CEPI FGV Direito SP
BRIEFING TEMÁTICO #3
Diálogos com Argentina, Chile, Colômbia e México
De que futuro do trabalho estamos falando? – versão 1.0, de 26 de fevereiro de 2021
Este briefing temático busca ampliar as discussões sobre a relação entre o futuro do
trabalho e a gig economy, dialogando com os contextos e discussões existentes na
Argentina, no Chile, na Colômbia e no México, países que, assim como o Brasil, têm
enfrentado perguntas e debates sociais, econômicos, tecnológicos e regulatórios relacionados ao tema. Interessa-nos explorar como as agendas dos países se relacionam a partir dos três eixos norteadores da pesquisa realizada pelo CEPI FGV Direito
SP: (i) regulação e políticas públicas; (ii) desigualdade e seguridade social e (iii) algoritmos e automação. Para tanto, foram analisados textos legislativos, relatórios governamentais e de instituições latino-americanas que tratam da temática. Boa leitura!
Principais achados
1. O trabalho em plataformas está sendo debatido na América Latina, ainda sem regulamentações específicas aprovadas na Argentina, no Chile, na Colômbia e no México. No
mapeamento realizado sobre esses países, prevaleceram os eixos (i) regulação e políticas
públicas e (ii) desigualdade e seguridade social.
2. Na Argentina e no México, verificou-se a prevalência de discussões sobre a caracterização da relação jurídica entre plataformas e prestadores. No Chile, predominaram questões relacionadas ao direito de informação dos prestadores. Na Colômbia, o tema de
destaque foi a seguridade social no trabalho por aplicativos.
3. Assim como no Brasil, há, nos países analisados, discussões sobre a (in)existência de subordinação na relação entre plataformas e prestadores (e, consequentemente, a caracterização de uma relação laboral ou civil) e questões referentes à seguridade social.
4. Foram encontradas particularidades nos países analisados, como programa de seguridade social para pessoas com renda inferior ao salário mínimo e critérios para parametrizar o trabalho subordinado.
1
CONTEXTUALIZAÇÃO
Segundo o Panorama Laboral da América Latina de 2020, publicado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), uma das mudanças laborais observadas na América Latina
está relacionada à emergência de plataformas digitais de trabalho (Figura 01).
No contexto da pandemia, as plataformas de
entrega ganharam protagonismo. As medidas de restrição de circulação adotadas pela
maioria dos países, o fechamento das lojas físicas e a cautela com o distanciamento social
fizeram com que as pessoas passassem a consumir mais online, movimentando o setor. De
acordo com a OIT, durante a segunda metade
do mês de março e começo de abril de 2020,
as vendas online aumentaram 28% em Bogotá, 119% no Chile, e 300% na Argentina, em
relação às semanas anteriores ao início das
medidas de isolamento associadas à COVID19 (OIT, 2020, p.81).
Para a OIT, a pandemia acabou por acentuar
fenômenos da revolução digital e novos desafios atrelados ao trabalho realizado por plataformas digitais. A Organização estima que o
aumento da demanda pelos serviços desse
tipo impacte as condições de trabalho no setor. Contudo, não se sabe se os efeitos e tendências decorrentes dessa conjuntura permanecerão no longo prazo.
Diante dessas transformações, os países
apresentaram diversas medidas para endereçar a situação. O relatório da OIT ainda
aponta que durante a pandemia percebeu-se
a aceleração da tramitação legislativa de projetos de lei que estavam pendentes, bem
como a apresentação de novos projetos visando regular o trabalho em plataformas digitais, já que foi um setor bastante visibilizado.
Algumas destas medidas serão objeto desse
briefing temático.
NOTAS METODOLÓGICAS
Para a seleção dos países a serem estudados
neste trabalho, foram utilizados três critérios:
(i) classificação dos países que mais utilizam
smartphones em proporção considerando sua
população (GSMA, 2020), (ii) panorama do
mercado de aplicativos (APPYFLYER, 2020) e
(iii) a porcentagem da população com cobertura pelo Uber (BID, 2019), que resultaram na
seleção de: Argentina, Chile, Colômbia e México.
A coleta de dados e informações se deu em
duas frentes complementares: (i) levantamento legislativo nas casas legislativas de
cada país, abarcando projetos de lei em tramitação e textos legislativos aprovados desde
2010 e (ii) revisão de literatura acerca do
tema. Em ambas as frentes foram utilizadas
seguintes palavras-chaves: “trabajo bajo demanda"; “trabajo de plataformas”; “Trabajo +
apliciones”; "plataformas digitales"; “gig economy” e "crowdwork".
Os estudos e projetos de lei mapeados foram
analisados a partir dos eixos norteadores do
projeto: (i) regulação e políticas públicas, (ii)
desigualdades e seguridade social; (iii) algoritmos e automação. Por último, de forma a
sistematizar e organizar todo o conteúdo, foram utilizadas uma tabela classificatória com
todos os projetos de lei (PLs) e fichas de leitura para os textos selecionados. Foram analisados 99 PLs na Argentina, 33 PLs no Chile,
83 PLs na Colômbia e 84 PLs no México.
2
Avaliando a pertinência temática com o trabalho na gig economy e descartando proposições arquivadas, foram selecionados 4 PLs no
Chile, 7 PLs na Argentina, 11 PLs na Colômbia
e 4 PLs no México. Em relação à Colômbia,
não foi possível acessar o conteúdo de cinco
proposições legislativas1, as quais não foram
consideradas nesta análise. Em relação ao
México, uma das proposições foi convertida
em ato normativo2.
Com exceção das proposições que não puderam ser acessadas, todas as demais foram
consideradas no escopo desta análise. Além
desses, foram considerados um total de 23 relatórios que tratavam do tema por país e/ou
explorando o contexto da América Latina
como um todo.
Figura 1: Fluxograma de plataformas digitais de trabalho
Fonte: adaptado de CEPAL (2019).
1
Não foi possível acessar o conteúdo dos seguintes projetos de lei: 242/2020C, 199/2020C, 274/2020, 296/2019C e
003/2020C (acumulado com os PLs174, 185, 199 Y 242 de 2020C).
2
Trata-se de PL de 2017 que modificou a legislação sobre imposto de renda.
3
REGULAÇÃO E SEGURIDADE SOCIAL EM DEBATE
A pesquisa do tema “trabalho em plataformas” nos 4 países selecionados se deu a partir de 3 eixos
principais: (i) regulação e políticas públicas; (ii) desigualdades e seguridade social; (iii) algoritmos e
automação. O eixo algoritmos e automação não retornou resultados significativos nos países. Por
esse motivo, discutimos a seguir apenas os dois primeiros eixos.
Para fins dessa discussão, são considerados objetos de regulação e políticas públicas definições
relacionadas ao tema (e.g. plataformas, prestadores), caracterização de regime (caráter trabalhista, caráter civil) e obrigação dos atores envolvidos. Para discussão sobre desigualdades e seguridade social foram considerados: condições de trabalho (e.g. alimentação, descanso, duração, informação, saúde e segurança), diálogo social e benefícios (e.g. remuneração, educação, saúde etc.)
ARGENTINA
A maioria das plataformas que atuam na Argentina adota o modelo de intermediação de
serviços por trabalhadores "independentes",
ficando, portanto, a cargo destes o recolhimento das contribuições previdenciárias. Um
caso particular é o da Zolvers, que opera no
setor de serviços domésticos: ao contratar o
serviço, os encargos trabalhistas, que incluem
contribuição ao sistema de seguridade social,
são repassados ao cliente. Algumas empresas
(e.g., IguanaFix, Ando, Rappi e Glovo) exigem
que os trabalhadores cadastrados em suas
plataformas estejam registrados no regime
geral ou de monotributos. Outras, como a
Uber, não exigem o registro, mas aplicam
uma retenção sobre a remuneração para
aqueles não inscritos no regime de monotributo (MADARIAGA et al, 2019, p. 28).
Na Argentina, verificou-se que o eixo prevalecente nas discussões legislativas foi a regulação, sendo que a maioria dos projetos de lei
caracterizavam os trabalhadores em plata -
forma como autônomos. No mapeamento de
PLs, constatou-se também que a maioria dos
projetos em tramitação visam estabelecer um
marco regulatório no país. Em dois dos projetos de lei verificou-se que a caracterização
do trabalhador como dependente ou independente decorre do número de horas dedicadas ao trabalho no aplicativo (PL 3482-D2020).
No eixo que tratava sobre questões relacionadas à desigualdade, nos PLs, destacaram-se
matérias relacionadas à duração do trabalho
e descanso dos trabalhadores. Essas pautas
estão relacionadas à definição de uma jornada máxima de trabalho e com o dever, das
plataformas, de desconectarem os trabalhadores.
As questões relacionadas à informação também são relevantes para o debate no país,
aparecendo em 5 dos 7 PLs analisados. Essa
pauta está associada à divulgação dos critérios de remuneração, definição de critérios
4
para desconectar os trabalhadores da plataforma e disposições associadas à aviso prévio
de desligamento de trabalhadores.
A questão de seguridade social também merece destaque, mesmo nos projetos que consideram os trabalhadores como autônomos.
O debate sobre um seguro contra acidentes
está presente em 6 dos 7 projetos de lei analisados. Foi possível ainda identificar proposições que tratavam sobre licença maternidade
e outros tipos de seguro, como, por exemplo,
o disposto pelo PL 0821-D-2020 que estabelece que os trabalhadores em plataformas digitais têm direito ao benefício básico universal, aposentadoria por invalidez e pensão por
morte, programa médico obrigatório e cobertura de assistência médica. E os estabelecidos
no PL3652-D-2020: assistência médica em casos de maternidade, doença comum ou profissional e acidentes (sejam de trabalho ou
não), contratação de seguro de responsabilidade civil, cobertura de acidentes na prestação de serviços e inclusão dos trabalhadores
na incidência da lei de riscos no trabalho.
Neste projeto de lei, destaca-se, a previsão de
que os recolhimentos para o regime de seguros devem ser repassados pelas plataformas
digitais, estabelecendo uma parcela a ser
paga pelo trabalhador e outra pela empresa.
Cabe ressaltar, no entanto, que em outro projeto de lei havia a previsão de que a contribuição deveria ser feita apenas pelo trabalhador.
Como particularidade, cabe destacar nos projetos analisados na Argentina a proposta de
criação da Vara do Trabalho para Pessoa Humana que Trabalha em Plataformas Digitais e
de uma Comissão Nacional de Trabalho em
Plataformas Digitais, com atribuições de: definir salários-mínimos e estabelecer as categorias de trabalhadores; promover o cumprimento de normas de saúde e segurança do
trabalho; assessorar os órgãos nacionais; realizar ações de formação (PL 0821-D-2020).
Outra particularidade foi a criação da Comissão Nacional para o Desenvolvimento e Legislação da Economia Colaborativa e Plataformas Digitais, a qual seria a responsável por
aplicar as disposições do PL 3652-D-2020.
CHILE
A natureza jurídica da relação contratual existente entre prestadores de serviço e plataformas digitais também é controversa no Chile.
A título de exemplo, os taxistas no Chile são
considerados autônomos, categorização que
poderia se estender aos motoristas em plataformas digitais, na medida em que também
podem determinar o seu horário de trabalho.
(COMISIÓN NACIONAL DE PRODUTIVIDAD,
2020, p. 62). Ocorre, no entanto, que, de
um lado, a legislação chilena ainda não dispõe
de uma regulamentação específica sobre os
trabalhos em plataformas e, de outro lado, a
litigiosidade judicial ainda é baixa, de modo
que não se pode identificar um posicionamento jurisprudencial consolidado sobre a temática (VÉLEZ, 2020, p.1).
Considerando o debate legislativo no Chile,
foram mapeados quatro projetos de lei em
tramitação que visam regular de alguma
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forma o trabalho em plataformas digitais. É
possível identificar que o tema ganhou mais
destaque com a pandemia, mesmo não havendo menção expressa à COVID-19 nos PLs,
pois foi instituída uma mesa técnica para discutir as questões relacionadas ao trabalho em
plataformas digitais. A referida mesa foi instituída pela subsecretaria del trabjo do Chile, e
composta pelo Subsecretario del Trabajo, pelo
Consejo Superior Laboral, pela Comisión Nacional de Productividad e por assessores dos senadores que compõem a Comisión de Trabajo
do Senado. Dentre suas atribuições, ficou decidido que caberia a ela estudar os assuntos
relacionados às operações de economias sob
demanda e aplicativos cujo serviços são oferecidos no território chileno.
Dentre as primeiras conclusões da mesa,
destacam-se: (i) necessidade de pensar mecanismos de proteção em matéria de seguridade social às pessoas que prestam serviços
por meio de plataformas digitais; (ii) reconhecimento da necessidade de gerar regras especiais de proteção aos dados pessoais e sensíveis que são armazenados e registrados nas
plataformas; (iii) necessidade de as plataformas considerarem mecanismos de transparência em relação às condições de serviço e
pagamento, o que poderia ser objeto de futura regulação.
Na interface com a dimensão regulatória, a liberdade do trabalhador é explorada a partir
de diferentes perspectivas. Dentre elas, as
proposições destacam o direito de escolher os
horários em que trabalha, conquanto a jornada seja descontínua e tenha, no máximo, 6
horas. Por razões de saúde e segurança públicas, a jornada de trabalho não pode ultrapas-
sar doze horas diárias, nem quarenta e cinco
horas semanais (PL 12475-13). Ainda em relação à seguridade social, os profissionais devem ser filiados e contribuir de acordo com as
regras sobre acidentes e doenças ocupacionais (Lei nº 16.744).
Da mesma forma, segundo o PL 12475-13, as
Plataformas de Serviço devem ter seguro de
danos para os implementos necessários à
execução do serviço e que para tal sejam providenciados pelo trabalhador. Além disso, tratam também condições de remuneração, de
desligamento e transparência, de forma que,
no momento da celebração do contrato, as
plataformas de serviços devem informar os
critérios que utiliza para atribuir a prestação
de um serviço, a forma de cálculo da sua remuneração, a forma de recolha de dados do
trabalhador, o impacto das habilitações atribuídas, bem como quaisquer outros critérios
relevantes para o desempenho da função ou
para o exercício e respeito dos seus direitos.
Dois projetos de lei especificam que a relação
entre trabalhadores e plataformas dá origem
a uma relação a ser regulada pelo Código do
Trabalho, enquanto um dos projetos menciona que esta não é uma relação laboral (PL
12618-13). O que se percebe, no entanto, é
que mesmo nos projetos em que não se considera a existência de uma relação laboral, há
proposições de uma proteção mínima.
Em relação à seguridade cabe destacar que a
maior preocupação no Chile diz respeito à instituição de um seguro saúde aos trabalhadores. No PL 13496-13, há uma maior especificação no que diz respeito à seguridade social,
estabelecendo parcelas referentes a seguro
acidente de trabalho, seguro contra invalidez,
6
seguro de responsabilidade civil, seguro-desemprego, parcelas à cargo das plataformas
digitais. Outro ponto de preocupação em todos os projetos de lei em tramitação no Chile
diz respeito ao direito à informação. As demandas por informações estão relacionadas
a: termos e condições de determinação de
preços e incentivos para a prestação dos serviços; critérios para atribuição de serviços;
forma de recolhimento de dados pessoais dos
trabalhadores; motivos para desligamento da
plataforma e aviso prévio de desligamento da
plataforma (PL 12618-13).
COLÔMBIA
Conforme noticiado pelo Ministério do Trabalho da Colômbia em outubro de 2019, o então
vice-ministro de Relações Trabalhista e Fiscalização e atual vice-ministro do Interior, Baena López, mencionou que, embora o governo esteja empenhado na causa de regular
o cenário da economia de plataformas, o
tema deve ser estudado com cautela, visto
que existem diversas particularidades que devem ser levadas em conta.
Na Colômbia, não existem normas que regulem o trabalho intermediado por plataformas
digitais, desse modo, não se tem estabelecido
com clareza quais são as obrigações das plataformas digitais frente aos trabalhadores
que prestam os serviços (YANITZA, 2019,
p.157). Esse novo arranjo de relações entre
trabalhador e plataforma digital representa
um desafio, na medida em que a legislação
colombiana não apresenta respostas para a
nova realidade laboral do país no cenário da
economia de plataformas, sendo difícil de se
identificar quando se trata de um trabalhador
independente, autônomo ou de um empregado (YA-NITZA, 2019, p.156). Os trabalhadores de plataformas digitais do país, prestam os serviços sem estarem vinculados ao
Regime Geral de Seguridade Social, assim,
até o presente momento, as plataformas não
possuem a obrigação de verificar o registro ou
fazer a inscrição e a cotização desses trabalhadores no Regime (YANITZA, 2019, p.160).
A falta de obrigações claras estabelecidas por
lei e que deveriam ser cumpridas pelas plataformas (YANITZA, 2019), além da dificuldade
de os atores envolvidos entrarem em consenso sobre como regular essas atividades
(PAREDES, 2018) são elementos a serem considerados. O relatório (PAREDES, 2018) destaca que não há um consenso inclusive entre
os entregadores de que para eles seria melhor
a filiação no sistema de seguridade social e
aposentadoria. Outro ponto relevante é entender que a maneira como o sistema de seguridade social colombiano público e privado
é estruturado não ajuda a proteger os trabalhadores no contexto de plataformas digitais,
uma vez que ele foi pensado em planos de
longo prazo a partir de um salário estável,
conforme afirma Paredes (2018). Nesse contexto, seria necessário pensar em outros
meios mais flexíveis de proteção para os trabalhadores de plataformas.
De forma distinta dos países apresentados até
aqui, na Colômbia verificou-se a prevalência
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dos eixos seguridade social e regulação no debate legislativo. Para dispor sobre seguridade
social, os PLs apresentaram definições – de
plataformas e prestadores – e a caracterização do regime jurídico existente entre prestadores e plataformas. Dos 6 PLs analisados, 1
regulariza a atividade profissional de motorista por aplicativo, 2 PLs buscam conferir garantias sociais mínimas para os prestadores
em plataformas digitais (independentemente
da caracterização do regime jurídico) e 3,
além das disposições sobre seguridade social,
se preocupam também em definir o caráter
da relação existente entre prestadores e plataformas, enquadrando-a como uma relação
civil (e não laboral) e considerando o prestador como autônomo.
Em relação à caracterização do regime, destaca-se o PL 246/2020. Tal proposição define
os prestadores como autônomos. Contudo,
apresenta a possibilidade de haver, alternativa e excepcionalmente, uma relação de caráter laboral firmada de forma voluntária,
caso prestador e plataforma assim decidam e,
nesses casos, a relação será regida pelo
Código Sustancial del Trabajo e fará jus a todos os direitos trabalhistas ali previstos. Nesses casos, as plataformas devem informar a
quantidade de vagas disponíveis para a modalidade laboral e terá a faculdade de fixar horários de trabalho, exclusividade, área de trabalho, dentre outros.
Com exceção do PL 292/2019 que regula o
exercício da atividade de transporte de passageiros por plataformas digitais, os demais PLs
visam garantir proteção social aos prestadores da gig economy e não se centram na contraposição prestador autônomo versus presta-
dor subordinado. A caracterização como prestador autônomo não impede a busca pela proteção social nessas proposições legislativas.
Nesse sentido, os PLs parecem se preocupar
mais com a seguridade social do que propriamente com as obrigações das plataformas e
prestadores no tocante às condições de trabalho em si, ainda que muitos PLs tenham sido
apresentados durante a pandemia de Covid19.
Em relação à seguridade social, de forma geral, os PLs estabelecem a obrigatoriedade de
os prestadores estarem registrados e contribuírem para o sistema de seguridade social. A
responsabilidade pelo custeio dessa contribuição varia de acordo com o PL: há PLs que
atribuem a obrigação de recolhimento ao próprio prestador, outros que repartem essa obrigação entre os atores (prestador, plataforma
e intermediários), e há PLs outros que atribuem a responsabilidade à plataforma. Notou-se que os PLs são bastante detalhados em
relação aos trâmites dessa contribuição.
Ademais, as proposições criam regras distintas para o prestador que aufere renda acima
de um salário mínimo e para aqueles que auferem renda inferior a um salário mínimo.
Isso se deve ao modelo colombiano de Benefícios Econômicos Periódicos (BEPS), um programa destinado a cidadãos colombianos
maiores de 18 anos que possuem renda inferior a um salário mínimo, como os trabalhadores autônomos, que passam a poder contribuir para esse sistema a fim de garantir a sua
aposentadoria.
Neste tocante, menciona-se também a obrigatoriedade criada pelo PL 246/2020 da plataforma ter que arcar com um seguro contra
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acidentes e perda de renda (situações de incapacidade laboral, por exemplo) para os prestadores.
Nos PLs 85/2020 e 246/2020, destaca-se também a preocupação com a transparência das
ações e condições de trabalho nas plataformas, definido regras para o contrato entre
prestadores e plataformas.
No PL 85/2020, nota-se certa preocupação
com a certificação da qualificação do prestador, pois define que caso o prestador (chamado no PL de contratante colaborador) es-
teja sujeito a qualificações por parte da plataforma, usuários ou clientes finais, as qua- lificações pertencerão ao prestador e será obrigação plataforma entregar e certificar tais
qualificações.
Por fim, destaca-se a disposição do PL
246/2020 sobre instrumentos de diálogo social, estabelecendo que as plataformas devem possuir mecanismos de participação e representação, para que, coletivamente, os
prestadores possam participar das discussões
sobre modificações nos termos e condições
de conexão.
MÉXICO
A legislação trabalhista mexicana, derivada
da Lei Federal do Trabalho (LFT), não contempla nenhuma categoria especial dos trabalhadores de plataformas digitais (BENSUSÁN, 2020). Contudo, quanto às ligações entre os atores estatais e as plataformas digitais,
destaca-se a experiência iniciada em junho de
2020 pelo Servicio de Administración Tributario (SAT). Essa tratativa sujeita as empresas
estrangeiras fornecedoras de serviços digitais
por meio de aplicativos à obrigação de pagar
o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) por
suas atividades. Da mesma forma, caso essas
plataformas tecnológicas, nacionais ou estrangeiras, também prestem serviços de intermediação, elas devem reter o IVA e o Imposto de Renda (ISR) para as pessoas físicas
que realizam essas atividades. Diante disso,
os trabalhadores das plataformas devem atualizar suas obrigações tributárias no Registro
Federal de Contribuintes (HACIENDA, 2020).
Segundo Bensusán (2020), um dos primeiros
desafios a serem enfrentados no que diz respeito à regulamentação do trabalho em plataformas no México está relacionado à medição
e melhor caracterização estatística das atividades e trabalhadores a elas vinculado, bem
como do perfil de quem lida com os pedidos,
considerando aspectos como sexo, idade, escolaridade, estrato socioeconômico etc. Iniciativas regulatórias ocorreram no país por
meio de modificações na Constituição, a Lei
Federal do Trabalho e a Lei do Imposto de
Renda, fundadas na ideia de que a geração de
novos postos de trabalho não poderia desprezar a qualidade e o bem-estar dos trabalhadores.
Neste contexto, a pandemia COVID-19 destacou as consequências de altos níveis de informalidade, a maior vulnerabilidade de quem
ocupa empregos formais temporários e a ausência de seguro-desemprego, que deve levar
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a medidas urgentes no campo do emprego,
inclusive aquelas que contemplam a proteção
dos trabalhadores na economia digital.
Vale destacar que, no México, um dos PLs foi
transformado em ato normativo. Trata-se de
uma proposição de 2017 que modificou o artigo 94 da legislação sobre imposto de renda
para considerar como salário a renda auferida
por aqueles que prestam serviços de transporte por meio de plataformas digitais. Embora tal disposição, aparentemente, não se
conecte com a regulação da relação entre
prestadores e plataformas como tema central, o caput do artigo 94 menciona que são
considerados os rendimentos pela prestação
de serviço pessoal subordinado, os salários e
outros benefícios decorrentes da relação de
trabalho. Assim, ao considerar os rendimentos dos prestadores de serviços de transporte
por meio de plataformas digitais como salário, acaba reconhecer que estão inseridos em
uma relação laboral.
Os demais PLs analisados, todos em tramitação e propostos entre 2019 e 2020, modificam
a lei federal do trabalho mexicana para incluir
um capítulo sobre o trabalho realizado por
plataformas digitais.
Uma hipótese que pode explicar essa unanimidade em caracterizar os prestadores como
trabalhadores é a de que a lei sobre o imposto
de renda dispôs que tal relação é laboral, sem
especificar direitos e deveres das partes. Por
isso, os 3 PLs propostos anos depois e que estão em tramitação modificam a lei federal do
trabalho para incluir a consideração de que o
trabalho em plataformas digitais tem caráter
laboral.
Ao propor alterações na legislação trabalhista, as proposições visam regular diferentes aspectos da relação plataforma-prestador. O PL 11/11/20203, por exemplo, disciplina
a forma de remuneração (por entrega, tempo
de trabalho, hora, dentre outras modalidades) e gorjetas, autonomia dos trabalhadores
para definição da jornada de trabalho (com
possibilidade de realização de horas extraordinárias mediante autorização da plataforma), direito à desconexão, estabelece obrigações para o trabalhador (como cuidar dos
instrumentos de trabalho, por exemplo) e
para as plataformas (como fornecer instrumentos de trabalho, por exemplo).
Chama atenção, nos PLs analisados, a definição de elementos que configuram subordinação do trabalhador contida no PL
05/11/2019, segundo a qual “constituem elementos para a determinação da existência de
relação de subordinação, a direção e controle
para o desempenho da atividade de prestação
do serviço de transporte de pessoas ou mercadorias, independentemente do grau de sua
manifestação, bem como a inserção do trabalhador na organização da empresa”. Embora
seja uma diretriz aberta e sujeita a debates sobre o que é inserção do trabalhador na organização da empresa, por exemplo, é útil estabelecer critérios para parametrizar o que é ou
deixa de ser trabalho subordinado.
O mesmo PL define os trabalhadores da economia colaborativa ou de aplicativos digitais
3
No México, os PLs não possuem numeração ou outra forma de identificação além da ementa. Dessa forma, deixamos
como identificação a data de proposição do projeto de lei.
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para a prestação de serviços e/ou entrega de
mercadorias são “aqueles que realizam trabalhos por meio de um aplicativo digital, são regidos por um sistema de reputação, são penalizados se não aceitarem uma oferta de
trabalho dentro de um determinado período e
devem estar em conformidade com certos padrões internos da empresa para fornecer seus
serviços”.
Nota-se que a definição pressupõe a prática
da avaliação e punição em caso de recusa à
oferta de trabalho. O PL também cria dois tipos de trabalho nas plataformas – trabalhadores a tempo completo (são aqueles que dedicam pelo menos seis ou mais horas, pelo
menos cinco dias da semana, constituindo dependência económica) e trabalhadores a
tempo parcial (aqueles que não cumprem
com os requisitos para caracterização do
tempo completo) –, mas considera que as
duas modalidades configuram relação de trabalho.
Por fim, destacamos as disposições do PL
11/11/2020 que, assumindo a existência de
uma relação subordinada, dispõe sobre o dever de a plataforma monitorar o prestador por
ferramenta de geolocalização para garantir a
sua segurança durante o tempo efetivamente
trabalhado e considera que a inatividade do
trabalhador por mais de 60 dias é causa para
extinção do contrato de trabalho (embora
permita que os trabalhadores disponham livremente do seu tempo de trabalho). Notase, dessa forma, que o PL articula elementos
de autonomia nessa relação subordinada.
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Figura 2 - Mapa temático por país
Fonte: elaboração própria
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após a análise dos relatórios e dos projetos de lei dos quatro países selecionados na América Latina,
verificamos que os grandes temas discutidos - (i) regulação e políticas públicas e (ii) desigualdade
e seguridade social - estão em consonância com aquilo que vem sendo debatido no Brasil.
Por fim, destacamos a seguir principais achados da relação entre o debate sobre trabalho em plataforma no Brasil, na Argentina, no Chile, na Colômbia e no México, conforme Figura 02.
1. No Brasil, as proposições legislativas mencionaram expressamente a crise sanitária causada
pela Covid-19, o que não foi verificado de forma geral nos outros países (exceto em um PL
da Argentina).
2. No Brasil, a Covid-19 influenciou fortemente a discussão do tema no Congresso Nacional.
[Por isso, temas como saúde e segurança (uso de máscara e álcool em gel, por exemplo)
ficaram em destaque.]
3. Em todos os países, houve preocupação com a caracterização do regime (independentemente de qual regime seja: autônomo, empregado, figura intermediária).
4. Preocupações com a regulação da decisão automatizada só apareceram no Brasil.
5. Preocupações com < condições de trabalho: alimentação > só apareceram no Brasil.
Também destacamos algumas particularidades foram encontradas em cada país e estão destacadas abaixo (Figura 03).
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Figura 3 – Destaques por país
Fonte: elaboração própria
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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FICHA TÉCNICA
REALIZAÇÃO
Apoio
EQUIPE
Coordenação Geral
Alexandre Pacheco da Silva
Marina Feferbaum
Líder de pesquisa
Ana Paula Camelo
Co-líder de pesquisa
Guilherme Forma Klafke
Pesquisadores(as)
Ana Carolina R. Dias Silveira
Arthur Cassemiro Bispo
Bruno Ett Bícego
Gabriela Marcassa Thomaz de Aquino
Olívia Q. Figueiredo Pasqualeto
Este trabalho está licenciado sob uma licença
Creative Commons CC BY Atribuição 4.0 Internacional.
COMO CITAR ESTE TRABALHO
CENTRO DE ENSINO E PESQUISA EM INOVAÇÃO DA FGV DIREITO SP. Briefing temático #3: Diálogos com Argentina, Chile, Colômbia e México - De que futuro do trabalho
estamos falando? – versão 1.0. São Paulo: FGV
Direito SP, 26 fev. 2021.
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