Regularização Fundiária Sustentável
Regularização Fundiária Sustentável
Regularização Fundiária Sustentável
Tupã/SP
2014
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 1
1ª Edição
Tupã/SP
ANAP
2014
2 - Regularização Fundiária Sustentável
AUTORA
Diretoria da ANAP
Presidente: Sandra Medina Benini
Vice-Presidente: Allan Leon Casemiro da Silva
1ª Tesoureira – Maria Aparecida Alves Harada
2ª Tesoureira – Jefferson Moreira da Silva
1ª Secretária – Rosangela Parilha Casemiro
2ª Secretária – Elisângela Medina Benini
ISBN 978-85-68242-05-6
CDD: 710
CDU: 710/49
SUMÁRIO
PREFÁCIO .......................................................................................................................... 06
APRESENTAÇÃO ................................................................................................................. 11
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 25
1º CAPÍTULO
CONCEITOS E FUNDAMENTOS JURÍDICOS ........................................................................... 36
2º CAPÍTULO
DO DIREITO À CIDADE - POLÍTICA HABITACIONAL ............................................................... 126
3º CAPÍTULO
REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA .............................................................................................. 206
PREFÁCIO
A presente obra é fruto de uma profunda reflexão da autora, como pesquisadora, e profissional militante no campo do Direito
Urbanístico, com grande experiência na gestão municipal de políticas públicas habitacionais. Poucos são os trabalhos que fazem um
diálogo interdisciplinar que permita ao leitor compreender as distintas dinâmicas entre o viés jurídico, político-urbanístico e
ambiental, na questão da reforma urbana e a problemática socioambiental decorrente da ocupação dos assentamentos irregulares
em APP – áreas de Preservação Permanente, e que ofereçam um aprofundamento da análise deste confronto de interesses, de forma
tão abrangente e ao mesmo tempo tão detalhado como o faz a autora nesta obra, elucidando questões complexas como a
vulnerabilidade das classes menos favorecidas frente a gestão equivocada das políticas habitacionais e a desconsideração aos
impactos ambientais urbanos.
Desta forma, recebo o convite para prefaciar a presente obra com grande alegria, pois tive a oportunidade de acompanhar
esta inestimável pesquisa desde o seu início, quando a autora se tornou discente do Programa de Mestrado em Direito do Centro
Universitário Eurípides de Marília – UNIVEM, Instituição pela qual tenho especial carinho e boas e gratas lembranças, pois tive a
honra de integrar o valoroso corpo docente que implantou o mestrado em Direito no ano de 2000, e dentre os queridos e inesquecíveis
colegas, não posso perder a oportunidade de homenagear o saudoso Prof. Marcio Antônio Teixeira, carinhoso amigo, valoroso e
generoso professor, profissional de grande valor acadêmico e conhecimento ímpar e multidisciplinar da sustentabilidade ambiental,
com o qual tive a honra de ministrar a disciplina Instrumentos Jurídicos do Desenvolvimento Sustentável, e que orientou com sua
lucidez e visão integradora dos conflitos socioambientais a presente pesquisa, cujo resultado primoroso se reflete na qualidade da
obra, e bem demonstra a característica inovadora e diferenciada das linhas de pesquisa do Programa, numa perspectiva da
construção do saber jurídico e da crítica aos fundamentos da dogmática jurídica.
Uma pesquisa acadêmica que enfrenta o desafio de uma discussão multidisciplinar dos problemas que envolvem a
regularização fundiária de áreas ambientais sensíveis, como as APPs urbanas, por si só já demonstra o diferencial qualitativo da
pesquisadora, pois trata-se a autora Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin, de uma profissional altamente qualificada da área de
arquitetura e urbanismo, que além de somar sua vasta experiência profissional, agrega à análise das políticas fundiárias municipais,
a discussão do papel da Administração Pública Municipal, sob a visão de quem possui a experiência de ter exercido com
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responsabilidade e eficiência o ônus do comando da Secretaria Municipal de Planejamento e Infraestrutura da cidade de Tupã-SP. A
obra ora prefaciada, agrega ao seu contributo para o tema, também a qualidade ética e profissional de sua autora, de sua visão
crítica e corajosa da temática das Políticas Públicas Habitacionais, virtudes com as quais sustenta a profundidade da análise ao
mesmo tempo integradora, multidisciplinar e crítica das escolhas de Políticas Públicas de ordenamento do solo urbano frente à
questão ambiental.
Ademais, uma obra que enfrenta o desafio de analisar as Políticas Públicas estatais de regularização fundiária de áreas de
risco, por si só já denota sua importância e contributo para o enfrentamento de um tema tão complexo e tão essencial para a
conquista de “cidades sustentáveis”, como propõe o marco regulatório da Lei 10.257/2001. E, conforme por nós já afirmado, tal
denominação dada pelo Estatuto da Cidade não se refere a efetiva realidade dos municípios brasileiros, mas a conquista de
implantação de uma nova gestão municipal, que tenha correlação direta com os princípios do desenvolvimento sustentável e da
gestão democrática, enquanto pilares fundamentais do direito constitucional ambiental, e que representa uma clara proposta de
reforma urbana.1
Compreender a complexidade da gestão de políticas públicas municipais de regularização fundiária, no contexto da extrema
gravidade e magnitude dos problemas socioambientais da ocupação de áreas ambientais sensíveis por populações vulneráveis, é o
grande diferencial desta obra, que já na forma de abordagem e na escolha do método de análise, qual seja, a análise do tema de
forma contextualizada, em muito contribui para o enfrentamento de problemas reais da construção de Cidades Sustentáveis,
conforme a proposta do Estatuto da Cidade. Não se trata de uma obra eminentemente teórica e distanciada da realidade dos
problemas socioambientais das cidades brasileiras, mas um contributo para a análise de uma problemática específica e complexa,
que se repete em inúmeros municípios brasileiros e para o qual não se apresenta uma solução aparente, pois a ocupação informal,
ou o fenômeno da favelização em de áreas de risco ambientalmente frágeis, por grupos sociais vulneráveis, expõe as desigualdade
sócio espaciais e a degradação do meio ambiente natural urbano nas cidades brasileiras, desafiando os instrumentos políticos,
econômicos, sociais e jurídicos de solução de conflitos urbanos, diante de questionamentos complexos como o direito à moradia, a
proteção de áreas de preservação permanente urbanas, a regularização fundiária e quais os modelos adequados de Políticas Públicas
Habitacionais Municipais.
1
PADILHA, 2010, p. 407.
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Há que se ressaltar também a atualidade do tema, pois identifica a problemática da necessidade urgente de uma Reforma
Urbana que atenda a função socioambiental da propriedade urbana e a justiça social. Registre-se que nas reinvindicações populares,
tais como as expressivas manifestações de junho de 2013, em boa parte dos municípios do país, esteve claramente presente como
estopim, a reinvindicação por qualidade de vida nas cidades e a revolta contra a precariedade dos serviços públicos urbanos, temas
presentes nas bandeiras reivindicatórias, e que identifica claramente na indignação do povo brasileiro, a feroz crítica a equivocada
gestão de políticas públicas municipais, capitalizando o descontentamento generalizado com as difíceis condições de vida
principalmente nas grandes cidades brasileiras.
Neste contexto do acúmulo de passivos de justiça social urbana, a autora soube com muita maestria e determinação focar a
complexidade do cenário das populações vulneráveis e denunciar o equívoco do modelo dominante de territorialização da pobreza nas
cidades do Brasil, por meio de um padrão de regularização fundiária em áreas de risco ambiental, absolutamente insustentável do
ponto de vista social, ambiental, jurídico e econômico.
Sua crítica é lúcida e corajosa, pois denuncia de forma competente os riscos a que estão expostos os assentamentos
humanos precários em áreas ambientalmente sensíveis, desprovidos de serviços e infraestrutura urbana, sujeitando a população a
inúmeros problemas de saúde decorrentes da poluição ambiental e do processo de degradação do ambiente, e que atinge não só a
qualidade de vida, mas também, em casos trágicos, a própria perda de vidas humanas, e que tem-se avolumado na rede urbana do
país. Riscos que tornam-se comumente perigos concretos em locais sujeitos a deslizamentos, a enchentes ou nas proximidades de
depósitos de lixo, e muitos outros casos que seguidamente são retratados nas reportagens jornalísticas em várias cidades do País,
agravados ainda mais pelos efeitos deletérios das instabilidades climáticas. Trata-se, conforme denuncia a pesquisa da autora, da
cidade dita ilegal, diante da qual, os programas de políticas públicas habitacionais implementados em prol da população vulnerável
em áreas ambientalmente sensíveis, não tem correlacionado os aspectos interdependentes das dimensões social e ambiental. E
nesse sentido, o grande contributo da presente obra é que não se reporta apenas ao problema, mas o enfrenta de forma magistral,
pontuando e identificando com admirável lucidez científica, os pontos pelos quais conclui, que tais programas ditos de Regularização
Fundiária Sustentável, nos moldes da Resolução CONAMA 369/2006, não tem alcançado a almejada integração urbana e social, e
tampouco tem atendido ao princípio da função social da propriedade, do equilíbrio do meio ambiente urbano, da moradia digna e dos
demais princípios constitucionais da cidade, urbanísticos e ambientais.
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A leitura desta obra é não só recomendável, como essencial para o desvendamento da problemática de implementação de
uma efetiva Regularização Fundiária Sustentável, pois a autora apresenta sugestões e propostas importantes e elucidativas de uma
necessária e efetiva implementação de Política Pública que promova e garanta, não apenas o direito de morar, mas compreenda o
direito a moradia digna, como materialização de um direito fundamental integrado aos demais direitos fundamentais de vital
importância para o equilíbrio do meio urbano, e das cidades sustentáveis, enquanto espaço de democracia e de justiça social.
Setembro de 2014.
APRESENTAÇÃO
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APRESENTAÇÃO
No decorrer das últimas décadas, o intenso processo de urbanização das cidades brasileira foi drasticamente marcado pela
descontrolada ocupação informal de áreas de fragilidade ambiental, tais como: as áreas de preservação permanente, áreas de
mananciais, áreas de encostas, áreas non-aedificandi, ou seja, áreas tuteladas pelo ordenamento jurídico em razão de seus valores
ambientais. A ocorrência estrondosa dos processos de informalidade urbana, em áreas periféricas, assim como a intensa
densificação dos assentamentos informais consolidados, é para alguns autores dentre eles, SMOLKA (2003, p.263), decorrentes não
apenas do aumento absoluto e relativo de pobres urbanos, mas, sobretudo da “falta de programas habitacionais, da queda de
investimentos públicos em equipamentos urbanos e serviços e do próprio esvaziamento do planejamento urbano”, sem contar que
“todos esses são fatores que, em última análise, incidem diretamente na oferta do solo urbanizado”. Nesse sentido, é de
fundamental importância considerar que, o acesso ao mercado regular de terras esta diretamente vinculado ao poder de aquisição ou
de compra da população, o que vem esclarecer o motivo pelo qual, milhares de famílias de menor poder aquisitivo, são
circunstancialmente obrigadas a ocuparem de modo irregular áreas públicas ou privadas, muitas destas, impróprias à ocupação
humana. Em síntese, conforme exposição realizada ao longo desta pesquisa, os processos de ocupações informais podem ser
entendidos como resultados dos ciclos econômicos manifestados drasticamente no processo de produção das cidades,
caracterizadas acentuadamente pela concentração de renda, assim como pela omissão do Estado.
A partir deste contexto, os assentamentos informais localizados em áreas ambientalmente vulneráveis, passaram a se
constituir num aspecto que vai muito além da delicada problemática urbana, tendo em vista a complexidade das questões de ordem
jurídica, social, econômica, cultural, e principalmente urbanística, decorrentes da longa e vergonhosa ausência do Estado frente à
questão. Todavia, em razão da dimensão e da gravidade com que essas tipologias aparecem nos cenários urbanos, tendo em vista,
que parte considerável delas são instaladas em espaços legalmente protegidos, a questão que envolve os processos de regularização
fundiária em APPs urbanas, tem de modo contundente, não apenas pautado os atuais debates nos mais diversos meios, como
também, causado o despertar do Estado para o cumprimento de suas responsabilidades constitucionais relacionadas à efetivação do
Direito à Cidade.
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Neste sentido, a percepção da questão urbana envolve necessariamente diversos aspectos, que se manifestam em escalas e
contextos diferenciados, porém correlacionados, como a exclusão social, a segregação espacial, o desemprego, a violência, a
interferência do capital imobiliário nos processos de gestão urbana, e a degradação do meio natural, dentre tantos outros. Com
efeito, tornou-se inquestionável, que o quadro de precariedades decorrentes desses aspectos foi produzido ao longo do processo de
urbanização do país, e que permaneceu por muito tempo negligenciado, e que em razão de seus efeitos nefastos, vem ao longo das
décadas comprometendo o desenvolvimento do país, e agora de modo irrefutável, está à exigir do Estado o inadiável cumprimento de
suas responsabilidades à luz do princípio da eficiência, que para Jacques Távora Alfonsin (2006, p. 171) se constitui no “princípio
constitucional que mais diretamente diz com a responsabilidade do Estado”. Nesta abordagem, o referido autor é categórico ao
afirmar que,
No que concerne ao Estado, é inquestionável o fato de que a sua responsabilidade maior, a respeito do direito de acesso da
população à terra, como bem de vida garante casa e comida, está na sua histórica inadimplência em cumprir o princípio da
eficiência, previsto no art.37 da CF. Esse princípio não traduz uma obrigação de meio, mas sim resultado, ainda mais em se
tratando de função social da terra, pela óbvia relevância desse bem para povo. Basta a leitura, por exemplo, do Estatuto da
Terra e do Estatuto da Cidade, sem falar na Constituição Federal, para convir-se que não é por falta de instrumentação
jurídica que aquele acesso, no que depende de implementação de políticas públicas previstas para as urgências sociais em
causa, ou fica permanentemente prorrogado, ou é mal satisfeito (ALFONSIN, 2006, p. 171).
Neste contexto, a literatura mostra que, ao longo do século XX, verificou-se um significativo desacerto relacionado à ordem
jurídica em vigor e os processos de produção não somente em cidades da América Latina como principalmente em cidades
brasileiras. No Brasil, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, com a incorporação de um capítulo referente à
política urbana, há que se reconhecer sua notória importância para a ordem jurídica do país ao reconhecer a consolidação de seu
processo de urbanização, pois segundo Edésio Fernandes (2006, p.7) esta relevância se deu ao admitir essencialmente que, “as
formas de organização socioeconômica e político-territorial do país eram de outra ordem que não aquelas reconhecidas pelo Código
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Civil de 1916”. Entretanto, somente após dez anos, esse capítulo é regulamentado por meio da Lei Federal conhecida como Estatuto
da Cidade, com o propósito de consolidar a nova ordem jurídico-urbanística, a qual teve por fim último a implementação da tão
sonhada e almejada Reforma Urbana. Para tanto, deve ser ressaltado que, os anos 80, foi o momento em que se iniciou o processo
de transição democrática, se constituindo num momento de clamor da sociedade por mudanças, tendo em vista os longos vinte anos
de ditadura militar que sufocaram - levando a estado de incubação não apenas as angústias como também os desejos de
manifestações populares - frente às gritantes violações dos direitos humanos individuais e coletivos, sem contar ainda, com a
explosão dos processos de informalidade urbana - retrato fiel da precariedade e da deterioração das condições de vida nas cidades
brasileiras.
Neste momento ímpar do processo de construção da democracia, emerge a necessidade imperiosa de uma nova ordem
constitucional, apta a restabelecer o Estado Democrático de Direito no Brasil, com o intuito de assegurar não somente a igualdade de
todos frente à lei, mas sobretudo com uma nova concepção de Estado, a partir da incorporação dos Direitos Fundamentais. Diante de
tão elevados propósitos o texto constitucional, instituiu uma nova ordem, com mecanismos jurídicos inovadores, permitindo que a lei
saísse do contexto estritamente normativo, e fosse capaz de intervir na realidade social, a luz dos princípios que fundamentam o
Estado Democrático de Direito.
Nesta perspectiva, é irrefutável que os valores advindos do princípio da dignidade da pessoa humana, e da cidadania,
previstos no art.1º, assim como o expresso compromisso constitucional do Estado no art.3º, em erradicar a pobreza e diminuir as
desigualdades sociais e, sobretudo promover o desenvolvimento, visando a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, se
constitui na própria essência de um capítulo dedicado às questões do ordenamento urbano.
Para Silva (1998, p.93) um Estado Democrático de Direito, deve promover a dignidade da pessoa humana, oferecendo as
“condições mínimas de existência”. Assim, é papel do Estado, como uma entidade reguladora e mediadora das relações e conflitos
oriundos entre os interesses particulares e os interesses comuns (de ordem pública), encontrar mecanismos para mitigar as
desigualdades socioeconômicas da sociedade brasileira.
Desse modo, os autores do texto constitucional por meio de dois artigos (art.182 e art.183) definiram os primeiros tópicos
legais para a implementação do inédito capítulo da política urbana, concebida com a missão essencial de promover o pleno
desenvolvimento das funções sociais da Cidade e de garantir o bem estar de seus habitantes. Nesse sentido, o artigo 182 da Carta
Magna, coloca como preceito da política urbana, a realização do pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade que, segundo
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Fiorillo (2003, p. 257) deve ser assegurada de modo a promover a dignidade da pessoa humana a luz dos princípios constitucionais,
ou seja
[...] é cumprida quando proporciona a seus habitantes o direito à vida, à segurança, à igualdade, à propriedade e à liberdade
(CF, art. 5º, caput), bem como quanto garante a todos um piso vital mínimo, compreendido pelos direitos sociais à educação,
à saúde, ao lazer, ao trabalho, à previdência social, à maternidade, à infância, à assistência aos desempregados, entre outros
encontrados no art. 6º (FIORILLO, 2003, p. 257).
Desse modo, com o propósito de garantir efetividade dos princípios e instrumentos contemplados no texto constitucional,
relativos à questao urbana, tornou-se essencial a regulamentação por meio de legislação específica em âmbito federal. Diante de tais
propósitos, a nova Lei, procurou ressaltar a delicada questão no art.1º, em sua primeira diretriz, ao estabecer normas de ordem
pública e interesse social com o fim de regular o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem estar
dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.
Como foi abordado ao longo desta pesquisa, a importância da aprovação e das possibilidades de aplicação de seus diversos
instrumentos, se deve em muito ao fato de ter sido uma Lei construída com participação ativa dos movimentos sociais em diversos
âmbitos, colocando em cheque a questão da preponderância descabida do direito de apropriação de terras urbanizadas mediante ao
interesse da coletividade.
Neste contexto, é de fundamental importância que a cidade tenha condições de efetivar suas funções sociais, pois as
condições de vida para uma grande maioria de grupos sociais economicamente desfavorecidos, evidencia claramente que não basta
apenas a existência de uma lei, ela por si só não assegura o Direito à Cidade, pórem é entendida como fundamental para sua
construção ou então, a sua tão sonhada realização. Todavia, a Constituição Federal de 1988, não incorporou o direito à moradia digna
enquanto direito fundamental social, foi somente em 2000, por meio da edição da Emenda Constitucional nº 26, e posteriormente
com a aprovação do Estatuto da Cidade em 2001, que esse direito foi reafirmado, se constituindo numa grande conquista social para
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os segmentos de baixo poder aquisitivo residentes em assentamentos informais, além de ter sido uma medida inovadora do direito
pátrio no contexto mundial.
Por outro lado, essas medidas iniciais, além de assumirem o foco principal da política nacional de desenvolvimento urbano, se
constituiram nas bases fundamentais necessárias para subsidiar a estruturação da nova política, onde as mesmas deveriam ser
concebidas como política de relevância primordial para garantir efetividade ao projeto constitucional norteado pelo princípio da
dignidade da pessoa humana.
Com esta incubência, abarcando os novos mandamentos constitucionais, a partir do estatuto das cidades, com o intuito de
viabilizar o direito à moradia digna, elenca no rol dos novos instrumentos jurídicos e urbanísticos, a regularizaçao fundiária como
estratégia fundamental de intervençao em áreas de assentamentos humanos informais, como uma das principais diretrizes da
política urbana.
Todavia, deve-se ressaltar que apesar dos programas de regularização fundiária sustentável, tenham por finalidade primeira a
redução das desigualdades sociais, por meio dos diversos instrumentos e mecanismos pautados pelo princípio da dignidade da
pessoa humana, visando à efetivação do direito fundamental social à moradia, é inegável seu caráter curativo, onde a questão da
prevenção tem mecanismos muito subjetivos, inconsistentes frente à complexidade da questão, esses fatos podem ser confirmados
por um simples exercício de observação dos atuais cenários urbanos - locais de intervenções onde já foram realizadas por meio dos
intitulados programas de urbanização e regularização fundiária sustentável (Figura 01).
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 17
ANTES DEPOIS
Diante dos cenários ilustrados na figura 01, locais de intervenção já realizada pelos referidos programas, questiona-se, até
que ponto os mesmos são capazes de assegurar qualidade de vida? E que qualidade é esta?
Por outro lado, não se pode deixar de considerar que a proposta dos programas de regularização fundiária enquanto
programas de política pública de inclusão social ou que tenha a incubência em ser de inclusão, enquanto resposta governamental às
volumosas demandas oprimidas por anos, ainda que tardiamente, se constitui num instrumento de extrema importância para a
política de desenvolvimento urbano, não apenas em razão de sua interdisciplinaridade, que vem exigir uma gestão integrada das
diversas dimensões que compõem o processo de planejamento com vistas a equalizar as demandas decorrentes da informalidade,
como também em implementar ações estratégicas capazes de interromper o ciclo nociso e avassalador das ocupações irregulares,
18 - Regularização Fundiária Sustentável
isto desde que haja uma intenção política, e sobretudo um compromisso ético estrategicamente constituído, caso contrário a
sociedade brasileira terá testemunhado mais um conto ou uma fábula.
Porém, as cidades por apresentarem quadros que beiram o caos, entram o novo século clamando por acões de toda ordem.
Assim, a partir deste contexto o Governo Federal, com a criação do Ministério das Cidades, sinaliza que há possibilidades de novas
perpectivas para o tratamento das questões relacionadas ao desenvolvimento urbano, com esta preocupação diversas ações foram
implementadas, dentre as quais se destacam o Conselho Nacional das Cidades, como também a formatação de novas políticas
comprometidas em garantir o acesso à todos indistintamente ao tão apregoado direito à cidade.
Certamente, as intenções sao muitas e de diversas naturezas, porém ainda há resquícios dos velhos ou arcaicos
procedimentos em gerir a coisa pública. Sendo assim, as possibilidades criadas a partir de enunciados de leis, de políticas públicas
em suas diversas dimensões, são materializadas em programas governamentais que lamentavelmente, apesar de se apresentarem
com uma roupagem nova, ou ainda estarem alicerçados num discursso que tem a pretenção em ser de vanguarda, ainda continuam
praticando os menos procedimentos na distribuição de recursos – pulverizando-os fortemente a partir de interferências políticas para
as esferas governamentais institucionalizadas, o que acabam por se perderem no contexto da gestão política, administrativa, técnica
e jurídica, enquanto dimensões intrínsecas de um processo de planejamento global, fatos que podem ser constatados ao se analisar
a baixa efetividade de repasses dos recursos federais destinados aos municípios.
Outro ponto a ser considerado, diz respeito à qualidade das políticas públicas elaboradas, neste caso, aquelas relacionadas as
políticas habitacionais que tem por finalidade produzir habitação de interesse social, estas se constituem no exemplo mais explícito
do descaso e descompasso do Estado com a delicada questão, mesmo os programas recentemente lançados, como exemplo a citar o
atual Programa Minha Casa minha Vida.
Neste caso, o referido programa define uma tipologia, que em quase nada se diferencia dos programas anteriores (de governos
passados) ou mesmo aqueles implementados pelo BNH. Essa análise comparativa, pode ter como um dos elementos a ser
considerado, a unidade construída - moradia (padrão arquitetônico), quando a análise empreendida, toma por base os anos de
inovação porque passou a engenharia, o urbanismo, se constata que, de modo lamentável, toda a tecnologia, o novo saber, os novos
valores decorrentes desse processo de inovação, não foram transferidos para aqueles que por muito tempo estiveram invisíveis aos
olhos do Estado. E para surpresa de nossas cidades, ou da própria sociedade que acredita estar vivendo em um país que tem em seu
ordenamento, o compromisso expresso do Estado em promover uma nação justa, igualitária e democrática - é de se admirar quando
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em pleno séc. XXI, após inúmeros tratados internacionais ratificados pelo país - momento em que se estabeleceu o compromisso de
materializar os direitos fundamentais em cidades por meio da elaboração de políticas públicas, ainda se produza uma política arcaica
ou como diria Martim Smolka (2003), uma política “Bizantina”. Ou seja, buscando explicitar melhor a questão, os programas
propostos são programas que tem como fator limitante o recurso financeiro, que por décadas tem sido restrito ou escasso para essa
finalidade, dessa forma os programas tem já de início, dificuldades em viabilizar áreas adequadas ao uso residencial, desse modo
para um aproveitamento eficaz, a área escolhida deve, via de regra, abrigar o maior número possível de unidades (número de
famílias), desse modo a unidade projetada possui dimensao definida por uma área quadrada mínima, muito aquém das necessidades
básicas de uma família normal (típica), ou ainda distante do conceito adotado pela Constituição de moradia digna e pela própria lei
que regulamentou o programa Minha Casa Minha Vida - Lei 11.977/2009.
Assim, esses programas estão longe de oferecer conforto, comodidade e segurança – tendo em vista o péssimo padrão
construtivo, sem falar na implantação da área parcelada, onde os terrenos resultantes possuem dimensões mínimas, não
apresentam os equipamentos urbanos exigidos, tais como áreas verdes, sistema de arborização adequado ou inexistente, áreas de
recreação, para não dizer quando são implantados em áreas legalmente protegidas, totalmente à margem da ordem urbanística
vigente, produzindo o que muitos especialistas na matéria, dentre eles Raquel Rolnik (1999), denominam de urbanismo de 2ª linha,
ou ainda urbanismo de risco. Nesta abordagem, torna-se intrigante, os inúmeros apontamentos, pareceres de renomados
especialistas na matéria, tanto do meio jurídico como urbanístico, ao enfatizarem o caráter rigoroso e restritivo das normas
urbanísticas, onde se afirma que as mesmas contribuíram para intensificar os processos de informalidade. Para a tão delicada
questão, especificamente a questão urbana, qual a missão do urbanismo? Qual o papel do planejamento urbano? Enquanto ciência,
as mesmas não se pautam pelo princípio da universalidade ao assumirem o compromisso primordial de por meio de instrumentos,
mecanismos e técnicas buscar o ordenamento, o disciplinamento do espaço urbano, visando o alcance de qualidade de vida para
todos aqueles que habitam as cidades? Neste contexto, são as normas que são falhas, ou interessa para o Estado fugir de suas
responsabilidades, e imputá-las à um ordenamento que ele mesmo produziu? As normas urbanísticas, editadas por meio de
legislação federal e todas as demais que compõem o rol normativo nesta matéria, no que se referem aos preceitos, critérios, padrões,
tem atendido as necessidades de ordenamento do uso e da ocupação do espaço territorial urbano, em empreendimentos voltados
para os segmentos mais favorecidos, basta verificar os diversos loteamentos regulares produzidos em muitas cidades brasileiras. A
grande questão está essencialmente, nas possibilidades e meios do Estado em viabilizar os mesmos direitos, os direitos sociais,
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dentre os quais o que mais aflige a população economicamente desfavorecida, é sem sombra de dúvida o direito à moradia como
vetor principal do direito à cidade.
Em decorrência do quadro exposto, foi formatada uma política urbana, que teve como diretriz primordial a implementação de
mecanismos capazes de assegurar o direito à moradia digna, por meio da adequada aplicação dos diversos instrumentos jurídicos
previstos na nova ordem, de forma a possibilitar a segurança jurídica, sobretudo para os grupos sociais economicamente
desfavorecidos residentes em assentamentos precários. Neste contexto, foi editada a Lei Federal 10.257/2001- Estatuto da Cidade,
incorporando em seu arcabouço a regularização fundiária não apenas com a finalidade de amenizar os longos anos de omissão do
Estado frente ao crescente processo de informalidade urbana, mas como diretriz da política urbana, concedendo-lhe papel
preponderante enquanto instrumento geral e amplo, podendo ser implementada por meio do Plano Diretor. Todavia quando esses
processos de regularização incidem em áreas de fragilidade ambiental - as denominadas APPs urbanas, a literatura analisada nesta
pesquisa, leva a concluir que se faz necessário ter muita atenção e prudência, em razão de sua propria natureza, estas áreas são
impróprias para a ocupação humana, tendo em vista sua constituição geomorfológica, como também a importância das funções
ambientais que desempenham para o equilibrio do meio ambiente urbano. Outro ponto de extrema relevância a ser considerado, diz
respeito à vulnerabilidade dessas áreas à ocorrência de desastres ambientais.
Neste contexto, os programas de regularização fundiária como instrumento jurídico, são para muitos especialistas na matéria,
dentre eles, Edésio Fernandes e Betânia Afonsin, (2003), uma conquista social, pois abriram a possibilidade de todos aqueles que
foram oprimidos pelo sistema capitalista, de encontrar na informalidade dos loteamentos clandestinos a possibilidade de validar seu
direito a moradia. Neste sentido, esta pesquisa reconhece a necessidade de elaboração de políticas públicas com o intuito de
promover a inclusão sócio-espacial por meio dos programas de urbanização e da regularização fundiária sustentável em
assentamentos informais.
Na maioria das cidades no Brasil, muitos são os fatores que provocaram a ocorrência de assentamentos informais em áreas
de vulnerabilidade ambiental - as APPs, entre os quais é evidenciada a carência habitacional, disponibilidade de espaços com
restrição ambiental, desrespeito as normas ambientais e urbanísticas, a ausência de fiscalização dos órgãos responsáveis, a
inescrupulosa especulação imobiliária e, sobretudo o descaso do poder público.
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No âmbito da questão, Rolnik2 alerta que a cidade ilegal (loteamentos informais, clandestinos e irregulares) é “tolerada para
poder ser, posteriormente, negociada pelo Estado” através da regularização fundiária, como condicionante de um pacto entre Estado
e as lideranças dos bairros, onde o Estado é tido como o “provedor” e os moradores da cidade ilegal passam a ser os “devedores de
um favor do Estado”. Neste contexto, a incorporação da cidade ilegal pela cidade legal (formal e oficial) ocorre como uma forma de
anistia, através da regularização fundiária, favorecendo a implementação de uma política com fins explicitamente eleitorais.
Entretanto, entende-se que o Direito à Cidade só será efetivado quando o Estado adotar uma política habitacional inclusiva, que não
seja sinônima de uma barganha de escrituras pelos tão disputados votos.
A instituição dos novos mecanismos jurídicos, tais como, o Estatuto da Cidade, a atual Resolução do CONAMA nº 369 e a nova
proposta de revisão da Lei Federal de Parcelamento do Solo - projeto de Lei 3057/00, denominada Lei de Responsabilidade Territorial,
os processos de Regularização Fundiária adquiriram condições de efetividade, mesmo considerando que muitas das ocupações
ilegais, quer estejam parcial ou totalmente instaladas em APPs, em função da vulnerabilidade geofísica não poderiam ser
regularizadas nestas localidades, pois segundo Chaer3 “a solução habitacional de alguns não pode se sobrepor ao acesso ao meio
natural equilibrado como direito de todos”. Entretanto, se faz necessário uma atenção especial, pois ao se permitir a permanência da
população instalada nestes locais de vulnerabilidade ambiental - identificados como áreas de riscos – estarão permitindo não
apenas a violação do direito do acesso ao meio ambiente equilibrado, mas principalmente, a violação do mais sacrossanto dos
direitos que é a preservação da vida.
No âmbito da questão, embora já seja previsto dentro dos procedimentos metodológicos que compõem os programas de
regularização fundiaria editado pelo Ministério das Cidades, a elaboração do Plano de Risco, para locais que apresentem essas
especificidades, muitas das ações definidas nesses processos, buscam alternativas para minimizar ou eliminar os riscos para a
população residente, e infelizmente em boa parte das intervenções realizadas, não tem ocorrido a identificação das situações de
riscos para o meio natural, ou os riscos ambientais que poderiam afetar drasticamente não apenas o meio ambiente, mas por em
risco inúmeras vidas, a exemplo do que tem ocorrido com diversas cidades recentemente no país.
2
ROLNIK, Raquel. A cidade e a lei: legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo. São Paulo: Studio Nobel; Fapesp; 1997, p. 207.
3
CHAER, Tatiana Mamede Salum. Regularização Fundiária em Área de Preservação Permanente: Uma contribuição à gestão urbana sustentável. Dissertação
(Mestrado) Universidade de Brasília. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo. Brasília, 2007, p. 91.
22 - Regularização Fundiária Sustentável
A partir desse enfoque, é preciso considerar que a flexibilização dos parâmetros e limites de preservação em APPs, permitiram
que em todo o território brasileiro, fosse fragilizada a prioridade de proteção e conservação das margens de rios, nascentes,
mangues, dunas, encostas, topos de morro, assim como, demais espaços de valores ambientais significativos considerados
essenciais na realização de suas funções ambientais para a manutenção do equilíbrio dos ecossistemas urbanos.
Desse modo, a resolução 369/2006 do CONAMA, cujo objetivo primordial foi a viabilização dos processos de regularização
fundiária em APPs, acabou por gerar muita discussão e divergências de opiniões entre ambientalistas e urbanistas, já que para os
ambientalistas, essa nova resolução permite interpretações muito abrangentes no que se refere a questão de “utilidade pública” e
“interesse social”, por outro lado, os urbanistas vislumbraram grandes perspectivas para os conflitos fundiários urbanos.
Na realidade, a flexibilização ocorrida recentemente nas legislações federais, citadas nesta pesquisa, se constituíram antes de
tudo, em novas possibilidades de planejamento para o poder público municipal. Todavia, mesmo considerando sua obrigatoriedade
em efetivá-las, a formatação dessas leis deixou uma enorme lacuna que permite ao poder público local executá-las ou não. Assim,
há que se reconhecer que as transformações ocorridas recentemente nas legislações federais, especificamente no campo ambiental
tiveram por finalidade a viabilização dos processos de regularização fundiária de assentamentos precários, com a finalidade
primordial de assegurar a efetivação do direito à moradia, porém não se pode deixar de considerar também, que as mesmas se
apresentam como “uma forma de remedição do passivo socioambiental produzido por políticas públicas territoriais elitistas, e
restritivas”4, que marcaram o processo de urbanização no Brasil.
Diante do panorama apresentado, onde os cenários urbanos estampam claramente a inoperância das políticas públicas
habitacionais em face das demandas sócio-territoriais, o Estado, com a preocupação de assegurar o direito à moradia lançou os
programas de regularização fundiária sustentável (Resolução do CONAMA n. 369/2006), os quais devem ser refutados como uma
afronta ao direito a vida, a sadia qualidade de vida e a dignidade da pessoa humana, visto que os moradores em APP já são
castigados pela miséria e encarcerados pela segregação socioespacial, além de conviverem diuturnamente com as diversas faces da
violência.
Segundo Arablaster (1996, p. 803), o conceito de violência não se restringe somente ao ato (agressão física), mas também
como as situações que as condiciona, como o exemplo de uma “política que deliberada ou conscientemente conduz a morte de
pessoas pela fome ou doença pode ser qualificada de violenta”. Com base nos apontamentos de Arablaster (1996), esta pesquisa
4
FRIEDE, Reis, Curso Analítico de Direito Constitucional e de Teoria Geral do Estado, Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1999, p. 52.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 23
considera que a Regularização Fundiária Sustentável, como instrumento de Política Pública Habitacional, é uma violência contra o ser
humano, através dos acidentes ambientais, bem como, pelas condições insalubres que provocam doenças diversas. Michaud (1989)
explica que este tipo de violência age de maneira direta ou indireta, causando danos a uma ou várias pessoas em níveis variados,
seja em sua integridade física, moral, em suas posses, ou em suas participações simbólicas e culturais.
As ocupações informais em APP estão estritamente relacionadas com a dinâmica da produção do espaço urbano, a qual
devido a sua interface econômica (mercado de terras), social (segregação socioespacial e a vulnerabilidade social) e ambiental
(riscos e impactos ambientais), demonstrou ao longo desta pesquisa que há necessidade de se estabelecer um amplo dialogo sobre a
questão, objetivando a instrumentalização de uma justiça socioambiental. Neste contexto, vale ressaltar que o Direito a Cidade, ora
materializado pelo Estatuto da Cidade, tem dentre seus objetivos a função social da propriedade, o que denota a necessidade de uma
análise crítica, quanto à efetividade desse direito nos assentamentos humanos, em atendimento dos princípios constitucionais, da
cidade, urbanísticos e ambientais abarcados por esta pesquisa.
A regularização fundiária sustentável prevista na Resolução do CONAMA, nº 369/2006, foi instituída pelo Conselho Nacional
do Meio Ambiente que é vinculado diretamente ao Ministério do Meio Ambiente, o qual tem autonomia para disciplinar e regular
matéria ambiental em âmbito federal. Este dispositivo jurídico visa regular a questão fundiária em área de preservação permanente
urbana, todavia, sua aplicabilidade coloca em xeque o pensamento jurídico lógico e racional.
Assim, diante do exposto, esta pesquisa propõe a revisão dos dispositivos normativos que tenham por finalidade tutelar as
áreas de valores ambientais, como as APPs urbanas, tendo em vista que para formatação de uma determinada lei, deveria ser
composta uma equipe multidisciplinar, com a finalidade de realizar uma leitura fiel das questões a serem tratadas, pois para quem
conhece de perto ou trabalha ombro a ombro com a questão urbana, entende com clareza a necessidade de elaboração de
dispositivos jurídicos que possam assegurar de fato a manutenção e equilíbrio do meio natural em áreas urbanizadas.
Nesta questão, como foi tão ressaltada por esta pesquisa, a grande polêmica no que tange aos critérios definidos pelo Código
Florestal, essencialmente no que se refere às delimitações de proteção aos corpos d’água, se configura no maior dos despropósitos,
pois as margens de proteção em APPs urbanas deveriam ser maiores em relação às localizadas em áreas rurais, onde a área é
totalmente permeável e em boa parte das situações, vegetadas.
No caso das APPS urbanas, o quadro apresentado é bastante diferenciado - muitas foram dilapidadas pelo uso e ocupação
inadequada e, em razão de sua importância mediante aos diversos serviços ambientais que desempenham para o equilíbrio do
24 - Regularização Fundiária Sustentável
ecossistema urbano, torna-se de extrema importância que essas limitações sejam revisadas em função das necessidades
geomorfológicas de cada localidade, ou seja, as margens de proteção deveriam ser proporcionais a área territorial impermeabilizada,
pois quanto mais impermeabilizado for o tecido urbano, maior será a necessidade de aumentar as áreas de proteção que podem
desempenhar dentre as várias funções ambientais, a de absorção de água e reabastecimento do lençol freático. Muitas cidades no
país fizeram uso da engenharia de forma equivocada ao retificar os córregos, rios, não preservando as APPs, e hoje gastam somas
exorbitantes na tentativa de corrigir os graves problemas decorrentes dessas medidas inadequadas e obsoletas, que têm ao longo dos
anos, apresentado resultados sempre crescentes de inúmeros prejuízos tanto materiais, como principalmente ceifando vidas
humanas.
INTRODUÇÃO
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 25
26 - Regularização Fundiária Sustentável
INTRODUÇÃO
A chegada do novo século foi aguardada com muitas expectativas, não só pela comunidade científica, acadêmica, pelos
diversos segmentos da sociedade, mas, sobretudo por aqueles grupos sociais excluídos e privados dos direitos básicos que garantem
a vida com dignidade.
Comprovam este estado de ânimo a vasta e diversificada literatura, composta pelos mais conceituados postulados científicos,
documentos jurídicos e até mesmo as mais relevantes cartas e tratados internacionais produzidos nas diversas conferências
internacionais ocorridas em várias regiões do planeta no final do último século.
Contudo, diante das grandes perplexidades pelas quais a humanidade tem passado, principalmente aquelas relacionadas à
falência de valores ético-sociais, acabaram por arrefecer todo o manancial de esperança depositada na possibilidade de reconstrução
de uma sociedade que se desejava sustentável. Uma vez que, ao mesmo tempo em que a humanidade pôde celebrar as grandes
conquistas realizadas nas mais diversas áreas do conhecimento, não pôde negar ou apagar do atual momento histórico a lamentável
situação de pobreza e miséria, em suas mais diversas nuances, em que milhares de famílias sobrevivem, não só em cidades
brasileiras como também em diversas localidades do globo terrestre.
No Brasil, somam-se a esses fatos a crise de credibilidade que assola de modo contundente a classe política, vinculada aos
poderes executivos, legislativo e até mesmo ao judiciário, comprometendo a adequada atuação das instituições que têm por dever
primordial e constitucional dar sustentação ao Estado Democrático de Direito.
No âmbito da questão, a percepção das causas que conduzem e motivam o processo de crescimento das áreas urbanas é de
extrema relevância para a busca de intervenções que tenham como meta a construção de cidades justas, sustentáveis e
democráticas.
Com este enfoque, esta pesquisa tem por objetivo desenvolver uma reflexão a respeito da complexidade que envolve a
efetivação do direito à cidade - direito fundamental - a partir de sua compreensão enquanto um feixe de direitos assegurados
constitucionalmente. Com este propósito, se define como recorte analítico os Programas de Regularização Fundiária no contexto da
Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, enquanto resposta estatal às gritantes demandas decorrentes dos processos de
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 27
informalidade, especificamente àqueles verificados nas APPs urbanas, tendo em vista as conflituosas discussões que permeiam a
complexa questão em torno do direito à moradia e ao meio ambiente, e sua condição imperativa para o alcance pleno do direito à
cidade. No contexto da problemática da efetividade das políticas públicas, gestão urbana e qualidade de vida, a pesquisa se volta
para os fundamentos legais, técnicos e às questões vitais ao desenvolvimento da temática, relacionados às esferas: acadêmica,
social, política e administrativa. Desse modo, a pesquisa estrutura-se, partindo de uma abordagem genérica, com o intuito de
compreender o descompasso existente entre a formulação da política urbana e habitacional e as diversidades geográficas, sócio-
culturais das áreas urbanas de cada localidade.
A partir de tais pressupostos, a complexidade da questão da moradia presente nas cidades brasileiras, principalmente nos
assentamentos informais, é uma das faces distorcidas do processo de urbanização predatória ocorrida em diversos países da
América Latina, sobretudo no Brasil.
De acordo com o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – Censo 2010, aproximadamente 84% (oitenta e quatro
por cento) da população brasileira vive em áreas urbanas, ou seja, o país deixou seu aspecto rural para assumir uma feição
eminentemente urbana. Como resultado deste processo de transição, apareceram em áreas urbanas graves problemas,
desencadeando uma série de reflexos e impactos negativos no equilíbrio ambiental e, sobretudo, no bem-estar da população. Nesse
cenário, tornam-se evidentes os assentamentos informais, que diante do olhar complacente do poder público e da sociedade,
passaram a compor a parte compreendida por diversos especialistas na temática, como “cidade ilegal”5, ignorando todo o universo
das normas urbanísticas vigentes.
Com enfoque nesta problemática, várias pesquisas têm sido realizadas6, tanto por academias conceituadas como por
importantes instituições governamentais, as quais têm apontado a presença de assentamentos informais em quase 100% (cem por
5
A cidade ilegal e a cidade legal foram produzidas pela mesma lógica capitalista de mercado. Entretanto, a cidade ilegal fica excluída de direitos e, nesse
processo, o Estado, além de contribuir para isso — por exemplo, na elaboração de leis inaplicáveis —, ainda distribui os investimentos e benefícios urbanos de
forma diferenciada, privilegiando os setores de maior renda da sociedade. Disponível em: http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/1843/MPBB-
86UG3H/3/c_primeiro_capitulo_ok.pdf>. Acesso em: 20 abril 2011.
6
Durante muito tempo a questão do mercado imobiliário informal foi tratada como um tema secundário nas pesquisas sobre o desenvolvimento urbano e
habitacional. O tema perpassava pelas pesquisas e textos que explicavam o crescimento da cidade ‘clandestina’ ou ‘irregular’ como parte de um processo
migratório. Os pobres saiam do campo e se deslocavam para a cidade grande em busca de oportunidades. Este processo pode ser verificado em vários
trabalhos de Kowarick (1979), Pasternak (1989), Maricato (1979) Valladares entre outros. Se até meados do século XX a população moradora das cidades não
28 - Regularização Fundiária Sustentável
cento) das cidades com mais de 500 mil habitantes, além de constatar a presença dos mesmos, em percentual menor, em pequenas
e médias cidades. Essa situação também é evidenciada pelo estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA,
2007), apontando que 34,5% da população urbana brasileira vivem em condições precárias.
Desse modo, o contexto apresentado por esses dados, além de reafirmar a desenfreada crise encontrada em parte
significativa das cidades brasileiras, evidencia a premência de adoção de novos paradigmas de planejamento e gestão das cidades,
notadamente no que se refere à questão do direito à cidade, enquanto feixe de direitos, os quais deverão ser implementados por meio
de políticas públicas capazes de oferecer respostas às demandas por padrões sustentáveis de vida em áreas urbanizadas.
Neste contexto, o Relatório da Missão Conjunta da Relatoria Nacional 7 e da ONU (2004) mostra que “o Brasil evoluiu nos
últimos 20 anos, com a constituição de um marco legal e institucional para as cidades brasileiras, que possibilitou a implementação
de políticas e sistemas de proteção do direito à cidade, e especificamente do direito à moradia”.
No que se refere ao direito à moradia, consagrado no artigo 6º da Constituição Federal de 1988 como um direito fundamental
social, há que se ressaltar que este, é também um direito reconhecido internacionalmente, expresso ou implicitamente em diversos
tratados e documentos, desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 19488 (art.25, item 1), e se constitui ainda como
chegava a 30% nos anos 90 ela ultrapassa a marca de 80%. A consolidação dos assentamentos informais, ‘clandestinos’, irregulares se dava pela necessidade
da reprodução do capital produtivo. (O crescimento da informalidade nas cidades do pós-fordismo e a mudança do paradigma das políticas de habitação social.
Disponível em: <http://www.usp.br/fau/depprojeto/labhab/biblioteca/textos/baltrusis_crescinformal.pdf>. Acesso em: 15 Out 2010.
7
A Relatoria Nacional, como aqui é chamada, é um projeto nacional – Relatoria Nacional do Direito Humano à Moradia Adequada e à Terra Urbana -, que integra
o Projeto Relatores Nacionais da Plataforma DhESC, uma rede formada por organizações da sociedade brasileira que atuam no campo da defesa dos direitos
humanos e da promoção de políticas públicas e sociais voltadas a combater as desigualdades sociais e realizar a inclusão social e cultural de grupos sociais
vulneráveis. (SAULE JUNIOR, N.; CARDOSO, P. M. O Direito à Moradia no Brasil: violações, práticas positivas e recomendações ao governo brasileiro. Relatório
da Missão Conjunta da Relatoria Nacional e da ONU, 22 de maio a 12 de junho de 2004. Polis 2004).
8
A Assembléia Geral das Nações Unidas proclamou a "Declaração Universal dos Direitos do Homem" como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e
todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da
educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o
seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados Membros, quanto entre os povos dos territórios sob
sua jurisdição.
Artigo 25
I) Todo o homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação,
cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 29
objeto de várias resoluções adotadas por órgãos das Nações Unidas. Nesse sentido, dada a premência da questão da moradia,
destaca-se a importância de dois documentos: a Declaração de Vancouver e a Declaração de Istambul para Assentamentos Humanos
e as Agendas, Habitat I e II. Todavia, considera-se como o mais importante instrumento legal dedicado ao Direito à moradia,
ratificado pelo Brasil e por mais 138 nações, o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), onde os
Estados partes assumiram o compromisso para efetivação do direito à moradia adequada estendido a todos os cidadãos.
Na realidade, os documentos mencionados acima foram citados com o intuito de dar uma noção da relevância da questão da
moradia no contexto internacional, uma vez que os mesmos têm força de Lei, o que significa uma responsabilidade pelo Estado
Brasileiro em viabilizar mecanismos aptos a garantir a efetivação desse direito.
Como conseqüência desse reconhecimento legal, a Constituição Brasileira concretizou, no rol dos direitos sociais, aqueles
declarados nos pactos internacionais, especialmente os relacionados aos direitos humanos.
Desse modo, o direito à moradia, reconhecido como direito humano, deve obrigatoriamente ser protegido pelo Estado
Brasileiro, obrigando-o a efetivá-lo gradualmente por meio de políticas públicas adequadas às especificidades de cada comunidade e
região.
Nesse contexto, o termo moradia9 a ser entendido no dispositivo constitucional - em consonância com a concepção adotada
nas agendas Habitat I e II, é aquele minimamente digno, ou seja, que reúna as condições essenciais de maneira a possibilitar o
desenvolvimento pleno à uma vida condigna. Assim, o termo moradia passa ser compreendido de forma ampliada, integrando
habitação e o conjunto de equipamentos urbanos, assim como disponibilidade da prestação de serviços públicos de qualidade. Diante
de tais considerações, é possível ter uma noção do conjunto de elementos integrantes do conceito do direito à moradia digna, o que
pressupõe uma abordagem integrada, dado o seu vínculo com outros direitos relacionados, como a saúde, trabalho, educação,
transporte, infraestrutura básica, dentre outros.
A Constituição Federal de 1988 inovou ao reservar um capítulo às questões do ordenamento urbano. Em dois artigos (art.182
perda de meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/deconu/textos/integra.htm>. Acesso
em: 20 Abril 2011.
9
“A moradia que o direito social previsto no artigo 6º da Constituição assegura não pode ser outra senão a moradia adequada. Neste qualificativo “adequada”
se incluem diversos aspectos, desde os técnicos até os jurídicos e culturais, e por isso a moradia adequada deverá corresponder também a um conceito de
moradia digna, uma vez que serve ao ser humano”. (COSTA, s/a, p.1646)
30 - Regularização Fundiária Sustentável
e art. 183), os autores do Texto Constitucional colocaram no papel os primeiros tópicos legais para a implementação da política
urbana.
O artigo 182 da Carta Magna, definiu como preceito da política urbana a realização do pleno desenvolvimento das funções
sociais da cidade que,
[...] é cumprida quando proporciona a seus habitantes o direito à vida, à segurança, à igualdade, à propriedade e à liberdade
(CF, art. 5º, caput), bem como quando garante a todos um piso vital mínimo, compreendido pelos direitos sociais à educação,
à saúde, ao lazer, ao trabalho, à previdência social, à maternidade, à infância, à assistência aos desempregados, entre outros
encontrados no art. 6º (FIORILLO, 2009, p.341).
Assim, para Fiorillo (2009), a política urbana deve assegurar a função social da cidade de modo a promover a dignidade da
pessoa humana segundo os princípios constitucionais.
Para Silva (1998, p.93) um Estado Democrático de Direito10, deve promover a dignidade da pessoa humana, oferecendo as
“condições mínimas de existência”. Desse modo, é papel do Estado, como uma entidade reguladora e mediadora das relações e
conflitos oriundos entre os interesses particulares e os interesses comuns (de ordem pública), encontrar mecanismos para mitigar as
desigualdades socioeconômicas da sociedade brasileira.
10
Inicialmente, o conceito de Estado Democrático de Direito Social deve ser entendido como uma estrutura jurídica e política, e como uma organização social e
popular, em que os direitos sociais e trabalhistas seriam tratados como direitos fundamentais. Para fixar o conceito, vale frisá-lo: Estado Democrático de
Direito Social é a organização do complexo do poder em torno das instituições públicas, administrativas (burocracia) e políticas (tendo por a priori o Poder
Constituinte), no exercício legal e legítimo do monopólio do uso da força física (violência), a fim de que o povo (conjunto dos cidadãos ativos), sob a égide da
cidadania democrática, do princípio da supremacia constitucional e na vigência plena das garantias, das liberdades e dos direitos individuais e sociais,
estabeleça o bem comum, o ethos público, em determinado território, e de acordo com os preceitos da justiça social (a igualdade real), da soberania popular e
consoante com a integralidade do conjunto orgânico dos direitos humanos, no tocante ao reconhecimento, defesa e promoção destes mesmos valores humanos.
De forma resumida, pode-se dizer que são elementos que denotam uma participação soberana em busca da verdade política. Disponível em:
<http://jus.uol.com.br/revista/texto/4613/estado-democratico-de-direito-social>. Acesso em: 20 Abril 2010.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 31
Todavia, em meio a ocorrência de desastres naturais afetando diversas cidades brasileiras, sobretudo a população de menor
renda, se faz necessário rever os critérios que orientam os programas de regularização fundiária em áreas de vulnerabilidade
ambiental. Estes fatos demonstram que houve uma certa incoerência ao se conceber os programas de regularização fundiária em
áreas faveladas, visto que esses assentamentos, em regra, estão localizados em áreas ambientalmente frágeis.
Certamente, a atual situação de desigualdade, diversidade e instabilidade social em que está inserida boa parte da sociedade
brasileira, onde uma parcela significativa da população fica alijada do processo urbano, amontoada em imensas periferias, privadas
do exercício da cidadania e do usufruto do bem público, é o que motiva a luta pela efetivação do Direito à Cidade.
Diante do exposto, um dos maiores desafios, no que se refere à realização dos Direitos Fundamentais em áreas urbanas, está
em se definir mecanismos potencialmente eficazes para sua implementação.
Assim, esta pesquisa se justifica pela proposta de uma análise crítica a respeito da efetividade da Política de
Desenvolvimento Urbano, especificamente aos Programas de Regularização Fundiária em assentamentos Informais, considerando
que este tipo de intervenção do Estado se recobre pela máxima do “Direito à Cidade” e oculta as interfaces de políticas públicas de
caráter curativo, implementando o que vários autores denominam de urbanismo de segunda linha.
Neste contexto, ao se ignorar a fragilidade das áreas onde tem ocorrido os assentamentos precários e os impactos ambientais
decorrentes dessa ocupação, a implementação de programas de regularização fundiária por intervenção do Estado não estaria
atendendo de forma indireta aos interesses da elite economica e política, que detém o controle sobre o mercado de terras urbanas?
No Brasil, a política habitacional11 deveria estar atrelada a uma política urbana potencializada para o enfrentamento das
diversas facetas do mercado especulativo. O Estatuto da Cidade traz instrumentos que permitiriam o combate da especulação
imobiliária, entretanto, esta mesma lei, como não especifica as regras de aplicabilidade destes institutos, possibilita que os mesmos
sejam manipulados em favor do interesse das forças econômicas vinculadas ao setor imobiliario. Nesse sentido, Ermínia Maricato
(2011) é taxativa ao afirmar que,
11
A política habitacional no Brasil se fortaleceu a partir 1999 com a criação do Programa Habitar Brasil BID – HBB, que é financiado pelo Banco Interamericano
de Desenvolvimento e por recursos da União, o qual tem como público-alvo famílias com faixa de renda de até três salários mínimos, residentes em
assentamentos precários urbanos. O HBB é composto por dois subprogramas, o Subprograma Desenvolvimento Institucional de Municípios - DI e o Subprograma
Urbanização de Assentamentos Subnormais - UAS.
32 - Regularização Fundiária Sustentável
[...] as demais forças que orientam o crescimento das cidades no Brasil estão muito ligadas à essa lógica da valorização
imobiliária com exceção do automóvel que ocupa um lugar especial. Ao lado do capital imobiliário, as grandes empreiteiras de
obras de infra-estrutura orientam o destino das cidades quando exercem pressão sobre os orçamentos públicos (via
vereadores, deputados, senadores ou governantes) para garantir determinados projetos de que podem ser oferecidos ao
governante de plantão como forma de “marcar” a gestão. As obras determinam o processo de urbanização mais do que leis e
Planos Diretores, pois o que temos, em geral, são planos sem obras e obras sem planos. A política urbana se reduz à
discussão sobre investimentos em obras e isso está vinculado à lógica do financiamento das campanhas a ponto de
determinar as obras mais visíveis são aquelas que possam corresponder ao cronograma eleitoral. (MARICATO, 2011, s/p).
Nesta dinâmica, vale ressaltar que muitas vezes é o capital incoporador que financia boa parte das campanhas dos membros
que ora ocupam as cadeiras do legislativo ou a chefia do executivo e que, via de regra, em muitas situações são esses mesmos
políticos que escrevem as leis que regem esse País. Segundo Chauí (1984, p.28) “graças às leis, o Estado aparece como um poder
que não pertence a ninguém”, o que permite a dominação, encoberta por um caráter impessoal e anônimo.
Diante do exposto, tendo em vista a complexidade e pluralidade dos aspectos envolvidos ao tema em estudo, e principalmente
o cumprimento dos objetivos estabelecidos nesta dissertação, a pesquisa proposta se desenvolveu por meio do método qualitativo.
Segundo Richardson (1981), esta abordagem, além de ser uma opção do investigador, justifica-se, sobretudo por ser uma forma
adequada para a natureza do fenômeno social tutelado pelo Direito.
O mundo jurídico é estabelecido e legitimado para atender as demandas sociais. Neste enfoque, a interdisciplinaridade se
apresenta como uma ferramenta imprescindível para que se possa realizar uma leitura coesa do que realmente vem a ser o
fenômeno social, bem como suas interfaces com a questão urbano-ambiental. Diante de tais apontamentos, Sousa Júnior (1996)
enfatiza que
A pesquisa abre a visão sobre a crise do Direito, iluminando a reflexão acerca de suas determinações, enquanto forma o novo
tipo de jurista capaz de empreender, para superar a distância que separa o conhecimento do Direito, de sua realidade social,
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 33
política e moral, a edificação de pontes sobre o futuro, através das quais transitem os elementos de uma nova teoria do
Direito e de um novo modelo de ensino jurídico (SOUSA JÚNIOR, 1996, p.96).
A interdisciplinaridade faculta a conexão dos conteúdos, permitindo ao pesquisador desenvolver uma visão ampla da
realidade, bem como a busca do conhecimento específico, como no caso do recorte analítico desta pesquisa, a qual tem como objeto
de estudo as Políticas Públicas de Regularização Fundiária em Áreas de Preservação Permanente localizadas em áreas urbanas.
Neste enfoque, o desenvolvimento desta pesquisa qualitativa, em que os procedimentos adotados foram alicerçados a partir
de uma base lógica, permitiu que a mesma fosse construída em três fases: “aberta ou exploratória”, “coleta de dados” e “análise e
interpretação sistemática dos dados” (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p.21).
A primeira fase da pesquisa, conhecida como aberta ou exploratória, consistiu no exame da literatura especializada pertinente
(livros e artigos científicos, teses e dissertações), bem como na análise de documentos (leis, jurisprudência, sentenças, anais
legislativos, pareceres, etc.), artigos de jornais e revistas dirigidas ao público em geral. O referencial bibliográfico utilizado nesta
pesquisa contempla renomados autores contemporâneos, que vêm ao longo dos últimos anos se dedicando ao estudo da complexa
questão que envolve o mundo urbano contemporâneo.
Na segunda fase, foi possível estruturar as atividades de coleta de dados em condições controladas para obtenção de
informações sistematizadas, como por exemplo, as disponibilizadas por órgãos governamentais (Ministério da Cidade, Defesa Civil,
Secretaria Estadual de Meio Ambiente, IPEA, CETESB, IBGE, SEADE, Prefeituras Municipais, etc.).
Já a terceira fase consistiu na inserção do objeto de pesquisa (Políticas Públicas de Regularização Fundiária em Áreas de
Preservação Permanente) dentro de um quadro de referenciais teóricos especializados e interdisciplinares (Ciência Jurídica e
Planejamento Urbano), concomitantemente com a construção empírica, o que possibilitou a definição dos procedimentos
metodológicos necessários para a realização de uma análise crítica, a luz do ordenamento jurídico brasileiro (Direito Urbanístico e
Ambiental) sobre a temática proposta. Assim, a partir do quadro metodológico definido, tornou-se mister analisar os mecanismos de
efetivação do Direito à Cidade a partir dos seguintes questionamentos:
34 - Regularização Fundiária Sustentável
Por que as cidades são cenários de tantas desigualdades e exclusões se, antes tudo, são reguladas pelo mesmo sistema
jurídico, que tem por finalidade primordial a materialização dos direitos fundamentais enquanto espaço de democracia e
de justiça social?
Por que o Estado não tem conseguido garantir o Direito à Cidade para todos?
O conceito de Direito à Cidade albergado na Constituição tem o mesmo conteúdo em todos os programas de políticas
públicas oferecidos pelo Estado para o atendimento das gritantes demandas existentes em áreas urbanas?
Diante dos dilemas urbanos aqui elencados, no que realmente consiste o Direito à Cidade?
Desta forma, frente à problematização da questão proposta, esta dissertação foi estruturada em três capítulos com o intuito
de realizar uma reflexão crítica em resposta às indagações supracitadas.
O primeiro capítulo teve o propósito de fornecer os principais conceitos jurídicos sobre meio ambiente (natural, artificial,
cultural e trabalho), direito difuso, transindividual e metaindividual, como suporte ao recorte analítico presente nas relações
socioambientais em cidades (segregação socioespacial, informalidade urbana, loteamentos irregulares e clandestinos, impactos
ambientais urbanos, desastres ambientais, os desafios da sustentabilidade urbana, qualidade de vida e qualidade ambiental urbana,
dentre outros), os quais foram abordados a partir de um referencial bibliográfico interdisciplinar, com o intuito de enfocar a
problemática abordada à luz da justiça socioambiental.
Na seqüência, o segundo capítulo apresenta temáticas decorrentes de uma reflexão do direito à cidade, considerando a
questão urbana no Brasil, aspectos históricos do Direito à Cidade, a autonomia municipal, a legislação infra-constitucional, o
movimento pela reforma urbana, o Estatuto da Cidade e, por fim, as políticas públicas com ênfase na questão habitacional no Brasil.
Com a preocupação em elucidar o papel das políticas públicas, enquanto instrumentos que possam vir assegurar o Direito à Cidade.
Por sua vez, o terceiro capítulo teve a preocupação de desenvolver uma reflexão a respeito dos programas de regularização
fundiária, desde as primeiras iniciativas até as mais recentes políticas públicas viabilizadas para sua implementação no país,
ressaltando o contexto da informalidade urbana e suas interfaces com a questão ambiental e social referentes ao processo de
urbanização brasileira. Não por acaso, procurou evidenciar que o descumprimento da legislação tem-se tornado uma prática comum
nos processos de regularização fundiária em APPs urbanas, onde a persistência dessa cultura contribui não apenas para o
descompasso e desacertos dos processos de gestão urbana, mas principalmente tem contribuído para os gravíssimos desastres
ambientais urbanos, o qual o estudo em pauta, após uma análise reflexiva, permitiu concluir que tais práticas criam a figura do
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 35
holocausto silencioso nesses espaços. Assim, considerando os riscos ambientais e a vulnerabilidade social dos moradores instalados
em APPs urbanas, a pesquisa se valeu de um caráter retrospectivo dos dispositivos jurídicos, os quais têm por finalidade primordial a
garantia da tutela destes espaços, que são de extrema importância para o equilíbrio do meio urbano.
Nesse sentido, torna-se oportuno os apontamentos apresentados por Telles (2009, p.12), onde a referida autora ao prefaciar a
obra de Lucio Kowarick (2009) – intitulada “Viver em Risco”- argumenta que, “esses processos, entre persistência e diferenças, que
estão cifrados nas histórias e situações descritas nesses capítulos, são elas, sobretudo essas histórias, que dão o fio que esclarece
os sentidos do ‘viver o risco’ sob as circunstâncias da vulnerabilidade ambiental e social,” bem como, pela “ausência de direitos”.
1º CAPÍTULO
36 - Regularização Fundiária Sustentável
CONCEITOS E FUNDAMENTOS
JURÍDICOS
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 37
1º CAPÍTULO
O direito urbanístico positivado pelo ordenamento jurídico brasileiro busca alcançar o debate social em torno das tensões
dialéticas da produção do espaço urbano, considerando as questões de ordem econômica e a apropriação dos recursos ambientais,
com a finalidade da melhoria na qualidade de vida.
Deste modo, para oferecer subsídio à investigação sobre os assentamentos humanos, este primeiro capítulo pretende
apresentar alguns conceitos, aspectos teóricos e fundamentos jurídicos, com a finalidade de constituir a base analítica necessária
para o desenvolvimento da temática proposta.
É incontestável que os efeitos decorrentes das transformações ambientais atingem direta ou indiretamente a todos,
essencialmente aqueles que habitam as áreas urbanizadas. Nesse sentido, a intensificação das questões ambientais, sobretudo nas
cidades, tem reafirmado a vinculação existente entre a degradação do espaço natural e a consequente degradação da qualidade de
vida, assim como à vulnerabilidade de comunidades a inúmeros riscos. Daí emerge o dever primordial de manutenção da vida,
enquanto um dever ético, levando a um processo de reflexão mais aprofundada dos padrões de apropriação da natureza pelo homem,
que segundo Leff (2001, p.295) “significa pensar o habitar como projeto transformador do meio, como processo de apropriação social
das condições de habitabilidade do planeta”. No âmbito da questão, a tutela da vida significa também, a tutela da vida nas cidades,
que segundo Fittipaldi (2006, p.56) “compreendem, ao mesmo tempo, meio ambiente natural, construído e cultural, sendo o local
adequado para a tutela do meio ambiente como um todo, e da realização do direito à cidade, direito humano, fundamental e
metaindividual”.
38 - Regularização Fundiária Sustentável
Reconhecer assim, a importância da construção histórica das dimensões dos direitos fundamentais12 possibilitou uma leitura
apropriada dos parâmetros de proteção jurídica do meio ambiente, pois segundo Padilha (2010, p.36) “o meio ambiente é a grande
expressão dos denominados ‘direitos de terceira dimensão’, os direitos característicos da ‘fraternidade’”.
Nesse processo, tornou-se fundamental a incorporação da tutela ao meio ambiente nos textos constitucionais mais recentes,
sobretudo após a realização e notória influência da Declaração de Princípios de Estocolmo13 ocorrida de 05 a 16 de junho de 1972 na
Suécia, ainda que de forma gradativa, em razão de se constituir num documento sem força vinculante. Entretanto, conforme destaca
Padilha (2010, p.61) ao citar Chris Wolf “a Declaração de Estocolmo propiciou a primeira moldura conceitual abrangente para a
formulação e implementação estruturada do Direito Internacional do Meio Ambiente”. Porém, foi somente após a realização da
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento no Rio de Janeiro (CNUMAD) – a RIO-92, ou ainda a Cúpula
da Terra, que o meio ambiente passou a ser tratado como valor fundamental, passando a influenciar a construção da normatividade
ambiental em nível global, na perspectiva de ser um direito positivado em constituições de diversos países.
12
Ensina-nos Carlos Alberto M. de QUEIROZ (2004) que os direitos fundamentais da pessoa humana são aqueles que todas as pessoas devem ter, em todo
lugar e a qualquer tempo, e cuja privação causaria uma grave ofensa à justiça. E, esses direitos apresentam-se como direitos fundamentais de primeira,
segunda, terceira e quarta gerações: 1. Os diretos fundamentais de primeira geração, ou direitos de liberdade, são aqueles que têm por titulares o indivíduo.
[...]; 2. Os direitos fundamentais de segunda geração são os direitos econômicos, sociais e culturais que dominaram o século XX. Nasceram juntamente com o
princípio da igualdade, dominando, por completo, as Constituições do segundo pós-guerra; 3. Os direitos fundamentais de terceira geração são os direitos da
fraternidade, segundo Karel VASAK, que os identificou em número de cinco – direito ao desenvolvimento, direito da paz, direito ao meio ambiente, o direito de
propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e, finalmente, o direito de comunicação; 4. Os direitos fundamentais de quarta geração são os direitos
de solidariedade, que são o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo, sendo que deles dependem a concretização da sociedade
aberta ao futuro. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1057>. Acesso em: 25
janeiro 2011.
13
A Declaração de Estocolmo é um documento elaborado durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente realizada de 05 a 16 de junho de 1972
em Estocolmo, Suécia, este foi o primeiro documento da história de um direito ambiental internacional, que reconheceu o direito de manter um ambiente
saudável e natural. Disponível em: < http://www.dforceblog.com/pt/declaracao-de-estocolmo/>. Acesso em: 5 fevereiro 2011.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 39
Sem deixar de considerar o longo processo que caracterizou a construção do ordenamento jurídico ambiental no Brasil, desde
os efeitos decorrentes da Declaração de Estocolmo até a positivação da tutela jurídica do meio ambiente pela Constituição Federal de
1988, se faz necessário ressaltar que este processo foi realizado, segundo Padilha (2010, p.113) “por meio de uma visão holística e
de incorporação da proposta de desenvolvimento sustentável, como base das políticas públicas ambientais e da gestão ambiental”.
Nesse sentido, a Constituição de 1988 ao incorporar um capítulo específico dedicado à questão ambiental, visando à proteção ao
meio ambiente, deu um salto de qualidade significativo para a legislação ambiental no Brasil, passando a se constituir num grande
marco jurídico, ao figurar como um novo paradigma jusambiental14, pois conforme ressaltado por Edis Milaré (1991, p.3) é
reconhecidamente um,
[...] marco histórico de inegável valor, dado que as Constituições que precederam a de 1988 jamais se preocuparam da
proteção do meio ambiente de forma específica e global. Nelas sequer uma vez foi empregada a expressão “meio ambiente”, a
revelar total despreocupação com o próprio espaço em que vivemos. (MILARÉ, 1991, p. 3)
Para diversos autores, dentre eles Padilha (2010, p.35) “a proteção jurídica do meio ambiente é uma realidade recente e
ainda em construção, quer no plano internacional, quer no plano nacional.” Neste contexto, a referida autora, ao citar Norberto Bobbio
(1992), enfatiza que os “direitos não nascem todos de uma vez” foram concebidos com a finalidade primordial de proteção aos
malefícios decorrentes “do aumento do poder do homem sobre o homem e do homem sobre a natureza, por meio do progresso
técnico, e este não necessariamente se faz acompanhar do progresso moral.”
Todavia, é necessário reconhecer que o meio ambiente é antes de tudo, um conceito multifacetado, de onde decorrem
inúmeras dimensões, tendo em vista sua transversalidade e multidisciplinaridade, o que permite reconhecê-lo com as mais diversas
compreensões. Na mesma abordagem, Padilha (2010) complementa ao considerar que,
14
A constitucionalização da proteção ambiental pela Constituição de 1988, por meio de todo um capítulo dedicado ao meio ambiente, significou um salto de
qualidade na normativa ambiental brasileira e colocou as bases fundamentais do Direito Constitucional Ambiental por uma opção de “ecologização” do texto
constitucional, adotando um novo paradigma jusambiental. (PADILHA, 2010, p. 114 – 115).
40 - Regularização Fundiária Sustentável
O meio ambiente é, por si só, uma temática multidimensional, que apresenta inúmeras dimensões, tais como a DIMENSÃO
ECOLÓGICA, a DIMENSÃO HUMANA, a DIMENSÃO ECONÔMICA, a DIMENSÃO ÉTICA, fatores estes que, do ponto de vista
jurídico, ocasionam pontos de tensão na aplicação e interpretação das normas ambientais, mas que devem ser
compreendidas harmonicamente para o alcance da correta abrangência e plena realização e eficácia do objeto do Direito
Constitucional Ambiental. (PADILHA, 2010, p. 195)
Diante do exposto no texto constitucional de 1988, os mecanismos jurídicos da política ambiental foram potencializados, além
de ter dado uma abrangência espetacular na concepção jurídica de proteção ao meio ambiente, pois segundo Padilha (2010, p.115)
“não o considera de forma dissociada dos direitos humanos fundamentais”, mas sim a partir da composição integrada por todos os
sistemas “dentre os quais se integram todos os seres vivos, o homem e a natureza que o cerca, determinando a proteção
constitucional ambiental ao meio ambiente natural e ao meio ambiente artificial (urbano, do trabalho e cultural).”
Assim, Leite (1998, p.51) esclarece que a “expressão meio ambiente se consagrou e foi incorporada amplamente à
Constituição da República Federativa do Brasil”, a qual determina:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e
futuras gerações.
§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e
manipulação de material genético;
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 41
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos,
sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade
dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do
meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a
vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio
ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem
a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
§ 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução
técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.
§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas,
a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
§ 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são
patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio
ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
§ 5º - São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção
dos ecossistemas naturais.
§ 6º - As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão
ser instaladas (BRASIL, 2009).
Conforme a determinação Constitucional, Fiorillo (2009) assinala que além da amplitude conceitual atribuída ao meio
ambiente pelo legislador ordinário, este optou por trazer um conceito jurídico indeterminado, a fim de criar um espaço positivo de
incidência da norma.
42 - Regularização Fundiária Sustentável
A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n.º 6.938, de 31 de agosto de 1981)15, em seu artigo 3º, inciso I, define o
meio ambiente como sendo o “conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite,
abriga e rege a vida em todas as suas formas.”
Barroso (1998, p.1420) destaca que a matéria ambiental alcança “os elementos homem, vida e natureza formam o próprio
conteúdo da matéria e o objeto que visa disciplinar”, sendo que os mesmos constituem “sua essência, o existir enquanto ciência”.
Rodrigues (1998, p.25) interpõe que a tutela ambiental se aplica no “abrigar e reger a vida em todas as formas, é que o meio
ambiente inclui áreas naturais intocadas ou degradadas, mares e terras, áreas rurais e urbanas, pois em todos esses espaços
encontramos formas de vida.”
Para Antunes (2007, p.6) o conceito de meio ambiente está “fundado em uma realidade que, necessariamente, considera o
ser humano como parte integrante de um contexto mais amplo”, onde o meio ambiente é uma “designação que compreende o ser
humano como parte de um conjunto de relações econômicas, sociais e políticas que se constroem a partir da apropriação econômica
dos bens naturais”, onde após serem “submetidos à influência humana, se constituem em recursos ambientais.”
Rodrigues (1988, p.25) explica que o “direito positivo brasileiro tem conceituado o meio ambiente de forma bastante
abrangente”. Nesta corrente, Fiorillo (2009, p.20) ensina que o meio ambiente se divide nas seguintes categorias “natural, artificial,
cultural e do trabalho”, com objetivo maior de “tutelar a vida saudável.”
O meio ambiente natural ou físico é constituído pelo solo, pela água, pelo ar atmosférico, pela flora e pela fauna. Como
situação exemplificativa, a preocupação do legislador com a defesa do meio ambiente natural pode ser verificada, no art. 225, § 1º, I
e VII, da Constituição Federal vigente. Nesse sentido, para Fiorillo (2009, p.20), o meio ambiente natural (ou físico) é aquele
“constituído pela atmosfera, pelos elementos da biosfera, pelas águas (inclusive pelo mar territorial), pelo solo, pelo subsolo
(inclusive os recursos minerais), pela fauna e flora”, onde deve preponderar o “equilíbrio dinâmico entre os seres vivos e meio em
que vivem.”
15
A fase pós-Estocolmo influenciou, sobremaneira, a legislação ambiental brasileira, principalmente o significativo texto normativo ambiental representado pela
Lei de Política Nacional de Meio Ambiente, a Lei nº 6.938/1981. Por sua vez, a constitucionalização da proteção ambiental assentou as bases normativas de um
novo paradigma jurídico ambiental, que, somado à influência da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento do Rio de Janeiro
(CNUMAD) – RIO/92, passou a influenciar a produção de legislações infraconstitucionais mais integradas e políticas públicas ambientais mais articuladas.
(PADILHA, 2010, p.113 – 114).
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 43
Meio ambiente artificial, segundo Carlos (2008, p.59) é constituído pelo espaço urbano, que “é antes de mais nada trabalho
objetivado, materializado, que aparece através da relação entre o ‘construído’ (casas, ruas, avenidas, estradas, edificações, praças)
e o ‘não construído’ (o natural) de um lado”. Nesta mesma abordagem, Fiorillo (2009, p.21) ensina que este meio ambiente artificial
“é compreendido pelo espaço urbano construído, consiste no conjunto de edificações (chamado de espaço urbano fechado), e pelo
equipamento público (espaço urbano aberto).”
Meio ambiente cultural relaciona-se com a história de um povo, sua formação, sua cultura. Sua defesa vem expressamente
prevista no art. 216, da Constituição Federal de 1988, quando alude ao patrimônio cultural brasileiro. Silva (1998, p. 3) ensina que o
meio ambiente cultural é “integrado pelo patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico, turístico, que, embora artificial, em
regra, como obra do homem, difere do anterior (que também é cultural) pelo sentido de valor especial que adquiriu ou de que se
impregnou.”
Meio ambiente do trabalho é o local onde as pessoas desenvolvem suas atividades laborais. A preocupação com a sua defesa
vem expressa no art. 200, inciso VIII, da Constituição Federal, ao estatuir que o sistema único de saúde (SUS) deve colaborar na
defesa do meio ambiente, inclusive o do trabalho. Fiorillo (2009) ensina que meio ambiente do trabalho compreende o
[...] local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado
na salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores,
independentemente da condição que ostentem (homens ou mulheres, maiores ou menores de idade, celetistas, servidores
públicos, autônomos etc.) (FIORILLO, 2009, p. 22).
Derani (2007, p.263) complementa esclarecendo que “meio ambiente, enquanto bem jurídico, apresenta-se como uma
garantia das condições básicas necessárias para a manutenção da vida em geral e da humana em particular”. Já Moraes (2007)
44 - Regularização Fundiária Sustentável
aponta que o meio ambiente é considerado direito de terceira geração, também conhecido como direito de solidariedade ou
fraternidade16.
Fiorillo (2009, p.10) esclarece que a Constituição Federal “estruturou uma composição para a tutela dos valores ambientais”,
onde reconhece suas características próprias, numa “nova concepção ligada a direitos que muitas vezes transcendem a tradicional
idéia dos direitos ortodoxos: os chamados direitos difusos”. O mesmo autor (FIORILLO, 2009, p.4) esclarece que “direito difuso
apresenta-se como um direito transindividual, tendo como objetivo indivisível, a titularidade indeterminada e interligada por
circunstância de fato”.
O meio ambiente encontra-se alocado dentre os interesses ou direitos difusos, pois ultrapassa o plano dos interesses
individuais das pessoas per si (transindividual) ou grupo, caracterizando-se por sua indivisibilidade, isto é, seu objeto diz respeito a
todos os membros da sociedade, ao mesmo tempo em que não é destinado a alguém exclusivamente (natureza indivisível) e
possuindo titulares indeterminados, cuja relação entre estes tem origem em uma situação de fato. Silva (1998, p.6), ao mencionar o
assunto, assinala que a matéria ambiental revela-se destinada “à proteção de interesses pluriindividuais que superam as noções
tradicionais de interesse individual ou coletivo”.
O artigo 81 da Lei n. 8.078/9017, conceitua direitos difusos como sendo os transindividuais, ou seja, são aqueles que
transcendem o indivíduo, ultrapassando o limite da esfera de direito e obrigações de cunho individual. Neste contexto, meio ambiente
como um “bem de uso comum do povo” (caput do art. 225, da Constituição Federal de 1988), caracterizado como direito difuso,
afigura-se em direito transindividual, tendo um objeto indivisível18, titularidade indeterminada e interligada por circunstâncias de fato.
Complementando esta abordagem, Mirra (2005) esclarece que
16
Direitos de terceira geração – direitos coletivos - são também denominados direitos de solidariedade e fraternidade. O Estado tem obrigação de proteger a
coletividade de pessoas, não o ser humano de forma isolada. Os principais são: meio ambiente, qualidade de vida, paz, autodeterminação dos povos, defesa do
consumidor, da criança, do idoso. Disponível em: <http://pt.shvoong.com/law-and-politics/constitutional-law/764175-gera%C3%A7%C3%B5es-direitos-
fundamentais/>. Acesso em: 25 Abril 2011.
17
A Lei nº 8.078/90 é conhecida como Código de Proteção e Defesa do Consumidor, o qual “define uma nova ordem de proteção dos direitos sociais, ao reforçar
a questão da cidadania e reconhecer a vulnerabililidade do consumidor no mercado de consumo”. Disponível em:
<http://www.procon.go.gov.br/procon/imprime.php?
textoId=000695>. Acesso em: 25 Abril 2011.
18
“O direito difuso possui a natureza de ser indivisível. Não há como cindi-lo. Trata-se de um objeto que, ao mesmo tempo, a todos pertence, mas ninguém em
específico o possui. Um típico exemplo é o ar atmosférico” (FIORILLO, 2009, p.5).
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 45
Na condição de bem de uso comum do povo, o meio ambiente é um bem imaterial que pertence à coletividade, como
agrupamento natural não dotado de personalidade jurídica. Trata-se de um bem que pertence indivisivelmente a todos os
indivíduos da coletividade e não integra o patrimônio disponível do Estado. Para o Poder Público – e também para os
particulares – o meio ambiente é sempre indisponível e insuscetível de apropriação (MIRRA, 2005, p. 35).
A tutela do meio ambiente o coloca na condição de direito metaindividual ou coletivo lato sensu, ou seja, daquele que está
acima dos interesses individuais. Mazzilli (1999, p.39), esclarece que os direitos metaindividuais “são interesses que excedem o
âmbito estritamente individual, mas não chegam a constituir interesse público”.
A classificação dos interesses ou direitos metaindividuais como difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos,
entre nós é dada pelo art. 81, parágrafo único, I a III, da Lei nº 8.078/90 (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor), ao definir, in
verbis:
Art. 81 - A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a
título coletivo.
Parágrafo único - A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de
que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível de
que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.
III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.
46 - Regularização Fundiária Sustentável
Mazzilli (1999, p.40) complementa, alegando que os interesses difusos, devido à sua abrangência, “coincidem com o
interesse público”, a exemplo das matérias referentes à questão ambiental. Lisboa (1997, p.58) nesse sentido, esclarece que o
“interesse difuso é necessidade de toda a sociedade, e não de grupos sociais determinados”, assim, por se “tratar de necessidade de
todos, não é necessidade apenas do Estado, mas inclusive dele, que, contudo, poderá vir a ser demandado para satisfação do direito
subjetivo concernente.”
Deste modo, Fiorillo (2009, p.13) esclarece que “o bem de uso comum do povo”, para que seja caracterizado como um “bem
ambiental e seja traduzido como difuso”, deve ser “essencial à sadia qualidade de vida”, e que tenha por “objetivo a tutela do ser
humano e, de forma indireta, outros valores que também venham a ser estabelecidos na Constituição Federal”.
Certamente, a Constituição Federal de 1988 ao dar uma nova concepção a normatividade jurídica ambiental para o país,
possibilitou ao mesmo tempo a regulação de inúmeros eventos que se constituíam em ameaças ao equilíbrio do ambiente natural e à
qualidade de vida, contribuindo significativamente para a ampliação da tutela jurídica de todo o sistema de condições que visam a
sadia qualidade de vida em toda a sua diversidade.
Sem deixar de considerar a importância do fortalecimento da normativa ambiental para a concepção de uma gestão ambiental
sustentável19 em escala nacional, vem exigir aplicação concreta, de cumprimento efetivo, de eficácia social. (PADILHA, 2010)
19
A gestão ambiental sustentável não depende apenas da normatividade ambiental mas da aplicação concreta de políticas públicas ambientais, de forma
integrada, articulada e construída nas instâncias democráticas. A conquista da sustentabilidade, que possui não só a dimensão ambiental, mas a econômica, A
social, a política-institucional, redefine o papel do Estado e da sociedade, exigindo a implementação de uma governança ética para a sua promoção. (A
governança ética para a promoção da sustentabilidade é parte dos objetivos da Agenda 21 brasileira – Objetivo 17). (PADILHA, 2010, p.116)
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 47
O conceito de cidade vem do “vocábulo ‘urbano’, do latim urbs, urbis, significa cidade e, por extensão, seus habitantes. Não
está empregado em contraste com o termo campo ou rural, porquanto qualifica como algo que se refere a todos os espaços
habitáveis”. (FIORILLO, 2009, p.21, itálico do autor)
Deste modo, Séguin (2002) esclarece que se torna imprescindível tutelar a matéria urbanística com os institutos jurídicos do
direito brasileiro, como efetivação de uma cidade para todos, onde possa haver a inclusão social e justa distribuição dos ônus e
benefícios decorrentes do processo de urbanização. Todavia, considerando as complexidades presente no ambiente urbano, faz-se
necessária uma abordagem multidisciplinar sobre a temática.
A isso deve ser acrescentado o aspecto jurídico de uma cidade, o direito positivo que a rege, podendo-se concluir
que o urbanismo ultrapassou a esfera dos simples problemas urbanos, tornando-se realmente multidisciplinar,
que engloba aspectos sociais, antropológicos, econômicos, sanitários, jurídicos, arquitetônicos e paisagísticos
(SÉGUIN, 2002. p. 24-25).
Diante das proposituras destacadas por Séguin (2002) a respeito dos desafios urbanos, Rezende (2004, p.68) defende a
necessidade de regras, com a expressa “intenção de influenciar, alterar e regular o comportamento individual ou coletivo, através do
uso de sanções positivas ou negativas” frente à problemática das cidades brasileiras.
Deste modo, considerando a aplicabilidade das normas regulamentadoras no espaço urbano, Rolnik e Saule Junior (2002,
p.32) defendem que o direito à cidade deve ser considerado como um “novo direito fundamental positivado, oriundo da fonte
legitimadora das normas constitucionais da política urbana”. Alfonsin e Fernandes (2004, p.283), nesta mesma corrente, afirmam
que a cidade “pertence a todos os cidadãos que nela habitam” e alertam que por esta razão, “não se justifica mais excluir as
camadas da sociedade de baixa renda do direito de usufruir os benefícios que a cidade oferece aos seus habitantes”.
48 - Regularização Fundiária Sustentável
As metrópoles brasileiras são marcadas pela segregação socioespacial das classes sociais, que pode ser identificada nos
bairros pelo perfil da população, bem como pelas características urbanísticas do espaço, como a infraestrutura, mobiliário urbano,
equipamentos sociais, espaços públicos, entre outros. Villaça (2001, p.142) ensina que “a segregação é um processo segundo o qual
diferentes classes ou camadas sociais tendem a se concentrar cada vez mais em diferentes regiões gerais ou conjuntos de bairros da
metrópole”.
Maricato (2008, p.51) explica que este processo de segregação presente no meio urbano é fruto de “uma sociedade [...]
radicalmente desigual e autoritária, baseada em relações de privilégio e arbitrariedade”. Neste sentido, entende-se que a exclusão20,
pobreza e a segregação socioespacial são configuração, afirmação e reprodução do capitalismo.
Segundo Rolnik (1995) a segregação socioespacial se apresenta no espaço urbano como
[...] um imenso quebra-cabeças, feito de peças diferenciadas, onde cada qual conhece seu lugar e se sente estrangeiro nos
demais. E este movimento de separação de classes e funções no espaço urbano que os estudiosos da cidade chamam de
segregação. [...] É como se a cidade fosse demarcada por cercas, fronteiras imaginárias, que definem o lugar de cada coisa e
de cada morador. (ROLNIK, 1995, p. 40-41).
Deste modo, uma parcela significativa da população é segregada para áreas periféricas, como forma de ocultar a miséria21
oriunda do capitalismo.
20
Para Martins (2004, p.4), o “que chamamos de ‘exclusão’ é apenas a superfície de um complexo processo de gestação de uma nova forma de desigualdade
social.”
21
Entender o espaço urbano do ponto de vista da reprodução da sociedade significa pensar, no seu cotidiano, o homem como ser individual e social no seu
modo de viver, de agir e de pensar. Significa entender o processo de produção do humano num contexto mais amplo da produção histórica, e como os homens
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 49
O uso do solo urbano será disputado pelos vários segmentos da sociedade de forma diferenciada, gerando conflitos entre
indivíduos e usos. Esse pleito será, por sua vez, orientado pelo mercado, mediador fundamental das relações que se
estabelecem na sociedade capitalista, produzindo um conjunto limitado de escolhas e condições de vida. Portanto, a
localização de uma atividade só poderá ser entendida no contexto do espaço urbano como um todo, na articulação da situação
relativa dos lugares. Tal articulação se expressará na desigualdade e heterogeneidade da paisagem urbana (CARLOS, 2008, p.
87).
Carlos (2008, p.195) explica que os “desequilíbrios e as desigualdades não podem mais ser ignorados, não se pode mais
governar forjando uma unanimidade. O acirramento das contradições urbanas, fruto do crescimento rápido”, onde o “Estado se
coloca a serviço da reprodução ampliada do capital, é um fato incontestável. O espaço urbano se reproduz, refletindo a segregação,
fruto do privilégio conferido a uma parcela da sociedade brasileira.”
A produção do solo urbano, em regra, se dá pelas intervenções do capital incorporador, que tem a capacidade de modificar e
direcionar o seu crescimento. Entretanto, torna-se importante considerar que o usuário da terra é motivado pela compra de um
determinado lote, em razão dos benefícios advindos, sejam estes de caráter objetivo – as possibilidades de lucro, ou de caráter
subjetivo – o uso a ser empregado no lote adquirido.
Considerando o mercado imobiliário, Smolka (1987) explica que um imóvel urbano (por exemplo: um terreno) pode vir a sofrer
uma valorização potencial mediante a influência que seus proprietários fundiários possam exercer sobre o uso da terra. Para Campos
(1989) os fatores exógenos ao circuito imobiliário salientam o processo de disputa da renda fundiária, onde surge a figura do ganho
fundiário real (onde o proprietário no momento da venda obtém uma renda real referente ao entorno do terreno) e renda fundiária
virtual (onde há uma expectativa de valorização futura, caracterizada pelo autor como renda virtual).
produziram e produzem as condições materiais da existência. Hoje, essas condições produzem-se aprofundando a contradição entre a opulência e a miséria;
trata-se de uma sociedade onde a distribuição da riqueza gerada dá-se de modo contraditório. (CARLOS, 2008, p.134)
50 - Regularização Fundiária Sustentável
Deste modo, a intervenção do capital incorporador interfere diretamente na produção do espaço urbano, onde, por exemplo, ao
constatar um alto nível de densidade predial, promove a verticalização com o fim de aferir lucro mediante a demanda existente sobre
determinado setor da cidade. Entretanto, este mesmo capital incorporador orienta o deslocamento espacial, visando à potencialidade
de determinada área, ou seja, promovendo a especulação imobiliária.
Nesta dinâmica, Carlos (2008, p.95) explica que “as contradições sociais emergem, na paisagem, em toda a sua plenitude,
pois aqui os contrastes e as desigualdades de renda afloram”, considerando que “o acesso a um pedaço de terra, o tamanho, o tipo e
material de construção vão espelhar mais nitidamente as diferenciações de classe”.
Intensificando essa problemática, o Estado que tem a obrigação de efetivar o interesse coletivo, instrumentaliza a máquina
pública para o fortalecimento da classe burguesa. “A ação do Estado - por intermédio do poder local - ao intervir no processo de
produção da cidade reforça a hierarquia de lugares, criando novas centralidades e expulsando para a periferia os antigos habitantes,
criando um espaço de dominação” (CARLOS, 2001, p. 15).
Nesta contrariedade, o Estado que deveria promover a justiça social nas cidades, promove a especulação imobiliária,
multiplicando a miséria nas franjas do espaço urbano.
De acordo com Abreu Neto (s/a, p.01) a informalidade urbana pode ser considerada como “o fenômeno resultante do
desenvolvimento desordenado das cidades, regrado pelo mercado imobiliário excludente”, e é de modo significativo responsável pelo
“surgimento de assentamentos informais como favelas, loteamentos irregulares e clandestinos, cortiços e conjuntos habitacionais
irregulares.”
A primeira questão a ser tratada neste item é a relação muitas vezes estabelecida entre informalidade urbana e pobreza. De
acordo com Smolka (2003), “apesar da alta correlação encontrada entre a pobreza urbana e os assentamentos informais, nem todos
os ocupantes dos assentamentos informais podem ser classificados como pobres.”
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 51
Estudos comprovam que a informalidade não está restrita aos pobres, esse fenômeno é também apontado por dados
comentados por Smolka(2003,p.261-262) “a respeito da proporção de ocupações ilegais/irregulares existentes (mais de 70%) e da
proporção de famílias abaixo da linha de pobreza (27%).”
Em relação à aquisição de terra no mercado formal, pode-se verificar que mesmo aqueles que poderiam pagar alguma coisa
pela terra, podem ainda não ser capazes de pagar o valor mínimo que o mercado formal requer. “No caso de famílias de baixa renda,
mesmo quando o orçamento familiar é suficiente para cobrir as necessidades básicas, o preço mínimo da terra é considerado
comparativamente mais alto do que o custo de oportunidade da alternativa informal (SMOLKA, 2003, p. 262)”.
Um dos fatores que contribui para a redução da capacidade de aquisição de terra dessas famílias é o alto custo dos
transportes. A incapacidade de compra de terras no mercado formal e em localizações mais centrais explica o motivo pelo qual as
famílias de baixa renda são deslocadas para as periferias urbanas22.
Em um período de queda das taxas de crescimento e imigração, o crescimento da informalidade pode estar relacionado a
outros fatores como a falta de programas habitacionais e a queda de investimentos públicos em equipamentos urbanos e serviços,
fatores estes apontados por Smolka (2003) como aqueles que incidem diretamente na oferta de solo urbanizado.
Para vários autores, que tem-se dedicado ao estudo desta questão, os assentamentos informais não podem ser considerados
a melhor escolha, inclusive pelo fato do valor do metro quadrado do terreno não ser baixo. Conforme os estudos realizados por
Smolka (2003) os loteadores oferecem lotes com área menor do que é estabelecida pela legislação, a um preço total inferior ao de um
lote formal, entretanto ainda superior ao valor por metro quadrado do lote legal.
Nesse sentido, são relevantes os apontamentos de Smolka (2003, p.266) ao considerar que, a informalidade urbana não é
apenas conseqüência, mas também causa da pobreza; tendo em vista que inúmeras vezes a população residente em áreas
consideradas informais “é capturada por muitos ‘círculos viciosos’ que reiteram sua condição” como, por exemplo, o que ocorre no
mercado de trabalho, onde aqueles que não dispõem de endereço formal são, inúmeras vezes, discriminados ao se candidatarem a
um emprego.
22
Enquanto as ONGs e os financiadores desenvolvimentistas brincam com a “boa governança” e a melhoria incremental das favelas, forças de mercado
incomparavelmente mais poderosas empurram ainda mais a maioria dos pobres para a margem da vida urbana. As realizações positivas da filantropia
internacional e a intervenção residual do Estado são totalmente amesquinhadas pelo impacto negativo da inflação da terra e da especulação imobiliária. (DAVIS,
2006, p. 90)
52 - Regularização Fundiária Sustentável
Desta forma os custos de vida nos assentamentos informais são maiores do que nas áreas formais, conforme demonstram
estudos realizados. Em geral, os custos de construção são mais elevados (cerca de 10%) e principalmente os meios de transporte
são precários e caros (SMOLKA, 2003).
Para ilustrar a questão, pode ser citada a pesquisa desenvolvida pelo projeto Infosolo23 – a qual construiu uma base de dados
relacionada à mobilidade residencial das camadas mais pobres da população nas grandes cidades brasileiras – este estudo revelou
que a rotatividade do mercado imobiliário nas favelas é bastante alta, assim como comprovou a tese de que o mercado informal
passou a ser o principal mecanismo regulador da expansão urbana.
Este fato demonstra a gravidade do problema da informalidade e a necessidade de promover políticas públicas de
democratização do acesso a terra para a população de menor renda. As políticas implantadas devem ter como resultado uma
redução dos preços da terra urbana por meio da utilização de instrumentos de intervenção direta e instrumentos de natureza fiscal.
Alguns resultados da pesquisa realizada pelo projeto Infosolo surpreenderam os pesquisadores como, por exemplo, o
crescimento dos aluguéis nas áreas de pobreza. Levantamentos revelaram que os valores do mercado informal comprometem parcela
significativa da renda das famílias. Com base nas informações da pesquisa apresentada, bem como em estudos desenvolvidos por
outros autores, pode-se afirmar que a informalidade urbana possui custos elevados e acentua as condições de pobreza.
23
O Projeto Rede Infosolo – Mercados Informais de Solo Urbano nas Cidades Brasileiras e Acesso dos Pobres ao Solo foi realizado pelo IPPUR/UFRJ – Instituto
de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, com financiamento de R$ 458mil do programa Habitare da FINEP. O
projeto estudou favelas de oito cidades brasileiras – Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Recife, Salvador, Belém, Porto Alegre e Florianópolis. Foram levantados
dados como condições das moradias, origem das famílias, renda familiar, inserção no mercado de trabalho, preços médios de compra e de venda, valor dos
aluguéis, sistemática de comercialização e locação e fatores de atração e de repulsão na escolha da moradia, entre diversos outros aspectos.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 53
Os loteamentos irregulares (públicos ou privados) compreendidos como aqueles processos de parcelamento que obtiveram
aprovação junto ao órgão competente (Prefeitura Municipal e GRAPROHAB24) e não foram devidamente executados, apresentando
pendências quanto à infraestrutura25 ou ainda, quanto à titularidade da área.
De maneira geral, pode-se afirmar que o crescimento das grandes cidades brasileiras ao longo da segunda metade do século
XX se caracterizou pela configuração de duas cidades distintas: uma cidade legal, consolidada pela implementação de
parcelamentos oficiais (legalizados) localizados, em geral, em áreas mais centrais, destinados à moradia das classes médias
e altas; e uma cidade ilegal, destinada à moradia das classes baixas, caracterizada pela implantação de loteamentos ilegais
(ou irregulares) nas porções periféricas dos municípios e pela consolidação de favelas em diversas áreas das regiões mais
centrais (D’OTTAVIANO; QUAGLIA SILVA, 2009, p. 204).
Ainda dentro desse mesmo enfoque, pode-se considerar como loteamentos clandestinos26 (privados) todos aqueles
assentamentos humanos, os quais o Poder Público competente não teve conhecimento de sua existência, ou, quando levado a seu
conhecimento, não conseguiram a aprovação devido às irregularidades no parcelamento dessas glebas27, como por exemplo: não
24
Apesar de não haver previsão na Lei Federal nº 6.766/79, no Estado de São Paulo para a anuência estadual é exigida para todas as cidades, por força Decreto
Estadual nº 33.499/91 submetam a aprovação dos novos loteamentos a GRAPROHAB - Grupo de Análise de Projetos Habitacionais.
25
O parcelamento do solo é uma das atividades urbanísticas voltadas ao ordenamento territorial e à expansão da urbe. (...) visa à formação de lotes
vocacionados à edificação para moradia, lazer, comércio, indústria ou para fins institucionais, dotados de equipamentos urbanos (redes de água, esgoto,
sistema de captação e drenagem de águas pluviais, energia domiciliar, iluminação pública, telefonia etc.) e comunitários (áreas de lazer e recreio, educação e
cultura, saúde etc.) (FREITAS, 2000. p.332).
26
“Os loteamentos clandestinos e ilegais são freqüentemente associados [...] a um quadro de ausência de cidadania, ou seja, de direitos urbanos, reservados
aos habitantes regulares, que têm acesso aos equipamentos e serviços públicos, à infra-estrutura urbana; sobre os demais despencam os mais variados
preconceitos e, apesar de esmagadoramente majoritários, são percebidos pelos cidadãos de pleno direito como potencialmente desviantes, pois estão à margem
da legalidade urbana”. (PMSP, 1990, p.90).
27
Segundo o “Registro de Imóvel. 4º ed. Editora Forense, p. 66, [...] entende-se como gleba a área de terreno que ainda não foi objeto de parcelamento urbano
regular, isto é, aprovado e registrado”. (CELESTE AMADEI; ABREU AMADEI, 2003, p.3).
54 - Regularização Fundiária Sustentável
terem seguidos os padrões urbanísticos estabelecidos pelo município, como o especificado na legislação pertinente (Plano Diretor, Lei
de Parcelamento de Solo, Lei de Uso e Ocupação do Solo, etc.).
O loteamento clandestino constitui, ainda, uma das pragas mais daninhas do urbanismo brasileiro. Loteadores parcelam
terrenos de que, não raro, não têm título de domínio, por isso não conseguem a aprovação de plano, quando se dignam
apresentá-lo à prefeitura, pois, o comum é que sequer se preocupem com essa providência, que é onerosa, inclusive porque
demanda a transferência de áreas de logradouros públicos e outras ao domínio público. Feito o loteamento, nessas condições
põem-se os lotes à venda, geralmente para pessoas de rendas modestas, que, de uma hora para outra, perdem seu terreno e
a casa que nele ergueram, também clandestinamente, porque não tinham documentos que lhes permitissem obter a
competente licença para edificar no lote (SILVA, 2006, p. 307).
Esses loteamentos, por não terem o projeto aprovado nos órgãos competentes, são impedidos de obterem os registros dos
terrenos junto ao cartório de imóveis, restringindo assim a titularidade do solo urbano (terreno) a um contrato de gaveta. Agravando
esse cenário, estes assentamentos apresentam precariedade de toda ordem, sobretudo no que se refere à implantação de
infraestrutura mínima exigida pela lei vigente, que é constituída pelos equipamentos urbanos de escoamento das águas pluviais,
esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, rede de energia elétrica pública/domiciliar e vias de circulação, dentre outros.
As moradias periféricas apresentam-se amontoadas num misto de autoconstrução e favelas, construídos em terrenos pouco
valorizados, onde se aglomera uma massa de trabalhadores misturada como o exército industrial de reserva e seus familiares
em locais cada vez mais distantes daqueles de trabalho (o que os obriga a gasto excessivos de horas de transportes, de
baldeações, diminuindo mais ainda o tempo de lazer, sem contar, evidentemente, os custos que consome o já “minguado”
salário do trabalhador), cuja tônica é a quase ou total inexistência de infra-estrutura (rede de água, luz, esgoto, limpeza
pública, asfalto, escola, pronto-socorros, hospitais, etc.) caracterizam-se como áreas de condições subumanas de moradias
(CARLOS, 2008, p.54).
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 55
Como uma das faces da informalidade urbana, têm-se as favelas,28 caracterizadas pelas ocupações espontâneas (invasões)
promovidas pela população de menor poder aquisitivo29, em vazios urbanos privados (glebas e terrenos vagos, podendo ser inclusive
em APP) ou públicos (áreas afetadas de uso comum30 ou bens de uso especial31).
A ocupação de localizações sem pagar por elas – as chamadas ‘invasões’ – tem eventualmente facilitado às classes
populares um pouco do usufruto das vantagens do privilegiado espaço produzido pela alta renda. Um pouco apenas, pois na
verdade há um preço a ser pago pelas vantagens desse espaço, um preço que tais classes não podem pagar. Elas não podem
usufruir as vantagens do sistema viário, cada vez mais produzido para o automóvel, o comércio e os serviços. Usufruem
principalmente a proximidade ao subemprego (VILLAÇA, 2001, p.225).
28
A existência de favelas, assentamentos urbanos carentes decorrentes do processo informal de ocupações coletivas [...], cortiços, conjuntos habitacionais
abandonados, ocupados, loteamentos periféricos sem equipamentos e infra-estrutura urbana, a degradação ambiental com a poluição dos rios, lagos, represas
e dos mares, a destruição das áreas verdes, e a deteriorização da qualidade de vida na cidade exige um novo paradigma para o regime de propriedade. (SAULE
JUNIOR, 1997, p.56-57).
29
Heterogenia população com renda extremamente baixa é um fenômeno “formado pelas estratégias de sobrevivência deste grupo, vivendo em sua grande
maioria em condições miseráveis, barracos e cortiços, em terrenos ocupados ilegalmente e trabalhando no chamado setor informal.” (OUTHAWAITE;
BOTTOMORE, 1996, p.785).
30
Bens de uso comum são aqueles “destinados ao uso indistinto de toda a coletividade. Podem ser de uso gratuito (ruas, praias etc.) ou remunerado (estradas,
parques etc.). Podem provir do destino natural do bem, por exemplo, rios, mares, ruas, praças, ou por lei ou ainda por ato administrativo. Mas há sempre uma
afetação ao uso coletivo, Daí a incidência do regime jurídico administrativo.” (PIRES, 2006, p.60)
31
Bens de uso especial são aqueles “destinados a uma finalidade especial, não são de uso indiscriminado da sociedade. Também podem ser de uso gratuito
(repartições públicas, aeroportos etc.) ou remunerado (museu, teatro, etc.). Há sempre, como na categoria antecedente, uma afetação ao uso da Administração.
E com isso também se justifica a subsunção ao regime jurídico administrativo.” (PIRES, 2006, p.60)
56 - Regularização Fundiária Sustentável
No Direito Civil, as pessoas que ocupam esses assentamentos detêm a posse injusta32 do imóvel, possibilitando assim que o
proprietário de direito da gleba ou terreno urbano (pessoa pública ou privada), possa recorrer ao judiciário, solicitando a reintegração
imediata da posse.
O loteamento clandestino, como no caso da favela, tem sua morfologia definida pela localização, natureza do sítio e pelas
barreiras naturais e artificiais. Duarte, Silva e Brasileiro (1996) explicam que há outros elementos que podem vir a caracterizar a
morfologia das favelas, como por exemplo:
[...] tamanho (desde o pequeno nucleamento até as grandes aglomerações); situação fundiária (áreas públicas, áreas
privadas e áreas devolutas); tempo de ocupação (recente, consolidada, em fase de consolidação); processo de ocupação
(resultante de invasão organizada ou espontânea), terminando de influir no padrão da ocupação (ordenada, irregular, linear)
(DUARTE; SILVA; BRASILEIRO, 1996, p. 45).
As feições desses assentamentos rompem a linearidade da paisagem urbana, ressaltando as diferenças entre a cidade formal
e informal.
A favela, assim como as outras interfaces da cidade, é controlada por um mercado de terras que dita regras para uso e
ocupação desses espaços, viabilizando as relações formais, ora informais, de aluguel, venda, revenda, transferência e cessão. Rolnik
(1997, p. 14) esclarece que este mercado de terra é viabilizado por uma “operação de ‘desmonte’ da legislação urbanística”, a qual,
via de regra, favorece os especuladores imobiliários, tanto no aspecto político, como financeiro. Bueno e Reydon (2006) apontam que
o Estado é responsável por esse “descontrole urbanístico” nas cidades.
32
O artigo 1.200 do Código Civil conceitua-se posse justa como sendo a posse que não é violenta, clandestina ou precária. Por essa disposição, chega-se ao
conceito de posse injusta, sendo aquela que é adquirida de forma violenta, clandestina ou precária. Segundo o Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo Francisco Eduardo Loureiro, quando tece seus comentários ao artigo 1.208, do Código Civil Comentado (Editora Manole – ed. 2007, página 1.008):
"Via de conseqüência, nos exatos termos da segunda parte deste artigo, enquanto perduram a violência e a clandestinidade, não há posse, mas simples
detenção. No momento em que cessam os mencionados ilícitos, nasce a posse, mas injusta, porque contaminada de moléstia congênita. Dizendo de outro
modo, a posse injusta, violenta ou clandestina, tem vícios ligados a sua causa ilícita. São vícios pretéritos, mas que maculam a posse mantendo o estigma da
origem. Isso porque, como acima dito, enquanto persistirem os atos violentos e clandestinos, nem posse haverá, mas mera detenção".
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 57
Os descontroles urbanísticos, promovidos pelos assentamentos das populações de baixa renda, constituíram um verdadeiro
laissez-faire, que foi instituído pelo Estado na medida em que este, até os dias atuais, não oferece um aparato institucional de
controle do solo urbano e permite que seja construído um enorme território sem seu controle (BUENO; REYDON, 2006, p.409).
Bueno e Reydon (2006, p.404) enfatizam que a contradição33 presente na atual legislação urbanística promove segregação e
a exclusão social na cidade ilegal, visto que essa “lei desobriga o estado de estender as benfeitorias públicas, já que os
assentamentos populares não obedecem à legislação”. Desse modo, em razão da conivência e omissão do Estado, os assentamentos
informais, nas suas diferentes manifestações, acaba se consolidando nas franjas da cidade, carente de infraestrutura básica,
equipamentos e serviços públicos, e o que é muito pior, intensificando a pobreza urbana.
O conceito de impacto ambiental foi definido no artigo 1º da Resolução nº 001/86 do Conselho Nacional do Meio Ambiente
(CONAMA34), ao determinar que,
33
A contradição desses dois territórios é expressa no papel estruturador que a legislação urbanística possui na organização espacial das cidades, na medida em
que legislou baseada na homogeneidade de um padrão de ocupação para as classes com mais recursos, que ocupam as áreas mais valorizadas da cidade e
estão inseridas no mercado imobiliário formal, negando os demais usos da cidade que, por não se adequarem a esse tipo de ocupação denominado na
legislação, são considerados clandestinos. (BUENO; REYDON, 2006, p.404).
34
A Resolução Conama 001/86 de 23.01.86 “estabelece as definições, as responsabilidades, os critérios básicos e as diretrizes gerais para uso e
implementação da Avaliação de Impacto Ambiental como um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente”. Disponível em:
58 - Regularização Fundiária Sustentável
Artigo 1º - Para efeito desta Resolução, considera-se impacto ambiental qualquer alteração das propriedades físicas,
químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades
humanas que, direta ou indiretamente, afetam:
I - a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
II - as atividades sociais e econômicas;
III - a biota;
IV - as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente;
V - a qualidade dos recursos ambientais.
A partir deste conceito e considerando a autonomia dos entes da federação, cabe à municipalidade determinar regras, ou seja,
leis, que possam regular os conflitos socioambientais presente nos aglomerados urbanos, principalmente aqueles referentes aos
impactos ambientais urbanos, onde segundo Coelho (2005, p.21) é “produto e processo de transformações dinâmicas e recíprocas da
natureza e da sociedade estruturada em classes sociais”, com esta preocupação o referido autor alerta que,
[...] os estudos convencionais de impactos ambientais urbanos limitaram-se a associar crescimento urbano com as
características ecológicas e renunciam à compreensão da cidade moderna (e as mudanças nas formas de produção, funções,
estruturas dinâmicas infra-estruturais e significados arquitetônicos) (COELHO, 2005, p.35).
Frente a esses apontamentos, Coelho (2005) complementa, salientando que é possível identificar outros impactos ambientais
relacionados com:
<http://www.cati.sp.gov.br/Cati/_servicos/dcaa/legislacao_ambiental/Resolu%C3%A7%C3%A3o%20CONAMA%20001_1986%20-
%20com%20altera%C3%A7%C3%A3o%20Res%20CONAMA%20011_1986.pdf>. Acesso em: 25 Abril 2011.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 59
Neste mesmo enfoque, Rogers (2001, p.18) esclarece que o crescimento veloz das cidades as transforma em “estruturas
complexas e difíceis de administrar” tornando difícil lembrar “que elas existem em primeiro lugar, e acima de tudo, para satisfazer as
necessidades humanas e sociais das comunidades”. Acselrad (1999, p.18) complementa afirmando que “o futuro das cidades
dependerá em grande parte dos conceitos constituintes do projeto de futuro construído pelos agentes relevantes na produção do
espaço urbano”.
Segundo Ferreira (2003), o ambiente urbano ou as cidades possuem um papel essencial para o equilíbrio ecológico dos
demais ambientes, uma vez que, quando esses espaços se encontram em desarmonia, o que se vê é o comprometimento da
infraestrutura, seguido da degradação da paisagem do local. Deste modo, torna-se necessário o monitoramento do crescimento
urbano, para que haja uma distribuição eqüitativa dos investimentos em infraestrutura e democratização do acesso aos serviços
urbanos, combatendo as desigualdades sócio-espaciais.
Nessa perspectiva, pode-se falar de uma visão ideológica de justiça socioambiental partilhada no ambiente urbano, que
segundo Lynch (2001) é fruto das preocupações com o meio ambiente, considerando a relação homem x natureza, onde se “[...]
redesenhar a distribuição espacial e social de fatores ambientais positivos e negativos, partilhar as responsabilidades
inevitavelmente associadas com a proteção ambiental e, talvez o mais importante, definir os loci de tomada de decisão ambiental
(LYNCH, 2001, p.57)”.
Neste contexto, Teixeira (2006, p.21) lembra que um dos maiores desafios da humanidade é de “conciliar o desenvolvimento
com a proteção e a preservação ambiental, para não inviabilizar a qualidade de vida das futuras gerações, da coletividade e o
exercício de propriedade sobre os bens ambientais.”
60 - Regularização Fundiária Sustentável
Swyngedouw (2001, p.84) considera que a cidade, a sociedade e a natureza, são representações “inseparáveis, mutuamente
integradas, infinitamente ligadas e simultâneas, responsáveis pelas “contradições, tensões e conflitos”. Segundo Braga (2003) essa
nova conjuntura apresentada por Swyngedouw (2001), faz parte da dinâmica das cidades, como por exemplo, os conflitos sócio-
ambientais oriundos do parcelamento do solo urbano.
[...] o avanço da urbanização sobre o meio natural, de maneira desordenada, tem causado a degradação progressivas das
áreas de mananciais remanescentes, com a implantação de loteamentos irregulares e a instalação de usos e índices de
ocupação incompatíveis com a capacidade de suporte do meio. O parcelamento indiscriminado do solo nas periferias urbanas
é uma das principais fontes de problemas ambientais das cidades (BRAGA, 2003, p.113).
Segundo Braga (2003, p.114-115) essas ocupações em áreas de mananciais são apenas parte do problema, pois as
“alterações decorrentes do uso do solo, como a retirada da vegetação [...] e a impermeabilização do solo [...], causam um dos
impactos humanos mais significativos no ciclo hidrológico”, como por exemplo, os problemas de drenagem urbana.
A ocupação e o uso do solo urbano de forma desordenada criaram espaços com os mais diversos problemas ambientais e,
entre tais situações, a drenagem da água pluvial está presente em quase todas as cidades brasileiras.
Para Coelho (2005, p.28), as “cidades historicamente localizaram-se às margens de rios”, onde em regra, as “inundações
continuam e vitimam as classes pobres”.
Selles et al. (2001) esclarecem que muitos córregos e rios ao longo das décadas de 80 e 90 do século XX, sofreram
modificações para se adequarem às novas configurações urbanas das cidades. O autor comenta que o sistema de drenagem urbana
foi transformado com a finalidade de acelerar o transporte das águas pluviais, pois muitas baixadas úmidas foram drenadas para o
uso agrícola ou assentamento humano e muitos rios e córregos foram retificados para a construção de estradas e vias férreas. Para
Selles et. al (2001, p.09), na “maior parte das intervenções só foram considerados os aspectos setoriais e negligenciados, os
aspectos culturais, sanitários, ecológicos, urbanísticos e paisagísticos”.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 61
Neste contexto, dentre as possíveis soluções encontradas por muitos gestores públicos, “a canalização dos córregos e rios
urbanos” tem sido a mais recorrente, pois facilita e acelera o “escoamento superficial das águas, transformando-os em meros
transportadores de efluentes municipais.” (SANTOS et. al, 2008, p.1514).
Pitton (2003, p.38) salienta que o ambiente natural, ora presente nos aglomerados urbanos, tende ao desaparecimento,
“sobrepujado pelas formas concretas de ocupação do território (rios canalizados, vegetação derrubada, solo impermeabilizado, entre
outras)”. Para Ferreira e Francisco (2003) esse fenômeno é decorrente da carência de institutos legais incapazes de responder a
demanda socioambiental presente nas cidades brasileiras.
Não é novidade a ocorrência de desastres naturais nas mais diversificadas regiões do planeta. Especificamente nos espaços
considerados como de risco, os efeitos desses eventos são, via de regra, assustadores, pois podem afetar drasticamente o
desenvolvimento de uma dada região, assim como a infraestrutura física e social e, sobretudo, a saúde humana ao tirar a esperança
e até mesmo a vida de um número cada vez maior de pessoas, quando não de toda uma comunidade. Para o Ministério da Saúde
(2002) - Programa Nacional de Vigilância em Saúde Ambiental dos Riscos Decorrentes dos Desastres Naturais, muitos são os fatores
que contribuem para esse contexto, dentre eles, podem ser apontados:
[...] as mudanças climáticas globais, o aquecimento global e uma crescente vulnerabilidade das comunidades, provocada
pela urbanização generalizada, a degradação do meio ambiente causada pelo manejo inadequado dos recursos naturais, a
contaminação ambiental, a política pública ineficiente e o baixo investimento em infra-estrutura (MINISTÉRIO DA SAÚDE,
2002, p.8).
A Política Nacional da Defesa Civil35 (MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, 2007, p.8) adota o conceito de Desastres como
sendo resultado de eventos adversos, naturais ou provocados pelo homem, incidentes em ecossistemas frágeis, “[...] causando
danos humanos, materiais e ambientais e, conseqüentes prejuízos econômicos e sociais. A intensidade de um desastre depende da
35
Constitui o conjunto de objetivos que orientam e dão forma à ação de Defesa Civil pelos governos federal, estadual e municipal, condicionando a sua
execução. Disponível em: <http://www.esdec.defesacivil.rj.gov.br/documentos/codc/slides_codc_2.pdf>. Acesso em: 25 Abril 2011.
62 - Regularização Fundiária Sustentável
interação entre a magnitude do evento adverso e a vulnerabilidade do sistema e é quantificada em função de danos e prejuízos
(MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, 2007, p.8)”.
Os desastres também podem ser conceituados como eventos que provocam ações de destruição física, penalizando um
contingente significativo de pessoas, onde também é possível registrar a comoção psíquica, que segundo Santos (1999, p.15) são
“geralmente acompanhados de perdas humanas, materiais e econômicas e transtornos nos padrões normais da vida.”
Além desses conceitos clássicos no que se refere ao tema em tela, a literatura disponibiliza várias outras conceituações, como
exemplo Santos (1999, p.15) cita um conceito fundamentado em valores ecológicos, apresentado por Lechat (1980), onde “desastre”
é definido como uma “alteração ecológica que excede a capacidade de ajuste da comunidade.” Outro conceito a ser ressaltado citado
tanto, nos estudos desenvolvidos pelo Instituto Geológico de São Paulo em obra intitulada “Desastres Naturais: conhecer para
prevenir” publicada em 2009, bem como citada na pesquisa realizada por Santos (1999), tratando das condições de “Saneamento
frente as Situações Emergenciais motivadas pelas Enchentes”, é aquele adotado pela Organização Mundial de Saúde, onde o mesmo
é conceituado como:
O conjunto de danos produzidos sobre a vida, saúde ou a economia dos habitantes de um ou vários centros povoados,
originados pela alteração do curso de fenômenos naturais ou por ação do homem em forma casual ou com o emprego de
meios destrutivos, situação que requer auxílio social. (SANTOS 1999, p.15.)
Para vários autores, dentre eles Santos (1999, p.17), “apesar de alguns desastres naturais terem sua origem nos fenômenos
provocados pela natureza”, não é possível afirmar, tão simplesmente que se constituem num “processo puramente natural, pois para
ocorrer requerem a participação ativa ou passiva do homem, que tem sido hoje em dia o grande vilão da degradação.”
O desastre é, então, o resultado de um ou mais eventos adversos sobre um espaço vulnerável que podem ser de origem
natural ou provocado pelo homem. Sua medida pode ser obtida pela observação entre a magnitude da interferência e do
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 63
evento adverso, sendo a vulnerabilidade do sistema constatada pela dimensão ou intensidade dos prejuízos ou danos
causados (SANTOS, 2007, p.18).
Neste sentido, torna-se importante ressaltar que esses eventos estão divididos em três grupos diferenciados: desastres
naturais, desastres humanos e desastres mistos (Brasil, 2007, p.41-42). Segundo dados de desastres do banco global Emergency
Events Database (EM-DAT), período 1900-2006, os desastres naturais (inundação, escorregamento, tempestade, seca, temperatura
extrema, incêndio florestal, vulcanismo, terremoto e ressaca – Figura 02) podem ocorrer em qualquer continente ou país, todavia, em
“algumas regiões são mais afetadas em função da magnitude e freqüência dos fenômenos e da vulnerabilidade do sistema social”
(MARCELINO, 2008, p. 15).
64 - Regularização Fundiária Sustentável
Figura 02 – Distribuição por continente dos desastres naturais ocorridos no globo (1900-2006).
Legenda: IN – Inundação, ES – Escorregamento, TE – Tempestade, SE – Seca, TX – Temperatura Extrema, IF – Incêndio Florestal, VU – Vulcanismo, TR –
Terremoto e RE – Ressaca.
Conforme pode ser observado na Figura 02 - Distribuição por continente dos desastres naturais ocorridos no globo (1900-
2006), a grande maioria dos desastres (mais de 70%) ocorreu em países em desenvolvimento, o que devido a fatores sociais,
econômicos e ambientais (o adensamento populacional em áreas de risco, a falta de planejamento urbano, os baixos investimentos
na saúde e educação, etc.), aumentam a vulnerabilidade diante dos fenômenos da natureza.
Segundo Marcelino (2008, p.15), no Brasil ocorreram “150 registros de desastres no período 1900-2006” (dados da EM-DAT
2007), sendo que do “total ocorrido, 84% foram computados a partir dos anos 70, demonstrando um aumento considerável de
desastres nas últimas décadas”, tendo como “conseqüência, a contabilização de 8.183 vítimas fatais e um prejuízo de
aproximadamente 10 bilhões de dólares”. Com relação à distribuição espacial, mais de 60% dos casos ocorreram nas regiões
Sudeste, Nordeste e Sul (Gráfico 01).
45
40
40
35 32
30
Percentual 25 23
20
15
10
4
5 2
0
N CO NE SE SE
No âmbito da questão, Marcelino (2008, p.17), em seus estudos, procura evidenciar que no Brasil a distribuição dos desastres
naturais “está mais associada às características geoambientais do que as socioeconômicas, uma vez que as áreas de favela, os
bolsões de pobreza e a falta de planejamento urbano estão presentes na maioria das cidades brasileiras”.
Na realidade, muitos desses eventos são decorrentes do processo de ocupação irregular em regiões de alta vulnerabilidade
ambiental. Em grande parte das situações, os próprios ocupantes ao modificarem as condições físicas do local, seja nos morros ou
nas várzeas, buscando eliminar as “inadequações naturais” acabam por realizar uma ocupação predatória, que tem, ao longo dos
anos, contribuído para a ocorrência de acidentes de diversas ordens, tais como os deslizamentos de encostas, as enchentes e
inundações.
Esses fatos são confirmados nos estudos realizados por Santos (2007), onde a autora, com base nos dados internacionais
sobre desastres, da Universidade Católica de Louvain- Bélgica, afirma que,
Segundo a base de dados internacional sobre desastres da Universidade Católica de Louvain, Bélgica, entre 2000 e 2007 mais
de 1,5 milhões de pessoas foram afetadas por algum tipo de desastre natural no Brasil. Os dados também mostram que, para
este mesmo período, ocorreram no país cerca de 36 grandes episódios de enchentes, secas, deslizamentos de terra e o
prejuízo econômico gerado por esses eventos e estimado em mais de US$ 2,5 bilhões (MAFFRA; MAZZOLA, 2007, p.10).
A ocorrência desses eventos, além de gerar vultosas somas em perdas materiais, é responsável, todos os anos, por perdas
humanas de valores incalculáveis.
A partir da compreensão de que a incidência dos desastres se dá em grande parte, em razão da existência da vulnerabilidade
das áreas de risco, onde os fenômenos são únicos e por sua vez, produzem conseqüências diversificadas, já que as áreas atingidas
possuem não apenas, contextos geográficos diferenciados, mas também políticos, econômicos, sociais, culturais, dentre outros.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 67
Nesse contexto, conforme informações do Ministério da Saúde (2002), a ocorrência dos desastres ambientais em áreas
urbanas pode afligir de modo contundente a saúde pública por inúmeros fatores, como:
a) Causar um número inesperado de mortes, ferimentos ou enfermidades, que podem exceder a capacidade de resposta dos
serviços locais de saúde;
b) Afetar os recursos humanos de saúde comprometendo o funcionamento da estrutura local de saúde;
c) Danificar ou destruir a infra-estrutura de saúde local e equipamentos podendo alterar a prestação de serviços de rotina e
ações preventivas, com graves conseqüências no curto, médio e longo prazo, em termos de morbi-mortalidade;
d) Destruir ou interromper os sistemas de produção e distribuição de água, bem como dos serviços de drenagem, limpeza
urbana e esgotamento sanitário, favorecendo ocorrência e proliferação de doenças.
e) Destruir ou interromper os serviços básicos como telecomunicações, energia, represas, subestações e meios de
transportes, aeroportos, rodovias, oleodutos e gasodutos, entre outras.
f) Provocar desastres secundários que podem destruir ou danificar instalações e fontes fixas (plantas industriais, depósitos
de substâncias químicas, comércio de agro-químicos, armazenamento em área rural) ou móveis (transporte),
ocasionando rompimentos de dutos ou lagoas de contenção de rejeitos, vazamentos de substâncias químicas ou
radioativa, oferecendo riscos à saúde humana.
g) Contaminação microbiológica devido a alagamentos de lixões e aterros sanitários.
h) Aumenta o risco de enfermidades psicológicas na população afetada.
i) Provocar a dissolução de comunidades e famílias geradas pela migração, desemprego, perda do patrimônio e mortes de
familiares.
j) Causar escassez de alimentos, provocando a redução do consumo e trazer graves conseqüências nutricionais, nos casos
de desastres prolongados;
k) Provocar movimentos populacionais, em busca de alimentos, fontes alternativas de água, emprego, entre outros, podendo
acarretar riscos epidemiológicos.
l) Aumentar a vulnerabilidade das pessoas devido a uma maior exposição às condições climáticas (MINISTÉRO DA SAÚDE,
2002, p.9).
68 - Regularização Fundiária Sustentável
O Gráfico 02 - Tipos de desastres naturais ocorridos no Brasil (1900-2006) demonstra que os tipos de desastres mais
freqüentes foram as inundações, com 59% dos registros, seguidas pelos escorregamentos (14%).
Desse modo, devido à freqüência com que têm ocorrido os eventos desta natureza, muitos estudos referentes à questão
afirmam que os mesmos, além de estarem fortemente vinculados às condições geomorfológicas da área de incidência, não podem
deixar de considerar suas relações com a vulnerabilidade social dos segmentos de menor poder aquisitivo, principalmente aqueles
residentes em assentamentos precários, via de regra, localizados em áreas de risco. Neste cenário, a vulnerabilidade social está
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 69
associada a todos os aspectos decorrentes da pobreza, que apesar de suas dimensões, tem permanecido por anos invisíveis aos
olhos do Estado e da sociedade, que passam a percebê-las somente em momentos de tragédia, como os de catástrofes.
A pesquisa de Informações Básicas Municipais - MUNIC, elaborada em 2002 e editada somente em 2005, possibilitou uma
visão bastante significativa referente à ocorrência de fenômenos ou desastres naturais no Brasil. Este estudo fez dois apontamentos
importantes: o primeiro mostrou que no país os maiores eventos registrados estão associados a inundações, escorregamentos e
erosão; o segundo evidenciou que esses processos estão intensamente relacionados aos processos de degradação de áreas
ambientalmente vulneráveis, derivadas do processo de informalidade urbana.
Os dados revelaram que cerca de 50% dos municípios brasileiros declararam ter sofrido algum tipo de alteração ambiental
nos 24 meses anteriores a pesquisa e, dentre estes, cerca de 16% sofreram com deslizamento de encosta e 19% com
inundações. Outro fenômeno enfocado é a alteração da paisagem causada pela erosão do solo, resultando em voçorocas,
ravinas e deslizamentos (capitulo V). Os dados da pesquisa mostraram também que, dos municípios que sofrem com
deslizamento de terra, 25% associam esse fenômeno a degradação de áreas protegidas e a ocupação irregular de áreas
frágeis, outros 34% atribuíram como causa o desmatamento. No caso dos municípios com problemas de inundação,
aproximadamente 25% atribuíram o fato a degradação de áreas protegidas e a ocupação irregular de áreas frágeis e 30% ao
desmatamento. Em síntese, de acordo com as informações obtidas pela MUNIC, processos como deslizamento de encostas,
inundações e erosão estão fortemente associados à degradação de áreas frágeis, potencializada pelo desmatamento e
ocupação irregular (MAFFRA; MAZZOLA, 2007, p.10).
A cidade apresenta uma dinâmica geomorfológica própria, à medida que o espaço urbano é modificado, há um impacto direto
no contexto espacial, criando uma nova dinâmica para as inter-relações urbanas, como por exemplo, o surgimento de áreas de
alagamentos e inundação.
Os rios possuem dois leitos: o leito menor, onde a água escoa na maioria do tempo e o leito maior, que é o limite da área de
inundação. Segundo Tucci (2005, p.29), as “cotas do leito maior identificam a magnitude da inundação e seu risco”, sejam estas
urbanizadas ou não (Figura 03).
70 - Regularização Fundiária Sustentável
Tucci (2005, p.29) explica que a inundação do “leito maior dos rios é um processo natural, como decorrência do ciclo
hidrológico das águas”, deste modo, quando a “população ocupa o leito maior, que são áreas de risco, os impactos são freqüentes”.
A ocupação das áreas de risco, no caso áreas de preservação permanente, é decorrente das seguintes ações:
No Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano das cidades geralmente não existe nenhuma restrição quanto à ocupação
das áreas de risco de inundação, a seqüência de anos sem enchentes é razão suficiente para que empresários
desmembrem estas áreas para ocupação urbana;
Invasão de áreas ribeirinhas, que pertencem ao poder público, pela população de baixa renda;
Ocupação de áreas de médio risco, que são atingidas com freqüência menor, mas que quando o são, sofrem prejuízos
significativos (TUCCI, 2005, p.30).
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 71
A intensa impermeabilização do solo urbano aumenta significativamente a freqüência e magnitude das enchentes,
conseqüentemente aumentando a área passível de inundação (Figura 04). A área de inundação (leito maior do rio) pode ser estimada
com base nos “históricos ocorridos e consideram as séries históricas de vazões.” (TUCCI, 2005, p.55).
Tucci (2005, p.57) explica que o controle da inundação só é obtido por uma “combinação de medidas estruturais e não-
estruturais que permita à população ribeirinha minimizar suas perdas e manter uma convivência harmônica com o rio”.
As medidas estruturais compreendem obras de engenharia urbana para intervenções diretas e indiretas no canal, como:
Execução de obras de contenção de cheias, através da construção de reservatórios de detenção, reservatórios laterais
e diques de contenção;
Intervenção direta no canal, em pontos críticos, através da implantação de uma tubulação tipo ARMCO e ovóide;
Contenção das margens do canal com as construções de muros de arrimos em solo-cimento com terra armada,
gabiões e concreto armado;
Ampliar o sistema de micro drenagem através da adequação dos números de bocas de lobos, bueiros e galerias
pluviais;
Implantação de parques horizontais ao longo da APP urbana, como suporte a sustentabilidade do ambiente urbano.
As medidas estruturais deverão estar amparadas pelas medidas não-estruturais que são todas aquelas de caráter preventivo,
seja do âmbito das Políticas Públicas e Projetos, como na elaboração de Instrumentos Jurídicos, como:
Criação do tributo sobre a permeabilidade do solo urbano (conforme a Lei Federal do Saneamento Básico de nº
11.445/2007)36;
Incentivar com benefícios tributários a adoção de sistemas de capitação de águas pluviais e de reuso da água, nas
residências, comércios e indústrias na área urbana.
No que se refere ao escorregamento, este é um dos tipos de deslizamentos que ocorrem no Brasil (Quadro 01). O
deslizamento, segundo SANTOS (2007), pode ser oriundo de causas primárias (terremotos, vulcanismo, ondas gigantes, chuvas
contínuas, oscilações térmicas, erosão e intemperismo, ausência de vegetação, interferências antrópicas, entre outras) e secundárias
(remoção de massa, sobrecarga vibração, pressão em descontinuidade do terreno, entre outras).
36
Esta Lei estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico e para a política federal de saneamento básico. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11445.htm>. Acesso em: 25 Abril 2011.
74 - Regularização Fundiária Sustentável
Dentre os vários fatores que contribuem para o deslizamento, é certo que na memória de muitas comunidades urbanas
sempre estarão presentes não apenas aqueles oriundos das águas pluviais, como também aqueles em grande parte associados aos
deslizamentos (escorregamento) de encostas. (Figuras 05, 06, 07, 08, 09 e 10).
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 75
76 - Regularização Fundiária Sustentável
A Figura 06 mostra um deslizamento de terra que atingiu Santo André, no ABC paulista, em janeiro de 2010, provocando o
óbito de 47 pessoas. A ocupação de APPs suscetíveis a deslizamentos é considerada uma prática comum nas grandes cidades e
regiões metropolitanas por população de menor poder aquisitivo. Esta prática tem se proliferado em muitas cidades, por meio de seus
diversos matizes, seja na ilegalidade, na irregularidade e na clandestinidade, dentre as causas que as justificam, se sobressai à
omissão e inoperância do Estado, o qual deveria promover não apenas acesso à moradias adequadas como o devido ordenamento do
solo urbano. No âmbito da questão, Ermínia Maricato (2011), em artigo recente publicado na revista “Revista Caros Amigos” (As
tragédias Urbanas: desconhecimento, ignorância ou cinismo? 17.01.2011), procura chamar a atenção para esse tipo de evento que,
enquanto resultado de causas naturais são inevitáveis, e em razão do aquecimento global se tornarão mais freqüentes. Na mesma
abordagem, a referida autora complementa, ao tratar severamente à problemática frente à inoperância do Estado,
Um serviço de alerta de alto padrão pode minimizar problemas como mostram exemplos de sociedades menos desiguais e que
controlam, relativamente, a ocupação do território. Mesmo no Brasil há soluções técnicas viáveis mesmo se considerarmos
essa herança histórica de ocupação informal do solo. Mas não há solução enquanto a máquina de fazer enchentes e
desmoronamentos – o processo de urbanização - não for desligada. (MARICATO, 2011).
Em 2006 o Instituto de Pesquisas Tecnológicas – IPT divulgou um levantamento a partir de notícias de jornais, onde 1.534
pessoas morreram em conseqüência de escorregamentos no Brasil (Gráfico 03).
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 77
Para diversos especialistas na matéria, dentre eles, a prof.ª Ermínia Maricato (2011), a ocorrência e freqüência dessas
tragédias se deve à explícita ausência de controle adequado do uso e ocupação do solo urbano, o que num primeiro momento parece
ser simples, se revela numa atividade altamente complexa, pois segundo a referida autora “controlar a ocupação da terra quando
grande parte da população é expulsa do campo ou atraída para as cidades, mas não cabe nela, é impossível”.
Controlar a ocupação da terra quando esta é a mola central e monopólio de um mercado socialmente excludente (restrito para
poucos, apesar da ampliação recente promovida pelos programas do Governo Federal) viciado em ganhos especulativos
desenfreados, é inviável. Os trabalhadores migrantes e seus descendentes, não encontram alternativa de assentamento
urbano senão por meio da ocupação ilegal da terra e construção precária, sem observância de qualquer lei e sem qualquer
78 - Regularização Fundiária Sustentável
conhecimento técnico de estabilidade das construções. A escala dessa produção ilegal da cidade pelos pobres (i.e. maioria
da população brasileira) raramente é mencionada. (MARICATO, 2011, s/p)
Na realidade, a ocorrência desses eventos não se constitui em fatos novos a surpreender as cidades brasileiras,
particularmente aquelas localizadas próximas a costa litorânea. Todavia, em virtude do próprio processo de urbanização, do aumento
e concentração demográfica em regiões metropolitanas, da ineficiência do Estado e sobretudo, do aquecimento global, nos últimos
anos foram registrados um número crescente de mortes decorrentes desses eventos. Essa questão tem sido discutida nos meios
acadêmicos em diversas formatações, entretanto sua publicização não tem recebido à devida importância, e o que é muito pior, não
tem recebido o enfoque adequado. A mídia leva para a pauta à ocorrência dos fatos imediatos, do ponto de vista do número de
desabrigados, do número de mortos, da superficial responsabilidade dos órgãos públicos e quando muito os prejuízos materiais.
Entretanto os efeitos oriundos desses desastres, quase nunca são tratados, sequer dimensionados ou mesmo compreendidos em
suas faces mais explícitas, tais como as condições de vida (sobrevivência) das famílias afetadas, tempo de recuperação das áreas
afetadas, eficiência e eficácia da máquina estatal frente a essas situações ficam sob uma cortina de fumaça. Para ilustrar a
questão, esta pesquisa selecionou um trecho de uma matéria veiculada pelo Jornal Nacional em janeiro de 2011, momento em que
várias cidades do Rio de Janeiro viviam o drama provocado das intensas chuvas de verão,
Região Serrana: 22 mortos. Em 2003, 36 mortes na Região Serrana, no sul e no norte do Estado do Rio. Primeiro de janeiro de
2010, Angra dos Reis: deslizamentos matam 53 pessoas. Em abril, mais 236 mortos no estado. No Morro do Bumba, em
Niterói, casas construídas onde havia um lixão foram abaixo. Só lá, 47 pessoas morreram.37
Com a finalidade de evidenciar a magnitude da questão, os dados fornecidos pela referida reportagem “Destruição causada
pelos temporais no Rio cresce nas últimas décadas” (fonte- Jornal Nacional-2011,01), foram organizados no Gráfico 04.
350
300
250
200
150
100
50
0
1966 1967 1987 1988 1996 1999 2000 2003 2010
Fonte: Jornal Nacional - Edição do dia 14.01.2011
37
Disponível em < http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2011/01/destruicao-causada-pelos-temporais-no-rio-cresce-nas-ultimas-decadas.html >
Acesso em 14.01.2011.
80 - Regularização Fundiária Sustentável
Porém, os estudos relacionados à questão, tratam o número de “mortes”, enquanto consequência imediata do evento ocorrido.
Entretanto, esta pesquisa não localizou estudos específicos referente ao número de mortes decorrentes desses eventos a médio e
longo prazo, as quais podem afetar a saúde da população de diversas maneiras. Muitas pesquisas enfocam a dimensão social-
política-econômica, outras privilegiam os aspectos jurídicos e outras os aspectos geográficos (físicos), e a delicada questão acaba,
quase sempre, não recebendo uma abordagem multidisciplinar, tão necessária para seu entendimento. Diante do atual contexto em
que têm ocorrido diversas discussões relacionadas a essa problemática, muitas marcadas por uma abordagem fragmentada, ausente
de informações específicas, que permitisse uma visão ampla e coesa, nesta pesquisa, na tentativa de buscar uma melhor
compreensão para a questão, foram introduzidos alguns esclarecimentos de ordem técnica relativos ao processo de ocupação dessas
áreas.
De modo geral, em áreas urbanas a ocupação de APP é feita a partir da retirada da cobertura vegetal. Posteriormente, é
realizado um corte na vertente para acomodação da construção. Entretanto, torna-se importante ressaltar que é justamente a
cobertura vegetal que tem a função de proteger o solo contra os processos erosivos oriundos das águas pluviais (Figura 11). Knighton
(1998, apud LELI, STEVAUX, NÓBREGA, 2010, p.45), ensina que o “impacto dos pingos da chuva caindo diretamente sobre a
superfície, sem a interferência do dossel vegetal, pode arrancar partículas do solo, deslocando-as para até 0,60 m.”
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 81
O escoamento das águas pluviais sobre a superfície da vertente (fluxo laminar), no caso da APP, ocorre quando a precipitação
excedeu a capacidade de infiltração no solo, ou ainda pela ausência da cobertura vegetal para amenizar o impacto da chuva.
No entanto, quando há formação de fluxo lateral de subsuperfície (fluxo hipodérmico), é aquele que eventualmente ressurge à
superfície (Figura 12). Segundo Leli, Stevaux, Nóbrega (2010, p.45), o fluxo hipodérmico “provoca erosão subterrânea por eluviação
por dissolução da cobertura pedológica”, sendo que na “eluviação, a intensidade de remoção das partículas finas (silte e areia muito
fina) depende da coesão de materiais e da pressão hidrostática da água percolante”, já a dissolução acontece em “ambientes
cársticos em que o substrato, formado por rochas carvonáticas (p. ex. calcário) é atravessado por água ácida”.
82 - Regularização Fundiária Sustentável
A erosão subterrânea por eluviação ou por dissolução produz formas erosivas como macroporos e tupos. Leli, Stevaux,
Nóbrega, (2010, p.47), explicam que essas formações subterrâneas contribuem para o processo erosivo, como no caso
escorregamento, sendo que este fenômeno predomina nas “vertentes mais inclinadas ou em trechos mais íngremes da vertente”.
Diante da questão em tela, as ocupações ilegais de espaços juridicamente protegidos, como áreas de interesse ambiental, têm
provocado efeitos nefastos impactando os recursos hídricos, o solo, as condições de saúde, ou seja, provocam um conflito
socioambiental de grandes proporções.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 83
Os estudos referentes ao meio ambiente iniciaram-se há algumas décadas. A primeira manifestação ocorreu em Roma, na
década de 60, ficando conhecida como o Clube de Roma. Nesse período, profissionais de diversas áreas e representantes de
diferentes países se reuniram na cidade de Roma, momento em que foi realizada uma análise, por meio da qual a sustentabilidade do
planeta se apresentou gravemente abalada, pois a demanda de recursos naturais, bem como a geração de resíduos sólidos
provenientes do crescente sistema de produção e do aumento populacional em áreas urbanizadas, apresentava-se incompatível com
a reposição dos recursos naturais e a absorção dessa produção pelo planeta.
Após este encontro, o Clube de Roma produziu uma série de relatórios de grande impacto, dentre eles, merece destaque o
documento conhecido como “Os Limites do Crescimento”, publicado em 1972, o qual desenvolveu uma análise (prognóstico)
relacionada ao futuro da humanidade, enfocando as vulnerabilidades sociais e ambientais, caso nenhuma medida econômica-política
fosse adotada. A partir desse relatório, e diante das manifestações dos anos 60, a Assembléia Geral das Nações Unidas, com intuito
de criar os fundamentos técnicos necessários ao desenvolvimento da analise da questão ambiental no mundo, visando a mobilização
e conscientização dos povos e seus governantes, promoveu a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente Humano,
congregando mais de 110 países, entre eles o Brasil, além de 250 Organizações Não-Governamentais, como também organismos
vinculados à ONU (PADILHA, 2010). Realizado em Estocolmo, na Suécia, o evento ficou conhecido popularmente como “A
Conferência de Estocolmo”, além de se constituir num referencial de reconhecimento internacional para a questão ambiental, que
segundo Padilha (2011, p.48) “pela primeira vez países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento se reuniram para discutir os
impactos no meio ambiente, decorrentes da ação humana”. Complementando a questão, a referida autora, enfatiza alguns
aspectos que justificam a importância desse evento para a questão ambiental,
Foi essa Conferência que determinou, pela primeira vez, os princípios comuns que inspirariam e guiariam os esforços dos
povos do mundo, afim de preservarem e melhorarem o meio ambiente. Pela primeira vez uma Declaração de Princípios
84 - Regularização Fundiária Sustentável
reconheceu a indissociabilidade do ser humano em relação ao ambiente, bem como sua responsabilidade sobre as
transformações nele provocadas. (PADILHA, 2010, p.48)
Nesse panorama, o tema sustentabilidade foi aprofundado na Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e
Desenvolvimento, realizada em 1974. De acordo com Ribeiro (2005), esta discussão foi consolidada com o trabalho da Comissão
Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD), instituída em 1983 pela ONU, que organizou de forma mais avançada as
definições de desenvolvimento, balizadas a partir do conceito de sustentabilidade. Conhecida também como Comissão Brundtland,
por ter sido presidida pela então Primeira Ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland, teve como principal objetivo reexaminar os
problemas críticos do meio ambiente e desenvolvimento do planeta, além de ter como exercício formular propostas realistas para
solucioná-los. O documento mais importante produzido pelo grupo integrante da Comissão, foi o relatório denominado “Nosso Futuro
Comum”38, o qual adotou a definição de desenvolvimento sustentável como “aquele que atende às necessidades do presente sem
comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem às suas próprias necessidades” (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO
AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1991, p.46). Segundo Rodrigues (1997), o termo sustentabilidade defendido pela CMMAD pode ser
compreendido a partir da
[...] gestão e administração dos recursos e serviços e orientação das mudanças tecnológicas e institucionais, no sentido de
assegurar e alcançar a contínua satisfação das necessidades humanas para as gerações presentes e futuras, dentro dos
limites da capacidade de sustentação dos sistemas ambientais (RODRIGUES, 1997, p.99).
Em 1992, na cidade do Rio de Janeiro no Brasil, aconteceu a II Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e
Desenvolvimento – CNUMAD, onde a questão ecológica foi objeto de debate público mundial, reflexo de uma consciência ambiental
38
Nosso Futuro Comum, também conhecido como Relatório Brundtland, é resultado do trabalho de uma comissão de 21 membros de diversos países que, entre
1983 e 1987, estudaram a degradação ambiental e econômica do planeta propondo soluções para os problemas detectados a partir da perspectiva do
desenvolvimento sustentável.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 85
que germinava. Neste evento foi elaborado o documento da Agenda 2139, fruto da inquietação dos participantes com a eminente
“crise ecológica.” (HOBSBAWM, 2003).
O conceito de desenvolvimento sustentável40, após a ECO-92, tornou-se um discurso fácil, enquanto objetivo desejado por
todos e, por isso politicamente adotado e reproduzido sem que avaliassem seu significado e viabilidade. Se a realidade tem provado
ser o desenvolvimento sustentável um conceito de difícil entendimento e de difícil consecução, a complexidade aumenta quando esse
conceito é inserido na problemática urbana.
Habitar é a necessidade primária e inadiável de qualquer indivíduo [...]. De fato, moradia digna é um direito fundamental
garantido pelo artigo 6 da Constituição Federal, definida no parágrafo único, do artigo 79 [...] como “aquela que dispõe de
instalações sanitárias adequadas que garantam as condições de habitabilidade, e que seja atendida por serviços públicos
essenciais, entre eles: água, esgoto, energia elétrica, iluminação pública, coleta de lixo, pavimentação e transporte coletivo,
com acesso aos equipamentos sociais básicos (CARVALHO, 2004, p.58).
39
A Agenda 21 pode ser definida como um instrumento de planejamento para a construção de cidades sustentáveis, em diferentes bases geográficas, que
concilia métodos de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica. Disponível em: <http://www.bage.rs.gov.br/agenda21/?page_id=37>. Acesso
em: 20 Abril 2011.
40
O conceito de desenvolvimento sustentável, segundo a declaração da Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente e desenvolvimento do Rio de Janeiro, em
1992, diz que “o direito ao desenvolvimento deve ser exercido de tal forma que responda eqüitativamente às necessidades de desenvolvimento e ambientais
das gerações presentes e futuras”. Disponível em:
<http://www.micromacro.tv/pdfs/saber_mas_portugues/desenvolvimento_sustentavel/40o_conceito_de_desenvolvimento_sustentavel.pdf>. Acesso em: 20
Abril 2011.
86 - Regularização Fundiária Sustentável
De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS, 1998) apud Castro (2007, p.116) o conceito de habitação
saudável relaciona-se
[...] com o território geográfico e social onde está localizada a habitação, os materiais usados para sua construção, a
segurança e qualidade dos elementos usados, o processo construtivo, a composição de seu espaço, a qualidade do seu
acabamento, o contexto periférico global [...] e a educação sanitária dos seus moradores sobre os estudos e condições de vida
saudável (OPAS, 1998 apud CASTRO, 2007, p.116).
Não apenas a literatura especializada na matéria, mas a própria prática cotidiana tem demonstrado, que um dos requisitos
para um ambiente ser considerado saudável é a existência de serviços, equipamentos e infraestrutura urbana adequada.
O conceito de ambientes saudáveis incorpora o saneamento básico, espaços físicos limpos e estruturalmente adequados e
redes de apoio para obter recintos psicossociais sanos e seguros, isentos de violência [...] (OPAS/OMS, 1998 apud CASTRO,
2007, p.117).
Nesse sentido, para a obtenção de ambientes saudáveis é essencial que exista um sistema de saneamento adequado, assim
como a construção de um entorno saudável é extremamente importante “para a formação do indivíduo num contexto de
desenvolvimento social” (CASTRO, 2007, p.117).
O acesso aos serviços urbanos de qualidade é imprescindível para a saúde da população. A salubridade41 dos domicílios tem
grande relevância e evita o surgimento e a proliferação de agentes-vetores de doenças infecto-contagiosas.
41
De acordo com Ferreira (2001),tem-se: [Do lat. salubritate.] S. f. Hig. 1. Qualidade de salubre; 2. Conjunto das condições propícias à saúde pública. Sendo
assim, considerando este "conjunto de condições", aqui entendidas como condições materiais e sociais, conclui-se que as mesmas são necessárias para se
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 87
Um espaço agradável, confortável, seguro e salubre, integrado ao entorno de forma adequada, atende as condições ideais de
habitabilidade42. Conforme Abiko (1995), no caso de habitações urbanas, estas condições também envolvem os serviços urbanos e a
infraestrutura, como abastecimento de água, coleta de esgoto e resíduos sólidos, redes de drenagem, distribuição de energia elétrica,
áreas de lazer, entre outras.
Com bases nos fundamentos adotados pelo Ministério da Saúde (1996), Westphal (1997, p.05) afirma que a promoção da
saúde pode ser entendida como um processo em que a população adquire os conhecimentos necessários, de forma a se
conscientizar da importância da busca constante dos “meios para conseguir controlar os fatores que favoreçam seu bem-estar e o da
comunidade, ou que, a podem estar pondo em risco, tornando-a vulnerável ao adoecimento e prejudicando sua qualidade de vida.”
No âmbito da questão, as populações instaladas em assentamentos precários, desprovidas de serviços e infraestrutura
urbana, estão sujeitas a diversos problemas de saúde decorrentes da poluição ambiental, do processo de degradação do ambiente,
conseqüentemente, do comprometimento de sua qualidade de vida.
Com base nos estudos realizados por Philippi Jr. e Pelicioni (2005) pode-se afirmar que grande parte dos agravos à saúde
relaciona-se à degradação ambiental, pois saúde e meio ambiente são indissociáveis, tendo em vista que as alterações deste
interferem direta e indiretamente na saúde e qualidade de vida das populações.
Em 1978 foi realizada, na URSS, a Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde Alma-Alta, a qual deu ênfase
ao fato de que a saúde deve ser considerada como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente
como a ausência de doença ou enfermidade.
Desde então, foram realizadas diversas conferências relacionadas à promoção da saúde. A 1ª Conferência Internacional de
Promoção da Saúde realizada em 1986 em Ottawa (Canadá) deu origem à Carta de Ottawa que
alcançar o estado salubre de um ambiente, ou seja, o estado propício à saúde de uma população. Disponível em: <
http://www.bvsde.paho.org/bvsacd/abes22/dvii.pdf>. Acesso em: 20 Abril 2011.
42
Habitabilidade é um termo que não se limita a unidade habitacional em sua construção. É, na verdade, um tema que abrange outras faces coletivas e
privadas, físicas, psicológicas, sociais e culturais. É um conceito complexo, que envolve muitos aspectos que afetam a qualidade da moradia, como a qualidade
da casa em termos de material de construção, área construída, divisões internas e instalações, a segurança da posse da terra, a infra-estrutura de
abastecimento de água, esgoto, drenagem, sistema viário, forma do bairro e disponibilidade de equipamentos urbanos e serviços públicos, transporte,
segurança, áreas de lazer e convivência comunitária, entre outros. Disponível em: <http://www.habitatbrasil.org.br/producao-social-do-habitat/o-que-e-
habitabilidade>. Acesso em: 10 Abril 2011.
88 - Regularização Fundiária Sustentável
[...] estabeleceu como requisitos fundamentais para a manutenção da saúde: a paz, a educação, a moradia e alimentação,
um ecossistema estável, a conservação dos recursos, a justiça social e a equidade. Isso significa que é essencial o
atendimento às necessidades humanas básicas, das quais a manutenção de um ambiente saudável é condição sine qua non
(PHILIPPI JR; PELICIONI, 2005, p. 416).
Diante do exposto, é de extrema importância a implementação de políticas publicas, por meio das quais sejam desenvolvidos
nas comunidades programas de educação ambiental, com o objetivo de conscientizar a população sobre a necessidade de criar
hábitos de higiene, voltados para o cuidado pessoal, das outras pessoas – da comunidade, e do meio ambiente.
Nesse sentido, em 1988, foi promovida a 2ª Conferência Internacional de Promoção da Saúde, onde as questões foram
desenvolvidas com a preocupação de evidenciar a necessidade e a importância de implementação das políticas públicas saudáveis,
focadas de forma integrada na saúde e meio ambiente.
Assim, tendo como tema “a criação de ambientes físicos, sociais e econômicos favoráveis a saúde, e compatíveis com o
desenvolvimento sustentado” (CASTRO, 2007, p.119), foi realizada em Sundsvall (Suécia) em 1991, a 3ª Conferência Internacional
de Promoção da Saúde.
A 4ª Conferência, realizada em Jacarta (Indonésia) em 1997, incluiu, pela primeira vez, o setor privado no apoio à promoção
da saúde.
[...] entre as suas conclusões, evidenciou-se, mais uma vez, que a saúde, direito humano fundamental, é essencial para o
desenvolvimento social e econômico de uma nação e que a pobreza é, acima de tudo, a maior ameaça à saúde, assim como a
degradação ambiental causada pelo uso irresponsável dos recursos (CASTRO, 2007, p.120).
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 89
Finalmente, a 5ª Conferência Internacional de Promoção da Saúde foi realizada na Cidade do México (México) em 2000 e
buscou agrupar e consolidar as idéias geradas nas conferências anteriores.
Certamente, a realização de todos esses eventos, assim como muitos outros estudos já desenvolvidos, procurou mobilizar a
comunidade internacional para a relevância do saneamento básico, enquanto fator primordial, não apenas para a prevenção, mas
essencialmente para a promoção da saúde pública. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), saneamento é o controle de todos
os fatores do meio físico do homem, que exercem ou podem exercer efeitos nocivos sobre o bem-estar físico, mental e social. Desse
modo, os sistemas de saneamento são formados por uma composição de serviços, obras e equipamentos, organizados com a
finalidade de proteção da saúde pública e do meio ambiente. Para Philippi Jr; Pelicione (2005), nesta composição se destacam como
atividades principais do saneamento,
Em grande parte das cidades brasileiras, um número significativo da população está exposta a condições precárias em
relação ao saneamento, fato este comprovado por pesquisas realizadas pela Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e
Ambiental (ABES) e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Em 1991, o Brasil possuía uma população de 152,3 milhões de habitantes, sendo que 77% destes viviam em áreas urbanas e
apenas 23% em áreas rurais. Do total da população brasileira, menos de 70% dos habitantes eram atendidos por sistemas
coletivos de abastecimento de água [...]. Atualmente (2004), estatísticas do Ministério da Saúde revelam que cerca de 90%
da população urbana brasileira é atendida por água potável. O déficit, ainda existente, está localizado, basicamente, nos
bolsões de pobreza, ou seja, nas favelas, nas periferias das cidades, na zona rural e no interior. [...] Com relação ao
esgotamento sanitário, os dados são ainda mais impressionantes, uma vez que, em 1995, apenas 30% da população
brasileira era atendida por redes coletoras [...]. Neste mesmo período, o volume de esgoto tratado era extremamente baixo,
com apenas 8% dos municípios apresentando unidades de tratamento (GUIMARÃES; CARVALHO; SILVA, s/a, p. 05).
Além dos problemas apontados acima, um outro problema ambiental e de saúde pública é a deficiência na coleta e a
disposição inadequada do lixo, que é lançado a céu aberto na maioria das cidades. Pesquisas revelaram ainda carências graves na
área de drenagem urbana e problemas na área de controle de vetores.
A promoção e prevenção da saúde são elementos fundamentais na busca por ambientes e indivíduos saudáveis. Assim sendo,
o atendimento dos critérios básicos estabelecidos nas normas que regulam a matéria são fundamentais para assegurar que
comunidades e ambientes sejam considerados saudáveis, como o combate à pobreza, às desigualdades sociais e à exclusão; e o
acesso aos serviços, equipamentos urbanos e infraestrutura de qualidade.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 91
A acessibilidade à saúde pública é de extrema relevância para habitabilidade urbana e do espaço habitacional e
de seu entorno. [...] para promoção de um ambiente saudável, é necessário prevenir e promover a saúde, por meio
de programas específicos voltados para a gestão de ocupações irregulares (CASTRO, 2007, p.122).
Com o objetivo de garantir a qualidade de vida, é essencial a implementação de políticas públicas voltadas para a promoção
da saúde que proporcionem o acesso aos serviços e equipamentos urbanos e à infraestrutura, principalmente no que se refere aos
sistemas de abastecimento de água; esgotamento sanitário; drenagem pluvial; resíduos sólidos, entre outros. Faz-se assim
necessário ainda considerar a salubridade como outro fator de extrema relevância para a promoção da saúde publica, principalmente
quando a questão se volta para as localidades de informalidade urbana, a Constituição Federal de 1988, Seção II – Da Saúde, Art.
196, preconiza,
Art. 196 A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais, econômicas que visem à redução
do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação (BRASIL. CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988).
Diante do contexto exposto, a saúde, na abordagem deste estudo e conforme afirma CASTRO (2007), está fortemente
vinculada
[...] ao modelo de habitabilidade urbana, às condições dos determinantes sociais, principalmente ao acesso a terra, à
habitação, à água, ao transporte público de qualidade, à energia, à tecnologia, enfim ao acesso aos serviços urbanos de
infraestrutura e equipamentos urbanos, bem como as questões ambientais (CASTRO, 2007, p. 123).
92 - Regularização Fundiária Sustentável
As dimensões social e ambiental da saúde pública são aspectos interdependentes, a partir das quais se faz necessário
compreender a saúde de forma ampla, onde o conceito adotado integre, além das doenças, conforme enfatizado nos estudos
realizados por Castro (2007, p.124) “os diversos aspectos humanos, sociais e psicossociais vinculados à cidadania, à qualidade de
vida, ao ambiente saudável, assim como a habitabilidade urbana para promoção de cidades saudáveis e sustentáveis”.
Para um possível equacionamento da questão, cabe aos gestores urbanos a implementação de ações visando à proteção do
ambiente e da saúde humana, principalmente onde há incidências de ocupações irregulares, muitas vezes com população exposta a
riscos decorrentes de atividades geradoras de impactos ao ambiente, à saúde ambiental e pública, que por sinal, tem-se avolumado
na rede urbana do país.
De acordo com Merrifield (1997 apud VILANI, 2006, p.27-28) “o ideal de justiça social é o alicerce de qualquer sociedade
democrática na qual seus cidadãos podem participar ativamente em comunidade política livre, tolerante e inclusiva.”
A justiça ambiental e a justiça social devem trilhar um mesmo caminho, com o objetivo principal de proporcionar uma
transformação no sistema econômico atual, o qual tem valorizado a propriedade privada e se submetido aos interesses exclusivos do
capital.
O equilíbrio entre os interesses sociais e econômicos e a preservação ambiental emerge como fundamental no delineamento
do novo contexto das relações humanas, orientado para o estabelecimento da dignidade da pessoa humana. Portanto, justiça
social e justiça ambiental não constituem ideais antagônicos e excludentes entre si, ao contrário, são princípios inseparáveis
na construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I, CF/88), enfim, compõem um único princípio de justiça social
e ambiental. (VILANI, 2006, p.29).
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 93
No Brasil, uma parte significativa da população sofre com a exclusão social e ambiental a que está exposta, e encontra-se
privada dos serviços básicos como água tratada, coleta de lixo e esgoto, disponibilidade de áreas verdes para recreação, além de
estar exposta aos efeitos dos processos produtivos, sejam eles prejudiciais ou não. Somam a esses fatos, a exclusão espacial, racial,
econômica, cultural, dentre outras.
Deste modo, a justiça social e a preservação ambiental não devem ser abordadas em discursos divergentes, pelo contrário,
“devem ser conjugadas em um único ideal voltado para a conservação da vida, em geral, e da dignidade da pessoa humana,
especificamente” (VILANI, 2006, p.33).
A abordagem desta questão evidencia a necessidade de tratar a problemática ambiental não somente sob o enfoque da
preservação, mas primordialmente enfocando a questão da distribuição e justiça.
Nas últimas décadas, uma das temáticas de grande relevância - como já foi dito anteriormente - e que também tem recebido
a atenção das mais diversificadas áreas é a questão ambiental. Sem dúvida, a crise ambiental que vem ao longo de décadas
afligindo a sociedade, é a protagonista do atual momento histórico. Em meio tais fatos, Ulrich Beck (1999), com base em estudos
realizados, denomina a atual sociedade como sociedade de risco. Para este autor, esta denominação advém do próprio processo de
modernidade industrial, o qual tem suas raízes em dois períodos históricos diferenciados, o primeiro, na Revolução Francesa, quando
emergem os valores ( garantias de direitos mínimos ao cidadão), que pautam o início do Estado Liberal, o segundo período no advento
da Revolução Industrial, voltada para economia capitalista, pautada por um modelo de apropriação desmedido de exploração dos
recursos naturais. Embora, no âmbito da discussão surja uma polêmica significativa em relação à teoria da sociedade de risco de
Beck (1999), Henri Acselrad (2002, p.03) a partir de estudos realizados por vários autores referentes à esta questão, afirma que
“nem os defensores da modernização ecológica, nem os teóricos da Sociedade de Risco incorporam analiticamente a diversidade
social na construção do risco e a presença de uma lógica política a orientar a distribuição desigual dos danos ambientais.” Neste
contexto, torna-se evidente a importância das discussões referentes à justiça ambiental mediante as alarmantes desigualdades
presentes nas cidades brasileiras.
A morte de uma criança de um ano de idade, ocorrida em maio de 2000 na Baixada Fluminense no Rio de Janeiro, por
intoxicação com produtos tóxicos com que brincava em um terreno baldio situado ao lado de sua casa, chamou a atenção
94 - Regularização Fundiária Sustentável
para o descalabro do lançamento descontrolado de resíduos industriais perigosos nos espaços públicos, notadamente nos
bairros habitados por população de baixa renda (ACSELRAD, 1999, p.1).
Diante da ocorrência de fatos dessa natureza, conforme afirma Henri Acselrad (1999) “tem-se aberto espaço para a discussão
mais geral sobre desigualdade social na exposição da população aos riscos ambientais em nosso país.” A evidência desses fatos tem
provocado uma preocupação em se discutir a questão do risco das tecnologias contemporâneas mediante ao atual modelo
tecnológico, seu entendimento e indulgência, e principalmente sua distribuição desigual. Nesta abordagem, as bases que
fundamentam o conceito de justiça ambiental relacionam-se às diversidades de situações e condições de risco desproporcional e
injusto, em que determinados grupos sociais estão inseridos. Desse modo, a vulnerabilidade e as variadas situações de carência
atuam como estímulo para a ocorrência de níveis discrepantes relacionados à questão da saúde entre as camadas sociais.
Dessa forma, em face do quadro de desigualdades e de injustiças socioeconômicas, assim como às inadequadas e
lamentáveis posturas do Estado no atendimento às alarmantes demandas dos grupos sociais menos favorecidos, a problemática que
envolve a justiça ambiental necessita abranger outras perspectivas, dentre as quais merecem destaques: o saneamento ambiental
em áreas urbanas, assim como a degradação dos espaços ocupados pelos assentamentos informais, visto que os impactos
decorrentes desses processos atingem sobremaneira as populações faveladas, de subúrbios e periferias urbanas, sem contar com os
moradores de áreas rurais - lavradores do campo, que são envenenados silenciosamente pelo uso e manuseio inadequados de
agrotóxicos e outros produtos químicos.
No âmbito da questão, é comum verificarmos que empreendimentos econômicos ambientalmente danosos têm sido
implantados em regiões pobres. As áreas habitadas por população carente e marginalizada concentram falta de investimentos em
infraestrutura básica, principalmente saneamento; ausência de políticas controladoras de depósitos de lixo tóxico; construção de
moradias em áreas de risco, entre outros fatores que desencadeiam más condições ambientais de vida e trabalho.
A partir deste contexto, o debate sobre a desigualdade social na exposição da população aos riscos ambientais ainda é pouco
aprofundado. No entanto, pode-se afirmar que
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 95
[...] a desigualdade ambiental é sem dúvida uma das expressões da desigualdade social que marcou a história das
cidades em do nosso país. Os pobres estão mais expostos aos riscos decorrentes da localização de suas
residências, da vulnerabilidade destas moradias a enchentes, desmoronamentos e à ação de esgotos a céu aberto
(ACSELRAD, s/a, p.01).
Para comprovar este fato, basta analisar a correlação existente entre os indicadores de pobreza e a ocorrência de doenças
relacionadas à poluição, seja ela conseqüência da falta de água tratada e esgotamento sanitário ou do lançamento de produtos
industriais.
Para designar esse fenômeno de imposição desproporcional dos riscos ambientais às populações menos dotadas de recursos
financeiros, políticos e informacionais, tem sido consagrado o termo injustiça ambiental. Como contraponto, cunhou-se a
noção de justiça ambiental para denominar um quadro de vida futuro no qual essa dimensão ambiental da injustiça social
venha a ser superada (ACSELRAD; BEZERRA; MELLO, 2009, p.09, itálico do autor).
Em meio a tais apontamentos, torna-se evidente que a degradação ambiental é um dos grandes males que acometem as
sociedades contemporâneas. Entretanto, conforme exposto acima, conclui-se que a crise ecológica não atinge todas as pessoas de
forma igualitária, pois a existência de diversas pesquisas acadêmicas, e estudos elaborados por órgãos governamentais possibilita
constatar que a maior parte dos riscos ambientais incide sobre os extratos mais empobrecidos da população e sobre os grupos
étnicos desprovidos de poder.
96 - Regularização Fundiária Sustentável
A concentração dos benefícios do desenvolvimento nas mãos de poucos, bem como a destinação desproporcional dos riscos
ambientais para os mais pobres e para os grupos étnicos mais despossuídos, permanece ausente da pauta de discussão dos
governos e das grandes corporações (ACSELRAD; BEZERRA; MELLO, 2009, p.15).
É a partir de tal conjuntura que surgem os movimentos por justiça ambiental, em contraposição ao pensamento dominante
que considera democrática a distribuição dos riscos ambientais. Estes movimentos foram criados nos EUA, na década de 80, em
virtude do clamor dos cidadãos pobres e discriminados e dos movimentos sociais em relação à sua maior exposição aos riscos
ambientais, utilizando a prerrogativa que nenhum grupo social deve suportar uma parcela desproporcional das conseqüências
ambientais negativas.
Apesar do Movimento por Justiça Ambiental ter sido criado somente na década de 1980, como fruto da união entre
movimentos que defendiam lutas de caráter social, ambiental, territorial e de direitos civis, há indícios de que “os embates contra as
condições inadequadas de saneamento, de contaminação química de locais de moradia e trabalho e de disposição indevida de lixo
tóxico e perigoso” já eram relevantes desde o final da década de 1960 (ACSELRAD; BEZERRA; MELLO, 2009, p.17). Nesse período,
algumas pesquisas já revelavam que os impactos resultantes dos acidentes ambientais encontravam-se desproporcionalmente
distribuídos em função da raça e renda da população, ou seja, a “distribuição espacial dos depósitos de resíduos químicos perigosos,
bem como a localização de indústrias muito poluentes nada tinham de aleatório: ao contrário, se sobrepunham e acompanhavam a
distribuição espacial das etnias pobres nos Estados Unidos.” (HERCULANO, 2002, p. 02).
Estudos realizados pelo próprio Movimento de Justiça Ambiental demonstraram que o fator raça encontrava-se relacionado
com a distribuição dos rejeitos perigosos de forma superior ao fator baixa renda. A partir de 1987, as ligações entre raça, pobreza e
poluição passaram a ser mais intensamente discutidas, revelando que os negros não foram os únicos alvos da localização de
depósitos de resíduos perigosos e incineradores, que atingiram inclusive comunidades latinas e reservas indígenas.
Nos anos 1970, alguns grupos ambientalistas, organizações de minorias étnicas e sindicatos se reuniram para elaborar o que
compreendiam por “questões ambientais urbanas”. Contudo, os estudos elaborados com o intuito de demonstrar a distribuição
desigual da poluição não foram suficientes para que esses grupos conseguissem obter êxito em relação à alteração desta situação.
Somente em 1982, é que o Movimento por Justiça Social, conseguiu firmar-se, a partir da luta empreendida em Afton, no Condado de
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 97
Warren, na Carolina do Norte, ou seja, “a partir de lutas [...] contra iniqüidades ambientais [...] o Movimento elevou a ‘justiça
ambiental’ à condição de questão central na luta pelos direitos civis.” (ACSELRAD; BEZERRA; MELLO, 2009, p.19).
Em 1991, os seiscentos delegados presentes na I Cúpula Nacional de Lideranças Ambientalistas de Povos de Cor aprovaram
os “17 Princípios da Justiça Ambiental”, estabelecendo uma agenda nacional para redesenhar a política ambiental dos EUA de
modo a incorporar a pauta das “minorias”, comunidades ameríndias, latinas, afro-americanas, asiático-americanas, tentando
mudar o eixo de gravidade da atividade ambientalista naquele país (ACSELRAD; BEZERRA; MELLO, 2009, p. 23).
Para enfrentar o “racismo ambiental” o Movimento por Justiça Ambiental articulou grupos comunitários, organizações e
sindicatos de trabalhadores, igrejas, acadêmicos e intelectuais, além de entidades de direitos civis visando agrupar esses direitos e
as preocupações ambientais em uma mesma agenda. O movimento intensificou o debate público sobre o assunto através de
protestos, passeatas, relatórios, entre outros com o objetivo principal de sensibilizar e instruir a comunidade.
Para Herculano (2002), a “injustiça ambiental” pode ser definida como o
[...] mecanismo pelo qual sociedades desiguais, do ponto de vista econômico e social, destinam a maior carga dos danos
ambientais do desenvolvimento às populações de baixa renda, aos grupos raciais discriminados, aos povos étnicos
tradicionais, bairros operários, às populações marginalizadas e vulneráveis. (HERCULANO, 2002, p.07)
Em contraposição,
98 - Regularização Fundiária Sustentável
A noção de justiça ambiental implica, pois, o direito a um meio ambiente seguro, sadio e produtivo para todos, onde o “meio
ambiente” é considerado em sua totalidade, incluindo suas dimensões ecológicas, físicas, construídas, sociais, políticas,
estéticas e econômicas. Refere-se, assim, às condições em que tal direito pode ser livremente exercido, preservando,
respeitando e realizando plenamente as identidades individuais e de grupo, a dignidade e a autonomia das comunidades. A
noção de justiça ambiental afirma, por outro lado, o direito de todo trabalhador a um meio ambiente de trabalho sadio e
seguro, sem que ele seja forçado a escolher entre uma vida sob risco e o desemprego. Afirma também o direito dos moradores
de estarem livres, em suas casas, dos perigos ambientais provenientes das ações físico-químicas das atividades produtivas
(ACSELRAD; BEZERRA; MELLO, 2009, p. 17).
A temática da Justiça Ambiental é de extrema importância no contexto brasileiro em função das grandes desigualdades sociais
encontradas no país. Entretanto, como já dito anteriormente, trata-se ainda de um tema pouco discutido e de difícil compreensão,
pois há pouca divulgação sobre os casos de exposição aos riscos ambientais, o que torna o problema crônico à medida que o tempo
passa. Outro fator que deve ser levado em consideração é que, devido às grandes desigualdades sociais, “a exposição desigual aos
riscos químicos fica aparentemente obscurecida e dissimulada pela extrema pobreza e as péssimas condições gerais de vida a ela
associadas” (HERCULANO, 2002, p. 03).
Os grupos sociais de menor renda, em geral, são os que têm menor acesso ao ar puro, à água potável, ao saneamento básico
e à segurança fundiária. As dinâmicas econômicas geram um processo de exclusão territorial e social, que nas cidades leva a
periferização de grande massa de trabalhadores e no campo, por falta de expectativa em obter melhores condições de vida,
leva êxodo para os grandes centros urbanos (HERCULANO, 2002, p.07).
Além das injustiças que acometeram a sociedade brasileira ao longo do tempo, como o desemprego, a ausência de prestação
de serviços públicos, entre outros, a maioria da população encontra-se exposta a riscos ambientais intensos, tanto nos locais de
moradia, de trabalho ou nos ambientes que freqüenta e circula. Estes riscos são decorrentes de substâncias consideradas perigosas,
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 99
da ausência de saneamento básico, da construção de moradias em locais sujeitos a deslizamentos, a enchentes ou nas proximidades
de depósitos de lixo, entre muitos outros casos.
Os vazamentos e acidentes na indústria petrolífera e química, a morte de rios, lagos e baías, as doenças e mortes causadas
pelo uso de agrotóxicos e outros poluentes, a expulsão das comunidades tradicionais pela destruição dos seus locais de vida e
trabalho, tudo isso, e muito mais, configura uma situação constante de injustiça sócio-ambiental no Brasil, que vão além da
problemática de localização de depósitos de rejeitos químicos e de incineradores da experiência norte-americana
(HERCULANO, 2002, p.04).
Em 1998, representantes do Movimento de Justiça Ambiental dos EUA procuraram difundir suas experiências no Brasil. Após
diversos debates sobre o assunto, foi realizado em 2001, em Niterói, o Seminário Internacional Justiça Ambiental e Cidadania, o qual
deu origem à Rede Brasileira de Justiça Ambiental – RBJA. A partir de então, o conceito de Justiça Ambiental passou a ser entendido
como,
[...] um conjunto de princípios que asseguram que nenhum grupo social, seja ele étnico, racial ou de classe, suporte uma
parcela desproporcional das conseqüências ambientais negativas de operações econômicas, decisões de políticas e
programas federais, estaduais, locais, assim como da ausência ou omissão de tais políticas (ACSELRAD; BEZERRA; MELLO,
2009, p.41).
Neste contexto, muitas entidades vêm desenvolvendo campanhas ambientais articuladas às lutas por justiça social. A Rede
Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA) foi criada com o objetivo de obter maior adesão às lutas sociais dentro do movimento sindical,
e como mecanismo de resistência à liberdade que os capitais globalizados possuem de localizar seus investimentos no espaço
mundial, destruindo direitos e desfazendo normas ambientais.
100 - Regularização Fundiária Sustentável
Para Acselrad (2002) há dois obstáculos que dificultam o maior engajamento do movimento sindical em lutas ambientais.
O primeiro é a prevalência, no debate público, de uma visão economicista da questão ambiental, ou seja, aquela que reduz o
problema do meio ambiente ao da ameaça de escassez de materiais e energia necessários para o desenvolvimento. [...] O
segundo obstáculo reside na capacidade das empresas sujeitarem seus trabalhadores à chantagem do desemprego.
Freqüentemente, quando confrontados a uma pressão pela eliminação de políticas poluentes, os representantes empresariais
alegam que se assim o fizerem, provocarão desemprego. Partem, então, para a tentativa de persuadir a sociedade e os
próprios trabalhadores de que a contaminação ambiental é inevitável. Segundo este tipo de discurso empresarial, a sociedade
seria obrigada a escolher entre ter empregos em processos poluentes ou perder empregos (ACSELRAD, 2002, p. 01-02).
Para o autor, esse discurso adotado pelo setor produtivo-empresarial tem como objetivo persuadir e pressionar os
trabalhadores para que pareça natural, a aliança entre estes e seus patrões, visando à revogação dos direitos sociais e a dissolução
de normas ambientais.
Contudo, apesar do enorme potencial político do movimento brasileiro pela justiça ambiental, e apesar da luta de tantas
entidades de classe e movimentos sociais em favor de um país justo e decente, “o sentido de cidadania e de direitos [...] ainda
encontra um espaço relativamente pequeno na nossa sociedade”, gerando reflexos no campo ambiental (HERCULANO, 2002, p.04).
No Brasil, ainda são recentes as pesquisas que visam avaliar e gerar indicadores sobre a “coincidência” existente entre áreas
de degradação ambiental inseridas em locais onde residem os grupos sociais de menor renda. No entanto, pode-se notar o crescente
engajamento de acadêmicos e técnicos dos órgãos de pesquisa governamentais em realizar análises que evidenciem a desigualdade
ambiental existente.
De acordo com Acselrad, Bezerra e Mello (2009), inúmeros mecanismos dão origem à situação de acúmulo entre pobreza e
risco urbano, dentre os quais se destacam desde o mercado de terras – que torna as áreas de risco ambiental as únicas acessíveis a
grupos de menor renda – até as ações do poder público e de produtores privados do urbano.
Apesar de ter avançado significativamente, a produção de indicadores de injustiça ambiental está aquém das expectativas,
tendo em vista que os dados, segundo os autores acima citados, ainda estão muito concentrados em riscos associados a
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 101
deslizamentos de encostas, soterramento, saneamento básico, alocação de empresas poluentes e resíduos tóxicos. Por outro lado,
com base nas pesquisas e estudos até então realizados é possível afirmar que existe uma significativa relação entre domicílios e
famílias que se encontram expostos a riscos ambientais e as más condições de moradia e habitabilidade, ou a má qualidade
ambiental do domicílio. Portanto, pode-se concluir que as lutas dos movimentos por moradia têm uma forte relação com as questões
ambientais.
Em continuidade à discussão, por meio dos trabalhos desenvolvidos com o objetivo de analisar a qualidade ambiental de
determinadas áreas, nota-se que os locais que apresentam piores índices estão desprovidos da maior parte dos serviços públicos e
são habitados por população de menor renda. “Apenas as áreas com péssimas condições ambientais são acessíveis à população
mais pobre, freqüentemente em favelas”(ACSELRAD; BEZERRA; MELLO, 2009, p.69).
A desigualdade ambiental pode manifestar-se sob a forma de proteção ambiental desigual ou de acesso desigual aos recursos
ambientais. A primeira ocorre quando a implementação de políticas ambientais acarreta riscos desproporcionais para a população
mais carente; pois se a sociedade é exposta aos males ambientais em diferentes graus, este fato não é conseqüência de nenhuma
condição natural ou determinação geográfica como se costuma afirmar, mas de processos políticos e/ou sociais que resultam na
distribuição desigual das formas de proteção ambiental.
Associado à mobilização da população marginalizada, que vem lutando por seus direitos, o ambientalismo brasileiro encontra
um grande potencial para expandir o seu alcance social. Os movimentos sociais, populares e sindicais também devem incorporar a
dimensão ambiental em sua luta, de forma que todas as batalhas integrem uma única luta por “democracia, pelo bem comum e pela
sustentabilidade” (HERCULANO, 2002, p. 04).
Devido às contrariedades e conflitos de interesses presentes no ordenamento urbano, os princípios jurídicos tornam-se o
marco referencial para promoção da justiça social e ambiental neste espaço.
102 - Regularização Fundiária Sustentável
O direito urbanístico como ciência jurídica busca o “conhecimento sistematizado” das normas e princípios para regular a
“atividade do Poder Público destinado a ordenar os espaços habitáveis” (SILVA, 2008, p.37).
Nesta seara, serão indispensáveis para interpretação, integração e efetivação das normas urbanísticas, onde não apenas o
operador do direito, mas também aqueles que trabalham e estudam a questão urbana, seja por meio da concepção ou dos processos
de implementação de políticas públicas, possam vislumbrar a existência de princípios constitucionais explícitos gerais, explícitos
específicos e os implícitos - decorrentes daqueles, informadores do Direito Urbanístico.
O professor Silva (2001, p.639) explica que os princípios são como “normas elementares”, ou seja, institutos que constituem
a base (alicerce) do direito, pois sua natureza “revela o conjunto de regras ou preceitos, que se fixam para servir de norma a toda
espécie e ação jurídica, traçando, assim, a conduta a ser tida em qualquer operação jurídica”. Neste sentido, “mostram-se a própria
razão fundamental de ser das coisas jurídicas, convertendo-as em perfeitos axiomas [...] significam os pontos básicos, que servem
de ponto de partida ou de elementos vitais do próprio Direito”. Nesta mesma corrente, Reale (1991) complementa afirmando que, na
análise do caso concreto, os princípios permitem uma análise crítica da ordem prática de caráter operacional.
Neste sentido, Carrió (1970) comenta que os princípios representam a base da formação do direito positivo, onde o
[...] principio encarna el más alto sentido de una ley o institución de Derecho, el motivo dominante, la razón informadora del
Derecho [ratio juris], aquella idea cardinal bajo la que se cobijan y por la que se explican los preceptos particulares, a tal
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 103
punto, que éstos se hallan com aquélla em la propia relación lógica que la consecuencia al principio de donde se
derivan (CARRIÓ, 1970, p. 33).
Deste modo, Carraza (1995, p.29) comenta que princípio jurídico é um “enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua
grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do Direito”, permitindo assim a vinculação “de modo
inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam”. Assim, Bastos (2000, p.55-56) esclarece
que os princípios são marcos referenciais para aplicação da norma, pois caso haja “pluralidade de significações possíveis para a
norma, deve-se escolher aquela que a coloca em consonância com o princípio”. Bonavides (2001, p.229) acrescenta que os
“princípios são verdades objetivas, nem sempre pertencentes ao mundo do ser, senão do dever-ser, na qualidade de normas
jurídicas, dotadas de vigência, validez e obrigatoriedade”.
Nesta lógica, a tutela do ambiente urbano não deve ser vinculada unicamente ao dispositivo normativo sem que haja prévia
análise dos princípios, sejam estes, primeiramente da Constituição, e em seguida, os presentes no Direito à Cidade, Direito
Ambiental, Direito Administrativo, Direito Tributário, entre outros.
A análise dos princípios no caso concreto permite que o administrador do direito, e essencialmente o gestor urbano possa
realizar uma leitura extensiva das demandas sociais e ambientais presentes nos assentamentos humanos, considerando que a
cidade deve ser ordenada de modo que haja a predominância do interesse comum.
Deste modo, os princípios tornam-se ferramentas importantes para a aplicabilidade das normas recorrentes do direito
urbanístico, permitindo assim promoção das funções sociais e ambientais do solo urbano de modo a assegurar a defesa dos
interesses coletivos e difusos.
Deste modo, não é possível pensar no ordenamento das cidades de forma isolada dos demais institutos jurídicos do direito,
pois é nesses núcleos urbanos onde as demandas sociais e ambientais são cristalizadas ou mais latentes, visto a complexidade de
suas dinâmicas. Assim, a observação e atendimento aos princípios, enquanto mecanismos balizadores das normas urbanísticas
abrem caminhos para que as cidades possam ser espaços mais justos e eqüitativos, de modo a promover a qualidade de vida e a
qualidade ambiental urbana.
104 - Regularização Fundiária Sustentável
O direito urbanístico é fundamentado nos princípios constitucionais, considerando que estes resguardam os valores
fundamentais da ordem jurídica, a exemplo, a consagração do princípio da dignidade da pessoa humana, enquanto espinha dorsal da
Constituição Federal de 1988. Mello (2000) explica que os princípios constitucionais são
[...] mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce deste, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes
normas comparando-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a
lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico (MELLO, 2000, p.68).
Assim, considerando a “lógica” e “racionalidade” apresentada por Mello (2000), um princípio estará sempre relacionado com
outros princípios. Nesta mesma corrente, Espíndola (2002) explica que este fenômeno só é possível devido ao grau de abstração
presente nos princípios, que permitem o balanceamento de valores e interesses, ao contrário das normas que devem cumprir a exata
medida de suas prescrições.
[...] é uma tendência predominante no Direito Constitucional brasileiro, e, ao que parece, no Direito Constitucional
contemporâneo também: falar de princípios em termos estruturantes – dos princípios mais abertos aos mais densos,
chegando-se ao patamar normativo das regras, reconduzindo-se, em via de retorno destas, progressiva e sucessivamente, até
os princípios mais abstratos (de maior estrutura e de menos densidade). Essa concepção reforça, como se pode deduzir, a
idéia de normatividade dos princípios constitucionais, ao emprestar-lhe um sentido articulado-estruturante, [...] já que torna
mais plausível a compreensão, a interpretação e a aplicação dos princípios de maior abertura pelos princípios de maior
densidade e pelas regras constitucionais (ESPÍNDOLA, 2002, p. 185).
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 105
Neste contexto, ressaltam-se os princípios fundamentais presentes no texto constitucional de 1988, os quais são balizadores
de todo o sistema normativo brasileiro, sendo que na pertinência do direito urbanístico os princípios fundamentais são tidos como
pilares estruturantes para promoção da justiça social e ambiental, assegurando assim o direito à cidade. Do extenso rol dos
princípios consagrados, em razão do enfoque analítico definido por esta pesquisa, foram ressaltados os princípios da cidadania,
dignidade da pessoa humana, da função social da cidade, da função social da propriedade, da legalidade, da soberania, do
desenvolvimento sustentável, do fundamento do Estado Democrático de Direito, dentre outros.
Os princípios supranormativos são aqueles utilizados na base analítica do ordenamento, os quais são invocados quando a
lógica do próprio ordenamento jurídico não consegue resolver suas contradições internas. Para Reale (1991), estes princípios são
tidos como os de ordem geral, com a incumbência de suprir lacunas do direito.
O legislador, por conseguinte, é o primeiro a reconhecer que o sistema de leis não é suscetível de cobrir todo o campo da
experiência humana, restando sempre grande número de situações imprevistas, algo que era impossível ser vislumbrado
sequer pelo legislador no momento da feitura da lei. Para essas lacunas há a possibilidade do recurso aos princípios gerais do
direito, mas é necessário advertir que a estes não cabe apenas a tarefa de preencher ou suprir as lacunas da legislação
(REALE, 1991. p.300).
106 - Regularização Fundiária Sustentável
Os princípios supranormativos são empregados para resolver os problemas gerados dentro do próprio ordenamento, quando os
mecanismos positivados existentes tornaram-se ineficientes na solução das antinomias presentes no sistema.
No direito urbanístico, estes princípios permitem a apropriação de valores que venham a assegurar o combate dos quadros de
pobreza presente em muitas cidades do país, por meio da promoção da dignidade da pessoa humana, a exemplo do princípio da
viabilidade, da fidelidade, da homogeneidade institucional, da justiça e necessidade.
A Carta Mundial do Direito à Cidade se constitui num documento de extrema relevância em face da nova abordagem dada ao
conceito de cidade assim também como inovou ao definir uma nova leitura para o conceito de cidadãos da cidade. Mas adiante, esse
documento de reconhecimento internacional sacramenta os princípios do direito à cidade, onde são defendidos a urgência de
implementação da cidade democrática, justa, eqüitativa e sustentável, a partir do exercício pleno e universal de todos os direitos:
econômicos, sociais, culturais, civis e políticos previstos em Pactos e Convenções Internacionais de Direitos Humanos.
A carta mundial do direito à cidade é um instrumento dirigido a contribuir com as lutas urbanas e com o processo de
reconhecimento no sistema internacional dos direitos humanos do direito à cidade. O direito à cidade se define como o
usufruto eqüitativo das cidades dentro dos princípios da sustentabilidade e da justiça social. Entendido como o direito coletivo
dos habitantes das cidades em especial dos grupos vulneráveis e desfavorecidos, que se conferem legitimidade de ação e de
organização, baseado nos usos e costumes, com o objetivo de alcançar o pleno exercício do direito a um padrão de vida
adequado (CARTA MUNDIAL DO DIREITO À CIDADE, s/ p.).
Saule Junior (2007, p.38) enfatiza que “a concepção do direito a cidade presente na Carta é do reconhecimento de um direito
emergente das pessoas que vivem em cidades”, dentre eles, o combate à miséria. Como alternativa este Diploma, recomenda a
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 107
“justa distribuição dos benefícios e ônus do processo de urbanização; a distribuição da renda urbana, a democratização do acesso a
terra e dos serviços públicos para a população pobre”.
Assim, tendo por fundamento os princípios dos direitos humanos internacionais foram definidas um conjunto de ações
propositivas a serem efetivadas pelos governos nacionais, visando a promoção do direito à cidade. Com esta preocupação, no sentido
de buscar caminhos que possibilitem a amenização dos quadros de intensas desigualdades presente nas mais diversas cidades, a
Carta Mundial do Direito à Cidade (s/p) elegeu os seguintes princípios: princípio da função social da cidade e da propriedade,
princípio da igualdade, não discriminação; princípio da proteção especial de grupos e pessoas vulneráveis; princípio do compromisso
social do setor privado; princípio do exercício pleno a cidadania e a gestão democrática à cidade; e o princípio do impulso à economia
solidária e à políticas impositivas e progressivas.
Os princípios informativos do direito urbanístico têm como função auxiliar na interpretação das normativas que regulam o
espaço urbano, dentre eles destacam-se: Princípio da Coesão Dinâmica; Princípio da Cooperação; Princípio da Descentralização;
Princípio da Função Pública; Princípio da Gestão Democrática da Cidade; Princípio da Indisponibilidade do Interesse Público; Princípio
da repartição dos ônus e distribuição de benefícios; Princípio da Primazia Social; e o Princípio da Sustentabilidade.
A proteção ambiental é um direito de todos, ao mesmo tempo, é uma obrigação para todos (art. 225, Constituição Federal de
1988). Isto demonstra a natureza pública deste bem, o que leva a sua proteção a obedecer ao princípio de prevalência do interesse
108 - Regularização Fundiária Sustentável
da coletividade, ou seja, do interesse público sobre o privado na questão de proteção ambiental. Assim, esta pesquisa busca uma
aproximação com os princípios do direito ambiental, com fim de auxiliar a diluir os desacertos presentes no ambiente urbano providos
pelas intervenções antrópicas.
Dentro das proposituras apresentadas, foram utilizados como base analítica para a realização desta pesquisa os seguintes
princípios: Princípio da Educação Ambiental; Princípio da Precaução; Princípio da Prevenção; Princípio do Direito à Sadia Qualidade
de Vida; e o Princípio do Poluidor-pagador.
O processo de urbanização das cidades e conseqüentemente da sociedade tem sido objeto de estudos freqüentes, e o controle
desse processo é o objetivo principal das políticas de planejamento urbano.
“O planejamento revela o direcionamento, antecipa o futuro para o momento presente. Com o planejamento fica mais fácil
saber onde se pode e se quer chegar”. (BERNARDI, 2007, p.358)
As palavras de Bernardi (2007) reforçam a idéia de que, a partir do planejamento, muitas situações podem ser previstas e os
resultados podem ser conhecidos e quantificados. Para Coulanges (1957, p.197-198) apud Bernardi (2007, p.358) “planejar significa
estabelecer objetivos, indicar diretrizes, estudar programas, escolher meios mais adequados a uma realização e traçar a atuação do
governo, consolidadas as alternativas possíveis”.
Um exemplo claro da utilização do planejamento como ferramenta para a constituição de cidades é o que ocorria no passado
com as urbes, cuja fundação era concretizada em uma única etapa em decorrência de sua formação ser resultado de um importante
processo de planejamento.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 109
Havia o cuidado por parte do fundador da urbe em escolher o local da nova cidade, de acordo com os desejos dos deuses, e a
sua edificação era constituída por um ritual que compreendia aspectos como o local onde se colocava o fogo sagrado, onde
ficava o lar, bem como aqueles relacionados ao entorno do qual a urbe deveria ser erigida. (BERNARDI, 2007, p. 358).
Algumas cidades brasileiras como São Vicente (1532) e Salvador (1549) foram fundadas a partir de um processo de
planejamento que, muitas vezes, contava com a presença de equipes de arquitetos, agrimensores, carpinteiros, pedreiros e outros
profissionais, fato este que contrapõe a afirmação de que as primeiras cidades brasileiras surgiram sem nenhum tipo de
planejamento, ou seja, de maneira espontânea.
Com o início da era industrial e o desenvolvimento da economia capitalista, o crescimento desordenado das cidades agravou-
se em função da intensa migração campo-cidade. Em decorrência desses fatos, há uma busca constante por meios de controle do
crescimento urbano e surgem “as primeiras iniciativas de planejamento urbano” exigindo “do poder público a proposição de
procedimentos e normas voltados para a organização do espaço urbano”. (PEREIRA, 2002, p.137)
O objetivo primordial do Planejamento Urbano era proporcionar a melhoria das condições sanitárias nas áreas residenciais
urbanas, pois segundo Pereira (2002, p.137) “a cidade era vista como um mal em si, gerador de deterioração ‘física e moral’ dos
habitantes, associada à desordem do entorno físico, tráfego, acesso e condições de moradia”.
A legislação inicialmente elaborada determinava as ações imediatas para proporcionar a melhoria das condições de vida, pois
o crescimento acelerado das cidades trouxe sérios problemas como falta de saneamento e insalubridade.
O processo de urbanização, engendrado por agentes sociais que produzem e consomem espaço, seja como resultado da
acumulação capitalista ou de processos sociais distintos tem provocado desde a origem das cidades desastrosos impactos ao
meio ambiente. A intensificação desse processo proporcionou um quadro urbano atual marcado pela existência de
assentamentos humanos precários, e um comprometimento ambiental que provocam graus crescentes de deterioração da
qualidade de vida. Enchentes, erosões, deslizamentos, poluição das águas e do ar, bem como a diminuição da cobertura
vegetal, atingem o cotidiano da população, afetando diferencialmente os setores mais pobres. (GOULART, 2005, p. 6586)
110 - Regularização Fundiária Sustentável
A partir do início do século XX o planejamento urbano passou a buscar, além da melhoria das condições sanitárias, a melhoria
dos atrativos urbanos. “Ao conceito de cidade sadia foi acrescentado o de cidade bela, realizando-se grandes projetos de
remodelação da paisagem urbana, baseados em critérios de qualidade estética.” (PEREIRA, 2002, p.138, negrito do autor).
A primeira visão de planejamento urbano a partir dos planos diretores implantados em meados do século XX possuía forte
caráter de ordenamento e disciplinamento do solo urbano, em contraposição à visão atual que se tem a respeito do Plano Diretor,
mais abrangente por englobar, além dos aspectos físico-territoriais, aqueles relacionados ao desenvolvimento socioeconômico. Este
fato explica a denominação “Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado – PDDI”.
Dessa forma, os problemas urbanos, considerados sob o aspecto técnico e científico, teriam objetividade e poderiam ser
traduzidos em normas que seriam aplicadas em reformulações das áreas urbanizadas.
A partir da década de 60 as práticas de planejamento urbano foram integradas à política e às condições do espaço físico e
passaram a ser consideradas como manifestações de problemas sociais e econômicos. Diante de tais apontamentos, o planejamento
passa a ter como objetivo “o ‘bem estar da população’, traduzido como eficiência dos serviços públicos, e assumiu um caráter
centralizador voltado para o atendimento dos conflitos urbanos entre os diversos agentes reconhecidos como ‘construtores da
cidade’.” (PEREIRA, 2002, p.138).
Posteriormente, durante as décadas de 1960 e 1970, o planejamento urbano passa a abranger questões metropolitanas, como
estratégias de intervenção voltadas ao transporte e equipamentos públicos os quais, de acordo com Pereira (2002), induziam o
crescimento e proporcionavam melhoria na qualidade de vida urbana43. Conforme Goulart (2005, p.6589), pode-se identificar no
Brasil, nos anos 70, um novo paradigma de planejamento urbano, no qual “o caráter político do processo de planejamento é
43
A qualidade de vida urbana é assegurada pelo princípio do direito à sadia qualidade de vida se atrela ao princípio da ubiqüidade, onde segundo Fiorillo (2009,
p. 60) está localizado no “epicentro dos direitos humanos” e é o “ponto cardeal de tutela constitucional a vida e a qualidade de vida”. Neste sentido a
aplicabilidade deste princípio garantirá aos seres humanos o seu direito à vida com qualidade em conjugação com o estado de salubridade e uso adequado dos
elementos da natureza, como água, solo, ar, flora, fauna e paisagem. Deste modo, o princípio do direito à sadia qualidade de vida visa à garantia de um meio
ambiente equilibrado, como um bem jurídico universalmente tutelado, de forma a preservar a vida e a sua qualidade. A sadia qualidade de vida em cidades
deve ser tida como marco norteador de todas as políticas urbanas, assegurando que todos os munícipes usufruam dos benefícios oriundos do processo de
urbanização.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 111
assumido de maneira explícita e positiva, sendo o urbano reconhecido como um espaço de luta no qual se defrontam interesses
divergentes ou mesmo antagônicos”.
Na década de 80 o planejamento teve seu foco voltado para a gestão urbana e para o governo municipal. Muitas das
discussões giraram em torno dos novos agentes participantes do processo de planejamento urbano, ou seja, os movimentos sociais,
e da capacidade de articulação desses grupos visando atingir a melhoria da qualidade de vida nas cidades. No entanto, o início da
década de 90 foi caracterizado pela crise que afetou esses movimentos.
Desse modo, em repostas a tais questões o Estatuto da Cidade reconheceu, de forma inédita à importância do planejamento,
ao estabelecer que, as ações de ordem urbanística deverão atender o princípio do planejamento em conformidade com o disposto no
artigo 2º, inciso IV, o qual define como diretriz geral,
[...] o planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do
Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus
efeitos negativos sobre o meio ambiente. (BARROS, CARVALHO, MONTANDON, 2010, p. 92)
Neste contexto, o Estatuto da cidade, contemplou normas que deverão ser cuidadosamente atendidas pelo ente municipal com
o intuito de efetivar a política de desenvolvimento urbano. Assim, no capítulo II, seção I, art.4º (incisos I a III), foram estabelecidos os
instrumentos da política urbana, onde o planejamento passou a ser estruturado de forma a permitir sua implementação em função
das diferentes escalas territoriais,
Art. 4º Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos:
I – planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social;
II – planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões;
III – planejamento municipal, em especial.
(BARROS, CARVALHO, MONTANDON, 2010, p. 94)
112 - Regularização Fundiária Sustentável
Certamente, este artigo evidencia a preocupação do legislador, em criar um amplo leque de mecanismos visando
instrumentalizar o poder público local, de forma que o mesmo esteja apto à implementar a política de desenvolvimento urbano à luz
do princípio da função social da propriedade urbana, como estratégias para o alcance do direito à cidade. Embora fique explícito o
cuidado com a política urbana, onde a mesma deva ser tratada dentro de um planejamento amplo, de forma que a questão urbana
seja pensada a partir dos planos integrados de ordenamento do território em escala nacional, estadual, regional, metropolitana e
intermunicipal, o foco central do planejamento passa a ser a abordagem da cidade na escala metropolitana e sua inserção no espaço
econômico regional e mundial. Neste contexto, emergem os planos estratégicos “que propõem atuações em âmbitos regionais, a
partir da identificação das potencialidades municipais e regionais e da incorporação de projetos e realizações de empreendimentos
urbanos de grande magnitude e alto impacto sobre a imagem da cidade”, objetivando primordialmente a melhoria da qualidade de
vida (PEREIRA, 2002, p.139). É relevante nesse período a inserção da temática do meio ambiente no planejamento urbano.
Diante do exposto, pode-se constatar que a preocupação principal do planejamento urbano sempre esteve vinculada à busca
da melhoria da qualidade de vida, articulada à qualidade do meio urbano. Segundo Pereira (2002, p.139), “para atender a esse
objetivo, a ação do planejamento têm-se voltado para intervenções em situações físicas concretas, definindo-se padrões e
parâmetros técnicos adequados para a obtenção dessa qualidade.”
Nas cidades, a busca pela qualidade de vida têm orientado a elaboração e implantação de políticas públicas objetivando o
bem-estar coletivo. Todavia, não somente administradores públicos, mas também pesquisadores de diversas áreas têm encontrado
grande dificuldade em definir o que vem a ser qualidade de vida, devido ao caráter subjetivo do conceito, o qual está estritamente
relacionado com o atendimento das necessidades humanas, frente ao contexto sociocultural e econômico em que o indivíduo esteja
inserido.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 113
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), conceitua-se qualidade de vida como “a percepção do indivíduo sobre a sua
posição na vida, no contexto da cultura e dos sistemas de valores nos quais ele vive, e em relação a seus objetivos, expectativas,
padrões e preocupações.” (THE WHOQOL GROUP, 1995 p.1405).
Para Santos e Martins (2002), o conceito de qualidade de vida pode ser pensado a partir de três aspectos: o primeiro está
relacionado com as necessidades do indivíduo (materiais, sociais, culturais, etc.); o segundo considera os aspectos individuais e
coletivos quanto à distribuição de renda, organização familiar e realização pessoal; e o terceiro distingue aspectos objetivos e
subjetivos do indivíduo ao determinar qualidade de vida.
A qualidade de vida no ambiente urbano é abarcada pelo Texto Constitucional de 1988 ao estabelecer como fundamento do
Estado Democrático de Direito o princípio da dignidade da pessoa humana, (Inciso III, do Art. 1º), objetivando, entre outros, a redução
da desigualdade social (Inciso III, do Art. 3º), seja nas diretrizes da Política de Desenvolvimento Urbano (Art. 182) ou nos
pressupostos do Art. 225 que determina o meio ambiente, ora urbano, ou não, como um “bem de uso comum do povo e essencial à
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações [...], e ainda incumbe ao Poder Público assegurar a efetividade desse direito (Art. 225, §1°).
Jesus e Braga (2005, p.208) afirmam que qualidade ambiental “[...] está intimamente ligada à qualidade de vida, pois vida e
meio ambiente são inseparáveis. Há uma interação e um equilíbrio entre ambos que varia de escala em tempo e lugar.”
Essa interação entre qualidade de vida e qualidade ambiental apontada por Jesus e Braga (2005), passa a ser mais
evidenciada ao se restringir o objeto de estudo à qualidade ambiental urbana. Por esta razão, depara-se com a problemática em
determinar o que é qualidade de vida e o que vem a ser qualidade ambiental urbana, em razão da dificuldade de se estabelecer onde
começa uma e onde termina a outra.
Segundo Ribeiro e Vargas (2004, p.13-15) a definição de qualidade ambiental urbana “envolve uma série de questões de
cunho subjetivo, político e ético”, bem como está ligado a dois outros conceitos: o de “ecossistema urbano”44 e o de “qualidade de
vida”, desse modo destacam e apontam alguns fatores que interferem na definição da qualidade ambiental urbana (Quadro 02).
44
Para Ribeiro e Vargas (2004, p.15), “o ecossistema urbano é um sistema complexo cujos elementos e funções estão estreitamente correlacionados. Como nos
ecossistemas naturais, um ecossistema urbano transforma energia (trabalho humano, capital, energia fóssil etc.) e materiais (madeira, ferro, areia, rocha,
informações etc.) em produtos, que são consumidos e exportados, e em resíduos (Brugmann and Hersh apud Roseland 1992). Existem sempre uma associação
entre o meio natural e o construído, no qual se imprime a marca da criatividade humana e das inovações culturais que humanizam o meio natural (Regales,
114 - Regularização Fundiária Sustentável
Considerando a contribuição de Ribeiro e Vargas (2004), assim como dos demais autores supracitados, pode-se concluir que
as intervenções antrópicas no meio possam ser determinantes na construção do conceito de qualidade ambiental urbana.
1997). Para Brugmann (1992), o ecossistema urbano caracteriza-se pela forte presença da atividade humana transformadora o ambiente natural, pela
produção e consumo constantes e pelo estabelecimento de fluxos intensos de toda ordem (fluxos de pessoas, de energia, recursos econômicos e relações
sociais)”.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 115
As cidades apresentam uma dinâmica própria onde os homens necessitam dos recursos naturais para a produção de bens e
serviços, bem como para sua sobrevivência. Todavia, os processos produtivos estão atrelados ao consumismo voraz, como uma forte
interface do capitalismo.
Deste modo, qualidade ambiental urbana é o resultado da inter-relação entre qualidade de vida como a qualidade ambiental,
onde o homem, por influência de fatores biológicos, sociais, espaciais, culturais, econômicos, entre outros, é agente passivo ora
ativo, na ação ou na omissão, com objetividade ou subjetividade, na produção, reprodução, degradação, destruição do ambiente
urbano o qual está inserido.
Considerando a complexidade da qualidade ambiental urbana, Rogers (2001, p.155) esclarece que a sustentabilidade no
ambiente urbano deve emergir como “uma nova ordem de eficiência econômica, beneficiando a todos os cidadãos, em vez de
beneficiar alguns poucos em detrimento de muitos”. Neste enfoque, a noção da sustentabilidade urbana surge como forma de
conjugação da questão econômica, social, política, cultural e ambiental, onde haja o comprometimento com processos de
urbanização e práticas urbanísticas que incorporem a dimensão socioambiental na produção e na gestão do espaço.
Segundo Saule Junior (1997, p.61), a sustentabilidade urbana passa a ser alicerçada nas “funções sociais da cidade”
específicas, de caráter “difuso”, onde devem oferecer mecanismos institucionais, administrativos e jurídicos que possam promover a
“redução das desigualdades sociais, promoção da justiça social e melhoria da qualidade de vida urbana”, promovendo o acesso à
“moradia, transporte público, saneamento, cultura, lazer, segurança, educação, saúde”.
Neste sentido, o princípio da sustentabilidade foi acolhido no artigo 2º, inciso I, do Estatuto da Cidade e determina a “garantia
do direito a cidades sustentáveis”, compreendendo nesta máxima “o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à
infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações”.
Segundo Rodriguez (2001, p.99), o termo sustentabilidade defendido pela CMMAD pode ser compreendido a partir da
116 - Regularização Fundiária Sustentável
[...] gestão e administração dos recursos e serviços e orientação das mudanças tecnológicas e institucionais, no sentido de
assegurar e alcançar a contínua satisfação das necessidades humanas para as gerações presentes e futuras, dentro dos
limites da capacidade de sustentação dos sistemas ambientais (RODRIGUEZ, 2001, p. 99).
O princípio da sustentabilidade contempla a necessidade de um ambiente equilibrado, mediante a fatores sociais, políticos,
econômicos, ambientais, de modo a assegurar a qualidade de vida em cidades. Por quanto, o cenário das cidades se apresenta
heterogêneo, marcado por processos de desigualdades sociais, que se cristalizam na segregação socioespacial, assim como, pela
privação dos serviços públicos a boa parte da população, a qual particularmente, a que se encontra em assentamentos precários, a
exemplo das favelas, onde os espaços são constituídos por um amontoado de construções precárias ao longo dos becos estreitos,
desprovidos das condições mínimas de habitabilidade.
Para Acselrad (1999) a sustentabilidade urbana está estritamente relacionada com a qualidade de gestão urbana,
considerando os pólos distintos:
[...] de um lado, aquele que privilegia uma representação técnica das cidades pela articulação da noção de sustentabilidade
urbana aos modos de gestão dos fluxos de energia e materiais associados ao crescimento urbano; de outro, aquele que define
a insustentabilidade das cidades pela queda da produtividade dos investimentos urbanos, ou seja, pela incapacidade destes
últimos acompanharem o ritmo de crescimento das demandas sociais, o que coloca em jogo, o espaço urbano como território
político (ACSELRAD, 1999, p. 79).
Para equacionar estes pólos e viabilizar a sustentabilidade urbana, parte-se do pressuposto da necessidade da aplicação de
instrumentos jurídicos para disciplinar a ocupação e uso do solo urbano, considerando a inter-relação entre dimensões sociais,
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 117
econômicas e ambientais para a realização de uma gestão eficiente, que seja capaz de promover a construção de uma sociedade
justa, eqüitativa e democrática.
Neste contexto, o planejamento e a gestão das áreas urbanas devem, além de adotar medidas e técnicas para a adequação
física de seus espaços, adotar essencialmente técnicas e instrumentos que promovam a convivência social, de maneira que os
desiguais tenham suas diferenças amenizadas pela árdua busca de implementar espaços cada vez mais democráticos de vivência
saudável, o que em outras palavras significa, a luta por uma melhoria na qualidade de vida.
Esta linha de pensamento também encontra respaldo nas colocações de Struchel (2006).
Desse modo, nos resta refletir que, não obstante a falsa aparência de segregação das discussões das agendas urbanas e
ambientais seja em nível municipal ou regional, fato é que, quando tratamos das questões relacionadas à gestão da cidade,
temos necessariamente de compatibilizar e homogeneizar as discussões de modo a convergir em único fim: a qualidade de
vidas nas cidades (STRUCHEL, 2006, p. 284).
Nesta abordagem, Rosetto (2003, p.36) evidencia que, “nas questões urbanas, a complexidade das estruturas sociais,
econômicas e ambientais transforma a busca pelo desenvolvimento sustentável em tarefa das mais difíceis”. A indissociabilidade da
problemática social urbana e da problemática ambiental das cidades “exige que se combinem dinâmicas de promoção social com
dinâmica de redução dos impactos ambientais no espaço urbano”.
De acordo com os apontamentos de Rios e Derani (2005, p.89) o desenvolvimento sustentável “não é propriamente um
princípio de direito ambiental, como expressão de uma diretriz, um comportamento, como ocorre com o princípio da precaução ou do
poluidor pagador.” Porém, para os referidos autores, o desenvolvimento sustentável revela um sistema de valores fundados em
posturas associadas à produção, visando obter “a compatibilização da apropriação dos recursos naturais com a manutenção e
construção de um bem-estar (nos dizeres da Constituição Brasileira,“da sadia qualidade de vida”).” Desse modo, o princípio do
desenvolvimento sustentável, foi previsto, implicitamente no caput do artigo 225, da Constituição Federal de 1988, o qual
estabeleceu,
118 - Regularização Fundiária Sustentável
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e
futuras gerações.
O texto constitucional não inseriu expressamente o termo desenvolvimento sustentável, mas esse fato não impediu que o
compromisso com a sustentabilidade ambiental fosse mantido, ao estabelecer - de modo inédito - a adoção constitucional de um
modelo de desenvolvimento econômico pautado pelo respeito e cuidado com a questão ambiental. Nesse enfoque, Padilha (2010)
esclarece que,
O compromisso de sustentabilidade ambiental albergado pela constituição Federal de 1988 está representado na adoção
constitucional de um modelo de desenvolvimento econômico que leve em conta a vertente da proteção do meio ambiente, ou
seja, que concilie o desenvolvimento com o respeito à proteção do meio ambiente, conforme disposto no Titulo VII do Texto
Constitucional, sobre a ordem econômica, que inclui, entre os princípios gerais da atividade econômica, a defesa do meio
ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado. (PADILHA, 2010, p. 246)
O objetivo deste princípio é de atender as “necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das gerações futuras
atenderem a suas próprias necessidades” (CMMAD, 1988, p.46). Isso significa que a exploração dos recursos ambientais deve
atender às necessidades presentes, dentro dos limites da capacidade de suporte dos ecossistemas, ou seja, estuda-se a capacidade
de regeneração e de absorção do ecossistema e se estabelece um limite para a atividade econômica, de modo a não comprometer o
meio ambiente para as gerações futuras. Nesse sentido, os valores advindos do novo paradigma de desenvolvimento, devem ser
aplicados tanto em áreas urbanas, como em áreas rurais, enquanto uma nova cultura a orientar à sociedade, a nação, desde que
sejam observadas as especificidades de cada localidade.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 119
Na obra intitulada “Saber Cuidar” de Leonardo Boff (2001, p.137), o autor ao abordar essa nova proposta de desenvolvimento,
salientou que este significa antes de tudo, uma mudança de valores, da incorporação de novos hábitos pautados por um processo de
conscientização do real significado de uma sociedade que deseja ser sustentável, assim,
Diz-se que o novo desenvolvimento deve ser sustentável. Ora, não existe desenvolvimento em si, mas uma sociedade que
opta pelo desenvolvimento que quer e precisa. Dever-se-ia falar de sociedade sustentável como precondições indispensáveis
para um desenvolvimento verdadeiramente integral. Sustentável é a sociedade ou o planeta que produz o suficiente para si e
para os seres do ecossistemas onde ela se situa; que toma da natureza somente o que ela pode repor; que mostra um sentido
de solidariedade generacional, ao preservar para as sociedades futuras os recursos naturais de que elas precisarão. Na
prática, a sociedade deve mostrar-se capaz de assumir novos hábitos e de projetar um tipo de desenvolvimento que cultive o
cuidado com os equilíbrios ecológicos e funcione dentro dos limites impostos pela natureza. (BOFF, 2001, p. 137)
A Declaração do Rio para o Meio Ambiente e Desenvolvimento45 (1992) recomendou que, para se alcançar o desenvolvimento
sustentável, a proteção do meio ambiente deve constituir-se em parte integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser
considerada isoladamente em relação a ele. Entretanto, esta nova proposta de desenvolvimento sustentável é para muitos, dentre
eles, o próprio Estado e representantes de grupos hegemônicos, um conceito de difícil entendimento e consecução, principalmente,
quando aplicado no contexto da problemática urbana, onde a disputa pelo solo urbano tem sido responsável pela proliferação da
pobreza, assim como, pela degradação urbano-ambiental, dentro do atual modelo econômico. Nesse sentido, a cidade que almeja e
que necessita urgentemente que seja sustentável, é aquela que disponibiliza de modo equitativo os benefícios de seu processo de
desenvolvimento, com a finalidade de estender a todos as condições ideais de qualidade de vida em conformidade com as
disposições legais do Estatuto da Cidade e recomendações da Agenda 21. Em síntese, os valores advindos desse princípio são claros
45
“Os compromissos assumidos na RIO/92 compreendem a busca de um novo modelo de desenvolvimento, um modelo que inclua a vertente da preservação do
meio ambiente de forma indissociável ao desenvolvimento econômico e social, adotando a sustentabilidade como eixo principal”. (PADILHA, 2010, p.71)
120 - Regularização Fundiária Sustentável
ao expressar a urgência de implementação de ações pautadas pela sustentabilidade não somente em âmbito planetário, mas,
sobretudo em âmbito local, ou seja, nas cidades, as quais se constituem num campo propício e ideal para materialização dos direitos
sociais.
Entretanto, não se ignora a diferença entre as agendas, principalmente ao conteúdo relacionado ao desenvolvimento
socioeconômico, tanto dos países centrais ou de países de economia periférica, uma vez que a grande discussão evidenciada diz
respeito à implementação do desenvolvimento sustentável em áreas urbanas.
Acselrad (2001, p.45) ensina que nas leis a “idéia de sustentabilidade é assim aplicada às condições de reprodução da
legitimidade das políticas urbanas”. A elaboração de políticas públicas que privilegiam o desenvolvimento sustentável da cidade não
pode ignorar que existe “uma forma social durável de apropriação e uso do meio ambiente dada pela própria natureza das formações
biofísicas”, isto é, que existe uma “diversidade de formas sociais de duração dos elementos da base material do desenvolvimento.”
(ACSELRAD, 1999 apud COELHO, 2005, p.39).
Segundo Braga (2003, p.119-120), o Estatuto da Cidade oferece vários instrumentos urbanísticos e jurídicos para que a
municipalidade possa “evitar e corrigir os efeitos negativos do crescimento urbano sobre o meio ambiente”, de modo que a
“ordenação do uso do solo” evite a “deterioração das áreas urbanizadas e a poluição e degradação ambiental, e a expansão urbana”.
Considerando o recorte dado para foco desta pesquisa, o Estatuto da Cidade prevê como um dos instrumentos da política de
desenvolvimento urbano, o zoneamento ambiental, no qual os cursos d’água, as encostas, as áreas de fragilidade ambiental, devem
ser encaradas como “recursos e a cidade deve ser entendida como uma natureza antrópica, na qual as leis naturais não estão
revogadas.” (CARVALHO, 2003, p.25).
Todavia, o zoneamento é o instrumento de planejamento urbano mais difundido no Brasil e sua prática tem tido caráter
fundamentalmente econômico, muito mais afeito às vicissitudes do mercado imobiliário, do que aos problemas socioambientais das
cidades. Segundo Braga (2003, p.121) é imprescindível que as leis de zoneamento urbano contemplem “diretrizes de proteção e
controle ambiental”, com o fim de “controlar o uso e a ocupação de fundos de vale, das áreas sujeitas à inundação, das cabeceiras
de drenagem, das áreas de alta declividade e a promover o aumento da permeabilidade do solo urbano”.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 121
O Estatuto da Cidade define o direito à cidades sustentáveis, como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento
ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras
gerações, e a gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários
segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento
urbano (SAULE JÚNIOR et al., 2009, p. 259).
Deste modo, o Estatuto da Cidade além de apresentar a natureza jurídica da cidade sustentável, é um instrumento jurídico que
contempla normas de ordem pública e interesse social, que tem como objetivo tutelar matéria de ordem urbanística em prol do bem
coletivo e do equilíbrio ambiental. Assim, pode-se afirmar que o Estatuto da Cidade é o principal instrumento jurídico para promoção
de uma sustentabilidade urbana, equacionando a função social da cidade com a qualidade ambiental urbana.
Diante deste contexto, a de se ressaltar que a função social da cidade foi consagrado no artigo 182 do Texto Constitucional
como síntese suprema do Direito Urbanístico, onde traz em sua essência a predominância do interesse comum sobre o particular. Di
Sarno (2004, p. 47) comenta que a essência do Direito Urbanístico é pautada na, “[...] vocação do coletivo sobre o particular, dá
respaldo e sustenta o princípio da função social da propriedade; por isso que, mais que a propriedade, a cidade deve existir e servir a
seus habitantes”.
Diante de tais apontamentos, a função social da cidade tem o objetivo de regulamentar a atividade urbanística pública ou
privada, evitando os desacertos no uso e ocupação do solo urbano, como exemplo comum, a segregação social e territorial oriundos
da especulação imobiliária. Deste modo, a função social da cidade deve assegurar o direito à cidade, onde haja a prevalência do
equilíbrio entre o interesse público e o privado, em benefício do bem comum.
No âmbito da questão, deve se ressaltado que os direitos abarcados pela função social da cidade não prescrevem enquanto
seus efeitos se prolongarem no tempo, a exemplo da Apelação Cível n° 798.166.5/0-00, de 25.09.0846, da Comarca de Piedade, onde
o Desembargador Renato Nalini, determinou que
46
Disponível em: < http://www.mp.sp.gov.br/portal/page/portal/cao_urbanismo_e_meio_ambiente/
Jurisprudencia/juris_urbanismo/6579DB4A849D21BBE040A8C02B016E96 > Acesso em: 10 abr. 2011.
122 - Regularização Fundiária Sustentável
Ação Civil Pública. Loteamento Clandestino. Prescrição. Inocorrência Tutela da Ordem Urbanística e do Meio Ambiente Direitos
Transindividuais, Absolutamente Indisponíveis, e que não se sujeitam às Regras da Prescrição. Ademais, a Lesão se Prolonga
no Tempo, pelo que não há se falar em Prescrição enquanto não cessar a Conduta Irregular Preliminar Repelida. (Negrito
nosso)
Assim, como a matéria urbanística não se sujeita às regras da prescrição, o Poder Municipal deve rever suas políticas
públicas de modo a corrigir os desacertos urbanísticos e ambientais presentes nas cidades, a exemplo dos assentamentos precários
em áreas de risco.
Nesta conjuntura, passa a ser um dever do Ente Municipal nortear suas ações com base no princípio da função social da
cidade, por meio do adequado ordenamento do solo urbano, com a adoção de dispositivos jurídicos que venham a tutelar a ordem
urbanística e a preservação dos recursos ambienteis em prol do interesse coletivo.
Com a preocupação de buscar uma melhor compreensão para a temática proposta, foram introduzidos neste primeiro capítulo
os aspectos teóricos, assim como os fundamentos jurídicos com o propósito de orientar o desenvolvimento desta investigação. Para
tanto, a fundamentação teórica foi estruturada tendo como foco a questão das ocupações informais em áreas de preservação
permanentes situadas em espaços urbanizados. Tendo em vista o viés jurídico da discussão a ser empreendida, este capítulo teve
por preocupação fundamental apresentar os conceitos necessários não apenas com a preocupação de subsidiar mas principalmente
de colocar os diversos aspectos que interferem na compreensão da questão proposta, pois em muitos dos estudos acadêmicos já
realizados, os mesmos são ignorados ou quando muito contextualizados de maneira subjetiva. Assim, tendo por base a exposição do
cenário das cidades brasileiras, foram introduzidos os principais conceitos jurídicos sobre meio ambiente (natural, artificial, cultural
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 123
e trabalho), direito difuso, transindividual e metaindividual, como suporte ao recorte analítico presente nas relações socioambientais
(segregação socioespacial, informalidade urbana, loteamentos irregulares e clandestinos, impactos ambientais urbanos, desastres
ambientais, os desafios da sustentabilidade urbana, qualidade de vida e qualidade ambiental urbana, dentre outros), os quais foram
abordados a partir de um referencial bibliográfico interdisciplinar, com o intuito de enfocar a problemática abordada à luz da justiça
socioambiental.
Assim, ficou explicíto que os efeitos derivados das transformações ambientais afetam direta ou indiretamente a todos,
sobretudo aqueles que vivem em cidades. Desse modo, o acirramento da problemática ambiental verificadas nessas localidades,
explícita o gravidade existente entre a deterioração do espaço natural e seus efeitos nefastos que atingem de modo contundente a
qualidade de vida, sem contar com a exposição à vulnerabilidade de comunidades à riscos de toda ordem. Diante de tais
apontamentos, torna-se primordial a manutenção da vida, enquanto dever ético, pois neste sentido, a pesquisa reafirma as
considerações apresentadas por Leff (2001,p.295) quando o autor enfatiza a necessidade de um processo de reflexão mais
aprofundada dos padrões de apropriação da natureza pelo homem, que em outras palavras “significa pensar o habitar como projeto
transformador do meio, como processo de apropriação social das condições de habitabilidade do planeta” , que pode ser
complementado pelos apontamentos de Fittipaldi (2006, p.56) onde a referida autora enfatiza que esta tarefa, deve compreender ao
mesmo tempo o “meio ambiente natural, construído e cultural, sendo o local adequado para a tutela do meio ambiente como um todo,
e da realização do direito à cidade, direito humano, fundamental e metaindividual.” Nesse processo, tornou-se fundamental a
incorporação da tutela ao meio ambiente nos textos constitucionais mais recentes, ainda que de forma gradativa. Certamente, a
Constituição Federal de 1988 ao dar uma nova concepção a normatividade jurídica ambiental para o país, possibilitou ao mesmo
tempo a regulação de inúmeros eventos que se constituíam em ameaças ao equilíbrio do ambiente natural e à qualidade de vida,
contribuindo significativamente para a ampliação da tutela jurídica de todo o sistema de condições que visam a sadia qualidade de
vida em toda a sua diversidade.
Diante de tais proposituras, alguns autores, dentre eles, Séguin (2002), chamam a atenção para a importância de tutelar a
matéria urbanística por meio de mecanismos legais visando a implementação de uma cidade acessível a todos, com inclusão social e
justa distribuição dos ônus e benefícios resultantes do processo de urbanização, uma vez que, segundo, Rogers (2001, p.18) o
crescimento veloz das cidades as transforma em “estruturas complexas e difíceis de administrar”, mas que em essência as mesmas
devem satisfazer as necessidades humanas e sociais da comunidade. Este enfoque é complementado por Acselrad (1999, p.18) ao
124 - Regularização Fundiária Sustentável
afirmar que “o futuro das cidades dependerá em grande parte dos conceitos constituintes do projeto de futuro construído pelos
agentes relevantes na produção do espaço urbano”. Assim por meio da exposição conceitual realizada neste capítulo, depreende-se a
relevância do ambiente urbano para o equilíbrio ecológico dos demais ambientes, uma vez que, quando esses espaços se encontram
em desarmonia, o que se vê é o comprometimento da infraestrutura física e social, acarretando a degradação da paisagem local. Daí
justifica-se a necessidade do monitoramento do crescimento urbano, para uma distribuição eqüitativa dos investimentos em
infraestrutura e democratização do acesso aos serviços urbanos, com o intuito de mitigar os processos que geram desigualdades
sócio-espaciais.
No Brasil, em face do quadro de desigualdades sócio-econômicas que tem afetado uma parte significativa da população, ao
longo dos anos, como o desemprego, a ausência de prestação de serviços públicos, entre outros, é preciso considerar que boa parte
da população encontra-se exposta a riscos ambientais intensos, tanto nos locais de moradia, de trabalho ou nos ambientes que
freqüenta e circula. Estes riscos são decorrentes de substâncias consideradas perigosas, da ausência de saneamento básico, da
construção de moradias em locais sujeitos a deslizamentos, a enchentes ou nas proximidades de depósitos de lixo, entre muitos
outros casos. Deste modo, a abordagem desta questão evidencia a necessidade de tratar a problemática ambiental não somente sob
o enfoque da preservação, mas primordialmente enfocando a questão da distribuição e justiça. A indissociabilidade da problemática
social urbana e da problemática ambiental das cidades “exige que se combinem dinâmicas de promoção social com dinâmica de
redução dos impactos ambientais no espaço urbano”.
Neste contexto, o planejamento e a gestão das áreas urbanas devem, além de adotar medidas e técnicas para a adequação
física de seus espaços, adotar essencialmente técnicas e instrumentos que promovam a convivência social, de maneira que os
desiguais tenham suas diferenças amenizadas pela árdua busca de implementar espaços cada vez mais democráticos de vivência
saudável, o que em outras palavras significa, a luta por uma melhoria na qualidade de vida.
Assim, para uma melhor compreensão da temática em questão, principalmente no que se refere a problemática da
efetividade das políticas públicas, gestão urbana e qualidade de vida, será desenvolvida no próximo capítulo, uma reflexão analítica
do paradigma do Direito à Cidade, a partir da contribuição de Lefebvre e suas implicações na estruturação do ordenamento
urbanístico brasileiro.
2º 125CAPÍTULO
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin -
DO DIREITO À CIDADE:
POLÍTICA HABITACIONAL
126 - Regularização Fundiária Sustentável
2º CAPÍTULO
DO DIREITO À CIDADE:
POLÍTICA HABITACIONAL
Neste capítulo será realizada uma reflexão a respeito do direito à cidade, considerando a questão urbana no Brasil, os
aspectos históricos do Direito à Cidade, a autonomia municipal, a legislação infraconstitucional, o movimento pela reforma urbana, o
Estatuto da Cidade e, por fim, as políticas públicas com ênfase na questão habitacional no Brasil.
Certamente que qualquer reflexão a respeito da questão urbana terá que ser pautada por uma metodologia adequada. Muitos
são os processos metodológicos empregados para o estudo da questão urbana, tendo em vista seu caráter multidisciplinar,
notadamente aqueles que almejam realizar uma interface maior com as ciências jurídicas. Nesta seara, sabe-se da importância do
emprego adequado dos métodos e técnicas jurídicas interpretativas, relacionados aos princípios que regem a temática abordada.
Entretanto, sem renegar ou desmerecer seus valores conceituais e doutrinários, pretende-se nesta etapa da pesquisa realizar uma
abordagem pautada pela subjetividade da interpretação, de modo a buscar uma proximidade maior com o tema de estudo.
Neste universo dinâmico, muitas vezes contraditório para aqueles que amam as cidades, mas estimulante e enriquecedor
para seu estudo, sua compreensão, talvez as perguntas mais estridentes que emergem neste contexto sejam:
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 127
Porque as cidades são cenários de tantas desigualdades e exclusões se, antes de tudo, são reguladas por um único sistema
jurídico, o qual deveria necessariamente materializar os direitos fundamentais enquanto espaço de democracia e de justiça
social?
Para aqueles que transitam pela área jurídica, pelos movimentos sociais em suas mais diversas categorias, as perguntas
pertinentes talvez fossem outras, possivelmente estas:
Porque o Estado não tem conseguido garantir o Direito à Cidade para todos?
O conceito de Direito à Cidade albergado na Constituição tem o mesmo conteúdo em todos os programas de políticas
públicas oferecidos pelo Estado para o atendimento das gritantes demandas existentes em áreas urbanas?
A discussão sobre a matéria estudada certamente é extensa. Assim, para iniciar esta reflexão, o estudo introduz outro
questionamento:
Então, diante deste dilema, no que realmente consiste o Direito à Cidade?
A percepção das causas que conduzem e motivam o processo de crescimento das áreas urbanas é de extrema relevância para
a busca de intervenções que tenham como meta a construção de cidades justas, inclusivas, sustentáveis e democráticas.
Neste contexto, a discussão a respeito da problemática da efetividade das políticas públicas, gestão urbana e qualidade de
vida são essenciais para uma reflexão analítica do paradigma do Direito à Cidade.
Segundo o Censo 2010 do IBGE, disponibilizado em 29/11/2010, a população brasileira é de 190.732.694 habitantes, sendo
que deste número 84,35% reside na área urbana47, ou seja, o país deixou seu aspecto rural para assumir uma feição eminentemente
urbana. Como resultados deste processo de transição surgem em áreas urbanas graves problemas, desencadeando uma série de
reflexos e impactos negativos no equilíbrio ambiental e, sobretudo, no bem-estar da população. Nesse cenário, tornam-se evidentes
os assentamentos precários48, que diante do olhar complacente do poder público e da sociedade, passaram a compor a parte
compreendida como cidade ilegal, ignorando todo o universo das normas urbanísticas vigentes.
47
IBGE – Censo 2010. Disponível em < http://www.ibge.gov.br/censo2010/ > Acesso em 14.12.2010.
48
A partir da Constituição Federal de 1988, o conceito de assentamentos precários começou a ser construído, influenciado por alguns fatores, como a luta dos
movimentos sociais por moradia e reforma urbana; a implementação, nos três níveis de governo, de programas de urbanização de favelas e regularização de
loteamentos irregulares, bem como através do surgimento de uma nova metodologia para o dimensionamento do déficit habitacional do país, a partir do trabalho
da Fundação João Pinheiro, de 1995. [...] Com a criação do Ministério das Cidades, em 2003, a urbanização e integração urbana dos assentamentos precários
128 - Regularização Fundiária Sustentável
Com enfoque nesta problemática, várias pesquisas têm sido realizadas, tanto por academias conceituadas como por
importantes instituições governamentais, Fernandes (2006, p.16), explica que “cerca de 40% das cidades brasileiras com menos de
20 mil habitantes possuem loteamentos clandestinos. Isso não é um mero sintoma de um modelo de desenvolvimento, mas o próprio
modelo. Não estamos falando de uma exceção, mas da regra”. Essa situação também é evidenciada pelo estudo realizado pelo
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA apontando que em 2010 ainda há 50 milhões de brasileiros vivendo em condições
precárias49, como cortiços, sem teto, favelas e assentamentos irregulares. Segundo IPEA (2007) os dados PNAD/IBGE demonstram a
evolução dos assentamentos informais do período de 1992 a 2007. O Gráfico 05 e o Gráfico 06 revelam o número de brasileiros (em
milhares) (que possuem domicílios particulares permanentes urbanos com condições inadequadas de moradia, por tipo de
inadequação (2007).
foi definida como um dos componentes e eixo prioritário da Política Nacional de Habitação (PNH), aprovada em 2004. O conceito de assentamentos precários foi
então ampliado, passando a englobar diversas tipologias habitacionais, tendo como características comuns a precariedade das condições de moradia e a sua
origem histórica. Definidos como uma categoria abrangente das inúmeras situações de inadequação habitacional e de irregularidade, seja urbanística – quanto
ao parcelamento do solo e em relação à edificação, com o descumprimento da legislação de uso e ocupação do solo, seja ambiental – com a ocupação de áreas
de risco e de proteção ambiental, seja fundiária – quanto à propriedade da terra. Assentamentos precários compreendem: os cortiços, as favelas, os
loteamentos irregulares de moradores de baixa renda e os conjuntos habitacionais produzidos pelo poder público que se acham em situação de irregularidade ou
de degradação, demandando ações de reabilitação e adequação. (CARDOSO; ARAÚJO; GHILARD, 2009, p.17-18)
49
MORAIS. Maria da Piedade Morais. Condições de vida e moradia nos assentamentos precários brasileiros. In. Revista Desenvolvimento - IPEA, ed. 63,
out/nov.2010. Disponível em <http://desafios2.ipea.gov.br/003/00301009.jsp?ttCD_CHAVE=8526 > Acesso em 14.12.2010.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 129
Fonte: Tabulação dos autores com base nos microdados da PNAD/IBGE (1992 e 2007).
Obs.: Cortiços = cômodos; sem-teto = domicílios improvisados; favelas = aglomerados subnormais; assentamentos irregulares = terrenos de propriedade
de terceiros e outras condições de moradia, como invasões.
130 - Regularização Fundiária Sustentável
Gráfico 06 - População em domicílios particulares permanentes urbanos com condições inadequadas de moradia, por tipo de inadequação (2007)
Moradia Inadequada
Irregularidade fundiária
Água Inadequada
Moradia Inadequada
0 10 20 30 40 50 60
Fonte: Tabulação dos autores com base nos microdados da PNAD/IBGE (1992 e 2007).
Como pode ser observado nos gráficos acima (Gráfico 06), o Brasil, onde o desequilibrado processo de ocupação do espaço
urbano pode ser muitas vezes atribuído às interferências de agentes especulativos inescrupulosos que prevaleceram sobre a função
social do solo, acabando por assinalar diferenças marcantes na paisagem das cidades, onde apareceram sistematicamente os
assentamentos informais (loteamento ilegal ou clandestino, favelas, cortiços) associados à auto-produção da moradia, que a
princípio se constituiu como única opção de residência para a população migrante instalar-se nos grandes centros urbanos do país.
Analisando este quadro, Edésio Fernandes (2004) caracterizou a informalidade como um conjunto de elementos, onde
merecem destaque,
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 131
[...] a carência de opções de moradias adequadas e acessíveis para os grupos mais pobres, devido à ação de mercados
especulativos e informais; os sistemas políticos clientelistas; bem como o padrão de planejamento elitista e tecnocrático,
baseado em critérios técnicos ideais, mas que não expressam a realidade socioeconômica de produção e de acesso à terra
urbana (FERNANDES, 2004, p.245-246).
Esse cenário também é encontrado nas análises efetuadas por Tomás Moreira (2002) a respeito do processo de urbanização
das cidades brasileiras que, em seu ponto de vista, abarcam uma série de problemas:
Contudo, a realidade brasileira, calcada numa situação de extrema exclusão social a partir de uma desigualdade aviltante na
distribuição de rendas, do descaso do Poder Público, notadamente, com a especulação imobiliária, de uma legislação por
muito tempo elitista, de ausência de políticas públicas, habitacional e urbana eficientes, os assentamentos urbanos informais
aparecem como alternativa de acesso à moradia a população de baixa renda, que (sobre) vive em condições absolutamente
indignas, em áreas insalubres e, muitas vezes, de risco. De tudo isso, se pode dizer que a especulação imobiliária é o fator
mais difícil de erradicar ‘que resiste até hoje e molda a estrutura do espaço urbano’, evidenciando que ainda há uma
submissão muito forte da terra ou capital (MOREIRA, 2002. p.08).
O resultado dessa pífia atuação do poder público gera uma situação deplorável de desigualdade e exclusão social,
intensificando o processo de segregação e o grave isolamento dos grupos sociais. Esse quadro, presente no cotidiano de muitas
cidades brasileiras, é notadamente caracterizado por diversos aspectos: deterioração do espaço urbano; escassez da oferta de
moradias, provocando ocupações irregulares em áreas de risco ambiental que são juridicamente protegidas; ausência de
infraestrutura física como saneamento básico, sistema viário, sistema de transporte coletivo; e ausência de infraestrutura social,
compreendida como sistema de saúde, educação, esporte e lazer.
Em face do exposto, Sheehan (2003) salienta que apesar dos avanços tecnológicos e avanços sociais, as cidades ainda são
locais de exclusão e segregação socioambiental.
132 - Regularização Fundiária Sustentável
Séculos de inovações tecnológicas e avanço social, pouco fizeram para fechar essa fenda [sócio-ambiental]. Sem condições
de disputar o mercado imobiliário ‘legal’, centenas de milhões de pessoas buscam abrigo nos locais mais precários, em
encostas íngremes ou várzeas, vivendo não apenas sob ameaça constante de despejo, mas também em áreas mais
vulneráveis a desastres naturais, poluição e doenças causadas por falta de abastecimento de água e saneamento básico
(SHEEHAN, 2003, p.148).
Mediante as proposituras de Sheehan (2003), Azevedo (1998) complementa afirmando que a urbanização acelerada e o
processo de industrialização tardia foram os fatores determinantes para a construção do caos presente nos aglomerados urbanos,
onde as demandas socioambientais se multiplicaram frente às limitadas intervenções do poder público,
Nas décadas recentes, a urbanização acelerada e o processo de industrialização tardia, beneficiaram apenas um pequeno
grupo da força de trabalho urbana, conduzindo a um complexo de problemas urbanos, os quais a maioria dos governos vem
sendo incapaz de resolver efetivamente. O acesso à terra e moradia sempre figurou de maneira proeminente na lista de
demandas da população de baixa renda, à qual se inclui saneamento, suprimento de água potável, eletricidade e transporte
público. Essa é uma das razões que levaram os Estados a dar uma precedência às moradias na elaboração das suas políticas
públicas. Explica, também, o limitado escopo e a falha da maioria das intervenções estaduais em áreas urbanas (AZEVEDO,
1998, p.261).
Desse modo, o contexto apresentado por esses dados, além de reafirmarem a grave crise encontrada em parte significativa
das cidades brasileiras, evidenciam a premência de adoção de novos paradigmas de planejamento e gestão das cidades,
notadamente no que se refere à questão do Direito à Cidade, que deverá ser implementado por meio de políticas públicas capazes de
oferecer respostas às demandas por padrões sustentáveis de vida em áreas urbanizadas.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 133
O direito à Cidade, termo primeiramente preconizado por Lefebvre (2001), é um manifesto ideológico contrário ao modelo
capitalista de produção de espaço urbano, onde os benefícios da urbanização se restringem a uma pequena parcela da população, no
caso, a classe com maior poder aquisitivo. As obras50 do francês Henri Lefebvre enfatizam a dialética do espaço urbano, onde a
cidade é um produto social, materializada por meio da coexistência da pluralidade e das simultaneidades de padrões presentes no
cotidiano urbano.
Em seu livro “O direito à Cidade”, Lefebvre (2001) propõe uma nova perspectiva para a política urbana ao incentivar as forças
sociais a reivindicarem o seu direito à cidade (habitação, trabalho, serviços de saúde, educação, lazer, etc.). Nesta mesma corrente,
Martins (2006, p.29) ensina que o “Direito à Cidade é o direito a um lugar – um espaço físico onde se assentar e a partir daí acessar
o que a cidade oferece”, de modo que os indivíduos possam ter “acesso à cidade e seus serviços” e ao “mercado de trabalho”.
Lefebvre (2001) explica que o “direito à cidade” é um grito, uma demanda, uma reivindicação, com objetivo de atender os
anseios e carências sociais presentes no ambiente urbano.
[...] o direito à cidade se afirma como um apelo, como uma exigência. [...] não pode ser concebido como um simples direito de
visita ou de retorno às cidades tradicionais. Só pode ser formulado como direito à vida urbana, transformadora, renovada.
Pouco importa que o tecido urbano encerre em si o campo e aquilo que sobrevive da vida camponesa conquanto que ‘o
urbano’, lugar de encontro, prioridade do valor de uso, inscrição no espaço de um tempo promovido à posição de supremo
bem entre os bens, encontre sua base morfológica, sua realização prático-sensível LEFEBVRE (2001, p.117-118).
50
O direito à cidade de 1968, A revolução urbana de 1970 e o livro La presencia y la ausencia de 1983.
134 - Regularização Fundiária Sustentável
Lefebvre (2001, p.117) defende que o direito à cidade deve ser pensado como um “direito à vida urbana, transformadora” e
renovadora, que resgata o homem como protagonista de sua própria obra, a cidade. David Harvey (2008) reafirma esta visão
transformadora, ora emancipadora, ao enfatizar que o direito a cidade
[...] é muito mais do que a liberdade individual de acessar os recursos urbanos: trata-se do direito de mudar a nós mesmos,
mudando a cidade. É, além disso, um direito comum antes de individual, já que esta transformação depende, inevitavelmente,
do exercício do poder coletivo para remodelar os processos de urbanização. A liberdade de criar e recriar nossas cidades e a
nós mesmos é, como desejo demonstrar, um de nossos direitos humanos mais preciosos, mas também um dos mais
descuidados (HARVEY, 2008, p.23).
De acordo com as considerações de Lefebvre (2001), Harvey (2008) formula que as dinâmicas da mudança e da
transformação “dependem”, conseqüentemente, do exercício de um poder coletivo, ou seja, da apropriação da cidade como espaço
político.
Borja (2003, s/p) enfoca que a cidade enquanto um “espaço político” deve abraçar manifestação da vontade popular, que
muitas vezes pode ser solidária, ora contraditória e excludente. O preâmbulo da versão atual do projeto da Carta Mundial de Direito à
Cidade, Setembro/2005, evidencia as contrariedades presentes no espaço urbano.
[...] os modelos de desenvolvimento implementados na maioria dos países empobrecidos são caracterizados por
estabelecerem níveis de concentração de renda e de poder que geram pobreza e exclusão, além de contribuir à depredação do
ambiente e acelerarem os processos migratórios e de urbanização, a segregação social e espacial e a privatização dos bens
comuns e do espaço público. Estes processos favorecem a proliferação de grandes áreas urbanas em condições de pobreza,
precariedade e vulnerabilidade diante dos riscos naturais. As cidades estão longe de oferecer condições e oportunidades
eqüitativas aos seus habitantes. A população urbana, em sua maioria, está privada ou limitada – em virtude de suas
características econômicas, sociais, culturais, étnicas, de gênero e de idade – para satisfazer suas necessidades e direitos
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 135
mais elementares. Contribuem com isso as políticas públicas, que ao desconhecer os aportes dos processos de produção
popular para a construção das cidades e da cidadania, violentam a vida urbana (CARTA MUNDIAL DE DIREITO À CIDADE,
2010).
De acordo com dados das Nações Unidas, já em 2000, o grau de urbanização no mundo tinha ultrapassado 50%, o que
representava 3,5 bilhões de pessoas vivendo em cidades. Este mesmo órgão estima que, em 2050, a taxa de urbanização chegará a
65%51. Em 2005, a UN-HABITAT divulgou que 50 milhões de pessoas passaram a morar em favelas ao redor do mundo 52 nos últimos
dois anos (Figura 13). Em 2010, a Agência das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (ONU-Habitat) divulgou que no Brasil
26,4% da população urbana são moradores de áreas faveladas53.
51
Matéria Especial Planeta Favela. Carta Capital na Escola, edição junho-julho 2006, página 37.
52
A generalização espantosa das favelas é o principal tema de The Challenge of Slums [O desafio das favelas], relatório histórico e sombrio publicado em
outubro de 2003 pelo Programa de Assentamentos Humanos das Nações Unidas (UN-Habitat). Essa primeira auditoria verdadeiramente global da pobreza
urbana, que segue as famosas pegadas de Friedrich Engels, Henry Mayhew, Charles Booth e Jacob Riis, é o ponto culminante de dois séculos de reconhecimento
científico da vida favelada, que teve início em 1805 com Survey of Poverty in Dublin [Estudo da Pobreza em Dublin], de James Whitelaw. É também a
contrapartida empírica há muito esperada das advertências do Banco Mundial na década de 1990 de que a pobreza urbana se tornaria “o problema mais
importante e politicamente explosivo do próximo século”. (DAVIS, 2006, p. 31)
53
Disponível em < http://g1.globo.com/Noticias/Politica/0,,MUL1537134-5601,00-ONU+ACESSO+A+SANEAMEN
TO+TIRA+MILHOES+DA+FAVELIZACAO+NO+BRASIL.html > Acesso em 14.12.2010.
136 - Regularização Fundiária Sustentável
Diante deste panorama, Saule Junior (2007) destaca a importância de implementação de políticas públicas para eliminação
da desigualdade social e territorial.
Para que haja cidades justas, humanas, saudáveis e democráticas é preciso incorporar os direitos humanos no
campo da governança das cidades, de modo que as formas de gestão e as políticas públicas tenham como
resultados de impacto a eliminação das desigualdades sociais, das práticas de discriminação em todas as formas
54
UN-HABITAT, 2005. Disponível em < http://www.unhabitat.org/stats/Default.aspx > Acesso em 14.12.2010.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 137
da segregação de indivíduos, grupos sociais e comunidades, em razão do tipo de moradia e da localização dos
assentamentos em que vivam (SAULE JUNIOR, 2007, p.28).
Em geral, Ortiz Flores (2010) esclarece que a população urbana é assolada por inúmeros problemas de ordem econômica,
social e ambiental, dentre os quais se destacam:
Entretanto, o autor (ORTIZ FLORES, 2010, p.122) alerta que o direito à cidade “não se limita a reivindicar parcialmente os
direitos humanos destinados a melhorar as condições nas quais habitamos”, este direito compreende o acesso de “influir também na
sua produção, desenvolvimento, gestão e uso, a participar na determinação das políticas públicas que permitam respeitá-los,
protegê-los e fazê-los efetivos”.
Assim, conforme explicam Leavitt et al (2009, p.3-4), “o conceito do direito à cidade revela as limitações das lutas em
pequena escala, centra-se na colonização de comunidades inteiras e destaca as dimensões nacionais e internacionais dos desafios
locais”.
Neste contexto, Marcuse (2010, p.93) explica que o “movimento do direito à cidade é produto de uma tendência relativamente
138 - Regularização Fundiária Sustentável
recente na teoria crítica, que colocou a urbanização e ‘o urbano’ no primeiro plano do conflito e da mudança social” e destaca mais
cinco questões urbanas abordadas por esta mesma teoria:
Os problemas urbanos não são um conjunto de dificuldades isoladas e independentes, mas sim surgem das estruturas
econômicas, políticas e sociais fundamentais das cidades e sociedades onde existem.
Em cada questão separada é necessária a ação imediata, organizada e radical.
Tal ação deve estar publicamente vinculada com as causas estruturais e somada a uma estratégia integral para a
mudança estrutural.
Para mudar efetivamente aquelas estruturas e combater as forças que as apóiam, os esforços combinados de todas as
pessoas e grupos por elas prejudicados, dos despossuídos aos distanciados da política e inseguros, devem estar reunidos
num esforço comum em prol de uma meta única e específica.
Tal esforço deve basear-se na participação democrática plena e na liderança daqueles cujos interesses materiais
vinculam-se necessariamente com a demanda de mudança estrutural (MARCUSE, 2010, p.94).
Neste sentido, considerando os principais apontamentos de Marcuse (2010) presentes na “teoria crítica”, Mathivet (2010,
p.21) defende que o direito à cidade deve possibilitar a construção de uma “cidade na qual se possa viver dignamente”, onde o
indivíduo possa se reconhecer como “parte dela e onde se possibilite a distribuição eqüitativa de diferentes tipos de recursos:
trabalho, saúde, educação, moradia, além de recursos simbólicos tais como participação, acesso à informação, etc.”. Harvey (2009)
defende que
[...] o direito à cidade significa o direito que todos nós temos de criar cidades que satisfaçam as necessidades humanas, as
nossas necessidades. O direito à cidade não é o direito de ter – e eu vou usar uma expressão do inglês – as migalhas que
caem da mesa dos ricos. Todos devemos ter os mesmos direitos de construir os diferentes tipos de cidades que nós queremos
que existam (HARVEY, 2009, p.269).
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 139
Para Harvey (2009, p.269), o “direito à cidade não é simplesmente o direito ao que já existe na cidade, mas é o direito de
transformar a cidade em algo radicalmente diferente”, é uma luta contra o modelo capitalista, para que esta realmente possa atender
as necessidades humanas com qualidade de vida.
Segundo Mathivet (2010, p.21), o “passo fundamental na construção do direito à cidade foi a elaboração da Carta Mundial
pelo Direito à Cidade, articulada pela Coalizão Internacional para o Hábitat (HIC), Fórum Nacional de Reforma Urbana (Brasil), e
COHRE”. A elaboração da Carta Mundial do Direito à Cidade contou com a mobilização e articulação dos movimentos populares,
organizações não governamentais, associações profissionais, fóruns e redes nacionais e internacionais da sociedade civil,
comprometidas com as lutas sociais por cidades justas, democráticas, humanas e sustentáveis.
Entretanto, Ortiz Flores (2010) esclarece que a elaboração da Carta Mundial à Cidade foi antecipada pelas seguintes
atividades preparatórias:
II Conferência Mundial das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente que sob o título Cúpula da Terra realizou-se no Rio
de Janeiro, Brasil, em 1992;
Fórum Nacional pela Reforma Urbana (FNRU) do Brasil, Habitat International Coalition (HIC) e a Frente Continental de
Organizações Comunais (FCOC) juntaram esforços para redigir e assinar, nessa ocasião, o Tratado sobre a Urbanização
Por cidades, vilas e aldeias justas, democráticas e sustentáveis;
Em outubro de 1995, vários membros da HIC participaram do encontro Para a Cidade da Solidariedade e da Cidadania
convocado pela UNESCO;
Em 1995, as organizações brasileiras promoviam a Carta dos Direitos Humanos na Cidade, antecedente civil do
Estatuto da Cidade, que anos mais tarde seria promulgado pelo estado brasileiro; e,
Carta Mundial pelo Direito à Cidade foi constituída pela Primeira Assembléia Mundial de Moradores, realizada no
México em 2000.
Diante desta mobilização social, por uma cidade mais democrática e justa, ocorre em 2001, o Primeiro Fórum Social Mundial
(Porto Alegre. Brasil), momento em foi aberto o processo condutor à formulação da Carta “por ocasião dos encontros anuais do Fórum
140 - Regularização Fundiária Sustentável
Social Mundial e dos Fóruns Sociais regionais”, onde formam trabalhados “os conteúdos e estratégias de difusão e promoção da
Carta.” (MATHIVET, 2010, p.23).
Ortiz Flores (2010, p.120) esclarece que a iniciativa de se formular a Carta Mundial à Cidade foi orientada, em “primeira
instância, a lutar contra todas as causas e manifestações da exclusão: econômicas, sociais, territoriais, culturais, políticas e
psicológicas”. A Carta Mundial do Direito à Cidade vem reconhecer os direitos emergentes das pessoas que vivem em cidades,
reconhecendo sua condição de cidadãos, definindo que
[...] o direito à cidade como o usufruto eqüitativo das cidades dentro dos princípios de sustentabilidade, democracia, equidade
e justiça social. A partir da compreensão da cidade como espaço coletivo culturalmente rico e diversificado que pertence a
todos os seus habitantes, o direito à cidade é compreendido como um direito coletivo dos habitantes das cidades, em especial
dos grupos de vulneráveis e desfavorecidos, que lhe confere legitimidade de ação e organização, baseado em seus usos e
costumes, como o objetivo de alcançar o pleno exercício do direito à livre autodeterminação e a um padrão de vida adequado
(SAULE JUNIOR, 2007, p.37).
Diante das considerações de Saule Junior (2007), Ortiz Flores (2010, p.120) explica que esse direito à cidade, prescrito na
Carta Mundial do Direito à Cidade, constitui-se numa “resposta social, contrapondo à cidade-mercadoria e como expressão do
interesse coletivo”, uma vez que o documento desenvolve uma abordagem complexa, ao empreender uma articulação entre a
“temática dos direitos humanos na sua concepção integral (direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais)” e a
“democracia nas suas diversas dimensões (representativa, distributiva e participativa)”
Saule Junior (2007, p.37) explica que os “componentes presentes na Carta servem como parâmetro para as iniciativas de
cartas, convenções e tratados internacionais sobre o direito à cidade”. A partir deste novo panorama social, alguns governos, tanto
em nível regional como nacional e local, vêm gerando instrumentos urbanísticos e jurídicos com objetivo de efetivar os direitos
humanos em cidades. Ortiz Flores (2010) destaca entre os mais relevantes:
Carta Européia de Salvaguarda dos Direitos Humanos na Cidade (Saint Denis, França, 2000);
Estatuto da Cidade (Brasil, 2001);
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 141
Mathivet (2010, p.23) explica que o direito à cidade compreende o direito a um “habitat que facilite o tecido das relações
sociais”, de modo que o indivíduo possa “se sentir parte da cidade (sentido de coesão social e construção coletiva)”, bem como o
direito a “viver dignamente na cidade, o direito à convivência, o direito ao governo da cidade e o direito à igualdade de direitos”.
O direito à cidade, previsto na Carta Mundial do Direito à Cidade refere-se a um direito coletivo dos habitantes das cidades,
priorizando o atendimento aos grupos vulneráveis e desfavorecidos. Para Mathivet (2010, p.24), a Carta Mundial do Direito à Cidade
conferiu “legitimidade de ação e de organização, baseados nos seus usos e costumes, com o objetivo de alcançar o pleno exercício da
livre autodeterminação e um nível de vida adequado”, assim a efetividade do direito à cidade se consolida mediante:
Mathivet (2010) complementa que a Carta Mundial pelo Direito à Cidade foi estruturada em três eixos fundamentais:
o exercício pleno da cidadania, ou seja, o exercício de todos os direitos humanos que asseguram o bem-estar coletivo dos
habitantes e a produção e gestão social do habitat;
a gestão democrática da cidade, através da participação da sociedade de forma direta e participativa, no planejamento e
governo das cidades, fortalecendo as administrações públicas na escala local, assim como as organizações sociais.
a função social da propriedade e da cidade, sendo predominante o bem comum sobre o direito individual da propriedade, o
que implica no uso socialmente justo e ambientalmente sustentável do espaço urbano (MATHIVET, 2010, p.25).
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 143
Neste contexto, Borja (2009) defende que o desenvolvimento e legitimação dos direitos do cidadão dependerão de três
momentos:
Um processo cultural, de hegemonia dos valores que estão na base destes direitos e explicitação dos mesmos;
Um processo social, de mobilização dos cidadãos para conseguir sua legalização e a criação de mecanismos e
procedimentos que o tornem efetivo;
Um processo político-institucional para formalizá-los, consolidá-los e desenvolver as políticas para fazê-los efetivos
(BORJA 2009, s/p).
Borja (2009) afirma que os atores principais deste processo não são as estruturas políticas tradicionais do Estado, ou ainda,
de partidos políticos, mas sim os movimentos sociais. Estes movimentos, em regra, têm caráter reivindicatório e questionam o
desempenho institucional do Estado ao buscar políticas públicas maximizadoras do bem-estar, objetivando a qualidade de vida em
seu bairro.
A gestão democrática da cidade é tida como um princípio informativo do Direito Urbanístico e está estritamente relacionado
com a cidadania, a dignidade da pessoa humana, a erradicação da pobreza e das desigualdades sociais, preservação dos recursos
ambientais, ou seja, ‘ao bem-estar de todos, para construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
A máxima deste princípio é prevista no Estatuto da Cidade, com as seguintes prerrogativas: na gestão democrática na
formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano (art. 2º, II); no controle social
na utilização dos instrumentos que implicarem dispêndio de recursos públicos municipais (art. 4º, § 3º); no monitoramento de
operações urbanas (art. 33, VII); na participação da discussão do plano diretor (art. 40, § 4º, I); na gestão da cidade, no que respeita
à formulação do orçamento participativo, do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias, do orçamento anual e nas atividades
dos organismos gestores das regiões metropolitanas e aglomerações urbanas (arts. 43 a 45).
Todavia, a participação da população, mesmo nos dias atuais, constitui um sistema frágil e ainda em construção, pois há
necessidade que se desenvolva efetivamente a institucionalização dos procedimentos e a ampliação da participação popular, sendo
que para isso devem ser viabilizados todos os canais de participação da população na tomada de decisão do Estado (DAHL, 1997).
144 - Regularização Fundiária Sustentável
Segundo Robert Dahl (1997), para que a ordem política tenha o caráter democrático, é primordial que haja uma “composição”
da agenda, onde a população possa decidir sobre temas que serão objetos de deliberação do Estado (“decisão”), possibilitando à
participação da população, no estágio decisivo, e que assegure a cada cidadão, a igualdade de expressão e escolha e a percepção da
capacidade intelectual do indivíduo de fazer determinadas escolhas. Robert Dahl esclarece que
[...] cada cidadão deve ter oportunidades adequadas e iguais para descobrir e validar (dentro do tempo permitido
pela necessidade de uma decisão) a escolha sobre a matéria a ser decidida que melhor serviria aos interesses dos
cidadãos (1989, p.112 apud RODRIGUES, 1999, p.101).
Apesar das proposituras de Dahl (1989), a instrumentalização da gestão democrática de cidades esbarra no descrédito de
uma parcela significativa da população, a qual devido ao histórico de atuação política no Brasil entende-se que este processo se
apresenta como uma simulação teatral, onde a população é apenas usada para legitimar o interesse público, que na realidade
escamoteiam a lógica do mercado imobiliário. Essa lógica está estruturada a partir de uma política pública de regularização fundiária
sustentável, por meio da qual viabiliza-se o direito de permanência de um grande contingente de pessoas em assentamentos
precários, fundamentados pelo direito à moradia.
Neste mesmo sentido, o princípio da educação ambiental se consagra, expressamente, no art. 225, §1º, VI da Constituição
Federal de 1988, ao determinar que incumbe ao Poder Público "promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a
conscientização pública para a preservação do meio ambiente". Segundo Fiorillo (2009, p.58) este princípio decorre do princípio da
participação55 na tutela do meio ambiente, onde “busca conscientizar ecologicamente ao povo, titular de direito ao meio ambiente,
permitindo a efetivação da participação na salvaguarda desse direito”. Neste sentido educação ambiental significa:
55 Acerca do referido princípio a Declaração do Rio de Janeiro de 1992, em seu art. 10, estabelece: [...] a melhor maneira de tratar questões ambientais é
assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo terá acesso adequado às informações
relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações sobre materiais e atividades perigosas em suas comunidades,
bem como a oportunidade de participar dos processos decisórios. Os estados irão facilitar e estimular a conscientização e a participação popular, colocando as
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 145
a) reduzir os custos ambientais, à medida que a população atuará como guardiã do meio ambiente;
b) efetivar o princípio da prevenção;
c) fixar a idéia de consciência ecológica, que o princípio da solidariedade, no exato sentido que perceberá que o meio ambiente
é único, indivisível e de titulares indetermináveis, devendo ser justa e distributivamente acessível a todos;
d) efetuar o princípio da participação, em outras finalidades (FIORILLO, 2009, p.58, organização nossa).
Este princípio se atrela ao princípio da gestão democrática da cidade, pois há necessidade que a população seja
conscientizada de que o espaço urbano se constitui num bem ambiental, e por sua natureza se reveste do caráter difuso, sendo, por
conseguinte, de interesse comum. Nesta seara, é dever do Estado a promoção da educação ambiental, de modo que todos possam
compreender seus direitos como cidadãos.
É inaceitável a ambientalização dos impactos pela omissão do poder público na defesa do meio ambiente, permitindo que haja
proliferação de assentamentos humanos em áreas insalubres e de riscos. A sadia qualidade de vida preconizada no Texto
Constitucional é tida como um preceito ao direito fundamental a dignidade da pessoa humana, e vertente na qual cabe ao Estado
assegurar esta máxima.
Para Saule Junior (2007, p.32), a mobilização popular do direito à cidade tem por objetivo “reverter as desigualdades sociais
com base em uma nova ética social”, firmada pela “politização da questão urbana compreendida como elemento fundamental para o
processo de democratização da sociedade brasileira”. Entretanto, Mill (1963, p.230 apud PATERMAN, 1992, p.43), alerta que os
movimentos sociais urbanos apresentam uma estrutura ideológica frágil, visto que uma parcela significativa das comunidades
envolvidas se mantém indiferente a questões de ordem pública, “focando sua atenção e seu interesse exclusivamente sobre si
mesmo, e sobre suas famílias, como apêndice de si mesmo”.
informações à disposição de todos. Será proporcionado acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que se refere à compensação e
reparação de danos.
146 - Regularização Fundiária Sustentável
A participação popular viabiliza o acesso ao direito à cidade e pode ser considerada como uma “resposta estratégica, um
paradigma frente à exclusão social e à segregação espacial gerada pelo neoliberalismo”, permitindo assim que as “pessoas voltem a
ser donas da cidade e esta seja o cenário de encontro para a construção da vida coletiva.” (MATHIVET, 2010, p.25).
Saule Junior (2007, p.32) esclarece que no caso do Brasil o direito à cidade foi entendido como um “direito fundamental
inerente de todas as pessoas que vivem em cidade”, sendo normatizado na Constituição Federal de 1988, pela emenda popular de
reforma urbana56. Neste sentido, o mesmo autor (SAULE JUNIOR, 2007, p.34) enfatiza que o direito à cidade “retrata a defesa da
construção de uma ética urbana fundamentada na justiça social e cidadania, ao afirmar a prevalência dos direitos urbanos e definir
os preceitos, instrumentos para viabilizar as transformações necessárias para a cidade exercer sua função social”.
O direito à cidade defende que as pessoas que vivem em cidades se apropriem, não só do espaço físico, mas também do
espaço político, por meio de um processo de gestão democrática, como mecanismo de reivindicarem seus direitos e assim fazer com
que a cidade exerça sua função social.
Na Carta Mundial do Direito à Cidade as pessoas que vivem em cidades têm o direito a participar através de formas diretas e
representativas na elaboração, definição implementação e fiscalização de políticas públicas e do orçamento municipal das
cidades, para fortalecer a transparência, eficácia e autonomia das administrações públicas locais e das organizações
populares. A falta de mecanismos e organismos que assegurem a participação dos habitantes na gestão da cidade implica
numa clara violação do direito a Cidade (SAULE JUNIOR, 2007, p.33).
56
Um agrupamento de entidades da sociedade civil e movimentos populares, por meio da emenda popular, a proposta de incluir no texto constitucional um
conjunto de objetivos e de princípios, regras e instrumentos destinados ao reconhecimento e à institucionalização de direitos para as pessoas que vivem nas
cidades atribui a competência ao Poder Público, em especial, ao município, de aplicar instrumentos urbanísticos e jurídicos voltados a regular a propriedade
urbana para ter uma função social, bem como para a promoção de políticas voltadas a efetivação destes direitos. Segundo Anais da Constituinte de 1988
(Senado Federal), a proposta popular de emenda ao Projeto Constitucional sobre a reforma urbana, subscrita por 131.000 eleitores, foi apresentada pela
Articulação do Solo Urbano – ANSUR. Movimento de Defesa do Favelado – MDF, Federação nacional dos Arquitetos – FNA, Federação Nacional dos Engenheiros
– FNE, Coordenação Nacional dos Mutuários dos Arquitetos do Brasil – IAB. Saule Junior (2007, p.32).
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 147
Diante do exposto, para que as políticas públicas possam vir assegurar o Direito à Cidade, faz-se necessário instrumentalizar
o poder público local, fortalecendo sua autonomia, no gozo de suas prerrogativas como ente federativo.
A partir da instrumentalização jurídica do Município, o processo de efetivação do Direito à Cidade passa ser uma
responsabilidade do gestor municipal, o qual deve promover a função social da cidade a partir de ações fundamentadas dos
seguintes princípios:
Princípio da Função Social da Cidade e da Propriedade
O Princípio da Função Social da Cidade e da Propriedade difundido pela Carta Mundial do Direito a Cidade recomenda que a
cidade tenha como finalidade primordial o atendimento à função social do espaço. O princípio objetiva garantir que todas as
pessoas possam ter acesso ao usufruto pleno da economia e da cultura da cidade, dentro de “critérios de equidade
distributiva, complementaridade econômica, respeito à cultura e sustentabilidade ecológica para garantir o bem-estar de
todos os habitantes em harmonia com a natureza, hoje e para as futuras gerações.” (CARTA MUNDIAL DE DIREITO À
CIDADE, s/ p.).
Neste contexto, a função social da cidade se materializa quando os espaços e bens públicos e privados priorizarem o
interesse social, cultural e ambiental, o que vêm justificar a imprescindível formulação de políticas públicas dentro de
parâmetros democráticos, de justiça social e de condições ambientais sustentáveis, objetivando a promoção do uso social,
ambientalmente justo e equilibrado do solo urbano.
Além do mais, o direito à cidade deve assegurar que os cidadãos tenham acesso aos benefícios oriundos dos ônus da
urbanização (rendas extraordinárias da mais-valias). A Carta Mundial de Direito à Cidade (s/ p.), recomenda que esta renda
(mais-valia) - gerada através de investimentos públicos e que em regra beneficia o setor privado (mercado imobiliário) -
deveria ser “gestionada em favor de programas sociais que garantam o direito a moradia e a uma vida digna aos setores em
condições precárias e em situação de risco”.
A aplicabilidade imediata deste princípio seria, por si só, suficiente para inibir a elaboração equivocada de políticas públicas
voltadas para as emergentes demandas urbanas, para as quais o Estado tem apresentado como resposta os recentes
programas de regularização fundiária sustentável, pois segundo Martim Smolka (2003, p.269) são ações parciais e
limitadas, visto que as experiências implementadas não apresentaram evidencias de qualquer contribuição no sentido de
148 - Regularização Fundiária Sustentável
amenizar os quadros de pobreza urbana, podendo inclusive surtir um efeito perverso. De certa forma, este princípio deve ser
aplicado, segundo Nelson Saule Junior,
[...] para as soluções de conflitos urbanos de alta litigiosidade e complexidade que verse sobre o direito à cidade, como ocorre
nos casos de ocupações, para fins de moradia, por população de baixa renda, em áreas consideradas de preservação
ambiental, como os mananciais e mangues, sobre as quais se questiona se estas áreas devem ser objeto de urbanização e
regularização fundiária ou de remoção das pessoas ocupantes. (SAULE JUNIOR, 2007, p.55)
Na dinâmica do direito à cidade, pressupõe-se que o direito à propriedade deva prover a função social, contemplando os
aspectos ambientais do espaço, bem como, no provimento dos benefícios e ônus proveniente do processo de urbanização de
forma eqüitativa. Para tanto, a adoção da função social das cidades e da propriedade enquanto mandamento fundamental,
teve por fim, nortear a política urbana com vistas à construção da sustentabilidade, o que proporcionou significativa
contribuição para a incorporação de uma nova ética urbana, pois segundo as considerações efetuadas por Saule Junior
(2007, p.55), esta importância acontece na medida “em que os valores da paz, da justiça social, da solidariedade, da
cidadania, dos direitos humanos predominem no desempenho das atividades e funções da cidade, de modo que estas sejam
destinadas à construção de uma cidade mais justa e humana.”
[...] encontra-se diretamente ancorado na dignidade da pessoa humana, não sendo por outro motivo que a Declaração
Universal da ONU consagrou que todos os seres humanos são iguais em dignidade e direitos. Assim, constitui pressuposto
essencial para o respeito da dignidade da pessoa humana a garantia da isonomia de todos os seres humanos, que, portanto,
não podem ser submetidos a tratamento discriminatório e arbitrário, razão pela qual não podem ser toleradas a escravidão, a
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 149
discriminação racial, perseguições por motivo de religião, sexo, enfim, toda e qualquer ofensa ao princípio isonômico na sua
dupla dimensão formal e material (SARLET, 2001. p.89).
No ambiente urbano, a aplicabilidade deste princípio tem por finalidade diluir as diferenças e as desigualdades sociais e
territoriais. Esta máxima, apresenta uma interface com a aplicação do princípio da não-discriminação enquanto
complemento de seus valores.
O princípio da não-discriminação está ligado ao princípio da igualdade em sua vertente igualdade em direitos, ou igualdade
na lei, pressupondo a vedação de discriminações injustificadas. O referido princípio ultrapassa a idéia de igualdade perante
a lei, pois traz a idéia de usufruto dos direitos fundamentais por todos os indivíduos (ROMITA, 2005). Da mesma forma, os
tratamentos normativos diferenciados somente serão compatíveis com a Constituição quando verificada a existência de uma
finalidade proporcional ao fim visado (MORAES, 1999).
Assim, o princípio da igualdade, bem como a não discriminação, baliza que todas as pessoas tenham o direito à cidade,
independente de idade, gênero, orientação sexual, idioma, religião, opinião, origem étnica racial, social, nível de renda,
cidadania ou situação migratória.
Assim, o direito à cidade deve ser assegurado por meio de políticas públicas, ao se constituírem em mecanismos de amparo
a pessoas e grupos sociais com essas especificidades, com o propósito de superar os obstáculos de ordem política,
econômica, social e ambiental, os quais por inúmeras vezes limitam a liberdade, equidade e igualdade, desses cidadãos.
As dificuldades de aplicabilidade estão associadas ao insuficiente aparato institucional de gestão urbana. De modo geral, o
poder público local conta com uma incipiente organização técnica para efetivar as regras urbanísticas estabelecidas, o que
resulta na dificuldade de entendimento dos objetivos do conjunto das normas urbanísticas, na dificuldade de monitoramento
do crescimento urbano de acordo com essas normas e na debilidade em fiscalizar sua aplicação. Essa conjuntura de fatores,
a outros mais perversos, provoca a existência de uma cidade irregular ou ilegal, tornando a norma urbanística inócua a
despeito de sua função de orientar a organização dos espaços urbanos (NEGREIROS; SANTOS, 2001. p.132).
A Constituição Federal de 1988 pode ser considerada como um marco divisor com relação à autonomia concedida aos
Municípios Brasileiros. O cenário anterior era totalmente abafado pela coação da Emenda Constitucional n° 1/69 que impedia
qualquer liberdade de autonomia aos hoje denominados entes municipais. Tal emenda era fruto das estratégias da Revolução de
1964 e das características intrínsecas da linha centralizadora do Regime Militar, na qual havia, por exemplo, a regra de nomeação
dos prefeitos de capitais, de estâncias e de municípios de segurança nacional.
Com a nova Carta Magna de 1988 foram instituídas modificações significativas ao cenário político brasileiro, houve a
descentralização das competências da União, divididas em Estados, Distrito Federal e Municípios. Tal divisão possibilitou a ascensão
152 - Regularização Fundiária Sustentável
dos Municípios como entes participantes do pacto federativo (Art. 1° da Constituição Federal de 1988).
O Texto Constitucional baseou-se na idéia de que o Município é o ente de maior proximidade com a população, uma vez que
este é responsável por disciplinar e administrar os interesses locais.
Deste modo, a Carta Magna o reveste de independência de gestão para que suas políticas sejam direcionadas aos cidadãos,
permitindo ainda competência para legislar sobre assuntos de seu interesse, dotando-o de poder de auto-organização, onde segundo
Gama (2004), esse Diploma Legal conferiu aos municípios uma posição de destaque no sistema federativo nacional. Silva (2003), em
sua obra “O Município na Constituição Federal de 1988,” afirma que:
Não se pode olvidar que na pirâmide do Estado Federado, a base, o bloco modular é o Município, pois é nesse que reside a
convivência obrigatória dos indivíduos. É nesta pequena célula, que as pessoas exercem os seus direitos e cumprem suas
obrigações; é onde se resolvem os problemas individuais e coletivos. Está no Município a escola da democracia. É no
Município que se cuida do meio ambiente; é nele que se removem os detritos industriais e hospitalares e se recolhe o lixo
doméstico; é nele que as pessoas transitam de casa para o trabalho nas ruas e avenidas, nos carros, coletivos e variados
meios de transporte. É no Município que os serviços públicos são prestados diretamente ao cidadão; é nele que os indivíduos
nascem e morrem. Para regular tão extenso âmbito de fatores e relações, outorgou a Constituição de 1988, ao legislador local,
a competência legislativa sobre a vida da comunidade, voltada às suas próprias peculiaridades, através da edição de normas
dotadas de validez para esse ordenamento local. A expressão haurida do texto constitucional tem, como sobejamente dito e
repetido, a limitar seu âmbito de aplicação, a regra constitucional da competência, sem cuja interpretação sistemática
destinaria toda análise do tema ao fracasso. Isto porque, no âmbito geral, enquanto a competência federal privativa é
numerada pela Constituição de 1988, a estadual é residual e a municipal é expressa, mas não numerada, gravitando em torno
do conceito operacional de interesse local (SILVA, 2003, p.107-108).
Segundo Silva (2003), faz-se necessário o aprofundamento na doutrina jurídica do que se entende por interesse local,
considerando que a municipalidade deverá resolver problemas de complexidades diversas, as quais envolvem direitos individuais e
coletivos já consagrados pelo ordenamento jurídico. Este resgate é vital à coerência dissertativa da presente pesquisa, que a
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 153
Tem-se que o inciso I do artigo 30 acima enunciado, engloba, na verdade, uma gama de institutos, dada a sua relevância para
assegurar o direito à cidade, com ênfase na qualidade de vida dos munícipes, sendo esta, explicitamente de interesse local.
Essa nova ordem foi balizada pelo Princípio da Descentralização que tem com função a heterogeneidade das políticas
públicas, onde favorece a predominância entre as regiões e as peculiaridades de cada cidade. Nas palavras de Amadei (2006, p.42),
permite que “o eixo em torno do qual se movem as operações urbanísticas é a situação concreta e peculiar de cada cidade e, por
isso, deve haver diversificação ou heterogeneidade das medidas urbanísticas, que devem ser adequadas e necessárias à realidade
local”. Assim, o princípio da descentralização está relacionado à autonomia conferida aos entes federativos, a qual dá prerrogativa à
municipalidade de promover o adequado ordenamento do solo urbano.
Entretanto, o conceito de interesse local é cercado por conflitos de interpretação por parte da doutrina, considerando a
subjetividade de que se reveste tal conceito o torna impreciso e, em terreno doutrinário, não foram poucas as definições a ele
atribuídas, como por exemplo: Carrazza (1991, p.109) entende por interesse local “tudo aquilo que o próprio município, por meio de
lei, vier a entender de seu interesse” e complementa: “[...] interesses dos municípios são os que atendem, de modo imediato, às
necessidades locais, ainda que com alguma repercussão sobre as necessidades gerais do Estado ou do País”.
Para Bastos (1998, p.311) o interesse local pode ser entendido como “necessidades imediatas e, indiretamente, em maior ou
menor repercussão, como as necessidades gerais”. Sendo que Moraes (2001) esclarece o referido conceito da seguinte forma:
Apesar de difícil conceituação, interesse local refere-se àqueles interesses que disserem respeito mais diretamente às
necessidades imediatas dos municípios, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional (Estados) ou geral
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 155
(União), pois, como afirmado por Fernanda Dias Menezes, ‘é inegável que mesmo atividade e serviços tradicionalmente
desempenhados pelos municípios, como transporte coletivo, polícia das edificações, fiscalização das condições de higiene de
restaurante e similares, coleta de lixo, ordenação do uso do solo urbano, etc., dizem secundariamente com o interesse
estadual e nacional’ (MORAES, 2001, p.301).
Como elencado as tradicionais e reconhecidas hipóteses de interesse local, as demais deverão ser analisadas caso a caso,
vislumbrando-se qual o interesse predominante, baseado no princípio da predominância do interesse.
Mesmo sendo clara a competência municipal, faz-se necessário delimitá-la de forma sistemática, os parâmetros
constitucionais das competências privativas ou exclusivas, cumulativas, concorrentes e suplementares do Município.
A competência material exclusiva, de natureza indelegável, pertence à União, não podendo ser invadida pelos outros entes.
Assim, em face do disposto nos artigos 21 (competência administrativa ou material) e 22 (competência legislativa privativa) da
Constituição Federal de 1988, compete somente à União exercer os poderes lá consagrados. A unidade central se reveste diretamente
dos poderes, sem interferência de qualquer outra entidade da Federação.
Ao contrário do que se pensa, a competência exclusiva não é apenas prerrogativa da União. Pode-se visualizar, no âmbito
municipal, a existência desta competência com referencia à lei orgânica, caso em que compete exclusivamente ao município legislar.
Para reforçar a idéia tratada na frase anterior, Silva (2002. p. 621) traz como uma das capacidades do município que lhe confere
autonomia “a capacidade de autolegislação, mediante a competência de elaboração de leis municipais sobre áreas que são
reservadas à sua competência exclusiva”, como por exemplo, a lei orgânica do Município.
156 - Regularização Fundiária Sustentável
A competência material comum está prevista no artigo 23 e outorga aos entes federados poderes para atuar sobre a mesma
matéria de cunho administrativo (material), sem que um interfira na respectiva área de atuação do outro. Na verdade, a Constituição
Federal impõe à União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal a fiscalização e instrumentalização do ônus consistente na
prestação de serviços e na execução de atividades, cuidando de atribuir encargos específicos em questões econômicas, sociais e
administrativas.
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público;
II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;
III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens
naturais notáveis e os sítios arqueológicos;
IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou
cultural;
V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência;
VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;
VII - preservar as florestas, a fauna e a flora;
VIII - fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar;
IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico;
X - combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores
desfavorecidos;
XI - registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em
seus territórios;
XII - estabelecer e implantar política de educação para a segurança do trânsito.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 157
Parágrafo único. Lei complementar fixará normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.
Quando se trata, por conseguinte, da competência comum, tem-se os quatro entes equiparados, abarcando cada qual sua
área respectiva de atuação para tutela e gestão no âmbito municipal. Dada competência é um poder-dever de cada ente, não sendo
facultado ao administrador abrir mão de seu exercício.
A competência legislativa concorrente desdobra-se em duas vertentes. A primeira, concernente a conteúdos editados por uma
norma geral que fica a cargo da União (§ 1º do artigo 24 da Constituição Federal). Já a segunda vertente vem com o propósito de
detalhar o conteúdo lançado pela norma geral, sob a responsabilidade legislativa do Estado (§ 2º do artigo 24 da Constituição
Federal).
Ainda que o Município não possua participação ativa na competência concorrente, sem dúvida é ele o mais interessado nos
rumos que esta legislação venha a tomar, uma vez que a maioria destas normas será instrumentalizada em seu território.
É na competência suplementar que as normas genéricas elaboradas pela União ou pelos Estados são suplementadas pela
norma municipal no caso da mesma não disciplinar todas as possibilidades de aplicação para um determinado Município. Nos
158 - Regularização Fundiária Sustentável
Segundo a Constituição Federal, para que o Município possa exercer a competência suplementar é necessário que a matéria
seja concorrente entre o Estado e a União, e que seja comprovado o relevante interesse local.
Conforme ensina o Ministro José Augusto Delgado:
[...] no que se refere ao problema da competência concorrente, entendo que a Constituição Federal exclui, de modo proposital,
o Município. Não obstante, ao assim se posicionar, permitiu, contudo, que o Município suplementasse a legislação federal e a
estadual no que couber (art. 30, II, da CF). Dentro desse quadro, o Município pode legislar sobre meio ambiente (VI do art. 23),
suplementando a legislação federal em âmbito estritamente local (DELGADO, s/a, p.42).
À primeira vista, é possível pensar que o constituinte excluiu dos Municípios a possibilidade de legislar, entretanto, uma
análise mais atenta denota haver a Constituição criado mecanismos que guarneçam condições ao ente municipal de legislar em
caráter suplementar.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 159
No tocante ao interesse local há dois aspectos a serem abordados referentes à natureza objetiva que representa uma
necessidade stricto sensu e uma subjetiva, que personifica uma tal necessidade a uma pessoa ou determinado grupo de
interessados, no caso os munícipes, os quais partilham de um contexto comum, com maior ou menor grau de aproximação em si e
com uma identidade definida a partir das possibilidades e carências do meio ambiente em que estão inseridos.
Deve-se considerar que o Texto Constitucional de 1988 determina que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um
direito humano fundamental, de natureza difusa. Nesta corrente Rodrigues (2002) complementa afirmando que
[...] o meio ambiente sadio e equilibrado constitui um direito do homem, cuja tarefa é manter o entorno ecologicamente
equilibrado (dever do poder público e da coletividade) para futuras gerações, torna-se interessantíssimo o estudo dos
componentes desse bem ambiental (do equilíbrio ecológico), porque o próprio homem, sujeito de direitos, é parte indissociável
do ecossistema e deve respeitar a sua função e papel na manutenção do seu equilíbrio, sob pena de exterminar tudo
(RODRIGUES, 2002, p.59).
Nesta lógica, o interesse local passa a abarcar o direito coletivo e se inter-relaciona com a natureza jurídica do bem
ambiental, reafirmando os preceitos do direito difuso. Para Mirra (2002), o meio ambiente é um direito fundamental, visto ser
indispensável à sadia qualidade de vida digna. Com a mesma abordagem, Almeida (2000), explicita:
Da análise de tais dispositivos constitucionais, percebemos, inicialmente, que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é
essencial à qualidade de vida digna. Mais que evidente, é incontestável a percepção que, no atual estágio da humanidade,
toda a vida humana corre o imenso risco de perecer. A toda hora do dia e da noite, somos informados pelos meios de
160 - Regularização Fundiária Sustentável
Conforme elucidou Almeida (2000), a garantia da qualidade de vida é um direito fundamental determinado pela Carta Magna
de 1988, e cabe às municipalidades o dever de cumprir esse preceito constitucional ao regulamentar matéria de interesse local.
Ao se falar em tutela do ambiente urbano, é preciso buscar no ordenamento jurídico condições plenas de preservação desta
matéria, que se mostra imprescindível. O sistema jurídico deve, antes de mais nada, fornecer instrumentos, sejam de cunho material
ou processual, para que esta tutela se concretize de forma satisfatória. Em âmbito municipal, encontram-se os diplomas, que podem
ser destacados como de grande relevância para o funcionamento do arcabouço executivo, quer seja a Lei Orgânica, o Plano Diretor, a
Legislação Orçamentária, o Código Ambiental, o Código de Obra, a Lei de Ocupação e Uso do Solo, a Lei de Parcelamento do Solo, o
Código Tributário, entre outros (Quadro 04).
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 161
DIPLOMAS DESCRIÇÃO
A Lei Orgânica se constitui como a célula mãe do sistema jurídico municipal, traçando regras diretrizes para organização do
governo local, regendo a harmonia entre os poderes Executivo e Legislativo. A Lei Orgânica deve fixar, ainda, os princípios
norteadores da Política Municipal de Meio Ambiente, indicando que o desenvolvimento do Município dependerá
LEI ORGÂNICA
essencialmente da incorporação da referência ambiental no planejamento, na execução das atividades e na elaboração dos
instrumentos legais – Lei de Parcelamento, de Uso e Ocupação de Solo, Plano Diretor, Legislação Orçamentária: enfim em
todo o processo de tomada de decisão local.
Previsão legal no § 1º do artigo 181 da Constituição Federal de 1988, posteriormente regulamentado pela Lei Federal
PLANO DIRETOR
10.257, de 10 de julho de 2001, denominada Estatuto da Cidade.
Os instrumentos jurídicos que compõe tal legislação são: o PPA - Plano Plurianual, LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias e
LEGISLAÇÃO ORÇAMENTÁRIA
a LOA - Lei Orçamentária Anual, com previsão legal no artigo 165 da Constituição Federal de 1988.
A Lei de Parcelamento de Solo esta intimamente ligada à legislação de ocupação e uso do solo e a legislação ambiental, vez
LEI DE PARCELAMENTO DE
que o parcelamento é condição da própria ocupação e uso do solo. Trata de questões práticas sobre a divisão do solo com
SOLO
relação à implantação de novos loteamentos e aos possíveis parcelamentos já existentes.
A lei de uso e ocupação do solo constitui uma legislação específica pertencente a cada Município, que serve para orientar
LEI DE USO e OCUPAÇÃO DO
como deve ocorrer a ocupação do solo, estabelecendo diretrizes que devem ser respeitadas. Levam-se em conta aspectos
SOLO
do planejamento urbano e ambiental, com fim de atender a função social da propriedade e da cidade.
Segundo Henrique Hirschfeld (1993, p. 23), “os objetivos que devem ser alcançados com o Código de Obras, no âmbito do
município, são de disciplinar os procedimentos administrativos e executivos, e as regras gerais e específicas a serem
CÓDIGO DE OBRAS
obedecidas no projeto, licenciamento, execução, manutenção e utilização de obras, edificações e equipamentos, dentro dos
limites dos imóveis em que se situam, inclusive os destinados ao funcionamento de órgãos ou serviços públicos”.
O Código de Postura é um diploma legal que trata da regulamentação da prestação de serviços pela Administração Pública,
no tocante à utilização e manutenção de espaços públicos e de uso coletivo. Sua abordagem sobre os aspectos ligados aos
CÓDIGO DE POSTURA
serviços urbanos é de suma importância para assegurar uma boa qualidade de vida aos munícipes, uma vez que está
estritamente relacionado com os manejos dos recursos ambientais.
Dentro da competência municipal conferida pela Constituição Federal para legislar sobre tributação, pode o Município
CÓDIGO TRIBUTÁRIO utilizar-se de políticas de proteção ao ambiente urbano. Para tanto faz uso de mecanismos tributários, seja a isenção,
anistia, remissão, etc, como forma de incentivar o cidadão a preservar o ambiente urbano.
162 - Regularização Fundiária Sustentável
Estes instrumentos jurídicos, fornecidos pelo ordenamento vigente, servem como norteadores para orientar a ação do
administrador municipal. Dada essa grande proeminência dentro dos rumos que serão tomados nas decisões de interesse local, é
necessário que estes instrumentos sejam elaborados de modo a possuírem eficácia.
Historicamente, a reforma urbana é uma conquista social fruto da reivindicação de vários segmentos da sociedade brasileira.
Sua trajetória teve início nos anos 1960 com a mobilização de uma parcela progressista da sociedade que demandava por reformas
estruturais relacionadas à questão fundiária. Época em que a reforma agrária já estava na pauta da base governamental do
presidente João Goulart, fato este que permitiu abrir caminho para discussão da problemática fundiária nas cidades. Com este
evento, foi possível a formatação, em 1963, de uma proposta, junto ao Congresso Nacional, promovida pelo Instituto dos Arquitetos
do Brasil. Entretanto, esta foi inviabilizada pelo golpe militar de 1964 (SAULE JUNIOR; UZZO, 2010).
Na década de 70 surge o Movimento Nacional por Reforma Urbana - MNRU, formado por “movimentos sociais urbanos,
aliados às entidades profissionais de arquitetos, engenheiros, geógrafos e assistentes sociais” (BASSUL, 2004, p. 21). Esse
movimento teve o “objetivo de modificar o perfil excludente das cidades brasileiras, marcadas pela precariedade das políticas
públicas de saneamento, habitação, transporte e ocupação do solo urbano”, e assim, criar uma nova ética social, contra a dualidade
do espaço urbano, materializado pela omissão e descaso dos poderes públicos (SAULE JUNIOR; UZZO, 2010, p.260).
Após realizar uma campanha em nível nacional, o MNRU, com o apoio de cerca de 150.000 mil assinaturas, conseguiu
elaborar e apresentar uma proposta de emenda para ser incorporada na Constituição Federal de 1988, sustentada pelas organizações
da sociedade civil, movimentos, entidades de profissionais, organizações não-governamentais e sindicatos57.
57
Entre estas instituições destaca-se: “Federação Nacional dos Arquitetos, Federação Nacional dos Engenheiros, Federação de Órgãos para Assistência Social e
Educacional (FASE), Articulação Nacional do Solo Urbano (ANSUR), Movimento dos Favelados, Associação dos Mutuários, Instituto dos Arquitetos, Federação
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 163
A importância do trabalho realizado pelo MNRU e demais segmentos sociais, garantiu, pela primeira vez em nossa história, a
inclusão de um capítulo reservado à Política Urbana no Texto Constitucional de 1988, abrindo precedentes para atender as propostas
reivindicadas pela reforma urbana. Posteriormente,ou seja, após 10 anos de difícil tramitação no Congresso Nacional, é
regulamentada a aprovação da Lei Federal nº 10.257/2001, conhecida como Estatuto da Cidade.
Este dispositivo legal teve como propósito fundamental a busca da transformação do cenário caótico das cidades brasileiras,
impactadas pelas forças hegemônicas do capital. Neste contexto, são materializadas as divergências de ordem socioeconômica,
urbanística e ambiental, decorrentes de condutas e atividades antrópicas, responsáveis pela degradação dos ecossistemas das
cidades.
Atualmente, no contexto do mundo em desenvolvimento, o que significa falar das cidades brasileiras, conforme documentos e
relatórios acadêmicos/científicos, estas apresentam várias demandas, como por exemplo: desemprego, pobreza, habitações sub-
humanas, carência de serviços e equipamentos públicos, etc.
O direito à cidade, tão reivindicado pelo MNRU, vai além do direito de ter acesso a uma moradia, este inter-relaciona-se com
os “direitos e deveres que incluíssem o direito ao trabalho, ao saneamento, ao transporte, ao acesso a equipamentos públicos, entre
outros”, é a conexão que permite a efetivação da cidade de todos e para todos. (SAULE JÚNIOR; UZZO, 2010, p.264).
No Texto Constitucional de 1988, foi reservado um capítulo às questões do ordenamento urbano. Em dois artigos (art.182 e
art.183), os autores do Texto Constitucional colocaram no papel os primeiros tópicos legais para a implementação da política urbana.
Assim, o artigo 182 da Carta Magna, coloca como preceito da política urbana a realização do pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade que
das Associações dos Moradores do Rio de Janeiro (FAMERJ), Pastorais, movimentos sociais de luta pela moradia”, entre outras (SAULE JUNIOR; UZZO, 2010,
p.260).
164 - Regularização Fundiária Sustentável
[...] é cumprida quando proporciona a seus habitantes o direito à vida, à segurança, à igualdade, à propriedade e à liberdade
(CF, art. 5º, caput), bem como garante a todos um piso vital mínimo, compreendido pelos direitos sociais à educação, à
saúde, ao lazer, ao trabalho, à previdência social, à maternidade, à infância, à assistência aos desempregados, entre outros
encontrados no art. 6º (FIORILLO, 2009, p.341).
Conforme enfoca Fiorillo (2009), a política urbana deve assegurar a função social da cidade de modo a promover a dignidade
da pessoa humana segundo os princípios constitucionais.
Conforme os apontamentos apresentados no primeiro capítulo, a idealização de uma cidade sustentável é balizada pelos
preceitos fundamentais do direito à vida saudável, que segundo Fensterseifer (2009, p.285) deve atender aos “padrões mínimos
exigidos constitucionalmente para o desenvolvimento da existência humana, num ambiente natural com qualidade ambiental”. Fiorillo
(2009, p.13) afirma que esse “mínimo” exigido (previsão legal no art. 225 em face das diretrizes do art. 1º combinado com o art. 6º
da Constituição Federal de 1988) refere-se ao “piso vital mínimo”, onde deva possuir uma “vida não só do ponto de vista fisiológica,
mas, sobretudo por valores outros”, dentre os quais, quando as estruturas de um ambiente sadio, venham assegurar a “dignidade da
pessoa humana”.
Deste modo, o Estado Democrático de Direito58 deve promover a dignidade da pessoa humana, oferecendo as condições
mínimas de existência. Assim, é papel do Estado, como uma entidade reguladora e mediadora das relações e conflitos oriundos entre
58
O princípio do Estado de Democrático de Direito é considerado um dos fundamentos da República, conforme prescreve o art. 1º da Constituição Federal de
1988, onde, amparado por uma série de princípios, como o da constitucionalidade, o democrático, o da igualdade, o da legalidade, o da segurança jurídica, o do
devido processo legal, o da justiça social, dentre tantos outros, permitiu que o Texto Constitucional fosse considerado como a primeira Constituição Cidadã do
Brasil, denotando assim o Estado Democrático de Direito. Neste sentido, este princípio tem por prerrogativa o alcance de todos os direitos e garantias
fundamentais, consolidados nas mais diversas constituições, com a alcunha de Direitos e Garantias Individuais positivados no artigo 5º(CF/88). Advém
também, deste princípio, a divisão de poderes da federação, dentre outras funções, pelo qual se materializa o cumprimento do Estado Democrático de Direito,
onde, no arranjo constitucional, coube ao Legislativo a elaboração de leis democráticas, que estabeleçam normas direcionadas tanto ao Estado quanto à
sociedade; ao Executivo, que é a esfera gestora das leis para o interesse comum; e, ao Judiciário a principal função resolver os conflitos de interesses
qualificados por pretensões resistidas, isto é justamente a aplicação do Estado Democrático de Direito. Assim, é justamente esta divisão das funções do Estado,
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 165
os interesses particulares e os interesses comuns (de ordem pública), encontrar mecanismos para mitigar as desigualdades
socioeconômicas da sociedade brasileira.
A Lei Federal nº 10.257 de 10 de julho de 2001, denominada Estatuto da Cidade, por força do seu artigo inaugural, vem
efetivando esse Preceito Constitucional.
Art. 1º Na execução da política urbana, de que tratam os arts. 182 e 183 da Constituição federal, será aplicado o previsto
nesta Lei.
Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e
interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos
cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.
O Estatuto da Cidade é um instrumento jurídico que contempla normas de ordem pública e interesse social, que tem como
objetivo tutelar matéria de ordem urbanística em prol do bem coletivo e da qualidade de vida.
Entretanto, compreende-se que apenas a lei sozinha não será suficiente para atender a complexidade das demandas
presentes nas cidades brasileiras, porém, fica explícito as possibilidades de intervenções a serem implementadas com intuito de
minimizar os quadros de exclusão social que assola as áreas urbanas.
Nesse sentido, esta importante lei se constitui num conjunto de instrumentos disponibilizados aos municípios, os quais,
que permite que haja o razoável equilíbrio e harmonia entre os poderes constituídos, funcionando como integrantes de um sistema de freios e contrapesos. Para
tanto, cabe ao Estado o dever de inibir os desacertos da atual política habitacional, o qual tem promovido programas de regularização fundiária em áreas de
risco, sem a observação cautelosa com as mínimas condições que possam assegurar, sobretudo, habitabilidade e segurança, lembrando que o Estado de Direito
Democrático está balizado pela defesa dos direitos individuais e coletivos, no intuito de afastar qualquer forma de injustiça social e ambiental. No âmbito deste
princípio, a lei deve ser assegurada de forma igualitária para todos, bem como, deve punir a negligência ou omissão de agentes administrativos que usem a
máquina pública em beneficio próprio ou para interesses de grupos privados, em detrimento do interesse coletivo. Certos da eficácia deste princípio, é esperado
o despertar do poder judiciário, frente às injustiças cometidas a milhares de brasileiros, ao lhe imputarem valores distorcidos da política de inclusão
socioespacial, amparada por um programa intitulado de regularização fundiária sustentável, que entre outros feitos, maquia a cidade a partir de um discurso
político-ideológico, pautado na implementação do direito à moradia digna.
166 - Regularização Fundiária Sustentável
conforme ressaltado por Pereira (2002, p. 196) vão “além de uma concepção de planejamento e gestão urbana participativos, que
viabilizam a operacionalização do principio constitucional da função social da propriedade”, abrindo possibilidades de intervenção
efetiva no contexto urbano.
O princípio da função social da propriedade se encontra no artigo 5º, incisos XXII e XXIII, da Constituição Federal, o qual
determina que "é garantido o direito de propriedade" e que a propriedade deverá cumprir a “função social". Assim, o Estado
reconhece a titularidade e a garantia de uso de acordo com a função social, ou seja, o uso deve estar limitado ao interesse da
coletividade.
De acordo com os apontamentos apresentados por Figueiredo (2005), o Direito Urbanístico é balizado pelos princípios
constitucionais, onde a propriedade privada passa a ter restrições de uso, frente ao interesse comum. Nesse sentido, Perlingieri
(1997) ressalta que a função social da propriedade passa a
[...] ser mais que o respeito a limites negativos, mas torna-se a própria razão pela qual o direito de propriedade foi atribuído a
um determinado sujeito, um critério de ação para o legislador, e um critério de individuação da normativa a ser aplicado para
o intérprete chamado a avaliar as situações conexas à realização de atos e atividade titular (PERLINGIERI, 1997, p.41-42).
Considerando as proposituras de Perlingieri (1997), pode-se concluir que não é a propriedade que possui uma função social,
mas sim o direito de propriedade, o qual passa a apresentar uma interface com diversos valores presentes no ordenamento jurídico
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 167
brasileiro, a exemplo da dignidade da pessoa humana, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a justiça social (distribuição da
mais-valia do ônus da urbanização), entre outros.
A função social da propriedade obriga o proprietário a condicionar o seu direito às funções sociais da cidade, devendo,
portanto, este titular sofrer as sanções legais pelo não-cumprimento da obrigação (CAVALLAZZI, ALFONSIN; FERREIRA, 2005).
Como exemplo, cita-se o caso do proprietário de uma gleba (espaço vazio) localizado em área infraestruturada, porem deixa-a
sem o uso adequado, na expectativa de uma valorização futura. Neste caso, para que esta propriedade possa promover a função
social, a municipalidade deve aplicar os instrumentos previstos para esta finalidade, e que foram contemplados no Estatuto da
Cidade, a exemplo, do IPTU progressivo no tempo, do parcelamento ou edificação compulsória59.
Essa dinâmica pode ser identificada em áreas urbanas, como processos especulativos, os quais tem conduzido um grande
contingente de pessoas a residir em áreas periféricas da cidade, muitas vezes em assentamentos precários, como é caso das áreas
faveladas, muitas das quais estão localizadas em áreas de risco, sujeitas a alagamentos e deslizamentos. Diante de tais
circunstâncias e dos conflitos e demandas decorrentes, têm-se o entendimento dos Tribunais no seguinte julgado,
APELAÇÃO CÍVEL N° 798.165-5/6-00, 23.10.08 - BRAGANÇA PAULISTA. Apelantes: MINISTÉRIO PÚBLICO e OUTROS.
Apelados: JOÃO MEIRELLES DAS CHAGAS e OUTROS.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LOTEAMENTO CLANDESTINO. VULNERAÇÃO DE INÚMEROS PRECEITOS DA LEI 6.766/79 E DO PLANO
DIRETOR MUNICIPAL ALEGADA BOA-FÉ INACOLHÍVEL INVIABILIDADE DE REGULARIZAÇÃO POR TRATAR-SE DE ÁREA DE
PRESERVAÇÃO AMBIENTAL. CONDENAÇÃO DOS INFRATORES A RESTABELECEREM A GLEBA AO ESTÁGIO ANTERIOR. APELO
DOS RÉUS DESPROVIDO.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LOTEAMENTO CLANDESTINO. VULNERAÇÃO DE MUITOS DISPOSITIVOS DA LEI LEHMAN
RESPONSABILIDADE DE TODOS OS ENVOLVIDOS. PROPRIETÁRIOS DA GLEBA, EMPREENDEDORES, CORRETORES E
BENEFICIÁRIOS. SOLIDARIEDADE RECONHECIDA INVIABILIDADE DA GRADUAÇÃO PARTICIPATIVA. ATUAÇÃO CONCORRENTE
QUE CONTRIBUIU PARA O RESULTADO LESIVO. APELO DOS RÉUS DESPROVIDO.
59
TJSP, Apelação Cível 74.557-5, 2º Câmara de Direito Privado, julgou em 1.12.98. Segundo este acórdão o direito de construir ou edificar está condicionado
pelas normas urbanísticas, em especial pelo princípio da função social da propriedade. [...]
168 - Regularização Fundiária Sustentável
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LOTEAMENTO CLANDESTINO. EXCLUSÃO DOS CORRETORES DA CONDENAÇÃO INVIABILIDADE. O
CORRETOR É OBRIGADO A SE INTEIRAR DA LISURA DO NEGÓCIO. PREVISÃO EXPLÍCITA EM SEU CÓDIGO DE ÉTICA.
RESPONSABILIDADE NÍTIDA E IRRECUSÁVEL. APELO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PROVIDO PARA A CONDENAÇÃO DOS
CORRETORES.
A implementação de loteamento clandestino - venda de fração ideal localizada - constitui infração inadmissível e que
compromete o equilíbrio urbano e a qualidade de vida da população. Quando o empreendimento irregular atinge área de
preservação ambiental a vulneração é ainda mais grave, a merecer severa sanção para servir como paradigma para outros
inescrupulosos negociantes interessados em parcelar sem se submeter à Lei de Loteamentos e ao ordenamento ecológico. Em
área de preservação ambiental loteada clandestinamente, não se há permitir a regularização, praxe invocadora do "fato
consumado" mas há de se ordenar, como lição para toda a comunidade, a reposição da gleba ao estágio anterior à
implementação detiva. Inclusive com a regeneração de eventual cobertura vegetal que existia ou deveria existir, pois a
obrigação propter rem recai sobre o titular dominial, ainda não tenha sido ele o causador da devastação.
Neste julgado, vale ressaltar que o judiciário não aceitou a regularização fundiária em APP, mesmo pela praxe invocadora do “fato
consumado”, e ainda determinou que a gleba fosse restituída ao seu estado originário. Esta ementa também enfatiza, a observância da Lei de
Loteamentos, assim como o ordenamento ecológico, como a premissa para combater a especulação do solo urbano. Desta forma, com a
finalidade de corrigir o uso e ocupação inadequada do solo urbano, com vista à promoção do justo ordenamento da cidade, o poder público local
deverá ter claramente definido os parâmetros urbanísticos em seus planos diretores (artigo 182, parágrafo 2º, da Constituição Federal) com a
devida observância da legislação ambiental60.
Neste sentido, no Estatuto da Cidade, o Plano Diretor “é tratado como tema central, ao contrário das leis anteriores, em que o assunto era
periférico, regulado apenas na sua interface com outros temas” (PINTO, 2001, p.417). Se o Estatuto da Cidade traz instrumentos federais para
ordenar as Políticas Urbanas, o Plano Diretor é o diploma municipal que efetivará esses instrumentos de forma adequada com a realidade de
cada Município.
A elaboração do Plano Diretor foi normalizada pela ABNT por meio da NBR 12.267 de 1992 que define os conteúdos que Plano Diretor
60
Embargos Infringentes - Poder de Legislar Em Matéria Ambiental - Competência Suplementar dos Municípios - Plano Diretor - Área de Preservação
Permanente - Impossiblidade de Minorar Restrição Prevista no Código Florestal. (Embargos Infringentes n.º 2004.022725-6, de Joaçaba, Voto Des. Volnei Carlin,
j. em 08/06/05).
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 169
deve contemplar.
Não obstante ao conteúdo apresentado na NBR 12.267, este instrumento jurídico e administrativo estruturado `a luz do
Princípio da Homogeneidade Institucional, o qual visa máxima em que “nenhum postulado e nenhum método urbanístico deve ser
empregado em contradição com os princípios básicos e constitucionais da sociedade”, a exemplo das normas expressas no plano
diretor, as quais devem promover a função social da propriedade (AMADEI, 2006, p.33). Desse modo, o princípio da homogeneidade
170 - Regularização Fundiária Sustentável
Institucional estabelece que a ordem urbanística deve ser balizada pelos “princípios fundamentais da sociedade”, sejam estes “no
âmbito social, econômico, jurídico, político e cultural , sendo indispensável para que haja congruência urbanística” (AMADEI, 2006, p.
33-34).
À luz do Estatuto da Cidade, o Plano Diretor é um Instrumento Urbanístico da Municipalidade “com supremacia” sobre os
outros diplomas, objetivando a qualidade de vida dos munícipes (MEIRELLES, 1993, p.393), bem como, a equidade social balizada
pelo princípio da justiça61.
Amadei (2006, p.33) comenta que o princípio da justiça contempla a “distribuição das vagas e dos benefícios das operações
urbanísticas” de modo eqüitativo e justo, beneficiando todos os moradores do espaço urbano. Assim, o princípio da justiça se
materializa nos dispositivos urbanísticos, a exemplo do Estatuto da Cidade, que apresenta em seus instrumentos o caráter
distributivo, bem como redistributivos. Em termos conceituais, estes estão relacionados com
[...] substrato econômico, dada uma determinada base desigual de distribuição da riqueza sobre a qual incide algum
incremento de valor, que se refere ao caráter eqüitativo (distributivo) da partição desse incremento ou ao seu efeito redutor
(redistributivo) da desigualdade originalmente considerada —, não são uniformemente utilizados na bibliografia relativa à
política urbana (BASSUL, 2004, p.120).
Em conformidade com o entendimento de Bassul (2004, p.121), o caráter distributivo está relacionado com a “democratização
de direitos e a universalização de condições básicas de acesso a bens e serviços urbanos, sob a responsabilidade direta, indireta ou
compartilhada do poder público”, enquanto que o caráter redistributivo apresenta o “sentido de que se possam destinar a capturar e
61
O princípio da justiça é o princípio mais importante do direito urbanístico, pois diz respeito à igualdade de todos os cidadãos, na medida em que todos são
iguais perante a lei e todos têm os mesmos direitos. É o princípio básico de um acordo, que objetiva manter a ordem social por meio da preservação dos
direitos. Na interpretação de Beauchamp e Childress (1994, p. 327) este princípio remete o Direito à Cidade, no que se refere a aplicabilidade de uma justiça
distributiva, onde são inseridas “as políticas que distribuem benefícios e responsabilidades diversas tais como a propriedade, os recursos, os impostos, os
privilégios, e as oportunidades”. Ainda dentro da mesma abordagem, os referidos autores completam a questão ao afirmar que “ O termo justiça distributiva é
usado às vezes amplamente para se referir à distribuição de todos os direitos e responsabilidades na sociedade” .
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 171
redistribuir”, ou seja, este último tem como objetivo reduzir as “desigualdades sociais, parcelas de mais-valias fundiárias urbanas
que, produzidas (ou proporcionadas) em decorrência de ações (ou decisões) públicas, tenham sido (ou possam vir a ser)
injustamente apropriadas” (Quadro 03).
Em meio a tais apontamentos, Bassul (2004) deixa evidenciado que as normativas do Estatuto da Cidade foram
fundamentadas no princípio da justiça. Tais apontamentos encontram seus fundamentos em Aristóteles, citado por Assis (2002,
p.325), ao enfatizar como o princípio da justiça pode vir a promover a equidade social em cidades.
Tratar iguais e os desiguais desigualmente na medida de sua desigualdade. A justiça particular, que realiza e respeita a
igualdade, é promovida de duas maneiras. Uma maneira é a que se manifesta na igualdade que consiste na distribuição
proporcional geométrica (igualar o desigual) de bens e outras vantagens entre os cidadãos da polis, a esta se da o nome de
justiça distributiva. (apud ASSIS, 2002, p.325)
Essa máxima proposta por Aristóteles permite resgatar os valores essenciais à dignidade da pessoa humana, na medida em
que torna possível a aplicação dos princípios distributivos, ora restrito à proteção de interesses próprios, para que possam ser
transpostos aos interesses coletivos. Assim, a aplicabilidade do princípio da justiça permite à apropriação das normativas
urbanísticas com a finalidade de combater as distorções sociais e espaciais difundidas por grupos hegemônicos que atuam
perversamente no mercado de terras, ou seja, a observação e adoção deste princípio na elaboração de políticas públicas, voltadas
para o equacionamento dessas questões, seriam cruciais para amenizar as complexas demandas decorrentes do processo de
informalidade urbana.
Este tópico apresenta uma abordagem genérica, com o intuito de realizar uma reflexão, visando compreender o descompasso
entre a formulação da política urbana-habitacional e a diversidade das áreas urbanas de cada localidade.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 173
A complexidade da questão da moradia presente nas cidades brasileiras, principalmente nos assentamentos informais, é uma
das faces distorcidas do processo de urbanização predatória ocorrida em diversos países da América Latina, sobretudo no Brasil.
Entretanto, embora o Brasil apresente muitos dos problemas estruturais e os mesmos desafios de seus pares latinos
americanos (SANTOS JUNIOR, 1999, p.6), não se pode deixar de considerar suas “características singulares” como decorrência
natural de seu “processo histórico”, como condição primordial para a compreensão do “processo de industrialização” e os “modelos
de desenvolvimento” que prevaleceram na “segunda metade do século XX que assinalam o contexto social, político e econômico do
país”.
Rolnik e Bava (1999) destacam o contexto em que se deu o processo de desenvolvimento econômico brasileiro,
[...] de um processo de modernização desigual que aprofundou o descompasso entre as formas de inserção das diferentes
regiões do país no capitalismo do segundo pós-guerra. Do ponto de vista social, essa modernização desigual aumentou as
distâncias entre ricos e pobres (Rolnik e Bava, 1999, p.6).
Segundo Maricato (1997, p.42), este contexto é reafirmado pelo relatório apresentado em 1990 pelo Banco Mundial, onde o
Brasil é apontado como um dos países que apresenta em seu território as “maiores desigualdades sociais do mundo”, em razão do
intenso “crescimento econômico” ocorrido durante o processo de industrialização do país - especificamente no período de 1940 a
1980 do século XX – momento em que houve uma concentração maior da renda nacional nas mãos de uma minoria.
Em 1980, o 1% mais rico da população ganhava 13% da renda nacional, enquanto os 10% mais pobres ganhavam 0,9%.
Com a recessão que atingiu o país nos anos 80, a desigualdade se aprofundou. A proporção de empregos formais (com
carteira assinada) diminuiu e a renda se concentrou ainda mais (MARICATO, 1997, p.42).
174 - Regularização Fundiária Sustentável
Maricato (1997) salienta que tal fenômeno não foi exclusivamente brasileiro: de fato, a oferta de mão de obra barata nos
países do Sul da periferia do capitalismo provocou em alguns países uma rápida industrialização promovida pelo deslocamento, para
essas regiões, das grandes multinacionais dos países centrais, sobretudo a partir da década de 1950.
A partir deste contexto, como conseqüência desse processo, ocorre a explosão urbana nas grandes cidades do país, de onde
decorre o atual quadro de pobreza, resultado de um processo de desenvolvimento que contrasta - o atraso e a modernidade.
Entretanto, quando a análise se volta para a questão da produção do espaço, as cidades brasileiras apresentam anomalias
típicas de uma sociedade subdesenvolvida, evidenciadas na subordinação à lógica do mercado, o que é explicitado nos apontamentos
apresentados por Ermínia Maricato (1997).
Como produto resultante de relações sociais, as cidades não poderiam deixar de expressar essa realidade social e econômica.
Os anos 90 mostram que a ilegalidade e a violência cresceram nos bairros pobres, como é cada vez mais visível em áreas
como Baixada Fluminense no Rio de Janeiro ou Capão Redondo em São Paulo. Enquanto isso, nos guetos ricos, multiplicam-se
os serviços de segurança, os muros e as grades que garantem a homogeneidade e a segregação dos iguais, como são
exemplos os condomínios da Barra da Tijuca no Rio de Janeiro e o Alfaville em São Paulo (MARICATO, 1997, p.42).
Nesta discussão, torna-se importante acrescentar as considerações apresentadas por Flávio Villaça (2001), nas quais o autor
enfatiza a presença hegemônica da elite na determinação do eixo de desenvolvimento da maior parte das capitais, onde
[...] verifica-se recorrentemente o eixo de desenvolvimento produzido pelas elites em seus deslocamentos em busca de áreas
mais privilegiadas para se viver. Em uma clara inversão de prioridades, os governos municipais investem quase que
exclusivamente nessas porções privilegiadas da cidade, em detrimento das demandas urgentes da periferia. O resultado disso
é visível a todos: ilhas de riqueza e modernidade nas quais se acotovelam mansões, edifícios de última geração e shoppings
centers, e que canalizam a quase totalidade dos recursos públicos, geralmente em obras de grande efeito, porém de pouca
utilidade social. Para além desses bairros privilegiados, temos um mar de pobreza, cuja marca é a carência absoluta de
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 175
investimentos públicos. Se considerarmos que a dinâmica de mercado imobiliário e dos investimentos em infra-estrutura
acontecem apenas na cidade formal (embora exista até nas favelas um mercado imobiliário informal bastante ativo temos
que 50% ou mais do território se reproduzem sem nenhum controle ou regulação, e esse é um problema estrutural central de
nossa realidade urbana (VILLAÇA, 2001).
Esses apontamentos evidenciam os paradigmas que marcaram o cenário das cidades brasileiras: profunda desigualdade e
exclusão social; cidadania restrita a uma minoria; relações sociais baseadas no favor; no clientelismo e no privilégio; penetração da
esfera pública na privada e vice e versa; atribuição de poder baseada no patrimonialismo; concentração de mercado; da propriedade
e do poder; e, a persistente dependência externa. Para Ermínia Maricato (2008, p.41) estes cenários explicitam o processo de
“produção e apropriação desigual do espaço urbano”, como reflexo de um país cujo desenvolvimento combina o atraso com o
moderno.
Vários autores brasileiros se detiveram em analisar as características específicas desse ‘desenvolvimento’. Celso Furtado lhe
atribui às características de defasagem e contemporaneidade; Francisco de Oliveira empresta de Trotski a construção do
‘desigual combinado’. Florestan Fernandes lembra que se trata de ‘modernização com atraso’ ou ‘desenvolvimento moderno
do atraso’. José de Souza Martins afirma a tese do ‘poder do atraso’. Vanderley Guilherme conceitua essa construção social
como ‘fratura institucional’. Várias são as analises que constatam a persistente preservação das oligarquias por meio de
alianças políticas, durante as mudanças pelas quais passa o país ao longo de sua história [...] (MARICATO, 2008, p.41-42).
A análise do urbano, a partir do contexto apresentado, enfatiza o caráter excludente, na medida em que evidencia a
segregação espacial e a exclusão social presentes na maioria das cidades, notadamente em áreas metropolitanas. Essas áreas, em
função de exercerem um papel polarizador com alta atratividade, além de apresentarem maior concentração da população, das
atividades econômicas, das oportunidades de emprego e das atividades culturais, são áreas em que se detecta a ocorrência dos
“maiores problemas relativos ao déficit, à ausência de regularização fundiária, à precariedade ou inexistência de infra-estrutura
176 - Regularização Fundiária Sustentável
básica e de saneamento ambiental, à ocupação de áreas de risco, à deficiência do transporte coletivo e à violência urbana.” (SANTOS
JUNIOR, 1999, p.10).
Este quadro caótico é também explicitado, nas palavras de Santos Junior (1999), onde o autor destaca os contrastes
identificados nas cidade brasileiras, os quais
[...] vêm se caracterizando por profundas desigualdades nos padrões de qualidade de vida, cidadania e inclusão social. E essa
desigualdade se expressa, de duas formas fundamentais na rede urbana. De um lado, no desequilíbrio entre metrópoles e
centros regionais que concentram as oportunidades econômicas e melhores condições de vida, e os municípios que sofrem
mais os efeitos da crise econômica, através de processos de esvaziamento econômico e demográfico. De outro, na
desigualdade no interior das metrópoles e centros regionais, entre os que têm acesso a bens e serviços e podem usufruir a
boa qualidade de vida proporcionada pela dinâmica econômica das cidades e os que são excluídos dos benefícios do
progresso (SANTOS JUNIOR, 1999, p.11).
Estas duas faces do processo de urbanização vêm reafirmando a contrariedade presente nos aglomerados urbanos,
enfatizando a necessidade de implementação de políticas públicas adequadas às demandas urbanas. Tais demandas devem ser
atendidas em observância ao princípio da necessidade. Amadei (2006, p.32) afirma que o “primeiro termômetro para identificar a
necessidade da operação urbanística não é meramente técnico-burocrático, mas, sobretudo, de atenção e respeito às indicações dos
diversos corpos sociais”.
Nessa seara, para eficácia deste princípio diante de tantas demandas urbanas, o administrador público pode-se valer do
princípio da dignidade da pessoa humana com o propósito de elege-lo instrumento balizador, por meio do qual seja possível à
promoção de uma justiça de caráter distributivo. Nesta perspectiva, a partir dos valores advindos dos princípios já elencados nesta
pesquisa, esse também poderia contribuir de modo significativo para amenizar os diversos problemas decorrentes da pobreza
urbana, e ainda contribuir com a difícil tarefa de garantir `a todos os cidadãos o acesso do Direito à Cidade.
Todavia, diante do panorama apresentado, ressalta-se aqui a necessidade de resgatar alguns aspectos de natureza histórica
das políticas habitacionais identificadas no país.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 177
Os direitos humanos são direitos fundamentais da pessoa humana, indispensáveis à condição humana. Esses direitos são
ditos fundamentais, pois, via de regra, estão inseridos na norma fundamental do Estado – a Constituição.
“Os direitos fundamentais são inerentes aos direitos e liberdades individuais, formando a base de um Estado democrático.”
(SIQUEIRA JR, s/a, p. 02-03).
A partir da Constituição de 1988, a implementação de políticas públicas constitui-se em estrategias de fundamental
importancia, tendo em vista, a im “o Estado deve realizar várias atividades em prol da coletividade, devendo para tanto traçar um
planejamento estratégico, elegendo prioridades e metas governamentais, bem como a escolha dos meios adequados para a
consecução do bem comum.
Entretanto, ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos – onde “a ciência política está muito próxima do campo dos
estudos jurídicos e as políticas públicas têm uma inserção mais antiga no direito público” (BUCCI, 2001, p.6), no Brasil, “a
necessidade do estudo das políticas públicas vai se mostrando à medida que se buscam formas de concretização dos direitos
humanos, em particular os direitos sociais (BUCCI, 2001, p.7).
A principal função dos direitos sociais, ditos de segunda geração, é assegurar que todas as pessoas possam usufruir dos
chamados direitos individuais de primeira geração, ou seja, aqueles que “se realizam pelo exercício da liberdade”, como “o direito de
expressão, de associação, de manifestação do pensamento”, entre outros. (BUCCI, 2001, p.08). Portanto, os direitos sociais, os quais
englobam os direitos econômicos, sociais e culturais, visam à garantia dos direitos de primeira geração, da mesma forma que os
direitos ditos de terceira geração, como o direito ao meio ambiente equilibrado, à biodiversidade e ao desenvolvimento “foram
concebidos para garantia mais extensa dos direitos individuais, também em relação aos cidadãos ainda não nascidos, envolvendo
cada indivíduo na perspectiva temporal da humanidade, por isso intitulados “direitos transgeracionais”.” (BUCCI, 2001, p.08)
178 - Regularização Fundiária Sustentável
Neste sentido, o conteúdo jurídico da dignidade humana torna-se mais amplo na medida em que novos direitos são
reconhecidos e incorporados aos direitos fundamentais. De acordo com Bucci (2001, p.08) “a fruição dos direitos humanos é uma
questão complexa” e demanda, por parte do Estado, garantias e medidas concretas com o objetivo de “disciplinar o processo social,
criando formas que neutralizem a força desagregadora e excludente da economia capitalista e possam promover o desenvolvimento
da pessoa humana.”
Assim, os direitos humanos constituem-se em princípios que devem compor as demais normas, ou seja, valores que devem
ser incorporados à legislação. Bucci (2001, p.10) evidencia que “os direitos humanos expressam-se mais em princípios que em
regras” nesse aspecto o referido autor, esclarece ainda que “a diferenciação entre princípios e regras” ajuda a “demonstrar que a
categoria das políticas públicas precisa e pode ser mais bem definida em direito”, o que via de regra, poder também garantir maior
efetividade as mesmas.
Geralmente, a produção legislativa, ou seja, as normas, estão associadas à generalidade e abstração. Em contraposição,
Bucci (2001,p.11) afirma que “as políticas públicas atuam de forma complementar, preenchendo os espaços normativos e
concretizando os princípios e regras, com vista a objetivos determinados” nesse sentido o autor procura esclarecer que, “as
políticas, diferentemente das leis, não são gerais e abstratas, mas, ao contrário, são forjadas, para a realização de objetivos
determinados”.
Diante do exposto, Bucci (2001) ressalta que as políticas públicas atuam no plano “operacional” do direito, e que este
trabalho operacional demanda clareza e apuro técnico dos conceitos por parte dos interessados e envolvidos no processo de
concretização dos direitos humanos.
Levando-se em consideração, que as condições de vida de uma sociedade são decorrência dos processos políticos, o governo
é responsável pela implementação de ações com o objetivo de garantir que as políticas públicas sejam efetivadas. “Essas políticas
devem surgir da união da sociedade civil organizada, partidos políticos e governo, que traçam juntos os destinos da nação.”
(SIQUEIRA JR, s/a, p.13)
Maria Lourido dos Santos (apud SIQUEIRA JR, s/a, p.14-15), evidencia que as políticas públicas são de extrema importância
no contexto dos direitos humanos e afirma que o interesse pelo estudo destas políticas no campo jurídico justifica-se porque
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 179
a)estão ligadas ao resguardo dos direitos sociais e políticos, pois estes demandam do Estado prestações positivas e
significam o alargamento do leque de direitos fundamentais; b)o desenvolvimento de certos setores e atividades do mercado
significou a geração de novas demandas, como direitos dos consumidores, que transitam entre as atividades econômicas e a
regulação estatal; c)o planejamento inerente à noção de políticas públicas tornou-se necessário para garantir maior eficiência
da gestão pública e da própria tutela legal. (SANTOS, 2003, p. 268 apud SIQUEIRA JR., s/a, p.15)
Neste contexto, Maria Garcia (1996, p. 65-66) apud Siqueira Jr (s/a, p. 15) complementa afirmando que as políticas públicas
são as diretrizes, princípios, metas coletivas conscientes que direcionam a atividade do Estado, objetivando o interesse público.
BUCCI (2001) retoma a linha de pensamento dos autores citados anteriormente ao afirmar que
As políticas públicas funcionam como instrumentos de aglutinação de interesses em torno de objetivos comuns, que passam a
estruturar uma coletividade de interesses. Segundo uma definição estipulativa: toda política pública é um instrumento de
planejamento, racionalização e participação popular. Os elementos das políticas públicas são o fim da ação governamental,
as metas nas quais se desdobra esse fim, os meios alocados para a realização das metas e, finalmente, os processos de sua
realização (BUCCI, 2001, p.13).
De acordo com as estatísticas do IBGE, no século XX a população urbana brasileira passou de 10% para 81%. Em poucas
décadas o Brasil transformou-se num país urbano - uma das mais rápidas urbanizações do mundo, a qual foi iniciada sem a
implementação de políticas públicas indispensáveis para o adequado crescimento e a inserção urbana digna da massa que
abandonou a zona rural, cuja estrutura agrária contribuiu para essa rápida evasão populacional.
Podemos notar o difícil reconhecimento da questão urbana tendo em vista a dificuldade, ao longo dos anos, da implementação
de políticas públicas que atendessem necessidades habitacionais, de saneamento e de transporte e mobilidade urbana. Nem mesmo
180 - Regularização Fundiária Sustentável
o crescimento das cidades e o agravamento dos problemas sociais e urbanos fizeram com que estas fossem vistas como essenciais
para o desenvolvimento do país. O não reconhecimento da importância econômica das cidades é uma constatação surpreendente,
pois não se pode ignorar, por exemplo, o impacto econômico de gigantescas ocupações ilegais e informais ocorridas no território
urbano, que colocam em risco mananciais de água potável, tendo em vista o alto custo do tratamento da água crescentemente
poluída e o custo de buscar fontes de água em bacias sempre mais distantes. Outro problema refere-se à questão fundiária, onde a
existência de vazios urbanos acaba contribuindo para o aumento de custos de manutenção de áreas servidas por infraestrutura em
condições ociosas devido ao espraiamento horizontal das cidades.
Para muitos, a cidade é reflexo das condições macroeconômicas. Para outros, é palco de acontecimentos sociais e políticos
importantes. Para a Política Nacional de Desenvolvimento, a cidade pode ser vista como uma força ativa, uma ferramenta eficaz para
gerar empregos e renda e produzir desenvolvimento econômico, e sobretudo humano.
Em nenhum outro país do mundo houve desenvolvimento urbano num contexto econômico de restrição ao investimento
público. Em países subdesenvolvidos como o Brasil, essa tendência se agrava em razão da produção de infraestrutura urbana não
ter tradição de investimento privado e o mercado residencial restringido aos imóveis de luxo.
Sem o investimento público, o crescimento econômico é insuficiente para promover o desenvolvimento humano, social e,
portanto, essenciais na promoção do desenvolvimento urbano. Com este propósito, o Ministério das Cidades tem buscado várias
alternativas de como enfrentar a restrição de recursos ao desenvolvimento urbano.
Entretanto, este mesmo órgão governamental, reconhece que a derrocada do socialismo real, a financeirização econômica, o
crescimento explosivo da dívida externa, a revolução tecnológica, a chamada reestruturação produtiva e os novos modos de gestão e
regulação de trabalho, com sua esteira de precarização do emprego e ampliação das desigualdades, inclusive nos países centrais,
são fatores decisivos na configuração do ambiente no qual a crise urbana se instaura e se espraia. Essas tendências transnacionais
são formadoras da crise urbana, juntamente com a desigualdade social e espacial presentes nas cidades brasileiras.
Algumas características estruturais no sistema urbano de nossas cidades são elementos centrais, como a concentração e
irregularidade na estrutura fundiária, onde há uma alta concentração de propriedade e uma imensa irregularidade na apropriação e
uso da terra62.
62
Invadir, claro, é se apossar da terra sem compra nem título de propriedade. A terra periférica “sem custo” tem sido muito discutida como o segredo mágico do
urbanismo do Terceiro Mundo: um imenso subsídio não planejado aos paupérrimos. No entanto, é rara a invasão não ter algum custo prévio. O mais comum é
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 181
A socialização dos custos e a privatização dos benefícios, onde a concentração da propriedade fundiária, a prevalência dos
interesses privados e a força política dos interesses especulativos têm resultado em processos nos quais os benefícios decorrentes
de investimentos públicos resultam em valorização privada.
A concentração populacional, sem o correspondente crescimento da oferta de infraestrutura física (moradias, saneamento,
transporte público), social (educação, saúde, lazer), emprego e renda leva parte da população a viver em condições precárias,
subumanas, em favelas, cortiços ou em outras formas de assentamento onde prolifera a miséria, a degradação humana e a violência
em suas mais diversificadas manifestações.
As realidades das grandes aglomerações urbanas, em especial as metropolitanas, têm sido abordadas no sentido de
estabelecer classificações e hierarquias atreladas às tentativas de compreender a diversidade socioespacial e as dinâmicas urbanas
contemporâneas.
Grandes desafios são observados pela falta de planejamento urbano e o rápido crescimento contribuiu significativamente para
o processo de segregação, de fragmentação urbana e índices de violência, sempre crescentes em várias metrópoles brasileiras.
Essas tendências contribuem para dois aspectos que ressaltam a desigualdade da sociedade. O primeiro é a concentração de
riqueza e da renda através da distribuição desigual dos investimentos geradores de bem estar social urbano.
O segundo aspecto é a segregação residencial e a exclusão do acesso às oportunidades de trabalho, renda e escolaridade. No
cenário das metrópoles observamos a combinação de barreiras para a mobilidade social entre ocupações qualificadas e não-
qualificadas, exigência de diplomas, experiência, idade, excluindo segmentos de trabalhadores do acesso aos cargos mais estáveis e
remunerados e o seu isolamento social e cultural.
A segregação residencial ainda dificulta os regimes jurisdicionais da propriedade imobiliária: o da propriedade plena,
assegurada no cartório, de valor vinculado ao mercado imobiliário, e o da posse precária. Por exemplo, os assalariados com registros
que os invasores sejam coagidos a pagar propinas consideráveis a políticos, bandidos ou policiais para ter acesso aos terrenos, e podem continuar pagando
esses “aluguéis” informais em dinheiro e/ ou votos durante anos. Além disso, há o custo punitivo de um local sem serviços públicos e longe do centro urbano.
Na verdade, quando se somam todos os custos, como ressalta Erhard Berner em seu estudo sobre Manila, a invasão não é necessariamente mais barata que a
compra de um terreno. A sua principal atração é a “possibilidade de construir aos poucos e depois melhorar a construção, o que leva a uma diluição dos custo
{em fases}” (Berner, Defending a Place, p. 236-237 apud Davis, 2006, p. 47).
182 - Regularização Fundiária Sustentável
trabalhistas que moram em favelas não podem usar os seus recursos depositados no FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço)
para comprar ou reformar sua residência.
Neste sentido, consideram-se também as enormes distâncias que separam as áreas centrais das metrópoles dos longínquos
bairros periféricos, gerando tendências ao isolamento dos trabalhadores, submetendo-os a múltiplos processos de fragilização de
suas ligações com a sociedade e expondo-os a inúmeras situações de risco.
Nos territórios da vulnerabilização e da exclusão, em especial naqueles em que a violência é acentuada, a fragilização da
estrutura social e das famílias acaba por produzir um efeito sobre o potencial socializador da instituição escolar.
Para a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, o que realmente importa enfatizar são os problemas de maior impacto
social na habitação, saneamento e mobilidade, cujas áreas retêm acúmulo maior de informações no espaço e no tempo e que nos
permite uma leitura qualificada da desigualdade registrada em grande parte das cidades brasileiras.
Localizadas e reconhecidas as especificidades de cada um dos setores em que hoje se organiza o Ministério das Cidades –
programas urbanos, habitação, mobilidade, transporte e trânsito, saneamento e desenvolvimento institucional – é fundamental não
perder de vista uma realidade vivenciada diariamente por muitos brasileiros. O reconhecimento de que políticas setoriais são
indispensáveis e podem ser contributivas do desenvolvimento urbano é fundamental para entender que elas tanto mais o serão, na
direção hoje pretendida, quanto mais tiverem integradas numa Política Nacional de Desenvolvimento Urbano.
Nesse sentido, a aplicação dos instrumentos que visam à realização da função social da cidade e também da propriedade,
previstos no Estatuto da Cidade, representa o combate à apropriação privada dos investimentos públicos na construção da cidade,
sendo este o objetivo primordial da Política de Desenvolvimento Urbano.
O propósito fundamental da PNDU é a busca de uma Reforma Urbana voltada à política fundiária focada na inclusão social. O
desenvolvimento urbano não será viável enquanto a propriedade fundiária e imobiliária continuar buscando ganhos resultantes do
investimento público e do processo de urbanização.
O governo federal tem importância fundamental no planejamento e na gestão territorial e fundiária urbana. No Brasil, por mais
de vinte anos, o governo federal deixou de atuar no campo do planejamento territorial urbano, mesmo considerando que, a
democratização do país tenha sido acompanhada de avanços no campo da gestão urbana, ainda, não se retomou no país, até o
momento, uma agenda de um novo ordenamento territorial como componente primordial, de um projeto de desenvolvimento.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 183
Entretanto, nos municípios, o imediatismo da gestão tem hegemonizado as práticas dos governos locais, desta forma, o
modelo que ainda estrutura o crescimento de nossas cidades reproduz a cultura urbanística do período autoritário. Trata-se ainda de
um modelo baseado na expansão horizontal e no crescimento como ampliação permanente das fronteiras, na subutilização das
infraestruturas e urbanidade já instaladas e no deslocamento baseado no uso automóvel.
Diante desse quadro, vários especialistas na matéria, enfatizam a importância de implementação de políticas públicas e
ações que contemplem dois movimentos simultâneos: um movimento de corporação e requalificação da cidade real reconhecendo
plenamente os direitos a moradia que já se constituíram nas cidades; e um movimento preventivo, no sentido de evitar a formação de
novos assentamentos precários no país.
Os pressupostos dessas ações são o respeito à autonomia municipal, a construção de parcerias locais e a participação da
cidadania na concepção, execução e fiscalização da ação. Neste contexto, o Governo Federal atua com apoio aos parceiros locais,
sua atuação se dá ainda por meio de uma ação direta que se traduz em programas, ações e transferências de recursos financeiros a
partir de instrumentos contemplados nas seguintes políticas públicas.
- Política de Apoio à Elaboração e revisão de Planos Diretores, que tem como missão estimular os municípios para novas
práticas democráticas e participativas de gestão e planejamento territorial;
- Política Nacional de Apoio à Regularização Fundiária Sustentável, onde o enfrentamento, torna-se cada vez mais urgente nas
cidades brasileiras, marcadas por grandes territórios ilegais, informais e precários;
- Política Nacional de Prevenção de Risco em Assentamentos Precários63- tal política tem o compromisso primordial de atuar
por meio do conceito inovador de prevenção e remoção do risco, com o intuito de evitar um número crescente de mortes provocadas
por escorregamento em encostas, principalmente nas áreas ocupadas por favelas e assentamentos precários nas maiores regiões
metropolitanas. Em várias localidades, ações judiciais buscam obrigar as prefeituras a remover milhares de habitantes de favelas
devido à problemas de risco geotécnico;
- Política Nacional de Apoio à Reabilitação de Centros Urbanos – trata-se de um processo de gestão integrada, pública e
privada de recuperação e reutilização do acervo edificado em áreas já consolidadas da cidade.
63
184 - Regularização Fundiária Sustentável
Além das políticas acima mencionadas, ações de caráter interministerial diretamente ligadas à gestão territorial urbana estão
aperfeiçoando formas de cooperação intermunicipal por meio de consórcios públicos e de novos critérios para criação e fusão de
municípios.
Para a equipe que coordenou os primeiros passos da Política nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU) no Ministério das
Cidades, tratava-se de construir uma nova “cultura” para ocupar um vazio de propostas práticas abrangentes, dar espaço
para a emergência dos conflitos, constituir pactos em torno de conceitos, programas e linhas de ações. Buscou-se edificar um
espaço público participativo que pudesse resistir à cultura de privatização da esfera pública, bem como ao avanço das
imposições anti-sociais da globalização (MARICATO, s/a, p. 215).
Com o objetivo de iniciar um amplo processo participativo de discussão e formulação da PNDU, o Ministério das Cidades
realizou a 1ª Conferência das Cidades em 2003. Ao final dos acalorados debates desta Conferência, os delegados aprovaram as
diretrizes para uma política de desenvolvimento urbano democrática e integrada, com o objetivo principal de garantir uma “Cidade
para Todos”.
A base de uma política urbana com participação popular está no reconhecimento de que a participação nas políticas públicas
é um direito dos cidadãos e de que o caminho para o enfrentamento da crise urbana está diretamente vinculado à articulação e a
interação de esforços e recursos nos três níveis de governo – federal, estadual e municipal, com a participação dos diferentes
segmentos da sociedade.
É na dimensão democrática que ocorre a síntese das demais dimensões da nova política nacional de desenvolvimento urbano
que está sendo construída e desta com as demais políticas que apontam para um País que seja de Todos. São justamente essas
convicções que inspiram o processo de realização das Conferências das Cidades e de formação do Conselho das Cidades.
O Ministério das Cidades, com o ensejo de construção de cidades mais justas e sustentáveis espera que a sociedade civil
continue a fortalecer a construção democrática da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, a partir da definição de uma agenda
prioritária que leve em consideração as principais questões demandadas por décadas, e que em razão dos objetivos dessa pesquisa
são aqui analisadas.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 185
No Brasil, a “participação governamental no processo habitacional foi “insignificante” até o início do século XX. A atenção dos
administradores públicos estava voltada para as “condições sanitárias das cidades, a fim de evitar epidemias.” (CANUTO, 2008,
p.182).
O problema habitacional no Brasil é um problema estrutural, resultado das formas bastante específicas da formação da
sociedade e do Estado brasileiro, que reproduzem os mecanismos das elites. O problema da falta de acesso à habitação
remonta ao período da colonização, e não pode ser separado da questão do acesso a propriedade (FERREIRA; MOTISUKE,
2007, p.37).
No Brasil, até meados do século XIX, a terra era concedida pela Coroa – as sesmarias - ou simplesmente ocupada. Até então,
a terra não tinha valor comercial. A partir da promulgação da Lei de Terras, em 1850, para ter terra era preciso pagar por ela.
Com a vinda da família real para o Rio de Janeiro e o significativo desenvolvimento de São Paulo em decorrência da
prosperidade cafeeira, a “matriz fundiária rural evidentemente transferiu-se sem muitas alterações para as cidades” (FERREIRA,
2009, p.11), deste modo a “posse da terra urbanizada iria seguir os mesmos princípios. Entretanto, as demandas sociais por
habitação e infraestrutura urbana já eram significativas, e não foram contempladas [...]” (FERREIRA, 2009, p.11).
De acordo com Bonduki (1998), até meados de 1930, a habitação das classes populares ocorreu através da produção privada
de vilas operárias ou de moradias de aluguel. No entanto, estas moradias com qualidade um pouco superior, embora populares, eram
acessíveis apenas para segmentos da baixa classe média, não sendo viáveis para a população de menor renda. No âmbito da
questão, Ferreira (2009, p.12), salienta que “os cortiços, de qualidade ainda pior, eram, portanto, a única forma de acesso à moradia
pela maioria da população”.
A partir de 1930, na Era Vargas, o governo iniciou um programa de incentivo à industrialização, o qual contribuiu, fatalmente,
para o processo de urbanização do país. Em meio a esse processo, surgem demandas de toda ordem nas cidades, principalmente em
186 - Regularização Fundiária Sustentável
relação à habitação. Neste contexto, surge a experiência dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAP) na década de 30, os quais
se tornaram referência qualitativa na história da arquitetura e da habitação social no Brasil, mesmo apresentando resultado pouco
significativo, quando se analisa o volume de unidades construidas, em razão de ter produzido, entre 1937 e 1964, apenas 140 mil
moradias, sendo a maioria destinada ao aluguel. Ainda segundo Ferreira (2009), a Lei do Inquilinato (1942) limitava as
possibilidades de lucro para os proprietários de vilas e casas de aluguel, pois congelava os preços e diminuía a segurança do negócio
para os locadores. Para Maricato (1997) estes fatos acabaram tendo como efeito o estímulo à propriedade privada do imóvel urbano,
restringindo ainda mais o acesso à habitação.
Segundo Canuto (2008, p.182), em “1946 foi criada a Fundação da Casa Popular, no governo de Eurico Gaspar Dutra (1946-
1951), para cuidar da política nacional de habitação, atendendo a população fora do mercado formal de trabalho, por isso, sem
acesso aos IAPs”. Esta foi a primeira política nacional de habitação e revelou-se sem eficácia devido à falta de recursos e às rígidas
regras de financiamento estabelecidas, o que comprometeu seu desempenho no atendimento da demanda, que ficou restrito a uma
produção pouco significativa de unidades.
Em 1953, tentou-se transformar a Fundação Casa Popular em um banco hipotecário, mas esse intento só seria encaminhado
no período do presidente Jânio Quadros (jan. a ago. 1961), com a proposta de Criação do Instituto Brasileiro de Habitação –
IBH, que, ao final, não logrou êxito.
Em 1961, foi criado o Plano de Assistência Habitacional – PAH, cuja inovação era o teto de 20% dos rendimentos para a
prestação máxima do financiamento imobiliário. A política habitacional foi contemplada, novamente, em 1963, no governo de
Belchior Marques Goulart (set. 1961 a mar. 1964) com o Plano Trienal, de Celso Furtado, então Ministro do Planejamento. Em
1963, o presidente João Goulart propôs uma reforma urbana, como primeiro passo de um programa de crédito para a
população de baixa renda (CANUTO, 2008, p. 183).
Entretanto, o golpe político de 1964 impediu o desenvolvimento da reforma então proposta. Cinco meses após o Golpe Militar
foram criados o Sistema Financeiro da Habitação – SFH e o Banco Nacional da Habitação – BNH.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 187
Ferreira (2009, p.13) destaca que a política habitacional do regime militar, o BNH – Banco Nacional de Habitação – embora
com uma produção quantitativa significante, teve um recorte privatista, favorecendo as grandes empreiteiras, sem atingir a
população abaixo de 3 salários-mínimos.
A partir de 1964, o modelo de política habitacional implementado pelo BNH baseou-se em um conjunto de características que
deixaram significativas marcas na estrutura institucional e na concepção de política habitacional. Conforme Ferreira (2009, p.14),
essas características podem ser identificadas a partir dos seguintes elementos fundamentais:
Criação de um sistema de financiamento que permitiu a captação de recursos específicos e subsidiados, com o Fundo
de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), os quais
possibilitaram que fosse atingido um montante bastante significativo para o investimento habitacional;
Criação e operacionalização de um conjunto de programas que estabeleceram as diretrizes gerais a serem seguidas
pelos órgãos executivos;
Criação de uma agenda de redistribuição de recursos, operada principalmente em nível regional, a partir de critérios
definidos centralmente;
Implantação de uma rede de agências nos estados da federação, as quais ficaram responsáveis pela operação das
políticas habitacionais e fortemente dependentes das diretrizes e dos recursos estabelecidos pelo órgão central.
Canuto (2008, p.184) esclarece que ao “final do regime militar, em 1985, o BNH tinha construído 4,3 milhões de moradias, o
que era inferior ao déficit habitacional do primeiro governo militar (1964/1967) estimado em 5 milhões de moradias”, considerando
que no período de 1964 e 1965 o BNH viabilizou o financiamento de “3,2 milhões de unidades para famílias de renda superior a
cinco salários mínimos, contra 1,2 milhões de unidades para famílias com rendimento de até cinco salários mínimos”.
O Banco Nacional de Habitação acabou sendo extinto por não conseguir superar a crise do Sistema Financeiro de Habitação
(SFH), e suas atribuições foram transferidas para a Caixa Econômica Federal64. O setor da habitação permaneceu vinculado ao
64
Segundo Canuto (2008), neste período a Caixa Econômica Federal estava vinculada ao Ministério da Fazenda.
188 - Regularização Fundiária Sustentável
Ministério do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (MDU), “cuja competência abrangia as políticas habitacionais, de
saneamento básico, de desenvolvimento urbano e do meio ambiente.” (FERREIRA, 2009, p.15).
O MDU torna-se o Ministério da Habitação, Urbanismo e Meio Ambiente (MHU) em 1987 e passa a acumular, além de suas
antigas competências, a gestão das políticas de transportes urbanos e a incorporação da CEF. Em 1988 ocorrem novas alterações: foi
implantado o Ministério da Habitação e do Bem-Estar Social (MBES), com o qual permanece a gestão da política habitacional.
Com a promulgação da Constituição de 1988 e a reforma do Estado, o processo de descentralização ganhou força para se
efetivar. Este processo de descentralização estabeleceu uma redefinição de competências, e passou a ser atribuição dos Estados e
Municípios a gestão dos programas sociais, dentre eles o de habitação.
Após extinção do MBES em 1989, foi criada a Secretaria Especial de Habitação e Ação Comunitária (SEAC), sob competência
do Ministério do Interior. As atividades do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e a Caixa Econômica Federal (CEF) foram
vinculadas ao Ministério da Fazenda.
A referida Secretaria adotou um modelo institucional que dava privilégio à iniciativa dos Estados e Municípios, proporcionando
maior autonomia aos governos estaduais e municipais. Entretanto, a utilização de recursos do FGTS em grandes quantidades,
superando as “disponibilidades financeiras afetou a expansão do financiamento habitacional, levando à sua suspensão temporária,
sendo que os programas habitacionais ficaram na dependência de disponibilidades financeiras a fundo perdido de recursos do
Governo Federal.” (FERREIRA, 2009, p.16).
Em 1994, o governo Federal lançou os programas Habitar Brasil e Morar Município, com recursos oriundos do Orçamento geral
da União e do Imposto Provisório sobre Movimentações Financeiras (IPMF). Entretanto, como conseqüência da contenção de recursos
estipulado pelo Plano Real, o montante de investimentos realizados ficou abaixo das expectativas.
Em 1995, em função da reforma realizada no setor da política habitacional, foi extinto o Ministério do Bem-Estar Social e
criada a Secretaria de Política Urbana (SEPURB) no âmbito do Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO), que ficaria
responsável pela formulação e implementação da Política Nacional de Habitação. A transformação da SEPURB em Secretaria
Especial de Desenvolvimento Urbano (SEDU) não trouxe mudanças no processo de retração do setor institucional, persistindo a
desarticulação e a perda progressiva de capacidade de intervenção. Para Ferreira (2009, p.16), as áreas da habitação e do
desenvolvimento urbano permaneceram sem contar com recursos financeiros expressivos e sem capacidade institucional de gestão,
no plano federal.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 189
Neste contexto, novas linhas de financiamento surgiram “tomando como base iniciativas de projetos dos governos estaduais e
municipais, com sua concessão estabelecida a partir de um conjunto de critérios técnicos de projeto e, ainda, a partir da sua
capacidade de pagamento.” (FERREIRA, 2009, p.17). A significativa restrição ao financiamento do setor público para a realização de
empréstimos habitacionais restringiu muitas possibilidades de financiamento federal à regularização e urbanização de
assentamentos precários, tendo em vista que os programas que ofertavam novas unidades habitacionais puderam ser viabilizados
por meio de financiamento do setor privado, como ocorre no âmbito do Programa de Arrendamento Residencial (PAR), ou por meio de
empréstimos individuais, como o Programa Carta de Crédito.
A partir de 2003, o Ministério das Cidades passa a ser o órgão responsável pela Política de Desenvolvimento Urbano e, dentro
dela, pela Política Setorial de Habitação. Segundo Espinosa (2007, p.74), a “estrutura desse Ministério se embasa nos três principais
problemas sociais que afetam as populações urbanas, que são a moradia, o saneamento ambiental e as questões referentes à
mobilidade urbana”.
Seguindo diretrizes de promoção da participação e do controle social, foi criado, junto ao Ministério, o Conselho das Cidades.
Trata-se de um órgão colegiado de natureza deliberativa e consultiva que tem por finalidade estudar e propor diretrizes para a
formulação e implementação das políticas do Ministério, bem como acompanhar a sua execução. Ferreira (2009) salienta que a
implementação desta instância de participação e controle social na política urbana faz parte de um conjunto de conquistas que é
resultado da mobilização da sociedade em torno da questão da Reforma Urbana.
Para Espinosa (2007), a criação do Ministério das Cidades deu seguimento à política social de focalização da questão
habitacional, pois manteve programas e projetos que atendem pontualmente a determinados segmentos da sociedade, destinando
recursos de forma específica e não buscando uma implementação universalizada do direito social à moradia, constitucionalmente
previsto.
Como explicitado no topico anterior, o objetivo do Ministério das Cidades “é assegurar o direito à cidade, de forma que seus
habitantes tenham água tratada, coleta de esgoto e de lixo, além de escolas, comércio, praças e acesso ao transporte público próximo
de suas moradias.” (CANUTO, 2008, p.185).
Tendo a Caixa Econômica Federal como operadora dos recursos financeiros, o Ministério atua em conjunto com os estados e
municípios, movimentos sociais, organizações não-governamentais, setores privados e demais segmentos da sociedade.
A partir deste contexto, foi elaborada, em 2004, a Política Nacional de Habitação, com o objetivo de retomar o processo de
planejamento da política habitacional visando garantir novas condições para promoção do acesso à moradia digna à todos,
especificamente para os segmentos da população de menor renda.
A PNH foi aprovada pelo Conselho das Cidades e trata-se do principal instrumento de orientação das estratégias e das ações a
serem implementadas pelo governo federal. Tem como componentes principais, que definem as suas linhas de atuação, a integração
urbana de assentamentos precários; a urbanização, regularização fundiária e inserção de assentamentos precários; a provisão da
habitação e a integração da política de habitação à política de desenvolvimento urbano.
Os princípios e diretrizes da PNH têm por objetivo principal garantir à população, em especial a de baixa renda, o acesso à
habitação digna. O papel da Política Fundiária no contexto da PNH é estratégico no sentido de estabelecer as bases das políticas
urbanas nos municípios capazes de viabilizar a implementação de programas habitacionais.
Os instrumentos que viabilizam a implementação da PNH, são o Sistema Nacional de Habitação (SNH); o desenvolvimento
institucional; o Sistema de Informação, Avaliação e Monitoramento da Habitação e o Plano Nacional de Habitação (PlanHab). “A
Secretaria Nacional de Habitação é responsável por coordenar e apoiar as atividades da área de habitação do Conselho das Cidades”
(CANUTO, 2008, p.186) e tem, a seu cargo, a elaboração do Plano Nacional de Habitação (PlanHab). Foram criados ainda o Sistema
Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS) e o Conselho Gestor
do FNHIS, “estabelecendo uma metodologia a ser cumprida pelos municípios para se habilitar aos recebimentos dos recursos”,
contemplando entre as “exigências à apresentação do Plano Habitacional de Interesse Social e constituição do Fundo de Habitação de
Interesse Social.” (CANUTO, 2008, p.186).
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 191
Segundo Bonduki, Rosseto e Ghilard (2009), os princípios que regem a PNH são:
Direito à moradia, enquanto um direito individual e coletivo, previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na
Constituição Brasileira de 1988. O direito à moradia deve ter destaque na elaboração dos planos, programas e ações;
Moradia digna como direito e vetor de inclusão social garantindo padrão mínimo de habitabilidade, infraestrutura,
saneamento ambiental, mobilidade, transporte coletivo, equipamentos, serviços urbanos e sociais;
Função social da propriedade urbana buscando implementar instrumentos de reforma urbana que possibilitem melhor
ordenamento e maior controle do uso do solo, de forma a combater a retenção especulativa e garantir acesso à terra
urbanizada;
Questão habitacional como uma política de Estado, uma vez que o poder público é agente indispensável na regulação
urbana e na regulação do mercado imobiliário, na provisão da moradia e na regularização de assentamentos precários,
devendo ser, ainda, uma política pactuada com a sociedade e que extrapole mais de um governo;
Gestão democrática com participação dos diferentes segmentos da sociedade, possibilitando controle social e
transparência nas decisões e procedimentos;
Articulação das ações de habitação à política urbana de modo integrado com as demais políticas sociais e ambientais
(Bonduki; Rosseto; Ghilard, 2009, p.5).
192 - Regularização Fundiária Sustentável
A garantia do princípio da função social da propriedade estabelecido na Constituição e no Estatuto da Cidade, respeitando-
se o direito da população a permanecer nas áreas ocupadas por assentamentos precários ou em áreas próximas, que
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 193
estejam adequadas do ponto de vista sócio-ambiental, preservando seus vínculos sociais com o território, o entorno e sua
inserção na estrutura urbana, considerando a viabilidade econômico-financeira das intervenções;
Promoção do atendimento à população de baixa renda, aproximando-o ao perfil do déficit qualitativo e quantitativo e com
prioridade para a população com renda de até 3 salários mínimos;
Promoção e apoio às intervenções urbanas articuladas territorialmente, especialmente programas habitacionais, de
infraestrutura urbana e saneamento ambiental, de mobilidade e de transporte, integrando programas e ações das
diferentes políticas, visando garantir o acesso à moradia adequada e o direito à cidade;
Estímulo aos processos participativos locais que envolvam a população beneficiária, especialmente nas intervenções de
integração urbana e regularização fundiária;
Atuação coordenada e articulada dos entes federativos por meio de políticas que apresentem tanto caráter corretivo,
baseadas em ações de regularização fundiária, urbanização e inserção social dos assentamentos precários; quanto
preventivo, com ações voltadas para a ampliação e universalização do acesso à terra urbanizada e a novas unidades
habitacionais adequadas;
Atuação integrada com as demais políticas públicas ambientais e sociais para garantir a adequação urbanística e sócio-
ambiental das intervenções no enfrentamento da precariedade urbana e da segregação espacial que caracterizam esses
assentamentos;
Definição de parâmetros técnicos e operacionais mínimos de intervenção urbana de forma a orientar os programas e
políticas federais, estaduais e municipais, levando-se em conta as dimensões fundiária, urbanística e edilícia, a dimensão
da precariedade física (risco, acessibilidade, infraestrutura e nível de habitabilidade) e a dimensão da vulnerabilidade
social, compatíveis com a salubridade, a segurança e o bem-estar da população, respeitando-se as diferenças regionais e
a viabilidade econômico-financeira das intervenções; e,
Estímulo ao desenvolvimento de alternativas regionais, levando em consideração as características da população local,
suas manifestações culturais, suas formas de organização e suas condições econômicas e urbanas, evitando-se soluções
padronizadas e flexibilizando as normas, de maneira a atender às diferentes realidades do País (Bonduki; Rosseto;
Ghilard, 2009, p.6-7).
194 - Regularização Fundiária Sustentável
O Sistema Nacional de Habitação (SNH) é o principal instrumento da Política Nacional de Habitação e sua estruturação tem
como objetivo possibilitar o alcance dos princípios, objetivos e diretrizes assim definidos e estabelecer as condições necessárias para
enfrentar o déficit habitacional, por meio de ações integradas nos três níveis de governo, com a participação do Conselho das
Cidades.
A proposta do SNH está baseada na integração das ações dos agentes que o compõem, na possibilidade de
viabilizar programas e projetos habitacionais a partir de fontes de recursos onerosos e não onerosos, na adoção de
regras únicas por aqueles que integram o sistema e na descentralização de recursos e das ações, que deverão,
paulatinamente, ser implementadas de forma prioritária pela instância local (BONDUKI; ROSSETO; GHILARD, 2009,
p.07).
O Sistema Nacional de Habitação é composto por um conjunto de órgãos cujas atribuições específicas e complementares
serão descritas a seguir, sendo os principais agentes públicos do Sistema Nacional de Habitação: o Ministério das Cidades,
Conselhos e os Agentes do Sistema.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 195
O Ministério das Cidades, por meio da Secretaria Nacional de Habitação (SNH), é o órgão responsável pelas diretrizes,
prioridades, estratégias e instrumentos da PNH, a qual deve ser articulada com a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano
(PNDU) e com as políticas ambientais e de inclusão social.
É responsável pela definição de regras e critérios para aplicação dos recursos do SNH; pela formulação do Plano Nacional de
Habitação e pela coordenação das ações e da implementação do SNH, que inclui a elaboração de orçamentos relacionados à
habitação, estímulo à adesão dos estados e municípios ao sistema, bem como firmar a adesão e coordenar sua operacionalização.
Além destas atribuições, cabe ao Ministério participar das deliberações do Conselho Monetário Nacional, sobre a regulação do
Sistema Financeiro da Habitação, de modo a viabilizar a execução da PNH.
2.7.5.2 Os Conselhos
Diversos conselhos fazem parte da estrutura do SNH e suas atribuições são as seguintes:
Conselho das Cidades – é órgão colegiado de natureza deliberativa e consultiva, integrante da estrutura do Ministério
das Cidades. Em relação à PNH, tem algumas atribuições especialmente no que se refere à proposição de diretrizes,
estratégias, instrumentos e normas da política; além de fornecer subsídios para elaboração do PlanHab; acompanhar e
avaliar a implementação da PNH, recomendando providências necessárias ao cumprimento dos objetivos da política.
Conselho Gestor do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social – tem a competência específica de estabelecer
diretrizes e critérios de alocação dos recursos do FNHIS, de modo compatível com as orientações da PNH e do PlanHab.
196 - Regularização Fundiária Sustentável
Além disso, aprova orçamentos e planos de aplicação e metas anuais e plurianuais dos recursos do FNHIS e delibera
sobre as contas deste.
Caixa Econômica Federal – se constitui no agente operador do sistema, desse modo é o órgão responsável pela operação dos
programas habitacionais promovidos com recursos do FGTS e do FNHIS. A CEF define os procedimentos operacionais necessários à
aplicação dos recursos do FNHIS, com base nas normas e diretrizes de aplicação elaboradas pelo Conselho Gestor e pelo Ministério
das Cidades. Como agente financeiro, desempenha o papel de analista da capacidade aquisitiva dos beneficiários a serem atendidos
nos casos dos programas do FGTS e avalia o cumprimento das etapas para liberação de recursos de outras fontes.
Banco Central do Brasil – cabe a este fiscalizar as entidades de natureza financeira integrantes do Sistema Financeiro de
Habitação, em consonância com as diretrizes da PNH e articuladas com o Ministério das Cidades.
O SNHIS - Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social tem por finalidade primordial garantir ações que promovam o
acesso à moradia digna para a população de menor renda que compõe a quase totalidade do déficit habitacional do País. Assim, os
planos, programas e projetos deverão conter estratégias e soluções de atendimento que promovam prioritariamente o acesso das
famílias de menor renda.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 197
O SNHIS é organizado a partir da montagem de uma estrutura institucional, composta por uma instância central de
coordenação, gestão e controle, representada pelo Ministério das Cidades, além do Conselho Gestor do FNHIS, por
agentes financeiros e por órgãos e agentes descentralizados. Essa estrutura deverá funcionar de forma articulada
e com funções complementares em que cada um desses agentes de representação nacional, instituídos por
legislação e competências específicas, que passam a responder à PNH e devem balizar seus programas e suas
ações pelos princípios e diretrizes por ela estabelecidos (BONDUKI; ROSSETO; GHILARD, 2009, p.09).
O SNHIS é constituído pelos recursos onerosos e não onerosos dos seguintes fundos:
Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS);
Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), nas condições estabelecidas pelo seu Conselho Curador;
Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), nas condições estabelecidas pelo seu Conselho Deliberativo;
Outros fundos ou programas que vierem a ser incorporados ao SNHIS.
O FNHIS - Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social “é elemento essencial do SNH e centraliza todos os recursos
orçamentários da União, ou administrados por ela, disponíveis para moradia de baixa renda.” (BONDUKI; ROSSETO; GHILARD, 2009,
p.11). O Fundo é composto por recursos do Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social (FAS); de contribuições ou doações de pessoas
físicas ou jurídicas, entidades e organismos de cooperação nacionais ou internacionais, de receitas operacionais, patrimoniais e
financeiras de operações realizadas com recursos do FNHIS. Os recursos do FNHIS poderão ser associados a recursos onerosos,
inclusive os do FGTS, bem como linhas de crédito de outras fontes.
198 - Regularização Fundiária Sustentável
Para Bonduki, Rosseto e Ghilard (2009, p.12), os “recursos do FNHIS são aplicados de forma descentralizada, por intermédio
dos entes locais que aderirem ao Sistema, assegurando o atendimento prioritário às famílias de menor renda por meio de uma
política de subsídios.”
O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) representa a principal fonte de recursos para o financiamento das políticas
de habitação popular e saneamento. “É regido por normas e diretrizes estabelecidas pelo Conselho Curador - CCFGTS - composto por
representaçoes de trabalhadores, empregadores e órgãos do governo federal” (BONDUKI; ROSSETO; GHILARD, 2009, p.14). Ainda se
faz necessário mencionar que, um numero significativo de seus programas encontra-se vinculado ao SNHIS, exceto aqueles
destinados ao saneamento. A maior parte dos recursos do FGTS é dirigida para o programa Carta de Crédito Individual para as
modalidades que compreendem cestas de materiais de construção e aquisição de imóveis usados.
O Governo Federal, no ano de 2007, fez o lançamento oficial do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), norteado pelo
compromisso de universalização de acesso à moradia digna, enquanto direito social reconhecido pela Constituição de 1988.
Além de sua essência primordial, o PAC tem como propósito o desenvolvimento econômico, visando o aumento dos postos de emprego e a
melhoria das condições de vida da população brasileira, as quais deverão ser atingidas por meio da implementação de um arranjo de metas
voltadas para o incentivo do investimento privado, aumento do investimento público em infraestrutura e principalmente na remoção dos
obstáculos burocráticos, administrativos, normativos, jurídicos e legislativos ao desenvolvimento.
Diante desses desafios, o PAC adotou uma formatação organizada em cinco blocos: estímulo ao crédito e investimentos em
infraestrutura; medidas fiscais de longo prazo; desoneração e aperfeiçoamento do sistema tributário; e estímulo ao crédito e financiamento.
No que se refere ao bloco em que estão inseridos os investimentos em infraestrutura, este foi subdividido em três eixos estratégicos
considerados essenciais para a implementação de um processo de desenvolvimento sustentável:
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 199
Para estes três setores, foi previsto no decorrer de quatro anos o investimento de R$503,9 bilhões, configurando como maior
programa de investimentos no país nas últimas quatro décadas. (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2010, p.30).
Desse modo, o programa estruturado a partir da aplicação desses montantes, busca a promoção do desenvolvimento
sustentável, por meio da exclusão de gargalos existentes no setor econômico, da ampliação dos setores produtivos, e ainda almeja
superar os desequilíbrios regionais assim como as desigualdades sociais verificadas no território brasileiro. Nesse sentido, de acordo
com o Ministério das Cidades o programa,
[...] integra o eixo de expansão de investimentos em infra-estrutura social e urbana do país e objetiva o desenvolvimento
sustentável dos setores produtivos ligados à habitação. E tem como princípios a criação de um ambiente favorável ao
crescimento e à universalização dos benefícios econômicos e sociais a todas as regiões do país e traz a perspectiva de
expressiva ampliação no aporte de recursos destinados à área habitacional (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2010, p. 31).
Dessa forma, especificamente no que tange ao setor habitacional, para o período compreendido entre 2007 e 2010, foi
previsto no programa o aporte de R$106,3 bilhões, com a finalidade de garantir acesso à casa própria a quatro milhões de famílias,
seja por meio da construção de unidades habitacionais, aquisição de terrenos, reforma de imóveis e, sobretudo, urbanização de
assentamentos informais, visando o atendimento das áreas faveladas. O programa previu ainda, para as questões relativas ao
saneamento ambiental, o atendimento de 22,5 milhões de domicílios com rede de água e esgoto, além de levar infraestrutura hídrica
para 23,8 milhões domicílios, como também a construção e ampliação de linhas de metrô em quatro cidades do país.
200 - Regularização Fundiária Sustentável
O Fórum Nacional da Reforma Urbana entendeu esta iniciativa do governo como uma ação diferenciada no contexto do
planejamento econômico nacional, ao direcionar investimentos públicos para outros setores entendidos como fundamentais para o
desenvolvimento, entretanto foi taxativo ao evidenciar desafios a serem enfrentados, tais como:
a necessidade de criação de estruturas descentralizadas, nos estados e municípios, para promover o controle social da
gestão dos recursos;
colocar como prioridade a segurança da posse das moradias da população de baixa renda, em geral ameaçadas diante de
investimentos e/ou projetos de grande envergadura;
garantir que os recursos nas diferentes políticas setoriais sejam aplicados de forma articulada com a construção de uma
nova política de desenvolvimento urbano para o País, valorizando os mecanismos e instâncias já conquistados. (POLÍTICA
REFERENCIAL. Direito à Cidade: Avaliação de Efetividade de Efeitos Externos, com enfoque no tema Moradia. CESE)
Com o propósito de intensificar as ações relacionadas à política habitacional, em 2009 o Governo Federal, em parceria com os
estados, municípios e iniciativa privada, oficializa o Programa Minha Casa Minha Vida (Lei nº 11.977/2009), com a meta de viabilizar
a construção de um milhão de moradias para as famílias com rendimento até 10 salários mínimos, o que certamente motivou
inúmeros debates tanto nos meios vinculados à construção civil como principalmente nas entidades que lutam pelo acesso à moradia
digna no Brasil. A intenção do Governo Federal, ao formatar esse programa, foi de complementar as lacunas verificadas na ordem
jurídica vigente, com o propósito claro em constituir um marco legal apto a criar condições de efetividade para formalização da posse
em assentamentos precários, como forma de assegurar o cumprimento do princípio da função social da propriedade, notadamente
em áreas reconhecidas como de interesse social.
Nesse sentido, a edição desta lei (11.977/2009), segundo (D’OTTAVIANO; QUAGLIA SILVA, 2009, p. 214) procurou evidenciar,
ao ampliar a visibilidade do princípio da função social da propriedade imóvel e ao estabelecer em primeiro plano “o enfoque social do
direito de propriedade urbana, em detrimento do enfoque individual”.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 201
Desse modo, esta lei possibilita ao poder público, no âmbito de suas competências e responsabilidades, o uso de diversos
mecanismos a partir da adoção de novos procedimentos metodológicos voltados especificamente para o atendimento dos grupos
sociais de menor renda ocupantes de assentamentos informais, dentre os quais, tem-se:
a demarcação urbanística- “procedimento administrativo pelo qual o poder público, no âmbito da regularização fundiária
de interesse social, demarca imóvel de domínio público ou privado, definindo seus limites, área, localização e
confrontantes, com a finalidade de identificar seus ocupantes e qualificar a natureza e o tempo das respectivas posses”
(artigo 47-III);
a legitimação da posse- “ato do poder público destinado a conferir título de reconhecimento de posse de imóvel objeto de
demarcação urbanística, com a identificação do ocupante e do tempo e natureza da posse”, nos casos em que não houver
questionamento quanto ao exercício da posse, que deverá ser feita através de procedimentos administrativos, com o
reconhecimento da posse pelo Poder Executivo municipal, exclusivamente no âmbito dos cartórios de registros de imóveis,
sem a necessidade de procedimentos ou sentenças judiciais;
a usucapião administrativa - “procedimento administrativo de reconhecimento da posse de bem imóvel pelo Poder
Executivo (em especial o municipal) que consolida as fases anteriores (demarcação urbanística e legitimação da posse)
na declaração final de pleno domínio do possuidor do imóvel regularizado com inscrição no Cartório de Registro de
Imóveis. (D’OTTAVIANO; QUAGLIA SILVA, 2009, p. 214)
Entretanto, nas situações que não se enquadrem dentro dos critérios definidos como de interesse social, a lei possibilita que
seja aplicado os instrumento da regularização fundiária específica. Todavia, deve ser mencionado que esta lei esta voltada para o
atendimento dos gigantescos assentamentos precários, tais como as áreas faveladas, porém exclui da abrangência do programa a
informalidade identificada como de pequeno e médio porte, também presente muitas cidades do país.
No sentido de garantir efetividade as metas estabelecidas, o programa conta com a disponibilidade de recursos da ordem de
34 bilhões, este programa tem o compromisso fundamental de reduzir o déficit habitacional, identificado no país em 14%, onde o
repasse de verbas previstas deverá atender as necessidades habitacionais de cada localidade, a partir do déficit registrado por nível
202 - Regularização Fundiária Sustentável
de rendimento salarial, desse modo o atendimento para a construção da casa própria foi definido obedecendo os critérios abaixo
relacionados:
De acordo com o documento elaborado pela Coordenadoria Ecumênica de Serviço – CESE - na formatação desse programa,
deve ser ressaltado os investimentos a serem realizados pela União, no valor de R$16 bilhões reservados para atendimento exclusivo
das famílias inseridas na faixa salarial de 0 a 3 salários mínimos, onde as mesmas deverão receber subsídio integral, além da
isenção de seguro e dos custos cartoriais para registro de imóveis.
No âmbito da questão, se faz necessário esclarecer que, embora alguns setores entendam o lançamento desse programa
como um grande impulso para as demandas habitacionais dentro da faixa de até 3 salários mínimos, para o Movimento da Reforma
Urbana, o programa contém significativas limitações em razão de possuir uma formatação essencialmente econômica e quantitativa,
totalmente desvinculada dos princípios adotados pelo Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social à luz do que foi previsto
pelo Estatuto da Cidade.
No Brasil, o processo de urbanização acelerada, assim como o processo de industrialização tardia foram fatores
determinantes para a construção do caos presente nos aglomerados urbanos, onde apareceram sistematicamente os assentamentos
informais (loteamento ilegal ou clandestino, favelas, cortiços) associados à auto-produção da moradia, que a princípio se constituiu
como única opção de residência para a população migrante instalar-se nos grandes centros urbanos do país. Nestas localidades, as
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 203
demandas socioambientais se multiplicaram frente às limitadas intervenções do poder público, o que veio contribuir para a
intensificação de um quadro deplorável de desigualdade e exclusão social, assim como para o processo de segregação e o grave
isolamento dos grupos sociais.
No âmbito da questão, cabe ainda ser ressaltado que o cenário presente em muitas cidades brasileiras, é notadamente
caracterizado por diversos aspectos: deterioração do espaço urbano; escassez da oferta de moradias, provocando ocupações
irregulares em áreas de risco ambiental muitas das quais, juridicamente protegidas. Assim, esse contexto, além de evidenciar a grave
crise encontrada em parte significativa das cidades brasileiras, explicita a premência de adoção de novos paradigmas de
planejamento e gestão das cidades, notadamente no que se refere à questão do Direito à Cidade, que deverá ser implementado por
meio de políticas públicas capazes de oferecer respostas às demandas por padrões sustentáveis de vida em áreas urbanizadas. O
Direito à cidade, termo concebido pelo filósofo francês Henri Lefebvre (2001), se constituiu num manifesto ideológico contrario ao
modelo capitalista de produção do espaço urbano, assim como, deu uma nova ênfase à sua dialética, onde a cidade é
compreendida como um produto social, ou seja, obra humana. Esta visão, é encontrada em seu livro “O direito à Cidade”, onde
Lefebvre (2001) propõe uma nova perspectiva para a política urbana ao incentivar as forças sociais a reivindicarem o seu direito à
cidade (habitação, trabalho, serviços de saúde, educação, lazer, etc.). Nesta mesma corrente, Martins (2006, p.29) ensina que o
“Direito à Cidade é o direito a um lugar – um espaço físico onde se assentar e a partir daí acessar o que a cidade oferece”, de modo
que os indivíduos possam ter “acesso à cidade e seus serviços” e ao “mercado de trabalho”.
Desse modo, tanto as considerações de Lefebvre (2001), como as propostas por Harvey (2008) tiveram a preocupação de
evidenciar que, as dinâmicas da mudança e da transformação “dependem”, conseqüentemente, do exercício de um poder coletivo, ou
seja, da apropriação da cidade como espaço político. De maneira sintética, pode-se afirmar, que a ideologia defendida por Henri
Lefevre não apenas influenciou gerações, como também se constituiu em valores irradiados em diversos enfoques teóricos,
formatando-se em novo sistema analítico para compreensão da teoria urbana contemporânea. Certamente, esta nova visão trouxe
um importante conteúdo teórico-intelectual, o qual veio possibilitar a inserção da questão urbana em outras categorias do
conhecimento, até então de domínio da engenharia e arquitetura, o que mais tarde influenciou inegavelmente, a proposição e
formatação de políticas publicas voltadas para a questão urbana. Entretanto, deve ser ressaltado, que a consolidação do Direito à
Cidade se deu não apenas a partir da premência da questão urbana, mas essencialmente de sua capacidade de propagação e
mobilização da opinião publica, conseguindo alcançar a escala global, por meio da realização de eventos de abrangência mundial,
204 - Regularização Fundiária Sustentável
tais como as Conferencias e Foruns. A partir desse contexto, o Direito à Cidade foi reconhecido como direito humano universal,
formalizado na Carta Mundial de Direito à Cidade. Assim, o novo panorama social motivou governos, tanto em nível regional como
nacional e local, à gerar instrumentos urbanísticos e jurídicos com objetivo de efetivar os direitos humanos em cidades.
É importante ressaltar que este documento, foi formatado pelo Fórum Nacional de Reforma Urbana em três princípios
essenciais: gestão democrática da cidade, função social da propriedade e o exercício pleno da cidadania, os quais foram
regulamentados no ordenamento urbanístico brasileiro, com a edição do Estatuto da Cidade. Diante do exposto, para que as políticas
públicas possam vir assegurar o Direito à Cidade, faz-se necessário instrumentalizar o poder público local, fortalecendo sua
autonomia, no gozo de suas prerrogativas como ente federativo.
A partir da instrumentalização jurídica do Município, o processo de efetivação do Direito à Cidade passa ser uma
responsabilidade do gestor municipal, o qual deve promover a função social da cidade. Entretanto, não obstante a está lógica, a de se
estabelecer responsabilidades e deveres compartilhados entre o Estado e a sociedade, com base no princípio da cooperação65, para
juntos assumirem os encargos à conservação e manutenção do ambiente urbano. Esta integração aludida pelo princípio da
cooperação estende-se a função pública subsidiária como mecanismo de uma construção sustentável. Assim, dentro de um processo
de urbanização, não caberia somente ao Estado prover os equipamentos urbanos e sociais, pois esta obrigação, mediante a uma
parceria público-privada, poderia ser estendida à iniciativa privada.
Assim, conforme apontamentos apresentados por diversos autores, dentre eles, Fiorillo (2009) a política urbana deve
assegurar a função social da cidade de modo a promover a dignidade da pessoa humana segundo os princípios constitucionais.
Dessa forma, em conformidade com apontamentos apresentados no primeiro capítulo, a idealização de uma cidade
sustentável é balizada pelos preceitos fundamentais do direito à vida saudável, que segundo Fensterseifer (2009, p.285) deve
65
Amadei (2006) explica que este princípio reconhece a parceria público-privada como instrumento de justiça social, com previsão legal nos “[...] arts. 2º, II,
32 a 34 e 46, todos do Estatuto da Cidade, afirma, por um lado, a necessidade de operações urbanas consorciadas (arts. 32 e 34 do Estatuto da Cidade) e de
consórcio imobiliário (art. 46 do Estatuto da Cidade), no contexto maior da subsidiariedade (art. 173 da Constituição da República), bem como da isonomia de
condições entre agentes privados e públicos (art. 2º, XVI, do Estatuto da Cidade)” (AMADEI, 2006, p.40). Deste modo, a aplicabilidade deste princípio permite
que a oferta de serviços de ordem pública, sejam implementados pela iniciativa privada. Essa possibilidade permite que mais frentes de benefícios sociais,
sejam elas, habitações, infraestrutura, instalação de equipamentos sociais (escolas, creches, unidades de saúde, etc.), equipamentos de lazer (praças, parques
e áreas verdes) possam alcançar a população mais carente do espaço urbano, como aquela concentrada em áreas de assentamentos informais.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 205
atender aos “padrões mínimos exigidos constitucionalmente para o desenvolvimento da existência humana, num ambiente natural
com qualidade ambiental”.
Deste modo, o Estado Democrático de Direito deve promover a dignidade da pessoa humana, oferecendo as condições
mínimas de existência. Assim, é papel do Estado, como uma entidade reguladora e mediadora das relações e conflitos oriundos entre
os interesses particulares e os interesses comuns (de ordem pública), encontrar mecanismos para mitigar as desigualdades
socioeconômicas da sociedade brasileira.
No Brasil, o modo como se deu o processo histórico de apropriação da terra, contribuiu para a consolidação da atual situação
de desigualdade, diversidade e instabilidade social em que está inserida boa parte da sociedade brasileira, onde uma parcela
significativa da população fica alijada do processo urbano, amontoada em imensas periferias, privadas do exercício da cidadania e do
usufruto do bem público. E este o sentido da luta pela efetivação do Direito à Cidade.
Diante do exposto, um dos maiores desafios, no que se refere à realização dos Direitos Fundamentais em áreas urbanas, está
em se definir mecanismos potencialmente eficazes para sua implementação.
Assim, o próximo capítulo será desenvolvido uma análise crítica a respeito da efetividade da Política de Desenvolvimento
Urbano, especificamente aos Programas de Regularização Fundiária em assentamentos Informais, considerando que este tipo de
intervenção do Estado se recobre pela máxima do “Direito à Cidade” e oculta as interfaces de políticas públicas de caráter curativo.
206 - Regularização Fundiária Sustentável
3º CAPÍTULO
REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 207
3º CAPÍTULO
REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA
O III Fórum Urbano Mundial da UN-HABITAT, assim como seu Relatório sobre a Situação Mundial das Cidades 2006/2007,
mobilizou com sucesso o interesse global para a deterioração das condições sociais e ambientais de localidades urbanas. O
processo de globalização também atraiu a atenção mundial, tanto para o potencial produtivo das cidades, como para o seu
custo humano (UNFPA, 2007, p. 02).
Segundo Robert Kunzig da National Geographic (2011), a população do mundo continuará a aumentar nos próximos anos, o
que implica no consumo de mais recursos naturais, bem como a na intensificação dos quadros de miséria no contexto mundial,
notadamente em áreas urbanizadas. Neste contexto, a ONU – Organização das Nações Unidas informa que a população global
poderá ser estabilizada no ano de 2045 com um valor médio de 9 bilhões de habitantes.
Embora seu ritmo esteja diminuindo, essa explosão demográfica está longe de terminar. As pessoas passaram a viver mais
tempo e há tantas mulheres ao redor do mundo em idade de procriar – 1,8 bilhões – que a população global ainda vai
continuar crescendo pelo menos durante algumas décadas, mesmo que cada mulher tenha menos filhos que na geração
anterior. Até 2050, o total de seres humanos no planeta pode chegar a 10,5 bilhões ou então se estabilizar por volta dos 8
208 - Regularização Fundiária Sustentável
bilhões – a diferença é de cerca de um filho para cada mulher. Os demógrafos da ONU consideram mais provável a estimativa
média: eles estão projetando uma população mundial de 9 bilhões antes de 2050 – em 2045. [...] Com a população mundial a
aumentar ao ritmo de cerca de 80 milhões de pessoas por ano, é difícil não ficar alarmado. Em toda a terra, os lençóis
freáticos estão cedendo, os solos ficando cada vez mais erodidos, as geleiras derretendo e os estoques de pescado prestes a
ser esgotado. Quase 1 bilhão de pessoas passam fome todo o dia. Daqui a algumas décadas, haverá mais 2 bilhões de bocas
a ser alimentadas, a maioria em países pobres. E bilhões de outras pessoas lutarão para sair da miséria. Se seguirem pelo
caminho percorrido pelas nações desenvolvidas – desmatando florestas, queimando carvão e petróleo, usando fertilizantes e
pesticidas com abundância -, vai ser enorme o impacto sobre os recursos naturais do planeta. Como podemos conciliar tudo
isso? 66
Embora as previsões de uma super explosão demográfica não se confirme, frustrando a visão malthusiana67 da questão, há
um aspecto preocupante que deve ser abordado. Trata-se do crescimento espacial desigual, pois de cada dez novos nascimentos,
nove ocorrerão em países periféricos.
Além disso, a curva de crescimento da população das cidades com mais de 100 mil habitantes tem sido muito mais
acentuada do que a população total. O aumento da concentração urbana pode suplantar a capacidade de suporte dos ecossistemas
urbanos68 para a manutenção equilibrada da vida.
A conseqüência desse tipo de crescimento demográfico, aliada às restrições econômicas ocorridas nestas últimas décadas,
tem se revelado como tendência peculiar da anárquica urbanização brasileira, a qual contribuiu para a conseqüente queda da
qualidade de vida urbana. Este processo está associado à degradação ambiental, que afeta mais fortemente os extratos sociais de
66
Artigo Online – População mundial: já somos 7 bilhões. Edição 130, publicado em 01.01.2011. Disponível em < http://viajeaqui.abril.com.br/national-
geographic/edicao-130/populacao-mundial-7-bilhoes-613876.shtml > Acesso em 07.05.2011.
67
Segundo Malthus (1983, p. 282) expôs: “Estão, adotando meus postulados como certos, afirmo que o poder de crescimento da população é indefinidamente
maior do que o poder que tem a terra de produzir meios de subsistência para o homem”.
68
Segundo Dias (1997, p. 20), ecossistemas urbanos são “sistemas abertos altamente dependentes de outros ecossistemas do seu entorno, com os quais
interage através de fluxos e trocas. Do ponto de vista biológico os ecossistemas urbanos exibem uma baixíssima produtividade, logo, são altamente dependentes
de outros sistemas”.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 209
menor renda, ou seja, as populações mais carentes estão assentadas em áreas desprovidas de infraestrutura e também estão,
freqüentemente, em espaços urbanos de alto risco sujeito a enchentes, deslizamentos e processos erosivos.
Na realidade, as cidades brasileiras são frutos de processos muito equivocados de planejamento e gestão onde as
consequências, podem ser avaliadas a partir da diversidade de problemas e demandas existente em toda a rede urbana do país69.
Neste contexto, Lucas (2009) salienta que,
Diversos fatores, principalmente o processo de acumulação de capital e concentração de riquezas típicas do capitalismo
periférico, contribuíram para o quadro de segregação espacial existente nos países em desenvolvimento. A propriedade
imobiliária, neste contexto, aparece como mais uma fonte de concentração de riqueza e poder político, restrita a grupos
privilegiados. O que se observa hoje é um quadro de exclusão generalizado para a maioria dos moradores de centros urbanos:
das decisões políticas, do acesso ao emprego formal, do acesso à moradia digna e infra-estrutura urbana, do direito a cidade
e, principalmente, do direito a cidadania. A ordem jurídica em vigor, privilegiando o direito de propriedade individual e
utilizando-se de leis elitistas, reforça o quadro de segregação, protegendo o patrimônio imobiliário de uma camada da
população enquanto impele a grande massa de trabalhadores para a ilegalidade (LUCAS, 2009, p. 56).
No tocante ao “direito a cidadania” defendido por Lucas (2009), Ferreira Filho (1983, p.105) esclarece que a cidadania pode
ser entendida como um “estágio acrescido de direitos políticos, ou seja, o poder de participar do processo governamental, sobretudo
pelo voto”. Neste enfoque, o princípio da cidadania se consagra mediante a materialização do princípio democrático, onde o poder
emanado do povo manifesta-se por meio do exercício da cidadania nas suas mais amplas possibilidades. Em qualquer das
modalidades democráticas (direta, indireta ou semidireta) a cidadania encontra-se presente e é indispensável para a caracterização
69
A rede urbana é formada pelo sistema de cidades, interligadas umas às outras por meio dos sistemas de transportes e de comunicações, pelos quais fluem
pessoas, mercadorias, informações, entre outros.
Para Fresca (2004, p.38), a rede urbana com seu conjunto de cidades, de infraestruturas de transporte, comunicação, informação, dentre outros, “envolve
inúmeras relações de integração interna e externa, e ao mesmo tempo manifesta novos padrões de desigualdades vinculados aos processos sociais.”
(FERREIRA, 2008, p. 540)
210 - Regularização Fundiária Sustentável
do Estado Democrático de Direito70. Para César (2002, p.45), falar em cidadania - vai além desta prerrogativa prevista nos direitos
políticos – que é falar também em direitos humanos71, uma vez que a história dos direitos humanos se confunde com a história das
lutas de libertação do homem. A esse respeito, enfatiza:
Esse caráter pluralista da construção de um novo conceito de cidadania, pautado na efetivação dos direitos humanos,
encontra na sociedade contemporânea, mormente na brasileira, quiçá por seu caráter semiperiférico, materialização através
de inúmeras formas de organizações, mobilização e luta política (CÉSAR, 2002, p.45).
Não obstante, o princípio da cidadania, em consonância com os direitos humanos, se amplifica na esfera jurídica, tornando-se
instrumento jurídico para o resgate da dignidade da pessoa humana no combate à pobreza, tão presente nas cidades brasileiras.
Nesta corrente, Farias (2002), defende que o próprio conceito de cidadania deve ser construído por meio das mudanças de
paradigmas atuais, na promoção de uma nação mais justa.
E reconheça-se que o ponto de partida para tanto deve estar, sempre, no conceito de cidadania. Isso porque a cidadania,
concebida como elemento essencial, concreto e real, para servir de centro nevrálgico das mudanças paradigmáticas da
70
A expressão Estado de Direito foi cunhada pelo jurista alemão Robert von Mohl, no século XIX, ao procurar sintetizar a relação estreita que deve haver entre
Estado e Direito ou entre política e lei. Segundo Canotilho, por oposição a Estado de não-Direito, podemos entender o Estado de Direito como o Estado propenso
ao Direito: "Estado de direito é um Estado ou uma forma de organização político-estatal cuja atividade é determinada e limitada pelo direito. ‘Estado de não
direito’ será, pelo contrário, aquele em que o poder político se proclama desvinculado de limites jurídicos e não reconhece aos indivíduos uma esfera de
liberdade ante o poder protegida pelo direito" (Canotilho, 1998, p. 11). Disponível em: < http://jus.uol.com.br/revista/texto/7786/estado-de-direito>. Acesso
em: 25 Abril 2011.
71
Os Direitos Humanos são direitos fundamentais da pessoa humana. Esses direitos são considerados fundamentais porque, sem eles, a pessoa não é capaz de
se desenvolver e de participar plenamente da vida. O direito à vida, à alimentação, à saúde, à moradia, à educação, o direito ao afeto e à livre expressão da
sexualidade estão entre os Direitos Humanos fundamentais. Disponível em: <
http://www.adolec.br/sleitura/index.php?action=artikel&cat=1&id=27&artlang=pt-br>. Acesso em: 20 Abril 2011.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 211
ciência jurídica, será a ponte, o elo de ligação, com o porvir, com os avanços de todas as naturezas, com as conquistas do
homem que se consolidam, permitindo um direito mais sensível, aberto e poroso aos novos elementos que se descortinem na
sociedade. Um direito mais real, humano e, por conseguinte, justo (FARIAS, 2002, p.83).
Nesta abordagem, percebe-se que o princípio da cidadania não se restringe aos direitos políticos 72 (direito de votar e ser
votado), mas a todos aqueles que emanam do ordenamento jurídico brasileiro. O que significaria que cada filho desta Pátria chamada
Brasil, enquanto cidadão, deve ser resguardado pelo princípio da dignidade da pessoa humana, assegurando-lhe o acesso ao direito à
moradia digna, a educação, a saúde, ao saneamento, ao meio ambiente equilibrado, ao trabalho, enfim, assegurando-lhe o acesso
pleno ao Direito à Cidade.
Entretanto, apesar do princípio da cidadania ser um instrumento mediador do Direito a Cidade, durante muito tempo, a gestão
das cidades deparou-se com grandes dificuldades para sua efetivação em função da ausência de instrumentos legais que dessem
sustentação a vários fenômenos urbanos, dentre eles podem ser citados com destaque, os relativos à especulação imobiliária e a
dificuldade de efetivação de operações urbanas que envolvessem, num mesmo processo, a iniciativa privada e poder público.
Com essa finalidade, uma série de inovações legais ocorridas na década de 70, dentre as quais, destacam-se a instituição
das Regiões Metropolitanas e a sanção da Lei Lehmann – que tratou dos processos de parcelamento do solo para fins urbanos.
Entretanto, tais instrumentos não foram suficientes para fazer frente aos sérios problemas urbanos que desencadearam uma
situação cada vez mais grave de desigualdade social, degradação ambiental progressiva e de redução da qualidade de vida urbana
(MOTA, 1999).
72
Direitos políticos ou direitos de cidadania é o conjunto dos direitos atribuídos ao cidadão, que lhe permite, através do voto, do exercício de cargos públicos ou
da utilização de outros instrumentos constitucionais e legais, ter efetiva participação e influência nas atividades de governo. Disponível em:
<http://www.tse.gov.br/internet/institucional/glossario-eleitoral/termos/direitos_politicos.htm>. Acesso em: 25 Abril 2011.
212 - Regularização Fundiária Sustentável
A partir desse contexto, um quadro extremo de desigualdade na distribuição de riquezas foi se intensificando na
maioria das cidades brasileiras, onde uma parcela significativa da população foi forçada a viver em situação de risco social e
ambiental73, imposta em boa parte, pela condição socioeconômica.
A ausência de uma política habitacional voltada para a camada mais pobre da população, juntamente com a ação livre do
mercado imobiliário – sem comprometimento social – é um dos fatores que promovem exclusão e segregação espacial nas
cidades brasileiras. Impossibilitada de acessar um mercado imobiliário formal, e sem contar com políticas públicas de
provisão habitacional, grande parcela da população é empurrada para informalidade do espaço urbano (LUCAS, 2009, p. 12).
O resultado desse cenário se materializa, de um lado, na cidade legal que reflete a produção do capital e, do outro lado, na
cidade ilegal, composta pelos excluídos das benesses do capital. Esta última é classificada como uma população de menor poder
aquisitivo ou de menor renda, que tem em comum os mesmos tipos de carências: se alimentam mal e muitas vezes passam fome,
residem em construções precárias ou são moradores de ruas, a maioria tem subempregos ou estão desempregados, apresentam
problemas familiares, tem baixos níveis educacionais e culturais, tem dificuldades de ter acesso aos serviços públicos de
saneamento, etc.
Para vários autores, entre eles Flávio Villaça (1998), a análise do espaço urbano, sobretudo nos grandes centros, identifica
como aspecto marcante a discrepância dos usos residenciais conforme o perfil socioeconômico da população residente, o que
comumente é denominado de segregação socioespacial, produzida a partir de uma dinâmica desconexa, que se mostra na
73
Segundo a OPAS (2000), entende-se por fatores de risco o espectro de causalidades que têm a possibilidade de interferir nos sistemas vivos, psicossociais e
do ser humano em seu funcionamento, com prejuízo às condições individuais ou coletivas de saúde. Na análise de fatores de risco são considerados os
aspectos: físicos, químicos, psicossociais, biológicos, socioeconômicos e sindrômicos. (CASTRO, 2007, p. 69)
Risco não é puramente uma contingência ou um efeito circunstancial. Constitui-se, em parte, de um processo social. Mesmo os impactos ambientais que
deterioram a qualidade de vida possuem uma parcela de participação da sociedade. Por exemplo, os riscos de enchentes são produzidos como resultado de um
processo de ocupação de áreas sujeitas a alagamentos de acordo com os regimes de cheias dos rios. (ROLNIK; NAKANO, 2003 apud CASTRO, 2007, p. 70)
Entende-se por risco ambiental a possibilidade de um dano, enfermidade ou morte resultante da exposição de seres humanos, animais ou vegetais, a agentes
ou condições ambientais potencialmente perigosas. (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2004, p.10)
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 213
guetificação da elite – morando em condomínios residenciais fechados com confortos que transcendem os limites urbanísticos
máximos, e na concentração informal de população de menor poder aquisitivo, vivendo em áreas inadequadas e muitas vezes,
desprovidas do mínimo existencial, totalmente a margem da legislação vigente.
Para Castells (1983), nas cidades capitalistas a segregação socioespacial se revela como uma das faces das desigualdades
sociais, onde a organização do espaço é determinada pelas leis de mercado,
[...] a distribuição dos locais residenciais segue as leis gerais da distribuição dos produtos e, por conseguinte, opera os
reagrupamentos em função da capacidade social dos indivíduos, isto é, no sistema capitalista, em função de suas rendas, de
seus status profissionais, de nível de instrução, de filiação étnica, da fase do ciclo de vida, etc. Falaremos, por conseguinte,
de uma estratificação urbana, correspondendo ao sistema de estratificação social...e, nos casos em que a distancia social
tem uma expressão espacial forte, de segregação urbana (CASTELLS, 1983, p.210).
Desse modo, a segregação espacial acaba por se revelar como um dos principais agentes do processo de exclusão social e da
degradação ambiental, constituindo-se nos chamados enclaves de pobreza, que inegavelmente são locais de demandas
inesgotáveis. No mesmo contexto, Lucas (2009) complementa,
A proliferação de assentamentos precários e irregulares em áreas cada vez mais distantes do mercado de trabalho e dos
centros urbanos, desprovidos de infra-estrutura, não visadas pelo mercado imobiliário formal, é uma das formas de
materialização das desigualdades sociais, no qual milhões de brasileiros se vêem excluídos do mercado formal de trabalho, de
acesso a terra, do exercício pleno de sua cidadania (LUCAS, 2009, p.12).
214 - Regularização Fundiária Sustentável
Na dinâmica da produção do espaço, esses indivíduos sofrem pela segregação74 social, que os remetem para áreas
periféricas, como forma de ocultar a miséria oriunda do capitalismo. Assim, a produção do espaço urbano é motivada pela ação do
mercado imobiliário, o qual tem a potencialidade de induzir a expansão do tecido urbano.
[...] a produção do espaço se realiza sob a égide da propriedade privada do solo urbano; onde o espaço fragmentado é vendido
em pedaços tornando-se intercambiável a partir de operações que se realizam através e no mercado; tendencialmente
produzido enquanto mercadoria: deste modo o espaço entra no circuito da troca, generalizando-se na sua dimensão de
mercadoria. Neste contexto, o espaço é fragmentado, explorado, e as possibilidades de ocupá-lo se redefinem constantemente
em função da contradição crescente entre a abundância e a escassez, o que explica a emergência de uma nova lógica
associada a uma nova forma de dominação do espaço que se reproduz ordenando e direcionando a ocupação a partir da
interferência do estado (CARLOS, 2004, p.1).
Todavia, deve-se considerar que o usuário da terra é motivado na aquisição de um terreno, mediante as vantagens, sejam
estas de origem objetivas (o valor do imóvel e a possibilidade de lucro) ou pela subjetividade (o fim que será dado ao imóvel). Bueno
e Reydon (2006) explicam como se dá esse processo especulativo do mercado de terra:
A análise da cidade oficial e da ilegal deve ser entendida como um processo complementar da valorização e estruturação do
espaço no desenvolvimento de uma metrópole do sistema capitalista periférico, onde de um lado existem as instituições
formais, que são a expressão da exclusão social, ao predefinir os padrões de uso das classes com maiores recursos
financeiros e ao segregar e excluir os usos das classes populares, valorizando o espaço pela exclusividade dos usos e pelos
investimentos públicos e privados. Do outro lado, a cidade ilegal, resultado das práticas sociais das classes populares, onde a
valorização do espaço é garantida por um total sistema de laissez-faire, baseado em instituições informais, com
74
Para Lojkine (1981, p.166 apud VILLAÇA, 1998, p.143), a segregação é uma manifestação da renda fundiária urbana, um fenômeno “produzido pelos
mecanismos de formação dos preços do solo”.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 215
assentamentos localizados nas áreas rurais e de proteção ambiental, sem contar com infra-estrutura e melhoramentos
públicos (BUENO; REYDON, 2006, p.409).
Diante dos efeitos produzidos pela lógica da especulação imobiliária urbana, comumente encontramos famílias de menor
renda ou sem renda, ocupando regiões periféricas, desvalorizadas, como por exemplo: áreas insalubres nas proximidades de parques
industriais, assim como os fundos de vales, áreas de encostas morros, dentre outras localidades. Intensificando a complexidade da
questão, temos uma parcela significativa desses espaços decorrentes de ocupações clandestinas. Esses locais, em regra, não
oferecem condições mínimas de habitabilidade e infraestrutura básica à boa parte dos seus moradores, ou seja, os mesmos não têm
acesso aos serviços públicos e vivem em situação de vulnerabilidade social 75, decorrentes da inadequada e incipiente estrutura
existente em assentamentos e construções ilegais.
A pobreza, a mendicância e a falta de moradia tem sido parte do cenário urbano desde as primeiras cidades da Mesopotâmia.
Os pobres, em sua maioria, são relegados a áreas socialmente segregadas, genericamente chamadas “favelas”. Nosso
conceito de “favelas” data da revolução industrial e lembra a esqualidez dos bairros pobres do séc.XIX em Londres, ou do
início do séc.XX em Nova Iorque.
As características básicas da vida na favela não mudam: a diferença hoje é de escala. Os moradores de favelas no novo
milênio não são mais alguns milhares, em algumas cidades de um continente em processo de rápida industrialização. As
favelas abrigam um em cada três moradores das cidades, um bilhão de pessoas, um sexto da população do planeta (UNFPA,
2007, p.16).
75
O conceito de vulnerabilidade social de uma população tem sido utilizado para caracterização de grupos sociais que são mais afetados por estresse de
natureza ambiental, inclusive aqueles ligados ao clima. Os principais conceitos da vulnerabilidade têm vindo da comunidade científica que estuda os efeitos e a
prevenção de impactos dos chamados desastres naturais. Assim é que Blaikie et al. (1994) definiram vulnerabilidade como as “características de uma pessoa
ou grupo em termos de sua capacidade de antecipar, lidar com , resistir e recuperar-se dos impactos de um desastre climático. (CONFALONIERI, 2003, p. 200
apud CASTRO, 2007, p.73)
216 - Regularização Fundiária Sustentável
Segundo Fernandes (2006, p.14), atualmente no Brasil, aproximadamente “entre 60% e 70%” da população urbana vive em
“assentamentos e construções ilegais – em favelas, loteamentos irregulares e clandestinos, cortiços, etc. - sendo que em média
20% da população” vivem em áreas faveladas. Essa realidade demonstra a desigualdade e heterogeneidade, baseado num modelo
de segregação social e territorial.
As favelas76 se caracterizam por ocupações espontâneas por uma população de menor poder aquisitivo, em vazios urbanos
privados (glebas e terrenos vagos, podendo ser inclusive em APP – Área de Preservação Permanente) ou públicos (áreas afetadas de
uso comum77 ou bens de uso especial78, onde são reguladas pelo regime jurídico administrativo, passando a ter características de
inalienabilidade79, impenhorabilidade80 e imprescritibilidade81).
Esses espaços são constituídos por um amontoado de construções precárias ao longo dos becos e vielas estreitas, em
condições subumanas para habitação. O ambiente é insalubre, não há distribuição de água potável, tratamento de esgoto, coleta de
76
Segundo a publicação, as favelas são manifestações físicas e espaciais da pobreza urbana e da desigualdade intra-urbana, e a sua generalização nos países
subdesenvolvidos deve-se ao processo de “urbanização da pobreza”, que é a cada vez maior concentração de pobres nos centros urbanos (UN-HABITAT, 2003).
Apesar de não se poder afirmar que todos os pobres urbanos habitam as favelas, são nelas que se encontram as piores condições habitacionais e ambientais
com altas concentrações de pobreza. O explosivo crescimento das cidades nos países subdesenvolvidos nas últimas décadas (estimulado, dentre outros fatores,
por um intenso êxodo rural) levou ao florescimento de novas formas de assentamentos informais e precários, sobrecarregando as autoridades municipais não
preparadas e incapazes de atender no curto prazo às demandas dos novos moradores da cidade. Como nem o mercado nem o Estado conseguiram prover
moradia para esta mão-de-obra excedente, o crescimento desordenado das favelas e das periferias se deu como conseqüência imediata. (TONUCCI FILHO;
ÁVILA, s/a, p.3)
77
Bens de uso comum são aqueles “destinados ao uso indistinto de toda a coletividade. Podem ser de uso gratuito (ruas, praias etc.) ou remunerado (estradas,
parques etc.). Podem provir do destino natural do bem, por exemplo, rios, mares, ruas, praças, ou por lei ou ainda por ato administrativo. Mas há sempre uma
afetação ao uso coletivo, Daí a incidência do regime jurídico administrativo.” (PIRES, 2006, p.60).
78
Bens de uso especial são aqueles “destinados a uma finalidade especial, não são de uso indiscriminado da sociedade. Também podem ser de uso gratuito
(repartições públicas, aeroportos etc.) ou remunerado (museu, teatro, etc.). Há sempre, como na categoria antecedente, uma afetação ao uso da Administração.
E com isso também se justifica a subsunção ao regime jurídico administrativo.” (PIRES, 2006, p.60).
79
“A inalienabilidade implica impossibilidade de alguém passar a propriedade de certo bem para outrem. Ela impede que certo bem público seja objeto de
contratos de compra e venda, doação, permuta [...]” (DI PIETRO, 2007, p.114). “A causa da inalienabilidade é a proteção do uso público e, por conseguinte, do
interesse coletivo”. (CRETELLA JÚNIOR, 1984, p.33 apud DI PIETRO, 2007, p.114).
80
Impenhorabilidade assegura que os bens públicos não sejam objetos de penhora, seja qual for modalidade. (PIRES, 2006, p.63).
81
“A imprescritibilidade é regra que afasta o elemento tempo como condição para aquisição de propriedade. Em razão dela, o decurso de tempo não favorece
terceiro possuidor de qualquer tipo de bem público, de sorte a impossibilitar sua usucapião”. (DI PIETRO, 2007, p.117).
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 217
resíduos sólidos, ou distribuição de energia elétrica entre outros, sendo que a pouca infraestrutura existente no local provém de
ligações clandestinas (gatos). Os habitantes de áreas faveladas são privados de serviços públicos, como escolas, atendimento
médico, segurança, entre outros, assim como não desfrutam de oferta de espaços públicos destinados à recreação, sendo que na
maioria dos casos as crianças brincam em meio ao lixo que se amontoa ao longo dos becos fétidos, onde o esgoto corre a céu aberto.
Neste ambiente sombrio e insalubre, onde o poder público se faz omisso, a ordem é ditada, em regra, por grupos armados
ligados ao narcotráfico, que promovem o terror entre os moradores do local. Assim, a favela se apresenta como terra de nínguem,
esquecida pelo poder público. Neste espaço, muitas vezes as crianças têm a infância roubada, assim como a prostituição é imposta
como um dos modos mais imediatos de subsistência, além de boa parte dos menores, em diversas situacões, serem seduzidos ou
recrutados por alguma facção criminosa.
Entretanto, há uma outra face a ser considerada nestas áreas, e por sinal de grande importância para o recorte analítico
definido nesta pesquisa, que são os impactos ambientais oriundos do uso e ocupação desordenada verificados nestas localidades,
principalmente em ecossistemas frágeis, como as APPs - Áreas de Preservação Permanente. Mazetto (2000) ensina que esses
impactos não se restringem apenas às alterações adversas in pejus do equilíbrio ecológico, mas estão relacionadas à qualidade de
vida humana.
Os problemas ambientais não estão restritos aos efeitos das alterações provocadas pelo homem na natureza, que colocam em
risco sua própria sobrevivência como espécie, eles também estão relacionados ao próprio espaço construído pelo homem,
esse mundo artificial sobre a superfície terrestre, representado especialmente pelas cidades, onde as questões de ordem
social e não apenas as de ordem física atuam de forma decisiva na qualidade de vida humana (MAZETTO, 2000, p.21).
218 - Regularização Fundiária Sustentável
Esta questão pode ser melhor compreendida com as análises empreendidas por Mueller (1997) ao tratar da problemática
ambiental em áreas urbanas. Segundo este autor, a pobreza e a concentração de população nos grandes centros urbanos82 brasileiros
foram responsáveis pela existência de dois graves problemas ambientais: a degradação do ambiente decorrente do padrão de
consumo dos extratos de renda média e alta; e a degradação ocasionada pela ausência de infraestrutura, e a generalizada deficiência
de serviços básicos aos segmentos de menor renda.
Com esta abordagem, Mueller esclarece que a degradação ambiental, associada à questão da pobreza ocorrida na maior parte
das cidades, é freqüentemente caracterizada por:
Grande parte da população de baixa renda reside em aglomerados de sub-habitações: construções precárias, com
número elevado de habitantes por unidade habitacional, desprovidas de abastecimento de água potável e em condições
de risco sanitários;
As áreas ocupadas pela população de baixa renda são, em geral, frágeis sob o ponto de vista ambiental: encostas,
várzeas, terrenos próximos a focos de poluição ou de risco (aterro sanitários, indústrias, redes de alta tensão, etc.);
Os assentamentos geralmente estão localizados em terrenos ilegais ou desrespeitando a legislação de uso do solo, o que
dificulta, quando não impede, o provimento dos serviços urbanos, especialmente a instalação das redes de água, esgoto,
energia elétrica, drenagem urbana, pavimentação e coleta de lixo;
O ambiente físico e social apresenta condições favoráveis para disseminação de doenças endêmicas tais como diarréia,
febre tifóide, meningite, infecções de pele, olhos, ouvidos, além de intoxicação alimentar;
Além dos riscos de doenças, os assentamentos da população de baixa renda estão permanentemente sujeitos à violência,
decorrente da falta de perspectivas de trabalho e renda, bem como da presença da rede de narcotráfico (MUELLER, 1997,
p.72).
82
A maioria dos pobres urbanos do mundo não mora mais em bairros pobres no centro da cidade. Desde 1970, o maior quinhão do crescimento populacional
urbano mundial foi absorvido pelas comunidades faveladas da periferia das cidades do Terceiro Mundo. O crescimento horizontal há muito deixou de ser um
fenômeno distintamente norte-americano, se é que já o foi. (Davis, 2006, p. 46)
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 219
Diante do contexto apresentado, a situação de ilegalidade é notadamente caracterizada pela ausência de equipamentos
públicos, infraestrutura e principalmente a indisponibilidade de serviços sociais fundamentais ao atendimento das necessidades
humanas, negando assim o acesso de parte significativa da população aos direitos sociais, constitucionalmente garantidos.
Nesta lógica, repousa sobre o princípio da legalidade repousa na ideologia do Estado Democrático de Direito, onde rege com
inteireza, isto é, no rigor de seus fundamentos e de todas as suas implicações legais. Este princípio foi estabelecido na Constituição
Federal de 1988, inciso II, no artigo 5º, que cuida das garantias individuais, o qual não pode ser objeto de emenda por ser cláusula
pétrea, conforme o artigo 60, § 4º. Entretanto, é no caput do artigo 37 da Constituição Federal, onde se estabelece a vinculação da
administração pública direta e indireta a qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios a
obedecer ao princípio da legalidade.
Para Meirelles (1990) a aplicabilidade do princípio da legalidade, significa que
[...] o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei, e às exigências do bem-
comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar,
civil e criminal, conforme o caso. [...] Na Administração Pública, não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na
administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei
autoriza. A lei para o particular, significa ‘pode fazer assim’; para o administrador público significa ‘deve fazer assim’
(MEIRELLES, 1990, p. 78).
Desta forma, com base no princípio da legalidade, o administrador público só deve exercer suas atividades funcionais
mediante previsão legal. Assim, numa abordagem crítica, questiona-se: Qual o grau de abstração de um chefe do executivo ao
permitir, que as normas urbanísticas sejam burladas em favor grupos imobiliários que contribuem para a consolidação dos processos
220 - Regularização Fundiária Sustentável
informais em áreas urbanas? Ou ainda, que permite que as APPs - imprescindíveis para a realização dos serviços ambientais83 em
espaços urbanizados - sejam usurpadas?
No âmbito do estudo desta problemática, se faz necessário ter uma compreensão clara dessas características, tendo em vista
que a pobreza e a degradação não são percebidas enquanto inerentes à lógica perversa de um modo de produção concentrador, mas
como percalços inesperados e perversos.
[...] as mazelas trazidas pela globalização neoliberal aprofundaram a pobreza e as desigualdades urbanas nas cidades
periféricas. Por globalização entendemos a ampliação internacional dos mercados revolucionada por grandes mudanças
tecnológicas (movimento estrutural) combinada ao ideário neoliberal: primazia do mercado, enfraquecimento dos Estados
Nação, recuo das políticas sociais, privatizações e mercantização dos serviços coletivos, e conseqüente aumento do
desemprego e violência. (MARICATO, 2010, p.11)
Tais apontamentos são reafirmados por Dias (2010, p.78) ao citar Castells (2004, p.321), salientando que a existência de um
mercado desregulado “não engendra bem-estar nem desenvolvimento social. O anarquismo mercantil gera, por si só, a sua falência,
pois limita e erode a vivência de plexo de direitos e garantias da sociedade.”
Num primeiro momento, essas questões se mostram distantes, entretanto, em razão de sua importância, torna-se primordial
uma reflexão a respeito da postura a ser adotada pelo Estado frente à urgência em regular e controlar as condições de riscos
ambientais, notadamente os efeitos nocivos da globalização, que afetam, sobretudo as áreas urbanizadas. Para Dias (2010, p.57)
tanto a questão ambiental, assim como o difícil acesso ao emprego formal, ou mesmo as relações laborais informais,
83
Segundo Santos (2007, p. 131), a Avaliação Ecossistêmica do Milênio (AEM) considera como “serviços ambientais” todos os aqueles oriundos de
“ecossistemas naturais e modificados pelo homem”. Segundo a AEM - Avaliação Ecossistêmica do Milênio, estes serviços provêem de “complexas interações
biológicas, químicas e físicas afetadas pelas atividades humanas”.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 221
[...] são temas diretamente relacionados com a questão da igualdade, pois são aqueles desprovidos de saber, de formação e
capacitação profissional que não têm acesso ao mercado de trabalho, justamente porque não estão qualificados para suprir
as necessidades e os anseios deste mercado econômico global. Destarte, inúmeros cidadãos se tornam excluídos do tecido
social, do espaço social global porque não participam da economia global, o que aumenta ainda mais o desnível entre os ricos
e os pobres. E são esses excluídos os que mais sofrem com a poluição ambiental e com a crise ecológica . São os que vivem
num mundo de subcidadania, seja porque não possuem um local para morar, seja porque habitam em locais inóspitos, seja
porque não possuem uma atividade laboral que lhes possibilite garantir as necessidades básicas para sua sobrevivência.
(DIAS, 2010, p.58-59)
A mesma autora (DIAS, 2010) continua a questão ao salientar que, a economia mundial desestabiliza e fraciona as bases do
Estado, tendo em vista que a política da globalização almeja um Estado mínimo, com a gradativa redução e, sobretudo a debilitação
de suas instituições. Assim, a vulnerabilidade do Estado mediante os impactos decorrentes das transformações econômicas globais,
segundo Dias (2010, p.63) “atinge diretamente o núcleo de suas funções como Estado Assistencial, e gera uma crise na capacidade
de proteger e garantir os direitos fundamentais, sociais e difusos.”
O caso brasileiro, por exemplo, representa a não vivencia do Estado de Bem-Estar, pois ainda não conseguimos garantir e
efetivar as promessas do Estado Social. Para Streck(2002,p.69), a modernidade, no Brasil, é tardia e arcaica, pois as
promessas de modernidade não se realizaram. Nessa perspectiva, o Estado forte, atuante, diferentemente das propostas que
se direcionam para o enxugamento do Estado de Bem-Estar Social. Em outras palavras, o Estado brasileiro precisa cumprir as
promessas de igualdade, de solidariedade e de exercício democrático. Deve assumir as funções primordiais para dissipar as
desigualdades sócio-econômicas, que impedem o exercício da democracia e a vivência da liberdade e da dignidade humanas.
(DIAS, 2010, p.255-256)
222 - Regularização Fundiária Sustentável
Desse modo, para que esses direitos tenham efetividade, com o objetivo de alcançar uma transformação social de ordem
qualitativa, visando qualidade de vida, e sobretudo, um novo modelo de desenvolvimento socioespacial, somente será possível a
partir de um Estado forte, atuante e apto em produzir respostas eficazes às gigantescas demandas oriundas do próprio sistema
econômico vigente.
Neste contexto, para o enfretamento desses fenômenos econômicos e políticos, será necessária uma reavaliação das
finalidades estatais, visando revigorar as funções de suas instituições jurídicas-políticas, de modo a potencializar a dimensão da
política, da democracia e da cidadania não apenas em território nacional, como também, a partir da comunidade internacional.
Para Dias (2010, p.285), os problemas estruturais de correntes da economia global, afetam de modo contundente os espaços
políticos nacionais, de forma que os Estados pobres em função de seu endividamento externo acabam tendo dificuldades gigantescas
em viabilizar políticas públicas sustentáveis “pois toda política interna depende de decisões e de políticas externas ditadas por
organismos internacionais - para tomar medidas e gerenciar os problemas e interesses nacionais.”
Quando a questão se volta para dívida externa, globalização, e principalmente sua interface com a proteção dos direitos
humanos, Castro (1994, p.125 apud Dias, 2010, p.285) afirma categoricamente que o acirramento das finanças públicas em países
da América Latina se deu em função dos juros exorbitantes sempre crescentes, o que de certo modo, afetou drasticamente as
condições de desenvolvimento e a própria consolidação da democracia nesses países.
Sabemos que o FMI e o Banco Mundial estabelecem programas de ‘reabilitação’ para países pobres diante da comunidade
financeira internacional. E os países pobres, para obterem créditos, vêem-se diante de uma séria ‘dieta hipocalórica’ para
ajustamento econômico em âmbito interno. Esse programa de reabilitação impossibilita os países de agirem no sentido de
implementar políticas para o desenvolvimento econômico e o desenvolvimento social, pois, para reduzir o déficit fiscal, os
Estados cada vez mais diminuem as possibilidades de realização de despesas com projetos sociais para suprimir as
desigualdades sociais. A redução dos gastos públicos e a diminuição de verbas para a realização de projetos sociais
desfavorecem as camadas mais pobres da população, cada vez mais limitadas em suas opções de vida, vivendo em
condições que se contrapõem ao sentido da dignidade humana.(CASTRO, 1994, p.125 apud DIAS, 2010, p.285).
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 223
Nesse contexto, os países que compõem o bloco do mundo em desenvolvimento - os Estados pobres apresentam quadros
econômicos fragilizados em função do endividamento84 externo, o que acaba dificultando a construção da sustentabilidade em suas
diversas dimensões, seja porque afeta gravemente as habilidades e potencialidades de comando do Estado na consecução de uma
política justa, democrática e humana. Assim, para a reversão desse contexto, em que seja possível pensar a sustentabilidade, se faz
necessário criar condições que possibilitem a segurança econômica, social e política, a fim de permitir aos Estados a reestruturação
de suas economias, visando uma justa redistribuição de riquezas e primordialmente o uso devido e responsável dos recursos
naturais. É em meio a tais apontamentos, que a dimensão e complexidade da questão urbana apresentada por esses países clamam
por urgência em ações propositivas de caráter, sobretudo humanitário, e nesses quadros o Brasil não foge à regra. Assim, há que se
ressaltar a premência de um Estado potencializado para fazer frente a essas crises, dotado de uma base jurídico-constitucional, “que
assegure os caminhos, o norte de ação, de planejamento e implementação de políticas para reduzir as desigualdades e implementar
maior Justiça Social.” (DIAS, 2010, p.249).
O Brasil, durante as últimas décadas do século XX, além de ter apresentado um intenso processo de urbanização, onde as
desigualdades sociais e a concentração de renda são características marcantes dos espaços urbanos segregados, acumulou ainda
uma dívida social exorbitante em relação à carência habitacional. Conforme os dados apresentados na pesquisa - IBGE (2000), o
84
Tanto o FMI quanto muitas das agências internacionais de desenvolvimento impõem condições para emprestar dinheiro (como se fosse uma doação),
determinando a reestruturação de órgãos de governos municipais, estaduais e federais e orientando suas práticas. Os empréstimos pagam consultores
internacionais que, freqüentemente, pouco conhecem da realidade local, mas conhecem muito bem os idênticos modelos que são impostos a diferentes países,
de diferentes culturas, em diferentes cidades. Esses empréstimos sobrecarregam a dívida, que é o garrote onde emperra o investimento em políticas públicas, já
que constituem gastos – e, de acordo, com os PAEs, devem ser contidos. (DAVIS, 2006, p.213)
224 - Regularização Fundiária Sustentável
país tem mais de sete milhões de famílias que necessitam de moradias novas, outro dado preocupante, é a existência de 10 milhões
de domicílios com problemas de infraestrutura básica.
Neste contexto, provavelmente, as deficiências do setor habitacional, se configurem como problema de maior relevância: onde
déficit habitacional brasileiro em 2008 era de 5,8 milhões de moradia85.
De maneira geral, pode-se afirmar que o crescimento das grandes cidades brasileiras ao longo da segunda metade do século
XX se caracterizou pela configuração de duas cidades distintas: uma cidade legal, consolidada pela implementação de
parcelamentos oficiais (legalizados) localizados, em geral, em áreas mais centrais, destinados à moradia das classes médias
e altas; e uma cidade ilegal, destinada à moradia das classes baixas, caracterizada pela implantação de loteamentos ilegais
(ou irregulares) nas porções periféricas dos municípios e pela consolidação de favelas em diversas áreas das regiões mais
centrais (D’OTTAVIANO; QUAGLIA SILVA, 2009, p.201).
De acordo com o Relatório do IBAM (2004, p. 12), vários fatores colaboraram para o alastramento das ocupações informais no
país, dentre os quais merecem destaque: a especulação imobiliária, os critérios rígidos de parcelamento do solo adotados nas
legislações municipais e a insuficiência de programas habitacionais de interesse social tanto público ou privado.
Frente a esta problemática, no final da década de 1970, procurando responder as emergentes e significativas mobilizações
sociais de lutas por moradia, a Política Habitacional sofreu profundas modificações para atender as fortes demandas populares. Com
este propósito, em várias localidades urbanas do território brasileiro, surgiram iniciativas de governos estaduais, e municipais
voltadas a programas de urbanização de assentamentos informais, viabilizados por meio da disponibilização de recursos locais e
federais.
No âmbito da questão, é importante considerar que a crise fiscal registrada durante a década de 90 na maioria dos estados e
as alterações institucionais determinadas pela Constituição de 1988, fez com que os municípios passassem assumir maior
responsabilidade em implementar a Política de Desenvolvimento Urbano, onde foram enquadrados os programas habitacionais.
85
Segundo o 4º Relatório Nacional de Acompanhamento dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 225
[...] as expulsões violentas e remoções forçadas foram sendo gradualmente substituídas pela relativa tolerância dessas
formas de ocupações ilegais, culminando com o reconhecimento oficial de algumas áreas de favelas e dos direitos das
comunidades que nelas vivem, passando-se a privilegiar a urbanização das áreas cuja ocupação já estava consolidada.
Em resposta a essa realidade de graves implicações sociais, econômicas, ambientais e políticas relativas ao processo de
ocupação informal, ocorrido durante o final do século XX, verificou-se uma reversão de tendências do enfretamento dessas questões,
onde urbanistas, formuladores de políticas públicas, assim como administradores municipais dedicaram-se em formatar programas
de urbanização e regularização fundiária de assentamentos informais. Como exemplos dessas iniciativas, merecem destaques os
primeiros programas de regularização de favelas implementados na década de 80 na cidade de Belo Horizonte86 e Recife, elaborados
86
A lei de zoneamento de Belo Horizonte (aprovada em 1976) foi atualizada com a nova Lei Federal, e a partir da década de 1980 as favelas passaram a ser
classificadas como “Setor Especial 4”. É neste marco jurídico e legal que nasce o PRÓ-FAVELA, pioneiro por propor um programa de regularização de favelas
que passava a identificar e demarcar as favelas como áreas residenciais. O programa estabeleceu [...] “normas urbanísticas específicas de uso, de
parcelamento e de ocupação do solo em tais áreas; e a criação de mecanismos político-institucionais de gestão participativa dos programas de regularização”
(FERNANDES, 2001).
226 - Regularização Fundiária Sustentável
a partir dos preceitos da Lei 6.766/7987 (Lei do Parcelamento do Solo), onde foi inserido pela primeira vez o conceito de urbanização
específica88, o qual abria a possibilidade de tratamento diferenciado para alguns casos específicos de parcelamento de solo.
Neste contexto, torna-se importante ressaltar o caso de Belo Horizonte, que para implementação desses programas efetuou
iniciativas muito ousadas como: aprovação da Lei de Zoneamento em 1976 - antes da aprovação da Lei Federal de Parcelamento do
Solo; delimitação das ocupações informais denominando-as como áreas especiais para intervenções urbanas diferenciadas; e ainda
a aprovação do programa de recuperação de assentamentos ilegais – Pró-Favela89 – com a flexibilização das normas urbanísticas
para parcelamento do solo além de implantar instrumentos de gestão participativa nos programas de regularização.
A partir desses exemplos, vários municípios implementaram programas de regularização com base no estabelecimento de
zoneamento especial, identificando as áreas ocupadas irregularmente por população de menor renda como áreas especiais com
necessidades diferenciadas de urbanização.
Para Dias (2010, p.250), a existência do Estado se justifica em razão das demandas sociais 90, e a partir dessa lógica “as
transformações no modelo econômico geram, por sua vez, transformações paradigmáticas na própria estrutura estatal, forjando
novas competências e atividades, novos conteúdos axiológicos legitimadores da atuação estatal.”
87
A lei de parcelamento do solo que vigorou por mais de 40 anos foi o Decreto-lei 58/37, regulamentado pelo Decreto 3.079/38. Esse diploma legal vigorou
desde a década de 30 até 1979 (em 1967 promulgou-se o Decreto 271/67, que no entanto não foi regulamentado). O Decreto-lei 58/37 incidiu, portanto,
durante o período em que a expansão territorial urbana brasileira apresentou seus maiores índices de crescimento.
Por não conter qualquer dispositivo urbanístico que se referisse à organização territorial, o reflexo da urbanização realizada sob sua égide foi, geralmente, o de
uma malha urbana densificada e carente de áreas públicas, sejam áreas verdes, sejam áreas de lazer e recreio, sejam destinadas a abrigar equipamentos
públicos com a finalidade de dar suporte as atividades urbanas desempenhadas em seu território. [...] O surgimento da Lei Federal 6.766/79 busca mudar este
quadro estabelecendo um percentual mínimo de áreas públicas.
88
a “[...] Lei Federal n.6766 de 1979, cujo objetivo era estabelecer diretrizes para o parcelamento do solo urbano [...] cria o conceito de “urbanização
específica”, ou seja, a aceitação de que em algumas situações especiais poderia haver critérios diferenciados de parcelamento do solo urbano (FERNANDES,
2001).
89
O PRÓ-FAVELA (Programa Municipal de Regularização de Favelas) foi criado pela Prefeitura de Belo Horizonte em 1983, e é considerado pioneiro em todo o
Brasil por ter sido a primeira ação pública que reconhecia a especificidade da favela e o direito de seus habitantes à moradia e aos bens e serviços básicos. Isto
só foi possível devido à nova Lei Federal n.6766 de 1979, cujo objetivo era estabelecer diretrizes para o parcelamento do solo urbano. (FERNANDES, 2001).
90
Neste sentido, o emprego do princípio da fidelidade tem caráter ideológico, visto que está estritamente relacionado com o ideal de bem comum legitimado pelo
administrador público, diante dos problemas urbanos a serem vencidos, como a construção de novas creches, unidades de saúde, conjuntos habitacionais de
interesse social, a disponibilidade de áreas esportivas e recreativas, dentre tantas outras. “Princípio de fidelidade ao destino da sociedade: tal operação
urbanística supõe o conhecimento dos problemas atuais da sociedade, a adesão e a solidariedade para o bem comum de hoje e das gerações futuras; logo, só
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 227
Entretanto, a que se ressaltar, que neste período o sistema jurídico em vigor não oferecia todos os mecanismos legais
necessários à efetiva implementação dos programas de regularização de assentamentos informais, uma vez que a proteção dos
direitos dos proprietários de terras era incontestável, pois tanto o Código Civil de 1916, assim como o Código de Processo Civil
garantiam vários mecanismos legais para serem usados em ações de reintegração de posse, ou seja, realizar a expulsão dos
ocupantes para retomada de áreas invadidas.
Na realidade, o Poder Público, antes da promulgação da Constituição de 1988, dispunha de poucos instrumentos jurídicos
voltados para a regulação dos processos de uso, ocupação e parcelamento do solo, seja na aplicação de restrições aos direitos de
propriedade ou mesmo buscando caminhos para implementar a função social da propriedade, disponibilizada desde a Constituição
de 1934.
A aprovação da Constituição de 1988, com a inserção de um capítulo dedicado a questão urbana, fundamentado no ideário da
Reforma Urbana, se constituiu num marco de fundamental importância para gestão das cidades ao incorporar a função social da
propriedade como espinha dorsal da política urbana tendo em seu bojo a política de regularização fundiária como instrumento
fundamental para efetivação do direito à moradia digna destinada aos segmentos de menor poder aquisitivo.
Frente à complexidade da questão e à emergência de soluções para seu enfrentamento, a experiência brasileira,
recentemente, tem se preocupado em buscar um ponto de equilíbrio através de programas capazes de analisar a possibilidade de
permanência da população no local de origem do assentamento, através de intervenções urbanísticas, objetivando a melhoria da
qualidade de vida. Esta postura evidencia, para vários especialistas na matéria, um significativo avanço para o tratamento da
questão, mesmo considerando que os processos de implementação de políticas de urbanização em assentamentos informais nem
sempre estão isentos da influência de interesses políticos, de grupos de pressão, notadamente das forças hegemônicas do mercado.
No âmbito da questão, torna-se oportuno os apontamentos de Dias, ao citar (PIZARELLO,1998, p.440), onde o referido autor,
há bem em operações urbanas, quando ela for fiel ao fim da sociedade, e, estiver no foco do bem comum” (AMADEI, 2006, p.34). Amadei (2006) preconiza a
necessidade de se conhecer a realidade da cidade, no tocante aos problemas e às potencialidades, de forma que o gestor público possa executar serviços
públicos visando o interesse comum e afastando assim os possíveis desacertos na gestão dos recursos públicos. Deste modo e acima de tudo, o princípio da
fidelidade pode ser entendido como o compromisso do administrador público na promoção da justiça social e do combate às inúmeras mazelas que tem afligido
uma parte considerável dos moradores de cidades.
228 - Regularização Fundiária Sustentável
[...] afirma que o direito e o constitucionalismo podem desempenhar uma dupla função: ou servem para ocultar a realidade
desigual, atuando para disciplinar e reprimir conflitos derivados dessa relação, ou se constituem em instrumentos eficazes por
meio de controle sobre os poderes públicos e privados, garantindo, assim, os direitos fundamentais para todos os cidadãos.
(PISARELLO,1998 apud DIAS, 2010, p.250)
Em meio a tais considerações, fica explícito a relevância da atuação do Direito no processo de formulação e efetivação de
políticas públicas voltadas para a questão urbana.
De fato, o dramático contexto da maioria das cidades no Brasil, reclama pela presença de um estado intervencionista,
atuante, eficaz, compostos por poderes eticamente constituídos.
Sob este enfoque, é de extrema importância os apontamentos de Edésio Fernandes (2010), onde o referido autor argumenta
que de nada adianta regularizar se esses programas91 não conseguem enfrentar o emaranhado de problemas decorrentes da
informalidade,
Regularizar sem interromper o ciclo de produção da irregularidade, além de renovar o sofrimento da população, provoca a
multiplicação permanente da demanda por recursos públicos. Além disso, o ciclo que leva da informalidade a regularização
91
Os problemas detectados ao longo do processo de implementação desses programas, foram identificados aqueles que aparecem com maior gravidade:
[...] a mobilização de recursos em escala incompatível com a demanda; a continuidade dos programas, cujos cronogramas geralmente extrapolavam os
mandatos dos gestores iniciais; a influência de grupos de pressão e interesses políticos na alocação dos recursos; a articulação entre diversos órgãos e âmbitos
governamentais em intervenções complexas; a dificuldade de relacionamento com as concessionárias dos serviços de luz, água e esgotos, que se pautam por
padrões rígidos de projetos e intervenções; a necessidade de formação de profissionais, especialmente nas áreas de urbanismo e projeto, capacitados para
atuar nos espaços heterodoxos das favelas; a permanência dos moradores originais nos núcleos beneficiados; e a efetivação da regularização fundiária das
áreas urbanizadas (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2010, p.7- 8).
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 229
têm freqüentemente, reafirmado e ampliado as bases políticas clientelistas tradicionais, co-responsável pela própria produção
da informalidade (FERNANDES, 2010, p. 22).
A complexidade dos desafios apresentados mostram a urgência de se implementar a reforma urbana no país, para a qual
também se faz necessário a realização de uma ampla reforma jurídica, sob esta perspectiva, Edésio Fernandes (2006) enfatiza,
Não há como enfrentar esse enorme desafio que é promover reforma urbana no Brasil se não se fizer uma profunda reforma
jurídica no país: cidade e cidadania são o mesmo tema, e não há cidadania sem a democratização das formas de acesso ao
solo urbano e à moradia nas cidades. Não há como promover mudanças significativas e estruturais desse padrão de exclusão
social, segregaçao territorial, degradação ambiental e ilegalidade urbana que caracteriza o processo de urbanização no Brasil,
se não for também mediante uma reforma do Direito, com o envolvimento sistemático dos operadores do Direito nas parcerias
acadêmicas e político-institucionais que tem-se formado. (FERNANDES, 2006, p.5)
Neste contexto, o Governo Federal, em 2003, frente aos imperiosos desafios existentes, a partir de uma leitura integrada da
questão habitacional e urbana, compreendeu a importância fundamental da construção de um novo quadro institucional, fato este
que permitiu a criação do Ministério das Cidades e do Conselho das Cidades.
Desse modo, em 2004, a Política Nacional de Habitação, aprovada pelo Governo Brasileiro com o intuito de responder às
grandes demandas relacionadas à questão habitacional em áreas urbanas, definiu como prioritário a integração de assentamentos
informais, a qual foi inserida no centro da agenda federal, estadual e municipal, visando a garantia do acesso universal à moradia
digna, à infraestrutura e aos serviços de saneamento básico, a partir da implementação dos programas de regularização fundiária92.
92
“[...] se não forem formulados de acordo com políticas socioeconômicas compreensivas, os programas de regularização fundiária podem trazer encargos
financeiros para os ocupantes, tendo impacto pouco significativo na redução da pobreza urbana e reforçando diretamente o conjunto de forças econômicas e
230 - Regularização Fundiária Sustentável
Com este propósito, a Lei Federal 11.124/200593 instituiu o Sistema e o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social –
SNHIS/FNHIS e seu Conselho Gestor, viabilizados com a criação do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, plano de
investimentos criado pelo Governo Federal em 2007, com previsão de investimentos da ordem de R$106,3 bilhões no setor
habitacional para o período de 2007 a 2010, prevendo aplicação de R$17 bilhões não onerosos destinados a ações integradas de
urbanização, melhorias habitacionais e saneamento ambiental em assentamentos informais.
Como anteriormente salientado nesta pesquisa, por muito tempo a situação de precariedade foi ignorada pelo poder público,
pois, sob a justificativa das diversas irregularidades presentes nestas áreas, não havia preocupação em relação à instalação de
infraestrutura e equipamentos urbanos, assim como em relação à prestação dos serviços públicos essenciais.
Nesse contexto, a promulgação do Estatuto da Cidade foi sem dúvida nenhuma, o primeiro passo visando à reversão da
informalidade urbana, pois a Lei Federal 10.257/01 previu um rol de instrumentos voltados para a questão da regularização fundiária,
para serem aplicados por meio da política de desenvolvimento urbano, principalmente em áreas ocupadas por grupos sociais de
menor renda. Para Betânia Alfosin (1997) a política de regularização fundiária deve ser compreendida de forma ampla como,
políticas que têm tradicionalmente causado a exclusão social e a segregação espacial. Legalizar o ilegal requer a introdução de estratégias jurídico-políticas
inovadoras, que conciliem o reconhecimento do direito de moradia com a permanência das comunidades nas áreas onde vivem. (BACELETE, 2009, p.79)
93
O Sistema Nacional de Habitação Interesse Social (SNHIS) foi regulamentado pela Lei Federal n° 11.124 de junho de 2005 e está direcionado à população de
baixa renda, especialmente a que se encontra limitada a rendimentos de até 3 salários mínimos e que compõe a quase totalidade do déficit habitacional do
país. [...]
O Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), constituído pela Lei Federal n° 11.124/05 é resultado do projeto de lei de iniciativa popular
apresentado ao Congresso Nacional em 1991. É elemento essencial do SNH e centraliza todos os recursos orçamentários da União, ou administrados por ela,
disponíveis para a moradia de baixa renda. Alimentam esse fundo, além das dotações empréstimos externos e internos para programas de habitação, e outras
receitas patrimoniais e operacionais, além de doações e contribuições variadas. [...] Conselho Gestor do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social – tem
a competência específica de estabelecer diretrizes e critérios de alocação dos recursos do FNHIS, uma das principais fontes de recursos do sistema, de modo
compatível com as orientações da Política e do Plano Nacional de Habitação. (BONDUKI; ROSSETO; GHILARD, 2009)
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 231
Um processo de intervenção pública sob os aspectos jurídico, físico e social, que objetiva legalizar a permanência de
populações moradoras de áreas urbanas, ocupadas em desconformidade com a lei, para fins de habitação, implicando
acessoriamente melhorias no ambiente urbano do assentamento, no resgate da cidadania e da qualidade de vida da
população beneficiária. (ALFONSIN, 1997, p.24)
De acordo com Pinho (1998 apud MINICELLI, 2008, p.28), na definição do termo regularização fundiária há o predomínio do
caráter patrimonialista, pois o termo pode ser conceituado como “regularização jurídica para “legalização” da posse e acesso ao
“domínio” (propriedade)”.
O termo ‘fundiário’, do latim fundus, é utilizado como adjetivo relativo a terrenos. Assim, regularização fundiária é o processo
destinado a tornar terrenos regulares para o cumprimento de determinado fim. No caso das áreas ocupadas por favelas,
admitindo-se como fim a manutenção do uso para moradia, o processo de regularização fundiária compreende um conjunto
de ações voltadas à regularização do domínio da terra em favor das famílias ocupantes. Tais ações são necessariamente
associadas à regularização urbanística das áreas, de forma a corrigir situações de degradação e a introduzir parâmetros
formais de regularização do uso e da ocupação do solo. Trata-se, pois, da consolidação – através de um instrumento formal –
das situações de posse das famílias sobre a área e a incorporação dos assentamentos à estrutura urbana regulada (PINHO,
1998 apud MINICELLI, 2008, p. 28-29).
De acordo com Chaer (2007) ainda é muito evidente a ligação do termo fundiário à idéia de propriedade da terra e, como
conseqüência, o termo regularização fundiária está, na maioria das vezes, relacionado “à noção de legalização apenas da titularidade
da área” (CHAER, 2007, p. 23). A autora ressalta que durante “muito tempo, a situação irregular da propriedade” permaneceu ligada
apenas à titularidade da área “e, a sua regularização, por conseqüência, limitava-se à dimensão jurídica da titulação”. (CHAER,
2007, p. 23)
232 - Regularização Fundiária Sustentável
Para Saule (2004), a regularização fundiária engloba aspectos mais abrangentes, pois refere-se à questões ambientais,
urbanísticas e sociais, além daquelas meramente de cunho patrimonialista. Este autor complementa a idéia, ao salientar que a
regularização consiste no “processo de intervenção pública sob os aspectos jurídico, físico e social” que tem como objetivo primordial
“legalizar, para fins de habitação, a permanência de populações moradoras de áreas urbanas ocupadas em desconformidade com a
lei” (SAULE, 2004, p. 146).
A partir dessa conceituação, é importante ainda salientarmos que a regularização fundiária pode ser considerada sob dois
aspectos. O primeiro deles envolve a regularização de assentamentos consolidados em áreas consideradas ambientalmente legais. O
outro refere-se à existência de assentamentos em APPs, os quais se constituem no propósito de análise desta pesquisa.
Quando o assentamento é reconhecido em APP, é necessário que sejam encontradas soluções em relação às questões
socioambientais. Entretanto, até mesmo os assentamentos informais que não pertencem a uma APP, precisam de especial atenção
em relação às questões ambientais, tendo em vista que a palavra “ambiente” envolve inclusive o ambiente urbano, construído.
Desta maneira, uma regularização em espaço que originalmente deveria ter sido preservado para abrigar uma área de lazer ou
outro tipo de espaço público, localizado longe de uma APP, “precisará enfrentar questões ambientais, [...] mas que são de natureza
diversa daquela regularização de um assentamento nascido e criado em área de APP”. (MINICELLI, 2008, p. 29)
Desse modo, Minnicelli (2008) em sua pesquisa, cujo foco foi a questão dos processos de regularização fundiária, apresentou
uma definição específica para as situações que tratam de regularização fundiária em APPs, onde estas passam a ser conceituada
como,
Em relação às zonas de habitações de interesse social, o autor defende a idéia de flexibilização da legislação, objetivando
atender os interesses das classes menos favorecidas da sociedade, as quais, de outra forma, não teriam condições de atender às
exigências de uma legislação urbanística mais rigorosa.
A regularização fundiária94 deve ser entendida, portanto, como um conjunto de ações com o objetivo geral de reverter à
situação da informalidade e integrar as estruturas irregulares de ocupação à cidade legal. Desse modo, as políticas públicas de
urbanização de assentamentos informais deverão adotar uma formatação integrada, combinada com outras políticas públicas, de
forma que sejam capazes de romper o ciclo da exclusão e das gritantes desigualdades responsáveis pelo aumento da informalidade95.
Em meio a tais considerações, o estudo das políticas de intervenção urbanística, como meta primordial para a realização de
inclusão sócio espacial, especificamente as que fazem referência aos processos de regularização fundiária, torna-se relevante, tendo
em vista sua capacidade de implementação de melhorias não apenas no âmbito da prestação dos serviços urbanos públicos, mas
principalmente contribuindo para a melhoria das relações socioculturais da população residente, além de possibilitar o resgate de
uma identidade, da idéia de pertencimento a uma localidade, a um bairro, a uma cidade. Numa visão ampliada, significa possibilitar
ao morador de um determinado assentamento tornar-se plenamente cidadão. A partir destas preocupações, ocorre uma progressiva
incorporação de novos componentes na formatação das políticas públicas96, que para muitos, vêm-se mostrando como estratégia
94
Decreto Lei 9.760 de 1946, artigo 18-A, §1º, “considera-se regularização fundiária de interesse social aquela destinada a atender as famílias com renda
familiar mensal não superior a 5 (cinco) salários mínimos. (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)”.
95
Um John Turner da década de 1990, De Soto afirma que as cidades do Terceiro Mundo não estão assim tão famintas de investimento e de emprego, mas
sofrem de uma escassez artificial de direitos de propriedade. Com um aceno da varinha mágica do título de propriedade da terra, afirma De Soto, o seu Instituto
Liberdade e Democracia poderia fazer surgir imensas reservas de capital nas próprias favelas. Os pobres, argumenta ele, na verdade são ricos, mas incapazes
de ter acesso à própria riqueza (propriedade imobiliária construída no setor informal) e transformá-la em capital líquido porque não têm contratos formais nem
títulos de propriedade. A concessão dos títulos, afirma ele, criaria instantaneamente um enorme patrimônio com pouco ou nenhum custo para o governo; parte
dessa nova riqueza, por sua vez, forneceria capital para que microempresários famintos de crédito criassem novos empregos na favela, que então se
transformaria em “hectares de diamantes”. Ele fala em “trilhões de dólares, prontos para usar, bastando apenas revelar o mistério de como transformar o
patrimônio em capital vivo”. Hernando de Soto, The mistery of Capital: Why Capitalism Triumphs in the West and Fails Everywhere Else (Nova York, Basic
Books, 2000), p. 301-31 apud DAVIS, 2006, p. 88.
96
Um destes componentes são as Zeis, as quais “trazem à legalização da propriedade um caráter urbanístico e, com isso, a preservação de duas pedras
angulares da Constituição da República: a dignidade da pessoa humana e a função social da propriedade. (BACELETE, 2009, p.82)
234 - Regularização Fundiária Sustentável
bem sucedida, possibilitando uma série de arranjos e combinações, capazes de responder às demandas e particularidades de cada
local.
A partir deste enfoque, é possível compreender que esta tipologia de ocupação esta longe de ter uma avaliação satisfatória
dentro dos padrões de habitabilidade e segurança, mesmo considerando os esforços já realizados em várias regiões do país, na
tentativa de amenizar as agruras dessas localidades, por meio da implantação dos recentes programas de urbanização de áreas
faveladas.
Não se pode considerar a regularização fundiária apenas em sua dimensão territorial (parcelamento de solo). A finalidade
inicial assumiu importância crescente, passando a abranger soluções de caráter social, urbanístico, econômico e ambiental, até se
tornar o que conhecemos como regularização fundiária plena.
Diz respeito à garantia de que os ocupantes de assentamentos precários e informais não sejam privados das condições
mínimas de vida digna, constitucionalmente asseguradas a todo cidadão.
Durante o processo de discussão da permanência ou não de um grupo de pessoas na área ocupada pelo assentamento
precário, deve-se reconhecer a condição humana dos ocupantes e lhes fornecer água e luz, minimamente. Essas medidas são
meramente paliativas e não implicam no reconhecimento de qualquer direito dos ocupantes de permanecer no local.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 235
Esta dimensão tem como objetivo a garantia, para os ocupantes dos lotes, de permanência no local em que se encontram.
Esta permissão de uso visa unicamente dar aos moradores a idéia de “segurança na posse”, e permite que outras medidas sejam
tomadas pela municipalidade com maior prazo, no objetivo último de proporcionar uma regularização mais completa.
Anteriormente ao processo de regularização fundiária tal como o conhecemos, a regularização tinha como objetivo a resolução
de “questões ligadas à estética, segurança e conforto, bem como à integração da área ao arruamento da cidade, [...] arejamento dos
espaços ocupados pelas habitações, [...] dentre outros melhoramentos” (MINICELLI, 2008, p. 34). Estes melhoramentos urbanísticos
tinham sempre caráter social.
Nos anos 70, os aspectos ambientais não eram levados em consideração no processo de melhoria da qualidade de vida dos
moradores de favelas. As questões urbanísticas eram consideradas meramente devido às preocupações sociais, com o objetivo de
dar uma aparência aceitável às áreas de interferência, camuflando os problemas mais graves para que as pessoas pudessem
continuar habitando estas áreas em condições menos indignas.
Do ponto de vista da regularização meramente urbanística, busca-se basicamente conformar o local de forma mais adequada,
“um assemelhamento à cidade, com arruamentos, alargamentos e transitabilidade com escoamento de águas pluviais [...].”
(MINNICELLI, 2008, p. 34). O objetivo maior é proporcionar à área uma conformação mínima às normas urbanísticas vigentes.
De acordo com a construção jurídica feita por Staurenghi (2000) apud MINNICELLI (2008, p. 34-35),
236 - Regularização Fundiária Sustentável
O objetivo da regularização fundiária, no que toca ao Estatuto da Cidade, deve ser o de adequar os assentamentos ilegais de
população de baixa renda ao modelo de ambiente urbano sustentável, definido como aquele que gera direito à terra urbana, à
moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte, os serviços públicos, trabalho e lazer para a
presente e as futuras gerações (Estatuto da Cidade, art. 2°., inciso I).
[...]
Da mesma forma, a regularização deverá
corrigir as distorções do crescimento urbano
corrigir os efeitos negativos do crescimento urbano sobre o meio ambiente (art. 2°., inciso IV),
evitar o uso excessivo ou inadequado em relação à infra-estrutura urbana (art. 2°., inciso VI),
garantir a oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados aos interesses e
necessidades da população (art. 2°., inciso V),
zelar pela proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico,
artístico, paisagístico e arqueológico (art. 2°., inciso XII).
De acordo com Lucas (2009, p.79) a concepção de regularização fundiária como regularização urbanística tem “enfoque na
adequação do assentamento à legislação urbanística, buscando aproximar a cidade legal da cidade real97”.
Uma pesquisa realizada por Alfonsin (2006) deixa claro “que não há uma concepção única sobre o caráter da regularização
fundiária aplicada no país”, assim como e evidencia os riscos “decorrentes do enfoque em apenas uma das correntes citadas”.
Com o mesmo enfoque, para Lucas (2009), atualmente, o modelo de regularização mais difundido aponta para a necessidade
de adoção de diretrizes que visem simultaneamente a adequação urbanística e legal do assentamento. Neste sentido, a
Regularização Fundiária pode ser entendida como um processo que, segundo definição do Ministério das Cidades
97
O descompasso entre os índices e padrões urbanísticos exigidos pela legislação vigente e aqueles observados em assentamentos informais é uma das
principais características do padrão de urbanização brasileiro, como indica MARICATO (1996), ROLNIK (2003), MARTINS (2006) entre outros.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 237
É o conjunto de políticas e medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais, promovidas pelo poder público por razões de
interesse social ou interesse específico, que visem adequar os assentamentos informais aos princípios legais, de modo a
garantir o reconhecimento do direito social do morador, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e
o direito social ao meio ambiente equilibrado. (ROLNIK, 2007 apud LUCAS, 2009, p.79)
Com esta missão, os programas de regularização fundiária, foram formatados a partir dos seguintes fundamentos e preceitos
constitucionais,
artigo 1º, II e III – a cidadania e a dignidade da pessoa humana como fundamentos do Estado Democrático Brasileiro
implicam a inclusão social dos moradores de assentamentos informais bem como a melhoria nas condições de
habitabilidade, ou seja, o direito à cidadania plena e à qualidade de vida;
artigo 3º, I e III – a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, impondo a construção de políticas públicas
voltadas a corrigir as desigualdades sociais, inclusive no acesso à terra urbana, erradicando a pobreza e a
marginalização;
artigo 5º, XXII e XXIII – a garantia do direito de propriedade e a exigência do cumprimento de sua função social
condicionam o direito de propriedade irrestrito aos interesses coletivos (da cidade e dos cidadãos), privilegiando o
segundo em caso de conflito entre os interesses individuais e coletivos;
artigo 6º - o direito à moradia, entendido como um direito social, deve ser interpretado como direito à moradia digna,
resguardando a integridade física dos moradores (direito desrespeitado, por exemplo, por moradias inadequadas e
situadas em áreas de risco);
artigo 182 – vinculando a política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder público municipal, com o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem-estar de seus habitantes, o texto constitucional apóia
as políticas de regularização fundiária que são uma das formas de obter o devido ordenamento das cidades e o
cumprimento da função social da propriedade (atrelando a definição da função social às diretrizes expressas no plano
diretor);
238 - Regularização Fundiária Sustentável
artigo 183 – definindo os requisitos para a aplicação da usucapião urbana para fins de moradia, um dos principais
instrumentos de regularização fundiária.
De acordo com o Estatuto da Cidade, que regulamenta o capítulo de política urbana da Constituição Federal, são diretrizes
para a política urbana:
artigo 2º, I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento
ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e
futuras gerações;
artigo 2º, XIV – regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o
estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação
socioeconômica da população e as normas ambientais. (LUCAS, 2009, p.79-80)
Neste contexto, Lucas (2009) segue afirmando que os programas de regularização fundiária não devem permanecer restritos
apenas à questão de regularização da posse, mas deve englobar o processo de urbanização dos assentamentos e a integração dos
moradores à sociedade, com o objetivo de assegurar o direito a cidades sustentáveis, conforme estabelece o artigo 2º - I do Estatuto
da Cidade e garantir que sejam cumpridos os “preceitos constitucionais da dignidade da pessoa humana e da cidadania (artigo 1º - I
e III)”.
Neste sentido, a Constituição consagrou o princípio da dignidade da pessoa humana no artigo 1º, do inciso III, como
fundamento da própria República Federativa do Brasil, o que demonstra o compromisso da Constituição com os valores mais caros
ao homem. O princípio da dignidade da pessoa humana pode ser considerado como núcleo básico e informador de todo e qualquer
ordenamento jurídico, servindo de critério e/ou parâmetro de valoração a orientar a interpretação e compreensão de qualquer sistema
normativo.
Otero (2003, p.254) explica que o princípio da dignidade da pessoa humana é “dotado de uma natureza sagrada e de direitos
inalienáveis98, afirma-se como valor irrenunciável e cimeiro de todo o modelo constitucional, servindo de fundamento do próprio
sistema jurídico”, onde o “homem e a sua dignidade são a razão de ser da sociedade, do Estado e do Direito”.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 239
[...] a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte
o Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a
pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições
existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos
destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos (SARLET, 2001, p.60).
As considerações apresentadas por Sarlet (2001) evidenciam que o princípio da dignidade da pessoa humana remete ao
Estado, o dever de assegurar ao homem as “condições existências mínimas” e ainda que este, possa usufruir de uma “vida
saudável”, ou seja, deve criar mecanismos, sejam de ordem administrativa ou jurídica para que o indivíduo possa ter assegurada a
qualidade de vida.
Diante destas proposituras, ao se empreender uma breve análise relacionada à problemática fundiária do país, é latente que
os valores apregoados por este princípio ainda se encontram no campo das idéias, uma vez que Estado criou, recentemente,
mecanismos para legalização das ocupações irregulares em APPs para fins de moradia, viabilizados a partir do discurso ideológico de
efetivação do direito à moradia digna por meio dos programas de regularização fundiária sustentável (seção IV da Resolução do
CONAMA, nº 369 / 2006).
É sabido que estes espaços em seu estado natural são responsáveis pela oferta de vários serviços ambientais. Entretanto,
quando as APPs são ocupadas predatoriamente, como é o caso de muitas áreas faveladas, estes espaços passam a figurar como um
risco iminente à segurança de seus moradores, comprometendo assim a qualidade de vida e a qualidade ambiental urbana.
240 - Regularização Fundiária Sustentável
Todavia, ressalta-se que já é de entendimento dos Tribunais a obrigação do Poder Municipal remover os moradores em áreas
de risco, conforme exemplo da Apelação Cível n° 735.444.5/9, de 09.12.0899 (Comarca de São Paulo Apelantes e reciprocamente
apelados: Prefeitura Municipal de São Paulo e Ministério Público).
AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Remoção de moradores localizados em áreas de risco de escorregamentos de encostas - Nulidade da
sentença - Inocorrência — Inépcia da petição inicial afastada - Ausência de interesse de agir e impossibilidade jurídica do
pedido afastadas - Omissão da Municipalidade no seu dever-poder de fiscalizar o uso e ocupação do solo urbano - Lei n°
13.430/02 - Assiste aos ocupantes o direito à concessão especial de uso do bem público e fornecimento de alojamento
provisório ou outro local para moradia, em caso de demolição - A condenação da Fazenda Pública não a elide da imposição de
multa - Agravos retidos da ré não providos - Recursos da ré não providos e recurso do autor provido. (Negrito nosso)
De acordo com a ordem jurídica vigente, é dever do poder público oferecer alternativa para os moradores localizados em áreas
de risco ambiental, seja esta em alojamentos provisórios ou em conjuntos habitacionais de interesse social, desde que seja
assegurado o acesso à moradia digna com base no princípio da dignidade da pessoa humana, garantindo assim, a construção de
uma sociedade justa e solidária, erradicando a pobreza e a marginalização e reduzindo as desigualdades.
Em caso de regularização fundiária voltada primordialmente para o atendimento de questões sociais, as condições
morfológicas originais do assentamento são mantidas, procedendo-se apenas ao fornecimento mínimo de infraestrutura ( água e luz
99
Disponível em: < http://www.mp.sp.gov.br/portal/page/portal/cao_urbanismo_e_meio_ambiente/Jurispruden
cia/juris_urbanismo/ AP-735444-5-9-00-TJSP-%C3%A1reas-de-risco.pdf > Acesso em: 10 janeiro. 2011.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 241
e à instalação de equipamentos sociais), que atendam as necessidades dos moradores como creches, escolas, postos de saúde,
entre outros. Deve-se ainda garantir renda às famílias, permitindo o progresso social das mesmas.
A municipalidade pode, mesmo que provisoriamente, enquanto aguarda o início ou desenvolvimento de um processo de
regularização, reconhecer aos moradores o direito que todos temos a “um endereço”, através da nomeação de ruas e fornecimento de
um CEP, transformando o endereço de fato em endereço de direito.
Quando se regulariza o aspecto urbanístico ou ocorre a regularização fundiária por meio da outorga de escrituras ou da
concessão de uso especial para fins de moradia, pode-se dizer que estão presentes os aspectos legais.
O caráter especificamente legal da regularização tem como objetivo a resolução da existência legal do “loteamento” junto ao
cartório. Esta ação possibilita que a área seja posteriormente fracionada legalmente para que possam ser abertos números de
matrículas de acordo com a quantidade de lotes existentes. Os lotes são individualizados perante o cartório e passam a ser objeto de
propriedade das famílias.
Pode receber o nome de regularização fundiária jurídica, dominial ou patrimonial e busca, prioritariamente, respeitar o direito
das pessoas à propriedade por meio da outorga de escrituras públicas de propriedade ou de concessões de direito real de uso, sem
considerar de forma relevante os demais aspectos sociais e urbanísticos. Possui como foco principal a “transformação da posse dos
ocupantes em propriedade ou direito de uso”. (LUCAS, 2009, p.77)
Este instrumento é de fundamental importância à medida que garante a permanência dos moradores nos assentamentos
informais, eliminando o risco de despejo. Portanto, não se pode confundir a “segurança da posse” com o “direito ao domínio” desta;
pois a primeira “diz respeito ao direito de não ser compelido a abandonar o imóvel”, ou seja, “direito de ser mantido na posse do
imóvel ocupado, mas [...] não envolve necessariamente o direito à propriedade (domínio) deste bem, que é algo que se deve resolver
posteriormente àquela questão ligada à posse.” (MINNICELLI, 2008, p. 36)
O autor afirma ainda, e deste fato não podemos discordar, que o direito de permanecer no local ocupado é de extrema
importância, porém deve ser melhor analisado.No entanto, não podemos esquecer que o objetivo final e primordial da regularização
fundiária é a garantia do direito à propriedade, quando deveria ser a garantia e o direito a uma vida com qualidade. Desse modo, não
se pode “desvincular a regularização jurídica dos lotes de políticas voltadas para a inserção dos assentamentos ao tecido oficial da
cidade” (LUCAS, 2009, p.78) pois, de acordo com Alfonsin (2006, p. 57), “políticas públicas voltadas apenas para a titulação dos
lotes podem perpetuar injustiças e precariedades”.
A regularização fundiária plena tem como objetivo, dar a titularidade de moradias ilegais, registrando-as em cartório de
registro de imóveis, adequando os serviços de água, esgoto, ruas pavimentadas, iluminação e limpeza pública, em locais com acesso
à escolas, praças, creches, postos de saúde, além de outros equipamentos e serviços que proporcionem a melhoria da qualidade de
vida dos cidadãos.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 243
Minicelli (2008) ressalta que a existência do problema relativo aos assentamentos informais pode ser caracterizada por três
aspectos principais: a desconformidade urbana, a invisibilidade social e a degradação ambiental, de forma que se faz necessário a
implementação da regularização fundiária plena, abordando as seguintes dimensões,
Além de ser plena, recomenda-se que a regularização fundiária seja sustentável, o que significa que a regularização precisa
estar acompanhada das demais políticas e com planejamento sistêmico, para não produzirem exclusão social e a perpetuação da
ilegalidade.
A regularização fundiária plena e sustentável, só será possível a partir do momento em que todas as dimensões forem
contempladas (econômica, ambiental, social) num mesmo contexto e que inclua os instrumentos de planejamento disponibilizados ao
Poder Público.
244 - Regularização Fundiária Sustentável
[...] as promessas da modernidade já não podem ser cumpridas dentro do paradigma da modernidade, uma vez que esta, ao
vincular-se ao capitalismo, acabou por estabelecer bloqueios para si própria, o que pode ser comprovado pelo que parecem
ser características do período histórico atual: agravamento da injustiça social mediante crescimento da concentração da
riqueza e da exclusão social; devastação ecológica e com ela a degradação da qualidade de vida [...] (PEREIRA, 2002, p.8).
É recorrente nas áreas urbanizadas de uma parte considerável dos municípios brasileiros a ocorrência de ocupações informais
em áreas protegidas de interesse ambiental, que são, segundo Chaer (2007)
[...] as unidades de conservação (lei federal); as áreas de proteção de mananciais (leis estaduais e municipais); e as
disciplinadas pelas Resoluções nº 302 e nº 303 e mais recentemente pela resolução CONAMA no 369 de 2006, essa, dedicada
ao tema da supressão de vegetação e intervenção em APP. Portanto, dentre todas as formas de ocupação indevida em áreas
de sensibilidade ambiental, as APPs ocupam lugar de destaque[...] (CHAER, 2007, p.76).
Na literatura, a dimensão ambiental, via de regra, surge também quando o estudo se refere aos processos de regularização de
assentamentos informais consolidados em áreas de preservação permanente. Entretanto, em razão de sua importância, essa
dimensão deveria ser sempre atendida em qualquer contexto em que se faça necessário a implementação dos processos de
regularização, tendo em vista que, independente de sua localização - inseridos parcial ou totalmente em áreas de fragilidade
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 245
ambiental - todo assentamento regular ou não tem implicações ambientais, pois o próprio processo de ocupação gera impacto
ambiental, além do que são fontes produtoras de resíduos de diversas naturezas e muitas vezes não contam com a devida
infraestrutura e prestação de serviços públicos essenciais, o que coloca em risco a sustentabilidade dessas localidades. Porém, se
faz necessário considerar que a dimensão ambiental começou a ser discutida nos programas de regularização somente no final da
década de 90, em razão das proporções gigantescas dos assentamentos informais instalados em áreas protegidas e da dificuldade
de viabilização dos mesmos.
Neste contexto, na maioria das cidades no Brasil, muitos são os fatores que provocaram a ocorrência de assentamentos
informais em áreas de vulnerabilidade ambiental - as APPs, entre os quais são evidenciados a carência habitacional, disponibilidade
de espaços com restrição ambiental, desrespeito às normas ambientais e urbanísticas, a ausência de fiscalização dos órgãos
responsáveis, a inescrupulosa especulação imobiliária e, sobretudo o descaso do poder público. Estas áreas, por serem
caracterizadas como de fragilidade ambiental, são constitucionalmente protegidas e inadequadas para o parcelamento de solo.
Todavia, pesquisas realizadas pelo Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM), apontam a ocorrência dessa tipologia
(Tabelas 01 e 02), com base no resultado inserido no intervalo de 14,5% a aproximadamente 55%, tomando como amostra nove
municípios brasileiros de diferentes regiões e dimensões.
246 - Regularização Fundiária Sustentável
Tabela 01: Domicílios em aglomerados subnormais e percentual em relação ao total, por situação do domicílio, segundo grupos de municípios – Grandes
Regiões do Brasil – 2000
AGLOMERADO SUBNORMAIS100 PERCENTUAL EM RELAÇÃO
(1) AO TOTAL DE DOMICÍLIOS
rural de rural de
ESPECIFICAÇÃO
extensão extensão
Total Urbana urbana Total Urbana urbana
REGIÃO NORTE 178.256 178.256 0 6,4 8,7 8,7
Região metropolitana 131.238 131.238 0 31,5 32,2 0
Municípios selecionados (2) 45.101 45.101 0 3,2 3,8 0
Demais municípios 1.917 1.917 0 0,2 0,4 0
100
Os aglomerados subnormais são definidos como locais marcados por precariedade habitacional e de infraestrutura, alta densidade e ocupação de terrenos
alheios, cuja classificação implica a existência de , no mínimo, 50 unidades habitacionais contíguas. CARDOSO A. L.; ARAÚJO R. L.; GHILARDI F. H.
Necessidades Habitacionais no Brasil. Urbanização de favelas – Curso a Distância – EAD Urbanização de favelas. Ministério das Cidades, 2009.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 247
Tabela 02: Estimativa dos componentes do déficit habitacional básico (1), segundo grupos de municípios – Grandes Regiões do Brasil – 2000
DOMICÍLIOS
ESPECIFICAÇÃO IMPROVISADOS101 FAMÍLIAS CONVIVENTES102 CÔMODOS103 DOMICÍLIOS RÚSTICOS104
Total Urbana Rural Total Urbana Rural Total Urbana Rural Total Urbana Rural
101
Os domicílios improvisados são aqueles construídos para fins não residenciais, mas que estão servindo de moradia na ocasião do Censo.
102
Definem-se como Conviventes as famílias de, no mínimo, 2 pessoas cada uma que convivem no mesmo domicílio particular.
103
São famílias que habitam cômodos próprios, cedidos ou alugados.
104
Os rústicos são os domicílios permanentes cuja construção é feita por material improvisado e que correspondem à parcela da necessidade de reposição, que
pode ser definida como os domicílios a serem restaurados, substituídos ou repostos.
248 - Regularização Fundiária Sustentável
REGIÃO NORTE 33.508 13.298 20.210 352.005 283.283 68.722 70.384 64.394 5.990 356.708 112.360 244.348
Região metropolitana 1.186 1.101 85 73.882 72.768 1.114 17.756 17.357 399 13.097 12.334 763
Municípios selecionados
(2) 11.223 6.276 4.947 178.584 154.239 24.345 42.494 40.459 2.035 102.922 36.723 66.199
Demais municípios 21.099 5.921 15.178 99.539 56.276 43.263 10.134 6.578 3.556 240.689 63.303 177.386
REGIÃO NORDESTE 67.783 37.976 29.807 1.097.646 863.736 233.910 113.351 101.123 12.228 1.236.383 472.688 763.695
Regiões metropolitanas 14.919 13.340 1.579 345.104 332.329 12.775 47.153 45.216 1.937 120.157 88.943 31.214
Municípios
selecionados(2) 17.911 11.613 6.298 350.488 302.798 47.690 42.043 39.706 2.337 357.757 178.157 179.600
Demais municípios 34.953 13.023 21.930 402.054 228.609 173.445 24.155 16.201 7.954 758.469 205.588 552.881
REGIÃO SUDESTE 77.363 61.300 16.063 1.193.848 1.101.862 91.986 239.094 228.603 10.491 150.295 89.324 60.971
Regiões metropolitanas 42.226 640.047 2.179 609.452 594.258 15.194 175.132 170.012 5.120 46.428 43.266 3.162
Municípios
selecionados(2) 16.765 13.496 3.269 392.105 369.928 22.177 44.669 42.802 1.867 30.194 21.235 8.959
Demais municípios 18.372 7.757 10.615 192.291 137.676 54.615 19.293 15.789 3.504 73.673 24.823 48.850
REGIÃO SUL 34.272 16.989 17.283 403.418 326.386 77.032 26.799 24.471 2.328 52.114 35.079 17.035
Regiões metropolitanas 7.117 6.018 1.099 141.096 134.298 6.798 10.711 10.378 333 20.400 18.117 2.283
Municípios
selecionados(2) 8.680 6.036 2.644 139.350 124.360 14.990 8.965 8.600 365 13.774 11.065 2.709
Demais municípios 18.475 4.935 13.540 122.942 67.728 55.244 7.123 5.493 1.630 17.940 5.897 12.043
REGIÃO CENTRO-OESTE 33.857 166.111 17.746 192.524 177.397 15.127 75.272 72.608 2.664 83.515 41.100 42.415
Regiões metropolitanas 7.349 6.601 748 78.135 75.677 2.458 51.473 50.399 1.074 19.409 17.881 1.528
Municípios
selecionados(2) 9.056 5.147 3.909 70.764 67.899 2.865 15.044 14.767 277 19.198 11.074 8.124
Demais municípios 17.452 4.363 13.089 43.625 33.821 9.804 8.755 7.442 1.313 44.908 12.145 32.763
BRASIL 246.783 145.674 101.109 3.239.441 2.752.664 486.777 524.900 491.199 33.701 1.879.015 750.551 1.128.464
Regiões metropolitanas 72.797 67.107 5.690 1.247.669 1.209.330 38.339 302.225 293.362 8.863 219.491 180.541 38.950
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 249
Municípios
selecionados(2) 63.635 42.568 21.067 1.131.291 1.019.224 112.067 153.215 146.334 6.881 523.845 258.254 265.591
Demais municípios 110.351 35.999 74.352 860.481 524.110 336.371 69.460 51.503 17.957 1.135.679 311.756 823.923
(1) Déficit habitacional básico se refere à soma da coabitação familiar, dos domicilios improvisados e dos rústicos. Pode haver dupla contagem entre cômodos
(componente da coabitação familiar) e as estimativas de domicílios rústicos, feitas através de método indireto, possibilidade pouco provável em função do
conceito desses dois componentes. (2) Municípios com população urbana das sedes igual ou superior a 20 mil habitantes, exceto os localizados em regiões
metropolitanas.
Assim, os dados apresentados na pesquisa IBGE 2000 ilustram que a produção desses espaços durante as últimas décadas
do século XX aumentou ignorando a previsão legal. Entretanto, a localização destes assentamentos se configura como agravante de
maior complexidade, tendo em vista sua grande incidência em áreas de encostas, de mananciais e em margens de corpos d’ água,
submetendo a população ocupante a riscos naturais de toda ordem, os quais podem ser observados nos cenários urbanos retratados
pelas figuras abaixo (Figuras 14, 15, 16 e 17):
250 - Regularização Fundiária Sustentável
Figura 14 – Habitações em APP, com 22 mil moradores Figura 15 – Habitações em setor de APP com declividade superior
precariamente assentados em antigo manguezal (Favela do Dique, a 45º e sujeitas a deslizamentos (Favela São Camilo, Jundiaí-SP)
Santos – SP)
Figura 16 - Habitações ocupando APP e sujeitas a enchentes, às Figura 17 - APP em topo de morro, ocupada por habitações
margens e em leito de curso d'água (Taboão da Serra-SP) precárias e sujeitas a riscos (favela situada em área contígua ao
loteamento Jardim do Mirante, São Paulo-SP)
A inobservância da legislação tem-se caracterizado por uma prática comum de descumprimento da preservação dessas
áreas, onde a persistência dessa cultura contribuiu para o descompasso e desacertos dos processos de gestão urbana 105. Segundo
Laura Bueno (2005, p.3), o país apresentava em 1980, 2,3 milhões de habitantes em aglomerados subnormais, saltando para 8
milhões no ano de 2000, com base nos dados apresentados pode-se afirmar que a população urbana cresceu 58% entre 1980 e
2000, “ enquanto a população em favelas e loteamentos precários e irregulares cresceu mais no mesmo período, 279%.”
Frente à esse quadro, é de extrema relevância a proposição de novos mecanismos jurídico-urbanísticos potencializados para o
enfrentamento da questão106.
A partir desse contexto, o novo sistema jurídico e institucional que passa a reger as políticas urbanas em suas diversas faces,
inclusive em ações de proteção ambiental, possibilita uma nova abordagem da questão dos assentamentos informais, tendo em vista
que sua grande incidência ocorre em áreas de vulnerabilidade ambiental, protegidas tanto pela legislação federal como estadual.
105
A gestão urbana nada mais é do que o exercício da função pública, é esta dentro do ordenamento jurídico é tida como um princípio informativo do Direito
Urbanístico. Pode-se dizer que a materialização deste princípio está atrelada ao exercício funcional, em favor do interesse comum e do bem-estar de todos os
cidadãos. Nesta corrente, Meirelles (1990, p. 78), esclarece que “[...] a natureza da função pública e a finalidade do Estado impedem que seus agentes deixem
de exercitar os poderes e de cumprir os deveres que a lei lhes impõe. Tais poderes, conferidos à Administração Pública para serem utilizados em benefício da
coletividade, não podem ser renunciados ou descumpridos pelo administrador, sem ofensa ao bem-comum, que é o supremo e único objetivo de toda a ação
administrativa”. O princípio da função pública preconiza que o Estado é responsável por primar que a aplicabilidade da normativa urbanística deva atender a
finalidade proposta. Costa (1991, p.122) complementa esclarecendo que a matéria urbanística contempla uma série de “medidas destinadas a organizar os
espaços habitáveis, e, para atendimento do interesse coletivo e cujo exercício consubstancia-se no dever jurídico”. Neste contexto, Fernandes (2006, 11)
explica que esse “[...] princípio é certamente o da função sócio-ambiental da propriedade e da cidade, que, por sua vez, é uma expressão do princípio de que o
urbanismo é uma função pública no sentido mais amplo, isto é, a ordem urbanística não é determinada tão-somente pela ordem dos interesses estatais. Trata-
se na verdade de uma noção antiga e já repetida em várias constituições brasileiras, mas que, pela primeira vez, na Constituição de 1988, e especialmente com
a aprovação do Estatuto da Cidade, se tornou na medida em que esse princípio se traduz, na ordem constitucional brasileira em direitos coletivos novos e inter-
relacionados”. Neste sentido, com base no princípio da função pública, é dever do administrador público proibir a ocupação em áreas de risco, promover o
ordenamento do solo urbano de modo que este possa atender a função social da cidade com a justa distribuição dos benefícios da urbanização, conforme
previsão legal do Estatuto da Cidade.
106
Diante da nova realidade jurídico-legal brasileira, estabelecida pela Constituição Federal de 1988, a regularização fundiária não pode limitar-se à realidade
do título de domínio nem à questão urbanística porque o direito de propriedade é garantido apenas quando atende a sua função social (art. 5º. Incisos XXII e XXIII
da Constituição Federal). E atender à “função social” consiste hoje em integrar no processo os aspectos urbanísticos, sociais e ambientais (MINNICELLI, 2008,
p. 37).
252 - Regularização Fundiária Sustentável
Porém, faz-se necessário considerar, que a luta árdua empreendida para a busca de soluções tem muitas e muitas vezes se
defrontado com situações de conflitualidade entre a dimensão ambiental e urbana no contexto de implementação de programas de
intervenções.
Neste contexto, a elaboração de políticas públicas voltadas para o enfretamento desta problemática, deverá ser pautada por
uma visão integrada, contemplando a adequada organização do espaço e a tutela ambiental como condições fundamentais para a
garantia da qualidade de vida nas cidades.
Diante de tais propósitos, no atual momento despontam-se novos caminhos de atuação para o enfrentamento da questão,
iniciado pela nova abordagem resultante da evolução conceitual do termo de Regularização Fundiária e, principalmente pela adoção
de novos mecanismos para trabalhar com a delicada questão. Não se pode ignorar que importantes ações já foram implementadas
em várias regiões do País com a preocupação de promover a regularização dos assentamentos ilegais e melhorias urbanísticas.
Entretanto, os resultados obtidos estão longe de atender a crescente demanda de informalidade que caracteriza estas ocupações.
De um modo mais específico, o argumento em prol da eficacia das politicas de reconhecimento dos assentamentos existentes
e concomitantes programas de regularizaçao pautam-se em tres premissas: habitaçoes ja existentes, densidades elevadas e
a disposiçao de alguns serviços e benfeitorias, mesmo que de forma imcompleta e/ou precária. A este ultimo ponto,
acrescenta-se ainda a maior propensão a aceitar ‘soluções tecnológicas alternativas’ tidas como mais baratas, mas que nem
sempre atingem os padrões mínimos estabelecidos para as novas urbanizações. Em relação a qualidade da habitação: ‘ainda
que a engenhosidade e a imaginação creditem méritos aos ‘favelados’ por solocionar seu problema de moradia sob condições
extremamentes desfavoráveis, estas moradas são, em sua maioria imprópria para abrigar seres humanos’ (Brennan, 1993, p.
85). Reconhecer o fato de que as habitações já existem, não significa admitir que isto seja uma altenativa mais interessante!
(SMOLKA, 2003, p. 271-272)
Diante das proposituras de Smolka (2003), no qual o autor deixa explícito, a dimensao da precariedade, há de se ter cautela
ao se implementar a regularização fundiária, principalmente em APPs, considerando a vulnerabilidade ambiental desses espaços, e
ainda pela iminente necessidade de se preservar a vida desta população que se encontra em áreas de risco (deslizamento,
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 253
escorregamento, alagamento, etc), visto que qualquer posicionamente a ser adotado estará intrinsicamente relacionado com a
dignidade da pessoa humana.
Todavia, a organização de um sistema habitacional direcionado aos segmentos de menor renda, consubstanciando a política
de regularização fundiária de assentamentos precários, tem ocorrido em descompasso com outro sistema nacionalmente
consolidado, o Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA (BISCHOF DOS SANTOS, 2008, p.15).
Visão que, de certo modo é compartilhada por Alves (2007),
[...] enquanto na escala nacional as instituições federais vinculadas às temáticas urbanística e ambiental se negam, não
dialogam, elaboram leis que se chocam e delegam atribuições superpostas aos entes estatais, na escala local diferentes
dinâmicas e processos vão conformando priorizações e soluções na maioria das vezes não mediadas, o que pode gerar altos
custos sociais e ambientais (ALVES, 2007, p. 137).
Desse modo, a imensa ocorrência de assentamentos informais em áreas de fragilidade ambiental, a implementação de
programas de regularização fundiária se pauta precipuamente pela definição de critérios na eleição de prioridades e principalmente
pelas tensões que emergem neste contexto.
Diante de tais proposituras, a instituição dos novos mecanismos jurídicos, tais como, o Estatuto da Cidade, a atual Resolução
do CONAMA nº 369 e a nova proposta de revisão da Lei Federal de Parcelamento do Solo - projeto de Lei 3057/00, denominada Lei de
Responsabilidade Territorial, os processos de Regularização Fundiária adquiriram condições de efetividade, mesmo considerando que
muitas das ocupações ilegais, quer estejam parcial ou totalmente instaladas em APPs, em função da vulnerabilidade geofísica não
poderão ser regularizadas nestas localidades, pois segundo Chaer (2007, p.91) “[...] a solução habitacional de alguns não pode se
sobrepor ao acesso ao meio natural equilibrado como direito de todos”. Portanto, se faz necessário uma atenção especial, pois ao se
permitir a permanência da população instalada nestes locais de vulnerabilidade ambiental - identificados como áreas de riscos –
estará se permitindo não apenas a violação do direito do acesso ao meio ambiente equilibrado, mas principalmente a violação do
mais sacrossanto dos direitos que é a preservação da vida.
254 - Regularização Fundiária Sustentável
A partir desse enfoque, é preciso considerar que a flexibilização dos parâmetros e limites de preservação em APPs, permitiu
que em todo o território brasileiro fosse fragilizada a prioridade de proteção e conservação das margens de rios, nascentes, mangues,
dunas, encostas, topos de morro, assim como demais espaços de valores ambientais significativos, considerados essenciais na
realização de suas funções ambientais para a manutenção do equilíbrio dos ecossistemas urbanos.
Desse modo, a resolução 369/2006 do CONAMA, cujo objetivo primordial é a viabilização dos processos de regularização
fundiária em APPs, acabou gerando muita discussão e divergências de opiniões entre ambientalistas e urbanistas, já que para os
ambientalistas essa nova resolução permite interpretações muito abrangentes no que se refere à questão de “utilidade pública” e
“interesse social”, por outro lado, os urbanistas vislumbraram grandes perspectivas para os conflitos fundiários urbanos.
Porém, frente às novas disposições contempladas na ordem jurídico-legal do país, definidas a partir do texto constitucional de
1988, a política pública de regularização fundiária não deverá ficar restrita apenas à regularidade do título de domínio e nem à
questão urbanística, porque segundo esclarece Minnicelli (2008, p. 38) “o direito de propriedade é garantido apenas quando atende a
função social (art.5º, incisos XXII e XXIII da CF/88)”, o que em outras palavras significa afirmar que a função social deverá “integrar
no processo os aspectos urbanísticos, sociais e ambientais”. Para complementar, o mesmo autor (MINNICELLI, 2008, p. 38) procura
enfatizar que “a regularização fundiária não pode, legalmente, desprezar preocupações ambientais que todas as propriedades
(inclusive as decorrentes de regularização) são impostas pelas leis brasileiras”.
No contexto dos processos de regularização fundiária, a propriedade urbana alcançada é uma propriedade que goza dos
mesmos direitos e deveres constitucionalmente definidos como qualquer outra, e que necessariamente deverá atender as prescrições
relativas à proteção e preservação do meio ambiente. Neste contexto, a questão mais complexa é a compreensão do significado da
proteção e da preservação, pois como afirma Minnicelli (2008, p. 39) “não significa apenas tratar esgoto e destinar lixo e outros
resíduos. É muito mais”. Certamente, qualquer programa que tenha por finalidade buscar soluções, ou que tente ao menos mitigar as
enormes mazelas existentes nessas localidades, principalmente em áreas de preservação ambiental, deverá se pautar por medidas
efetivas que garantam condições para que as APPs possam realizar suas funções essenciais, ou seja, a prestação dos serviços
ambientais, tão importantes para a manutenção do equilíbrio do meio urbano.
Para Minnicelli (2008), essa condição pode ser alcançada, por meio de:
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 255
Remoções (e reassentamento preferencialmente na mesma gleba) que sejam indispensáveis para que a APP esteja ‘livre
para funcionar, cumprindo suas funções’.
Recuperação das áreas de vegetação e de matas (mesmo as ciliares) quando no ambiente ainda existe e pode ser
recuperado - recuperação.
Reposição no próprio local (quando irremediavelmente perdidas) - mitigação.
Reposição em área próxima se a conformação do assentamento não permitir que se faça no mesmo local – compensação
(MINNICELLI, 2008, p. 39).
Com essa abordagem, a questão da garantia do direito a cidades sustentáveis, tendo como um de seus parâmetros o
cumprimento da função socioambiental da cidade, e conseqüentemente da propriedade, a reconstituição da vegetação das APPs,
visando seu uso como áreas de lazer e recreação de baixo impacto ambiental, se constitui numa possibilidade em condições de
responder satisfatoriamente às duas dimensões, isso quando a formação geológica do território local e o contexto social assim o
permitir.
Entretanto, é preciso considerar a diversidade de situações existentes, pois como já foi dito anteriormente, as ocupações
informais, na grande maioria das cidades brasileiras, encontradas em todas as regiões do país, portanto inseridas nos mais
diversificados locais, com particularidades também diferenciadas, necessitam obviamente de entendimentos e soluções
diferenciadas. Sendo assim, torna-se relevante o reconhecimento do predomínio do interesse local, o que evidencia a necessidade de
avançar na implementação do licenciamento municipal, dentro dos atuais preceitos legais, principalmente aqueles definidos no
parágrafo 2º do art. 4º do Código Florestal, o qual exige a criação do Conselho do Meio Ambiente com caráter Deliberativo e da
existência do Plano Diretor.
Na realidade, a flexibilização ocorrida recentemente nas legislações federais se constituiu em novas possibilidades de
planejamento para o poder público municipal. Todavia, mesmo considerando sua obrigatoriedade em efetivá-las, a formatação
dessas leis deixou uma enorme lacuna que permite ao poder público local executá-las ou não (conforme interesse ou conveniência). E
é justamente neste contexto que emerge a importância da definição do conceito de propriedade, idéia essa também compartilhada
por Freitas (2009, p. 52) “a Constituição deixa para o município a viabilidade de implementação dessa diretriz ao afirmar que a
256 - Regularização Fundiária Sustentável
propriedade cumpre sua função social quando obedece aos usos estabelecidos no plano diretor municipal”, em outras palavras, seria
o mesmo em afirmar que “cabe ao município estabelecer o significado desse conceito, e suas implicações práticas”.
De modo geral, há que se reconhecer que as transformações ocorridas recentemente nas legislações federais, especificamente
no campo ambiental, tiveram por finalidade a viabilização dos processos de regularização fundiária de assentamentos precários, pois
segundo Freitas (2009, p. 52), “seria uma forma de remedição do passivo socioambiental produzido por políticas públicas territoriais
elitistas, e restritivas, que desconsideravam a realidade socioeconômica de grande parte da população”.
A legislação que instituiu as Áreas de Preservação Permanente pertence a um momento histórico em que o processo de
urbanização começava a se despontar no Brasil, tendo em vista que o desenvolvimento dos centros urbanos e mesmo a criação de
novos municípios aconteceram bem depois de sua institucionalização, fato esse que têm motivado a revisão dos mecanismos de
proteção dessas áreas quando inseridas em espaços urbanizados.
A aplicabilidade dos preceitos abarcados pela legislação urbanística ambiental, no contexto das áreas urbanizadas, não
produziu os propósitos almejados com vista ao objetivo primordial de preservação e proteção ambiental, já que o impedimento de uso
e ocupação das áreas de fragilidade ambiental possibilita o surgimento de vazios urbanos sujeitos às ocupações irregulares.
O foco dessa pesquisa é voltado para a questão da irregularidade produzida por segmentos de menor poder aquisitivo, que
diante da ausência de opções dignas de moradia acabam, por meio de processos de invasões, ocupando ilegalmente as APPs
urbanas. Todavia, sem deixar de considerar a complexidade dos problemas oriundos à questão da informalidade dos assentamentos
e da formação da cidade ilegal, já discutidos em tópicos anteriores, torna-se importante salientar que a institucionalização do direito
à moradia digna se dá por meio da construção do conceito de regularização fundiária ocorrido no seio do movimento pela Reforma
Urbana.
A partir desse contexto, com a grande pressão por moradia de interesse social, os programas de regularização e urbanização
de assentamentos precários, editados pelos órgãos públicos de competência específica, tratam a questão da ocupação em áreas de
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 257
preservação somente considerando os riscos possíveis de atingir a população residente, conforme se verifica no documento intitulado
“Prevenção de Riscos de Deslizamentos em Encostas” do Ministério das Cidades (2006):
Os principais fenômenos relacionados a desastres naturais no Brasil são os deslizamentos de encostas e as inundações, que
estão associados a eventos pluviométricos intensos e prolongados, repetindo-se a cada período chuvoso mais severo. [...] Nas
cidades brasileiras, marcadas pela exclusão sócio-espacial que lhes é características, há um outro fator que aumenta ainda
mais a freqüência dos deslizamentos: a ocupação de encostas por assentamentos precários, favelas, vilas e loteamentos
irregulares. A remoção da vegetação, a execução de cortes e aterros instáveis para a construção de moradias e vias de
acesso, a deposição de lixo nas encostas, a ausência de sistemas de drenagem de águas pluviais e coleta de esgotos, a
elevada densidade populacional e a fragilidade das moradias aumentam tanto a freqüência das ocorrências como a
magnitude de acidentes. Levantamentos de riscos realizados em encostas de vários municípios brasileiros indicam que, em
todos eles, a falta de infra-estrutura urbana é uma das principais causas dos fenômenos de deslizamentos no Brasil. Dessa
forma, uma política eficiente de prevenção de riscos de deslizamentos em encostas deve considerar como áreas prioritárias
de atuação os assentamentos precários e deve fazer parte das políticas municipais de habitação, saneamento e planejamento
urbano (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2006, p. 12-13).
Neste contexto, torna-se importante que a implementação dos processos de regularização fundiária, editadas pelo Ministério
das Cidades, os quais têm por finalidade essencial a garantia do acesso ao direito de moradia por meio de estratégias que viabilizem
a conciliação de práticas conservacionistas, reconheça e compreenda a questão da natureza geofísica dessas áreas, a fim de evitar
os lamentáveis acidentes registrados recentemente em várias localidades urbanas do território brasileiro, assim como dar o devido
tratamento a dimensão ambiental, considerando principalmente os riscos de prejuízos ambientais e do desequilíbrio do meio natural.
Entretanto, mesmo considerando as novas concepções adotadas na estruturação dos recentes programas de regularização
fundiária lançados pelo Estado, lamentavelmente verifica-se um certo distanciamento entre as abordagens de risco vinculadas à
dimensão urbana e à dimensão ambiental, fato este presente nos complexos trâmites dos processos de regularização fundiária. Para
Chaer (2007, p. 90) “a iminência ou a ocorrência de desabamentos e enchentes são prioridades nos discursos e na elaboração de
258 - Regularização Fundiária Sustentável
políticas públicas urbanas” enquanto que os desequilíbrios do meio natural “são vistos como fatores isolados, afetos a interesses
menos urgentes e contrapostos à questão habitacional”.
Nesta abordagem, a mesma autora (CHAER, 2007, p. 90) argumenta que “os riscos individuais são referentes aos danos
materiais e à vida humana”, enquanto que os riscos coletivos estão relacionados aos recursos ambientais, tais como “a atmosfera, a
água, o solo, a flora e a fauna, ou seja, os interesses difusos”, tendo em vista a abrangência dos impactos produzidos alcançarem
escalas superiores às das localidades das ocupações informais.
No âmbito da questão, emergem dos processos de ocupações informais em APPs, divergências na adoção de conceitos de
riscos como também de proteção, principalmente quando relacionados às áreas urbanizadas. Quando a questão se volta para a
gestão das cidades, referentes ao equacionamento dos assentamentos informais, merecem destaque dois fatores relacionados à
problemática e que são decorrentes, segundo Chaer (2007, p. 90) das trajetórias tradicionais das ações públicas: “primeiro, “a não
distinção entre áreas de proteção urbanas e rurais e, segundo, o recurso do isolamento de tais áreas como garantia da preservação.”
Nesta abordagem, a referida autora (CHAER, 2007, p. 90), em sua pesquisa relacionada aos processos de Regularização Fundiária
em APPs, esclarece que:
Como anteriormente visto, através do histórico dos instrumentos, a distinção das áreas de preservação permanente advém
de uma época em que as cidades eram a minoria na forma de ocupação do território, e a aplicação do instrumento no meio
urbano passou a ser uma mera repetição da aplicação do meio rural. Ou seja, há a obrigação das mesmas (ou maiores)
exigências; como exemplo, as faixas de proteção de córregos, que são os mesmos cursos d’água motivadores da existência de
muitas cidades.
As grandes faixas de proteção, como nos casos de APPs de córregos, são áreas isoladas, muitas vezes sem o manejo ou a
manutenção necessários para o cumprimento de seu papel, que acumulam uma série de problemas sócio-ambientais. A
previsão legal da proibição de qualquer tipo de uso e ocupação, por si só, não foi eficaz em evitar os grandes problemas
concernentes à ocupação ilegal, aos depósitos de resíduos, ao aumento da insegurança e a criminalidade urbana; muito
menos foi eficiente em preservar a vegetação ou evitar a extinção dos corpos d’água e da fauna (CHAER, 2007, p. 91).
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 259
Nesta perspectiva, a limitação administrativa da intocabilidade que fundamenta a institucionalização das áreas de
preservação permanente em meio urbano, principalmente quando vinculada a questões de assentamentos informais, necessita de
avaliações a partir de enfoques diferenciados, onde seja possível aferir:
A conservação dos recursos naturais em áreas urbanizadas, tendo em vista seus elevados índices de poluição e de
impermeabilização, os quais são decorrentes do parcelamento do solo;
O grau de efetividade da proteção do meio natural em face do isolamento das áreas de fragilidade ambiental e dos
deficientes quadros técnicos para fiscalizar e monitorar esses espaços;
O nível de adensamento dos assentamentos consolidados;
A tipologia das unidades habitacionais, assim como a morfologia do assentamento; e,
O nível de risco ambiental dos assentamentos consolidados em APPs.
Neste sentido, a flexibilização dos parâmetros e limites de preservação em APPs, permitiu que em todo o território brasileiro
fosse fragilizada a prioridade de proteção e conservação das margens de rios, nascentes, mangues, dunas, encostas, topo de morro,
assim como os demais espaços de valores ambientais significativos, os quais são considerados essenciais na realização de suas
funções ambientais para a manutenção do equilíbrio dos ecossistemas urbanos.
Desse modo, a resolução nº 369/2006 do CONAMA, cujo objetivo primordial foi a implementação dos processos de
regularização fundiária em APPs, acabou gerando também muita discussão e divergências de opiniões entre ambientalistas e
urbanistas, já que para os ambientalistas essa nova resolução permite interpretações muito abrangentes no que se refere à questão
de “utilidade pública” e “interesse social” e, por outro lado, os urbanistas vislumbraram grandes perspectivas para os conflitos
fundiários urbanos.
Neste contexto, se faz necessário considerar os apontamentos de Mukai (2002), para o qual os arranjos físicos das cidades,
“envolve o meio urbano e rural, e é justamente em relação a este contexto, para o qual o urbanismo não se restringe apenas a esta
condição, que esta disciplina se ocupa dos aspectos relacionados ao meio ambiente”.
260 - Regularização Fundiária Sustentável
Assim, não se pode dissociar o direito urbanístico e o direito ambiental, tendo em vista serem partes integrantes do direito
público, tendo como marco conceitual a Constituição Federal de 1988. Neste sentido, parte-se da lógica que o princípio da coesão
dinâmica das normas urbanística com as ambientais, tem como objetivo a aplicabilidade da lógica para análise da matéria proposta,
considerando que esta máxima deve observar as demandas sócio-ambientais, que por sua vez encontram-se em constante
movimento, desenvolvimento, transformação e, por conseguinte, estado permanente de evolução. Este princípio exige que tanto a
norma urbanística, como a ambiental, estejam em harmonia com as demais instituto do ordenamento jurídico, bem como aquelas
que tratem de matéria conexa, de modo a conferir uma efetiva intervenção urbanificadora. Silva (2008) esclarece que
Por essa razão, é que denominamos coesão dinâmica a essa particularidade das normas urbanísticas, a fim de denotar que
sua eficácia somente (ou especialmente) decorre de grupos complexos e coerentes de normas e tem seu sentido
transformacionista da realidade (SILVA, 2008, p. 63).
Assim, considerando o princípio da coesão dinâmica, pergunta-se: Por que o direito urbanístico recepciona a regularização
fundiária sustentável em APPs, sendo que estas áreas já apresentavam uma restrição ambiental no espaço territorial, visando o
interesse comum, ora difuso? Esta pergunta, assim como vários outros questionamentos estão sendo levantados ao longo desta
pesquisa, e até o presente momento, tem-se constatado que todas as articulações empreendidas pelo Estado vão de encontro aos
interesses do sistema econômico vigente que tem como lógica a preponderância do capital, o qual colabora para intensificação do
processo de segregação socioespacial.
Com o mesmo enfoque, Freitas (2009, p.43) complementa que, “se o direito a cidade e a proteção ambiental não são objetivos
auto-excludentes, eles tampouco são automaticamente associados”, mesmo porque “diversas são as ocasiões onde a proteção
ambiental impõe maior desigualdade social”. Por outro lado, ainda a mesma autora (FREITAS, 2009, p. 43) salienta que “o combate
à exclusão urbana de grupos marginalizados através de programas de regularização de favelas tem conduzido a uma maior
degradação ambiental”.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 261
No âmbito da questão, por se tratar do direito à moradia adequada, emergem do contexto uma série de desafios e conflitos,
dentre os quais, alguns especialistas na matéria, como Fernandes (2004, p.01) argumentam que a conflitualidade existente entre o
direito à cidade - direito à moradia e à proteção ambiental se constitui num falso dilema, pois “os dois são valores e direitos sociais
constitucionalmente protegidos, tendo a mesma raiz conceitual, qual seja, o princípio da função socioambiental da propriedade”.
Certamente, no que se refere à função social da propriedade assim como sua função ambiental, ambas se constituem em conceitos
aptos a limitar o interesse individual do proprietário em favor dos interesses da coletividade para as gerações presentes e futuras.
Embora já tenha sido abordada nesta pesquisa, em função de seus propósitos essenciais, esta questão será retomada.
Embora não seja possível aferir com precisão dados estatísticos referentes aos assentamentos informais, é impossível deixar de
reconhecer sua presença marcante no cenário da maior parte das cidades brasileiras.
A ocupação de áreas ambientalmente vulneráveis por população de baixa renda ou sem renda – excluída do mercado
imobiliário formal e de programas habitacionais limitados - passam a se figurar como espaços de ocupação irregular, produzindo
graves processos de deterioração ambiental. De acordo com Ermínia Maricato (2010, p.9), a ocupação dessas áreas ocorreu em
virtude da ausência de alternativas habitacionais voltadas às faixas de menor renda107 e não pela falta de leis e planos.
107
Na perspectiva da dimensão sócio-econômica, a combinação entre alta desigualdade na distribuição da renda e da riqueza, altas taxas de desemprego,
êxodo rural e imigração superiores à criação de empregos resultam na “urbanização da pobreza” e no crescimento da informalidade do trabalho (UN-HABITAT,
2003). São características estruturais típicas de economias e sociedades subdesenvolvidas, dependentes e marcadas por profundas contradições sociais. Estas
precárias condições de vida impostas à grande massa da população se agravam ainda mais em contextos de crise econômica e social, como observado durante
as décadas de 1980 e 1990 no Brasil e na maioria dos países periféricos. (TONUCCI FILHO; ÁVILA, s/a, p. 08).
Além disso, houve uma expansão surpreendente do setor de serviços informais, na maioria das vezes única fonte de renda e sobrevivência para os pobres
urbanos. (TONUCCI FILHO; ÁVILA, s/a, p. 03).
262 - Regularização Fundiária Sustentável
Para contextualizar a situação, a referida autora (MARICATO, 2010) destaca os processos de ocupações informais verificados
em algumas metrópoles brasileiras como São Paulo e Curitiba, durante a década de 2000.
Em algumas metrópoles brasileiras, como São Paulo e Curitiba, as regiões onde a ocupação por moradias ilegais mais cresceu
na década de 2000 foram as Áreas de Proteção de Mananciais, ou seja áreas produtoras de água potável, onde a ocupação é
proibida por lei, mas não o é na prática da ocupação do território. São as áreas vulneráveis, protegidas por legislação
ambiental que não interessam ao mercado imobiliário privado legal e ‘sobram’ para as moradias pobres (MARICATO, 2010, p.
9).
No âmbito da questão, estima-se que a cidade de São Paulo tenha mais de um milhão de pessoas vivendo em áreas de
fragilidade ambiental, sobretudo localizadas em áreas de mananciais, protegidas pela legislação ambiental.
Segundo Ermínia Maricato (2010), esse gigantesco processo acontece em países não desenvolvidos, com o consentimento do
Estado, ignorando as leis urbanísticas ou de proteção ambiental, uma vez que as ocupações ocorrem sem orientação de movimentos
contestatários, mas sim pela ausência de alternativas de moradia,
Se considerarmos o número de favelas e o número de seus moradores que invadem terras para morar, podemos dizer que
uma gigantesca invasão de terras urbanas é consentida pelo Estado, nos países não desenvolvidos, mesmo contrariando as
leis urbanísticas ou de proteção ambiental. Essas invasões não são dirigidas por movimentos contestatários, mas pela falta
de alternativas. Já que todos precisam de um lugar para morar e ninguém vive ou se reproduz sem um abrigo, esse
consentimento à ocupação ilegal, não assumido oficialmente, funciona como válvula de escape para a flexibilização de regras.
Mas esse consentimento e flexibilização se dão apenas em áreas não valorizadas pelo mercado imobiliário. O mercado mais
do que a lei – norma jurídica – é que define onde os pobres podem morar ou invadir terras para morar (MARICATO, 2010, p.
9).
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 263
Sem discordar desses apontamentos, Freitas (2009, p.47) enfatiza os argumentos de Davis (2006), onde este chama a
atenção para precariedade e vulnerabilidade das dramáticas condições de vida em que estão inseridos os sem teto nos arredores de
cidades do terceiro mundo,
Ele afirma que acabou a faixa de terra vital, gratuita ou barata nos arredores das cidades do terceiro mundo. Para ele, o
resultado deste processo é o fato de que ‘os sem teto de hoje precisam apostar a vida em um jogo de azar contra desastres
inevitáveis em encostas precárias, planícies sujeitas a inundações ou terrenos próximos a depósitos de lixo tóxico’. Começa-
se a evidenciar de forma bastante clara a relação entre o processo de produção da cidade e a crescente deterioração dos
ecossistemas urbanos (DAVIS, 2006, apud FREITAS, 2009, p.47).
No contexto brasileiro, o processo de produção das cidades é marcado pelas acentuadas desigualdades e pelas dramáticas
injustiças socioespaciais já anteriormente discutidas. Entretanto, para Balbim (2010, p. 295) “a dimensão atual das questões
fundiárias urbanas no Brasil resulta de um passivo construído ao longo de séculos” e, sobretudo a partir “de uma visão
patrimonialista ligada a terra, visão essa edificada pelas elites dominantes do país por meio, entre outros, do poder do Estado na
definição de normas”.
Essa dimensão também chega a causar espanto na atualidade, pois somente nas últimas décadas iniciou-se um processo
lento de compreensão de que a irregularidade fundiária no meio urbano, e o modelo de produção de cidades correspondente, é
prejudicial a todos, gerando deseconomias em escala. Essa ainda não é uma visão pacificada, mas na atualidade verifica-se
que, além da União, todos os Estados e pelo menos as principais cidades do país tem programas e políticas de regularização
fundiária implantados, resultado, na maior parte das vezes, de inúmeras disputas locais (BALBIM, 2010, p.295).
264 - Regularização Fundiária Sustentável
Seguindo a mesma lógica apontada por Balbim (2010), este consentimento - tolerância do Estado - contribui para formação
de um modelo que, conforme Raquel Rolnik (2006, p.200), “alimenta de forma permanente relações políticas marcadas pela troca de
favores e manutenção de clientelas, limitando o pleno desenvolvimento da democracia verdadeiramente includente”.
Esta mesma visão é reafirmada por Junqueira (1992, p.439 apud GONÇALVES, 2008, p.140) ao enfatizar que o Estado não
“reconhece os favelados como sujeitos de direito, mas como simples devedores de favores”. Deste modo, Gonçalves (2008, p. 140)
ressalta o “aspecto ambíguo e arbitrário da aplicação do direito nas favelas tornando extremamente frágil o exercício da cidadania, o
que provocou a desconstrução do papel simbólico e normativo da lei como ordenadora do espaço público”. Neste sentido, para
contextualizar a grave questão, Ermínia Maricato (2008) salienta,
Nesse contexto no qual os direitos não são universais e a cidadania é restrita a poucos, deveria soar estranho o quadro
jurídico, em geral bastante avançado. Entre a lei e sua aplicação há um abismo que é mediado pelas relações de poder na
sociedade. É por de mais conhecido, inclusive popularmente no Brasil, o fato de que a aplicação da lei depende de a quem ela
(a aplicação) se refere. Essa ‘flexibilidade’ que inspirou também o ‘jeitinho brasileiro’ ajuda a adaptar uma legislação
positivista, moldada sempre a partir de modelos estrangeiros, a uma sociedade onde o exercício de poder se adapta as
circunstâncias. O que antes justificava um Estado forte, pode em seguida, justificar seu contrário. É profundo o
distanciamento entre a retórica e o real (MARICATO, 2008, p. 42).
A partir dessa visão, torna-se compreensível a condição de “não cidadãos” dos ocupantes informais frente ao abandono do
Estado, onde os mesmos ficam desprovidos dos direitos sociais e totalmente expostos à sujeição das forças econômicas e políticas.
Diante de tais considerações apresentadas pelos autores supracitados, o modelo dominante de territorialização da pobreza
das cidades no Brasil, caminha para um padrão insustentável do ponto de vista ambiental e econômico, tendo em vista a ocorrência
dos impactos ambientais e seus efeitos nefastos nas áreas urbanas. Entretanto, para Raquel Rolnik (2006), só entra em cena a
complexa questão da proliferação das moradias precárias, insalubres, inseguras quando suas “construções” despencam dos morros,
ou quando suas “estruturas” se dissolvem em meio às enxurradas ou são levadas pelas ventanias, ou consumidas pelas chamas de
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 265
incêndios clandestinos, ou ainda, “quando eclodem crises ambientais com o comprometimento de áreas de recarga de mananciais
em função de ocupação desordenada”.
Gonçalves (2008, p. 140) explica que durante muito tempo a “precariedade jurídica tanto a urbanística como fundiária”
relacionadas a essas ocupações, serviram como justificativa à falta de investimentos do Estado na implementação de infraestrutura,
na disponibilização de serviços públicos, o que “acabou restringindo a formulação de um discurso reivindicativo, pautado pelo acesso
aos direitos fundamentais”. Para Raquel Rolnik,
[...] as áreas ‘de mercado’ são reguladas por um vasto sistema de normas, contratos e leis, que tem quase sempre como
condição de entrada a propriedade escriturada, fruto da compra e venda. São essas as beneficiárias do crédito e as
destinatárias do habite-se. Os terrenos a que a lei permite urbanizar, assim como os financiamentos que a política
habitacional praticada no país tem disponibilizado, estão reservados ao restrito círculo dos que têm dinheiro e propriedade de
terra. A política habitacional de interesse social tem reforçado a exclusão dos mais pobres, ao destiná-los para conjuntos
precários em periferias distantes (ROLNIK, 2006, p. 201).
No âmbito da questão, Ermínia Maricato (2010, p.10) atribui à falta de gestão pública e à inexistência de qualquer contrato
social, a visão que muitos têm dessas localidades, denominando-as como “terra de ninguém”, onde a lei é do mais forte, e que para
a referida autora, mediante as infinidades de mazelas, as vulnerabilidades sociais e ambientais existentes - esses locais são
denominados de “bombas sócio-ecológicas”.
Sendo assim, o contexto do processo de ocupação informal apresentado até este momento da pesquisa procurou explicitar a
complexidade da questão, onde, na formação da cidade dita ilegal emergem infindáveis problemas de ordem socioeconômica e,
sobretudo ambiental, explicitando as condições degradantes da vida urbana nessas localidades, as quais têm sido também
conceituadas por muitos autores como enclaves de pobreza.
266 - Regularização Fundiária Sustentável
No Antigo Código Florestal (Lei 4.771/65) determinava que as florestas erão bens de interesse comum, sujeitos a regime
jurídico especial, podendo ser classificadas segundo sua tipologia, como por exemplo: florestas de preservação permanente (art. 2° e
3°), florestas de propriedade particular (art. 9°), florestas nativa (art. 16), entre outros. Todavia, o Artigo 2º do Novo Código Florestal
(Lei 12.651/12) estabelece que as “florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação nativa, reconhecidas
de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de
propriedade com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem”.
Para ampliar a tutela das florestas, a Constituição Federal de 1988 distribuiu entre os Entes da Federação a competência para
legislar sobre a matéria:
competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios deverão preservar fauna e flora (art. 23, VIII);
compete aos entes federativos legislar concorrentemente sobre as florestas (art. 24,VI); o art. 225,§ 1°, VII impõe ao
Poder Público o dever de “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua
função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”.
Dentro do ordenamento jurídico brasileiro esta matéria foi tratada pela lei de parcelamento do solo urbano e posteriormente
adequada às demandas ambientais, segundo a previsão do código florestal.
A Lei Federal 6.766/79, conhecida também como Lei Lehman, que dispõem sobre o parcelamento do solo urbano e dá outras
providências, foi a primeira de âmbito federal a abordar as restrições à ocupação em áreas de várzea, ao especificar no artigo 4º do
segundo capítulo, que “ao longo das águas correntes e dormentes [...], será obrigatória a reserva de uma faixa non edificant de 15m
(quinze metros) de cada lado, salvo maiores exigências da legislação específica”.
Posteriormente, o Código Florestal (Lei n.º 4.771/65) por força da Lei nº 7.803/89, determinou em parágrafo único, do artigo
segundo, que “no caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e
nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo território abrangido”, sendo que “observar-se-á o disposto nos
respectivos planos e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo”.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 267
Ressalta-se aqui o artigo 4º do Novo Código Florestal (Lei 12.651/12), o qual determina as dimensões mínimas para uma área
de preservação permanente, seja na área urbana ou rural, com a seguinte redação:
Art. 4o Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei: - as faixas
marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito
regular, em largura mínima de: (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012)
a) 30 (trinta) metros, para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura;
b) 50 (cinquenta) metros, para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura;
c) 100 (cem) metros, para os cursos d’água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura;
d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;
e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;
II - as áreas no entorno dos lagos e lagoas naturais, em faixa com largura mínima de:
a) 100 (cem) metros, em zonas rurais, exceto para o corpo d’água com até 20 (vinte) hectares de superfície, cuja faixa
marginal será de 50 (cinquenta) metros;
b) 30 (trinta) metros, em zonas urbanas;
III - as áreas no entorno dos reservatórios d’água artificiais, decorrentes de barramento ou represamento de cursos d’água
naturais, na faixa definida na licença ambiental do empreendimento; (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012)
IV - as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio
mínimo de 50 (cinquenta) metros; (Redação dada pela Lei nº 12.727, de 2012)
V - as encostas ou partes destas com declividade superior a 45°, equivalente a 100% (cem por cento) na linha de maior
declive;
VI - as restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;
VII - os manguezais, em toda a sua extensão;
VIII - as bordas dos tabuleiros ou chapadas, até a linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em
projeções horizontais;
IX - no topo de morros, montes, montanhas e serras, com altura mínima de 100 (cem) metros e inclinação média maior que
25°, as áreas delimitadas a partir da curva de nível correspondente a 2/3 (dois terços) da altura mínima da elevação sempre
268 - Regularização Fundiária Sustentável
em relação à base, sendo esta definida pelo plano horizontal determinado por planície ou espelho d’água adjacente ou, nos
relevos ondulados, pela cota do ponto de sela mais próximo da elevação;
X - as áreas em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação;
XI - em veredas, a faixa marginal, em projeção horizontal, com largura mínima de 50 (cinquenta) metros, a partir do espaço
permanentemente brejoso e encharcado. (Redação dada pela Lei nº 12.727, de 2012)
Todavia, conforme determinação deste dispositivo legal (Antigo Código Florestal - Lei 4.771/65) torna-se perceptível o conflito
aparente de normas, ao determinar qual a área a ser reservada ao longo dos corpos d’água em áreas urbanas. Ferreira e Francisco
(2003) esclarecem que
Parece importante sublinhar desde logo, que, em decorrência do emaranhado normativo, os intérpretes do Direito sempre
tiveram dúvidas quanto ao fato da delimitação da metragem da faixa ao longo dos cursos d’água, do local exato das áreas de
preservação permanente e de sua real viabilidade. Estas questões acabaram gerando enormes conflitos para a aplicação das
leis e, conseqüentemente, a ocupação desordenada dessas áreas (FERREIRA; FRANCISCO, 2003, p.98).
No Brasil, principalmente nas áreas urbanas, as faixas mínimas das áreas de preservação permanente não são respeitadas. O
crescimento populacional e a expansão urbana acabam pressionando a população mais carente a ocupar áreas ilegais para a
edificação. Além da retirada da cobertura vegetal que amplia o problema de drenagem, outra preocupação é a ampliação das áreas
impermeabilizadas, que reduzem a capacidade do solo de infiltrar a água das chuvas, aumentando o volume de águas pluviais devido
à ausência de um sistema de drenagem eficiente, o que certamente provocará enchentes e deslizamentos em diversos pontos da
malha urbana.
Diante deste contexto, a gestão da cidade deveria ser norteada pelo princípio da precaução, pois em razão de sua natureza é
aquele que, embora ainda não se tenha certeza absoluta do dano, deve-se empregar todas as medidas necessárias para evitá-lo.
Derani (1997) ensina que
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 269
Precaução é cuidado. O princípio da precaução está ligado aos conceitos de afastamento de perigo e segurança das gerações
futuras, como também de sustentabilidade ambiental das atividades humanas. Este princípio é a tradução da busca da
proteção da existência humana, seja pela proteção de seu ambiente como pelo asseguramento da integridade da vida
humana. A partir desta premissa, deve-se também considerar não só o risco iminente de uma determinada atividade, como
também os riscos futuros decorrentes de empreendimentos humanos, os quais nossa compreensão e o atual estágio de
desenvolvimento da ciência jamais conseguem captar em toda densidade [...] (DERANI, 1997, p.167).
No ordenamento jurídico, a aplicabilidade deste princípio está vinculada a ações que impedem o início da ocorrência de
atividades potencialmente e/ou lesivas ao meio ambiente. Machado (2001, p.57) explica que a “precaução age no presente para não
se ter que chorar e lastimar o futuro”, ou seja, “impedir o prejuízo ambiental, mesmo incerto, que possa resultar das ações ou
omissões humanas, como deve atuar para a prevenção oportuna desse prejuízo”. Nogueira (2004) explica que
O ‘princípio de precaução’, por sua vez, é apontado, pelos que defendem seu status de novo princípio jurídico-ambiental,
como um desenvolvimento e, sobretudo, um reforço do princípio da prevenção. Seu fundamento seria, igualmente, a
dificuldade ou impossibilidade de reparação da maioria dos danos ao meio ambiente, distinguindo-se do princípio da
prevenção por aplicar-se especificamente às situações de incerteza científica (NOGUEIRA, 2004, p.199)
Assim, este princípio objetiva a vedação de intervenções no meio ambiente, salvo se houver a certeza que as alterações não
causem reação adversa, uma vez que nem sempre a ciência pode oferecer à sociedade uma resposta conclusiva sobre os possíveis
impactos ambientais.
270 - Regularização Fundiária Sustentável
Neste contexto, este princípio é um dos fundamentos que deve nortear o planejamento de cidade, visto a projeção futura da
eventualidade dos riscos. Assim, os desacertos presentes nas cidades brasileiras mostram-se como total descaso o compromisso da
promoção de um ordenamento efetivo do solo urbano, tornando assim, inaceitável, a exemplo, das ocupações de áreas de
mananciais, encostas, fundos de vales, entre outros.
Entretanto, há certeza quanto aos riscos de danos ambientais, como às situações onde existem dúvidas e incertezas, o gestor
publico deve aplicar o princípio da prevençaõ. Nesta colocação, prevenção se aproxima da precaução, todavia, Milaré (2005) explica
a diferença entre os conceitos:
Prevenção é substantivo do verbo prevenir, e significa ato ou efeito de antecipar-se, chegar antes; induz uma conotação de
generalidade, simples antecipação no tempo, é verdade, mas com intuito conhecido. Precaução é substantivo do verbo
precaver-se (do Latim prae = antes e cavere = tomar cuidado), e sugere cuidados antecipados, cautela para que uma
atitude ou ação não venha a concretizar-se ou a resultar em efeitos indesejáveis. A diferença etimológica e semântica
(estabelecida pelo uso) sugere que a prevenção é mais ampla do que precaução e que, por seu turno, precaução é atitude ou
medida antecipatória voltada preferencialmente para casos concretos. (MILARÉ, 2005, p.165)
Rodrigues (2005, p.204-208) complementa as proposituras de Milaré (2005), alegando que o “princípio da precaução não é a
mesma coisa que o princípio da prevenção. Se a diferença semântica não parece ser muito clara, o mesmo não se dá quando a
comparação recai na natureza e teleologia desses princípios”, deste modo, se apresenta como “um jogo de palavras. A assertiva é
norteada por uma política diversa da prevenção porque privilegia a intenção de não se correr riscos, até porque a precaução é tomada
mesmo sem saber se existem os riscos. Se já são conhecidos, trata-se de preveni-los.”
O Princípio 15 da Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992) trás:
Para proteger o meio ambiente as medidas de prevenção deve ser largamente aplicadas pelos Estados segundo sua
capacidade. Em caso de risco de dano graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não deve servir de
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 271
pretexto para procrastinar a adoção de medidas efetivas visando a prevenir a degradação do meio ambiente (PADILHA, 2010,
p.65)
Fiorillo (2009, p. 54) preconiza que a “prevenção e a preservação devem ser concretizadas por meio de uma consciência
ecológica, a qual deve ser desenvolvida através de políticas de educação ambiental”, como combate preventivo do dano ambiental.
Deste modo, este princípio está subsidiado pelo princípio da informação ambiental, preconizado no inciso VI, do § 1º do artigo 225 da
Carta Pátria o qual determina a “conscientização pública para a prevenção do meio ambiente”.
Além da conscientização para aplicabilidade deste princípio, utiliza-se o Estudo prévio de Impacto Ambiental – EIA (relatório
técnico dos impactos ambientais) e o Relatório de Impacto Ambiental – RIMA (relatório semelhante ao EIA, porém, redigido de forma
clara e direta, para compressão dos interessados). Ambos são instrumentos da política Nacional do Meio Ambiente e foram
instituídos pela Resolução do CONAMA n.º 001/86, de 23/01/1986.
Quando se trata dos bens ambientais que são de uso comum do povo, o princípio da prevenção deve ser acolhido pelo
judiciário e a administração: o primeiro para aplicação de uma jurisdição coletiva, com efeito, de impedir a ocorrência de um evento
danoso, bem como, para impetrar ações preventivas contra a degradação do meio ambiente (liminar, tutela antecipada, etc.). Na
esfera administrativa, conforme ensina Fiorillo (2009, p. 56), aplica-se o princípio da prevenção por “intermédio das licenças, das
sanções administrativas da fiscalização e das autorizações, entre outros tantos atos do Poder Público, determinantes da sua função
ambiental de tutela do meio ambiente”.
Apesar desta atribuição administrativa dada ao princípio da prevenção, é comum a utilização dos instrumentos acima citados
em favor do interesse imobiliário ao permitir, como exemplo a citar, que conjuntos habitacionais de interesses sociais sejam
implantados em áreas sujeitas a alagamento e processos erosivos, fundos de vales (na área maior do leito), condenando aos
beneficiários dessas residências a cenas futuras de terror, medo e angústia, mediante a sinistros propensos, os quais vêm acentuar
as mazelas urbanas.
A falta de uma política de uso e ocupação do solo urbano tem provocado sérios problemas de ordem social, econômica,
política e ambiental. De acordo com Chernicharo e Costa (1995), entende-se por política de uso e ocupação do solo a lei que
regulariza a utilização do solo em todo o território municipal, sendo matéria de ordenamento exclusiva do município. Os autores
272 - Regularização Fundiária Sustentável
comentam ainda que “é o instrumento obrigatório de controle do uso do solo, da densidade populacional, da localização, finalidade,
dimensão e volume das construções, com o objetivo de atender a função social da propriedade e da cidade” (CHERNICHARO; COSTA,
1995, p.164). Para os autores, a lei de uso e ocupação do solo ordena a forma como o território urbano será utilizado para evitar a
degradação do meio ambiente e os possíveis conflitos no exercício das atividades urbanas (CHERNICHARO; COSTA, 1995).
Para Chow (1964 apud VIEIRA; CUNHA, 2005), a transformação no uso da terra afeta os processos hidrológicos, sendo que
nas áreas urbanas esses processos são divididos em três fases:
[...] a primeira corresponde à transformação do pré-urbano para o urbano inicial, em que ocorrem a remoção de árvores, da
vegetação e a construção de casas, aumentando a vazão e a sedimentação, e a construção de tanques sépticos e drenagem
para o esgoto, aumentando a umidade do solo e a contaminação. A segunda engloba a construção de muitas casas, edifícios,
comércio, calçamento das ruas, acarretando diminuição na infiltração e aumento do escoamento superficial. Nessa fase
ocorre falta de tratamento de lixo e esgoto, ocasionando poluição nas águas. Na ultima fase, que corresponde ao urbano
avançado, ocorrem muitas edificações residenciais e públicas, instalação de indústrias, acarretando aumento do escoamento
superficial, vazão, pico de enchentes e melhoramento dos canais, aliviando alguns problemas (CHOW,1964 apud VIEIRA;
CUNHA, 2005, p.131-132).
Segundo Christofoletti (1993) citado por Vieira e Cunha (2005, p.131), a ampliação das áreas impermeabilizadas, decorrente
do padrão de parcelamento do solo urbano, ou seja, do crescimento da cidade, “repercute na capacidade de infiltração das águas no
solo, favorecendo o escoamento superficial, a concentração das enxurradas e a ocorrência de ondas de cheia”. O autor
(CHRISTOFOLETTI, 1993 apud VIEIRA; CUNHA, 2005, p.131) complementa esclarecendo que esse fenômeno interfere diretamente no
“funcionamento do ciclo hidrológico, pois interfere no rearranjo dos armazenamentos e na trajetória das águas”. Braga (2003, p.118)
esclarece que são vários os problemas ligados ao sistema hidrológico, como a “desregulação do ciclo hidrológico, enchentes, poluição
de mananciais e contaminação de aqüíferos”.
Para maior compreensão da problemática abordada, é importante ressaltar que o Código Florestal (Lei 4.771/65) prescreve a
natureza jurídica das Áreas de Preservação Permanente, entretanto, devido ausência de embasamento científico, esta matéria sofreu
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 273
várias alterações: a primeira alteração da Lei foi em 1986; em 1989 a Lei 7.803 alterou por completo as alíneas do artigo 2°; a última
alteração se deu pela Medida Provisória 2.166-67, de 2001. Posteriormente, o artigo 3º da Resolução do CONAMA 303 de 2002
reafirma:
IX - nas restingas:
a) em faixa mínima de trezentos metros, medidos a partir da linha de preamar máxima;
b) em qualquer localização ou extensão, quando recoberta por vegetação com função fixadora de dunas ou estabilizadora de
mangues;
X - em manguezal, em toda a sua extensão;
XI - em duna;
XII - em altitude superior a mil e oitocentos metros, ou, em Estados que não tenham tais elevações, à critério do órgão
ambiental competente;
XIII - nos locais de refúgio ou reprodução de aves migratórias;
XIV - nos locais de refúgio ou reprodução de exemplares da fauna ameaçadas de extinção que constem de lista elaborada pelo
Poder Público Federal, Estadual ou Municipal;
XV - nas praias, em locais de nidificação e reprodução da fauna silvestre.
Parágrafo único. Na ocorrência de dois ou mais morros ou montanhas cujos cumes estejam separados entre si por distâncias
inferiores a quinhentos metros, a Área de Preservação Permanente abrangerá o conjunto de morros ou montanhas, delimitada
a partir da curva de nível correspondente a dois terços da altura em relação à base do morro ou montanha de menor altura do
conjunto, aplicando-se o que segue:
I - agrupam-se os morros ou montanhas cuja proximidade seja de até quinhentos metros entre seus topos;
II - identifica-se o menor morro ou montanha;
III - traça-se uma linha na curva de nível correspondente a dois terços deste; e
IV - considera-se de preservação permanente toda a área acima deste nível.
Neste sentido, o artigo 3°, inciso II do Novo Código Florestal (Lei 12.651/12), conceitua área de preservação permanente como
“área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a
estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das
populações humanas;”. As funções atribuídas às Áreas de Preservação Permanente são: a preservação do solo, flora e fauna, bem
como dos ecossistemas presentes, visando à manutenção da qualidade ambiental do meio.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 275
Apesar das Áreas de Preservação Permanente serem protegidas constitucionalmente, estas podem ter sua função alterada por
força de Lei, conforme determina o artigo 225, §1º, III, da Constituição Federal.
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos,
sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade
dos atributos que justifiquem sua proteção;
Devido a esta possibilidade legal, admite-se a supressão da vegetação como forma de exceção. Assim é possível a supressão
de vegetação em Áreas de Preservação Permanente por força do caput do artigo 4º da Medida Provisória 2.166-67/2001, “somente
poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social devidamente caracterizados e motivados em procedimento
administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto”. A Resolução CONAMA 369 de
28.03.2006, também autoriza a supressão de vegetação em Área de Preservação Permanente no § 4º, do artigo 1º, desde que haja a
“comprovação pelo empreendedor do cumprimento integral das obrigações vencidas nestas áreas”.
Esta mesma resolução (Resolução CONAMA 369 de 28.03.2006) prescreve no artigo 2º a intervenção ou supressão de
vegetação em Área de Preservação Permanente, “mediante procedimento administrativo, autônomo e prévio, e atendidos os
requisitos previstos nesta resolução e noutras normas federais, estaduais e municipais”, bem como no “Plano Diretor, Zoneamento
Ecológico-Econômico e Plano de Manejo das Unidades de Conservação”, para atendimento dos seguintes casos: utilidade pública;
interesse social; e intervenção ou supressão de vegetação eventual e de baixo impacto ambiental, observados os parâmetros desta
Resolução. Rececentemente, o Novo Código Florestal (Lei 12.651/12) determinou que
Art. 19. A inserção do imóvel rural em perímetro urbano definido mediante lei municipal não desobriga o proprietário ou
posseiro da manutenção da área de Reserva Legal, que só será extinta concomitantemente ao registro do parcelamento do
solo para fins urbanos aprovado segundo a legislação específica e consoante as diretrizes do plano diretor de que trata o §
1o do art. 182 da Constituição Federal.
276 - Regularização Fundiária Sustentável
Quando se trata de Áreas de Preservação Permanente em cidades, faz-se necessário aportar à limitação administrativa
(instituto jurídico que permite que o Estado possa intervir na propriedade particular). A limitação administrativa impõe ao particular a
obrigação de fazer ou não fazer, de modo a subjugar o interesse individual em prol do interesse coletivo. Esta obrigação de fazer ou
não fazer nas Áreas de Preservação Permanente é fiscalizada pelo poder público através do exercício do seu poder de polícia108.
As limitações administrativas nas Áreas de Preservação Permanente dispensam o registro em Cartório de Imóvel, visto que o
proprietário do imóvel deve respeitá-las, na forma e nos limites da lei, uma vez que a fiscalização se dá através do poder de polícia e
não pela averbação.
Dentro do Direito Urbanístico o indisponibilidade do interesse público é reconhecido como princípio, o qual determina que o
administrador não pode dispor livremente do interesse público, ou seja, do interesse comum, pois não representa seus próprios
interesses quando atua, devendo assim agir segundo os estritos limites impostos pela lei.
O princípio da indisponibilidade do interesse público aparece como um freio ao princípio da supremacia do interesse público. O
princípio da legalidade surge como um desdobramento do princípio da indisponibilidade do interesse público. Segundo tal princípio, o
administrador não pode fazer o que bem entender na busca do interesse público, isto é, deve agir segundo a lei, só podendo fazer
aquilo que a lei expressamente autoriza e no silêncio da lei, está proibido de agir.
O Julgamento da Apelação c/ Rev. 730.666.5/5-00, da Câmara Especial do Meio Ambiente - TJSP, j. 28/2/2008109, determina
que administrador público não pode ser omisso, ou seja, dispor do interesse público em favor de ocupação irregular da APP da
represa Billings.
108
Segundo Meirelles (2004, p. 129) o poder de polícia “é o mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração Pública para conter os abusos do direito
individual”.
109
Disponível em: < http://www.mp.sp.gov.br/portal/page/portal/cao_urbanismo_e_meio_ambiente/Jurispruden
cia/juris_urbanismo/AG-839593-5-6-TJSP-(mar%C3%A7-09)-DIADEMA_Loteamento-irregul.pdf > Acesso em: 10 abr. 2011.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 277
Ação Civil Pública Ambiental - Loteamento irregular - Área de proteção de mananciais no entorno da represa Billings -
Responsabilidade dos entes de direito público. A omissão das autoridades públicas municipais contribuiu para o
estabelecimento de fato do loteamento irregular, permitindo provável dano ambiental e urbanístico cujas proporções serão
auferidas no decorrer da ação civil, tudo determinando permaneça o Município de São Paulo no pólo passivo da ação. Agravo
retido ao qual se dá provimento, prejudicados os recursos de apelação interpostos. (Grifo nosso)
O Poder Público Municipal tem a obrigação de “ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o
bem-estar de seus habitantes” (caput do artigo 182 da Constituição Federal de 1988), a omissão diante desta máxima, além de ferir
um preceito constitucional, certamente incidira na infração de outras normativas do ordenamento jurídico.
Figueiredo (2008) esclarece que a administração pública, como gestora da matéria urbanística, fica impedida de dispor do
interesse público.
Ao investir a administração de prerrogativas especiais para tutela de determinados interesses, que houve por bem entender
como prevalecentes, a norma, em contrapartida, qualificou-os de inalienáveis. Com efeito, a conseqüência da supremacia do
interesse público é a indisponibilidade. Decorre, daí, que, mesmo ao delegar o exercício de determinadas funções públicas a
outrem, a administração delas não poderá dispor (FIGUEIREDO, 2008, p.68).
Nas proposituras apresentadas por Figueiredo (2008) constata-se que o princípio da indisponibilidade do interesse público se
entrelaça com o princípio da supremacia do interesse público, garantindo ao mesmo tempo prerrogativas e limitações ao
administrador, para que assim tenhamos um meio eficiente de atendimento ao que realmente é importante para a coletividade, neste
caso, o interesse público.
No que se refere às limitações administrativas em Áreas de Preservação Permanente originárias de ato do poder público
(prevista no artigo 3º do Código Florestal - Lei 4.771/65), será facultado a possibilidade de indenização, considerando que neste
278 - Regularização Fundiária Sustentável
caso, é imposta uma limitação de uso a propriedade privada, onde segundo o interesse ou a conveniência da administração pública,
essa área poderá ser desapropriada e indenizada ou não, pelo mesmo. Para elucidar a matéria, o Supremo Tribunal Federal
determina que
Este entendimento do Supremo Tribunal Federal evidencia a função social da propriedade sobre o interesse particular,
afastando assim a hipótese de possível indenização.
O direito de propriedade está assegurado pelo artigo 5º, XXII do Texto Constitucional, bem como é assegurado ao proprietário o
direito de usar, gozar e dispor da propriedade (artigo 1228, Código Civil Lei No 10.406/02). Todavia, a função social da propriedade é
assegurada no artigo 5º, XXIII, da Constituição Federal de 1988, obedecendo ao plano diretor de cada Município (art. 182, § 2º,
Constituição Federal de 1988).
A função social da propriedade em Áreas de Preservação Permanente possui duplo entendimento: caráter negativo - impondo
condutas negativas, como, por exemplo, não usar a propriedade de forma nociva, não desmatar; caráter positivo - impondo condutas
positivas, tais como, reflorestar e renaturalizar.
110
Disponível em: < http://tmatarazzo.bloguepessoal.com/187549/Area-de-Preservacao-Permanete-Parte-I/> Acesso em: 10 abr. 2011.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 279
A não observância da função social da propriedade em Áreas de Preservação Permanente é considerada como um delito pena
contra a flora pela não observância do art.225, §1º, VII, da Constituição Federal, passível assim, do previsto legal dos artigos 38, 39,
44 e 50 da Lei de Crimes Ambientais (nº. 9.065/98).
Considerando os conflitos de interesses (sociais, econômicos e ambientais) presentes no ordenamento das áreas de
preservação permanente, propõe-se neste item uma reflexão sobre o Princípio do Não-Retrocesso (ou Não-Regressão ou Proibição do
Retrocesso), com intuito de elucidar posteriormente a problemática apresentada por esta pesquisa.
O Princípio do Não-Retrocesso (ou Não-Regressão ou Proibição do Retrocesso) é amplamente difundido nos países da
Alemanha, Itália e Portugal. Como exemplo, Joaquim José Gomes Canotilho (1998 e 2001), ensina que na doutrina lusitana, o
princípio da proibição de retrocesso social é definido como um
[...] núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efetivado através de medidas legislativas deve considerar-se
constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas
alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática numa ‘anulação’, ‘revogação’ ou ‘aniquilação‘ pura e simples desse
núcleo essencial. A liberdade do legislador tem como limite o núcleo essencial já realizado. (CANOTILHO, 1998, p. 321 e 2001,
p. 81)
No Brasil, José Afonso da Silva (2007) esclarece que apesar do Princípio do Não-Retrocesso (ou Não-Regressão ou Proibição
do Retrocesso) não ser difundido, este pode ser identificado de forma indireta no ordenamento jurídico brasileiro. Fileti (2009, s/p)
280 - Regularização Fundiária Sustentável
explica que esse fenômeno é possível, pela observância das “normas constitucionais definidoras de direitos sociais” serem “normas
de eficácia limitada e ligadas ao princípio programático, que, inobstante tenham caráter vinculativo e imperativo”, ou seja, “exigem a
intervenção legislativa infraconstitucional para a sua concretização, vinculam os órgãos estatais e demandam uma proibição de
retroceder na concretização desses direitos”. Lênio Luís Streck (1999) esclarece que esse princípio, embora
[...] ainda não esteja suficientemente difundido entre nós, tem encontrado crescente acolhida no âmbito da doutrina
mais afinada com a concepção do Estado democrático de Direito consagrado pela nossa ordem constitucional.
(STRECK,1999, p. 31)
Todavia, Fileti (2009, s/p) esclarece que a doutrina brasileira passou a reconhecer a existência deste princípio a partir dos
trabalhos de “Luiz Streck, Luís Roberto Barroso, Ana Paula de Barcellos, Luiz Edson Fachin, Juarez Freitas, Suzana de Toledo Barros,
Patrícia do Couto Villela Abbud Martins e José Vicente dos Santos Mendonça”, com destaque a contribuição de “Ingo Wolfgang Sarlet
e Felipe Derbli”.
Calvet (2010) destaca que o Princípio do Não-Retrocesso (ou Não-Regressão ou Proibição do Retrocesso), ganha status de
princípio constitucional ao tratar dos direitos sociais fundamentais do trabalhador.
Nesta corrente, Ingo Wolfgang Sarlet (2004, p. 162) complementa afirmando que
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 281
Negar reconhecimento do princípio da proibição de retrocesso significaria, em última análise, admitir que os órgãos
legislativos (assim como o poder público de modo geral), a despeito de estarem inquestionavelmente vinculados aos direitos
fundamentais e às normas constitucionais em geral, dispõem do poder de tomar livremente suas decisões mesmo em
flagrante desrespeito à vontade expressa do Constituinte. (SARLET, 2004, p. 162)
Assim, conforme esclarecimento de Sarlet (2004, p. 162), o Princípio do Não-Retrocesso (ou Não-Regressão ou Proibição do
Retrocesso) pode ser considerado um princípio constitucional, entretanto, não tem sua aplicabilidade restrita aos direitos sociais
fundamentais do trabalhador, mas deve ser estendido a todos os “direitos fundamentais e às normas constitucionais em geral”.
Neste sentido, Luís Roberto Barroso (2001, p. 158) esclarece que o Princípio do Não-Retrocesso (ou Não-Regressão ou Proibição do
Retrocesso) social não está explícito, assim como o princípio da dignidade da pessoa humana111 permite sua aplicabilidade, uma vez
que é decorrente
[...] do sistema jurídico-constitucional, entende-se que se uma lei, ao regulamentar um mandamento constitucional, instituir
determinado direito, ele se incorpora ao patrimônio jurídico da cidadania e não pode ser absolutamente suprimido. (BARROSO,
2001, 158)
Deste modo, considerando que o Princípio do Não-Retrocesso (ou Não-Regressão ou Proibição do Retrocesso) é dotado de
plena aplicabilidade dentro do sistema jurídico-constitucional. Assim, esta pesquisa vem enfatizar sua importância como dispositivo
norteador do direito urbanístico, em especial, para embasar a abordagem crítica presente nesta dissertação sobre a Regularização
Sustentável Fundiária (Resolução CONAMA 369/2006).
111
“A dignidade da pessoa humana, vê-se assim, está erigida como princípio matriz da Constituição, imprimindo-lhe unidade de sentido, condicionando a
interpretação das suas normas e revelando-se, ao lado dos Direitos e Garantias Fundamentais, como cânone constitucional que incorpora ‘as exigências de
justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro’”. Flávia Piovesan (2000, p. 54-55)
282 - Regularização Fundiária Sustentável
Apesar do esforço dos renomados doutrinadores brasileiros acima citados, deve-se destacar que o Princípio do Não-
Retrocesso (ou Não-Regressão ou Proibição do Retrocesso) é tido para muitos instrumentalizadores do direito brasileiro, como
matéria controversa e polêmica. Entretanto, vale destacar nesta pesquisa, o posicionamento do Supremo Tribunal de Justiça ao julgar
o Recurso Especial Nº 302.906 - SP (2001/0014094-7112), referente à flexibilização das restrições de ordem urbanístico-ambientais.
[...] compete ao Município, a qualquer momento, discutir e aprovar lei de uso e ocupação do solo que afaste, total ou
parcialmente, a regra da maior restrição, não se perdendo de vista as condicionantes derivadas do princípio da não-regressão
(ou da proibição de retrocesso), acima referido, nem o ato jurídico perfeito. O que, em definitivo, não pode é fazê-lo
individualmente, caso a caso, por critérios ad hoc, conforme a cara do freguês ou a oportunidade (pressão) política que se
apresente. Isso, sim, é insegurança jurídica, um atentado ao postulado da igualdade e uma perigosa abertura para que se
instale um balcão de negócio contra os interesses da coletividade.113
Assim, fica explícito que apesar de controvérsias sobre do Princípio do Não-Retrocesso (ou Não-Regressão ou Proibição do
Retrocesso), este é positivado pelo sistema jurídico-constitucional, sendo largamente aplicado na mais renomada casa de justiça do
país, o Supremo Tribunal de Justiça.
112
“PROCESSUAL CIVIL, ADMINISTRATIVO, AMBIENTAL E URBANÍSTICO. LOTEAMENTO CITY LAPA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AÇÃO DE NUNCIAÇÃO DE OBRA NOVA.
RESTRIÇÕES URBANÍSTICO-AMBIENTAIS CONVENCIONAIS ESTABELECIDAS PELO LOTEADOR. ESTIPULAÇÃO CONTRATUAL EM FAVOR DE TERCEIRO, DE
NATUREZA PROPTER REM. DESCUMPRIMENTO. PRÉDIO DE NOVE ANDARES, EM ÁREA ONDE SÓ SE ADMITEM RESIDÊNCIAS UNIFAMILIARES. PEDIDO DE
DEMOLIÇÃO. VÍCIO DE LEGALIDADE E DE LEGITIMIDADE DO ALVARÁ. IUS VARIANDI ATRIBUÍDO AO MUNICÍPIO. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA NÃO-REGRESSÃO
(OU DA PROIBIÇÃO DE RETROCESSO) URBANÍSTICO-AMBIENTAL. VIOLAÇÃO AO ART. 26, VII, DA LEI 6.766/79 (LEI LEHMANN), AO ART. 572 DO CÓDIGO CIVIL DE
1916 (ART. 1.299 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002) E À LEGISLAÇÃO MUNICIPAL. ART. 334, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. VOTO-MÉRITO.” Supremo tribunal de
Justiça no Recurso Especial Nº 302.906 - SP (2001/0014094-7) - Documento: 740334 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - De: 01/12/2010, p. 4.
Disponível em < http://www.observatorioeco.com.br/wp-content/uploads/up/2011/03/STJ-decisao-Lapa-em-SP.pdf >. Acesso em 24.04.2011.
113
Documento: 740334 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - De: 01/12/2010, p. 81. Disponível em < http://www.observatorioeco.com.br/wp-
content/uploads/up/2011/03/STJ-decisao-Lapa-em-SP.pdf >. Acesso em 24.04.2011.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 283
Com enfoque no recorte analítico desta pesquisa, conceitua-se “interesse social” segundo o inciso II do artigo 2º da Resolução
CONAMA 369/2006.
a) as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação nativa, tais como prevenção, combate e controle do
fogo, controle da erosão, erradicação de invasoras e proteção de plantios com espécies nativas, de acordo com o estabelecido
pelo órgão ambiental competente;
b) o manejo agroflorestal, ambientalmente sustentável, praticado na pequena propriedade ou posse rural familiar, que não
descaracterize a cobertura vegetal nativa, ou impeça sua recuperação, e não prejudique a função ecológica da área;
c) a regularização fundiária sustentável de área urbana;
d) as atividades de pesquisa e extração de areia, argila, saibro e cascalho, outorgadas pela autoridade competente; (Negrito
Nosso)
Nota-se que a alínea c do inciso II do artigo 2º desta Resolução (Resolução CONAMA 369/2006) faz referência à
“regularização fundiária sustentável” em área urbana, a qual tem sua previsão legal no artigo 9º.
a) possuir no mínimo três dos seguintes itens de infra-estrutura urbana implantada: malha viária, captação de águas pluviais,
esgotamento sanitário, coleta de resíduos sólidos, rede de abastecimento de água, rede de distribuição de energia;
b) apresentar densidade demográfica superior a cinqüenta habitantes por hectare;
IV - localização exclusivamente nas seguintes faixas de APP:
a) nas margens de cursos de água, e entorno de lagos, lagoas e reservatórios artificiais, conforme incisos I e III, alínea “a”, do
art. 3º da Resolução CONAMA nº 303, de 2002, e no inciso I do art. 3 da Resolução CONAMA nº 302, de 2002, devendo ser
respeitada faixas
mínimas de 15 metros para cursos de água de até 50 metros de largura e faixas mínimas de 50 metros para os demais;
b) em topo de morro e montanhas conforme inciso V, do art. 3º, da Resolução CONAMA nº 303, de 2002, desde que
respeitadas as áreas de recarga de aqüíferos, devidamente identificadas como tal por ato do poder público;
c) em restingas, conforme alínea “a” do IX, do art. 3º da Resolução CONAMA nº 303, de 2002, respeitada uma faixa de 150
metros a partir da linha de preamar máxima;
V - ocupações consolidadas, até 10 de julho de 2001, conforme definido na Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001 e Medida
Provisória nº 2.220, de 4 de setembro de 2001;
VI - apresentação pelo poder público municipal de Plano de Regularização Fundiária Sustentável que contemple, entre outros:
a) levantamento da sub-bacia em que estiver inserida a APP, identificando passivos e fragilidades ambientais, restrições e
potencialidades, unidades de conservação, áreas de proteção de mananciais, sejam águas superficiais ou subterrâneas;
b) caracterização físico-ambiental, social, cultural, econômica e avaliação dos recursos e riscos ambientais, bem como da
ocupação consolidada existente na área;
c) especificação dos sistemas de infra-estrutura urbana, saneamento básico, coleta e destinação de resíduos sólidos, outros
serviços e equipamentos públicos, áreas verdes com espaços livres e vegetados com espécies nativas, que favoreçam a
infiltração de água de chuva
e contribuam para a recarga dos aqüíferos;
d) indicação das faixas ou áreas que, em função dos condicionantes físicos ambientais, devam resguardar as características
típicas da APP, respeitadas as faixas mínimas definidas nas alíneas “a” e “c” do inciso I deste artigo;
e) identificação das áreas consideradas de risco de inundações e de movimentos de massa rochosa, tais como, deslizamento,
queda e rolamento de blocos, corrida de lama e outras definidas como de risco;
f) medidas necessárias para a preservação, a conservação e a recuperação da APP não passível de regularização nos termos
desta Resolução;
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 285
A regularização fundiária sustentável contemplada pelo artigo 9º da Resolução CONAMA 369/2006 é, antes de tudo, um
mecanismo legal por meio do qual torna-se possível a legalização de parcelas da cidade informal, bem como abre precedente jurídico
para inocentar administradores públicos da omissão, ora de descaso e irresponsabilidade diante da necessidade do ordenamento do
solo urbano.
Entretanto, um dos maiores equívocos da regularização fundiária sustentável é que esta determina sua efetividade em áreas
localizadas “exclusivamente nas faixas de APP” (inciso IV, artigo 9º, Resolução CONAMA 369/2006) e ainda retrocede a previsão
286 - Regularização Fundiária Sustentável
legal do inciso III, do artigo 4º da Lei nº 6.766/79114, ao determinar que devem “ser respeitadas faixas mínimas de 15 metros para
cursos de água de até 50 metros de largura” (alínea “a”, inciso IV, artigo 9º, Resolução CONAMA 369/2006 – Negrito nosso).
Com a preocupação de explicitar a importância do mecanismo jurídico citado anteriormente, torna-se necessário ressaltar que
todo curso de água (rio, ribeirões, córregos, entre outros) apresenta normalmente um ou mais leitos (Figura 18). O leito menor é
responsável pelo escoamento durante o regime de estiagem, entretanto o “leito maior pode ter diferentes níveis de risco, de acordo
com a seção transversal considerada e a topografia da várzea inundável. Esse leito, o rio costuma ocupar durante as enchentes.”
Tucci (2005, p.76).
114
“III - ao longo das águas correntes e dormentes e das faixas de domínio público das rodovias e ferrovias, será obrigatória a reserva de uma faixa não-
edificável de 15 (quinze) metros de cada lado, salvo maiores exigências da legislação específica;” (Artigo 4º da Lei nº 6.766/79)
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 287
De modo geral, é a população de menor poder aquisitivo que ocupa as áreas de inundação (leito maior), ou seja, as APPs, o
que retrata o descaso dos administradores públicos diante das grandes possibilidades de riscos oferecidas nestas localidades, daí a
importância da revisão da atual legislação, com intuito de criar mecanismos legais que possam assegurar não apenas qualidade de
vida, mas, sobretudo a preservação da vida, assim como a preservação de áreas de mananciais, tão importantes para manutenção
do ecossistema urbano.
Segundo o Seade (2008), o Município de São Paulo apresenta 5,95% de assentamentos precários (tipo favela, núcleo e
loteamentos irregulares) localizados em 650 mananciais, o que significa que 645.057 moradores estão sujeitos ao risco de
inundação115 (Figura 19 e 20).
115
Fundação Seade – Atualização de dados censitários de população moradora em favelas e loteamentos irregulares no Município de São Paulo – relatório final
– maio de 2008, São Paulo.
288 - Regularização Fundiária Sustentável
Fonte: Secretaria Municipal de Coordenação das Subprefeituras. Mapeamentos de Risco nas Encostas e Margens de Córregos em Área de Ocupação Precária na
Cidade de São Paulo, 2003-2004; Secretaria de Infra-Estrutura Urbana e Obras – SIURB, 2006.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 289
Em 13 de agosto de 2007, o Governador José Serra instituiu o Programa Estadual de Regularização de Núcleos Habitacionais -
Cidade Legal, no âmbito da Secretaria da Habitação, através do Decreto Estadual nº 52.052.
Posteriormente, foi aprovada a Resolução Conjunta SH/SMA nº 3/2009, a qual dispõe sobre as regras para as ações de
regularização de parcelamentos do solo e de núcleos habitacionais de que trata o Decreto Estadual nº 52.052/2007116.
Artigo 3º o Comitê de Regularização do Programa Cidade Legal decidirá sobre a viabilidade dos procedimentos de
regularização de parcelamentos do solo e de núcleos habitacionais, com base em diagnósticos elaborados pelo órgão técnico
de apoio e nos pareceres, orientações técnicas e manifestações dos representantes dos órgãos e entidades integrantes do
Colegiado, sem prejuízo de outros documentos exigíveis pela legislação.
Parágrafo 2° - Deverão constar dos pedidos de regularização a identificação do grau desconsolidação dos parcelamentos do
solo ou núcleos habitacionais, atestados pela municipalidade, e as possíveis interferências em áreas cobertas com vegetação
nativa, Áreas de Preservação Permanente, Áreas de Proteção Ambiental, Áreas de Proteção aos Mananciais da Região
Metropolitana de São Paulo, Áreas Tombadas e a outras Unidades de Conservação ou áreas especialmente protegidas, bem
como as possíveis ações compensatórias e mitigadoras, conforme o estabelecido na Resolução SMA 54, de 19/12/2007.
[...]
Artigo 5º - Fica instituída, no âmbito do Programa de Regularização de Núcleos Habitacionais - Cidade Legal, criado pelo
Decreto nº 52.052, de 13 de Agosto de 2007, a “Declaração de Conformidade Urbanística e Ambiental”, que será outorgada
aos projetos de regularização de Núcleos Habitacionais de Municípios conveniados. (Negrito nosso)
116
Regularização de Núcleos Habitacionais - Cidade Legal, criado pelo Decreto nº 52.052, de 13 de Agosto de 2007, tem por finalidade apoiar a regularização de
parcelamentos do solo e de núcleos habitacionais, públicos ou privados, para fins residenciais, localizados em áreas urbanas ou de expansão urbana, assim
definidas por legislação municipal.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 291
Nesta conjuntura, vale destacar o disposto no parágrafo 2º do Artigo 4º e o Artigo 5º da Resolução Conjunta SH/SMA nº3/2009,
as quais imputam ao município responsabilidade pela implementação de programas de regularização fundiária em APP, ao emitir
uma Declaração de Conformidade Urbanística e Ambiental.
Contudo, é notório que, os desacertos presentes no ordenamento do solo urbano identificados nas cidades Brasileiras, podem,
em diversas situações, ser atribuídos à ausência de profissionais habilitados e capacitados junto aos órgãos públicos, assim como a
permissividade de intervenções políticas nos trâmites dos respectivos processos. Sendo assim, qual a veracidade das Declarações de
Conformidade Urbanística e Ambiental expedida pelo Ente Municipal?
Em 2009 a Medida Provisória nº 459, que regulamentou o Programa Minha Casa, Minha Vida - PMCMV, e por meio do qual a
regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas, veio reafirmar em seu parágrafo 1º do artigo 58, a
autonomia municipal para deliberar sobre a regularização fundiária em APP.
Art. 58. O projeto de regularização fundiária de interesse social deverá considerar as características da ocupação e da área
ocupada para definir parâmetros urbanísticos e ambientais específicos, além de identificar os lotes, as vias de circulação e as
áreas destinadas a uso público.
§ 1o O Município poderá, por decisão motivada, admitir a regularização fundiária de interesse social em Áreas de Preservação
Permanente, ocupadas até 31 de dezembro de 2007 e inseridas em área urbana consolidada, desde que o estudo técnico
comprove que esta intervenção implica a melhoria das condições ambientais em relação à situação de ocupação irregular
anterior.
§ 2o O estudo técnico referido no § 1o deverá ser elaborado por profissional legalmente habilitado, compatibilizar-se com o
projeto de regularização fundiária e conter, no mínimo, os seguintes elementos:
I - caracterização da situação ambiental da área a ser regularizada;
II - especificação dos sistemas de saneamento básico;
III - proposição de intervenções para o controle de riscos geotécnicos e de inundações;
IV - recuperação de áreas degradadas e daquelas não passíveis de regularização;
V - comprovação da melhoria das condições de sustentabilidade urbano-ambiental, considerados o uso adequado dos
recursos hídricos e a proteção das unidades de conservação, quando for o caso;
292 - Regularização Fundiária Sustentável
Este dispositivo (parágrafo 1º do artigo 582, da Medida Provisória nº 459/2009) não apresenta nenhuma inovação, ao
contrário, são mecanismos para referendar a inócua situação que torna turvo o processo de produção das cidades no Brasil. Deste
contexto não se afasta o compromisso com a sustentabilidade urbana defendida por alguns administradores públicos, entretanto, é
fato que a questão ambiental passa longe dos gabinetes públicos, pois ainda é tida como uma utopia.
Não obstante, há de se ressaltar que em função da reincidência de ocorrências de desastres ambientais (Figura 21 e Figura
22) fica evidenciada a negligência de muitos administradores a respeito da matéria. Fato que só vem reafirmar a ineficácia dos
atuais mecanismos legais, onde o uso discricionário de tais instrumentos faculta a muitos agentes políticos barganhar com seus
munícipes a titularidade da área a ser regularizada em troca de votos em processos eleitorais, mantendo a comunidade alheia de
seus direitos socioambientais.
Figura 22- Favela em São Mateus, na Zona Leste de São Paulo (01/12/2009).
Fonte: MINISTÉRIO DAS CIDADES. Urbanização de Favelas: a experiência do PAC. Brasil, 2010
Em razão da crescente gravidade da questão abordada, com o objetivo de ilustrar melhor as dimensões dos problemas
existentes nesses assentamentos, a pesquisa selecionou as Figuras 21, 22, 23 e 24, as quais evidenciam a vulnerabilidade da
população residente em áreas de proteção permanente - as APPs, uma vez que as mesmas estão constantemente sujeitas aos riscos
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 295
de inundação e desmoronamento. Diante deste cenário deprimente, questiona-se: Qual o real objetivo do Estado ao implementar esta
política pública por meio do atual programa de regularização fundiária sustentável?
Figura 24 – Assentamentos informais em áreas vulneráveis. Em sentido horário estão as fotos Abençoada por Deus (Recife), Cidade Satélite Industrial
(Guarulhos), Prainha (Guarujá), Dique Vila Gilda (Santos) e Baixa do Soronha (Salvador)
Recentemente, o Governo Federal aprovou a Lei nº 11.977/ 2009, anteriormente citada, a qual dispõe sobre o Programa Minha
Casa, Minha Vida – PMCMV e a Regularização Fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas; alterando o Decreto-Lei nº
3.365, de 21 de junho de 1941, as Leis nº 4.380, de 21 de agosto de 1964, Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, Lei nº 8.036, de
11 de maio de 1990, e Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, e a Medida Provisória nº 2.197-43, de 24 de agosto de 2001.
Esta lei (Lei nº 11.977/ 2009) vem consolidar as intenções governamentais para viabilizar a implementação dos programas de
Regularização Fundiária, inovando no parágrafo 3º do artigo 54.
Art. 54. O projeto de regularização fundiária de interesse social deverá considerar as características da ocupação e da área
ocupada para definir parâmetros urbanísticos e ambientais específicos, além de identificar os lotes, as vias de circulação e as
áreas destinadas a uso público.
§ 1o O Município poderá, por decisão motivada, admitir a regularização fundiária de interesse social em Áreas de Preservação
Permanente, ocupadas até 31 de dezembro de 2007 e inseridas em área urbana consolidada, desde que estudo técnico
comprove que esta intervenção implica a melhoria das condições ambientais em relação à situação de ocupação irregular
anterior.
§ 2o O estudo técnico referido no § 1o deverá ser elaborado por profissional legalmente habilitado, compatibilizar-se com o
projeto de regularização fundiária e conter, no mínimo, os seguintes elementos:
I – caracterização da situação ambiental da área a ser regularizada;
II – especificação dos sistemas de saneamento básico;
III – proposição de intervenções para o controle de riscos geotécnicos e de inundações;
IV – recuperação de áreas degradadas e daquelas não passíveis de regularização;
V – comprovação da melhoria das condições de sustentabilidade urbano-ambiental, considerados o uso adequado dos
recursos hídricos e a proteção das unidades de conservação, quando for o caso;
VI – comprovação da melhoria da habitabilidade dos moradores propiciada pela regularização proposta; e
VII – garantia de acesso público às praias e aos corpos d´água, quando for o caso.
§ 3o A regularização fundiária de interesse social em áreas de preservação permanente poderá ser admitida pelos Estados,
na forma estabelecida nos §§ 1o e 2o deste artigo, na hipótese de o Município não ser competente para o licenciamento
ambiental correspondente.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 297
A observância do parágrafo 3º do artigo 54 da Lei nº 11.977/ 2009 vem resguardar o interesse do Estado, abrindo
possibilidades jurídicas a fim de viabilizar a aprovação dos processos de regularização fundiária.
Diante do complexo panorama apresentado nesta pesquisa, deve-se ressaltar que tramita no Congresso o Projeto de Lei nº
3.057, de 2000 (E aos apensos: PL 5.894/01, PL 2.454/03, PL 20/07, PL 31/07, PL 846/07 e PL 1.092/07), os quais dispõe sobre o
parcelamento do solo para fins urbanos e sobre a regularização fundiária sustentável de áreas urbanas. Na propositura deste
documento, são evidenciados várias divergências sobre a matéria, como as apresentada no artigo 5º deste projeto de lei.
§ 2º Respeitadas as normas ambientais, admite-se o parcelamento em áreas com declividade superior a 30% (trinta por
cento) apenas nos parcelamentos integrados à edificação ou se o empreendedor implementar solução técnica para a
implantação das edificações que garanta a segurança contra situações de risco.
[...]
Art. 12. Em parcelamentos do solo para fins urbanos, as Áreas de Preservação Permanente (APPs) podem ser utilizadas como
espaços livres de uso público ou de uso comum dos condôminos para implantação de infra-estrutura destinada a esportes,
lazer e atividades educacionais e culturais ao ar livre, desde que:
I – a vegetação seja preservada ou recomposta, de forma a assegurar o cumprimento integral das funções ambientais das
APPs;
II – a utilização da área não gere degradação ambiental;
III – seja observado o limite máximo de 10% (dez por cento) de impermeabilização do solo e 15% (quinze por cento) de
ajardinamento;
IV – haja autorização prévia da autoridade licenciadora.
[...]
Art. 13. Admite-se a intervenção ou supressão em vegetação de APP por utilidade pública, interesse social ou baixo impacto
ambiental, nos casos previstos pelas normas ambientais e por esta Lei.
[...]
Art. 14. As APPs em área urbana devem ser fixadas pelo Plano Diretor ou outra lei municipal, respeitando-se:
I – no curso d’água de até 2 (dois) metros de largura, faixa de 15 (quinze) metros a partir de suas margens;
II – em galeria ou canalização, faixa de 2 (dois) metros a partir de suas faces externas;
III – nos demais casos, as faixas previstas na Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965.
[...]
Art. 88. Os assentamentos informais objeto de regularização fundiária de interesse social promovida pelo Poder Público devem
integrar ZEIS definidas no Plano Diretor ou em outra lei municipal.
[...]
Art. 89. O plano de regularização fundiária de interesse social deve definir parâmetros urbanísticos e ambientais específicos,
e identificar os lotes e as unidades autônomas, bem como as vias de circulação e as áreas destinadas a uso público ou a uso
comum dos condôminos.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 299
§ 2º É vedada a regularização de ocupações específicas que, no plano de regularização fundiária de interesse social, insiram-
se em situações de risco, nos termos dos incisos I, II e III do caput do art. 5º, sem que sejam adotadas as medidas previstas
nos referidos dispositivos.
§ 3º O plano de regularização fundiária de interesse social pode prever intervenção em APP, desde que implique a melhoria
das condições ambientais da área em relação à situação de ocupação irregular anterior.
[...]
Art. 128. Exclusivamente no que se refere aos limites mínimos das APPs ao longo dos corpos de água, ficam convalidadas as
licenças municipais ou estaduais outorgadas a parcelamentos do solo para fins urbanos, até a data de entrada em vigor
desta Lei, com base na faixa de 15 (quinze) metros prevista no inciso II do art. 4º da Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de
1979, desde que efetivadas as medidas mitigadoras e compensatórias eventualmente exigidas pelo órgão ambiental
competente.
Todavia, é sabido que tal projeto de lei poderá receber outra redação durante seu processo de aprovação. Entretanto o
conteúdo supracitado, a título de exemplo, revela a fragilidade dos mecanismos propostos para o enfrentamento da complexa questão
da informalidade urbana (Figura 25 e 26).
300 - Regularização Fundiária Sustentável
Assim, a partir da análise dos institutos jurídicos que regulamentam a matéria, fica explicito a presença deletéria do modelo
neoliberal, onde se constata que o mercado imobiliário está sobre o domínio de uma hegemonia financeira, na qual o Estado exerce o
papel de viabilizar a expansão do capital em detrimento do interesse comum.
302 - Regularização Fundiária Sustentável
Neste sentido, o princípio da primazia social é compreendido pela prevalência do interesse público (interesse comum) sobre o
interesse particular. Amadei (2006, p.34-35) complementa reafirmando que é “a prevalência do interesse público, especialmente no
que toca ao interesse social, sobre o interesse particular está presente na legislação de direito urbanístico, inclusive explicitamente,
nos arts. 1º e 2º da lei nº. 10.257/01”.
Este princípio se ampara no princípio da supremacia do interesse público, o qual coloca em segundo plano o interesse privado.
É a essência de qualquer Estado, de qualquer sociedade juridicamente organizada com fins políticos. O princípio da legalidade é o
específico do Estado de Direito, é justamente aquele que o qualifica e que lhe dá identidade própria.
Conforme preconiza o Estatuto da Cidade, a cidade é de todos, entretanto, os bens ambientais, ora de caráter difuso,
considerado de interesse comum, são degradados em face ao interesse particular. Como enfatiza o julgado do Desembargador Luis
Cezar Medeiros ao esclarecer,
117
LINHARES, Felipe Neves. Licenciamento ambiental em área suscetível a enchentes e inundações: preponderância da lei federal sobre a lei municipal menos
restritiva. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2582, 27 jul. 2010. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/17048>. Acesso em: 10 abr. 2011.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 303
As APPs exercem um papel imprescindível na manutenção dos corpos d’água urbanos, podendo ser consideradas como um
dos bens ambientais presentes em cidades. Deste modo, é dever do Poder Municipal primar pelo ordenamento adequado do uso do
solo urbano de modo a preservar este bem ambiental, e assim, contribuir para promoção de uma cidade sustentável.
Tendo em vista a ocorrência sistemática de procedimentos relacionados aos instrumentos de regularização em processos de
gestão e planejamento urbano, não se pode deixar de considerar o significativo aumento das preocupações relacionadas com a
proteção das áreas naturais no tecido urbano. Para Freitas (2009, p.43) esta “nova variável política no processo de tomada de
decisão sobre o ambiente urbano tem demonstrado uma alta capacidade de re-configurar dinâmicas territoriais urbanas”
considerando sua forte capilaridade nos mais diferentes segmentos da sociedade civil, o que permite compreender que a inserção de
critérios voltados à preservação ambiental possa gerar inúmeros conflitos, como de fato tem ocorrido.
Além destes fatores, Lucas (2009) explica que o conflito das normas ambientais e urbanísticas, ao regular o processo de
produção do espaço, acaba induzindo parcelas da população não atendida pelo mercado formal a se instalar em áreas de proteção
ambiental,
Verificamos que há um deslocamento entre as exigências contidas nas normas urbanística e ambiental e a forma de produção
do espaço urbano. A legislação urbanística, ao adotar padrões idealizados para o uso do solo urbano – visando proteger áreas
mais nobres da cidade – muitas vezes impede a produção habitacional a preços acessíveis para a camada mais pobre. A
legislação ambiental, ao impor restrições significativas ao uso e ocupação do solo nas áreas protegidas, torna as mesmas
áreas desvalorizadas pelo mercado imobiliário formal. E é justamente nesta área que parcela da população não atendida pelo
mercado formal irá se instalar: áreas de mananciais, margens de cursos d’água, encosta e outras áreas de proteção
ambiental (LUCAS, 2009, p.12).
304 - Regularização Fundiária Sustentável
Desse modo, no âmbito da gestão das cidades emerge como questão o conflito entre as demandas por moradias e a urgência
de recuperação das áreas degradadas ambientalmente frágeis (encostas, mangues, corpos d’água) e a garantia do direito à cidade
para os segmentos excluídos. Na realidade, esta dicotomia foi institucionalizada pelo marco regulatório federal, que, para Freitas
(2009, p.43) “de um lado, as políticas urbanas tem privilegiado a questão da distribuição social dos serviços urbanos em detrimento
dos impactos da urbanização sobre o quadro natural”, e por outro lado “a política ambiental tem privilegiado a proteção de
ecossistema de representatividade ecológica”, e de forma lamentável aborda a questão de proteção dos ecossistemas urbanos.
Em linhas gerais, o que se verifica na maioria das cidades brasileiras é que as áreas de fragilidade ambiental que deveriam
ter sido protegidas, preservadas por políticas públicas adequadas, foram ao longo dos anos ocupadas como espaços de moradia em
crescentes processos de invasões, dando origem, desse modo, ao conflito entre o direito à moradia e o direito ao meio ambiente
equilibrado, que em razão de sua natureza jurídica, são constitucionalmente garantidos.
A partir da Constituição de 1988 a questão ambiental foi tratada de forma inovadora, onde a tutela ao meio ambiente,
respaldada nos pressupostos dos tratados internacionais, passou a ser responsabilidade não apenas dos indivíduos e do estado, mas
de toda a sociedade com o compromisso de preservá-los não apenas para as presentes como também para as futuras gerações.
Neste contexto, José Afonso da Silva (2003, p. 69) esclarece que “a declaração de Estocolmo abriu caminho para que as
Constituições supervenientes reconhecessem o meio ambiente equilibrado como um direito fundamental entre os direitos sociais do
homem”, e complementando, o renomado autor chama a atenção para “suas características de direitos a serem realizados e direitos
a não serem perturbados”.
Assim, essa nova abordagem possibilitou a reestruturação da tutela dos valores ambientais, uma vez que nas Constituições
anteriores a questão era regida por meio do instituto da posse e da propriedade – vinculados aos direitos individuais. Com a
Constituição de 1988, a relevante questão é tratada sob a forma de princípio, passando a ter juridicidade – os direitos difusos ou
metaindividuais, ao mesmo tempo em que acontece - de acordo com o art. 3º, inciso II da CF/88 - a consolidação do imperativo ético
e político de garantir o desenvolvimento nacional com a erradicação da pobreza e marginalização por meio da redução das
desigualdades sociais .
Para Rosa (2010, p.2) “tal paradoxo, ainda que aparente, acaba refletindo em última instância no judiciário, o qual ao menos
na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF)” tem em seus pareceres dirimidos “ esse permanente estado de tensão entre
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 305
um e outro direito constitucional na direção de alçar o direito ao meio ambiente à condição de instrumento de realização do bem
comum, inerente à dignidade da pessoa humana”:
A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de
motivações de índole meramente econômica [...]. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional
objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são
inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem estar da população,
além de causar grandes danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este seu aspecto físico ou natural. [...] A
questão do desenvolvimento nacional (CF, art.3º, II) e a necessidade de preservação da integridade do meio ambiente (CF/88,
art.225): [...] O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional,
encontra suporte legitimador em compromissos internacionais. Assumidos pelo Estado Brasileiro e representa fator de
obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse
postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável cuja
observância não comprometa e nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o
direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em
favor das presentes e futuras gerações.118
Neste contexto, fica explícito no parecer do ministro Celso Mello (2006) a importância do princípio do desenvolvimento
sustentável enquanto suporte legitimador para tutela efetiva do meio ambiente, tendo em vista seu conteúdo essencial de um dos
mais relevantes direitos fundamentais, decorrentes de ratificações de tratados internacionais firmadas pelo Estado Brasileiro, o que
permitiu ao país ocupar uma posição de vanguarda em matéria de legislação ambiental.
118
ADI 3.540-MC, Rel. Min. Celso de Mello, j. em 1º-9-05, DJ de 3-2-06. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigoBD.asp?item=16>.
Acesso em: 27 abr. 2009.
306 - Regularização Fundiária Sustentável
Para Rosa (2010, p. 3), tal “circunstância histórica não teria efeito prático acaso não existisse um instrumento jurídico capaz
de garantir essa nova tutela jurídica integral, agora sujeita ao princípio da inafastabilidade da jurisdição”, lembrando que essa
“função já era desempenhada pela ação civil pública, instituída pela lei nº 7.347/85”.
De modo geral, torna-se importante considerar que a tutela do meio ambiente, como já dito anteriormente, é responsabilidade
de toda a sociedade, todavia, atribui-se ao poder público, em suas diferentes esferas de atuação, realizar a tutela constitucional,
administrativa, civil, penal e processual do meio ambiente (SIRVINSKAS, 2002, p.68).
Entretanto, conforme apontamentos realizados por Martins (2006, p.25), vale “lembrar que o quadro de forças presente na
ocasião da aprovação da Constituição, apesar de admitir a inclusão no texto legal de conquistas sociais aportadas pela Emenda
Popular da Reforma Urbana,” em razão dos vários interesses e divergências, “diversos dos seus aspectos mais transformadores
tivessem sua aplicabilidade postergada ou diluída no tempo, ou ainda admitissem mediações capazes de praticamente anular as
conquistas incluídas na Lei.”
Tanto é assim, que um tema central para as cidades como a obrigatoriedade de que a propriedade cumpra sua função social
teve sua aplicação condicionada à existência de Plano Diretor Municipal (para as cidades com mais de vinte mil habitantes) e
de Lei Nacional regulamentando a matéria. Como decorrência, a implementação do instituto da ‘Função Social da Propriedade
e da Cidade’ resultou impraticável por treze anos - até a aprovação da Lei Nacional - Estatuto da Cidade (em 2001). Este, por
seu turno, atendendo ao que a Constituição determinava, manteve o condicionamento da aplicação à existência de um Plano
Diretor e a procedimentos ou sanções aplicáveis apenas de modo sucessivo no tempo, o que implica em no mínimo mais sete
a dez anos após a aprovação do Estatuto para que fosse, na pratica, aplicável. Isso significou um retardo de pelo menos vinte
anos para que se essa determinação constitucional seja passível de efetivar-se (MARTINS, 2006, p.25-26).
Tais apontamentos mostram explicitamente a grande dificuldade ainda existente no país em dar efetividade às leis, mesmo
considerando seu poder normativo, sua hierarquia jurídica, sua natureza constitucional, fatos esses que evidenciam a urgência de
criar mecanismos, com poder alta efetividade, aptos para o enfrentamento da questão.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 307
[...] o conceito, presente na legislação brasileira principalmente no Estatuto da Cidade – ao incluir o direito a cidades
sustentáveis como uma das diretrizes da política urbana – tem um caráter ambíguo que permite sua apropriação no discurso
de diferentes grupos sociais. O desenvolvimento sustentável também pode ser considerado como discurso ideológico, ao
ocultar as contradições intrínsecas ao próprio modelo capitalista de desenvolvimento, os conflitos sociais e as disputas pelo
solo urbano. [...] Diante do exposto, face ao grau de informalidade observado nas cidades brasileiras, em especial nas regiões
metropolitanas, considerando que importante parcela dessa irregularidade se concentra em áreas ambientalmente frágeis – o
estudo de soluções que viabilizem tanto a inserção dos assentamentos irregulares na cidade formal quanto o enfrentamento
do passivo ambiental representa uma forma de garantir o direito à cidades sustentáveis. (LUCAS, 2009, p.13)
No âmbito da questão, emerge a grande discussão: como visto anteriormente, diante das situações de ocupações em áreas
de preservação ambiental - muitas localizadas em áreas de risco, o que deve pautar a tomada de decisão, o direito à moradia, em
atendimento ao art.6 da Constituição Federal, ou seja, de permanência daqueles que vivem nessas localidades há anos, ou o direito
de todos ao meio ambiente equilibrado, conforme determinações do art. 225 da Constituição Federal?
Pelo exposto, os dois aspectos acima colocados fazem referência a valores e direitos constitucionalmente garantidos, de forma
que alguns autores, entre eles Fernandes(2006), acredita tratar-se de um falso dilema ou um falso conflito.
Nesse sentido, a elaboração de políticas públicas voltadas para o enfretamento desta problemática deverá ser pautada por
uma visão integrada contemplando a adequada organização do espaço e a tutela ambiental como condições fundamentais para a
garantia da qualidade de vida em áreas urbanas.
308 - Regularização Fundiária Sustentável
A análise da literatura específica, composta por diversos estudos e pesquisas acadêmicas, permite afirmar que foi a partir da
promulgação da Constituição de 1988 que se deu início a um novo desenho institucional voltado para a construção de uma política
pública de regularização fundiária, com o intuito de garantir efetividade ao direito fundamental à moradia digna, sobretudo para
aqueles setores excluídos e segregados, ocupantes das áreas informais da maioria das cidades brasileiras. Diante de tais propósitos,
o texto constitucional de 1988, de maneira inédita, dedicou um capítulo para a política urbana, afirmando a função social da
propriedade, como também após o ano de 2000, por meio da medida provisória nº 26 passou a promover explicitamente o direito à
moradia enquanto direito humano fundamental social. Nesse contexto, torna-se importante ressaltar que a Constituição de 1988
propiciou os meios necessários para que se tornasse possível a construção de um política urbana apta a implementar uma política de
regularização fundiária como espinha dorsal de um desenho institucional programado para assegurar o direito à moradia digna às
famílias de menor ou sem renda. Com essa preocupação, Bentes (2003) salienta que:
[...] em 2000, o déficit habitacional brasileiro foi estimado em 6.656.526 de novas moradias e, na atualidade, a ilegalidade e a
informalidade urbanas se confirmam como um problema central a ser enfrentado no tratamento da questão habitacional.
Nesse sentido, aprofundar e implementar novos instrumentos urbanísticos e fiscais visando à efetivação da função social da
propriedade constitui, hoje, um dos principais desafios na condução da Política Urbana em nosso país (BENTES, 2003 apud
D’OTTAVIANO; QUAGLIA SILVA, 2009, p.206).
Nesse sentido, a aprovação do Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257/2001, passou a se constituir num referencial emblemático
para uma nova concepção de política urbana que se desejava e necessitava ser desenvolvida e includente, ao reconhecer o
gigantesco passivo social-urbano cristalizado nos diferentes cenários de informalidade presentes em diversas cidades do país.
Desse modo, o Estatuto da Cidade, segundo Ermínia Maricato (2010, p.5), “tem méritos que justificam seu prestígio em boa
parte dos países do mundo” tendo em vista que, “as virtudes do EC não se esgotam na qualidade técnica ou jurídica de seu texto”.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 309
Genericamente, pode-se afirmar que sua grande contribuição foi de disponibilizar para as cidades um aparato composto por
instrumentos inovadores de intervenção.
Entretanto, no que se refere às inovações relacionadas aos novos instrumentos de natureza urbanística, estes, conforme
esclarece Carmona (2007, p.01), levaram em consideração a baixa efetividade apresentada pelos “instrumentos tradicionais e de
larga utilização – tais como desapropriação, servidão administrativa e tombamento” uma vez que “são amplamente insuficientes
para resolução dos crescentes e complexos problemas urbanos”. Ainda esclarecendo a questão, D’Ottaviano; Quaglia Silva (2009)
argumentam que,
Os dados sobre a precariedade habitacional no Brasil mostram que programas de regularização urbanística e fundiária são
necessários tanto do ponto de vista local quanto do ponto de vista de uma política pública mais geral. Todavia, os
instrumentos disponibilizados até recentemente para combater essa realidade ainda não eram suficientes, pois propiciavam
uma abordagem que não considerava a exata dimensão do problema, na medida em que a propriedade urbana culturalmente
tem suas raízes fundadas no direito individual. Faltavam elementos essenciais para alterar esse enfoque tradicionalmente
dado ao direito da propriedade urbana (D’OTTAVIANO;QUAGLIA SILVA, 2009, p. 207).
Nesse sentido, deve-se reconhecer o tratamento relevante dado aos dispositivos relacionados à questão fundiária no texto
constitucional de 1988, onde a gestão democrática, a participação popular na gestão das cidades e a autonomia conferida aos entes
municipais para o devido ordenamento do solo urbano, se constituem em importantes princípios incorporados na Constituição Federal
de 1988 com o propósito de fundamentar e viabilizar os processos de regularização fundiária. Com esta finalidade, o texto
constitucional trouxe em dois artigos – 182 e 183, diretrizes explicitando a importância da implementação da política de
desenvolvimento urbano, assim como as responsabilidades do ente municipal na elaboração do plano diretor e no atendimento da
função social da propriedade.
Entre os direitos fundamentais inerentes ao ser humano destaca-se o direito à moradia, considerando que esta máxima já foi
consagrada por diversas declarações, cartas e tratados internacionais, os quais o Brasil é consignatário.
310 - Regularização Fundiária Sustentável
Para que fosse possível assegurar a proteção à moradia, a Lei Federal nº 10.257- Estatuto da Cidade, teve como missão
suprema criar novos mecanismos legais com o intuito de viabilizar os processos de regularização fundiária, considerando articulação
dos instrumentos legais disponíveis no ordenamento jurídico brasileiro em âmbito federal, estadual e municipal.
Nesse sentido, Edésio Fernandes (2002, p.15) explica que:
[...] na falta de uma política nacional, desde meados da década de 1980, diversos municípios têm enfrentado o problema do
desenvolvimento urbano informal, sempre com muita dificuldade. Muitos têm sido os argumentos utilizados, de maneira
combinada, para justificar a formulação dos programas de regularização: desde princípios religiosos, éticos e humanitários
até diversas razoes político-sociais, econômicas e ambientais. Mais recentemente, esse discurso se fortaleceu, deixando de
evocar apenas valores e encontrando suporte em um discurso de direitos, já que através do Estatuto da Cidade a ordem
jurídica finalmente reconheceu o direito social dos ocupantes de assentamentos informais à moradia (FERNANDES, 2002,
p.15).
O direito de propriedade é uma garantia constitucional, no entanto, este direito está diretamente vinculado ao interesse social,
ou seja, a propriedade deverá, antes de tudo, cumprir o ordenamento da função social da cidade. A própria Constituição Federal que
trata da Política Urbana, em seu § 2º, do artigo 182, diz que “a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às
exigências fundamentais de ordenação da cidade expressa no plano diretor”.
Procurando dar efetividade aos direitos fundamentais, o Estatuto da Cidade inovou ao dar um novo enfoque à função social da
propriedade, que passou a limitá-lo no interesse da coletividade, incorporando valores sociais e ambientais ao seu uso.
A aprovação do Estatuto da Cidade, em 2001, regulamentando os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, representou um
novo marco regulatório para a política e gestão urbanas brasileiras. Uma das questões mais importantes abordada pelo
Estatuto da Cidade foi a definição dos exatos contornos sobre o que representa o conceito da função social da propriedade. A
função social da propriedade era, até então apenas uma idéia já prevista em varias das Constituições Brasileiras e reforçada
na Carta de 1988, que merecia regulamentação para se tornar um conceito mais explícito e de fácil aplicabilidade, o que
somente aconteceu com o Estatuto. A sua conceituação tem proporcionado novas possibilidades de atuação técnica,
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 311
sobretudo no que diz respeito às questões relacionadas ao acesso à moradia digna como um dos pré-requisitos do direito à
cidade (D’OTTAVIANO; QUAGLIA SILVA, 2009, p.207).
Para Edésio Fernandes (2006, p.15-16) o Estatuto da Cidade teve como propósito essencial a promoção de uma mudança
estrutural do planejamento urbano brasileiro, “que passa a ser não apenas o planejamento regulatório tradicional, mas também
indutor de processos territoriais urbanísticos que tenham impacto direto na dinâmica dos preços do mercado imobiliário.” De modo
geral, a grande questão que entra em evidência desde sua edição, diz respeito à viabilização de novos instrumentos de política
urbana voltados a assegurar a efetividade da função social da propriedade e consequentemente, o direito à cidade. No âmbito dessa
problemática, o conceito de instrumentos adotados contempla a incorporação de procedimentos jurídicos que visam alcançar essa
importante finalidade, ou seja, garantir condições de efetividade para que os processos de regularização possam acontecer. Desse
modo, os instrumentos de regularização fundiária são procedimentos jurídicos, administrativos e políticos, onde o Estado, em suas
diferentes esferas de atuação, deve fazer uso, com o intuito de enfrentar a complexa questão das irregularidades fundiárias e
principalmente possibilitar a essa população a segurança jurídica da posse. Cumpre ainda informar que, para que seja possível se
valer desses recursos, o município deverá regulamentá-los por meio de leis específicas visando atender as especificidades de cada
local.
Para Scheid (2008, p.153) “as medidas contempladas pelo Estatuto da Cidade são exemplificativas, podendo ser
complementadas pela atuação dos estados, DF e municípios, em face da competência atribuída a cada um desses entes no tocante à
ordem urbanística119 e da predominância do interesse local.” Desse modo, entende-se que para garantir a efetivação dos processos
119
A ordem urbanística deve ser balizada pelo Princípio decorre da viabilidade. Segundo Amadei (2006) este princípio é um instrumento balizador do interesse
comum, com o intuito de evitar possíveis desacertos da vontade política. “[...] sem real viabilidade, nenhuma operação urbanística pode ser levada a cabo; logo,
em sede de intervenções urbanísticas, o norte não deve ser a utopia nem a mera vontade política despida da racionalidade, mas sim a efetividade e, por isso,
ainda que conveniente ou necessária a operação urbanística, se ausente os meios adequados de sua implantação, antes é preciso abrir os caminhos de sua
viabilidade” (AMADEI, 2006, p.33). Este princípio deve nortear a gestão pública, tendo em vista a busca de efetivação do direito à cidade, onde seja possível a
justa distribuição de benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização. Nos dias atuais, não se pode aceitar mais, que o recursos públicos sejam
empregados em obras alheias ao interesse comum, ou ainda, em projetos urbanísticos desvinculados das reais demandas sociais. Pois muitas vezes, de forma
equivocada, em razão de compromissos políticos, os recursos públicos são direcionados para grandes investimentos, aplicados por exemplo, em obras de mega
312 - Regularização Fundiária Sustentável
de regularização foram criados tanto instrumentos viabilizadores, como instrumentos de regularização fundiária propriamente ditos,
que deverão ser combinados em função da avaliação e dos diagnósticos de cada localidade, devidamente inseridos na formatação
das políticas públicas habitacionais decorrentes da política de desenvolvimento urbano.
O quadro acima (Quadro 05) apresentado mostra a diversidade de instrumentos em razão do domínio fundiário. Entretanto, a
grande diversidade de situações envolvendo a questão fundiária do imóvel e do próprio assentamento é o que vem justificar o caráter
específico de cada instrumento, com a finalidade de assegurar de forma mais eficiente o atendimento da função social da
propriedade urbana e o interesse público. Nesse contexto, é importante mencionar que a nova ordem constitucional de 1988 inovou
ao determinar a aplicação do imposto progressivo no tempo e de sanções a serem devidamente aplicadas a proprietários de imóveis
eventos, os quais proporcionam mais benefícios aos poderosos grupos econômicos, do que a própria população que permanece desassistida, de forma que a
realidade caótica das cidades continue sendo negligenciada.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 313
subutilizados, não utilizados ou não edificados por meio de instrumentos específicos, tais como a desapropriação e a edificação e
parcelamento compulsório, criados com a finalidade exclusiva de enfrentamento dos processos informais, assim como no necessário
combate à poderosa especulação imobiliária.
Com este propósito, o Estatuto da Cidade conseguiu reunir os instrumentos essenciais destinados especificamente à
viabilização dos processos de regularização fundiária e de outros instrumentos que podem ser aplicados de forma complementar.
Essa questão é enfocada na primeira diretriz do 1º artigo - ao definir como meta fundamental a regulação da propriedade
urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental. No capitulo II, onde
são definidos os instrumentos da política urbana, o Estatuto da Cidade define também, como um dos institutos jurídicos e políticos, a
regularização fundiária e a urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda, por meio da diretriz XIV, ao estabelecer:
[...] XIV - regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento
de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da
população e as normas ambientais. (BRASIL, ESTATUTO DA CIDADE, 2001)
Nessa dinâmica, o plano diretor poderá contemplar ações integradas e estratégicas, como por exemplo a regularização
fundiária120, através da Usucapião Urbana, Concessão de Direito Real de Uso, Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia e as
Zona Especial de Interesse Social. Entretanto, em função do enfoque dessa pesquisa, será abordado de maneira genérica o conteúdo
de cada instrumento, apenas à título de complementação, assim os instrumentos aqui discutidos foram organizados em função de
sua composição original dada no Estatuto da Cidade ao tratar da regularização fundiária, ou seja, estão divididos em instrumentos
120
“O termo ‘regularização’ tem sido usado pelas diversas municipalidades com sentidos diferentes, referindo-se em muitos casos somente à urbanização das
áreas informais, isto é, aos programas de implementação de obras de infra-estrutura urbana e prestação de serviços públicos. Em outros casos, o termo tem
sido usado para se referir tão-somente às políticas de legalização fundiária das áreas e dos lotes ocupados informalmente. Algumas experiências mais
compreensivas têm tentado combinar, em alguma medida, essas duas dimensões fundamentais, quais sejam, urbanização e legalização. São ainda mais raros
os programas que têm se proposto a promover a regularização das construções informais.” (FERNANDES, 2006, p.19).
314 - Regularização Fundiária Sustentável
viabilizadores e instrumentos propriamente ditos, aqueles que tratam diretamente das questões relacionadas à informalidade
urbana.
Entende-se por instrumentos que tem por finalidade precípua a viabilização dos processos de regularização fundiária, aqueles
que segundo Scheid (2008, p.154) “atuam tanto no sentido de disponibilizar áreas que serão objeto de regularização fundiária, assim
como recursos, no intuito de facilitar o acesso à regularização fundiária pela população de baixa renda.” Com esse propósito, foram
inseridos nesse topico:
A desapropriação
Entende-se por desapropriação o modo excepcional, por meio do qual o Poder Público pode adquirir uma propriedade
privada, desde que cumpridos determinados requisitos e condições estabelecidas na Constituição, como também na
legislação infraconstitucional. De acordo com o Estatuto da Cidade, esse instituto poderá ser aplicado em situações de
necessidade, de utilidade pública, e principalmente nos casos de interesse social, o qual consiste em situações em que se
evidencia a função social da propriedade, onde o Poder Público tem o compromisso explícito de neutralizar ou minimizar as
desigualdades existentes nas áreas de informalidade urbana. Contudo, os fudamentos jurídicos para aplicabilidade desse
instituto foi previsto no artigo 5º, inciso XXIV da CF/88, no Decreto-Lei nº 3.365 – de 21 de junho de 1941; na Lei nº 4.132
- de 10 de setembro de 1962; e na Lei no 10.257 – de 10 de julho de 2001.
possibilitando sua permanência nos assentamentos informais consolidados, e ainda tem o mérito de exigir que seja
previsto reservas de áreas livres (nao ocupadas), com o objetivo de disponibilizá-las para a implantação de habitações de
interesse social. Em razão de suas características de uso e ocupação do solo urbano, as ZEIS são classificadas em quatro
categorias: na primeira estão inseridos as áreas públicas ou privadas ocupadas por população de baixa renda, locais
sobre as quais incide o interesse público em implementar os programas de urbanização ou a regularização fundiária; a
segunda categoria faz referência aos loteamentos irregulares, que em virtude de não terem cumprido os preceitos
estabelecidaos pela Lei nº 6.766/79 – que dispõe sobre o parcelamento do solo - obrigará o Poder Público Local a
implementar ações e realizar os investimentos necessários a fim de que se torne possível a regularização desses
loteamentos, garantindo assim, o acesso irrestrito aos benefícios dos equipamentos e serviços públicos de qualidade; a
terceira categoria de ZEIS, refere-se aos terrrenos nao edificados, subutilizados ou não utilizados, que em razão de não
terem atendido sua função social, deverão ser destinados a implementação de habitação de interesse social; e finalmente
na quarta categoria, diz respeito aos espaços ocupados por cortiços, onde via de regra há concentração de moradia
coletiva em situação precária, o que vem justificar a urgência em promover programas habitacionais para a população
ocupante da área afetada. Nesse contexto, cumpri ressaltar que as ZEIS, ao realizar a delimitação de uma determinada
área como de interesse social, tem por finalidade primordial restringir o interesse especulativo do mercado imobiliário, e
tentar coibir novos processos de informalidade.
O parcelamento e a edificação compulsórios, o IPTU progressivo no tempo e a desapropriação para fins de reforma urbana
O conjunto desses institutos foram criados com a finalidade de incidir diretamente sobre as propriedades que não atendem
a função social, estão disciplinados no artigo 182, § 4º , da Constituição de 1988, nos incisos I, II, III, respectivamente.
Enquanto espinha dorsal do direito de propriedade, a função social é explicitamente uma determinação constitucional
principiológica, portanto, tem a missão suprema de efetivar os valores constitucionais fundamentais, mormente aqueles
relacionados à dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, SCHEID (2008, p.157) salienta que, “a função social da
propriedade interfere na substância e na essência do direito de propriedade, que deve se amoldar aos princípios fundantes
da ordem constitucional, notadamente ao da dignidade.” De acordo com o Estatuto das Cidades (2005, p.63) tais
institutos, se aplicados corretamente, podem promover uma Reforma Urbana a partir de uma política fundiária que tenha
316 - Regularização Fundiária Sustentável
por finalidade assegurar o cumprimento da função social da cidade e da propriedade. Com esses propósitos, as áreas
vazias ou sub-utilizadas, inseridas em setores, onde a urbanização e ocupação são estritamente necessárias, em
atendimento aos preceitos já expostos, deverão ser devidamente ocupadas.
Nesse contexto, os referidos instrumentos, segundo Nelson Saule Júnior (2004, p.272), se constituem num meio de
impedir e inibir o processo de especulação imobiliária nas cidades, para que os imóveis ociosos sirvam a coletividade.
Ainda o mesmo autor complementa a importante questão ao discutir a aplicação final de tais institutos com a
desapropriação, pois visando o alcance da função social da propriedade, necessariamente os mesmos estarão imbuídos
em promover a Reforma Urbana, tendo por finalidade primordial garantir os meios necessários para a efetivação de
“transformações na cidade, como a urbanização e a regularização fundiária dos assentamentos urbanos precários,
implantando equipamentos urbanos e comunitários, equipamentos culturais, de lazer”, como ainda, a preocupação em
disponibilizar áreas para a implantação de atividades econômicas, aptas a fomentar a economia local por meio da criação
de novas oportunidades de trabalho e renda. No contexto das cidades, é notório que a existência de terrenos ou glebas
vazias são social e ambientalmente muito prejudiciais, neste aspecto o Estatuto da Cidade (Brasil, 2005, p.63) é taxativo
ao afirmar que “tendo em vista que são atendidos por infra-estrutura urbana, implementada por investimentos públicos”
devem primeiramente atender as demandas da população e não ter a preocupação de garantir a valorização de áreas
particulares, como estímulo ao mercado imobiliário. Daí a importância com a aplicação dos referidos instrumentos, tendo
em vista seus objetivos em promover um aumento da oferta de terrenos e habitações para o atendimento das demandas
existentes, de maneira que impeçam os segmentos da população de menor renda que não conseguem ter acesso à
moradia conceitualmente adequada, sejam condenados a viver nas distantes periferias, sem infraestrutura, muitas vezes
em áreas sujeitas à riscos de toda ordem. Neste contexto, a aplicação desses instrumentos, ao viabilizarem os processos
de urbanização e regularização fundiária de áreas ocupadas irregularmente por população de menor renda, tem o fim
primordial, segundo Nelson Saule Júnior (2004, p.288-289) de promover e garantir o direito à moradia.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 317
Direito de Preempção
Esse instrumento foi instituído com a edição do Estatuto da Cidade. Neste diploma legal, em seu artigo 25, “o direito de
preempção confere ao Poder Público Municipal preferência para aquisição de imóvel urbano objeto de alienação onerosa
entre particulares”, com respaldo na função social da propriedade e na devida responsabilidade do Poder Público
Municipal em fazer cumprir o exercício do direito de propriedade em benefício da coletividade, de acordo com os preceitos
estabelecidos na política de desenvolvimento urbano. Todavia, para o alcance dessa finalidade, a área demarcada para
aplicação desse instituto, terá que ser previamente definida e delimitada por lei municipal, em concordância com o Plano
Diretor. Assim, o que fica explicíto no direito de preempção é a prevalência do interesse coletivo ao disciplinar o direito de
propriedade privada. Nesse sentido, a desconformidade do uso de uma determinada área com a finalidade declarada,
segundo Scheid (2008, p.159) “acarreta a responsabilização do prefeito ou governador distrital por improbidade
administrativa, conforme disposição expressa do Estatuto da Cidade.”
que for construído num terreno acima da área construída proporcional à área deste terreno, é considerado Solo Criado e
essa criação de Solo requer uma compensação pelo ônus gerado na infra-estrutura.”
Desse modo, a concepção deste instrumento permite pressupor que o direito de propriedade engloba o direito de construir,
entretanto é preciso considerar que o direito de construir é limitado pelo coeficiente único ou básico de aproveitamento,
neste aspecto Barros, Carvalho e Montandon (2010, p.107) complementam ao esclarecer que o direito do proprietário de
construir “está restrito ao coeficiente único ou básico definido no plano diretor,” tendo em vista que, “qualquer edificação
acima desse coeficiente somente será permitida em áreas pré-definidas e mediante uma contrapartida paga ao Poder
Público.”
Porém, cumpre esclarecer que esse pagamento a ser efetuado pelo beneficiário poderá ocorrer também por meio da
execução de obras públicas, em conformidade com lei municipal específica. Outra questão a ser observada diz respeito
aos recursos oriundos da aplicação desse instituto, pois os mesmos deverão ser aplicados de acordo com as
determinações previstas no Estatuto da Cidade.
realizada pelos proprietários, usuários permanentes e investidores privados. O Estatuto das Cidades elencou um conjunto
de exigências a serem atendidas para o estabelecimento das operações urbanas consorciadas, com o objetivo de
assegurar que os benefícios decorrentes desse processo sejam destinados de maneira equânime entre as parcelas da
população diretamente atingidas, poder público e investidores privados. No âmbito da questão, o Poder Público Municipal,
com o intuito de mediar a participação da iniciativa privada, poderá conceder incentivos por meio desses instrumentos, ao
admitir alterações de índices e parâmetros urbanísticos. Todavia, Barros, Carvalho e Montandon (2010, p.109) solicita
que os municípios tenham a devida cautela ao implementar esse instrumento, uma vez que “a concentração de recursos
públicos e privados numa determinada área pode acabar expulsando seus moradores, em especial as famílias de baixa
renda, em função da valorização imobiliária dos terrenos e imóveis.” Nesse sentido, torna-se importante que os planos
viabilizados por meio do uso desse instrumento necessariamente contemplem a implementação de programas
habitacionais para o atendimento das famílias residentes, assegurando seu direito de permanência no local de
intervenção. Outro aspecto a ser considerado, segundo Chaer (2007, p.53), diz respeito a inter-relação desse instrumento
com os processos de regularização fundiária, que à exemplo das ZEIS, admitem atuação conjunta, “sob aspecto da
regularização urbanística e de edificações, além de promover importante envolvimento da sociedade e da iniciativa privada
nos processos”. Desse modo, no que se refere especificamente aos processos de regularização fundiária com o propósito
de assegurar o direito à moradia digna nas áreas de informalidade urbana, os recursos decorrentes desse instrumento
terão que ser destinados ao cumprimento desta finalidade, ou seja, terão que promover melhorias na qualidade de vida por
meio de adequações em moradias ocupadas ou construindo novas unidades para aqueles que ainda não possuem um
local adequado para viver com dignidade.
O consórcio imobiliário
De acordo com o Estatuto das Cidades (art.46, §1º e §2º ), é um instrumento de cooperação a ser estabelecida entre o
poder público e a iniciativa privada com a finalidade de implementar programas de urbanização em setores que
apresentem carência de infraestrutura e serviços urbanos, e ainda registrem a presença de imóveis urbanos subutilizados
e não utilizados. Por meio do Consórcio Imobiliário, o Poder Público pode realizar obras de urbanização (abertura de vias
públicas, pavimentação, iluminação pública, entre outros) e o proprietário da área recebe determinada quantidade de lotes
320 - Regularização Fundiária Sustentável
urbanizados, correspondente ao valor da área anteriormente aos benefícios recebidos. A partir da adequada aplicaçao
deste instrumento, o Poder Público toma posse dos demais lotes e pode comercializá-los com o objetivo de atender parte
da demanda habitacional. Portanto,
[...] considera-se consórcio imobiliário a forma de viabilização de planos de urbanização ou edificação por meio do qual o
proprietário transfere ao Poder Público municipal seu imóvel e, após a realização das obras, recebe, como pagamento,
unidades imobiliárias devidamente urbanizadas ou edificadas (BRASIL. SENADO FEDERAL, 2001, p.125).
Um ponto importante a ser destacado é a necessidade de regulamentação deste instrumento pelo município através da lei
do Plano Diretor, pois trata-se da lei municipal adequada para dispor sobre os objetivos, diretrizes e critérios para
utilização do instrumento.
O objetivo do consórcio imobiliário ser regulamentado no Município pelo Plano Diretor é de viabilizar uma utilização do imóvel
que atenda os objetivos da política urbana e atenda o princípio da função social da propriedade (BRASIL. SENADO FEDERAL,
2001, p.126).
desprovida de recursos, como no caso da ação judicial sobre o Usucapião Urbano para o reconhecimento do direito à
moradia.
De acordo com o artigo 12 § 2º do Estatuto da Cidade, cabe ao Poder Público assegurar assistência jurídica gratuita à
população de menor renda para a promoção das ações de Usucapião Urbano. Com base nesta legislação, “o autor da ação
de usucapião tem o direito ao benefício da justiça gratuita, inclusive perante o cartório de registro de imóveis.” (BRASIL.
SENADO FEDERAL, 2001, p.171).
Visando alcançar o objetivo da urbanização e regularização fundiária das áreas ocupadas pela população de baixa renda, o
Poder Público municipal deve ainda prestar serviço de assistência técnica para verificar a situação das áreas a serem
regularizadas (levantamento topográfico, elaboração de planta, memorial descritivo, entre outros).
O conceito de instrumentos de regularização fundiária propriamente ditos, adotado no Estatuto da Cidade (2001, p.165) são
aqueles que tem por finalidade viabilizar a regularização de uma área específica, por meio do uso adequado e conveniente dos
seguintes institutos: concessão de direito real de uso, a concessão de uso especial para fins de moradia, a usucapião especial de
imóvel urbano, e o direito de superfície. Tais instrumentos, além de garantirem o atendimento da função social da propriedade por
meio da implementação dos programas de regularização fundiária, têm a missão primordial de assegurar o direito à moradia para os
segmentos de baixa renda da população que habitam os assentamentos informais.
Diante da realidade de milhões de famílias brasileiras que vivem em favelas, cortiços, conjuntos habitacionais invadidos e
loteamentos irregulares, a Usucapião Urbano exerce a função de instrumento de regularização fundiária assegurando o
direito à moradia aos segmentos sociais de menor renda e garantindo o cumprimento da função social da propriedade por
meio da promoção de uma política de regularização fundiária.
A Usucapião Especial apresenta-se em duas modalidades: a individual e a coletiva. Na usucapião individual o título de
domínio é conferido ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
De acordo com o artigo 183, esse direito é assegurado para aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e
cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua
família, que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural (BRASIL. SENADO FEDERAL, 2001, p.165).
Já o artigo 10 do Estatuto da Cidade possibilitou a usucapião coletiva de áreas acima de 250m², ocupadas por população
de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, desde que os possuidores não sejam
proprietários de outro imóvel urbano ou rural.
As formas de Concessão de Uso acima mencionadas devem ser concedidas gratuitamente e é importante salientar a
possibilidade de transmissão por herança ou por ato inter vivos. De acordo com o artigo 4º da Medida Provisória
2.220/2001, quando se tratar de imóvel em área de risco, o Ente Público terá que garantir o direito à moradia em outro
local.
A Concessão Especial de Uso para fins de Moradia está atrelada ao princípio da função social da propriedade e foi criada
com o objetivo de atender às necessidades da população de menor renda, em relação à gestão democrática do imóvel
público urbano.
O Direito de Superfície
É o instrumento que possibilita ao proprietário conceder a outrem, por tempo determinado ou indeterminado, o direito de
utilizar a superfície de seu imóvel na forma pactuada no respectivo contrato, mediante escritura pública registrada no
Cartório de Registro de Imóveis. Assim como o solo e o subsolo, o espaço aéreo pode ter seu uso concedido a outrem.
Na hipótese da área urbana ser de propriedade do Poder Público, este instrumento pode ser utilizado para fins de
regularização fundiária com o objetivo de conceder à população beneficiária o direito de superfície para fins de moradia.
Caso a área urbana ocupada seja particular, o proprietário poderá conceder o Direito de Superfície ao Poder Público para
que este possa promover a urbanização e regularização. Entretanto, deve ficar estipulado em contrato que, após a
urbanização, o Poder Público deverá conceder o direito de superfície à população da área ocupada.
Todavia, em razão da autonomia municipal prevista no artigo 30º da Constituição Federal, fica facultado a inclusão destes
instrumentos de regularização fundiária no Plano Diretor.
3.7 Dilemas e Paradigmas para Viabilização de uma Política de Regularização Fundiária Sustentável
A questão fundiária das áreas urbanas no Brasil, intensamente assinalada por um padrão austero definido com a edição em
1850 da Lei de Terras, se constituiu no primeiro grande marco na estruturação do arcabouço jurídico moderno da terra no país. Com a
aprovação desta lei, houve uma limitação drástica das possibilidades de acesso a terra por meio do trabalho, ou seja, da posse, ao
estabelecer como procedimento único de acesso à esse bem - a sua compra, e não mais seu uso. Neste contexto, a atual proporção
das questões fundiárias urbanas no país é assustadora. Para BALBIM (2010, p.295) essa problemática “resulta de um passivo
construído ao longo dos séculos de uma visão patrimonialista ligada à terra, visão essa edificada pelas elites dominantes do país por
meio, entre outros, do poder do Estado na definição de normas”. Entretanto, há que se considerar que a partir da segunda metade do
século XX, em virtude da necessidade de ampliar as áreas periféricas, principalmente nas grandes cidades, assim como o crescente
negócio de terras no país e as acentuadas diferenças existentes entre as cidades, notadamente em relação a sua capacidade
institucional, houve uma pressão acirrada por oferta de terras, sobretudo rurais, o que veio a obrigar o poder público a editar normas
específicas relativas ao parcelamento do solo. Como resposta governamental a tais demandas, o estado editou em 1979, a Lei
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 325
Federal de Parcelamento do Solo nº 6.766, com a definição de um regulamento exclusivo destinado ao disciplinamento do uso e
ocupação nas cidades.
Entretanto, esta lei, apesar de sua reconhecida importância no estabelecimento de padrões mínimos de parcelamento do solo
urbano a serem obedecidos em todo o território nacional, foi também responsabilizada, entre outros fatores, pela grande
irregularidade fundiária urbana, uma vez que trouxe alguns dispositivos, dentre os quais pode ser mencionado o seu artigo 4º, §1, o
qual ocasionou uma forte rejeição nos segmentos empresariais vinculado ao ramo imobiliário. Em conformidade com o conteúdo
apresentado neste parágrafo, determinou-se que 35% da área total a ser parcelada deveria ser destinada ao poder público para a
implantação de áreas de uso público, sistema viário, como também a instalação de equipamento urbano e comunitário, com exceção
aos loteamentos industriais. Não compreendendo a importância desses espaços na dinâmica das cidades e supondo excessivo esse
percentual, um número considerável de loteamentos deixou de atender a referida norma federal. Porém, diante do imenso muro de
lamentações erguido pelos loteadores, este não foi o único dispositivo a gerar insatisfação, o artigo 3º, foi certamente o mais crítico
em razão das implicações de seu não cumprimento, uma vez que procurou estabelecer, dentre outros requisitos urbanísticos, a
vedação ao parcelamento do solo em áreas de intensa declividade, como encostas, topo de morros, além de áreas de mananciais, ou
seja, áreas ambientalmente protegidas, não sendo possível desse modo sua aprovação pelos órgãos licenciadores vinculados ao
poder público. Somaram-se a essas insatisfações, o complexo e moroso processo de aprovação desses empreendimentos, que
acabam encarecendo o preço final das unidades imobiliárias, já que o ônus imposto pela lei ao empreendedor é certamente
repassado para o adquirente. No âmbito da questão, há ainda a ser considerado, segundo FERRAZ (s/a, p.2) “uma precária,
negligente, leniente ou até mesmo inexistente atuação da administração pública na atividade fiscalizadora, preventiva e punitiva das
condutas ilícitas”, o que contribuiu de modo assustador para a proliferação de parcelamentos irregulares no país.
Infelizmente, foi somente a partir dos últimos anos que se iniciou um lento processo de compreensão de que a irregularidade
fundiária em meio urbano e o conseqüente processo de produção das cidades é lesivo a todos, provocando deseconomias em escala,
com este enfoque, Ferraz (s/a, p.3) salienta que,
326 - Regularização Fundiária Sustentável
Este amplo panorama de irregularidade da propriedade informal somado a falta de uma política educacional consistente nos
últimos trinta anos no país, produz conseqüências de natureza diversas, que afetam a população em geral, na medida em
que, em última análise, constitui um fator obstaculizante do desenvolvimento econômico do Brasil (FERRAZ, s/a, p.3).
Neste contexto, são evidentes os dados e estatísticas apresentados pelos mais diversos órgãos oficiais ao longo das últimas
décadas, ilustrando a gigantesca proporção, assim como a complexa natureza do processo de urbanização ocorrido no Brasil, e que,
segundo vários especialista na matéria, dentre eles Edésio Fernandes (2010), tem sido exaustivamente discutido há décadas na
literatura interdisciplinar.
Na realidade, o estudo desse fenômeno, tem mostrado que o acelerado processo de urbanização brasileiro se constituiu num
dos fatores responsáveis pela profunda crise urbana, assinalada por um misto de segregação socioespacial, alto déficit habitacional,
degradação ambiental121 como também o acentuado acesso informal à terra urbana que vem assolando de modo contundente as
cidades brasileiras.
121
Com relação a degradação ambiental, a legislação prevê o princípio do Poluidor Pagador, visando a responsabilidade pela prevenção ou correção do dano.
Aragão (1997, p.60) explica que o este princípio determina “ que o poluidor deve suportar os custos do desenvolvimento das medidas acima mencionadas
decididas pelas autoridades públicas para assegurar que o ambiente esteja num estado aceitável”. Dessa forma, este princípio deve ser aplicado rigorosamente
a todos que causem prejuízo ao meio ambiente, entendendo que o ambiente urbano deve ser abraçado pela máxima preconizada por este, de forma que todos
aqueles que lesem este espaço sejam obrigados a arcar com as devidas custas de seus atos. Neste sentido, tem-se o entendimento do seguinte julgado:
“Apelação Cível. Ação de Reparação de Danos. Residência destruída por inundações. Aprovação de Loteamento que não atende às exigências mínimas de infra-
estrutura. Responsabilidade Solidária entre o Agente Loteador e o Município. Nexo de Causalidade e Danos Demonstrados. Culpa, embora dispensável, ante a
Responsabilidade Objetiva, também evidenciada. Obrigação em indenizar caracterizada. Recurso Parcialmente Provido, apenas para limitar os Danos
Emergentes. No mais, sentença mantida.” (Apelação Cível n. 2005.035166-5, de São José. Relator Des. Ricardo Roesler). Esta ementa ressalta que nem o Poder
Público Municipal pode ser afastado da obrigação de responder por danos ambientais urbanos, bem como de arcar com os ônus das indenizações decorrentes
dos mesmos.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 327
Este contexto foi melhor explicitado pelos apontamentos de Edésio Fernandes (2010, p.56), ao enfatizar a longa tradição de
centralização política, jurídica e financeira presente em boa parte do processo de urbanização, assim como a generalizada ausência
do Estado, como um dos principais fatores que determinaram a natureza excludente desse processo.
A despeito da longa tradição de centralização política, jurídica e financeira durante a maior parte do processo de urbanização,
antes da criação do Ministério das Cidades, a falta de respostas governamentais adequadas da esfera federal - incluindo a
natureza elitista e tecnocrática da limitada intervenção governamental então existente - foi um dos principais fatores que
determinaram a natureza excludente do processo de desenvolvimento fundiário e urbano do País. Isso foi agravado ainda mais
pelas condições de exclusão política que resultaram do sistema jurídico em vigor até a promulgação da Constituição Federal
de 1988, o qual não apenas comprometeu as competências jurídicas-políticas dos governos municipais e estaduais, como
também afetou a qualidade política do sistema de representação democrática em todos os níveis governamentais
(FERNANDES, 2010, p. 56).
Na realidade, o início do processo de urbanização do país somente ocorreu a partir da década de 1930, com seu apogeu por
volta da década de 1970, lembrando que, simultaneamente a esse processo, o ordenamento jurídico do país evoluiu
consideravelmente por meio da elaboração de sucessivas cartas constitucionais, ou seja, várias Constituições foram outorgadas, a de
1934, 1937, 1946, 1967 e a Emenda nº1 de 1969. Neste sentido, é importante ressaltar que antes de vigorar a carta constitucional
de 1988, a questão do desenvolvimento urbano sempre foi relegada sem a devida preocupação em definir dispositivos constitucionais
específicos com o propósito de nortear o processo de desenvolvimento urbano e a gestão das cidades. Desse modo, somente com a
introdução de um capítulo dedicado à política urbana, por meio dos artigos 182 e 183 na Constituição de 1988, e que foram criados
os fundamentos jurídicos-políticos com o intuito de nortear as reclamadas e justas transformações que deveriam ser promovidas
pela Reforma Urbana. Para Freitas (2009, p.51) o processo de democratização da gestão urbana - via legislação federal - por meio
da inclusão de um capítulo voltado às questões urbanas e, posteriormente, com a edição do Estatuto da Cidade passou a se
constituir num “ importante marco no sentido de superar o paradigma de planejamento urbano tradicional que por anos tem
328 - Regularização Fundiária Sustentável
alimentado o modelo de urbanização excludente e predatório”. Ainda na mesma discussão, a referida autora (FREITAS, 2009)
esclarece que esse novo paradigma de planejamento definido por estes dispositivos foram denominados de planejamento
democrático ou participativo ao reconhecer que o processo de produção da cidade “é fruto de embates políticos entre diversos
setores da sociedade”, levando-se em consideração que “a cidade não é apenas palco das relações sociais, mas agente capaz de
reproduzir e alimentar situações de desigualdades sociais.” Nesse sentido, a autora complementa ao informar que,
O Estatuto da Cidade pode ser descrito como um verdadeiro projeto de redistribuição social do território urbano. Ele oferece
basicamente duas novas estratégias para lidar com as questões das desigualdades sócio-ambientais urbanas. A
regularização fundiária dos assentamentos informais e a interrupção do ciclo vicioso de produção da informalidade urbana. A
implementação destas duas estratégias seria garantida por meio do controle social dos processos de elaboração das políticas
urbanas. Assim, a participação popular é o meio para se atingir o objetivo fim que é o combate ao modelo de urbanização
excludente e predatório (FREITAS, 2009, p.52).
Por sua vez, estes apontamentos são também reafirmados por Balbim (2010, p.298) ao considerar que “o início dos anos
2000, revela o processo de constituição de um novo marco para a regularização fundiária no Brasil que tem o interesse social, a
gestão compartilhada e o apoio ao desenvolvimento local e aos programas e políticas públicas”, claramente expressos enquanto
princípios de ação governamental.
Neste contexto, o modelo proposto para implementação dos processos de regularização fundiária, além de adotar uma postura
claramente contrária às políticas de remoção, teria por mérito se constituir numa alternativa de correção do passivo socioambiental
decorrente das parcas políticas territoriais elitistas, que ignoraram a condição socioeconômica de um elevado percentual da
população residente em áreas urbanizadas do país.
Dessa forma, tal proposta, no que se refere à questão da redistribuição do espaço urbano, só encontraria possibilidades de
êxito mediante à implementação de mecanismos que possibilitassem o aumento significativo da oferta de terras acessíveis e
adequadas aos extratos de menor renda. Assim, para viabilizar o aumento da oferta de terrenos acessíveis à essa população, que por
anos têm sido esquecida e ignorada, os novos programas de políticas urbanas teriam que, sobretudo, segundo Freitas (2009, p.52)
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 329
“combater a retenção especulativa de terrenos urbanos infra-estruturados, os chamados vazios urbanos, e reduzir as restrições
estabelecidas por zoneamentos excludentes.” Apesar desses programas serem ainda bastante recentes, em função da importância e
complexidades dessa questão, já há diversos estudos acadêmicos e pesquisas de órgãos governamentais relacionados à essa
problemática, onde pode ser verificado que têm sido realizado um esforço no sentido de procurar implementar essas estratégias,
tendo em vista que as mesmas se constituem na principal alternativa de ofertar solo urbanizado para a população de menor renda.
Esses fatos são confirmados nos apontamentos de Freitas (2009, p.53) ao salientar que,
As estratégias de regularização fundiária têm sido muito utilizadas. Esta se tornou a principal maneira de ofertar
lotes para a baixa renda, visto que o país atravessou uma fase de retração de oferta de habitação para baixa renda.
No entanto, as medidas que sugeriam a interrupção do ciclo vicioso da pobreza e degradação ambiental – como
maior oferta de moradia para a baixa renda, e o rebaixamento de preço da terra urbanizada através da captura da
mais valia fundiária ou do combate aos vazios urbanos – tem enfrentado dificuldades de viabilização (FREITAS,
2009, p. 53).
No âmbito da questão, pode-se afirmar que muitas são as causas que têm dificultado a efetivação desta proposta de
redistribuição socioespacial contemplada no Estatuto da Cidade.
Neste contexto, para alguns autores vêm à tona as situações em que as limitações ambientais dificultam o uso de padrões
urbanísticos includentes, que tenha por objetivo combater o modelo de produção de exclusão social e degradação ambiental,
notadamente em áreas faveladas.
Um dos maiores dilemas das cidades médias e grandes é a implementação de políticas públicas, em especial habitacionais,
que efetivem a gestão adequada em áreas ocupadas por assentamentos precários, tais como as favelas. Desse modo, tendo em
vista a complexidade da questão, torna-se importante considerar os seguintes fatores:
Fator físico do meio caracterizado pela morfologia e organização espacial desses assentamentos;
330 - Regularização Fundiária Sustentável
Fator político que é delimitado pela intervenção do capital incorporador, oriundo das classes dominantes, os quais
sempre foram os condutores do desenvolvimento urbano e lucraram com o modelo de urbanização;
Fator cultural impregnado no consenso comum de que os problemas urbanos têm sua origem na precariedade do
planejamento urbano, afastando assim, a atenção social das manobras políticas que boicotam qualquer tentativa de
ordenamento do solo urbano para combater a especulação imobiliária;
Fator econômico que limitam as intervenções urbanísticas nessas áreas;
Fator técnico decorrente da escassez de profissionais especializados em matéria urbanística nos órgão públicos, e;
Fatores sociopolíticos que se fazem presentes nos assentamentos humanos, impostos pelas presenças de facções
criminosas que dominam o tráfico de drogas que inibem as intervenções do Estado.
Em meio a tais apontamentos, após a aprovação do Estatuto da Cidade, o Estado 122 tem adotado em seu discurso a
necessidade imperativa de implementação de programas de regularização fundiária urbana, inclusive em áreas faveladas, como
ação primordial da Política Urbana visando assegurar o direito à moradia.
Contudo, é preciso considerar que nas últimas três décadas a implementação desses processos não conseguiu acompanhar a
velocidade de expansão e adensamento dos assentamentos informais, assim como o desenho institucional que nortearam a
implantação dos programas habitacionais até então, o que certamente envergonha tanto os urbanistas como os operadores de direito,
com exemplos a citar, tem-se os mais recentes conjuntos habitacionais que em quase nada se diferencia dos antigos conjuntos
implantados pelo BNH, os quais se amontoam em diversas periferias urbanas desse Brasil de meu Deus, conforme ilustrado nas
Figuras 27, 28 e 29.
122
Carlos Ari Sundfeld (2002, s/p) esclarece que a “exigência de um ordenamento que conduza à regularização fundiária e urbanística das ocupações populares
existentes introduz um condicionante novo e transformador em nosso direito urbanístico. Até então a incompatibilidade entre as ocupações populares e a ordem
urbanística ideal tinha como conseqüência a ilegalidade daquelas (sendo a superação desse estado um dever dos responsáveis pela irregularidade – isto é, dos
próprios ocupantes). Com o estatuto a equação se inverte: a legislação deve servir não para impor um ideal idílico de urbanismo, mas para construir um
urbanismo a partir de dados da vida real. Desse modo, o descompasso entre a situação efetiva das ocupações populares e a regulação urbanística terá como
conseqüência a ilegalidade dessa última, e não o contrário”.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 331
Figura 27: Cenário do Conjunto habitacional e cidade de Tiradentes – Zona Leste – 1970
Figura 28: Cenário do Conjunto habitacional e cidade de Tiradentes – Zona Leste – 1970
A partir desse contexto, a regularização fundiária torna-se uma questão fundamental tanto no desenvolvimento como para a
efetivação da política urbana nacional. Foi com esse propósito, com base no Estatuto da Cidade, que foi formatado o Programa Minha
Casa Minha Vida (PMMV) regulamentando por meio da lei federal nº 11.977/2009, a regularização fundiária sustentável, com o
intuito de assegurar acesso à moradia digna e à cidade formal para os grupos sociais de menor renda.
Certamente, a aprovação desses dois novos diplomas jurídicos contribuiu de maneira significativa para o fortalecimento do
desafio de enfrentamento dos processos de informalidade urbana. Porém, torna-se importante ressaltar que os programas de
regularização fundiária, enquanto instrumento fundamental da política de desenvolvimento urbano estruturada com a preocupação de
criar meios para o alcance do direito à moradia digna é segundo Scheid (2008, p.216) “uma política de execução constante, com
caráter curativo e preventivo, a fim de que seja estabelecido um ciclo virtuoso”, onde tendo em vista que esses programas, enquanto
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 333
uma das diretrizes da política de desenvolvimento urbano foi estruturado para incidir diretamente no gigantesco passivo
socioambiental verificado nas cidades brasileiras, assim como oferecer mecanismos que possibilitem o aumento de solo urbanizado
aos grupos sociais de baixa renda. Tais proposituras são imperativas, não apenas para a definição de uma ordem urbanística que se
deseja inclusiva, como também condição sine qua non de combate aos processos cíclicos de informalidade urbana.
Para SCHEID (2008, p.216) “a regularização fundiária como política pública de inclusão social cumpre, assim, um papel
fundamental no planejamento e na política de desenvolvimento urbano”. Neste contexto, a definição de uma política de
desenvolvimento urbano com o imperativo de alcançar o pleno desenvolvimento das funções sócio-ambientais da cidade,
assegurando o bem-estar de seus habitantes, evidencia sua preocupação primordial ao inserir o ser humano no centro das questões.
Nesta discussão torna-se relevante considerar que não se trata apenas de prover moradia. É imprescindível que o novo
desenho de políticas públicas de desenvolvimento urbano incorpore de modo imperativo a definição de ações visando o alcance do
pleno direito à qualidade de vida, não se limitando ou satisfazendo em oferecer de modo vexatório a possibilidade de sobrevivência
àqueles que ao longo de décadas sequer conseguiram um local para morar. Com esta preocupação, Rogério Gesta Leal (2003, p.164)
esclarece que um dos componentes do desenvolvimento urbano é o princípio do desenvolvimento sustentável,
[...] um dos componentes do desenvolvimento urbano é o princípio do desenvolvimento sustentável, por meio do
qual as pessoas humanas se tornam centro das preocupações, devendo as ações públicas serem norteadas pela
noção do pleno direito à qualidade de vida, e não somente pelo direito de sobrevivência. Assim, o desenvolvimento
na cidade somente poderá ser considerado sustentável se estiver voltado para a eliminação da pobreza e redução
das desigualdades sociais, devendo para tanto, adotarem-se políticas que priorizem os segmentos pobres da
população. Do contrario, estará ela em pleno conflito com as normas constitucionais, com o sistema internacional
de proteção dos direitos humanos e com o princípio internacional do desenvolvimento sustentável (LEAL, 2003,
p.164).
334 - Regularização Fundiária Sustentável
Diante do exposto, no que tange especificamente aos compromissos assumidos pelo Estado Brasileiro para efetivação do
direito à moradia, Nelson Saule (1997) salienta o caráter fundamental da Federação (União, Estados e Municípios) na definição dos
deveres e obrigações para garantir os direitos fundamentais da pessoa humana por meio das políticas públicas.
Em nosso país, até inicio da década de 80, as políticas públicas formuladas para o enfrentamento dos assentamentos
informais propunham a erradicação como solução. Desta tendência, partiu-se para um contexto totalmente oposto, onde as soluções
propostas conduziram à manutenção da informalidade, mesmo considerando as inadequações sociais e ambientais de cada
localidade.
Frente à complexidade da questão e à emergência de soluções para seu enfrentamento, a experiência brasileira recentemente
tem-se preocupado em buscar um ponto de equilíbrio através de programas capazes de verificar a possibilidade de permanência da
população no local de origem do assentamento, através de intervenções urbanísticas com vistas à melhoria da qualidade de vida.
Neste contexto, as políticas públicas de urbanização de assentamentos informais devem adotar uma formatação integrada,
combinada com outras políticas públicas, de forma que seja capaz de romper o ciclo da exclusão e das gritantes desigualdades
responsáveis pelo aumento da informalidade.
Em meio a tais considerações, o estudo das políticas de intervenção urbanística, como meta primordial para realização de
inclusão socioespacial, especificamente as que fazem referência aos processos de regularização fundiária, para alguns autores,
tornam-se relevantes tendo em vista sua capacidade de implementação de melhorias não apenas no âmbito da prestação dos
serviços urbanos públicos, mas principalmente contribuindo para a melhoria das relações sócio-culturais da população residente,
além de possibilitar o resgate de identidade, da idéia de pertencimento a uma localidade, a um bairro, a uma cidade. Numa visão
ampliada, significa possibilitar ao morador de um determinado assentamento tornar-se plenamente “cidadão”.
A partir destas preocupações, tem ocorrido uma progressiva incorporação de componentes na formatação das políticas
públicas que, para muitos, vêm se mostrando como estratégias bem sucedidas, possibilitando uma série de arranjos e combinações
capazes de responder as demandas e especificidades de cada local (Figura 30).
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 335
Antes e depois
No entanto, não é necessário ser um renomado especialista na questão urbana para verificar que os programas já
implementados não produziram os resultados esperados, uma vez que as políticas públicas habitacionais em suas diversas
modalidades voltadas para a população de menor renda, excluídas do rol de direitos, não tem sido capazes de promover em boa
parte dos casos, a tão almejada integração urbana e social, e nem mesmo livrar seus moradores do estigma de continuarem sendo
vistos como “favelados”.
Desse modo, em função dos graves problemas urbano-ambientais vivenciados em cidades, embora presentes desde o século
XIX, só se transformaram em políticas públicas e num ramo do direito, em pleno século XX, como processo decorrente da
regulamentação dos dispositivos constitucionais da política urbana e a conseqüente aprovação do Estatuto da Cidade (Lei Federal
10.257, de 10/01/2001) viabilizando uma progressiva atenção à questão da sustentabilidade urbana claramente identificada no
Inciso I, do artigo II, desta lei, como garantia do direito às cidades sustentáveis - compreendido como direito a terra urbana, a
336 - Regularização Fundiária Sustentável
moradia, ao saneamento ambiental, a infraestrutura urbana, ao transporte, aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as
presentes e futuras gerações – fim claro da suprema essência do Estado de Direito Ambiental.
Em meio a tais considerações, compreende-se a necessária obrigatoriedade de implementação de uma política de
desenvolvimento urbano, visando a promoção ao pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem estar de
seus habitantes, pautada primordialmente para a realização da dignidade da pessoa humana como valor supremo da ordem jurídica
democrática.
Desse modo, a análise empreendida nesta pesquisa teve como foco a questão dos processos informais de
assentamentos humanos estabelecidos em APPs urbanas, por grupos sociais de menor renda ou sem renda, tendo como
preocupação fundamental elucidar, durante todo o desenrolar da pesquisa, a complexa questão da informalidade, com a preocupação
de trazer para o contexto do trabalho a verdadeira proporção dos impactos ambientais, da precariedade urbana e da vulnerabilidade,
que tem, ao longo de décadas, afligido um universo crescente de vidas humanas, e que para Telles (2009, p.11) “se estruturam nos
limites da pobreza, entre as circunstâncias do desemprego, do trabalho precário e de garantias sociais”. Assim, em meio a uma série
de questionamentos de ordem jurídica, urbanística e ambiental relativos à problemática proposta, o destaque desta pesquisa se deve
a uma leitura diferenciada das normativas jurídicas e urbanísticas, por meio da flexibilização de alguns de seus mecanismos,
realizada com o propósito de orientar e regulamentar o universo referente à implementação dos programas de regularização fundiária
em áreas de fragilidade ambiental.
A partir desse contexto, a leitura dos resultados analíticos desenvolvidos por meio de uma abordagem interdisciplinar,
privilegiando um diálogo entre as ciências jurídicas e o planejamento urbano, permitiu realizar algumas considerações que podem ser
entendidas como possíveis respostas aos questionamentos iniciais elencados nesta dissertação, tais como: Porque as cidades são
cenários de tantas desigualdades e exclusões, se antes, são reguladas por um único sistema jurídico, que deveria necessariamente
materializar os direitos fundamentais enquanto espaço de democracia e de justiça social?
Para aqueles que transitam pela área jurídica, pelos movimentos sociais em suas mais diversas categorias, a pergunta
pertinente, talvez fossem outras, como estas, por exemplo: Porque o Estado não tem conseguido garantir o Direito à Cidade para
todos? O conceito de Direito à Cidade albergado na constituição tem o mesmo conteúdo em todos os programas de políticas públicas
oferecidos pelo Estado para o atendimento das gritantes demandas existentes em áreas urbanas?
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 337
Certamente, o processo de busca por respostas a tais questionamentos não é uma tarefa simples, daí a importância da
escolha de um processo metodológico que privilegiasse um diálogo interdisciplinar contemplando áreas do direito urbanístico, do
direito ambiental e notadamente do planejamento urbano. Sendo assim, a pesquisa a partir de uma abordagem conceitual, procurou
demonstrar o descompasso do ordenamento jurídico enquanto normas que objetivam regular e disciplinar o processo de produção
das cidades, e essencialmente, procurou evidenciar os impactos produzidos por meio dos processos de assentamentos informais em
APPs urbanas.
Sem a intenção de exaurir as várias nuances compreendidas no processo de regularização fundiária, este capítulo teve a
preocupação em apresentar o complexo contexto que envolve os programas destinados a efetivar a regularização fundiária
especificamente, aquelas verificadas em APPs urbanas em cidades no Brasil. Desse modo, procurou desenvolver uma analise a partir
da contextualização dos cenários urbanos, onde foram apresentados os desafios e dilemas enfrentados na aplicação de políticas de
regularização destinadas à assentamentos informais, como também os principais mecanismos jurídicos criados no ordenamento
jurídico brasileiro, sobretudo a partir da Constituição federal de 1988.
Assim, conforme exposição realizadas nesta fase da pesquisa, pode-se depreender que o processo de urbanização das
cidades no país, tanto aqueles relativo às cidades de médio e grande porte, intensificou os processos de diferenciação socioespacial.
Dessa forma, o estudo desse fenômeno, tem mostrado ao longo dos anos, que o acelerado processo de urbanização brasileiro se
constituiu num dos fatores responsáveis pela profunda crise urbana, assinalada por um misto de segregação socioespacial, alto
déficit habitacional, degradação ambiental como também o acentuado acesso informal à terra urbana que vem assolando de modo
contundente as cidades brasileiras. A conseqüência desse tipo de crescimento demográfico, aliada às restrições econômicas
ocorridas nestas últimas décadas, tem se revelado como tendência peculiar da anárquica urbanização brasileira, a qual contribuiu
para a conseqüente queda da qualidade de vida urbana. Este processo está associado à degradação ambiental, que afeta mais
338 - Regularização Fundiária Sustentável
fortemente os extratos sociais de menor renda, ou seja, as populações mais carentes estão assentadas em áreas desprovidas de
infraestrutura e também estão, freqüentemente, em espaços urbanos de alto risco sujeito a enchentes, deslizamentos e processos
erosivos.
Diante destes cenários, a legislação brasileira, tem-se preocupado em criar mecanismos voltados para o desafio de alcançar
a reversão dos mesmos. Na realidade, o contexto apresentado evidencia, que a questão da regularização está apenas começando e
que há um árduo caminho a ser percorrido, tendo em vista o balanço insatisfatório apresentado por esses programas até o momento
no país. A partir desse contexto, a regularização fundiária torna-se uma questão fundamental tanto no desenvolvimento como para a
efetivação da política urbana nacional. Foi com esse propósito, com base no Estatuto da Cidade, que foi formatado o Programa Minha
Casa Minha Vida (PMMV) regulamentando por meio da lei federal nº 11.977/2009, a regularização fundiária sustentável, com o
intuito de assegurar acesso à moradia digna e à cidade formal para os grupos sociais de menor renda - estes foram os pressupostos
que pautaram sua formatação, entretanto sua fase de implementação tenha-se revelado práticas contraditórias e incoerentes com
esse discurso.
Porém, não se pode deixar de considerar a relevância da aprovação desses dois novos diplomas jurídicos para o
fortalecimento dos desafios referentes ao enfrentamento dos processos de informalidade urbana. Assim, torna-se também importante
ressaltar que os programas de regularização fundiária, enquanto instrumento fundamental da política de desenvolvimento urbano, se
constituem antes de tudo, ainda que tardiamente, em alternativas criadas pelo estado, não apenas para a definição de uma ordem
urbanística que se deseja inclusiva, mas como condição sine qua non de combate aos processos cíclicos de informalidade urbana.
Em síntese, os apontamentos realizados evidenciaram que a questão urbana no Brasil permaneceu por muito tempo abandonada a
própria sorte, proporcionando o aumento vertiginoso de demandas nas mais diversas áreas, que inegavelmente se cristalizam em
tipologias disformes e vulneráveis a todo tipo de riscos. Frente aos efeitos decorrentes desse processo, tem-se o despertar do Estado,
que tem procurado agir por meio de políticas publicas, que ate o momento não tem conseguido produzir resultados satisfatórios.
Em face da exposição apresentada, pode-se depreender, que não se trata apenas de prover moradia, é imprescindível que o
novo desenho de políticas públicas de desenvolvimento urbano incorpore de modo imperativo a definição de ações visando o alcance
do pleno direito à qualidade de vida, não se limitando ou satisfazendo em oferecer de modo vexatório a possibilidade de sobrevivência
àqueles que ao longo de décadas sequer conseguiram um local para morar. Assim, é de fundamental importância, que tanto as
políticas publicas voltadas para a questão urbana sejam integradas à projeto de desenvolvimento da nação, concebido em essência
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 339
com coragem de romper padrões e força o suficiente para inaugurar um nova era – a era de um planejamento alicerçado por
mecanismos inovadores não somente com capacidade propositiva mas sobretudo com instrumentos de gestão aptos a realizar a tão
sonhada reforma urbana.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
340 - Regularização Fundiária Sustentável
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 341
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Judiciário não desenha, constrói ou administra cidades, o que não quer dizer que nada possa fazer em seu favor. Nenhum
juiz, por maior que seja seu interesse, conhecimento ou habilidade nas artes do planejamento urbano, da arquitetura e do
paisagismo, reservará para si algo além do que o simples papel de engenheiro do discurso jurídico. E, sabemos, cidades não
se erguem, nem evoluem, à custa de palavras. Mas palavras ditas por juízes podem, sim, estimular a destruição ou legitimar
a conservação, referendar a especulação ou garantir a qualidade urbanístico-ambiental, consolidar erros do passado, repetí-
los no presente, ou viabilizar um futuro sustentável. 123
Certamente, conforme explicitado no início desta dissertação, não se pretendeu esmiuçar ou discutir em âmbito político ou no
campo do conhecimento a concepção técnica ou jurídica dos processos de regularização fundiária por meio de estudos de caso, pois
os mesmos já foram cuidadosamente estudados por diversos autores nos mais diversos contextos e abordagens. Esta sim, além de
buscar dar sentido real para os aspectos tão bem discutidos e disponibilizados em literatura específica, procurou chamar a atenção
para alguns aspectos que tem passado despercebidos ou propositadamente ocultados durante a implementação dos processos de
regularização fundiária, tais como:
a questão dos processos informais de assentamentos humanos estabelecidos em APPs urbanas, por grupos sociais de
menor renda ou sem renda;
a preocupação fundamental em elucidar, durante todo o desenrolar da pesquisa, a complexa questão da informalidade;
a preocupação de trazer para o contexto do trabalho a verdadeira proporção dos impactos ambientais, da precariedade
urbana e da vulnerabilidade, que tem, ao longo de décadas, afligido um universo crescente de vidas humanas;
123
Supremo Tribunal de Justiça - Recurso Especial Nº 302.906 - SP (2001/0014094-7), Documento: 740334 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe:
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342 - Regularização Fundiária Sustentável
em meio a uma série de questionamentos de ordem jurídica, urbanística e ambiental relativos à problemática proposta,
o destaque desta pesquisa se deve a uma leitura diferenciada das normativas jurídicas e urbanísticas, por meio da
flexibilização de alguns de seus mecanismos, realizada com o propósito de orientar e regulamentar o universo referente
à implementação dos programas de regularização fundiária em áreas de fragilidade ambiental.
A partir desse contexto, a leitura dos resultados analíticos desenvolvidos por meio de uma abordagem interdisciplinar,
privilegiando um diálogo entre as ciências jurídicas e o planejamento urbano, permitiu realizar algumas considerações que podem ser
entendidas como possíveis respostas aos questionamentos iniciais elencados nesta dissertação, tais como:
Porque as cidades são cenários de tantas desigualdades e exclusões, se antes, são reguladas por um único sistema jurídico,
que deveria necessariamente materializar os direitos fundamentais enquanto espaço de democracia e de justiça social?
Para aqueles que transitam pela área jurídica, pelos movimentos sociais em suas mais diversas categorias, a pergunta
pertinente, talvez fossem outras, como estas, por exemplo: Porque o Estado não tem conseguido garantir o Direito à Cidade para
todos? O conceito de Direito à Cidade albergado na constituição tem o mesmo conteúdo em todos os programas de políticas públicas
oferecidos pelo Estado para o atendimento das gritantes demandas existentes em áreas urbanas?
Certamente, o processo de busca por respostas a tais questionamentos não é uma tarefa simples, daí a importância da
escolha de um processo metodológico que privilegiasse um diálogo interdisciplinar contemplando áreas do direito urbanístico, do
direito ambiental e notadamente do planejamento urbano. Sendo assim, a pesquisa a partir de:
uma abordagem conceitual, procurou demonstrar o descompasso do ordenamento jurídico enquanto normas que
objetivam regular e disciplinar o processo de produção das cidades, e essencialmente, procurou evidenciar os impactos
produzidos por meio dos processos de assentamentos informais em APPs urbanas.
em virtude da riqueza e da complexidade da temática abordada, sem abandonar os propósitos iniciais da presente
investigação, houve a necessidade da inserção dos princípios constitucionais que tutelam e buscam garantir a
efetividade do direito à cidade.
priorizou a contextualização da importância do Direito à Cidade, sua interface com os direitos fundamentais, os
instrumentos e mecanismos jurídicos para sua efetivação, neste caso - as políticas públicas;
procurou evidenciar os cenários resultantes do processo de produção das cidades no Brasil, evidenciando os longos
anos de omissão do Estado, assim como seu recente despertar para as questões relacionadas ao desenvolvimento
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 343
urbano, com a retomada das políticas públicas voltadas a equacionar as gigantescas demandas e mazelas presentes
nas cidades brasileiras, contexto em que emergiram os tão propalados Programas de Regularização Fundiária
Sustentável.
As demandas sociais e ambientais presentes nas cidades brasileiras não podem mais ser toleradas, nem pela ordem
urbanística e muito menos pela ordem jurídica, pois os dados apresentados em diversas pesquisas elaboradas por orgãos
governamentais e entidades acadêmicas apontam que as famílias de baixa ou sem renda são as mais numerosas, desprovidas e
desassistidas em suas necessidades mais elementares, o que torna evidente que esses programas deveriam necessariamente
procurar responder à essas demandas, ou seja a dos grupos economicamente desfavorecidos. Frente a esse contexto, torna-se mister
que a formatação das políticas públicas em qualquer setor, deva visar primordialmente o atendimento das necessidades primeiras do
cidadão em situação de vulnerabilidade, e nao serem pautadas exclusivamente pelo interesse de grupos hegemônicos, os quais tem
dominado ao longo dos anos o arranjo político e econômico do país, causando de modo indireto o comprometimendo da realização de
um desenvolvimento em bases justas e democráticas.
Neste sentido, a pesquisa concorda com Vilani (2006, p.36, negrito nosso) ao citar Menezes (2000, p. 96-97) quando o autor
afirma que não podemos nos submeter à idéia de “subordinação econômica em relação ao capital hegemônico inerente ao processo
histórico do desenvolvimento capitalista brasileiro, aceitando, ao final, para pobre, uma política pobre”.
No transcorrer desta pesquisa, de certo modo houve uma preocupação acentuada em evidenciar:
os problemas decorrentes da informalidade urbana no recorte espacial das APPs, para tanto se fez necessário adentrar
o contexto atual das cidades no Brasil;
uma postura do Estado ainda centralizadora, atuando por meio de políticas públicas pontuais e desconexas, totalmente
desarticuladas de um planejamento integrado, que fosse capaz de abarcar as diferentes dimensões do processo de
produção das cidades;
a intensificação das mazelas sociais e ambientais em áreas urbanizadas.
A crítica apresentada por esta pesquisa se restringe ao recorte analítico jurídico da Regularização Fundiária Sustentável em
APPs urbanas, que apesar de ser positivada pelo ordenamento jurídico, se apresenta como uma afronta aos princípios
344 - Regularização Fundiária Sustentável
constitucionais, especificamente, aqueles que são tutelados pelo Direito Urbanístico e pelo Direito Ambiental. Neste sentido a
pesquisa constatou:
a inobservância da legislação tem-se caracterizado por uma prática comum de descumprimento da preservação dessas
áreas, onde a persistência dessa cultura tem contribuído para o descompasso e desacertos dos processos de gestão
urbana;
a existência de situações de conflitualidade, entre a dimensão ambiental e urbana no contexto de implementação de
programas de intervenções.
a urgência de adoção de mecanismos aptos, para o enfrentamento da questão;
a elaboração de políticas públicas voltadas para o enfretamento desta problemática, deverá ser pautada por uma visão
integrada contemplando a adequada organização do espaço e a tutela ambiental, como condições fundamentais para a
garantia da qualidade de vida em cidades.
Com base nas informações da pesquisa apresentada, pode-se afirmar que a informalidade urbana possui custos elevados e
acentua as condições de pobreza. Em virtude do próprio processo de urbanização, do aumento e concentração demográfica em
regiões metropolitanas, da ineficiência do Estado e sobretudo, do aquecimento global, nos últimos anos foram registrados um número
crescente de mortes decorrentes de acidentes ambientais. Essa questão tem sido discutida nos meios acadêmicos em diversas
formatações, entretanto sua publicização não tem recebido à devida importância, e o que é muito pior, não tem recebido o enfoque
adequado. A mídia leva para a pauta à ocorrência dos fatos imediatos, do ponto de vista do número de desabrigados, do número de
mortos, da superficial responsabilidade dos órgãos públicos e quando muito os prejuízos materiais. Entretanto os efeitos oriundos
desses desastres, quase nunca são tratados, sequer dimensionados ou mesmo compreendidos em suas faces mais explícitas, tais
como as condições de vida (sobrevivência) das famílias afetadas, tempo de recuperação das áreas afetadas, eficiência e eficácia da
máquina estatal frente a essas situações ficam sob uma cortina de fumaça. Neste sentindo, esta pesquisa constatou que:
as populações instaladas em assentamentos precários, desprovidas de serviços e infraestrutura urbana, estão sujeitas
a diversos problemas de saúde decorrentes da poluição ambiental, do processo de degradação do ambiente,
conseqüentemente, do comprometimento de sua qualidade de vida;
grande parte dos agravos à saúde relaciona-se à degradação ambiental, pois saúde e meio ambiente são indissociáveis,
tendo em vista que as alterações deste interferem direta e indiretamente na saúde e qualidade de vida das populações;
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 345
a promoção e prevenção da saúde são elementos fundamentais na busca por ambientes e indivíduos saudáveis;
as dimensões social e ambiental da saúde pública são aspectos interdependentes, a partir das quais se faz necessário
compreender a saúde de forma ampla, onde o conceito adotado integre, além das doenças, os diversos aspectos
humanos, sociais e psicossociais vinculados à cidadania, à qualidade de vida, ao ambiente saudável, assim como a
habitabilidade urbana para promoção de cidades saudáveis e sustentáveis;
a urgência de implementação de ações visando à proteção do ambiente e da saúde humana, principalmente onde há
incidências de ocupações irregulares, muitas vezes com população exposta a riscos decorrentes de atividades
geradoras de impactos ao ambiente, à saúde ambiental e pública, que por sinal, tem-se avolumado na rede urbana do
país;
áreas habitadas por população carente e marginalizada concentram falta de investimentos em infraestrutura básica,
principalmente saneamento; ausência de políticas controladoras de depósitos de lixo tóxico; construção de moradias em
áreas de risco, entre outros fatores que desencadeiam más condições ambientais de vida e trabalho;
a maioria da população encontra-se exposta a riscos ambientais intensos, tanto nos locais de moradia, de trabalho ou
nos ambientes que freqüenta e circula. Estes riscos são decorrentes de substâncias consideradas perigosas, da
ausência de saneamento básico, da construção de moradias em locais sujeitos a deslizamentos, a enchentes ou nas
proximidades de depósitos de lixo, entre muitos outros casos;
aplicabilidade dos preceitos abarcados pela legislação urbanística ambiental, no contexto das áreas urbanizadas, não
produziu os propósitos almejados com vista ao objetivo primordial de preservação e proteção ambiental, já que o
impedimento de uso e ocupação das áreas de fragilidade ambiental possibilita o surgimento de vazios urbanos sujeitos
às ocupações irregulares;
o modelo dominante de territorialização da pobreza das cidades no Brasil, caminha para um padrão insustentável do
ponto de vista ambiental e econômico, tendo em vista a ocorrência dos impactos ambientais e seus efeitos nefastos nas
áreas urbanas;
o contexto do processo de ocupação informal apresentado até este momento da pesquisa procurou explicitar a
complexidade da questão, onde, na formação da cidade dita ilegal emergem infindáveis problemas de ordem
346 - Regularização Fundiária Sustentável
socioeconômica e, sobretudo ambiental, explicitando as condições degradantes da vida urbana nessas localidades, as
quais têm sido também conceituadas por muitos autores como enclaves de pobreza.
os desacertos presentes no ordenamento do solo urbano identificados nas cidades brasileiras, podem, em diversas
situações, ser atribuídos à ausência de profissionais habilitados e capacitados junto aos órgãos públicos, assim como a
permissividade de intervenções políticas nos trâmites dos respectivos processos;
a análise da literatura específica, composta por diversos estudos e pesquisas acadêmicas, permite afirmar que foi a
partir da promulgação da Constituição de 1988 que se deu início a um novo desenho institucional voltado para a
construção de uma política pública de regularização fundiária, com o intuito de garantir efetividade ao direito
fundamental à moradia digna, sobretudo para aqueles setores excluídos e segregados, ocupantes das áreas informais
da maioria das cidades brasileiras;
a Constituição de 1988 propiciou os meios necessários para que se tornasse possível a construção de um política
urbana apta a implementar uma política de regularização fundiária como espinha dorsal de um desenho institucional
programado para assegurar o direito à moradia digna às famílias de menor ou sem renda.
a Lei nº 10.257/2001, passou a se constituir num referencial emblemático para uma nova concepção de política urbana
que se desejava e necessitava ser desenvolvida e includente, ao reconhecer o gigantesco passivo social-urbano
cristalizado nos diferentes cenários de informalidade presentes em diversas cidades do país;
a Lei Federal nº 10.257- Estatuto da Cidade, teve como missão suprema criar novos mecanismos legais com o intuito
de viabilizar os processos de regularização fundiária, considerando articulação dos instrumentos legais disponíveis no
ordenamento jurídico brasileiro em âmbito federal, estadual e municipal.
os programas já implementados não produziram os resultados esperados, uma vez que as políticas públicas
habitacionais em suas diversas modalidades voltadas para a população de menor renda, excluídas do rol de direitos,
não tem sido capazes de promover em boa parte dos casos, a tão almejada integração urbana e social, e nem mesmo
livrar seus moradores do estigma de continuarem sendo vistos como “favelados”.
Em face dos cenários expostos, no atual momento, têm-se despontado novos caminhos de atuação para o enfrentamento da
questão, iniciado pela nova abordagem resultante da evolução conceitual do termo de Regularização Fundiária e, principalmente pela
adoção de novos mecanismos para trabalhar com a delicada questão. Não se pode ignorar que, importantes ações já foram
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 347
implementadas em várias regiões do País, com a preocupação de promover a regularização dos assentamentos ilegais e melhorias
urbanísticas, entretanto os resultados obtidos estão longe de atender a crescente demanda de informalidade que caracterizam estas
ocupações. Neste sentido, recomenda-se:
cautela e muita prudência ao se implementar a regularização fundiária, principalmente em áreas de APPs, considerando
a vulnerabilidade ambiental desses espaços;
a necessidade de se preservar a vida desta população que se encontra instalada em áreas de risco, vulneráveis à
ocorrencia de deslizamentos, inundações, eventos que podem levar a situações de catastrofes ambientais, visto que
qualquer posicionamento a ser adotado, estará intrinsicamente relacionado com a dignidade da pessoa humana.
A regularização fundiária sustentável contemplada pelo artigo 9º da Resolução CONAMA 369/2006 é antes de tudo, um
mecanismo legal, por meio do qual se torna possível a legalização de parcelas da cidade informal, bem como, abre precedente
jurídico para inocentar administradores públicos da omissão, ora de descaso e irresponsabilidade diante da necessidade do
ordenamento do solo urbano. Entretanto, um dos maiores equívocos da regularização fundiária sustentável é que
apesar de ter sua efetividade em áreas localizadas “exclusivamente nas faixas de APP” (inciso IV, artigo 9º, Resolução
CONAMA 369/2006), não atende as demandas socioambientais presentes nas APP urbanas, pois ao invés de combater
a pobreza, tem-se na sua aplicabilidade a consolidação das mazelas urbanas;
retrocede na previsão legal do inciso III, do artigo 4º da Lei nº 6.766/79124, ao determinar que deva “ser respeitada
faixas mínimas de 15 metros para cursos de água de até 50 metros de largura” (alínea “a”, inciso IV, artigo 9º,
Resolução CONAMA 369/2006);
prevê a possibilidade de diminuição maior desta área com processo administrativo específico (Parágrafo 1º, artigo 9º,
Resolução CONAMA nº 369/2006);
nessas áreas, consideradas de inundação, quando inseridas no tecido urbano, ainda como uma das diferentes
tipologias de APPs, via de regra são invadidas e ocupadas por população de menor poder aquisitivo.;
124
“III - ao longo das águas correntes e dormentes e das faixas de domínio público das rodovias e ferrovias, será obrigatória a reserva de uma faixa não-
edificável de 15 (quinze) metros de cada lado, salvo maiores exigências da legislação específica;” (Artigo 4º da Lei nº 6.766/79)
348 - Regularização Fundiária Sustentável
retrata a omissão e o descaso dos administradores públicos diante não apenas dos impactos ambientais dos diversos
sistemas que são de vital importância para o equilíbrio do meio urbano, tais como, o de abastecimento de água, o de
manutenção do lençol freático, o sistema de drenagem urbana;
amplia possibilidades de riscos oferecidas nestas localidades, relacionadas à ocorrência de acidentes ambientais, onde
além do registro das perdas materiais incontáveis, tem-se registrado o crescente aumento, não apenas do número de
mortes imediatas, como também um número que permanece oculto ainda, de pessoas que têm seu estado de saúde
comprometido em função das diversas doenças transmitidas durante a ocorrência desses eventos.
Diante do exposto com base nos dados levantados e analisados nesta pesquisa, recomenda-se:
a revisão da atual legislação, com intuito de criar mecanismos legais mais eficientes de punição e responsabilização
imediata dos gestores e agentes públicos;
proposição de instrumentos mais rígidos que possam assegurar não apenas qualidade de vida, mas, sobretudo a
preservação da vida;
a preservação dessas áreas de mananciais, tão importantes para manutenção do ecossistema urbano.
Ainda, deve ser ressaltado por esta pesquisa, que os programas de Regularização Fundiária Sustentável, como instrumento de
Política Pública Habitacional, é uma violência contra o ser humano, visto que promove um holocausto silencioso nas APP urbanas,
conduzindo centenas de pessoas à morte, concluiu que
a proposição de políticas públicas fundiárias em APPs urbanas, contribuirá para fatídica condenação desses indivíduos,
pois cedo ou tarde, padecerão frente à inundação, ao deslizamento de encosta, pela quebra de barreiras, pelas doenças
infecto-contagiosas, pelo medo, pela dor da perda dos entes que ali, a pouco, já foram sepultados pela forças das
águas, pelo lixo, pela lama que embalou os restos do barraco, o qual, este último, em algum momento foi chamado de
lar;
as proposituras apresentadas nesta resolução (Resolução do CONAMA, nº 369/2006), é notória que a mesma se
contrapõe a ideologia preservacionista prevista no artigo 225 Constituição Federal, como uma afronta ao princípio da
proibição do retrocesso, ao dispor de direitos ambientais nos assentamentos humanos;
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 349
a regularização fundiária sustentável (Resolução do CONAMA, nº 369/2006) pode ser tida como uma fábula estatal que
se apóia no direito a moradia, como resposta a atual crise habitacional identificada nos centros urbanos, em detrimento
dos preceitos constitucionais e demais referenciais presentes no ordenamento jurídico;
a regularização fundiária sustentável se apresenta como uma política pública curativa desarticulada das demais
premissas tutelada pelo direito, seja de ordem constitucional, urbanística ou ambiental.
Como forma de demonstrar essa desarticulação jurídica, a pesquisa apresentou uma leitura crítica da regularização fundiária
sustentável em APP a luz dos princípios afins a matéria, de forma que foi possível constatar que:
no âmbito dos princípios constitucionais, o direito a moradia não deve se restringir ao direito de morar (permanecer),
mas deve ser tido como um direito vinculante aos demais direitos (moradia digna, educação, saúde, saneamento, meio
ambiente equilibrado, trabalho, etc.), o qual assegure ao cidadão brasileiro a sua dignidade com condições de
existência, assegurando uma vida saudável nos assentamentos humanos, de modo que este indivíduo possa usufruir da
função social da cidade. Neste sentido, o direito de morar (permanecer) em área de APP, não atende ao princípio da
função social da propriedade, visto que esta abordagem deve ser vista como uma distorção do princípio da legalidade
em detrimento ao princípio do desenvolvimento sustentável. Assim, há de se ressaltar que o Estado Democrático de
Direito é pautado pela prerrogativa de que todos os cidadãos tenham alcance aos direitos e garantias fundamentais,
sendo que a base desta lógica é a observância dos preceitos jurídicos consolidados;
ao se analisar a regularização fundiária sustentável em APP a luz dos preceitos supranormativos, conclui-se que esta
normativa não foi balizada pelo princípio da viabilidade, da fidelidade, da homogeneidade institucional, da justiça e o da
necessidade, visto que a materialização dessa desarticulação jurídica promovida por meio da Resolução do CONAMA, nº
369/2006, frente à ordem jurídica consolidada;
realizar uma leitura reflexiva da regularização fundiária sustentável em APP sobre a prerrogativa dos princípios do
direito à cidade, demonstrou que os conselheiros do CONAMA ao elaborar a Resolução do CONAMA, nº 369/2006, não
estavam familiarizados com o que realmente vem a ser o Direito à Cidade, bem como, não conheciam as complexidades
presentes nos assentamentos humanos, ignorando assim as demandas socioambientais do espaço urbano;
350 - Regularização Fundiária Sustentável
princípios do direito urbanístico, os quais possibilitam, numa escala temporal de curto e médio prazo, a instauração do
caos frente ao declínio do pensamento jurídico lógico e racional que estrutura a ordem urbanística.
Assim, se faz necessário que a lei tenha uma formatação dinâmica, a exemplo do Estatuto da Cidade, onde o plano diretor
deve ser moldado a partir das especificidades de cada localidade, neste caso a proposta de um novo ordenamento, que tenha por fim
tutelar os espaços de valores ambientais significativos presentes em áreas urbanizadas, deveria ser balisado por parâmetros
técnicos, sociais e físicos no contexto de cada localidade.
A cidade que almeja e que necessita urgentemente que seja sustentável, é aquela que disponibiliza de modo equitativo os
benefícios de seu processo de desenvolvimento, com a finalidade de estender a todos as condições ideais de qualidade de vida em
conformidade com as disposições legais do Estatuto da Cidade e recomendações da Agenda 21. Neste sentido, recomenda-se:
as políticas públicas de urbanização de assentamentos informais devem adotar uma formatação integrada, combinada
com outras políticas públicas, de forma que seja capaz de romper o ciclo da exclusão e das gritantes desigualdades
responsáveis pelo aumento da informalidade.
viabilizar a sustentabilidade urbana, parte-se do pressuposto da necessidade da aplicação de instrumentos jurídicos
para disciplinar a ocupação e uso do solo urbano, considerando a inter-relação entre dimensões sociais, econômicas e
ambientais para a realização de uma gestão eficiente, que seja capaz de promover a construção de uma sociedade
justa, eqüitativa e democrática;
o Ente Municipal deve nortear suas ações com base no princípio da função social da cidade, por meio do adequado
ordenamento do solo urbano, com a adoção de dispositivos jurídicos que venham a tutelar a ordem urbanística e a
preservação dos recursos ambienteis em prol do interesse coletivo;
o planejamento e a gestão das áreas urbanas devem, além de adotar medidas e técnicas para a adequação física de
seus espaços, adotar essencialmente técnicas e instrumentos que promovam a convivência social, de maneira que os
desiguais tenham suas diferenças amenizadas pela árdua busca de implementar espaços cada vez mais democráticos
de vivência saudável, o que em outras palavras significa, a luta por uma melhoria na qualidade de vida;
Finalizando, certamente o desconforto e a insegurança decorrentes dos conflitos ambientais urbanos faz surgir o clamor
consensual pela restauração da qualidade de vida nas cidades, com a adoção de políticas publicas que levem a profundas
transformações sociais.
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 351
A cidade é um lugar de encontro, espaço de ampliação de liberdades por concentrar uma diversidade de atores e identidades
sociais. A degradação social e ambiental põe em questão elementos básicos da vida urbana: água, ar respirável mobilidade urbana,
acesso à serviços, áreas verdes, habitação e cidadania. A crise desses elementos básicos atingindo a população exige o repensar da
cidade, o seu cotidiano , numa nova concepção de desenvolvimento, sem perder de vista a dimensão do lugar, onde se constrói
sonhos e devaneios democráticos. Assim, se faz necessário ter muita coragem para ousar... para materializar todo o conhecimento já
adquirido nas mais diversas áreas, as cidades já não podem mais esperar por tantos debates, tantos simpósios, tantas conferencias,
inúmeros tratados, e uma coleção de leis que não tiveram força para sair do papel... O contexto da vida urbana pede socorro!
Portanto, as ações, uma nova postura é mais que necessária, torna-se urgente!
É preciso acreditar um futuro melhor seja possível por meio do conhecimento, da técnica, de uma nova ética urbana e jurídica
para a construção de uma nova cidade!
352 - Regularização Fundiária Sustentável BIBLIOGRAFIA
Jeane Aparecida Rombi de Godoy Rosin - 353
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