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Alisson Luã Vale

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE


DEPARTAMENTO DE MEDICINA
CURSO DE MEDICINA

ALISSON LUÃ VALE MINA

PROJETO TERAPÊUTICO SINGULAR: a experiência em saúde coletiva do curso de


medicina da Universidade Federal do Maranhão na cidade de São Luís – MA.

São Luís
2018
ALISSON LUÃ VALE MINA

PROJETO TERAPÊUTICO SINGULAR: a experiência em saúde coletiva do curso de


medicina da Universidade Federal do Maranhão na cidade de São Luís – MA.

Monografia apresentada ao curso de Medicina da


Universidade Federal do Maranhão como requisito
para a obtenção do grau de Bacharel em Medicina.

Orientador:
Prof. Dr. Tadeu de Paula Souza.

São Luís

2018
Vale Mina, Alisson Luã.

Projeto Terapêutico Singular: a experiência em saúde coletiva do curso de


medicina da Universidade Federal do Maranhão na cidade de São Luís MA /
Alisson Luã Vale Mina. - 2018.

39 f.

Orientador (a): Tadeu de Paula Souza.

Monografia (Graduação) - Curso de Medicina, Universidade Federal do


Maranhão, 2018.

1. Atenção Básica. 2. Projeto Terapêutico Singular. 3. Saúde Coletiva. I. de


Paula Souza, Tadeu. II. Título.
ALISSON LUÃ VALE MINA

PROJETO TERAPÊUTICO SINGULAR: a experiência em saúde coletiva do curso de


medicina da Universidade Federal do Maranhão na cidade de São Luís – MA.

Monografia apresentada ao curso de Medicina da


Universidade Federal do Maranhão como requisito
para a obtenção do grau de Bacharel em Medicina.

Aprovada em: ____ /____ / 2018

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________

Prof. Dr. Tadeu de Paula Souza


(Orientador)

_________________________________________

1ºAvaliador

_________________________________________

2º Avaliador

_________________________________________

3º Avaliador
DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho, primeiramente a Deus, que em sua infinita bondade me


guiou até aqui, traçou caminhos que só Ele pode explicar.
Aos meus pais, Luiz Mina e Ana Cerise e irmão Aldo Luiz, que não mediram
esforços para que esse sonho se realizasse.
Ao Seu “Franzino” que foi inspiração para produção deste trabalho. Que outros
“seus Franzinos” possam ter a sorte e usufruir da Atenção Básica com dignidade e com o
devido respeito.
AGRADECIMENTOS

Agradecer é saber reconhecer àqueles que de alguma forma nos fez chegar até
aqui, e com certeza sem eles eu não conseguiria.
Agradeço aos meus pais, Luiz e Ana, que sempre me incentivaram e acreditaram
que pudesse ser o que sou. E que mesmo à distância estiveram presentes, e junto com meu
irmão, Aldo, foram (são) o principal motivo da minha luta diária.
À minha namorada, Érica, por todo carinho e dedicação. Esteve a meu lado me
ajudando a concluir esse trabalho. Ver sua inteligência e paciência no trabalho com a pesquisa
me faz admira-la cada vez mais.
Aos meus amigos, Thyarlison e Vinícius, que mesmo com a distância não
permitiram que mudasse nossa amizade, e entenderam a necessidade desse momento para a
concretização desse sonho.
Aos meus colegas de curso que dividiram comigo esses anos de crescimento e
aprendizado.
Aos mestres que não mediram esforços para passar o conhecimento necessário
para minha formação acadêmica. Em especial, ao meu Orientador Prof. Dr. Tadeu de Paula
que dedicou seu tempo a me ajudar, oferecendo o material necessário, corrigindo, discutindo,
fazendo que a produção deste trabalho não fosse apenas uma formalidade.
Enfim, a todos que direta ou indiretamente fizeram parte da minha formação,
muito obrigado.
RESUMO

A elaboração de um Projeto Terapêutico Singular (PTS) é um processo que requer um


trabalho multiprofissional através de uma equipe capacitada para direcionar e resolver os
desafios que possam surgir em uma UBS. O PTS abarca uma dimensão singular do indivíduo
ou família, que configuram casos mais graves que exigem uma ação em equipe mais
articulada e planejada. Neste estudo, analisaremos o processo de elaboração de um PTS,
desenvolvido pelos alunos de medicina da Universidade Federal do Maranhão, durante o
internato em Saúde Coletiva, entre os meses de fevereiro e abril de 2017. Trata-se de uma
pesquisa documental (que tem como principal fonte de dados os diários de campo dos alunos
envolvidos na elaboração do PTS), com características que se aproximam de uma observação
participante de pesquisa-interveção. O modelo de atenção da AB possibilitaria a resolução de
inúmeros casos, porém, o período no estágio nos permitiu perceber que as coisas não
funcionam exatamente como são preconizadas pelas políticas do SUS. É necessário que o
modelo de gestão proporcione a aproximação dos profissionais e um atendimento voltado
para as necessidades da comunidade atendida.

Palavras-chave: Saúde Coletiva; Atenção Básica; Projeto Terapêutico Singular.


ABSTRACT

The elaboration of a Unique Therapeutic Project (PTS) is a process that requires a


multiprofessional work through a team qualified to direct and solve the challenges that may
arise in a UBS. PTS encompasses a unique dimension of the individual or family, which are
more serious cases that require more articulated and planned team action. In this study, we
will analyze the process of elaboration of a PTS, developed by the medical students of the
Federal University of Maranhão, during the internship in Collective Health, between February
and April 2017. It is a documentary research as the main source of data the field diaries of the
students involved in the elaboration of PTS), with characteristics that approximate a
participant observation of research-intervention. AB's model of care would allow the
resolution of many cases, but the period at the stage allowed us to perceive that things do not
work exactly as they are advocated by SUS policies. It is necessary that the management
model provides the approximation of professionals and a service focused on the needs of the
community served.

Keywords: Collective Health; Basic Attention; Unique Therapeutic Project.


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AB – Atenção Básica
ABS – Atenção Básica de Saúde
ACS – Agente Comunitário de Saúde
APS - Atenção Primária à Saúde
CER – Centro Especializado em Reabilitação
CRAS – Centro de Referência de Assistência Social
ESF – Estratégia da Saúde da Família
NASF – Núcleo de Apoio à Saúde da Família
PI – Projeto de Intervenção
PNH – Política Nacional de Humanização
PPD – Teste Tuberculínico
PTS – Projeto Terapêutico Singular
RAS – Redes de Atenção à Saúde
RCPD – Rede de Cuidado à Pessoa com Deficiência
SUS – Sistema Único de Saúde
TB – Tuberculose
UBS – Unidade Básica de Saúde
UPA – Unidade de Pronto Atendimento
VDRL – Teste para detecção de Sífilis (Venereal Disease Research Laboratory)
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................09
2 ATENÇÃO BÁSICA COMO ORDENADORA DO CUIDADO EM REDE ................11
2.1 Atenção Básica enquanto campo de prática de ensino de medicina ............................11
2.2 Clínica Ampliada: PTS e Trabalho em equipe ..............................................................15
2.3 Equipe Multiprofissional .................................................................................................20
3 METODOLOGIA DE PESQUISA ....................................................................................22
4 PTS - RELATO DA ELABORAÇÃO DO PTS ...............................................................23
4.1 Acolhendo a demanda ......................................................................................................23
4.1.1 Reconhecendo o Território ..............................................................................................23
4.1.2 Primeira visita .................................................................................................................24
4.1.3 Segunda visita .................................................................................................................25
4.1.4 Terceira visita ..................................................................................................................25
4.1.5 O lugar de franzino na família: uma dinâmica complexa – genograma .........................26
4.1.6 Fechamento do diagnóstico ampliado e as metas do PTS ..............................................28

4.2 Articulando o cuidado .....................................................................................................29


4.2.1 Subjetividade, família e autonomia .................................................................................29
4.2.2 Articulação intersetorial: rede de assistência social ........................................................29
4.2.3 Articulação da rede de reabilitação .................................................................................30
4.2.4 Articulação do tratamento clínico ...................................................................................32

5 CONCLUSÃO .....................................................................................................................34
REFERÊNCIAS........................................................................................................................37
ANEXO ...................................................................................................................................39
1 INTRODUÇÃO

O estágio curricular (internato) de Saúde Pública do curso de Medicina na


Universidade Federal do Maranhão acontece no 10° período, com uma carga horária total de
360 horas. Onde são desenvolvidas atividades práticas predominantemente nas Unidades
Básicas de Saúde do Município de São Luís em parceria com a Secretaria Municipal de
Saúde, durante 3 meses. Articuladas às atividades práticas, são ministradas aulas teóricas de
modo a subsidiar a ação junto às Equipes de Saúde da Família e usuários. Na parte teórica
são trabalhados temas sobre Saúde Coletiva, Atenção Básica, Redes de Atenção à Saúde,
Sistema Único de Saúde, Gestão em Saúde. Na parte prática são desenvolvidos dois projetos
centrais que se articulam: Projeto de Intervenção (PI) e Projeto Terapêutico Singular (PTS).
O PI envolve problemas de ordem coletiva: aspectos relacionados ao território
como endemias, fatores de vulnerabilidade social e processo de trabalho da equipe de saúde
da família. O PTS abarca uma dimensão singular do indivíduo ou família, que configuram
casos mais graves que exigem uma ação em equipe mais articulada e planejada.
Os professores conduzem o estágio de forma que o que é visto na teoria seja
aplicado dentro da UBS. Assim, atividades como a elaboração do Diagnóstico situacional, do
PI e do PTS implica na construção de relações entre os acadêmicos, os profissionais e a
comunidade envolvidas na UBS, com o objetivo de ampliar a compreensão do processo
saúde-doença, o funcionamento das equipes, identificação de dificuldades enfrentadas e
formulação de um plano de ação. O estágio apresenta a dinâmica da Saúde Pública num
contexto concreto de produção de saúde na relação entre equipe de saúde, território e rede de
saúde.
Baseados nessas premissas, os alunos são direcionados a pensar em ações que
resolveriam parte das problemáticas encontradas na Atenção Básica. A elaboração do PTS é
uma ferramenta dessas práticas provocativas na tentativa de encontrar soluções ou gerar
mobilização para um agir coletivo. “O Projeto Terapêutico Singular (PTS) é um movimento
de coprodução e de cogestão do processo terapêutico de indivíduos ou coletivos, em situação
de vulnerabilidade” (BRASIL, 2010, p.94), compreendido enquanto um dispositivo de
ampliação da clínica. A Clínica Ampliada é, portanto, uma diretriz que objetiva alterar os
processos de trabalho em saúde e, no contexto da Atenção Básica, fortalecer a capacidade das
equipes de coordenação do cuidado em rede (BRASIL, 2009).
Neste trabalho analisaremos o processo desenvolvido pelos alunos de medicina,
durante o internato em saúde coletiva, entre os meses de fevereiro e abril, de um PTS
compreendido enquanto dispositivo da Clínica Ampliada que tem por objetivo qualificar os
processos de gestão do cuidado no contexto da Atenção Básica (BRASIL, 2009). A
elaboração do PTS tem por objetivo pedagógico desenvolver competências de gestão da
clínica no cenário da Atenção Básica.
O trabalho está estruturado em três grandes partes: na primeira, apresentaremos
uma fundamentação teórica do campo problemático da Atenção Básica enquanto ordenadora
do cuidado em rede e os conceitos de Clínica Ampliada e Projeto Terapêutico que constituem
o objeto da pesquisa. Na segunda parte, apresentaremos aspectos da metodologia qualitativa
de observação participativa e das técnicas do diário de campo. Na terceira parte
apresentaremos a análise do processo de construção do PTS junto a Equipes de Saúde da
Família, usuário e familiares.

Objetivo geral:
 Analisar a experiência de elaboração de Projeto Terapêutico Singular (PTS)
durante o estágio de saúde pública do curso de medicina da UFMA.
Objetivos específicos:
 Descrever e analisar o processo de formulação do PTS.
 Descrever e analisar os avanços e limites do trabalho em equipe da Estratégia
de Saúde da Família na elaboração do PTS.
 Descrever e analisar a realidade territorial do usuário envolvido no PTS.
 Descrever alguns aspectos da relação da rede de saúde com o território de vida
do usuário.
2 ATENÇÃO BÁSICA COMO ORDENADORA DO CUIDADO EM REDE

2.1 Atenção Básica enquanto campo de prática de ensino de medicina

A Atenção Básica (AB) é uma espécie de alicerce do sistema de saúde de nosso


país, como tal, consegue resolver grande parte dos problemas de saúde da população. Os
desafios em relação a AB ainda são grandes. As conquistas relacionadas ao acesso universal,
com qualidade das suas funções, ainda dependem de uma política comprometida com o
Sistema Único de Saúde (SUS).
Campos et al apud Brasil (2010), infere nos dizendo que “é pouco provável que se
possa efetivar os princípios do SUS (universalidade, integralidade e equidade) sem a
implantação plena da atenção básica de forma a possibilitar acesso universal deste serviço a
toda população brasileira”.

A complexidade da construção da Atenção Básica em Saúde (ABS) no Brasil


decorre ainda do fato de que desenvolvemos uma tradição que frequentemente opõe
as atividades de prevenção/promoção com as atividades clínicas dos profissionais
em saúde, principalmente a clínica individual. Esta tradição, além de tomar estas
duas dimensões da prática clínica (individual e coletiva) de forma dicotômica, ainda
secundariza a atividade clínica em relação as atividades de prevenção e promoção.
Durante muitos anos não era incomum que os usuários só pudessem utilizar a
atenção básica com consultas agendadas para algumas poucas patologias (BRASIL,
2010, p. 33).

Situações vistas corriqueiramente através das mídias impressas e televisivas,


“denunciam” um sistema de saúde frágil, postos de saúde superlotados, pacientes pelos
corredores por falta de leito, gestantes sem pré-natal (principalmente nas pequenas cidades),
denúncias sobre o uso ineficiente de recursos. Essas situações acabam gerando conceitos pré-
concebidos acerca da comunidade médica, quando a solução teria que vir através do sistema.
O enfrentamento destas e de tantas outras situações, depende de políticas sérias
voltadas para a saúde e de modelos de sistema que considerem ações intersetoriais que
ofereçam qualidade e estrutura para as mais diversas necessidades. Um sistema onde a
Atenção Básica possa agir como ordenadora do cuidado, com garantia de qualidade e acesso
facilitado, integrado e igualitário. “Quando, eventualmente, um usuário se vê prejudicado e
reclama de dificuldades no atendimento, não é incomum que se estabeleça um conflito
pessoal, em que o desejo do trabalhador é que não haja reclamação por parte do usuário. O
grande problema é que diante dos desafios do sistema é justamente o conformismo o grande
adversário” (BRASIL, 2010, p.40). Assim, pode-se dizer que as “reclamações” são válidas,
mas precisam ser direcionadas ao setor responsável, já que a qualidade nos serviços não
depende unicamente dos profissionais de saúde.

“Se imaginarmos que cada equipe de AB tem hoje pelo menos 3.000 pessoas
vinculadas a ela, e que temos ao menos 30 a 40% da população brasileira coberta
pela atenção básica, podemos dimensionar a potencialidade de uma parceria com os
usuários da AB em um movimento de afirmação do SUS. Trata-se também de um
importante aprendizado político para a população incorporar uma certa capacidade e
diferenciar as pessoas que trabalham em um serviço de saúde, das diversas causas
dos problemas que o incomodam, assim como a complexidade de algumas
“situações”. Alguns setores do SUS conseguem fazer este movimento político com
relativo sucesso (por exemplo, o Programa de DST-AIDS e a Luta Anti-
Manicomial) e produzem, além de serviços melhores, um saudável “efeito colateral”
terapêutico para o usuário, que afirma seus direitos, sua diferença, contribuindo não
só com a qualidade do serviço de saúde, mas também com transformações culturais
e políticas na sociedade” (BRASIL, 2010, p. 40).

Assim, pensamos na rede de atenção básica para um olhar que vai além do foco na
doença, onde o atendimento humanizado seja base e o paciente seja percebido também para
além de seu estado de saúde, levando em consideração que a vida social e o convívio com a
família podem influenciar em seu estado de saúde tanto quanto os fatores físicos.
Segundo o Ministério da Saúde, a definição de parâmetros e espaços oficiais de
encontro entre os serviços de atenção básica e os outros serviços da rede assistencial é um
aspecto fundamental da gestão na atenção básica (BRASIL, 2010). Geralmente, o que
acontece é apenas uma relação de encaminhamento do paciente de um serviço para outro,
praticamente não existe um link de conversa entre a ABS e outros níveis de atenção. Muitas
vezes, na ABS, nem mesmo se sabe o nome dos profissionais que atuam em outros serviços
de saúde. E nessa “relação” entre os serviços é preciso que se possa tomar as decisões e
articular as ações de acordo com as necessidades do usuário.
Percebemos assim, que a AB não é uma estrutura organizada apenas para fazer
um trabalho de triagem, os serviços são mais amplos e de fato acontece quando há uma
organização e uma estrutura que possibilite sua aplicabilidade. A atenção básica precisa ser
considerada com a responsabilidade que lhe cabe, direcionando os casos a suas
especialidades, facilitando e ampliando o acesso, acolhendo, vinculando e identificando os
riscos. Segundo a Política Nacional de AB, as funções da atenção básica na Rede de atenção à
Saúde estão diretamente vinculadas às ideias de ser base, ser resolutiva, coordenar o cuidado e
ordenar as redes (BRASIL, 2012).
A AB é a principal porta de entrada para o sistema de saúde, é a via de acesso
diário de centenas de casos, dos mais simples aos mais complexos e a partir do atendimento
na AB são/deveriam ser encaminhados para os atendimentos específicos. Campos et al (2014)
aponta, de acordo com alguns estudos, que a APS (Atenção Primária à Saúde) tem capacidade
de resolver cerca de 80% dos problemas de saúde de uma determinada população e deve aliar
as ações de assistência com a prevenção e promoção da saúde, além de coordenar a atenção
oferecida nos demais setores, atuando de fato como base.
A AB deve produzir um cuidado à população de forma longitudinal por meio de
articulação de ações assistenciais e não assistenciais. Na AB, o termo longitudinalidade é
empregado em “uma relação pessoal de longa duração entre os profissionais de saúde e os
pacientes em suas unidades de saúde”, ou seja, refere-se a um acompanhamento a longo
prazo, onde o paciente recebe um acompanhamento direcionado para sua saúde de forma
geral, o foco deixa de ser apenas o seu atual “problema de saúde”, e ele passa a ser
investigado a partir de um olhar mais amplo (BARATIERI E MARCON, 2011).
Toda essa investigação fornece dados para que seja feita a territorialização de
determinada zona de abrangência. Trata-se de uma ferramenta que torna possível o
reconhecimento das condições de vida e da situação de saúde da população de uma
determinada localidade. Possibilita a captação de dados demográficos, epidemiológicos e de
condições de vida (BRASIL, 2010).
A vivência na AB durante o período de formação é essencial, visto que nos insere
em situações desafiadoras, nas quais precisamos pensar em soluções e articular ações junto à
equipe atuante. Trata-se de uma prática de grande relevância no período de formação,
principalmente pela ideia de inserir os futuros médicos dentro das comunidades, identificando
as problemáticas e tentando solucioná-las, superando a fragmentação dos processos de
trabalho dentro das UBS e do próprio sistema de saúde.
Uma estratégia utilizada para organizar e combater a fragmentação, a atenção e a
gestão em saúde, são as Redes de Atenção à Saúde (RAS), que tem o intuito de assegurar o
atendimento eficaz à população. Logo, tomar a AB como principal porta de entrada no
sistema, exige pensá-la enquanto um componente fundamental na articulação do cuidado em
rede.
A proposta de organização de um sistema em rede surgiu na Inglaterra a partir do
Relatório Dawson no início do século XX, sendo a base conceitual para a organização do
Sistema Nacional de Saúde britânico. Entretanto, sua evolução para o conceito de Rede de
Atenção à Saúde “são recentes, tendo origem nas experiências de sistemas integrados de
saúde, surgidas na primeira metade dos anos 90 nos Estados Unidos. Dali avançaram pelos
sistemas públicos da Europa Ocidental e para o Canadá, até atingir, posteriormente, alguns
países em desenvolvimento” (MENDES, 2011, p. 61).
No contexto brasileiro, a criação da Portaria nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010,
estabeleceram diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do SUS,
avançando na direção preconizada no artigo 198 na Constituição Federal que estabelece que
os serviços de saúde devem se organizar enquanto uma rede regionalizada. A RAS estabelece
princípios e diretrizes normativas e tecnológicas que dão maior consistência para a proposta
de redes, fazendo com que a atenção à saúde saia de um olhar verticalizado, em que as
responsabilidades se limitavam às demandas do momento, passando a um olhar horizontal,
onde o cuidado passa a ser contínuo e de igual responsabilidade entre as equipes
multiprofissionais.

Os sistemas fragmentados de atenção à saúde, fortemente hegemônicos, são aqueles


que se organizam através de um conjunto de pontos de atenção à saúde, isolados e
incomunicados uns dos outros, e que, por consequência, são incapazes de prestar
uma atenção contínua à população. Em geral, não há uma população adscrita de
responsabilização. Neles, a atenção primária à saúde não se comunica fluidamente
com a atenção secundária à saúde e, esses dois níveis, também não se articulam com
a atenção terciária à saúde, nem com os sistemas de apoio, nem com os sistemas
logísticos. Diferentemente, os sistemas integrados de atenção à saúde, as RASs, são
aqueles organizados através de um conjunto coordenado de pontos de atenção à
saúde para prestar uma assistência contínua e integral a uma população definida.
(MENDES, 2011, p.61).

A organização das redes sofreu uma mudança, saindo do sistema piramidal para
uma distribuição onde os setores passam a ter uma comunicação mais direta entre si. É o que
podemos observar na figura abaixo.

Figura 1 – A mudança dos sistemas piramidais e hierárquicos para as redes de atenção à


saúde.

Fonte: As Redes de Atenção à Saúde. Organização Pan-Americana da Saúde. Organização Mundial da Saúde.
Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Brasília – DF, 2011, 2ª edição.
O objetivo da RAS é estimular a integração sistêmica de ações e serviços de saúde
com garantia de atenção contínua, integral, de qualidade, responsável e humanizada, além de
incrementar o funcionamento do Sistema em relação à eficácia sanitária e clínica, ao acesso, à
equidade, etc.
No mesmo período em que foi lançada a portaria da RAS também foram lançadas
as denominadas Redes Temáticas, em que passam a tratar diretrizes para temas específicos
que a população necessita. Assim, em 24 de junho de 2011 é lançada a portaria nº 1473 que
institui os Comitês Gestores, Grupos Executivos, Grupos Transversais e os Comitês de
Mobilização Social e de Especialistas dos compromissos prioritários de governo, organizados
por meio de Redes Temáticas de Atenção à Saúde.
Compreender esses conceitos é importante, porém as práticas dentro das unidades
de saúde da atenção básica são o principal campo para o estágio em saúde coletiva. Isso nos
permite vivenciar situações reais e perceber como essas propostas estão sendo
operacionalizadas no contexto de São Luís - MA.

2.2 Clínica Ampliada: PTS e trabalho em equipe


Quando pensamos no conceito de clínica, as ideias direcionam-se para um lugar
onde as pessoas vão para diagnosticar algum problema de saúde e para que o médico possa
receitar algum medicamento que possibilite “a cura”. Porém, a clínica precisa ser
compreendida para além destas ideias que limitam o seu real papel.
Nós, enquanto seres humanos, somos complexos, não somos influenciados por um
único aspecto (físico, social, psicológico), somos um conjunto de todos eles e precisamos ser
vistos como tal. Os usuários do sistema de saúde também são estes seres humanos, portanto,
precisam ser vistos com um olhar ampliado, ou seja, com um olhar que não esteja centrado
somente na doença e que compreenda que cada indivíduo tem suas particularidades, o que
serve como tratamento para um, poderá não servir para outro que, supostamente, tem a
“mesma doença”. Não podemos, enquanto profissionais da saúde, por exemplo, ver dois
pacientes com diabetes e dizer que os ambos foram acometidos pela doença pelos mesmos
motivos, visto que são indivíduos diferentes, com características físicas, sócias, genéticas,
dentre outras, que também possuem suas particularidades.
Desta forma, Brasil (2009) infere nos dizendo que
muitos profissionais tendem a considerar tudo o que não diz respeito às doenças
como uma demanda “excessiva”, algo que violentaria o seu “verdadeiro” papel
profissional. A Clínica Ampliada, no entanto, não desvaloriza nenhuma abordagem
disciplinar. Ao contrário, busca integrar várias abordagens para possibilitar um
manejo eficaz da complexidade do trabalho em saúde, que é necessariamente
transdisciplinar e, portanto, multiprofissional. Trata-se de colocar em discussão
justamente a fragmentação do processo de trabalho e, por isso, é necessário criar um
contexto favorável para que se possa falar destes sentimentos em relação aos temas e
às atividades não-restritas à doença ou ao núcleo profissional (BRASIL, 2009, p.14).

Assim, a Clínica Ampliada é uma diretriz para organização do processo de


trabalho em saúde que propõem a articulação e inclusão dos diferentes enfoques e disciplinas
na ampliação do objeto de trabalho. Ela compreende que, em um certo momento e situação
singular, pode existir uma predominância, uma seleção, ou a necessidade de um enfoque ou
de um tema, sem que isso signifique a recusa de outros enfoques e possibilidades de ação
(BRASIL, 2009). Os indivíduos não se limitam às expressões das doenças das quais são
portadoras.
A Política Nacional de Humanização - PNH (BRASIL, 2009) apresenta uma
proposta da Clínica Ampliada através de cinco eixos fundamentais, que se apresentam da
seguinte forma: 1. Compreensão ampliada do processo saúde-doença, 2. Construção
compartilhada dos diagnósticos e terapêuticas, 3. Ampliação do “objeto de trabalho”, 4. A
transformação dos “meios” ou instrumentos de trabalho, 5. Suporte para os profissionais de
saúde.
Estes eixos são explicados da seguinte forma:
1. Compreensão ampliada do processo saúde-doença: Busca evitar uma
abordagem que privilegie excessivamente algum conhecimento específico. Cada teoria faz um
recorte parcialmente arbitrário da realidade. Na mesma situação, pode-se “enxergar” vários
aspectos diferentes: patologias orgânicas, correlações de forças na sociedade (econômicas,
culturais, étnicas), a situação afetiva, etc., e cada uma delas poderá ser mais ou menos
relevante em cada momento. A Clínica ampliada busca construir sínteses singulares
tencionando os limites de cada matriz disciplinar. Ela coloca em primeiro plano a situação
real do trabalho em saúde, vivida a cada instante por sujeitos reais. Este eixo traduz-se ao
mesmo tempo em um modo diferente de fazer a clínica, numa ampliação do objeto de
trabalho e na busca de resultados eficientes, com necessária inclusão de novos instrumentos.
2. Construção compartilhada dos diagnósticos e terapêuticas: A complexidade
da clínica em alguns momentos provoca sensação de desamparo no profissional, que não sabe
como lidar com essa complexidade. O reconhecimento da complexidade deve significar o
reconhecimento da necessidade de compartilhar diagnósticos de problemas e propostas de
solução. Este compartilhamento vai tanto na direção da equipe de saúde, dos serviços de
saúde e da ação intersetorial, como no sentido dos usuários, ou seja, por mais que
frequentemente não seja possível, diante de uma compreensão ampliada do processo saúde-
doença, uma solução mágica e unilateral, aposta-se que aprender a fazer algo de forma
compartilhada é infinitamente mais potente do que insistir em uma abordagem pontual e
individual.
3. Ampliação do “objeto de trabalho”: As doenças, as epidemias, os problemas
sociais acontecem em pessoas e, portanto, o objeto de trabalho de qualquer profissional de
saúde deve ser a pessoa ou grupos de pessoas, por mais que o núcleo profissional (ou
especialidade) seja bem delimitado. As organizações de saúde não ficaram imunes à
fragmentação do processo de trabalho decorrente da revolução industrial. Nas organizações de
saúde, a fragmentação produziu uma progressiva redução do objeto de trabalho através da
excessiva especialização profissional. A Clínica ampliada convida a uma ampliação do objeto
de trabalho para que pessoas se responsabilizem por pessoas. Poder pensar seu objeto de
trabalho como um todo em interação com seu meio é uma das propostas e desafios aqui
colocados.
4. A transformação dos “meios” ou instrumentos de trabalho: Os
instrumentos de trabalho também se modificam intensamente na Clínica ampliada. São
necessários arranjos e dispositivos de gestão que privilegiem uma comunicação transversal na
equipe e entre equipes (nas organizações e rede assistencial). Mas, principalmente, são
necessárias técnicas relacionais que permitam uma clínica compartilhada. A capacidade de
escuta do outro e de si mesmo, a capacidade de lidar com condutas automatizadas de forma
crítica, de lidar com a expressão de problemas sociais e subjetivos, com família e com
comunidade etc.
5. Suporte para os profissionais de saúde: A clínica com objeto de trabalho
reduzido acaba tendo uma função protetora - ainda que falsamente protetora - porque
“permite” ao profissional não ouvir uma pessoa ou um coletivo em sofrimento e, assim, tentar
não lidar com a própria dor ou medo que o trabalho em saúde pode trazer. É necessário criar
instrumentos de suporte aos profissionais de saúde para que eles possam lidar com as próprias
dificuldades, com identificações positivas e negativas, com os diversos tipos de situação. A
principal proposta é que se enfrente primeiro o ideal de “neutralidade” e “não-envolvimento”
que muitas vezes coloca um interdito para os profissionais de saúde quando o assunto é a
própria subjetividade. A partir disto, a gestão deve cuidar para incluir o tema nas discussões
de caso (Projeto terapêutico singular) e evitar individualizar/culpabilizar profissionais que
estão com alguma dificuldade - por exemplo, enviando sistematicamente os profissionais que
apresentam algum sintoma para os serviços de saúde mental. “As dificuldades pessoais no
trabalho em saúde refletem, na maior parte das vezes, problemas do processo de trabalho,
baixa grupalidade solidária na equipe, alta conflitividade, dificuldade de vislumbrar os
resultados do trabalho em decorrência da fragmentação, etc.” (BRASIL, 2009, p. 18).
Partindo desse conceito, a elaboração de um PTS dentro do estágio em saúde
pública vem como uma importante ferramenta para o entendimento dos acadêmicos frente aos
conceitos e dificuldades de se instalar atividades que envolvam um número expressivo de
pessoas em um único caso:
(...) fazer um PTS deve ser um processo de construção coletiva envolvendo,
necessariamente, o profissional / equipe de saúde e o(s) usuário(s) em torno de uma
situação de interesse comum. Deve haver uma formação de compromisso, como
modo de responsabilização, entre os sujeitos no PTS (BRASIL,2010, p.94).

O envolvimento de todos, enquanto equipe multidisciplinar e o próprio usuário,


mostra aos acadêmicos a importância de saber articular e conhecer as redes que possam
auxiliar na resolução do caso. O trabalho em equipe interfere diretamente nas possibilidades
de sucesso do PTS.
A formulação e a operação de um PTS está diretamente relacionada a realização
de três movimentos necessariamente articulados e sobrepostos: o primeiro deles se refere à
coprodução da problematização, que se trata do processo responsável por produzir o acesso
dos sujeitos à singularidade do caso em discussão, o segundo diz respeito à coprodução do
projeto, que traz consigo o desafio de conciliar as práticas de planejamento, com o sentido de
projetualidade, ao mesmo tempo em que seja produtor de estímulos para a participação ativa
dos atores envolvidos, e ainda, o terceiro movimento, a cogestão-avaliação do processo, que
surge desde o momento em que a equipe, mesmo antes de definir o caso, sente a necessidade
ou é estimulada a criar ou qualificar os espaços coletivos de reunião (BRASIL, 2010). Desta
forma, vê-se que a elaboração do PTS, envolve inúmeras etapas, que necessitam da
articulação e trabalho multiprofissional, além do contato direto com a comunidade.
Neste sentido,

cabem à equipe e ao usuário algumas práticas de aproximação. Ir a campo e


provocar momentos de encontro. Reconhecer e afirmar as identidades das pessoas
em seus territórios existenciais. Ofertar contatos, encontros, momentos de conversa,
seja nos espaços do serviço, na rua ou no domicílio das pessoas. O significado
desses encontros, não se dá apenas pela necessidade da equipe de coletar
informações, mas, além disso, será o de oportunizar o vínculo e a formação de algo
em comum. Nesses encontros, as conversas que acontecem são momentos
estratégicos nessa coprodução de problematização, na formação e
conjunção/composição de olhares sobre a situação-problema, suas hipóteses
explicativas e, já aí, algumas possíveis saídas. (BRASIL, 2010, p. 95).
A elaboração de um PTS promove uma ampliação do conhecimento para campos
que ultrapassam o núcleo específico da medicina, em direção a um campo interdisciplinar que
envolve aspectos sociais e subjetivos. Desde a teorização histórica, passando por conceitos,
agentes envolvidos, tecnologias que possam ser aplicadas, e enfim levar para a prática o que
foi proposto. Esta parte da atividade dentro do estágio é de extrema importância, pois assim a
aprendizagem fixa com mais efetividade. Nesse sentido, propõe-se que o PTS seja um
dispositivo concreto para a concretização de uma clínica ampliada e compartilhada (BRASIL,
2009).
O PTS “é um conjunto de propostas de condutas terapêuticas articuladas, para um
sujeito individual ou coletivo, resultado da discussão coletiva de uma equipe interdisciplinar,
com apoio Matricial se necessário. Geralmente é dedicado a situações mais complexas.
Portanto, é uma reunião de toda a equipe em que todas as opiniões são importantes para
ajudar a entender o sujeito com alguma demanda de cuidado em saúde e, consequentemente,
para definição de propostas de ações” (BRASIL, 2009, p.39).

Para enunciar um conceito claro diremos: o Projeto Terapêutico Singular (PTS) é


um movimento de coprodução e de cogestão do processo terapêutico de indivíduos
ou coletivos, em situação de vulnerabilidade” (BRASIL, 2010, p. 94).

Assim, compreendemos o PTS como um agrupamento de ações terapêuticas que


buscam solucionar problemáticas relacionadas a um sujeito ou a um coletivo/comunidade.
Essas ações resultam de uma discussão coletiva e interdisciplinar, fator de extrema
importância para a compreensão da problemática de uma forma mais ampla e assim colaborar
na tomada de decisão encarando o sujeito ou o coletivo como um todo.
O PTS, segundo a Cartilha Ampliada e Compartilhada (BRASIL, 2009), é
constituído de quatro movimentos, distribuídos nas seguintes etapas:

1) Definir as hipóteses diagnósticas: este momento deverá conter uma avaliação


orgânica, psicológica e social que possibilite uma conclusão a respeito dos riscos e
da vulnerabilidade do usuário. O conceito de vulnerabilidade (psicológica, orgânica
e social) é muito útil e deve ser valorizado na discussão. A equipe deve tentar captar
como o sujeito singular se produz diante de forças como as doenças, os desejos e os
interesses, assim como também o trabalho, a cultura, a família e a rede social, ou
seja, tentar entender o que o sujeito faz de tudo que fizeram dele, procurando não só
os problemas, mas as potencialidades. É importante lembrar de verificar se todos na
equipe compartilham das principais hipóteses diagnósticas, e sempre que possível
aprofundar as explicações (por que tal hipótese ou fato ocorreu?)

2) Definição de metas: uma vez que a equipe fez os diagnósticos, ela faz propostas
de curto, médio e longo prazo, que serão negociadas com o sujeito doente pelo
membro da equipe que tiver um vínculo melhor.
3) Divisão de responsabilidades: é importante definir as tarefas de cada um com
clareza. Uma estratégia que procura favorecer a continuidade e articulação entre
formulação, ações e reavaliações e promover uma dinâmica de continuidade do
Projeto Terapêutico Singular é a escolha de um profissional de referência. Não é o
mesmo que responsável pelo caso, mas aquele que articula e “vigia” o processo.
Procura estar informado do andamento de todas as ações planejadas no Projeto
terapêutico singular. Aquele que a família procura quando sente necessidade. O que
aciona a equipe caso aconteça um evento muito importante. Articula grupos menores
de profissionais para a resolução de questões pontuais surgidas no andamento da
implementação do Projeto Terapêutico Singular. Pode ser qualquer componente da
equipe, independente de formação. Geralmente se escolhe aquele com modo de
vinculação mais estratégico no caso em discussão.

4) reavaliação: momento em que se discutirá a evolução e se farão as devidas


correções de rumo. É simples, mas alguns aspectos precisam ser observados” como,
por exemplo, as escolhas dos casos, as reuniões para discussão do projeto, o tempo
do projeto e as mudanças (BRASIL, 2009, p. 49).

Sendo assim, diante de todas essas particularidades, pensa-se ser importante


acreditar na eficiência das ações e no poder que estas articulações possuem, fazendo-nos crer
que as pessoas possuem um grande poder de mudar sua relação com a vida e com a própria
doença (BRASIL, 2009). É preciso estar aberto para o imprevisível, as ações nem sempre vão
acontecer da forma como foram programadas, certezas, possibilidades, incertezas, todos estes
sentimentos estarão pelo caminho.

Nas situações em que se enxergavam apenas igualdades, podem-se encontrar, a


partir dos esforços do Projeto terapêutico singular, grandes diferenças. Nas situações
em que se imaginava haver pouco o que fazer, pode-se encontrar muito trabalho. As
possibilidades descortinadas por este tipo de abordagem têm que ser trabalhadas
cuidadosamente pela equipe para evitar atropelamentos. O caminho do usuário ou do
coletivo é somente dele, e é ele que dirá se e quando quer ir negociando ou
rejeitando as ofertas da equipe de saúde (BRASIL, 2009, p. 46.).

2.3 Equipe multiprofissional

O termo equipe multiprofissional deixa subtendido conceitualmente que se trata


de uma equipe composta por profissionais de várias áreas, que desenvolvem ações que
interligam suas áreas, ampliando assim, a visão acerca do objeto de estudo. A presença de
uma equipe na atenção básica é de extrema importância na atenção básica, permitindo uma
melhor condução dos casos, qualificando e ampliando o atendimento. Executar um trabalho
em equipe de modo integrado significa interligar distintos processos de trabalho, com base no
que se conhece do trabalho do outro e valorização da participação do outro na produção de
cuidados (RIBEIRO et al, 2004).
Peduzzi (2001) colabora na construção conceitual inferindo que, o trabalho em
uma equipe multiprofissional configura-se em uma modalidade de ação coletiva que desenha-
se na relação recíproca entre as várias intervenções técnicas e a interação entre os agentes de
diferentes áreas profissionais. Através da comunicação, acontece a articulação das ações
multiprofissionais e a cooperação.
A saúde pública é constituída por várias redes de atenção, que, por sua vez, são
constituídas por equipes multiprofissionais, no intuito de atender o indivíduo ou o coletivo
abrangendo seus múltiplos aspectos e compreendendo os problemas para além dos problemas.
Segundo Ciampone e Peduzzi (2000), a articulação na equipe multiprofissional se
refere à recomposição de processos de trabalhos diferentes e, portanto, à consideração de
conexões e interfaces, entre as intervenções técnicas de cada área profissional, dentro de suas
particularidades. O significado está em construir consensos quanto aos resultados e objetivos
a serem alcançados pelos de profissionais envolvidos, assim como, quanto à maneira mais
adequada de adquiri-los.
Assim, o trabalho multiprofissional é muito mais do que “cada um fazer a sua
parte”, compreende-se que as partes distintas devam integrar-se, para assim chegar a um fator
comum, permitindo ideias que perpassem e interliguem as áreas que compõe o grupo. Neste
caso, não existe uma área sobrepondo a outra, há uma colaboração que parte de um para todos
e de todos para um.
3 METODOLOGIA DE PESQUISA

Trata-se de uma pesquisa documental que tem como principal fonte de dados os
diários de campo dos alunos envolvidos na elaboração do Projeto Terapêutico Singular da
turma 96ª, de medicina da UFMA, que atuaram no período de 13 de fevereiro de 2017 a 22 de
abril de 2017 no estágio de saúde pública no 10º período.
A análise documental justifica-se porque possibilita ampliar o entendimento de
objetos cuja compreensão necessita de contextualização histórica e sociocultural (SÁ-SILVA,
ALMEIDA E GUINDANI, 2009). Outra justificativa para o uso de documentos em pesquisa
é que ele permite acrescentar a dimensão do tempo à compreensão do social. A análise
documental favorece a observação do processo de maturação ou de evolução de indivíduos,
grupos, conceitos, conhecimentos, comportamentos, mentalidades, práticas, entre outros.
Maior parte do estágio ocorre junto à Unidade Básica de Saúde (UBS Turú II),
localizada no bairro Turú, porém, sua região de abrangência se estende a diversos bairros
vizinhos. Durante o estágio os alunos produzem um diário de campo, onde são registrados
todos os passos para a elaboração de um PTS, através do caso do “Seu Franzino”, utilizado
como base para o desenvolvimento desta pesquisa.
Por ser uma pesquisa realizada por um dos alunos envolvidos na elaboração do
PTS, objeto da pesquisa, entende-se que se trata de uma triangulação de método (MINAYO,
2005) uma vez que o diário de campo foi também um registro de uma intervenção, o que se
aproxima de uma observação participante de pesquisa-intervenção. Na observação
participante, que é voltada para interação entre pesquisadores e membros das situações
investigadas, o observador passa a agir com os informantes. Tem “origem na antropologia e
na sociologia e é geralmente utilizada na pesquisa qualitativa para coleta de dados em
situações em que as pessoas se encontram desenvolvendo atividades em seus cenários
naturais, permitindo examinar a realidade social” (HOLLOWEY e WHEELER apud LIMA et
al, 1999, p. 131).
Para seguir uma ordem lógica dos acontecimentos, elaboramos um roteiro de
observação, que obedeceu a seguinte ordem:
 Evolução do caso/PTS - Diagnóstico ampliado e definição de metas, dinâmica
familiar;
 Processo de trabalho dentro da UBS (ESF, NASF);
 Território e Redes de Atenção.
4 PTS: RELATO DA ELABORAÇÃO DO PTS

4.1 Acolhendo a demanda

Dentro do estágio coube ao grupo a escolha de um caso para que fosse trabalhado
a elaboração de um PTS. Em conversa com as Agentes Comunitárias de Saúde(ACS),
conhecemos a ACS Nilma, que nos contou sobre o caso do Seu “Franzino” de 56 anos. Disse
que tinha muita dificuldade de acesso a essa família e que não conseguia dar seguimento às
necessidades que ali havia. E com a turma anterior a nossa, Turma 95B, juntamente com o
preceptor, ela iniciou as primeiras ações junto a esta família. Foram realizadas algumas visitas
de aproximação para constituição de um diagnóstico preliminar, que descreveremos abaixo:
Na última visita da Turma 95B observou-se a necessidade de levar Seu Franzino a
Unidade de Pronto Atendimento (UPA) devido ao quadro que se encontrava de desnutrição.
Lá internado foi diagnosticado com Tuberculose (TB), apenas pelo quadro clínico e um raio x
com imagens cavitárias sugestivas de TB, pois o PPD (Teste tuberculínico) deu negativo.
A partir de então a turma 95B já tinha encerrado seu estágio e o acompanhamento
continuou sendo feito pela ACS Nilma, que nos relatou que ele já tinha iniciado o tratamento
pra TB, porém com pouca adesão do paciente e dos familiares em ajudá-lo. E que continuava
com baixo peso (36kg). A casa em que Seu Franzino reside, moram o irmão (Severino, 52),
junto com a cunhada (Dona Lamentação, 58), dois sobrinhos (M. P., 19 e P.F., 24) e a
namorada do sobrinho, que está gestante (G., 17).
Assim, decidimos dar continuidade no caso junto a ACS, observar a demanda que
essa família nos daria e a partir disso ter direcionamento para a elaboração do PTS.

4.1.1 Reconhecendo o território


Fomos junto a ACS conhecer o território que abrange seu trabalho e no mesmo
momento passamos rapidamente na casa do paciente Franzino, para fazer sua pesagem, já que
a ACS conhecia sua situação. No caminho já fomos percebendo a situação do bairro em que
estávamos entrando: crianças brincavam em meio a saneamento precário e “bocas de fumo”.
A ACS nos alertou para andar sempre identificados e de vidros do carro abertos.
Ao chegar à porta da casa do Franzino, vimos que a casa feita com tijolos
utilizava apenas tábuas como portas e janelas improvisadas para proteger a entrada da
residência. Não desci do carro, pois seria uma visita rápida apenas para pesar. E também
avaliamos que para um primeiro contato não seria estratégico a presença de muitos
estagiários. Minha colega de estágio que estava comigo foi junto com a ACS até a porta, mas
não entrou também. Dali já percebemos o desafio que estava por vir.

4.1.2 Primeira visita


Na primeira visita fomos na companhia da ACS e do professor preceptor do
Estágio. Entrando na casa fomos recebidos pelo paciente “Seu Franzino”, não avançamos
muito no ambiente domiciliar, onde entramos havia um cômodo divido por armários e
cortinas, ao lado uma rede amarrada, uma mesa de canto improvisada, chão batido e um
banquinho que Seu Franzino foi logo se sentando.
Embora a ACS tivesse agendado a visita com antecedência, só havia o sobrinho
dele que nos recebeu rapidamente e logo saiu.
Seu Franzino, portador de deficiência visual (glaucoma), estado de magreza
aparente, pesando 36 quilos. Iniciando a construção de um vínculo maior com o paciente, e
desfocando da doença, buscamos saber um pouco de sua história de vida.

“Antes de morar com meu irmão e sua família, eu morava sozinho em


outro bairro, fazia meus “bicos”, tinha minhas coisinhas, até tive
umas namoradas, mas nem pra isso tive sorte. Eu não tinha muito
contato com minha família, tinha muitos anos que eu não visitava
eles. Depois que essa doença da visão começou a me pegar, ficou
difícil para trabalhar e conseguir minhas coisas” (Seu Franzino).

Os vizinhos lhe ajudavam, mas com o tempo ele foi ficando em estado de
abandono e não tinha mais como cuidar de Seu Franzino. A vizinhança, então comovida, o
levou até sua família para que cuidassem dele. Desde então está sob os “cuidados” da família
de seu irmão. Mesmo ele estando dentro da casa de um familiar, recebendo os possíveis
cuidados, Seu Franzino nos mostrou incomodado com a situação em que se encontrava:

“É, agora estou aqui incomodando meu irmão e sua família, sendo
um peso. Mas, graças a Deus, eles cuidam bem de mim, não posso
reclamar. Ganho comida, quando tem, tenho minha rede pra dormir,
estou aqui morando de favor, né! Não posso reclamar. Queria pelo
menos poder ajudar” (Seu Franzino).

Percebemos que devido à deficiência, se locomove com dificuldade pela casa e


não tem vida social, ficando dentro de casa o dia inteiro. A perda tardia da visão exigia uma
reconstrução da vida de Seu Franzino. Dorme em uma rede improvisada, há 4 anos.
Sua única queixa clínica era de polaciúria (+15 vezes ao dia). Queixou-se também
da dificuldade financeira e de não conseguir a aposentadoria e nem o benefício para
portadores de deficiência.
Como não conseguimos encontrar os outros familiares, ficamos de realizar outra
visita assim que desse.

4.1.3 Segunda visita


Depois de agendada a visita, fomos novamente junto com a ACS visitar a família
de Seu Franzino. E dessa vez encontramos com sua cunhada, Dona Lamentação, ela que
convive maior tempo com o paciente. A princípio foi comedida com as palavras e bastante
queixosa com a situação:
“Estamos levando né, a dificuldade aqui em casa tá muito grande,
aquele dia não estava em casa porque fui pagar a conta de luz que
estava vencida. A gente vai fazendo o que pode, não vamos deixar
abandonado um familiar. Meu marido, Severino, reclama muito, diz
que seu irmão não teve capacidade nem de constituir uma família.
Entendo ele, pois é o único que trabalha aqui em casa e fica difícil
manter uma casa assim, ganhando só um salário” (D. Lamentação).

Em uma conversa rápida com ela, entendemos um pouco a dinâmica familiar,


onde seus dois filhos, que moram na casa, não trabalham, e aparentemente não se importam
com isso. Um de seus filhos engravidou sua namorada que passou a morar com eles na
mesma casa.
A cunhada nos relatou a história que ACS havia nos contado: que Seu Franzino
havia sido internado na UPA-Araçagy, há 2 meses, devido sua situação de desnutrição. Como
lá só existia um exame de raio x de Tórax, com imagens cavitárias sugestivas de tuberculose
(TB) e um PPD (Teste tuberculínico), negativo, porém, não havia feito nenhum tratamento.
Em relação à aposentadoria/benefício, relatou que o caso estava nas mãos de um advogado há
muito tempo e aguardando resolução. A partir dessa visita iniciamos a articulação de algumas
ações. Principalmente o agendamento de uma consulta com o médico da equipe de saúde da
família que, a família se comprometeu a levá-lo.
Houve a percepção de uma certa resistência da família em cuidar de Seu Franzino.
Ninguém se comprometia a levá-lo à UBS. E isso deve haver uma construção de maior
corresponsabilidade. O desafio era de fazer a equipe se responsabilizar mais e,
consequentemente, a família também. A família estava muito sozinha no caso.
4.1.4 Terceira visita
Antes da visita, fomos informados pela ACS que seu Franzino fora a uma consulta
na UBS com o Médico responsável. Franzino foi acompanhado pela sua cunhada e o genro da
cunhada: Atêncio. Onde o médico confirmou o diagnóstico de TB, e de pronto foi notificado
pela equipe de enfermagem e iniciado o tratamento com Rifanpicina, Isoniazida, Pirazinamida
e Etambutol por 2 meses e Rifanpicina e Isoniazida nos 4 meses subsequentes (Medicamento
fornecido pela unidade de Saúde), dando continuidade ao que foi sugerido na UPA. Foram
realizados testes rápidos (HIV/ Hepatite B/Hepatite C: não reagente; Sífilis: Reagente).
Solicitou-se exame de VDRL para confirmação de Sífilis.
Na visita, sempre acompanhados pela ACS, o paciente relatou melhora no apetite,
já pesava 38 quilos. Estava tomando o medicamento para TB, porém não havia feito o exame
de VDRL, pois não havia condições financeiras de fazer e para ser atendido no serviço
público dependeria de deslocamento e tempo para realizá-lo. A queixa de polaciúria
continuava, a questão da aposentadoria/benefício também.
Dona Lamentação, disse que no último final de semana eles haviam se alimentado
apenas de “arroz branco” e que se não tinha dinheiro para comida como poderia fazer o
exame.

4.1.5 O lugar de Seu Franzino na família: uma dinâmica complexa – genograma.


Com a dificuldade de entender o funcionamento da dinâmica familiar do Seu
Franzino, lançamos mão de uma das ferramentas de abordagem familiar, o Genograma.
O genograma permite identificar, de maneira mais rápida a dinâmica familiar e
suas possíveis implicações, com criação de vínculo entre profissional e a família/indivíduo. O
genograma baseia-se no modelo do heredograma, mostrando graficamente a estrutura e o
padrão de repetição das relações familiares, mostrando repetições de padrões de doenças,
relacionamento e os conflitos resultantes do adoecer (DITTERICH; GABARDO; MOYSES,
2009).
Para elaboração de um genograma utiliza-se símbolos que facilitam a
identificação e interpretação. Esta simbologia foi padronizada por um comitê organizado no
início da década de 1980, o Grupo Norte-Americano de Pesquisa em Atenção Primária (North
American Primary Care Research Group), que definiu os símbolos práticos a serem utilizados
no genograma. Sendo utilizado para identificação de gênero masculino um quadrado, e o
feminino, por um círculo. Além de linhas que demostram as relações familiares e sua
intensidade (MUNIZ e EISENSTEIN, 2009). Existem diversos outros símbolos que são
utilizados e para sua identificação é utilizada uma legenda que facilita o entendimento do
genograma.
Utilizamos as informações coletadas com Seu Franzino e com Dona Lamentação,
para elaborar o genograma familiar e entender melhor a família em que o paciente está
inserido.

Figura 2 – Genograma de Seu Franzino

Fonte: Elaboração do autor.

Ao observar o genograma podemos identificar a dinâmica familiar e as relações


ali presentes.
Dentro da delimitação de linhas tracejadas está grupo familiar de Seu Franzino
que reside na mesma casa. As relações entre todos os componentes da casa foram difíceis de
elaborar, pois não tivemos contato com os outros e as informações repassadas pelos que
conversamos não foi suficiente. Devido às limitações que Seu Franzino tem, ele possui uma
relação de dependência forte com Dona Lamentação, visto que ela que está a maioria do
tempo dentro de casa e o auxilia nas atividades necessárias bem como levá-lo às consultas na
UBS. Junto com Atêncio, genro da D. Lamentação, que é o tutor legal de Seu Franzino e
estabelece essa relação de dependência.
Antes dos pais de Seu Franzino falecerem, seu pai era referência para ele. E como
seu Franzino não constituiu uma família, sua proximidade com o pai era maior. Já Severino,
seu irmão, teve um distanciamento do pai, mesmo quando estava vivo. Dona Lamentação não
soube relatar o motivo. Severino e Seu Franzino possuem uma relação conflituosa, a situação
do Seu Franzino dentro de sua casa e a forma que o fez chegar até ali não é algo bem aceito
por Severino.
O genograma permite inferir muitas realidades dentro de um ambiente familiar, a
equipe multiprofissional pode lançar mão dessa ferramenta, que deixa de forma mais prática a
dinâmica da família. Para uma elaboração mais completa o acompanhamento mais próximo
de toda família seria necessário mais tempo.

4.1.6 Fechamento do diagnóstico ampliado e as metas do PTS


Com as primeiras visitas e as reuniões entre o grupo e os preceptores foi
elaborado uma tabela para dar seguimento às ações que deveriam ser tomadas dentro do caso
e as metas a serem alcançadas.

Tabela 1 – Elaboração das ações

DIMENSÃO PROBLEMA METAS


- Desemprego - Alinhar apoio junto ao CRAS
Social -Família pobre (casa, o - Aposentadoria
bairro) - Possíveis benefícios à família
-Contexto de violência
- Reinserção do paciente na
Subjetiva, familiar e - Isolamento social Sociedade
autonomia - Falta de autonomia - Articular visita domiciliar do
- Culpa e sobrecarga da NASF com equipe de saúde da
família (abandono família
inconsciente?) Encaminhar ao CER com
apoio do NASF
- Escola para cegos
- Apoio psicológico à família

Clínica -Desnutrição (baixo peso) - Terminar o Tratamento de


- Tuberculose TB e iniciar o de Sífilis
-Cegueira (Glaucoma) - Alinhar a visita domiciliar
- Polaciúria junto com o Médico da ESF
4.2 Articulando o cuidado

4.2.1 Subjetividade, família e autonomia


Uma das questões centrais no caso de Seu Franzino era a responsabilidade
repentina que seu irmão mais velho, Severino, e sua família tiveram que assumir com a vida
de um adulto com deficiência, adoecido e desempregado. Seu Franzino nos conta que era
distante desse irmão e levava um estilo de vida mais desregrado, em festas e com várias
mulheres. Seu irmão, Severino, nos relatou que Seu Franzino nunca constituiu família, e agora
estava ali, pra eles cuidarem. Dona Lamentação também se queixava que os irmãos brigavam
muito, pois Severino enfatizava que seu irmão nunca se preocupou com família. Isso parecia
ter um peso grande para essa família que era religiosa e frequentava a igreja. Tivemos a
impressão que para a família, Seu Franzino estivesse sendo castigado pela vida que levou e,
ao mesmo tempo, sendo uma provação, uma cruz que a família teria que carregar.
Chamava-nos à atenção o fato de Seu Franzino estar pesando somente 36 kg e a
família não ter procurado a unidade de saúde que eles frequentam ou outro serviço de saúde.
Havia uma responsabilidade mal resolvida, um “casamento forçado”. De todo modo, estava
evidente que eles não conseguiriam assumir essa responsabilidade sozinhos. Sem a presença
ativa da equipe, o mais provável é que Seu Franzino falecesse de TB ou de desnutrição. A
família estava no seu limite.
Todas as ações convergiam para a necessidade de aumentar a autonomia de seu
Franzino em relação à família. Quanto mais seu Franzino fosse assistido por uma rede de
apoio e proteção social que ampliasse sua autonomia, mais viável se tornaria para a família se
responsabilizar por ele também. Até o momento, seu Franzino estava recebendo cuidados
mínimos.
As ações a serem tomadas envolviam articulação de uma rede de cuidado com
serviços de saúde e intersetorial.

4.2.2 Articulação intersetorial: rede de assistência social


A garantia de um benefício seria um importante passo para ampliar a autonomia
de seu Franzino, pois uma fonte de renda própria seria um alívio financeiro para a família,
facilitando compra de remédios e alimentação adequada. Conversando entre o grupo e os
preceptores avaliamos que essa articulação envolveria a assistente social do Núcleo de Apoio
a Saúde da Família (NASF).
A assistente social do NASF informou que essa demanda seria esclarecida no
Centro de Referência de Assistência Social (CRAS). Fomos ao CRAS com a nossa professora
preceptora e conversamos com a Assistente Social responsável que nos recebeu muito bem,
explicamos a situação da Família de Seu Franzino. Ela nos informou dos diversos tipos de
benefícios que Seu Franzino tem de direito, e orientou que fizéssemos uma solicitação formal
de acompanhamento do caso e posterior visita. Seguimos as orientações da assistente social,
elaboramos um documento em que continha todos os dados do Seu Franzino e a situação
social em que se encontrava, solicitamos a assinatura da enfermeira responsável pela ESF que
atendia sua casa. E então, encaminhamos o documento solicitado à coordenadora do CRAS.
Em uma de nossas visitas à família informamos que a assistente social do CRAS
faria uma visita domiciliar. A princípio ficaram relutantes, pois disseram que uma vez
pediram ajuda e não conseguiram. E que o caso da aposentadoria já estava com o advogado.
Devido a inúmeros casos noticiados sobre golpes contra a pessoa idosa em relação às
tramitações de aposentadoria, logo levantamos a suspeita de que Seu Franzino poderia ser
mais uma vítima. Tentamos explicar que a visita do CRAS iria ajudar eles em vários quesitos
sociais e que estariam mais próximos para auxiliá-los.
Voltamos à visita domiciliar juntamente com a Assistente Social do CRAS e ACS
Nilma, fomos bem recebidos, a assistente social colheu toda história, explicou a eles todos os
benefícios que Seu Franzino tem de direito e o passo a passo das documentações necessárias.
Nessa conversa descobrimos que o genro de Dona Lamentação, o Atêncio, era o tutor legal do
paciente. A assistente social orientou que fossem até o CRAS para fazer o cadastro e que
levassem a documentação na mesma semana. A partir dessa visita, o CRAS tomou frente
para conduzir este caso. O PTS garantiu a corresponsabilização do CRAS, mas até o final dos
3 meses de estágio o benefício ainda não havia sido efetivado. Entretanto, tivemos notícia
pela turma seguinte que o seu Franzino consegui o benefício e que seu irmão construiu um
quarto com banheiro só para ele.

4.2.3 Articulação da rede de reabilitação


A perda de visão decorrente do glaucoma alterou radicalmente a condição de vida
de seu Franzino tornando-o totalmente dependente da família e do espaço domiciliar. Era
necessário que seu Franzino aprendesse a viver com essa deficiência, reconstruindo seu
repertório de vida e ampliasse os limites impostos pela doença.
Uma primeira pesquisa que fizemos foi sobre a Escola de Cegos do município de
São Luís. Mas nos explicaram que não ofertam nenhum serviço de transporte. Entendemos
que esse serviço acaba excluindo pessoas como seu Franzino que se tornam deficientes
visuais depois de adultos e não sabem se locomover pela cidade e que não tem ninguém na
família que possa levá-lo periodicamente.
Junto ao NASF, fomos em busca do fisioterapeuta e terapeuta ocupacional que
pudessem fazer um trabalho de reinserção do Seu Franzino na sociedade, promovendo sua
autonomia e facilitando sua mobilidade tanto no domicílio quanto fora dele. Tivemos
dificuldade em encontrar esses profissionais do NASF, contudo, priorizamos regularizar a
situação do Seu Franzino, referente aos benefícios que o mesmo tinha direito. Nos
acomodamos um pouco em relação ao NASF. Ainda assim, fomos pesquisando e descobrimos
a existência da Rede de Cuidado à Pessoa com Deficiência (RCPD) em São Luís - MA.
Então, descobrimos o CER (Centro Especializado em Reabilitação) que faz parte da Rede de
Cuidado à Pessoa com Deficiência (BRASIL,2016) na área da reabilitação, onde o objetivo é
atingir o maior nível de independência física e funcional destes pacientes.
A Rede de Cuidado à Pessoa com Deficiência foi instituída através da portaria nº
793 de 24 de abril de 2012, “propondo a criação, a ampliação e a articulação de pontos de
atenção à saúde para atender às pessoas com deficiência, com o objetivo de: promoção do
cuidado à saúde; prevenção e identificação precoce de deficiências em todas as fases da vida;
ampliação da oferta de Órteses, Próteses e Meios Auxiliares de Locomoção; e de cuidados em
habilitação e reabilitação, promovendo autonomia e circulação social das pessoas com
deficiência. Além disso, incentiva o aprimoramento dos mecanismos de regulação e
organização dos fluxos assistenciais da rede, com monitoramento das ações desenvolvidas nos
territórios” (BRASIL, 2016, p. 126).
Dentro da RCPD estabeleceram diversos componentes que podem levar a
qualidade de vida do cidadão portador de deficiência, estes componentes são: da Atenção
Básica – unidades de saúde, equipes de Saúde Bucal e equipes dos Núcleos de Apoio à Saúde
da Família (Nasfs); Atenção Especializada – Ambulatório de Especialidades, Centros
Especializados em Reabilitação (CER); Serviços Especializados em Reabilitação Física,
Auditiva, Visual e Intelectual; Oficinas Ortopédicas; Centros de Especialidades
Odontológicas; e Atenção Hospitalar e de Urgência e Emergência – centros cirúrgicos,
unidades hospitalares de internação de longa permanência.
Antes de 2011 a atenção à saúde aos portadores de deficiências era tratada de
forma limitada, com ações específicas e que não tinha um olhar amplo de reabilitação e
reintegração desses cidadãos na sociedade, estigmatizando e os excluindo da convivência
social.
Fomos junto com o nosso preceptor conhecer o funcionamento e a estrutura do
CER que existe em São Luís. Ficamos impressionados pois não imaginávamos que existia um
serviço tão bem estruturado com vários setores, piscina, academia, atividades de dança,
atendendo múltiplos agravos desde crianças com autismo, crianças com microcefalia, adultos
e idosos com diferentes necessidades de reabilitação. Conversamos com a diretora e
contamos o caso do Seu Franzino e ela nos contou que estavam justamente implementando
ações voltadas para deficiência visual. A diretora também nos contou que existe uma fila de
espera e que não havia uma classificação de risco para definir prioridades nessa fila de espera,
mas que isso seria implementado. Indicou que Seu Franzino fosse encaminhado para o CER
pela equipe de saúde da família que ele seria acolhido. Mas havia mais um impasse: como
fazer Seu Franzino chegar até lá?
Descobrimos que o governo do Estado possui um projeto chamado Travessia que
consiste em transportar pessoas com deficiência para consultas e tratamentos a ser realizados
dentro do Estado1. Para isso acontecer com Seu Franzino era necessário um cadastro junto à
Secretaria do Estado e laudos que comprovassem sua necessidade. O cadastro foi preenchido
pelo médico da ESF, mas não houve quem levasse o mesmo até o local específico para fazer o
cadastro. Colocando-se uma questão sobre até que ponto a equipe deve viabilizar esse
cadastro e acionar o serviço do projeto Travessia e até que ponto é a família que deve assumir
essa responsabilidade.
Imprimimos a ficha de cadastro na própria UBS e entregamos para o médico fazer
e assinar a solicitação. Decidimos com a enfermeira que a família deveria levar essa ficha de
solicitação feita pelo médico até o local de cadastro do projeto Travessia, que fica do
Shopping do Automóvel (um pouco distante de onde mora seu Franzino e sua família). Até o
fim do nosso estágio a família não tinha cadastrado seu Franzino do projeto Travessia para
garantir acesso às atividades no CER. O CER existe, o projeto Travessia existe, mas seu
Franzino não conseguia acessá-los.

4.2.4 Articulação do tratamento clínico


Dentro das queixas clínicas relatadas pelo Seu Franzino e os diagnósticos já
feitos nas visitas anteriores, priorizamos a continuidade do tratamento acompanhada pela
ACS e o acompanhamento periódico junto ao médico responsável pela ESF.

1
<http://www.mob.ma.gov.br/projeto-travessia-cadeirantes-terao-servico-de-transporte-exclusivo-e-gratuito-
cadastre-se/> Acessado em 22 de novembro de 2017.
Em conversa com o professor propomos pagar o exame de VDRL, porém ele
orientou que buscássemos uma alternativa através do sistema público. Mas o grupo percebeu
a dificuldade em realizar o exame, visto que para realizar pelo SUS seria necessário gasto
com transporte, pois o laboratório era longe e o valor do exame era mais barato que esse
gasto, então reunimos o valor para realização do exame. Na visita seguinte à família,
organizamo-nos para que fosse feito o exame de VDRL, já que estava aguardando esse
resultado para iniciar o tratamento da sífilis e já agendamos uma próxima consulta com
Médico para levá-lo.
Na consulta com o Médico da UBS, foi confirmado a infecção por Sífilis. Sendo
assim, o tratamento foi receitado, Penicilina G benzatina, 2,4 milhões UI, IM, (1,2 milhão UI
em cada glúteo), semanal, por três semanas. Dose total de 7,2 milhões UI. Entretanto, havia
falta dessa medicação na rede e a família do paciente não tinha condições de comprá-la. Mais
um desafio! Após uma semana, a ACS nos informou que a família conseguiu comprar o
medicamento e havia iniciado o tratamento.
Além disso, marcamos a ida do Franzino ao mutirão de glaucoma que aconteceria
na UBS. Dona Lamentação pareceu sem esperança com a situação “Ih meu filho, essa
cegueira só Deus na causa, não tem mais o que fazer”. Percebendo a situação procuramos
conversar com Seu Franzino e entender seus anseios com tratamento de sua visão: “Se der
pra melhorar um pouco minhas vistas, e poder viver melhor”. Assim acordamos sua ida à
UBS, em que Atêncio iria levá-los. No mutirão de Glaucoma, o paciente fez as consultas
necessárias, onde o oftalmologista confirmou a perda da visão sem cura. Lá Dona Lamentação
também fez a consulta para saber se tinha glaucoma, nada foi encontrado, mas a atenção dada
a ela fez ter uma melhor relação com a UBS.
Dentro de todas as intervenções não conseguimos agendar uma visita domiciliar
do médico em que pudéssemos acompanhar e nem fomos informados que ele realizou uma
visita enquanto estávamos acompanhando o caso. E a queixa de polaciúria se mantinha, algo
que incomodava muito Seu Franzino, porém foi orientado pelo médico que aguardássemos a
finalização do tratamento TB para que uma pesquisa maior fosse realizada, já que o PSA
(marcador de CA de próstata) não estava alterado.
Foi agendada uma reunião com todos os profissionais de saúde envolvidos no
caso, para que fosse alinhado o Projeto Terapêutico Singular e definido quem seria o
profissional de referência para o caso, porém, sem sucesso até o fim do estágio realizado pela
Turma 96A.
5 CONCLUSÃO

A elaboração de um PTS é um processo que requer um trabalho multiprofissional


através de uma equipe capacitada para direcionar e resolver os desafios que possam surgir em
uma UBS. Isso porque os casos a serem acompanhados necessitam de olhares para além das
enfermidades.
Mais do que identificar as doenças, é preciso compreender o contexto social,
familiar, enfim, é preciso conhecer a história dos pacientes. A compreensão da evolução da
doença em relação como a história de vida e os vários sentidos e sentimentos tanto do
paciente quanto da família é o que vão dar a base para as ações a serem planejadas.
Todos os dias muitas pessoas são atendidas em diversas unidades de saúde no país
inteiro. As enfermidades são “tratadas” com os mais variados tipos de medicação. Porém,
nem sempre é somente a medicação que resolve. Administrar a medicação e mandar o
paciente embora, saber apenas dados como nome, idade, peso e altura não são suficientes para
tentar resolver os casos.
É importante ressaltar a importância do trabalho multiprofissional: esse contato
entre os diversos setores irá facilitar uma avaliação mais geral das condições dos pacientes e
facilitarão uma abordagem mais completa dos casos.
O estágio na UBS é um período de extrema importância no processo de formação
médica. As experiências vividas nos arremetem a uma realidade que contribui e deixa marcas
importantes em nossa formação, coloca-nos em ação para investigar e pensar em soluções
para as problemáticas encontradas. Tudo isso nos permite fazer um mergulho profundo no
universo da AB, fazendo-nos perceber os pontos positivos e, também, as necessidades e
lacunas desse sistema.
O modelo de atenção da AB possibilitaria a resolução de inúmeros casos, porém,
o período no estágio nos permitiu perceber que as coisas não funcionam exatamente como são
preconizados pelas políticas do SUS, especialmente a função de coordenação do cuidado e
articulação da rede. A função de coordenação é “uma organização deliberada do cuidado
individual, centrada na pessoa, com o objetivo de integrar e dar continuidade às várias ações
de saúde prestadas por diferentes profissionais ou em diferentes serviços da rede, com o
objetivo de garantir que o usuário receba o cuidado que necessita” (CHUEIRI APUD
MAGALHÃES JÚNIOR E PINTO, 2014, p. 16). Nossa vivência durante o estágio na AB nos
permitiu observar que, essa integração, necessária entre os diversos profissionais e setores, na
prática é frágil. Ainda Chueiri apud Magalhães Júnior e Pinto (2014) infere que “a ordenação
do cuidado a partir da AB pressupõe que o planejamento dos recursos financeiros, da
necessidade de formação profissional e das ações e serviços que conformam as RAS seja
programado e organizado levando-se em conta as necessidades de saúde da população, que,
por sua vez, tem na AB seu local privilegiado de identificação” (CHUEIRI APUD
MAGALHÃES JÚNIOR E PINTO,2014, p. 15). Assim, percebemos que existem os serviços
voltados, por exemplo, para os casos de pessoas com deficiência, porém não existe uma rede
de cuidados voltada para esses casos. Se essa articulação não for realizada pela AB, o paciente
não tem acesso ao serviço.

Entendemos que a AB deva ser a porta de entrada preferencial do sistema, mas não
exclusiva, conforme normatiza o próprio Decreto nº 7.508 de 28 de junho de 2011.
Para nós, o sistema deve ser ordenado em função das necessidades de saúde,
individuais e coletivas, da população de um território determinado e a AB tem papel
destacado na identificação, no manejo e na transformação destas necessidades
(MAGALHÃES JÚNIOR E PINTO, 2014, p. 16).

A AB tem capacidade de resolver cerca de 80% dos problemas de saúde (Campos


et al, 2014), mas para isso o conhecimento e a vivência dos acadêmicos que estão entrando na
vida profissional é indispensável, visto que nos insere na realidade, transformando nosso olhar
sobre a AB.
É necessário que haja acesso às informações e diálogo entre os diversos
profissionais da rede, para que assim, os casos sejam tratados em seus mais variados aspectos,
não somente no direcionamento da “cura imediata” de determinada patologia. Esse diálogo e
troca de informações entre profissionais e setores diversos, é importante para a qualificação
da atenção e coordenação do cuidado.
A estrutura física da unidade não dificulta o atendimento, eles possuem uma
farmácia, sala de vacina, sala de reunião, vários ambulatórios, e uma sala com computadores.
Porém, o processo de trabalho não é organizado de modo a garantir uma maior
responsabilidade pela co-coordenação e articulação do cuidado.
Verificamos que informações importantes, relacionadas, por exemplo, aos
serviços que podem ser oferecidos não são de conhecimento das pessoas que trabalham na
unidade.
Observamos a partir da elaboração do PTS que, o trabalho multiprofissional não é
colocado em prática, o que dificulta muito sua elaboração. Vivemos o desafio de elaborar um
PTS numa UBS em que o PTS e reunião de equipe não faz parte da rotina das equipes.
Percebemos que muitos conhecimentos estão fragmentados na equipe, como por exemplo os
serviços oferecidos pelo CRAS, pelo CER e pelo projeto Travessia, limitando o conhecimento
geral das possibilidades disponíveis no sistema, gerando uma grande dificuldade em
direcionar os pacientes para um atendimento mais amplo. Neste caso, nós acadêmicos
contribuímos levando essas informações, articulando os pontos dentro da equipe,
especialmente entre ACS e médico, repassando-as aos profissionais da unidade e buscando os
recursos da rede da saúde e intersetorial. Na maioria das vezes acompanhados pela ACS. O
PTS gerou uma visibilidade do caso e mobilização de parte da equipe, mas houve baixa
corresponsabilização para o PTS enquanto dispositivo de trabalho.
É necessário que haja uma mudança no modelo de gestão que se realiza dentro das
UBS. Um modelo que proporcione a aproximação dos profissionais, articulando um trabalho
conjunto através da estruturação de reuniões de equipe, elaboração de PTS e outras ações que
permitam o compartilhamento e a articulação de saberes, possibilitando assim, um
atendimento de qualidade voltado para as necessidades da comunidade atendida.
O estágio serviu para, além de conhecer o funcionamento da unidade, aprofundar
o conhecimento acerca das ferramentas que a atenção básica pode nos oferecer para garantir a
efetividade da saúde pública. O PTS é uma dessas ferramentas, e suas ações são voltadas para
a resolução de casos que chegam na AB, na medida em que articula a rede segundo a
necessidade dos casos.
A elaboração de um PTS não é um processo fácil, requer tempo, conhecimento
das informações e das ações que podem ser colocadas em prática, na busca pela resolução das
problemáticas identificadas nos casos.
O estágio nos permitiu vivenciar estas dificuldades e enfrentar os percalços
encontrados em nosso percurso na busca de uma solução para o caso do Seu Franzino. Essa
experiência nos fez concluir o estágio na UBS com um olhar diferente sobre como as coisas
de fato podem acontecer em uma UBS, nos possibilitando um preparo para a realidade que se
aproxima após o encerramento do período acadêmico. É importante compreender como
funciona a AB e ter conhecimento sobre todas as suas ferramentas para um melhor
atendimento.
Sendo assim, compreendemos esse momento de estágio na saúde coletiva como
uma experiência válida e indispensável na construção do profissional em processo de
formação. Um processo que sai do percurso hospitalocêntrico e passa a percorrer um caminho
mais humanizado.
REFERÊNCIAS

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de Saúde – SUS. Brasília: Ministério da Saúde, 2009. 36 p. (Série F. Comunicação e
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e metodológicas. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais, ano 1, n.1, jul., 2009.
ANEXO A – SOLICITAÇÃO DE ACOMPANHAMENTO AO PACIENTE

UNIDADE BÁSICA DE SAÚDE


TURU II
Encaminhamento
À Coordenadora do CRAS Sol e Mar,

Deury Clea de Moura Leitão

Solicito o acompanhamento do Sr. FRANCISCO DAS CHAGAS VIEIRA PEREIRA,


residente na RUA BOA ESPERANÇA, n°17B, BAIRRO DIVINEIA. O paciente deficiente
visual e com outras comorbidades encontra-se com dificuldades de relacionamento familiar,
autonomia e, principalmente financeira. Pois não possui nenhum tipo de renda e tem
dificuldade de conseguir sua aposentadoria.

Segue abaixo um pouco da história do paciente:

FRANCISCO DAS CHAGAS VIEIRA PEREIRA, 56 ANOS, SOLTEIRO, NATURAL E


RESIDE EM SÃO LUÍS-MA, ”TRABALHADOR BRAÇAL”, ENSINO FUNDAMENTAL
INCOMPLETO.

Reside na casa do irmão (Paulo), junto com a cunhada (Bernarda 58), dois sobrinhos (Marcos
Paulo 19 e Paulo Filho 24) e namorada do sobrinho, que está gestante (Geovana 17). Está
morando nesta casa há 4 anos (SIC).

Paciente portador de deficiência visual (Glaucoma), pesando 35 quilos, relata que mora com
eles “de favor” e que antes não tinha muito contato com o irmão. Antes de ir para esta casa
morava no bairro Altos do Turu, sozinho e estava em situação de abandono, onde a
vizinhança lhe ajudou e levou até a casa desse único irmão que tem em São Luís. Desde então
vem sendo “cuidado” pela família do irmão. Devido a deficiência, se locomove com
dificuldade pela casa e não tem vida social, ficando dentro de casa todo tempo do dia. Dorme
em uma rede improvisada. Alimenta-se bem (SIC) (Café/almoço/janta). Única queixa clinica
é a disúria (urina a cada 15 minutos), por isso não consegue dormir bem pois tem que levantar
com frequência durante a noite. Está tentando a aposentadoria, que, segundo ele, um
advogado particular está cuidando do processo há um tempo, mas não sabe nenhuma
informação.

Certo que podemos contar com apoio de vocês,

Grata desde já.

____________________________
Enfermeira Responsável
Equipe n° 74

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