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B R I D G E S N E T W O R K PO N T ES Informações e análises sobre comércio e desenvolvimento sustentável VOLUME 10, NÚMERO 3 - MAIO 2014 Brasil e comércio: desenho tático definido? POLÍTICA COMERCIAL O Brasil possui uma estratégia definida para o comércio internacional? AGRONEGÓCIO Posicionar o Brasil como guardião da segurança alimentar mundial ACORDOS MEGARREGIONAIS Acordos de comércio megarregionais: o que está em jogo para a América Latina? PO N T ES VOLUME 10, NÚMERO 3 - MAIO 2014 PONTES Informações e análises sobre comércio e desenvolvimento sustentável em língua portuguesa. ICTSD International Centre for Trade and Sustainable Development Genebra, Suíça EDITOR EXECUTIVO Ricardo Meléndez-Ortiz EDITOR CHEFE Andrew Crosby EQUIPE EDITORIAL Manuela Trindade Viana Bruno Varella Miranda Suzi Yumi Katzumata CONSULTORA EDITORIAL Michelle Ratton Sanchez Badin DESIGN GRÁFICO DESENVOLVIMENTO 4 O papel da política comercial no programa de desenvolvimento global pós-2015 Alice Tipping POLÍTICA COMERCIAL 9 O Brasil possui uma estratégia definida para o comércio internacional? Rogério Farias AGRONEGÓCIO 13 Posicionar o Brasil como guardião da segurança alimentar mundial Gustavo Diniz Junqueira FACILITAÇÃO DO COMÉRCIO 17 A adesão do Brasil à CISG: eficácia, uniformização Flarvet de contratos e facilitação do comércio LAYOUT Marcia Carla Pereira Ribeiro, Guilherme Freire de Melo Barros Oleg Smerdov ACORDOS MEGARREGIONAIS Se deseja contatar a equipe editorial do Pontes, escreva para: pontes@ictsd.ch O PONTES recebe com satisfação seus comentários e propostas de artigo. O guia editorial pode ser solicitado junto à nossa equipe. 20 Acordos de comércio megarregionais: o que está em jogo para a América Latina? Osvaldo Rosales, Sebastián Herreros 25 Informações úteis 26 Publicações PONTES | VOLUME 10, NÚMERO 3 - MAIO 2014 3 Montando o quebra-cabeça Poucos temas geram tamanha controvérsia quanto a condução dos rumos de um Estado. Em qualquer momento histórico, é rica a diversidade de interesses e opiniões. Desalinhadas em termos de abrangência ou prioridade, tais preferências são canalizadas por estruturas burocráticas que, longe de serem executoras passivas dos anseios nacionais, possuem agenda e dinâmica próprias. Obtido após complexas interações, o resultado nem sempre é o desejado pelos variados grupos de interesse de uma sociedade. A política externa de um país não é exceção e, dentro desse conjunto de ações articuladas, a estratégia comercial emerge como uma entre tantas outras prioridades. Caso queiramos compreender o todo, é necessário discutir cada um dos aspectos que contribuem para a consolidação da política externa brasileira nessa seara. Diante desse desafio, o presente número do Pontes oferece contribuições que nos permitem refletir sobre os rumos da política comercial do país. Mais especificamente, partimos das seguintes perguntas: o Brasil possui uma estratégia definida em suas relações comerciais com o mundo? De que maneira tal estratégia influencia a ação econômica dos agentes baseados no interior de suas fronteiras? Partindo desse questionamento, pretendemos publicar, ao longo de 2014, artigos que possibilitem a você, prezado(a) leitor(a), a formulação de uma resposta que vá além dos anseios imediatos de um único setor econômico. Sabemos que a tarefa é hercúlea, e não se limita às páginas do Pontes. Ao contrário, é possível que inúmeros aspectos da política comercial brasileira sejam explicados por fatores desconsiderados em boa parte das análises dedicadas ao tema. Assim, os textos encontrados nas próximas páginas, longe de oferecerem uma resposta taxativa para as questões formuladas acima, acrescentam mais peças para a montagem do quebra-cabeça. Outras peças podem ser encontradas no rico arquivo de análises oferecido pelo International Centre for Trade and Sustainable Development (ICTSD). Por sinal, essa biblioteca digital passará por importantes modificações nas próximas semanas. Com a inauguração de um novo site, melhor adaptado às transformações ocorridas na Internet nos últimos anos, possibilitaremos a você, prezado(a) leitor(a), uma busca mais eficiente por informações relevantes nas áreas de comércio e desenvolvimento sustentável, bem como uma plataforma mais ágil de interação com a rede de que o Pontes é parte. Fruto de meses de trabalho da equipe do ICTSD, a nova plataforma resulta diretamente dos valiosos comentários deixados por nossos leitores ao longo dos últimos anos. Esse número do Pontes, portanto, começa com um agradecimento a você, prezado(a) leitor(a), pela fidelidade à publicação e o cuidado no fornecimento de críticas e sugestões a nossa equipe. Esperamos que tal dinâmica se mantenha no futuro, seja por meio de comentários no site do Pontes, seja escrevendo-nos um e-mail. Esperamos que aprecie a leitura. A Equipe Pontes PONTES | VOLUME 10, NÚMERO 3 - MAIO 2014 4 DESENVOLVIMENTO O papel da política comercial no programa de desenvolvimento global pós-2015 Alice Tipping Este artigo busca discutir pontos-chave para a promoção de uma sinergia entre as políticas comerciais e os objetivos ambientais, sociais e econômicos que serão parte fundamental do novo paradigma de desenvolvimento. E m 2015, termina o prazo estabelecido para a consecução dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). Por isso, a Organização das Nações Unidas (ONU) tem buscado definir um programa de desenvolvimento global pós2015. Espera-se que o resultado final determine o rumo dos trabalhos em matéria de desenvolvimento internacional nos próximos 15 anos. Reconhecendo a interdependência que caracteriza a maioria dos desafios ao desenvolvimento, os membros da ONU decidiram que o programa pós-2015, que inclui um conjunto de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), integre e equilibre preocupações ambientais, econômicas e sociais. Decidiu-se, ainda, que os ODS constituem um programa para a ação universal, envolvendo objetivos globais relevantes para todos os países, amparados por metas nacionais. Esse processo tem contado com uma considerável pressão exercida por países, agências da ONU e organizações não governamentais para a inclusão de suas preocupações mais prioritárias. Tal agenda inclui desde temas clássicos, como saúde e fome, até novas questões, como assentamentos urbanos, paz, segurança e trabalho decente. Tendo em vista o debate existente em Genebra, onde as consequências das políticas comerciais para o meio ambiente, crescimento econômico e desenvolvimento humano são tratadas diariamente, é surpreendente a limitada influência da política comercial no debate pós-2015 para os ODMs. A Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD, sigla em inglês), por exemplo, refere-se ao comércio como “a forma mais confiável e produtiva de integração econômica mundial e de apoio aos esforços dos países mais pobres a serem menos dependentes de ajuda” 1 . O comércio não só conecta, como também molda economias, comunidades e o meio ambiente. Mais especificamente, o intercâmbio de bens e serviços impulsiona mudanças nas estruturas de emprego e produção, nos padrões de relacionamento entre indivíduos e de uso dos recursos naturais. Nesse sentido, a política comercial é um elemento central na busca de um equilíbrio entre proteção ambiental, crescimento econômico e desenvolvimento humano. Por ser tratar de um conjunto prioritário de ações para praticamente todos os governos, esta é também uma ferramenta de ação universal. Os relatórios produzidos pela equipe de trabalho das agências da ONU para apoiar a criação dos ODS fazem uma breve alusão ao papel do comércio como facilitador do crescimento e como uma ferramenta para difusão tecnológica. Da mesma forma, as reuniões do Grupo de Trabalho Aberto da ONU, encarregado de desenvolver os ODS, abordaram uma série de questões relacionadas ao comércio, como subsídios agrícolas e subsídios prejudiciais ao meio ambiente. Porém, até o momento, foi limitada a busca por uma síntese capaz de englobar todas essas questões e responder a uma pergunta mais ampla: qual deve ser o papel do comércio e da política comercial no programa de desenvolvimento pós-2015? ODM 8, a criança problemática O marco dos ODM consiste em oito objetivos principais acordados por todos os países e pelas principais instituições dedicadas ao tema do desenvolvimento. A política comercial foi incluída no ODM 8: fomentar uma associação mundial para o desenvolvimento. PONTES | VOLUME 10, NÚMERO 3 - MAIO 2014 5 População vivendo em condições de extrema miséria nos países em desenvolvimento: Junto com as metas em matéria de assistência oficial para o desenvolvimento (AOD) e da sustentabilidade da dívida, as metas 8A e 8B pedem o estabelecimento de um sistema financeiro baseado em normas, previsível e não discriminatório, capaz de atender às necessidades especiais dos países de menor desenvolvimento relativo (PMDR). 1990: 47% 2010: 22% As metas relacionadas ao comércio foram acompanhadas de indicadores para medir o acesso dos países em desenvolvimento (PEDs) ao mercado dos países desenvolvidos (PDs), os subsídios agrícolas praticados pelos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a proporção da ajuda internacional para o desenvolvimento destinada a fomentar a capacidade comercial. Fonte: ONU (2013) Diversos pontos de vista apontam problemas no ODM 8. Muitos consideram-no uma ideia de “última hora” no processo de negociação. Em outras palavras, apesar da capacidade dos delegados em identificar a relevância das questões econômicas discutidas no objetivo, a falta de tempo ou de preparo impediu o tratamento adequado do problema. As metas previstas nos ODM 8 são também menos específicas e mensuráveis em comparação aos demais objetivos. O objetivo 8A, por exemplo, estabelece de forma vaga a necessidade de uma ação multilateral, repartindo responsabilidades entre todos. De maneira similar, o objetivo 8B não estabelece uma medida objetiva para potenciais conquistas, limitando-se a estipular que as necessidades dos PMDRs devem ser abordadas. Não por acaso, as avaliações sobre o cumprimento do ODM 8 são muito diversas. Finalmente, é limitada a relação entre os outros sete objetivos e o oitavo: os delegados parecem ter partido do pressuposto de que a AOD, a isenção de dívidas e as preferências comerciais ajudariam os PEDs a alcançar os sete primeiros objetivos. Talvez por isso, vários PEDs solicitaram que os ODS viessem acompanhados de medidas de implementação. Tais meios poderiam incluir a AOD tradicional de PDs aos PEDs, a ajuda Sul-Sul ou o financiamento interno. Um dos desafios fundamentais para o processo de ODS será identificar não apenas quais deveriam ser os objetivos de desenvolvimento para o mundo, como também quem financiará o trabalho e como estes serão alcançados. ODS, as novas crianças do bairro O processo de criação dos ODS oferece uma oportunidade para rediscutir a estrutura dos ODM. Conforme mencionado anteriormente, os ODS buscam a consolidação de um enfoque integrado para a promoção do desenvolvimento humano, crescimento econômico, proteção do meio ambiente, paz e segurança. As partes interessadas propuseram diversos enfoques para a construção desse marco integrado. A Colômbia defende um enfoque ascendente, em que primeiro seriam identificadas as metas críticas em uma série de áreas para que, depois, estas sejam agrupadas em torno de objetivos mais amplos. Por sua vez, o Pacto Mundial da ONU, iniciativa política destinada a aumentar o envolvimento das empresas no desenvolvimento, apresentou um documento que agrupa temas em assuntos gerais. A tríade de recursos, por exemplo, emparelha alimentação e agricultura, água e saneamento, energia e clima, estabelecendo objetivos que levam em consideração as sinergias entre cada questão (Figura 1). O Grupo de Alto Nível de Personalidades Eminentes da ONU, convocado pelo secretáriogeral da Organização para aconselhar sobre o programa pós-2015, sugeriu um conjunto de 12 objetivos em temas específicos. Esses objetivos são fundamentados por 54 metas claras e mensuráveis, várias das quais abordam dimensões múltiplas do desenvolvimento. O rascunho elaborado pelo grupo, intitulado Garantir a segurança alimentar e a nutrição adequada, por exemplo, inclui objetivos de desenvolvimento humano para a fome e a desnutrição crônica, uma meta econômica para a produtividade agrícola e um objetivo ambiental para a manutenção dos estoques de pesca. PONTES | VOLUME 10, NÚMERO 3 - MAIO 2014 6 Figura 1. Assuntos prioritários pós-2015 Fonte: UN Global Compact. (2013). Corporate Sustainability and the United Nations Post-2015 Development Agenda. A tarefa de elaborar o primeiro rascunho do marco dos ODS foi encomendada ao Grupo de Trabalho Aberto sobre os ODS da Assembleia Geral da ONU. Composto por 30 vagas, muitas das quais compartilhadas por vários membros, este Grupo de Trabalho conta com a participação de cerca de 70 países. Outros Estados ou partes interessadas da sociedade civil também contribuem com o trabalho do grupo, por meio da apresentação de declarações e documentos. Desde o princípio de 2013, reuniões regulares são usadas para discutir questões, opções e posições dos membros sobre uma série de aspectos relacionados ao desenvolvimento sustentável. A expectativa é de que o Grupo de Trabalho envie um documento à Assembleia Geral da ONU em setembro de 2014, e de que esse documento seja unido a muitos outros relatórios, elaborados por grupos de trabalho dedicados a diferentes aspectos do programa de desenvolvimento pós-2015. A questão central do financiamento ao desenvolvimento sustentável, por exemplo, está sendo debatida por um comitê intergovernamental de especialistas sobre o financiamento para o desenvolvimento sustentável. A Assembleia Geral avaliará todas as contribuições a fim de elaborar um programa definitivo de desenvolvimento pós-2015. Pairam dúvidas sobre como tamanha diversidade será sintetizada em um único programa coerente. Tampouco há clareza sobre a possibilidade de reabertura das negociações com base no rascunho preparado pelo Grupo de Trabalho Aberto. Por outro lado, a ampla representatividade do grupo permite a suposição de que o documento terá certo peso para o futuro. Em resumo, os próximos meses de negociação serão uma oportunidade importante para dar forma ao núcleo do programa pós-2015. A política comercial e o meio ambiente nos ODS A política comercial pode desempenhar uma série de funções no marco dos ODS. A opção mais simples seria similar ao papel que desempenhou nos ODM: facilitar o crescimento econômico, principalmente por meio da melhora do acesso a mercados para as exportações dos PEDs. Para tanto, seria necessário renovar os objetivos e metas do ODM 8, aumentar a ajuda para o comércio, reduzir as barreiras tarifárias, reduzir os subsídios agrícolas dos PDs e melhorar gradualmente o sistema de comércio baseado em normas. Ademais, esse enfoque poderia ser atualizado com metas mais específicas em matéria de acesso a mercado. Aos países, caberia estabelecer objetivos nacionais, para que o total PONTES | VOLUME 10, NÚMERO 3 - MAIO 2014 7 Metas cumpridas dos ODM: ou uma porcentagem específica das exportações dos PMDRs esteja livre de barreiras tarifárias. • mais de 2 bilhões de humanos obtiveram melhor acesso à água potável Essa variação ofereceria três vantagens importantes. Em primeiro lugar, seria facilitada uma política comercial baseada no acesso a um mercado mais universal, o que refletiria a importância do comércio Sul-Sul e o crescimento dos grandes mercados dos PEDs. Uma segunda potencialidade estaria em uma melhor prestação de contas, dada a maior capacidade de mensuração. Finalmente, os países seriam capazes de estabelecer objetivos alinhados com suas circunstâncias nacionais. • A taxa global de mortalidade de malária diminuiu 25% Fonte: ONU (2013) Embora essa atualização constitua uma melhora no ODM 8, a natureza integradora dos ODS oferece uma oportunidade de utilização da contribuição mais ampla da política relacionada com o comércio na consecução dos ODS. Em um enfoque mais integrado, as metas ou indicadores relacionados com o comércio poderão ser incluídos sempre que contribuírem para a consecução de um resultado ambiental ou de desenvolvimento humano. O objetivo seria identificar as áreas específicas em que a reforma da política comercial, caso empreendida de forma gradual e cuidadosa, poderia contribuir para avanços em direção aos ODS. Tal enfoque refletiria o fato de que a política comercial é uma ferramenta universal e ajudaria os países a incorporá-la aos marcos normativos internos que sejam pertinentes. Já existem alguns sinais de que essa perspectiva está angariando apoio no debate sobre os ODS. O relatório do secretário-geral à Assembleia Geral da ONU sobre os ODM e o programa de desenvolvimento pós-2015, intitulado Uma vida digna para todos 2 , coloca o comércio, juntamente com o emprego decente, como um componente essencial do crescimento inclusivo e sustentável. Da mesma forma, vários países do Grupo de Trabalho Aberto enfatizaram a importância da redução dos subsídios agrícolas nos PDs, no contexto da melhora da segurança alimentar e da erradicação da fome. Outros defendem a redução dos subsídios prejudiciais ao meio ambiente. O rascunho do projeto do Grupo de Alto Nível, por exemplo, estipula o objetivo de garantir a energia sustentável, incluindo uma meta para a eliminação gradual dos subsídios aos combustíveis fósseis ineficientes que estimulam o consumo excessivo. Tal posição reflete o fato de que um melhor acesso à energia renovável depende não apenas de seu preço, como também do custo dos combustíveis fósseis com os quais compete. Além dos subsídios agrícolas e dos combustíveis fósseis, a reforma para reduzir os subsídios à pesca poderiam ajudar a reduzir a pressão sobre a população de peixes, ajudando a restaurar a capacidade produtiva de uma fonte potencial de segurança alimentar e nutrição. É provável que a demanda por esse alimento aumente entre 20% e 30% até 2030. No entanto, apenas 12,7% da população mundial de peixes tem margem para uma expansão na captura 3 . Os países favoráveis a uma reforma dos subsídios considerados prejudiciais para o meio ambiente sublinham a relação entre essa medida e outros objetivos. O argumento é de que tal decisão levaria a um redirecionamento de recursos para subsídios e investimentos em infraestrutura e padrões de produção sustentáveis. Os fundos também poderiam ser usados para AOD, caso apropriado. Dessa forma, seria possível que os membros da ONU considerassem uma relação mais ampla entre a ajuda para o comércio e o meio ambiente na estrutura integrada dos ODS. A meta 8.9 refere-se à proporção da AOD destinada a fomentar a capacidade comercial. A atividade econômica é determinada pelas mudanças nos padrões do clima; por isso, os objetivos de apoiar a capacidade exportadora e a adaptação à mudança climática estão cada vez mais relacionados. Por exemplo, um estudo produzido pelo International Centre for Trade and Sustainable Development (ICTSD) analisa como adaptações às variações induzidas pela mudança climática nas condições de cultivo agrícola poderiam ser apoiadas pelo financiamento ligado ao comércio 4 . Este e outros aspectos complementares entre PONTES | VOLUME 10, NÚMERO 3 - MAIO 2014 8 os diferentes meios de aplicação ajudariam a lidar com os objetivos de caráter ambiental, econômico e social de uma maneira mais coerente. Após um ano de discussões, os presidentes do Grupo de Trabalho Aberto publicaram, em 21 de fevereiro de 2014, uma lista de 19 áreas centrais a considerar. Entre os temas e metas mencionados, está o papel de um sistema de comércio baseado em regras abertas, a fim de fomentar o crescimento sustentável como um meio de implementação. Mais especificamente, são incluídas referências para que subsídios considerados superficiais sejam abordados. Também estão presentes ideias que resgatam a necessidade de um espaço político de apoio ao desenvolvimento industrial e de promoção a novas indústrias. Este documento, ademais, destaca a conexão entre cada uma das áreas centrais 5 . O comércio como um facilitador nos ODS O programa de desenvolvimento pós-2015 não imporá obrigações aos Estados membros da ONU. Em outras palavras, nenhum país será juridicamente obrigado a aplicar as metas acordadas. Caso sejam semelhantes aos ODM, os ODS e o programa de desenvolvimento pós-2015 exercerão influência limitada, centrando a atenção política em áreas consideradas prioritárias e atuando como um condutor dos fluxos de financiamento. O desenho integrado e a aplicação universal dos ODS constituem uma oportunidade real para fazer com que as políticas de desenvolvimento, meio ambiente e economia sejam mais coerentes e alinhadas com os objetivos na área comercial. As ideias relacionadas ao comércio já fazem parte do debate em Nova York, mas ainda há espaço para a definição de um papel coerente, construtivo e transversal da política comercial no novo programa de desenvolvimento sustentável. Alice Tipping Consultora sênior do Programa de Meio Ambiente e Recursos Naturais do ICTSD. 1 Ver: UNCTAD. Trade and development and the global partnership beyond 2015. Genebra: UNCTAD, 2013. Disponível em: <http://bit.ly/1jEisdj>. 2 Disponível em: <http://bit.ly/1kktfHK>. 3 Relatório publicado em 2012 pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, sigla em inglês), intitulado State of world fisheries and aquaculture, discute o tema. O trabalho, assim como suas versões anteriores, estão disponíveis em: <http://bit.ly/PK58GZ>. 4 Ver: <http://bit.ly/1kktlPm>. 5 Reportagem recente publicada pelo ICTSD discute a questão. Disponível em: <http://bit.ly/1hHdJkE>. PONTES | VOLUME 10, NÚMERO 3 - MAIO 2014 9 POLÍTICA COMERCIAL O Brasil possui uma estratégia definida para o comércio internacional? Rogério Farias À pergunta que dá título ao artigo, o autor responde negativamente. O artigo argumenta que, pela atuação confusa de suas unidades burocráticas, o Brasil tem rompido com um padrão de relações comerciais até então existente. U ma estratégia é um processo que une meios e fins, intenções e capacidades, objetivos e recursos. Ela depende, primeiro, de um diagnóstico da situação; depois, da definição de objetivos e da seleção dos meios adequados para alcançá-los. É preciso que ela se volte para o futuro, e não seja subjugada ao passado; e, ainda, que tenha princípios flexíveis e não seja uma verdade dogmática 1 . O governo brasileiro não se guiou por uma estratégia pré-concebida nas negociações da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC), de 2001 até 2013. As mudanças de governo, de pessoal e a própria dinâmica das negociações internacionais inviabilizaram a definição de uma estratégia nessa seara. Não houve instância capaz de impor, durante todo esse período, uma unidade de pensamento às suas várias unidades governamentais, malgrado a liderança do Itamaraty e a competência legal e as aspirações da Câmara de Comércio Exterior (CAMEX). Houve, sim, seguidos pronunciamentos gerais, mas a ação dos decisores foi guiada mais pela turbulência cotidiana dos acontecimentos do que por um conjunto de crenças compartilhadas pelos operadores do Estado. Mesmo com essa limitação, pode-se observar um padrão de conduta em vários temas relevantes no período de 2003 a 2012, com alguns ajustes a partir da mudança de governo e da campanha para o cargo de diretor-geral da OMC. Da mesma forma, houve algumas rupturas com a Rodada Uruguai, decorrentes da mudança de status do país e de transformações no cenário internacional. A atuação do país no tema, nesse sentido, poderia ser concebida como resultante da atuação confusa das unidades burocráticas do Estado – e não de um plano. Neste artigo, desejo destacar quatro aspectos do que seria essa resultante: a dualidade posicional de um país emergente, o regionalismo, o tema de serviços e a relação com o mundo em desenvolvimento. Um país emergente? Em 2001, o economista Jim O’Neill, da Goldman Sachs, criou a sigla BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) para identificar um ajuste na distribuição de riqueza na economia mundial. Segundo ele, em algumas décadas, esses países seriam mais ricos do que as atuais economias do G-7. Para muitos autores, essa mudança teria efeitos políticos, pois esses países teriam mais recursos materiais para projetar poder nas relações internacionais. Em especial, eles batalhariam para reestruturar o sistema de regras internacionais, de maneira que estas reproduzissem esse novo equilíbrio de poder. O Brasil soube aproveitar esse novo ambiente: mesmo sem indicadores econômicos robustos – como ficou claro após 2013 –, a percepção de outros atores levou a um reposicionamento do país na hierarquia de poder internacional. No âmbito da OMC, em particular, o país está integrado no núcleo duro do processo decisório, e a eleição do diplomata Roberto Azevêdo coroou o novo status do país. Contudo, o ativismo brasileiro e sua inserção no multilateralismo comercial apresentam uma fragilidade interna decorrente da constituição da economia do país e de sua inserção nos mercados internacionais. Na década de 1970 e 1980, existiam poucos setores com PONTES | VOLUME 10, NÚMERO 3 - MAIO 2014 Exportações brasileiras aos países BRIC (em US$ milhões): Em 2002 2.521 China 654 Índia 1.253 Rússia Em 2012 41.228 China 5.577 Índia 3.141 Rússia Fonte: MRE (2013) 10 competitividade global. A agricultura é um bom exemplo: seus preços eram regulados, as exportações limitadas e, em muitos setores, havia considerável desembolso de subsídios. Em 1984, a tarifa aplicada média em produtos agrícolas era de 57%. Nos anos seguintes, o país executou várias reformas com impactos positivos no setor. A distância entre a tarifa média consolidada em agricultura ao final da Rodada Uruguai (35%) e a tarifa média atualmente aplicada (10%) é um testamento da transformação da agricultura nacional. O setor industrial, entretanto, não passa por um momento igualmente auspicioso em termos agregados. Ainda protegido e pouco competitivo, depende atualmente de um câmbio favorável e da redoma regulatória estatal para sobreviver. O Brasil tem, portanto, uma dualidade posicional na Rodada. Isso não é uma característica exclusiva do país, mas a forma com que essa condição afetará a atuação nas negociações será peculiar e única. Isso porque os demais países centrais da Organização têm um setor industrial mais competitivo, e a Rodada tem como uma de suas premissas a diminuição do protecionismo que o governo brasileiro pratica no setor. Até que ponto o país estará disposto a avançar por essa via para conseguir maior acesso a mercado em agricultura é uma das grandes questões em aberto em Brasília. O Mercosul e a arena multilateral Na década de 1990, o lançamento do Mercado Comum do Sul (Mercosul) gerou a expectativa de mudanças profundas na estratégia de inserção internacional do Brasil. O arranjo prometeu ser uma via para expandir o nível de competição da economia brasileira, como um ensaio de fortalecimento para enfrentar o mercado global. Havia, igualmente, a expectativa de que o bloco melhorasse a posição de barganha do país em negociações externas, inclusive na OMC. Mais de vinte anos depois, essa promessa está longe de ser cumprida. Apesar do início exitoso, hoje o ritmo de crescimento das exportações brasileiras para o Mercosul é lento. Em 2012, a participação do bloco nas exportações brasileiras estava na ordem de 9,4%, uma redução em relação a anos anteriores. Do ponto de vista do posicionamento externo, o bloco não consegue se articular com uma voz única. Pior: frequentemente, seus membros estão em lados opostos de questões cruciais. Em 2005, Uruguai e Brasil lançaram candidatos individuais para o posto de diretor-geral da Organização. Atualmente, a Argentina está mais próxima do Equador e da Bolívia do que do Brasil no tema dos rascunhos-base para as próximas fases da Rodada Doha. O Uruguai caminha cada vez mais para estreitar seus laços comerciais com o governo estadunidense, enquanto a Argentina é um dos principais opositores a um acordo do bloco com a União Europeia (UE) – iniciativa que conta com mais defensores no Brasil. A entrada da Venezuela no bloco, por sua vez, selou o declínio definitivo do arranjo. O Mercosul foi concebido como um instrumento a serviço do interesse nacional. Acabou tornando-se um fim em si mesmo: o que era uma ferramenta a serviço de uma política, agora é um discurso vazio em meio a uma inércia institucional. Já existem vozes contrárias a tal situação no governo brasileiro. Muitos, no entanto, temem que modificações estruturais no bloco ocasionem um retorno à rivalidade historicamente tradicional do Prata. Não se percebe que a construção do arranjo foi tanto causa como efeito do novo estado das relações na região e que os determinantes estruturais da economia e da política do Cone Sul criam incentivos para laços densos e para a diminuição de conflitos armados com ou sem Mercosul. De todo modo, o Brasil deve decidir, em breve, se continua a valer a pena ter transformado um símbolo em uma fixação. “O único jogo na cidade”? Na criação da OMC, em 1995, reverberou a premissa de que a Organização era “o único jogo na cidade”: não existiam mais alternativas ao liberalismo comercial. Do ponto de vista tático, isso significou, para o Brasil, a elevação da centralidade do multilateralismo comercial em sua estratégia de inserção internacional. A razão era o fato de as negociações sob consenso e sob o single undertaking gerarem claros benefícios aos mais fracos, em um contexto em que arranjos bilaterais com os países desenvolvidos não alcançariam concessões de relevo. Com a decisão, na Reunião Ministerial de Hong Kong (2005), PONTES | VOLUME 10, NÚMERO 3 - MAIO 2014 11 Países latino-americanos no TISA: de priorizar o tema agrícola, havia ainda mais incentivos para concentrar sua ação nas negociações da Rodada Doha. Chile Colômbia Costa Rica México Panamá Paraguai Peru Essa realidade, no entanto, está mudando aos poucos. A Rodada, programada inicialmente para terminar em 2005, ainda patina para definir seus textos finais. Diante dessa situação, a percepção nas capitais do mundo desenvolvido foi de que a fórmula de single undertaking em uma organização de mais de 150 membros inviabiliza um resultado satisfatório e viável para a Rodada Doha. A maior intérprete desse sentimento foi Susan Schwab, em artigo publicado na Foreign Affairs, em meados de 2011: para ela, é melhor a Organização facilitar acordos plurilaterais entre países com interesse efetivo na liberalização comercial. Futuro participante: Uruguai Um dos sinais mais visíveis desse movimento pode ser encontrado no setor de serviços, no qual cerca de vinte países negociam o chamado Acordo de Comércio em Serviços (TISA, sigla em inglês). Nas primeiras reuniões do “Grupo Enchilada”, que discute informalmente o tema na Rodada Doha, o Brasil foi um dos mais críticos da iniciativa, junto com China, Índia e África do Sul. Desde então, não apenas o Uruguai demonstrou interesse em participar das conversações, mas a própria China sinalizou que estaria disposta a atuar nas negociações desse arranjo. O mercado brasileiro é um dos mais visados nas negociações de serviços no âmbito da OMC, em decorrência de seu porte, das barreiras existentes e das poucas consolidações no âmbito do Acordo Geral sobre Comércio de Serviços (GATS, sigla em inglês) 2 . Esta é, portanto, uma área em que o país tem claros interesses defensivos em sua estratégia negociadora. Agora, Brasília discute sobre a posição a ser adotada, mas ainda que use uma retórica construtiva, a preferência do governo brasileiro é pelo avanço do tema na Rodada Doha. A criação de arranjos plurilaterais ocasionaria a fragmentação do sistema de regras de comércio, a redução do escopo das concessões feitas no âmbito da Rodada, a ausência de flexibilidade para países em desenvolvimento e a difusão de antecedentes a serem usados posteriormente como fait accompli pelos países desenvolvidos. A situação dessa arena decisória revela uma certa ironia do destino: durante uma década e meia, os países desenvolvidos batalharam para introduzir o tema de serviços no sistema GATT/OMC na mesma estatura que as negociações em bens. Em contraste, o Brasil desejava manter tal assunto em uma via externa à agenda central do Acordo. Hoje, os papéis foram invertidos, em decorrência da transição de expectativas sobre o sistema multilateral de comércio. Os países em desenvolvimento A aliança entre países em desenvolvimento sempre serviu de via para balancear a preeminência dos países mais avançados. Há, no entanto, alguns ajustes de ordem operacional. Até a Rodada Uruguai, o comércio entre países em desenvolvimento era diminuto; hoje, ele ocupa papel crescente no fluxo de comércio global. Em grande medida, isso decorreu da emergência da Ásia. Esse movimento foi sentido no Brasil. Em 2007, a região absorvia 16% das exportações do país; em 2012, 31% – um crescimento médio anual da ordem de 24%. Grande parte desse movimento resulta do apetite chinês por produtos primários brasileiros. De outro lado, 97% das importações brasileiras oriundas da China são de produtos manufaturados. Essa tendência ocasionará tensões em dois níveis para o Brasil. No primeiro, será reproduzido um padrão de relacionamento em que a pressão sobre o setor de manufaturados nacional virá progressivamente dos países em desenvolvimento. No segundo, as oportunidades de crescimento da exportação de produtos agrícolas para o Brasil virá exatamente desse grupo – que, aliás, está mais defensivo na área agrícola, segundo o relatório do Grupo de Cairns circulado em março deste ano. A realidade econômica terá efeitos práticos sobre o sistema de alianças do Brasil na Rodada Doha. As tensões tenderão a diminuir a rigidez das alianças do Brasil com os países em desenvolvimento, tornando mais complexa as negociações. Isso já pode ser visto nas críticas ao Brasil no Exame de Política Comercial (TPR, sigla em inglês) divulgado em 2013 PONTES | VOLUME 10, NÚMERO 3 - MAIO 2014 12 e na atuação brasileira no recente encontro do Comitê de Agricultura, quando foram discutidas as práticas protecionistas implementadas pelo governo indiano, especialmente em açúcar. Do ponto de vista estratégico, considerando as tendências para o futuro, o Brasil deveria ser mais agressivo na abertura de mercados e na busca de maiores disciplinas regulatórias nos países emergentes no tema agrícola, com destaque para salvaguardas. Em alguns momentos, como na reunião ministerial de julho de 2008, o país pareceu caminhar nessa direção, mas acabou sendo somente ensaio. Afinal, trata-se de uma via perigosa: a nova posição afetaria não só as alianças para combater os países desenvolvidos em temas estratégicos, como a própria estrutura defensiva brasileira no setor industrial. Não há disposição do governo em caminhar firme nesse sentido, principalmente em decorrência da perda do dinamismo da indústria nos anos recentes. A participação dos produtos manufaturados nas exportações passou de 46% em 2007 para 34% em 2012. A fragilidade interna é particularmente visível no setor automotivo. As medidas governamentais lançadas no programa Inovar-Auto, por exemplo, ocasionaram a abertura de consultas com a UE em finais de 2013. Desafios de uma estratégia para a fase final da Rodada Doha A maior dificuldade na formação de uma estratégia é a compatibilização entre meios e fins. Os maiores desafios para o Brasil conseguir essa adequação não estão em Genebra, e tampouco são de responsabilidade da diplomacia comercial. Os problemas que fragilizam a articulação de uma posição externa adequada e coerente estão no plano doméstico. Se o país observa a OMC como a via fundamental para a realização de seus interesses, deve estar preparado para dirimir suas fragilidades e para enfrentar os eventuais resultados da liberalização comercial. Isso envolve, primordialmente, retomar a agenda de reformas, elevar o investimento em infraestrutura, lidar com a baixa produtividade do trabalhador e simplificar o manancial regulatório 3 . Enfim, preparar a economia, principalmente os setores mais suscetíveis de serem engolfados pela concorrência internacional, para a próxima onda de integração internacional. Adiar essas medidas pode ser uma atividade nobre e bem intencionada, mas só adiará o day of reckoning. Rogério Farias Pesquisador-associado do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Chicago e professor-visitante do Instituto Lemann para Estudos Brasileiros. Até 2010, trabalhou para o MDIC. 1 As considerações desse parágrafo, assim como as da seção sobre o Mercosul foram tiradas de: Gaddis, John Lewis. Strategies of containment. New York: Oxford University, 1982. 2 As consolidações do Brasil no âmbito do GATS correspondem a menos da metade daquelas realizadas por China e Índia. 3 As firmas do país gastam em média mais de 2 mil horas com cálculos e pagamentos de impostos, enquanto a média na América Latina fica por volta de 392. PONTES | VOLUME 10, NÚMERO 3 - MAIO 2014 13 AGRONEGÓCIO Posicionar o Brasil como guardião da segurança alimentar mundial Gustavo Diniz Junqueira O autor discute a importância do agronegócio para diversos aspectos do desenvolvimento brasileiro, bem como a urgência de uma política coordenada e ativa, voltada para acordos bilaterais de comércio capazes de garantir mercado aos bens agrícolas do Brasil. H oje o agronegócio está espalhado pelo Brasil e desempenha papel de protagonista no desenvolvimento do país. O setor abriga milhões de produtores e trabalhadores rurais por meio de cadeias produtivas que integram uma multidão de fornecedores da indústria e de serviços – não se restringindo apenas a uma elite –, sendo o motor que movimenta centenas de economias regionais conectadas aos mercados internacionais. O Brasil tem a vantagem de poder contar com diversos “agronegócios”. O país possui o estilo dos Estados Unidos – caracterizado pela produção de commodities em larga escala e tecnificada –, bem como o padrão europeu – pautado por fazendas menores, especializadas em nichos de mercado e produtos de maior valor agregado. O Paraná, por exemplo, enquadra-se no segundo modelo. Formado por diversas correntes migratórias, especialmente de raízes europeia e nipônica, sua história é marcada mais por um volume expressivo de pequenos e médios produtores. O estado teve seu momento áureo com o café e evoluiu para a produção de grãos, cana-de-açúcar, suínos, aves, em um processo que ganhou corpo à medida que o setor rural local se adaptava a novas oportunidades de negócios. Hoje, o produtor – em especial o agricultor paranaense – está com 100% de área ocupada, trabalhando, em sua maioria, dentro de um sistema cooperativista, em uma dinâmica socioeconômica positiva para o estado. Já a ocupação agrícola no Mato Grosso foi pautada na migração de produtores rurais do Sul do país. Como esse estado é caracterizado por largas extensões de terras – característica do Centro-Oeste – e por uma infraestrutura de serviços menor na época das primeiras ocupações, a região consolidou seu traço marcante: grandes fazendas, viabilizadas pelas mãos desses pioneiros. No Mato Grosso, não havia uma massa de agricultores locais, diferentemente da região Sul. Com uma produção volumosa e diversificada, impulsionada pela aplicação direta de ciência, pesquisa, tecnologia e, claro, clima, recursos naturais e vocação, o setor tem obtido reconhecimento – algo até então inédito. Nas últimas duas décadas, somente a fatia da produção de grãos cresceu 221%, e a área plantada aumentou apenas 41%, em um estrondoso avanço de produtividade, o que precisa ser extrapolado para os outros setores. Além disso, entre março de 2013 e fevereiro de 2014, as exportações do agronegócio salvaram a balança comercial, gerando um superávit de US$ 82 bilhões para o país. Se da porteira para dentro, as fazendas garantem a competência tecnológica, fora dela o setor produtivo precisa cobrar de forma organizada pelas reformas estruturais – nas mais variadas esferas – a fim de continuar a crescer. Há unanimidade a respeito da fraqueza da infraestrutura produtiva do país: as ferrovias continuam no papel, as hidrovias permanecem em discussão, os portos ficam atrasados e as rodovias, esburacadas. Sem falar na insegurança jurídica, com a demora na efetivação da legislação ambiental e o problema indígena, dois assuntos que há anos tiram o sono do agricultor nacional. PONTES | VOLUME 10, NÚMERO 3 - MAIO 2014 Crescimento anual da produtividade agrícola (1961 - 2007): 3,6% Brasil 2,6% América Latina 1,98% Países em Desenvolvimento 0,86% Países Desenvolvidos Fonte: OCDE (2011) 14 Os sucessivos fracos desempenhos da balança comercial brasileira reforçam a necessidade de que o Brasil retome sua autonomia para negociar acordos bilaterais com importantes mercados consumidores. O país está estagnado em termos comerciais desde 2000, quando uma decisão do Mercado Comum do Sul (Mercosul) impediu que os países do bloco fechassem acordos bilaterais de forma isolada. A negociação entre o Mercosul e os europeus, que começou há quase 15 anos, não tem prosperado, entre outros motivos, devido a divergências internas do bloco sul-americano, envolvendo principalmente a Argentina. Tais restrições nos levam ao isolamento no comércio mundial, posição danosa especialmente para o agronegócio brasileiro. Um acordo com a União Europeia (UE) facilitaria o acesso do Brasil a um importante mercado consumidor, o qual constitui o principal destino das exportações brasileiras do setor agropecuário. Outro agravante é que um dos principais concorrentes do Brasil no mercado agrícola, os Estados Unidos, estão com negociação em estágio avançado com a UE. Trata-se de um poderoso bloco comercial com 821 milhões de consumidores, 50% do produto interno bruto (PIB) mundial e 30% das transações comerciais do planeta. Estima-se que o acordo da UE com o Canadá aumente em US$ 26 bilhões o comércio de bens entre esses países. E as negociações não param aí: quando concluída a Parceria Transpacífica (TPP, sigla em inglês), que reúne os Estados Unidos e mais 11 países, o livre comércio terá tomado conta de dois terços da economia global. No caso do Brasil, calcula-se que o ganho de um acordo com a UE seja de aproximadamente US$ 30 bilhões já no primeiro ano de vigência. Esse novo ambiente de negócios definirá as novas regras do comércio mundial. Sem acordos, não haverá mercados. Sem mercados, as exportações brasileiras ficarão estagnadas. Os concorrentes do país já estão se movimentando e ocupando espaços que poderiam ser dos produtores brasileiros. É certo que uma maior abertura pode criar um desequilíbrio inicial, com o aumento das importações. Mas os ganhos no médio prazo tendem a ser maiores. O investimento em inovação necessariamente deixará de ficar restrito às grandes multinacionais, para se tornar uma cultura no país. Ao mesmo tempo, será preciso ter equipes preparadas para negociar em todas as línguas e vender o Brasil lá fora. Padrão de excelência global, internacionalização e financiamento de exportações serão temas corriqueiros na pauta brasileira. Com o mundo tomado por acordos bilaterais, tornaram-se cada vez menos relevantes as decisões por consenso tomadas em torno da Organização Mundial do Comércio (OMC). O maior gargalo do comércio mundial são as transações de produtos agrícolas. Países ricos inundam de subsídios suas produções e apresentam elevadas barreiras protecionistas a importações, além de oferecerem suporte financeiro a suas exportações. Esse pacote distorce o comércio e prejudica países como o Brasil – potência na área, mas que perde competitividade devido a esse “jogo nebuloso”, que, em muitos casos, fere regras estabelecidas na própria OMC. Esse cenário, por exemplo, suscitou os contenciosos do Brasil contra a política de subsídios na ordem de US$ 12,5 bilhões concedidos pelos Estados Unidos à produção e Sem acordos, não haverá mercados. Sem mercados, as exportações brasileiras ficarão estagnadas. Os concorrentes do país já estão se movimentando e ocupando espaços que poderiam ser dos produtores brasileiros. PONTES | VOLUME 10, NÚMERO 3 - MAIO 2014 Participação do Brasil nas exportações mundiais agrícolas (2007 - 2011): 2007 4,6% 2008 5,0% 2009 5,3% 2010 5,4% 2011 5,9% Fonte: Trade Map (2014) 15 exportação de algodão no período de 1999 a 2002. O Brasil ganhou, mas não levou. Após um ano de intensas negociações, em 2010, o país optou por um acordo com os Estados Unidos. As sanções foram substituídas por compromissos de ajustes na política agrícola estadunidense e pela criação de um fundo de compensação para apoiar os cotonicultores brasileiros, no valor de US$ 147,3 milhões anuais. Há seis meses, porém, os Estados Unidos não honram seu compromisso de repassar o montante mensal ao Instituto Brasileiro do Algodão (IBA). Criaram, assim, uma dívida de quase US$ 60 milhões. A frustração dos produtores de algodão brasileiros não parou aí. A solução definitiva para o impasse ocorreria com a aprovação da nova Lei Agrícola (Farm Bill), que deveria ser livre de medidas distorcivas ao comércio internacional. Contudo, a legislação aprovada em fevereiro deste ano ficou aquém de qualquer expectativa de solução. Os países ricos são avessos a mudanças significativas em suas políticas agrícolas, e ao mesmo tempo pedem a abertura dos mercados industriais e de serviços dos países em desenvolvimento. No meio desse fogo cruzado, a OMC não encontrou nenhum tipo de solução, perdendo credibilidade e representatividade. Dessa maneira, a Organização precisa encontrar respostas para tais perguntas. Como retomar relevância diante dessa nova ordem mundial? Será que o multilateralismo, lastro da OMC, ainda tem espaço, ou a Organização precisaria rever seu modelo de decisão por consenso, para algo mais pragmático? Com a chegada do embaixador Roberto Azevêdo e o breve acordo do final de 2013, a Organização ganhou sobrevida, mas ainda precisa se reinventar para permanecer relevante. É preciso proatividade para conquistar novos mercados. Os países com os quais o Brasil possui acordos representam apenas 10% do comércio mundial. De fato, não há um projeto claro para o país: o Brasil navega ao sabor do que o mundo lhe impõe. Até hoje, os produtos brasileiros são comprados, nunca vendidos. As lideranças do país devem desempenhar um papel fundamental na proposição de mudanças, para sair da “zona de conforto”. Por hora sem um propósito definido, o Brasil não sabe aonde quer chegar. Cabe à sociedade brasileira debater em qual direção o Brasil deve seguir. Legislativo e Judiciário devem propor e julgar as regras, e o Executivo regular e executar, sem intervencionismo em demasia, mas criando condições para que a iniciativa privada invista. Antes disso, entretanto, os próprios setores devem comunicar sua visão de inserção na economia e sociedade como um todo. Pois apenas os segmentos produtivos possuem uma ideia mais clara sobre as megatransformações em curso, sobre as tendências das tecnologias e seus benefícios e desafios. O Brasil tem que fazer escolhas. Não é possível produzir de “iPod a aipim”. É preciso selecionar, focar, priorizar; os países desenvolvidos fizeram isso. Isso não significa que o consumidor brasileiro ficará sem este ou aquele produto que o país deixar de produzir: é necessária apenas a conscientização de que outros países fazem melhor “X” coisa, e de que o Brasil possui excelência em outros segmentos, como o agrícola. É este o raciocínio que o país precisa implantar. Assim, torna-se necessário escolher os setores em que o Brasil tem potencial, os quais serão estimulados e merecerão atenção especial. Aos demais, cabe ao mercado fazer a seleção natural. Estamos em um mundo absolutamente globalizado, e é preciso ser perspicaz. Especificamente sobre o agronegócio, não adianta fazer um complexo de farelo e óleo de soja para exportação, se o maior cliente do Brasil – a China – só compra o grão porque, há décadas, montou uma infraestrutura industrial próxima aos portos. A China não comprará óleo e farelo. Esse é o preço da histórica falta de planejamento e estratégia do Brasil. Em 2012, o intercâmbio brasileiro com a China totalizou US$ 76 bilhões, mas não representou mais que 2% do comércio exterior chinês. Mesmo sem as mudanças PONTES | VOLUME 10, NÚMERO 3 - MAIO 2014 16 anunciadas recentemente pela China, as oportunidades daquele mercado para o agronegócio brasileiro ainda estão, em grande medida, por serem exploradas. Em se tratando da demanda por alimentos, é provável que, nos próximos anos, ocorra uma verdadeira revolução. E o Brasil precisa estar preparado para ela. Em primeiro lugar, o atual governo chinês propôs dobrar a renda per capita do país nesta década, saltando dos atuais US$ 6.000 para cerca de US$ 12 mil em 2020. Nesse patamar de renda, a elasticidade da demanda por alimentos ainda é muito alta, sobretudo se considerarmos que também se busca, nessa trajetória, uma melhoria acentuada de renda para as populações rurais e aquelas ainda marginais nas cidades. Além do aumento quantitativo da renda, algumas mudanças estruturais deverão ocorrer. A primeira, nos motores do crescimento: até aqui, as exportações e os investimentos; a partir de agora, o foco estará no aumento do consumo das famílias. Dados do Banco Mundial mostram que o consumo doméstico representa apenas 36% do PIB chinês, o que é uma proporção anômala. Nos Estados Unidos, esse percentual atinge 72%; no Brasil, 62%; na Índia, 59%. O Brasil é, talvez, o único país do mundo que pode atender a tempo tal aumento de demanda. Possui terras férteis, clima, tecnologia e força de trabalho qualificada para aproveitar essa oportunidade. Contudo, para se tornar o guardião da segurança alimentar e da energia limpa de todo o planeta, falta olhar para as cadeias do agronegócio à luz do consumidor e, principalmente, aprimorar a interlocução que tem com o governo para a construção de um minucioso e abrangente planejamento. O improviso pode ser o maior adversário do Brasil. Gustavo Diniz Junqueira Presidente da Sociedade Rural Brasileira PONTES | VOLUME 10, NÚMERO 3 - MAIO 2014 17 FACILITAÇÃO DO COMÉRCIO A adesão do Brasil à CISG: eficácia, uniformização de contratos e facilitação do comércio Marcia Carla Pereira Ribeiro, Guilherme Freire de Melo Barros No contexto da recente ratificação da CISG pelo Brasil, os autores apontam para as principais oportunidades criadas pela referida Convenção e refletem sobre os desafios relacionados à sua aplicação. A provada desde 1980 no âmbito das Nações Unidas, a Convenção sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias (CISG, sigla em inglês) só foi ratificada pelo Brasil em 2012, e sua vigência teve início em 1º de abril de 2014. Com isso, o Brasil uniformiza seu regramento de contratos de compra e venda internacional de mercadorias com o de outros 79 países – que representam 90% do fluxo de comércio internacional 1 e incluem grandes parceiros comerciais do Brasil, como China, Estados Unidos e União Europeia (UE). A Convenção é fruto de tentativas de unificação do direito contratual que remontam ao início do século XX. A Conferência de Haia de 1964 aprovou dois instrumentos normativos que não tiveram o êxito esperado: a Lei Uniforme sobre Formação de Contratos de Compra e Venda Internacional (ULFIS, sigla em inglês) e a Lei Uniforme sobre Compra e Venda de Bens (ULIS, sigla em inglês). A partir de tais instrumentos, a Comissão das Nações Unidas sobre o Direito do Comércio Internacional (UNCITRAL, sigla em inglês) assumiu a tarefa de elaborar uma lei uniforme que, tanto quanto possível: i) não previsse regras excessivamente pró-comprador (buyer oriented), tampouco pró-vendedor (seller oriented); e ii) fosse aplicável tanto por sistemas de civil law quanto de common law. A julgar pelo elevado número de adesões à Convenção desde sua edição em 1980, o objetivo inicial foi alcançado. A Convenção está estruturada em 101 artigos, que tratam de temas fundamentais do contrato de compra e venda, tais como: âmbito de aplicação, interpretação, formação do contrato, direitos e deveres do comprador e do vendedor, conformidade de mercadorias, direitos em caso de violação do contrato e rescisão. Os esforços da comunidade internacional para uniformizar legislações têm como objetivo facilitar o tráfego jurídico e econômico. Quando dois ou mais países adotam as mesmas regras jurídicas no âmbito comercial, a intenção é que sejam reduzidos os custos de transação para a realização dos negócios. Afinal, um custo sempre elevado (tanto em termos de tempo quanto de dinheiro) em negócios internacionais diz respeito ao conhecimento das regras jurídicas aplicáveis no país da Parte com que se está negociando. Nesse contexto, se os países das Partes negociantes adotam a mesma lei, a tendência é que alcancem o acordo de forma mais rápida e vantajosa. Dito de outro modo, a uniformização de leis contribui para a melhoria do ambiente de negócios e estimula as trocas comerciais. Há, porém, uma variável a ser analisada e ponderada nesse raciocínio: a aplicação que se faz da lei. Existe uma diferença clara entre texto legal e norma jurídica: o primeiro corresponde à lei uniforme que é ratificada (no caso, a CISG); a segunda constitui o comando que se extrai a partir da interpretação do texto. Assim, a harmonização de textos legais é apenas o primeiro passo em direção a um ambiente jurídico que facilite a realização de negócios, pois o processo só se completa com a interpretação da norma jurídica. É preciso, ainda, que esta seja dotada de uniformidade. Nesse contexto, a CISG estabelece, em seu artigo 7, que “na interpretação desta Convenção ter-se-ão em conta seu caráter internacional e a necessidade de promover PONTES | VOLUME 10, NÚMERO 3 - MAIO 2014 A CISG em números: • Regula 90% do comércio global • Compreende 75% do comércio exterior brasileiro • Ratificada por todos os países do Mercosul, com a exceção da Venezuela Fonte: ONU (2014) 18 a uniformidade de sua aplicação”. Os dois elementos fundamentais desse dispositivo – caráter internacional e uniformidade – devem caminhar juntos, sendo o segundo dependente do primeiro. O grande desafio para o sucesso da CISG como mecanismo jurídico viabilizador de negócios internacionais no Brasil está precisamente na interpretação de suas regras. Tanto o Judiciário quanto as câmaras arbitrais que sejam chamadas a julgar conflitos com base na CISG precisam atentar para a necessidade de interpretação com base em seu caráter internacional. Como explica Huber 2 , o texto da CISG não deve ser examinado com o mesmo significado do direito interno: é preciso buscar o significado dado no âmbito da própria Convenção, a partir da estrutura e dos mecanismos que lhe são próprios. Com o fortalecimento da premissa do caráter internacional da CISG, é possível buscar a uniformidade de sua aplicação. O julgador deve necessariamente ter em mente que faz uso de um diploma normativo que, embora componha o ordenamento jurídico pátrio, foi desenvolvido para ser aplicado em todos os países. Em outras palavras, o julgador está inserido em uma complexa teia de conexões jurídicas, e a influência de sua decisão transcende as Partes envolvidas no conflito – a interpretação atribuída em cada julgamento sobre a aplicação da CISG forma mais um pilar da construção do arcabouço normativo do comércio de mercadorias em âmbito internacional. Daí a necessidade de que a interpretação da CISG no Brasil esteja em consonância com sua aplicação em outros países. E a esse respeito, vale destacar a vasta e acessível quantidade de informações a respeito da Convenção, tanto doutrinárias quanto de casos julgados, arbitrais e judiciais. A UNCITRAL, por exemplo, mantém a base de dados CLOUT (sigla para Case Law on UNCITRAL Texts), assim como o Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado (também conhecido pela sigla UNIDROIT) possui a base UNILEX e o projeto Global Sales Law possui a plataforma CISG-online. Em todas essas bases, é possível pesquisar julgados sobre as diversas regras da Convenção. Além disso, no campo doutrinário, destaca-se o Conselho Consultor da CISG, formado por um grupo de especialistas que emite pareceres sobre questões divergentes e sensíveis na aplicação da Convenção. Por fim, no Brasil, a CISG já tem sido bastante difundida, com destaque para o trabalho do portal CISG-Brasil.net, que reúne textos acadêmicos, traduções dos pareceres do Conselho Consultor e comentários de diversos artigos da Convenção. Consequências jurídicas da CISG no Brasil No Brasil, a CISG foi ratificada pelo Decreto Legislativo No. 538/2012, que entrou em vigor em 1º de abril de 2014. Com isso, a Convenção foi integrada ao direito brasileiro interno, ou seja, passa a ser o diploma legal aplicável aos contratos de compra e venda internacional de mercadorias firmados no Brasil ou cujos efeitos se processem neste país. Essa mudança é significativa: antes da ratificação, a CISG somente poderia ser aplicada se estivesse expressamente prevista no contrato – como cláusula de lei aplicável. Dependia, portanto, da manifestação expressa de vontade das Partes. Havia, porém, um obstáculo: a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LNDB) restringe a manifestação de vontade das Partes quanto à escolha da lei aplicável, pois o parágrafo 2º de seu artigo 9 adota o princípio lex loci contractus 3 . Se o proponente do contrato residir no Brasil, o contrato é regido pela lei brasileira. Portanto, antes da ratificação, a CISG não podia ser escolhida pelo empresário brasileiro proponente do negócio jurídico para reger o contrato internacional, se os potenciais litígios fossem encaminhados a julgamento perante o Poder Judiciário. A única possibilidade de aplicação da CISG pelo Poder Judiciário brasileiro ocorria no caso em que as regras de solução de conflito de leis no direito internacional privado conduzissem à aplicação do direito de um Estado já signatário da Convenção 4 . A situação era distinta se o litígio fosse submetido à arbitragem, pois, para esse método de resolução de litígio, há autorização expressa para o árbitro aplicar a lei escolhida pelas Partes (Lei No. 9.307/1996, art. 2, § 1º). PONTES | VOLUME 10, NÚMERO 3 - MAIO 2014 19 Com a entrada em vigor da CISG no Brasil, o Poder Judiciário passa a aplicá-la para solucionar litígios que envolvam contratos de compra e venda internacional de mercadorias. No silêncio do contrato, sendo proponente a Parte brasileira, o juiz deve aplicar a lei brasileira – o que agora significa aplicar a CISG. Além disso, no que tange aos contratos com países não signatários da Convenção, o empresário brasileiro pode prever expressamente no contrato a aplicação da CISG sem a necessidade de recorrer à arbitragem – a qual, por vezes, pode ser muito custosa para empresas de pequeno e médio porte. Nesse sentido, o campo de aplicação da CISG é ampliado vigorosamente. Antes limitada à previsão expressa em contrato com opção pela arbitragem, agora a Convenção se tornou o regramento basilar da compra e venda internacional de mercadorias. A adesão do Brasil à CISG coloca o empresário brasileiro em situação mais favorável para celebração de seus contratos. Ao negociar cláusulas contratuais, ambos os polos da relação contratual podem discutir a conveniência da aplicação de determinadas cláusulas contratuais, tendo como base um mesmo diploma jurídico. Um exemplo pode ilustrar bem a questão: se durante a negociação, uma Parte chinesa mostra receio quanto à aplicação de uma sanção prevista em artigo da CISG, o empresário brasileiro tem acesso a esse mesmo dispositivo em seu próprio idioma para entender a questão e chegar ao acordo. Sem dúvida, se as Partes não dispõem de um marco legal comum, a negociação seria muito mais difícil e complexa. Conclusões A ratificação da CISG pelo Brasil é bastante relevante do ponto de vista da política brasileira para o comércio internacional. Desde sua entrada em vigor em 1988, a Convenção vem sendo largamente aplicada por diversos parceiros comerciais relevantes para o Brasil. Dessa forma, o país estava em desvantagem competitiva em relação ao marco jurídico da compra e venda internacional de mercadorias. Ao ratificar a CISG, o Brasil envia um sinal claro, que transmite certeza e segurança aos negócios jurídicos realizados entre Partes brasileiras e dos demais países signatários da Convenção. Além disso, a ratificação da CISG expande o conhecimento de parte da legislação brasileira a todos os demais operadores do direito que já trabalham com a CISG pelo mundo. Por tudo isso, a ratificação da Convenção pelo Brasil tem como objetivo facilitar e incrementar o comércio internacional do país. Para que isso seja alcançado, porém, não basta a identidade de textos normativos, é preciso que sua aplicação seja, tanto quanto possível, similar àquela observada em outros países. Marcia Carla Pereira Ribeiro Professora titular de Direito Societário da PUC-PR e professora-associada de Direito Empresarial UFPR. Guilherme Freire de Melo Barros Procurador do estado do Paraná e LL.M em Contratos Internacionais e Resolução de Disputas pela Universidade de Turim/Itália (2013). Nesse sentido, o sucesso da ratificação da CISG depende agora do esforço de seus aplicadores aqui no Brasil – empresários, comerciantes, advogados, árbitros e juízes –, para que, cientes de seu caráter internacional, busquem também a uniformidade de sua aplicação. 1 Ver: Ribeiro, Eduardo de Paula. Parecer sobre a adesão do Brasil à Convenção. In: Revista de arbitragem e mediação, Ano 10, No. 37, abr.-jun. 2013, p. 263. 2 Ver: Huber, Peter. The CISG: a new textbook for students and practitioners. Alemanha: Sellier, 2007, p. 7. 3 Ver: Basilio, Ana Tereza. Aplicação e interpretação da Convenção de Viena sob a perspectiva do direito brasileiro. In: Revista de arbitragem e mediação, Ano 10, No. 37, abr.-jun. 2013, p. 42. 4 Ver: Araújo, Nádia de. Direito internacional privado: teoria e prática brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 88. PONTES | VOLUME 10, NÚMERO 3 - MAIO 2014 20 ACORDOS MEGARREGIONAIS Acordos de comércio megarregionais: o que está em jogo para a América Latina? 1 Osvaldo Rosales, Sebastián Herreros Considerando os impactos que as negociações megarregionais já têm repercutido e ainda terão sobre a dinâmica das negociações internacionais como um todo, os autores analisam os possíveis efeitos de tais arranjos sobre o comércio, a política e a integração na América Latina. O momento atual é marcado por diversas negociações de amplo alcance. Exemplos são encontrados na Parceria Transpacífica (TPP, sigla em inglês), Parceria Transatlântica sobre Comércio e Investimento (TTIP, sigla em inglês) entre Estados Unidos e União Europeia (UE) e Associação Econômica Regional Integral (RCEP, sigla inglês) entre os membros da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN, sigla em inglês), Austrália, China, Coreia do Sul, Índia, Japão e Nova Zelândia. As negociações megarregionais possuem características que as diferenciam da maioria dos acordos atualmente existentes. Em primeiro lugar, são levadas a cabo por um número elevado de participantes, cujo peso econômico é considerável (ver Tabela 1). Ademais, buscam criar grandes espaços econômicos integrados, sejam eles asiáticos, transatlânticos ou transpacíficos. Finalmente, sua agenda inclui áreas não abordadas pelos acordos da Organização Mundial do Comércio (OMC) ou por outros acordos comerciais. Tabela 1. Os principais acordos megarregionais em números (Em milhões de habitantes e bilhões de dólares, 2012) Acordo Nº de países População RCEP 16 3.398 TPP 12 792 TTIP 29 817 32.269 Japão-UE 29 630 22.548 6.941 71.707 Mundo PIB Exportações de bens Importações de bens Entrada de IED Saída de IED 21.189 5.236 5.232 329 325 27.558 4.339 5.188 406 609 7.349 8.273 426 652 6.602 6.823 260 446 18.401 18.601 1.351 1.391 Fonte: FMI (World Economic Outlook Database), OMC e UNCTAD. Este artigo parte da seguinte pergunta: de que maneira as negociações megarregionais da TPP e da TTIP afetam a América Latina? Embora tais processos tragam consequências a toda a região, atualmente a participação de seus Estados é limitada: apenas Chile, México e Peru participam da TPP, e as discussões em torno da TTIP excluem a região. Os parágrafos abaixo buscam identificar, por meio de um exercício especulativo, os principais desdobramentos de uma conclusão satisfatória de ambas as negociações. Limitações de espaço, entretanto, impedem uma avaliação detalhada do significado da TPP e da TTIP para cada país da América Latina. Possíveis consequências sobre o comércio da América Latina A primeira heterogeneidade entre os países da América Latina diz respeito a seu grau de integração comercial com Estados Unidos e UE. Os Estados da América Central, Chile, Colômbia e Peru possuem tratados de livre comércio vigentes com Washington e Bruxelas; em contraste, Bolívia, Equador e os cinco membros do Mercado Comum do Sul (Mercosul) não os têm. Distintos padrões de integração afetam a forma com que cada país se relaciona com os mercados estadunidense e europeu. Entre os Estados que possuem tratados de livre comércio, parcela considerável de sua pauta de exportação tem o livre acesso aos PONTES | VOLUME 10, NÚMERO 3 - MAIO 2014 O peso dos Estados Unidos na TPP: População: 40% do total PIB: 57% do total Fonte: Baseado em dados do Banco Mundial (2013) 21 consumidores dos parceiros assegurado por regras juridicamente vinculantes. Bolívia, Equador e Mercosul, por sua vez, dependem de preferências tarifárias proporcionadas por programas não recíprocos. Os exemplos mais representativos destes últimos são encontrados nos Sistemas Gerais de Preferências (SGP), estabelecidos separadamente tanto pelos Estados Unidos quanto pela UE. Uma conclusão exitosa da TPP ou da TTIP afetaria o valor relativo das preferências existentes na atualidade, trazendo mais concorrência para os países latino-americanos que possuem acordos com Estados Unidos e UE. O grupo sem tratados, porém, é o que mais corre riscos de sofrer com desvio de comércio. O impacto real sobre os fluxos de intercâmbio dependerá, entre outros fatores: i) do peso dos mercados estadunidense e europeu no total de exportações desses países latino-americanos; ii) da participação nos SGP, algo que, ao assegurar preferências tarifárias unilaterais, ajuda a mitigar os efeitos negativos derivados dos novos acordos; e iii) da similaridade com as pautas de exportação dos participantes das negociações da TPP e da TTIP. Entre os países da América Latina sem acordo de livre comércio com os Estados Unidos e a UE, Equador e Venezuela são os mais expostos ao mercado estadunidense. Em 2012, os Estados Unidos compraram 45% e 41% do total vendido por esses dois países latinoamericanos, respectivamente. No outro extremo, Argentina, Paraguai e Uruguai enviam menos de 5% de suas exportações aos Estados Unidos. A UE, por sua vez, representou cerca de 20% das exportações brasileiras em 2012 e mais de 10% dos demais países da América Latina, à exceção de Bolívia e Venezuela. Muitos dos principais produtos exportados por Argentina, Brasil, Equador, Paraguai, Uruguai e Venezuela aos Estados Unidos e à UE já se beneficiam da cláusula da nação mais favorecida (NMF), entrando nesses mercados livres ou quase livres de tarifas. Exemplos são encontrados em produtos como banana, café, camarões congelados, mel e petróleo nos Estados Unidos; e cobre, ferro, petróleo, polpa de madeira e soja na UE. Assim, seria um equívoco associar a TPP e a TTIP ao estabelecimento de barreiras a qualquer um desses bens. O risco, no caso, não reside tanto em potenciais desvios de comércio, mas na consolidação de um padrão marcado pela dependência de um número limitado de produtos de exportação, entre os quais predominam matérias-primas. Mudanças dramáticas tampouco são esperadas quando se trata de preferências tarifárias não recíprocas. Após serem classificados pelo Banco Mundial como países de renda média-alta durante três anos seguidos, Argentina, Brasil, Uruguai e Venezuela perderam o direito de serem contemplados pelo SGP europeu desde janeiro de 2014. Com isso, as exportações desses quatro países já pagam tarifas NMF na UE. Em 2015, será a vez do Equador ser excluído do sistema europeu, o que fará com que apenas Bolívia e Paraguai se beneficiem do esquema. Nos Estados Unidos, o programa SGP expirou em julho de 2013, sendo sua extensão atualmente discutida pelo Congresso. Os riscos mais imediatos surgem quando uma exportação latino-americana aos Estados Unidos ou à UE paga uma tarifa NMF positiva. Nesse caso, uma conclusão exitosa da TPP ou da TTIP aumentará o número de países com total acesso aos mercados estadunidense e europeu, transformando a estrutura competitiva do comércio internacional. O caso do vinho é ilustrativo: a Argentina, ocupando atualmente a terceira posição em vendas para os Estados Unidos, pode sofrer com as vantagens adicionais oferecidas à UE, que já é a principal fornecedora da bebida ao mercado estadunidense. Do outro lado do Oceano Atlântico, as vendas de carne bovina produzida nos Estados Unidos podem ameaçar a posição atualmente ocupada nesse setor por Argentina, Brasil e Uruguai no mercado europeu 2 . Uma avaliação completa do possível impacto da TTIP e da TPP sobre o comércio dos países latino-americanos deve considerar a importância crescente das redes internacionais de produção. Claro exemplo é encontrado na indústria do vestuário: as negociações da TPP revelam uma controvérsia considerável sobre o papel das normas de origem no intercâmbio de produtos têxteis e vestimentas. Por um lado, os Estados Unidos defendem PONTES | VOLUME 10, NÚMERO 3 - MAIO 2014 Juntos, Estados Unidos e UE representam: • 60% do PIB global • 33% do comércio em bens • 42% do comércio em serviços Fonte: FMI (2012) 22 que reduções tarifárias devem ser aplicadas apenas quando as fibras e tecidos usados na produção de vestimentas forem produzidas em um país membro do acordo. Por outro, o Vietnã, detentor de importantes relações comerciais com países não membros da TPP, especialmente a China, prefere uma norma que considere apenas o local onde a vestimenta foi cortada e costurada. Por trás da discordância entre diplomatas estadunidenses e vietnamitas, está em jogo a competitividade relativa da indústria de vestuário latino-americana. Mais especificamente, a posição de Washington é fundamentada por dois interesses: promover as vestimentas produzidas em seu território e aquelas produzidas em países com os quais os Estados Unidos possuem acordo de livre comércio, e que utilizam fibras e tecidos estadunidenses. Tanto o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA, sigla em inglês) quanto o Tratado de Livre Comércio entre América Central, Estados Unidos e República Dominicana (CAFTA-DR, sigla em inglês) resultaram no estabelecimento de redes de produção subregionais na América Central e no México cuja produção é direcionada ao Norte do continente. Não por acaso, a indústria do vestuário e de têxteis representa mais de 50% das exportações totais de El Salvador, Honduras e Nicarágua aos Estados Unidos. Um desfecho para as negociações sobre regras de origem na TPP que favoreça os argumentos vietnamitas pode desmantelar boa parte das redes atualmente existentes na América Central e no México. O caso é ainda mais dramático devido à não participação desses países nas negociações. De qualquer maneira, o exemplo da indústria de vestuário fornece uma clara evidência acerca da relevância da TPP para o futuro econômico da América Latina. Outro aspecto relevante para as redes internacionais de produção é a possibilidade de importar insumos e produtos intermediários de alta qualidade a preços competitivos. Frequentemente, tal estratégia implica a aquisição de agentes econômicos baseados em distintos países. A princípio, os participantes da TPP concordaram com a ideia da acumulação de origem entre todos os membros do acordo. Com isso, transações de bens entre membros da TPP que sejam produzidos com insumos provenientes de um terceiro participante do tratado receberão tratamento análogo ao de um bem cujos componentes e produção final sejam feitos em um mesmo território. A acumulação de origem é uma das áreas da TPP que pode oferecer mais ganhos a seus participantes, promovendo o desenvolvimento de redes de produção. O possível aproveitamento desse mecanismo, entretanto, difere segundo o membro latinoamericano da TPP. Por já estar integrado a uma série de redes de produção voltadas ao mercado estadunidense, o México poderia incorporar componentes japoneses de alta qualidade, por exemplo, aos automóveis e telefones celulares já vendidos ao vizinho. Chile e Peru, por sua vez, derivariam menos benefícios da acumulação de origem, dado que sua pauta de exportação se baseia em recursos naturais. Outra dimensão importante da TTIP e da TPP diz respeito a seus potenciais desdobramentos no médio prazo. O México, por exemplo, manifestou interesse em participar da TTIP. Tendo em vista a recente conclusão das negociações entre Canadá e UE, é possível que a próxima década assista às discussões para um acordo transatlântico entre o bloco europeu e o NAFTA. Da mesma forma, outros países latino-americanos integrados a Estados Unidos ou UE por acordos de livre comércio poderiam demonstrar interesse. Enquanto isso, Colômbia e Costa Rica expressaram interesse em participar da TPP. Os avanços nas negociações megarregionais, especialmente na TTIP, poderiam acelerar a conclusão das prolongadas negociações comerciais entre Mercosul e UE. A mudança no ritmo das discussões se justificaria pelo risco de desvio de comércio após a conclusão da TTIP e do recente acordo entre Canadá e UE. Dado que os agricultores canadenses e estadunidenses são importantes competidores dos produtores rurais do Mercosul no mercado europeu, um novo acordo poderia dificultar a situação destes últimos. PONTES | VOLUME 10, NÚMERO 3 - MAIO 2014 Na América Latina, participam da TPP: Chile México Peru Interessado em participar: Colômbia 23 Sem dúvida, os resultados da TTIP e da TPP no âmbito regulatório serão muito mais importantes para a América Latina que eventuais mudanças tarifárias. Afinal, Estados Unidos e UE gozam do status de principais criadores de normas comerciais do mundo, podendo estabelecer por meio da TTIP normas globais de facto para temas tão diversos como tratamento do fluxo de dados, empresas estatais e proteção do meio ambiente. A princípio, uma maior convergência normativa entre as principais potências comerciais do mundo levaria a requisitos mais uniformes e, com isso, a menores custos de transação que beneficiariam a todos. No entanto, normas negociadas por países desenvolvidos podem ser de difícil cumprimento para países com menor nível de desenvolvimento. Em outras palavras, normas mais exigentes derivadas das negociações entre Bruxelas e Washington podem dificultar o acesso ao mercado das empresas exportadoras da América Latina, impondo custos adicionais a estas últimas. Aqui, qualquer previsão geral é difícil, mas é certo que o desfecho em questões como alimentos transgênicos, uso de hormônios nos rebanhos ou biocombustíveis trará implicações importantes para toda a região. A TTIP e a TPP afetarão também os fluxos de investimento externo direto (IED). Na América Latina, as principais consequências serão sentidas por aqueles países que participam ativamente das redes internacionais de produção e cujas exportações são relativamente similares àquelas dos membros da TTIP e da TPP. O México merece destaque em ambos os critérios: parte do IED europeu que atualmente ingressa no país graças à integração com o mercado dos Estados Unidos poderia regressar à Europa após a conclusão da TTIP. Não por acaso, o governo mexicano já demonstrou interesse em unir-se a um eventual acordo. A outra potência industrial latino-americana, o Brasil, deve sofrer menos nesse quesito, já que grande parte do IED recebido pelo país é atraído por seu pujante mercado de consumo interno. Possíveis impactos sobre a política interna dos países latino-americanos As negociações megarregionais envolvem um forte interesse na convergência regulatória. Liderado pelas economias desenvolvidas, esse processo busca reduzir as discrepâncias entre as regras internas dos participantes das discussões. Exemplos incluem o comércio de produtos – regulamentos técnicos para automóveis e normas sanitárias para produtos agrícolas, para citar dois casos comuns – e de serviços, cuja regulação do setor financeiro é tema de debates constantes. A convergência regulatória também é perseguida em áreas tradicionalmente não associadas com o comércio, como regimes ambientais e trabalhistas, de proteção à propriedade intelectual e dos dados pessoais, de operações das empresas estatais e de controle de capital. Tais questões estão diretamente relacionadas com importantes áreas da política pública. Ao decidir participar das negociações megarregionais, os países latino-americanos podem sofrer uma redução de sua margem de ação política. Pressões excessivas para a convergência com os regimes regulatórios de seus sócios mais desenvolvidos, por exemplo, podem motivar tal desfecho. Por outro lado, há dúvidas sobre o real balanço entre concessões e conquistas nas negociações da TPP. De fato, os Estados Unidos resistem em abrir setores sensíveis como açúcar, automóveis, calçados, laticínios, têxteis e vestuário. O mesmo ocorre com o Japão, quando o tema é agricultura. Igualmente, há temas que interessam à América Latina – como práticas antidumping, modo 4 de prestação de serviços e subsídios agrícolas – que sequer compõem a pauta de negociações da TPP. Possíveis impactos nos processos de integração latino-americanos Com escassas exceções, a América Latina está excluída dos fluxos de comércio realizados por meio de redes internacionais de produção. Enquanto a região seguir fragmentada por múltiplos acordos, amparados em normas distintas, será difícil o incremento de sua participação nas cadeias de valor modernas 3 . O efeito mais importante das negociações megarregionais, nesse sentido, pode ser o alento a um aprofundamento da integração econômica latino-americana. O acordo comercial assinado em fevereiro de 2013 entre os membros da Aliança do Pacífico vai ao encontro dessa necessidade. PONTES | VOLUME 10, NÚMERO 3 - MAIO 2014 24 Ademais, os acordos megarregionais podem trazer maior sentido de urgência aos esforços para uma convergência entre diferentes esquemas de integração econômica na região. Outra contribuição de tais negociações seria o aproveitamento das oportunidades de acumulação de origem na América Latina. Atualmente, os acordos de livre comércio entre os países da América Latina e os Estados Unidos tendem a seguir uma visão radial para a integração (hub and spokes). Em outras palavras, dois Estados que possuem tratados bilaterais com Washington não podem acumular origem entre si quando exportam ao mercado estadunidense. Essa lógica obsoleta conflita com a noção de cadeia de valor que fundamenta as negociações megarregionais. Por isso, todos os países da América Latina que possuem acordos com os Estados Unidos deveriam negociar a plena acumulação de origem entre eles. A mesma lógica vale para os parceiros da UE. Conclusões As negociações megarregionais provavelmente trarão profundas consequências para a governança do comércio e investimentos nos próximos anos, alterando sua distribuição geográfica. Caso sejam concluídas com êxito, em 2020 poderemos ter uma arquitetura normativa consolidada sem a participação direta do sistema multilateral de comércio. Tal realidade, cujas características serão determinadas por um número limitado de países, deveria preocupar os países latino-americanos. As implicações do megarregionalismo para a América Latina dependem das características de cada país. Fatores como a estrutura produtiva, o marco de políticas e a composição da pauta de exportação determinarão oportunidades e ameaças. Para a região, os resultados colhidos pela TTIP e pela TPP serão mais relevantes no plano regulatório do que no plano tarifário. Esse desfecho decorre, em grande medida, da diminuição do papel da OMC na elaboração de novas regras. Um possível desdobramento da consolidação do megarregionalismo é a exclusão do debate de temas de interesse para os países em desenvolvimento, como a questão dos subsídios agrícolas no mundo desenvolvido. A TTIP e a TPP influenciarão diretamente a capacidade de formulação e implementação de políticas públicas dos países latino-americanos. Em muitos casos, é possível que a margem de atuação política desses Estados diminua. Regras atualmente em negociação em temas como propriedade intelectual, fluxos de capital, empresas estatais e meio ambiente sugerem tal cenário para o futuro. Osvaldo Rosales Diretor da Divisão de Comércio Internacional e Integração da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL). Sebastián Herreros Oficial de Assuntos Econômicos da Divisão de Comércio Internacional e Integração da CEPAL. As negociações megarregionais buscam estabelecer mecanismos de governança que respondam às transformações constantes na produção, comércio e investimento. A emergência das redes internacionais de produção na América do Norte, Ásia Oriental e Europa ilustram tais mudanças. Na América Latina, onde os acordos de integração econômica são mais superficiais, a produção se encontra muito menos integrada. Assim, o megarregionalismo desafia os países latino-americanos a aumentarem a própria integração regional, utilizando essa estratégia para melhorar sua inserção na economia global. 1 Este trabalho é baseado em: Rosales, Osvaldo; Herreros, Sebastián. Mega-regional trade negotiations: what is at stake for Latin America? In: Inter-American Dialogue Working Paper, jan. de 2014. 2 É necessário considerar, ainda, potenciais efeitos indiretos. A conclusão exitosa da TTIP e da TPP aumentaria o produto e o comércio mundial graças a um maior crescimento econômico dos Estados Unidos, da UE e de outros países. A América Latina, por sua vez, tiraria proveito da maior demanda por importações dessas economias. 3 Atualmente, existem importantes lacunas na integração econômica da América Latina: Brasil e México, em especial, não possuem um acordo de livre comércio bilateral abrangente. PONTES | VOLUME 10, NÚMERO 3 - MAIO 2014 25 Informações úteis IRI-USP promove conferência sobre cooperação política e comercial Como parte das atividades da Rede Ibero-americana de Estudos Internacionais (RIBEI), o Instituto de Relações Internacionais (IRI) da Universidade de São Paulo (USP) promoverá, em 8 e 9 de maio, a conferência “Novas Tendências de Cooperação Política e Comercial e seu Impacto Regional”. O evento é gratuito e será realizado das 9h às 18h, na sala da Congregação da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, à R. Prof. Luciano Gualberto, 908, São Paulo – SP. Veja detalhes sobre o evento aqui. USP abre inscrições para curso de pós-graduação em mudanças climáticas O Núcleo de Apoio à Pesquisa em Mudanças Climáticas (NapMC-Incline) da USP está com inscrições abertas para o curso de pós-graduação “Mudanças climáticas e suas interdisciplinaridades”. O curso busca desenvolver conhecimentos gerais e interdisciplinares sobre aspectos relacionados às mudanças climáticas e suas implicações sobre o clima. A disciplina está aberta a alunos de pósgraduação da USP e a interessados de outras instituições com graduação completa em qualquer área de formação. O curso possui carga horária de 60 horas e será realizado de 26 de maio a 6 de junho, de segunda a sexta-feira. As inscrições podem ser realizadas até 19 de maio, por e-mail (cpgiag@usp.br) ou telefone (11) 3091-5046 e (11) 30914765. Para mais informações, clique aqui. FGV abre inscrições para Programa 10.000 Mulheres Pelo sexto ano consecutivo, a Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGVEAESP), em parceria com a escola espanhola IE Business School, promoverá o Programa 10.000 Mulheres. A iniciativa conta com o patrocínio das instituições Goldman Sachs e Goldman Sachs Foundation e tem como objetivo capacitar gratuitamente mulheres empreendedoras que já possuem um negócio próprio, mas que não tiveram acesso a uma formação específica em administração e gestão de negócios. O Programa inclui um módulo sobre empreendedorismo, que tratará de assuntos como finanças, marketing e operações, e outro sobre serviços de apoio às empreendedoras, que promoverá eventos e feiras. As aulas serão ministradas quinzenalmente, sempre às sextas-feiras e aos sábados, durante oito semanas, à Rua Itapeva, 432, em São Paulo. As inscrições estão abertas até 20 de maio. Para mais informações, clique aqui. FAPESP e Imperial College London lançam chamada de propostas A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e o Imperial College London anunciaram a primeira chamada de propostas no âmbito do acordo de cooperação entre as instituições. A seleção é voltada ao intercâmbio de pesquisadores de instituições de ensino superior e pesquisa, públicas ou privadas, no estado de São Paulo e no Reino Unido, afiliados ao Imperial. Cada uma das duas instituições concederá até £ 6.000 ao ano por proposta, pelo período de vigência estabelecido na concessão, para cobrir despesas de mobilidade. A chamada está aberta a propostas em todas as áreas do conhecimento, e a duração máxima de cada projeto deve ser de 24 meses. O prazo para submissão de propostas termina em 19 de maio. A chamada de propostas, com detalhes sobre elegibilidade, pode ser acessada aqui. Prêmio Bunge estimula estudos em produtividade agrícola sustentável A edição de 2014 do prêmio Bunge elegeu como um de seus temas focais as ciências agrárias. Nesta área, concorrerão ao prêmio trabalhos que tenham sido indicados por instituições culturais e científicas do Brasil. Entre os critérios de escolha dos vencedores, será privilegiado o nível de consolidação das pesquisas e seu impacto. Para o diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e conselheiro da Fundação Bunge, Adalberto Luis Val, “[o]s novos processos de produção precisam levar em consideração não só a produtividade, mas também a conservação do meio ambiente”. Os premiados receberão certificado, medalha e de R$ 50.000 a 135.000, a depender da categoria a que concorrerem. As inscrições podem ser feitas até 30 de maio, e o resultado será anunciado em 25 de julho. Para mais informações, acesse aqui. Conferência BBEST discutirá avanços em bioenergia Com apoio da FAPESP, a Conferência Brasileira sobre Ciência e Tecnologia em Bioenergia (BBEST, sigla em inglês) realiza sua segunda edição entre 20 e 24 de outubro, em Campos do Jordão (SP). Nessa ocasião, serão debatidos resultados de pesquisas nacionais e internacionais sobre bioenergia, na interface de áreas do conhecimento como: tecnologia, destaque para investigações empreendidas no âmbito do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN). A programação da segunda edição da BBEST também conta com um dia voltado à formulação de políticas públicas em bionergia nas áreas de segurança alimentar, mudanças climáticas, inovação e desenvolvimento sustentável. Para mais informações sobre a Conferência, clique aqui. PONTES | VOLUME 10, NÚMERO 3 - MAIO 2014 26 Publicações Unindo Esquemas de Comércio de Emissões: considerações e recomendações para um mercado de carbono conjunto UE-Coreia ICTSD – março 2014 Os esquemas de comércio de emissões (ETS, sigla em inglês) têm crescido ao redor do mundo e estimulado debates sobre cooperação internacional em mudança climática. Nesse contexto, os governos estão começando a considerar e promover a associação de seus esquemas domésticos. Este estudo analisa a ligação entre o ETS da União Europeia (UE) e o esquema da Coreia do Sul, que será implantado a partir de janeiro de 2015. Os autores avaliam as principais características do ETS sul-coreano para determinar os elementos com potencial para facilitar ou impedir uma conexão entre os dois esquemas. O estudo baseia-se em experiências anteriores de associação desse tipo e formula recomendações políticas para a Coreia do Sul. Acesse o artigo aqui. Recentes desenvolvimentos na solução de controvérsias entre investidor e Estado UNCTAD – abril 2014 O relatório oferece estatísticas sobre casos de solução de controvérsias entre investidor e Estado (ISDS, sigla em inglês), assim como uma análise panorâmica das decisões de arbitragem publicadas em 2013. As queixas envolvem várias medidas tomadas pelos governos, consideradas prejudiciais aos investidores, tais como mudanças relacionadas a programas de incentivo ao investimento, supostas brechas nos contratos, revogação de licenças ou permissões, regulamentação sobre tarifas de energia e invalidação de patentes. A publicação da UNCTAD também examina o discurso público sobre a utilidade e legitimidade do ISDS, particularmente à luz do crescente número de casos, e o impacto nas negociações em curso para acordos internacionais de investimentos (IIAs, sigla em inglês). Acesse o artigo aqui. A emergência da América Latina nos serviços globais: um novo motor para mudança estrutural na região? CEPAL – março 2014 O setor de serviços foi um dos que mais cresceu nas economias emergentes ao longo da última década. A disseminação das tecnologias de informação e comunicação e a maior liberalização no comércio facilitaram o deslocamento das atividades de serviço de países avançados para o mundo em desenvolvimento. Esse processo evoluiu para formas mais sofisticadas de terceirização, e os países da América Latina têm investido em áreas como pesquisa e desenvolvimento, desenvolvimento de produtos e funções verticais avançadas em atividades ligadas a cadeias de valor. Este estudo analisa como vários países na América Latina entraram no setor de serviços offshore mediante a atração de companhias multinacionais e a internacionalização dos fornecedores de serviços domésticos. Agora, o futuro do setor na região depende de sua capacidade de aprimorar a oferta de produtos intensivos em conhecimento e habilidade, o que exigirá ações como o desenvolvimento de capacidades técnicas domésticas e a adoção de novas políticas industriais. Acesse o artigo aqui. PONTES | VOLUME 10, NÚMERO 3 - MAIO 2014 27 Os impactos das mudanças climáticas sobre a natalidade no Brasil BID – abril 2014 Este artigo busca identificar os efeitos climáticos sobre a natalidade no Brasil e, assim, prever possíveis efeitos das mudanças climáticas. Modelos gráficos indicam que o excesso e a falta de chuvas têm impactos nocivos significativos sobre a saúde dos recém-nascidos. Estresse de temperatura e a baixa umidade relativa do ar também são fatores relevantes. O uso das previsões de mudanças climáticas para o Brasil sugere um possível aumento de 305 mortes neonatais por ano e, para as famílias que integram o Programa de Atenção Básica, o número anual de bebês com peso abaixo da média terá um aumento de três mil casos. O estudo examina o papel das políticas públicas para minimizar os efeitos das condições meteorológicas extremas e indica que a educação das mães, acesso ao saneamento e assistência médica para mulheres grávidas representam os principais instrumentos para enfrentar os problemas da saúde dos bebês. Acesse o artigo aqui. O próximo celeiro global: como a América Latina pode alimentar o mundo BID – abril 2014 A região da América Latina e o Caribe (ALC) possui um terço dos recursos de água doce do mundo – mais que qualquer outra região em desenvolvimento em termos per capita; e mais que 25% das terras agrícolas do mundo, de potencial médio a alto. No conjunto, a região é a maior exportadora líquida de alimentos do mundo e, até o momento, somente alcançou uma pequena parte de seu potencial para ampliar a produção agrícola para o consumo regional e a exportação mundial. Além de ter recursos naturais abundantes, a região conta com um grande número de agricultores com vasta experiência e capacidade para inovação, assim como instituições e mercados relativamente sólidos. Os elementos essenciais para um crescimento agrícola em massa e sustentável já estão dados. Porém, para que toda a ALC possa desenvolver seu enorme potencial agrícola, muitas partes deverão ser harmonizadas. Como fazer isso é o tema deste relatório. Acesse o artigo aqui. Perspectivas para a agricultura e o desenvolvimento rural nas Américas: um olhar sobre a América Latina e o Caribe 2014 FAO, CEPAL, IICA – 2014 A quinta edição do relatório conjunto da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) analisa as perspectivas agrícolas para a região, de forma macroeconômica e por setor (florestas, gado e pesca). O documento dedica uma seção ao exame da situação e das perspectivas para a agricultura familiar na América Central, América do Sul e o Caribe. O estudo conclui que, apesar das várias limitações produtivas, comerciais e socioeconômicas diante da agricultura familiar na região, esta possui um grande potencial para aumentar a oferta de alimentos, assim como para reduzir o desemprego, a pobreza e a desnutrição da população mais vulnerável nas zonas rurais da região. Acesse o artigo aqui. Regulação e governança internacional de commodities agrícolas: situação e perspectivas para as exportações brasileiras CINDES – fevereiro 2014 Este estudo analisa os modelos internacionais de regulação e governança da produção e comércio internacional nas cadeias produtivas de algumas das principais commodities do agronegócio brasileiro. Por regulação, entende-se a capacidade do Estado e de atores não estatais de definir um campo normativo para a tomada de decisão dos agentes envolvidos na cadeia produtiva das commodities em tela. A decisão envolve a implementação de regras através da autoridade do Estado ou de mecanismos voluntários cuja legitimidade/ autoridade é construída pelo mercado. A governança diz respeito à ação coletiva associada à coordenação dos agentes envolvidos – e a seus custos. Quanto mais amplo for o campo de regras e normas, maior a necessidade de governança, portanto, mais onerosa a provisão da ação coletiva. A seleção dos casos considerou a importância da cadeia produtiva para o comércio exterior brasileiro. Acesse o artigo aqui. EXPLORE O MUNDO DO COMÉRCIO E DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL POR MEIO DA REDE BRIDGES DO ICTSD PU E N T ES Informações e análises sobre comércio e desenvolvimento sustentável Enfoque na América Latina e no Caribe - Publicação em espanhol www.ictsd.org/news/puentes B I O RES Informações e análises sobre comércio e meio ambiente Enfoque internacional - Publicação em inglês www.ictsd.org/news/biores International Centre for Trade and Sustainable Development Chemin de Balexert 7-9 1219 Geneva, Switzerland +41-22-917-8492 www.ictsd.org A produção de PONTES tem sido possível graças ao apoio generoso de: DFID - Departamento do Reino Unido para o Desenvolvimento Internacional SIDA - Agência Sueca de Desenvolvimento Internacional B RI DG ES Informações sobre comércio sob a perspectiva do desenvolvimento sustentável Enfoque internacional - Publicação em inglês www.ictsd.org/news/bridges DGIS - Ministério de Relações Exteriores da Holanda Ministério de Relações Exteriores da Dinamarca 桥 Informações e análises sobre comércio e desenvolvimento sustentável Ministério de Relações Exteriores da Finlândia Enfoque internacional - Publicação em chinês www.ictsd.org/news/qiao Ministério de Relações Exteriores da Noruega Мос т ы O PONTES também beneficia de contribuições de especialistas na área de comércio e desenvolvimento sustentável na forma de artigos. Informações e análises sobre comércio e desenvolvimento sustentável Enfoque nos países da CEI - Publicação em russo www.ictsd.org/news/bridgesrussian B RI DG ES A FRI C A Informações e análises sobre comércio e desenvolvimento sustentável Enfoque na África - Publicação em inglês www.ictsd.org/news/bridges-africa PA SS E RE L L ES O PONTES recebe propostas de publicidade ou de patrocínio que contribuam para a redução de seus custos de publicação e que ampliem o acesso aos seus leitores. A aceitação de tais propostas fica a critério dos editores. As opiniões expressadas nos artigos publicados no PONTES são exclusivamente dos autores e não refletem necessariamente as opiniões do ICTSD. Informações e análises sobre comércio e desenvolvimento sustentável Enfoque nos países francófonos da África - Publicação em francês www.ictsd.org/news/passerelles Esta publicação é licenciada pelo Creative Commons Attribution-NoncommercialNoDerivative Works 3.0 License. Preço: €10.00 ISSN 1996-919