http://avanca.org/publication/journal/index.php/AV/article/view/7/9
Capítulo I – Cinema – Arte
Crítica ou conversa? Youtubers e a crítica cinematográfica contemporânea
Glaucia Davino
Universidade Presbiteriana Mackenzie, Brasil
Victor Henrique Cruz Russo
Universidade Presbiteriana Mackenzie, Brasil
Abstract
The sprouting of the cinema is a recent historical
episode (little more than a century) and it became an
entertainment mass phenomenon that impacted our
culture and society. In the beginning, since movies
became product, quickly texts on this subject were
included on magazines, although in a not profound way,
with accented informative function. Writers (critics) used
to report/tell the events/stories and made indications
to the spectators, but without focusing on artistic
appreciation. When movies became more consistent
cultural industry art, entertainment and product,
the critical became an important link point between
production and spectators. Since then other styles of text
had been developed: analytical, opinative, ideological,
advertising, etc. The “Cahiers du Cinema” magazine
(France, 1951- now) was one of main landmarks for
cinematographic critical, as a new glance, according
to the expressions of the society and the technologies
of the time. Currently, even so the language of the
cinema (matrix of the audiovisual) is expanded (diverse
screens and products) until nowadays, movies continue
to be one of the forceful forms to tell histories (mass
and cultural niche spectators) and the critic continues
to be one of the links (films and spectator). In digital
culture time we are accomplices of the sprouting of
other vectors for movie critical. Lovers movies started in
their own Youtube Channels to criticizes films according
to their expressions, to the contemporary technologies
and to the society surround him/her. In that way, the
canonical format by the traditional press is put in check.
Keywords: Movies, Critics, New Critics Formats,
Youtubers, Digital Culture
Escritores – especialistas-mediadores em
seu contexto
Em 1963, Godard1 falou, em entrevista, sobre o que
pensava a respeito dos críticos de seus filmes:
Eu os tenho em mais alta conta do que a maioria
das pessoas. Provavelmente porque já fui um crítico
e eu disse um monte de coisas ruins. Eu fui cruel e
maldoso com muita gente. Apesar de minhas opiniões
serem as mesmas, quando leio críticas negativas, o
importante para mim é a discussão que toma lugar.
Se é boa ou ruim não é importante para mim. [...] Seja
justa ou injusta, eu não me importo (...) Eu acho que
as críticas genéricas são sempre pessoais. Quando
eles dizem algo ruim, estão tentando atingir a pessoa
(...). Mas isso não importa. Quando você é um crítico,
você fica irritado e, no outro dia, passou (Chalais,
1963; Grifo nosso. Tradução automática do Youtube)
Naquela época, a crítica cinematográfica era
essencialmente escrita (impressa), o discernimento
do ofício e o posicionamento do profissional eram os
recursos para orientar e despertar ou não o interesse
do público, principalmente nos jornais diários.
Ainda nos anos 60, o movimento cinéfilo e
cineclubista, que já existia desde os anos 20,
se acentuou, elevando o cinema a se constituir
específica atividade cultural, que se notorizou pela
mobilização principalmente de jovens inquietos com
o potencial dessa mídia, num mundo (estamos nos
limitando ao ocidente) em reconstrução pós-guerra. O
cinema, com alcance intercontinental, já era a mídia
de grande massa que mobilizava a comunicação,
a informação, abordando dramas e situações de
lugares distantes, próximos ou íntimos, na modalidade
entretenimento ficcional, documental, jornalístico e
mesmo experimental, com uma historia consolidada,
mas não engessada. Ao contrário, o surgimento de
novos equipamentos, tecnologicamente mais faceis de
usar, com maior mobilidade, o domínio da linguagem
e da técnica, deram o impulso para as novas
cinematografias e estilos que iam surgindo.
A cinefilia foi ponto fortíssimo para compreender
os diversos lugares da crítica cinematográfica.
Caracterizada por não limitar-se à apreciação dos
filmes, se tratava de um ambiente cultural, que
envolvia tanto os momentos de projeção, como os
de discussão, de registros fotográficos, de produção
de textos, críticas e debates. Enquanto discutiam os
filmes, também os analisavam, emitiam opiniões, lhes
atribuíam valores estéticos e artísticos, condizentes
com seu tempo, tecnologias e respectivos impactos
na história corrente do cinema. Essas atividades,
espalhadas por vários países, foram de certa forma,
restritas a pessoas que faziam parte de um nicho mais
intelectualizado e que vieram dar forma às revistas
especializadas, dedicadas a se aprofundarem no
tema. Esse tipo de revista se multiplicou. Em destaque,
as francesas Cahiers du cinema, seguida da Positif e
Cinéthique, das americanas Screen, Sequence, Sight
& Sound, Film Culure e Artforum, as inglesas Screen,
Sequence, Sight and Sound e Movie (Gomes, 2006),
não necessariamente nessa ordem, cronologicamente
falando. Algumas destas publicações permaneceram
como referenciais de textos de qualidade na análise
da obra cinematográfica até hoje.
A crítica de cinema ganhou a mídia televisiva pelo
marcante, famoso e provocativo programa dos críticos
americanos Siskel e Ebert a partir de 75 e que, em
2008, foi substituído por outro apresentador, com
novo formato2. Segundo o próprio Ebert, o programa
deixara de falar sobre o que era essencial do cinema,
para se tornar um programa de entretenimento sobre
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AVANCA | CINEMA 2019
cinema e não mais crítico. Essa mudança deu origem
ao programa “At the movie” (Reuters, 2008). Por terem
a TV como mídia, a crítica de cinema que faziam tinha
alcance massivo, penetrando nas vidas, no centro
das salas dos lares, nas atenções das pessoas,
incluindo o carisma que a presença física e sincera
dos apresentadores na tela.
A indústria do cinema, no entanto, não era
representada pelas novas cinematografias, por essa
cinefilia e/ou publicações críticas. Havia também
publicações mais populares sobre cinema, com foco
dobrado sobre a descrição das obras de maneira
mais sintética, ou ranqueamento dos filmes, notícias
e tablóides com a vida ou intrigas entre atores, atrizes
e cineastas, não propriamente refletindo sobre a
potencialidade estético-histórica dos filmes. No Brasil,
de modo geral, as revistas especializadas atendiam
fortemente ao mercado relacionado com a industria
norteamericana, como a Scena Muda (1921-1955) e
Cinelândia (1953 – 1970) . Os textos mais reflexivos
eram escritos por intelectuais imersos na cultura
cinéfila e foram publicados em colunas de jornais.
O sistema de exibição dos filmes nas salas de
cinema, como acontece ainda hoje, funciona com
contratos em que se garante a circulação de filmes.
Finalizada a temporada daquelas exibições, outros
filmes entravam em cartaz. As fitas de acetato,
exibidas, já desgastadas e cujo título não era mais
novidade, não mais voltavam para as salas, algumas
eram arquivadas por suas produtoras, em cinematecas
ou pelos detentores de seus direitos e outras
descartadas. Como ideal de conservação de uma
obra, preservava-se o negativo: se possível intacto,
era guardado em condições climáticas próprias. Hoje,
o acesso a qualquer filme (novo ou antigo) pode ser
realizado, resumidamente, através de um comando
digital. Quanto ao espectador de cinema de película,
caso perdesse a oportunidade de assistir o que havia
passado, não a teria mais. Sobrava, então para ele,
a possibilidade de ler as críticas, resenhas e ensaios
produzidos pelos autores especialistas, nas mídias
impressas oficiais. Essa observação significa que
muitos dos filmes foram conhecidos apenas a partir
da leitura dessas críticas e não, necessariamente, por
sua projeção.
A possibilidade de reprogramação de filmes antigos
foi feita com a telecinagem e sua distribuição pelas
TVs de diversos países, como o Brasil. Lembremos
que uma geração teve a oportunidade de conhecer
os filmes “velhos” dos anos 40 e 50, em “Sessão da
Tarde”3, como lembrou o roteirista e diretor Rubens
Rewald (Davino e Cole, 2006).
Muitas obras consideradas importantes ou que
provocaram o público foram assistidas apenas em
alguns países. Dessa forma, a circulação desses
jornais e revistas especializadas por diversos países
também eram valiosas. Muitos dos filmes produzidos,
sabemos, foram perdidos, descartados, queimados
ou reciclados. O conhecimento sobre alguns títulos
do cinema foi possível apenas através do resultado
de pesquisas históricas nas publicações, tanto de
livros como de periódicos, encontrados em bibliotecas
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e outros sitios, i.e., apenas o que se publicou sobre
esses filmes é que nos informam sobre sua existência.
Não podemos deixar de considerar os aspectos
comerciais que envolviam as relações da crítica
(imprensa) com a industria de cinema. Dessa
forma, não faltam exemplos de críticos que eram
remunerados para a escrita de uma crítica positiva,
para o sucesso de bilheteria dos lançamentos, além
de outras ações de marketing. Hollywood foi exemplo
dinâmico de ações de marketing.
A crítica cinematográfica, paralelamente, se
desenvolveu nesses contextos, e permaneceu na
forma impressa, mesmo com estilos e propósitos
diversificados, do final do séc. XIX até o final do XX,
quando a digitalização passa a fazer parte do cotidiano
social, no Brasil.
Bergala (1996) descreveu o que era um crítico
de cinema: alguém que se considerasse qualificado
e aceito como tal, segundo um consenso (coletivo,
com quem ele se comunica), mas que seu trabalho
somente é crítico se ele imprimir valores, i.e., sua
avaliação precisa ser baseada em provas analíticas
(não teóricas) da obra, segundo a visão e repertório
de seu autor e de seus leitores. A crítica não é
neutra. O público acaba por escolher os textos dos
autores de que “gosta” de ler. Esse público, em
torno do crítico escolhido, é aquele que compartilha
gostos, visão de cinema, de arte, semelhantes e se
identifica. Dessa forma, já se sentem seguros por
receberem recomendação, análises, curiosidades
ou dicas para que o próprio espectador filtre as fitas
a serem degustadas. Gostos, como disse Bourdieu
(2007), estão associados a valores simbólicos, que
distinguem, classificam, aproximam e/ou afastam
as pessoas que consomem os bens culturais. Isso
significa que estilos de crítica, de filmes e de público
se distinguem por meio das escolhas dentro dos
respectivos repertórios culturais.
O movimento cinéfilo, das décadas de 60 e parte
dos 70, fez parte da cultura dos Novos Cinemas no
mundo. Na França, o carro chefe, a Nouvelle Vague,
e no Brasil, o Cinema Novo, com o nome de Glauber
Rocha simbolizando esse momento. Glauber e outros
diretores ultrapassavam o ato de produzir filmes,
pois não trabalhavam idustrialmente, e contribuíam
com a reflexão sobre a cinematografia mundial e
brasileira, escrevendo sobre a arte cinematográfica
e a sociedade. Grandes debates foram travados
entre textos e opiniões desses cineastas.4 Segundo
Maurício Caleiro,
(...) a geração cinemanovista, nos anos 70, agora
sob o lema “mercado é cultura”, fazia as pazes
com o público que não tivera na década anterior,
a pretensão da revista Filme Cultura de se tornar a
Cahiers du Cinèma tupiniquim, fazia com que, (...),
a crítica brasileira voltasse não apenas a torcer
sistematicamente o nariz – então mais empinado
do que nunca – ao cinema nativo, mas a recusar
desdenhosamente o debate que, com frequência,
a reação dos cineastas às críticas recebidas queria
deflagrar. (2011, 6)
Capítulo I – Cinema – Arte
Uma das personalidades5 que deve ser destacada
no cenário da crítica de cinema, no Brasil, foi Paulo
Emílio Salles Gomes, que escrevia sobre cinema para
os jornais, um dos fundadores do curso de cinema na
Universidade de São Paulo e mentor de seus alunos,
atuando em várias frentes, incluindo a Cinemateca
Brasileira. Paulo Emílio deixou um significativo legado.
Suas críticas eram
cultural naquele período e a crítica criou matrizes,
ou seja, para quem estuda cinema e estuda a crítica
cinematográfica, tem como forte referência aquele
tipo de jornalismo crítico, mais denso. As revistas
acabaram gerando escolas de estilos críticos ao
adotarem peculiaridades no processo de análise, da
contextualização, dos aspectos a serem valorizados e
do formato de contrução textual. Por exemplo,
Densas, aprofundadas e muito bem escritas, suas
críticas cumprem funções que deveriam ser a
de qualquer escrito sobre arte: aproximar leitor e
obra, iluminar seus desvãos, interpretar sem impor
certezas. E, acima de tudo, contextualizar, pois a
obra não se dá num vácuo social e, se não pode ser
reduzida à conjuntura social, leva os traços desta em
sua estrutura [...] Acercando-se da obra com cuidado,
vendo-a por ângulos diversos, respeitando-a como
enigma colocado em desafio ao espectador [...] Caso
raro de crítico que, ao colocar em ação seus dotes
interpretativos, coloca-se à altura da obra-prima que
tem diante de si. (Estadão Conteúdo – Cultura, 2016)
(...) a revista Cahiers du Cinema, essencialmente
formada por críticosrealizadores, representou, ao
longo de seu percurso como publicação destinada
à crítica de cinema, uma luta permanente entre, por
um lado, a afirmação de um gosto e de uma estética,
predominante nos anos 50 até o início dos anos 60,
de submeter os filmes a certa análise por tema, por
autor e gênero. (Serge Toubiana, apud Gomes, 2011)
Escrevia sobre o cinema estrangeiro e o nacional,
mas foi pivô da consciência da nossa realidade,
da nossa cinematografia e da crítica de cinema
(Zuin, 2012).
Compartilhava com outros autores e/ou cineastas a
visão de um cinema que dizia e se mostrava como o
de um país subdesenvolvido.
“Nesse percurso, Paulo Emílio se preocupou com
uma análise nacionalista da produção de cinema
nacional.... Há, porém, um fator diferenciado nessa
ação: o nacionalismo de Paulo Emílio não era
ufanista. “Ao contrário, era crítico, sempre tentando
apreender de que forma o contexto ao qual o País
está submetido influencia o cinema local.” Para
o crítico, a relação com o estrangeiro era válida,
mas não poderia ser condição primária, já que o
conhecimento era superficial, segundo Xavier.”
(Siqueira, 2017)
Alguns alunos de Paulo Emílio deram continuidade
a esse tipo de atuação, produzindo textos tanto no
universo acadêmico, onde se podia fazer profundas
análises, como participavam ativamente das
discussões políticas e culturais que envolviam a arte
cinematográfica, através de textos.
Por que falar desse período e de seus
agentes
Embora a crítica de cinema tenha iniciado muito
antes, logo de sua invenção, quando “(...) a então
chamada crítica era um mistura de reportagem que
descrevia o evento em termos factuais e de resenha
que aconselhava o leitor sobre o valor do filme”
(GOMES, 2006;.2), iniciamos nosso artigo revendo a
década de 60. A importância em abordar esse período
está na herança das modalidades críticas e na força
simbólica do que se considera, ainda hoje, o seu
significado e importância.
Como vimos, o cinema tomou conta do ambiente
Ao longo do tempo, a crítica de cinema impressa
foi tornando-se mais enxuta, com menos espaços para
reflexões ou provocações e hoje, como decorrência
das mudanças da cultura digital, com a multiplicação
de plataformas midiáticas, de comunicação, temos um
cenário bastante diferente, diversificado. O público é
formado por grupos distintos e passa por experiências
diferentes diante do cinema. O conhecimento sobre
a linguagem, tecnologias e, até mesmo, o fazer
fílmico, etc. estão ao alcance de todos. Mesmo
assim, o impasse entre os que consideram a crítica
aprofundada a verdadeira crítica e outras formas
sintéticas está posto.
Também podemos atribuir à critica e seu autor,
com resguardo da visão e tecnologias da época, a
possibilidade, mesmo que frágil, de ser um veículo do
registro da história. Ao escrever, ele produz material
que traz experiências de um período, tanto do ponto
de vista de criação, do sistema de produção, da
repercussão e a perspectiva da própria crítica. Objeto
de estudos e investigações, esses textos tornaram-se
documentos históricos dessa arte.
Para Godard, a
[...] crítica não é uma criação artística. Será sempre
inferior. 75% dos críticos estão nesse trabalho
temporariamente.... por isso são sempre amargos e
tristes frente àqueles que eles honram e os que eles
depreciam.
... ser crítico é uma boa experiência, um bom
treinamento...Me ensinou a não ter a visão limitada
(Chalais, 1963 6)
Então, podemos sumariamente notar que, sem
entrar nos méritos jornalisticos, o trabalho do crítico
constituiu, até um certo período, a mediação:
a) na orientação para os espectadores (identificados
com determinados críticos e respectivo estilo de
escrita);
b) na possibilidade de fortalecer uma cultura cinéfila
(onde o filme não é o fim único);
c) na promoção de vendas e
d) na produção de documentos históricos.
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AVANCA | CINEMA 2019
A crítica de arte
(...) Envolve interpretação, julgamento, avaliação
e gosto. A crítica de arte nesse sentido específico
surge no século XVIII, num ambiente caracterizado
pelos salões literários e artísticos, acompanhando as
exposições periódicas, o surgimento de um público e
o desenvolvimento da imprensa. (Enciclopedia Itau
Cultural, grifo nosso, 2017)
Conforme nos mostra a Enciclopédia do Itau
Cultural, foi o advento de uma nova midia, a imprensa,
que permitiu a conformação sócio-cultural para a
iniciação da crítica de arte, i.e., um meio que além de
registrar foi capaz de disseminar em grande escala
e além território físico para os potenciais leitores e
entusiastas. Assim, a atividade que se iniciou abrangia
a valoração da arte sobre o olhar especializado e
crítico, fazendo surgir diferentes linhas de pensamento
alinhadas aos ideais dos grupos que as seguiam.
A crítica contemporânea de cinema, no Brasil,
herdou dessa cultura cinéfila ocidental, desse período
mencionado, algumas condutas analíticas, relfexivas,
de estruturação textual, das informações e valoração
artística. Os críticos brasileiros se serviram do repertório
e da cultura cinematográfica (ocidental) para escrevêlas na conjunção de suas próprias sensibilidades.
O forte movimento intelectual e crítico cinematográfico
das décadas anteriores ainda são balizadores
das nossas críticas, principalmente daqueles que
conhecem o cinema e sua história em profundidade,
dos profissionais que vivenciaram aquelas experiências
e são atuantes até os dias de hoje.
Informação, acesso e mediação
Mesmo o cinema sendo uma arte da
reprodutibilidade técnica, como bem afirmou Benjamim
(2018), era um produto que não poderia ser adquirido
e levado para os lares, ninguém possuia rolos de
filmes em suas prateleiras, como possuiam os discos,
que portavam as músicas, e os livros, que portavam
as histórias e outros conhecimentos na forma de texto.
A efemeridade da TV também não permitia a posse
do filme ou do programa. Ela oferecia ao público um
cardápio de programas diversificados, incluindo filmes,
amarrados à grade horária e não dava para escolher
o que e quando assistir, sequer interromper o fluxo
da exibição. Então, tinha-se como veículo de crítica
a imprensa, o telejornal e algum programa voltado
ao tema, na singularidade de cada mídia, mas com o
princípio de quem falava ser um expert produzindo e
veiculando o conhecimento para todos os outros.
A proeza da posse e/ou portabilidade de filmes vai
surgir apenas no meio dos nos anos 80, no Brasil,
com o homevídeo (fitas e, posteriormente DVDs que
poderiam ser comprados ou alugados e levados para
assistir em casa, no momento em que se desejasse.
A consequência foi grande, a oferta de filmes se
transformou, i.e. se multiplicou dentre filmes antigos,
novos lançamentos que haviam sido exibidos e os
não exibidos nas salas de cinema, filmes importados,
telefilmes, filmes nacionais, séries, documentários,
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infantis, etc. O formato deu mais autonomia ao
espectador que não precisaria ir ao cinema, nem
esperar que a TV lhe oferecesse algum filme de seu
gosto, no horário desejado. Essa mudança foi, com
certeza, uma primeira em que a mobilidade da mídia
permitia que o audiovisual (escolhido) pudesse ir para
dentro de casa. Hoje, quase tudo, pelas telas dos
computadores, pode ser levado para “dentro de casa”
ou em qualquer lugar que estejamos. Até compras de
objetos, vestuário, alimentos, podem ser feitos a partir
de casa. Não mais o consumidor, mas sim o fornecedor
é que se move. No caso das mídias, a materialidade
está nos objetos de acesso, não nos filmes em si. Mas,
o videocassete ainda era um objeto a ser retirado e
devolvido no prazo (se não, multa!).
De certa forma, vemos que as janelas/telas dos
filmes começam a se expandir: cinema, TV e vídeo
e, consequentemente, os tipos de críticas. Não são
todos os espectadores de filmes que cultivam cinefilia
crítica, mas sim a de entretenimento, a de assistir
a alguns filmes e/ou uma “coleção” como atração,
como produto de gosto pessoal. Além do mais, a
leitura de críticas pode não fazer parte de seus rituais
culturais. Há consumidor que assiste a novos títulos
quando é influenciado por alguém que comenta, não
necessariamente vai a busca da critica especializada.
Com o videocassete, ao mesmo tempo em
que houve aumento de público por título, houve
também a pulverização do que alguns cinéfilos mais
puristas considerariam “filmes comerciais” (sem
valores artísticos). De qualquer maneira, o mercado
ampliou bastante trazendo filmes que jamais teriam
sido assistidos aqui no Brazil ou em outras partes
do mundo, incluindo filmes do início da história do
cinema, como os mudos. Esse mercado, de certa
forma, fez com que o costume de assistir filmes se
democratizasse um pouco mais. A crítica também
se diversificou atendendo a essa demanda. Novas
publicações periódicas, como revistas e sessões
culturais da imprensa, surgiam ou se segmentavam
de acordo com o tipo de produto: filmes lançados
nos cinemas ou as novidades em vídeo, muitas
vezes financiadas pelas distribuidoras e produtoras
com intuito de divulgação. Para os cinéfilos mais
afoitos, as revistas SET, Revista de Cinema, Sci-Fi
News, Sci-Fi Cinema, ajudavam a dar foco àqueles
que buscavam fontes de informação, no Brasil.
Podemos ressaltar que, muitas vezes, ficava a cargo
dos atendentes das locadoras fazerem as indicações
de filmes para seus clientes, ou seja, a mediação
sobre conteúdo, estilo, gênero, ano etc. Alugar
filmes semanalmente (principalmente para os fins de
semana) passou a ser um hábito. Diferentemente da
TV e do cinema, a escolha das fitas, que poderiam
ser mais de uma simultaneamente, não dependiam
apenas das características cinematográficas, mas a
outras externas, como preço, promoção, indicação
etária, gostos pessoais, da família, dos amigos e do
atendente da locadora. Os comentários, opiniões
e impressões espontâneos e pessoais ficavam no
âmbito particular, entre pessoas (amigos, colegas,
familia, etc.).
Capítulo I – Cinema – Arte
Rompendo papéis - cinefilia digital
Assim como o cinema não sumiu com o advento
de tantas outras tecnologias, a paixão por ele também
não. Pessoas de todas as idades, com destaque
para os jovens, são fãs de filmes, conhecem seus
títulos, diretores, atores, buscam estar informados
constantemente e se identificam com uns e outros
estilos. Há aqueles que cultuam e apreciam filmes
dos tempos áureos do cinema de hollywood, das
vanguardas, das origens da história do cinema,
querem saber tudo e muito mais sobre a produção de
cinema, outros “não perdem uma estréia” nas grandes
telas7 (salas de cinema) e também, uma minoria, se
arrisca a buscar filmes mais raros, i.e., fora do grande
circuito, como os de países do leste europeu, Africa,
etc., mais acessíveis em festivais, importantes focos
para os críticos.
Com a conexão em redes, a mediação digital foi
se arraigando na nossa cultura, fazendo parte de
nosso cotidiano. Primeiro, com os computadores
individuais e posteriormente com os dispositivos
móveis (smartphones, smartwatches,, etc.). Com
mais plataformas de linguagem de disseminação
de conhecimentos, opiniões e ideias, a crítica de
cinema passou a se dividir - ou se multiplicar - entre
a “impressa” oficial e o espaço digital. Dos grandes
portais, sob o comando de empresas de comunicação
aos blogs, vlogs, a comunicação ou periódicos no
formato para internet possibilitaram qualquer pessoa
criar sites (mais complexos) e blogs (de mais fácil
operação, mais baratos ou gratuitos) para expor suas
ideias, vender seus produtos e ou serviços, etc.
No cyberespaço, conhecimentos individuais
compartilhados estão ao alcance de qualquer outra
pessoa no mundo, demovendo o lugar de exclusividade
do crítico especializado. Muitos cinéfilos, estudiosos e
interessados passaram a escrever sobre filmes, sem a
necessidade de aprovação ou de chancela das mídias
de comunicação oficiais e/ou diplomação acadêmica
para o exercício da crítica pública. A fala do opinador/
crítico já poderia ser partilhada, não apenas no seu
grupo de amigos e de convívio, mas com pessoas
desconhecidas (muitas). Seus textos, imagens e
hiperlinks poderiam ser encontrados a partir de um
simples toque de tecla, comandado por algorítimos. Na
maioria dos casos, os leitores também poderiam deixar
suas opiniões, a favor, contra ou complementar àquilo
que o autor escrevia, “postava”, em espaço próprio.
O site Cinema em Cena8, criado por Pablo Villaça,
é um exemplo do surgimento dos sites especializados
no Brasil, pois foi um dos primeiros, na área de cinema.
Hoje, o site se desdobra dentre as plataformas de
linguagens, incluindo, certamente, o Youtube.
Youtube – Janela audiovisual
A plataforma de vídeo online Youtube, iniciada em
2005, nos EUA, e em 2010, no Brasil, foi uma das
mais impactantes plataformas de interconexão entre
usuários.
O site revolucionou a forma como as pessoas se
comunicam e se tornou um dos principais serviços
do Google9. (...) Na sua edição de 13 de novembro
de 2006, a revista norte-americana Time, elegeu o
YouTube a melhor invenção do ano por, entre outros
motivos, “criar uma nova forma para milhões de
pessoas se entreterem, se educarem e se chocarem
de uma maneira como nunca foi vista. (Brito, 2015).
De uma plataforma digital para a realização de
uploads no formato de vídeos online, se transformou
num forte veículo de filmes, séries, curtas, reprodução
de eventos, DIY e outros produtos, mas também
uma janela de aproximação e de interconexão entre
entidades, sociedade, pessoas, atuantes ou seguidoras.
Além de podermos assistir a filmes (produções de
cinema) e programas de TV (televisão), todo tipo de
assunto pode ser encontrado na plataforma, através de
canais de empresas e individuais – muitos com o nome
do autor, que se convencionou chamar de Youtubers. O
que caracteriza um youtuber não é apenas a postagem
de vídeos num espaço dele, mas desse espaço se
constituir num canal com identidade (nicho e assuntos),
produzir com determinada frequência, ter canal aberto
a todos que se interessarem, ser protagonista e autor
(voz e/ou imagem), oferecer espaço para a participação
(moderada pelo formato da plataforma) dos seguidores
e hiperlinks para outros conteúdos. Sua estrutura é
modular. Cada canal está sob a responsabilidade de
seu “proprietário” (empresas ou pessoas físicas). E sua
produção é seriada, com as mesmas características
em cada capítulo da série.
No Brasil, os canais de crítica de cinema têm
crescido, não dependem mais dos meios editoriais das
empresas de comunicação. Segue a esse crescimento,
o número de seguidores que fidelizam ou não com
aquele canal. Há canais de críticos já legitimados por
outras mídias oficiais (atuam em rádios, escrevem, etc.
e têm seu canal), pelo currículo ou pela comunidade
cinematográfica (formação e experiência profissional,
inclusive como crítico “nativo analógico”) e os canais
criados, simplesmente, por fãs de cinema que além
de fazerem o que gostam: assistir a filmes e falar
sobre cinema - podem se tornar famosos e até mesmo
monetizar essas atividades.
O fenômeno da fama em decorrência dos programas,
ações e produções das personalidades do cinema, TV,
jornalismo, publicidade das mídias tradicionais não
desapareceram, na realidade o fenômeno se expandiu
para as plataformas de linguagem, na Internet. As
personalidades, dotadas de determinado capital
cultural (Bordieu, 1998; 28), idolatradas e seguidas
pelos fãs, acabam influenciando suas vidas cotidianas
e, mais, seu consumo.
An influencer, or opinion leader, is a person who is
regarded by a group or by other people as having
expertise or knowledge on a particular subject
(Assael 1984; Weiman 1991).
O conceito de influenciador social, que não é
inédito, volta com força na cultura digital, sob a visão
do mercado, os “digital influencers”, como evidenciou
a Meio & Mensagem10
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AVANCA | CINEMA 2019
A figura do digital influencer viu sua importância
crescer em especial na última década. Para
indivíduos da Geração Z (...), YouTubers, Blogueiros
e Instagramers tem tão ou mais influência que
personalidades da TV, Cinema, ou de outros
nichos do entretenimento. (...) Os influenciadores,
em conjunto com fatores sociais, culturais e de
motivação pessoal, estão entre os principais
elementos capazes de direcionar uma decisão de
compra e uma maior aproximação entre uma marca
e o seu público-alvo. (Marques, 2017)
de uma escolha pela personagem alí construída. O
jeito do locutor é mais importante do que o conteúdo,
resumindo. O espaço de interação/opinião, fica aberto
para manifestações de discordância ou de diálogos,
nem sempre com a intervenção do dono do canal..
O “quem” predomina sobre o “o quê”. Se alguém é fã
de um youtuber, então tudo que ali aparece deve ser
considerado como valor social e de entretenimento.
O Youtube, sendo audiovisual, se tornou uma das
vias mais fortes para a formação de um influenciador,
i.e., um líder capaz de conduzir a opinião e,
principalmente, o consumo. Além da facilidade de
acesso, a participação dos usuários, a curta duração,
o formato “entretenimento’, dentre outras qualidades,
há os algoritimos, que relacionam as atividades dos
usuários e os aproximam de conteúdos afins e que
favorecem e justificam as transformações desse meio
para a elaboração crítica dos filmes.
Opiniões se embatem a respeito da crítica de arte e
crítica cultural, incluindo a do próprio cinema, e refletem
a diversidade das experiências, dos valores, dos
veículos para os quais estão produzindo, do contexto
de cada crítico. Vejamos, por exemplo, para a colunista
irlandes Corey Fischer, a crítica pode enriquecer a
experiência do espectador e que “Without criticism,
films are devalued and the cultural importance of films
and documentaries wanes “ (Fischer, 2015), i.e., é o
trabalho especializado do crítico que que tem o aval
para provocar transformações, aperfeiçoamento da
indústria e dos próprios critérios de avaliação do público.
Na opinião de Simran Hans, do The Observer Culture,
em entrevista que questiona a crítica frente à “era da
opinião” (The Observer, 2018), ela demonstra que,
ao crítico, cabe levantar questões não tão evidentes
nesses filmes. Por esse detalhamento especializado,
muitas vezes os profissionais são taxados de elitista ou
propagandistas (Hans, 2018). Como escritores, ambos
críticos exemplificados acima, defendem a importância
que se configura como balizadora para que a indústria, o
público e o cinema como entretenimento se mantenham
ativos, assim como sua própria atividade.
Já, quanto aos cineastas, o indiscutível diretor
Werner Herzog, diretor alemão e incisivamente
autoral deixa, em 2011, sua opinião à Revista Cult,
(Simões, 2011)
Como se escolhe filmes para assistir
Tantos estímulos audiovisuais, tantos títulos e
lançamentos de grandes produções de arrastar
multidões, com efeitos incríveis, tantos festivais,
tantos filmes do circuito independente e tantos canais
de acesso aos filmes que, será que precisamos de um
guia? Onde encontrar referências?
... , pessoas que gravam críticas para o YouTube
deixaram de ser apenas críticos de cinema, eles se
tornaram também youtubers capazes de influenciar
digitalmente milhares, e, em alguns casos, até
milhões de pessoas. Ainda que críticos de jornal
também tinham o poder de mudar a opinião das
pessoas sobre os filmes, o influenciador digital
tem uma proximidade muito maior de seu público.
Com inúmeras opções de canais no YouTube sobre
cinema, os usuários se inscrevem naqueles em que
eles realmente gostam dos vídeos. Isso faz com que
o público só siga o crítico que ele realmente confia.
(Russo e Davino, 2018; 09)
As críticas, no formato audiovisual, apresentam
os youtubers como pessoas, com cara, trejeitos,
voz e defeitos. Edição, o cenário, a duração, o
enquadramento, o direcionamento do olhar para o
espectador, a roupa, etc. aproximam o público, como
que se fosse presencial, daí uma das características
intrínsecas desse formato. Diferentemente, as
críticas escritas, em que o leitor tem acesso apenas
às abstrações do texto, que lhe exige atenção visual,
a transcodificação dos signos escritos para o verbal
(mentalmente) e o controle auditivo, para não se
distrair, seu acesso visual à identidade do autor é nula.
A
narrativa
youtuber
pega
emprestado,
principalmente, algumas matrizes dos programas
de apresentador, conhecidos como “programas de
auditório”, típicos da TV. Então, verificamos que,
acima das opiniões, da influência que terão sobre o
espectador daquele filme, a escolha do canal resulta
70
Arena crítica: cinema, escrita e Youtubers
Nunca fui especialmente influenciado pela crítica de
cinema. Em parte porque recebi péssimas críticas
para alguns de meus melhores filmes, assim como
boas críticas que achei um tanto deslocadas. Sempre
foi claro para mim que uma boa crítica não melhora
um filme, assim como uma crítica ruim tampouco
torna o filme ruim. Ao longo de minha carreira, eu
quase não li críticas. Para mim, são sempre como
um acontecimento que pouco tem a ver comigo.
Em termos gerais, hoje em dia vejo que a crítica de
cinema está em extinção, pois o discurso sério vem
sendo substituído pelo noticiário sobre celebridades.
Muitos jornais e revistas nem têm mais críticos de
cinema e quase tudo que você lê neles tem a ver
com os astros de cinema. (2011, grifo nosso)
A indiferença às críticas também está presente
para David Lynch, como o foi para Fellini que, ao
serem indagados sobre o significado de suas opções
estéticas, desprezam-nas. A postura desses cineastas
contradiz a postura dos críticos acima exemplificados,
como a de servir às mudanças na indústria.
Os youtubers de cinema constituem mais um ramo
do trabalho crítico de filmes, mas como discutido
anteriormente, seu formato, sua espontaneidade e
Capítulo I – Cinema – Arte
informalidade textual, próprio da comunicação oral,
dão um tom diferenciado, que atrai o público mais
acostumado com a comunicação instantânea.
O documentário “Crítica de cinema através de uma
lente” (Russo, 2018, orientado por Davino, G), colocou
alguns youtubers, cujos canais se propõe como o de
crítica de cinema e/ou assim são considerados por seus
seguidores, para falarem sobre a validade e a legitimação
da crítica contemporânea, expandida para esse canal
audiovisual e assuntos que orbitam a prática da crítica.
Se há alguma dúvida a respeito do negócio, da
atividade, o primeiro dado que é inegável se atribui
aos de números de inscritos, demonstrados na tabela
abaixo. O número de visualizações é outro indicador
importantíssimo, pois é aquele que dá vida e mostra a
repercussão do canal.
Os participantes youtubers, desse documentário,
além de seu diretor/roteirista/editor (no início e no
encerramento), são quatro brasileiros.
Youtuber
Canal
Início
Inscritos
Rolandinho
Pipocando
2013
3.970.392
473.363.506
Joyce Pais
Cinemascope
2011
15.000
452.608
Tiago Belotti
Meus 2 Centavos
2006
230.152
41.982.703
Max Valarezo
Entre Planos
2015
224.701
10.129.759
Visualizações
Tabela 1: Dados coletados pela autora, em maio de 2019
O que detectamos é que, a crítica escrita mantém
seu espaço, mas os canais do YouTube apontam
para um futuro dominante do crítico opinativo online, pois o público tem a chance de escolher o
olhar e o perfil daquele com quem se identifica,
diferentemente do jornalismo escrito em um veículo
de oficial (Russo e Davino, 2018; 21)
Conversas
Movietubers
Figure 1: “Movietubers” que estão no documentário A Crítica
de cinema sob o olhar de uma lente, de Victor Russo, 2018.
Fonte: acervo do autor Victor Russo.
O quadro acima compara os dados de cada
um dos canais. Os números não são suficientes
para compreender plenamente as motivações dos
interessados em ver-ouvir as críticas. Esse não é
nosso foco imediato, mas sim o diálogo que permite
convalidar o trabalho desses críticos, como tal. O perfil
de formação, os propósitos, os conteúdos são e os
aspectos formais de cada canal são bastante diversos.
O que podemos denominar como comum a todos os
youtubers, está relacionado principalmente à moldura
da plataforma, da qual não há como escapar, que é o
repositório de vídeos, com títulos individuais, podendo
ser agrupados por categorias e a diagramação da
página, além do uso de tela inteira como opcional.
A curadoria, no entanto, ultrapassa a crítica de
filmes, em maior ou menor grau, conforme a proposta
do canal. Alguns acrescentam conteúdos educativos,
sobre o próprio canal, assuntos sobre eventos do
cinema, cursos, análises que desvendam os recursos
da linguagem cinematográfica, etc.
Nesse documentário, a unanimidade na “sentença
final” sobre o papel dos youtubers críticos de cinema,
como se consideram, o autor concluiu que
finais:
Legitimando
os
Contemporâneos à sua época, jovens amantes de
cinema fundaram revistas onde puderam estabelecer
comunicação com um público, através da crítica, da
teorização e da análise de filmes, nos anos 60, como
falamos no início desse artigo.
Contemporâneos à sua época, nas primeiras
décadas do século XXI, os amantes do cinema
puderam abrir diálogos com um público massivo,
através da criação de seus próprios canais de vídeo.
Para os youtubers entrevistados no documentário
“A crítica do cinema sob o olhar de uma lente” (op.
cit), o aumento de interesse pelo novo formato não
eliminaria, mas colocaria em xeque a crítica canônica
escrita, herdeira dos movimentos cinematográficos
mundiais. Para o jornalista e crítico de cinema, José
Geraldo Couto,
A crítica profissional de cinema defronta-se hoje com
novos problemas, oriundos sobretudo do declínio
econômico (e de influência) dos veículos impressos,
em paralelo à extraordinária proliferação de vozes
e canais de expressão propiciada pela internet.
Essa situação coloca em xeque o papel do crítico
como formador de opinião, curador de repertório
e influenciador do gosto do público, recolocando,
sobre novas bases, questões antigas como: para
que serve a crítica? A quem ela se destina? Quem
está habilitado ou legitimado a fazê-la? Como fazer
frente às pressões do mercado de entretenimento
e do gosto médio (ou senso comum) sem fazer da
crítica uma pregação para convertidos ou um diálogo
entre iniciados? (Couto, 2018; 26)
71
AVANCA | CINEMA 2019
É comum, nas culturas, a valorização da
preservação da “tradição” (herança cultural), um saber
fazer alinhado, aceito pela comunidade e repetido por
gerações. Isso designa, comumente, a necessidade
das permanências que, às vezes nos espantam.
O novo, o diferente, começa a motivar incômodo e
rejeição, por isso as mudanças acabam arrastando
consigo o universo o anterior. Não que as mudanças
sejam sempre positivas ou sempre negativas.
Muitos dos youtubers, não apenas de cinema,
são considerados influenciadores digitais, pois são
capazes de mobilizar hordas de fãs e/ou até mesmo
haters11. Fãs que, por adoração e identificação,
seguem opiniões, sugestões e realizações dessas
personalidades. Como num reality show, ao vivo, e com
formato mais compacto, dispondo seus verdadeiros
rostos e falando com a câmera (como se estivesse
olhando para a pessoa que assiste), o youtuber ganhou
parte do tempo de entretenimento e, porque não, de
aquisição de conhecimento, antes dedicados à TV, ao
cinema e à leitura. Não que o youtube os substitua, ele
apenas se tornou mais um canal de acesso, no com
as características verbovisual, de fácil compreensão,
onde o modo particular da persona youtuber é a
principal atração. Como os famosos atores da TV, o
público torce e cuida dessas personalidades.
Como investigadores sobre o cinema e, nesse
trabalho, sobre a crítica, o incômodo está presente.
No site cultural do jornal Britânico The Guardian, foi
discutida a crítica de arte (incluindo cinema) no atual
contexto, em que se testemunha o decaimento do
número de críticos nos jornais e o ascende número
de críticos, na web. “(...) an insurgent type of criticism
– breezy, immediate and intimate – on the internet.”
(Donaldson, 2018)
Parece que, como a arte e a cultura, a questão da
crítica pelo youtube ser ou não crítica de cinema, não
passa necessariamente pela questão da mídia em
si, mas sim pela legitimação daquele que a conduz.
Estão aí os fake news para comprovar que filtros são
necessários, de alguma maneira.
O que os youtubers fazem não são necessariamente
críticas de cinema, no sentido canônico. Mais do que
informar, propõem um diálogo com o público, com a
obra, com o cinema e com aquilo que está acontecendo,
no imediatismo do momento. São mediadores, mas
são também atores. Não apenas transmitem o que têm
a dizer, mas usam seus corpos, voz, cenário para fazer
isso, elaboram e seguem um roteiro.
Nossas considerações finais apontam para a
necessidade de um novo olhar para a produção
youtuber da área de cinema.
A disputa por um pódio de crítica de cinema não é
coerente. Os fatos mostram que há uma geração de
youtubers dedicada ao cinema. Ontologicamente, há
produção de conteúdos diferenciados, em relação ao
universo da cinefilia. Então, ao invés das categorias
genéricas “youtubers” ou “críticos de cinema”, que não
dão conta dessa complexidade, cabe dizer que há a
construção de um novo lugar e um novo nome para
esses produtores de conteúdo, os Movietubers. Seus
trabalhos vão além da crítica. Têm a capacidade de se
72
expor e, através de uma comunicação dinâmica, em
frente à câmera, tratar de assuntos caros ao público,
como numa conversa proporcionando, em alguns
casos, diversão, ou o despertar da curiosidade.
Notas Finais
1
Jean-Luc Godard, franco-suiço, é considerado um dos
maiores diretores de cinema no mundo ocidental, pois foi
um dos fundadores da Nouvelle Vague francesa (movimento
cinematográfico, que mudou paradigmas), juntamente com
Truffaut, Chabrol, Rohmer e Rivette, e depois continuou com
produções irreverentes. O início de sua carreira, no entanto
foi como crítico, escrevendo para o “La Gazette du Cinema” e
a “Cahiers du Cinéma” uma das mais importantes revistas de
crítica de cinema, até hoje.
2
“Siskel & Ebert” foi um famoso programa televisual de
crítica de filmes cinematográficos, conduzido por dois críticos
que conversavam sobre os filmes de forma provocativa, a partir
de vasto repertório e domínio sobre cinema. Entre 1975 e 1982,
era intitulado “Sneak Previews”, depois “Siskel & Ebert & the
Movies”. Dentre outras transformações, como ocorrem nos
programas televisivos, “At the Movies with Ebert and Roeper” e,
por fim “At the Movies”, a partir de 2008.
3
Sessão da Tarde é o nome de um programa diário
(segunda à sexta-feira) vespertino, da TV Globo (empresa de
telecomunicação brasileira). É um programa em que oferece
filmes não inéditos, para um público jovem. É possível verificar
uma lista (não sabemos se completa) de filmes da primeira fase
publicada no site Filmow por Silva: https://filmow.com/listas/
primeira-fase-da-sessao-da-tarde-de-1974-a-1989-l53137/
4
Intelectual brasileiro, com atuação na cultura, foi um
dos fundadores do curso de cinema na USP, da Cinemateca
Brasileira onde atuou incisivamente em favor da preservação
de filmes.
5
Alex Viany é outro nome importante sobre a revisão do
cinema brasileiro, até então, que teve grande influência no
pensamento dos diretores cinemanovistas.
6
Entrevista de Jean-Luc Godard a François Chalais, quando
do lançamento de “o desprezo” (Mépris), The Talk of the town,
1963.
7
Estamos denominando filmes de grandes telas, os filmes
blockbusters com primoroso tratamento de imagens e sons
e efeitos especiais visuais e sonoros feitos para impactar
sensorialmente. Esses filmes, ao serem assistidos em outra
plataforma, que não a sala de cinema, perdem o impacto
estésico que somente a grande tela proporcionaria.
8
Cinema em Cena - Portal http://cinemaemcena.com.br/
9
O YouTube foi criado por ex-funcionário do Pay Pal e
depois adquirido pela empresa do Google.
10
A revista Meio & Mensagem é uma revista brasileira da
área da publicidade e propaganda, criada em 1976. Portal Meio
e Mensagem: https://www.meioemensagem.com.br/
11
A palavra hater (em ingles), traduzido por “aqueles que
odeiam”, é atualmente o termo utilizado para designar aqueles
que.
Referências
Livros
Bourdieu, Pierre. Escritos de educação. Petrópolis:
Vozes, 1998
Livros traduzidos com indicação autor
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Pipocando, canal do Youtube de Bruno Bock e
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