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uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.
Diáspora, interculturalidade e
memória em En tierra extraña1
Rafael Tassi Teixeira
Denise Cogo
Resumo: O trabalho explora as relações entre os processos de mobilidade transnacional e
a construção das subjetividades nas representações dos emigrantes no documentário En tierra
extraña (BOLLAÍN, 2014), tendo como metodologia principal uma análise sociocrítica do
ilme articulada à contextualização da cinematograia espanhola no campo das migrações.
Os deslocamentos humanos lidos com base nas imagens fílmicas dos emigrados espanhóis
contemporâneos são tensionados na cinematograia espanhola mais recente, sobretudo,
na intensiicação da percepção social do fenômeno da mobilidade emigrante a partir da
crise econômica de 2008, e a experienciação da memória, diáspora e interculturalidade são
observadas no ilme de Bollaín em relação às narrativas temporais subjacentes aos recentes
deslocamentos de espanhóis na Europa.
Palavras-chave: análise dos discursos cinematográicos; cinema e migração; identidades, estudos
visuais e adaptabilidade.
Abstract: Diaspora, interculturality and memory in En tierra extraña (Iciar Bollain, 2014) –
The work explores the relationships between the processes of transnational mobility and
the construction of subjectivities in migrant representations in the documentary En tierra
extraña (Icíar Bollaín, 2014), whose main methodology is a sociocritical analysis of the ilm
articulated to the contextualization of Spanish cinematography in the ield of Migrations.
The human displacements read from contemporary Spanish emigres’ ilm images are stressed
in the most recent Spanish cinematography, especially in the intensiication of the social
perception of the phenomenon of emigrant mobility from the economic crisis of 2008,
as well as the memory experience, diaspora and interculturality are observed In Bollain’s ilm in
relation to the temporal narratives underlying the recent displacements of Spaniards in Europe.
Keywords: analysis of cinematographic discourses; Cinema and migration; Identities, visual studies
and adaptability.
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Versão revisada de artigo apresentado e publicado nos anais do IV Congreso Internacional Historia, Arte y
Literatura en el Cine en Español y en Portugués – CIHALCEP2017, realizado na Universidad de Salamanca,
Espanha, de 28 a 30 de junho de 2017.
Galaxia (São Paulo, online), ISSN 1982-2553, n. 36, set-dez., 2017, p. 72-84. http://dx.doi.org/10.1590/1982-2554232967
Rafael Tassi Teixeira | Denise Cogo
Fluxos migratórios na realidade fílmica espanhola
Esse texto tem como proposta abordar as relações entre os processos de mobilidade
transnacional e a construção das subjetividades nas representações dos emigrantes
no cinema espanhol, focalizando especiicamente o documentário En tierra extraña
(Icíar Bollaín, 2014), com base em uma análise sociocrítica do filme, articulada
à contextualização da cinematograia espanhola no campo das migrações.
A cinematografia espanhola mais recente tem explorado com bastante
representatividade aspectos da realidade migratória espanhola e como os deslocamentos
humanos agem sobre a produção audiovisual em relação às subjetividades transnacionais.
O ilme-marco que reescreve a questão do choque cultural e a incomunicabilidade
dos 1990 em relação às migrações2 é As cartas de Alou (Montxo Armendáriz, 1991). Filme
signiicativo porque reverbera como as condições da insularidade nas relações humanas,
dentro do choque de imaginários simbólico-sociais da Espanha do passado com a nova
geopolítica da modernidade acaba rompendo o mito da impermeabilidade das fronteiras.
As cartas de Alou é, também, importantíssimo porque se trata de um dos primeiros ilmes
que dedica toda a construção narrativa ao cenário migrante, centrando-se na imagem
de Alou, um imigrante africano que descobre as várias diiculdades de imersão social
na sociedade espanhola daquele momento. Em perspectiva similar, a partir dos 1990, vários
outros ilmes sobre os luxos migratórios revelam-se fundamentais porque começam a lidar
frontalmente com os problemas de incorporação de coletividades na realidade hispânica
e tratam de modo signiicativo o fenômeno das migrações no audiovisual na Espanha:
Said (Llorenç Soler, 1998), Flores de otro mundo (Icíar Bollaín, 1999), Extranjeras (Helena
Taberna, 2003), 14 qilómetros (Gerardo Olivares, 2007), Querida Bamako (Omer Oké e
Txarli llorente, 2007), Si nos dejan (Ana Torres, 2004), Cayuco (María Miró, 2009) etc.
Repletos de insistências sobre o drama contemporâneo dos migrantes, entrelaçam
as características do cinema dos 2000 (incomunicabilidade, sensação acelerada do passo
do tempo, infelicidade e culpabilização coletiva etc.) como revela Cousins (2013), com
as alteridades negativizadas e o domínio, sem precedentes, dos luxos transterritoriais.
Nesse sentido, a partir desse período, enquanto bloco temático, os ilmes são cada vez
mais comprometidos em destacar os dramas individuais e as subjetividades impactadas
com e a partir dos deslocamentos humanos. Revelam, dentro do paradigma da impressão
de representação, uma tendência crítica em observar os problemas de convivência,
as diiculdades e facilidades dos espaços interculturais, as políticas de seletividade social e
o drama das fragmentações familiares impostos pelas restrições migratórias (SASSEN, 2013).
2
Os termos “migrante” e “migrações” são utilizados nesse texto para fazer referência aos luxos que abrangem
simultaneamente os movimentos de entrada de migrantes na Espanha e de saída de seus nacionais para outros
países, do ponto de vista da cinematograia espanhola. Já o emprego dos termos “emigrante” e “emigração”
visam enfatizar exclusivamente os movimentos de deslocamento de espanhóis para outros contextos nacionais,
ao passo que o uso dos termos “imigrante” e “imigração” aludem especiicamente à presença de nacionais de
outros países na Espanha.
Galaxia (São Paulo, online), ISSN 1982-2553, n. 36, set-dez., 2017, p. 72-84. http://dx.doi.org/10.1590/1982-2554232967
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Diáspora, interculturalidade e memória em En tierra extraña (Iciar Bollain, 2014)
Muito prevalentes no cinema dos 2000 (FRANÇA; LOPES, 2010; BERGFELDER,
2005), os movimentos migratórios no cinema assumem a condição de problematizarem
os processos de luxos transnacionais pela importância de fragilizar os estereótipos
audiovisuais e, ao mesmo tempo, conseguir atingir a autonomia representativa sem
direcionar exclusivamente ao migrante (ao minoritário, ao não incorporado etc.) as únicas
possibilidades narrativas. Ou seja, a partir do encontro e do enfrentamento com a alteridade
arbitrada, emergem ilmes, na realidade espanhola, como Cosas que dejé en La Habana
(Manuel Gutiérrez Aragon, 1997), Taxi (Carlos Saura, 1996), En la puta calle (Enrique
Gabriel, 1997), El traje (Alberto Rodríguez, 2002), Salvajes (Carlos Molinero, 2001), Ilegal
(Ignacio Villar, 2002) que signiicativamente produzem uma espécie de conjugação entre
a linguagem visual – muito próxima à estilística do documentário (ESCUDERO, 2014) –,
e a crítica social contundente, apontada em ilmes como O ódio (Mathieu Kassovitz, 1995)
e Biutiful (Alejandro González Iñárritu, 2010).
Nesse sentido, as invisibilidades clássicas dos migrantes no cinema mundial,
destacadamente a partir do cinema dos anos 1990 e, com maior força temática-estilística
em vários ilmes dos 2000, começam a ser substituídas por contextos fílmicos que pautam
as questões transnacionais mais recentes: novas etnicidades sustentadas por globalizações
precárias, recorrentes em ilmes como L’Esquive (Abdellatif Kechiche, 2005); trânsitos
humanos como resistências, como em La jaula de oro (Diego Quemada-Díez, 2013);
relações interétnicas, como em Françoise (Souad El Bouhati, 2007). As características de
um cinema diaspórico e transnacional (TASSI, 2016) passam, dessa forma, a dar maior
atenção à alteridade em paisagens mais caleidoscópicas, ao mesmo tempo fragmentárias
e microcósmicas – reveladoras das distâncias que apenas aumentam, apesar dos afetos,
apesar dos corpos.
Representativamente na Espanha (MONTERDE, 2008), o cinema começa com mais
intensidade a pensar as relações humanas transnacionais em um sentido que ao mesmo
tempo explora e sistematiza a distâncias entre as políticas migratórias e as variadas
situações de convivência. As dicotomias frágeis (“autóctones” e “estrangeiros”) parecem,
portanto, cada vez mais deslocadas em uma multiplicidade de ilmes que se destacam
pela força com que negam as narrativas únicas – obstinadamente conirmadas pelos
agentes políticos e pelos meios de comunicação. Cinematograicamente há um avanço
determinante, nesse aspecto, na preocupação em formar multiplicidades de imagens que
revelem narrativas mais condizentes com as realidades retratadas, ao mesmo tempo sem
perder a profundidade psicológica dos personagens e sem esquecer dos jogos de sentido
e realidade sempre imbricados nas representações fílmicas3.
3
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Como aponta Santaolalla (2005), o papel dos imigrantes será fundamental nessa perspectiva, dentro do cinema
espanhol, porque se trata, cada vez menos, de evitar o tratamento sinedóquico das formas representativas das
alteridades e sim entendê-las como estruturantes em imaginários comuns de imposição que, ao conceder voz
ativa aos protagonistas fílmicos, emergem potencialidades relexivas, subjetividades mais ou menos conscientes e
apreensivas em relação às suas identidades de origens, aos seus laços passados e construídos, às suas trajetórias
e às biograias diaspóricas.
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Em relação ao cinema espanhol (CASTIELLO, 2005), as novas cartograias transnacionais
incidem sobre a problemática das migrações humanas por meio das dificuldades
de materialização dos contextos de incorporação. É na formação de mentalidades mais
complexiicadas que se relativizam, dentro de cinematograias mais comprometidas
com a realidade, as identidades e como estas são densiicadas diante dos processos de
deslocamentos (lidos como polissêmicos e repletos de decisões signiicativas nas biograias
expostas). A dimensão cinematográfica espanhola, nesse sentido, consegue pensar
os processos de trânsito como imbricados na organização de uma imagem que se destaca,
da mesma maneira que o cinema ‘transcultural’ dos 1990 começava anteriormente
a promover (NEWMAN, 2010), na sedimentação da ambiguidade das relações humanas e na
obrigatoriedade de ruptura com os imaginários midiáticos sobre os deslocamentos humanos.
Filmes como En construcción (José Luis Guerín, 2000), Ilegal (Ignacio Villar, 2002)
ou Princesas (Fernando León de Aranoa, 2005) conseguem problematizar de uma forma
mais contundente as representações sobre os migrantes porque se apoiam tanto em
desprogramar as ausências das representações das minorias no cinema na demarcação das
subjetividades subalternizadas (SHOAT; STAM, 1994), como em avançar sobre as variadas
dimensões do cotidiano e a importância das aproximações interculturais nas imagens da
alteridade migratória4. A importância de ilmes como En la puta calle (Enrique Gabriel,
1997), Cosas que dejé en La Habana (Manuel Gutiérrez Aragon, 1997) ou Flores de otro
mundo (Icíar Bollaín, 1999) está em guardar uma profunda relação com a necessidade de
avançar sobre a desconstrução dos antigos estereótipos e, ao mesmo tempo, aproximar-se da
temática dos marginalizados, excluídos, negados pelos discursos hegemônicos5.
Em relação ao documentário, além de En construcción, ilmes fundamentais como
Extranjeras (Helena Taberna, 2003), 14 kilómetros (Gerardo Olivares, 2007), Querida
Bamako (Omer Oké e Txarli llorente, 2007), Si nos dejan (Ana Torres, 2004), Cayuco
(María Miró, 2009), Destino clandestino (Dominique Mollard, 2008) e Apuntes para una
odisea soriana interpretada por negros (LLorenç Soler, 2005), articulam a problemática das
diferenças em contextos diversos e ‘pensam’ cinema ao mesmo tempo em que pensam
as questões migratórias: o cinema, nesse processo, passa a interferir nas relações interétnicas
não apenas como observador distanciado e como crítico contundente das mesmas; passa
a realizar uma profunda discussão sobre os paradigmas normativos das admissões, sobre
as diiculdades das micro escolhas migratórias, sobre a consequência das expectativas
4
5
En construcción (José Luís Guerín, 2000) é um ilme signiicativo nesse movimento porque repete a condição do
migrante com uma alternativa sensível e ao mesmo tempo situacional das relações humanas dentro de paisagens
em constante transformação – o bairro barcelonês de Raval, crisol de múltiplas subjetividades provenientes
de várias realidades migratórias. De certa forma, o ilme também reverbera a própria condição da memória
e os lugares do pertencimento histórico ao pensar as transformações urbanísticas da Espanha ‘econômica’
dos 2000, iltrando para dentro do jogo cinematográico os relatos dos trabalhadores da construção civil e dos
imigrantes, certamente em uma metáfora da convivência possível e realizável (dividindo o plano fílmico nas
falas do migrante marroquino e seu companheiro espanhol).
Com uma forte inspiração em cineastas comprometidos com a qualidade estilística e a discussão da realidade
social, espelho do cinema de Ken Loach, por exemplo.
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Diáspora, interculturalidade e memória em En tierra extraña (Iciar Bollain, 2014)
não cumpridas e o desejo de reescrever o próprio destino. Para dentro do ilme – o ilme
documentário, onde ele se compromete em perder direito de não criar e repercutir
na realidade – as questões migrantes alimentam a própria natureza dos processos fílmicos.
O documentário migratório espanhol tem algo de (ins)urgente, como escreve Ballesteros
(2001)6, que desestabiliza as noções referenciais da alteridade migrante apontando para
um denominador comum: a intolerância não vence os afetos, mas a xenofobia segue
determinada e resistente (em que pese as representações positivas do próprio).
Nesse sentido, tanto Extranjeras (Helena Taberna, 2003) como, por exemplo, Apuntes
para una odisea soriana interpretada por negros (LLorenç Soler, 2005) são ilmes que
problematizam as questões migratórias por meio do documentário abrindo espaço para
a polifonia de vozes articuladas pelas discursividades femininas e também extraem do
documentário a temática da possibilidade das mulheres migrantes serem lidas como
sujeitos de seu próprio destino. Exploram, pelo domínio da experiência individual,
a condição de sujeitos que realizam, especialmente por meio do empoderamento discursivo e
da vocação – aberta – da necessidade de estabelecer um cuidado com as biograias, suas
novas experiências individuais. As narrativas migrantes, nesses exemplos, são, no fundo,
contranarrativas que espelham processos de deslocamentos transnacionais onde as histórias
de vida desconstroem muitas das falsas premissas sobre os imigrantes na Espanha. Dentre
elas, destacam-se aquelas premissas que reiteram que os imigrantes formam um grupo
homogêneo, que estão inseridos em determinados ‘nichos’ de trabalhos, que não existem
preferências na hora de contratar, e que o desejo que impera é, sobretudo, de que não
formem laços familiares ou tragam os parentes para o contexto espanhol.
Nesse aspecto, os documentários que tratam de temáticas migrantes acabam
por trazer a tarefa dupla de identiicar a pluralidade de vozes e apresentar um regime
de sensibilização das migrações transnacionais. Provavelmente desde o signiicativo
ilme de Guerín (En construcción), em ressonância crescente com o cinema mundial
(DENNISON, 2013), os documentários sobre os deslocamentos migratórios na Espanha
sejam caracterizados pelo tratamento intercultural que rompe com a série de imprecisões
e redundâncias normalmente vistas nos meios de comunicação do país (NASH, 2005).
Uma força cinematográica que passa a intensiicar os luxos migratórios e a condição
do desterro, da errância, da incorporação difícil – e ‘difícil’, muitas vezes, como observamos
em En construcción, mais para os programadores das agendas políticas que para os próprios
‘autóctones’ nas suas confrontações cotidianas com os ‘estrangeiros’ –, sempre com base
nas ligações entre as histórias sensíveis e o trânsito entre identidades e desenraizamentos.
Parte dessa concepção destacadamente não utilitarista está no modo com que a
s imagens passam a ser metamorfoses do social sobre a crítica às próprias insistências
midiáticas e cinematográicas. O documentário espanhol (CATALÀ, 2012), nesse sentido,
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Na perspectiva, segundo o autor, de ser contestador das narrativas fílmicas, mas também o caleidoscópico dos
universos os quais dimensiona e também perfura.
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desconigura a realidade porque aprofunda os espaços em que a ideia de real é concebida
como uma maneira de deinir regimes de representação aparentemente sem issuras ou sem
reconhecimento da parcialidade das ‘modalidades de icção’ (RANCIÈRE, 2010) dentro
de uma noção de relativismo dos mecanismos observadores-observados.
Os documentários de natureza migratória, nesse sentido, seguem um alinhamento
percebido nos principais debates da teoria do documentário antes dos anos 1990.
Nesse aspecto, a ensaística migratória nos documentários posteriores à década de 1990
(ESCUDERO, 2014) entende o rol dos sujeitos em transição dentro da primeira ação
intensamente signiicativa: a capacidade de ressonância do efeito da partida que o sujeito
migratório tem dentro da liminaridade da experiência migrante. Conforme relete Tassi
(2016), o cinema migratório enuncia os processos de transposição de localidades por meio
da visão da heterogeneidade e da polissemia do fenômeno, carregado de consonâncias
narrativas que precisam ser decupados em uma lógica chave da política da identidade
na ação da partida. As migrações humanas, como processos complexos e carregados de
labilidade discursiva, são exploradas no cinema transcultural diaspórico (NACIFY, 2001) por
meio de suas lógicas impeditivas e de seus rastros de signiicação: a maior parte do cinema
iccional anterior à década de 1990 (FRANÇA; LOPES, 2010) joga a responsabilidade moral,
jurídica e cultural ao imigrante, esquecendo de pensar as ausências e a desconstrução
da subjetividade do modelo representacional. Os documentários migratórios, por sua vez,
desenham-se orquestrados possivelmente na posição paralela instituída pela antropologia
(D’ANDRADE, 1995; CLIFFORD, 1995; BARNAND, 2000) e pela antropologia visual
(PINK, 2000; EL GUINDI, 2004), em que as imagens culturais e o processo de historicização
bastante crítico com a posição dos enunciados – enunciadores, são ponto de partida
da própria história da disciplina.
O cinema, no caso espanhol, desenvolve a característica fundamental de ser um
lugar de ressonância dos processos interculturais e subjetivos nos deslocamentos humanos.
A contraofensiva importante feita pelo documentário na Espanha, pelo menos desde
a segunda metade dos 1990, se assenta na crítica frontal aos discursos xenofóbicos
que os imaginários sucessivos sobre a realidade social migratória são disseminados nos
meios de comunicação. A cinematograia sobre os processos transnacionais na Espanha
aumenta com a percepção social do fenômeno, tal como apresenta Santaolalla (2005),
mas é o ilme documentário e as suas profundas relexões sobre aquilo o que disseca e
o que está em risco – entre os jogos de icção e realidade – que sucessivamente marca
pontos de inlexão fundamentais (En construcción, José Luis Guerín, 2000; Extranjeras,
Helena Taberna, 2003; Apuntes para una odisea soriana interpretada por negros, Llorenç
Soler, 2005; etc.) na história recente da percepção da alteridade migrante e na tentativa
de desconstrução dos binarismos midiáticos.
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Diáspora, interculturalidade e memória em En tierra extraña (Iciar Bollain, 2014)
En tierra extraña (Icíar Bollaín, 2014)
As imagens dos espanhóis emigrados repercutem na construção fílmica do
documentário espanhol En tierra extraña. Dirigida por Icíar Bollaín, retrata a situação
de vários espanhóis que, a partir da crise econômica de 2008, foram obrigados a deixar
a Espanha7 em busca de melhores condições de trabalho8.
Centrando-se na frustração pela impossibilidade em conseguir, dentro do país de
origem, desenvolver minimamente um lugar laboral possível para aquilo que foram
(em geral, altamente) qualiicados, o documentário explora os discursos e narrativas
dos jovens emigrantes espanhóis na capital escocesa, Edimburgo. O ilme desenvolve
relexivamente os sentimentos de indignação e ao mesmo tempo nostalgia da saída
forçada da Espanha; acompanha as decepções dos emigrantes relacionadas ao país que,
da mesma forma que muitos de seus antepassados, precisam sair para poder sobreviver.
O tratamento diegético explora as historicidades da questão migratória nas narrativas
dos emigrados, desenvolvendo um movimento de intersecção entre as vozes dos emigrantes
na cidade de Edimburgo em paralelo com pelo menos três níveis de situação fílmica:
(a) percepções dos emigrantes; (b) obra de teatro (monólogo da peça Autorretrato de
un joven capitalista español, de Alberto San Juan); (c) acompanhamento de uma cena
artística por uma das protagonistas do ilme (sessão fotográica com as luvas coletadas
por Gloria, estudante de Belas Artes na Espanha).
O documentário de Icíar Bollaín abre com a imagem de um guante, metáfora visual
solitária do processo de perda, incompletude e impossibilidade que atinge milhares de
emigrantes espanhóis apenas em Edimburgo (20.000, segundo o ilme). Com o andamento
fílmico, descobrimos que faz parte de um projeto desenvolvido por Gloria, uma andaluza
formada em Belas Artes na Espanha e professora aprovada três vezes em concursos
públicos – ainda assim, sem ser chamada para ocupar a vaga. Em três níveis diegéticos
(obra de teatro do ator Alberto San Juan, cena artística projetada por Gloria, vozes dos
emigrantes) utiliza-se de algumas imagens de arquivo, de vídeos em preto e branco sobre
emigrantes espanhóis das décadas de 1950-70 e narrativas de pesquisadores (comentário
7
8
78
Dados do INE (Instituto Nacional de Estadística) evidenciam um decréscimo da população espanhola em 26.501
habitantes durante a primeira metade de 2015, conirmando a redução populacional registrada pelo país nos
últimos três anos. Ver http://www.ine.es/prensa/np948.pdf. Em 1o de julho de 2015, a Espanha contava com um
total de 46.423.064 habitantes, situando-se, ainda, entre os países da União Europeia que registraram um saldo
migratório negativo, resultante do retorno de migrantes a seus países de origem, assim como do incremento da
emigração de cidadãos espanhóis a partir da crise de 2008. Em 30 de junho de 2016, o mesmo INE divulgou
dados que registram a saída do país de 98.934 espanhóis durante o ano de 2015, a cifra mais alta registrada
desde o início da crise de 2008 e que representa um aumento de 23% em relação ao ano de 2014. Disponível
em: < http://politica.elpais.com/politica/2016/06/30/actualidad/1467280825_ 063213.html>. Acesso em: dez
2016 (TASSI, OLIVERA, 2017).
A emigração espanhola dos últimos oito anos está constituída principalmente por jovens que foram afetados pela
redução da oferta de trabalho. A “Encuesta de Población Activa (EPA)” realizada pelo INE aponta que, em meados
de 2014, o maior número de desempregados no país concentrava-se na faixa etária de 25 a 34 anos, totalizando
176.700. A taxa de desemprego juvenil registrou uma alta de 55% nos primeiros meses de 2014 pelo segundo
trimestre consecutivo. Disponível em: <http://www.ine.es/dyngs/ INE base/es/operacion.htm?c=Estadistica_C&ci
d=1254736176918&menu=ultiDatos&idp=1254735976595>. Acesso em: dez 2016. (TASSI, OLIVERA, 2017).
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de sociólogo-teólogo), para explicar o fenômeno recente dos novos deslocamentos
migratórios espanhóis na Europa.
O tratamento diegético potencializa as narrativas emigrantes com a centralidade dos
discursos. Há um mecanismo de intersecção das falas dos jovens espanhóis com a obra
de teatro do ator Alberto San Juan, e o ilme estrutura-se em um movimento importante:
a decepção e a nostalgia do processo de deslocamento migratório incide na construção
de falas que vertebram relexões compartilhadas sobre o processo de distanciamento.
A experiência emigratória é observada com uma proposta intercultural que relativiza
o próprio ilme por meio de um jogo de mensagens sobre o passado insistente como
migrante e sua reprodução parcial – mas mais funda a decepção, alimentada pelo contexto
histórico persistente9.
Em três níveis fílmicos, portanto, En tierra extraña avança destacando o marco atual
do contexto emigratório espanhol (mas também de muitos jovens europeus) e a insistência
com que o luxo de imigrantes/emigrantes incide sobre sociedades reféns de sistemas
políticos que parecem insistir sobre o capital humano como se de interesses e excedentes se
tratasse. O ilme de Bollaín aponta várias vezes sobre essa dimensão agressiva da alteridade
dicotomizada pelos meios de comunicação e a canibalização dos mais jovens, daqueles
que sofrem com as mudanças repentinas do sistema político com a naturalização do lema:
‘não há espaço para todos’. A culpabilização do jovem emigrante, principalmente por
certo esquema político que esquematicamente designa ‘emigrados’ como ‘aventureiros’,
é bastante enfatizada na mise-en-scène como proposta crítica ao distanciamento das vozes
governamentais das realidades sociais dos emigrantes. O ilme, desse modo, aprofunda
a dimensão crítica das representações hegemônicas disseminadas irresponsavelmente
pelos agentes do estado espanhol ao mostrar, na composição de narrativas dos emigrantes
na Edimburgo europeia, a distância entre os discursos oiciais e o drama dos emigrantes10.
Não há, também, descuido na questão intercultural: En tierra extraña acompanha
as falas dos jovens espanhóis e intervala aspectos do cotidiano migratório (as diiculdades
da integração sem tempo e equânimes condições de estar preparado, o custo individual
e psicológico do empreendedorismo, a nostalgia com o país deixado forçosamente etc.)
com a dimensão macro dos deslocamentos (a reprodução dos sistemas políticos em
notadamente falharem na promessa da integração de todos). Ao correlacionar os dramas
dos jovens emigrantes na Edimburgo de 2014 com as imagens do passado, o ilme mostra
como os sistemas políticos por um lado mentem ao imprimir uma imagem (europeísta)
9
10
Em dado momento do luxo fílmico, vemos a fala do avô de Glória, emigrante espanhol na década de 1960,
que relata um comentário de um amigo que lhe impactou: “Maldita pátria que no da de comer a sus hijos...
eso me dijo un español, a lagrima suelta, en Alemania, y nunca se me olvida”
Comentários de políticos do governo, a respeito da ‘integração europeia’ nos luxos de saída e do ‘impacto na
experiência vivencial’ dos jovens espanhóis emigrados, cuidadosamente inseridos em momentos especíicos
do documentário, destacam a incapacidade dos governantes em compreenderem o nível de indignação dos
que foram obrigados a sair do país de origem, por exemplo na fala de Mariví, uma comerciante desempregada
que se vê obrigada a emigrar a Edimburgo: “Me han obligado, me han sacado a patadas… yo no merecía esto.”
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Diáspora, interculturalidade e memória em En tierra extraña (Iciar Bollain, 2014)
de avanço social e, por outro, fracassam sistematicamente em conseguir promover
a inserção social daqueles que, vemos no luxo fílmico, acabam sendo os netos e bisnetos
dos que emigraram anteriormente. Nesse sentido, o ilme apresenta com uma signiicativa
intencionalidade crítica a reprodução dos movimentos históricos ao mesmo tempo em que
apresenta as narrativas emigrantes com a proposta da cena artística “ni perdidos ni calados”,
que Gloria, expulsa do sistema social espanhol, desenvolve na Edimburgo contemporânea11.
O documentário de Bollaín, ainda, densiica as narrativas emigrantes coincidindo-as
com o tempo da imagem cinematográica: o uso de imagens de arquivo e a importante
duplicação das vozes dos narradores com as coincidências e as especiicidades dos
emigrados, marcam uma correlação que provavelmente acaba por mostrar a insistência
com que as indignações ressoam pelo presente ‘europeísta’ e pelo passado isolado.
Observamos que a integração está relacionada ao empreendedorismo migratório e
às variadas situações individuais, mas, sobretudo, como o passado emigrante segue
vertendo-se sobre um futuro que se torna geográica e comunicacionalmente mais próximo,
mas segue sendo impeditivo e fronteiriço: os sucessivos limites linguísticos, nacionais,
sociais e hierárquicos na admissão e integração de pessoas.
Bollaín inscreve a ação documentarista em uma estratégia inteligente de atar
as falas dos espanhóis aos aspectos coletivos da dimensão dos deslocamentos. Mostra
como o protagonista oculto e sobrevivente – o sistema político que oculta crises para
seguir existindo, a base de sonhos falsos e desterritorializações parciais – atinge uma nova
geração de emigrantes e, em que pese às distâncias históricas, dissecam os mais de 5,4
milhões de desempregados que se movem porque precisam encontrar oportunidades e
a subsistência que o sistema social não permite. A relação entre a memória migratória
e a diáspora espanhola parece ser constituída pelo sistemático esquecimento dos fracassos
sociais do passado e da reprodução dos mecanismos (a saída emigrante) como um meio
de paliar as distâncias entre os projetos políticos e a incorporação das pessoas.
A centralidade dessa discussão parece se fortalecer na mise-em-scène porque Bollaín
estabelece um processo de atenção em relação à emergência da questão da memória
documentarista, uma vez que En tierra extraña ressoa a historicidade da construção
enunciativa dos deslocamentos do passado e sua (obscena) insistência no presente12.
O ilme evoca, assim, por meio dos relatos dos “novos” e jovens emigrantes, a permanência
de um certo imaginário coletivo, no contexto da sociedade espanhola, fundado na
percepção de que o processo de modernização, industrialização e urbanização da Espanha,
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12
80
A formação de um ativismo social signiicativo, que aproxima os emigrantes com a cena artística e o lema
“ni perdidos ni callados”, é também ampliado no documentário ao trabalhar com uma música extradiegética que
exalta a formação de uma espécie de rede migratória e de um discurso comum: o teor de indignação dos que
precisaram sair é ampliado pela percepção de que, mesmo sendo academicamente mais preparados que seus
antepassados, ainda assim não encontram lugar dentro do sistema político (baseado na exclusão de pessoas).
En tierra extraña, de certo modo, dualiza com ilmes sobre a emigração espanhola na Europa das décadas de
1950, 1960 e 1970, como Vente a Alemania, Pepe (Pedro Lazaga, 1971), Españolas en Paris (Roberto Bodegas,
1971), Un Franco, 14 Pesetas (Carlos Iglesias, 2006).
Galaxia (São Paulo, online), ISSN 1982-2553, n. 36, set-dez., 2017, p. 72-84. http://dx.doi.org/10.1590/1982-2554232967
Rafael Tassi Teixeira | Denise Cogo
sua entrada na União Europeia e sua inserção na ordem do capitalismo global e inanceiro
teria liberado deinitivamente o país de sua condição histórica de país de emigração para
posicioná-lo como país de imigração13. No entanto, o retorno a essa condição de um país
que “expulsa seus nacionais” implicaria também na desestabilização do imaginário de um
“país capitalista, moderno, desenvolvido e europeu” e ao mesmo tempo no reconhecimento
da atual crise econômica e política provocada por esse mesmo capitalismo.
Além disso, o difícil enfrentamento dos jovens migrantes com a memória da
emigração espanhola do passado (constituída majoritariamente por emigrantes “não
qualiicados”) colabora igualmente para tensionar esse posicionamento da Espanha como
país de emigração. Em seus relatos, os jovens parecem evidenciar uma certa perplexidade
diante da realidade de “terem sido empurrados à emigração”, e a “emigração ter sido
uma experiência imposta”, quando dispunham da formação educativa e da qualiicação
proissional necessárias (nível de escolarização superior, domínio de idiomas, vivências
cosmopolitas por meio de mobilidades estudantis etc.) para encontrarem trabalho e
assegurarem a sobrevivência em seu país de origem.
O documentário dá lugar, assim, à tessitura de uma memória em torno dos novos
luxos contemporâneos de emigração espanhola, impulsionadas pela crise de 2008,
na qual as experiências diaspóricas dos jovens emigrantes parecem inicialmente
demarcadas pela vivência da mobilidade como imposição e alternativa de sobrevivência
(busca de trabalho)14 para, no decorrer do percurso migratório, ser experimentada também
como espaço de vida e possibilidades de vivências cosmopolitas e interculturais. O que,
em certo sentido, sugere possibilidades de articular memórias do passado e do presente
sobre os deslocamentos de espanhóis. Nessa perspectiva, a precariedade enfrentada
no mundo do trabalho ou a condição de “imigrantes do sul da Europa” que lhes é
atribuída, parece colaborar para fazer emergir, entre os jovens espanhóis, uma memória
em torno de condição similar vivenciadas, na Espanha, pelos imigrantes de outras nações,
especialmente quando, no inal dos anos 90 e início dos anos 2000, o país recebeu um
número expressivo de estrangeiros, posicionando-se, no cenário internacional, como uma
das principais nações receptoras de imigrantes.
Considerações inais
As cartograias fílmicas mundiais têm conseguido, dentro de uma variedade bastante
ampla de ilmes que carregam como núcleo articulador perspectivas transnacionais e
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14
Sobre Espanha como país de emigração e imigração, ver, dentre outros, Dahiri; Nieto-Morales; VázquezFernández (2016); Valero Matas et al. (2015) e Alted Vigil (2008).
Cabe lembrar aqui que a reiteração das narrativas dos jovens, de sua condição de emigrantes forçados remete
a um tipo de posicionamento discursivo do governo e da mídia espanhola que tem construído a atual emigração
de jovens como “aventura”; “ampliação de experiência proissional” ou “aprendizagem de idiomas”. Discursos
que têm sido confrontados, em termos contradiscursivos, em ativismos e mobilizações transnacionais de coletivos
de jovens emigrantes espanhóis como Marea Granate (www.mareagrante.org) (COGO; OLIVERA, 2017).
Galaxia (São Paulo, online), ISSN 1982-2553, n. 36, set-dez., 2017, p. 72-84. http://dx.doi.org/10.1590/1982-2554232967
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Diáspora, interculturalidade e memória em En tierra extraña (Iciar Bollain, 2014)
subjetividades em trânsito (FOSTER, 1999), produzir um tratamento temático mais exigente
– e estilisticamente mais potente – das questões migratórias contemporâneas.
Não obstante, os problemas, silêncios, vulnerabilidades, situações de abuso de toda
ordem e as múltiplas formas de insuiciências correlacionadas aos deslocamentos humanos,
seguem intensiicando o paradigma da mobilidade como uma das mais importantes forças
de discussão das políticas de representação dentro dos imaginários audiovisuais recentes.
O cinema espanhol não é, por tudo isso, de nenhuma maneira refratário à emergência
da temática migratória em contextos de recepção e partida. Está inevitavelmente
predisposto a ser aberto e em demarcar estruturalmente as várias mediações possíveis entre
a memória migrante e a própria memória fílmica (VAN LIEW, 2008). Seu passado fílmico
condensa, desde a icção e o documentário, perspectivas cinematográicas fundamentais
que ajudaram tanto a ediicar como a descontruir o mito do emigrante/imigrante, seus
‘lugares’ de designação, seu empreendedorismo incansável, sua importância muito além
dos fatores econômicos – e, mesmo mediocremente dentro dessa única visão, ainda assim
tantas vezes negada sua contribuição estrutural.
O ilme de Icíar Bollaín é um documentário valente que busca uma leitura polissêmica
e aberta dos emigrados espanhóis na Edimburgo atual pela via da força do relato e
da resistência da imagem. A proposta temática-estilística do documentário da diretora,
dentro de três linhas – três profundidades narrativas –, densiica as falas dos jovens
emigrantes espanhóis como uma forma de pensar as migrações e ao mesmo tempo incluir
nela o que é mais indignante: repetir a tragédia, repercutir a história ouvindo que ela não
esconde seus desenganos, seus ciclos resistentes, sua atualidade obstinada.
A força individual e ao mesmo tempo emergente dos relatos dos jovens espanhóis
compõe um quadro de mediação frontal da memória emigrante (os ancestrais emigrantes
na Europa) e os corpos dos novos deslocados, criando uma interposição signiicativa
com as continuidades do passado (a eterna fragilidade que acompanha os migrantes) e
os vários impedimentos que os demarcam. O que muda com a sensação que, apesar do
empreendedorismo, apesar da qualiicação sem precedentes dos emigrados espanhóis,
o êxodo está inevitavelmente tapando uma mentira globalizatória: o acesso a todos,
de forma plural, disponível e igualitária?
Essas três mediações fazem de En tierra extraña um ilme fundamental para ajudar
a pensar as sentidas formas com que a proliferação de processos de circulação de pessoas,
na Europa atual, mesmo aos mais qualiicados, aos mais jovens e europeus, seguem sendo
metáforas da desigualdade e das relações de dominação. Como deriva da falsa cratera entre
icção e documentário, o ilme traz à luz um vestígio contemporâneo concreto: o modo
pelo qual a presença (da diáspora) impõe à exigência (da narrativa) para poder pensar,
de forma atomística, o verdadeiro valor do âmbito da ação humana, da necessidade de falar e
de ser ouvido, do imperativo da história e a sua reprodução tantas vezes infame e silenciosa.
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Rafael Tassi Teixeira | Denise Cogo
Rafael Tassi Teixeira é professor e vice-coordenador do
Programa de Pós-graduação em Comunicação e Linguagens
da UTP/PR e professor adjunto da Unespar\FAP (Sociologia
da Arte e Estudos Culturais).
rafatassiteixeira@hotmail.com
Denise Cogo é professora titular do Programa de
Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo
da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e
pesquisadora 1D do CNPq.
denisecogo2@gmail.com
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Artigo recebido em maio
e aprovado em julho de 2017.
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Galaxia (São Paulo, online), ISSN 1982-2553, n. 36, set-dez., 2017, p. 72-84. http://dx.doi.org/10.1590/1982-2554232967