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FILIPE DE JESUS SAMPAIO FAMÍLIA E RELIGIÃO EM TORNO DO PLC 122/2006: DEBATES DA PROPOSTA DA CRIMINALIZAÇÃO DA HOMOFOBIA NO CENÁRIO POLÍTICO-CULTURAL BRASILEIRO (2001-2014) UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS - UNIMONTES MONTES CLAROS/MG Maio/2020 FILIPE DE JESUS SAMPAIO FAMÍLIA E RELIGIÃO EM TORNO DO PLC 122/2006: DEBATES DA PROPOSTA DA CRIMINALIZAÇÃO DA HOMOFOBIA NO CENÁRIO POLÍTICO-CULTURAL BRASILEIRO (2001-2014) Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual de Montes Claros, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em História. Área de Concentração: História Social Linha de Pesquisa: Poder, Trabalho e Identidades Orientadora: Profa. Dra. Helena Amália Papa UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS - UNIMONTES MONTES CLAROS/MG Maio/2020 FILIPE DE JESUS SAMPAIO FAMÍLIA E RELIGIÃO EM TORNO DO PLC 122/2006: DEBATES DA PROPOSTA DA CRIMINALIZAÇÃO DA HOMOFOBIA NO CENÁRIO POLÍTICO- CULTURAL BRASILEIRO (2001-2014) Relatório final, apresentado a Universidade Estadual de Montes Claros/MG, como parte das exigências para a obtenção do título de Mestrado em História. Montes Claros/MG, ____ de ______ de _____. BANCA EXAMINADORA ________________________________________ Prof. Dr.ª Helena Amália Papa PPGH/Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES) ________________________________________ Prof. Dr.ª Ilva Ruas Abreu PPGH/Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES) ________________________________________ Prof. Dr. Alexandre Gustavo Melo Franco de Moraes Bahia PPDG/Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) S192f Sampaio, Filipe de Jesus. Família e religião em torno do PLC 122/2006 [manuscrito] : debates da proposta da criminalização da homofobia no cenário político-cultural brasileiro (2001-2014) / Filipe de Jesus Sampaio. – Montes Claros, 2020. 154 f. il. Bibliografia: f. 111-115. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Montes Claros Unimontes, Programa de Pós-Graduação em História/PPGH, 2020. Orientadora: Profa. Dra. Helena Amália Papa. 1. Homofobia. 2. Culturas políticas. 3. Relações de poder. 4. Política e religião. 5. Leis – Projeto. 6. História social. I. Papa, Helena Amália. II. Universidade Estadual de Montes Claros. III. Título. IV. Título: Debates da proposta da criminalização da homofobia no cenário político-cultural brasileiro (2001-2014). Catalogação: Biblioteca Central Professor Antônio Jorge AGRADECIMENTOS A presente pesquisa é fruto de uma condição mútua em que foi necessária a colaboração de várias pessoas que nos ajudaram direta ou indiretamente para que chegássemos ao nosso resultado. Primeiramente agradeço a minha orientadora Helena Amália Papa, que com todo carinho e dedicação pode me proporcionar uma orientação da qual sinto muito orgulho. Com sua visão de mundo, somado ao seu esforço intelectual, ela pode me nortear para um caminho seguro e libertário: o do conhecimento. Hoje me sinto mais seguro, mais inteligente, mais dedicado, mais maduro, que sem dúvidas nossas experiências trocadas na academia somaram grandemente. Agradeço ao PPGH (Programa de Pós-Graduação em História Social) por também ter me proporcionado a oportunidade de ingressar num programa onde pude conhecer pessoas interessantes, algumas que se tornaram amigos e que tenho bastante apreço, em especial minhas colegas Rosana Mesquita e Núbia Bruno, que me proporcionaram momentos agradáveis. Agradeço também aos professores Rafael Baioni do Nascimento e a Professora Ilva Ruas Abreu pelas contribuições que foram imprescindíveis para o aperfeiçoamento da minha pesquisa. O agradecimento se estende ao professor Alexandre Melo Franco Bahia, membro da banca e pesquisador dos estudos de gênero. Agradeço ainda a CAPES pelo incentivo à pesquisa. Agradeço a José Vinicius Peres Silva, pela inspiração e pela parceira ao longo da pesquisa. Agradeço também ao Serviço de Relacionamento Público Alô Senado e ao Serviço de Arquivo Legislativo, que sempre atenderam minhas solicitações, me enviando a Cópia do PLC 122/2006, discursos, notas taquigráficas e manifestações, sem o empenho dos profissionais que lá trabalham não seria possível o acesso a variadas fontes que proporcionaram essa pesquisa. Agradeço meus pais Eva e Salvador, que com o carinho me ensinaram conseguir as coisas através do respeito pelo outro e me fizeram entender o sentido da alteridade. A minha irmã Cristina, pelo carinho, por sempre ser aberta a me ouvir e por nunca se fechar ao novo. E aos meus sobrinhos, que acredito serem a esperança para um futuro melhor. RESUMO A presente pesquisa tem o objetivo de investigar as motivações que fizeram com que o Projeto de Lei de n. 122/2006, que tinha por objetivo criminalizar a homofobia, fosse arquivado definitivamente. O PLC 122/2006, antigo PL 5003/2001, tramitou por aproximadamente 13 anos no Congresso Nacional sem ser votado. O projeto foi votado na Câmara dos Deputados, mas foi arquivado no Senado Federal, sendo anexado ao projeto de reforma do novo Código Penal e arquivado posteriormente. Nesse sentido, buscando compreender tais motivações, a análise de discurso foi tomada como opção metodológica para estudo da documentação, que é o próprio PLC 122/2006. Para essa análise, selecionamos e separamos os discursos de Deputados e Senadores proferidos no Congresso Nacional, disponibilizados por notas taquigráficas pelo Congresso e que envolvem o PLC 122/2006 em categorias temáticas. Foram identificados e selecionados os discursos preponderantes nas temáticas: em defesa da família e da religião. Ademais, utilizamos manifestações, cartas enviadas ao Congresso, e site de notícias que envolvem a tramitação do projeto e que se mostraram imprescindíveis junto à análise da tramitação do PLC 122/2006. Nosso aporte teórico se baseia nas culturas políticas, de modo que possamos compreender de modo geral, não só o campo do político, mas também as articulações dos parlamentares no espaço público. Assim compreender as relações de poder e disputas do cenário político em torno do PLC 122/2006 faz parte desse estudo, que almeja contribuir com a discussão sobre as disputas simbólicas de poder no campo da História Social. PALAVRAS-CHAVE: História Social. Poder. Homofobia. Culturas Políticas. Projeto de Lei. ABSTRACT This research aims to investigate the motivations that caused bill n. 122/2006, which aimed to criminalize homophobia, was definitively filed. Plc 122/2006, formerly PL 5003/2001, has been in the National Congress for approximately 13 years without being voted on. The bill was voted on in the House of Representatives, but was filed in the Federal Senate, being attached to the reform bill of the new Penal Code and subsequently filed. In this sense, seeking to understand these motivations we perform a discourse analysis as a methodological option for the study of our documentation which is the PLC itself 122/2006. For this analysis, we selected and separated the speeches of Deputies and Senators delivered in the National Congress made available by tachygraphic notes by Congress and involving PLC 122/2006 in thematic categories. The predominant discourses were identified and selected in the themes: in defense of the family and religion. In other cases, we used demonstrations, letters sent to congress, and news site that involve the processing of the project and that proved essential along with the analysis of the plc 122/2006 procedure. Our theoretical contribution is based on political cultures, so that we can understand in general not only the field of the politician, but also the articulations of parliamentarians in the public space. Thus, understanding the power relations and disputes of the political scenario around PLC 122/2006 is part of this study that aims to contribute to the discussion about the symbolic disputes of power in the field of Social History. KEYWORDS: Social History. Power. Homophobia. Political Cultures. Bill. LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ADO Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão ADVEC Assembleia de Deus Vitória em Cristo ABGLT Associação Brasileira de gays, lésbicas e transgêneros ANAJURE Associação Nacional de Juristas Evangélicos CAS Comissão de Assuntos Sociais CCJC Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania CDH Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa CIDH Comissão Interamericana de Direitos Humanos CIDH Corte Interamericana de Direitos Humanos FPE Frente Parlamentar Evangélica IURD A Igreja Universal do Reino de Deus LGBT Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Transgêneros PL Projeto de Lei PLC Projeto de Lei Complementar PAN Partido dos Aposentados da Nação PT Partido dos Trabalhadores PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro PSC Partido Social Cristão PTB Partido Trabalhista Brasileiro PTC Partido Trabalhista Cristão PR Partido Liberal PRB Partido Republicano Brasileiro STF Supremo Tribunal Federal LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1: Tramitação do PLC 122/2006 de 2001 a 2003 desde a proposição ao encaminhamento na CCJC................................................................................................. 27 Figura 2: Tramitação da PL 5003/2001 em 2004............................................................. 28 Figura 3: Tramitação da PL 5003/2001 no ano 2005 na CCJC........................................ 30 Figura 4: Tramitação do PLC 122/2006 em 2007 na CDH.............................................. 34 Figura 5: Manifestação da Câmara Municipal de Muqui enviada ao Senado.................. 38 Figura 6: Marcha pela Família......................................................................................... 92 Figura 7: Divulgação de curso sobre o PL 122................................................................ 93 Figura 8: Marcha pela Família......................................................................................... 97 SUMÁRIO INTRODUÇÃO............................................................................................................... 09 CAPÍTULO 1 CONTEXTUALIZAÇÃO SÓCIO-POLÍTICA DO SEGMENTO LGBT...................... 21 1.1 - Considerações Iniciais.............................................................................................. 21 1.2 - Trajetória Política: Estado x LGBT.......................................................................... 22 1.3 - Tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal e Comissões Participativas.................................................................................................................... 26 1.4 - Culturas Políticas..................................................................................................... 42 CAPÍTULO 2 EMBATES DISCURSIVOS SOBRE FAMÍLIA E MORALIDADE EM TORNO DO PLC 122/2006.................................................................................................................. 51 2.1 - Política e religiosidade no Congresso Nacional...................................................... 51 2.2 - Construção do percurso político da Bancada Evangélica......................................... 58 2.3 - Em defesa da família: um embate discursivo sob a ótica de gênero.......................... 70 CAPÍTULO 3 ANÁLISE DOS PÂNICOS MORAIS EM TORNO DO PLC 122/2006........................ 82 3.1 - Bancada Evangélica e Pânicos Morais..................................................................... 82 3.1.1 - A construção do PLC 122/2006 como um pânico moral........................................ 85 3.1.2 - Arquivamento do PLC 122/2006........................................................................... 100 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................... 107 BIBLIOGRAFIA............................................................................................................. 111 APÊNDICE...................................................................................................................... 116 ANEXO........................................................................................................................... 154 9 INTRODUÇÃO A presente pesquisa questiona e revela uma importante face do cenário político: quais foram os debates sobre a criminalização da homofobia no Congresso Nacional? Ao longo dessa dissertação apresentaremos discursos parlamentares relevantes para entender este cenário. Nossa motivação, bem como o objetivo dessa pesquisa, surgiu de outro importante questionamento: por que o PLC 122/20061, que tratava sobre a criminalização da homofobia, foi arquivado? No intuito de problematizar esse questionamento, esbarramos em variadas justificativas trazidas pelos parlamentares, e também pela mídia, mas que não eram justificativas sólidas o suficiente para responder a uma pergunta tão intrigante. A princípio, quando proposto com o nome de PL 5003/2001, em razão do ano que foi proposto, a finalidade do projeto era de criminalizar a homofobia e posteriormente, no ano de 2005, foi apresentado projeto substituto pelo então relator2 Luciano Zica, favorável ao projeto, na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, no ano de 2005. Neste ano ficou decidido que o referido projeto de lei deveria se enquadrar na Lei de Racismo, Lei 7.716 de 1989, e não ser criado um novo tipo de legislação para criminalizar a homofobia, tendo como justificativa que a intenção era se inserir numa lei já existente, uma vez que outros grupos já estavam inseridos nesta lei que pune a discriminação por crimes cometidos em razão de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Desse modo, a intenção do projeto substituto era garantir que gays, lésbicas e transexuais não fossem impedidos de frequentar determinados lugares e serem discriminados em razão da sua orientação sexual e identidade de gênero. Isto porque a sanção da lei de racismo é de punir pessoas que impedem as outras de exercer seu livre arbítrio e ter acesso a determinados lugares, como por exemplo restaurantes e hotéis, e a não discriminação no mercado de trabalho. Outra modificação do projeto substituto foi de também acrescentar o conceito de identidade de gênero. 1 O Projeto de Lei Câmara n. 122 de 2006 foi proposto no ano de 2001 e aprovado na Câmara dos Deputados no ano de 2006, seguindo para o Senado com o nome PLC 122/2006, fazendo menção ao ano que foi recebido pelo Senado Federal. 2 O relator projeto de lei é o parlamentar designado pelo presidente da comissão para apresentar parecer sobre matéria de competência do colegiado. O relator pode propor a aprovação total ou parcial da proposição; a rejeição; apresentação de emendas; o arquivamento; ou apresentar um projeto totalmente alternativo, um substitutivo. Fonte: Tramitação das proposições. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/comunicacao/assessoria-deimprensa/tramitacao-das-proposicoes. Acesso em: 20 fev./2019. 10 Então, para esclarecer nossa jornada, propomos discutir sobre a proposição do PLC 122/2006 na Câmara dos Deputados, antigo PL 5003/2001, e suas mudanças até ser aprovado no ano de 2006 na Câmara, seguindo para aprovação no Senado no mesmo ano e arquivado definitivamente no ano de 2014, quando incorporado ao projeto de reforma do novo Código Penal Brasileiro. O que nos interessa são as articulações políticas que fizeram com que esse projeto de lei fosse arquivado e as motivações dos congressistas nesse período estudado. Temos como objetivo identificar nos discursos3 dos deputados e senadores, cujo recorte temático são aqueles que envolvem a família e a religião (temáticas que serão explicadas adiante), em torno do Projeto de Lei 122/2006, os motivos ensejadores para o arquivamento do projeto. Além disso, no final do terceiro capítulo, estudamos e abordamos a midiatização desse projeto e seus reflexos na sociedade civil. Para tentar compreender tais motivações utilizamos como metodologia a análise do discurso da Laurence Bardin (1979), presente no livro Análise de Conteúdo e, a princípio, optamos pela divisão de categorias temáticas de análise, selecionadas por nós, a saber: legalidade formal, defesa do direito à liberdade de expressão, defesa do direito à liberdade religiosa, defesa da família, criação de privilégios. Nesse sentido, seguimos a metodologia proposta por Laurence Bardin (1979, p. 118), acreditando que: “classificar os elementos em categorias, impõe a investigação do que cada um deles tem em comum com os outros. O que vai permitir seu agrupamento, é a parte comum existente entre eles”. Em nossa metodologia estudamos os eventos por datas de acordo com a tramitação do projeto, e, através do discurso do político, procuramos compreender seu posicionamento e se este coincide com os interesses partidários ou institucionais no qual ele está inserido. Esta pesquisa utiliza como documentação o Projeto de Lei da Câmara n° 122, de 20064, que visava criminalizar a homofobia. Além disso, nos apoiamos em seus documentos, tramitações, atas, eventos. Como fonte utilizamos os discursos5 e notas taquigráficas contidas 3 Os discursos aqui estudados se remetem ao período em que estamos discutindo. Dessa forma, ao tratarmos do termo Deputados e Senadores, queremos dizer que o parlamentar exercia essa função naquele momento. 4 O PLC 122/2006 encontra-se disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias//materia/79604. Acesso em: 18 fev./2019. Bem como em nosso acervo pessoal, que foi enviado por e-mail pela equipe técnica do Senado. 5 A título de referências, indicamos ao longo do texto de quem eram os discursos, o contexto e a data em que foram feitos. Entretanto, ressaltamos que todos encontram- se disponíveis nos sítios eletrônicos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Também podem ser requisitados às equipes técnicas das respectivas casas através de e-mail, bem como o fizemos, para que assim esses discursos passassem a fazer parte de nosso acervo pessoal. 11 no Diário Oficial Eletrônico da Câmara dos Deputados6; O Diário do Senado7; O Portal da Câmara dos Deputados8; e, por último, utilizamos sites que forneçam informações oficiais das informações legislativas e ações do governo.9 Selecionamos uma variedade de documentos para a produção desta pesquisa, pois acreditamos que isso é fundamental para que seja possível colaborar com uma historiografia pensada a partir de vários ângulos, além de ser uma visão norteadora para compreender um passado diversificado. Desta forma, utilizamos a cobertura da mídia como um instrumento auxiliar para nosso estudo. A nossa fonte de estudo é o próprio PLC 122/2006, seus discursos e manifestações que podem ser encontrados nos Diários Oficias das Câmaras Legislativas. Nestes estão contidos os discursos sobre os quais empreendemos a metodologia da análise categorial para separar os discursos por temáticas e, então, identificar as articulações realizadas no campo político. As pautas tratadas sobre a PLC 122/2006 estão inseridas na Câmara de Assuntos Sociais (CAS) e Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), fixadas por datas das audiências públicas que trabalharemos para identificar, de igual modo, as categorias dos discursos. Para compreender as articulações políticas utilizaremos o recorte temporal de 2001 a 2014, período em que o projeto tramitou no Congresso Nacional: na Câmara dos Deputados e no Senado Federal que estão inseridos no Diário Oficial, a fim de analisar as temáticas em defesa da família e da religião nos discursos dos parlamentares e também identificar quais eram os políticos responsáveis pela tramitação do projeto. Nosso tratamento das fontes careceu ainda de outra técnica metodológica, a Análise das Relações, para identificarmos a repetição desses discursos contrários e favoráveis à criminalização da homofobia, bem como a frequência em que eles aparecem em condições de produção diferentes. Essa análise, segundo Bardin (1979, p. 198): “procura extrair do texto as relações entre os elementos da mensagem, ou mais exatamente, dedica-se a assinalar as presenças simultâneas co-ocorrência ou relação de associação de dois ou mais elementos na mesma unidade de contexto”. 6 É possível encontrar no site da Câmara dos Deputados as discussões pertinentes do PLC 122/2006, no Banco de Discursos. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/a-camara/documentos-e-pesquisa/diariosdacamara. Acesso em: 18 fev./2019. 7 O Diário do Senado apresenta os textos com as discussões proferidas ao longo da tramitação do PLC 122/2006, que encontram-se disponíveis no site : http://legis.senado.leg.br/diarios/PublicacoesOficiais. Acesso em: 18 fev./2019. 8 O Portal Câmara dos Deputados contém a tramitação das leis já aprovadas ou votadas e a programação de eventos. Encontra-se disponível em: http://www2.camara.leg.br/. Acesso em: 18 fev./2019. 9 Sites oficiais de notícias legislativas do Congresso Nacional: www.senado.leg.br/noticias, http://www.interlegis.leg.br/comunidade/casas_legislativas , entre outros. 12 Nesses discursos estão inseridos pronunciamentos políticos que, segundo Albuquerque Júnior (2015), no capítulo Discursos e Pronunciamentos do livro O historiador e suas fontes, pronúncias são discursos ou atitudes, podem ser palavras, atos ou omissões que, quando produzidos, acreditam que podem modificar o curso dos acontecimentos. Diante disso, acreditamos que o pronunciamento dentro do debate político também modifica as circunstâncias dos acontecimentos de uma audiência pública em pauta no Congresso Nacional. Sendo assim, o pronunciamento é utilizado pelo político, seja por meio de cartaz, uma imagem ou um simples ato que pode desencadear apoio ou sensibilizar o público. Desse modo, a presença ou ocultação de elementos na mesma unidade de contexto dentro dos dados levantados e temáticas categóricas, repetíveis ou não, nos ajudará a compreender a relação do político com as temáticas propostas. As significações existentes e coerências entre as temáticas nos ajudarão entender as articulações que buscamos. Assim, ao realizar essa divisão em categorias temáticas encontramos o discurso religioso e em defesa da família como preponderante na nossa pesquisa, utilizado como argumento dos grupos opositores ao PLC 122/2006. E, em contrapartida, encontramos o discurso de gênero como argumento dos defensores pela causa do projeto. Acreditamos que esses discursos são uma forma de conectar políticos opositores ao projeto. Nesses pronunciamentos identificamos que os discursos biológico e da defesa da manutenção das relações de gênero, entre homem e mulher, são utilizados como uma defesa e, por vezes, estão imbricados também no discurso religioso defendido pelo parlamentar opositor. Motivo pelo qual utilizamos nesta pesquisa o termo político-religioso, pois as fronteiras entre tais esferas, por inúmeras vezes, são indissociáveis. Enquanto os defensores do PLC 122/2006 argumentam a favor das novas relações de gênero, os opositores do projeto defendem a manutenção das relações heterossexuais e da cisgeneridade, surgindo o discurso em defesa da família heteronormativa. Quando proposto, o PLC 122/2006, antigo PL 5003/2001, não era tão temido pela oposição, pois projetos que tratavam sobre a criminalização da homofobia não eram muito discutidos e pouco se sabia sobre essa temática, quando comparado à atualidade. Então, em primeiro momento, temos um arquivamento proposital do projeto, em que os parlamentares envolvidos não se manifestaram e tal omissão acabou por gerar o arquivamento do PLC 122/2006. Neste caso o argumento jurídico foi utilizado como justificante para o arquivamento, então a norma jurídica é também um fator em que o parlamentar opositor busca seu respaldo. O PL 5003/2001 foi arquivado em 2003, em razão da sua inércia jurídica, mas foi resgatado no mesmo ano, a pedido da Deputada Iara Bernadi, autora do projeto. Segundo o 13 Regimento Interno da Câmara dos Deputados, apenas os deputados que propõem um projeto de lei podem pedir o seu desarquivamento, como foi o caso do PL 5003/2001, cuja tramitação foi resgatada pela Deputada Iara Bernadi. Em 2011 o projeto foi novamente arquivado em razão do prazo que estava tramitando, há mais de duas legislaturas sem ser aprovado, mas foi resgatado com a anuência de 1/3 dos Senadores, a pedido da Senadora Marta Suplicy, conforme o Regimento Interno do Senado Federal. O então PLC 122/2006 envolveu grandes discussões nas Comissões Participativas, pois, em regra, os projetos de lei necessitam de aprovação nessas comissões. As comissões são órgãos internos das casas legislativas e têm o objetivo de aceitar uma maior participação popular, propiciando o acesso da sociedade na opinião pública sobre os projetos de lei. Elas são necessárias para o funcionamento pleno de suas atividades, através de debates e votações, podendo inclusive aprovar leis de forma terminativa. Suas funções têm relevância no processo de aprovação de leis e elas atuam também no controle preventivo de constitucionalidade no processo de criação da lei. Para ser aprovado, um projeto de lei deve perpassar pelas Comissões tanto na Câmara dos Deputados. Posteriormente, se aprovado na Câmara dos Deputados, é enviado ao Senado, para que receba o parecer nessas comissões, que, se positivo, é enviado ao plenário para votação. No presente caso, o PLC 122/2006 não chegou ao plenário, uma vez que ficou definido sua votação para o novo Código Penal, com seu consequente arquivamento. Ao receber um projeto de lei os presidentes dessas comissões designam um deputado relator que ficará responsável pela tramitação do projeto e é neste impasse que o PL 5003/2001, novo PLC 122/2006, ficou inerte, pois notamos que alguns deputados, que estavam como relatores, devolveram o projeto sem se manifestar. Compreendemos que tal fato foi feito com intuito de protelar a votação do projeto e que ele fosse arquivado em razão do prazo, pois projetos que tramitam por mais de duas legislaturas, como já mencionado, devem ser arquivados. Um projeto de lei complementar, como o PLC 122/2006, é criado pela aprovação da maioria absoluta da casa legislativa, conforme contido no artigo 69 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Segundo Barros (2008), para aprovação de uma lei complementar faz-se necessário a presença de maioria absoluta, porque precisa do voto da metade dos integrantes existentes da mesa mais um, ou seja, mais da metade do número de deputados ou senadores presentes na sessão. Seu propósito é alterar uma lei já existente que verse sobre matéria Constitucional, ou algumas matérias que só podem ser criadas por lei 14 complementar para tratar de matéria Constitucional. Por isso recebe a sigla PLC, pois indica que provém da Câmara dos Deputados. Os prazos de tramitação dos projetos de lei são regulados pelo regimento interno de ambas as casas, tanto na Câmara dos Deputados, quanto no Senado Federal. Se aprovado de forma regular, com o número de votos necessários pela Câmara dos Deputados e do Senado, ele será remetido ao Presidente da República, que irá sancioná-lo ou vetá-lo, de forma total ou parcial. Caso seja vetado, voltará ao Congresso para ser reexaminado em sessão conjunta para confirmar ou não o veto, sendo que o quórum para rejeitar o veto é também o da maioria absoluta. Se o projeto não receber aprovação da maioria absoluta ele será rejeitado e arquivado (BARROS, 2008). Quando aprovado, o PL 5003/2001 causou um grande tumulto e resistência por parte do legislativo, em especial dos membros da Bancada Evangélica10, motivo pelo qual realizamos um estudo sobre a atuação da Bancada Evangélica na tramitação do projeto. A maioria dos discursos contrários ao PL 122/2006 vieram por parte desta bancada e possuem temáticas moralizantes, como em defesa da família e da religião, motivo que ensejou o nosso interesse sobre essas temáticas estudadas. Compreendemos que a celeridade no andamento em um projeto de lei depende do interesse do sujeito político em aprovar ou não aquele projeto. Desse modo, os interesses relacionados a aprovação ou não de um projeto dependem, além de articulações políticas, engajamento com a sociedade e com outros sujeitos políticos que exercem ou não um mandato, mas também do empenho do parlamentar no papel que lhe foi atribuído. Essa ação omissiva do Congresso Nacional, em não aprovar o PLC 122/2006, gerou a insatisfação de associações em defesa dos direitos LGBT11, que desencadeou na ADO n. 2612 direcionada ao STF, que foi julgada no ano de 2019 e aprovada pela maioria dos ministros, tornando assim, a homofobia como crime e utilizando a lei de racismo até que uma lei que tipifique a homofobia seja aprovada pelo Congresso Nacional. Utilizamos aqui a nomenclatura de população LGBT, uma vez que essa era a mais utilizada no período do andamento do projeto. Apesar disso, é de nosso conhecimento que atualmente a sigla passou a compor mais nomenclaturas fazendo menção à identidade de gênero. 10 O termo Bancada Evangélica é aqui utilizado para se referir ao grupo de parlamentares que participam da Frente Parlamentar Evangélica no Congresso Nacional, da qual realizamos um estudo no segundo capítulo desta pesquisa. 11 Movimento LGBT - Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Transgêneros. 12 A Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão – ADO n.26 foi ajuizada pelo Partido Popular Socialista (PPS), que solicitou ao STF que declarasse a omissão do Congresso em não votar numa lei que criminalize a homofobia e que determinasse um prazo ao Congresso em criar a lei ou aplicasse a lei de racismo até que a lei fosse criada. 15 A fim de alcançar os objetivos propostos, essa dissertação foi estruturada da seguinte forma: no primeiro capítulo nos dedicamos a uma análise da tramitação do PL 5003/2001, pois ela nos permite entender a importância dos lugares de produção dos sujeitos. Assim, estudamos os sujeitos políticos a partir dos seus papéis no andamento do projeto e suas articulações com outros segmentos políticos que dizem respeito a este projeto de lei. Realizamos também uma análise sobre os períodos em que o projeto ficou arquivado, quem era responsável, o parecer da comissão e as atitudes ativas ou omissivas dos sujeitos políticos neste processo. Desse modo, nossa caminhada no primeiro capítulo perpassou pela trajetória da tramitação do projeto no Congresso Nacional e pelo estudo da teoria das culturas políticas para compreender esse processo. Já no segundo capítulo, debatemos a utilização destes discursos produzidos pelo político em torno do PLC 122/2006. Assim, trabalhamos o discurso político-religioso utilizado como meio de justificar a não aprovação da criminalização da homofobia e também o discurso em defesa da família, sob à ótica das relações de gênero produzidos no Senado Federal a fim de compreender como esse discurso foi abordado por ambos os lados, pelos defensores do projeto e pela oposição a sua aprovação. Estudar o campo religioso é imprescindível na nossa pesquisa, uma vez que acreditamos que o político se utiliza da religião, e vice-versa, para legitimar seu discurso e produzir ações no campo político. Nosso aporte teórico se firma, mais uma vez, no estudo das culturas políticas, pois acreditamos que o sujeito político se utiliza de vários meios articuladores para influenciar seu eleitorado e seus pares. Por fim, no terceiro capítulo, apresentamos uma análise dos pânicos morais sobre o PLC 122/2006, pois acreditamos que estes fizeram parte da articulação política para difundir uma ideia de medo na sociedade. Acreditamos que o trâmite do PLC 122/2006 envolve uma trajetória política que perpassa o uso de artifícios utilizados pelo sujeito político, tais como o discurso, a manifestação, os símbolos voltados como argumento para mantença do seu argumento. Para realizar nosso estudo nos firmamos no debate teórico das culturas políticas, pois permite uma compreensão ampla deste cenário de embates e, assim, nos permite a possibilidade de melhor entender os interesses firmados por essa arena. A violência que o PLC 122/2006 tinha a intenção de criminalizar diz respeito a homofobia, que segundo a produção de Cazelatto e Cardin (2016, p. 921), no artigo O Discurso de Ódio Homofóbico no Brasil: Um Instrumento Limitador da Sexualidade Humana, é um fenômeno, de cunho “negativo e hierárquico, responsável pelos índices mais elevados de ilícitos 16 praticados contra a comunidade LGBT em todo o mundo”. Materializa-se de modos diversos de intolerância, preconceito e violência, como as simbólicas, as físicas e as verbais, violando os direitos básicos de suas vítimas. O art. 3º, inciso IV, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 determina que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: “IV promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Além disso o art. 5º, inciso IV do mesmo código, traz em seu bojo: “XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”. Desse modo, a discriminação contra homofobia e transfobia é um ato atentatório aos direitos humanos e a própria Constituição de 1988 dispõe que é papel do Estado garantir a punibilidade para estes tipos de crime. O Brasil ainda faz parte de Pactos Internacionais, que são realizados com outros países, para garantia e defesa dos direitos humanos que, se não cumpridos, constituem uma violação a esses documentos e tratados internacionais em que o Brasil foi signatário. O art. 5º, § 2, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, dispõe que: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte ”. Essa violação ocorre por não haver nenhuma lei federal específica que regulamente a matéria da criminalização da homofobia. Alguns projetos de lei já foram propostos, mas foram arquivados, há então um apontamento sobre a omissão legislativa do Congresso Nacional quanto a este tema. Um dos exemplos, segundo Alexandre Bahia e Rainer Bomfim (2016, p. 56), é a Resolução n. 2435, que dispõe sobre: Direitos Humanos, Orientação Sexual e Identidade de Gênero, aprovada pela Assembleia Geral da OEA em 03 de junho de 2008, e que vem sendo repetida nas Assembleias anuais da OEA; a “Declaração sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação Fundadas a Religião ou as Convicções” (Resolução da ONU de 1981), além do “Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos”, de 1966. Assim, a aderência do Brasil a Pactos Internacionais faz com que ele deva respeitar as decisões que versem sobre direitos humanos e, caso não o faça, poderá responder por um processo internacional. Outro exemplo de Pacto Internacional do qual o Brasil é signatário é o Pacto São José da Costa Rica, que entrou em vigor em 1992, pelo qual os países que o assinam 17 se comprometem a respeitar e a cumprir o regimento e proteger os direitos humanos. Essa atuação pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) é importante, pois demonstra que o Brasil deveria ter uma legislação que também punisse as agressões homofóbicas (BAHIA; BONFIM, 2016). Na mesma linha, como exemplo de legislação que pretende regular sobre uma desigualdade de gênero, é a Lei Maria da Penha 11.340/2006, que veio como marco para diminuir casos de violência doméstica e possibilitou que as mulheres pudessem denunciar seus parceiros em caso de agressão. Esse ganho é importante, pois quando a desigualdade da mulher em relação ao homem diminui, falamos em um caminho para a igualdade de gênero. E essa igualdade pode também ser pensada para o público LGBT, pois demonstra que essas discussões se pautam no cenário político e permite que a mulher possa acessar, de forma igualitária, espaços institucionais do próprio Estado no enfrentamento de violência e no acesso a políticas públicas que visam proteger mulheres e ter a chance de lutar contra essa desigualdade (BUTLER, 2003). É essa desigualdade imposta que faz necessário entender o óbice da criminalização da homofobia, sendo que todo o aparato jurídico permite tornar essa conduta como crime, mas o sistema político legislativo impede a criminalização da homofobia sobre a justificativa da defesa da liberdade de expressão religiosa. Com isso, para o desenvolvimento da nossa pesquisa, fez-se necessário recorrer aos discursos políticos-culturais dentro do cenário político brasileiro. Desse modo, o objetivo dessa pesquisa não é encontrar a verdade sobre a questão pautada, mas identificar, através do método histórico, os pequenos detalhes por trás dessas articulações que envolvem um cenário no qual os políticos compreendem o mundo por meio do contexto no qual estão inseridos. Assim, questionar os valores atribuídos a pontos de vista diferentes faz parte do trabalho do historiador, pois mediante suas experiências busca uma melhor forma de compreender o mundo e poder ter um olhar diversificado sobre a fonte. Conforme defendido por Keith Jenkins (2007) em A História Repensada, o conhecimento histórico está limitado às ferramentas com que o historiador trabalha, não é uma ficção, mas um passado bem elaborado e com método. Assim, nenhum historiador consegue recuperar toda a totalidade do passado, haja vista que esse passado é diversificado e engloba outras percepções que podem não ser captadas ou ocultadas de forma consciente, inconsciente ou proposital pela fonte. 18 Adiante, com o objetivo de construir uma ruptura com uma verdade já pronta, é que se pretende dar uma nova interpretação ao puro entendimento de que o projeto de lei, fonte do presente estudo, foi arquivado por si só, pois parte-se do pressuposto ter sido arquivado sem entender tais motivações. Desse modo, a compreensão do político é imprescindível na referente pesquisa. Pode-se extrair das ideias de René Remond (2003) em Por uma História Política, que cabe ao historiador do político utilizar todas as abordagens e descobertas com a quais outras ciências podem contribuir para o campo da política, bem como utilizar os discursos e símbolos políticos, estabelecer as rupturas e continuidades dos momentos históricos e de realocar os discursos a quem o proferiu, tudo isso através das memórias e do que já passou, permaneceu e reviveu. Não obstante, o pensamento ideológico partidário em relação à religião, dentre outras temáticas, serão também pontos fortes em que pesaram os argumentos contrários a PLC 122/06. A linguagem é o meio de se compreender tais articulações, porém ela não é objetiva. Jenkins (2014) adverte que o sentido de uma palavra ou frase muda conforme o contexto. O autor emprega o conceito de decisão no contexto histórico, e aponta que o destinatário nunca deve ser pré-julgado, pois assim não haveria uma nova decisão sobre um assunto e sim apenas a repetição de uma mesma decisão. Tal definição nos leva questionar se o pré-julgamento de um grupo social poderia influenciar o merecimento ou não de uma lei que estabeleça direito a minorias. Para compreender o sujeito político é possível depreender do pensamento de Pierre Rosanvallon (2010), em sua obra Por uma História do Político, que as condições de vida estabelecidas a cada grupo social são impostas por leis que o sujeito político define, pois a justiça passa a ser elaborada a partir dele que participa do processo legislativo. Então o Estado cristaliza do seu modo, também a democracia, e define as formas de socialização, ou seja, o Estado que tem o político como definidor dos direitos sociais e delibera o modo como o indivíduo se situa dentro do contexto social. Para uma análise do político, segundo Jenkins (2014), deve-se partir de indagações do presente empregadas para voltar ao passado a fim de compreender a genealogia da nossa problemática. Desse modo, a história do político nos ajudará a compreender as batalhas, as atividades do político, como o estudo da sua vontade. No que diz respeito ao discurso religioso materializado pelo político, pode-se extrair do pensamento de Aline Coutrot (2003) que as atitudes religiosas se interiorizam no indivíduo de modo que refletem, no político, a própria crença, e seu ideal está no inconsciente dos indivíduos. Os valores são enraizados, a conduta do sujeito político pode ter a ver com o 19 seu pertencimento religioso. A corrente doutrinária a que o indivíduo pertence, induz a uma forma de pensar a política. A partir dessa concepção é que a necessidade de se realizar um estudo entre a política e religião emerge. Então é nosso objetivo entender tanto o posicionamento do sujeito político, como as articulações e seus anseios, pois se este participa de um partido ou uma bancada de ideais conservadores, terá diferentes concepções sobre algumas políticas públicas, pois ele estará vinculado a um pensamento que é por si só coerente, uma vez que está vinculado também ao grupo que participa. Assim, acreditamos que a promoção do entendimento desses sistemas representativos, muitas vezes, não acompanha as diferenças sociais, pois a igualdade não admite a legitimação das diferenças, mas não se pode negar que a sociedade está em constante mudança. Então, é função da história política identificar as novas racionalidades políticas e como essas se coadunam com o social e habituar-se às transformações que ocorrem nas instituições e grupos sociais e como os sujeitos históricos lidam com essas transformações (ROSANVALLON, 2010). Partindo do estudo do político é que pretendemos identificar as transformações, rupturas e permanências no campo histórico. Assim, almeja-se com o presente estudo, abordar as questões partidárias, religiosas e ideológicas, para entender as articulações e dificuldades da criminalização da homofobia no cenário político brasileiro. A tramitação do PLC 122/2006 envolve grande discussão, pois nela estão inseridos os mais variados tipos de discursos políticos sobre a temática de criminalização da homofobia. São nesses discursos que pretendemos encontrar as motivações político-culturais que fizeram com que este projeto não fosse aprovado. Em nossa opinião, essas motivações indicam uma articulação política da Bancada Evangélica com outros setores institucionais que se legitimam do discurso religioso para argumentar a favor da não atuação estatal em políticas públicas LGBT. É importante mencionar que, ao analisarmos a presença da Igreja como mediadora na solução de políticas públicas, encontramos a atuação da Bancada Evangélica de modo não apenas mediador, mas atuante nas ações políticas e resistente às propostas de mudanças no cenário político no que diz respeito a criminalização da homofobia. Identificamos também a presença de cerimônias religiosas no Congresso Nacional que, ao serem toleradas pelo Estado, que ao não proibir e nem tomar partido em torno da laicidade, coaduna com a atuação da esfera religiosa como atuante neste espaço político, assunto que também será abordado no segundo capítulo. 20 A manutenção de uma ordem moral para a Bancada Evangélica é justificada pelo discurso em defesa da família heterossexual e da religião, que supostamente estariam em risco com a aprovação dessa lei. Nesse sentido, buscamos compreender os debates sobre as temáticas em defesa da família e da religião, bem como as articulações envolvendo prazos, o posicionamento político, levantando dados de qual relator ficou com maior ou menor tempo com o projeto para oferecer uma resposta e quais seus engajamentos. E, por fim, averiguar a relação do sujeito político com outros setores e instituições, como a mídia, e outros sujeitos do campo político, para que também possamos compreender como essas influências têm sido correspondidas pela sociedade. Uma vez que o PLC 122/2006 recebeu cartas de diversas instituições e abaixo assinados, como cartas de Câmaras Municipais, Igrejas, geralmente evangélicas, e algumas associações em defesa da família. Diante do exposto, apesar de acreditarmos existir um espaço permissivo para contemplação de minorias no cenário político cultural, sua atuação se mostra dificultosa em razão da preponderância de membros que atuam de modo a inviabilizar a atuação de sujeitos neste espaço de poder. Assim, nossa pesquisa pretende compreender através do método historiográfico os motivos ensejadores por meio do discurso político e também pela atuação da mídia, os motivos que fizeram com que o PLC 122/2006 fosse arquivado, uma vez que esse arquivamento indica uma dificuldade por parte do legislativo na atuação dessa pauta anti-homofobia. 21 CAPÍTULO 1 CONTEXTUALIZAÇÃO SÓCIO-POLÍTICA DO SEGMENTO LGBT 1.1 - Considerações Iniciais O PLC 122/2006 tinha seu nome intitulado como PL 5003/200113, fazendo referência ao período em que foi recebido na Câmara dos Deputados e o seu objetivo era de tornar homofobia crime. Na sua proposição, em 2001, ainda não existia a proposta de incluir a homofobia na lei de racismo, que somente veio a existir através da emenda apresentada em 20 de abril de 2005, pelo Relator Luciano Zica (PT/SP), que justificou que, como o conteúdo da lei era parecido com a lei de racismo, o crime de homofobia deveria ser inserido nesta lei e não haveria necessidade de ser criada uma nova. Então em 2006, após aprovação na Câmara dos Deputados, ela ganhou um novo nome e passou a se chamar PLC 122/2006. A proposta da PLC 122/2006 era de inserir a homofobia no rol de crimes da Lei do Racismo, sob a justificativa de que o grupo LGBT estava impedido de frequentar lugares em razão do preconceito. Assim a homofobia seria inserida no rol de crimes contra a discriminação, no art. 1º da Lei de Racismo de n. 7.716 de 1989, que define: “Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Essa proposta foi discutida na Câmara dos Deputados na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) e posteriormente no Senado Federal, na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) e na Comissão de Assuntos Sociais (CAS). Diante da tramitação do projeto, percebe-se que as influências de determinados segmentos políticos foram decisivas para que o projeto fosse arquivado, pois, após ser aprovado na Câmara dos Deputados, o mesmo perdeu no Senado, sendo arquivado e apensado para votação no novo Código Penal, discussão essa que acabou sendo retirada no ano de 2019. No ano de 2001 as discussões em torno da homofobia eram diferentes da contemporaneidade, bem como as necessidades e o entendimento sobre o assunto também eram diferenciados. O acesso à tecnologia era reduzido e as necessidades e anseios da sociedade eram diferentes, pois, assim como hoje, tinha-se pouca informação sobre a criminalização da homofobia. 13 Entende-se que quando citado a nomenclatura PL 5003/2001 faz referência à tramitação na Câmara dos Deputados, no período de 2001-2005. Já o PLC 122/2006 faz referência ao seu novo nome quando passou a tramitar no Senado Federal. 22 1.2 - Trajetória Política: Estado x LGBT Para melhor entendimento dessas lutas, faz-se necessário explicar o termo LGBTfobia, que, segundo a produção de Cazelatto e Cardin (2016, p. 921), é um fenômeno de cunho “negativo e hierárquico, responsável pelos índices mais elevados de ilícitos praticados contra a comunidade LGBT em todo o mundo”. Materializa-se de modos diversos de intolerância, preconceito e violência, como as simbólicas, as físicas e as verbais, violando os direitos básicos de suas vítimas. Neste contexto, faz-se necessário traçar uma trajetória histórica para compreender as articulações sócio-políticas e anseios da sociedade no que tange a criminalização da homofobia. No que tange o surgimento da luta LGBT, Toni Reis (2007) pontua que as primeiras tentativas de movimentos que lutaram contra a discriminação ocorreram na Europa Central entre 1850 e 1933, contra a lei que punia pessoas que se relacionassem com outras do mesmo sexo e também pessoas que se travestiam. Em 1933 também ocorreu o movimento na Alemanha, mas com o regime nazista foram extirpados mais de 200 mil homossexuais no holocausto. Um marco no contexto pós-guerra no que diz respeito a luta de direitos LGBT como movimento social, foi, segundo Patricia Gorisch (2013), em sua dissertação O reconhecimento dos Direitos LGBT como direitos humanos, a luta na boate Stonewaal Uprosing, uma vez que os policiais sempre estavam indo ao bar Stonewall, localizado em Manhattan nos Estados Unidos, para agredir pessoas LGBT. Então, o presidente da ONG Mattachine Society, que foi a primeira ONG em prol dos homossexuais, pediu ao prefeito de Nova York eleito em 1969, para que interrompessem os ataques contra os LGBT. Como resposta, o prefeito enviou policiais que prenderam todos que estavam no local e os que reagiram foram agredidos e a boate foi fechada. As pessoas foram às ruas como forma de reação ao ataque e então se criou a Gay Pride, organizada pela primeira vez através deste movimento. É importante mencionar que na década de 1960 os homossexuais eram tratados como pedófilos e existiam clínicas de tratamento de choque. A homossexualidade era ilegal em grande parte do mundo, inclusive nos Estados Unidos, onde era considerada doença, uma perversão à ordem heterossexual estabelecida. Diversas pessoas eram demitidas dos seus empregos sob essa justificativa, além disso eram humilhadas em público por ter uma conduta considerada antimoral, segundo o período. Nesta década houve várias reivindicações, como a de igualdade racial, envolvendo Martin Luther King e Rosa Parks. Neste período a segregação 23 racial e a discriminação alcançaram os status de ilegalidade, mas os direitos LGBT não alcançaram tal conquista (GORISH, 2013). A falta de legislação, somada à falta de apoio político, colaboraram para que se criasse um discurso de ódio ainda maior contra a população LGBT. Neste período ocorreram vários assassinatos na tentativa de uma “limpeza gay” como política higienista, assim, era notório o impedimento de grupos LGBT de frequentarem lugares, vivendo à margem da sociedade e tendo que se esconder ou frequentar ambientes específicos, pois eram caçados pela polícia. A caça por homossexuais no Brasil não foi diferente, Cavalcanti, Barbosa e Bicalho (2018) apontam no seu artigo Os Tentáculos da Tarântula: Abjeção e Necropolítica em Operações Policiais a Travestis no Brasil Pós-redemocratização que aqui também se tentava realizar a higienização da sociedade, tendo como alvo o grupo LGBT. Em 1980, a polícia na Operação Tarântula prendia as travestis como justificativa de combate a AIDS. O Jornal do Brasil, neste mesmo período, publicou uma matéria com o temática de que o câncer gay14 era pesquisado nos EUA, vinculando a doença à homossexualidade. A polícia prendia as transexuais, sob justificativa de que nem precisaria haver a transmissão do vírus HIV, uma vez que o contágio só não teria ocorrido pela oportunidade da transexual transmiti-lo, assim aplicava-se a punição antes de realizar o delito, logo, as transexuais foram as mais afetadas por esta operação policial. Dessa forma, aponta-se o registro de inimizade entre o Estado e o público LGBT. De outro norte, o que deu visibilidade diferente ao grupo LGBT e fez com que eles ganhassem um novo status foram as organizações que lutavam por políticas públicas para o segmento. No Brasil, um dos primeiros registros que se tem sobre organização LGBT, é em 1978 com o Jornal Lampião da Esquina, e em 1979, houve o Encontro Brasileiro de Homossexuais. Na década de 1980, o advento da AIDS e a vinculação da doença ao grupo LGBT fez com que o movimento perdesse a credibilidade e somente em meados do século XX ele se engajou na luta contra a AIDS e começou a se articular como movimento político por luta de direitos básicos. Somente em 1995 as paradas gays vieram a tomar grande movimento nas ruas (REIS, 2007). Diante desse embate, a política de repressão fez com que surgisse uma organização LGBT em busca de um status de visibilidade, passando a cobrar políticas públicas e reconhecimento enquanto cidadãos, para que a caça policial fosse barrada. 14 A AIDS, na década de 1980, era conhecida de forma distorcida como câncer gay. 24 Segundo Reis (2007), as associações de proteção tiveram grande importância na luta pela conquista de direitos LGBT, como a Associação Brasileia de Gays e Transgêneros (ABGLT), que fez com que o segmento fosse divulgado e criados novos grupos no país. Em 1997, ano da primeira parada, o número subiu de duas mil pessoas para meio milhão de participantes no período de dez anos, fazendo com que o grupo LGBT ganhasse força para reconhecimento de seus direitos. No Brasil, em 1995, foi proposto o projeto de Lei 1.151/1995 que disciplinava a união civil entre casais do mesmo sexo, mas não obteve êxito no Congresso, assim, o que se tem até hoje são decisões judiciais que não garantem uma segurança jurídica. Tal assunto é regulado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), uma vez que o Congresso Nacional também foi omisso sobre esse projeto de lei que também perdurou por vários anos e nunca chegou a ser votado em plenário, assim como o PLC 122/2006. A união civil entre casais LGBT só passou a ser possível pela resolução de n. 175/2013 do CNJ que obrigou os cartórios a realizarem o casamento entre pessoas ao mesmo sexo. Antes de 2013 os casais deviam ingressar com uma ação judicial e correr o risco de ter o pedido de casamento negado. Apesar dessa resolução já ser uma realidade, alguns Estados ainda se negam a realizar o casamento, pois o membro do Ministério Público pode se posicionar contrário ao casamento com a justificativa de que a lei estabelece que o casamento é a união entre homem e mulher e interpretam de forma literal o artigo 226 da Constituição de 1988, que determina: Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. A família composta por homem e mulher passou a ser utilizada como justificante para excluir quem não estivesse nesse modelo estabelecido, de modo controverso com outros princípios constitucionais como o da dignidade da pessoa humana e liberdade de expressão. Até o ano de 2019 não existia uma legislação em âmbito federal que regulasse os direitos LGBT, nem o casamento e nem a homofobia, sendo o judiciário responsável por mediar essas situações e interpretar da forma que os convir. Quando a Constituição de 1988 foi promulgada, essas lutas não eram como hoje, pois a própria mudança sócio-política envolve novas lutas e incorpora novos sujeitos históricos. Somente no ano de 2019, através da ADO de n. 26 – Ação Direito de Inconstitucionalidade por 25 Omissão, é que o STF equiparou a homofobia ao crime de racismo até que o Congresso Nacional crie uma lei para criminalizar ações homofóbicas, o que comprova a inércia do Congresso e a dificuldade de legislar sobre a população LGBT. Existe então uma omissão desse sistema político no que diz respeito aos direitos LGBT que prefere não se manifestar, e é sobre essa justificativa que buscamos esclarecimento. Os sistemas representativos muitas vezes não acompanham as mudanças sociais, pois a igualdade, por vezes, não admite a legitimação das diferenças. Não obstante, a sociedade está em constante mudança. É função da História Política identificar as novas racionalidades políticas e como essas se coadunam com o social e habituam-se às transformações que ocorrem nas instituições e grupos sociais e como o político lida com essas transformações (ROSANVALLON, 2010). Segundo Prado e Machado (2008), foi com a chegada do século XXI que o discurso sobre as hierarquias sexuais ganhou uma maior visibilidade, fazendo com que os sujeitos até então vistos como anormais tivessem um caráter político e reivindicassem suas lutas para construção de novos direitos. As lutas neste período começaram a ganhar destaque pela mídia com paradas LGBT. Foi com os governos Lula (2003-2011) que o segmento LGBT ganhou um maior espaço na política, assim como a participação de outras minorias, sendo inclusive o PLC 122/2006 proposto por uma deputada integrante do partido naquele momento, mas a questão partidária é contraditória, portanto não fará parte da nossa análise, uma vez que existem membros do partido que apoiam a ideia em defesa das minorias, mas que desaprovam a criminalização da homofobia. Em 2005, foi feita a primeira adoção por um casal homossexual no país permitida pelo judiciário e somente em 2011, o STF reconheceu a união homoafetiva como uma entidade familiar. No entanto, há posicionamentos contrários e promotores que negam a autorização ao casamento sob a justificativa que a Constituição de 1988 e Código Civil estabelecerem que o casamento é entre homem e mulher, como já discutido. Essa trajetória marca uma omissão do Congresso Nacional sobre a legislação dos direitos LGBT, pois nenhum projeto foi aprovado que envolvesse uma lei anti-homofobia, sobretudo o PLC 122/2006. 26 1.3 - Tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal e Comissões Participativas É interessante mencionar que o PL 5003/2001 não teve discursos nas comissões participativas até o ano de 2006. A própria ficha de tramitação envolve um questionamento em que os deputados relatores do projeto nas comissões devolviam o projeto de lei sem se manifestar a respeito. Essa omissão também indicava uma decisão, pois se o projeto não fosse votado na legislatura em que a deputada o propôs, ele deveria ser arquivado e somente retomado mediante requerimento. A protelação da votação pode indicar uma premissa ou uma articulação futura para que o projeto não tivesse êxito. A seguir analisaremos a tramitação do projeto, desde sua proposição na Câmara dos Deputados em 2001, até seu arquivamento no Senado, em 2013. Em um primeiro momento ele tramitou na Comissão de Justiça e Cidadania, em 2003. O projeto foi articulado por relatores que são responsáveis por proporcionar seguimento ao projeto de lei e darem parecer técnico e um posicionamento sobre a proposta em discussão. Vejamos como foi articulado o andamento do projeto nesta Comissão (ver na Figura 1) a seguir: Em 12 de novembro de 2001 o Deputado Bispo Rodrigues foi designado Relator da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania pelo seu presidente Inaldo Leitão. No entanto, o relator veio a fazer parte da Bancada Evangélica em 2003, data oficial, em que foi criada a bancada. É importante mencionar que a Bancada Evangélica já existia, só não de forma legal, com estatuto próprio. O Bispo Rodrigues, na data de 18 de dezembro de 2002, devolveu o projeto sem nenhuma manifestação e a tramitação dele ficou parada por mais de um ano, desencadeando, em 31 de janeiro de 2003, o arquivamento por acabar a legislatura da Deputada Iara Bernadi que propôs o projeto. É importante mencionar que o Deputado Carlos Rodrigues, conhecido como Bispo Rodrigues, foi um dos maiores líderes da Igreja Universal, mantendo assim a relação das esferas políticas e religiosas. 27 Figura 1: Tramitação do PLC 122/2006 de 2001 a 2003 desde a proposição ao encaminhamento na CCJC Fonte: Câmara dos Deputados, Ficha de Tramitação do PLC 122/2006. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=31842. Acesso em: 29 mar./2019. Em 16 de março de 2003 foi designado o relator Deputado Bonifácio de Andrada, que posteriormente veio dar parecer favorável à proposta de Emenda Constitucional de n. 99/2011, que pretendia dar poder para as igrejas questionarem leis no Supremo Tribunal Federal. No mesmo ano, em 30 de outubro de 2003, Bonifácio de Andrada requereu a juntada do PL 5/2003 ao PL 5003/2001, pois o projeto também pretendia criminalizar a homofobia, alterando artigos do Código Penal e inserindo a homofobia como crime quando vinculado a ódio por questões de gênero, também da Deputada Iara Bernadi, pois ambos eram 28 parecidos. No entanto, mesmo após o apensamento ao projeto, o PL 5003/2001 foi devolvido sem manifestação alguma pelo relator. Neste mesmo período houve uma reunião realizada em 26 de março de 2003, intitulada Seminário Nacional de Políticas Afirmativas e Direitos da Comunidade LGBT, composta pelo Deputado Luciano Zica, que foi coordenador deste evento e participou juntamente com a Deputada Iara Bernadi como forma de articular membros da Associação LGBT com os interesses do projeto. Neste Seminário proporcionou-se a oportunidade de ouvir os anseios do grupo LGBT, especialmente sobre a questão da criminalização da homofobia. Nesta reunião foi criada uma Frente Parlamentar para articulação da defesa dos interesses do projeto, intitulada de “Frente Parlamentar Mista pela Livre Expressão Sexual”. Ainda neste encontro foi cobrado uma unicidade do grupo LGBT para pautar sobre a criminalização da homofobia e houve a solicitação de maior participação dele nas agendas públicas, como forma de haver uma maior pressão sobre a necessidade da criminalização. Essa frente parlamentar ganhou destaque e ao final da 52ª Legislatura em 2006, era integrada por 96 parlamentares. Na legislatura passada (53ª), em 2010, 216 parlamentares compunham a Frente, desencadeando um maior número de parlamentares com a consequente aprovação do projeto. 15 Figura 2: Tramitação da PL 5003/2001 em 2004 Fonte: Câmara dos Deputados, Ficha de Tramitação do PLC 122/2006. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=31842. Acesso em: 29 mar./2019. Em 2004 o projeto seguiu sem manifestação por duas vezes seguidas, tendo o Bonifácio de Andrada como o relator em ambas as vezes. Os discursos neste período mencionavam que a proposta caminhava para uma situação de omissão legislativa, uma vez que o Projeto de Lei 1151/1995 acabou sendo arquivado na Câmara dos Deputados. O Projeto de Emenda Constitucional 139 de 1995 proposto pela Marta Suplicy, na época Deputada Federal, 15 FRENTE Parlamentar pela Cidadania GLBT será reinstalada. Senado Notícias, 14 de dezembro de 2011. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2011/02/14/frente-parlamentar-pela-cidadaniaglbt-sera-reinstalada . Acesso em: 29 mar./2019. 29 que pretendia proibir a discriminação por orientação sexual, também não obteve êxito. Alguns discursos neste período na Câmara dos Deputados apontam para este cenário: “Quero alertar esta Casa para o fato de que a omissão em importantes questões de direitos humanos como essa nos mantém numa posição mesquinha, atrasada e injusta. Tenho certeza de que esta Casa não compactuará com isso”.16 O deputado Luciano Zica também alertou para o fato de que já havia uma omissão legislativa em torno de outro projeto: “Nossa prioridade em 2005 é aprovar o já mencionado PL da Deputada Iara Bernardi e retomar as discussões sobre o Projeto de Lei nº 1.151, de 1995, da ex-Deputada Marta Suplicy, que institui a união civil entre pessoas do mesmo sexo”.17 Os discursos neste período já traziam a questão de uma omissão na casa e cobravam um posicionamento por parte dos deputados, mas não havia uma disputa política acirrada de posicionamentos contrários sobre este projeto. Como ele estava sendo devolvido sem manifestação, acredita-se que o ambiente político sobre esta pauta estava livre de conflitos. Não obstante, 2004 foi um ano importante, pois foi o criado o “Programa Brasil sem Homofobia” pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, que tinha como uma das promessas a proposição de ações afirmativas e articulação da política de promoção dos direitos de homossexuais, que propunha: Apoiar e articular as proposições no Parlamento Brasileiro que proíbam a discriminação decorrente de orientação sexual e promovam os direitos de homossexuais, de acordo com o Relatório do Comitê Nacional para a Preparação da Participação Brasileira na III Conferência Mundial das Nações Unidas Contra o Racismo e a Intolerância Correlata e com as resoluções do Conselho Nacional de Combate à Discriminação (BRASIL, 2004, p. 20). O programa foi muito importante para articulações políticas, mas não teve muito comprometimento em ações de âmbito nacional, pois tinha como principal objetivo a articulação dessas propostas em âmbito estadual e municipal, deixando as propostas de âmbito nacional já existentes, como o projeto em discussão, em segundo plano e não tendo uma articulação com a devida importância necessária. Vejamos: Apoiar e estimular a participação do segmento GLTB em mecanismos de controle social já existentes no Governo, desenvolvendo também estratégias específicas que viabilizem a criação e fortalecimento dos Conselhos Estaduais 16 Discurso proferido na 043.2.52.O Sessão Ordinária da Câmara dos Deputados, em 05/04/2004, às 15:21 pela deputada Maria José da Conceição (Deputada Maninha) do PT/DF, com parecer favorável ao PLC 122/2006. 17 Discurso proferido na 097.3.52.O Sessão Extraordinária da Câmara dos Deputados, em 17/05/2005. 30 e Municipais de Direitos Humanos e dos Fóruns GLBT (BRASIL, 2004, p. 19). O programa foi importante ao proporcionar relevantes discussões, porém não impulsionou os efeitos esperados, uma vez que não teve um engajamento político a ponto de se articular com a proposta de criminalização da homofobia em âmbito nacional, como o do projeto em discussão. As moções apresentadas dentro Programa Brasil sem Homofobia mencionaram o apoio e a necessidade de aprovação do PLC 122/2006, mas não obteve um apoio explícito dentro desse programa, não sendo também apontado nas diretrizes do programa, pois foi apenas mencionado de modo geral dentro do movimento LGBT, que se conformou com a proteção de modo geral, destacando uma falta de unicidade do movimento (IRINEU, 2014). Retomando o andamento do projeto, o cenário de inércia só vem a se modificar em 17 de março de 2005, data em que foi designado um novo relator para apreciação, o Deputado Luciano Zica (PT-SP), que coordenou o evento em 2003 que pautava sobre a necessidade de criminalização da homofobia. Em 20 de abril de 2005 apresentou parecer pela constitucionalidade da matéria, apensou o projeto junto com os que tinham propostas parecidas e apresentou algumas propostas de alteração da Lei de Racismo para equiparar a homofobia ao crime de racismo, no que tange impedimento de frequentar lugares e condutas preconceituosas, proporcionando assim a mesma punição dada por esta lei, dando uma nova roupagem ao projeto de lei. Figura 3: Tramitação da PL 5003/2001 no ano 2005 na CCJC Fonte: Câmara dos Deputados, Ficha de Tramitação do PLC 122/2006. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=31842. Acesso em: 29 mar./2019. 31 O PL 5003/2001 ganhou fôlego após este parecer e não demorou muito para ser votado. No ano de 2006 foi aprovado na Câmara dos Deputados, data em que os embates discursivos se tornam mais fortes e os discursos migraram do campo de uma ação omissiva para o campo das divergências. Nesse tempo ele foi remetido ao Senado Federal, ganhando o nome de PLC 122/2006. Após a sua aprovação na Câmara dos Deputados, nota-se que havia um discurso criado em defesa da entidade familiar, seguida de um argumento cristão em que a homossexualidade é considerada pecado. Assunto que será melhor aprofundado no próximo capítulo. Existia o medo de que, com a criminalização da homofobia, os casais LGBT que trocassem carícias em público estariam protegidos por lei, uma vez que assim se criaria novos arranjos familiares, o que colocou em discussão por parte da Bancada Evangélica a questão de se a igreja iria ser obrigada a realizar casamentos entre pessoas do mesmo sexo. O PL 5003/2001 foi votado na Câmara dos Deputados em 23 de novembro de 2006 por maioria absoluta (mais da metade da composição total do número dos deputados), data em que causou grande tumulto no parlamento, pois a justificativa do grupo contrário foi que o projeto não seguiu os trâmites legais, como forma de justificar o interesse de que o mesmo não virasse lei. Nota-se uma rejeição enorme sobre a aprovação do PLC 122/2006, sobretudo pela Bancada Evangélica. Entretanto, não houve antes da aprovação do projeto, qualquer manifesto ou evento por parte do grupo contrário. Na última década, a Bancada Evangélica ganhou um número grande de participantes, mas nem sempre foi assim. Segundo Pinheiro (2014), no ano de 2006, ano da aprovação do projeto, houve uma queda expressiva do número de deputados aderentes a ela: apenas 30 deputados compunham a frente parlamentar devido ao esquema do mensalão, que teve repercussão em 2005 e tinha como objetivo favorecer projetos de governo. Naquele momento, o deputado Bispo Carlos Rodrigues renunciou ao mandato. Outro fator determinante para a queda desse número tem relação com a chamada “Operação Sanguessuga” que investigava fraudes nas licitações na área da saúde, de 72 deputados cassados, 28 eram evangélicos e da Igreja Universal do Reino de Deus, de 16 representantes, 14 estavam sendo investigados. Acreditamos que a insatisfação da Bancada Evangélica na aprovação do projeto na Câmara dos Deputados envolve também o baixo número de adesão da bancada desse período, o que contesta o fato de que a aprovação se deu de forma ilegítima. A partir da própria aprovação do projeto da Câmara dos Deputados foi que se criou um discurso que repercutiu a criminalização da homofobia como uma ameaça, pois, se aprovado no Senado, teria efeito de 32 lei. Em primeiro momento, não há a participação dos grupos contrários nas comissões, inviabilizando o debate de ideias. No mesmo dia da aprovação do projeto, emergiu a insatisfação do grupo contrário: O SR. PASTOR PEDRO RIBEIRO (PMDB-CE. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, somos contrários ao Projeto de Lei nº 5.003-A. Queremos discutir esta matéria com profundidade. Não aceitamos que este projeto seja votado hoje. O SR. PRESIDENTE (Inocêncio Oliveira) - Deputado, o projeto já foi votado. Fica registrado o voto contra. O SR. PASTOR PEDRO RIBEIRO - Foi votado quando? O SR. PRESIDENTE (Inocêncio Oliveira) - Há pouco. Já foi votada a redação final. Inclusive, ele foi elogiado pelos Srs. Deputados Rodrigo Maia e Fernando Ferro. O SR. PASTOR PEDRO RIBEIRO - Mas não aceitamos que ele seja votado hoje. O SR. PRESIDENTE (Inocêncio Oliveira) - É matéria vencida, nobre Deputado. O SR. PASTOR PEDRO RIBEIRO - Por que é vencida? O SR. PRESIDENTE (Inocêncio Oliveira) - Porque já foi votada. O SR. PASTOR PEDRO RIBEIRO - Cada Parlamentar está manifestandose. Estou manifestando-me na minha vez. Sr. Presidente, não podemos concordar. Isso não é avanço da cidadania. Isso aqui é imposição. V.Exa. sabe o que está acontecendo atualmente na Nação. Portanto, somos contra. É um pedido de urgência extrapauta, não o aceitamos. O SR. PRESIDENTE (Inocêncio Oliveira) - Nobre Deputado, foi feito o entendimento de que o que estivesse na pauta poderia ser retirado de pronto e o que tivesse consenso entre os Líderes poderia constar da pauta. Os Líderes, ao iniciarmos a votação, fizeram o pedido em relação a 2 projetos: este e o referente ao audiovisual. Concordei em inseri-los na pauta. Coloquei em votação o primeiro projeto e, depois, o segundo. Quanto ao terceiro, fiz a leitura com muita calma, disse que 2 projetos tinham sido apensados e 2 projetos tinham sido rejeitados. Chamei todos os Líderes, chamei todos os oradores inscritos, chamei os que se posicionaram contra e os que se posicionaram a favor. Depois, coloquei o projeto em votação calmamente. Votamos a redação final, disse que ela estava aprovada e que a matéria iria ao Senado Federal. Em seguida, o ilustre Líder Rodrigo Maia pediu a palavra e disse: "Presidente, quero elogiar a Casa pela maturidade com que tratou esta matéria". O Deputado Fernando Ferro me pediu a palavra e disse: "Quero, Sr. Presidente, elogiar a Casa por ter tratado esta matéria com maturidade, sem discriminação de qualquer natureza". Aí V.Exa. pediu a palavra. Pensei que fosse para protestar pelo fato de o projeto ter sido aprovado. Como posso rever uma decisão que já foi tomada, nobre Deputado? Foi a mais transparente e a mais correta. O SR. PASTOR PEDRO RIBEIRO - Sr. Presidente, enquanto eles se manifestavam - eles têm prioridade, por serem Líderes -, eu não podia falar. Eu tinha de falar na minha vez. O SR. PRESIDENTE (Inocêncio Oliveira) - Mas V.Exa. deveria ter pedido a palavra. O SR. PASTOR PEDRO RIBEIRO - Estava esperando a oportunidade. Pelo que sei, pedido de urgência que não estiver em pauta, havendo alguém que discorde... 33 O SR. PRESIDENTE (Inocêncio Oliveira) - Mas V. Exa. não discordou na hora. O SR. PASTOR PEDRO RIBEIRO - Eu não podia falar, Sr. Presidente. O SR. PRESIDENTE (Inocêncio Oliveira) - Só que a urgência foi votada ontem, nobre Deputado. A matéria estava em regime de urgência urgentíssima. A urgência foi votada ontem, com base no art. 155. A urgência urgentíssima poderia ser colocada a qualquer hora. Desculpe-me, mas a matéria está vencida. 18 Nota-se um inconformismo, não só do Pastor Pedro Ribeiro, mas por parte da Bancada Evangélica, que veio a se manifestar também mais tarde com a aprovação do projeto sob a justificativa de que não foi observado que ele estava na pauta, mesmo tendo sido avisado no início da sessão. O evento da votação se tornou polêmico a partir desse momento. Posteriormente foram organizadas manifestações em frente ao Congresso, de grupos religiosos e de Grupos LGBT, assim, criou-se um embate no cenário político. O Congresso recebeu cartas de líderes religiosos de grupos que influenciaram também no debate político, dados que serão analisados nos próximos capítulos. Os discursos produzidos seguidamente ao evento foram no sentindo de inconformismo da bancada. A Bancada Evangélica protestou sobre a apreciação do projeto por meio do Deputado Pastor Reinaldo, em 29 de novembro de 2006, alegando que o projeto teria sido aprovado de forma estratégica, não respeitando os meios legais. A exemplo no item cinco é apontado: 5) Causou ainda estranheza o flagrante registrado da manifestação e comemoração de grupos interessados na matéria que se encontravam na Casa e já sabiam antecipadamente da votação do projeto, ao contrário dos Parlamentares que nem sequer foram informados, pela Mesa e pelos Líderes, de que tal matéria seria apreciada (REINALDO, 2006, p. 20). O discurso contido na bancada é de que não se sabia da votação do projeto, mesmo tendo sido divulgada no dia da votação. Isso supõe que, se eles soubessem antes, o projeto tomaria novos rumos e não seria aprovado, talvez outros recursos seriam utilizados, tais como organização de passeatas em frente ao Congresso, cartas e outros meios de manifestações políticas que chamassem a atenção do público, como feito posteriormente. Seguidamente, houve em 2007 uma passeata movida por um pequeno grupo pelas ruas de São Paulo com a temática da punição, violência e cobrança pela aprovação da PLC 122/2006: 18 Discurso proferido pelo Deputado Pastor Pedro Ribeiro (PMDB) na Câmara dos Deputados na Sessão Extraordinária: 189.4.52.O em 23/11/2006. 34 A associação denuncia que na região da Consolação ocorreram casos de agressão a um casal de homossexuais e uma lésbica de 17 anos. O grupo protesta ainda contra o assassinato de um garçom de 19 anos ocorrido na madrugada de sábado (23) e a morte de um turista francês ocorrido no mesmo dia da Parada do orgulho GLBT, no domingo (10). O grupo cobra ainda a aprovação do PLC 122/2006, que criminaliza a homofobia e tramita no Senado, a capacitação de policiais para o atendimento de vítimas de violência, sobretudo quando se trata de crimes homofóbicos ou de intolerância, aumento do policiamento preventivo na região e rápida apuração e punição da autoria dos crimes ocorridos.19 A passeata ainda não tinha um grande número de seguidores, mas neste período já se falava da necessidade e discutia-se sobre a importância da aprovação da PLC 122/2006. Após aprovado na Câmara dos Deputados, o projeto foi enviado para o Senado para discussão em novas Comissões Participativas, aguardando então o parecer dos Senadores, bem como a votação, a última parte para aprovação. Após esta etapa o projeto tomou um novo passo, com possibilidade de se tornar lei, caso fosse aprovado no Senado. Diante disso a oposição também se articulou de modo a evitar a aprovação do projeto, através de manifestações, discursos e pronunciamentos. Retomada a discussão sobre o projeto, ele foi remetido à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), conforme abaixo: Figura 4: Tramitação do PLC 122/2006 em 2007 na CDH Fonte: Câmara dos Deputados, Ficha de Tramitação do PLC 122/2006. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=31842. Acesso em: 29 mar./2019. 19 PASSEATA nos Jardins alerta para violência contra gays. G1 Globo, 28 de junho de 2007. Disponível em: http://g1.globo.com/Noticias/SaoPaulo/0,,MUL60777-5605,00PASSEATA+NOS+JARDINS+ALERTA+PARA+VIOLENCIA+CONTRA+GAYS.html. Acesso em: 20 fev./2019. 35 A senadora Fatima Cleide foi uma das relatoras favoráveis ao projeto, com ela o projeto teve uma tramitação mais rápida, pois foi recebido em 01 de fevereiro de 2007 pela comissão e no dia 07 de fevereiro de 2007 já foi dado andamento para realização da análise. Em 07 de março de 2007, ou seja, no período de um mês, ela devolveu o projeto com parecer favorável e marcou uma audiência pública para a data de 23 de maio de 2007. São dados que, comparados a tramitação do projeto quando estava sob a responsabilidade de relatores contrários, demonstram uma tramitação muito mais rápida. A definição de identidade de gênero foi incluída na discussão em 2005, no projeto substituto apresentado pelo deputado Luciano Zica, pois ele foi anexado à votação juntamente com outros projetos de lei por terem conteúdo parecido, ou seja, que também almejavam criminalização da homofobia. Neste momento a discussão sobre o conceito de gênero passou a fazer parte do projeto. No entanto, em 08 de novembro de 2007, o senador Wilson Matos fez o pedido de emenda para retirar o termo do projeto, por ele achar que não haveria uma definição clara. Também foram realizados outros requerimentos na audiência pública do dia 21 de junho de 2007, onde foi solicitada a realização de uma nova audiência pública com a participação de líderes religiosos. Os convidados foram Pastor Silas Malafaia, um representante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Pastor Robson Rodovalho e um representante da Federação Espírita. No mesmo ano, em 24 de outubro de 2007, foi adiada a discussão do projeto a pedido do Senador Marcelo Crivella, sob a justificativa de que a casa não possuía 1/5 dos membros para dar início a sessão. Apesar de Marcelo Crivella nunca ter sido favorável ao projeto de lei, ele solicitou diversas emendas e pedidos de esclarecimentos a ele. Uma das interpretações possíveis é de que Crivella votou a favor também com a intenção de adiar a votação do projeto. No ano seguinte, na reunião da Câmara de Assuntos Sociais, em 21 de maio de 2008, o Senador Magno Malta votou pela rejeição do projeto e o Marcelo Crivella votou pela aprovação com pedido de emendas. Esses posicionamentos se mostram divergentes quando comparados, pois ambos sempre foram contrários ao projeto, o que reafirma nossa interpretação que eles desejavam adiar a votação. A partir de 2008 nota-se um período marcado por manifestações contrárias e favoráveis ao projeto, que mesmo não sendo objeto da nossa pesquisa, foram significantes para formação da convicção do político, bem como para compreender o pensamento da sociedade e 36 vice-versa, pois, entendemos que o político exerce também uma função de transmitir conhecimento ao público e seu público também toma partido do seu posicionamento. Como exemplo, em 02 de julho de 2008, a Presidência do Senado recebeu manifestação da Frente da Família, que solicitava um posicionamento contrário dos senadores sobre o projeto. A carta solicita aos senadores a não votarem no PLC 122/2006, uma vez que ele seria contrário a liberdade da família. Em seguida, especificamente em 04 de agosto de 2008, houve manifestação de várias entidades que solicitaram ao Senado voto contrário ao projeto de lei, sob a justificativa de que sua aprovação colocaria em risco a liberdade religiosa e de expressão e seria contrária aos princípios da família. Posteriormente, em 20 de maio de 2009, os Senadores Marcelo Crivella e Roberto Calvacanti convidaram o Ministro Célio Borja; o Dr. Frei Antônio Mozart, professor de Teologia Moral e Bioética do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis; o Reverendo Guilhermino Cunha, da Igreja Presbiteriana do Brasil e o Dr. Carlos Alves Moura, Secretário Executivo da Comissão Brasileira de Justiça e Paz da CNBB, para participação de audiência pública, como forma de articulação política, uma vez que são pessoas que, por razão de suas convicções religiosas, não eram favoráveis ao PLC 122. Dados que demonstram que o Senador Marcelo Crivella não possuía interesse que o projeto fosse aprovado. Em 10 de novembro de 2009 o projeto foi aprovado na CAS e foi remetido à CDH e precisava ser aprovado nesta casa para que se tornasse lei. No ano de 2010 não ocorreram audiências públicas e o Senador Magno Malta solicitou nova audiência, que só veio a ocorrer no ano de 2011. Em 12 de janeiro de 2011 a matéria foi arquivada por transitar há mais de duas legislaturas sem ser votada, mas, no mesmo ano, foi desarquivado a pedido da Marta Suplicy, que veio a se tornar nova relatora do projeto, designada pelo Senador Paulo Paim, favorável ao projeto e presidente das sessões da reunião. No mesmo ano, em 10 de maio de 2011, a Senadora Marta Suplicy apresentou uma emenda requerendo que fosse acrescentado o § 5 do art. 20 do referido projeto de lei, para que ficasse do seguinte modo: “Art. 20. § 5º O disposto no caput deste artigo não se aplica à manifestação pacífica de pensamento decorrente de atos de fé, fundada na liberdade de consciência e de crença de que trata o inciso VI do art. 5º da Constituição Federal”. Essa emenda garantia, na visão dos apoiadores do projeto, que os templos religiosos tivessem seu direito à liberdade religiosa garantido e pudessem discordar da homossexualidade caso quisessem que essas ações não fossem enquadradas como condutas homofóbicas. Desse modo, os templos religiosos não teriam seu direito de liberdade religiosa e de pensamento atingido. Ainda assim, em 19 de maio de 2011, o Senador Magno Malta solicitou uma audiência 37 pública com entidades da sociedade civil, a OAB, CNBB e Conselhos de Líderes Religiosos Brasileiros, FENASP, Fórum Evangélico Nacional de Ação Social e Política, pois, mesmo com a proposta de proteção a liberdade de cultos religiosos, o projeto ainda não tinha conquistado o apoio da oposição. Nesse intervalo, foram realizadas manifestações contrárias em desfavor do projeto na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa ao PLC 122/2006. Trazemos outros exemplos de manifestações e cartas enviadas ao Senado, de apoio ou não ao projeto, que podem ter influência significante na aprovação, que mesmo não sendo nosso objetivo realizar uma análise profunda, é importante mencionarmos. Vejamos abaixo um quadro exemplificativo com os manifestos que foram recebidos pelo Senado: MANIFESTOS ENVIADOS AO SENADO20 Data: 02/07/2008 A Presidência recebeu manifestação da Frente da Família que foi juntada Parecer: Contrário ao PLC 122/2006. Data: 13/06/2011 Sr. Jorge Vidal, de São João de Merití - RJ, contrário ao PLC nº 122, de Parecer: Contrário 2006 pela sua inconstitucionalidade. Data: 28/06/2011 Foi anexado Ofício Coletivo nº 002/2011 da Câmara Municipal de Parecer: Contrário Muqui-ES, fls. 49/50 em desfavor do projeto a carta da Senhora Santana do Rosário Silva, fls. 51, moradora de Ananindeua - PA, em também em desfavor do PLC nº 122/2006. Data: 08/08/2011 Foi anexado Voto de Repúdio da Câmara Municipal de Garanhuns-PE. Parecer: Contrário Data: 28/06/2012 A Câmara de Direitos Humanos- CDH recebeu moção de apoio ao PLC Parecer: Contrário nº 122 de 2006 através do Ofício COE/RJ nº 42 da 1ª CONSOCIAL Conferência sobre Transparência e Controle Social, realizada no Rio de Janeiro, nos dias 17 e 18 de março de 2012 Data: 13/08/2012 A CHD recebeu outra moção de apoio ao PLC nº 122, de 2006 através Parecer: Favorável do Ofício - NCDRP – n. 473/2011 - Defensoria Pública do Estado de São Paulo - Núcleo especializado do Combate à Discriminação, Racismo e Preconceito. Conferência Estadual ocorrida em agosto de 2011, São Paulo. 20 Data: 21/05/2013 Foi juntado oficio de n. 64/2013 do Gabinete da Presidência da Câmara Parecer: Favorável Municipal de Vereadores da Cidade de Passo Fundo - RS, que Quadro confeccionado a partir de informações contidas no site oficial do Senado, onde consta a tramitação do PLC 122/2006. 38 encaminhou a moção de n. 11/2013, de autoria do Vereador Rui Lorenzato e outros, que "Propõe Moção de Apoio à nova proposta de Texto de substitutivo ao PLC 122 apresentado pelo Conselho à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal", fls. 99 a 105. Data: 19/09/2013 Foi recebido manifesto de apoio do município de Passo Fundo - Rio Parecer: Favorável Grande do Sul. O número de manifestos contrários e favoráveis foram, sem dúvidas, significativos, pois englobam o projeto de lei. Os de apoio prezavam pela garantia dos direitos humanos e apelavam pela violência sofrida pelas minorias. Já os manifestos contrários possuem um discurso de defesa da liberdade religiosa, da proteção da família e garantia da liberdade de expressão, seguida de justificativas religiosas. Trazemos como exemplo um manifesto contrário ao PLC 122/2006, da Câmara Municipal de Muqui – Espírito Santo, enviado ao Presidente do Senado José Sarney (2007-2015): Figura 5: Manifestação da Câmara Municipal de Muqui enviada ao Senado Fonte: Manifesto juntado em anexo ao PLC 122/2006 em 01 de junho de 2011. 39 A própria manifestação traz consigo uma mescla do que trata o PLC 122: o casamento LGBT e a distribuição do kit gay, dados que não se relacionam, pois como se sabe, o PLC 122 trata apenas da criminalização da homofobia. Mas, ainda assim, de modo geral há a preocupação de resguardar a família. Além das cartas, ocorreram também passeatas e manifestações: em 19 de fevereiro de 2011, segundo o site G1 Globo21, houve uma marcha na Av. Paulista contra a homofobia, com cerca de mil participantes em prol da aprovação do PLC 122/2006. O protesto também teve o objetivo de alertar sobre os perigos, uma vez que terminou em frente onde um rapaz foi agredido por homofobia com lâmpadas fluorescentes. Houve também outra manifestação ocorrida em 2011 em frente ao Congresso, onde houve uma discussão de ambos os lados. Nessa ocasião, a Frente Parlamentar Evangélica organizou a Manifestação contra o PLC. O site de notícias do Senado22 afirmou que os senadores Magno Malta e Crivella apoiaram a manifestação contra o PL 122. Essa manifestação, segundo o site, ocorreu em 01 de junho de 2011. A manifestação se pautava na temática da defesa do direito à livre manifestação religiosa. A partir dessa pauta criou-se um discurso contrário no Senado Federal de que a PLC 122 tinha o intuito acabar com a liberdade de expressão para tratar a homossexualidade como pecado e, inclusive, disseminar a ideia de que os templos religiosos teriam que aceitar o beijo gay. Nesta mesma matéria, de acordo com o Senador Marcelo Crivella, a manifestação reuniu em torno de 80 mil pessoas. No entanto, nesta mesma notícia foi relatado que, segundo a polícia, a manifestação teria entre 15 e 20 mil pessoas. Neste evento o Senador Marcelo Crivella elogiou os demais senadores opositores ao Projeto. Já o Senador Magno Malta ressaltou que “o anseio grotesco de uma minoria não pode se impor à maioria das famílias brasileiras”. O senador ainda destacou que a Bancada da Família tinha a maioria do Senado, pois 72 dos 81 senadores já eram da Bancada, então o projeto já seria um cadáver segundo ele. Neste mesmo local também existiam pessoas favoráveis ao projeto. O evento também contou com a participação de aproximadamente 40 pessoas que lutavam pela aprovação. Afim de evitar tumulto, a polícia se organizou para separar os manifestantes de 21 MANIFESTANTES marcham na Paulista contra homofobia. G1 Globo, 19 de fevereiro de 2011. Disponível em: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2011/02/manifestantes-marcham-na-paulista-contra-homofobia.html. Acesso em: 06 maio/2019. 22 MAGNO Malta e Crivella apoiam manifestação contra PL 122. Senado Notícias, 01 de junho de 2011. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2011/06/01/magno-malta-e-crivella-apoiammanifestacao-contra-pl-122. Acesso em: 20 maio/2019. 40 anseios antagônicos. Nesta data foi recebido um manifesto com cerca de um milhão de assinaturas que, segundo José Sarney, ex-presidente do Senado, certamente teria uma grande relevância na apreciação do projeto. O projeto foi lido na manifestação pelos opositores para ressaltar o absurdo e criar um pânico com a possível aprovação do PLC 122/2006. O artigo de lei que era mais reprovável pela oposição era o seguinte: Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero: § 5º O disposto neste artigo envolve a prática de qualquer tipo de ação violenta, constrangedora, intimidatória ou vexatória, de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica. Os opositores entendiam que a pauta religiosa estava inserida na questão filosófica e moral e, portanto, o projeto iria impedir que se pudesse entender a homossexualidade como pecado e criaria um caos à ordem da família pré-estabelecida. O requerimento apresentado em 10 de maio de 2011 pela então Senadora Marta Suplicy, antes da manifestação contrária, não foi suficiente para acalmar os ânimos e, ainda assim, houve o protesto gigantesco que reforçava a ideia de que o projeto de lei não deveria ser aprovado de forma alguma. Juntamente a isso, houve até mesmo um congestionamento telefônico na data de 17 de maio de 2011 por parte do “Alô Senado”23 em que as pessoas solicitavam que não fosse aprovado o projeto de lei. A Frente Parlamentar da Família, que aqui nos referimos como Bancada Evangélica, convidou seu público para realizar campanhas contra a aprovação do projeto e também abaixo assinados que seguidamente seriam enviados ao Congresso como forma de influenciar a decisão política sobre a questão em pauta. A disputa no ano de 2011 estava mais calorosa, pois foi onde surgiu o discurso do kit gay, termo que foi erroneamente utilizado para se referir à iniciativa do Programa Brasil sem Homofobia, para que as escolas tivessem acesso a cartilhas para trabalhar um projeto em que se tentasse diminuir a homofobia nas escolas. Neste mesmo ano também se criou um discurso de que os homossexuais iriam querer se beijar nos templos religiosos ou que a negativa do casamento LGBT ensejaria em multa para os templos e, assim, a criminalização da homofobia seria um risco para a liberdade religiosa. 23 O Alô Senado é uma central de relacionamento que permite os cidadãos opinares sobre as ideias legislativas e integra a estrutura de Coordenação de Pesquisa e Opinão (Copop) do Senado. 41 Posteriormente, no ano de 2012, o Senador Paulo Paim, Diretor da CDH se tornou o novo relator do projeto. No ano seguinte, em 14 de novembro de 2013, ele aprovou um relatório conclusivo pela aprovação do projeto. No mesmo mês, no dia 27 de novembro de 2013, o Senador relator Paulo Paim apresentou emendas em forma de um projeto substituto, no qual foram solicitadas correções de ordem jurídica para que a matéria atendesse ao público e não causasse divergências na aplicação da lei. Além disso o projeto passou a incluir novos grupos, tais como: crimes de ódio e intolerância resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, origem, gênero, sexo, orientação sexual, identidade de gênero ou condição de pessoa idosa ou com deficiência. Desse modo, as pessoas idosas e também as com algum tipo deficiência passariam a ter o mesmo tratamento da lei de racismo quando fossem obstados de frequentar algum lugar. No entanto, em 03 de dezembro de 2013, o Senador Eduardo Lopes apresentou requerimento para incluir o PLC 122/2006 para ser discutido juntamente com o PLS 236/2012, projeto que discute a reforma do Código Penal Brasileiro. Segundo a senadora Marta Suplicy, isso foi uma tentativa de protelar a discussão do projeto para que ele não fosse aprovado. O requerimento proposto pela Senador Eduardo Lopes foi aprovado com 29 votos favoráveis por 12 contrários e 2 abstenções em 17 de dezembro de 2013. Foi neste momento que o PLC 122/2006 foi incluído junto à tramitação do Novo Código Penal e passou a ter prazo indefinido para votação. Em nossa interpretação, tal fato foi uma articulação política e uma manobra jurídica para adiar a votação do projeto. Além disso, o Projeto do Novo Código Penal ainda se encontra em tramitação e não se sabe quando poderá ser votado. Ressaltamos que no ano de 2019, o PLC 122/2006 foi retirado das pautas da votação, antes mesmo de ser julgada a ação no STF que tratava sobre a omissão da criminalização da homofobia. Em 26 de dezembro de 2014 o PLC 122/2006 foi arquivado definitivamente, pois passou a tramitar juntamente com o Novo Código Penal e, por este motivo, deixou de ser discutido na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa. Quem foi o Senador Eduardo Lopes, qual era o seu interesse, sua influência e engajamento político são objetivos que pretendemos desvendar ao longo do desenvolvimento da pesquisa, uma vez que a motivação principal da discussão é entender como as articulações políticas fizeram com que o projeto fosse arquivado, questão que iremos analisar posteriormente. Em contrapartida ao PLC 122/2006, também surgiu o Projeto de Decreto Legislativo da Câmara 234/2011, de autoria do deputado João Campos ex-presidente da Bancada Evangélica. Ele pretendia autorizar procedimentos psicológicos, como o comumente 42 chamado de cura gay, e acabou sendo retirado em 2013 pelo autor do projeto, data em que o PLC 122/2006 foi arquivado. Outros projetos também surgiram durante a tramitação do PLC 122 como uma forma de revidar uma suposta ameaça de criminalização da homofobia, uma vez que ele propunha mecanismos contrários à crença da oposição. Outro projeto de lei que também foi proposto pela Bancada Evangélica, foi o PL 6583/2013, também de autoria do deputado João Campos (PSDB/GO), que tinha a intenção de consagrar o estatuto da família e de firmar um conceito de família único que fosse apenas formado por homem e mulher. 1.4 - Culturas Políticas Os posicionamentos sobre o PLC 122/2006 são antagônicos e emergidos a partir de determinadas crenças que permeiam o espaço político social, mas também estão inseridos em instituições que são influenciadas pela mídia, pelo discurso religioso, moral, social e filosófico. Entendemos existir um discurso, bem como articulações de cunho dominante que se pautam no medo do desconhecido e na defesa da família, da religião, dos costumes e da moralidade. Quem destoa de corroborar com esse pensamento é tido como desviante e imoral. Assim, pretendemos utilizar o conceito de cultura política para nos ajudar a entender as articulações envolvidas nos discursos e outros elementos políticos. Segundo Rodrigo Patto Sá Motta (2009) o conceito de cultura política no ambiente acadêmico começou a ser discutido nas décadas de 1950 e 1960 com o objetivo de compreender os sistemas políticos democráticos, questionando o ideal de homem como um ator político racional em que segue uma política de forma individual. O questionamento desses valores para este conceito se daria de forma internalizada, existindo assim uma cultura política. Esse termo foi cunhado pela Ciência Política e posteriormente utilizado por Gabriel Almond e Sindey Verba, além de ter influência na antropologia e psicologia, onde o termo é considerado uma influência de valores e tradições que se resumiam a poucos tipos de culturas políticas. Foi na década de 1990 que surgiram os estudos franceses que, segundo Sirinelli apud Berstein (1998, p. 349): “é no quadro da investigação, pelos historiadores do político, da explicação dos comportamentos políticos no decorrer da história, que o fenômeno da cultura política surgiu oferecendo uma resposta mais satisfatória”. Assim, o comportamento do político seria todo tipo de alternativa ou articulação com uma finalidade específica que tenha efeito de forma direta ou indireta no projeto de lei estudado. 43 Nesse sentido, o conceito de cultura política de Serge Berstein (1998, p. 350) nos corrobora: “[...] uma espécie de código e de um conjunto de referentes, formalizados no seio de um partido ou, mais largamente, difundidos no seio de uma família ou de uma tradição política”. De acordo com Eliana Dutra (2002) esses códigos são partilhados por um grupo de pessoas que possuem uma tradição comum e que podem adotar posturas semelhantes ao grupo que participam, pois compartilham um mesmo sentimento e pensamento sobre um assunto. Essas culturas políticas podem ter várias culturas que podem ter sua identidade moldada por associações, jornais, livros que podem ser expressadas em ações e posições políticas. Esses códigos ainda são compartilhados em um determinado ambiente cultural e traduzem uma visão em comum de mundo, um sentimento de expectativa de uma sociedade idealizadamente boa, sendo assim, a cultura política pode ser vista de modo plural, e entendida a partir de valores antagônicos, acontecimentos, concepções opostas de poder que atuam sobre o indivíduo e formam um conjunto de crenças que definem uma cultura política. Essas culturas podem ser dominantes a outras culturas políticas, podem evoluir e até mesmo deixar de responder determinados anseios da sociedade em determinado momento (DUTRA, 2002). Logo entendemos os discursos de modo plural, nos quais são envolvidos valores diferentes para cada grupo ou instituição que os manifesta. O próprio político se encontra inserido em um meio onde há opiniões plurais e diversas, mas que podem ter pensamentos de uma cultura política que o determina, bem como os acontecimentos e eventos. Não pretendemos analisar os discursos de forma independente, pois segundo Berstein (2009) eles não são capazes de, isoladamente, produzir significados válidos para constatar o que faz um grupo se engajar e ter um determinado posicionamento. A tradição de um grupo torna mais fácil encontrar uma cultura política e os discursos reproduzem os significados de uma cultura, podendo nos ajudar a compreender os fatos e posicionamentos. Uma cultura política recebe influências de diversos setores, tais como igrejas, locais de trabalho, a imprensa e difusores de informações, como rádio e TV; tais setores exercem função sobre essa cultura (DUTRA, 2002). Isso coaduna com a presente pesquisa, uma vez que foram diversos meios utilizados que influenciaram o pensamento político, bem como o da sociedade. Um modo do historiador identificar a cultura política de um determinado grupo pode ser, segundo Berstein (2009, p. 34), através de: “dados-chave, textos seminais, fatos simbólicos e galerias de grandes personagens que são apresentados como modelos a seus fiéis”. Deste modo, a presença de um ídolo carismático, discursos que se repetem e símbolos frequentes são dados que estão presentes numa cultura política. 44 A Bíblia, uma bandeira, um livro, um cartaz, a presença de um líder religioso, ou militante importante, de um sujeito atuante na política são elementos que sem dúvida despertam um sentimento de rejeição ou aprovação, de medo, de angústia ou de reflexão. A intenção é significante para produzir o sentimento influenciador no indivíduo. Esses elementos e valores normativos são regras que permanecem no tempo e são naturalizadas e podem partir de um discurso, como no caso identificamos como mais presentes o discurso em defesa da família e da religião. De outro norte, foram diversos os meios utilizados que remetem à influência política, bem como passeatas, manifestações, reuniões e audiências públicas com intenção de levar um debate sobre a necessidade de criminalização da homofobia, mas sem deixar de existir opiniões contrárias que tiveram enorme influência que ocorreram em resposta ao projeto de lei. Portanto, esses significados estão elencados numa cultura política de defesa de um posicionamento específico, mas que contém uma série de significados. Para a História, a cultura política em uma sociedade é um fenômeno que resiste a mudanças e permanece no tempo, e que explica através dessas resistências o modo de como a sociedade funciona, quais são os seus valores e anseios. Junto a isso vários são os fatores que podem influenciar a cultura política de uma sociedade e não algo específico (BERSTEIN, 2009). Na existência dessa pluralidade de culturas políticas e nesses embates, desejamos entender como as experiências vividas pelos cidadãos e que são articuladas junto às instituições formulam um posicionamento político. Para Motta (2009), o que define a cultura política é a repetição de rituais e participação de eventos que dão sentindo de pertencimento do grupo, firmando pactos e acordos. Para Berstein (2009), as instituições e partidos reproduzem a cultura política. No caso da família e religião, entende-se nessa dissertação que a escolha política revela uma fidelidade a essas instituições. Moisés (2008) utiliza dois métodos explicativos para isso: um é entender a cultura política desse povo e outro é entender o desempenho prático, ou seja, a influência dessas instituições na vida do indivíduo. O historiador mede tanto a satisfação do sistema político vigente, bem como a formação de atitudes, distinguindo como as orientações democráticas das autoridades impactam a suas vidas. E ele concluiu que adesão à democracia depende da cultura e da confiança nas instituições. Então, na medida em que cresce a confiança nas instituições, é diminuída a crença no Estado. Um discurso onde se permite a atuação e escolha da representação da instituição é reflexo da cultura política exercida por um determinado povo. A exemplo dessa situação, a 45 confiança na instituição pode cair, como no ano de 2006, em que a Bancada Evangélica perdeu força na atuação, devido ao alto número de envolvimento dos seus membros com a Operação Sanguessuga, envolvendo políticos em esquema de corrupção onde foi desviado dinheiro que era destinado à compra de ambulâncias. Mas, por outro lado, ela alavancou aumentando a crença nas instituições religiosas, e retomou o seu percurso dentro da política, não de modo de confiança no Estado, mas de crença nas instituições religiosas como representatividade. Assim, concordamos o que Moisés (2008, p. 15) pontua: “Instituições e procedimentos são vistos, portanto, como meios de realização de princípios e valores adotados pela sociedade como parte do processo político”. Esse processo é importante, pois notamos que a partir de uma sustentação da necessidade de conservar os modelos de família préestabelecidos é que se cria um discurso, o que mostra uma dificuldade de aceitar novos arranjos familiares, e que a concepção biológica de gênero acaba sendo naturalizada. Há um comportamento político de confronto de valores tradicionais em que trata o outro grupo como desviante, criando um clima de embate. Junto a isso, está presente nesses discursos o que reconhecemos como cultura do medo, da qual iremos desenvolver mais tarde. A cultura política ainda é vista de modo coerente para o indivíduo, existe um bemestar social com a continuidade estabelecida. As regras sobre moral, crenças religiosas, opções por questões legais também a definem, pois nesta cultura política há um ambiente coerente com os modelos institucionais. Para interpretá-las não se pode esquecer do que foi omisso, do que o oculto significa para a norma. Há também uma cultura política dominante que corresponde aos anseios da sociedade em maior grau, outras que atendem interesses minoritários. Os valores, normas e as estruturas sociais, juntamente com os anseios de uma maioria, criam o ambiente sociopolítico dominante. Elas podem ser antagônicas e emergem em razão de um conflito, de uma crise que afeta o outro grupo (BERSTEIN, 2009). Há toda uma representação de medo e temor presente nos discursos contrários que são pautados em defesa da moralidade, mas o discurso do temor emerge do fato de colocar o outro como um perigo, uma ameaça à estrutura familiar e aos princípios religiosos. Concordamos com Prado e Machado (2008) que o discurso sobre a homossexualidade foi e ainda é socialmente condenado por um discurso hegemônico, juntamente com valores heteronormativos24, fazendo com que tudo que não esteja na norma 24 Segundo Petry e Meyer (2011, p. 196) o termo heteronormatividade, cunhado em 1991 por Michael Warner, é então compreendido e problematizado como um padrão de sexualidade que regula o modo como as sociedades ocidentais estão organizadas. Trata-se, portanto, de um significado que exerce o poder de ratificar, na cultura, a compreensão de que a norma e o normal são as relações existentes entre pessoas de sexos diferentes. 46 heterossexual seja anormal, então é entendido que se deve reprimir a homossexualidade. O que faz com que o público que não aceite a criminalização da homofobia veja este discurso como coeso. Essa naturalização do androcentrismo, que seria o homem como o centro das relações sociais, faz com que se veja o homossexual como desviante da norma, uma vez que a concepção de homem e mulher é sempre resgatada no discurso contrário, fazendo com que o homossexual seja deixado de lado por não se encaixar no padrão proposto (BOURDIEU, 2012). Pretendemos pensar como as instituições sociais que permeiam esse discurso são levadas ao político e como o político leva essas questões ao social, pois os discursos em defesa da família tradicional e da religião não englobam o sujeito homossexual. A heteronormatividade e a cisgeneridade são naturalizadas e neste contexto em que destacamos ainda se falava pouco dessas ideias, como dito, o projeto de lei que pretendia legislar sobre a união estável entre pessoas do mesmo sexo não foi aprovado e outros projetos em defesa da família heteronormativa e com a pretensão de realizar a “cura gay” surgiram no período. Até mesmo a omissão do discurso, como o fato de grupo favorável à criminalização da homofobia não contestar os discursos religiosos como válidos ou não, significa um embate discursivo onde há omissão quanto aos discursos religiosos. Uma vez que ele não é contraatacado, há na verdade uma imposição em torno da divisão do masculino e feminino como biológico e natural para a sociedade, o que não é contestado. Há um apelativo de um fenômeno moralizante através do discurso religioso levado pelo político. Mas é possível estudar política e religião? Aline Coutrot (2003, p. 331), em seu capítulo intitulado Religião e Política, nos responde: “Hoje as forças religiosas são levadas em consideração como fator de explicação política em numerosos domínios”. Desse modo, entendemos ser possível nosso estudo por esta perspectiva. A Bancada Evangélica encontra-se presente nas relações político sociais envolvendo-se nos discursos do PLC 122/2006 e, portanto, fará parte da nossa análise no capítulo seguinte. Como essas esferas encontram-se entrelaçadas? O político se interessa pelo religioso, assim como o religioso pelo político. Há um duplo interesse, do político conquistar o público religioso e do religioso de se inserir na política, tornando essa prática discutível (COUTROT, 2003). Os discursos são ainda produzidos em torno da heteronormatividade que já se encontra inserida no espaço jurídico, as leis são pensadas para o homem e a mulher, consequentemente os LGBT’s são dispensados desse espaço e quando tentam ser inseridos 47 existe a imposição religiosa e familiar, como imposição da moralidade para desencorajar a criação de uma lei, sob a justificativa de que não é necessário, pois a lei é para todos. Bourdieu (2012, p. 17), em A dominação masculina, argumenta que: A divisão entre os sexos parece estar "na ordem das coisas", como se diz por vezes para falar do que é normal, natural, a ponto de ser inevitável: ela está presente, ao mesmo tempo, em estado objetivado nas coisas (na casa, por exemplo, cujas partes são todas "sexuadas"), em todo o mundo social e, em estado incorporado, nos corpos e nos habitus dos agentes, funcionando como sistemas de esquemas de percepção, de pensamento e de ação. E é sobre essa ordem que questionamos, pois o discurso em torno da formação da família e da divisão dos papéis nos espaços são entendidos como naturais pelo discurso da oposição. Tudo é formado de acordo com uma ordem biológica em que o androcentrismo tem grande peso. Para Bordieu (2012) o poder masculino não precisa de justificação para se legitimar, pois a dominação por si só impõe uma divisão inconsciente. Assim, entendemos que a homossexualidade nesses discursos é considerada uma subversão aos poderes e dessa forma, é considerada uma humilhação, que desmerece também o acesso e proteção do Estado. As diferenças de gênero então, são vistas como hierarquizantes. Apenas ao homem, másculo, viril, protetor é possível o poder, enquanto pessoas que negam acessar esses significados não podem ter acesso ao domínio desses bens de acesso masculino. Ao Bourdieu (2012, p. 45) afirmar que: “a representação androcêntrica da reprodução biológica e da reprodução social se vê investida da objetividade do senso comum”, ele alerta que essa linguagem é naturalizada e que há uma dificuldade de compreender arranjos diferentes, como por exemplo uma família formada por dois homens ou duas mulheres. Há o lugar de exclusão, a omissão ao acesso, a possibilidade de ter os mesmos direitos, maculando a ideia de uma possível igualdade entre todas as pessoas. O contexto em que se assume a condição de existência como indivíduo homossexual implica nas relações sociais e institucionais que estão ligadas ao bem-estar do indivíduo. Para a Bancada Evangélica a criminalização da homofobia é uma ameaça à liberdade de expressão para os templos religiosos, pois se a homofobia fosse considerada crime, independente do templo religioso poder continuar ou não dizendo que ser homossexual é pecado, o templo se tornaria contra a lei de forma legal ou não, ensejando uma grande discussão posterior sobre o assunto, até mesmo por parte da mídia. 48 O PLC 122/2006 só veio a se tornar uma ameaça após a aprovação na Câmara dos Deputados, antes disso ele poderia ser empurrado, ser omisso ou não representar um risco, pois se imaginava que certamente não havia grande representação para que esse projeto viesse a ser aprovado. Sobre esse discurso de medo, acreditamos que o conceito de pânico moral de Stanley Cohen pode nos ajudar a entender, uma vez que Cohen, parte da problemática de que há uma ação desviante dos grupos marginalizados ou excluídos do campo, composta por um conflito firmado por estereótipos, são vistos como desviantes. Segundo Machado (2004, p. 01) o pânico moral: a noção é utilizada, pela primeira vez, por Jock Young, que refere um “efeito em espiral” (1971, cit. Thompson 1998: 7) entre a mídia ,a opinião pública, os grupos de pressão e os políticos, acerca da preocupação com o consumo de drogas. A noção é, um ano mais tarde, em 1972, utilizada por Stanley Cohen no livro Folk Devils and Moral Panics (1987), a propósito da inquietação gerada pelas confrontações e episódios de vandalismo protagonizados por dois grupos juvenis rivais – os Mods e os Rockers – em algumas estâncias balneares inglesas, articulando, propriamente, a primeira teoria do pânico moral. A derivação do conceito decorre de instrumentos do marxismo e instrumentos simbólicos. O pânico moral se aplicaria, segundo Cohen apud Machado (2004), quando uma pessoa ou grupo de pessoas representa uma ameaça a valores e interesses sociais, sendo este grupo apresentado por estereótipos. Na medida em que os discursos em torno do político emergem e evocam termos de exclusão e estereótipos e apelam a manifestações e discursos, eles englobam outras lutas da sociedade. A teoria do pânico social se aplica, pois há um foco numa situação minimizada, ou mentirosa, e essa situação é deliberadamente utilizada como se fosse realidade para o público. Como exemplo, discursos proferidos no Congresso, tais como “não poderemos mais falar que ser a homossexualidade é pecado”, “querem criar super direitos e uma super lei aos homossexuais” 25 , “vão querer nos obrigar realizar casamentos gays”26 e “esse projeto foi aprovado de forma sorrateira”.27 Utilizaremos estes, por acreditar que estas foram as frases que causaram maior medo ao público e que foram utilizadas nas manifestações e fizeram com que o público ficasse contrário à criminalização da homofobia. 25 Discurso Proferido pelo Deputado Jefferson Campos (PTB-SP), na Câmara dos Deputados em 10/06/2008. Discurso Proferido pelo Deputado TAKAYAMA (PAN-PR), na Câmara dos Deputados em 25/05/2007. 27 Discurso Proferido pelo Deputado Costa Ferreira (PSC-MA) na Câmara dos Deputados em 28/11/2006. 26 49 Erich Goode e Nachman Ben-Yehuda apud Richard Miskolci em Pânicos morais e controle social: reflexões sobre o casamento gay (2007, p. 112) conceituam pânico moral como: o consenso, partilhado por um número substancial de membros de uma sociedade, de que determinada categoria de indivíduos ameaça a sociedade e a ordem moral. Portanto, esse número considerável de pessoas que se sentem ameaçadas tende a concordar que “algo deveria ser feito” a respeito desses indivíduos e seu comportamento. O algo a ser feito aponta para o fortalecimento do aparato de controle social, ou seja, novas leis ou até mesmo maior e mais intensa hostilidade e condenação pública a determinado estilo de vida. Dessa forma, utilizaremos o conceito de pânico moral para identificar como esses signos atingem os eventos e manobras de massa, como manifestações sociais. Empregaremos também o conceito de violência simbólica que nos ajudará na análise do discurso, que também é eivado de linguagens que causam violência que pode se passar despercebida. Como por exemplo, o fato de negar as agressões sofridas aos LGBT, com argumentos de que a família “é formada por homem e mulher”. Assim temos um discurso que exclui as agressões sofridas em prol de um modelo que deve se perpetuar, que é a formação da família biológica. Segundo Bourdieu (2012), essa violência pode ser vista pelos dominados como natural, pois podem ser reproduzidas pela Igreja, pelo Estados e pela sociedade. Pactuamos com o conceito de violência simbólica, que se aplica, segundo Bourdieu (2012, p. 47): por intermédio da adesão que o dominado não pode deixar de conceder ao dominante (e, portanto, à dominação) quando ele não dispõe, para pensá-la e para se pensar, ou melhor, para pensar sua relação com ele, mais que de instrumentos de conhecimento que ambos têm em comum e que, não sendo mais que a forma incorporada da relação de dominação, fazem esta relação ser vista como natural; ou, em outros termos, quando os esquemas que ele põe em ação para se ver e se avaliar, ou para ver e avaliar os dominantes (elevado/baixo, masculino/feminino, branco/negro etc), resultam da incorporação de classificações, assim naturalizadas, de que seu ser social é produto. Os argumentos utilizados pela oposição contêm um discurso coeso da família biológica de que o grupo LGBT não tem como retribuir, assim, entendemos haver uma violência simbólica, pois as famílias LGBT são afetivas e não biológicas. Diante disso, muitos discursos em resposta a isso são omissos ou naturalizados, no entanto essa discussão será aprofundada no capítulo seguinte. 50 No capítulo seguinte iremos trabalhar com os discursos que envolvem a família e que estão atrelados à moralidade. Apesar desses discursos estarem também conectados a justificativas religiosas, que serão objetos do último capítulo, entendemos que os discursos da família causam uma naturalização do modelo heteronormativo existente, em que se omite outros tipos de arranjos familiares. Além disso, os argumentos contrários sobre a naturalização da família heteronormativa compõem uma maioria que também participa desse espaço político, que por vezes não é capaz de questionar por não entender ou não compor uma família homoafetiva. Assim entendemos haver uma dificuldade de lidar com este tratamento, uma vez que o projeto de lei envolvendo o casamento LGBT foi arquivado e esta questão levanta diversos argumentos contrários que envolvem uma justificativa parecida para a não aprovação da PLC 122/2006. 51 CAPÍTULO 2 EMBATES DISCURSIVOS SOBRE FAMÍLIA E MORALIDADE EM TORNO DO PLC 122/2006 2.1 - Política e religiosidade no Congresso Nacional Nesse capítulo temos o objetivo de realizar uma análise político-cultural em torno das articulações da Bancada Evangélica, cujos membros se utilizam do discurso religioso no espaço público para manifestar seus ideais e preceitos, que se mostram controversos quando relacionados, pois afirmam ter o papel acolhedor no que tange à pluralidade das sexualidades, mas ao mesmo tempo alegam contrariar seus preceitos bíblicos. Neste sentido, iremos analisar os discursos pautados em defesa da família nas audiências públicas que envolvam o PLC 122/2006. Nossa problematização ocorreu a partir do nosso referencial teórico, bem como a partir do volume que levantamos em relação a outras categorias temáticas de análise do discurso, pois os discursos em defesa da família e da religião são os que mais apareceram, o que nos leva a crer ser uma das justificativas para que o projeto não tivesse êxito. Além disso os discursos em defesa da família são importantes por serem preponderantes dentre as articulações e manifestações enviadas ao Congresso, sendo inclusive um discurso utilizado em período eleitoral por parte de alguns candidatos. A partir de nossas análises, grande parte desses discursos em defesa da família e da religião vieram da Bancada Evangélica e de seu eleitorado, que carece um estudo. Ao analisar esse embate discursivo, pretendemos identificar o papel do religioso no âmbito político e sua interação com a sociedade. Desse modo, pretendemos abranger nosso entendimento sobre os desafios da democracia e consolidação dos direitos civis do público LGBT. A Bancada Evangélica não é formada exclusivamente por membros evangélicos. Andrea Dip (2018), em entrevista realizada com o deputado e membro da Bancada Evangélica Arolde de Oliveira (PSC-RJ), em 2017, relata que “o surgimento de membros evangélicos no Congresso se deu na década de 1980, e descreve que a Igreja Universal foi uma das primeiras a ter engajamento político”. A participação de evangélicos na política data da década de 1980, já que eles estavam presentes na assembleia constituinte. Todavia este espaço se ampliou posteriormente 52 com a permissividade da candidatura oficial de membros evangélicos por parte da Igreja Universal do Reino de Deus (MACHADO, 2012). Segundo Ari Pedro Oro (2005), a participação de evangélicos na política se deu em 1986 em relação aos possíveis rumores de que a Igreja Católica voltaria a ser a religião oficial do Estado. Assim mudou-se o paradigma de que evangélicos não podiam se envolver na política, para “irmão vota em irmão”. Desse modo, a expansão dos evangélicos para os veículos de comunicação também passou a influenciar o pensamento político, pois algumas igrejas permitem a participação dos seus fiéis e líderes religiosos na política. Seguindo essa lógica, os evangélicos também passaram a se interessar pelas questões que envolvessem políticas públicas que defendessem sua base ideológica. No início dos anos 2000 houve uma ampliação da presença de membros religiosos no Congresso Nacional, ocupação essa que já existia, pois os católicos já estavam atuando na política desde o século XX. Segundo Machado (2012), a Igreja Católica atuava como mediadora entre o Estado e a sociedade. Atualmente essa disputa abrange outros atores no campo político com a presença da Bancada Evangélica e a discussão sobre efetivação de direitos humanos. Já em relação ao número de católicos atuantes no Congresso, essa cifra tem sido reduzida, e seus pensamentos políticos não são tão fiéis quanto os da Bancada Evangélica em relação às pautas que envolvem criminalização da homofobia, aborto e uso de métodos contraceptivos, pois os católicos têm se mostrado mais liberais nestas questões (MACHADO, 2012). Segundo Eduardo Maia (2006), diferente da Igreja Católica que atuou e ainda atua como mediadora das políticas públicas, mesmo que de forma reduzida, os líderes das Igrejas Evangélicas utilizam de suas crenças e valores sobre moralidade para se inserir na política brasileira. Emerson Roberto da Costa, em sua tese de doutorado República Federativa Evangélica: uma análise de gênero sobre a laicidade no Brasil a partir da atuação dos parlamentares evangélicos no Congresso Nacional no exercício da 54º legislatura (2016), argumenta de modo contrário: para ele, apesar dos católicos não possuírem uma bancada atuante no Congresso Nacional como os evangélicos, eles atuam com a proposta de barrar projetos considerados contrários às doutrinas cristãs, como o de casamento de homossexuais, envolvendo a pesquisa de células tronco e discussões sobre o aborto. Nessa lógica entendemos que, mesmo de forma reduzida, a Igreja católica atua com a Bancada Evangélica para efetivação de projetos de seu interesse, pois também há a presença de líderes católicos participantes da bancada. 53 A participação desses sujeitos é importante, haja vista que iremos fazer uma análise de como tem se dado a atuação dos evangélicos neste espaço político-cultural. As pautas feministas e LGBT são as mais discutidas pela Bancada Evangélica, que trazem um discurso de oposição às estas temáticas sob o argumento da defesa de valores como o da família e da religião, onde a identidade religiosa quer normatizar as regras de conduta política e democráticas (MACHADO; PICOLLO, 2010). Assim, houve o embate em torno da moralidade pública por parte do grupo LGBT e da moralidade religiosa por parte da Bancada Evangélica. O perfil dos políticos evangélicos é de pessoas que, segundo Machado (2012), vêm de classes populares e médias, têm um discurso familista e baseado na doutrina cristã, não possuem vínculos fortes e longínquos com movimentos sociais, possuem um histórico de iniciativas sociais evangélicas e a maioria tem histórico de participação em veículos de comunicação, marcada pela presença da migração da autoridade religiosa para a esfera política. Segundo Cunha (2013, p. 157): em 2003, a Frente Parlamentar Evangélica tornou-se oficial, passando a dispor de regimento interno, estatuto, requisitos para ser aceito e também para ser excluído da Frente, quando for o caso. Foi nesse momento que se instituiu a diretoria, a presidência e os grupos temáticos de trabalho. Os temas cobertos pela FPE são: saúde, educação, questão indígena, questão da mulher, violência contra a criança, questão LGBT, pedofilia. Além disso, o discurso da Bancada Evangélica é legitimado através do pensamento religioso, que muitas vezes é interpretado de forma rigorosa em defesa dos seus posicionamentos políticos (CUNHA, 2014). É interessante mencionarmos que estes argumentos não são exclusivamente evangélicos, pois, apesar da Bancada Evangélica possuir uma composição mista, ela possui alianças com segmentos políticos diversos, dado o seu crescimento. Há também as alianças que a Bancada Evangélica faz com outros políticos, como no caso da presidente Dilma, que anunciou a “Carta aberta ao povo de Deus” em 2010, pactuando em não tomar partido de temáticas consideradas polêmicas em seu governo, em troca de apoio por parte da Bancada Evangélica (TREVISAN, 2013). A força da Bancada Evangélica também se estende a capitais e municípios, onde há uma representação de prefeitos evangélicos, que mesmo não se assumindo diretamente como religiosos, frequentam homenagens e possuem uma agenda política de participação com outros políticos da mesma frente (DIP, 2018). Concordamos com este posicionamento, uma vez que, em anexo ao PLC 122/2006, há recebimento de diversas cartas de prefeituras que defendem 54 valores em defesa família e a religião, vinculados diretamente a uma moral cristã. A Bancada Evangélica, como a formação de outras bancadas, tem suas divisões de função, segundo pesquisa de campo realizada por Trevisan (2013). A assessoria elaborava os discursos e distribuía aos participantes, que discutiam entre si para justificar o voto sobre um projeto. Há também a presença de reuniões, encaminhamentos, debates sobre situações que envolvem urgência e estratégias políticas que interrompem sessões no plenário e comissões. Portanto, a Bancada Evangélica possui estratégias que se utilizam de argumentos técnicos, jurídicos científicos e religiosos. A formação jurídica de alguns parlamentares é utilizada de forma estratégica para buscar formas para justificar os posicionamentos da bancada. Segundo Tatiane dos Santos Duarte (2012), que realizou pesquisa de campo no Congresso Nacional, no período de 2007 a 2010, a maior parte da composição da Bancada Evangélica participava da composição das comissões participativas, inclusive da Comissão de Justiça e Cidadania. É importante ressaltar que foi nesta comissão que o PLC 122 também tramitou e que ficou decido que o mesmo iria ser discutido junto com o Novo Código Penal. Para Duarte (2012), com a criação da Bancada Evangélica houve também o estabelecimento de um culto semanal realizado no Congresso Nacional que era formado por políticos evangélicos e assessores. Este culto era meio articulador das lutas da Bancada Evangélica e também tinha a finalidade de evangelizar novos membros. A composição da bancada era pluripartidária, pois visava atingir a defesa dos seus objetivos, em especial a defesa da família e da moral, independentemente de partidos. Nessas cerimônias também havia a presença de rituais católicos, como as missas, no entanto, a pregação da palavra nos rituais era direcionada para algum deputado específico, que tinha que tomar uma decisão política importante. Nas celebrações também era ressaltada a presença de questões políticas. Além disso, no final dos eventos, o interesse político ficava mais evidente com os cumprimentos e assinatura de documentos legislativos (DUARTE, 2012). Este espaço de invocação do sagrado no Congresso Nacional passou então a ser também um ambiente de articulação da Bancada Evangélica, que se utilizava do momento para formar alianças políticas. A cerimônia no Congresso era não apenas composta por ritos religiosos, mas também formadora de engajamento político. A exemplificação desse ritual no Congresso Nacional é importante nesta pesquisa, uma vez que a partir deste evento pretendemos demostrar que os discursos e pronunciamentos produzidos no cenário político-cultural são legitimados por argumentos religiosos, o que imbrica na questão de que o religioso permanece na política. Apesar do Estado ser laico, ele permite que a atuação do religioso ainda permeie e 55 regule as políticas públicas. Então a religião não é só meio de intermediador do político, mas é uma troca simbólica. Segundo Bourdieu (2007, p. 72): “por estar investida de uma função de manutenção da ordem simbólica em virtude de sua posição na estrutura do campo religioso, uma instituição como a Igreja contribui sempre para a manutenção da ordem política”. Nesse sentindo, a religião também possui um papel estruturante do espaço político, pois está sistematicamente atuando neste espaço. A presença de alguns pastores evangélicos, que mesmo não estando oficialmente ligados à Bancada Evangélica, teve grande influência na tramitação do PLC 122/2006. Segundo Machado (2012), a presença do Pastor Silas Malafaia teve muito alcance, pois ele divulgou outdoors em grandes avenidas da capital do Rio de Janeiro para difundir suas opiniões contrárias ao PLC 122/2006 e influenciar as comunidades evangélicas no ano eleitoral de 2010. As temáticas moralizantes são também utilizadas como argumento eleitoral do político evangélico, que como já mencionado, ele se utiliza e vem de um histórico de liderança em meios de comunicação. Há um apelo à identidade religiosa, sobretudo pelo uso do termo “crente vota em crente”. Ademais, a nomenclatura de pastor em frente ao nome do político religioso reforça a aliança política da Bancada Evangélica e afirma sua identidade política eleitoral. A composição da Bancada Evangélica estabelece a pauta moral juntamente com alguns membros da Igreja Católica. Desse modo, não há que se falar que a Bancada Evangélica não é coesa quando se fala em assuntos morais, pois há uma linearidade de pensamento sobre essa temática (SOUZA, 2013). Em A economia das trocas simbólicas de Bourdieu (2007) percebemos que a constituição do campo religioso acompanha a exclusão, pois a religião passa a ser uma área de um campo secreto, uma vez que exclui os leigos e os profanos que não possuem seu conhecimento, ou não seguem esse capital simbólico. Ou seja, o profano, que não segue a norma religiosa, é automaticamente excluído desse campo do saber, que no nosso caso é o acesso às políticas públicas que, para se ter, deve haver um merecimento simbólico, segundo a religião e a esfera do religioso. Então, constatamos que esses padrões norteadores, como a moral, a religião e a defesa da família, são ideias lançadas para que se tenha lanços políticos com os grupos religiosos, além de consagrar uma tradição político-religiosa. A conservação desses bens simbólicos, que no nosso caso seria do núcleo familiar composto exclusivamente por homem e mulher e que estabelecem uma moralidade para regular o sujeito, seria um modo da Bancada Evangélica de se legitimar no poder, pois segundo Bourdieu (2007, p. 46): 56 a religião permite a legitimação de todas as propriedades características de um estilo de vida singular, propriedades arbitrárias que se encontram objetivamente associadas a este grupo ou classe na medida em que ele ocupa uma posição determinada na estrutura social (efeito de consagração como sacralização pela “naturalização” e pela eternização). A manutenção desse discurso envolve o uso do sagrado para legitimar a ação política. O que queremos dizer é que os discursos que remetem ao sagrado têm efeito direto e transformador no campo da política, sendo capazes de legitimar ações na arena política, formar alianças e conquistar um eleitorado. A participação de evangélicos na política envolve também um mercado simbólico, no qual há a tentativa de combater as “forças do mal” contra as políticas que envolvem temas considerados polêmicos para a bancada, como temáticas de políticas feministas e direitos LGBT. E de outro lado uma legitimação de igualdade ao querer o mesmo tratamento direcionado à Igreja Católica como político mediador em assuntos que envolvem direitos humanos. Ao trazer no discurso a legitimação do sobrenatural no cenário político, notamos que há neste cenário a crença de que ao remeter-se ao religioso, os políticos evangélicos acreditam estar agindo em nome de Deus e do bem, uma vez que nos próprios cultos e nas sessões parlamentares há uma invocação do religioso utilizada para legitimar ações políticas em seus interesses em nome da fé. Não obstante, o Estado permite não apenas as expressões de fé e participação de outras religiões na política, mas ele coaduna com o cristianismo enquanto religião mediadora e atuante no cenário político, pois a presença de cerimônias religiosas e rituais sagrados no Congresso Nacional confere prerrogativas e validade ao discurso religioso. E quando o político utiliza seu discurso o religioso no Congresso, acredita fielmente estar agindo de forma legítima. Segundo Trevisan (2013), o poder da Bancada Evangélica tem se mostrado mais efetivo enquanto força política do que quanto ao número de parlamentares, haja vista que quando há aprovação ou não de um projeto de lei que envolvem a Bancada Evangélica, reforçase a ideia de que as alianças políticas realizadas pela bancada são eficazes. Soma-se a isso o poder da Bancada Evangélica de mobilizar a sociedade por meio de canais de comunicação e também de líderes políticos religiosos que convergem com seu pensamento. Outras religiões também são consideráveis a ponto de influenciar o espaço político, como a Igreja católica, as religiões de matriz africana e outras denominações evangélicas. Todavia, elas não possuem a mesma força política que os evangélicos na política, no período 57 em questão. Uma das hipóteses, segundo Maia (2006), pode ser a pluralidade de candidaturas de evangélicos e o apoio da Igreja, pois há também de se considerar a própria influência das Igrejas evangélicas no interior dos Estados, ou quando o Estado não atua, pois os evangélicos conseguem mobilizar através da sua fé. Segundo Machado (2012) isso também se deve ao fato de que os evangélicos são mais progressistas em aceitar membros na participação da política. Soma-se também, conforme Maia (2006), a atuação dos parlamentares com suas profissões de advogados, dentistas, comunicadores que, por fazerem parte de outros engajamentos, mesmo não sendo compromissado com os cultos, são evangélicos e fortalecem a Bancada Evangélica. É importante ressaltar, segundo Trevisan (2013), que alguns parlamentares evangélicos, mesmo que de forma reduzida, não seguem os mesmos posicionamentos da Bancada Evangélica e entendem que a religião não deve se envolver com a política. Eles afirmam terem sido procurados pelos membros da bancada para fazer parte dela e aceitaram. Assim, nem todos os membros da bancada seguem seus posicionamentos, mesmo que de forma minoritária. Como as pautas que cobram a efetivação dos direitos humanos foram crescendo, surgiu também a atuação desses parlamentares em prol de discussões sobre a efetivação de direitos de minorias, assim também houve em 2007 passeatas realizadas por jovens evangélicos que visavam mobilizar a sociedade a respeito da não implantação dessas temáticas (TREVISAN, 2013). Segundo Souza (2013, p. 188), o apelo aos textos bíblicos é encontrado como recurso nos discursos dos parlamentares, como traço moralizador da sociedade. Neste contexto, há a crença, por parte da oposição, de que o Estado permite essa mediação entre a religião e a política de forma legítima. Assim o próprio político se utiliza dessa estratégia discursiva para justificar se posicionamento: Como exemplo, trazemos o discurso do Deputado Neilton Mulim (PR-RJ):28 O Brasil tem no preâmbulo da sua Constituição, promulgada sob a proteção de Deus, como direito fundamental a liberdade de consciência e crença, como valores de um país laico, sem religião oficial, mas altamente comprometido com os valores do nosso Deus. Tanto é verdade que no plenário da Câmara dos Deputados temos uma Bíblia aberta para consulta, e ao ser aberta a sessão se invoca a proteção de Deus: "Havendo número regimental, sob a proteção de Deus iniciamos os nossos trabalhos". 28 Discurso proferido na sessão extraordinária n. 100.1.53, 09/05/2007 na Câmara dos Deputados. 58 O discurso aqui é utilizado também como legitimante dos posicionamentos políticos religiosos, em que o deputado entende que o Estado corrobora com suas ideias ao se utilizar de símbolos religiosos no Congresso Nacional. O que nos provoca é, se o aparelho Estatal ao permitir a presença de cerimonias religiosas por parte da Bancada Evangélica no espaço legislativo, aceita-a não apenas como mediadora do espaço político, mas como membro atuante em relação a outras religiões neste cenário. No próximo tópico iremos debater os discursos em defesa da família em que a religião é resgatada para legitimar os discursos da oposição, que também se sustenta em argumentos biológicos. Assim, entendemos que esse discurso político-religioso também produz significados sobre os corpos, carecendo de uma interpretação que utilize do conceito de gênero. 2.2 - Construção do percurso político da Bancada Evangélica Neste subitem pretendemos demonstrar a transformação político cultural da participação dos evangélicos na política brasileira, sobretudo no que diz respeito à inserção das lideranças religiosas com maior peso na Bancada Evangélica, conceito sobre o qual pretendemos nos aprofundar mais a diante. A importância de estudar a atuação desses segmentos religiosos se dá pelo fato de que as Igrejas mencionadas possuem vínculo com a política, pois é permitida a sua participação pelo próprio pastor. Além disso, o próximo capítulo será estruturado de modo a compreender a atuação midiática das Igrejas e dos parlamentares em torno do PLC 122/2006 sobre a sociedade. Segundo Rafael Gonçalves e Graciela Pedra (2017), a presença de Igrejas Evangélicas vem crescendo com intuito de difundir valores e crenças baseados na palavra que, segundo os evangélicos, é considerada única. O protestantismo religioso surgiu na Europa, seguido da Reforma Protestante. Já os pentecostais surgiram nos Estados Unidos, no final do século XX. Os pentecostais, como uma novidade política, não são herdeiros de elites e não têm um modo liberal comportamental. Este grupo é muito fragmentado por uma diversidade de Igrejas, mas quanto à crença de proteção da família, estes não divergem. Esse movimento teve como signo fundante a experiência divina em torno de falar em línguas e a prática da cura através de experiências místicas (BAPTISTA, 2007). Para Leonildo Campos (2003), a prática de escolha das Igrejas de um líder político fez com que se mudasse o cenário político-cultural. Uma das justificativas presentes é que “a 59 necessidade de se combater o mal” na política está sedimentada na concepção de bem e mal cristã. Um outro fator é que esses líderes religiosos se inseriram na política para ter participação, uma vez que se acreditava que a Igreja Católica era a única que possuía representatividade sobre as relações políticas, mesmo que de forma indireta, uma vez que a justificativa religiosa para ingressar na política não era preponderante para os católicos. Outro fator é a inserção na política para conseguir isenções fiscais. Há de se afirmar também que a escolha de uma liderança religiosa é firmada por uma escolha divina que irá reger as relações políticas, mediando os interesses da Igreja com os do espaço político. Saulo Baptista (2007), em sua tese de doutorado Cultura Política Brasileira, Práticas Pentecostais e Neopentecostais: A presença da Assembleia de Deus e da Igreja Universal do Reino de Deus no Congresso Nacional (1999-2006), aponta que a política pentecostal teve início em 1986 e influenciou diretamente a Constituição da República Federativa de 1988. As lideranças evangélicas mais presentes eram Assembleia de Deus, Evangelho Quadrangular e Universal do Reino de Deus. Esta última liderada pelo então bispo Edir Macedo, que foi deputado federal em 1986 e conseguiu se reeleger três vezes consecutivas, fortalecendo seus laços políticos. O autor ainda aponta que, para que os líderes religiosos ganhassem a confiança dos fiéis sobre a necessidade de evangélicos no cenário político, os candidatos alegavam que a política tradicional vigente estava em defasagem e movida apenas a interesses individuais. Outra justificativa para candidatura era a necessidade de denunciar imoralidades existentes na política que eram contra o próprio evangelho. Nesse momento, nota-se que as questões sociais também passaram a ser importantes: as lutas pelas questões consideradas contra o evangelho deviam ser também combatidas no cenário político. Nesse mercado simbólico da fé, a defesa dos interesses religiosos avançou em outros caminhos e provocou reações para que, inseridos na política, os líderes políticos religiosos defendessem interesses institucionais estabelecidos pela própria Igreja. Uma das Igrejas que permite a participação de líderes religiosos na política é a Assembleia de Deus, que é uma Igreja pentecostal, que tem suas bases firmadas na reinterpretação da Bíblia idealizada na figura do Espírito Santo na Trindade. Esta religião rompeu seu entendimento com as demais denominações evangélicas no sentido de se inserir na política, a doutrina é interpretada pregando a salvação e a fuga dos pecados. Ela é a maior Igreja Pentecostal do Brasil e tem maior concentração no Norte, Nordeste e Sudeste (BAPTISTA, 2007). Sobre o assunto Gonçalves e Pedra (2017, p. 74) discorrem que: 60 A igreja possui mais de 12 milhões de seguidores, além de ter seu perfil descentralizado, ela tem vários ramos. Que segundo os autores: Existe também a Assembleia de Deus Vitória em Cristo, comandada pelo pastor Silas Malafaia, a Assembleia de Deus em Belém do Pará, liderada pelo pastor Samuel Câmara, a Assembleia de Deus Bom Retiro, conduzida pelo pastor Jabes Alencar e Assembleia de Deus Catedral do Avivamento, presidida pelo pastor e deputado federal Marco Feliciano, em São Paulo. Os projetos políticos apresentados pelas Igrejas Assembleia de Deus, Igreja Universal do Reino de Deus e Igreja do Evangelho Quadrangular dizem respeito à influência dessas denominações sobre determinados candidatos e engajamento político dos sujeitos ali associados (GONÇALVES; PEDRA, 2017). Ou seja, há a escolha por parte da Igreja para que o membro escolhido, geralmente um líder religioso, a represente para que defenda seus ideais. No entanto, essa troca envolve questionamentos, pois segundo Campos (2003) a Igreja é representada por um líder da fé que, por vezes, tem um modo autoritário que também é reproduzido na política. Assim, acreditamos que pode haver uma reprodução dessa liderança na Igreja com o modo de se comportar na política. Nessa linha tênue, a visão desses atores religiosos também está relacionada com a visão de parlamentar em diversas áreas, em especial a temática que abordamos nessa dissertação. Segundo Maria das Dores Machado e Joanildo Burity (2014, p. 602): Foram realizadas entrevistas com 58 lideranças que, na ocasião da pesquisa (2011-2012), desenvolviam atividades nas cidades de Salvador, São Paulo, Belo Horizonte, Brasília, Campinas e Rio de Janeiro. Quase todos tinham cargo eclesiástico – pastores (as), missionários (as), bispos, presbíteros - e 18 entrevistados do sexo masculino acumulavam ou haviam se licenciado de seu cargo na igreja para assumir uma cadeira na Câmara Federal, nas Assembleias Legislativas ou nas Câmaras Municipais das cidades listadas anteriormente. Os demais eram pastores que dirigiam instituições assistenciais e assessores políticos com atuação no Congresso Nacional. A maioria é pentecostal, mas também foram entrevistados alguns líderes de segmentos das igrejas históricas que se pentecostalizaram nas últimas décadas. A Igreja Assembleia de Deus, em um primeiro momento, se inseriu na política disseminando o medo em seus fiéis. Segundo entrevista realizada por Freston apud Baptista (2007, p. 194), houve a midiatização da seguinte notícia: a CNBB estava com um esquema armado para estabelecer a religião católica como a única religião oficial. Em Recife, houve a distribuição de um folheto com o título: “Por que a Assembléia de Deus lançou candidatos em todo o Brasil”. No texto, contava suposta declaração de um padre que afirmara a 61 pastores evangélicos que a futura Constituição iria proibir reuniões religiosas em lugares públicos. Nos resta entender como, por meio dessa estratégia midiática a Assembleia de Deus se manteve no poder. Baptista (1997) responde que a força para essa mantença de poder reside nas conspirações contra a liberdade religiosa e contrariedade aos costumes que ameaçam a família. Há também o alerta ao interesse econômico do que cada parlamentar fazia com o dinheiro do cristão através de impostos. Já quanto os protestantes, eles definem que o lugar de se fazer política não é na Igreja, filiando-se a sindicatos e inserindo-se na política por outros meios, além dos já expostos. É importante esclarecer que não acreditamos que, com abertura democrática de participação dos líderes evangélicos na política, todos os seus fiéis possuam o mesmo pensamento. No entanto, a liderança religiosa ali representada atua em interesse institucional, ocorrendo o que chamamos de uma troca simbólica da fé em contrapartida com interesses propriamente políticos do líder religioso para mantença do poder simbólico de representatividade. Neste cenário os fiéis são vistos como moeda de troca eleitoral em troca de poder e representatividade para a Igreja, como melhorias, alcance institucional midiático e defesa de interesses da Igreja. Retomando nosso caminho, cumpre-se dizer que a Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo é liderada pelo Pastor Silas Malafaia, que foi politicamente atuante nas sessões parlamentares que envolveram o PLC 122/2006, bem como na mídia. O pastor ainda foi líder da manifestação ocorrida em 2011, em Brasília, contra o PLC 122/2006. A sua liderança religiosa permitiu que ele tivesse influência direta no cenário político, mesmo não exercendo um mandato. No entanto, notamos que o discurso do Pastor Silas Malafaia, quando está diante dos parlamentares, é um discurso que não possui apenas o apelo religioso. Vejamos o que ele disse em uma audiência pública, em 29 de novembro de 2011, na CDH: Vamos começar aqui essa história, porque é muito interessante. Acho que é uma afronta aos negros. Eu começo aqui. Isso aqui é uma afronta aos negros. Querer comparar comportamento! O negro não nasceu branco e pediu para ser branco ou negro. Ele é. A criança, ela não pede para ser criança. Ela é. O idoso, ele não pede para ser idoso. Ele é. Homossexualismo é comportamental. (Palmas.) Querem dar status a comportamento, a raça?! A história começa aqui. O que é o homossexualismo? É um homem ou uma mulher, por determinação genética, e homossexual por preferência, aprendida ou imposta. É isso aqui. Não tem ordem cromossômica homossexual. Que conversa é essa? Que paridade esses caras estão querendo? 62 Aqui começa o erro. O erro começa aqui. Eles estão querendo uma coisa que eles não têm direito. Então, vamos ter que fazer lei para tudo que é comportamento. Tudo que é comportamento do ser humano vamos apadrinhar de alguma forma. Essa aqui é minha primeira questão. Isso é uma vergonha! É a primeira questão. É vergonhoso! É vergonhoso esse negócio! Segundo: interessante, muito interessante. Eles querem uma lei para que fiquem livres para falar o que quiserem, para chamar os outros de homofóbicos a hora que querem. Quer dizer, se você chamar um homossexual de doente, eles querem te denunciar no Ministério Público. Mas, eles podem chamar qualquer um de doente. Conheço a matéria, sou psicólogo também. Homofóbico é uma pessoa, classificada na psiquiatria, que tem aversão ao homossexual, que quer bater, maltratar, eliminar. Que história é essa? Existe uma diferença, senhores, em criticar comportamento e discriminar pessoas. E eles fazem um jogo muito lindo. Eles querem dizer que a crítica ao comportamento é discriminação. Não tem nada a ver uma coisa com a outra. Eles querem liberdade para fazer o que fizeram na parada gay do ano passado – porque eles não respeitam ninguém, eles querem liberdade para isso. Na parada gay de São Paulo do ano passado, eles disseram, para esculhambar com o Papa, uma frase: “Se o Papa engravidasse, abordo era sacramento”. Na parada gay deste ano, eles esculhambaram com os santos da igreja católica, em posições homoeróticas. Agora, escutem isso aqui; é uma denúncia interessantíssima. E vou mostrar quem está sendo perseguido aqui. É uma coisa interessantíssima! No dia 23, a parada gay. No dia 2 de julho, no meu programa em rede nacional – vou repetir aqui, está sendo gravado; quem diz a verdade não tem preocupação de fazer força para lembrar, a mentira que o cara tem que ficar repetindo para ver se decora – no meu programa do dia 2, durante 17 minutos, eu disse: “Engraçado, a imprensa ficou quietinha. Se um evangélico fizesse isso, a imprensa ia baixar o pau. Quando um pastor chutou a santa, a imprensa baixou o porrete. A igreja católica ficou quieta por quê? Porque a igreja católica também não baixar o pau nesses caras?” E lá, nessa minha fala, eu digo assim: “Quem mata e bate em homossexual vai para a cadeia. Se eu odiasse homossexual não podia ser pastor, não. Pastor é um cargo, é uma vocação. Não podia ser cristão!” (grifos do autor). É perceptível pelo excerto acima que o empenho do Pastor Silas Malafaia em se opor ao PLC 122/2006 quando este se manifesta no Congresso Nacional é justificado pela psicologia, pela biologia, pelo direito. Prova disso é que o pastor ainda menciona sobre a tentativa da então Senadora Marta Suplicy de salvaguardar o direito à liberdade religiosa: Outra. Gostaria que ela estivesse aqui. Gostaria de dizer para S. Exª, Marta Suplicy, que não estamos precisando da ajuda dela para ter liberdade religiosa e de expressão (Palmas.) Ah, que pena que ela não está aqui! Gosto de falar na cara! Não mando recado. Não tenho medo disso. Aí, no documento, no substitutivo dela, achei interessante que ela consegue alterar a Constituição. Fenomenal! Olhem aqui: Com isso em mente, julgamos importante fazer uma alteração no substitutivo, para excluir do alcance do disposto, no art. 20 da Lei nº 7.716, de 1989 – agora escutem, senhores –, aos casos de manifestação pacífica de 63 pensamento, fundada na liberdade de consciência de crença. Ei, ei, ei! Espera aí! Isso aqui é uma tentativa de alterar a Constituição. A Constituição diz que sou livre, no art. 5º, para manifestar o meu pensamento. Atenção senhores, vocês que não concordam com a prática homossexual podem falar pacificamente, está bem? Vou ajudar a Constituição brasileira, porque ela não está tão perfeita. O que é pacífico? É um termo subjetivo. Para mim, pacífico significa eu poder questionar o outro, caso me sinta ofendido. O que é pacífico? A Constituição é absoluta. Ela é clara. Eu sou livre para expressar a minha opinião. Ela quer dar uma ajudinha, como se nós precisássemos disso. Nessa famigerada PL nº 122, senhores, escutem esta: Qualquer um que impedir, cercear a relação homoafetiva, são dois a cinco anos de cadeia (grifos do autor). Nota-se que no seu discurso emergem mais as questões jurídicas do que a religiosa. Nesta mesma reunião o discurso do Pastor Silas Malafaia estava então travestido de um discurso jurídico, mas com interesses religiosos: Então, vamos analisar. O lugar do culto é garantido pela Constituição. Ok. O pátio da Igreja, não. Isso significa que, se um casal homossexual estiver beijando-se no pátio da Igreja Católica, ou no pátio da Igreja Evangélica, ou num colégio que tenha normas, porque eu aprendi que o ser humano precisa limite, senão ele se autodestrói, e um pastor, padre ou diretor de escola disser que quer ninguém se beijando naquele recinto, dois a cinco anos de cadeia! Isso é uma afronta aos princípios de garantia! A ideia de que casais LGBT iriam se beijar na Igreja é mais uma vez reforçada em contraposição à aprovação do PLC 122/2006. O que na verdade existia era a intenção de que a criminalização da homofobia deveria punir quem impedisse casais LGBT de atos de manifestação de afeto em público ensejaria pena. Ademais, a ofensa à liberdade religiosa já é por si caracterizada como crime e caso tal ato caso ocorresse dentro da Igreja ensejaria em pena. Desse modo a lei é utilizada para definir o sujeito, e este é determinado socialmente pelos aparatos de poder e regulado pelas instituições, pela medicina e pela lei: Quanto aos tribunais, podiam condenar tanto a homossexualidade dos pais ou a bestialidade. Na ordem civil como na ordem religiosa o que se levava em conta era um ilegalismo global. Sem dúvida, o ''contra-a-natureza'' era marcado por uma abominação particular. Mas era percebido apenas como uma forma extrema de ''contra-a-lei''; também infringia decretos tão sagrados como os do casamento e estabelecidos para reger a ordem das coisas e dos seres. As proibições relativas ao sexo eram, fundamentalmente, de natureza jurídica (FOUCAULT, 1988, p. 39). Nesse sentido, as justificativas do Pastor Silas Malafaia, apesar de serem “legalistas” no sentido de justificar através da lei e da biologia, têm seus discursos baseados 64 também no âmbito do sagrado. Sem contar que ele tem grande peso no cenário político e, apesar de não ser um parlamentar e exercer um cargo, atua de modo ativo a conquistar seus pares e intermediar esse mundo do sagrado, haja vista que a Igreja Assembleia de Deus, na qual ele é líder, possui membros atuantes na política e participação efetiva na Bancada Evangélica. Desse modo, entendemos que o Pastor Silas Malafaia exerce função de intermediar as relações políticas. É importante mencionar ainda que, segundo Bourdieu (2008), as estruturas do campo político também são sustentadas pelo campo religioso, quando este último é atuante para manutenção dessa ordem do campo político. Assim, ao utilizar do argumento religioso como autoridade, o líder está ali com a finalidade de combater as ações que subvertem essa ordem simbólica do que é considerado profano. Apesar dos evangélicos engajados na política ainda não comporem a maioria do Congresso, no que tange à religiosidade eles são compromissados com os interesses religiosos em contraste com os católicos. Além disso, como meio de se engajar no espaço político interno os atores políticos da Igreja Assembleia de Deus elegeram representantes da maioria dos Estados se vinculando a partidos políticos variados, uma vez que o alicerce partidário brasileiro não é forte. Desse modo, o partido é utilizado apenas como meio eleitoral, sem que se fique ligado aos ideais, pois não há engajamento nacional organizado por lideranças (BAPTISTA, 2007). A inserção dos evangélicos neste espaço trouxe então a linguagem da religião para o espaço público. Na Assembleia Constituinte de 1986 houve a participação dos evangélicos na política brasileira. Todavia as práticas políticas eram divergentes do estabelecido pelas igrejas, neste acontecimento destaca-se a troca de dinheiro e de emissoras de rádio em garantia do mandado de José Sarney. Posteriormente, houve uma mudança na escolha desses políticos evangélicos, que deveriam ser fruto de uma escolha divina, intermediados pela Igreja para compor a política (CAMPOS, 2003). Quanto à Igreja Universal do Reino de Deus, que também elege membros da Bancada Evangélica, ela mantém o apoio de setores empresariais e se faz presente na mídia, possuindo base de apoio político. É uma igreja neopentecostal, fruto do Pentecostalismo, tendo como características o apelo popular por parte do líder ao seu público e a crença na teoria da prosperidade, onde as bênçãos trazem prosperidade material, assim o líder espiritual é intermediador entre o homem e o sagrado. A decisão de se inserir na política foi acatada de forma cordial pelos seus membros. Os pastores e bispos orientam os fiéis como votar, para 65 continuação desse mercado simbólico de troca, para que os bens, "no caso a salvação", continuem sendo oferecidos a seus fiéis (BAPTISTA, 2007). A Igreja Universal do Reino de Deus apoiou a candidatura do Marcelo Crivella e para que este chegasse a se eleger como Senador em 2011. Crivella participava da Igreja Universal, além de construir templos, é sobrinho de Edir Macedo, que dirige a Igreja. O apoio da Igreja Universal do Reino de Deus também elegeu o Senador Magno Malta em 2011. No ano de 2002 a mesma Igreja conseguiu eleger 18 membros, líderes religiosos, e outros quatro políticos que não faziam parte da Igreja. Sem contar que o Bispo Carlos Rodrigues conseguiu um número de votos de 192.353, também com o apoio da Igreja nas eleições de 2002 (CAMPOS, 2003). O Senador Marcelo Crivella, nesta mesma reunião em 29 de novembro de 2011, invoca sua aliança com a Igreja Universal do Reino de Deus, bem como alega que há perseguição por parte dos apoiadores LGBT: O fato é que eu tenho acompanhado esse debate há muitos anos nesta Casa, mas eu venho de um background que é de perseguição, de intolerância, de incompreensão de ver as nossas palavras – eu digo da Igreja Universal, do Bispo Macedo, de todos nós – completamente deturpadas ao longo dos processos que desenvolveram contra nós. Boas intenções, genuínas, da nossa fé, do nosso caráter nos causaram problemas enormes, processos na justiça, multas, nós fomos desprezados, menosprezados, diminuídos, ridicularizados em infindáveis páginas nos jornais. No mesmo discurso, o então senador não esconde o seu empenho na não aprovação do PLC 122/2006: Eu me lembro que, quando fui candidato a Prefeito no Rio de Janeiro, tive publicado nas páginas dos jornais uma frase que disse aqui – que a lei não deveria passar na Comissão de Constituição e Justiça; que, se passasse, não deveria passar no Plenário; que, se passasse no Plenário, não deveria ser sancionada pelo Presidente da República; que, se passasse pelo Presidente da República, nós deveríamos ir às ruas e questioná-la no Supremo, porque essa lei tira os direitos legítimos de uma nação, de 70% de uma nação, que é professar sua fé. Isso foi colocado nas páginas do jornal e eu amarguei uma derrota, um revés eleitoral exatamente porque a mídia inteira... Houve uma enquete entre os jornalistas e eu fui considerado o pior candidato à Prefeitura do Rio de Janeiro. É inegável que a participação política dos parlamentares aqui mencionados possuiu relação direta com o PLC 122/2006, um fator preponderante em comum desses discursos é o 66 argumento político em defesa da família, pois a maioria dos parlamentares que eram opositores ao PLC 122/2006 se utilizavam desse argumento. Segundo Baptista (2007), a Igreja Universal do Reino de Deus e a Assembleia de Deus são as que possuem mais força e participaram da formação da Frente Parlamentar Evangélica. O autor define a Frente Parlamentar como um grupo de pressão com intuito de atingir seus objetivos. Assim a frente foi organizada, para que juntasse quase todos os evangélicos eleitos como base de apoio. A Bancada Evangélica teve em seu início: a GAPE , Grupo de Assessoria aos Parlamentares evangélicos, compostos por comitês jurídico, de comunicação , assuntos políticos e eventos. O GAPE começou a funcionar com um líder, três vice-líderes e três secretários. Além dos comitês, foi prevista a instalação de comissões especiais, para acompanhar projetos de interesse dos parlamentares evangélicos, em tramitação no Congresso. No final de 2004, havia quatro comissões, monitorando projetos sobre: alteração no novo Código Civil, união civil entre pessoas do mesmo sexo, reconhecimento de curso de Teologia e reforma política (BAPTISTA, 2007, p. 361). O entrave político que envolve a Bancada Evangélica e de leis consideradas “antimorais” se deve a uma linha de raciocínio firmada em que se estabelece a coerência entre o profano e o sagrado. Pois, para a Bancada Evangélica esse tipo de legislação deve ser evitada, além de se considerar um dever do cristão se inserir na política como cidadão para impedir determinadas leis (DIAP, 2011). Segundo Baptista (2007), as Igrejas Assembleia de Deus e a Universal do Reino de Deus têm capacidade de organização política, são consideradas coesas em suas decisões. A Igreja Universal do Reino de Deus é predominante no campo da política, uma vez que a prática autoritária de uma voz de comando no cenário espiritual se assemelha ao do campo político, equiparando ainda a prática de coronéis existentes na república. O interesse da Igreja Universal do reino de Deus está direcionado na Câmara Federal para conseguir apoio político, os temas tratados lá e as comissões interessam a Igreja, eles se juntam como grupos de pressão de modo a proteger os interesses das instituições religiosas que lá atuam (CAMPOS, 2003). O autor se remete ao fato de que a Igreja Universal do Reino de Deus faz o uso da política para atender seus interesses por uma abertura política da própria Igreja Católica, que no período colonial atrelou os interesses do Estado e os vinculou aos institucionais. E além disso, Campos (2003, p. 96) deixa um questionamento: 67 Há também outras questões relativas às práticas políticas internas da IURD e de outras Igrejas pentecostais que apresentam não menos acentuado apetite político: Como as igrejas distribuem internamente o poder? Possuem elas mecanismos internos autoritários, que contradizem o discurso externo democratizante? Como conciliar ambas dimensões. Concordamos com o posicionamento de Campos (2003) de que as estruturas políticas e religiosas são diferentes. Mas ao mesmo tempo, ao atuarem no cenário político essa troca simbólica se estabelece, firmando um contrato de fidelidade entre os fiéis com a política. Campos (2003) relata que esse político, considerado “político de cristo” tem apenas um discurso de locutor, que é atuante apenas de modo dependente da instituição religiosa da qual está vinculado. Portanto, seu poderio deriva muito mais de uma obediência institucional do que de uma experiência política propriamente dita. Pois, como já mencionado, os parlamentares evangélicos geralmente não têm uma trajetória política de herança, o que por um lado rompe com a dependência de atores políticos apadrinhados por seus parentes, mas ao mesmo tempo se assemelha a uma política coronelista. A formação da Frente Parlamentar Evangélica é agregada por componentes que são pastores ou compõem ministérios da própria Igreja, daí a necessidade de discutirmos sobre a inserção desses sujeitos na política. Agregado a isso, cumpre-se dizer que a FPE possui um estatuo próprio a ser seguido, criado no ano de 2003, a Frente é composta por Deputados e Senadores, e tem como uma de suas finalidades a fiscalização de políticas públicas: 2° São finalidades da Frente Parlamentar Evangélica: I) Acompanhar e fiscalizar os programas e as Políticas Públicas Governamentais manifestando-se quanto aos aspectos mais importantes de sua aplicabilidade e· execução; II) Promover o intercâmbio com entes assemelhados de parlamentos de outros países visando ao aperfeiçoamento recíproco das respectivas políticas e da sua atuação; III) Procurar, de modo contínuo, a inovação da legislação necessária à promoção de políticas públicas, sociais e econômicas eficazes, influindo no processo legislativo a partir das comissões temáticas existentes nas Casas do Congresso Nacional, segundo seus objetivos, combinados com os propósitos de Deus, e conforme Sua Palavra; Destaca-se que, o inciso III há no próprio Estatuto a obediência aos valores do sagrado, cominando uma devoção as palavras da Bíblia. Nesse prisma, o mercado simbólico da fé encontra diálogo e troca. As políticas públicas devem seguir unicamente a palavra do evangelho, mas, mais que isso, devem passar por um filtro da Igreja. Há a escolha do 68 intermediador do mundo do sagrado com a política, que deve ser o que Campos (2003) chama de “político de cristo”. Sem contar que existe ainda o CGADB, que é a Convenção das Assembleias de Deus no Brasil. Este estatuto permite a participação política dos membros dos ministérios. Já a Igreja Universal do Reino de Deus se integra na política já com a proposta empreendedora sob o comando do bispo Edir Macedo. Esses parlamentares negociam em favor de suas Igrejas. São vários os cargos de domínio de chefes de poder que definem o jogo político e quem integra. No entanto, a bancada pentecostal não é elevada a status de parlamentar sobre essa política oligárquica. Apesar de haver negociação com os chefes de poder que já dominam o cenário da política, esses membros são bem estabelecidos e ganham espaço com formulação de regras internas próprias, mas claro, realizando essa troca simbólica de poder (BAPTISTA, 2007). Os pentecostais e neopentecostais também exercem uma prática de dominação simbólica através da mídia. A conquista do sagrado também é feita através de uma negociação e não só isso. Os votos dos fiéis que são agregados a esse mercado da fé, somados às alianças políticas que possuem outras práticas dominantes e já se apresentam consolidadas há algum tempo no cenário político brasileiro, exercem uma concentração na mantença de poder. Sem dúvida a inserção dos pentecostais e neopentecostais na política provoca uma ruptura nos antigos espaços de poder, mas ao mesmo tempo se assemelha às velhas práticas políticas de negociação simbólica no espaço parlamentar. Isso provoca uma consequência: uma cultura política de evangélicos pentecostais e neopentecostais em defesa de valores da família e da religião como forma de conquistar espaço político e também agregar pares. Prova disso não é apenas o discurso que a Bancada Evangélica apresenta, mas um conjunto de práticas de como consolidar seu discurso com outros campos de saber e procurar profissionais que garantam seu discurso político, como advogados, médicos, psicólogos, dentre outros. O sentimento, então tomado por um cunho religioso passa a ser fundante da ameaça dos valores da família. O risco de formar uma família homossexual com naturalidade é algo que se deve evitar. Poderemos vislumbrar melhor estas práticas políticas no capítulo seguinte, onde mostramos que os pânicos morais são difundidos na sociedade como um todo. Segundo Machado (2017), a tentativa de regulamentar as relações de gênero também é um ponto que os pentecostais combatem na política, pois sua capacidade de formar alianças com outros partidos é grande. Esse discurso reacionário ao movimento de minorias é fruto de um sentimento de desvalorização dos pentecostais em relação aos outros seguimentos políticos, como a elite 69 (MACHADO, 2017). Um desses sentimentos apontados aqui no texto também se dá pela abertura do espaço político para os católicos, fazendo com que houvesse uma cobrança por parte da Bancada Evangélica para também ingressar nesse espaço político. No entanto, a formação de aliança com estes fez com que os evangélicos os vissem como aliados parlamentares nas mantenças e conquistas de seus interesses. O ingresso e participação política de novos atores políticos é importante, mas ao mesmo tempo problemático. A Frente Parlamentar Evangélica possui um discurso próprio, com linguagem cristã em defesa de pautas morais, possui força política, é capaz de formar alianças e se insere em um novo tipo de cultura política, que quebra paradigmas com as existentes. Isto por serem formadas por líderes religiosos que geralmente não têm uma herança política, mas que possuem grande poder de conquistar o eleitorado. A razão para tal é poder contar com o apoio duas grandes Igrejas: a Assembleia de Deus e a Igreja Universal do Reino de Deus, que surgem com propostas de se inserir na política e utilizá-la como moeda de troca para que seus fiéis alcancem também o reconhecimento simbólico de poder. Assim, notamos que em decorrência dessas reações, na tentativa de criminalizar a homofobia, o discurso da FPE se fortalece no sentido de proteger o núcleo familiar formado exclusivamente por homem e mulher. Prova disso é que atualmente tramita no Congresso Nacional o PL 6883/13, que pretende criar o Estatuto da Família e reconhece como entidade familiar: “a entidade familiar formada a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou de união estável, e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus filhos”. Segundo o site de notícias da Câmara dos Deputados29, a proposta do PL 6.883/13 era a seguinte: O relator Diego Garcia disse que reafirmou no substitutivo o que estabelece o artigo 226 da Constituição Federal. O texto constitucional estabelece que a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. Diz ainda que, para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar. Conforme o relator, a família a receber proteção do Estado é a que está na Constituição. Para o deputado Flavinho (PSB-SP), outros arranjos familiares estão contemplados na sociedade, e o Estatuto não vai gerar exclusão. “Estamos defendendo de fato o que é família”, acrescentou. Já o deputado Ezequiel Teixeira (SD-RJ) acredita que “os novos arranjos familiares são verdadeiros desarranjos” e que é preciso “salvaguardar o País da anarquia”. 29 CÂMARA aprova Estatuto da Família formada a partir da união de homem e mulher. Agência Câmara de Notícias, 08 de outubro de 2015. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/472681-camara-aprovaestatuto-da-familia-formada-a-partir-da-uniao-de-homem-e-mulher/. Acesso em: 10 fev./2020. 70 Dessa maneira, podemos reafirmar que a FPE se insere nos espaços de poder não apenas com o discurso religioso, mas também jurídico, que, embasado na lei, não propõe novidades, mas reafirma um modelo de família que acredita ser o correto em seu discurso. Portanto, a produção desses discursos no âmbito parlamentar é moldada para que se assemelhe a dos seus pares e suas práticas são moldadas para atingir a finalidade desejada, utilizando de artifícios biológicos, jurídicos e psicológicos para se adentrar no cenário político. 2.3 - Em defesa da família: um embate discursivo sob a ótica de gênero Neste tópico, para analisarmos os discursos em defesa da família, colocamos de um lado a família enquanto instituição legitimada e aceita pelo político e, de outro, nosso aporte teórico fundamento sob a ótica de gênero. Em primeiro momento, é importante mencionar que é errôneo acreditar que a religião seja criadora das desigualdades de gênero, haja vista que o texto bíblico foi criado por autores que reproduziram uma cultura já existente naquele lugar e época (BUSIN, 2011). Nessa lógica, os discursos em defesa da família aqui analisados estão embasados no argumento religioso e são utilizados como legitimantes para a normatização sobre os corpos do sujeito por aqueles que expressam sua fé no espaço público. Os discursos em defesa da família e da religião são importantes para esta pesquisa, pois integram a maior parte das categorias temáticas levantadas. A defesa da família como argumento moralizante é utilizada não apenas para definir o sujeito ideal no âmbito legislativo, mas também é utilizada como argumento eleitoral e midiático por parte de alguns políticos que integram a Bancada Evangélica. A importância da família para variadas tradições religiosas significa uma transmissão de valores morais e princípios. O simbolismo da sagrada família é mediador do sagrado e do humano e reforça a instituição familiar (BUSIN, 2011). Segundo Bourdieu (2012), quando o político se utiliza de argumentos religiosos, ele tem o poder de mobilizar e consagrar seu posicionamento que sustenta crenças. Assim, quando o político se utiliza desse argumento há um ocultamento de que seu interesse é político, causando um efeito de consagração ao seu discurso. Nessa lógica, o político se utiliza de uma defesa biológica e social da família, travestindo seu discurso em interesses religiosos a fim de legitimar seu posicionamento. 71 A campanha em defesa da família, segundo Christina Vital da Cunha (2017), tem origem na campanha eleitoral de 2010 e, a partir de 2013, com a escolha do deputado Marco Feliciano como presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias. Apesar da autora mencionar a origem da campanha neste período, entendemos que esse discurso da família e moralidade tem raízes anteriores, pois em meados de 2007 já encontramos um discurso consolidado sobre esta temática em análise. Na medida em que as reivindicações de direitos das minorias aumentam, há também uma reação pela oposição. Por exemplo, o Projeto de Lei 3.905/2008, já sancionado, que se tornou a Lei 12.647/2012, de autoria do Deputado Leandro Sampaio (PPS-RJ), conhecido por defesa de pautas morais, definindo o Dia Nacional da Valorização da Família, em reforço à família tradicionalmente composta por homem e mulher, biologicamente formada e assim constituída. É uma lei que surge para resguardar os princípios da família, uma vez que, na visão da oposição, estariam supostamente em ameaça ao PLC 122/2006 ser aprovado. Cunha (2014) atribui a mídia como um dos fatores de relevância para difundir a ideia dos valores da família como ameaça. O Pastor Silas Malafaia, que sempre pregou contrariamente sobre o projeto, lançou um livro em 2012 com a temática A estratégia: o plano dos homossexuais para transformar a sociedade, onde ele afirma que é missão dos evangélicos salvar o mundo deste suposto perigo. O Pastor Silas Malafaia, apesar de não exercer um mandato, está sempre engajado nas pautas em defesa da família, como já aqui mencionado. Ele participa na formação de grupos de pressão para impedir que projetos em relação à criminalização da homofobia sejam aprovados e se utiliza de veículos de comunicação para isso, logo, se inserido ao campo do político. Cunha (2014) também aponta uma manifestação intitulada de “Família Tradicional e a Liberdade de Expressão”, em Brasília, em 5 de junho de 2013, liderada pelo pastor Silas Malafaia que contou com apoio de grupos evangélicos de distintas denominações e de segmentos católicos apostólicos romanos, além de parlamentares não-religiosos, como Jair Bolsonaro. Essa manifestação também deu força ao Partido Social Cristão. Esse discurso ganhou grande relevância não só na mídia, mas também dentro do espaço político quando encontramos estes mesmos protagonistas reproduzindo seus discursos no Congresso Nacional. Ademais, isso demonstra uma resistência de valores moralistas e fundamentalistas que acreditamos fazer parte de uma cultura política existente neste espaço. Contudo, quando o político se utiliza do argumento em defesa da família e da religião no Congresso Nacional, ele se encontra no papel de parlamentar, pois está no Congresso 72 Nacional, mas ao mesmo tempo se contrapõe a este espaço ao instituir esse discurso e ao negar a possibilidade de tudo que está fora da normalidade imposta e da ordem heteronormativa préestabelecida, exclui o direito do outro. Conforme Bourdieu (2007, p. 69): a configuração das relações constitutivas do campo religioso que cumpre uma função externa de legitimação da ordem estabelecida na medida em que a manutenção da ordem simbólica contribui diretamente para a manutenção da ordem política, ao passo que a subversão da ordem simbólica só consegue afetar a ordem política quando se faz acompanhar por uma subversão política dessa ordem. Nessa lógica, a manutenção da ordem simbólica religiosa contribui para a ordem política, pois ela é atuante nesse cenário político cultural. Assim, cria-se um embate, pois o PLC 122/2006 propunha, no pensamento da oposição, um risco moral aos valores da família que são legitimados com o uso da religião, não devendo ser então, uma preocupação do Estado a criminalização da homofobia, pois o projeto é visto como imoral. Não obstante, apesar do discurso em da defesa da família já ter existido no antigo Projeto de lei 1151/1995 que tratava da união homoafetiva30, da antiga deputada Marta Suplicy, ele ainda permanece no Congresso Nacional. A manutenção da família é evocada como resposta a um suposto perigo social, em que novos arranjos não poderiam fazer parte deste núcleo. O deputado Hidekazu Takayma (PAN-PR), que foi um dos deputados articuladores contra o PLC 122/2006, apontou: “Agregado a este tema está o perigo de perdemos o direito à formação da família e também o direito à livre expressão num país por nós chamado democrático”.31 O discurso do deputado Takayama está atrelado a uma manutenção da ordem moral e biológica, que também é defendida por outros deputados. O deputado, também pastor da Igreja Assembleia de Deus, possuía grande influência no segmento da defesa da família que, inclusive, foi uma das suas promessas de campanha. Segundo Andrea Dip (2018), o deputado Takayama se reunia para a realização de cultos que eram feitos dentro do Congresso Nacional e veio a se tornar presidente da Bancada Evangélica, tendo formado fortes influência na política. 30 O termo homoafetividade, ou união homoafetiva, foi cunhado pela jurista Maria Berenice Dias, que significa o amor romântico entre pessoas do mesmo gênero. 31 Discurso proferido pelo deputado Hidekazu Takayakma (PAN-PR), na Sessão Ordinária de n. 122.1.53.O, em 25/05/2007. 73 Nos discursos analisados, observamos que eles defendem que a família é formada exclusivamente por homem e mulher, seguida da defesa de uma finalidade de procriação, haja vista que o público LGBT não dispõe de capacidade biológica para formação da família. Entendemos que o conceito de família envolve outros arranjos e não possuem papéis previamente estabelecidos. Então, para realizar nossa análise, é necessário conceituar o termo gênero que, segundo Joan Scott (1995) indica as “construções culturais”, a criação inteiramente social de ideias sobre papéis adequados aos homens e às mulheres. A autora conceitua o gênero como uma construção social, enquanto a construção biológica do sexo é a anatomia que diferencia o homem e a mulher. Segundo Judith Butler (2003), a própria noção do direito civil, do direito de herança, do casamento e da divisão dos direitos humanos foi pensada exclusivamente em torno do binarismo, isto é, para o homem ou mulher, atribuindo seus papéis e de forma silenciosa ocultando o sujeito. Em Dominação Masculina, Bourdieu (2012) aponta que há uma divisão de tarefas em torno do sexo, os papéis e espaços que são permitidos aos homens são diferentes dos das mulheres. Os cargos, carreiras e funções continuam estabelecidos e a mulher continua sendo vista como cuidadosa, do lar, devendo exercer determinadas profissões, ser obediente ao poder do homem, pois a ele é devida a posição de autoridade. Nesse sentindo, os discursos aqui estudados não se remetem apenas ao religioso, mas também a papéis de gênero. Para Bourdieu (2012, p. 33), a dominação masculina se estende além das representações desses papéis, ela se inscreve nos corpos para produzir significados, e complementa que há uma naturalização das construções sociais. A família então passa a ser constituída entre uma necessidade biológica, que segundo ele: Longe de as necessidades da reprodução biológica determinarem a organização simbólica da divisão social do trabalho e, progressivamente, de toda a ordem natural e social, é uma construção arbitrária do biológico, e particularmente do corpo, masculino e feminino, de seus usos e de suas funções, sobretudo na reprodução biológica, que dá um fundamento aparentemente natural à visão androcêntrica da divisão de trabalho sexual e da divisão sexual do trabalho e, a partir daí, de todo o cosmos. Bourdieu (2012) aponta que a heterossexualidade passa a ser considerada como o padrão universal das práticas sexuais e as instituições reproduzem esse sentido, a igreja, a família, estão neste campo de reprodução normativo. Na família há essa reprodução da dominação masculina já garantida pelo Estado e pelo direito. E a Igreja reproduz a visão de que 74 as faltas cometidas pelas mulheres estão ligadas à sua decência, seu comportamento, são valores androcêntricos que reproduzem valores de dominação. No entanto, segundo Bourdieu (2012), há uma evolução quanto aos modelos tradicionais de família, apesar da sexualidade heterossexual ser orientada para a reprodução e a partir disso existirem princípios de divisão tradicionais. Existem novos arranjos de família, sobretudo quando formada por homossexuais, onde há uma quebra de paradigma. Os discursos que analisamos fazem parte da ocultação do sujeito do espaço público, apontam pessoas que transgredem a norma heterossexual. Essas transgressões envolvem diferenças de gênero, justificativas biológicas e sociais que naturalizam família heterossexual como norma. O termo heterossexismo melhor se aplica a nossa pesquisa, segundo Rios (2009, p. 62): um sistema em que a heterossexualidade é institucionalizada como norma social, política, econômica e jurídica, não importa se de modo explícito ou implícito. Uma vez institucionalizado, o heterossexismo manifesta-se em instituições culturais e organizações burocráticas, tais como a linguagem e o sistema jurídico. Esse conceito foi utilizado com este sentido pelo autor Gregory M. Herek em 2004 e significa a dificuldade de lidar com política voltada para quem não é heterossexual (RIOS, 2009). Entendemos a necessidade do conceito, uma vez que estamos trabalhando com políticas públicas, onde o político faz parte do meio institucional. Dessa forma, uma vez que a heterossexualidade é utilizada como norma jurídica, social e econômica e, há uma dificuldade do legislativo de abraçar o diferente. Os modelos de família estabelecidos em alguns discursos, estabelecem a heterossexualidade como norma. Vejamos: De acordo discurso do deputado Neilton Mulim do partido PR-RJ (2007, p. 34): “Para escapar da inundação e do dilúvio, Deus ordenou a Noé que fizesse adentrar a Arca casais de todas as espécies. Não fez parte da arca nenhum casal homossexual, de nenhuma raça; nem humana, nem animal, mas homem e mulher, macho e fêmea”.32 O deputado se utiliza do argumento biológico e religioso para legitimar seu posicionamento para normatizar o sujeito. Quem foge desse padrão composto por homem e mulher e reduzido unicamente à sua biologia, não pode ter seu corpo regulado pelo Estado, pois foge da norma. 32 Discurso proferido pelo Deputado Neilton Mulim (PR-RJ) na sessão extraordinária de n. 100.1.53.O em 09/05/2007 na Câmara dos Deputados. 75 Nessa lógica, Butler (2003) aponta que o sujeito é constituído a partir de quem o representa politicamente. Dessa forma, o discurso biológico não deve estabelecer funções sobre os corpos, pois o gênero é culturalmente constituído, haja vista também a multiplicidade de gêneros e especificações. Então não há razão em definir apenas homem e mulher enquanto categoria de gênero, uma vez que eles são culturalmente criados. Assim, o discurso em torno do gênero está regulado pela heteronorma e o sujeito que foge dessa norma é considerado uma aberração. Neste mesmo encontro, o deputado Takayama complementou dizendo que as igrejas estariam correndo risco caso o PLC 122/2006 fosse aprovado, pois acreditava-se, segundo a oposição, que os casais homoafetivos iriam querer se beijar dentro das igrejas: [...] Por exemplo, um casal homossexual adentra uma igreja, que é um lugar privado, mas aberto ao público. De acordo com esse art. 8º, eles podem trocar carícias dentro da igreja, podem fazer o que quiser e não deverão ser importunados. Quem ousar impedir ou restringir essa prática - o pastor, o padre, o ancião, o presbítero, a freira - pode pegar até 5 anos de prisão.33 O art. 8º-A, na qual o deputado se referia, era o seguinte: “Impedir ou restringir a expressão e a manifestação de afetividade em locais públicos ou privados abertos ao público, em virtude das características prevista no art. 1º.” Este artigo estabelecia pena de reclusão de 2 a 5 anos. Contudo, em nossa fonte, não encontramos o interesse de negociação da oposição com a parte defensora para retirada do artigo do projeto, que geralmente é utilizado como uma estratégia política mediadora. Neste mesmo encontro, o deputado Takayma discursou: [...] se as mulheres do país casarem entre si e todos os homens também, ao final de uma geração não teremos mais a procriação de seres humanos. Defendo os direitos da família e o direito da livre expressão, não por desamor aos homossexuais. Pelo contrário, amo o homossexual, mas não amo o homossexualismo.34 A formação da família brasileira, na visão do deputado Takayma, deve ser composta exclusivamente por pessoas heterossexuais e com finalidade de procriação. Aqui o discurso biológico é utilizado como razão de composição da família heteronormativa, que é um argumento que os discursos favoráveis não dispõem. Desse modo, o discurso biológico nesta 33 Discurso proferido pelo deputado Hidekazu Takayakma (PAN-PR), na Sessão Ordinária de n. 122.1.53.O, em 25/05/2007. 34 Discurso proferido pelo deputado Hidekazu Takayakma (PAN-PR), na Sessão Ordinária de n. 122.1.53.O, em 25/05/2007. 76 análise não dispõe de respostas do mesmo sentindo, pois a composição da família homoafetiva é social, formada pelos laços afetivos e não com a finalidade de procriação. Assim entendemos esses discursos como uma violência simbólica, pois há um discurso que classifica o sujeito que não dispõe da mesma relação de criação de uma família biológica, estabelecendo assim uma relação de dominação no discurso. Segundo Butler (2003), como o político atua de forma a normatizar o sujeito no âmbito legislativo, ele tem o poder de regular o sujeito, controlando-o, e limitando-o através da norma jurídica. O sujeito é então estruturado a partir da política. Quando a lei o normatiza sem pensar na pluralidade de gêneros, ela determina quem pode ter acesso a essa lei e acaba excluindo alguns. A noção de divisão binária, definida pelo masculino e feminino, acaba atuando como legitimante para dominação do sujeito. O discurso sobre os corpos tem significados culturais e transmite uma linguagem de forma universal, desse modo somos levados a imaginar as diferenças já existentes por trás do gênero. Em 28 de junho de 2007, como o discurso da em defesa da família já existia, a senadora Serys Slhessarenko (PT-MT), defensora no projeto, já apontava que não existiria esse risco para família, uma vez que ela é tradicionalmente formada por homem e mulher e as pessoas têm esse padrão como referência: Sr. Presidente, não consigo entender qual o problema que as pessoas têm em saber que duas pessoas do mesmo sexo se amam! O que isso afeta as vidas das pessoas? Gays e lésbicas sempre existiram, nas mesmas proporções de hoje, a única diferença é que hoje mais pessoas têm coragem de se mostrar e não ficam no aperto de seus “armários” psicológicos. Até consigo entender que alguns tenham dificuldades em aceitar por razões religiosas, isso não podemos discutir, mas daí retirar subsídios para lutar contra, buscar impedir a ampliação de direitos é um pouco demais. Reconhecer o simples direito de um homossexual se assumir sem correr o risco de ser demitido, de ser humilhado, de sofrer qualquer tipo de retaliação, trará qual malefício à sociedade? Nenhum! Ninguém vira gay porque viu um casal homo... Se assim fosse, não existiriam gays, porque o referencial de família é o heterossexual, é o relacionamento homem e mulher, mesmo para os gays, que em sua maioria é fruto de famílias heterossexuais. Por isso é preciso aprovar o PLC 122 de 2006, que trata da homofobia. Temos que aprova-lo da forma como está. A questão da homofobia é grave e estamos lutando por alterar a cultura que relega ao homossexual um papel marginal na sociedade, tendo sua existência negligenciada. As críticas a este projeto são muitas, como era de se esperar, assim como criticaram ao se discutir a libertação dos escravos, a instituição do divórcio, quando a mulher quis trabalhar, estudar e votar, a “maioria” considerava um absurdo, como um negro seria cidadão como os brancos e ter os mesmos direitos, como a mulher poderia ser política, ser médica ou engenheira, para quê a mulher quer trabalhar? Sempre com a desculpa de que iria desagregar a família, iria colocar em risco a estabilidade da sociedade, e outras tantas argumentações, hoje estapafúrdias, mas que a época possuíam 77 total respaldo para os contrários. Nossa cultura está impregnada de machismo, racismo e homofobia e para retirar qualquer um destes aspectos de nossa vida é sempre muito complicado.35 Apesar de existirem no Congresso discursos que visam a conservações de valores moralizantes, há também os que fazem referência à defesa da identidade de gênero, já em 2007, período em que pouco se discutia desses conceitos aqui no Brasil, o discurso em defesa da liberdade das minorias também é resgatado como apelo para contrapor o discurso moral. Em 2008, já no Senado Federal, o senador Magno Malta, compartilha do mesmo pensamento sobre defesa da família que já havia na Câmara dos Deputados, segundo ele: Uma Lei não pode estar acima da Constituição que é a Lei maior que rege as leis do País, temos garantia pelo Estado do direito à tranqüilidade aqueles que buscam viver uma vida simples de lar, que leva em alta conta os valores da família, o matrimônio como venerável e respeitado digno de honra entre todos. Aos que são apenas marido, mulher e filhos, resta para nós defender a ordem natural, não podemos simplesmente desconsiderá-la.36 Conseguimos desprender dessa fala que não mais a religião passa a ser utilizada para legitimar o discurso, mas também a Constituição da República, que entende a família como homem e mulher, pois quando criada, na década de 1980, não se pensava na criação de novos arranjos, nem havia a discussão de gênero. Então o discurso do Senador ganha também legitimidade técnico-jurídica que é utilizada para embasar seu posicionamento, que como mencionado anteriormente, a Bancada Evangélica passou a compor membros que têm especializações técnicas, como advogados e psicólogos. O senador Magno Malta defende a manutenção da ordem da família e de um matrimônio formado apenas por homem e mulher, além de considerar que esta é uma ordem natural e biológica, conseguimos desprender do discurso dele que há um medo que a criminalização da homofobia coloque estes valores em risco. Magno Malta teve importante influência no projeto e já era senador quando o PLC 122/2006 foi aprovado na Câmara dos Deputados. Assim, acreditamos que, por ser membro da Bancada Evangélica, já havia descartado seu apoio ao projeto. Sua influência emergiu desde a Câmara dos Deputados, onde foi eleito Deputado Federal em 1999 e foi reeleito por duas vezes consecutivas no Senado Federal. Suas pautas de defesa são compartilhadas pela bancada, tais como a defesa da família, da moralidade e contrariedade a temáticas LGBT. 35 Discurso senadora Serys Slhessarenko (PT-MT), realizado no Senado Federal em reunião realizada no dia do Orgulho LGBT, 28/06/2007. 36 Discurso Proferido pelo Senador Magno Palta (PR-ES) na Comissão de Assuntos Sociais, em 25/05/2008. 78 Neste encontro, há um embate quanto ao discurso em defesa da família que a Senadora Fátima Cleide veio a questionar o Senador Magno Malta, ainda em 2008: Homossexual também tem família e essas famílias Senador Magno Malta, estão chorando a vida que perderam de seus filhos como é o caso de uma mãe lá em Montes Claros, que perdeu o filho porque ele era um bailarino. E não existe... A História a Ciência, a Ciência já difere muito bem o que é opção e o que é orientação, ninguém opta por ser homossexual, ninguém opta.37 A partir da análise da citação, a senadora Fátima Cleide evoca o discurso de gênero para retratar a necessidade da criminalização da homofobia como argumento social e científico, pois a homossexualidade já não é tratada como uma opção e sim uma orientação. O discurso da família é aqui utilizado para mostrar que as famílias dos homossexuais também se preocupam que seus filhos e filhas tenham uma proteção do Estado. A senadora Ideli Salvatii, líder do Partido dos Trabalhadores no Senado, neste mesmo encontro, já argumentava que havia uma articulação da Fátima Cleide para garantir o direito à liberdade religiosa: A Senadora Fátima Cleide percorreu o País fazendo o debate, acolhendo as preocupações, inclusive, toda esta questão da preservação do direito ao culto religioso, e que dentro das paredes e dentro da ação religiosa tenha soberania, tenha respeito. Isso, inclusive, tem já todo um debate, e para que não volte para a Câmara aquilo que dá margem a esse tipo de interpretação, tem já compromisso de veto. Inclusive, o Senador Paulo Paim, para onde vai esse Projeto retornar, a Comissão de Direitos Humanos, ele já tem, inclusive, prevista audiência, já está compromissada audiência com o Ministro Tarso Genro, para selar publicamente o compromisso com o que vai ser vetado, para que não paire qualquer dúvida a respeito da liberdade religiosa.38 Nota-se que nesse período, em 2008, já havia a preocupação por parte dos apoiadores do projeto em resguardar a liberdade de expressão de caráter religioso. Enquanto a religião é utilizada para legitimar o argumento político por parte da oposição, o gênero é utilizado pelos defensores do projeto para legitimar seu posicionamento jurídico-normativo. Fátima Cleide, relatora do projeto no período, além de discursar esse posicionamento, relatou que neste período, ano de 2008, já havia uma nova tentativa de adiar a votação do projeto por parte dos senadores: 37 Discurso proferido pela Senadora Fátima Cleide (PT-RO), na 12º reunião extraordinária Câmara de Assuntos Sociais, no Senado Federal, em 25/05/2008. 38 Discurso proferido pela Senadora Ideli Salvatti (PT-SC), na 12º reunião extraordinária Câmara de Assuntos Sociais, no Senado Federal, em 25/05/2008. 79 Na realidade, ao vir para a Comissão de Assuntos Sociais este Projeto, ele foi mais uma tentativa de protelar também a decisão dessa Casa, sobre isto que eu considero e que muitos graças a Deus, consideram neste País uma necessidade urgente que é a de ter a partir da legislação, um pronunciamento sobre como tratar a segurança, a vida de pessoas que têm uma sexualidade que difere daquelas que alguns consideram a única normal. 39 Fátima Cleide defendia a aprovação do PLC 122/2006 e era resistente às alterações propostas ao projeto, que vieram a ocorrer posteriormente para garantir a liberdade de expressão religiosa. No entanto, o Senador Marcelo Crivella solicitou emendas retirando a punição de empregadores que levam multa ao recusarem contratar algum LGBT. Segundo ele, a criminalização dessa forma estaria criando mais dificuldades para os homossexuais arrumarem emprego, pois o empregador não iria querer contrata-lo. Outro posicionamento que trazemos é o do Senador Valter Pereira 40, em 11 de novembro de 2009: Sr. Presidente, com todo o respeito que tenho à ilustre Senadora que está defendendo esta proposta, Fátima Cleide, que é indiscutivelmente a protetora dos homossexuais do Brasil, devo dizer que o projeto que ela está sustentando é, infelizmente, uma aberração jurídica. Não existe outra definição. Faz parte de uma fúria legiferante que está hoje se alastrando pelo Congresso. Infelizmente, é um desespero para aprovar leis às vezes inconstitucionais, muitas vezes contraditando com outras normas que já estão regulando a mesma matéria, criando embaraços, mais restrições e até becos sem saída. Além da homofobia, que é o objetivo do projeto, interfere-se também em questões religiosas. Mas, na questão da homofobia, a aberração não é menor. Só para que V. Exª tenha uma ideia, além daquelas hipóteses sustentadas pelo Senador Magno Malta, existe também a questão da orientação sexual, que leva a uma circunstância que pode gerar um conflito na própria família entre pais e filhos. Se o pai quiser educar o filho conforme determinados padrões morais próprios da sua família, a lei pode levar a um conflito entre os dois, entre pai e filho, entre mãe e filha, ou entre quaisquer membros da família. Então, Sr. Presidente, efetivamente, é uma matéria polêmica, eivada de defeitos que não autorizam a sua aprovação, que representam um sectarismo homofóbico ou homossexual, ou seja lá o que for. Na verdade, é uma matéria que, se for aprovada por esta Casa e se o Presidente da República não vetá-la, inquestionavelmente vai nos colocar no anedotário internacional. Portanto, eu acho que não se pode aprovar na calada da noite, na madrugada. Eu estava aqui, Senador Magno Malta, na madrugada em que V. Exª saiu feito doido aqui para evitar que o mal se consumasse. Por quê? Porque se aproveitou da madrugada, do cansaço da madrugada, Senador Crivella - V. Exª também estava aqui -, para aprovar com o mínimo de pessoas e com o mínimo de debates possível. Então, efetivamente está sendo armada aqui uma cilada para 39 Discurso proferido pela Senadora Fátima Cleide (PT-RO), na 12º reunião extraordinária Câmara de Assuntos Sociais, no Senado Federal, em 25/05/2008. 40 Discurso proferido pelo Senador Valter Ferreira, do (PMDB/MS), em 11/11/2009. 80 aprovar essa matéria. Portanto, Sr. Presidente, eu acho que nós temos que ter é o cuidado de estar na CDH, o cuidado de estar na CCJ e impedir que isso passe nas comissões, porque não resiste a uma análise serena e responsável de qualquer Parlamentar desta Casa. O discurso do Senador Valter Pereira emite uma série de significados. O primeiro deles parte do argumento de que o PLC 122/2006 foi aprovado de forma traiçoeira; o segundo é que a lei, ao ser aprovada, entraria em embate com os valores morais da família, este era o principal discurso da oposição. Além disso o Senador ressalta a necessidade de a oposição estar presente nas Comissões Participativas em que projeto era discutido, haja vista que uma vez presentes, havia uma maior chance do PLC 122/2006 não ser aprovado. Há também estratégias realizadas pela Bancada Evangélica quando ela não deseja a aprovação de um projeto. Segundo Cunha (2013), o pedido da Bancada Evangélica de solicitar o envio de e-mails e telefonemas dos seus seguidores para juízes, deputados federais e senadores é uma prática comum. A importância desses discursos é fruto de uma cultura política que envolve a participação do religioso não só como mediador de interesses entre o Estado e a sociedade, mas como um meio também de se chegar e se manter no poder das relações políticas, com as temáticas moralizantes em defesa da família e da religião. Acreditamos que o discurso em defesa da família heteronormativa surgiu com maior força em 2006, após a aprovação do PLC 122/2006, onde se criou uma suposta ameaça aos valores da família. É importante mencionar que, apesar do termo homossexualismo estar em desuso, ele é erroneamente utilizado aqui na tentativa de tratar a homossexualidade como um desvio. A criminalização da homofobia não é uma temática aversiva pelos cristãos. Segundo uma pesquisa realizada pelo DataSenado, 55% dos evangélicos entrevistados apoiam a criminalização da homofobia e 70% dos católicos entrevistados também aprovam a proposta. A entrevista foi realizada da seguinte forma: por meio de telefone entre os dias 6 e 16 deste mês, entrevistou 1.122 pessoas maiores de 16 anos, com acesso a telefone fixo e residentes em capitais brasileiras. A maioria dos entrevistados é do sexo feminino (54%), reside na Região Sudeste (48%), possui o nível médio (51%), está na faixa etária entre 20 e 29 anos (24%) e tem renda familiar entre dois e cinco salários mínimos.41 41 MAIORIA dos entrevistados do DataSenado quer criminalização da homofobia. Senado Notícias, 23 de junho de 2008. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2008/06/23/maioria-dos-entrevistadosdo-datasenado-quer-criminalizacao-da-homofobia. Acesso em: 25 jul./2019. 81 Com estes dados, pretendemos demonstrar que a proposta defendida pela Bancada Evangélica, não corresponde ao pensamento da totalidade de evangélicos, que têm opiniões distintas sobre o assunto. Todavia, o discurso da família é nesta pesquisa utilizado como argumento político para criar alianças, difundir posicionamentos, angariar eleitores, e criar uma possível ameaça para a manutenção da ordem da família. No tópico seguinte iremos estudar o período que corresponde à formação da ameaça não só da família, mas um discurso voltado para uma suposta imposição dos apoiadores da proposta de querer impor o projeto de lei à sociedade cristã defendida pela Bancada Evangélica. 82 CAPÍTULO 3 ANÁLISE DOS PÂNICOS MORAIS EM TORNO DO PLC 122/2006 3.1 - Bancada Evangélica e Pânicos Morais Em meados de 2010 a ameaça do PLC 122/2006 foi tratada pela oposição através da política do medo. A justificativa era de que haveria uma ameaça da destruição da família tradicional e a imposição de uma “ditadura gay”. Um risco que se aproximava cada vez mais, que não só queria acabar com a família brasileira, mas que também queria impor a aprovação de um projeto que só traria privilégios à população LGBT. Diante disso, pretendemos demonstrar como foram difundidos alguns discursos na sociedade no que diz respeito ao PLC 122/2006. Utilizaremos o conceito de pânico moral, pois acreditamos que alguns discursos e manifestações produzidas serem deturpadas por terem a intenção de criar um risco social e moral sobre o que a possível criminalização da homofobia poderia trazer ao público. A crença de uma ameaça aos valores da família e aos valores religiosos pelos políticos que se opõem à criminalização da homofobia são pontos preponderantes a serem debruçados, pois essa crença foi midiatizada de uma forma deturpada, criado um alarde social para uma situação que não existia de fato. Cohen apud Machado (2004, p. 60-61) define o pânico moral como: fenômenos recorrentes aos quais as sociedades parecem periodicamente estar sujeitas, no sentido em que ‘uma condição, episódio, pessoa ou grupo de pessoas emerge para ser definido como uma ameaça aos valores e interesses sociais, a sua natureza é apresentada de uma maneira estilizada e estereotípica pelos massa media; barricadas morais são fortalecidas [...]; peritos socialmente acreditados pronunciam os seus diagnósticos e soluções; modos de conspirações desenvolvidos ou (mais frequentemente) é procurado refúgio nos já existentes; a condição desaparece, submerge ou deteriora-se e torna-se menos visível’. Como sua própria linguagem, os meios de comunicação deram uma interpretação associada à carga simbólica que permeia o PLC 122/2006. O impasse para a aprovação do projeto e a decisão dos atores políticos também são influenciadas pela sociedade civil e viceversa. As pessoas LGBT são vistas pelos opositores do projeto como um grupo que ameaça a manutenção da família, composta por homem e mulher. Acreditamos que a associação à essa ameaça é difundida não só pelos parlamentares opositores ao projeto, mas também pela mídia 83 utilizada em seu favor. Haja vista que os líderes religiosos que exercem um papel político possuem poder sobre canais televisivos, jornais, páginas de internet, pois ali exercem o papel de liderança que é migrada para o cenário da política. Além disso, esse ato político religioso é considerado o que chamamos de “peritos socialmente acreditados”, pois possuem a credibilidade do seu público, que tem confiança em seu saber, conforme a diferença de pânico moral que estamos utilizando. Essa ameaça, sobretudo, envolve a atuação do religioso no combate ao mal e ao pecado que é intermediada por este detentor do saber, que segundo Bourdieu (2007, p. 39): Enquanto o resultado da monopolização dos bens de salvação por um corpo de especialistas religiosos, socialmente reconhecidos como detentores exclusivos da competência específica necessária à produção ou à reprodução de um “corpus” deliberadamente organizado de conhecimentos secretos (e portanto raros), a constituição de um campo religioso acompanha a desapropriação objetiva daquelas que dele são excluídos e que se transformam por esta razão em leigos (ou profanos, no duplo sentido do termo) destituídos do capital religioso (enquanto trabalho simbólico acumulado) e reconhecendo a legitimidade desta desapropriação pelo simples fato de que a desconhecem enquanto tal. Esse ato político religioso, que consegue estar presente em ambos os espaços ao transmitir seu saber para o seu público, fala a língua religiosa e muda seu discurso dependendo do espaço que está inserido, assumindo um discurso biológico, jurídico e/ou do campo da psicologia. Trata-se de um discurso utilizado para se adaptar ao cenário que o político irá proferir seu discurso, de modo a engajar o seu público. As grandes manifestações em oposição ao projeto, as ligações telefônicas feitas ao “Alô Senado”, as cartas e assinaturas enviadas ao Congresso têm um proposito: são ligadas por um sentimento em comum que acreditamos ter sido reforçado pela mídia, criando assim um pânico moral que engloba situações que, de fato, não existiam como foram transmitidas. Esse pânico moral acontece quando um grupo de pessoas ou um fenômeno, que é a criminalização da homofobia no presente caso, é entendido como uma ameaça aos valores sociais. Além disso, isso é corroborado pela mídia, pelos chamados “peritos socialmente acreditados”. Segundo Carla Machado (2004), esse processo é dividido em três fases: na primeira, chamada de inventário, a mídia está presente para corroborar as percepções públicas, aumentam o problema e o tratam de uma forma sensacionalista, projetam uma expectativa e rumores sobre o risco da problemática. Todos os acontecimentos posteriormente ocorridos são condicionados a este acontecimento primário que é tido como um problema social. A finalidade é transmitir a ideia para o senso comum, não importa a ambiguidade da notícia. 84 Na segunda fase tem-se a migração do dano para a ameaça de valores. A identificação de um problema social é condicionada a uma crise sobre um núcleo que, no nosso caso, consideramos a família. Este núcleo também é formado por estereótipos, enquanto o outro grupo é tipo como desviante e imoral. É necessariamente um processo de demonização sobre o grupo oposto. Então, comportamentos isolados também podem ser utilizados para causar um alarme social (MACHADO, 2004). Por fim, na terceira fase, há o risco de ressurgir o problema que é considerado como suspeito e que pode voltar a qualquer momento. Há um grupo que age no interesse de mobilizar a sociedade sobre os acontecimentos, denominado de empresários morais, onde fazem parte do poder que pode ser a política, e reafirmam os valores simbólicos. Essa problemática é ainda vista em confrontações entre o bem e o mal. A coerência só é alcançada pela exclusão do outro, pois estão em crise os valores tradicionais (MACHADO, 2004). O pânico moral é então utilizado para legitimar o controle sobre algo. Nos discursos analisados proferidos pelos parlamentares e líderes religiosos, há uma reafirmação da família tradicional, composta por homem e mulher, como estruturante para a sociedade, onde os riscos de estabelecimento de novos arranjos são considerados desviantes. No entanto, a criminalização da homofobia, como já mencionado, desejava criminalizar condutas consideradas homofóbicas e não legislar sobre o casamento LGBT, ou mesmo permitir que casais se beijassem em templos religiosos. Entendemos que a Bancada Evangélica, ao reafirmar valores de uma família tradicional como correta, vê a homossexualidade ou a homoafetividade como desviante e é baseada em argumentos traçados como “homossexuais são desviantes” e causam atos que poderiam corromper a estrutura familiar. Sobretudo, vários aspectos são utilizados pelos opositores do PLC 122/2006 para confirmar a tese de que a criminalização da homofobia causaria impactos irreversíveis à sociedade. A mídia, a cobertura das redes sociais e dos jornais e a TV são importantes meios de comunicação, mas que também impactam e influenciam o indivíduo ao formar o seu sentimento político. Neste capítulo nossas fontes se encontram diversificadas, pois o modo de midiatização desse conteúdo é extenso e variado. Assim, utilizaremos sites de notícias de grande alcance e redes sociais de líderes religiosos que tiveram influência sobre o PLC 122/2006. A Bancada Evangélica tem uma agenda moral no que tange as suas pautas. No entanto, para termos uma dimensão do poder político que parte dela, faz-se necessário realizar um estudo externo da atuação dessas pautas na sociedade, identificando os pânicos morais 85 generalizados. Interessante mencionar é que o discurso moral em defesa da família não é utilizado somente em torno da negativa da criminalização da homofobia, mas também vem ganhando proporção em variados debates em contrapartida a pautas que são consideradas morais por parte da bancada. A exemplo, segundo Fernando Balieiro (2018), há uma reação midiática em torno das discussões de gênero. A reação da agenda dos direitos humanos, sobretudo no que diz respeito à abertura de direitos a população LGBT, começou a ser entendida como uma ameaça às crianças. Assim a população LGBT passou a ser vista como uma inimiga da sociedade, tal assunto gerou publicidade de caráter nacional, uma vez que poderia colocar em risco o direito das crianças com a difusão do material que iria ser distribuído nas escolas, para crianças e adolescentes, no ano de 2011 e que passou a ser chamado erroneamente pela oposição de "ideologia de gênero". O kit anti-homofobia passou a ser entendido então como uma ameaça aos valores e foi endereçado a notícia aos chamados “chefes de família”, essa notícia se espalhou pelos Deputados opositores criando mais um pânico moral. O pânico moral criado foi uma suposta ameaça às crianças, relacionando o material que iria ser distribuídos nas escolas ao estímulo da homossexualidade. A televisão também é um ponto difusor de informações e formador de opiniões políticas. Há programas de TV religiosos que difundem ideais próprios. O aparecimento de membros evangélicos na mídia aconteceu em meados de 1977, com a inauguração da Igreja Universal do Reino de Deus, identificando-se como neopentecostais (CUNHA, 2014). 3.1.1 - A construção do PLC 122/2006 como um pânico moral Há então uma problemática que cerca a relação dos discursos religiosos que envolvem questões de gênero, sobretudo quando se trata de direitos homoafetivos. Abordaremos neste item pânicos morais utilizados pela Bancada Evangélica. A princípio utilizaremos notícias relativas ao período posterior ao ano de 2006, uma vez que foi a partir deste ano que houve a insatisfação da Bancada Evangélica em relação ao projeto juntamente com o risco da aprovação. No ano de 2006, o Deputado Costa Ferreira, além de defender as famílias tradicionais, utiliza-se do argumento das Igrejas Cristãs para considerar a homossexualidade como pecado. O seu posicionamento defende que os princípios da Igreja devam ser considerados sobrepostos a outros direitos. Há um certo medo de que ocorram expressões de 86 liberdade por parte da população LGBT, como beijo entre pessoas do mesmo sexo em espaços particulares e até mesmo da aprovação das uniões homoafetivas: O consenso histórico das Igrejas Cristãs tem ensinado que o homossexualismo é um desvio do projeto original de Deus... Que a sua inclinação é uma tentação e, a sua prática, um pecado. A heterossexualidade é normativa, e as famílias devem ser defendidas. A não-ordenação sacerdotal e a não-bênção sobre uniões entre pessoas do mesmo sexo, e a não-aceitação de expressões erótico-afetivas dessa opção em espaços particulares é um direito de um dever da coerência cristã. Necessitamos, pois, de um claro pronunciamento dos Poderes Públicos (como aconteceu com a Suprema Corte de Justiça do Canadá) de que esse posicionamento histórico das Igrejas deve ser assegurado, aos níveis da instituição, da hierarquia e dos fiéis, vedada qualquer ameaça ou criminalização (grifos nossos).42 O discurso do PLC 122/2006 ser contra a família, como visto, reúne uma série de estereótipos. Mas esse discurso, apesar de estar inserido no cenário político e ser de cunho religioso, apresenta uma linguagem fácil para o público, que é corroborada pela mídia. Na segunda fase do pânico moral, dentre destes elucidados no início deste tópico, o discurso em torno da aprovação do PLC 122/2006 passou a ser tido como uma ameaça aos valores da família que, inclusive, é referenciada no discurso como algo a ser defendido da suposta prática do pecado. O título “PLC 122 contra a família” foi reforçado por deputados e senadores. Além disso, ao mencionar a homossexualidade como pecado e entendê-la como prática do pecado, trata-se o outro grupo como desviante. Ademais, o Deputado Neilton Mulim43 alega que o texto do referido projeto fere as normas de Deus, justificando que ele diz respeito a gestos de afetividade em público: Repudiar certos gestos de afetividade não é discriminar quem quer que seja, mas exigir comportamento adequado para a cerimônia específica de adoração a Deus, na qual não cabem certos procedimentos nem para os casais cristãos nem para ninguém. O texto do PLC nº 122/06 acaba com o direito de profissão de fé. Isso não é democracia! No ano de 2010, em que estavam ocorrendo audiências públicas no Senado Federal requeridas por Marcelo Crivella e Magno Malta, os quais convidaram participantes, foi lançado o Projeto de Lei PL 7382/2010, que pretendia criminalizar a heterofobia, pelo então Deputado 42 Discurso Proferido pelo Deputado Costa Ferreira (PSC-MA) na Câmara dos Deputados, em 28/11/2006. Discurso proferido na 100.1.53.O Sessão Extraordinária da Câmara dos Deputados em 09/05/2007, às 12:06 pelo deputado Neilton Mulim (PR/RJ), com parecer contrário ao PLC 122/2006. 43 87 Eduardo Cunha. O projeto de lei propunha punir com até três anos quem obstasse o ingresso de heterossexuais em locais públicos. O projeto se assemelhava ao PLC 122/2006. O projeto se tratava de um claro incômodo à criminalização da homofobia. A justificativa para aprovação do PL 7382/2010 do Eduardo Cunha, foi a seguinte: Ora, qualquer um que acompanhe a tramitação dessas proposições há de perceber claramente que a preocupação com grupos considerados minoritários tem escondido o fato de que a condição heterossexual também pode ser objeto de discriminação, a ponto de que se venha tornando comum a noção de heterofobia. O ocultamento dessa possibilidade em nada beneficia o rigor na abordagem da discriminação em nossa sociedade, pois limita o campo de observação dos analistas e a efetividade das políticas públicas. Se não se tem em conta as possíveis formas de discriminação contra heterossexuais ao se propor políticas públicas antidiscriminatórias referentes à orientação sexual pode-se transmitir a impressão de que a afetividade da pessoa homossexual, bissexual ou transgênero encontra-se em um patamar de relacionamento humano mais elevado que a afetividade heterossexual. Recorremos, por isso, às normas vigentes ou propostas em diplomas destinados a combater a homofobia para trazer essa discussão à tona, mas agora em sentido inverso. Talvez possamos, assim, dar à discussão sobre o tema, em andamento no Congresso Nacional, um maior equilíbrio. Com esse discurso, o deputado Eduardo Cunha, que compôs a Bancada Evangélica, e posteriormente veio a compor a presidência da Câmara dos Deputados entre os anos de 2015 e 2016, condicionou o andamento das discussões do PLC 122/2006 à discussão da criminalização da heterofobia. Ademais, o ponto de vista defendido é da sensação de equidade das relações de gênero, mas que impõe as minorias LGBT como um grupo desviante da sociedade. O discurso é firmado pelo sensacionalismo. Mesmo havendo uma queda de ganho eleitoral dos evangélicos no Congresso em 2014, eles criaram alianças que foram favoráveis com outros setores, pois, para que Eduardo Cunha viesse a se tornar presidente da casa, ele teve apoio do agronegócio, igrejas evangélicas e movimento carismático católico, bem como outros setores que eram oposição ao Partido dos Trabalhadores. Prova dessa ligação é que o então presidente do Congresso retomou projetos considerados perigosos à família e que instituía o dia do Orgulho Heterossexual. Além disso, o presidente da Câmara criou comissões que interessavam setores cristãos e o Estatuto da Família, bem como outras propostas mencionadas aqui nesta pesquisa (MACHADO, 2017). 88 Um dos sites que difundiram o projeto como pânico moral, foi o Gospel Prime44, que é um site de notícias que se intitula cristão e que tem como missão defender princípios e valores do Reino de Deus. Ele fala sobre política, a Bíblia e notícias religiosas em geral. A cobertura dele sobre o PLC 122/2006 foi bastante presente. No site está presente a manifestação ocorrida em 2011, conhecida como Marcha da Família, além de relatar notícias do projeto de modo geral. Em uma delas o site noticia que o Pastor Silas Malafaia, líder da Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo, criou um site intitulado como: http://www.vitoriaemcristo.org/_gutenweb/_site/hotsite/PL-122/, que não se encontra mais disponível. No entanto, é possível notar alguns comentários feitos pelo Pastor, citados pelo Gospel Prime45: Artigo 1º: Serão punidos na forma desta lei os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, gênero, sexo, orientação sexual, identidade de gêneros. Comentário (Silas Malafaia): Eles tentam se escorar na questão de raça e religião para se beneficiar. O perigo do artigo 1º é a livre orientação sexual. Esta é a primeira porta para a pedofilia. É bom ressaltar que o homossexualismo é comportamental, ninguém nasce homossexual; este é um comportamento como tantos outros do ser humano. Artigo 4º: Praticar o empregador, ou seu preposto, atos de dispensa direta ou indireta. Pena: reclusão de 2 a 5 anos. Comentário: Não serão os pais que vão determinar a educação dos filhos — porque se os pais descobrirem que a babá dos seus filhos é homossexual, e eles não quiserem que seus filhos sejam orientados por um homossexual, poderão ir para a cadeia. Artigo 8º-A: Impedir ou restringir a expressão e a manifestação de afetividade em locais públicos ou privados abertos ao público, em virtude das características previstas no artigo 1º desta lei. Pena: reclusão de dois a cinco anos. Comentário: Isto significa dizer que se um pastor, ou padre, ou diretor de escola — que por questões de princípios — não queira que no pátio da igreja, ou escola haja manifestações de afetividade, irão para a cadeia. Artigo 8º-B: Proibir a livre expressão e manifestação de afetividade do cidadão homossexual, bissexual ou transgênero, sendo estas expressões e manifestações permitidas aos demais cidadãos ou cidadãs. Pena: reclusão de dois a cinco anos. Comentário: O princípio do comentário é o mesmo que o do anterior, com um agravante: a preferência agora é dos homossexuais; nós, míseros heterossexuais, podemos também ter direito à livre expressão, depois que é garantida aos homossexuais. O parágrafo do artigo que vamos comentar a seguir “constituiu efeito de condenação”. Artigo 16º, parágrafo 5ª: O disposto neste artigo envolve a prática de qualquer tipo de ação violenta, constrangedora, intimidatória ou vexatória, de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica. Comentário: Aqui está o ápice do absurdo: o que é ação constrangedora, intimidatória, de ordem moral, ética, filosófica e psicológica? Com este parágrafo a Bíblia vira um livro homofóbico, pois 44 O site Gospel Prime é um portal de conteúdo cristão focado em notícias, estudos bíblicos e colunas de opinião, que tem como missão defender os princípios e valores do Reino, contribuindo assim para uma igreja madura e contextualizada com os tempos. Disponível em: https://www.gospelprime.com.br/. Acesso em: 13 fev./2020. 45 PASTOR Silas Malafaia lança hotsite contra a PL 122. Gospel Prime, 12 de maio de 2011. Disponível em: https://www.gospelprime.com.br/pastor-silas-malafaia-lanca-hotsite-contra-a-pl-122/. Acesso em: 13 fev./2020. 89 qualquer homossexual poderá reivindicar que se sente constrangido, intimidado pelos capítulos da Bíblia que condenam a prática homossexual. É a ditadura da minoria querendo colocar a mordaça na maioria. O Brasil é formado por 90% de cristãos. Não queremos impedir ou cercear ninguém que tenha a prática homossexual, mas não pode haver lei que impeça a liberdade de expressão e religiosa que são garantidas no Artigo 5º da Constituição brasileira. Para qualquer violência que se cometa contra o homossexual está prevista, em lei, reparação a ele; bem como assim está para os heterossexuais. A PL-122 não tem nada a ver com a defesa do homossexual, mas, sim, quer criminalizar os contrários à prática homossexual — e fazem isso escorados na questão do racismo e da religião. Conforme o excerto acima, a homossexualidade é tratada como um comportamento. Os homossexuais são vistos como uma ameaça por um suposto risco de que não se poderia mais demitir os homossexuais do trabalho. A Bíblia também, para o pastor, encontra-se ameaçada e considerada homofóbica. E por fim, uma justificativa democrática de que a maioria dos brasileiros são cristãos e devem se posicionar contrariamente ao projeto. O impacto midiático que o pastor Silas Malafaia possuía e possui sobre seus fiéis é tamanho, não se pode ignorar o fato de que a Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo tem um enorme número de seguidores e lá é permitido o envolvimento direto com a política, até mesmo há um regimento com diretrizes, como já mencionado. O pastor ainda apresenta o programa Vitória em Cristo, que passa em vários canais televisivos e lidera a chamada “Marcha pra Jesus”. Neste evento há a presença de fiéis cristãos de vários estados brasileiros, onde é possível perceber a participação e a união de evangélicos. Além de possuir caravanas que se juntam, o evento tem origem em Londres e tem esse nome por entender que os cristãos marcham até o local do show. Segundo o Gospel Prime, no ano de 2011 este evento contou com a participação de 1,5 milhões de fiéis. Apesar da liderança do Pastor Silas Malafaia, outros líderes religiosos e membros da Bancada Evangélica também se fizeram presentes neste evento. Segundo o site Gospel Prime46: “Entre as personalidades políticas que estiveram presentes estava o senador Marcelo Crivella, o deputado Marcelo Aguiar, o prefeito da cidade de São Paulo, Gilberto Kassab, o senador Magno Malta e outros”. Este evento então conta com a participação desses atores políticos como um meio de interagir com seu público e reafirmar seus compromissos perante eles. Na mesma notícia, na coluna: “Malafaia Discursa contra as decisões do STF”, o site cita: 46 MILHÕES de pessoas participam da Marcha para Jesus em São Paulo. Gospel Prime, 24 de junho de 2011. Disponível em: https://www.gospelprime.com.br/fotos-marcha-para-jesus-2011-sao-paulo-shows/. Acesso em: 12 fev./2019. 90 Já na concentração o líder da Advec teve a oportunidade de falar sobre a luta contra projetos como o PL 122 que criminaliza a opinião contrária ao homossexualismo. “A imprensa tem que saber, se tem governador, presidente, vereador, que é contra a família, não tem nosso voto!” Disse Malafaia que também falou contra a decisão do Supremo Tribunal Federal que aprovou a união estável entre pessoas do mesmo sexo. A troca simbólica do político com a instituição religiosa é aqui mais uma vez reforçada: os políticos evangélicos ali presentes que votarem a favor do PLC 122/2006 não teriam o apoio por parte da Bancada Evangélica. A Bancada Evangélica, então, se faz presente no mundo religioso também para reafirmar seu papel político e cristão e essa combinação acaba por favorecer os ideais e propostas políticas. Assim nos questionamos: será que o líder religioso defende os interesses religiosos dos cristãos ou sua autoridade religiosa influencia os fiéis e o favorece no cenário político? Para Campos (2003), o comportamento autoritário de um líder religioso é migrado para o cenário político. Concordamos com o pensamento do autor. No entanto, entendemos que outros fatores são significantes para tais influências, como a midiatização de notícias consideradas perigosas por parte da Bancada Evangélicas e do político religioso, provocando um risco a fé. Mas até que ponto este risco é real? Daí a importância de utilizarmos o conceito de pânico moral. Na primeira fase desse pânico a mídia corrobora com a percepção pública, ou seja, já existe um pensamento mais ou menos consolidado sobre determinado assunto por parte da sociedade. Utilizaremos aqui a ideia do pânico moral de que há uma “mordaça gay” de não poder mais se afirmar que gay é pecado. Como meio de demonstrar a opinião pública a respeito do PLC 122/2006 trazemos alguns manifestos: a opinião pública assevera neste caso a ideia de que, com a criminalização da homofobia, haveria a imposição de uma mordaça gay, a destruição da família tradicional composta unicamente por homem e mulher e o impedimento dos templos de proferir a palavra, pois, segundo a Bancada Evangélica, os ensinamentos bíblicos não permitem a união entre casais homoafetivos. Um desses fatores remete ao fato de que o Pastor Silas Malafaia, que sempre foi contrário ao projeto, mencionou sobre o PLC 122/2006 em seu programa Vitória em Cristo. O site Gospel Prime47, divulgou uma notícia que o Pastor iria falar sobre os perigos da aprovação 47 PASTOR Silas Malafaia critica STF e afirma que se PL 122 for aprovado ele será preso. Gospel Prime, 16 de maio de 2011. Disponível em: https://www.gospelprime.com.br/pastor-silas-malafaia-critica-stf-e-afirma-que-sepl-122-for-aprovada-ele-sera-preso/. Acesso em: 20 fev./2020. 91 da criminalização da homofobia. Vejamos a notícia divulgada no site em 16 de maio de 2011, com o título Pastor Silas Malafaia critica STF e afirma que se PL 122 for aprovado ele será preso: No último sábado, 14, o pastor Silas Malafaia usou o espaço na TV do programa Vitória em Cristo para falar sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal de aprovar a união estável entre pessoas do mesmo sexo. O pastor utilizou os artigos da Constituição Federal, dizendo que o maior perigo para a cidadania é o desconhecimento da Constituição e para quem pertence ao Reino de Deus é o desconhecimento da Bíblia. No artigo 226 que fala sobre a família, no parágrafo 3º está escrito que “para efeito da proteção do Estado, é reconhecido que a união estável entre homem e mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. Baseado neste artigo ele defende a opinião de que a Carta Magna só reconhece união entre pessoas de sexo diferentes. O pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo também falou sobre o Projeto de Lei 122/2006 que criminaliza quem é contra a prática homossexual. Desafiando aos grupos homossexuais a publicar na íntegra o texto dessa PL. Para ele essa lei é uma “afronta à sociedade brasileira”. E também desafia os meios de comunicação a publicarem esse projeto que foi desarquivado pela senadora Marta Suplicy (PT-SP). Malafaia deixa claro “não concordar com a prática homossexual é totalmente diferente de discriminar ou agredir a honra de pessoas ou grupos homossexuais”. “Querem dar status de raça para um comportamento”, explica o pastor que também é psicólogo e ainda ensina que a genética entre homens heterossexuais e homossexuais é a mesma e entre mulheres também. “Homofobia é uma doença e já tem lei para isso”, diz. O pastor segue lendo alguns trechos da PL 122/2006 e mostrando onde estão os trechos inconstitucionais de texto. Como fez no Twitter, discutindo com cantores e pastores evangélicos, ele alerta aos pregadores omissos que é ordenança bíblica condenar esses atos. O PLC 122/2006 foi midiatizado no sentido de alertar a sociedade para o mal que a aprovação o projeto poderia causar. Além disso foram divulgados vários cartazes chamando os fiéis para a Marcha pra Jesus em 2011. Vejamos um deles, divulgado pelo mesmo site, Gospel Prime: 92 Figura 6: Marcha pela Família Fonte: https://www.gospelprime.com.br/marcelo-aguiar-convoca-brasileiros-para-marcha-da-familiacontra-o-pl-122-em-brasilia/. Acesso em: 20 fev./2020. Assim, a notícia com o título Marcelo Aguiar convoca brasileiros para Marcha da Família contra o PL 122 em Brasília foi midiatizada mais uma vez no sentido de que, com a criminalização da homofobia, não se poderia mais pregar a Bíblia. A imagem de um homem com uma mordaça da bandeira LGBT simboliza a ideia de imposição de uma lei. Além disso, a imagem de um casal heterossexual segurando uma criança simboliza a mantença desses valores tradicionais que estariam em risco, segundo a bancada. Assim a mídia trata de divulgar e confirmar percepções públicas sobre os riscos do PLC 122/2006 que é aqui apresentado. Na mesma notícia, o Gospel Prime divulgou: O deputado federal Marcelo Aguiar (PSC-SP), membro da diretoria da Frente Parlamentar Mista em Defesa Permanente da Família, está convocando todos os brasileiros a participar da Marcha da Família que acontece nesta quartafeira, 1º de junho, em frente ao Congresso Nacional, em Brasília. A manifestação reunirá comitivas e delegações contra o PL 122 que criminaliza a homofobia e cria regras para a união estável de casais do mesmo sexo. O encontro também marcará manifestações contra o “kit anti-homofobia” e outros projetos que tramitam no Congresso. “Temos uma preocupação constante com a defesa da família brasileira e, infelizmente, existem projetos em tramitação na Câmara dos Deputados que atacam os pilares da família. Iremos lutar contra qualquer tentativa de enfraquecimento das famílias e é esse 93 o caso do PL 122”, explicou Marcelo Aguiar. O Ato Público começa com uma reunião de líderes no auditório Petrônio Portela, no Senado Federal, às 9h e às 14 horas as comitivas estarão reunidas em frente ao Congresso para a Marcha da Família. Segundo o pastor Silas Malafaia, a manifestação servirá para esclarecer as famílias brasileiras da ameaça que representa o PL 122. “Não vamos aceitar mudança de comportamento imposta pela minoria. Não aceitaremos o cerceamento da liberdade de expressão, jamais iremos discriminar, mas nunca deixaremos de orientar que homossexualismo não é prática cristã”, explicou o pastor. A Marcha da Família em 2011 também ajudou a difundir percepções falsas sobre o projeto, é tanto que o evento concretizou alguns pânicos morais sobre o PLC 122/2006. Desse modo, as percepções públicas de que se deveria defender a família dessa ameaça de valores foram mais uma vez reforçadas. Na segunda fase desse pânico, em que há esse medo de ameaça de valores, a ANAJURE (Associação Nacional de Juristas Evangélicos) divulgou no ano de 2013 em seu site um curso online direcionado a líderes religiosos sobre os perigos do PLC 122/2006: Figura 7: Divulgação de curso sobre o PL 122 Fonte: https://anajure.org.br/novo-curso-online-da-anajure-vai-abordar-a-estrategia-do-movimentolgbt-para-aprovacao-do-pl-122-nos-estados/. Acesso em: 20 fev./2020. Ou seja, mais uma instituição reforçava a atuação desse pânico moral, entendendo o PLC 122/2006 como um risco à família composta por homem e mulher. A mesma notícia48 menciona: Em entrevista à ANAJURE, o Dr. Zenóbio explica a importância do curso e quais os perigos que a aprovação do PL 122 pode trazer para a igreja e para a 48 NOVO curso online da ANAJURE abordará a estratégia do movimento LGBT para aprovação do PL 122 nos Estados brasileiros. ANAJURE, 12 de julho de 2013. Disponível em: https://anajure.org.br/novo-curso-online-daanajure-vai-abordar-a-estrategia-do-movimento-lgbt-para-aprovacao-do-pl-122-nos-estados/. Acesso em: 20 fev./2020. 94 sociedade, considerando que após a aprovação do PL nos Estados ele será facilmente aprovado no congresso e senado. “O curso vai mostrar os reflexos negativos e sociais da estratégia LGBT e irá também apresentar a existência de uma agenda legislativa pelos ativistas do movimento em todos os Estado e Municípios do Brasil”. Apelidadas como “PL 122 estaduais”, as propostas do movimento já podem ser vistas nas legislações de São Paulo, Minas Gerais, Distrito Federal, Bahia, Sergipe, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul, com o apoio da mídia e grande pressão política dos grupos LGBT em todo o País. Nesse raciocínio, a difusão de um curso voltado para líderes religiosos sobre os perigos do PLC 122/2006 ganhou uma maior proporção em que deveria se alertar os fiéis sobre a possível ameaça e risco da criminalização da homofobia, somando também ao risco de destruição do modelo de família heterossexual existente. Esse discurso é contraposto no sentido de “nós e eles”, numa noção de bem e mal, no sentido cristão. Então, combater o pecado seria uma missão para o fiel à Igreja vinculado. Outras construções de pânico moral também foram criadas em relação ao PLC 122/2006. Acreditamos que o evento Marcha Pra Família, no ano de 2011, foi decisivo para contribuir com o pânico moral sobre o então projeto, tão temido por parte da oposição ao PLC 122/2006. Uma notícia publicada pelo site do Senado em 201149, com o título Magno Malta e Crivella apoiam manifestação contra PL 122, aponta: Do alto de um trio elétrico, o senador Marcelo Crivella elogiou o trabalho dos senadores ligados à Bancada da Família e destacou o empenho de lideranças evangélicas na organização do evento. De acordo com o senador, a manifestação reuniu cerca de 80 mil pessoas. No cálculo da Polícia Militar do Distrito Federal, havia entre 15 e 20 mil pessoas. Crivella criticou o PL 122, mas repetiu que respeita os homossexuais. - Nós amamos os homossexuais - afirmou. O senador Magno Malta reafirmou o respeito pelos homossexuais, mas criticou o texto do projeto de lei. Segundo o parlamentar, "o anseio grotesco de uma minoria não pode se impor à maioria das famílias brasileiras". - Não haverá acordo sobre o PL 122 - declarou o senador. Na saída do encontro com Sarney, Magno Malta disse que a Bancada da Família tem 72 dos 81 senadores e que o projeto "já é um cadáver". Magno Malta ainda elogiou a presidente Dilma Rousseff, pela decisão de suspender a distribuição do kit anti-homofobia nas escolas. O senador pediu que o governo faça uma campanha promovendo o respeito às minorias, incluindo homossexuais. 49 MAGNO Malta e Crivella apoiam manifestação contra o PL 122. Agência Senado, 01 de junho de 2011. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2011/06/01/magno-malta-e-crivella-apoiammanifestacao-contra-pl-122. Acesso em: 19 mar./2020. 95 É interessante notar que o então Senador Magno Malta associa a distribuição do kit anti-homofobia nas escolas ao PLC 122/2006 e os trata como se fossem pautas correlacionadas. O que na verdade não se pode afirmar, pois são projetos que tratavam de matérias diferentes. O então Senador destaca o sucesso da suspensão da entrega do kit nas escolas pela então presidenta do período, Dilma Rousseff, assunto que não nos aprofundamos. Entretanto, conseguimos perceber uma ligação da presidenta por parte da bancada, uma vez que na carta ao povo de Deus argumenta que se o projeto em tramitação fosse aprovado o mesmo resguardaria a liberdade de expressão religiosa. Segundo divulgação na mídia, especificamente no site de notícia G1 Globo50, no item de n. 3 da carta divulgada pela então Candidata Dilma, a candidata elencou que: “Eleita presidente da República, não tomarei a iniciativa de propor alterações de pontos que tratem da legislação do aborto e de outros temas concernentes à família e à livre expressão de qualquer religião do País.” As temáticas da família e da liberdade de expressão envolvem também o PLC 122/2006, temáticas que inclusive são justificativas utilizadas pela oposição do projeto em questão. Vejamos também outra promessa de candidatura, no item de n. 5 da mesma carta, disponibilizada pela própria candidata51: Item 5.: Com relação ao PLC 122, caso aprovado no Senado, onde tramita atualmente, será sancionado em meu futuro governo nos artigos que não violem a liberdade de crença, culto e expressão e demais garantias constitucionais individuais existentes no Brasil. O discurso acima, da então candidata, menciona uma aliança da mesma com a bancada, se comprometendo em discurso de campanha que, caso eleita, resguardaria o direito à liberdade religiosa em relação ao PLC 122/2006, que possuía sua aprovação tão temida por parte da bancada. Na mesma notícia52 é mencionado que a bancada religiosa também emitiu uma carta em resposta à candidata: Em comunicado divulgado pela assessoria da campanha de Dilma, juntamente com a carta assinada pela candidata, um grupo de 168 religiosos, intelectuais, professores universitários, políticos e artistas manifesta “fidelidade à verdade” 50 DILMA divulga carta para 'pôr um fim definitivo à campanha de calúnias: Religiosos assinam outro documento pró-candidata com a mesma finalidade. G1 Globo, 15 de outubro de 2010. Disponível em: http://g1.globo.com/especiais/eleicoes-2010/noticia/2010/10/dilma-divulga-carta-para-por-um-fim-definitivocampanha-de-calunias.html. Acesso em: 19 mar./2020. 51 Ibidem. 52 Ibidem. 96 e faz a defesa da candidatura petista. Sete bispos encabeçam a lista dos que assinam o documento: dom Thomas Balduino, bispo emérito de Goiás Velho (GO); dom Pedro Casaldáliga, bispo emérito da Prelazia de São Felix do Araguaia (MT); dom Demetrio Valentini, bispo de Jales (SP); dom Luiz Eccel, bispo de Caçador (SC); dom Antonio Possamai, bispo emérito de Rondônia; dom Sebastião Lima Duarte, bispo de Viana (MA); e dom Xavier Gilles, bispo emérito de Viana (MA). Confira abaixo a íntegra do documento: "Se nos calarmos, até as pedras gritarão. Nestes dias, circulam pela internet, pela imprensa e dentro de algumas de nossas igrejas, manifestações de líderes cristãos que, em nome da fé, pedem ao povo que não vote em Dilma Rousseff sob o pretexto de que ela seria favorável ao aborto, ao casamento gay e a outras medidas tidas como “contrárias à moral”. A própria candidata negou a veracidade destas afirmações e, ao contrário, se reuniu com lideranças das Igrejas em um diálogo positivo e aberto. Apesar disso, estes boatos e mentiras continuam sendo espalhados. Diante destas posturas autoritárias e mentirosas, disfarçadas sob o uso da boa moral e da fé, nos sentimos obrigados a atualizar a palavra de Jesus, afirmando, agora, diante de todo o Brasil: “se nos calarmos, até as pedras gritarão!” (Lc 19, 40). O trecho da carta acima faz menção ao apoio por parte da Bancada Evangélica à candidatura da presidenta Dilma, ou seja, como ela se comprometeu na tomada de decisões que fossem salvaguardar a liberdade da família e a religiosa, ela teve o apoio por parte da bancada. Outro Pânico moral que se pode afirmar, foi o ocorrido na Marcha da Família em 2011, em 01 de junho do mesmo ano. As discussões contidas no evento reafirmaram o pânico existente por parte da oposição do PLC 122/2006, fazendo com que não só se alertasse os fiéis dos perigos do projeto, mas que também o povo cobrasse um posicionamento por parte dos Deputados e Senadores eleitos. A partir da análise da frase contida na Figura 8, tirada na Marcha pela Família, a liberdade de expressão é utilizada como argumento de defesa à liberdade religiosa em contraponto com uma situação que não existia de fato. Uma vez que não haveria a intenção de criminalizar a liberdade de expressão religiosa, que já é um direito salvaguardado, e foi garantido posteriormente na tramitação do PLC 122/2006. Ou seja, foi criado um pânico generalizado a partir de um discurso que insinuava que a Bíblia poderia ser censurada. 97 Figura 8: Marcha pela Família Fonte: https://noticias.gospelmais.com.br/protesto-manifestacao-contra-plc-122-silas-malafaiabrasilia-20417.html. Acesso em: 19 mar./2020. É importante ressaltar que nem todas as pessoas que estavam presentes na Marcha pela Família no ano de 2011, foram participar com o intuito de um ativismo político contra a legislação de criminalização de homofobia. A marcha também contava com um ato de louvor e algumas pessoas presentes tinham a intenção de orar. Isso não exclui o fato de que os líderes religiosos pudessem ter a intenção de disseminar discursos que levariam ao pânico. Além disso, segundo o site do Senador Arolde Pereira53, neste mesmo dia (01 de junho de 2011), houve no auditório Petrônio Portela no Senado, a celebração de um culto e o Encontro Nacional de Líderes e Parlamentares Evangélicos do Brasil, que contou com a participação de líderes religiosos e que também discutiram sobre a Marcha para Família, evento que já estava premeditado. 53 IMPRESSÕES do Fórum Evangélico Nacional. Site do Senador Arolde Pereira, 01 de junho de 2011. Disponível em: https://www.aroldedeoliveira.com.br/noticia/impressoes-do-forum-evangelico-nacional/. Acesso em: 02 abr./2020. 98 Neste evento houve um manifesto direto do público que tinha o intuito de se posicionar contrariamente ao projeto, como também por parte dos líderes políticos religiosos. Segundo o site Gospel Mais54: Os manifestantes exibiam cartazes com dizeres como “Diga não a PL 122”, “Daqui a pouco vão dizer que a Bíblia é homofóbica”, “I love my family” e “Pela união entre o homem e a mulher” e gritavam palavras de ordem. No palanque o Pastor Silas Malafáia foi enfático afirmando que “Marta Suplicy pensa que crente é otário” e criticou a decisão do Supremo Tribunal Federal que reconheceu a união gay no Brasil: “O STF rasgou a Constituição”, o líder ainda completou dando sua opinião sobre a PLC 122: “O projeto de lei é inconstitucional. Lei contra a homofobia já existe, isso é conversa para dar privilégio a uma minoria” afirma. Em dado momento o Pastor rasgou uma cópia da PLC 122 no palanque, levando o público ao delírio. Conforme o excerto acima, extrai-se que os pânicos morais em torno do projeto na Marcha para Família eram de que o PLC 122/2006 queria impedir a pregação da palavra da Bíblia, no que diz respeito a falar sobre a homossexualidade como pecado e a concretização simbólica de que, rasgando o projeto de lei, indicava-se que o mesmo deveria ser extinto. Nesta terceira fase do pânico moral, a problemática gira em torno do medo de não poder mais pregar a Bíblia falando que a homossexualidade era pecado. Assim, surge a necessidade de reafirmar valores simbólicos em defesa de uma família cristã e heterossexual que teria o dever de evitar o mal da homossexualidade e consequentemente da criminalização da homofobia. Uma vez que os valores cristãos tradicionais estariam em crise e surgiria o risco não só de não pregar a Bíblia como o líder religioso gostaria, mas também desses novos arranjos familiares de casais homoafetivos cobrarem direitos que prejudicariam os cristãos. Assim, a reafirmação da família heterossexual enquanto correta foi utilizada como uma resposta a possível legalização da união estável entre pessoas do mesmo sexo. Silas Malafaia, que também liderava a manifestação juntamente com outros atores políticos e religiosos ali presentes, enfatizava a frase “a Marta Suplicy pensa que crente é otário”, que pode ser subentendida da seguinte forma: que quem é evangélico deve estar à frente da política e não se pode abdicar dessa função, que seria uma missão de barrar projetos que seriam contra a família. É interessante notar que, apesar desse evento ser um ato de louvor para muitos fiéis, ele foi utilizado como intuito político, inclusive para difundir os “possíveis riscos da aprovação 54 SAIBA como foi o protesto e manifestação contra a PLC 122 organizada pelo Pastor Silas Malafaia em Brasília. Gospel Mais, 02 de junho de 2011. Disponível em: https://noticias.gospelmais.com.br/protesto-manifestacaocontra-plc-122-silas-malafaia-brasilia-20417.html. Acesso em: 20 mar./2020. 99 do PLC 122/2006” aos evangélicos. Outros líderes religiosos também estavam presentes neste evento. Na mesma notícia, o Gospel Mais55 menciona que: Entre os políticos que participaram estavam João Campos (PSDB-GO), Ronaldo Fonseca (PR-DF), Jair Bolsonaro (PP-RJ) e Anthony Garotinho (PRRJ), além dos senadores Marcelo Crivella (PR-RJ), Magno Malta (PR-ES) e Walter Pinheiro (PT-BA). Entre os evangélicos que estavam presentes, houve a participação de diversos cantores e pastores de todo o Brasil, além do próprio Pastor Silas Malafaia, organizador da manifestação pacífica. Apesar de a notícia não afirmar explicitamente que o Pastor Silas Malafaia estava envolvido diretamente como político, ali ele também exerceu esta função, pois apesar de não exercer um mandato, ele estava envolvido com outros líderes políticos naquele evento, inclusive reforçando pânicos morais sobre o PLC 122/2006. É interessante ressaltar que o então deputado João Campos, que estava presente nesta manifestação, foi autor de alguns projetos de lei já citados aqui anteriormente, como o PL 234/2011, que pretendia autorizar procedimentos psicológicos para mudança de orientação sexual, e também do PL 6583/2013, que pretendia criar o Estatuto da Família formado unicamente por homem e mulher, para salvaguardar o conceito de família heterossexual como único. Compreendemos que esses pânicos morais criados pelas manifestações e discursos de caráter político-religioso tiveram influência sobre o arquivamento do PLC 122/2006. Como o STF56, em 05 de maio de 2011, reconheceu a possibilidade do reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo, os assuntos foram interligados pela oposição, aumentando o pânico da situação já temida por estes. Assim, como o PLC 122/2006 teve seu pânico moral potencializado, soma-se a isso o fato de que no período que correu a Marcha pela Família, no mês de junho do mesmo ano, estava em discussão a distribuição do kit antihomofobia, citado anteriormente. As articulações para alertar sobre os “perigos do PLC 122/2006” também alcançaram vários estados brasileiros. A pastora Damares Alves, atual Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos neste ano de 2020, afirma ter realizado eventos alertando os evangélicos sobre os perigos da aprovação do projeto e também de outros de igual teor. 55 SAIBA como foi o protesto e manifestação contra a PLC 122 organizada pelo Pastor Silas Malafaia em Brasília. Gospel Mais, 02 de junho de 2011. Disponível em: https://noticias.gospelmais.com.br/protesto-manifestacaocontra-plc-122-silas-malafaia-brasilia-20417.html. Acesso em: 20 mar./2020. 56 SUPREMO reconhece união homoafetiva. Notícias STF, 05 de maio de 2011. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=178931. Acesso em: 23 mar./2020. 100 Vejamos o discurso da atual Ministra, e pastora no período, concedida ao Blog Júlio Severo57, em 18 de dezembro de 2013: A Dra. Damares, que neste ano de 2013 andou por todo o Brasil mobilizando a Igreja contra o PLC 122 e contra outros projetos absurdos, inclusive o projeto original da Reforma do Código Penal, desabafou emocionada: “Estou rouca, estou cansada. Só neste final de semana, foram cinco eventos em três estados diferentes, mas valeu a pena. Eu sei que a transformação e redenção do meu país passa pela Igreja Evangélica.” Ela disse ainda: “Esta vitória só foi possível também graças a todos os internautas e blogueiros cristãos e graças as redes sociais.” A Dra. Damares explica como foi a grande vitória contra o PLC 122 e outros projetos: Pela manhã na Comissão Especial instituída para discutir o PLS 236/2012 que visa à Reforma do Código Penal, foi votado o parecer do relator. Segundo o Jornal O Globo58, Damares Alves foi pastora da Igreja Quadrangular do Evangelho e da Igreja da Lagoinha em Belo Horizonte, como também tem seu histórico político como auxiliar parlamentar do Senador Magno Malta e do chefe de gabinete do Deputado João Campos, autor do projeto de cura gay. A pastora também teve influência importante na construção dos pânicos morais em torno do PLC 122/2006, uma vez que a mesma alertava os fiéis utilizando de termos jurídicos sobre os riscos da proposta, e sua formação como advogada ajudava nesta crença. Ela se tornou uma perita socialmente acreditada pelos seus fiéis e que trabalhava com intuito de alertar sobre os perigos do projeto, tendo também influência nesse processo de arquivamento. Adiante, no próximo subitem, iremos trabalhar sobre construção do percurso final do arquivamento do PLC 122/2006, para buscarmos compreender articulações políticas que levaram a essa decisão. 3.1.2 - Arquivamento do PLC 122/2006 Neste subitem buscamos entender um pouco mais sobre o histórico político do Senador Eduardo Lopes, que solicitou, por meio do requerimento 1442 do dia 20 de novembro de 2013, que o referido projeto tramitasse juntamente com o PLS 236, do ano de 2012, Projeto 57 PLC 122 sepultado: Maioria cristã do Brasil obtém vitória inesperada e surpreendente com sua persistência e mobilização. Blog Júlio Severo, 18 de dezembro de 2013. Disponível em: http://juliosevero.blogspot.com/2013/12/plc-122-sepultado-maioria-crista-do.html. Acesso em: 23 mar./2020. 58 DAMARES Alves: a trajetória conservadora da ministra que criou polêmica. Jornal o Globo, 13 de janeiro de 2019. Disponível em: https://oglobo.globo.com/sociedade/damares-alves-trajetoria-conservadora-da-ministraque-criou-polemica-23367259. Acesso em: 03 abr./2020. 101 de Lei do Senado do Novo Código Penal Brasileiro, de autoria do então Senador José Sarney – atualmente encontra-se em tramitação no Congresso Nacional. Mas, o PLC 122/2006 foi retirado para votação juntamente com o PLS 236 de 2012 no ano de 2014. O requerimento solicitado pelo Senador Eduardo Lopes foi votado no dia 17 de dezembro de 2013, com 29 votos favoráveis e 12 contrários. Acreditamos que o requerimento e votação da anexação do PLC 122/2006 junto ao PLS 236/2012 foi uma articulação, sobretudo da Bancada Evangélica, para que o projeto fosse arquivado, pois ele já estava pronto para ser votado. Desse modo, buscamos compreender a influência do Senador Eduardo Lopes (RJLíder do PRB)59 nessa articulação. Ele foi o primeiro suplente do Senador Marcelo Crivella, nos anos de 2012 a 2014, e conseguiu se eleger no mandato do ano de 2014. Segundo a Câmara Municipal do Rio de Janeiro60, o Senador Eduardo Lopes é Pastor desde sua juventude, foi apresentador de programas de rádio e TV e diretor presidente do Jornal Folha Universal e da Editora Gráfica Universal, vinculados ao Edir Macedo, fundador e líder da Igreja Universal e tio do Senador Marcelo Crivella. O então Senador Eduardo Lopes, no ano de 2006, foi Deputado Federal pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), sendo suplente no ano de 2007 em razão do afastamento do Deputado Alexandre Cardoso. Além disso, foi membro da Comissão Permanente de Constituição de Justiça e de Cidadania e suplente na Comissão de Educação e Cultura. Nesse sentido, o Senador Eduardo Lopes estava vinculado com o então Senador Marcelo Crivella, do qual era suplente, mas também com a Igreja Universal do Reino de Deus, da qual Marcelo Crivella faz parte. Desse modo, acreditamos que, como suplente, o Eduardo Lopes angariou apoio político suficiente para que tivesse a aprovação do seu requerimento para incluir o PLC 122/2006 junto à tramitação do Novo Código Penal Brasileiro. Acreditamos que a liderança político-religiosa do então Senador Eduardo Lopes foi decisiva para o arquivamento do projeto de lei, e é através do seu histórico político-religioso e institucional que acreditamos que o mesmo tivesse influência capaz de solicitar e conseguir apoio político para o arquivamento do PLC 122/2006. 59 Partido Republicano Brasileiro, fundado pelo Marcelo Crivella em 25 de agosto de 2005. Câmara do Rio de Janeiro, 2010. Indicação de Medalha de mérito Pedro Ernesto ao Deputado Federal Eduardo Benedito Lopes. Requerimento Nº 593/2010 Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Disponível em: https://mail.camara.rj.gov.br/APL/Legislativos/scpro0711.nsf/e1cf32345e0a5cbf032576e8004d4769/bf36b3fbfe a0340b032576e200698dfd?OpenDocument. Acesso em: 30 mar./2020. 60 102 Segundo o site da Câmara dos Deputados61, o Senador Eduardo Lopes teve seu mandato na casa nos anos de 2007 a 2011 pelo PSB como suplente, em virtude do Deputado Alexandre Cardoso ter sido convidado para ser secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Rio, assim o Eduardo Lopes tornou-se suplente do então Deputado. No site da Câmara consta a formação de Eduardo Lopes como Bacharel em Teologia e, como histórico de atividades profissionais, Diretor Executivo, Empresa de Comunicações, Radialista e Jornalista Articulista. Já de acordo com o site do Senado Federal62, Eduardo Lopes exerceu mandato de 2012 a 2014, como suplente de Crivella, e foi titular das Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania de 06 de março de 2012 a 17 de março de 2014 e participou também como membro da CDH de 06 de março de 2012 a 12 de setembro de 2013, período em que o PLC 122/2006 estava tramitando. Desse modo, acreditamos que, devido às relações político-religiosas e funções que o Senador Eduardo Lopes desempenhava, suas articulações em torno do cenário político permitiram formar alianças com Senadores que já eram opositores do PLC 122/2006, e conseguir mais votos de outros líderes. Vejamos a discussão envolvendo a votação para anexação do PLC 122/2006 juntamente com o da reforma do Código Penal, ocorrendo o seu consequente arquivamento: No Plenário, no dia 17 de dezembro de 2013, a discussão em torno da anexação do PLC 122/2006 ao Novo Código Penal foi sobre uma questão mais tecnicista lançada pelos Senadores. Vejamos o embate que ocorreu entre o Senador Magno Malta, favorável à anexação do projeto e o Senador Paulo Paim, relator responsável pelo projeto, na época da votação do requerimento. Para o Senador Magno Malta63: O SR. MAGNO MALTA (Bloco União e Força/PR – ES. Sem revisão do orador.) – É só para colaborar muito rapidamente, Sr. Presidente, porque o 122 altera a 7.716; e a 7.716 está extinta no relatório do Senador Pedro. Ela nem existe. Então, o 122 está alterando nada; está alterando o vazio; está pedindo a alteração de uma lei que está extinta no relatório do Senador Pedro, do Código Penal. Essa é a minha colaboração. Por isso é que é preciso ir para o Código Penal para lá ser discutido e tipificado. Ela está revogado. 61 Câmara dos Deputados. Perfil do Deputado Eduardo Lopes (PRB). Brasília, DF. Disponível em: https://www.camara.leg.br/deputados/4928/biografia. Acesso em: 31 fev./2020. 62 Senado Federal. Perfil do Senador Eduardo Lopes – RJ. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/senadores/senador/-/perfil/4767/. Acesso em: 31 mar./2020. 63 Discurso proferido pelo Senador Magno Malta (PR-ES) no Plenário do Senado Federal. Diário do Senado Federal, n. 211 de 20143, em 17/12/2013. 103 Pelo trecho acima, constatamos que o Senador Magno Malta alegou que, como a discussão da Lei 7.716/1989, que trata sobre os crimes de racismo, estava incluída na reforma do Novo Código Penal, não haveria sentido a votação do PLC 122/2006. Isso porque a Lei do Racismo já estaria revogada, uma vez que estava tramitando juntamente com a discussão da reforma do Código Penal. Então, o Senador Magno Malta, contrário ao projeto desde sempre, já almejava a tramitação em conjunto da lei que criminaliza a homofobia e do Código Penal, como solução para o arquivamento do PLC 122/2006, uma vez que a discussão da reforma poderia demorar e, mais uma vez, se adiaria a discussão da criminalização da homofobia, ou gerar um consequente arquivamento do projeto no futuro. Ressaltamos que até o ano de 2020 o projeto de reforma do Código Penal não foi votado, pois uma discussão como esta necessita de bastante tempo. Em resposta ao discurso do Senador Magno Malta, o Senador Paulo Paim argumentou64: Sr. Presidente, primeiro, eu cumprimento o Plenário pelo debate em alto nível. Nós não estamos aqui discutindo ainda o mérito, e, sim, somente o procedimento. Mas, Sr. Presidente, eu me sinto meio perplexo por um lado. Como é que uma lei que não foi votada pode ter revogado outra? Não foi votada; foi votada em uma comissão. O argumento que estou ouvindo e com o qual me preocupei, pois pode haver um precedente, é o de que a Lei Caó, fruto de uma história de lágrima, de sangue e de muita luta do movimento negro, está simplesmente revogada. Não está revogada! Legitimamente, entendo a posição do Relator e legitimamente essa comissão aprovou o relatório, que vai para a CCJ e que vai para o Plenário. Consequentemente, a Lei Caó, de Abdias, de Benedita, de tantos líderes que lutaram durante uma vida para se tornar realidade, não está revogada; como a Lei Maria da Penha, que também trata da mesma questão, não está no Código e não está revogada. Nota-se que o Senador Paulo Paim esclarece que a alegação de Magno Malta não faria sentido, pois a Lei do Racismo não foi revogada por apenas estar tramitando com a reforma do Código Penal, uma vez que ela já era uma lei existente. Entretanto, mesmo assim, o PLC 122/2006 foi anexado em razão da aprovação do requerimento do Senador Eduardo Lopes. Assim, a especificidade técnica tomou lugar na discussão e os argumentos religiosos foram migrados para o científico. As discussões em torno da família e da religião, até ano de 2013, tiveram peso suficiente para o convencimento de Deputados e Senadores, mas os argumentos científicos legitimados pela oposição pelo que chamamos de “peritos 64 Discurso proferido pelo Senador Paulo Paim (PT-RS) no Plenário do Senado Federal, Diário do Senado Federal, n. 211 de 20143, em 17/12/2013. 104 acreditados” tiveram grande peso no arquivamento do PLC 122/2006, pois foram chamados líderes religiosos, como o Pastor Silas Malafaia, para discussão do projeto, sem contar a influência que o mesmo possuía, nesse período, no cenário político em razão do seu engajamento com outros Senadores como o Magno Malta e o Marcelo Crivella. Assim tem-se a influência de líderes religiosos que depois se juntaram ao Pastor e Senador Eduardo Lopes, bem como as cartas e posicionamentos da ANAJURE, já mencionados anteriormente. Posteriormente, o Senador Vital do Rego (PMDB), que votou favoravelmente para que o PLC 122/2006 tramitasse juntamente com a reforma do Código Penal, solicitou e conseguiu a retirada do PLC 122/2006, no ano de 2014, arquivando definitivamente a proposta. Segundo o site Gospel Mais65, em entrevista concedida à TV Senado, o Senador Vital do Rego se pronunciou da seguinte maneira: A consultoria [jurídica] nos deu elementos para pedir o desapensamento. O apensamento foi feito de maneira equivocada porque [a criminalização da homofobia] não é uma matéria de Código [Penal], é uma matéria que precisa ser tratada antes no impacto legislativo. Acho que esses crimes de ódio devem ser punidos exemplarmente, e espero que o Congresso se pronuncie. Nesse sentido, o mesmo Senador que votou para que o projeto fosse incluído na reforma do Código Penal, retirou o projeto, por ser relator da reforma do Código Penal. Diante disso, entendemos que os argumentos mencionados pelo Senador Vital do Rego também fazem parte de uma estratégia de arquivamento do PLC 122/2006, pois como o mesmo Senador que votou favorável que o projeto tramitasse com a reforma, alega que o projeto foi incluído no Código Penal por um erro da consultoria? Assim, em razão da contrariedade apresentada pelos argumentos do Senador Vital do Rego, nos leva a crer, juntamente com os demais argumentos apresentados, no arquivamento proposital do PLC 122/2006. Segundo site Último Segundo66, a Bancada Evangélica, neste período, já se articulava no sentido de barrar projetos que fossem considerados contrários aos seus interesses: Depois de conterem a articulação do projeto que criminaliza a homofobia, as bancadas evangélicas na Câmara e no Senado planejam centrar esforços para 65 SENADO exclui projeto de criminalização da homofobia do texto do novo Código Penal. Gospel Mais, 18 de dezembro de 2014. Disponível em: https://noticias.gospelmais.com.br/senado-exclui-criminalizacao-homofobiacodigo-penal-73389.html. Acesso em: 01 abr./2020. 66 Bancada Evangélica age para barrar mudanças no Código Penal. Último Segundo, 06 de janeiro de 2014. Disponível em: https://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2014-01-06/bancada-evangelica-age-para-barrarmudancas-no-codigo-penal.html. Acesso em: 01 de abr./2020. 105 barrar mudanças no Código Penal, que estão em tramitação no Senado e que, se aprovadas no primeiro semestre de 2014, seguirão para a Câmara dos Deputados. De acordo com integrantes da Frente Parlamentar Evangélica, que reúne deputados e senadores, todos os temas que são caros aos religiosos estão sendo discutidos no contexto do Projeto de Lei do Senado 236/2012. O texto já foi aprovado em comissão especial em dezembro e, antes de ser votado no plenário do Senado, terá que passar pela apreciação da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa. O relator da proposta, Pedro Taques (PDT-MT), acatou os argumentos dos religiosos e retirou do texto a possibilidade de aborto nas 12 primeiras semanas em razão da incapacidade psicológica da gestante de arcar com a gravidez. Diante do exposto acima, podemos extrair que a Bancada Evangélica está direcionada a tentar barrar temáticas consideradas contrárias ao seu interesse, inclusive atuando em diversos outros projetos que são interligados a temáticas de homofobia. Assim, entende-se que, apesar de arquivado o PLC 122/2006, os pânicos morais sobre ele continuaram perpetuando, concretizando, portanto, a terceira fase desse pânico pelo qual há o risco de ressurgir o problema e que pode voltar a qualquer tempo. A oposição age com intuito de mobilizar a sociedade sobre os acontecimentos que são considerados imorais e esses empresários morais, que detêm o poder, reafirmam os valores simbólicos. Há uma guerra simbólica de confrontações entre o bem e o mal. Onde só há solução quando o outro é excluído, porque os valores tradicionais estão em crise e precisam ser mantidos (MACHADO, 2004). A título de exemplificação, citamos o vídeo e notícia disponibilizado pelo site Gospel Mais67, no qual o pastor Silas Malafaia, em seu programa televisivo Vitória em Cristo, relatou os nomes dos Senadores que não votaram no arquivamento do PLC 122/2006 e pediu para que os fiéis não votassem neles, sobretudo nos políticos evangélicos, uma vez que se tratava de uma missão dos fiéis de combater o mal. Essa guerra simbólica do discurso político-religioso foi mais uma vez aqui trabalhada como uma forma de desmerecer os políticos que não cumpriram com a demanda dos fiéis que depositam seu voto nesses atores político-religiosos. A Bancada Evangélica teve como atuantes no cenário político as Instituições Igreja Assembleia de Deus e Igreja Universal do Reino de Deus, tendo em vista que na legislatura de 2003 a 2007, os números desses atores políticos somavam mais de dois terços da Bancada Evangélica. Faz-se importante mencionar que ambas as igrejas condenam a homossexualidade, 67 PASTOR Silas Malafaia orienta evangélicos a nunca mais votarem em senadores que não apoiaram o fim do PLC 122, entre eles o evangélico Walter Pinheiro. Gospel Mais, 11 de janeiro de 2014. Disponível em: https://noticias.gospelmais.com.br/silas-malafaia-orienta-evangelicos-nunca-mais-votarem-senadores64075.html. Acesso em: 01 abr./2020. 106 incluindo-a na prática do pecado, e acreditam em um modelo patriarcal em torno da família, em exceção a vertente neopentecostal da Igreja Assembleia de Deus, que permite lideranças femininas no poder. Também devido à presença da temática da religião na imprensa, essas instituições têm importante destaque (BAPTISTA, 2007). No entanto, esse poder de relacionar votos dos fiéis evangélicos a líderes religiosos nem sempre é certeiro, uma vez que os fiéis podem ter opiniões políticas diversas. Soma-se a isso o fato dessas Instituições Religiosas possuírem isenção do pagamento de impostos sobre o templo, contar com o apoio de serviços voluntários e divulgação de canais televisivos que os outros líderes políticos não contam (PRANDI; SANTOS; BONATO, 2019). Logo, ao que entendemos, o discurso político-religioso dentro do Congresso Nacional se torna apenas um meio de conseguir perpetuar uma prática política e se articular no Congresso, até mesmo para formar alianças. O evento Marcha para Família, ocorrido em 2011, as solicitações de político-religiosas para que seus fiéis cumpram a missão de ser contrários ao PLC 122/2006 e de conseguir assinatura, são formas de articulação desses líderes obterem o apoio dos seus fiéis para com eles mesmos. Ou seja, é uma prática político-cultural lançada sobre o seu eleitorado sob o rito do pânico, do medo, do alerta, que tem como contrapartida o apoio do eleitor a esses líderes através de uma confiança que é proposital pelo próprio líder político: ao alertar seu eleitorado que sua crença sobre a religião e a família estão sobre ameaça, ele estará presente para defender os interesses desses eleitores. Esse político simula uma relação proposital de confiança que ele mesmo criou, pois o pânico moral advém de um alerta de uma situação de risco inexistente. Assim, percebemos que a ruptura política em torno da Bancada Evangélica não está direcionada com partidos políticos, isso é moldado de acordo com os interesses da própria bancada, que tem poder de influenciar e apoiar candidaturas em troca dos seus interesses. O sustentáculo do discurso da família e da religião são meios articuladores e agregadores do seu eleitorado e de outros políticos que ali se apoiam em seus interesses de se perpetuar no poder, inclusive com a atuação da mídia em seu favor. 107 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao buscar compreender os motivos que ensejaram no arquivamento do PLC 122/2006, percebemos que tal prática não se deu de modo sistemático, seguindo regimentos jurídicos. É certo que os seguimentos dessas normas são consequência de um processo burocrático, mas ao que tudo indica, o arquivamento da proposta de criminalização da homofobia ocorreu por articulações político-religiosas que ensejaram no arquivamento do projeto e não por falta de acordo entre as lideranças ou apenas pelo estabelecido pelos regimentos normativos. Quando proposto em 2001, o antigo denominado PL 5003/2001 possuía preocupações diferentes das atuais, inclusive nos discursos analisados não se tem o enfrentamento da questão da identidade de gênero como um fator preponderante a ser enfrentado, pois os calores dessas discussões vieram a ocorrer posteriormente. O que mais se enfrentava pela oposição do PLC 122/2006 era que, caso o projeto fosse aprovado, ocorreria um impedimento da pregação da Bíblia e que as Igrejas iriam ser obrigadas a realizar casamentos entre pessoas do mesmo sexo. A homofobia foi mais direcionada naquele período a gays e lésbicas, as transexuais não eram vistas pela oposição, até porque esta luta ainda era inviabilizada por parte da sociedade, que não discutia sobre este assunto no período. Nos discursos analisados conseguimos perceber que há uma disputa simbólica de poder para saber quem pode ter acesso ao espaço democrático. De um lado, há a cobrança de minorias LGBT por parte do Estado de uma lei que criminalize condutas homofóbicas e, de outro, há uma negação dessa tutela sob a justificativa da religiosidade e proteção das famílias formadas por heterossexuais, como se a tutela do direito de um fosse em regra diminuir a esfera da atuação religiosa. Neste contexto o cenário político é atuante de modo a tentar englobar todos os tipos de discussões. No entanto, os discursos político-religiosos acabam sendo preponderantes na atuação política por ter o apoio de diversos meios, como a mídia. Outro fator é que a presença de cultos realizados dentro do Congresso Nacional, já mencionados por alguns autores, favoreceu a atuação dos atores políticos que são opositores ao PLC 122/2006. Assim, na tentativa de responder ao nosso objeto, que é identificar os motivos político-sociais que fizeram com que o PLC 122/2006 fosse arquivado, constatamos que são vários motivos. Sobretudo desde o início da tramitação do projeto, o antigo PL 5003/2001 aparentemente não possuía grande relevância na visão dos relatores, pois o devolviam sem dar 108 nenhum tipo de manifestação, deixando por ser arquivado. Como exemplo podemos citar o Deputado Bispo Rodrigues e o Deputado Bonifácio de Andrada, que tiveram essa atuação omissiva na Câmara dos Deputados e que faziam parte da Bancada Evangélica. No entanto, o PL 5003/2001 ganhou força no Congresso, sendo posteriormente aprovado no ano de 2005 e remetido ao Senado no ano de 2006, quando teve um enfraquecimento por parte da Bancada Evangélica, que pode ter sido preponderante para que a atuação dos atores políticos defensores do projeto possa ter desencadeado nessa votação favorável. A partir do ano de 2006 notamos certo pânico criado em relação ao projeto, que provavelmente possa ter surgido em razão da possibilidade de sucesso de sua aprovação na Câmara dos Deputados, daí haveria o receio dele ser também aprovado no Senado Federal, se tornando uma lei. Nesse sentido, houve uma certa preocupação da oposição em não deixar o projeto ser aprovado e conseguir formar outras alianças político-religiosas para isso. Notamos então que, enquanto os discursos favoráveis ao PLC 122/2006 eram em torno da defesa de direitos cíveis, o discurso da defesa de gênero e em torno da justificativa de agressões homofóbicas, os discursos da oposição do projeto foram justificados em defesa da religião e da família. O discurso religioso é utilizado aqui no cenário político para justificar uma negação do político. Não queremos dizer que a religião é culpada desses discursos, pois é o discurso religioso que é apropriado por este político para dar sentido ao seu discurso. Além disso a dimensão religiosa perpassa, de alguma forma, por toda a sociedade. Já o discurso da família é tratado como legitimador de um modelo tradicional que estaria em risco em razão da formação de novos núcleos familiares formados por pessoas LGBT, questão que buscamos, no terceiro capítulo, discordar. A proporção desses discursos tem faces de um discurso da cultura-política, pois são elencados como um código e partilhados dentre esses pares políticos, sobretudo da Bancada Evangélica, que teve uma atuação preponderante contra o PLC 122/2006. Ainda, esse discurso tem sua identidade legitimada pela mídia e algumas instituições religiosas e também associações, como a exemplo, a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (ANAJURE), já mencionada. Dentre esses discursos produzidos tem-se ainda que são narrativas que demonstram que, neste período, os Deputados e Senadores, de forma geral, não estavam preparados para lidar com as minorias ou com o diferente. Apesar do PLC 122/2006 ter sido aprovado no ano de 2005 na Câmara dos Deputados, o que se pode afirmar é que nesta época foi uma evolução 109 de algo inesperado para o período, pois ainda se tinha menos informação sobre a criminalização da homofobia. Outros discursos tiveram mais preponderância no Congresso, talvez pela atuação de outros atores políticos, como Marcelo Crivella e o Magno Malta, bem como o Pastor Silas Malafaia. Este último, que mesmo não sendo político no sentido de exercer um cargo, se comportou como detentor de poder de influência em relação aos parlamentares que tiveram importante atuação no arquivamento do PLC 122/2006, pois clamavam ao seu público para que votassem contrariamente ao projeto, solicitando que enviassem cartas, manifestações, fizessem ligações telefônicas e recolhessem assinaturas que, certamente, tiveram enorme influência decisória dos Senadores que votaram na anexação do projeto para tramitar com a reforma do Código Penal e que, posteriormente, veio a ser retirada. Assim, algumas instituições evangélicas, tais como a Igreja Universal do Reino de Deus e a Assembleia de Deus Vitória em Cristo, cuja liderança é o Pastor Silas Malafaia, naquele momento, já dotado de capacidade de conseguir conquistar o apoio político dos fiéis. Apesar do fiel não se encontrar vinculado ao voto do líder religioso, este é influenciado pelos seus conselhos. Ou ainda, o parlamentar que consegue influenciar parte desses fiéis em razão do seu discurso simbólico e com a finalidade de manter o funcionamento da sua Igreja. Desse modo, compreendemos que o discurso em defesa da família e da religião é fruto de uma cultura política que tem ganhado força no Congresso Nacional como legitimadora de barrar propostas consideras não interessantes por parte da Bancada Evangélica. Temos a concepção de que esse discurso é como meio de se conquistar pares, apoiar outros líderes que estariam defendendo os valores desses fiéis que estariam em risco, configurando um pânico moral legitimado. Apesar do “direito à intolerância religiosa” já ter sido enquadrado pela Lei 7.716 de 1989, que é a Lei de Racismo, ela precisou ser salvaguardada no PLC 122/2006, pois o pânico generalizado ditava que a criminalização da homofobia estava relacionada com o impedimento da compreensão da homossexualidade como prática do pecado. Essa correlação ganhou grande dimensão e alcance, ao ponto em que se precisou salvaguardar tal direito. No entanto, ainda assim, a discussão da necessidade dessa criminalização da homofobia foi ignorada. Para que surtisse efeito, foi proposta a Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão n. 26 e Mandado de Injunção n. 4733, pela ABGLT para que fosse sanada a omissão e a falta de legislação existente sobre a criminalização da homofobia. Tais ações acabaram tento sucesso no ano de 2019, criminalizando a homotransfobia em âmbito nacional. As discussões neste período, no final da segunda década do século XXI, careceram da necessidade de também 110 colocar o sujeito transexual ou trangênero nesta lei. E ainda assim foi necessário deixar claro que esta decisão não alcançaria o direito à liberdade religiosa. Desse modo o STF entendeu a necessidade de uma lei que criminalizasse a homotransfobia e que fosse utilizada a Lei 7.716/1989, de racismo, até que o Congresso Nacional edite uma lei que criminalize a homofobia. Assim, fica claro que os parlamentares não estavam preparados o suficiente para debater e aprovar legislação sobre a questão da criminalização da homotransfobia, discussão que ainda precisa ser bastante discutida na sociedade. Ficando clara essa falta de preparo dos representantes democráticos do povo, ficou a cargo do judiciário forçar que o Congresso legisle sobre tal assunto. Então o STF68 entendeu que a homotransfobia se enquadra ao racismo em um sentido social: O conceito de racismo, compreendido em sua dimensão social, projeta-se para além de aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos, pois resulta, enquanto manifestação de poder, de uma construção de índole históricocultural motivada pelo objetivo de justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico, à dominação política, à subjugação social e à negação da alteridade, da dignidade e da humanidade daqueles que, por integrarem grupo vulnerável (LGBTI+) e por não pertencerem ao estamento que detém posição de hegemonia em uma dada estrutura social, são considerados estranhos e diferentes, degradados à condição de marginais do ordenamento jurídico, expostos, em consequência de odiosa inferiorização e de perversa estigmatização, a uma injusta e lesiva situação de exclusão do sistema geral de proteção do direito. Nesse sentido, entendemos que a omissão do Estado quanto à regulamentação dessa norma, no período mencionado, foi legitimante da desigualdade, deixando as condutas homofóbicas e transfóbicas à mercê do Estado, como um grupo marginalizado e que não merecia uma proteção Estatal, como algo da vida privada. Por todo o exposto, identificamos nas discussões analisadas uma prática político-cultural que envolve uma negação, o discurso em torno da família e da religião foi utilizado como meio de mascarar a aceitação do diferente que necessitasse de uma proteção estatal. 68 Supremo Tribunal Federal. STF enquadra homofobia e transfobia como crimes de racismo ao reconhecer omissão legislativa. Brasília, 13 de Junho de 2019. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/tesesADO26.pdf. Acesso em: 05 abr./2020. 111 BIBLIOGRAFIA FONTES BRASIL. Conselho Nacional de Combate à Discriminação. 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Essas entidades estão preocupadas com um suposto recuo do Governo brasileiro na promoção dos direitos dos homossexuais na reunião da Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, porque o Ministério das Relações Exteriores, por ocasião da última reunião dessa Comissão, em março passado, decidiu retirar da pauta de votação a proposta de resolução que reconhecia a questão dos homossexuais como parte concernente aos direitos OBS. Esclarecimento sobre a decisão do Governo brasileiro de retirada, da pauta de reunião da Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, de proposta de resolução sobre reconhecimento de direitos dos homossexuais. Conclamação aos Parlamentares para apoiamento às proposições apresentadas no Congresso Nacional a favor do segmento 117 humanos. Venho trazer uma palavra de esclarecimento e otimismo em relação à postura do Itamaraty nesta questão. E falo embasada numa longa audiência que tive com o Ministro Celso Amorim poucos dias antes da referida reunião da Comissão de Direitos Humanos da ONU. Conforme me explicou o Embaixador Celso Amorim, a decisão de retirar a resolução pró-homossexuais da pauta da ONU foi apenas movimento estratégico para evitar que a proposta fosse derrotada na votação entre os países membros da Comissão. As pressões das igrejas e dos países islâmicos levariam à sua derrota. E o Itamaraty, ao retirar a proposta, apenas adiou o debate da resolução contra a discriminação de homossexuais e transexuais. Dessa forma, Sr. Presidente, haverá melhores condições de se efetuar as devidas articulações junto às nações mais propensas a apoiar a resolução, de forma que se crie grande Frente, com a adesão da maioria dos países membros da ONU. Sabemos que, quanto maior o número de nações favoráveis a determinada proposição, maior é o efeito que ela terá ao ser homologada. Esse é o maior objetivo do Brasil: fazer com que a resolução se torne uma tendência sóciopolítica mundial de positivação dos direitos homossexuais e rejeição a 118 todas as formas de preconceito e violência contra a livre expressão sexual. (p.5 E 6) TRAMITAÇÃO LOCAL: CÂMARA DOS DEPUTADOS 043.2.52.O Sessão Ordinária - CD 05/04/2004- PARECER CATEGORIA FAVORÁVEL DECISÃO JUDICIAL/ ACONTECIMENTO IMPORTANTE DISCURSO No início de março, a Justiça do Rio Grande do Sul proferiu uma decisão inédita no País ao permitir que os cartórios do Estado aceitem os pedidos de registro de união de pessoas do mesmo sexo. (p.7) OBS 119 DATA: 05/04/2004 HORÁRIO: 15:21 DEPUTADO: SRA. MANINHA PARTIDO: PT-DF TRAMITAÇÃO PARECER CATEGORIA DISCURSO LOCAL: CÂMARA DOS DEPUTADOS FAVORÁVEL DISCURSO OMISSÃO LEGISLATIVA Quero alertar esta Casa para o fato de que a omissão em importantes questões de direitos humanos como essa nos mantém numa posição mesquinha, atrasada e injusta. Tenho certeza de que esta Casa não compactuará com isso. (p.7) TRAMITAÇÃO PARECER CATEGORIA DISCURSO LOCAL: CÂMARA DOS DEPUTADOS ALIANÇA FAVORÁVEL Deputada Maninha, permita-me. Quero parabenizá-la por todo seu discurso, mas chamo atenção para o seguinte: faço parte da Frente Parlamentar pela Livre Orientação Sexual. Quero parabenizá-la pela coragem de abordar tema que se acredita que tira voto de político. Não penso 043.2.52.O Sessão Ordinária - CD 05/04/2004- OBS.: DATA: 05/04/2004 HORÁRIO: 15:21 DEPUTADO: SRA. MANINHA PARTIDO: PT-DF 043.2.52.O Sessão Ordinária - OBS. 120 DATA: 05/04/2004 assim. No Dia Internacional do Orgulho Gay, pronunciei-me em nome do partido. V.Exa. tem meu apoio nesse projeto. Sou a favor da democracia sexual, racial, religiosa e dos direitos humanos em nosso País HORÁRIO: 15:21 DEPUTADO: Janete Capiberibe PARTIDO: PT-DF TRAMITAÇÃO PARECER CATEGORIA DISCURSO LOCAL: CÂMARA DOS DEPUTADOS FAVORÁVEL DISCURSO OMISSÃO LEGISLATIVA Os homossexuais ainda são considerados cidadãos de "segunda classe", que sofrem discriminação na escola, no trabalho, em muitas Igrejas, na família, e muitos ainda são expulsos de casa ao assumir sua orientação sexual. Não há ainda, infelizmente, leis que garantam a plena cidadania dos gays, que permitam, por exemplo, a união civil entre pessoas do mesmo sexo ou que garantam aos homossexuais os mesmíssimos direitos que têm os heterossexuais. (p.9 e 10) PARTIDO: PT-SP TRAMITAÇÃO PARECER CATEGORIA DISCURSO. OBS. CÂMARA DOS DEPUTADOS FAVORÁVEL EVENTO IMPORTANTE Nossa prioridade em 2005 é aprovar o já mencionado PL da Deputada Iara Bernardi e retomar as discussões sobre o Projeto de Lei nº 1.151, de 1995, da ex-Deputada Marta Suplicy, Retomada de discussão a respeito da União Civil entre casais do mesmo sexo/ CAMINHADA PARA OMISSÃO Sessão Extraordinária: 097.3.52.O - DATA: 17/05/2005 HORÁRIO: 16:26 DEPUTADO: LUCIANO ZICA (SECRETARIO DA FRENTE PARLAMENTAR MISTA PELA LIBERDADE DE EXPRESSÃO) OBS. Transcurso do Dia Mundial de Luta contra a Homofobia. Conveniência de aprovação, pela Casa, do Projeto de Lei nº 5.003, de 2001, e de outras proposições de interesse da comunidade homossexual. 121 Sessão Extraordinária: 097.3.52.O - que institui a união civil entre pessoas do mesmo sexo. LEGISLATIVA 10 ANOS DE DISCUSSÃO LEI UNIÃO ENTRE CASAIS DO MESMO SEXO DISCURSO OBS. DATA: 17/05/2005 HORÁRIO: 16:26 DEPUTADO: LUCIANO ZICA (SECRETARIO DA FRENTE PARLAMENTAR MISTA PELA LIBERDADE DE EXPRESSÃO) PARTIDO: PT-SP TRAMITAÇÃO PARECER CATEGORIA LOCAL: CÂMARA DOS DEPUTADOS CONTRÁRIO DISCURSO LEGALIDADE FORMAL Sessão Extraordinária: 189.4.52.O DATA: 23/11/2006 HORÁRIO: 16:16 DEPUTADO: PASTOR PEDRO RIBEIRO PARTIDO: PMDB O SR. PASTOR PEDRO RIBEIRO (PMDB-CE. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, somos contrários ao Projeto de Lei nº 5.003-A. Queremos discutir esta matéria com profundidade. Não aceitamos que este projeto seja votado hoje. O SR. PRESIDENTE (Inocêncio Oliveira) - Deputado, o projeto já foi votado. Fica registrado o voto contra. O SR. PASTOR PEDRO RIBEIRO Foi votado quando? O SR. PRESIDENTE (Inocêncio Oliveira) - Há pouco. Já foi votada a redação final. Inclusive, ele foi elogiado pelos Srs. Deputados Rodrigo Maia e Fernando Ferro. Protesto conta a votação do Projeto de Lei nº 5.003, de 2001. 122 O SR. PASTOR PEDRO RIBEIRO Mas não aceitamos que ele seja votado hoje. O SR. PRESIDENTE (Inocêncio Oliveira) - É matéria vencida, nobre Deputado. O SR. PASTOR PEDRO RIBEIRO Por que é vencida? O SR. PRESIDENTE (Inocêncio Oliveira) - Porque já foi votada. O SR. PASTOR PEDRO RIBEIRO Cada Parlamentar está manifestando-se. Estou manifestando-me na minha vez. Sr. Presidente, não podemos concordar. Isso não é avanço da cidadania. Isso aqui é imposição. V.Exa. sabe o que está acontecendo atualmente na Nação. Portanto, somos contra. É um pedido de urgência extrapauta, não o aceitamos. O SR. PRESIDENTE (Inocêncio Oliveira) - Nobre Deputado, foi feito o entendimento de que o que estivesse na pauta poderia ser retirado de pronto e o que tivesse consenso entre os Líderes poderia constar da pauta. Os Líderes, ao iniciarmos a votação, fizeram o pedido em relação a 2 projetos: este e o referente ao audiovisual. Concordei em inseri-los na pauta. Coloquei em votação o primeiro projeto e, depois, o segundo. Quanto ao terceiro, fiz a leitura com muita calma, disse que 2 projetos tinham sido apensados e 2 projetos tinham sido rejeitados. Chamei 123 todos os Líderes, chamei todos os oradores inscritos, chamei os que se posicionaram contra e os que se posicionaram a favor. Depois, coloquei o projeto em votação calmamente. Votamos a redação final, disse que ela estava aprovada e que a matéria iria ao Senado Federal. Em seguida, o ilustre Líder Rodrigo Maia pediu a palavra e disse: "Presidente, quero elogiar a Casa pela maturidade com que tratou esta matéria". O Deputado Fernando Ferro me pediu a palavra e disse: "Quero, Sr. Presidente, elogiar a Casa por ter tratado esta matéria com maturidade, sem discriminação de qualquer natureza". Aí V.Exa. pediu a palavra. Pensei que fosse para protestar pelo fato de o projeto ter sido aprovado. Como posso rever uma decisão que já foi tomada, nobre Deputado? Foi a mais transparente e a mais correta. O SR. PASTOR PEDRO RIBEIRO Sr. Presidente, enquanto eles se manifestavam - eles têm prioridade, por serem Líderes -, eu não podia falar. Eu tinha de falar na minha vez. O SR. PRESIDENTE (Inocêncio Oliveira) - Mas V.Exa. deveria ter pedido a palavra. O SR. PASTOR PEDRO RIBEIRO Estava esperando a oportunidade. Pelo que sei, pedido de urgência que não estiver em pauta, havendo alguém que discorde... 124 O SR. PRESIDENTE (Inocêncio Oliveira) - Mas V.Exa. não discordou na hora. O SR. PASTOR PEDRO RIBEIRO Eu não podia falar, Sr. Presidente. O SR. PRESIDENTE (Inocêncio Oliveira) - Só que a urgência foi votada ontem, nobre Deputado. A matéria estava em regime de urgência urgentíssima. A urgência foi votada ontem, com base no art. 155. A urgência urgentíssima poderia ser colocada a qualquer hora. Desculpe-me, mas a matéria está vencida. (p.11,12,13 e 14). TRAMITAÇÃO PARECER CATEGORIA DISCURSO OBS. LOCAL: CÂMARA DOS DEPUTADOS CONTRÁRIO LEGALIDADE FORMAL/DISCURSO RELIGIOSO ‘’O PL nº 5.003 - A foi incluído sorrateiramente na pauta. E, para surpresa de todos, foi aprovado. ‘’ Foi falando anteriormente pelo presidente da sessão que o projeto estava na pauta 191.4.52.O Sessão Ordinária -Associo-me incondicionalmente às propostas que visam combater qualquer forma de discriminação. Em meu idealismo indomável de cristão, acho até o termo "não discriminar" nem mesmo precisaria constar em um diploma legal, mas ser constitutivo da conduta natural das pessoas. Como isso é impossível, apelamos à força da lei. (P. 17) DATA: 28/11/2006 HORÁRIO: 15:24 DEPUTADO: COSTA FERREIRA PARTIDO: PSC/MA TRAMITAÇÃO PARECER CATEGORIA DISCURSO OBS. 125 LOCAL: CÂMARA DOS DEPUTADOS 191.4.52.O Sessão Ordinária -- CONTRÁRIO DISCURSO LEGALIDADE FORMAL "Na data de 23 de novembro de 2007, quinta-feira, foi aprovado (sem discussão) em plenário o polêmico Projeto de Lei nº 5.003/01, que assevera em sua ementa: 'Determina sanções às práticas discriminatórias em razão da orientação sexual das pessoas'. DATA: 29/11/2006 HORÁRIO: 15:34 DEPUTADO: PASTOR REINALDO PARTIDO: PTB/RS Assim, esta Frente Parlamentar Evangélica vem à presença de V.Exa. manifestar repúdio e indignação, e o faz considerando os seguintes fatos e argumentos: 1) A matéria votada não era de relevante e inadiável interesse nacional, tendo sido colocada extrapauta, sem nenhuma distribuição de avulsos no plenário, contrariando o art. 155 do Regimento Interno da Câmara, que prevê: 'Poderá ser incluída automaticamente na Ordem do Dia para discussão e votação imediata, ainda que iniciada a sessão em que for apresentada, proposição que verse sobre matéria de relevante e inadiável interesse nacional, a requerimento da maioria absoluta da composição da Câmara, ou de Líderes que representem esse número, aprovado pela maioria absoluta dos deputados, sem a restrição contida no § 2º do artigo antecedente'; Leitura de nota de protesto da Frente Parlamentar Evangélica contra a forma de apreciação pela Casa do Projeto de Lei nº 5.003, de 2001 A votação da matéria já tinha sido acordada anteriormente 126 2) Houve quebra de acordo, anteriormente firmado, visto que, nos dias de quinta-feira, a pauta de votação nesta Casa constará apenas de proposições, fruto da decisão do Colégio de Líderes, que não versem sobre matérias polêmicas, conforme acordo que visava deixar o Parlamentar mais livre para trabalhos em Comissões; 3) A matéria votada é polêmica e requer amplo debate, pois sua aprovação sem debate prévio poderá trazer sérios prejuízos e transtornos à sociedade, visto que o povo brasileiro ainda não está pronto para presenciar serenamente a manifestação em público da afetividade de casais do mesmo sexo, como determina aquele projeto de lei, e nem as autoridades e líderes religiosos que seguem preceitos bíblicos, conduta cristã que rege a religiosidade da maioria incontestável desta Nação, ainda não estão preparados para conviver com as exigências que serão apresentadas por homossexuais que se dirão discriminados, eventualmente, sob a alegação do amparo legal, com a intimidação das sanções penais; 4) Ficou flagrante que a matéria foi propositadamente colocada em votação para beneficiar apenas um segmento da 127 sociedade, entrando em votação extrapauta, em data que a Mesa Diretora tinha conhecimento de que no plenário não estaria presente número significativo de Deputados para debater a matéria, em virtude da total dedicação dos Parlamentares à elaboração do Orçamento Geral da União e de suas emendas orçamentárias, atribuição que faz parte de uma das tarefas primordiais da nossa missão parlamentar e requer a obediência de prazos que não podem ser extrapolados; 5) Causou ainda estranheza o flagrante registrado da manifestação e comemoração de grupos interessados na matéria que se encontravam na Casa e já sabiam antecipadamente da votação do projeto, ao contrário dos Parlamentares que nem sequer foram informados, pela Mesa e pelos Líderes, de que tal matéria seria apreciada; 6) Aprovando a matéria dessa forma, a Casa demostrou o desprezo ao diálogo e ao amplo debate necessário para a consolidação do processo democrático, marca registrada, de forma indelével, da gestão de V.Exa. à frente da Mesa Diretora. 7) 7) Dessa forma, a Frente Parlamentar Evangélica registra, de 128 maneira veemente, que não admitirá a ditadura imposta pelas Lideranças dos partidos que decidem sem ouvir as bancadas desta Casa e sem considerar os anseios da população. A falta de debate quanto a essa matéria mostra que a ditadura imposta impede os Deputados, eleitos pelo voto popular, de exercer a sua prerrogativa máxima da atuação legiferante. Refiro-me ao debate e ao direito e ao dever de manifestarem sua posição, diante de matéria tão polêmica como a que diz respeito ao Projeto de Lei nº 5.003, de 2001. A Frente Parlamentar Evangélica, inconformada com o ato arbitrário e não convencional da Mesa Diretora de afronta aos Parlamentares desta Casa, de desrespeito à boa norma e técnica legislativa, requer providências imediatas, administrativas e/ou regimentais, para apurar eventual vício no processo legislativo dessa matéria. Assim sendo, que fique registrado nosso repúdio e indignação contra a arbitrariedade e a manobra que a Mesa Diretora e o Colégio de Líderes cometeram, atingindo os Parlamentares e o povo brasileiro. 129 Brasília, 29 de novembro de 2007". (p.20) TRAMITAÇÃO PARECER CATEGORIA DISCURSO LOCAL: CÂMARA DOS DEPUTADOS CONTRÁRIO DISCURSO LEGALIDADE FORMAL Há de atentar-se que, na sessão extraordinária do dia 22 de novembro, dia anterior à votação, o próprio Presidente Inocêncio Oliveira havia se comprometido a pautar apenas matérias em que houvesse pleno acordo, pois as sessões ordinárias que ocorrem na quinta-feira à tarde se caracterizam, infelizmente, pela reduzida presença dos Deputados, promovendo-se as votações pelo processo simbólico. Infelizmente não houve discussão prévia ou acordo, nem mesmo a publicação da matéria na Ordem do Dia, em relação ao Projeto de Lei nº 5.003, de 2001, prevalecendo o arbítrio e a deslealdade na condução do processo legislativo. (p.23) TRAMITAÇÃO PARECER CATEGORIA DISCURSO LOCAL: CÂMARA DOS DEPUTADOS CONTRÁRIO DISCURSO EXEMPLIFICATIVO CONTRA ADOÇÃO 196.4.52.O Sessão Ordinária DATA: 30/11/2006 HORÁRIO: 16:46 DEPUTADO: PASTOR FRANKEMBERGEN PARTIDO: PTB-RR 199.4.52.O Sessão Ordinária – DATA: 12/06/2006 HORÁRIO: 12:30 Em outubro deste ano, uma juíza de Catanduva, interior de São Paulo, autorizou que um casal homossexual masculino adotasse uma menina de 5 anos. E esse não é o primeiro caso no Brasil. Curiosamente, não se evocou a necessidade de um pai e de uma mãe de verdade como fator de equilíbrio na OBS. Foi falado na abertura da sessão sobre a votação da plc 122/2006/ (discurso do pastor frankembergen é incoerente) OBS. Discurso apelativo na tentativa de trazer exemplos de que a PLC 122/2006 traria abertura para questão da adoção. O discurso remete a ideia da incapacidade e medo da legislação sobre a temática. 130 formação da personalidade da criança, como se exige em todos os outros casos. Volto a lembrar uma lição natural. A adoção, por não ter vínculo natural, exige maiores cuidados. A adaptação pode ser longa e conflituosa até a criança aprender a se sentir amada e confiante. As experiências com os pais de sexos diferentes preenchem uma necessidade básica no amadurecimento. Há situação que somente a mãe é capaz de atender aos interesses profundos de uma criança. Em outras, somente o pai. Todas essas iniciativas pecam por seu detalhismo. Não atacar as causas pode indicar mera busca de holofotes. Não há por que tipificar apenas algumas formas de discriminação, quando a Constituição estabelece quaisquer formas de discriminação. (p.25) DEPUTADO: COSTA FERREIRA PARTIDO: PSC-MA TRAMITAÇÃO PARECER CATEGORIA LOCAL: CÂMARA DOS DEPUTADOS CONTRÁRIO DISCURSO RELIGIOSO 199.4.52.O Sessão Ordinária – DATA: 12/06/2006 HORÁRIO: 12:30 DISCURSO "O consenso histórico das Igrejas Cristãs tem ensinado que o homossexualismo é um desvio do projeto original de Deus... Que a sua inclinação é uma tentação e, a sua prática, um pecado. A heterossexualidade é normativa, e as famílias devem ser defendidas. A nãoordenação sacerdotal e a não-bênção OBS. Manifesto Cristão contrário a aprovação do PLC 122/2006. Defende a heteronormatividade. 131 sobre uniões entre pessoas do mesmo sexo, e a não-aceitação de expressões erótico-afetivas dessa opção em espaços particulares é um direito de um dever da coerência cristã. Necessitamos, pois, de um claro pronunciamento dos Poderes Públicos (como aconteceu com a Suprema Corte de Justiça do Canadá) de que esse posicionamento histórico das Igrejas deve ser assegurado, aos níveis da instituição, da hierarquia e dos fiéis, vedada qualquer ameaça ou criminalização." DEPUTADO: COSTA FERREIRA PARTIDO: PSC-MA Muito obrigado. (p.27) TRAMITAÇÃO PARECER CATEGORIA LOCAL: CÂMARA DOS DEPUTADOS FAVORÁVEL DISCURSO VIOLÊNCIA E AGRESSÃO 004.1.53.O Sessão Ordinária DATA: 08/02/2007 HORÁRIO: 19:12 DEPUTADO: MAURÍCIO RANDS PARTIDO: PT-PE DISCURSO Recente levantamento feito pelo Disque Denúncia Homossexual do Estado do Rio de Janeiro mostra que somente em 2006, apenas naquela entidade, foram notificadas 45 mortes violentas de gays, lésbicas, homossexuais e transgêneros. E foram notificados 506 episódios de discriminação e violência. Pergunto: será o Brasil um país civilizado enquanto pessoas estiverem sendo discriminadas, violentadas e até mesmo assassinadas apenas porque têm orientação sexual protegida pela OBS. Vulnerabilidade de gays, lésbicas, bissexuais, transgêneros e transexuais a crimes violentos no País. Urgência na aprovação, pelo Senado Federal, do Projeto de Lei nº 5.003, de 2001, sobre estabelecimento 132 Constituição, mas não protegida na vida real? Será o Brasil uma sociedade democrática enquanto silenciarmos diante da escalada de violência contra os homossexuais? (p.28). TRAMITAÇÃO PARECER CATEGORIA LOCAL: CÂMARA DOS DEPUTADOS CONTRÁRIO DISCURSO RELIGIOSO 100.1.53.O Sessão Extraordinária DATA: 09/05/2007 HORÁRIO: 12:06 DEPUTADO: NEILTON MULIM PARTIDO: PR-RJ DISCURSO O Brasil tem no preâmbulo da sua Constituição, promulgada sob a proteção de Deus, como direito fundamental a liberdade de consciência e crença, como valores de um país laico, sem religião oficial, mas altamente comprometido com os valores do nosso Deus. Tanto é verdade que no plenário da Câmara dos Deputados temos uma Bíblia aberta para consulta, e ao ser aberta a sessão se invoca a proteção de Deus: "Havendo número regimental, sob a proteção de Deus iniciamos os nossos trabalhos". É notório que os cristãos são contrários à exclusão das pessoas. O cristianismo ensinado pelas Sagradas Escrituras nos de sanções às práticas discriminatórias em razão de orientação sexual. OBS. Posicionamento do orador contrário ao Projeto de Lei nº 5.003, de 2001, sobre a determinação de sanções às práticas discriminatórias em razão da orientação sexual das pessoas. 133 DISCURSO RELIGIOSO DISCURSO LIBERDADE DE EXPRESSÃO mostra o amor e o compromisso com os valores bíblicos como meta a perseguir. Teoricamente, pode-se afirmar que o "conflito" se dará entre as normas introduzidas no PL nº 5.003/01 e os valores cristãos que a Bíblia defende. De modo especial, é o "conflito" entre as pessoas e/ou entidades religiosas cristãs, ou seja, qualquer pessoa física ou jurídica (Igreja) que de alguma forma não aceite que o comportamento homossexual ou a orientação sexual seja prática ou padrão social aceitável em qualquer lugar público ou privado. (p.30). Repudiar certos gestos de afetividade não é discriminar quem quer que seja, mas exigir comportamento adequado para a cerimônia específica de adoração a Deus, na qual não cabem certos procedimentos nem para os casais cristãos nem para ninguém. O texto do PLC nº 122/06 acaba com o direito de profissão de fé. Isso não é democracia! O projeto de lei que poderá entrar em vigor a qualquer momento em 2007 poderá gerar sérios conflitos jurídicos para as entidades religiosas cristãs, seus líderes e membros no Brasil, pois os mandamentos e os princípios que a Bíblia defende são contrários aos valores, ensinamentos e doutrinação 134 referentes à orientação sexual, apenas um dos muitos termos usados para designar e proteger o homossexualismo. A postura pró-homossexualismo do Governo do Brasil não é novidade, pois em 2003 diplomatas brasileiros introduziram resolução idêntica na Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). A resolução foi derrotada pela oposição dos países islâmicos. Além disso, o Brasil é autor de uma nova resolução, esta apresentada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), em que introduz a orientação sexual e os seus desdobramentos como princípio universal da dignidade da pessoa humana, obrigando todos os países membros a aceitar tal valor. Essa resolução, caso seja aprovada, terá força de lei interna nos países signatários. (p.31e 32) Em verdade, tanto a Igreja (templo físico) e sua liturgia de culto quanto os seus membros serão atingidos, ao defenderem os valores cristãos como forma e prática de vida nos conflitos diários, em contraponto ao 135 DISCURSO LIBERDADE DE EXPRESSÃO DISCURSO CRIAÇÃO PRIVILEGIOS homossexualismo, amplamente propagado. Essa é a pior das ameaças desse projeto de lei, porque atingirá qualquer pessoa cristã que expressar opinião contrária à livre orientação sexual e aos seus valores, que têm sido institucionalizados como programas de governo nas políticas dirigidas à população GLBT, no Programa Federal Brasil Sem Homofobia, através dos Ministérios da Cultura, da Educação, da Saúde e da Secretária Especial de Direitos Humanos. Tais fatos aqui mencionados não são novidade em alguns países que já possuem semelhantes leis em vigor, onde os cristãos e as Igrejas começam a sofrer o grave impacto de sua liberdade de expressão e fé, quando em confronto com o homossexualismo (p. 32) O pano de fundo desse projeto não é a discriminação sofrida pelas pessoas que têm outras opções na vida, mas a luta contra os valores cristãos. E, nesse ponto, os discípulos de Cristo não podem deixar de testemunhar. Ai de mim se não anunciar o Evangelho de Jesus Cristo! 136 DISCURSO CRIAÇÃO PRIVILEGIOS Não há necessidade de lei para que sejam punidas ações contra essa categoria ou qualquer outra, pois não se pode deixar de mencionar que o sistema jurídico brasileiro possui diversos instrumentos processuais e constitucionais protetores dos direitos humanos: habeas corpus; mandado de segurança individual ou coletivo; mandado de injunção; habeas data; direito de representação; ação popular; e ação civil pública.  Além desses, temos as ações individuais de reparação por danos morais a pessoas que se sentirem atingidas em seus direitos individuais. Dessa forma, não seria razoável a aprovação desse projeto de lei como garantia dos direitos das minorias sexuais, em razão dos instrumentos jurídicos já existentes no Brasil. (p.33) Assevero que Cristo citou, sim, o homossexualismo como pecado. Ele o fez ao afirmar que não viera para revogar a lei, mas para cumpri-la e que o Céu e a Terra passarão, mas nenhum til da lei passará até que ela seja cumprida, o que inclui as inúmeras citações contrárias à prática do homossexualismo no Velho Testamento. Portanto, o Novo Testamento não revogou a lei, mas as penas que ela 137 impunha. Jesus não permitiu o apedrejamento da mulher adúltera, mas não deixou de adverti-la: "Vá e não peques mais". O adultério continua sendo pecado; o que mudou foi a pena. A graça do calvário traz a oportunidade do arrependimento e do perdão, em vez das pedras da condenação. O apóstolo Paulo, na Carta aos Coríntios, é definitivo quanto à visão bíblica sobre o homossexualismo: "Não sabeis que os injustos não herdarão o reino de Deus? Não vos enganeis. Nem os efeminados, nem os sodomitas herdarão o reino dos céus". (1 Coríntios 6:9). O mesmo Paulo reafirma esta posição: "Por isso Deus os abandonou às paixões infames. Porque até as suas mulheres mudaram o uso natural, no contrário à natureza. E, semelhantemente, também os homens, deixando o uso natural da mulher, se inflamaram em sua sensualidade uns para com os outros, homens com homens, cometendo torpeza e recebendo em si mesmos a recompensa que convinha ao seu erro". (Romanos 1:26 e 27) Para escapar da inundação e do dilúvio, Deus ordenou a Noé que fizesse adentrar a Arca casais de 138 todas as espécies. Não fez parte da arca nenhum casal homossexual, de nenhuma raça; nem humana, nem animal, mas homem e mulher, macho e fêmea. . (p.34). TRAMITAÇÃO PARECER CATEGORIA DISCURSO OBS. LOCAL: CÂMARA DOS DEPUTADOS CONTRÁRIO DISCURSO DEFESA DA FAMÍLIA Agregado a esse tema está o perigo de perdermos o direito à formação da família e também o direito à livre expressão num país por nós chamado democrático (p.36). Protesto contra a aprovação do Projeto de Lei nº 5.003, de 2001, sobre a criminalização da homofobia.Defesa de preservação da célula familiar. CONTRÁRIO DISCURSO SOBRE ADOÇÃO 122.1.53.O Sessão Ordinária DATA: 25/05/2007 HORÁRIO: 15:21 DEPUTADO: TAKAYAMA PARTIDO: PAN -PR Há pouco tempo, uma juíza autorizou a adoção de uma menina por dois homens. Ora, precisamos rever essa situação. Imaginem os conflitos de uma criança como essa ao olhar para 2 homens barbados e não saber quem é a mãe! (p.38) Discurso apelativo no sentindo de recorrer a decisões e exemplos para chocar o público. 139 DISCURSO SOBRE CASAMENTO DISCURSO DEFESA DA FAMÍLIA E RELIGIÃO Então, esse assunto tem de ser amplamente debatido. Não há homofobia. Amamos os homossexuais, mas não amamos o homossexualismo. Temos o direito de divergir. Vamos radicalizar: se todos os homens casassem com todos os homens e todas as mulheres casassem com todas as mulheres, o argumento da vida estaria acabado, porque não haveria mais procriação da espécie. (p.38) Por exemplo, um casal homossexual adentra uma igreja, que é um lugar privado, mas aberto ao público. De acordo com esse art. 8º, eles podem trocar carícias dentro da igreja, podem fazer o que quiser e não deverão ser importunados. Quem ousar impedir ou restringir essa prática - o pastor, o padre, o ancião, o presbítero, a freira pode pegar até 5 anos de prisão. Meus amigos, os valores estão invertidos. Uma lei dessa precisa de ampla discussão. Não estamos dizendo que vamos apedrejar homossexuais. Não se trata disso. Pelo contrário: o cristão ama o homossexual, não ama a homossexualidade. E faço uso desta tribuna porque tenho o direito de defender a família brasileira. Não considero correta essa prática e faço uso da livre expressão para denunciá-la. Se aprovado o projeto, qualquer cidadão sem imunidade parlamentar poderá ser preso. Ora, há uma incoerência: que lei protegerá desse tipo de Discurso apelativo no sentindo de recorrer a decisões e exemplos para chocar o público. 140 provocação aquele que fizer uso da tribuna de uma igreja? Como ficam os direitos dos cristãos? (p.42) Insisto: o PLC nº 122, de 2006, traz em seu bojo um golpe contra a democracia. Orientação sexual é apenas um dos muitos termos para designar e proteger os homossexuais. Essa expressão e algumas outras têm que ser reavaliadas para que não tolham o direito dos cristãos de se manifestarem livremente também. Essa postura pró-homossexual foi derrubada no Senado pelos países islâmicos. Nós, os cristãos, estamos sendo exageradamente medrosos com relação à nossa postura. Não me vou calar porque tenho certeza de que esse grito está entalado na garganta de milhões de brasileiros que querem constituir família. Sr. Presidente, vou dar um recado a essa Senadora que diz que é absurdo defender os princípios cristãos. Absurdo são 2 homens quererem gerar filhos juntos. Absurdo são 2 mulheres viverem juntas e quererem gerar filhos. Usem os argumentos que quiserem. Se quiserem argumentos biológicos: não há como um homem biologicamente fazer sexo com outro homem. Se 141 quiserem os argumentos da Medicina: os próprios médicos dizem que a película dos órgãos do intestino e do reto não tem elasticidade suficiente para a prática sexual. Por isso, existem muitas doenças provocados por ela. Temos argumentos psicossomáticos, biológicos; enfim, da própria vida. Falando de forma exagerada, se as mulheres do País casarem-se entre si e todos os homens também, ao final de uma geração não teremos mais a procriação de seres humanos. Defendo os direitos da família e o direito da livre expressão não por desamor aos homossexuais. Pelo contrário, amo o homossexual, mas não amo o homossexualismo. Muito obrigado, Sr. Presidente. (p.43) TRAMITAÇÃO PARECER LOCAL: CÂMARA DOS DEPUTADOS CONTRÁRIO 322.1.53.O Sessão Ordinária DATA: 14/11/2007 HORÁRIO: 16:48 DEPUTADO: RODOVALHO PARTIDO: PT-DF CATEGORIA DISCURSO OBS. DISCURSO ALIANÇA DE PODER/ DISCURSO APELATIVO IGUALDADE O pastor Silas Malafaia tem combatido junto com todos nós o Projeto de Lei nº 122, de 2006, denominado como homofobia, que visa colocar uma mordaça contra aqueles que se pronunciarem contra o homossexualismo; não virou lei. Aliás, está sendo sabiamente conduzido pelo Senador Paulo Paim e pela Senadora Fátima Cleide na Comissão de Direitos Humanos do Senado. Estamos conversando e vamos achar um termo para que o texto proteja não apenas um segmento de uma minoria, mas todas as minorias que de alguma maneira se Contexto: Abertura, pelo Ministério da Justiça, de processo destinado à reclassificação de programa televisivo apresentado pelo Pastor Silas Malafaia 142 sentem violadas ou afrontadas. Nós, que somos religiosos evangélicos, achamos que o Brasil precisa dar proteção a todos. Na Câmara dos Deputados, este projeto tramitava com o nº 5.003, de 2001, e foi vergonhosamente aprovado no dia 23 de novembro de 2006, uma quinta-feira. Havia o registro de 326 Deputados, mas sabemos que na parte da tarde esse número cai para mais mais de 70%. Ou seja, dos 513 membros da Câmara dos Deputados, possivelmente, apenas 100 Deputados votaram a favor do projeto. (p.45) TRAMITAÇÃO PARECER CATEGORIA LOCAL: CÂMARA DOS DEPUTADOS CONTRÁRIO DISCURSO CRIAÇÃO DE PRIVILÉGIOS 132.2.53.O Sessão Extraordinária DATA: 10/06/2008 HORÁRIO: 19:12 DEPUTADO: JEFFERSON CAMPOS PARTIDO: PTB-SP DISCURSO Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, como pastor evangélico e cidadão brasileiro, tenho visto o levante que está acontecendo no Brasil na questão dos homossexuais. ONGs e associações que defendem os homossexuais têm se organizado na esfera política, e entraram no Legislativo Federal (Câmara e Senado), tentando fazer valer leis que os colocam como cidadãos intocáveis no Brasil. A inconstitucionalidade do PL 5003B/2001, oriunda da Câmara dos Deputados, e que passou a ser designado, no Senado, por PLC (Projeto de Lei da Câmara) nº 122/2006, cerceia de forma velada a OBS. Posicionamento contrário ao Projeto de Lei n° 5.003, de 2001, sobre determinação de sanções às práticas discriminatórias em razão da orientação sexual das pessoas. 143 liberdade de pensamento e de crença, garantida pela nossa Constituição, e cria uma superlei, dando superdireitos aos homossexuais. Essa pretensa lei impõe pena de reclusão de até 5 anos para qualquer manifestação, ainda que de ordem religiosa ou filosófica, de oposição ao homossexualismo. Destaco ainda que na redação da proposta para o art. 16 da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989 (Lei Anti-racismo), que praticamente decreta a morte civil do condenado, existe um policiamento. Por isso entendo que o projeto de lei citado é desnecessário, porque agressões físicas ou injúrias a quaisquer pessoas, homossexuais ou não, já configuram crime, sendo dispensável a lei contra a alegada homofobia ideológica, com a aplicação de penas excessivamente gravosas, desproporcionais. A meu ver, a inculpação não procede. (p.49) DISCURSO IMPOSIÇÃO DA APROVAÇÃO DO PROJETO O que está por trás realmente desse projeto de lei de homofobia é a tentativa de impor a todos o dogma da moralidade ou naturalidade do homossexualismo, que não é científico, mas de origem ideológica, tornando-se penalmente punível a contestação a essa pretensa verdade. Nada mais truculento! Nada mais inadmissível! 144 DISCURSO RELIGIOSO Trata-se de evidente policiamento ideológico. Eu sou evangélico; eu não sou homofóbico. E posso afirmar, sem medo de errar, que 99,99 % da comunidade evangélica, em nível mundial, também não. Homofobia é um termo relacionado a ódio mortal. Alguém já viu ou leu sobre evangélicos matando gays? Eu nunca li nem ouvi nenhuma matéria jornalística relatando tal ocorrido. A verdade é que este substantivo (homofobia) é a bola da vez; está na moda de quem faz mídia inseri-lo em suas pautas. Homofobia significa medo de homossexuais. Mas eu não tenho aversão a eles nem ódio; pelo contrario, os nossos preceitos, segundo a Bíblia, é que amemos a todos, sem nenhuma discriminação. Eu apenas discordo do modo de vida dos que são homossexuais, e defendo meu direito de pensar assim e manifestar este pensamento pautado em minha convicção religiosa. Nós, pastores, pregamos o exemplo de Cristo, que é de amor e respeito ao próximo. (p.50) 145 TRAMITAÇÃO PARECER CATEGORIA LOCAL: CÂMARA DOS DEPUTADOS CONTRÁRIO DISCURSO CRIAÇÃO DE PRIVILÉGIOS 143.4.53.O O Sessão Ordinária DATA: 17/06/2010 HORÁRIO: 14:06 DEPUTADO: PAES DE LIRA PARTIDO: PTC-SP DISCURSO Com relação aos direitos dos homossexuais, por exemplo, está em debate no Senado da República o PLC nº 122, um projeto de lei tão draconiano que, na verdade, favorece a imposição de algo que no futuro panorama social poderá configurarse mesmo como certa ditadura: uma ditadura gay. Estabelece, por exemplo, penas de reclusão para qualquer pessoa que se atreva a expressar opinião desfavorável a qualquer desses segmentos. Algumas pessoas que defendem essa legislação dizem até que deveriam ser proscritos, por exemplo, os programas de TV, de rádio, as menções de jornais humorísticas a respeito da figura do homossexual. (p.51) No caso do Estatuto da Igualdade Racial, o Senado entendeu de eliminar vários dispositivos, como cotas nas universidades e cotas para acesso ao ensino superior de pós-graduação. Eliminou também as cotas dos partidos políticos destinadas aos negros, previstas no Estatuto, eliminou várias referências impróprias relacionadas à raça que, evidentemente, constituíam OBS. Natureza draconiana do Projeto de Lei nº 122, de 2006, (PL 5.003, de 2001) sobre a criação de sanções às práticas discriminatórias em razão da orientação sexual das pessoas. 146 uma expressão anticientífica, colocando-as em forma de etnia. Talvez a melhor forma de examinar e de entender como efetivamente um estatuto como esse, que se propõe a executar políticas afirmativas em favor de uma não mais minoria, porque hoje já é maioria, que em certa época foi minoria e vítima da torpe e vil escravidão, a maior prova de que há problemas talvez seja a fala do Senador Arthur Virgílio, mencionada no Jornal do Senado. Vou citar literalmente: "Arthur Virgílio afirmou que as mudanças no Estatuto da Igualdade Racial corrigiram uma injustiça para com a população de mestiços de seu Estado, de origem branca e indígena. O projeto, da forma como estava," são palavras do Senador - "obrigava nossos caboclos a se declararem negros, e eles não queriam isso. Vemos Zumbi como herói, mas o nosso Zumbi é o índio Ajuricaba". Veja só como pode ser segmentado e como pode uma lei, que se propõe ser afirmativa, acabar por estabelecer focos de apartheid e focos de distinção e de conflito mesmo entre segmentos étnicos, que, na verdade, são todos brasileiros no nosso gigantesco caldo de miscigenação, que está comprovado e que se reafirma na composição étnica de nosso País (p.52).  147 DESNECESSIDADE DE LEI ATÉ PARA COTAS RACIAIS TRAMITAÇÃO PARECER CATEGORIA LOCAL: COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS CONTRÁRIO CUMPRIMENTO DE PESSOAS PRESENTES/ DISCURSO RELIGIOSO SENADOR: MAGNO MALTA PARTIDO: PR-ES DÉCIMA SEGUNDA REUNIÃO (EXTRAORDINÁRIA) DA COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS, DA 2ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 53ª LEGISLATURA DATA: 25/05/2008 DISCURSO DEFESA DA FAMÍLIA HORÁRIO: 10:00 DISCURSO AUTO AFIRMAÇÃO DISCURSO Eu quero cumprimentar antes de ler o meu voto, aos bispos que estão aqui os bispos católicos que vieram participar, os pastores evangélicos, os lideres da liga espírita que estão aqui, pessoas não professam nenhum tipo de fé que estão aqui, que vieram também, pessoas que se deslocaram de seus Estados para vir para cá. Digo isso Senadora Patrícia Saboya, porque num primeiro momento ficou parecendo que era um embate de evangélicos contra um Projeto. (p11) Uma Lei não pode estar acima da Constituição que é a Lei maior que rege as leis do País, temos garantia pelo Estado do direito à tranqüilidade aqueles que buscam viver uma vida simples de lar, que leva em alta conta os valores da família, o matrimônio como venerável e respeitado digno de honra entre todos. Aos que são apenas marido, mulher e filhos, resta para nós defender a ordem natural, não podemos simplesmente desconsiderá-la. OBS. O Senador inicia seu discurso com arquétipos de cunho religioso 148 Homofobia - e aqui eu gostaria de ressaltar que eu não sou homofóbico - o Projeto começa mal, porque homofóbico é aquele que discrimina, aquele que agride, que odeia que tem ojeriza e eu não sou homofóbico. O fato de pensar diferente e crer diferente, não faz de mim um homofóbico à medida que posso respeitar às pessoas e defendê-las. É que não defende a si mesmo e nem valoriza o matrimônio e considera a origem sagrada da família não é homofóbico, não está atacando ou execrando a quem quer que seja, mas agindo de maneira legítima e natural. Não se pode equiparar um bom pai de família, um cristão sincero verdadeiro e cumpridor de seus deveres a um assassino nazista. (p.13-14) O Projeto de Lei, PL 122, pretende criminalizar o comportamento ético e moral, bem como o ensino e pregação à palavra sobre sexualidade humana. Pensamos nós e lembramos inclusive o que está preceituado no Art. 7º, 8º-A e B, onde permite as manifestações de intimidade DISCURSO sexualidade pública, contrariando o decoro, RELIGIÃO/LIBERDADE contrariando também os ensinamentos de que nós DE EXPRESSÃO precisamos respeitar o pudor público. Se consagrarmos esse tipo de princípio nós vamos contemplar relações sexuais lícitas ou ilícitas nos corredores dessa Casa e quem sabe até nos bancos de igreja. (p.14) DISCURSO ALIANÇA Agradeço a atenção à senhora, o meu voto é pela rejeição do Projeto é como voto em separado, pedindo aos meus pares que com a mesma visão de respeito, que a Constituição já prevê aos homossexuais e aos grupos de defesa e respeito ao relatório da Senadora Fátima Cleide, 149 eu peço aos pares dessa Comissão que votem pelo meu voto em separado. Obrigada Srª. Presidente. (p.14 e 15) TRAMITAÇÃO PARECER CATEGORIA DISCURSO OBS. LOCAL: COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAISSENADO FEDERAL CONTRÁRIO DISCURSO LEGALIDADE CONSTITUCIONAL O problema é que o PLC 122, sobrepõe temáticas com trajetórias e pesos muito diferentes, inclusive do ponto de vista constitucional, já que a Constituição Federal não menciona explicitamente os termos “orientação sexual” ou “gênero” Art. 3º, IV. (p.20) O senador apresentou 10 emendas sobre o projeto, falando que não é contrário ao projeto, mas ao mesmo tempo diz que ele cria barreiras para a Igreja. SENADOR: MARCELO CRIVELLA PARTIDO: PRB-RJ DÉCIMA SEGUNDA REUNIÃO (EXTRAORDINÁRIA) DA COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS, DA 2ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 53ª LEGISLATURA DATA: 25/05/2008 DESCONHECIMENTO DA TEMÁTICA Ademais, a inclusão, na Câmara dos Deputados, da discriminação de “gênero”, que alcança comportamentos machistas e sexistas, e da discriminação por “identidade de gênero” termo descrito, pasme-se, como um transtorno mental no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, da Associação Psiquiátrica Americana - não foi acompanhado de uma discussão mais aprofundada. Esse termo que nós estamos colocando aqui há precedentes nesse manual diagnóstico como um transtorno mental (p.21) HORÁRIO: 10:00 DEFESA DA FAMÍLIA No momento em que nós orientamos nossos filhos na presença de estranhos por uma coisa que achamos pecaminosa, pecado, ou não achamos natural, naquele momento poderemos estar ao filho ou a um adjacente que está próximo, infringindo algum tipo do que diz a Lei, constrangimento, algum tipo de constrangimento 150 a sua livre expressão e manifestação atividade,constrangimento filosófico social, como diz aqui a sua interpretação ampla, ação violenta constrangedora, intimidatória ou vexatória de ordem moral, ética Filosofia ou psicológico. (P.24) TRAMITAÇÃO LOCAL: COMISSÃO DE ASSUSNTOS SOCIAISSENADO FEDERAL PARECER FAVORÁVEL DÉCIMA SEGUNDA REUNIÃO (EXTRAORDINÁRIA) DA COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS, DA 2ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 53ª LEGISLATURA DATA: 25/05/2008 HORÁRIO: 10:00 SENADORA: FATÍMA CLEIDE PARTIDO: PT-RO FAVORÁVEL CATEGORIA PROTELAÇÃO DA VOTAÇÃO/ OMISSÃO CONGRESSO DISCURSO DA FAMÍLIA (FAVORÁVEL) DISCURSO Na realidade, ao vir para a Comissão de Assuntos Sociais este Projeto, ele foi mais uma tentativa de protelar também a decisão dessa Casa, sobre isto que eu considero e que muitos graças a Deus, consideram neste País uma necessidade urgente que é a de ter a partir da legislação, um pronunciamento sobre como tratar a segurança, a vida de pessoas que têm uma sexualidade que difere daquelas que alguns consideram a única normal. (P.28) Homossexual também tem família e essas famílias Senador Magno Malta, estão chorando a vida que perderam de seus filhos como é o caso de uma mãe lá em Montes Claros, que perdeu o filho porque ele era um bailarino. E não existe... A História a Ciência, a Ciência já difere muito bem o que é opção e o que é orientação, ninguém opta por ser homossexual, ninguém opta. Ninguém opta. (p.29) OBS. A senadora Fátima Cleide teve enorme importância ao ser relatora do projeto de lei e grande empenho nas discussões. É sempre elogiada pelos colegas. A senadora solicitou um prazo para analisar as 10 emendas propostas pelo Marcelo Crivella. 151 FAVORÁVEL DISCURSO DE GÊNERO A gente faz opção quanto a gente vai ao supermercado comprar o arroz e a gente escolhe o arroz de primeira ou de segunda, mas a orientação ação sexual não, meus senhores. Ninguém faz opção para ser homossexual, gay, lésbica, travesti ou transexual, sabendo que vai sofrer discriminação na vida, assim como ninguém faz A senadora tem a vontade opção, sabe, para ter um problema ou uma de votar logo no projeto, deficiência física ou mental (p.29) mas opta por esperar e analisar as emendas. 152 TRAMITAÇÃO LOCAL: COMISSÃO DE ASSUSNTOS SOCIAISSENADO FEDERAL DÉCIMA SEGUNDA REUNIÃO (EXTRAORDINÁRIA) DA COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS, DA 2ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 53ª LEGISLATURA DATA: 25/05/2008 HORÁRIO: 10:00 SENADORA: WELLINGTON SALGADO DE OLIVEIRA PARTIDO: PMDB-MG PARECER CATEGORIA FAVORÁVEL DISCURSO FAVORÁVEL DISCURSO Esse respeito que eu voto aqui, Presidente, esse respeito é que tem que ser votado, que ser protegido, senão nós não vamos ser uma sociedade, pelo amor de Deus. Nós fazemos Lei para proteger os negros, nós fazemos Lei para proteger os índios, nós fazemos... Temos que fazer Lei também para proteger a “homoafetividade”, digamos assim. Porque, veja bem, o que eu estou defendendo aqui, não são aqueles que fazem, de repente, a sua preferência sexual para poder fazer baderna, pregar a discórdia, pregar a imoralidade. Esses eu não defendo, de maneira alguma. Eu defendo, sim, aqueles que são cidadãos, que pregam o respeito, que trabalham, que pagam imposto e querem ser repeitados, e esses eu vou defender aqui e o meu voto vai acompanhar a Relatora. É isso que eu pediria aos senhores, ao Senador Magno Malta e ao Senador Marcelo Crivella, que tivessem mais atenção com isso. (p.33-34). OBS. O Senador apoia o projeto desde que respeitada as emendas do senador Crivella, pois segundo ele, a liberdade de culto deve permanecer. No entanto seu voto é favorável ao PLC 122. 153 TRAMITAÇÃO LOCAL: COMISSÃO DE ASSUSNTOS SOCIAISSENADO FEDERAL DÉCIMA SEGUNDA REUNIÃO (EXTRAORDINÁRIA) DA COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS, DA 2ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 53ª LEGISLATURA DATA: 25/05/2008 HORÁRIO: 10:00 SENADORA: IDELI SALVATTI PARTIDO: PT-SC PARECER CATEGORIA FAVORÁVEL DISCURSO FAVORÁVEL DISCURSO A Senadora Fátima Cleide percorreu o País fazendo o debate, acolhendo as preocupações, inclusive, toda esta questão da preservação do direito ao culto religioso, e que dentro das paredes e dentro da ação religiosa tenha soberania, tenha respeito. Isso, inclusive, tem já todo um debate, e para que não volte para a Câmara aquilo que dá margem a esse tipo de interpretação, tem já compromisso de veto. Inclusive, o Senador Paulo Paim, para onde vai esse Projeto retornar, a Comissão de Direitos Humanos, ele já tem, inclusive, prevista audiência, já está compromissada audiência com o Ministro Tarso Genro, para selar publicamente o compromisso com o que vai ser vetado, para que não paire qualquer dúvida a respeito da liberdade religiosa.(p.36). OBS. A senadora se preocupa em garantir a liberdade religiosa e também garante que a senadora Fátima Cleide também. Neste contexto a senadora depois remete que todas formas de amor devem ser respeitadas. Como resposta o Senador Magno Malta a manda ler a bíblia um pouco mais. 154 ANEXO FLUXOGRAMA DE TRAMITAÇÃO DE PROJETO DE LEI Fonte: Câmara dos Deputados. Entenda o processo legislativo. Disponível em: https://www.camara.leg.br/entenda-o-processo-legislativo/. Acesso em: 30 jul./2020.