que torna a representação democrática? Boal responde a
questão no capítulo dois do Teatro legislativo, quando constata que
a maior parte dos governos representativos existentes não é democrática, visto fazer do povo uma multidão passiva de espectadores.
Para que a representação seja democrática, o representado não
pode ser “mero espectador das ações do parlamentar” (Boal, 1996c,
p. 46). Em vez disso, é preciso que “opine, discuta, contraponha
argumentos, [e] seja corresponsável por aquilo que faz o seu parlamentar” (Ibidem).
Segundo Boal, a representação é democrática quando as leis
apresentadas pelos representantes dentro da assembleia emergem
a partir da interação com os representados que estão fora dela. No
afã de salvaguardar o caráter democrático da representação, Boal
advoga em prol de duas práticas que conectam o interior e o exterior
da assembleia legislativa. A primeira delas se dá com a criação dos
Núcleos, conjuntos de cidadãos que de forma “frequente e sistemática” colabora com as ações dos representantes eleitos mediante
a comunicação e a formação coletiva de “suas opiniões, desejos e
necessidades” (Boal, 1996c, p. 66). Os Núcleos utilizam técnicas
teatrais para explicitar os conflitos latentes existentes na sociedade.
Daí o alvitre de Soeiro (2019) de que o teatro legislativo gera uma
politização democrática da sociedade.19 Ao tematizar os vários eixos
de opressão que perpassam o tecido social e os conflitos deles resultantes, os Núcleos permitem a construção de uma política democrática, isto é, de uma política que realiza “o trabalho dos e sobre os
conflitos” (Chaui, 2005, p. 24). Quando os conflitos que ocorrem
entre os membros do demos são silenciados ou camuflados, não há
política democrática possível.
19 Sobre a caracterização da “politização” como campo do conflito, ver Boal (2004). O papel de destaque
que Boal confere ao conflito na política democrática levou Geraldine Pratt e Caleb Johnston (2007,
p. 107), a afirmar que o teatro legislativo “cria uma esfera pública agonística” próxima da vertente
agonística da democracia. Com efeito, podemos dizer que o teatro legislativo boalino realiza a
arte como intervenção agonística no espaço público que Chantal Mouffe (2013, cap. 5) considera
parte essencial de uma teoria agonística da democracia. Na Estética do oprimido, Boal (2009, p.
71-2) afirma que sua concepção da política como campo do conflito remonta a Maquiavel. Sobre
a recepção de Maquiavel na teoria de Boal, ver Jane Milling and Graham Ley (2000, cap. 6).
108
Gustavo Hessmann Dalaqua
Dentre as técnicas teatrais utilizadas pelos Núcleos, destaca-se o
Teatro-Fórum, que incita o próprio povo a abordar temas que lhe
são relevantes em peças nas quais qualquer um dos presentes pode
intervir e modificar a ação teatral. O recurso à dramatização torna
menos difícil para os oprimidos exporem suas queixas com relação
àqueles que os perturbam e dá maior destaque, portanto, aos conflitos
sociais. Ao dramatizar os problemas da comunidade, os Núcleos
aclaram as diferentes posições em questão e facilitam a construção
consciente das preferências coletivas (Boal, 1996c, p. 66, 83).20
De acordo com Boal, os Núcleos se classificam em três categorias.
Os comunitários são formados por cidadãos que “vivem ou trabalham na mesma comunidade e têm, portanto, muitos problemas
e preocupações em comum” (Boal, 1996c, p. 70). Os temáticos
são formados por cidadãos cuja reunião se dá por alguma razão,
ideia ou objetivo mais “forte” do que a mera convivência territorial
(Ibidem). Como exemplo, Boal menciona coletivos formados por
cidadãos de grupos discriminados por conta de raça, gênero e/ou
sexualidade, portadores de necessidades especiais, entre outros.
A terceira e última categoria é um compósito das duas primeiras.
Como exemplo de Núcleo comunitário e temático, Boal cita as ligas
de camponeses que, partidários de uma ideia forte sobre a questão
agrária, resolvem viver juntos em um mesmo pedaço de terra.
A segunda prática que Boal propõe para conectar o lado de
dentro e o lado de fora das instituições representativas é a Câmara
na Praça. Sua diferença principal com relação às reuniões costumeiras dos Núcleos é que ela tem por objetivo central elaborar
um rascunho de projeto de lei que, posteriormente, será defendido na assembleia representativa. Boal não veda aos cidadãos
que participam dos Núcleos o poder de elaborar rascunhos de
projetos de lei que depois serão repassados aos vereadores. Ocorre
que a elaboração de rascunhos de projetos de lei – no vocabulário
de Boal, súmulas – não é a finalidade principal dos Núcleos. Para
Boal, os motivos que podem levar à convocação de uma reunião
20 Sobre o modo como a dramatização teatral facilita a reflexividade da deliberação democrática, cf.
Katherine Goktepe (2018, p. 381).
Teatro legislativo e representação democrática:
A Câmara na Praça como aliança entre democracia e representação
109
dos Núcleos são legião. Um Núcleo qualquer pode se reunir, por
exemplo, simplesmente para fazer com que os cidadãos interajam
e se conheçam. Boal (1996c, p. 78), inclusive, sugere aos Núcleos
organizar espetáculos e festivais públicos, de sorte a tirar as pessoas
do isolamento e incentivá-las a socializarem.
Em resumo, a questão da eficácia do impacto legislativo não
é a razão de ser do Núcleo.21 Segundo argumenta Mark Dineenn
(2013, p. 149), “seria reducionista demais medir o valor do teatro
legislativo exclusivamente em termos das novas leis que produz”.
O Núcleo é uma prática do teatro legislativo boalino que anseia
cumprir um objetivo amplo: o de incutir no povo o gosto pela participação democrática e o interesse pelos assuntos públicos, afugentando, pois, o desencantamento, a apatia, o cinismo e o derrotismo
que têm sido observados em vários dos governos representativos
hoje em dia.
A Câmara na Praça, em contraste com as reuniões habituais
do Núcleo, tem uma finalidade exclusiva: resolver um problema
coletivo específico por meio da elaboração de uma súmula e/ou de
um comunicado que expresse claramente aos representantes o que
a comunidade não quer. O uso do conectivo “e/ou” se explica na
medida em que é incomum os representados não acabarem esclarecendo, ao proporem soluções, o que não querem ver implementado.
Daqui não se segue, é claro, a impossibilidade de haver uma situação
na qual o desejo da comunidade seja simplesmente proibitivo. Em
tal caso, a Câmara na Praça não precisa elaborar uma súmula e pode
apenas emitir uma nota que comunique aos representantes o que
não deve ser feito. Como exemplo, Boal cita uma Câmara na Praça
que se reuniu para debater uma proposta do prefeito Cesar Maia
de armar a Guarda Municipal, que para a maioria dos presentes era
problemática e que foi o que provocara a convocação da reunião.
Nesse caso, os participantes não elaboraram uma súmula e optaram
por apenas comunicar aos representantes que não queriam que
21 Ademais, o caráter mais solto da conversa pública que se desenrola nas reuniões usuais dos Núcleos
a torna menos apropriada para a elaboração de uma proposta de política pública clara e concisa
(cf. infra nota vinte e quatro).
110
Gustavo Hessmann Dalaqua
semelhante medida fosse aprovada pela assembleia legislativa (Boal,
1996c, p. 122).
Via de regra, contudo, a solução dos problemas que ocasionam
a convocação de uma Câmara na Praça exige a elaboração de uma
súmula, sendo por isso imprescindível que semelhante reunião
proceda “mais ou menos como uma sessão da Câmara, com tempo
cronometrado, ordem do dia, encaminhamentos etc. O que se quer
saber é a opinião da cidadania sobre os temas [...] os quais eu, como
Vereador, deverei dar minha opinião” (Boal, 1996c, p. 120).
Boal repara que a Câmara na Praça não precisa ocorrer em uma
praça, podendo ser realizada em qualquer lugar de fácil acesso
público, como quadras de esporte, igrejas ou escolas públicas (Boal,
1996c, p. 122). O importante é que os seguintes procedimentos
sejam seguidos: primeiro, deve-se delimitar um tema que servirá
de justificativa para a reunião da Câmara na Praça.22 A sugestão
inicial do tema pode vir do povo ou dos próprios representantes.23
Delimitado o tema, a Câmara na Praça é convocada e divulgada
com antecedência à população. Um assessor legislativo é designado
para ajudar os cidadãos presentes no que diz respeito aos “aspectos
legais relacionados ao tema, e traduzir em termos legais as possíveis
sugestões” (Boal, 1996c, p. 120).
Recordemos que, na denúncia do caráter não democrático da
representação política feita em Teatro do oprimido, Boal (2005, p.
288) estabelecera que um governo representativo é oligárquico
quando seus representantes alegam falar em nome do povo “sem
ouvi-lo, traduzindo em sua própria linguagem de elite palavras
que em nenhuma parte foram pronunciadas”. A Câmara na Praça
salvaguarda a democraticidade da representação porque permite aos
representados pronunciar, com suas próprias palavras, seus desejos,
22 A lista de passos que enumeramos a seguir não deve ser vista como uma cartilha inflexível, pois
todas as técnicas do teatro legislativo (o que inclui a Câmara na Praça) podem ser contestadas por
aqueles que as aplicam na prática. Daí que Boal (1996c) exorte os leitores, em várias passagens do
livro, a lhe mandar cartas relatando suas experiências com o teatro legislativo e sugerindo possíveis
mudanças.
23 Cabe notar, todavia, que durante o mandato de Boal, quase todas convocações da Câmara na
Praça ocorreram por iniciativa do povo (Dinneen, 2013, p. 148).
Teatro legislativo e representação democrática:
A Câmara na Praça como aliança entre democracia e representação
111
interesses e demandas.24 Os representados conseguem, assim, comunicar seus juízos e opiniões aos representantes, sendo a função principal destes traduzir as demandas populares em projetos de lei.
O passo final é a elaboração da súmula, cujos principais pontos
são votados pelos presentes, algo que só deve ocorrer após debate
entre eles. Terminada a súmula, os participantes podem decidir
qual representante eleito será responsável por transformá-la em
projeto de lei.25 Os debates na Câmara na Praça devem prezar pela
ponderação, sendo por isso que Boal considera importantíssimo
que os cidadãos participantes sigam os procedimentos deliberativos
operantes no interior da assembleia representativa. A cronometragem equânime dos discursos, o direito à réplica e à tréplica, a
concessão de apenas um voto para cada um na hora de decidir o
teor geral da súmula, assim como outros procedimentos, estimulam
os presentes a “expor com precisão seus pensamentos e sugestões”
e tende a difundir neles “a reflexão e a compreensão” (Boal, 1996c,
p. 123). Além disso, esses mecanismos resguardam a igualdade
política, pois concedem igual tempo de fala aos cidadãos (isegoria)
e igual poder de impacto político por meio da adoção da fórmula
“uma cabeça, um voto” (isonomia).
Boal em momento algum assevera que a adoção dos procedimentos deliberativos que defende fará com que todos os cidadãos
sejam claros e se compreendam totalmente na Câmara na Praça.
24 A democracia para Boal exige não só isonomia – igualdade perante a lei, visível, por exemplo, na
concessão de um voto para cada eleitor – como também isegoria, isto é, a igual capacidade de
fala no que tange o mundo da política. “Para mim, na democracia [...] qualquer um pode dizer:
‘Pare, eu quero poder falar’. Isto que é democracia, isto que é liberdade, e é por isso que eu luto”
(Boal apud Morelos, 1999, p. 38). Repare que a recuperação do antigo ideal democrático da isegoria
não significa, reiteremos, que Boal fosse contra a representação. Conforme explica o autor na
Estética do oprimido, ao buscar fazer da pólis ateniense um modelo inspirador para as democracias
representativas contemporâneas, o propósito é não abolir mas sim “diminui[r] as distâncias entre
base [sc. os representados] e vértice [sc. os representantes]” (Boal, 2009, p. 132 e cf. 1996a, p. 51).
25 Isso é especialmente recomendável nos casos em que os participantes sabem que a súmula que
fizeram pode receber forte oposição de alguns representantes. Nesse caso, é provável que, ao
verter a súmula em projeto de lei, o representante tenha de alterar um ou outro ponto de modo a
angariar votos suficientes para que o projeto seja aprovado e vire lei. Voltaremos a esse ponto adiante
quando explicarmos que a Câmara na Praça não nega a prática do compromisso (compromise).
Sobre a importância da prática do compromisso em uma democracia representativa, cf. “Essência
e valor da democracia” de Hans Kelsen (1993).
112
Gustavo Hessmann Dalaqua
Mais modesta, sua afirmação é a de que um debate popular
estruturado por semelhantes procedimentos tende a gerar mais
compreensão do que um debate desordenado e evita que a reunião
do povo seja muito dispersa, garantindo, portanto, maior eficácia
legislativa à Câmara na Praça em comparação com as reuniões
rotineiras dos Núcleos.26
Boal (1996c, p. 121) destaca que, enquanto rascunho de projeto
de lei, a súmula não precisa ser excessivamente detalhada. A escritura final do projeto de lei ficará a cargo de um ou mais representantes. Quanto à presença destes no evento, Boal a considerava de
importância palmar. Afinal, a Câmara na Praça tem como razão
de ser aproximar representantes e representados e salvaguardar a
“política democrática do [...] Mandato [representativo]” (Ibidem).
Seja como for, é possível conjecturar que, na eventualidade dos
representantes não conseguirem comparecer, o assessor legislativo
ficaria encarregado de lhes relatar o desenrolar do debate público.
Quanto à presença do assessor, Boal é categórico: a Câmara na
Praça fica impossibilitada de ocorrer sem ele, visto ser ele quem
ajudará a população com o conhecimento jurídico necessário para
a elaboração da súmula (Ibidem).
26 O estudo de caso feito por Kelly Howe (2009) sobre a adoção do Teatro-Fórum pelo Practicing
Democracy – projeto de uma companhia teatral apoiado pela Câmara de Vereadores de Vancouver,
Canadá – ilustra bem como a ausência de procedimentos deliberativos claros pode fazer com que
a sugestão de leis por parte dos representados deixe de gerar resultados concretos. Membros do
Practicing Democracy convocaram os cidadãos de Vancouver para uma sessão de Teatro-Fórum
que visava discutir os efeitos dos cortes do governo no orçamento da assistência social. Na sessão
específica ocorrida em Vancouver, os espect-atores foram instados a propor medidas legislativas após
o término da peça. Ocorre que, na ausência de procedimentos deliberativos que estruturassem
o debate, a sessão desembocou em propostas dispersas, longas e genéricas. Sem a obrigação de
elaborar uma súmula mais ou menos clara e concisa, os participantes do Teatro-Fórum acabaram
produzindo um relatório de “vinte e sete páginas com espaçamento simples [...]. As recomendações
dizem respeito a uma pletora de preocupações, sendo que nem todas podiam ser endereçadas à
Câmara de Vereadores de Vancouver (algo que o próprio relatório reconhece)” (Howe, 2009, p. 251).
Não surpreendentemente, tal dispersão acabou impedindo que as propostas dos representados
culminassem em algum projeto de lei por parte dos representantes (Howe, 2009, p. 252). Em
contraste com o Teatro-Fórum, a Câmara na Praça não só visa explicitar o conflito e as diferenças
que permeiam as relações entre os representados como impor esquemas deliberativos que de
algum modo aglutinem as visões díspares dos cidadãos, de modo a permitir a elaboração de uma
súmula capaz de gerar um projeto de lei que valerá para todos.
Teatro legislativo e representação democrática:
A Câmara na Praça como aliança entre democracia e representação
113
Seria a Câmara na Praça simplesmente uma ressureição do
mandato imperativo, prática recorrente na Idade Média que, como
mostra Simone Goyard-Fabre (2003, p. 128-29), compelia o representante a seguir ao pé da letra as instruções dadas pelos representados? Os apontamentos acima já nos permitem responder que a
Câmara na Praça não é a mesma coisa que o mandato imperativo.
Ao mesmo tempo em que confere aos representados o poder de
guiar os termos dos projetos de lei que os representantes dentro
da assembleia deverão debater, a Câmara na Praça deixa a cargo
dos representantes a escritura final do projeto de lei a ser votado
na assembleia – o que, obviamente, abre a porta para a prática do
compromisso.
A Câmara na Praça difere do mandato imperativo porque não
impede que, ao ser confrontado com parlamentares de partidos
opostos que contrariam partes das orientações expressas pelos
constituintes na súmula, o representante ou representantes que
foram escolhidos para verter a súmula em projeto de lei possam,
eventualmente, alterar ou deixar de lado um ou outro ponto que os
representados na praça levantaram. Em consonância com o aspecto
democrático da representação, tais alterações poderiam suscitar
a convocação de novas Câmaras na Praça nas quais os representados debateriam possíveis insatisfações que a prática do compromisso feita pelo representante lhes teria suscitado.27 No modelo
de representação democrática esboçado por Boal, a troca pública
das opiniões dos representados conta com poder para decidir a
pauta das discussões dos representantes diretamente. Ainda que
não ditem os pormenores das leis promulgadas pela assembleia, os
representados têm poder para decidir o teor geral dos projetos de
leis que os representantes votam. O esquema político boalino, nesse
sentido, garante aos cidadãos algo fundamental para a sustentação
27 O fato de a súmula não implicar em um mandato imperativo impede que seus autores subvertam
o princípio da maioria (que é constitutivo da democracia). Afinal, acaso resultasse em um mandato
imperativo, seria possível que os participantes da Câmara na Praça gerassem uma lei contrária à
vontade da população em geral. Ao exigir que a súmula seja aprovada pela maioria dos representantes
(eleitos por voto popular), Boal evita que os participantes da Câmara na Praça sequestrem, por
assim dizer, a democracia.
114
Gustavo Hessmann Dalaqua
da representação democrática: o poder de direcionar e moldar a
agenda de discussão dos representantes.28
Caso o projeto de lei finalizado na assembleia lhes desagrade por
algum motivo, os representados podem criar novas súmulas que
deverão ser debatidas e votadas pelos representantes. Na democracia representativa, o trabalho do representante é análogo ao de
Sísifo: condenado a um vaivém constante, ele deve sempre retornar
à praça pública para averiguar e traduzir juridicamente as inexauríveis insatisfações que a atividade dos legisladores está fadada a
produzir entre o povo.
A representação democrática é um trabalho de tradução que nunca
acaba, pois é difícil que uma lei promulgada na assembleia representativa não agrade um, poucos ou muitos setores da sociedade em
detrimento de outros. O teatro legislativo boalino não pressupõe
que a Câmara na Praça conseguirá acabar com a opressão de uma
vez por todas. É justamente porque parte do reconhecimento de
que a opressão é mais ou menos inerente à vida em sociedade que
Boal (1996b, p. 53 e 2003, p. 115) conclama pela criação da Câmara
na Praça, local em que a contestação do povo obtém um canal de
acesso ao poder instituído. Ao dar vazão à democracia contestatória
por meio da manutenção de um espaço onde o povo consegue
criticar o poder vigente e propor a feitura de novas leis, a Câmara na
Praça é conducente à concepção de liberdade como não dominação
que Boal (2009, p. 78) esposava.
Conclusão
Seguindo a crítica de Landemore, este artigo sustentou que o
pensamento político de Urbinati merece reproches por conta de
28 Sobre a importância fulcral de tal poder para a democracia, ver Roger Cobb e Charles Elder (1971).
Ao conceder ao povo o poder de decidir a pauta de discussões dos representantes, a teoria de Boal
se coloca contra a tese que Robert Jackson (2007, p. 92) apresenta em Sovereignty: “Os cidadãos
das democracias representativas não estão em posição de decidir qual lei ou política deverá ser
implementada. Eles estão em posição de decidir quem, dentre os partidos e políticos disputando
seus votos, deverão ser os representantes. O papel deles é esse”. Na contramão de Jackson, Boal
entende que a soberania popular em uma democracia representativa requer o poder de decidir
não só quem será eleito como também os termos gerais das leis e políticas públicas que serão
implementadas na assembleia representativa.
Teatro legislativo e representação democrática:
A Câmara na Praça como aliança entre democracia e representação
115
uma certa ingenuidade que o perpassa, qual seja, a de supor que a
troca de juízos do povo fora da assembleia representativa consegue,
mesmo sem mecanismos participativos que lhe deem poder para
decidir diretamente as pautas debatidas no legislativo, cultivar uma
relação circular com os representantes eleitos. Conforme aponta
Landemore, no modelo de Urbinati, os representados fora da
assembleia não participam efetivamente do poder político porque,
por mais que deem palpites e ajuízem sobre as decisões tomadas
pelo representante que elegeram, eles não têm poder para intervir
decididamente sobre a agenda de discussões e os projetos de lei que
o representante cria.
Nesse sentido, é necessário criar mecanismos de participação
direta que concedam aos cidadãos comuns o poder de esboçar os
termos perante os quais as leis serão votadas. Não podemos simplesmente esperar, como sugere Urbinati, que o poder de influência
dos representados sobre os representantes emerja, espontaneamente, a partir de uma “política informal” criada pela advocacy de
associações da sociedade civil (Urbinati apud Landemore, 2016, p.
146). É necessário formalizar práticas institucionais que fomentem
semelhante relação de influência para além do período de eleições
(Hamilton, 2014, p. 200-5 e Peonidis, 2013, cap. 2). Tais práticas,
ademais, precisam ser estruturadas de modo a proteger a igualdade
política. Como exposto na terceira seção do texto, ao apregoar que
a troca de opiniões na sociedade constitui um âmbito de participação no qual os cidadãos ajuízam mas não decidem sobre os
temas políticos, Urbinati deixa a igualdade política sem proteção,
porquanto não oferece mecanismos que impeçam a monopolização
da conversa pública.
Nossa diferença com relação à Landemore (2017, p. 58) é que
não pensamos que a adoção de mecanismos de participação direta
nos dirija “para além” da representação. Longe de acusar a virada
representativa de se deixar ludibriar por uma forma de governo
fadada a ser antidemocrática, o intuito do corrente trabalho foi o
de apenas advertir Urbinati sobre a necessidade de se criar mecanismos de participação direta que concedam aos representados o
116
Gustavo Hessmann Dalaqua
poder equânime de direcionar e decidir a pauta de discussões dos
representantes. Posto de outra maneira, o propósito do trabalho
foi o de apontar uma lacuna na teoria democrática urbinatiana e
de preenchê-la mediante recurso ao pensamento político boalino.
Criar mecanismos de participação direta que invistam os representados com o poder equânime de decidir a pauta de discussões dos
representantes é indispensável para tornar a democracia compatível
com a representação – algo que a Câmara na Praça mostrou quando
foi implementada. Prática integrante do teatro legislativo inaugurado por Boal quando era vereador, a Câmara na Praça gerou a
promulgação de treze leis dentro da assembleia representativa que
foram elaboradas em parceria com os representados fora dela.29 Não
se trata, portanto, de um modelo teórico “impraticável”. 30
O poder da Câmara na Praça para democratizar o governo
representativo só não pôde ser melhor apreciado porque, verdade
seja dita, os outros representantes não a adotaram. A Câmara na
Praça decerto não consegue pôr em marcha uma representação
efetivamente democrática quando a esmagadora maioria dos representantes a repudia e quando, nos pouquíssimos casos em que é
utilizada, acaba sufocada por uma assembleia que, embora eleita
pelo voto do povo, é de fato oligárquica. Nada disso, contudo, nega
o poder que a Câmara na Praça tem de fortalecer a representação
democrática. No pensamento político de Boal, encontramos um
modelo teórico e prático capaz de aliar democracia e representação.
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29 A lista das leis aprovadas por meio da Câmara na Praça no munícipio do Rio de Janeiro entre
1993 e 1996 consta em Boal (1996c, p. 134-41). A Câmara na Praça também foi posta em prática e
conseguiu produzir leis em outros lugares (Dinneen, 2013, p. 148-55).
30 Usamos o termo “impraticável” para aludir à rejeição de Urbinati das Assembleias Primárias,
sistema desenhado por Condorcet (1793) que, de maneira análoga à Câmara na Praça, permitia
aos representados propor a feitura de novas leis e contestar as leis existentes. Ainda que aprove
o esforço de Condorcet de democratizar a representação por meio das Assembleias Primárias, ao
fim e ao cabo, Urbinati (2006b, p. 221) rejeita a proposta do filósofo por considerá-la “impraticável”.
Teatro legislativo e representação democrática:
A Câmara na Praça como aliança entre democracia e representação
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Resumo
O artigo busca contribuir para o debate na teoria política contemporânea
sobre democracia e representação por meio de uma análise da Câmara
na Praça, proposta elaborada por Augusto Boal na obra Teatro legislativo
e praticada quando o autor foi eleito vereador. Após reconstruir a
conceptualização de Nadia Urbinati da representação democrática como
uma diarquia resultante da circularidade entre os juízos dos representados
e as decisões dos representantes eleitos, endossamos parcialmente a crítica
de Hélène Landemore e afirmamos que a representação democrática
exige mecanismos de participação direta que concedam poder decisório
à troca de juízos dos representados. É isto o que a Câmara na Praça faz ao
conceder aos representados o poder de julgar e decidir os termos gerais
dos projetos de lei propostos pelos representantes.
Palavras-chave: representação política; democracia; participação;
Augusto Boal; teatro legislativo; Nadia Urbinati
Abstract
This article seeks to contribute to the debate in contemporary democratic
theory on how democracy can be reconciled with political representation
by analyzing the Chamber in the Square, a proposal advanced by Augusto
Boal in Legislative Theatre and put into practice when he was elected
city councilor. After reviewing Nadia Urbinati’s reconceptualization of
democratic representation as a diarchy of will and judgment, we partially
endorse Hélène Landemore’s criticism and contend that democratic
representation requires citizens’ exchange of opinions in the public sphere
to be invested with the power not only to judge but also to decide about
political affairs. By opening up a space where the represented can decide
the general terms of the bills representatives present in the assembly, the
Chamber in the Square offers a scheme that can reconcile democracy and
representation.
Keywords: political representation; democracy; participation; Augusto
Boal; legislative theatre; Nadia Urbinati
Recebido em 08 de fevereiro de 2019
Aprovado em 05 de março de 2019