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Diversidade sexual, étnico-racial e de gênero: saberes plurais e resistências - Volume 1 ISBN 978-65-86901-34-4 JUDICIALIZAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS: UMA ANÁLISE DAS EXPERIÊNCIAS DO GRUPO MATIZES EM TERESINA ( PI ) Libni Milhomem Sousa Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Piauí-UFPI. Professor do Instituto Federal do Piauí (IFPI), libnichaves@hotmail.com; Ana Kelma Cunha Gallas Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Piauí-UFPI. Professora do Centro Universitário Santo Agostinho (UNIFSA), kelmagallas@yahoo.com.br; Olívia Cristina Perez Doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (FFLCH/ USP). Professora Adjunta na Universidade Federal do Piauí (UFPI) vinculada aos cursos de bacharelado e mestrado em Ciência Política e ao programa de pós-graduação (mestrado e doutorado) em Políticas Públicas, oliviacperez@yahoo.com.br; Resumo O presente artigo aborda a contribuição de um importante movimento social de Teresina (PI), o Grupo Matizes, para a garantia de direitos da população LGBTQI+. Especificamente, analisamos como o movimento social atuou na provocação de pautas para implementação de políticas públicas a partir da estratégia de judicialização das questões sociais. A pesquisa qualitativa e documental analisou documentos e duas entrevistas com militantes que atuam no Grupo Matizes, indicando como o movimento se organizou em torno da judicialização das demandas. Os resultados revelam que a estratégia do Grupo Matizes em apostar na judicialização das questões sociais relativas a | 823 Diversidade sexual, étnico-racial e de gênero: saberes plurais e resistências - Volume 1 ISBN 978-65-86901-34-4 população LGBTQI+ tem se mostrado eficiente como forma de equiparação social. Palavras-chave: Judicialização, Políticas Públicas, População LGBTQI+, Grupo Matizes. | 824 Diversidade sexual, étnico-racial e de gênero: saberes plurais e resistências - Volume 1 ISBN 978-65-86901-34-4 Introdução P ara que sejam efetivadas as demandas relativas a população LGBTQI+, os movimentos sociais apostam na judicialização da questão social. Embora sejam reconhecidos alguns avanços, através do fortalecimento de políticas públicas para o segmento, a operacionalização da efetiva garantia de direitos, tem demando a “interpelação do Poder Judiciário” (AGUINSKY,2006). A judicialização das reivindicações LGBT tem se constituído como um movimento gobal, que vem transcorrendo sincornicamente em um número expressivo de países (CARDINALI, 2017). Apesar de ser apenas mais uma das estratégias de transformação da realidade LGBTQI+, tem se mostrado eficiente para conduzir uma seara de disputas das diferentes inclinações sociais nesse campo. Apesar do Brasil ser considerado um país pioneiro em políticas públicas para a população LGBTQI+ (RODRIGUES; IRINEU, 2012), existe ainda, uma forte presença das ocorrências relacionadas ao estigma sofrido pelo segmento, sobretudo, pelo avanço do conservadorismo, refletido no campo da política (ARAGUSUKU; LOPES, 2016), o que ocasiona uma espécie de “efeito manada” dos problemas sociais aos LGBTQI+. É nessa direção que o estudo intenciona contribuir, ao propor pensar o fenômeno da judicialização das questões sociais como uma alternativa para resolver as demandas coletivas e estruturais utilizando para isso o Sistema de Justiça. Pensar a conjuntura políticia e social que se voltam para a população LGBT, como sujeitos de direitos no Brasil (AGUIÃO, 2014) é também refletir sobre os vários impedimentos para o cumprimento de políticas públicas, especialmente, quando a direção é guiada ao Poder Judiciário, que de início, não compete essa atribução (BARCELOS, 2008; SARLET, 2009). Nesse aspecto, repercutir sobre como os movimentos sociais LGBTQI+ se comportam frente a essa realidade e como se mobilizam para reverter um quadro fortemente marcado pela ausência de direitos, é necessário compreender o fenômeno da judicialização como um caminho a ser experimentado. Dessa forma, para investigar a judicialização no campo dos direitos LGBTQI+, selecionamos com objetos/sujeitos de pesquisa, o Grupo Matizes, principal movimento social na defesa da garantia dos direitos humanos da população LGBTQI+ em Teresina. Analisamos como | 825 Diversidade sexual, étnico-racial e de gênero: saberes plurais e resistências - Volume 1 ISBN 978-65-86901-34-4 o movimento social atuou na provocação de pautas para implementação de políticas públicas a partir da estratégia de judicialização das questões sociais. O Grupo Matizes atua em Teresina - PI, na busca pela efetivação de diretos da população LGBTQI+, o que mostra o quanto se faz necessário o trabalho dos movimentos sociais. A partir das escolhas metodológicas de pesquisa adotadas neste estudo, que serão explicadas na seção Metodologia, argumentamos que o artigo atingiu o objetivo proposto, ao trazer os relatos da realidade do movimento, não só em relação as medidas de trabalho adotadas, mas, especialmente, em como a judicialização das demandas tem sido uma relevante estratégia de se fazer garantir os direitos. A realidade aqui apresentada, faz com que seja urgentemente mais necessária a atuação dos movimentos sociais LGBTQI+, que para além de dialogar com a esfera pública, ao expor as vulnerabilidades e demandas do segmento, atua também, na construção de um caminho voltado ao respeito e a pluralidade das possibilidades sexuais. Ao investigar a judicialização como umas das estratégias tomadas por um movimento social LGBTQI+, o artigo colaborou na compreensão em como a judicialização pode ser um relevante instrumento a favor da efetivação dos direitos renegados ao segmento, aqui ocupando, de certo modo, uma lacuna teórica sobre os recursos usados pelos movimentos social na aquisição de direitos. Metodologia Esta pesquisa é qualitativa, onde foram adotadas as técnicas de pesquisa: a) análise documental e b) história oral. A metodologia de trabalho foi dividida em dois momentos. No primeiro, foram consultados notícias em sites, Blog do Grupo Matizes, artigos e produções científicas, que tratam nao só da história do Matizes, mas também, de como o movimento se articulou em torno da estratégia de judicialização dos direitos. No segundo, foram coletados depoimentos de dois militantes que fazem parte do Grupo Matizes, o professor universitário, Fabiano Gontijo e a militante de direitos humanos, Marinalva Santana. O roteiro de entrevista, apresentou perguntas semi-estruturadas que versaram sobre como o Grupo Matizes organizou sua estrutura de trabalho com foco na provocação da judicialização das demandas do segmento. A | 826 Diversidade sexual, étnico-racial e de gênero: saberes plurais e resistências - Volume 1 ISBN 978-65-86901-34-4 escolha dos entrevistados foi intencional, por meio das contribuições verificadas para a fundação e desenvolvimento do movimento até os dias de hoje em 2021. As entrevistas foram realizadas nos dias 22 e 24 de fevereiro de 2021, às 18h e 19h respectivamente, através da ferramenta Google Meet. O roteiro de entrevista foi dividido em 2 partes: a) trajetória do Grupo Matizes, enquanto movimento social LGBTQI+; b) judicialização das demandas. A proposta foi entender o que levou Grupo Matizes a apostar na estratégia de judicialização, como ferramenta de conquistas de direitos. Para isso foi preciso conhecer o intinerário do Grupo Matizes, o que possibilitou posteirmente compreender o porque da estratégia de judicialização como a mais relevante para o movimento. A entrevista envolveu 11 questionamentos direitos contidos no roteiro, somandas a outras perguntas sobre o tema que surgiram no decorrer da mesma. O resultado das entrevistas foram descritos junto com as análises aqui realizadas, na próxima seção. Resultados e discussão Ao olharmos para o Brasil, os movimentos sociais LGBTQI+, atentos a necessidade de inserção de um espaço de construção de um diálogo político e engajado, que corrobora com a minimização das vulnerabilidades e, consequentemente o acesso à cidadania, foram se articulando em torno das questões políticas vigente no país, o que pode ser confirmado nos estudos de Green (2003) e Okita (2007), ao afirmarem que lésbicas e gays atuaram fortemente na luta pelas liberdades políticas. No Piauí, a trajetória do movimento LGBTQI+, teve início em Teresina no ano de 1988, período em que o país avançava em seu processo de redemocratização com a promulgação de uma nova Constituição Federal. A criação do Grupo Free, organização responsável por reivindicar os direitos de gays e lésbicas no estado, propôs discutir gênero e diversidade sexual, ao inserir na sociedade a discussão de temas relacionados às experiências sexuais reprimidas, por intermédio da análise da identidade sexual de lésbicas, gays e travestis (MORAIS, 2007). Durante o período de atividade, o Grupo Free foi protagonista na construção de uma identidade coletiva de grupo enquanto corpo político, com aproximação da sociedade civil a pautas da população LGBT | 827 Diversidade sexual, étnico-racial e de gênero: saberes plurais e resistências - Volume 1 ISBN 978-65-86901-34-4 e sobretudo, precursor no aprofundamento das discussões através de uma perspectiva científica promovendo um diálogo transdisciplinar, consolidando o campo político identitário homossexual de Teresina (SANTANA, 2011). Após o encerramento das atividades do Grupo Free, destacou-se a luta da travesti negra Sra. Monique Alves, ao publicar em 1994, uma nota em um jornal de circulação local, convidando pessoas LGBT a combater as formas de discriminação ao segmento, vivenciadas na capital. Esta ação é marcada como um dos primeiros registros de militância na capital, Teresina. Posteriormente, Monique, funda o Grupo Homossexual Babilônia, responsável pela produção de boletins que delatavam as discriminações e violências, sofridas pela população LGBT (SANTANA, 2011). Nos anos 90, Monique Alves, foi protagonista no cenário LGBT, militando quase que sozinha a favor do movimento, em Teresina (QUADROS; MEDEIROS; FERREIRA, 2019). O trabalho do Grupo Homossexual da Babilônia surtiu efeito. Em 2001, os boletins produzidos pelo grupo foram introduzidos na publicação do Relatório de Violência LGBTfóbica, no Brasil, desenvolvido pelo Grupo Gay da Bahia (GGB) (MORAIS, 2007). Os esforços de Monique Alves, dirigidos ao combate da discriminação e da opressão exercida aos LGBTQI+, acabaram por abrir espaço para a construção de outros movimentos sociais no estado, que abarcassem em sua gênese, a luta pelos direitos do segmento. Presente nos momentos que antecederam a criação do Grupo Matizes, o professor Gontijo1 (2021) explica que “[...] em 2002, Francisco Júnior me falou, está sendo criado um grupo, um grupo de direitos e cidadania[...];[...] que tal a gente criar uma semana da diversidade, alguma coisa assim [...]” (informação verbal). Ao fazer uma contextualização histórica da época, em relação das insurgências de movimentos sociais em defesa dos direitos LGBTQI+, Gontijo (2021) narra como se estabeleceu a constituição do grupo, ao depor que “[...] parece que na década de 90 foi criado um grupo, tá em algum texto aí. Foi criado um grupo, mas não durou muito tempo [...]” (informação verbal). A urgência dada a constituição de um movimento 1 Informação obtida através de entrevista concedida a Ana Kelma Cunha Gallas, em 22 de fevereiro de 2021. As demais informações verbais do professor Fabiano Gontijo, contidas neste artigo são da mesma entrevista. | 828 Diversidade sexual, étnico-racial e de gênero: saberes plurais e resistências - Volume 1 ISBN 978-65-86901-34-4 social LGBTQI+ no estado, pode ser vista como o reconhecimento pelos participantes da época, das vulnerabilidades estruturais experimentadas na capital. Com o fim do Grupo Homossexual Babilônia , Gontijo (2021) diz que durante conversa com Francisco Júnior, foi convidado a fazer parte do até então, sem nome, Grupo Matizes, como se verifica na fala “[...] ótimo, vamo sim, acabei achando bacana a ideia e ele falou, olha tá sendo criado, tem um grupo e tem uma reunião, quando cheguei na reunião, aquela reunião era e criação do Grupo Matizes e eu acabei assinando a ata de criação do grupo naquele momento [...]” (nformação verbal). Os desafios iniciais em torno de um movimento social LGBTQI+ naquela época foram grandiosos, ao tempo que, as tentativas passadas, apesar dos êxitos alcançados, não se mostraram suficientes para conter todas as omissões do estado. Ademais, provocar o diálogo não só na esfera pública, mas também, com a sociedade, se mostrou um ato de imensa coragem. Articulado a uma mobilização expressiva em torno da criação de um movimento social que comportasse as reivindicações da população LGBTQI+, Gontijo (2021) relata “o que me chamou atenção, foi assim, para mim que tava chegando naquele momento (interrupção da entrevistadora) o que me chamou atenção era justamente a diversidade muito grande. [...] Realmente todos os matizem tavam ali [...]” (informação verbal). À vista disso, o Grupo Matizes, foi constituído como um grupo misto, ao reivindicar direitos não somente para uma categoria, mas abarcando as categorias de sujeitos desvalidos de direitos. Esse mesmo relato foi proferido pela militante Marinalva Santana, ao falar sobre o início do movimento. A ideia de formar um grupo, era construir um movimento social, pautado na defesa dos direitos humanos, incluindo no bojo, as questões ligadas aos direitos da então população LGBTQI+. Nesse sentido, Santana2 (2021), expõe suas considerações em relação ao objetivo do grupo enquanto movimento social ao responde as demandas do segmento nos dias de hoje “[...] o Matizes tem pauta de diretos humanos, na defesa contra o machismo, o racismo, a LGBTfobia, sabendo que todas as opressões têm uma raiz única que é a incapacidade de 2 Informação obtida através de entrevista concedida a Ana Kelma Cunha Gallas e Libni Milhomem Sousa, em 23 de fevereiro de 2021. As demais informações verbais da militante Marinalva Santana contidas neste artigo são da mesma entrevista. | 829 Diversidade sexual, étnico-racial e de gênero: saberes plurais e resistências - Volume 1 ISBN 978-65-86901-34-4 respeito à diversidade” (informação verbal). Assim sendo, a partir da luta vivenciada por Monique, somadas ao contexto da época, o Grupo Matizes, passa a protagonizar no estado a luta pelos direitos da população LGBT, com a proposição de pautas as questões ligadas a gênero e sexualidade (SANTANA, 2011). Ao propor trabalhar em torno da garantia de direitos humanos, com destaque na população LGBTQI+, o Grupo Matizes surge como uma organização voluntária, sem fins lucrativos, caracterizado como um movimento social misto, que tem como objetivo fortalecer uma cultura voltada ao respeito aos direitos humanos e às diversidades no estado do Piauí por meio da formação dos agentes multiplicadores (FUNDO BRASIL, 2007). Aqui, notamos que os convites feitos ao professor Fabiano Gontijo coincidem com a literatura apresentada por Morais (2007) sobre o Grupo Matizes, onde diz que o movimento foi composto inicialmente por bancários, militantes, professores universitários e comerciantes. Fundada em 18 de maio de 2002, o Grupo Matizes, opera na promoção aos direitos humanos, propondo a construção de políticas públicas para minorias com atenção à diversidade sexual. Atua nos municípios de Barras, Bom Jesus, Corrente, Valença, São Raimundo Nonato e Valença, estabelecendo como atividades principais de trabalho: (a) criação de Comitês de Direitos Humanos, (b) Cursos e seminários de formação, (c) material educativo (FUNDO BRASIL, 2007). Com um forte engajamento político, o Grupo Matizes se tornou uma referência quanto promoção dos direitos humanos, sobretudo, nas pautas relacionadas a população LGBT, não só se destaca regionalmente e nacionalmente, no pioneirismo da proposição de certas pautas, como também, influencia e abre espaço para a insurgência de novos movimentos sociais que abarquem as especificidades e pluralidades do segmento (SANTANA, 2011). A atuação do Grupo Matizes, despertou um conjunto de ações significativas em torno das demandas sociais voltadas a população LGBTQI+. Com um expressivo engajamento político, o Matizes seguiu numa perspectiva de trabalho voltada para o reconhecimento de direitos, o que pode ser visto nos artigos publicados no Blog do Grupo Matizes, disponível em http://grupomatizespiaui.blogspot.com/. Com uma forte representatividade, uma das propostas de trabalho, apostou no caminho do fenômeno judicialização, o que veio projetar o Grupo Matizes nacionalmente, como um movimento social | 830 Diversidade sexual, étnico-racial e de gênero: saberes plurais e resistências - Volume 1 ISBN 978-65-86901-34-4 que se utiliza desse recurso para a aquisição de direitos, onde em sintonia com o tema de pesquisa, Cardinali (2018), diz que a judicialização suscita uma ampla discussão pública sobre a agenda LGBTQI+. Essa argumentação pode ser sustentada pela repercussão pública do Grupo Matizes quanto ao atendimento das reinvindicações junto ao poder público. As demandas de trabalho seguem um rito, seja pela análise das ações realizadas por outros movimentos sociais em outros estados que possam ser replicadas, ou pela provocação direta de algum participante do movimento. As pautas são analisadas, transformadas em projetos de trabalho e posteriormente, encaminhadas a algum político que decide ou não em abraçar a proposta. Em caso de negativa, o Grupo Matizes reformula a proposta e encaminha a outro político alinhado a discutir pautas em defesa do segmento. Essa aproximação remete aos novos paradigmas de representação das relações exercidas entre sociedade civil e Estado, o que pode ser caracterizada como um processo de “judicialização dos conflitos sociais” (VIANNA et al., 1999; SORJ, 2000; ESTEVES, 2005; MELO, 2005). Em concordância com os dados coletados, é válido expor que entre os mecanismos de atuação do Grupo Matizes, há os trabalhos direcionados para a educação, através de seminários e curso de formação que contemplem as identidades e diversidades LGBTQI+, o que propõe refletir em como a sociedade pode ser mais inclusiva e justa, especialmente, no campo do respeito às diversidades. Os cursos e seminários em parceria com setores públicos e universidades, coicidem como os objetivos eleitos pelo movimento, ao propor “cursos e seminários de formação” e “elaboração de produção de material educativo” (FUNDO BRASIL, 2007), o que beneficia a construção de uma sociedade consciente, abertura e plural a diversidade. Assim, a judicialização, tema do nosso artigo, não é a única estratégia de performance do Grupo Matizes para se valer os direitos LGBTQI+, contudo, é uma das frentes onde há exitosas conquistas. Atento ao propósito da promoção dos direitos humanos, o Grupo Matizes, foi bastante operante na capital. Em 2006, por exemplo, Santana (2021) diz que foi o Grupo Matizes que apresentou a proposta de criação da Delegacia Especializada de Proteção aos Direitos Humanos e Combate à Discriminação, na intenção de atender a população LGBTQI+, vítimas de ações discriminatórias dentro e fora do aparelho público, onde ficou conhecida como “Delegacia dos Veados” | 831 Diversidade sexual, étnico-racial e de gênero: saberes plurais e resistências - Volume 1 ISBN 978-65-86901-34-4 (informação verbal). Apesar da expressão pejorativa, o local certamente se tornou uma da melhores realizações destinadas a população, sendo referência de uma experiência local bem sucedida, adotada em outros estados. É evidente, na fala de Santana, como o movimento apostou no fenômeno da judicialização. Ao explicar como são determinadas as pautas de trabalho do Grupo Matizes, a militante destaca os efeitos da judilialização na conquista dos direitos. Além de citar quais as demandas foram judicializadas, expôs os efeitos desse caminho para a população LGBTQI+. Santana (2021), relata que em pautas específicas, o estado do Piauí se tornou vanguardista, quanto a proposição de leis para a população LGBTQI+, graças a intensa mobilização e pressionamento do Grupo Matizes (informação verbal). Consequentemente, o Matizes passou a ter projeção no país, se tornando conhecido como um movimento social que aposta no uso judicialização na conquista de direito em defesa dos LGBTQI+. Essa projeção foi relevante, não só pelo debate dos direitos LGBTQI+ no estado, mas também, pela abertura a parcerias com outros movimentos sociais, espaços ligados ao governo, como também, a iniciativa privada, como instituições privadas de ensino, presentes na capital. Atenta as pautas concernentes as vulnerabilidades e ao enfrentamento do machismo, racismo e LGBTfobia, o Grupo Matizes atuou na observação e proposição de leis com vistas ao reconhecimento da população LGBTQI+ como sujeito de direitos. Destaque para os anos de 2003 e 2004, onde Santana (2021), cita que foi pensando numa proposta de projeto de lei que surgiu a aplicação de sanções administrativas para quem discriminassem um LGBTQI+, por orientação sexual ( informação verbal), tendo em vista não existir a concepção de identidade de gênero na época. Nessa lógica, Santana (2021) aponta como demandas judicializadas a Lei Estadual nº 5.431/2004 que dispõe sobre a aplicação de sanções administrativas em detrimento da discriminação, por ocasião da orientação sexual; a Lei Municipal nº 3.401/2005 que reconhece a legitimidade da união estável para relações homoafetivas, e a Lei nº 3969/2010, de 12 de março de 2010, criando o Conselho Municipal de Direitos da População de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – CMDLGBT. Com efeito, cita também o Núcleo de Atendimento às Vítimas de Discriminação na Defensoria Pública | 832 Diversidade sexual, étnico-racial e de gênero: saberes plurais e resistências - Volume 1 ISBN 978-65-86901-34-4 do Estado do Piauí, do Disque Cidadania Homossexual (informação verbal). Em contitnuidade, Santana (2021) revela que o estado é pioneiro em relação a Declaração do Imposto de Renda - IR, por casais homoafetivos, onde em 2009, através das provocações recorrentes em defesa da promoção dos direitos humanos, LGBTQI+ passaram a declarar o cônjuge como dependente no IR para fins de dedução. Outro avanço verificado, se refere à doação de sangue por homossexuais. Desde de 2006 o Grupo Matizes debatia na esfera pública a doação de sangue. Em novembro 2006, o Ministério Público Federal ajuizou uma ação a favor da questão (informação verbal). Ao pensar na condução do Grupo Matizes, Santana (2021) diz que: observar as experiências dos movimentos sociais nacionalmente, foi um ponto relevante para elaboração das próprias pautas de trabalho, visto que, além de se ater aos acontecimentos vigentes no país, possibilitou o diálogo com os pares (informação verbal), melhor dizendo, foi o instrumento propulsor para que os militantes do movimento conhecessem as atividades desenvolvidas pelos movimentos sociais de outros estados, como também, favoreceu o estabelecimento de uma rede de contatos propícia ao compatilhamento de informações inerentes as realidades locais. As ações do Grupo Matizes foram concentradas na perspectiva dos direitos, trazendo como legado, o surgimento de outros grupos orientados para militância LGBQI+ a exemplo do Arco – Íris dos Cocais em Esperantina; Associação Florianense de Diversidade Sexual – AFLODS em Floriano; Guaruá e Grupo de Lésbicas de Parnaíba em Parnaíba; Babaçu Rosa em Barras; Grupo de Voluntários de Cajueiro da Praia – GRUVCAP em Cajueiro da Praia; Rede Arco-Íris em Pedro II; GlosLGBT em Picos; Grupo Gay de Piripiri em Piripiri e Articulação de Travestis do Piauí; Articulação Piauiense de Travestis e Transexuais; Coletivo gay de Mirindiba e Coletivo de Lésbicas Apoena, ambas em Teresina (SANTANA, 2011). A articulação e surgimento de coletivos de grupos LGBTQI+ no Piauí, pode ser justificada, não só pelo protagonismo do Grupo Matizes em torno das estratégias adotadas, a exemplo, da judicialização, fruto da nossa investigação, mas ao cresceste debate em torno da construção de uma “coletividade imaginada” (ANDERSON, 2008). Em razão da trajetória do movimento LGBTQI+ no Piauí, vale destacar o Grupo Piauiense de Transexuais e Travestis – GPTRANS, que junto | 833 Diversidade sexual, étnico-racial e de gênero: saberes plurais e resistências - Volume 1 ISBN 978-65-86901-34-4 com o Grupo Matizes, atuam nas frentes relacionadas ao combate da discriminação aos LGBTQI+. Fundado em 2009 e reconhecido oficialmente como ONG em 2012, o que possibilitou o repasse financeiro para o desenvolvimento de suas atividades na sociedade piauiense (QUADROS; MEDEIROS; FERREIRA, 2019). Por fim, citamos também, o Centro de Referência LGBT, ligado à Secretaria Social de Assistência e Cidadania – SASC, importante instrumento de promoção a dignidade da população LGBTQI+ ao possibilitar a emissão de carteiras de nome social, além de promover campanhas publicitárias de combate à discriminação e a LGBTfobia, a exemplo da campanha Piauí sem Homofobia, prevista no Plano Estadual de Cidadania e Direitos Humanos LGBT no Piauí, lançado pelo Governo do Estado em 2013 através da SASC (QUADROS; MEDEIROS; FERREIRA, 2019). Os ganhos verificados na perspectiva de direitos LGBTQI+, no Piauí, só foram possíveis, através das articulações do Grupo Matizes com a sociedade civil e Estado, em busca do acesso ao Judiciário. Em resumo, a atuação do Grupo Matizes em torno da judicialização, provocou mudanças significativas na construção dos direitos LGBTQI+, no estado, o que mostra, o quanto se faz necessário a atuação dos movimentos sociais, ao propor um diálogo na esfera pública, com vistas a reivindicar a formulação de políticas públicas possibilitem o acesso a dignidade da pessoa humana e cidadania. Assim, ao trabalhar as demandas do segmento, utilizando como estratégia, o fenômeno da judicialização, o Grupo Matizes, passa a ser um relevante instrumento na busca pela efetivação da justiça social para a população LGBTQI+. Considerações finais A partir da pesquisa apresentada é possível tecer algumas considerações. O artigo propôs estudar o caminho percorrido pelo Grupo Matizes na provocação de pautas para construção de políticas públicas, apostando na judicialização de demandas reprimidas da população LGBTQI+. Por esse ângulo, se mostra alinhado aos estudos relacionados ao fenômeno da judicialização da questão social, em resposta às desigualdades sociais naturalizadas ou não pelo Estado. Como resultado das análises, enfatizamos as diversas pautas onde o Grupo Matizes se insere como agente mobilizador a favor da | 834 Diversidade sexual, étnico-racial e de gênero: saberes plurais e resistências - Volume 1 ISBN 978-65-86901-34-4 efetivação dos direitos humanos e acesso a cidadania plena. Em casos específicos, foi precursor na elaboração de propostas para projetos de lei propícios a população LGBTQI+, se tornando conhecido nacionalmente, como um movimento social que aposta na judicialização das demandas para a conquista de direitos. Identificamos, que foi pela provocação do Grupo Matizes, que o Estado do Piauí, através de projeto de lei, permitiu que casais homoafetivos passassem a declarar o cônjuge no Imposto de Renda (IR) para fins de dedução, como também, na esfera da sáude, foi protagonista na defesa da doação de sangue por homossexuais. Ainda sobre as realizações no campo do direito, destacamos a imposição de sanções administrativas para casos de discriminação, casamento civil para casais homoafetivos e uso do nome social. Apesar de focar na efetivação das políticas públicas através da judicialização, o artigo também reflete sobre os impactos que um movimento social tem, aqui materializado pelo Grupo Matizes, na garantia dos direitos renegados às populações minoritárias, posto que, as ações desenvolvidas pelo Grupo Matizes tem surtido efeito, sobretudo, quando se analisa o diálogo provocado entre movimento, estado e sociedade, passando a acompanhar as mutações da população LGBTQI+ no tempo corrente. Nesse sentido, o artigo cumpriu o objetivo proposto. Ao perceber os caminhos que levam o movimento LGBTQI+ no estado a se estabelecer como uma frente de resistência aos ataques direcionados ao segmento, o Grupo Matizes, apostou numa busca constante do acesso ao Sistema de Justiça, através da judicialização das demandas reprimidas. No fim das contas, apesar do avanços no campo dos direitos a população LGBTQI+, há ainda muito a se fazer , em razão da insuficiência de políticas públicas que abarquem as questões prioritárias do segmento. Ainda que o caminho adotado pelo Grupo Matizes, tenha surtido efeitos positivos, apostando quase que constantemente na judiciazação das demandas, essa estratégia também carece de imperfeições, o que não invalida ou diminui toda a contribuição em termos práticos voltadas para a mitigação das desigualdades sociais desferidas aos LGBTQI+. | 835 Diversidade sexual, étnico-racial e de gênero: saberes plurais e resistências - Volume 1 ISBN 978-65-86901-34-4 Referências AGUINSKY, Beatriz Gershenson. Judicialização da questão social: rebatimento dos processos de trabalho dos assistentes sociais no Poder Judiciário. Katálysis, Florianópolis, v. 1, n. 9, Jan/Jun, 2006, p. 19 – 26. AGUIÃO, Silvia. “Fazer-se no Estado”: uma etnografia sobre o processo de constituição dos ‘LGBT’ como sujeitos de direitos no Brasil contemporâneo. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, 2014. ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas. 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