Transversalidadidad

Introdução Não são raros os estudos organizacionais e de administração pública, em particular, que apresentam as mudanças organizacionais como necessárias para adaptação a um ambiente em transformação. Ainda que esta assertiva seja válida, é incompleta. O modo como interpretamos os acontecimentos, as normas e os requisitos de ação também vão se sofisticando, dentro e fora da dinâmica das organizações, demandando ações mais complexas. É um processo dialético, que pode ser compreendido pela chave das ideias e das instituições; as regras do jogo que perpassam fronteiras organizacionais e influenciam atores e suas decisões. Se, por exemplo, há algumas décadas, a demanda social era pela universalização da educação, na atualidade esse objetivo não vem desacompanhado de exigências por educação de qualidade, de democratização no acesso, de tratamento equitativo a diferentes grupos, de condições de permanência que extrapolam os limites da escola. As definições de interesse público e de direitos foram atualizadas. Nesse fluxo, recentemente, a administração pública, suas ações e seu discurso, tem refletido requisitos como participação social, accountability, multidisciplinariedade, integralidade, pressão fiscal entre outros, que passam a incorporar a agenda de governo em diferentes países e regiões (Denhardt & Denhardt, 2000, 2007; Kingdon, 2011; Peters, 2006). Para fazer face a esses novos requisitos institucionais, novas arquiteturas intra e interorganizacionais são difundidas e arranjos institucionais complexos são propostos (Lotta & Vaz, 2015). Nesse contexto, um dos elementos recorrentemente aventados como fundamental para essa nova dinâmica tem sido a transversalidade. De fato, vários autores apontam a crescente utilização deste termo, que, todavia, não tem sido acompanhada de estudos acadêmicos que deem conta de sua delimitação conceitual (Larossa, 2015; Marcondes, Sandim, Diniz & Nogueira, 2015; Reinach, 2013a, 2013b; Silva, 2011). Estudos recentes contrastam o amplo uso do termo transversalidade e a relevância que lhe é atribuída com a quase inexistência de pesquisas acadêmicas sobre seu conteúdo e relação com a administração pública. Ademais, outro ponto relevante é a existência de poucos estudos sobre limites e potencialidades da estratégia da transversalidade em políticas públicas, especialmente como foco empírico (Marcondes et al., 2015; Papa, 2012). A despeito do escasso desenvolvimento teórico sobre o tema, são fartas as citações sobre transversalidade tanto no meio acadêmico como no meio governamental. Muitos estudos e documentos, no entanto, restringem-se a citar transversalidade como requisito necessário, como qualificação para um tipo de política, ou como característica inata do tema, sem aprofundamento ou desdobramentos. No contexto brasileiro, o termo tem sido utilizado amplamente. Planos nacionais, em áreas como direitos humanos e política para mulheres (Brasil, 2013; Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República [SEDH], 2010), fazem referência ao caráter transversal da política. Além disso, instrumentos centrais de planejamento e orçamento apresentam "transversalidade" recorrentemente em sua documentação. A transversalidade é citada desde o Planu Pluri Anual-PPA 2004-2007 (Brasil, 2004), assumindo, por fim, destaque por meio das Agendas Transversais, documento orientador do governo federal, que congregava elementos do planejamento (programas, objetivos e metas) e estaria vinculado a áreas do governo federal, como igualdade racial, mulheres, criança e adolescente, mas também temas como meio ambiente, drogas e desenvolvimento regional (Brasil, 2011).