Brasil como membro pleno da
OCDE: uma análise crítica
Brazil as a member country of OECD:
a critical analysis
RÔMULO TAVARES RIBEIRO | romulograz@hotmail.com
Doutor pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ) e economista do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social (BNDES)1
Recebimento do artigo Fevereiro de 2020 | Aceite Julho de 2020
Resumo O artigo aborda criticamente argumentos a favor da adesão do Brasil à OCDE como
país membro, apontando fragilidades na argumentação econômica de base liberal usada na defesa da adesão no debate
brasileiro, por haver evidências de que o espaço de política que será perdido é relevante para a execução de políticas capazes
de desenvolver o país e por não estarem identificados de modo convincente benefícios que compensem a aceitação dos
compromissos derivados da adesão. Palavras-chave OCDE; Adesão do Brasil; Espaço de política; Desenvolvimento.
Abstract The paper critically approaches a sample of arguments in favour of Brazilian
accession to the OECD as a member country, pointing to fragilities in the liberal economic reasoning argued to defend the
accession in the Brazilian debate, due to the existence of evidence that the policy space which will be lost is relevant for
the implementation of policies capable of developing the country as well as to the absence of a convincing identification
of compensatory benefits for the commitments derived from the accession. Keywords OECD; Accession of Brazil;
Policy Space; Development.
1
O autor agradece, sem responsabilizar, a Franklin Serrano e Luiz Daniel Willcox por sugestões, e isenta de responsabilidade instituições com que
tenha relacionamento pelas opiniões expressas no artigo.
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1. INTRODUÇÃO
Em maio de 2017, o Brasil ingressou com pedido de adesão como membro pleno da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), juntando-se a Argentina, Peru, Romênia, Bulgária e Croácia na expectativa de aceitação do Conselho
da OCDE, para ser dado início a negociação para adesão. Desde a formalização do pedido,
há debate sobre prós e contras da adesão, aquecido com idas e vindas sobre o apoio dos EUA à
adesão brasileira (BLOOMBERG, 2020). Este artigo apresenta reflexão crítica sobre a decisão
brasileira de querer ser membro pleno da OCDE, levando em conta que a conveniência da adesão
do país depende de fatores geopolíticos e de poder entre os países e dos objetivos das políticas
nacionais de desenvolvimento. Adota como referencial teórico, para discussão, análise crítica
sobre desenvolvimento comparado que inclui advertência, nos termos formulados originalmente
por Friedrich List e seguidos por autores com Ha-Joon Chang, de que países mais desenvolvidos buscam privar outros menos desenvolvidos de instrumentos para conseguirem competir
globalmente, fazendo algo como retirar (ou chutar) a escada que usaram para chegar ao patamar
em que se encontram. Como método, são apresentadas recomendações de política presentes
no arcabouço de regulações preconizadas pela OCDE e são contrapostos argumentos críticos
tendo por base o reconhecimento da OCDE como uma instituição cuja atuação é reflexo da realidade geopolítica internacional e evidências da literatura sobre desenvolvimento comparado, com
ênfase para uma interpretação sobre a realidade brasileira. O objetivo é colaborar para um juízo
crítico sobre ser vantajoso ou não ao desenvolvimento brasileiro aprofundar o seu alinhamento a
políticas recomendadas pela OCDE, questionando a visão subjacente à defesa da adesão de que
maior liberalização seria etapa necessária para o desenvolvimento brasileiro. O artigo conta com
3 seções além desta Introdução. Na seção 2, descrevemos em linhas gerais a OCDE, a participação do Brasil na Organização e argumentos a favor da adesão apresentados no debate brasileiro
recente. Na seção 3 desenvolvemos análise crítica sobre argumentos a favor da adesão, tratando
de riscos da perda de espaço de política numa perspectiva desenvolvimentista sobre a economia
política internacional. A seção 4 traz conclusões.
2. A OCDE E O DEBATE
BRASILEIRO SOBRE A ADESÃO
A OCDE foi criada em 1948 como Organização para Cooperação
Econômica Europeia, em apoio à reconstrução de países alinhados após a IIª Guerra Mundial
por meio do Plano Marshall e aos esforços de contenção do avanço soviético sobre países de
influência dos EUA. Conta com 36 membros plenos e tem sua denominação atual a partir de
setembro de 1961, após a entrada em vigor do Convênio contando com a participação do Canadá
e dos EUA e uma visão de que a Organização se dedicaria aos temas globais de cooperação e
desenvolvimento – a entrada do Japão em 1964 foi um marco nesse sentido. Um resumo sobre
sua evolução se encontra em OECD (2019a). A seguir, vamos enfatizar posições contemporâneas da OCDE sobre políticas econômicas e de desenvolvimento.
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2.1 Alguns princípios orientadores
da OCDE
A OCDE declara ter a missão de promover políticas que melhorem o bem-estar social e econômico em todo o mundo, e trabalha estabelecendo recomendações que se transformam em “regras do jogo” internacionais (OECD, 2019b). Sobre desenvolvimento, é um pilar
hoje “nivelar o campo de jogo”, e uma forma buscada é reduzir o espaço de atuação de empresas
estatais nos países emergentes, iniciativa que se tornou formalmente mais reconhecida a partir
de 2009 pela adoção de princípio orientador chamado Neutralidade Competitiva, que preconiza
que a atuação de empresas controladas pelo Estado seja regulada de modo a garantir igualdade
de condições com as empresas privadas, eliminando tratamentos diferenciados contra empresas
dos países da Organização. Com isso a OCDE avoca para si uma vigilância sobre o “tratamento
nacional”2 e busca espaço para empresas dos países membros nas compras públicas nacionais.
A consequência é que a Neutralidade prevê menos espaço para entes públicos estimularem mercados nacionais. Conforme o presidente do Conselho Ministerial por ocasião dos 50 anos da OCDE.
As the OECD enhances its engagement with emerging economies, it
must also continue its groundbreaking work to develop multidisciplinary guidelines for the treatment of state-owned and state-controlled
enterprises.(…)whether they are owned by shareholders or states, all
companies should operate on a level playing field consistent with the
principles of competitive neutrality (OECD, 2012a).
Com esse mandato, documentos elaborados no início desta década serviram de referência para enfatizar que está previsto nos Guidelines on Corporate Governance of State-Owned
Enterprises garantir que nenhuma empresa tenha vantagem por ser estatal (OECD, 2012b;
CAPOBIANCO e CHRISTIANSEN, 2011). Sua perspectiva é de que vantagens de estar sob
controle estatal devem ser neutralizadas em benefício dos concorrentes privados. A lista das
vantagens a serem atacadas é alimentada por experiências de mecanismos de promoção da
Neutralidade na União Europeia (UE) e na Austrália. Sobre a UE, é enfatizada a aplicação de
regras de competição a empresas estatais, havendo atribuição da Comissão Europeia para tratar da atuação dessas empresas e eventualmente até requerer de governos comunitários a suspensão de práticas. No caso da Austrália, o país é apontado como referencial por políticas contra privilégios tributários (taxation neutrality), creditícios (debt neutrality) ou regulatórios
(regulatory neutrality), bem como por exigir que as atividades tenham uma taxa de retorno que
lhes dê sustentabilidade a longo prazo, que os preços praticados sejam reflexo da integralidade
dos custos que enfrentam e que as atividades das empresas estatais não sejam beneficiadas por
2
O tratamento nacional, expresso no artigo III do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), absorvido nos acordos da Organização Mundial do
Comércio (WTO ou OMC), preconiza tratamento não discriminatório contra não nacionais na administração de diferentes aspectos da gestão econômica
do país. Junto com o conceito de nação mais favorecida, inscrito no artigo I do mesmo GATT, que prevê que vantagens oferecidas a um determinado país
membro devem ser estendidas aos demais países membros, compõe princípio da não discriminação no GATT e na OMC (WTO, 2002).
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subsídios, diretos ou cruzados. Vê-se o quanto as diretrizes da OCDE visam reduzir o policy space
(espaço de política), sendo que uma das razões de se manter empresas estatais é justamente fazer
políticas ativas para o desenvolvimento, como muitas das aplicadas historicamente pelos países já
desenvolvidos3. A adesão de entes estatais brasileiros às Diretrizes da OCDE para as Empresas
Multinacionais (THORSTENSEN et al, 2018), patrocinadas localmente pelo Ministério de
Economia na qualidade de ponto de contato nacional (CAMEX, 2019), garante canal para perseguir esta Neutralidade, prevendo monitoramento da atuação de empresas públicas visando
um campo de jogo nivelado em favor de empresas estrangeiras. Isso evidencia que o Brasil é um
alvo da OCDE para ampliar espaços para empresas dos países mais ricos nas economias emergentes4. Outro pilar é a defesa de práticas que incorporam estipulações do anexo sobre serviços
financeiros do Acordo Geral sobre Comércio em Serviços da OMC, o GATS (WTO, 2002),
ao prever que o país que adira à OCDE suprima restrições à mobilidade de capital que afetem os
demais países membros. Thorstensen e Gullo (2019) descrevem disciplinas sobre liberalização
dos movimentos de capital entre países membros, comparando com aquelas previstas nos compromissos do GATS. O levantamento evidencia grande alcance do acordado no âmbito da OCDE,
em que o Código de Liberalização de Movimento de Capitais e o Código de Operações Correntes
Intangíveis objetivam “promover a liberalização de entrada e saída de fluxos de capitais e intangíveis”, em que pese preverem flexibilidades “para que os países aderentes possam realizar a abertura dessas contas de forma gradual, bem como se protegerem diante de situações de instabilidades econômicas e financeiras”. As flexibilidades incluem “reservas” apresentadas pelos países.
2.2 Alguns argumentos a favor da
adesão no debate brasileiro recente
É notável o esforço de autoridades do governo brasileiro em especial
desde 2015 para promover a adesão à OCDE (COZENDEY, 2017). Conforme o Programa de
Trabalho Brasil – OCDE 2016-2017,
The Brazilian cooperation with the OECD began in the 1990s and
in 2007 Brazil initiated a process of Enhanced Engagement with the
OECD. In the last few years, there has been a continuous intensification
in relations with the Brazilian participation in several OECD bodies,
as well as in projects and peer reviews conducted by the Organization.
(OECD, 2015a)
3
Como tratado na tradição que tem como expoente Friedrich List, pelo seu Sistema Nacional de Economia Política, de 1841 (LIST, 1989), e é seguida
por autores como Ha Joon Chang, há evidências de políticas ativas (como industriais e tarifárias) usadas pelos países que mais se desenvolvem, pelo
que os países menos desenvolvidos devem rejeitar recomendações liberais e também adotar políticas ativas de desenvolvimento.
4 Como ilustração da intenção de eliminar políticas, descontinuar a taxa de juros TJLP em novos financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (instituição financeira 100% estatal) foi recebido pela OCDE com satisfação como enquadramento ao preconizado
em seus Economic Surveys de que bancos públicos sejam emasculados para abrir espaço a credores privados. A substituição da TJLP pela TLP
foi um “avanço” segundo Survey sobre o Brasil – OECD (2018).
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Para além do empenho do Itamaraty, cuja atuação sustenta adesões adicionais do Brasil a
instrumentos da Organização, o esforço em especial do Ministério da Economia, secundado por
diferentes autoridades econômicas (FERREIRA, 2018), trouxe ao debate a mensagem de que a
adesão trará inequívoco avanço econômico para o país, mas com resultados somente a longo prazo.
Para além de autoridades de governo5, analistas de matriz liberal pontuam que o Brasil
precisaria aprender com a OCDE em incontáveis aspectos, pois seria país com políticas e regras
tecnicamente inferiores aos países da OCDE, e que mais exposição à competição seria benéfica ao provocar uma espécie de solução final para muitas empresas nacionais. Com a morte de
empresas menos eficientes, pela redução do apoio governamental e maior exposição à competição, segundo o paradigma econômico neoclássico, a estrutura produtiva mais bem refletiria o
papel reservado ao Brasil na economia mundial, e seria superior a qualquer outro buscado ativamente pela ação do Estado. Como a adoção do preconizado pela OCDE implica maior acesso
das empresas dos países desenvolvidos, a adesão é defendida como benéfica ao país, como um
passaporte para o país se desenvolver. Em complemento, argumenta-se que o Brasil deve abandonar suposta predileção por iniciativas internacionais com países em desenvolvimento (PEDs),
advogando-se por maior equilíbrio na posição do governo brasileiro, que consistiria em simultaneamente evitar perder protagonismo em fóruns com PEDs, como no caso do G77+China
(BBC, 2017), e iniciativas no âmbito dos BRICS, mas se alinhar aos países mais ricos, para deles
extrair boas práticas para seu crescimento (FGV, 2017). Nessa linha, a adesão forçaria o país
a reformar instituições e regulações, o que levaria a maior produtividade e maior crescimento.
Argumenta-se que padrões mais “exigentes” trariam benefício semelhante ao de se tornar investment grade, que possibilitaria uma disparada de investimentos6.
Numa defesa mais estruturada da adesão, Thorstensen e Gullo (2018) trazem descrição
da OCDE e da participação crescente do Brasil, fazendo síntese de vantagens e desvantagens
da adesão. Para além da retórica de que a adesão seria “um largo passo na modernidade para
reformar políticas públicas”, e de que “o Brasil não pode ser apenas um mero espectador!”,
argumentos de substância merecem maior escrutínio. Um deles é que se engajar num acordo
internacional implica abrir mão de graus de liberdade e abdicar de alguma soberania (investi-la
no acordo). Deduz-se que entendem que a perda de espaço para decisões soberanas ocorreria
em troca de benefício de monta para o país. Ademais, defendem que a adesão como membro
pleno traz espaço para o Brasil influir no desenho das práticas conforme interesses nacionais, e
no contexto dos Códigos que preveem maior liberalização do movimento de capitais, sintetizam
sua defesa com o argumento oficial da OCDE de que “a adesão aos Códigos significará maior
compromisso do país com a transparência e responsabilidade”, o que “poderá garantir ao país
melhor acesso aos mercados da OCDE, bem como proteção dos investidores brasileiros contra
tratamentos discriminatórios nos demais países aderentes”.
5 Destaque-se nota da representação do Brasil para facilitar o mapeamento, pelo Comitê de Competição da OCDE, do tratamento dado à neutralidade competitiva em alguns setores no país (OECD, 2015b).
6 Tendo havido inclusive declaração do presidente do Banco Central do Brasil (BCB) de que a adesão à OCDE até mesmo facilitaria a queda das
taxas de juros (FOLHA, 2018). A expectativa de que limitações do espaço de política para a atuação de autoridades econômicas no Brasil trariam
maior convergência da taxa básica de juros fixada pelo BCB com as taxas de juros praticadas em países desenvolvidos não é nova, tendo sido
defendida no passado, por exemplo, por Arida (2003).
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Note-se que essa expectativa de que as práticas recomendadas pela OCDE trarão
desenvolvimento para o Brasil tornou-se ideia bastante difundida. Debate promovido pelo
Centro Brasileiro de Relações Internacionais permitiu uma síntese dessas expectativas.
Segundo Velasco Jr. (2017),
Para entender o que o Brasil pode ganhar com a adesão, vale a análise
dos exemplos de vários países que entraram na OCDE nas últimas três
décadas, sendo possível identificar alguns benefícios econômicos obtidos
a partir da adesão, embora seja difícil afirmar se esses ganhos resultaram
isoladamente da acessão ou das reformas que os países já vinham conduzindo e foram reforçadas com a entrada na organização. Em primeiro
lugar é possível destacar o ‘efeito grupo’, que resulta numa melhora do
rating soberano e na percepção dos investidores. (...) Verifica-se, igualmente, um aumento no ritmo de crescimento econômico, bem como uma
elevação na entrada de investimento estrangeiro direto (IED) e nos fluxos
de comércio. (...) é possível concluir que a entrada do Brasil na OCDE
resultaria numa melhora da integração do país à economia mundial.
É reconhecido por defensores da adesão que como consequência da implementação integral de códigos e acordos da OCDE variadas políticas para o desenvolvimento serão vedadas políticas de conteúdo local, apoios públicos à produção agrícola e industrial, benefícios fiscais a
setores industriais e de serviços. A defesa da adesão tem assim como norte que o alinhamento às
práticas preconizadas pela OCDE trará a longo prazo benefícios mais que proporcionais a essas
perdas imediatas do impulso contido em políticas que serão abandonadas (BBC, 2017).
3. UMA ANÁLISE CRÍTICA DA
ADESÃO À OCDE
A defesa da adesão propõe desarmar o Estado de ferramentas de política econômica, e motivação central é que políticas nacionais sejam aquelas referendadas por
investidores internacionais. Conhecidos os argumentos sobre gestão macroeconômica usados a
favor da adesão, a questão central é se é razoável esperar que a adesão contribuirá para o desenvolvimento econômico. Alguns argumentos usados na defesa da adesão colidem com análises
sobre a necessidade de políticas ativas dos Estados para a promoção do desenvolvimento econômico, que usualmente discrepam do que preferem investidores internacionais. O argumento
que desenvolveremos brevemente é que há evidências de ser adequado manter espaço para aplicação dessas políticas e que o engajamento em acordos e instituições é bom ou ruim a depender
da adesão ser coerente/complementar a algum plano de desenvolvimento que justifique prescindir das políticas vedadas, não sendo possível concluir que adotar práticas OCDE, por si só,
seja benéfico ao desenvolvimento.
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3.1 Desvantagens da redução
voluntária do espaço de política
Numa perspectiva desenvolvimentista7, há razão para muito ceticismo
sobre práticas OCDE impulsionarem o desenvolvimento. Nessa perspectiva, limitações a políticas com comprovado sucesso segundo a literatura internacional sobre desenvolvimento econômico são deletérias, e algumas razões são mais evidentes e razoavelmente conhecidas. Uma delas
é que num eventual cenário de nova crise financeira mundial, o Brasil membro da OCDE terá
mais restrições, na medida da sua adesão aos compromissos sobre movimentação de capitais8,
contra medidas sobre fluxos de capital como as adotadas pós 2008 para limitar a movimentação
especulativa e que mitigaram com sucesso (GALLAGHER, 2014) boa parte dos efeitos deletérios que se avizinhavam do Brasil. Vale lembrar que, antes do Brasil, outros PEDs haviam adotado
alternativas ao preconizado pelo FMI e pelo Banco Mundial sobre fluxos de capitais e que está
refletido nos Códigos de capitais da OCDE. Segundo Freitas, Medeiros e Serrano (2016) a partir
de estudos da Conferência da ONU sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), após uma
estratégia de acumulação de reservas, países como Brasil, Colômbia, Coréia do Sul e Turquia
adotaram um sistema de controle de fluxos de capitais que diminuiu sua vulnerabilidade externa.
A remoção de entraves à entrada e saída e capitais contraria recomendações de diversos estudos e
especialistas que alertam para danos derivados da desregulamentação da conta de capital já experimentada em PEDs sobre a implementação de políticas de desenvolvimento (UNCTAD, 2015).
Uma questão central é se, supondo que de fato as adesões a eles gerem aumentos dos fluxos de
capitais, estaria suficientemente demonstrado que o Brasil precisa de ainda mais mobilidade livre
de capitais estrangeiros (entradas e saídas), e para qual projeto de desenvolvimento isso será tão
decisivo, a ponto de valer a pena expor o país ainda mais aos fluxos especulativos de capitais, com
seu caráter tipicamente de curto prazo e volátil.
Para UNCTAD (2014a), a maior liberalidade de movimentos de capitais e a ampliação da
financeirização apontada por Chang e Andreoni (2016) restringe o espaço de política que PEDs
precisam para a execução de políticas necessárias para seu desenvolvimento. Isso ilustra que na
perspectiva desenvolvimentista há sérios riscos em aprofundar a liberalização, porque boa parte
dos compromissos significa desproteção em relação a terceiros concorrentes. Numa realidade
em que há avanço sistemático de produtos manufaturados chineses, a China não estará obrigada
a adotar qualquer das práticas OCDE, o que agrega risco face ao avanço esmagador daquele
país na economia nacional. Aderir às boas práticas implica aderir a regras que vedam a busca
ativa, pela ação estatal, de maior participação nos fluxos de comércio e investimento mundiais
em nome de uma consequência a longo prazo, mas como apontado contemporaneamente na literatura sobre desenvolvimento comparado por Chang (2002) e Andreoni e Chang (2018), há evidências de que a promoção regular e consistente de políticas ativas é parte incontornável do que
7 Para uma introdução ao desenvolvimentismo, vide Bielschowsky (1988).
8 Apesar de haver previsão de espaço para definir com o quanto de liberalização do movimento de capitais se comprometerá, como feito por outros
países, as seguidas medidas de liberalização promovidas pelo Brasil levam a crer que haverá a maior liberalização possível.
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cada país precisa fazer, sendo necessária atuação permanente do Estado planejando, executando,
avaliando resultados e corrigindo políticas com base nessa avaliação.
Em fóruns sobre regulação do comércio e do investimento no Brasil, porém, há otimismo a
respeito dos impactos sobre o desenvolvimento brasileiro, pela expectativa sobre o comportamento
e o papel do investimento estrangeiro, esperando-se uma relação entre alinhamento a práticas que
compõem o acquis da OCDE e aumento do investimento pela associada melhoria do “ambiente de
negócios” 9. Isso ilustra que a adesão passou a ser apresentada no debate brasileiro como um reforço
a medidas de orientação neoliberal, com as suposições usuais de que um país mais market-friendly
que se impõe limitações contra políticas ativas de ganho de competitividade internacional em nome
de um level playing field10 seria inundado de investimento promotor do desenvolvimento. Trata-se de
uma promessa repetida há décadas, desautorizada pela literatura sobre desenvolvimento comparado
(CHANG, 2003; AKYÜZ, 2014) e mesmo por pesquisas ligadas ao FMI (OSTRY, LOUNGANI e
FURCERI, 2016), mas que ressurge nas argumentações pró adesão11. A redução do espaço de política, seja na administração dos fluxos de capitais ou das ações sobre propriedade intelectual12, seja
para descontinuar políticas públicas e desmobilizar empresas estatais, produz bons negócios para
alguns segmentos financeiros ou empresariais, mas não garantem necessariamente crescimento,
alta do emprego e redução das desigualdades da renda e do desenvolvimento regional. Estando
pré-julgado pelos defensores da adesão que práticas contrárias aos interesses dos demais membros
devem ser afastadas, o enquadramento das políticas significará, na linha de List e Chang, recolher
voluntariamente a escada, que nem precisará ser chutada por concorrentes. Pela ampla divulgação
das recomendações e a possibilidade de participar ad hoc em instâncias da OCDE, melhor seria adotar aquelas práticas que parecerem benéficas ao desenvolvimento, sendo a adesão desnecessária. E
sendo a OCDE um “clube de cavalheiros” em sua maioria já desenvolvidos, com grande capacidade
de retaliação, se o Brasil quiser influenciar recomendações, valerão os custos e energia dedicados e
a exposição das práticas nacionais ao escrutínio de competidores no mercado internacional?
3.2. Sobre a OCDE como substituta
da Organização Mundial do
Comércio (OMC)
Houve alguma surpresa no debate brasileiro com a notícia de que a adesão
à OCDE poderia implicar mudanças de posicionamento do Brasil na OMC, com riscos inclusive
9 Não é evidente que haveria melhora na classificação de risco por conta da adesão, não havendo notícia de o status de membro ser requisito
consagrado para o conjunto de investidores globais (apesar da política de alguns fundos favorecem a posição de membro). Ademais, o grau de
investimento do soberano foi obtido em período com diversas políticas não-recomendadas pela OCDE.
10 Acordos são valiosos para quem busca expandir exportações. Porém, se o país não adota políticas agressivas para exportações, a própria
proteção do Consenso (referendada pela OMC) pode não ter valia. A aprovação da absorção da Embraer pela Boeing, sem condicionalidades
conhecidas sobre manutenção de produção, emprego ou investimento tecnológico no país, sugere não haver disposição em manter políticas de
exportações industriais de alto valor para as quais é tão relevante a proteção do Consenso.
11 Defensores da adesão tomam como anacrônico o que não é recomendado pela OCDE, como se os países ricos desejassem revelar receitas de
desenvolvimento em detrimento de suas vantagens competitivas.
12 Políticas nacionais deveriam abordar que, como apontam Medeiros e Trebat (2016), receitas com propriedade intelectual têm respondido, junto com
receitas financeiras, por uma alteração das remunerações em favor dos donos de ativos que pagam renda em prejuízo dos donos de ativos produtivos.
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de o país contribuir para o esvaziamento desta última. Não obstante o impulso dado a essa perspectiva, vale ter muito cuidado com a noção de que uma vez que os EUA tenham decidido paralisar a OMC emasculando seu Órgão de Solução de Controvérsias para forçar reformas (sob
grande contestação de medidas dos EUA sobre o aço), a OCDE surja como opção preferencial
ao Brasil para influenciar a regulação global de comércio e investimentos. A política comercial
dos EUA não se pauta pelo zelo a compromissos internacionais se eles não atendem ao conjunto
imediato de seus interesses econômicos e geopolíticos, havendo inclusive a busca de soluções
típicas de comércio administrado (vide o conflito comercial com a China). A referência à OMC
é oportuna para questionar um conceito que também é comum no debate sobre desenvolvimento, de que a participação na OMC de ampla comunidade de países com distintas realidades
econômicas, culturais e jurídicas, reside numa percepção generalizada de haver benefícios na
liberalização ampla do comércio e dos investimentos. Os críticos à OMC costumam enfatizar,
com alguma razão, o que ela proíbe a cada país membro, por limitar o espaço de política. Mas,
apesar de seu viés liberalizante, o conjunto de regras, muitas herdadas do General Agreement
on Tariffs and Trade (GATT), reflete concertação multilateral no âmbito do Sistema da ONU e
possui várias disciplinas e convenções que consideram explicitamente a necessidade de haver
espaço para a promoção de políticas de desenvolvimento. As regras normatizam o uso de políticas para que causem menor efeito deletério aos demais países, mas reconhece a necessidade
de que em diferentes casos os países as usem mesmo que causem algum dano ao livre comércio.
Além disso e muito importante, medidas unilaterais devem obedecer a parâmetros previamente
definidos e medidas tomadas por um país podem ser levadas a tribunal, se um país se sentir prejudicado. Muito se enfatiza o artigo III do GATT sobre tratamento não diferenciado (a regra de
nação mais favorecida), mas pouco se fala, por exemplo, do seu artigo XVIII, sobre assistência
governamental ao desenvolvimento econômico.
Conforme He (2015) sobre a relação entre a OMC e a promoção de indústrias nascentes
em PEDs, o desenvolvimento é um valor nuclear da OMC, o que tem relevantes consequências
sobre suas disciplinas, mesmo tendo o seu conjunto o norte da liberalização. Nesse mesmo sentido, encontra-se em UNCTAD (2014a) detalhamento dos espaços de política previstos mesmo
por acordos tão voltados e inspirados no livre comércio. Nesse quadro, deve haver cuidado com a
ideia de que a liberalização seria a motivação central da comunidade de países membros da OMC,
sem ponderar condições e ritmo em que essa liberalização seria aceitável e compatível com os
projetos nacionais de desenvolvimento. Em contraste a esse marco do GATT e da OMC, uma
adesão à OCDE não fará parte de concertação plurilateral em favor de que as regras que limitam
a atuação dos países desenvolvidos se pautem por gerar maior espaço para o desenvolvimento.
Não há contrapartidas econômicas materiais e imediatamente mensuráveis oferecidas em troca
de maior liberalização, ficando a defesa da adesão sustentada sobre uma noção de que mais abertura e mais liberalidade em favor de agentes econômicos estrangeiros habilitaria por si só uma
trajetória de catch-up. No caso da OMC, em que pese a retórica oficial liberal, repetida por seus
Diretores Gerais, para entender a ampla adesão à OMC deve se considerar se tratar de acordos
multilaterais baseados em regras estáveis que levam em conta as diferenças de estágio de desenvolvimento e a existência de um tribunal supranacional que habilita possíveis soluções pacíficas
de controvérsias a despeito do poder econômico e militar dos que litigam. Conforme Fabry e
Tate (2018), os EUA são o mais demandante e demandado do sistema de Apelação da OMC,
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e que mais perde casos em que é demandado, mas a razão perda/ganho não se distancia gravemente dos demais países envolvidos nas disputas. Exceção, porém, para os casos que envolvem a
política anti-dumping dos EUA13, o que pode explicar parte do seu descontentamento. Se os
EUA adotam tal postura sobre a OMC, que tem Tribunal com capacidade delegada também por
eles para julgar sanções, não há por que esperar que os EUA adotarão postura cooperativa face a
regras de um clube que não conta com “dentes” de um Tribunal, baseando-se em soft law. Como
consagrado na literatura de relações internacionais, aos PEDs, com menor poder, é preferível um
sistema baseado em regras e dotado de mecanismo de solução de controvérsias formalmente neutro (WTO, 2004). A ideia de que o Brasil conseguirá “aceder”, e não aderir, reservando direitos
de se desviar do acquis da OCDE, emulando por esse artifício uma espécie de enabling clause
(regra presente na OMC para flexibilizar o ritmo de adesão dos países mais pobres), contradiz a
alegada urgência de que o Brasil passe a ser um país com “boas práticas”14. Num sentido amplo,
dar força ao deslocamento das relações internacionais na direção de acordos de cavalheiros fora
do sistema da ONU é colaborar para enfraquecer sistema multilateral em que diferenças de desenvolvimento são levadas em conta nas regras (OMC) e nas recomendações de política (UNCTAD).
Obviamente, a OMC não imuniza o sistema unilateral da discrepância de poder entre ricos e
pobres, e a Rodada Uruguai trouxe regras que reduziram o espaço para políticas sobre subsídios,
propriedade intelectual e serviços em relação ao GATT, mas no caso de países como o Brasil, a
reputação de ser capaz de retaliar via solução de controvérsias gera um primeiro obstáculo à
intenção de países ricos em abrir um número maior de litígios contra o país15. Este obstáculo será
degradado com o esvaziamento da OMC e se a política externa brasileira se pautar por um paroxismo de substituição da OMC pela OCDE não estará erguendo obstáculo semelhante.
Adicionalmente, considerar que estímulos ao investimento externo direto (FDI) podem isoladamente alavancar o desenvolvimento tende a ser simplista. Conforme Akyüz (2015), não há evidência de que o FDI contribua isoladamente de modo decisivo para o crescimento, não cabendo
generalizar seu impacto na formação de capital, no progresso tecnológico, no crescimento econômico e na mudança estrutural. Há evidência de que, contrariamente ao que usualmente se
imagina, com frequência o FDI traz impacto negativo sobre o BP a longo prazo, e que a aplicação
de políticas tem papel central para promover externalidades positivas do FDI. Isso revela que
para um PED o espaço para aplicação de políticas sobre o FDI e a presença de capitais internacionais na produção doméstica precisa ser preservado e exercido, fazendo mais sentido falar em
políticas de atração de investimento inseridas num projeto nacional de desenvolvimento previamente desenhado, que tendem a combinar ferramentas de liberalização com ações de política
(industrial, tecnológica, de exportações) do que apenas em choques de liberalização como
13 Como ilustração, a China obteve concordância do Órgão de Solução de Controvérsias da OMC em 01/11/2019 para adotar contramedidas a
imposições anti-dumping inconsistentes com as regras da OMC pelos EUA em US$3,5 bi/ano (caso DS 471).
14 Pelo discurso oficial e pela aceleração da adesão a novos instrumentos, é possível supor que há no Brasil grande apetite político em buscar total
conformidade. Ilustra isso a intenção anunciada de aderir ao GPA, acordo plurilateral entre 48 membros da OMC (WTO, 2020a) sobre a abertura
a competição estrangeira em compras governamentais, com riscos importantes às empresas brasileiras. O GPA significa acordo “à parte” sobre
compras governamentais, objeto de reconhecido espaço de política pelo artigo III, inciso 8ª do GATT e pelo GATS (WTO, 2002, 2020b) que
excluem compras governamentais da obrigação de tratamento nacional. O GPA traz solução de controvérsias segundo as regras da OMC, para
coibir deslocamentos em compras públicas de outros países signatários
15 No âmbito de reforma da OMC, é interessante preservar esse poder, que pode ser debilitado por mecanismos como a imediata aplicação de decisões
ainda na fase de Painel. A condição de membro pleno da OCDE não trará consigo os recursos em Defesa Comercial que possuem os desenvolvidos.
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alavanca predominante de estímulo ao desenvolvimento. Segundo notícias veiculadas na imprensa
brasileira (FOLHA, 2019a e 2019b), uma das exigências que os EUA teriam feito ao Brasil para
aceitar a entrada na OCDE seria decorrência de sua posição negociadora na OMC de retirar
países como o Brasil da lista de países com tratamento especial e diferenciado16. Há prerrogativas
à condição de PED que aumentam o espaço que os países mais pobres possuem para aplicar políticas de desenvolvimento. Como enfatizam Trebilcock e Howse (2005), o histórico do GATT
revelou uma aquiescência à aplicação de políticas de substituição de importações e estratégias de
proteção ao desenvolvimento de indústrias nascentes, com facilitação a políticas voltadas ao mercado interno. É notável que o artigo XVIII do GATT tem previsão de que países menos desenvolvidos tenham facilidades adicionais para aplicação de tarifas e restrições quantitativas para a promoção de indústrias específicas (com uma incorporação do próprio conceito de proteção a
indústrias nascentes para a promoção do desenvolvimento) e a manutenção de capacidade crescente de importar necessária ao processo de desenvolvimento. De fato, os autores abordam o
espaço de política no GATT 1947 na zona de influência dos EUA (Western-dominated global
trading order), numa conjuntura internacional de crescentes esforços norte-americanos para
promoção do desenvolvimento em países alinhados anti-URSS, naquele momento histórico
específico. Já a parte IV do GATT, sobre comércio e desenvolvimento, introduzida em 1965 em
resposta a crescentes demandas dos PEDs, materializadas no âmbito da UNCTAD por trabalhos
como os de Raúl Prebisch, vai além do espaço de política para o mercado interno e mira o acesso
aos mercados dos países desenvolvidos, tendo como princípio a não reciprocidade, i.e., que os
desenvolvidos devem oferecer condições de acesso a seus mercados que os PEDs não estão obrigados a oferecer em troca. Outros traços deste tratamento diferenciado, que sempre depende do
reconhecimento da condição de país com menor desenvolvimento, no âmbito do GATT e OMC,
foram a postergação do compromisso de remoção de subsídios às exportações, o sistema generalizado de preferências (SGP), a chamada Enabling Clause, que prevê que um SGP pode operar em
favor de PEDs apesar da regra de nação mais favorecida (que prevê que todos deveriam receber o
mesmo tratamento tarifário por um país membro), o SGP dos EUA (de caráter condicional) e a
Convenção de Lomé (voltada à relação, predominantemente, de europeus com países ex-colônia). O que se nota é que o sistema multilateral tem como norte a liberalização, mas não foi na
prática desenhado para fazer valer uma ordem liberal global a qualquer preço, tendo diferentes
características que responderam a uma realidade geopolítica em que o desenvolvimento de algumas periferias econômicas mostrava-se interessante e foi formalmente estimulado ou tolerado.
A Rodada Uruguai e o desenho de regras da OMC nos anos 90 foram uma inflexão, mas ainda
assim prerrogativas de PEDs seguiram existindo em textos dos Acordos. Os autores destacam,
porém, que o pano de fundo da inconclusa Rodada Doha, já no século XXI, foi justamente que
limitações do espaço de política aceitas pelos mais pobres sobre direitos de propriedade intelectual, serviços e subsídios na Rodada Uruguai (uma reviravolta no quadro de “tolerância” sobre
políticas ditas distorcivas) não foram acompanhadas por resultados satisfatórios aos PEDs, como
16 Segundo Zero (2019), “os EUA apresentaram proposta na OMC, pela qual membros em desenvolvimento da organização não poderiam ter
tratamento especial se forem membros da (OCDE) ou candidatos a entrar na entidade; se forem membros do G-20; se forem classificados como
países de “alta renda” pelo Banco Mundial; ou se forem responsáveis por mais de 0,5% do comércio mundial de mercadorias”. O Brasil e outros
24 países estariam por isso, pelos EUA, inabilitados a tratamento especial e diferenciado.
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em agricultura e têxteis, ficando a Rodada com o mandato explícito de ser dedicada ao desenvolvimento. Nesse quadro, sobre o argumento de haver países de renda média membros da OCDE e
dever o país estar pronto a não ser tratado como PED, para efeito de flexibilidades em tratados
internacionais, é importante entender que o país não ser mais classificado como “em desenvolvimento” é algo que interessa aos países ricos e não ao Brasil, porque se torna meio de extrair mais
compromissos do país, removendo o chamado tratamento especial e diferenciado que garante
maiores flexibilidades para assunção de compromissos - cronogramas de implantação diferenciados, reciprocidade menos que total em negociações tarifárias etc. Isso coloca em risco também
prerrogativas como reduções de alíquota do imposto de importação concedidas sob o SGP a
exportações brasileiras a países como EUA17, Comunidade Econômica da Eurásia,
Austrália, Japão, Noruega, Nova Zelândia e Suíça. A sugestão de que teria chegado a hora do
Brasil assumir posição de país que não é subdesenvolvido embute erro de diagnóstico sobre a
realidade do país, atrasado em sua infraestrutura e com milhões de famílias pobres, é perigosa
desatenção sobre o risco de perda de prerrogativas de que o país ainda goza e que são importantes para sua economia. Conclui-se ser necessário analisar não somente a adesão, como também a
própria manutenção da candidatura, cuja reversão seria algo politicamente menos sensível do
que uma futura reversão da adesão. Vale lembrar uma decisão à qual o Brasil e demais PEDs se
somaram para a conclusão da Rodada Uruguai e que prenunciou que o país seria pressionado a
aderir à OCDE foi o tratamento diferenciado ao apoio público à exportação feito por
países signatários do Consenso da OCDE até 1º de janeiro de 1979. Ao embutir proteção para
desenvolvidos no seu Acordo de Subsídios da OMC, autorizou-se que o decidido por países ricos
entre si sobre apoio oficial à exportação não seria considerado subsídio proibido, criando subordinação do sistema multilateral às regras do chamado Arrangement da OCDE. Todavia, isso não
significa que a adesão seja necessária para se ter bom desempenho exportador, visto que diversos
PEDs têm aumentado suas vendas ao exterior nas últimas décadas (BIELSCHOWSKY, 2013) e
apenas um par de todos eles é membro da OCDE18. Para realidades específicas, como a de aeronaves civis, em que o Brasil conserva posição competitiva excepcional (sob risco de desnacionalização, todavia), pode ser positiva a participação em entendimento setorial da Organização,
que regula as condições de apoio com a interferência do Brasil como país competitivo.
Mas essa competitividade não tem similar em outros setores de sua indústria e as regras da OCDE
são sabidamente limitantes do espaço de política e o grau de adesão já existente a estas regras
levanta a dúvida sobre se o Brasil, um país subdesenvolvido, no fim das contas já não foi longe
demais na absorção de práticas de países que já são há muito desenvolvidos, e não têm por isso
problemas diferentes daqueles enfrentados pelo Brasil. Aceitar sem contrapartidas recomendações de quem não quer que as mesmas ferramentas usadas com sucesso no passado sejam usadas
por outros é um erro, e a aceitação ampla das “boas práticas” em políticas públicas, enviesando a
17 O SGP dos EUA foi recentemente renovado até 31/12/2020. Sua aprovação depende da discussão orçamentária, envolvendo Executivo e Congresso dos EUA reconhecerem o Brasil como um país que precisa de tratamento especial e diferenciado, por ser menos desenvolvido. Um sinal
de inflexão (e da ausência de “convite” ao desenvolvimento para quem já é candidato à OCDE) se encontra em decisão em que o Brasil não
mais figura como PED no âmbito de regulação sobre medidas compensatórias que podem ser adotadas pela defesa comercial norte-americana
(FEDERAL REGISTER, 2020), em atenção ao previsto no Acordo sobre Subsídios da OMC. Com isso, o Brasil deixa de ter proteção de PED contra
medidas compensatórias unilaterais mesmo que os valores de importação e o subsídio supostamente associado, sejam pouco substanciais, o
que traz riscos imediatos para quaisquer exportadores brasileiros.
18 Recentemente muitos países não OCDE da África e Oriente Médio tiveram forte crescimento de exportações (WTO, 2018).
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atuação estatal, vedando a interferência do Estado nas decisões econômicas empresariais, pode
reforçar entraves auto infligidos e que têm depreciado seu ritmo de crescimento nos últimos anos
(MELIN e SERRANO, 2016; MEDEIROS, 2017). Se a liberalização preconizada pela ortodoxia
econômica, de matriz neoclássica, fosse programa de ajustamento tão eficaz como anunciado,
gozaria de tal prestígio intelectual para além dos círculos acadêmicos ortodoxos e do mercado
financeiro que os governos poderiam prescindir de participar de uma organização multilateral,
uma vez que os ganhos previstos pela ortodoxia econômica advindos da liberalização dispensariam a busca de segurança jurídica e contrapartidas econômicas. Mesmo sendo de fácil implementação, e defendida pela ortodoxia como passaporte infalível para a convergência e a prosperidade, sua aplicação não é generalizada, pois há muito mais a se fazer para obter desenvolvimento
do que simplesmente não fazer políticas de desenvolvimento A história do FMI mostra que na
verdade muitos PEDs tomaram medidas de austeridade e liberalização comercial como condição
imposta para terem acesso a socorros em moeda conversível.
3.4 OCDE como instrumento da
“retirada da escada”
A defesa da adesão ressalta que a OCDE atua como Secretariado do G20,
apontado otimistamente como mais importante fórum da governança mundial na atualidade, mas
vale notar que o Brasil é membro do G20 pela importância de sua economia e não está alijado
do seu processo decisório, tendo autonomia formal para apresentar propostas de seu interesse.
Já sobre a internacionalização da economia brasileira demandar maior interligação do país às
negociações e maior participação em entidades globais que formulam regras sobre as atividades econômicas, a ideia de que o Brasil ficaria isolado não aderindo à OCDE merece reparos.
Não há evidência de que a OCDE seja organização escolhida como fórum de uma reforma pró-desenvolvimento dos temas de comércio e investimento globais, nem que determine a pauta do
G20. Ademais, a estratégia dos EUA parece seguir apontando para negociações bilaterais (como
no novo NAFTA negociado com mão de ferro com México e Canadá), sem privilégio para fórum
em que tenha que se submeter a decisões plurilaterais. Nesse sentido, com a China como alvo
principal, os EUA experimentaram pouco avanço em GT formado em 2012 e que tinha como
oferta reformar o Consenso sobre exportações da OCDE, com a China defendendo espaços de
política para seus interesses de desenvolvimento. Além disso, sobre ter mais influência global,
como a adesão pressupõe a adequação prévia a demandas ofensivas dos desenvolvidos em vários
temas econômicos chave abrangidos (como tarifas, propriedade intelectual, tributação, multinacionais, estatais, compras governamentais, exportações, conteúdo local), haverá bem menos
a ser negociado pelo Brasil quando membro – relações internacionais não se concentram em
prêmios a bom comportamento, mas em interesses vivos, não solucionados.
De fato, é duvidoso haver relação econômica especial dos EUA com antigos aliados antiURSS por serem parceiros de OCDE. Os EUA têm se valido de políticas de desenvolvimento ativas
que combinam proteção tarifária discriminatória para orientar investimentos internos e combater o efeito de importações sobre empregos dos cidadãos norte-americanos, com restrição a FDI
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em setores estratégicos e manutenção de programas de investimento público orientador, que nos
EUA têm como núcleo o setor de Defesa. Para afastar o risco de atraso, os EUA adotam medidas
de reconhecida eficácia sem maior concertação, e usam seu poder para lidar com as consequências. Parte relevante das políticas dos EUA hoje se insere no paradigma desenvolvimentista, lapidado por teorias do desenvolvimento periférico (BIELSCHOWSKY, 1988; FONSECA, 2015)
e que identifica no liberalismo um obstáculo ao desenvolvimento econômico e preconiza intervenção estatal, proteção tarifária e substituição de importações. De modo semelhante, outro país
da OCDE, a Alemanha, anunciou que fará intervenção estatal via restrições e salvaguardas face a
investimentos estrangeiros, bem como anunciou a criação de fundo para eventualmente garantir
controle alemão de empresas campeãs nacionais (PÚBLICO, 2019), salvaguardando o interesse
nacional19. Nesse quadro, se países desenvolvidos ameaçados em especial pela China deixam de
lado o liberalismo, o que deve fazer o Brasil? Parece imprudente servir de esteio para o liberalismo, adotando práticas que países com mais capacidade de serem liberais estão abandonando,
expondo perigosamente empresas e empregos nacionais. Sem ter posição privilegiada entre
moedas, exportações livres do risco de volatilidade de preços e termos de troca, é ainda mais
surpreendente deixar de lado preocupações desenvolvimentistas e as prescrições de política de
que os desenvolvidos se valem, agora abertamente. Achar que “reforçar” a OCDE será benéfico
a si é bastante duvidoso, vez que o norte da defesa da adesão é o Brasil “equiparar suas práticas
às dos países mais desenvolvidos”. Isso afastará políticas que os desenvolvidos condenam sob o
ponto de vista de um “campo nivelado de jogo”, mas que há farta evidência de que foram adotadas
por esses países para se desenvolver (CHANG, 2003; MAZZUCCATO, 2013; WADE, 2014).
Mas, como lembra Zero (2019), para o Brasil ser aceito, a OCDE
(...) avaliará se o Brasil está conforme com suas determinações de que os
países-membros estejam comprometidos com a liberação da movimentação de capitais, com a inexistência de restrições a pagamentos e transferências ao exterior (nada de controle de capitais e de câmbio), a liberalização dos serviços financeiros ao capital internacional, a proteção efetiva
e rígida, para além do que determina o acordo TRIPS da OMC (TRIPS
plus), da propriedade intelectual (nada de quebra de patentes), etc.
Apesar da OCDE nascer para organizar uma relação temporariamente cooperativa entre
EUA e países europeus para a contenção da URSS por meio de bases militares e padrões materiais de vida que precisavam ser melhores que no bloco soviético, hoje busca conter o uso de políticas para o catch-up de menos desenvolvidos. A regra do clube é que todos se comportem como
já desenvolvidos, formalmente abrindo mão da adoção de políticas historicamente eficazes para
redução da distância para os mais ricos, como essência do compromisso com um campo nivelado
de jogo. Assim, não está acessível a um novo membro, no marco atual da OCDE, um paradigma
de desenvolvimento a convite ou desenvolvimento em base colaborativa, como nos termos da
19 Outros países como EUA (Qualcomm-Broadcom) e França (estaleiro de Saint-Nazare) também se destacaram com intervenções contra aquisições
de ativos de interesse estratégico, ao que passo que a China passou a analisar alterações de sua legislação sobre FDI e compras públicas.
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caracterização proposta por Wallerstein (1979), e que fundamentou sua criação na esteira do
Plano Marshall no pós IIª Guerra Mundial.
E ainda, como se pode fazer analogia entre aderir à OCDE e seu conjunto de recomendações e aderir a um novo acordo, vale considerar a advertência contundente da UNCTAD sobre o
risco de perda de espaço de política:
(…) it is vital that countries have sufficient policy space to match the heightened ambitions of any new agenda (…) multilateral agreements should
not encourage or push developing countries to relinquish policies that
support economic development. (…) developing countries should carefully consider the loss of policy space when engaging in bilateral and
regional trade and investment agreements. (…) Conventional wisdom
suggests that accepting such stricter policy and regulatory commitments
is necessary to attract foreign direct investment and to enable firms from
developing countries to join global value chains. (UNCTAD, 2014b)
Como num acordo plurilateral, a adesão deve depender de haver evidências de que ela
será benéfica a um modelo de desenvolvimento que se queira adotar. Para diminuir a distância
para os desenvolvidos, é danoso que se adote regras de um campo de jogo nivelado que vedem
a adoção de políticas para compensar o atraso, em resposta a particularidades e ao tamanho
do hiato. Note-se que adotar recomendações que são via de regra iguais para todos os países,
indistintamente do seu estágio de desenvolvimento, e sem contrapartidas palpáveis, configura
arriscada erosão unilateral do espaço para ações efetivas do Estado modernizarem o país a ponto
de torná-lo capaz de competir globalmente. Prescindir de políticas de promoção do desenvolvimento num momento de inflexão da ordem comercial e de investimento internacional é uma
opção de alto risco. Não está claro qual seria o conjunto de capacidades favorecido pela adesão, e
quais pré-condições, por exemplo, de infraestrutura e educacionais, deveriam ser criadas e nem
muito menos quais delas o Estado brasileiro se engajará efetivamente em gerar, deixando-se o
futuro para a resultante de decisões em especial estrangeiras não planejadas conforme o interesse nacional, cujo conteúdo e resultados para a estrutura produtiva são impossíveis de se projetar adequadamente. É interessante notar que, dentre os países considerados parceiros-chave
da OCDE a partir de 2007 (África do Sul, Brasil, China, Índia e Indonésia), até aqui apenas o
Brasil entrou na fila para aderir, sinalizando que PEDs de relevância crescente não demonstraram o mesmo interesse em se comprometer com “boas práticas”. Parece haver uma fragilidade
básica na defesa da adesão, qual seja, a hipótese de que a liberalização seria etapa preparatória
para o desenvolvimento de um país com graves atrasos, mesmo com tanta evidência de práticas
antiliberais por países desenvolvidos ou em franco desenvolvimento20. Elevar a produtividade e
competitividade costuma ser esperado no debate como resultando da elevação do uso de bens
20 Segundo Medeiros (2016) o desenvolvimento segue requerendo macroeconomia expansiva voltada ao fortalecimento do mercado interno, política industrial e tecnológica e proteção à indústria nacional. Os instrumentos variam conforme a época, mas estes elementos têm de ser articulados
para haver desenvolvimento. Nota o autor ainda ser irrefutável de que os países que mais cresceram e diversificaram sua estrutura produtiva
mantiveram altas taxas de investimento público por longo tempo.
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de capital e insumos intermediários importados em fases mais finais das cadeias produtivas, mas
uma liberalização profunda eliminará parte da produção nacional, já que como resultado de choques de liberalização a demanda de bens finais é mais vazada para o exterior, e o aumento de
produtividade dos setores nacionais de bens de capital e intermediários que fecharão as portas
será zero, com perda de empregos e redução de efeitos multiplicador de consumo e acelerador de
investimento (MEDEIROS e SERRANO, 2001). Do ponto de vista do desenvolvimento, buscar
maior produtividade pela substituição por insumos importados deve ser objeto de política cuidadosa, com enfoques setoriais bem definidos, que planeje seus efeitos de modo a evitar a mera
substituição de empresas e postos de trabalho nacionais, que coloca em xeque a própria razão
socioeconômica de se adotar técnicas mais produtivas. De modo semelhante, a abordagem liberal defende que se faça o necessário para entrar nas cadeias globais de valor, mas não dá atenção
a como lidar com desvantagens disto do ponto de vista distributivo, pela absorção de lucros e
rendas em países centrais, cujas empresas líderes promovem o outsourcing protegidas por regras
de propriedade intelectual e comércio de serviços e se valem de uma segmentação dos mercados de trabalho que, no fim das contas, pode configurar sério obstáculo ao desenvolvimento
(SMICHOWSKI et al, 2016; MEDEIROS e TREBAT, 2017).
Apostar que a adesão atrairá vultosos investimentos estrangeiros que definirão uma modernização consistente com crescimento sustentável de longo prazo é uma aposta de alto risco e que
pode penalizar pesadamente o país. Evidência disso pode ser uma breve análise do Chile, citado
como exemplo de desenvolvimento fomentado pela condição de membro da OCDE, e com países que não se notabilizam por adotar políticas próximas às da OCDE, os RICS (Rússia, Índia,
China e África do Sul). Thorstensen e Gullo (2018) citam a experiência de adesão do Chile em
maio de 2010, mas não analisam se a adesão em si trouxe ganhos efetivos àquele país. Conforme
Ribeiro (2020), no Chile pós OCDE, benefícios alardeados no debate brasileiro, como melhora
do rating soberano, aumento no ritmo de crescimento, elevação na entrada de FDI e elevação
dos fluxos de comércio (VELASCO JR, 2017), foram desditos por indicadores macroeconômicos, pelo que a experiência chilena não foi em nada parecida com o otimismo inicial da presidente Bachelet e não parece convincente para a defesa da adesão brasileira. Ademais, analisando o caso dos BRICS, a média das taxas de crescimento do PIB e a evolução da participação
no comércio de bens dos RICS (i.e., Rússia, Índia, China e África do Sul) mostram avanços no
século XXI em relação aos países da OCDE, parecendo ao Brasil ser melhor copiar políticas não
da OCDE, mas sim dos demais países dos BRICS. Por fim, vale lembrar que após 2003 o Brasil
teve bons resultados macroeconômicos, com crescimento da renda per capita, redistribuição
de renda e acúmulo de reservas internacionais, com políticas reprovadas em Economic Surveys
(OCDE, 2018). Porém, em especial após 2010, políticas macroeconômicas referendadas pela
OCDE produziram reviravolta, com políticas fiscais contracionistas que frearam o crescimento
(MELIN e SERRANO, 2016). De fato, Serrano e Summa (2018) apontam que a partir de 2011 a
política econômica passou a incluir contenção do investimento público e do crédito, medidas coerentes com o preconizado por seguidas edições do Economic Survey da OCDE como forma de
contenção da relação dívida/PIB21. Essa política foi aprofundada a partir de 2015, com forte ajusta-
21 Como exemplo, nas recomendações sobre políticas macroeconômicas do Economic Survey Brazil de nov/2015: “Implement the fiscal adjustment
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mento fiscal empreendido pelo Ministério da Fazenda. O trágico crescimento do PIB real e a explosão do desemprego que se seguem desencorajam a adoção de recomendações OECD-friendly.
4. CONCLUSÃO
O benefício de tomar parte de instituições internacionais em cada
momento histórico depende do projeto de desenvolvimento do país e da conjuntura geopolítica.
O debate crítico a respeito deve conter análise sobre em que circunstâncias se deve aderir ou não
a acordos. Parte relevante da argumentação pró-adesão à OCDE esbarra em evidências que as
contradizem, e a argumentação a favor da adesão está feita de modo insatisfatório, sem referência
a um plano de desenvolvimento nacional, fundamental até para nortear termos de uma negociação de adesão. A importância do espaço de política para qualquer projeto nacional de desenvolvimento econômico está documentada na literatura econômica sobre desenvolvimento, e com a
eventual adesão o espaço de política será afetado de modo significativo. Se o país entende que
uma prática é benéfica, ele pode voluntariamente adotá-la, sem necessidade de se comprometer
politicamente com o conjunto das práticas aderindo à Organização, evitando pôr em risco seu
status de PED e se colocar sob monitoramento. Dado que a baixa competitividade apontada na
economia nacional, fomentada por resultados insatisfatórios de crescimento do PIB pós 2011
que retardaram ou retrocederam o desenvolvimento, não foi revertida com o aprofundamento
já ocorrido de várias práticas preconizadas pela OCDE, cabe julgar se o Brasil já não foi longe
demais na adoção dessas práticas. Como alternativa, pode-se absorver a experiência de outros
PEDs nas últimas décadas e definir um plano nacional de desenvolvimento que sirva de parâmetro à análise da vantajosidade de qualquer acordo internacional, mais do que meramente internalizar recomendações de países já desenvolvidos. Ao promover a expectativa de que a adoção das
práticas OCDE será passaporte para o desenvolvimento, promove-se que o Brasil se comprometa
a colocar suas políticas em linha com práticas liberais recomendadas por países que na prática
por muitas décadas adotaram e hoje voltam a adotar políticas antiliberais. Arrisca-se assim uma
retirada voluntária da escada, aceitando um campo de jogo nivelado acima do seu alcance, com os
melhores equipamentos já do lado dos competidores.
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