Fronteiras: Revista de História
Os concursos para docentes do Ensino Superior na área Ensino de História – Raquel Alvarenga Sena Venera
OS CONCURSOS PARA DOCENTES DO ENSINO SUPERIOR NA ÁREA ENSINO
DE HISTÓRIA
CONTEST FOR TEACHERS OF HIGHER EDUCATION IN THE AREA OF
TEACHING HISTORY
Raquel Alvarenga Sena Venera1
RESUMO: Este artigo é parte do resultado de uma pesquisa sobre as práticas discursivas
privilegiadas nos concursos para docentes do Ensino Superior, adjunto e ou assistente,
desenvolvida em 2010. As fontes foram analisadas se utilizando da Análise do Discurso, AD,
em diálogo com a História do Tempo Presente. Os resultados evidenciam que não está em
questão o sentido imediato de leitura que os editais suscitam, mas estamos, no tempo
presente, diante de escolhas entre os profissionais com graduação em História que decidiram
pesquisar temas específicos do ensino ou aqueles que preferiram continuar na História com
outros temas alheios ao ensino. Esse dado aponta para uma memória de “longa duração” nos
sentidos sobre formação docente.
Palavras-chave: História da Educação, Política Educacional, Ensino de História.
ABSTRACT: This article is a result of research on the discursive practices privileged in
contracts for teachers in Higher Education, and deputy or assistant, developed in 2010. The
sources were analyzed if used in discourse analysis, with the French tradition, in dialogue
with the History of the Present Time. The results show that there is no question the
competence or capability of the candidates, as the immediate sense reading of the notices
raises, but we are at the present time, faced with choices among professionals with a degree in
history who decided to search for specific topics of education or those who chose to remain in
history with other subjects unrelated to teaching. This finding points to a memory of "long
term" in the senses on teacher training.
Key-words: History of Education, Educational Policy, Teaching History.
1
Professora do Departamento de História, do Programa de Pós-graduação em Educação e do Programa de Pósgraduação em Patrimônio e Sociedade da Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE). Doutora em
Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). E-mail: raquelsenavenera@gmail.com
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Uma breve introdução
Este artigo é uma reflexão sobre as práticas discursivas que definem as escolhas dos
docentes – Formadores de Professores de História – nos concursos públicos das universidades
federais brasileiras. O escopo do trabalho está nas digressões que permite a abertura para a
História do Tempo Presente, ou seja, como pensar a História da Formação de Professores a
partir da experiência do presente – os concursos públicos – longe da armadilha do
“presenteísmo” da Educação, mas percebendo a longa duração de tradições e conhecimentos
sobre o que é formação de professores de História e, ao mesmo tempo, identificando as
expectativas de futuro que esta experiência desvela. Destaca-se, fundamentalmente, a
centralidade de tensões da cultura acadêmica, fundamentada em práticas discursivas
tradicionalmente conhecidas nas ciências específicas e, em situações do ensino dessas
ciências, o constante tensionamento com os discursos pedagógicos e curriculares.
Trata-se do resultado de uma pesquisa nos sites das universidades federais,
exclusivamente nos documentos disponíveis nos links relacionados aos concursos públicos
para professores adjuntos ou assistentes, na área do Ensino de História dos Cursos de
Licenciatura em História, nos anos 2009 e 2010 – momento do início de um intenso
investimento de ampliação dos concursos para o provimento de cargos de professores nas
universidades federais brasileiras2. Embora esta área, muitas vezes apresente aproximações
com a História da Educação, e, muitas vezes, os requisitos para os concursos são muito
semelhantes, o recorte dessa pesquisa privilegiou aqueles editais relacionados a disciplinas
como: “Didática e Ensino de História”, “Metodologia do Ensino de História”, “Didática e
Prática de Ensino de História” e ainda “Estágio Supervisionado em História”.
A pesquisa intitulada “Os concursos para docentes do Ensino Superior na área do
Ensino de História: que saberes? Que tradições? Que tensões?” teve como recorte de
investigação 80% de amostragem do total de 55 universidades registradas no portal do
Ministério da Educação em julho de 2010. Entre as 44 universidades pesquisadas foram
registrados 11 concursos na área. O objetivo principal da investigação era mapear os saberes
privilegiados nos concursos e expressos nas exigências de formação ou titulação dos
candidatos ao cargo capturando a duração ou rupturas de concepções de formação docente.
Entendendo que essas exigências revelam o perfil que o grupo de professores daquelas
2
Essa pesquisa foi socializada no IX ENPEH, no ano de 2011, quando ainda estava em fase inicial e, naquele
momento, foi publicada on line nos anais do evento que, atualmente, não se encontra em atividade conforme
informações do servidor em http://www.ixenpeh.ufsc.br/.
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universidades entende como prioritário no exercício da profissão, que práticas discursivas são
privilegiadas nesse momento de escolha?
Por prática discursiva entendeu-se nesta análise que se tornava essencial a
consideração dos discursos para além de suas representações em signos, mas os sentidos que
disparam ações e, por sua vez, as ações que silenciosamente falam sobre sentidos que são
filiadas. Concordando com o filósofo Foucault quando diz que
[...] não mais tratar os discursos como conjunto de signos (elementos
significantes que remetem a conteúdos ou a representações), mas como
práticas que formam sistematicamente os objetos de que falam. Certamente
os discursos são feitos de signos; mas o que fazem é mais que utilizar esses
signos para designar coisas. É esse mais que os torna irredutíveis à língua e
ao ato da fala. É esse mais que é preciso fazer aparecer e que é preciso
descrever (FOUCAULT, 1986, p. 56).
Ou seja, trata-se de colocar o texto na História. Que saberes foram fortalecidos ou
enfraquecidos no jogo de tensões dessa cultura acadêmica com o acréscimo de mais um
profissional? A escolha de procedimentos sistemáticos para a análise dos concursos se deu
frente ao tipo de fonte disponível – documentos oficiais dos sites das universidades – e do
objetivo da pesquisa. As palavras escolhidas em contextos específicos de concurso, ditas por
profissionais com locais de fala específicos, em documentos oficiais, revelaram o
tensionamento dos discursos que se espera do formador dos professores de História.
Importou para a análise desenvolvida a compreensão do processo de construção do texto, as
memórias que se mostram nele e seu funcionamento entre os sujeitos envolvidos. Perseguiu
no interior do texto, as marcas de sua exterioridade, as pistas que marcam a intenção de
regulação de sentidos e os efeitos desses sentidos nos sujeitos, no campo das relações de
forças.
Para a analista de discursos Orlandi, a AD “visa fazer compreender como os objetos
simbólicos produzem sentidos, analisando assim os próprios gestos de interpretação que ela
considera como atos no domínio simbólico, pois eles intervêm no real do sentido [...] visa a
compreensão de como um objeto simbólico produz sentidos, como ele está investido de
significância para e por sujeitos” (ORLANDI, 1999, p. 26). Dessa forma, os objetos de
análises são entendidos como documentos, destacando neles o sentido que produzem, ou seja,
muito mais que seus conteúdos, o funcionamento do seu simbólico.
A escolha por este método de análise veio ao encontro de demandas da escrita da
História do Tempo Presente. Para a AD a análise faz aparecer as falas implícitas que estão no
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texto, mas ao ser lido apenas em sua funcionalidade pragmática do presente, encobre sentidos
da memória dos sujeitos que participaram do processo de construção do texto. Ou seja,
memórias sobre Formação de Professores de História, que estão memorizadas há tempo nos
corpos de professores no presente, só podem ser trabalhadas se forem mediadas nas
reformulações que permitem enquadrá-las no contexto do presente – o discurso. Porém, é
necessário se atentar para o fato de que as memórias não são paráfrases de um passado
apenas, mas ao serem repetidas em outro presente, precisam ser atestadas e tornam-se formas
de regularização.
Apesar das semelhanças epistemológicas em que se fundamentam a AD e a História
do Tempo Presente, estas foram aproximadas em um diálogo nesta análise. Possuem cada
uma delas suas especificidades, e, do lado da História, ainda é necessário se resolver, ou ao
menos esclarecer, como se escreve uma História que ainda não há afastamento temporal do
objeto? Esta questão não está resolvida pelos Historiadores, e este artigo não pretende
resolve-la, porém, se filia ao entendimento de que é possível escrever uma História da
Educação do Tempo Presente considerando que o objeto escolhido carrega fenômenos de
curta e de longa duração simultaneamente. Entende-se por longa duração o sentido de
pluralização do tempo cunhado por Braudel em detrimento do curto tempo de um
acontecimento. Não existe aqui a intenção de levar a fundo o pensamento do autor em relação
aos três tempos da História – o longo da Geografia, o médio das estruturas econômicas e o
curto dos acontecimentos –, mas, especificamente, esse sentido múltiplo do tempo que
sobrepõe os tempos das mudanças e os tempos de reiteração, entre os sentidos que duram o
passado no presente e aqueles que rompem com o passado (BRAUDEL, 1992).
Existem divergências com relação à conceituação da História do Presente, mas este
artigo está em concordância ao posicionamento de Dosse que diz:
[...] uma história que não seria somente contemporânea, mas que interrogaria
aquilo que em nosso espaço de experiência, para retomar um conceito de
Koselleck, trabalha o presente. Então, teríamos uma coisa que poderia ser
justamente tudo, salvo o presente (DOSSE, 2007, web).
O autor faz uso das ideias de Hartog especialmente quando este se utiliza o conceito
“regime de historicidade”. No texto “Tempo e Patrimônio”, 2006 Hartog relembra o conceito
desde quando iniciou o seu uso e ele pontua que “regimes de historicidade” podem ser
pensados de uma forma mais restrita que, basicamente, se configura em como uma sociedade
trata seu passado, mas também, pode ser pensado de uma forma mais ampla, que é o que
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interessa a este artigo e a citação de François Dosse que é quando ele afirma que um “regime
de historicidade serviria para designar a modalidade de consciência de si e de uma
comunidade humana” (HARTOG, 2006, p. 261).
No caso específico dos editais dos concursos e demais documentos que os
acompanham, os textos funcionam de forma mais objetiva possível. É necessário que o leitor,
candidato ao concurso, se convença de que a neutralidade objetiva é fundante dos critérios e
procedimentos de todo o processo. O contrato de leitura que está implícito nesses textos faz
funcionar a forma legalista que eles se apresentam, protegendo todos os envolvidos a partir de
regras bem claras.
Foi fundamental perceber as palavras registradas nos editais como materialidade
daquele contexto exterior ao texto, mas objeto definidor de sua construção. Todos os 11
concursos mapeados exigiram a formação inicial em História. Existe uma concordância de
que a matriz disciplinar precisa ser preservada, as palavras graduação em História é
prerrogativa de todos os editais. Porém, apenas quatro exigiram que o candidato fosse
licenciado em História, o que registra uma grande diferença de fala. Essa diferença se
desdobrou também no recorte aceito para a formação em nível de pós-graduação, os quatro
aceitaram o Doutorado em Educação. Significa dizer que sete grupos de profissionais
entenderam que para ser Formador de Professores de História não precisa, necessariamente,
ser professor de História. Usar somente as palavras “Graduação em História” e não
especificar a modalidade da graduação faz uma diferença na interpretação do local de fala dos
sujeitos envolvidos. Essa decisão fala um pouco sobre os discursos que são privilegiados
nessa arena de tensões. Na mesma proporção, quatro universidades exigiram uma formação
pura em História – Graduação, Mestrado e Doutorado em História, três universidades
assumiram uma formação mista, ou seja, Graduação em História e Doutorado em Educação e
outras três resolveram a tensão com a conjunção alternativa “ou” – Graduação em História,
Doutorado em História ou Educação. No entanto, desses três, apenas um aprovou, em
primeiro lugar, um candidato com Doutorado em Educação. Apenas um dos concursos não foi
possível encontrar dados além do edital, que referenciava alguns anexos e, esses, já estavam
inativos na página. Em resumo, dos 11 concursos na área de Ensino de História, nos últimos
dois anos, apenas quatro privilegiaram os discursos da Educação no perfil dos candidatos.
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As práticas discursivas tencionadas: a cultura acadêmica
Procede neste debate uma discussão inicial sobre a cultura3 para esclarecer que as
tensões entre os discursos apresentadas neste artigo, em verdade já são esperadas no contexto
do que estou chamando de cultura acadêmica. Os textos analisados nessa pesquisa – os
documentos oficiais dos concursos – foram construídos a partir dessa cultura com todas as
suas tradições, seus movimentos de rupturas, e com todas as ambiguidades de um fazer
cultural.
Talvez os estudos do antropólogo Geertz sejam como um marco nos debates
conceituais sobre cultura e podem nos valer neste momento. Em sua obra “A interpretação das
culturas” (1989), Geertz provoca deslizamentos de sentidos no próprio titulo da obra que traz
a palavra cultura no plural, propondo uma interpretação, ou seja, ele trata as culturas como
sistemas de signos interpretáveis. Um contexto pelo qual os acontecimentos, os
comportamentos, as instituições podem ser descritos com densidade. A partir dessa virada de
sentido que a Antropologia, e em especial Geertz, nos deixou, vários outros pensadores, da
Filosofia, Sociologia, História, têm contribuído para difusão e materialização de um sentido
mais abrangente sobre a cultura. Esses pensamentos, a partir da consideração interpretativa
das culturas, apropriam de um sentido polissêmico do próprio ato de interpretar e, por este
motivo, são também relativistas.
As possibilidades de conceituar a cultura de forma plural vêm ao encontro da
produção do conhecimento da História da Educação acerca da “cultura escolar”. Pensar a
cultura acadêmica sob a mesma perspectiva da cultura escolar me parece possível. Entender a
cultura como algo flexível, em constante movimento e tensões, em jogos de significações e
lutas por posições de sentidos e, no caso especifico da cultura acadêmica, assim como a
escolar, como um lócus de produção de suas próprias regras e artefatos me parece necessário.
Por isso, este ponto preferencial de reflexão, a partir dos princípios da polissemia e das
tensões entre os sentidos e concepções.
Talvez uma das definições mais conhecidas sobre a “cultura escolar”, e também mais
focada, seja mesmo do francês Chervel (1990), quando ele fala sobre a cultura criada na
escola, de uma forma muito específica na maneira de sua difusão e origem nas disciplinas
escolares. Embora os desdobramentos do termo tenham vindo da França, ele se espraiou em
outros países europeus e também no Brasil, e possui várias acepções tornando-se produto de
uma “polissemia acadêmica”. Por outro caminho, Frago (1995), por exemplo, fala de cultura
3
Essa discussão foi feita em Venera (2010), no entanto foi construída para pensar a Cultura Escola que vem
neste artigo usada como analogia para se pensar a Cultura Acadêmica.
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escola, cultura da escola, culturas escolares em uma concepção ampla, como tudo que envolve
o pensamento educacional, desde as teorias e ideias, os rituais e os hábitos, tudo aquilo que é
sedimentado ao longo do tempo.
Ambos nos dão pistas de que é possível entender a cultura acadêmica por analogia a
cultura escolar, no sentido de que, como categorias culturais elas operam tanto a sedimentação
de sentidos no tempo, como um lócus potencial de criação do novo. No entanto, é Dominique
Julia (2001) que trabalha com o conceito imbricado nas relações com outras categorias
culturais como “cultura religiosa”, “cultura política”, “cultura popular”. Afirmaria ainda a
inferência da categoria “cultura acadêmica” na formação do professor. Essas culturas se
relacionam às vezes de forma conflituosa e às vezes se forma pacífica, mas sempre, de alguma
forma se relacionam, e esse fato não pode ser subtraído do debate.
Os historiadores da educação defendem as disciplinas escolares como objetos de
estudos da História da Educação, por acreditar que
[...] ela tenta identificar, tanto através das práticas de ensino utilizadas na
sala de aula como através dos grandes objetivos que presidiram a
constituição das disciplinas, o núcleo duro que pode constituir uma história
renovada da educação (JULIA, 2001, p. 13).
Ou seja, é no interior da sala de aula, nas práticas discursivas de professores que nos
remete a produção da cultura escolar sempre relacionada, envolvida as culturas externas a ela.
Por analogia entre as categorias culturais, a cultura acadêmica pode ser pensada, tanto
imbricada nos seus desdobramentos na própria cultura escolar – na formação dos professores
que atuam nesse campo cultural –, quanto na confecção de documentos oficiais, projetos
políticos pedagógicos dos cursos, currículos, campos de pesquisas, disciplinas, regras de
avaliação, mensuração, quantificação e qualificação das produções, entre outros. Todos esses
constructos são, em sua interioridade, o que perfaz o que chamo aqui de “cultura acadêmica”.
A reflexão sobre o Ensino de História, em especial sobre a formação docente de
História, considerando o conceito “cultura” e, seus desdobramentos como a cultura
acadêmica, sempre pensada em relação a outras categorias culturais como sugere Julia, abrem
possibilidades para uma leitura da forma como os sujeitos estão imbricados nas práticas
discursivas que envolvem a área de Ensino de História.
A pesquisa da historiadora Monteiro, sobre os saberes que envolvem a formação
docente, nos dá caminhos de leitura das análises dos documentos desta pesquisa no contexto
da cultura acadêmica. Ela fala da “racionalidade técnica” como um modelo da tradição dessa
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cultura. Esse modelo delega aos professores uma competência subalterna as disciplinas
produtoras de conhecimentos a partir das pesquisas científicas. Usando suas palavras a
[...] preocupação com o saber ressurge em nova perspectiva que rompe
radicalmente com as concepções pautadas no modelo da racionalidade
técnica. Nesse sentido, o professor, por exemplo, era considerado um técnico
cuja atividade profissional consistiria na aplicação rigorosa de teorias e
técnicas científicas. Para serem eficazes, deveriam enfrentar os problemas da
prática aplicando princípios gerais e conhecimentos científicos derivados da
pesquisa. (MONTEIRO, 2007, p. 19)
Ao termo “saberes”, utilizado por Monteiro, proponho um desvio reflexivo a partir
da cultura, percebendo as subjetividades dos sujeitos envolvidos e, por este motivo, prefiro
chamar de “práticas discursivas”. Os textos analisados não podem ser entendidos apenas
como saberes privilegiados dos grupos de profissionais, mas discursos operados em práticas –
subjetividades docentes – como práticas discursivas, ou seja, são discursos, são falas e seus
efeitos de sentido, que decidem, escolhem, selecionam, promovem, confeccionam, classificam
no artefato cultural acadêmico.
Por esse motivo, outra vez frisando, as tensões entre as práticas discursivas
encontradas nos documentos oficiais dos concursos já são previstas, como partes constitutiva
e inerente à própria cultura acadêmica em movimento, com todas as suas ambiguidades e
humanidades dos sujeitos dos discursos. Se por um lado a produção da pesquisa no Ensino de
História já tem evidenciado os limites nefastos da tradição cientificista na formação do
professor de História, a qual Monteiro destaca, por outro lado, em ato, materializado nos
editais dos concursos públicos para formadores de professores de História, operam as
memórias da tradição de um jeito de ser professor de História e formar professores de
História.
O sentido dicotômico entre a pesquisa e o ensino é evidente nos documentos
pesquisados. As palavras, as regras dos editais são escolhidas sutilmente, milimetricamente
para operar um sentido de unidade entre a pesquisa e o ensino. No entanto, a pesquisa a que se
trata é a pesquisa em História. O velho entendimento de que os procedimentos da pesquisa
científica disciplinar dariam conta das questões do ensino daquela ciência se torna evidente. O
Encontro Nacional dos Pesquisadores do Ensino de História, de 2006, apresentou alguns
dados sobre o campo da pesquisa em Ensino de História da época. Monteiro e Ciampi
registram que a maioria das pesquisas na área estava no campo da Educação, desenvolvidas
por profissionais da Didática ou, profissionais que lecionavam as disciplinas relacionadas à
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Prática de Ensino. Elas apresentam dados de 2000 que evidenciam que, cerca de 90% das
teses produzidas no Ensino de História, estavam em programas de Pós-graduação em
Educação. As autoras investigam a socialização de pesquisas no Ensino de História também
no ano de 2003, quando se celebrou os “Dez anos de pesquisadores – um balanço”, nos
bancos de dados da CAPES e nos Simpósios Nacionais da ANPUH, e, em todos os dados se
observa um crescimento da pesquisa nessa área, mas ainda muito tímida nos espaços da
História e com muito mais intensidade nos territórios da Educação.
No entanto, quando se observa os dados coletados nos editais dos concursos públicos
para docentes nas universidades federais, apenas três universidades privilegiaram a Educação
como lócus legítimo para formar professores de História e, entre as três universidades que
aceitaram a formação mista com a conjunção alternativa “ou” – “Doutorado em História ou
Educação” –, em verdade responderam as tensões evidentes entre os discursos envolvidos e
operou, nos procedimentos do concurso, um recorte na História como perfil privilegiado –
apenas uma universidade aprovou em primeiro lugar um profissional, Historiador
evidentemente, mas com Doutorado em Educação. Nota-se a ausência de inclusão dos
pesquisadores do Ensino de História em concursos na área do Ensino de História em
detrimento da pesquisa especifica da ciência História.
Um exemplo estereotipado dessa exclusão está no edital da Universidade Federal do
Pará. O edital registra 02 vagas para professor assistente no campus de Cametá, divididas
entre 01 vaga para História da Amazônia e 01 vaga para Estágio Supervisionado em História.
Para ambas as vagas a exigência de formação era a mesma: “Mestrado em História ou áreas
afins com Graduação em História”. Como essa frase poderá ser lida? Educação será área
afim? Assim como Antropologia, Sociologia? O que define as áreas afins? O edital não diz e
ao não dizer abre para numeráveis interpretações que não são obrigatoriamente a Educação.
No entanto, está especificado que os candidatos serão avaliados na Prova de Títulos “os
seguintes grupos de atividades: Grupo I - Formação Acadêmica; Grupo II - Produção
Científica, Artística, Técnica e Cultural; Grupo III - Atividades didáticas; Grupo IV Atividades Técnico-Profissionais”, e, em seguida, a referencia a tabela de valoração desses
grupos. Essa tabela de valoração funciona como um disparador do sentido de neutralidade e
clarividência das regras, no gesto de leitura. Com a tabela em mãos os candidatos podem
“auto mensurar” seus currículos de forma que o resultado da avaliação não seja algo tão
inesperado ao candidato. Mas uma leitura mais aprofundada desta tabela evidencia a
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dicotomia entre pesquisa e ensino e escancara a ausência de preferência nas pesquisas no
Ensino de História.
As atividades didáticas estão explicitadas em 26 itens diferentes e hierarquizadas de
acordo com nível de atuação docente. Desta forma, a atividade didática de nível superior
como professor de disciplina da área objeto do concurso, em nível de professor titular soma
10 pontos, e, de forma decrescente, passando pelas atividades em nível adjunto, assistente,
auxiliar ou substituto até o professor de nível médio chegando a três pontos. Além disso, as
atividades de pesquisa e extensão na área de conhecimento objeto de concurso como
orientador de tese que somam 1,5 pontos (por tese), passando pelas orientações de mestrado,
conclusão de cursos de graduação, iniciação científica que chegam a 0,2 por aluno. Mas, no
interior desta valoração são claramente separadas, também de forma hierárquica, as atividades
didáticas na área do concurso e nas áreas afins. As atividades na área são mais bem
valorizadas do que as atividades nas áreas afins. Considerando que a Educação seria
considerada uma área afim, o resultado da aplicação dessa tabela de valoração será uma
melhor pontuação para os candidatos com atividades na área da História. Por outro lado, as
únicas atividades acadêmicas que envolvem pesquisas consideradas na tabela são as
orientações que são muito menos valoradas do que as atividades didáticas, entendidas como
as de sala de aula.
Entre as atividades do Grupo II - Produção Científica, Artística, Técnica e Cultural,
não há nenhuma palavra que regule o sentido para a consideração das pesquisas específicas no
Ensino de História. A maioria das frases inicia de forma vaga com palavras como: “Trabalhos
que representem contribuições científicas originais ou revisões de literatura...” e sem
indicação da área especifica. Essas atividades iniciam com a pontuação 3,0 e de forma
decrescente são 10 itens que chegam à pontuação 1,0.
Considerando a pesquisa de Monteiro e Ciampi, as pesquisas específicas do Ensino
de História, como estão concentradas na área da Educação, são excluídas de organizações
avaliativas como essas. Que sentidos essa tabela produz quando analisada? Que este grupo de
profissionais separa, de forma estereotipada, as atividades chamadas “científicas” e as
“didáticas”, pontuam bastante as atividades didáticas mais do que as científicas – talvez pelo
fato do concurso ser direcionado para o professor assistente –, uma vez que apresentam 26
possibilidades de incluir atividades didáticas valorativas que iniciam com 10,0 pontos e, entre
as atividades científicas, nenhuma referencia se faz a especificidade da pesquisa no Ensino de
História. A ausência de textos que evidenciem as pesquisas na área somada ao exagero de
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textos que privilegiem as atividades didáticas possibilita a aprovação de candidatos que
esporadicamente assumiram turmas de disciplinas como Práticas de Ensino, Metodologia ou
Didática do Ensino de História, Estágio Supervisionado em História, mas que possuem o
interesse, a atenção, o investimento na pesquisa científica da História. O não dizer sobre o que
seria “áreas afins”, o silêncio sobre a valoração da pesquisa em áreas afins diz muito nos
efeitos de sentidos que o silencio dispara.
A leitura da tabela que inicialmente produz um sentido ideológico de neutralidade, de
clareza das intenções objetivas do concurso, quando é feita a partir de uma análise discursiva,
evidenciando as palavras escolhidas para estarem ali, nas escolhidas para não estarem ali, no
contexto da cultura acadêmica, possibilita perceber quais discursos/saberes são privilegiados
nos tramites do processo.
Reflexões provisórias que se abrem para novas análises
As reflexões desta pesquisa suscitaram um desejo de registrar essa experiência
presente recheada de tensões entre as práticas discursivas privilegiadas nos concursos
públicos. Nesse artigo o recorte de análise mostrou essa evidencia nos editais citados e dentro
de um outro recorte temporal até 2010, quando sistematicamente foram analisadas as
documentações. No entanto, a observação empírica posterior e o acompanhamento das novas
publicações apontaram para a continuidade de um padrão de funcionamento no campo.
Observou-se também que as tensões entre Educação e História se desdobram em novos
eventos no campo das políticas públicas curriculares e de formação de professores, como os
Mestrados Profissionais em História e a construção da Base Nacional Curricular Comum.
Todavia, quando essa pesquisa evidenciou que não está em questão a competência ou a
potencialidade dos candidatos, como o sentido imediato de leitura dos editais suscita, também
nos diz nesses episódios atuais que as tensões estão longe de uma negociação razoável.
Estamos diante de uma escolha entre, por um lado, profissionais com graduação em História
que decidiram pesquisar temas específicos do seu ensino – a complexidade do currículo, a
aprendizagem da História nas escolas de Educação Básica, a construção do Tempo, os efeitos
de um currículo tecnicista, linear, fragmentado entre tantos outros temas decorrentes da
construção do conhecimento histórico em salas de aula, e, por outro lado, àqueles
profissionais que preferiram continuar suas pesquisas na História com outros temas alheios ao
ensino. Nos editais onde não há evidencia que exigem a formação pura na História, ou aqueles
que aceitam a formação mista, aprovam candidatos com formação pura. Parece existir uma
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crença de que exista um saber sobre o Ensino de História que pertence exclusivamente aos
Doutorados em História. Esse sentido discursivo torna evidente as tensões que são criadas a
partir de monólogos, ou seja, são grupos conversando de lugares diferentes, de entendimentos
conceituais e concepções muito diferentes que se desdobram em cada vez mais novos e
sempre iguais tensionamentos.
Quando se entende a categoria cultura acadêmica sendo construída no interior das
próprias produções das universidades, as reflexões como as dessa pesquisa precisam ser
entendidas, também, dentro dessa mesma cultura. Aqui estão algumas leituras a partir de um
lugar de fala, a partir do local de uma possibilidade de registrar Histórias da Educação do
Tempo Presente, e da Análise do Discurso. Todavia, essas reflexões carregam outras leituras,
outros textos que possibilitam novas interpretações acerca das memórias evocadas nessas
tensões e nas expectativas de futuro, que são fundante na História do tempo presente. Por
exemplo, quando a historiadora Selva Guimarães pergunta em uma de suas obras, onde ela
analisa as Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos Superiores de História,
Quais paradigmas de formação têm norteado as práticas dos cursos
superiores de história? [...] Como se articulam as questões da formação
inicial/universitária, a construção dos saberes docentes e as práticas
pedagógicas no ensino de história? (FONSECA, 2003, p. 59).
Acredito que esse documento analisado por Fonseca não está desconectado das
fontes analisadas nesta pesquisa. A autora historia a crítica sobre a cultura da racionalidade
técnica, científica ou aplicacionista existente nos cursos de formação de professores de
História. É esta memória que está implícita nos textos dos editais. Ela registra as práticas
discursivas em “defesa de uma formação que privilegiasse o professor/pesquisador, isto é, o
professor de história produtor de saberes, capaz de assumir o ensino como descoberta,
investigação, reflexão e produção” (Fonseca, 2003, p. 62). Ela destaca que esses currículos
produzem sentidos quase generalizados entre os estudantes de História, como uma “idéia
preconcebida de que para ser professor de história basta dominar os conteúdos de história”
(FONSECA, 2003, p. 62). São práticas discursivas sendo cristalizadas e são os mesmos,
porém em outra medida, que decidem escolher um professor de Prática de Ensino e de
História do Brasil, como se a houvesse uma correspondência obvia entre os saberes dos
conteúdos de História e do ensino daqueles conteúdos.
A relação entre os sentidos que as diretrizes analisadas por Fonseca e dos editais dos
concursos parece haver correspondência. A autora destaca o fato do documento não
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mencionar sequer a formação do professor no perfil do profissional de História. Outra vez a
estratégia do silencio nos textos produzem o sentido desejado. Fazendo minhas as palavras de
Fonseca o silencio “omite o compromisso político e pedagógico dos historiadores não apenas
com a construção de um novo paradigma de formação mas com o ensino de história no
Brasil” (FONSECA, 2003, p. 67).
Quando se diz em longa duração se desdobrando em práticas nessa cultura
acadêmica, as reflexões podem se desdobrar em uma nova pesquisa de análise dos discursos
acerca da construção do currículo de História proposto no documento propositivo da Base
Nacional Comum. Vivemos o instante dessas tensões em que o saber de conteúdos
tradicionais da História, organizados no modelo “quadripartite francês”, com destaque na
Europa, são defendidos em detrimento do grande destaque para a construção do saber
histórico escolar com ênfase na interpretação do presente, da História do Brasil, História
indígena e afro-brasileira, por exemplo. Porém, essas tensões estão em nível de leitura óbvia,
existe nesse contexto uma urgência de análise interpretativa e uma desconfiança de que as
memórias que fazem sentido entre os sujeitos que falam sobre o Ensino de História possuem
raízes mais profundas e podem ter conexões com os resultados dessa pesquisa.
E, sobre o compromisso político de formação dos professores, que te a ver com as
intenções de futuro na ação consciente no tempo, trago o Decreto n. 3.276, de 6 de dezembro
de 1999, que dispõe sobre a formação em nível superior de professores da educação básica.
Esse decreto já foi muito estudado, criticado e motivo de lutas para a sua superação por parte
dos movimentos organizados de professores. Todavia, é um documento que marca um novo
sentido de formação de professores no Brasil, especialmente na busca da valorização da
identidade docente. Existe neste documento a regência de um compromisso estatal dirigido
aos formadores de professores. Em seu artigo 5° estabelece o Conselho Nacional de
Educação, junto ao MEC como órgão responsável pelas diretrizes e no artigo 1° estabelece as
competências a serem desenvolvidas pelos professores que atuarão na educação básica. Entre
essas competências o inciso V provoca um mal estar diante dos sentidos analisados nesta
pesquisa. O texto diz: “V - conhecimento de processos de investigação que possibilitem o
aperfeiçoamento da prática pedagógica;”. Não se trata de investigações das ciências de
referencia, mas aquelas que atuam na complexidade híbrida de uma sala de aula, de uma
cultura escolar. Qual perfil do formador de professores se espera nos editais de concursos,
diante deste decreto? Qual compromisso político se espera desse profissional?
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Embora depois dessa pesquisa novas políticas de formação e professores estão em
implementação, como a Resolução n. 2, de 1º de julho de 2015, essa reflexão continua atual
como orientadora de novas análises discursivas uma vez que são discursos em tensões com o
atual contexto formativo. Tanto os estudos de Tardif quanto de Gauthier, de formas diferentes
falam da invisibilidade de saberes na cultura escolar e que é necessária investigação. O
primeiro fala de um “prestígio análogo” ao professor e que não acontece e o segundo aponta
para um conjunto de maneiras de fazer que “permanecem em segredo”. Mas é Gauthier que
aponta uma visibilidade que é o saber da ação pedagógica. Seria o saber da experiência que
“se torna público e que é testado através das pesquisas realizadas em sala de aula”
(GAUTHIER, 1998, p. 33). Uma forma de dar visibilidade de um conjunto de experiências e
ações que poderiam contribuir para o aperfeiçoamento da prática docente. Os dois autores
concordam com a distância dos professores com os saberes curriculares, disciplinares e
pedagógicos. Denunciam uma “alienação entre os docentes e os saberes” (TARDIF, 2006, p.
40).
Outra vez citando a historiadora Ana Maria Monteiro e sua pesquisa sobre os saberes
e práticas que compõem o fazer do professor de História que oferece uma reflexão acerca da
forma como os professores de História operacionalizam os saberes em sala de aula. Os
professores que lhe emprestaram as memórias e dados sobre o seu fazer lembram na sua
formação inicial de um distanciamento entre os saberes pedagógicos, ou das ciências de
educação, e os saberes disciplinares. Mas ambos distantes para o professor na sua construção.
Tanto o trabalho de Gauthier, quanto de Tardif apontam para a necessidade de produzir
conhecimentos no interior da sala de aula e, no Brasil, as obras de Monteiro, Fonseca que
foram citadas neste artigo, mas tantos outros não citados apontam para a mesma direção, no
sentido de atentar para a operação da História ensinada na escola. São trabalhos de
historiadoras engajadas na defesa desse espaço do ensino da História.
O que mais preocupa é o distanciamento entre a Formação do professor de História e
a sala de aula de História. E esse fenômeno de longa duração tende a continuar, quando,
diante de um contexto de ampliação do sistema de educação superior no Brasil, quando novos
profissionais poderiam iniciar novas ações de formação docente a partir de ações
investigativas nas culturas escolares – lócus da atuação dos futuros profissionais de História –,
e, ao mesmo tempo quando as pesquisas especificas no Ensino de História tem-se ampliado
no país, mas esses pesquisadores são excluídos das possibilidades de concorrência.
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RECEBIDO EM: 18/03/2016
APROVADO EM: 10/05/2016
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